SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE EDUCAÇÃO
PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA - PARFOR
Disciplina: Literatura Portuguesa – origens e período Medieval
Professora: Alessandra Conde
Turma: Letras 2014 – Capanema
ATIVIDADES
Leia o texto abaixo e responda as questões abaixo descritas:
MALEVAL, Maria do Amparo. Poesia medieval no Brasil. Rio de Janeiro: Ágora da
Ilha. 2002. p. 13-18.
1.1. Cantigas de amor
Nas cantigas de amor, masculinas1, o trovador expressa via de regra a sua renúncia ou
sua dor, a sua coita, provocada pela sintomatologia amorosa e pela indiferença, pela
falta de mercê da dama, da senhor inalcançável; desta louva as virtudes e a beleza sem
par, mas sem particularizar-lhe o físico: sabemos que é jovem, esbelta (“delgada”) e
clara (“alva”), sendo que o trovador Johan Garcia de Guilhade acrescentaria a esses
dados o dos “olhos verdes”, inaugurando uma longa tradição que até os nossos dias
perdura. Algumas poucas vezes, os trovadores expressarão a sua alegria (a joi
provençal) por amar, e outras muitas o tema da morte por amor. Nelas se fazem nítidas
as influências do Trovadorismo occitano ou provençal, como ficou mais conhecido,
praticado no sul da hoje França.
Após o apogeu alcançado no século XII, a poesia em langue d’oc sofreria a perseguição
da Igreja, que à época combatia a heresia sob todas as suas formas, notadamente a dos
cátaros ou albigenses; daí o culto à dame sans merci da cansó ter sido canalizado para o
culto à Virgem, mãe de Jesus. Mas o amor profano continuaria a ser cantado na cantiga
de amor galaico-portuguesa que, embora com matizes ibéricos, alguns deles decorrentes
1
“A diferença entre as cantigas de amor e as de amigo consiste, segundo [a Arte de trovar], em que nestas
se supõe que fala uma mulher, ao passo que naquelas o trovador fala em seu próprio nome. As cantigas de
amigo são, portanto, quanto ao tema, cantigas de mulher, e o nome por que são conhecidas designa o seu
objecto, o amigo ou namorado, geralmente referido logo no primeiro verso. Nas poesias dialogadas, o
critério de classificação é, segundo a mesma arte de trovar fragmentária, o do ponto de vista sentimental
dominante: o de elas ou o de eles” (SARAIVA; LOPES, 1989. p. 43-69).
do contágio com a poesia feminina autóctone, propugnava a vassalagem amorosa, o
amor como um serviço militar, segundo as regras da fin’amors, que hoje conhecemos
sob a denominação de amor cortês.
A maestria dos provençais serviu de paradigma para os compositores ibéricos, que
muitas vezes conseguiram furtar-se ao uso do refrão, típico da poesia popular, nãopalaciana. As marcas occitanas se fazem presentes em muitos recursos, definidos na
Arte de trovar, como a fiinda (remate da cantiga, de um a quatro versos), o dobre
(repetição paralela de uma palavra na estrofe), o mordobre (repetição de vocábulos
através de formas derivadas) e a palavra perduda (verso que não rima com outros na
estrofe). Se “menos variadas do que as provençais”, essas técnicas “ganham, por outro
lado, em poder de concentração”, como ressalta Yara Fratescchi Vieira (VIEIRA, 1992,
p. 54).
1.2. Cantigas de amigo
As cantigas de amigo se filiam aos cânticos femininos de extração autóctone, muito
embora escritos, ainda que documentando a tradição, também pelos mesmos autores dos
demais gêneros, e apresentando por vezes uma clara influência da cantiga de amor.
Nelas, as jovens solteiras, alvas, delgadas, todas igualmente belas, exprimiam anseios
amorosos, o desejo de encontrar ou reencontrar o namorado, amigo chamado, a saudade
provocada pela sua ausência; tinham por interlocutores a mãe ou as irmãs ou o próprio
amigo ou algum elemento da natureza ou da religião, etc.. Exercendo um papel ativo no
processo de sedução, não se limitavam, principalmente nas paralelísticas, a serem
objeto do respeitoso culto prestado à mulher incorpórea das cantigas de amor. Antes,
dirigiam-se às fontes e ermidas, onde, nos seus adros,ou sob as avelaneiras frolidas,
bailavam para atrair os jovens com a sua beleza e desenvoltura.
Em estudos anteriores (MALEVAL, 1999, p. 47-61, 97-98) já destacáramos a
antigüidade desses cantos de mulher, os quais, se não foram os únicos praticados na
Europa medieval, apresentam características que os distinguem dos demais – dentre
elas, e principalmente, as imagens através das quais se insinua um sensualismo
desconhecedor das noções de pecado ou culpa trazidas pela Igreja cristã. Assim, as
ondas do mar são não apenas oráculos consultados pela jovem desejosa de novas do
amigo ausente, mas elementos evocadores/incitadores da libido ou locais do banho de
amor preparador do encontro amoroso; a fonte deixa de ser exclusivamente lugar que
propicia o abastecimento de água doméstico, onde cântaros são enchidos, ou onde as
roupas são lavadas, para se transformar em ponto de namoro e símbolo da sexualidade e
fecundidade femininas, buscada pelo amante sedento, por sua vez representado na
imagem do cervo nas cantigas de Pero Meogo (AZEVEDO FILHO, 1995). Esta
imagem do cervo é típica do paganismo hispânico e, acrescentamos, relacionada com o
culto ao deus com chifres de veado, o Cernuno dos celtas; fora, também, representada
na Bíblia como termo comparante do enamorado.
Enfim, afora esta e outras imagens evocadoras de uma sensualidade que persistira a par
da ação coercitiva da Igreja, por ser necessária à reprodução e manutenção do grupo,
constantemente ameaçado por peste, fomes e guerras, também a música e os aspectos
formais dessas cantigas dão provas da sua ancianidade.
Assim, não são estranhos à sua composição o céltico alálá e as técnicas do paralelismo,
facilitadoras da memorização – como o leixa-pren e o refrão –, bem como outras formas
de repetição, literal ou de palavras, estrutural ou sintática e rítmica, e mental ou
semântica, isto é, de significação ou conceito. A estrutura paralelística dos dísticos
(geralmente seis a oito estrofes, que se reduzem à metade, se levada em conta a unidade
de sentido de cada par) seguidos de refrão, sua pouca variação interestrófica aproximam
a poesia das formas ritualísticas da magia.
Portanto, a natureza, a magia, a religião e a sexualidade se congregam nesses cânticos,
também chamados, de acordo com os locais ou circunstâncias que representam,
cantigas de fonte, de romaria, marinhas, barcarolas, bailadas....; e apontam as suas
origens imemoriais. Esses antigos cantos de mulher foram, de resto, condenados pela
Igreja em vários documentos eclesiásticos, já que considerados de caráter licencioso.
Justamente na sua especificidade simbólica, as cantigas de amigo diferem
essencialmente das carjas moçárabes, que muitos julgavam as suas ancestrais. As carjas
eram pequenas composições de caráter popular em língua romance arabizada, usadas
como remate de poemas (muuaxahas) por poetas hispano-árabes ou hispano-judeus dos
séculos XI a XIII. Também eram cânticos amorosos expressos em voz de mulher; mas,
além de apresentarem situações e emoções mais variadas que as da cantiga de amigo, a
sua ambientação é urbana, e não rural. Scudieri-Ruggieri (1962, p. 7-33) defende a
ancianidade dos cantos de mulher galaicos, que teriam sido levados para a Andaluzia
por escravos galegos. Já Yara Frateschi Vieira opta por “supor como provável a
existência na Península Ibérica de uma poesia feminina pré-trovadoresca”; esta ter-se-ia
“diversificado segundo os contextos sócio-culturais: em „cantigas de amigo‟ no
Noroeste, em „cantigas moçárabes‟, na Espanha muçulmana”. Ressalta ainda a
especialista o caráter reelaborado de muitas cantigas de amigo, feitas por poetas
aristocráticos, ainda que baseados na tradição popular (VIEIRA, 1992, p. 48-49).
1- Considerando os comentários de Maria do Amparo Maleval (2012, p. 13-18) sobre as
cantigas de amor e o fragmento da obra História da Beleza de Umberto Eco (2010, p.
161), sobre o mesmo assunto, defina o conceito de cantiga de amor e quais as
características principais.
Fragmento da obra de Umberto Eco (2010, p. 161):
(...) É por volta do século XI que tem início a poesia dos trovadores provençais, seguida
pelos romances cavaleirescos do ciclo bretão e pela poesia dos stilnovistas italianos. Em
todos estes textos, desenvolve-se uma imagem particular da mulher, como objeto de
amor casto e sublimado, desejada mas inatingível, e muitas vezes desejada por ser
inatingível. Uma primeira interpretação desse comportamento (referindo-se em
particular à poesia dos trovadores) é que ele seria manifestação de obséquio feudal: o
senhor, voltado na época para as aventuras das cruzadas, está ausente, e o obséquio do
trovador (que é sempre um cavaleiro) desloca-se para a senhora, adorada, mas
respeitada, de quem o poeta se faz vassalo, seduzindo-a platonicamente com suas
canções. A dama assume o papel que caberia ao senhor, mas a fidelidade ao senhor faz
com que seja intocável.
2- A poesia modernizada de Natália Correia, transcrita abaixo, assemelha-se à poesia
“Eu velida nom dormia” de Pedro Anes Solaz, trovador medieval. Considerando o
exemplar modernizado de Natália Correia, tendo como base o texto de Maria do
Amparo Maleval, acima disposto, responda as seguintes questões:
a) A que gênero pertence a cantiga de Natália Correia?
b) Quais as características principais deste gênero?
Cantiga de Natália Correia
Sem o meu amigo sinto-me sózinha
e não adormecem estes olhos meus.
Tanto quanto posso peço a luz de Deus
e Deus não permite que a luz seja minha.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
Quando eu a seu lado folgava e dormia
depressa passavam as noites; agora
vai e vem a noite, a manhã demora;
demora-se a luz e não nasce o dia.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
Diferente é a noite quando ele aparece
meu lume e senhor e o dia me traz;
pois apenas chega logo a luz se faz.
Vai-se agora a noite, vem de novo e cresce.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
Padres-nossos já rezei mais de um cento
implorando Àquele que morreu na cruz
que cedo me mostre novamente a luz
em vez destas longas noites de Advento.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
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Literatura Portuguesa Medieval