A PRESENÇA DA POESIA TROVADORESCA E DAS CANTIGAS DE AMOR NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: “QUEIXA”, DE CAETANO VELOSO. Tábata Cristina Eloi Lemos1 (UECE / FECLESC) [email protected] RESUMO: A poesia trovadoresca, dividida em suas cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e de maldizer, vem sendo encontrada em diversos meios de transmissão da cultura contemporânea, como nas poesias e na música popular. A transmissão desta poesia, feita de forma oral e tendo como fator primordial o seu surgimento de forma autóctone e de imitação provençal, foi espalhada ao longo do tempo através de jograis, cantores, procissões e principalmente pelos trovadores que compunham propriamente suas canções e levavam ao conhecimento do povo. Neste artigo, objetivamos demonstrar a presença da poesia trovadoresca na Música Popular Brasileira, destacando os traços desta poesia na letra de uma música contemporânea através de sua interpretação, resgatando o sentido das cantigas de amor, tanto em seus aspectos formais como também em seus aspectos temáticos. O estudo estará focalizado principalmente nos aspectos temáticos. Será trabalhada a leitura da canção “Queixa” de composição de N.Siqueira/E. Neves e interpretada por Caetano Veloso. Multidões reúnem-se hoje para ouvir seus cantores prediletos e letras de músicas que falam dos mesmos temas das cantigas medievais são decoradas pelos fãs. Composições sentimentais que falam de amores não correspondidos ou de saudades são tocadas diariamente, centenas de vezes pelas emissoras de rádio. Até chegar ao estudo da música, faremos uma abordagem da poesia trovadoresca, suas origens, características e divisões. PALAVRAS-CHAVES: poesia trovadoresca, música popular, cantigas de amor ABSTRACT: The troubadour poetry, divided in their love songs, chants and songs from a friend of scorn and cursing, has been found in various means of transmission of contemporary culture, as in poetry and popular music. The transmission of this poetry, made orally, and taking as the key to its emergence and the indigenous imitation of Provencal, was spread over time through acrobats, singers, processions, and especially the minstrels who composed songs properly and led to knowledge of the people. In this article, we demonstrate the presence of troubadour poetry of Brazilian popular music, highlighting the features of this poetry in the lyrics of a contemporary music through his interpretation, recovering the meaning of love songs, both in its formal aspects but also in its thematic aspects. The study will be focused mainly on thematic aspects. Will be crafted reading of the song "complaint" composition of N. Smith / E. Neves and performed by Caetano Veloso. Crowds gather today to hear their favorite singers and lyrics that speak of the same themes of medieval songs are decorated by fans. Sentimental pieces that speak of unrequited love or longing are played every day, hundreds of times by the radio. Until you reach the study of music, we will approach the troubadour poetry, its origins, characteristics and divisions. KEYWORDS: troubadour poetry, popular music, love songs. 1 Licencianda em Letras – Português, 9° semestre pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, no campus da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central – FECLESC – Quixadá – Ceará - Brasil. A POESIA TROVADORESCA: A ARTE DE CANTAR O AMOR E AS MAZELAS DO POVO. Toda repetição está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor. A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o e (por que não dizê-lo?) reinventa. (CARVALHAL, 1992, p.53:54). Partindo deste conceito, o presente artigo vem mostrar ecos de presença da poesia trovadoresca, principalmente as cantigas de amor, na Música Popular Brasileira, através da canção “Queixa” de Caetano Veloso. As cantigas de amor, agora reinventadas, espalham-se para um público novo. Segundo Massaud Moisés (1974), o Trovadorismo encaixa-se como a primeira manifestação literária em língua portuguesa, o que ocorreu durante os séculos XII, XIII e XIV. Isto acontece justamente quando Portugal avança como nação independente. Suas origens ainda são debatidas com bastante suspeita, pois se admitem 4 teses fundamentais para o seu surgimento: a tese arábica, que considera a cultura arábica como fonte inspiratória da poesia trovadoresca; a tese folclórica, que julga a poesia trovadoresca como uma criação popular; a tese médio-latinista, em que a poesia trovadoresca formou-se pela herança clássica produzida durante a Idade Média; e a tese litúrgica, pela qual a poesia trovadoresca deriva da poesia latino-eclesiástica, fruto da poesia litúrgico-cristã. Sendo a população praticamente toda analfabeta, a poesia trovadoresca transmitia-se oralmente. nessa época, produziram-se as cantigas que eram poemas feitos para serem cantados ao som de instrumentos musicais. Por esse motivo, os poemas receberam o nome de cantigas. O cantor destas composições poéticas era comumente chamado de jogral e o autor recebia o nome de trovador, daí a denominação dada a esse período: Trovadorismo. (TUFANO, 1990, p. 10) A poesia trovadoresca que era aliada a música, ao canto, a dança recebia o nome de cantiga, vinda sempre acompanhada por instrumentos como viola, harpa, saltério, alaúde dentre outros. Apresentavam um refrão e por isso não é possível concebê-las sem um acompanhamento musical. As poesias trovadorescas nada mais do que versos cantados. O público era composto por ouvintes e não por leitores. Como a poesia trovadoresca era transmitida basicamente pela modalidade oral, foi praticamente impossível que algumas de suas cantigas não se perdessem ao longo do tempo. O registro destas cantigas só foi possível após muito tempo, através dos Cancioneiros, grandes coletâneas das canções produzidas durante o período trovador. Os principais cancioneiros são: Da ajuda, com 310 cantigas, basicamente todas de amor; Da Vaticana, com 1205 cantigas em todos os seus tipos e o Da Biblioteca Nacional, com 1647 canções, também de todos os tipos. A “Cantiga da Ribeirinha” ou “Cantiga de Guarvaia”, de 1198, de Paio Soares de Taveirós, é a mais antiga cantiga que se tem notícia. É considerada o marco inicial da Literatura Portuguesa. Mas isso não quer dizer que antes desta data, não possa ter havido outras manifestações poéticas. Pelo fator linguístico, o idioma empregado nas cantigas era o galego-português. A poesia trovadoresca se apresenta em dois gêneros: o lírico amoroso e o satírico. importa considerar mais pormenorizadamente esta cultura profana em galegoportuguês, isto é, a poesia trovadoresca, designação que, na Península Ibérica, engloba composições líricas (cantigas de amor e cantigas de amigo) e composições satíricas (cantigas de escárnio e maldizer; e o servetês), de acordo com a dualidade que ainda hoje nos caracteriza: lirismo e sátira. (TARRACHA FERREIA, 1998, p. 10). Nas cantigas de amigo, o que se encontra é o drama da mulher que foi abandonada por seu amado, que a deixou para lutar na guerra ou que a trocou por outra mulher. É possível observar diálogos entre a mulher e sua mãe, sua irmã ou até mesmo com elementos da natureza, deixando transparecer toda a tristeza, mágoa e a saudade de seu amado. O trovador assume o eu - lírico feminino, ou seja, a voz da mulher é que toma a forma da cantiga. As cantigas de amigo são autóctones e por isso eram essencialmente populares. Nestas composições o que mais predomina é a musicalidade, juntamente com o refrão ou paralelismo (repetição do último verso em todas as estrofes da cantiga), o que deixa claro a transmissão oral a que foi submetida. As cantigas de escárnio e maldizer transmitiam toda a rudeza (não confundamos com ignorância) do espírito do homem medieval. Estas cantigas tinham como finalidade relatar costumes e vícios, principalmente os dos mais poderosos, revelando os acontecimentos mais escandalosos daquela época. as cantigas satíricas apresentam interesse, sobretudo histórico. São verdadeiros documentos da vida social, principalmente da corte. Fazem ecoar as reações públicas a certos fatos políticos: revelam detalhes da vida íntima da aristocracia, dos trovadores e dos jograis, trazendo até nós os mexericos e os vícios ocultos de fidalguia medieval portuguesa. (AMARAL, 2000, p.44) A diferença entre elas (escárnio e maldizer) consiste em que, nas cantigas de escárnio a crítica era feita através da ridicularização dos costumes, dos acontecimentos e das pessoas, tudo isso maliciosamente, sem revelar nome algum. Já nas cantigas de maldizer, o uso de expressões de baixo calão eram frequentes, com uma linguagem bem direta, cheia de palavrões e xingamentos. Havia identificação do criticado, a partir de ataques diretos. essas duas formas de cantiga satírica, não raro escrita pelos mesmos trovadores que compunham poesia lírico-amorosa, expressavam como é fácil depreender o modo de sentir e de viver próprio dos ambientes dissolutos, e acabaram por ser canções de vida boêmia e encouraçada, aquela que encontrava nos meios frascários e tabernários seu lugar ideal. A linguagem em que eram vazadas admitia por isso mesmo, expressões licenciosas ou de baixo calão. Poesia “forte” desabando para a pornografia ou o mau gosto, possui escasso valor estético, mas em contrapartida, documento os meio populares do tempo, na sua linguagem e seus costumes, com uma flagrância de reportagem viva. (MOISÈS, 1974, p. 28) As cantigas de amor consistiam na imitação original dos modelos provençais, sendo adaptadas ao temperamento lírico e saudosista. No eu – lírico caracterizado como masculino, encontramos o trovador sofrendo pela mulher amada, sendo que a mesma é nobre, idealizada, chegando a ser inacessível. (...) as cantigas líricas provençais expressam o sentimento de amor do trovador pela dama, que aparece sempre em posição superior, aristocrática e distante. O trovador é alguém que implora seus favores e sua atenção, não escondendo por trás das sutilezas da linguagem todo o erotismo do desejo amoroso. O relacionamento entre a dama e o trovador reflete o relacionamento entre o senhor e o vassalo da sociedade feudal: à distância e extrema submissão. Esse comportamento comedido do trovador, a obediência a sua senhora o desejo de servi-la, tudo isso representa o amor cortês, característica típica da poesia trovadoresca. (TUFANO, 1990, p. 113). Nessa composição poética, a linguagem é mais elaborada, pois o trovador dirige-se circunstancialmente a uma mulher casada (que vive preferencialmente em palácios). O trovador presta-lhe honra servil, zela pela sua reputação, gerando assim um grande desejo inalcançável de vassalo. QUEIXA: A ATUALIZAÇÃO DAS CANTIGAS DE AMOR NO SÉCULO XXI. Na contemporaneidade, podemos encontrar o trovadorismo um pouco velho para o gosto da grande maioria dos leitores, mas não podemos pensar que todas as suas características tenham caído no esquecimento geral. Muitas das características citadas acima se fazem presentes hoje nas obras contemporâneas, principalmente na música, só bastando um pouco mais de estudo e informação. É coerente perceber que estas obras possuem apreciação do público, e com a abertura das informações, é possível despertar para o conhecimento de suas origens, que tanto mexem com os sentimentos e as emoções dos ouvintes contemporâneos. multidões reúnem-se hoje para ouvir seus cantores prediletos, letras de músicas que falam dos mesmos temas das cantigas medievais são decoradas pelos fãs. Composições sentimentais que falam de amores não correspondidos ou de saudades são tocadas diariamente, centenas de vezes pelas emissoras de rádio. (TUFANO, 1190, p. 111). É neste contexto que trazemos para análise a poesia contida na letra da música “Queixa” de Caetano Veloso, composta por N. Siqueira e E. Neves, presente no álbum Cores Nomes, de Caetano Veloso, lançado em 1982. Queixa Caetano Veloso Composição: N.Siqueira / E. Neves Um amor assim delicado Você pega e despreza Não devia ter despertado Ajoelha e não reza Dessa coisa que mete medo Pela sua grandeza Não sou o único culpado Disso eu tenho a certeza Princesa, surpresa, você me arrasou Serpente, nem sente que me envenenou Senhora, e agora, me diga onde eu vou Senhora, serpente, princesa Um amor assim violento Quando torna-se mágoa É o avesso de um sentimento Oceano sem água Ondas, desejos de vingança Nessa desnatureza Batem forte sem esperança Contra a tua dureza Princesa, surpresa, você me arrasou Serpente, nem sente que me envenenou Senhora, e agora, me diga onde eu vou Senhora, serpente, princesa Um amor assim delicado Nenhum homem daria Talvez tenha sido pecado Apostar na alegria Você pensa que eu tenho tudo E vazio me deixa Mas Deus não quer que eu fique mudo E eu te grito esta queixa Princesa, surpresa, você me arrasou Serpente, nem sente que me envenenou Senhora, e agora, me diga onde eu vou Amiga, me diga... Na canção “Queixa” de Caetano Veloso, encontramos aspectos formais e temáticos que a inserem como uma cantiga de amor contextualizada contemporaneamente. Uma atmosfera de súplica enche a música do início ao fim. O sofrimento de quem canta é extremamente torturante. Composta em quadras e em redondilhas encruzadas, é tomada por um refrão que mostra o motivo da cantiga: a presença da coita (sofrimento amoroso) é claramente observada. A “coita” do eu – poético pelo amor não merecido, causa um “penar” já cantado por outros tantos trovadores a moda do grande D. Dinis. Caetano se consome num queixoso lamento (daí a intitulação da música como Queixa), por causa de sua “Senhora”, sua “Princesa” que não aceita tomar para si o amor tão grande que ele carrega dentro do peito. É uma súplica apaixonada e triste. Atormentado diante da impossibilidade de alcançar o seu objeto de desejo (mulher amada), Caetano compara a mesma a uma “serpente”, que o seduz metaforicamente e o faz sucumbir de tanto sentimento. O amor antes “delicado” (um amor assim delicado...) cheio de códigos de honra (trovador – músico x mulher) entra em conflito, pois a recebedora de tanto amor é superior ao trovador – músico e a jovialidade da “princesa” se interpõe como um componente de extrema perdição, a carnalidade da mulher, a quem compete à culpa do sentimento (dessa coisa que mete medo pela sua grandeza), a paixão que é reprimida e pode virar outro sentimento (um amor assim violento, quando torna-se mágoa, é o avesso do sentimento), traduzindo um amor fatal. A temática das cantigas de amor na canção de Caetano Veloso apresenta ainda outras variantes: saudosismo (você pensa que eu tenho tudo e vazio me deixa); desespero provocado pelo afastamento da dona (mas Deus não quer que eu fique mudo e eu te grito esta queixa / Princesa, surpresa você me arrasou / Serpente nem sente que me envenenou); despedida da amada (Senhora e agora me diga onde eu vou / Amiga me diga...) Em outros versos, refletem a nossa maneira de ser e constituem simultaneamente uma marca da época: timidez amorosa (um amor assim delicado você pega e despreza); comprazimento na paixão infeliz (um amor assim delicado nem um homem daria / Talvez tenha sido pecado apostar na alegria); revolta contra o poder fatal da “coita de amor” (ondas desejos de vingança nessa desnatureza / Batem forte sem esperança contra a sua dureza); queixa pela indiferença da dona e aspiração a “morrer de amor” (um amor assim violento quando torna-se mágoa / É o avesso de um sentimento / Oceano sem água). Todo o drama que leva ao desvairamento exprime-se nesta canção / cantiga por meio de processos retóricos: jogos semânticos (um amor assim delicado nenhum homem daria) e antíteses (ajoelha e não reza). CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos então, que a música “Queixa” de Caetano Veloso, têm sua origem com a poesia trovadoresca da Idade Média. Despertando o interesse de conhecê-la, levamos a descobrir pontos presenciais das cantigas de amor na Música Popular Brasileira, percebendo o amor servil do trovador – músico pela Senhora – mulher amada. As pessoas continuam a sofrer “por amor”, “morrer de amor”, escrevendo seus sentimentos e transformando-os em poesias e músicas. A letra de “Queixa” dialoga sem dúvida, nenhuma com as cantigas líricas de amor da época medieval. As barreiras geográficas e temporais não impedem que os temas universais estejam presentes em outros textos, como neste caso, a música e em outros autores, em diferentes épocas e lugares. “Queixa”, encontrou inspiração nas cantigas líricas provençais, principalmente nas cantigas de amor, recorrendo ao tema típico desta: o trovador que sofre por não ver correspondido o seu amor pela mulher amada. Amor, saudade, rejeição e veneração são sentimentos universais, atemporais. Apenas as formas de expressá-los é que mudam ao passar dos séculos. Atentemos para as características que mencionamos ao longo do texto entre a música de Caetano Veloso e as principais características das cantigas de amor trovadorescas. Assim podemos despertar o interesse do nosso leitor pela Literatura Portuguesa, principalmente no que concerne a poesia trovadoresca, trabalhando com outras manifestações literárias, tornando mais fácil e agradável a comparação entre diferentes épocas. Desta forma, resgatamos informações e temas recorrentes, aumentando o dialogismo entre os textos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Emília. Português novas palavras: Literatura, Gramática e Redação. 1º Ed. São Paulo, FTD, 2000. CARVALHAL, Tãnia Franco. Literatura Comparada. 2º Ed. São Paulo. Ática. MOISÈS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 12º Ed. São Paulo, Cultrix, 1974. TARRACHA FERREIRA, Maria Ema. Poesia e Prosa Medievais. Biblioteca Uliseia de Autores Portugueses. 2º ed., 1998. TUFANO, Douglas. Estudos de Língua e Literatura. 4º Ed. São Paulo, Moderna, 1990. VELOSO, Caetano. Queixa. Cores e Nomes. 1982. http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com/2007/01/trovadorismo.html. Acesso 10/10/10. http://letra.terra.com.br/caetano-veloso/44767/ Acesso em: 10/10/10. http://pt.wikipedia.org/wiki/trovadorismo. Acesso em: 10/10/10. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cantiga_de_amigo. Acesso em: 10/10/10. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cantigas_de_escarnio_e_maldizer. Acesso em: 10/10/10. www.grupoescolar.com/materia/cantigas_de_amor.html. Acesso em: 10/10/10. em: