SOS QUÍMICA - O SITE DO PROFESSOR SAUL SANTANA. ARTIGOS & TESTOS: CÉSIO 137 - O ACIDENTE DE GOIANA OBS: CLICAR AQUI E VEJA AS FOTOS DAS VÍTIMAS E LOCAIS. O Fato Era 13 de setembro de 1987. Um aparelho de radioterapia contendo césio-137 encontrava-se abandonado no prédio do Instituto Goiano de Radioterapia, Esta fazia parte de um equipamento hospitalar utilizado para radioterapia que utiliza o Césio-137 para irradiação de tumores, ou materiais sanguíneos (sangue e plasma sanguíneo), desativado há cerca de 2 anos. Dois homens, Roberto e Wagner, à procura de sucata, invadiram o local, o prédio abandonado, e encontraram o aparelho, e observaram um volume muito pesado, constatando ser um bloco de chumbo, venderam para um depósito de materiais em desuso, chamado no Brasil de ferro velho.que foi levado e vendido ao dono do ferro-velho. Ao desmontar o equipamento para o reaproveitamento do chumbo, o dono do ferro velho expôs ao ambiente 19,26 g de Cloreto de Césio-137 (CsCl), este é um sal muito parecido com o sal de cozinha (NaCl), porém emite um brilho azulado quando em local desprovido de luz. Encantado com o brilho do pó, o dono do ferro-velho passou a mostrá-lo e até distribuí-lo a amigos e parentes. Atraídos pela luminescência do césio, adultos e crianças o manipularam, O "pó venenoso", contendo cloreto de césio, foi manuseado pelas pessoas que o deixavam onde colocavam as mãos os pés ou onde se sentavam; foi distribuído para ser levado para casa em vidrinho, colocado no bolso, esfregado no corpo. Foi varrido para baixo de armários, para a cozinha, para o quintal. Foi lavado pela chuva e carregado pelo vento. Ao ser violada, perdeu, aproximadamente 90% do seu conteúdo, com o césio em pó espalhando-se num pequeno pedaço de tapete colocado sobre o chão, à sombra de duas mangueiras. Parte do material ficou no recipiente, mais tarde levado para outro local. Um complexo encadeamento de fatos resultou na contaminação de três depósitos de ferro-velho, um quintal, uma repartição pública e diversas residências e locais públicos. (Rua 57, nº 68 [casa do Roberto]; rua 63, nº 19, fundos [casa do Ovídio]; rua 26-A e rua 15 [ferro-velho I - Devair]; rua 6, quadra Q, lote 18 [ferro-velho II - Ivo]; rua P 19, lote 4 [ferrovelho III - Joaquim]; rua 17-A, quadra 70 A, lote 26 B [casa da fossa-Ernesto Fabiano]; rua 16-A nº 792 [Vigilância Sanitária]) A cápsula e seus fragmentos foram manipulados a céu aberto, o que contaminou diretamente o solo. Parte do material foi transportada inocentemente por pessoas, encantadas por aquele pó sem cheiro, nem quente nem frio, sem gases, inofensivo. Devair presenteou sua sobrinha Leide, de seis anos, com uma porção do pó cintilante; a menina espalhou-o pelo corpo e comeu pão com as mãos sujas, ingerindo césio. Um dos companheiros de Devair esfregou o pozinho na pele para sentir o brilho no próprio corpo; outro guardou um pouco no bolso, pegou um ônibus e foi para casa, enfeitou a geladeira com uma parte e guardou o resto embaixo da cama para ver o brilho durante a noite. A propagação do césio-137 para as casa próximas onde o aparelho foi desmontado se deu por diversas formas. Merece destaque o fato de o CsCl ser higroscópico, isto é, absorver água da atmosfera. Isso faz com que ele fique úmido e, assim, passe a aderir com facilidade na pele, nas roupas e nos calçados. Levar as mãos ou alimentos contaminados à boca resulta em contaminação interna do organismo. Os primeiros sintomas da contaminação (tonturas, náuseas, vômitos e diarréia) apareceram algumas horas depois do contato com o pó, levando as pessoas a procurar farmácias e hospitais, sendo medicadas como portadoras de uma doença contagiosa. Os sintomas só foram caracterizados como contaminação radioativa em 29 de setembro, depois que esposa do dono do ferro-velho levou parte do aparelho desmontado até a sede da Vigilância Sanitária. Somente, um dia após a esposa e um empregado de Devair terem levado parte do aparelho para a sede da Coordenadoria de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde, aqueles sinais foram identificados como característicos da síndrome da radiação. Alguns pacientes já tinham sido recebidos pelo Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia (HDT) e um dos médicos consultou a Secretaria de Saúde de Goiás, cabendo ao físico Walter Mendes Ferreira, que ali trabalhava, dar o alarme. Sugeriram as primeiras providências, como a evacuação dos locais em que a fonte permanecera e o recolhimento dos possíveis contaminados no Estádio Olímpico , onde foram improvisadas barracas para alojamento. Quatro pessoas morreram. Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), além delas, de 112.800 pessoas que foram monitoradas, 129 apresentaram contaminação corporal interna e externa. Destas, 49 foram internadas e 21 exigiram tratamento médico intensivo. Tratamento Médico Em 3 de outubro, embarcaram três pacientes e no dia seguinte mais quatro pacientes para serem internados no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. Cerca de 40 pessoas foram segregadas em Goiânia, internadas no Hospital Geral do INAMPS e mantidas em quarentena no Centro de Recuperação da FEBEM. Devair, com um eritema na face, indicava contaminação com alta taxa de dose de radiação na cabeça e a menina Leide, apontava alta contaminação interna, os detectores, quando próximos dela, disparavam. Nesse primeiro momento o tratamento das vítimas em estado menos grave consistia, basicamente, em descontaminação externa com lavagem, usando água e sabão ou um detergente suave, para retirar da pele o pó e resíduo e melhorar as condições de eliminação das partículas gordurosas. A rotina consistiu em banhos e monitoração para verificar se os índices diminuíam. Em alguns foi usado vinagre, que é um ácido fraco, de ação abrasiva suave. Potássio e césio hidratados permitiram a descontaminação interna, por coprecipitação, através da preparação de resinas catiônicas sintéticas carregadas com Azul da Prússia (ferrocianeto férrico). Como elas não podem ser aplicadas a seco, foram preparados géis, cremes e pastas d'água, espalhando-as sobre a pele dos contaminados. Essa solução química provocou resistência da parte médica, mas, foi preferível, à toxidade do césio, a de uma resina, que é mínima. Foram obtidos bons resultados na eliminação do césio. Foi avaliada a seguinte dose para cada paciente: Devair Alves Ferreira Maria Gabriela Ferreira Leide Alves Ferreira Roberto Santos Alves Admilson Alves de Souza 700 Rem 550 Rem 600 Rem 600 Rem 500 Rem A CNEN monitorou 112.800 pessoas em Goiânia. Identificaram 249 pessoas com nível de contaminação acima do normal, 20 foram hospitalizadas, sendo que uma delas (Roberto Santos Alves, 21 anos) teve o antebraço direito amputado em 14.09.87 e 4 faleceram. A menina de 6 anos, Leide Ferreira , foi a primeira vítima a falecer, às 11:55 em 23.10.87. Sua tia, Maria Gabriela Ferreira , 37 anos, esposa do dono do ferrovelho, foi a segunda a falecer, às 18:10 do mesmo dia. Quando as duas primeiras vítimas faleceram, os patologistas do hospital se recusaram a realizar as necrópsias devido ao risco de contaminação. O Departamento de Medicina Legal da Unicamp foi convidado a participar como órgão pericial oficial no caso, cabendo aos médicos legistas examinar as vítimas e emitir um laudo para comprovar as responsabilidades. Os médicos da Unicamp entre outros do IML do Rio de Janeiro, foram assessorados pelos físicos da CNEN. Os empregados do ferro-velho, Israel Batista dos Santos (acentuada diminuição de glóbulos brancos no sangue, teve coma e parada cardiorespiratória), 22 anos, e Admilson Alves de Souza, 18 anos, foram respectivamente a terceira e quarta vítimas a falecerem no Hospital Marcílio Dias, num período de 6 dias. Após as necrópsias, os corpos foram acondicionados em lençóis de chumbo e urnas especialmente fabricadas para inumar estes cadáveres e levados para Goiânia. Devair Ferreira escapou, ficando até 4 de novembro no Marcílio Dias, retornando à Goiânia com seu irmão Ivo, o amigo Ernesto Fabiano e Roberto Alves, sendo internados no Hospital Geral do INAMPS. No Rio ficaram, Edson Fabiano e Luiza Odete dos Santos, Geraldo Guilherme da Silva , Maria Gabriela de Abreu, mãe da segunda vítima, e Kardec Sebastião dos Santos. Fora as mesuras feitas por Geraldo, esquizofrênico, Devair parecia levar a situação com humor, cobrava dinheiro dos repórteres para falar e ser fotografado, ameaçou greve de fome para ver a atriz Betty Faria, que o visitou no INAMPS. Atribuiu à combinação de cerveja e cachaça sua resistência frente à radiação. Mais tarde, sabe-se que casou novamente. No decorrer dos anos outras 3 pessoas faleceram. A CNEN iria manter acompanhamento no local por 5 anos. Oficialmente, foram 11 mortes e 600 vítimas, mas como medir em números o tamanho de uma catástrofe nuclear? Não oficialmente, mais de cinco mil pessoas sofreram radiações do Césio 137. "Muitas vítimas fugiram para o Rio e São Paulo temendo discriminação. Tiveram também muitas pessoas que trabalharam após o acidente e não são consideradas vítimas, como policiais, seguranças, médicos, enfermeiros. Eles ficaram durante um a dois anos expostos ao Césio, e hoje estão doentes", conta o diretor do filme sueco, Lars Westmam, em entrevista à Radiobrás. Rejeitos do Acidente Radioativo de Goiânia Os trabalhos de descontaminação dos locais afetados produziram 13,4 t de lixo contaminado com césio-137: roupas, utensílios, plantas, restos de solo e materiais de construção. O lixo do maior acidente radiológico do mundo está armazenado em cerca de 1.200 caixas, 2.900 tambores e 14 contêines em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiás, vizinha a Goiânia, onde deverá ficar, pelo menos 180 anos. Foram sacrificados com veneno na ração: 40 aves, 5 porcos, 2 cães e 2 coelhos; acondicionados em tambores. Utilizou-se rastreio aéreo (helicóptero) para determinar se haviam outras áreas contíguas com níveis de radiação anormal. 720 pessoas atuaram no processo de descontaminação durante 82 dias. A contaminação de plantas, verduras, ervas, raízes, frutos ficou circunscrita a um raio de 50 m de alguns dos principais focos de contaminação, atingindo todas as partes das plantas. No dia 07.12.1987, as mangueiras foram arrancadas e o solo altamente contaminado começou a ser escavado. Por vários dias houve grande movimentação de terra, parte da qual se espalhou pelas redondezas na forma de poeira, apesar das chuvas e da irrigação proposital com o intuito de evitá-la. Não se sabe a quantidade de césio que se perdeu, porque são imprecisos os cálculos sobre a recuperação do material radioativo. Através da rede de águas pluviais e de esgotos, o Cs137 atingiu parte do curso dos córregos Capim Puba e Botafogo e do ribeirão Anicuns, e finalmente o rio Meia Ponte, em cuja margem direita ficaram os principais focos. Não se detectou o radionuclídeo em solução na água. Peixes coletados em novembro de 1987 no Meia Ponte, a jusante da represa Jaó, tiveram uma concentração de 200 Bq/kg -próprios para consumo. A água que abastece a cidade é captada na margem esquerda da bacia do Meia Ponte, não foi afetada pelo acidente. Para descontaminar cimento e concreto, foram usadas misturas de ácidos com alúmen e azul da prússia, combinado com ação mecânica de lixadeiras. Para azulejos de cozinhas e banheiros, usou-se o ácido fluorídrico, que remove o césio com maior rapidez, devido à estabilidade química do cristal iônico do CsF. Pisos encerados e objetos que acumulam gordura foram lavados com soda cáustica e detergente. No solo, foram utilizadas toalhas impregnadas com azul da prússia. 99% da terra mais contaminada estava nas camadas superficiais, que tinham de 100 a 150 roentgens/h de taxa de exposição. Estes solos foram retirados e substituídos por solo limpo ou concretados. As taxas de radiação eram muito altas, obrigando os técnicos a permanecer na rua 57 apenas alguns segundos, quando recebiam doses de 50 a 100 mrems. A descontaminação foi encerrada na semana do Natal. O risco maior era lidar com a lama contaminada. Todo esse trabalho foi feito debaixo dos maiores aguaceiros, verdadeiros dilúvios. Os rejeitos produzidos no hospital carioca, depois de discussão entre governadores de Rio e São Paulo, foi para o IPEN-SP; cerca de 945 kg acondicionados em 31 tambores. Outros aspectos foram abordados durante o acidente além do método de tratamento a oferecer. Questões sobre onde depositar definitivamente rejeitos radioativos e de quem é a responsabilidade de fiscalizar equipamentos de radioterapia andaram em paralelo a esta desgraça. O despreparo da CNEN para tratar do assunto deixou pairar de norte a sul a tarefa de sepultar os rejeitos. Ora falavam em São Fidélis-RJ, Governador Valadares-MG, Canudos dos Dantas e Santana dos Matos-RN, Valença e Itainópolis-PI e por fim Serra do Cachimbo-PA, onde fica uma base da Aeronáutica. O governo do Pará protestou dizendo que o Estado não é a lixeira do Brasil. O governo de Goiás fez nota oficial aliviado por não ter que assumir o depósito de rejeitos em seu território. Depois veio a idéia de legislar quem produzisse que ficasse com seu lixo, dando a idéia de que poderíamos ter dezenas de depósitos instalados no país. O índios caiapós foram protestar pintados para a guerra em frente ao Palácio do Planalto, para defender a Serra do Cachimbo e seus rios. O Estado de Goiás foi desconvidado de participar da Feira da Providência, cidadãos goianos andavam com atestado de não-contaminação, carros com placa de Goiás foram apedrejados em São Paulo e até o Egito quis cancelar importações do Brasil. No fim deste capítulo ficaram depositados, provisoriamente em definitivo, em Abadia, a 20 km de Goiânia, em 700 caixas metálicas, 5 containers marítimos, 2.000 tambores contendo 1.600 m³, equivalentes a 1.700 t. A CNEN está longe do ideal, pois ainda não dispõe de um cadastro mais perfeito das fontes radioativas em uso no País e melhores condições de atendimento em situações de emergência por falta de recursos financeiros. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União realizada no segundo semestre de 2000 indicou que a CNEN não consegue cumprir o plano anual de inspeções das instalações radioativas. Os depósitos sob sua guarda estão praticamente cheios e sem acompanhamento de sua ocupação. O relatório cruzou dados do Cadastro de Pagamento do Sistema Único de Saúde (SUS) -instituições que receberam pagamentos relativos à prática de medicina nuclear, com o cadastro da CNEN - instituições que praticam medicina nuclear, constatando uma diferença de 45% no rol da CNEN -órgão fiscalizador e licenciador destas atividades. Esta diferença cadastral significa que há material radioativo sem controle que pode ser usado de qualquer forma e ser descartado em qualquer lugar até acontecer um novo acidente, como o de Goiânia. A CNEN mantem um quadro de 20 inspetores para mais de 400 entidades a serem fiscalizadas. A partir do exemplo de Goiânia, a CNEN recolheu fontes similares à do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), que apresentavam o Cs137 aglutinado em uma matriz altamente solúvel, o que facilitou a contaminação. Hoje, são usadas fontes metálicas, mas um acidente como o de Goiânia não está afastado. Físicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) constataram que os níveis de césio, em Goiânia, permanecem abaixo do limite máximo ao que um ser humano pode se expor à radiação. Eles localizaram, no entanto, duas goiabeiras contaminadas, com índices acima do considerado normal para plantas e pediram à Comissão Nacional de Energia Nuclear a retirada das árvores. A cada quatro meses, eles coletam amostras de solo - entre 50 a 60 m de profundidade - em locais que não foram concretados à época da descontaminação e de plantas, tais como árvores e hortaliças, além de frutas e ovos. Eles também medem a radiação no ar, a 1 m de altura do solo. O limite máximo é de 1 microsievert/hora e os níveis aéreos têm estado sempre abaixo desse teto. A análise do solo tem dado resultados satisfatórios, sempre abaixo do parâmetro máximo, que é de 22.500 Becquerel por quilo (Bq/kg). As goiabeiras, no entanto, apresentaram radiação medida entre 800 Bq/kg e 900 Bq/kg. O nível máximo para plantas é de 600 Bq/kg. A descoberta de que a goiabeira ainda apresentava níveis de contaminação levou os pesquisadores da UFF a ampliar o enfoque do estudo. Foram avaliados também pés de manga, abacate, maracujá e mamão, mas em nenhum deles o nível de radiação estava acima do normal. A partir daí, passaram a simular em laboratório contaminação em diversas espécies de plantas, para avaliar o comportamento da radioatividade nelas. Em laboratórios no Rio de Janeiro e em São Paulo, estão em análise pés de mamão, laranja, limão e romã. O objetivo do estudo é estabelecer um modelo de manejo em caso de acidente radioativo. A pesquisa sobre o comportamento da radioatividade no nível ambiental, em solos e plantas, foi tema da tese de doutorado de Alessandro Facure, do Instituto de Física da UFF. Sua tese de mestrado, pela qual ele mediu a radiação no local do acidente, foi a primeira a ser produzida no Laboratório de Radioproteção Ambiental (LARA) do Instituto, inaugurado em 1998. Responsabilidade Criminal Em paralelo, a CNEN participava do jogo de empurra sobre responsabilidade com a Vigilância Sanitária de Goiás e os donos da clínica. Sendo indiciados no inquérito da Polícia Federal todos eles, num total de 7 pessoas. Em 17 de março de 2000, a Justiça do Estado de Goiás condenou por danos ambientais a CNEN, o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Goiás (IPASGO), o médico Amaurillo Monteiro de Oliveira e o físico hospitalar Flamarion Barbosa Goulart no valor de 1,3 milhão. Embora os catadores de papel Wagner Mota Pereira e Roberto Santos Alves não tenham sido incluídos como réus na ação civil pública, Juliano Bernardes atribuiu aos dois a autoria imediata pelo acidente com o Cs137. O inquérito entendeu que não houve furto, pois o aparelho estava abandonado. Não indicou nenhuma irregularidade no comportamento dos biscateiros Roberto e Wagner, "nada censurável pelo direito." Pelo menos, os valores não foram invertidos e as vítimas não se tornaram as culpadas.O juiz explicou que criminalmente eles não seriam inimputáveis, pois não sabiam da gravidade do ato que praticaram, ao retirar a bomba de césio do local onde estava. Os dois não tinham nenhum conhecimento sobre o perigo dos aparelhos radiológicos; além disso, não havia qualquer aviso de alerta no local, onde só existiam os escombros do antigo prédio do Instituto Goiano de Radiologia, em parte de área adquirida pelo IPASGO (onde foi construído depois o Centro de Cultura e Convenções de Goiânia). Já o IPASGO, Amaurillo de Oliveira e Flamarion Goulart foram condenados à prestação pecuniária, mas os R$ 100 mil fixados para cada um, acrescidos de correção monetária desde o ajuizamento da demanda (setembro de 1995) e juros moratórios a partir do rompimento da cápsula de Cs137 (13 de setembro de 1987), segundo a decisão. Para qualquer dos réus que descumprir a sentença, após o trigésimo dia da intimação, o juiz fixou multa diária de R$ 10 mil. No caso da CNEN, a multa é por cada item descumprido. O valor será depositado no Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Foram retirados da ação a União e o Estado de Goiás. Os demais médicos também foram excluídos da relação de réus na ação proposta (setembro de 1995) pelo Ministério Público Federal em parceria com o MP Estadual. Os médicos isentados do processo de ação civil foram condenados criminalmente por homicídio culposo em julho de 1992, condenados a três anos e dois meses de reclusão e suspensão do exercício da profissão e prisão. Inicialmente, tinham que passar as noites e fins de semana na Casa do Albergado e mais tarde a pena progrediu para prestação de serviços médicos à comunidade. Em março de 1999 foram beneficiados por decreto presidencial de indulto de dezembro de 1998. Com isto, seus nomes foram removidos do rol de culpados. Coube a CNEN a sentença de 1 milhão de reais e a prestação de atendimento médico, hospitalar, odontológico, psicológico e técnico-científico até a terceira geração das vítimas, transporte de pacientes até o local dos exames e acompanhamento da população que vive em Abadia de Goiânia, onde se localiza o depósito de rejeitos. O órgão federal também terá de efetivar um sistema periódico de notificação epidemiológica sobre câncer, e auxiliar e contribuir, no que for necessário, com o trabalho de monitoramento epidemiológico permanente da população de Goiânia, que era realizado pela Secretaria de Saúde do Estado de Goiás. No caso de interrupção desse monitoramento por parte do Estado, fica a CNEN condenada a efetivá-lo individualmente, e manter, em Goiânia, um centro de atendimento permanente de físicos e médicos especializados, caso a prestação desse serviços venha a ser interrompida por parte do IPASGO e do Estado de Goiás. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União realizada no segundo semestre de 2000 indicou que a CNEN não consegue cumprir o plano anual de inspeções das instalações radioativas, por limitações financeiras ou restrições orçamentárias. Os depósitos sob sua guarda estão praticamente cheios e sem acompanhamento de sua ocupação. No tiroteio que a sociedade promoveu sobrou também para FURNAS e o Ministério de Minas e Energia, responsáveis pela usina nuclear e que na época estava parada (bobinas do gerador queimadas, numa paralisação de mais de 16 meses), o governador Moreira Franco ameaçava impedir a entrada da unidade em operação caso não fosse equacionado o problema de mau estado da BR-101, para a necessidade de haver um plano de evacuação, e da eficácia deste plano. A ação indenizatória movida pelas vítimas ainda se encontra em tramitação. As vítimas criaram a Associação das Vítimas do Césio 137. Durante o Governo Collor conseguiram uma pensão paga pela União e outra do Governo estadual, o que somado não chega a dois salários-mínimos. O Governo Fernando Henrique emitiu a Lei 9.425. 617 pessoas são atendidas pela Suleide e mais de 100 pessoas tem direito à indenizações. Anatomopatológico das Vítimas Fatais Havia queda de cabelos e mudança na textura da pele. Em uma vítima haviam múltiplas lesões hemorrágicas em toda a superfície corporal, do couro cabeludo aos pés; ao se rebater o couro cabeludo, isto era ainda mais nítido na musculatura. Haviam áreas que pareciam verdadeiros hematomas, áreas de coleções hemorrágicas. Os órgãos internos tiveram modificada a sua tonalidade, com aspecto negróide, aumento de volume e de consistência. Também áreas de necrose em vários locais que tiveram contato direto com a substância. Na região torácica o tecido pulmonar apresentava hemorragia difusa; também múltiplas sufusões hemorrágicas na superfície cardíaca e pericárdica. No pâncreas, também múltiplas áreas de hemorragia. Houveram 2 casos em que não se constatou o aspecto hemorrágico difuso. Em um caso, o pulmão estava tão alterado que lembrava o fígado, endurecido por um processo inflamatório, não por ação direta do Cs137. Também o estômago apresentava múltiplas áreas hemorrágicas. Quatro pacientes eram gestantes; os RN não apresentaram problemas e as gestações evoluíram sem intercorrências. Algumas lesões, devidas a radiação beta, foram superficiais. Outras, por raios gama, são evolutivas. Há sempre a possibilidade de surgimento de efeitos biológicos tardios, principalmente a cancerização, com desenvolvimento de neurofibrossarcomas, uma forma rara de câncer. Indução de câncer pulmonar, de tireóide ou de fígado requerem uma ou 2 décadas, enquanto a leucemia pode manifestar-se em 5 a 10 anos. Vítimas ainda têm sequelas da radiação "Se eu disser que estou bem, estarei mentindo, apenas vegeto. Nos últimos 14 anos só tive luta, muita dor e sofrimento." Assim Lourdes das Neves Ferreira, 49, resume o que ocorreu com sua vida após o acidente com a cápsula do Cs137 em Goiânia. Lourdes é mãe de Leide das Neves Ferreira, que morreu aos seis anos, contaminada após ingerir o pó radioativo. Após o acidente, o Estado criou a Suleide (Superintendência Leide das Neves), para cuidar das vítimas. O pai de Leide, Ivo Alves Ferreira, 54, carrega as mãos defeituosas e uma série de complicações decorrentes da radiação. "Ele perdeu um dedo e tem lesões na mão e na coxa que estão abertas e inflamadas até hoje. Recentemente, Ivo passou sete dias na UTI e seu estado ainda é preocupante", afirmou Lourdes. Além do casal, o filho Lucimar, 28, também foi incluído no grupo 1 das vítimas, que tiveram contato direto com o césio. A filha mais velha, Lucélia, 30, não estava em casa no dia do acidente e foi incluída no grupo 3. O servidor Ernesto Fabiano, 60, carregou fragmentos da cápsula no bolso da calça e teve descalcificação óssea e contraiu uma grave lesão na perna. Submetido a uma série de tratamentos e cirurgias de enxertos, Fabiano fraturou o osso da perna recentemente e afirma que ainda sente dores. "Tive que me aposentar por invalidez." O catador de papel Roberto Santos Alves, 28, que retirou a cápsula do Instituto Goiano de Radioterapia, teve o antebraço direito amputado e reclama justiça. "Os responsáveis não foram devidamente punidos", afirma. Outro que reclama por atendimento é o policial militar Gaspar Alves da Silva, 37, que fez plantões a menos de 30 metros da fonte radioativa antes que fosse levada para a vigilância sanitária. "Vi dois companheiros morrerem de câncer, tenho certeza de que foram contaminados." A Fonte de Césio 137 O césio 137 é um isótopo radioativo com meia-vida de 30 anos, produzido artificialmente pela fissão do urânio ou plutônio, se desintegra formando o isótopo Ba-137 m (m = metaestável, isto é, excitado), emitindo radiações beta e o isótopo de bário emite raios gama no processo de desexcitação. Esses raios, altamente penetrantes, permitem que o césio 137 seja facilmente observável por meio de detectores de radiação. Na forma de pastilhas utilizadas pela Medicina Nuclear não emanam vapores nem gases. Segundo a CNEN, a fonte de césio tinha 28 g, forma cilíndrica, com 3,63 cm de diâmetro por 3,0 cm de altura, encapsulada em aço inox, tendo uma das faces com janela de irídio. O cloreto de césio estava associado a um aglutinante desconhecido perfazendo um total de 98 g. A atividade inicial desta fonte, proveniente da Itália, que chegou aqui em 1971 era de 2.000 Curies e em setembro de 1987 tinha 1.370 Curies. 90% do conteúdo total da fonte de césio 137, i.e., 17 g, foram efetivamente liberados. A bomba de césio é um recipiente que encerra a cápsula de cloreto de césio e constitui-se essencialmente de uma blindagem de chumbo e aço, que impede os raios gama de escaparem para o exterior. Para usá-la, gira-se em 180º um disco instalado dentro da peça e em cuja borda está presa a cápsula. Uma espécie de janela de aço permite a passagem da radiação gama de 662 keV, detendo a beta. No interior da cápsula de césio, a nuvem de elétrons que circunda o núcleo também entra em excitação quando é atingida pela passagem da radiação gama. Para voltar ao estado de equilíbrio, libera essa energia adicional sob a forma de fótons. O césio 137 emite luz, brilha, o que é mais perceptível no escuro. Foi esse brilho que fascinou Devair e seus companheiros e a curiosidade despertada por esse brilho levou à abertura da cápsula a marretadas, liberando assim o césio em pó. O Césio 137 oferece perigo por 310 anos e hoje o entulho recolhido na área contaminda está guardado em tonéis de chumbo junto a vários objetos contaminados. Até hoje, muitos fetos nascem com defeitos em função da contaminação, segundo estudos médicos. Além disso, ainda é grande o número de casos de câncer que são relacionados com o caso. Radiação A poluição radiativa tem-se tornado motivo de grande preocupação desde a última guerra mundial, uma vez que seus efeitos podem causar sérios danos às populações vegetais e animais nas diversas regiões da Terra. Os produtos radiativos podem ser lançados no meio ambiente através de: - à explosões atômicas; - à água utilizada para o resfriamento dos reatores de usinas nucleares; - à detritos atômicos formados nessas usinas. No rio Colúmbia (Estados Unidos, que recebe os efluentes da usina nuclear da Honfard, constatou-se que a contaminação inicial de uma partícula radiativa na água passava de 35 nos invertebrados aquáticos para 7.500 em patos, atingindo até 200.000 nos ovos das patas, acarretando a esterilização desses ovos. Poluentes radioativos: Entre os vários poluentes radiativos, um dos mais perigosos é o estrôncio 90, que, além de apresentar uma meia-vida relativamente alta, é um elemento metabolizado pelo organismo de forma semelhante ao cálcio. (Meia-vida é o intervalo de tempo no qual a metade de um conjunto de átomos radiativos perde a capacidade de emitir radiatividade.) A meia-vida é bastante variável entre os elementos radiativos, como se pode observar nos exemplos abaixo: - à iodo 131 - 8 dias; - à iodo 129 - 10 milhões de anos; - à estrôncio 90 - 28 anos. Como "imitador" do cálcio, o estrôncio 90 - que pode ser adquirido pela ingestão de leite e ovos contaminados - aloja-se nos ossos, próximo à medida. A radiatividade emitida pode alterar a atividade da medula óssea na produção de células sangüíneas, com o perigo de levar o indivíduo a uma forte anemia ou mesmo a adquirir leucemia. O iodo radiativo (I129; I131), outro perigoso poluente, aloja-se em especial na tireóide, reduzindo-lhe a atividade, além de provocar processos de cancerização nessa glândula). Entende-se por que, depois do vazamento da usina nuclear de Chernobyl (na Ucrânia, república da então União Soviética), em abril de 1986, foi proibido o consumo de leite natural e de determinados legumes não só na área diretamente afetada, mas também em países vizinhos, como a Polônia e a Itália. Muitos europeus, para se defenderem da radiação, passaram a ingerir iodo comum juntamente com a água. Essa substância alojase na tireóide, "saturando-a" e diminuindo a possibilidade de concentração de iodo radiativo na glândula. Os elementos radiativos, entretanto, quando bem manipulados, podem ser muito úteis ao homem. Por exemplo, o césio 137 er o cobalto 60 são muito utilizados em tratamento de tumores cancerosos ou em bombas que se prestam à esterilização de insetos nocivos à agricultura. FOTOS REAIS DE ÉPOCA. FIM.