A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes − Introdução −1 Introdução: Nos séculos 4º e 5º a Igreja foi intensa e necessariamente ativa em seus pronunciamentos quanto às heresias que afloravam em seu meio. Ali temos a elaboração de Credos [(Nicéia (325), Constantinopla (381), Calcedônia (451), Atanasiano (c. 500)] que foram de capital importância para que os fiéis tivessem uma visão clara do que a Igreja cria e ensinava. Num ambiente de efervescência teológica que revelava mais a criatividade humana do que fidelidade bíblica, foi de fundamental importância que a Igreja se posicionasse revelando de modo evidente o seu compromisso com a Escritura Sagrada. De certa forma, podemos dizer que o que foram os séculos 4º e 5º para a elaboração dos Credos, foram os séculos 16 e 17 para a confecção das Confissões e Catecismos. A razão nos parece evidente: Na Reforma, as Igrejas logo sentiram a necessidade de formalizar a sua fé, apresentando sua interpretação sobre diversos assuntos que as distinguia da igreja romana; com o passar do tempo, surgem outras denominações dentro da Reforma, que, discordavam entre si sobre alguns pontos, daí a necessidade de se estabelecer cada um per si, os seus princípios doutrinários. Os Credos da Reforma são as Confissões de Fé e Catecismos que surgiram no período da Reforma ou por inspiração daquele movimento, refletindo uma teologia semelhante. Neles não temos a pretensão de uma nova teologia, antes, a explicação dos Credos aceitos pela igreja. Portanto, mais do que uma teologia inovadora, temos uma visão nova e paradoxalmente restauradora das antigas doutrinas das Escrituras. Assim, os Credos da Reforma e que surgiram por sua inspiração, tinham três objetivos específicos: 1) Evidenciar os fundamentos bíblicos de seus ensinos; 2) Demonstrar que as suas doutrinas estavam em acordo com os principais credos da Igreja (Apostólico, Niceno, Constantinopolitano); 3) Distinguir a sua posição teológica em relação à teologia romana e às demais 2 correntes provenientes da Reforma. 1 Estudo ministrado na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana em São Bernardo do Campo, SP., no dia 15 de março de 2009. 2 Vd. Jack B. Rogers, Autoridade e Interpretação da Bíblia na Tradição Reformada: In: Donald K. McKim, ed. Grandes Temas da Tradição Reformada, São Paulo: Pendão Real, 1998, p. 41. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 2 1. Definindo Termos: “Ortodoxia” é uma transliteração da palavra grega, o)rqodoci/a, que é composta por duas outras: o)rqo/j, “certo”, “direito” (At 14.10; Hb 12.13) e do/ca, “opinião”, “doutrina”. o)rqodoci/a não aparece nas Escrituras – nem nos escritos seculares ou 3 cristãos até o segundo século – , no entanto, o sentido nos é dado em Gl 2.14; Paulo escreve: “Quando, porém, vi que não procediam corretamente (o)rqopode/w) se4 gundo a verdade do Evangelho....”. Este sentido opõe-se à “heterodoxia”, assim descrita por Paulo: “Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas a fim de que não ensinem outra doutrina (e(terodidaskale/w)” (1Tm 1.3). “Se alguém ensina outra doutrina (e(terodidaskale/w) e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com o ensino segundo a piedade....” (1Tm 6.3). Até onde se sabe, foi Inácio, bispo de Antioquia o primeiro escritor cristão a usar a expressão “heterodoxia” para se referir aos falsos ensinamentos (c. 110 AD). Na Carta aos Magnésios, VIII.1, diz: “Não vos deixeis iludir pelas doutrinas hetero5 doxas, nem pelos velhos mitos sem utilidade”. Na Carta aos Esmirnenses, VI.2, escreve: “Considerai bem como se opõem ao pensamento de Deus os que se prendem a doutrinas heterodoxas a respeito da graça de Jesus Cristo, 6 vinda a nós”. A palavra “ortodoxia” parece ter ganho força no sentido eclesiástico, a partir do quarto século, com a elaboração dos “cânones de fé” [Sínodo de Nicéia (325); Constantinopla (381); Calcedônia (451)] e com o reconhecimento do Cânon Bíblico [3º Sí3 Encontramos apenas o verbo “o)rqodo/cein” em Aristóteles (384-322 a.C.), com o sentido de “reta opinião”. (Aristóteles, Ética a Nicômaco, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973, VII.8. 1151a19. p. 368). Platão (427-347 a.C.) nos fala do “reto juízo” (= “mente reta”) (nou=j o)rqo/j). (Fedro, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. III), 1972, 73a. p. 82). Eusébio de Cesaréia, c. 325 AD., usou a palavra “ortodoxia” com alguma freqüência, referindo-se a Irineu, Clemente e Orígenes, como aqueles que representavam a “ortodoxia da Igreja” [Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A. (Biblioteca de Autores Cristianos, Vols. 349 e 350), 1973, III.23.2/VI.2.14; VI.36.4; Eusébio também fala da “verdadeira ortodoxia” (HE., III.25.7); “ortodoxia apostólica” (Historia Eclesiastica, III.31.6; 38.5); “ortodoxia da santa fé” (HE., IV.21/V.22); “ortodoxia eclesiástica” (HE., VI.18.1); “autores ortodoxos” (HE., V.27). Dionísio – convertido pela instrumentalidade de Paulo em Atenas, que se tornara bispo de Corinto –, escreve carta às Igrejas, as quais Eusébio diz que eram “catequeses de ortodoxia” (HE., IV.23.2). Berilo, bispo de Bostra, entre os árabes, “opinava retamente” (HE., VI.33.2). 4 ”....o)rqopodou=sin pro\j th\n a)lh/qeian tou= eu)aggeli/ou....”. O Novo Testamento oferece-nos outros Textos que insistem no ensino do verdadeiro Evangelho, conforme o estabelecido por Deus em Sua Palavra. (Vd. Rm 16.17;1Co 15.1-11; 2Co 11.2; Gl 1.6-9; 2Tm 2.15; 4.3-4). 5 In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, 3ª ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1984, p. 53. 6 In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, p. 80. Mais tarde, c. 325, Eusébio de Cesaréia usaria a expressão aludindo aos ensinamentos de Paulo de Samosata (Vd. Eusebio de Cesarea, HE., VII.28.2; 29.1; 30.1) e àqueles que se desviaram das Escrituras para ensinos “heterodoxos” (HE., VI.12.2). O bispo de Roma Vitor tentando disciplinar as Igrejas da Ásia, alegou que elas eram heterodoxas (HE., V.24.9). A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 3 7 nodo de Cartago (397)], quando a Igreja decidia as questões pertinentes à fé conforme os padrões adotados; deste modo, o que se harmonizasse com este padrão 8 era considerado “ortodoxo”, o que era contrário, era “heterodoxo”. Posteriormente, 9 a Igreja Oriental se declarou “Santa Ortodoxa Apostólica”. A “Ortodoxia”, enquanto sistema de pensamento, seja em que campo for, se baseia nos seguintes pressupostos: 1) O homem pode conhecer a verdade; 2) A verdade é conhecida; 3) O que aquela comunidade ou grupo professa, corresponde à verdade. Deste modo, ainda que a posição ortodoxa não se considere necessariamente proprietária exclusiva da verdade, crê professá-la em seu sistema; daí a observação abrangente de Trevor-Roper, de que “uma das grandes vantagens da ortodoxia 10 é o ímpeto que imprime à difusão do conhecimento”. O termo “Ortodoxia”, normalmente é empregado pelos protestantes para se referir ao sumário das doutrinas defendidas pelos Reformadores e em geral aceitas pelas Igrejas da Reforma. Nesse caso, ser ortodoxo, significa estar de acordo com os princípios da Reforma. Contudo, dentro da História da Teologia, há um período denominado de “Ortodoxia Protestante”; e é justamente sobre isto que vamos tratar nas anotações deste capítulo. 2. Conceituando: O período entre a Reforma e o Iluminismo ou, mais precisamente, o século XVII, é conhecido na História da teologia protestante, como “Escolasticismo Protestante”, “Ortodoxia Protestante” ou “Confessionalista”, que se caracterizou por 7 Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, 2ª Ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2008. 8 Vd. Orthodoxy: In: Rev. John M’Clintock & James Strong, eds. Cyclopaedia of Biblical, Theological, and Ecclesiastical Literature, New York, Harper & Brothers, Publishers, Franklin Square, 1894, Vol. VII, p. 460. (Doravante, citado como CBTEL). Devemos nos lembrar que os Pais da Igreja e alguns Concílios usavam com certa freqüência a expressão “cânon” (kanw/n) para distinguir os ensinamentos da Igreja cristã das heresias que surgiam. Para uma substancial documentação sobre isto, Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, passim. 9 Vd. Orthodoxy: In: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: Or Dictionary of Biblical, Historical, Doutrinal, and Practical Theology, Chicago: Funk & Wagnalls, Publishers, (revised edition), 1887, Vol. II, p. 1707a. (Doravante citado como RED); Orthodoxy: In: CBTEL., VII, p. 460b. J.I. Packer, Ortodoxia: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, Vol. III, p. 70. (Doravante citado como EHTIC). 10 Hugh Trevor-Roper, A Formação da Europa Cristã, Lisboa: Editorial Verbo, [s.d], p. 143. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 4 uma preocupação profunda e sistemática pelo rigor doutrinário, elaborando com riqueza de detalhes os posicionamentos teológicos da igreja, conforme a compreensão da amplitude da revelação bíblica. Podemos dizer que este período consistiu na sistematização das doutrinas da Reforma. Normalmente a Ortodoxia Luterana é 11 colocada a partir do Livro da Concórdia (1580), livro que contém todos os símbolos aceitos pela Igreja Luterana; e a Ortodoxia Reformada, como tendo sido arquitetada a partir dos escritos de Teodoro de Beza (1519-1605), e H. Zanchi (151612 1590). A ênfase acentuada e por vezes isolada na teologia, trouxe algumas anomalias que geraram uma atitude perniciosa, que consiste em separar a doutrina da piedade individual ou, em confundir a fé em Cristo com o mero assentimento intelectual a determinadas doutrinas tidas como fundamentais à fé Cristã. Todavia, se isso ocorreu, não foi porque os teólogos dessa época ensinaram tal prática, mas sim devido a um desvirtuamento da ênfase apresentada. Não podemos simplesmente identificar a ênfase num ponto, como se significasse a exclusão dos demais. Em outras palavras, a ênfase na fidelidade doutrinária não equivale a um desmerecimento da piedade cristã. Por outro lado, devemos estar atentos ao fato de que a visão preconceituosa desse período, tem feito com que não consigamos enxergar as contribuições positivas da teologia sistematizada nessa época, das quais somos herdeiros diretos ou indiretos. W. Robert Godfrey, observa acertadamente, que “o desenvolvimento da teologia escolástica não pode ser caricaturizado como um exercício acadêmico, árido e irrelevante, em conflito 13 com a vida e a piedade da Igreja”. Acredito que um exame mais detido deste período, revelará a sua importância como elemento fundamental para que a Reforma pudesse ter sobrevivido e final11 Cf. Bengt Hägglund, História da Teologia, Porto Alegre, RS.: Casa Publicadora Concórdia, 1973, p. 259, 263; Arthur C. Piepkorv, Orthodoxy: In: Encyclopaedia Britannica, 1973, Vol. 16, p. 1126a; Carl E. Braaten, Prolegômenos à dogmática cristã: In: Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS.: Sinodal, Vol. I, 1990, p. 57. Veja-se: Jan Rohls, Reformed Confessions: theology from Zurich to Barmen, Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press, 1998, p. 9. 12 Cf. Arthur C. Piepkorv, Orthodoxy: In: Harry S. Ashmore, Editor in Chief. Encyclopaedia Britannica, Chicago: Encyclopaedia Britannica, INC. 1973, Vol. 16, p. 1126b. Leith, McGrath e Piepkorv tomam como ponto de partida para a definição deste período o ano da morte de Calvino (1564) (Vd. John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 171; Alister E. McGrath, Christian Theology: An Introduction, Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1994, p. 69; Arthur C. Piepkorv, Orthodoxy: In: EB., 1973, XVI, p. 1126b). McGrath acentua que o período entre 1559-1622 é caracterizado pelo ênfase doutrinária. (Alister E. McGrath, Christian Theology: An Introduction, p. 70). Estes pequenos contrastes, servem para ilustrar a observação do luterano Braaten, de que “a ortodoxia do cristianismo reformado estava definida com muito menos clareza do que a luterana” (Carl E. Braaten, Prolegômenos à dogmática cristã: In: Dogmática Cristã, Vol. I, p. 57). Segundo Muller, a Ortodoxia pode ser dividida em três período: Ortodoxia Primitiva: (c. 1565-1640); Alta Ortodoxia: (c. 1640-1700) e Ortodoxia Tardia: (c. 17001790). (Richard A. Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1987, Vol. 1, p. 14ss; 42-52). 13 W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, , São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 133. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 5 mente triunfado teologicamente. E mais, poderemos descobrir que os clássicos de Teologia Sistemática, passando por Charles e A. A. Hodge, Strong, Shedd, Berkhof, Barth, Brunner e Tillich. Paul Tillich (1886-1965), mesmo não sendo um teólogo “ortodoxo”, enfatiza em diferentes lugares, a importância do Escolasticismo Protestante: “A ortodoxia clássica relaciona-se com uma grande teologia. Poderíamos chamá-la de escolástica protestante, com todos os refinamentos e métodos que a palavra ‘escolástica’ inclui. Assim, quando eu falo de ortodoxia, refiro-me à maneira como a Reforma estabeleceu-se, enquanto forma eclesiástica de vida e pensamento, depois que o movimento dinâmico da Reforma terminou. É a sistematização e a consolidação das 14 idéias da Reforma, desenvolvidas em contraste com a Contra-Reforma”. “A ortodoxia protestante era construtiva (...) os teólogos ortodoxos trabalharam objetiva e construtivamente, procurando apresentar a doutrina pura e completa de Deus, do homem e do mundo (...). Os teólogos ortodoxos não eram leigos em teologia, ignorantes do que queriam dizer os conceitos que empregavam na interpretação bíblica. Sabiam muito bem o seu significado ao longo de quinze séculos de história da igreja já passados. Conheciam também a história da filosofia e a teologia da Reforma. O fato de permanecerem na tradição dos reformadores não os impediu de conhecer profundamente a teologia escolástica, de discutila e refutá-la, e até mesmo de aceitá-la quando era o caso. “Tudo isso faz da ortodoxia clássica um dos grandes eventos da história 15 do pensamento cristão”. Da mesma forma, analisa Bernhard Lohse, quando escreve: “Naquela época levou-se extremamente a sério a questão da verdade. Por essa razão 16 deve-se evitar um julgamento precipitado da época da ortodoxia”. 3. Elementos Geradores: Para que possamos fazer uma análise objetiva deste período, temos que considerar alguns pontos ligados ao seu contexto histórico. 14 Paul Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE., 1988, p. 251. Do mesmo modo, entende John H. Leith. (Vd. Creeds of the Churches, New York: Anchor Books, 1963, Vol. I, p. 308309). 15 Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX, São Paulo: ASTE., 1986, p. 36. 16 Bernhard Lohse, A Fé Cristã Através dos Tempos, 2ª ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1981, p. 231. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 6 1) A EDUCAÇÃO FORMAL DA ÉPOCA: Apesar da filosofia de Aristóteles (384-322 a.C.) ter perdido em grande parte a sua força desde a Renascença, ela permaneceu como matéria de estudo em muitas universidades. Isto porque a suposta irrelevância de Aristóteles não era unânime. Houve debates prolongados entre aqueles que defendiam a superioridade da Filosofia de Platão (427-347 a.C.) e aqueles que sustentavam a supremacia de 17 Aristóteles (384-322 a.C.) (Universidade de Pádua, fundada em 1222). O Cardeal Basílio Bessarion (1403-1472), mesmo sendo partidário da supremacia platônica – por considerar que Platão se aproximou melhor da verdade do cristianismo –, procurou adotar uma atitude conciliatória, escrevendo em 1469, uma obra intitulada: Contra um Caluniador de Platão, na qual dizia: “Amo a Platão e amo a Aristóte18 les, venerando a ambos como dois homens sapientíssimos”. Entre os protestantes, por exemplo, Ph. Melanchthon (1497-1560) – um “eminente 19 humanista,” na Universidade em Wittenberg (1518), que é considerada “a Meca 20 do protestantismo”; Pedro Mártir Vermigli (1500?-1562), em Oxford (1548); Jerônimo Zanchi (1516-1590), em Estrasburgo (1553) e depois em Heidelberg (1568); 21 Conrado Gesner, em Zurique e Teodoro de Beza (1519-1605), em Genebra (1558), continuaram dando ênfase ao pensamento aristotélico, ainda que não do 17 Vd. Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of The European Reformation, Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1993, p. 191ss. Abbagnano coloca a questão nesses termos: “Os platônicos viam no platonismo a síntese do pensamento religioso da Antigüidade e, por conseguinte, no regresso ao platonismo, a condição do renascimento religioso. Os aristotélicos viam no aristotelismo o modelo de ciência naturalista e, por conseguinte, no regresso ao naturalismo, o renascimento da pesquisa na natureza” (Nicola Abbagnano, História da Filosofia, 3ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 1984, Vol. 5, § 360, p. 109). 18 Vd. Guillermo Fraile, Historia de la Filosofia, Madrid: La Editorial Catolica, 1966, Vol. III, p. 101ss.; Johannes Hirschberger, História da Filosofia Moderna, p. 26ss.; Nicola Abbagnano, História da Filosofia, Vol. 5, § 353, p. 90ss.; § 360, p. 109ss; Federico Klimke & Eusebio Colomer, Historia de la Filosofía, 3ª ed. Barcelona: Editorial Labor, 1961, p. 385ss. 19 G. Fraile, História da Filosofia Moderna, p. 139. Mesmo havendo dúvida em determinados círculos protestantes a respeito do humanismo, Melanchthon insistia: “Quem quer que hoje, sob pretexto da religião, abomina as boas letras, é mais feroz do que um urso e mais ímpio do que jamais foram os epicureus turcos” (Apud N. Abbagnano & A. Visalberghi, Historia de la Pedagogía, Novena reimpresión, México: Fondo de Cultura Económica, 1990, p. 260). Kristeller afirma que “Melanchton, o defensor da retórica contra a filosofia que, sob muitos aspectos da Alemanha luterana, teve mais influência do que o próprio Lutero e foi responsável pela tradição humanística nas escolas protestantes alemãs até ao século XIX” (Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lisboa: Edições 70, (1995), p. 90). 20 Cf. René Hubert, História da Pedagogia, 2ª ed. (refundida), São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 44. 21 Sob a influência de Beza, a Lógica Silogística de Aristóteles veio a ser um componente essencial no currículo da Academia de Genebra. (Vd. Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of The European Reformation, p. 194). Beza exerceu uma influência considerável sobre os Reformados; ele que sucedeu a Calvino na Academia de Genebra, lecionando teologia durante quarenta anos (15591599) e escrevendo entre outras obras, Tractationes Theologicae (1570-1582) (3 Vols.), na qual expôs a Teologia Reformada, usando a lógica aristotélica. (Vd. Alister E. McGrath, Christian Theology: An Introduction, p. 72). A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 7 mesmo modo Escolástico. 22 Nesse tipo de formação, a lógica dedutiva de Aristóteles tinha grande ênfase, bem como o seu aspecto sistemático formal, contribuindo para a elaboração de um pensamento sistemático e coeso. A ortodoxia protestante demonstrou ser possível utilizar a filosofia aristotélica sem os pressupostos da teologia romana. 2) A CONTROVÉRSIA PROTESTANTE: “As controvérsias do século XVII eram inevitáveis no desenvolvimento 23 da vida da igreja”, conclui Leith. De fato, quando a Reforma proclamou o direito do juízo privado, num primeiro momento, estava rejeitando a autoridade final da Igreja; num segundo momento, inevitavelmente, estava contribuindo para a existência de compreensões diferentes dentro do próprio Protestantismo, o que de fato houve... Portanto, a disputa entre Lutero (1483-1546) e Zuínglio (1484-1531) a respeito da Santa Ceia (1529) e as controvérsias calvinistas posteriores referentes à predestinação (Dort), fomentaram de forma acentuada a necessidade de uma mai24 or sistematização doutrinária, cada vez mais minuciosa. Acrescente-se a isso, um inimigo comum existente: a igreja romana que, por meio da Contra-Reforma – no espírito do Concílio de Trento (1545-1563) –, recuperava terreno desde meados 25 do século XVI, sendo os jesuítas instrumentos poderosos para “reconverter os 26 adeptos do protestantismo”, tendo o reforço do Index (1543), e da Inquisição. 3) A CONFIANÇA NA RAZÃO: Os teólogos posteriores à Reforma, estavam mais abertos às exigências da razão, dispostos a examinarem as implicações decorrentes desta ou daquela doutrina, procurando manter um sistema coerente, que pudesse ser compreendido e ensinado. Um perigo evidente, é a tentativa, ainda que nem sempre consciente, de 22 Cf. R.J. Vandermolen, Escolasticismo Protestante: In: Walter A. Elwell, ed. EHTIC., Vol. II, p. 43. 23 John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 172. 24 Vd. Alister E. McGrath, Christian Theology: An Introduction, p. 70. 25 "Reagindo contra a explosão violenta do heroísmo dos homens da Renascença, o jesuitismo pregava a doutrina da submissão e proclamava a obediência sistemática (...). Mas esta abdicação formal da vontade, assim pregada, não era simplesmente uma regra de consciência religiosa; pois o jesuitismo soubera conciliar a transcendência com a realidade, e dar ao misticismo um caráter prático. Era uma ordem da moral positiva, e o primeiro princípio da educação: o sacrifício da vontade é uma abdicação real, nas mãos dos confessores e ministros de Deus, padres da Companhia" (J.P. Oliveira Martins, Historia de Portugal, 6ª ed. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira Livraria Editora, 1901, Tomo II, p. 86). 26 Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, p. 284. (Vd. W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, , São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 133). A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 8 27 reduzir a vida cristã à razão, esquecendo-se que ela é mais do que isso. Todavia não nos parece que era este o seu desejo; antes, partindo do princípio de que Deus é senhor de todo o saber, de toda a verdade, lançaram-se em sua busca, compreendendo que tal tarefa é uma prerrogativa do homem. 4) A PRESERVAÇÃO DA SÃ DOUTRINA: O objetivo dos teólogos desse período, foi preservar a doutrina bíblica de heresias, principalmente das heresias romanas, apresentando um todo sistematizado que pudesse servir de manual doutrinal e confessional da Igreja. “O elemento doutrinário tornou-se muito mais importante para a ortodoxia do que para a Reforma, onde o elemento espiritual sempre teve mais valor do que as dou28 trinas fixas”. “Os limites entre as diversas confissões foram definitivamente colocados. Cada igreja estava particularmente ocupada com a doutrina 29 pura”. De um modo especial na Alemanha, três grandes denominações se consolidaram – Luteranos, Católicos e Calvinistas –, considerando, portanto, a grande necessidade de distinguirem-se entre si, apresentando o seu sistema doutrinário de 30 forma precisa e razoável. É digno de menção que, no período de controvérsias em que o lado oposto apresenta um sistema doutrinário solidamente elaborado, o oponente tende a seguir um destes caminhos: Ou apela para o sentimento, fugindo de qualquer sistematização doutrinária ou, tenta elaborar um sistema tão bom ou melhor do que o outro, partindo de um quadro de referência diferente. Como temos insistido, no Escolasticismo, os teólogos estavam interessados em reproduzir de forma coerente e abrangente, a riqueza da revelação bíblica, penetrando nos pormenores das Escrituras, gerando um maior conhecimento da Palavra de Deus. Como filho indesejado deste desiderato, surgiram as discussões infin31 dáveis de pontos nem sempre relevantes, que contribuíam para o radicalismo, a intolerância e a perda do espírito bíblico, que era comum aos reformadores... Deste modo, o problema não estava simplesmente na formulação doutrinária, que era uma necessidade presente, mas sim nos exageros havidos, fruto muitas vezes, de um coração sincero porém, sem maior discernimento. Outras vezes, acredito, que 27 Vd. John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 172-173. Em 1675, Spener (1635-1705) escreveria: “Quando o homem deixa que o paladar se acostume a outras coisas atraentes à razão, aquelas [a simplicidade e os ensinamentos de Cristo] tornam-se-lhe insípidas” (Phillip J. Spener, Mudança Para o Futuro: Pia Desideria, Curitiba, PR./ São Bernardo do Campo, SP.: Encontrão Editora/Instituto Ecumênico. Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1996, p. 48). 28 Paul Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE., 1988, p. 253. 29 B. Lohse, A Fé Cristã Através dos Tempos, p. 231. 30 Ver: Alister E. McGrath, Teologia, sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, p. 113ss. 31 Vd. Bengt Hägglund, História da Teologia, p. 262; L. Berkhof, Introduccion a la Teologia, Grand Rapids, Michigan: The Evangelical Literature League, © 1932, p. 80. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 9 certas posições intransigentes eram tomadas no calor da disputa, que tinham por fim, preservar a Igreja do que era considerado herético. Contudo, apesar dos ideais nobres, com muita freqüência, o que restava era um ministério vazio e um enfraquecimento espiritual da Igreja. Nichols comenta: “O enfraquecimento religioso e as contínuas disputas teológicas entre luteranos e calvinistas explicam o papel obscuro do protestantismo alemão nos primeiros anos da Guerra dos Trinta Anos. (...) É assim que encontramos a vida religiosa do protestantismo alemão depois de 1648, terrivelmente enfraquecida. Esta situação era a mesma, tanto entre os luteranos como entre os reformados. O ministério era pobre quanto à religião pessoal. A ortodoxia era considerada a característica mais importante 32 de um ministro”. 5) “A FÉ EXPLÍCITA”: Devemos ressaltar, que, ao mesmo tempo, em que a doutrina cristã precisava ser apresentada de forma mais completa possível; considerando a autonomia individual proclamada pela Reforma, estes ensinamentos deveriam ser inteligíveis ao cristão mais simples, para que ele pudesse filiar-se à Igreja, conhecendo o que ela cria e ensinava. 33 Calvino (1509-1564), já combatera a “fé implícita” – que era patente na teologia católica –, declarando que a nossa fé deve ser “explícita”. No entanto, Calvino ressalta que devido ao fato de que nem tudo foi revelado por Deus, bem como à nossa ignorância e pequenez espiritual, muito do que cremos permanecerá nesta vida de forma implícita. Depois de um extenso comentário, Calvino nos diz: “Certamente que não nego (de que ignorância somos cercados!) que muitas cousas nos sejam agora implícitas, e ainda o hajam de ser, até que, deposta a massa da carne, nos hajamos achegado mais perto à presença de Deus, cousas essas em que nada pareça mais conveniente que suspender julgamento, mas firmar o ânimo a manter a unidade 32 Robert Hastings Nichols, História da Igreja Cristã, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1978 (edição revisada), p. 198. 33 Que chama de “espectro papista” [J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.17), p. 375] e, “fé forjada e implícita inventada pelos papistas. Pois por fé implícita eles querem dizer algo destituído de toda luz da razão” [João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.1), p. 299], que “separa a fé da Palavra de Deus” [J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 10.17), p. 375]. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 10 34 com a Igreja. Com este pretexto, porém, adornar com o nome de fé à ignorância temperada com humildade, é o cúmulo do absurdo. Ora, a fé jaz no conhecimento de Deus e de Cristo (Jo 17.3), não na reverência à 35 Igreja”. (grifos meus). Em outro lugar: “Que costume é esse de professar o evangelho sem saber o que ele significa? Para os papistas, que se deixam dominar pela fé implícita, tal coisa pode ser suficiente. Mas para os cristãos não existe fé onde não haja 36 conhecimento”. Pelas palavras de Calvino, podemos observar a necessidade latente do ensino e estudo constante da Palavra de Deus, a fim de que cada homem, sendo como é, um ser responsável, tenha condições de se posicionar diante de Deus de forma 37 consciente; a fé explícita é patenteada pela igreja através do ensino da Palavra. 34 Foi com este espírito que Calvino nos advertiu diversas vezes: "As cousas que o Senhor deixou recônditas em secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra" (J. Calvino, As Institutas, III.21.4). "Nem nos envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento à sabedoria imensa de Deus, que em Seus muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que nem é dado, nem é lícito saber, douta é a ignorância, a avidez de conhecimento, uma espécie de loucura" (As Institutas, III.23.8). ”Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais” [João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Edições Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330]. 35 João Calvino, As Institutas, III.2.3. (Vd. também III.2.5ss). Em outras passagens, Calvino discorreu sobre a fé; cito aqui algumas delas: "Fé verdadeira, é aquela que o Espírito de Deus sela em nosso coração" (J. Calvino, As Institutas, I.7.5). “A fé não consiste na ignorância, senão no conhecimento; e este conhecimento há de ser não somente de Deus, senão também de sua divina vontade” (As Institutas, III.2.2). “É um conhecimento firme e certo da vontade de Deus concernente a nós, fundamentado sobre a verdade da promessa gratuita feita em Jesus Cristo, revelada ao nosso entendimento e selada em nosso coração pelo Espírito Santo” (As Institutas, III.2.7). “Nossa fé repousa no fundamento de que Deus é verdadeiro. Além do mais, esta verdade se acha contida em sua promessa, porquanto a voz divina tem de soar primeiro para que possamos crer. Não é qualquer gênero de voz que é capaz de produzir fé, senão a que repousa sobre uma única promessa. Desta passagem, pois, podemos deduzir a relação mútua entre a fé dos homens e a promessa de Deus. Se Deus não prometer, ninguém poderá crer” [J. Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Edições Paracletos, 1997, (Hb 10.23), p. 270]. "Fé verdadeira é aquela que ouve a Palavra de Deus e descansa em sua promessa" [João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 11.11) p. 318]. "Nossa fé não tem que estar fundamentada no que nós tenhamos pensado por nós mesmos, senão no que nos foi prometido por Deus" (Calvino, Sermones Sobre la Obra Salvadora de Cristo, Jenison, Michigan: TELL, 1988, "Sermon nº 13", p. 156). 36 João Calvino, Gálatas, (Gl 1.2), p. 25. 37 “A Escritura é a escola do Espírito Santo, na qual, como nada é omitido não só necessário, mas também proveitoso de conhecer-se, assim também nada é ensinado senão o que convenha saber” (J. Calvino, As Institutas, III.21.3). A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 11 Tillich interpretando esse fato, diz: “Cada indivíduo deve ser capaz de confessar os próprios pecados, experimentar o significado do arrependimento, e se tornar certo de sua salvação em Cristo. Essa exigência gerava um problema no protestantismo. Significava que todas as pessoas precisavam ter o mesmo conhecimento básico das doutrinas fundamentais da fé cristã. No ensino dessas doutrinas não se emprega o mesmo método para o povo comum e para os candidatos às ordens, ou para os futuros professores de teologia, com a prática do latim e grego, da história da exegese e do pensamento cristão. Como se pode ensinar a todos? Naturalmente, ape38 nas se tornarmos o ensino extremamente simples”. Essa necessidade, determina o uso cada vez mais evidente da razão, a fim de apresentar de forma mais razoável possível a doutrina, e ao mesmo tempo, de forma simples. Eis dois marcos do ensino ortodoxo: amplitude e simplicidade. O ser humano é responsável diante de Deus; ele dará contas de si mesmo ao seu Criador; portanto, tendo oportunidade, ele precisa conhecer devidamente a Palavra de Deus em toda a sua plenitude revelada. Nesse período são compostas diversas “Confissões”, que além de visar preservar a sã doutrina, objetivavam tornar clara e objetiva a fé dos crentes. Essas declarações de fé precisavam ser, até certo ponto, completas. Entretanto, precisavam ao mesmo tempo ser simples, para que o crente comum (não iniciado nas questões teológicas) pudesse entender o que estava sendo dito. Confrontando este ensinamento com a Palavra de Deus, o crente teria, assim, uma compreensão bíblica da sua fé. Nesse contexto e, com objetivos eminentemente didáticos, surgem os catecismos (Gr. Kathxe/w = “ensinar”, “instruir”, “informar”. Cf. Lc 1.4; At 18.25; 21.21,24; Rm 2.18; 1Co 14.19; Gl 6.6.), constituídos, ainda que não exclusivamente, com perguntas e respostas. Os catecismos visavam servir para instruir as crianças e os adul39 tos; este é o motivo que contribuiu decisivamente para a proliferação de catecismos, sendo que a maioria deles jamais passou da forma manuscrita, visto que muitos pastores os elaboravam apenas para a sua congregação local, visando atender 40 às suas necessidades doutrinárias. Lutero (1483-1546) exerceu poderosa influência por meio de seus Catecismos: O Catecismo Maior (abril de 1529) e principalmente, O Catecismo Menor (maio de 1529), ambos escritos em alemão. No prefácio do Catecismo Menor, Lutero declara os motivos que o levaram a redigir este Catecismo e, apresenta também sugestões de como ensiná-lo à Congregação. No decorrer dos sete capítulos, ele quase sem38 Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX, São Paulo: ASTE., 1986, p. 41. 39 Vd. M. Lutero, Catecismo Maior, Prefácio, II.1-6: In: Martinho Lutero, Os Catecismos, Porto Alegre/São Leopoldo, RS.: Concórdia/Sinodal, 1983, p. 391. Ver também: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 106. 40 Para mais detalhes sobre a elaboração das Confissões Reformadas, Vd. Hermisten M.P. Costa, A Igreja Presbiteriana e os Símbolos de Fé, São Paulo: 2000. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 12 pre inicia dizendo: "Como o chefe de família deve ensiná-lo à sua casa" ou: "Como o chefe de família deve ensiná-lo com toda a simplicidade à sua casa" e expressões similares. Transcreverei apenas o que Lutero disse a respeito das suas motivações: "A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, 41 quando também eu fui visitador, é que me obrigou e impulsionou a preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela. Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias. E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para a obra do ensino (...). Não sabem nem o Pai-Nosso, nem o Credo, nem os Dez Man42 damentos". *** Lembrando a observação de Tillich, devemos ter em mente que, a Ortodoxia Protestante, “É a sistematização e a consolidação das idéias da Reforma, 43 desenvolvidas em contraste com a Contra-Reforma”. Este período trouxe consigo a elaboração e sistematização da teologia protestante, todavia, acarretou a reação pietista que enfatizava mais precisamente o aspecto emotivo da fé cristã. É fato também, que a Ortodoxia Protestante num estágio posterior, mesmo sem jamais ter ensinado isso, impulsionou a preocupação puramente doutrinária, acarretando uma estagnação espiritual, marcada por um formalismo vazio: ortodoxia doutrinária e heterodoxia vivenciada. Por certo, insistimos, este não era o desejo dos Reformadores, nem dos teólogos ortodoxos do século XVII, mas o fato é que a Ortodoxia contribuiu na pavimentação do caminho para o racionalismo. Por outro lado, todos os movimentos teológicos posteriores, sempre estiveram dependentes da ortodoxia clássica. O Pietismo, como veremos, tentará subjetiva-la; O Liberalismo – cada grupo com sua ênfase específica – tentará superá-la, tendo a razão como elemento norteador de toda a sua teologia. Nós, Reformados, somos herdeiros de muitíssimos de seus conceitos, os quais devem ser preservados, sempre em atenção ao Verbo Divino, sustentando uma fé viva em Cristo, que se manifeste em nossa doutrina e vida. 41 Lutero viajou pela Saxônia Eleitoral e por Meissen, entre 22/10/1528 e 09/01/1529. 42 Catecismo Menor: In: Os Catecismos, p. 363. 43 Paul Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE., 1988, p. 251. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 13 4. Principais Catecismos e Confissões Reformados: subsídios históricos: 1) CONFISSÃO GAULESA: (1559) A Confissão Gaulesa que não é muito conhecida e difundida em nosso meio, exerceu grande influência doutrinária sobre outras Confissões Reformadas. Ela foi escrita por Calvino (1509-1564) e seu discípulo Antoine de la Roche Chandieu (De 44 Chandieu) (1534-1591), provavelmente com a ajuda de Theodore Beza (15191605) e Pierre Viret (1511-1571). Inicialmente tinha 35 capítulos. No Sínodo Geral de Paris (26-28/05/1559), que congregou representantes de mais de 60 igrejas, das mais de 100 que existiam na França – reunido secretamente –, tendo como moderador Fraçois de Morel, esta Confissão foi revista e ampliada em mais cinco capítu45 los, tendo um prefácio dedicado ao rei Francisco II (1560) e posteriormente, tam46 Calcula-se que à época, a bém foi apresentada por Beza a Carlos IX (1561). 47 48 França já possuía 400 mil protestantes ou, um sexto ou, um quarto da popula49 ção, existindo em fins de 1561, mais de 670 igrejas calvinistas erigidas em territó50 rio francês. Contudo, Mcgrath ainda que sendo bastante moderado no uso das estatísticas, fala de pelo menos 1250 igrejas huguenotes na França em 1562, perfa51 zendo mais de 10% da população estimada em 20 milhões de habitantes. Em 1571, tendo como moderador T. Beza (1519-1605), realizou-se o Sétimo Sínodo Nacional de La Rochelle. À ocasião, estavam presentes: a Rainha de Navarra, seu filho Henrique IV (1553-1610) e o Almirante Coligny (1519-1572), que viria ser 44 De Chandieu estudou em Toulouse e Genebra, sendo pastor da Igreja Reformada em Paris (1556-1562). Depois do Massacre de São Bartolomeu (23-24/08/1572), ele fugiu para Suiça, indo residir em Genebra, Lausanne e Aubonne. 45 Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6ª ed. revised and enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1977, Vol. I, p. 494; III, p. 356; E.E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 257; W. Walker, História da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE, 1967, Vol. II, p. 111; K.S. Latourette, História del Cristianismo, 3ª ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1977, Vol. II, p. 117; Pierre Courthial, A Idade de Ouro do Calvinismo na França: (1533-1633): In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 93. 46 Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. III, p. 356; N.V. Hope, Confissão Gaulesa: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 332. 47 Cf. W. Walker, História da Igreja Cristã, Vol. II, p. 111. 48 Cf. E.E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, p. 257. 49 Cf. dados de Coligny, citados por Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, Lisboa: Estampa, 1984, Vol. I, p. 129 50 Cf. Jean Delumeau, O Nascimento e Afirmação da Reforma, São Paulo: Pioneira, 1989, p. 149150. Delumeau e Mcgrath citam estatística de Coligny, constando a França, em 1562, de mais de 2150 “comunidades” reformadas. (Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, Vol. I, p. 129; Alister E. Mcgrath, A Vida de João Calvino, p. 221). 51 Ver: Alister E. Mcgrath, A Vida de João Calvino, p. 221-222. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 14 52 morto durante "O massacre de São Bartolomeu", 23-24/08/1572. Neste Sínodo, a Confissão foi revisada, reafirmada e solenemente sancionada por Henrique IV, pas53 sando, desde então a ser também chamada de "Confissão de Rochelle". A Confissão Gaulesa influenciou profundamente a Confissão Belga (1561) e a Confissão dos Valdenses (1655). 2) CONFISSÃO ESCOCESA: (1560) Esta Confissão foi escrita sob a liderança de John Knox (1505-1572), em quatro dias por seis homens que tinham como prenome “John”: Spottiswoode, Millock, Rowe, Douglas, Winram e Knox. A Confissão Escocesa foi adotada pelo Parlamento escocês em 17 de agosto de 1560, sendo ratificada em 1567, quando o Parlamento 54 a adotou por decreto. Em 1572, todos os Ministros tiveram de subscrevê-la. Ela permaneceu como Confissão Oficial da Igreja Reformada Escocesa até 1647, quan55 do então, a Igreja adotou a Confissão de Westminster. 3) CONFISSÃO BELGA: (1561) A Confissão Belga que se inspirou na Confissão Gaulesa (1559), foi escrita em francês em 1561 por Guido (ou Guy, Wido) de Brès (1523-1567), com a ajuda de M. Modetus, Adrien de Saravia (1513-1613) – um dos primeiros protestantes a advogar 56 a idéia de missões estrangeiras e G. Wingen, sendo revisada por Francis Junius (1545-1602) e, publicada a sua tradução em holandês em 1562. "O pastor Guy de Brès escreveu uma carta de defesa aos magistrados. Lançou-a juntamente com um exemplar de sua recente 'Confession de Foy' por sobre o muro do castelo de Doornick, para assim ser levado ao governador e ao rei. Se este jamais leu a confissão de fé, não se sabe, mas ela chegou a ocupar um lu57 gar de suma importância na Igreja Reformada holandesa". 52 Vd. W.S. Reid, Coligny: In: J.D. Douglas & Philip W. Comfort, eds. Who’s Who in Christian History, Wheaton, Illinois: Tyndale House Publishers, Inc. 1992, p. 170; G. Bromiley, Beza: J.D. Douglas & Philip W. Comfort, eds. Who’s Who in Christian History, p. 83; P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 495; Pierre Courthial, A Idade de Ouro do Calvinismo na França: (1533-1633): In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 97. 53 Vd. N.V. Hope, Confissão Gaulesa: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 332; P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. III, p. 356; Brian G. Armstrong, French Confession: In: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, Louisville, Kentucky: Westminster/John Knox Press, 1992, p. 146. 54 Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 682. 55 Vejam-se: R. Kyle, Confissão Escocesa: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 300-301; K. S. Latourette, História del Cristianismo, I, p. 121; P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol.I, p. 681-682; III, 437; W. Walker, História da Igreja Cristã, Vol. II, p. 98ss. 56 Cf. I. Breward, Saravia: In: J.D. Douglas, ed. ger. The New International Dictionary of the Christian Church, 3ª ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan,1979, p. 878. 57 Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), Recife, PE: FUNDARTE, (Coleção Pernambucana, 2ª Fase, Vol. 25), 1986, p. 27. Quanto à parte do teor da carta, Vd. Jorge P. Fisher, Historia de la Reforma, Barcelona: CLIE., (1984), p. 291. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 15 Ela juntamente com o Catecismo de Heidelberg (1563), foi aprovada no Sínodo 58 de Antuérpia (1566), realizado secretamente, no Sínodo de Ambères (após revi59 são) (1566), em Wessel (1568) e adotada pelo Sínodo Reformado de Emden (1571), pelo Sínodo Nacional de Dort (1574), Middelburg (1581) e, também, pelo grande Sínodo de Dort (29/4/1619), o qual a sujeitou a uma minuciosa revisão, comparando a tradução holandesa com o texto francês e latino. Ela foi traduzida para o 60 holandês (1562) e para o inglês (1768). A Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg são os símbolos de fé das Igrejas Reformadas na Holanda e Bélgica, sendo também o padrão doutrinário da Igreja Re61 formada na América e na Igreja Evangélica Reformada Holandesa no Brasil. 4) XXXIX ARTIGOS DA IGREJA DA INGLATERRA: (1563) Em 1552, o Arcebispo de Cantebury, T. Cranmer (1489-1556), elaborou juntamente com outros clérigos, Quarenta e Dois Artigos da Religião, que foram, após uma minuciosa revisão feita no mesmo ano, publicados em 1553 sob à autoridade do Rei da Inglaterra, Eduardo VI. Mais tarde, estes Artigos foram revistos e reduzidos a 39, pelo Arcebispo de Cantebury, Matthew Parker (1504-1575) e outros bispos. Esta última revisão e redução, foi ratificada pelas duas Casas de Convocação, sendo os Trinta e Nove Artigos publicados por autoridade do Rei em 1563. Em 1571 tornou-se obrigatória a subscrição destes Artigos por todos os Ministros 62 ingleses. 63 Os Trinta e Nove Artigos e o Livro de Oração Comum (1549), são os Símbolos de Fé da Igreja Anglicana e, com algumas alterações, da Igreja Episcopal Protestan64 te dos Estados Unidos. 5) CATECISMO DE HEIDELBERG:(1563) Esta Confissão foi escrita por dois jovens teólogos: Caspar Olevianus (1536-c. 1587) – quem recebeu influência de Melanchton (1497-1560) e de Peter Martyr Ver58 Cf. Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), p. 27. 59 Cf. J.P. Fisher, Historia de la Reforma, p. 291. 60 Cf. M. Eugene Osterhaven, Belgic Confession: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, p. 31. 61 Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 502-508; III, p. 383; J. Van Engen, Confissão Belga: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 330. 62 Cf. K.S. Latourette, História del Cristianismo, II, p. 167. 63 Quanto à origem e alterações do Livro de Oração Comum, vd. Hermisten M.P. Costa, Nossa Herança Litúrgica Reformada, São Paulo: 1990, p. 11-12. 64 David S. Schaff, Nossa Crença e a de Nossos Pais, 2ª ed. São Paulo: Imprensa Metodista, 1964, p. 31. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 16 migli (1560-1562) –, professor de teologia na Universidade de Heidelberg e Zacharias Ursinus (1534-1583), que fora aluno de Melanchton, em Wittenberg (1550-1557), 65 bem como amigo de Calvino (1509-1564). Acusado de Criptocalvinismo (Calvinista disfarçado), foi para Zurique (1560), onde dirigiu o Collegium Sapientiae (1561). Posteriormente, exerceu o professorado de teologia em Heidelberg (1562-1568). Schaff (1819-1893), diz que "Olevianus foi inferior à Ursinus na erudição, porém 66 foi superior no púlpito e no governo da igreja". O Catecismo ficou pronto em janeiro de 1563, existindo um exemplar desta primeira edição na Biblioteca Nacional de Viena, datado de 19/01/1563. Neste mesmo ano, foram publicadas mais três edições, sendo a quarta considerada a mais completa e definitiva de todas. No prefácio da primeira edição, Frederico III, o “Piedoso” 67 (1515-1576), estabeleceu três propósitos para este Catecismo, a saber: Instrução catequética; um guia para pregação e uma forma confessional de unidade. Frederico III, foi o primeiro príncipe alemão a adotar um Credo Reformado, como distinto do 68 Luterano. O Catecismo de Heidelberg foi adotado por um Sínodo de Heidelberg (19/01/1563), sendo aceito também na Escócia, servindo de modo especial para o ensino das crianças [até à época da adoção dos Catecismos de Westminster (28/07/1648)]. O Sínodo de Dort também o aprovou. Heidelberg é o símbolo das I69 grejas Reformadas da Alemanha, da Holanda, dos Estados Unidos e do Brasil. Este Catecismo tem como dois de seus pontos fortes o seu aspecto não polêmico – com exceção da pergunta 80 –, e o tom pastoral com o qual ele foi escrito, usando muitas vezes a primeira pessoa do singular, sendo as suas respostas uma declaração pessoal de fé, tendo as verdades teológicas uma aplicação bem direta às necessidades cotidianas do povo de Deus. 65 Quanto à expressão, Ver: D.K. McKim, Criptocalvinismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. I, p. 370-371. 66 P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 534. J.T. McNeill diz a mesma coisa com outras palavras, Vd. J.T. McNeill, The History and Character of Calvinism, New York: Oxford University Press, 1954, p. 270: “Ele (Olevianus) era dois anos mais jovem que Ursinus, mais eloqüente e menos erudito”. 67 Sobre o seu testemunho evangélico, Vd. a “Introduccion” do El Catecismo de Heidelberg, 3ª ed. Rijswijk, (Z.H.), Países Bajos: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1982, p. 11-12. 68 Em outras palavras, ele foi o primeiro príncipe alemão a abraçar fé Reformada. (Vd. Shirley C. Guthrie, Heidelberg Catechism: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, p. 167. 69 Vd. R.V. Schnucker, Catecismo de Heidelberg: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia HistóricoTeológica da Igreja Cristã, Vol. I, p. 247-248; K.S. Latourette, História del Cristianismo, II, p. 102; Philip Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 529-538; W. Walker, História da Igreja Cristã, II, p. 122; Clair Davis, A Igreja Reformada da Alemanha: Calvinistas, uma influente minoria: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 168; Manuel Gutiérrez-Marin, Prólogo ao Catecismo de Heidelberg: In: Catecismo de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962, p. 127-142; Eduard Günder, Heidelberg Catechism: In: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Vol. II, p. 959-960; Fred H. Klooster, A Short History of the Heidelberg Catechism prepared for the new Pslater Hymnal Handbook (2/20/87), texto datilografado, 8p. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 17 Ele foi traduzido para todas as línguas da Europa e muitas Asiáticas, sendo amplamente usado. Devido a esta amplitude de traduções, Schaff (1819-1893) diz que 70 Heidelberg “tem o dom pentecostal de línguas em um raro grau”. 6) SEGUNDA CONFISSÃO HELVÉTICA: (1562-1566) 71 A Segunda Confissão Helvética, foi primariamente elaborada em latim, em 1562, pelo amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), Henry Bullinger (1504-1575). Em 1564, quando a peste voltou a atacar em Zurique, Bullinger perdeu a esposa e as três filhas. Ele mesmo ficou doente mas foi curado. Neste ínterim ele fez a revisão da Confissão de 1562 e, como uma espécie de testamento espiritual, anexou-a ao seu testamento, para ser entregue ao magistrado da cidade, caso ele viesse a falecer. Esta confissão foi publicada, com algumas alterações – aceitas por Bullinger –, em latim e alemão em 12/03/1566. Ela foi traduzida para vários idiomas (inclusive o Árabe), tendo ampla aceitação em diversos países nos anos seguintes, sendo também adotada na Escócia (1566); na Hungria (1567); na França (1571); na 72 Polônia (1578). Esta Confissão “veio a ser o elo de união para as igrejas cal73 vinistas espalhadas por toda a Europa”. 70 P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 536. Há aqui um dado importante; como sabemos, os Holandeses estiveram no Brasil no período de 1630 a 1654; ainda que não fosse o âmbito religioso o seu principal trabalho, não deixaram de atuar também nesta área. Em 1656 Antônio Paraupaba pede socorro aos Estados Gerais em favor da nação indígena do Brasil que havia abraçado a religião Reformada; a certa altura diz: “Ajudem agora! A luz da Palavra de Deus será apagada por falta de pastores” [Apud Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês: 16301654, p. 312]. O trabalho dos holandeses na publicação de um Catecismo trilingue (holandês, português e tupi), intitulado: “Uma instrução simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Elcesial Presbiterial no Brasil, com formulários para batismo e santa ceia acrescentados” –, não deixa de ser extremamente interessante considerando as suas vicissitudes, já que o Presbitério de Amesterdã não o aprovara, não pelo que dissera, mas pelo que omitira, além de uma possível suspeita, certamente infundada, de algum viés arminiano. Na realidade o seu autor, o Rev. David à Doreslaer com a ajuda do Rev. Vincentius J. Soler confessou ter problemas em expressar determinados conceitos teológicos em línguas bárbaras. O que ele desejava era fazer um resumo do Catecismo de Heidelberg (1563) adotado pela Igreja Reformada Holandesa. Assim o Catecismo que tinha como alvo principal os índios evangelizados, foi impresso na Holanda em 1641 chegando em Recife em 1642. Ao que parece ele não teve grande utilidade devido aos debates provocados entre o Sínodo da Holanda e a Companhia das Índias Ocidentais. Schalkwijk, conclui: “Provavelmente, os catecismos ficaram empilhados em algum lugar, falados demais para serem usados, santos demais para serem queimados” (Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654, p. 324). 71 L. Berkhof tem razão ao dizer que esta é “a mais completa declaração oficial sobre a posição Reformada acerca da doutrina de Cristo” (L. Berkhof, História das Doutrinas Cristãs, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 106). 72 Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 390-395; Vol. III, p. 233; R.V. Schnucker, Confissões Helvéticas: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 341342; K.S. Latourette, História del Cristianismo, II, p. 99; Archibald A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata Sanches, 1895, p. 110; D. S. Schaff, Nossa Crença e a de Nossos Pais, p. 30. 73 O G. Oliver Jr., Bullinger: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 216. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 18 7) CÂNONES DE DORT: (1618-1619) O Sínodo de Dort reuniu-se por autoridade dos Estados Gerais dos Países Baixos, em Dordrecht, Holanda, no período de 13/11/1618 a 9/5/1619, tendo 154 sessões. O Sínodo foi constituído de 35 pastores, um grupo de presbíteros das igrejas holandesas, cinco catedráticos de teologia dos Países Baixos, dezoito deputados dos Estados Gerais e 27 estrangeiros, de diversos países da Europa, tais como: Inglaterra, Alemanha, França e Suíça. 74 Dort rejeitou os cinco pontos apresentados pelos arminianos, conhecidos como 75 os “Cinco Pontos do Arminianismo”. Seguindo J.I. Packer podemos resumir o sistema arminiano e calvinista, da seguinte forma: CINCO PONTOS DO ARMINIANISMO CINCO PONTOS DO CALVINISMO 1) O homem nunca é de tal modo corrompido pelo pecado que não possa crer salvaticiamente no evangelho, uma vez que este lhe seja apresentado. 1) O homem decaído, em seu estado natural, não tem capacidade alguma para crer no evangelho, tal como lhe falta toda a capacidade para dar crédito à lei, a despeito de toda indução externa que sobre ele possa ser exercida. 2) O homem nunca é de tal modo controlado por Deus que não possa rejeitá-lo. 2) A eleição de Deus é uma escolha gratuita, soberana e incondicional de pecadores, como pecadores, para que venham a ser redimidos por Cristo, para que venham a receber fé e para que sejam conduzidos à glória. 3) A eleição divina daqueles que serão salvos alicerçar-se sobre o fato da provisão divina de que eles haverão de crer, por sua própria deliberação. 3) A obra remidora de Cristo teve como sua finalidade e alvo a salvação dos eleitos. 4) A morte de Cristo não garantiu a salvação para ninguém, pois não garantiu o dom da fé para ninguém (e nem mesmo existe tal dom); o que ela fez foi criar a possibilidade de salvação para todo aquele que crê. 4) A Obra do Espírito Santo, ao conduzir os homens à fé, nunca deixa de atingir o seu objetivo. 5) Depende inteiramente dos crentes manterem-se em um estado de 5) Os crentes são guardados na fé na graça pelo poder inconquistável de 74 Discípulos de James Arminius (1560-1609), antigo aluno de Theodore de Beza (1519-1605), sucessor de Calvino em Genebra. 75 J.I. Packer, O “Antigo” Evangelho, São Paulo: Fiel, 1986, p. 6. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 19 graça, conservando a sua fé; aqueles que falham nesse ponto, desviam-se e se perdem. Deus, até que eles cheguem à glória. Os Cânones de Dort foram aceitos por todas as Igrejas Reformadas como ex76 pressão correta do sistema calvinista. 8) CONFISSÃO E CATECISMOS DE WESTMINSTER:(1647-1648) A Confissão de Westminster bem como os Catecismos Maior (1648) e Menor (1647), foram redigidos na Inglaterra, na Abadia de Westminster, conforme convocação do Parlamento Britânico. A Assembléia foi aberta no sábado, 01/07/1643, pregando o Dr. William Twisse (1575-1646) – que iria ser o moderador da Assembléia até a sua morte em julho de 1646 –, baseando o seu sermão no texto de Jo 14.18, "Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós". A Assembléia funcionou de 01/07/1643 até 22/02/1649, realizando 1163 sessões regulares, sem contar as inúmeras reuni77 ões de comissões e subcomissões. O objetivo primário desta Assembléia, era a 78 revisão dos Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra. Trabalharam na elaboração da Confissão, 121 teólogos e trinta leigos nomeados pelo Parlamento, a saber: 20 da Casa dos Comuns e 10 da Casa dos Lordes (nomeação feita em 12/06/1643); e, também 8 representantes escoceses, quatro pastores e quatro presbíteros, “os 79 melhores e mais preclaros homens que possuía” – sendo que dois deles nunca 80 tomaram assento –, que, mesmo sem direito a voto, exerceram grande influência. Os principais debates desta Assembléia não foram de ordem teológica, já que praticamente todos eram Calvinistas, mas sim no que se refere ao governo da Igreja. "Embora houvesse diversidade quanto à Eclesiologia, havia unidade quanto 81 à Soteriologia". 76 Sobre Dort, Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 508-517; M.E. Osterhaven, Dort, Sínodo de: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, p. 503-504. Os Cânones de Dort foram traduzidos para o português (Os Cânones de Dort, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1995). 77 Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 753; Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999, p. 44; Guilherme Kerr, A Assembléia de Westminster, São Paulo: E.F. Beda – Editor, 1984, p. 18. 78 Cf. Douglas F. Kelly, The Westminster Shorter Catechism: In: John L. Carson & David W. Hall, eds. To Glory and Enjoy God: A Commemoration of the 350th Anniversary of the Westminster Assembly, Carlisle, Pennsylvania, The Banner of Truth Trust, 1994, p. 107; Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999, p. 43. 79 Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999, p. 41. 80 Cf. G. Kerr, A Assembléia de Westminster, p. 12. Os que tomaram assento, foram: Ministros: Alexander Henderson, George Gillespie, Samuel Rutherford e Robert Baillie. Presbíteros: Lord John Maitland e Sir Archibald Johnston (Cf. Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, p. 42). 81 R. T. Kendall, A Modificação Puritana da Teologia de Calvino: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 264. A Ortodoxia Protestante e as Confissões Protestantes: Introdução – Rev. Hermisten – 15/03/09 – 20 Neste particular havia quatro partidos representados; os Episcopais: James Ussher (1581-1656), Brownrigg, Westfield, Prideaux; Presbiterianos: T. Cartwright (1535-1603), Walter Travers (c. 1548-1635), etc.; Independentes: (Congregacionais), 82 “Os cinco Irmãos Dissidentes”, conforme eram chamados, eram: Thomas Goodwin (1594-1665); Philip Nye (1596-1672); Jeremiah Burroughs (1599-1646), William Bridge (1600-1670), Sidrach Simpson; Erastianos: Assim chamados por seguirem o pensamento do médico de Heidelberg, Thomas Erasto (1524-1583) – que defendia 83 a supremacia do Estado sobre a Igreja –, Thomas Coleman, John Selden (15841654), Whitelocke, J. Lightfoot (1602-1675). Estes entendiam que o trabalho do pastor era basicamente o de ensino; o pastor é o mestre. Prevaleceu no entanto, o sistema Presbiteriano de Governo. O Breve Catecismo foi elaborado para instruir as crianças; O Catecismo Maior, especialmente para a exposição no púlpito, ainda que não exclusivamente. Eles substituíram em grande parte os Catecismos e Confissões mais antigos adotados pelas igrejas Reformadas de fala inglesa. Apesar da teologia dos Catecismos e da Confissão de Westminster ser a mesma, sendo por isso sempre adotados os três, parece que os mais usados são o Catecismo Menor e a Confissão. Estes Credos foram logo aprovados pela Assembléia Geral da Igreja da Escócia [Confissão (27/08/1647); Catecismos Maior e Menor (28/07/1648)], sendo este ato 84 homologado pelo Parlamento Escocês em 07/02/1749. Eles tiveram e têm uma grande influência no mundo de fala inglesa, máxime entre os Presbiterianos – embo85 ra também tenham sido adotados por diversas igrejas batistas e congregacionais. No Brasil, estes Credos são adotados pela Igreja Presbiteriana do Brasil, Presbiteriana Independente e Presbiteriana Conservadora. Maringá, 14 de março de 2009. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa 82 Cf. Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, p. 42. 83 Veja-se: Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p. 197. 84 Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 759 e 784. 85 Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. I, p. 727ss.; D.F. Wright, Catecismos: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. I, p. 251-252; J.M. Frame, Confissão de Fé de Westminster: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. I, p. 331-332; J.M. Frame, Catecismos de Westminster: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. I, p. 252; G. Kerr, A Assembléia de Westminster, 31 p.; A.A. Hodge, Esboços de Theologia, 111-112.