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São Paulo, quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Especial
Fotos: Divulgação
Viagens longas
propiciam uso
de drogas por
caminhoneiros
A rotina agitada e sem descanso faz parte da realidade da maioria dos caminhoneiros profissionais no País, que
atravessam as estradas durantes dias para a entrega dos mais variados produtos com curtos prazos
Leandro dos Santos Bernardo/Agência USP de Notícias
C
om esse dia-a-dia sobrecarregado, não é incomum
relacionarem os caminhoneiros ao uso de entorpecentes, inclusive os ilegais, para se manterem
acordados durante longas viagens ou para se acalmarem
frente ao estresse da profissão. A dissertação de mestrado
da bióloga Daniele Mayumi pela Faculdade de Medicina da
USP (FMUSP) procurou comprovar o uso de drogas por
caminhoneiros no estado de São Paulo, além de identificálas e procurar variáveis que determinam a tendência ao
uso ou não da droga pelos
profissionais das estradas.
dias era realizada uma triagem das urinas, com a utilização
de uma fita-teste para a presença ou não de seis drogas.
Colocada direto na urina, a fita dava um resultado positivo
ou negativo para certo entorpecente. Após essa triagem, as
amostras que alegaram resultado positivo na triagem eram
preparadas para um teste de confirmação em um aparelho,
a partir do processo de cromatografia gasosa — técnica de
separação utilizada para identificação de compostos em
misturas. No estudo não havia o interesse na quantificação
do uso da droga, mas apenas saber se ela fora utilizada
ou não.
As drogas que tiveram
um maior número de reTambém funcionária do
sultados positivos foram a
Departamento de Medicina
maconha, a anfetamina e a
Legal da FMUSP, no Laboracocaína, drogas já presentório de Toxicologia — sutes na literatura como de
pervisionado pela professora
alto uso pelos profissionais
Vilma Leyton —, Daniele
do transporte de cargas.
realizou seu mestrado em
Outras três que também
uma parceria com a Polícia
estiveram presentes na
Rodoviária Federal (PRF).
pesquisa foram a morfiConvidada em eventos de
na, a metanfetamina e os
saúde da Polícia, recolhia
benzodiazepínicos, ansioPesquisa analisou 1316 amostras de urina, coletadas
amostras de urina de camilíticos (remédios contra a
entre 2008 e 2012, em SP.
nhoneiros que eram parados
ansiedade) que podem ser
na estrada para, posteriorencontrados em farmácias.
mente, realizar testes toxicológicos e comprovar a exis- De acordo com a pesquisa, 7,8% das amostras coletadas
tência ou não de drogas nas amostras, além identificar as deram resultado positivo para o uso de drogas.
mais presentes. O evento Comandos de Saúde na Rodovia
ocorre desde 2006 e é realizado pela PRF quatro vezes
Daniele buscou relacionar
ao ano, concomitantemente em todo o Brasil (no mesmo parâmetros para o uso ou não
dia e no mesmo horário), em estradas federais próximas de entorpecentes. Em relaa grandes cidades, com o objetivo de melhorar a saúde do ção ao motorista, variáveis
motorista, que possui uma rotina agitada e, muitas vezes, que foram estatisticamente
não tem tempo de realizar uma consulta médica.
relevantes no uso ou não de
droga foram a idade, estado
civil e tempo de profissão.
Fatores como escolaridade,
etnia e número de pessoas
no veículo não foram estatisticamente relevantes para o
uso ou não de entorpecentes.
As hipóteses são que com o
tempo de profissão e a idade
mais avançada fazem o motorista evitar pegar cargas
maiores e com maior tempo
de viagem. A preocupação
com o cônjuge, dependendo
do estado civil, faz com que o
caminhoneiro evite usar entorpecentes ou viajar longas
A pesquisadora ressalta que não havia nenhuma intenção distâncias.
punitiva na realização do evento: “não havia nenhum propósito de prejudicar o motorista, os dados eram sigilosos e as
Já em relação à viagem
pessoas não eram identificadas”. Os próprios pesquisadores em si, independentemente
realizavam a coleta e buscava-se desvencilhar da figura do de quem dirige, fatores que
policial, não buscando sinais clínicos do uso de drogas no têm relevância estatística
momento da coleta. Os pesquisadores eram convidados do são a distância total percorevento da PRF e estavam em um espaço separado, sendo rida e o tempo de descanso
que o papel da polícia na hora da coleta se resumiu em noturno. O desgaste de uma
ceder o espaço e promover a segurança do local.
longa viagem e a necessidade
de entregar no prazo ou o
Para o estudo, a pesquisadora considerou a coleta de 1.316 mais rápido possível potenamostras, entre 2008 e 2012, em 14 idas a eventos da PRF cializam o uso de drogas
no estado paulista. Segundo Daniele, a taxa de recusa foi pelos caminhoneiros (se o
baixa (3,8%) e ela não levou esse fator em consideração, por motorista for autônomo,
não ser expressivo. “Eles alegavam pressa e não realizavam quanto maior o número de
o teste”, cita a principal causa dessa recusa.
entregas mais ele recebe no
final, o que também pode
Após a coleta, as urinas eram refrigeradas e armazenadas aumentar o caso de uso de
até o fim do evento e levadas ao laboratório. Em até três entorpecentes).
Daniele já tem o plano traçado para o doutorado, que
contemplará todo o Brasil: “farei uma análise por região,
com a coleta de dados em pelo menos um estado por área”,
cita. Analisar questões de fronteira, por exemplo, é também
um dos planos para pesquisas futuras. Para a pesquisadora,
é importante que essas pesquisas cheguem até as autoridades e às empresas de transporte para que algo seja feito
além das campanhas de prevenção e conscientização, a fim
de melhorar as condições de trabalho dos caminhoneiros
profissionais do País.
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