Wilhelm Reich: dados biográficos e orientações básicas
Marcus Vinicius de A. Câmara
Abertura
Wilhelm Reich, ao longo de sua obra, segue rotas que vão se desdobrando
umas nas outras. De psicanalista e, a seguir, marxista, passando pela
sistematização
teórica
da
análise
caractero-vegetativa
e
alcançando
a
proposição tanto de uma nova ciência denominada Orgonomia, como de um
modo de produção social nomeado Democracia do Trabalho. Portanto, o
Weltanschauung reichiano é complexo, contemplando, a um só tempo, aspectos
psíquicos, biológicos, sociais e energéticos. Mas, de que lugar se expressa Reich?
Vamos, inicialmente, dar uma visada em suas raízes.
1 - Raízes Familiares
Reich (1922/1990) veio ao mundo em 24 de março de 1897, no então
império austro-húngaro. Sua infância passou-se em uma granja, em profundo
contato com a natureza. Possuía uma relação de maior proximidade com sua
mãe do que com seu pai. Este era explosivo e, ao mesmo tempo, inteligente e
amável. Tinha um irmão três anos mais moço, Robert, que reagia aos
destemperos de seu pai, já Reich permanecia ressentido e introvertido.
A vida amorosa de seus pais era conturbada, sua mãe era infeliz no
casamento. Após uma fase depressiva, suicidou-se. O pai, aparentemente
arrependido de suas ações com a mulher, veio a falecer alguns anos depois.
Reich tornou-se um jovem intelectualmente curioso e vigoroso. Alistou-se
voluntariamente aos 17 anos, e foi à guerra.
Mais tarde, ingressou na Faculdade de Medicina em Viena. Reich era um
estudante com dificuldades financeiras, vivia com sobras de sua herança e de
aulas particulares para os demais estudantes. No meio acadêmico, além da
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Medicina, interessou-se por escritos sócio-políticos. Por esta época iniciou sua
formação em Psicanálise.
2 – O Encontro com a Psicanálise
Em sua formação de psicanalista, Reich produz seu primeiro trabalho. Os
Conceitos de Pulsão e Libido de Jung a Forel (1925/1976f). Neste, aborda
diversos autores e enfatiza a teoria da libido de Freud. Já neste momento, Reich
observa a necessidade de se fundamentar a teoria da libido em bases
fisiológicas.
Em 1920, Reich candidatou-se a membro da Sociedade Psicanalítica de
Viena. Para tal, ministra a conferência O conflito da libido e a ilusão de Peer
Gynt (1925/1976c). Nesta, ele analisa as facetas do personagem Peer Gynt, de
Ibsen. Este personagem expressa o diferente, o ser solitário. Peer Gynt abarca
ângulos da personalidade de Reich. Desde estudante permitia somente que uns
poucos participassem de sua vida íntima.
As diferenças entre os sexos com relação ao ato sexual é o objeto da
pesquisa O Coito e os Sexos (1925/1976e) de Reich, em 1921. Assuntos como
orgasmo, ejaculação precoce e frigidez são abordados. O autor estabelece a
relação entre as perturbações sexuais e o sentimento de culpa, a cisão da
ternura e da sexualidade, a valorização menor da vagina e maior do clitóris, a
falta de diálogo entre homem e mulher, a carência de informação na área
sexual, a atenção excessiva para com os filhos em detrimento do parceiro e a
educação repressiva das mulheres.
Reich, médico (1922) e primeiro assistente de Freud na Policlínica
Psicanalítica, publica O Caráter Impulsivo – um estudo psicanalítico sobre a
psicopatologia do Ego (1925/1976d), em 1925. Este caráter configura um quadro
de impulsividade e instabilidade com frágil sentimento de culpa. A impulsividade
não é observada pelo indivíduo como patológica e é expressa por meio de um
comportamento desinibido. Reich, freudianamente, aponta que o caráter
impulsivo sofre de uma deficiência no mecanismo de recalcamento ou, dito de
outra maneira, no superego. A conclusão deste estudo estabelece que a relação
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de força entre a afirmação da pulsão e seu recalque deve ser equilibrada, ou
seja, deve haver um balanceamento entre a liberação de prazer e sua redução.
Nestes
primeiros
escritos,
Reich
demonstra
um
posicionamento
psicanalítico ortodoxo quanto à necessidade de repressão e ao estabelecimento
da sublimação, a fim de que as relações entre as pessoas, a cultura e a
civilização, se consolidem. Entretanto, tal ponto de vista teórico sobre estas
questões se modificará, aos poucos, completamente.
Já em 1924, entre Reich e Freud havia surgido uma primeira fissura por
meio da noção de “potência orgástica” de Reich. Esta quebra se amplia com o
trabalho de “análise das resistências” (1926) e a fratura definitiva ocorre com o
estudo sobre o “masoquismo” (1932). Aqui há uma cisão irreparável. Vamos
aprofundar, posteriormente, estes pontos.
3 – A Esquerda Psicanalítica
1929 é o ano de publicação da importante obra Materialismo Dialético e
Psicanálise (1929/1983), Reich correlaciona marxismo e psicanálise por meio de
pesquisas sobre três itens: a base materialista da psicanálise; a dialética na vida
mental, a posição social da psicanálise. A base materialista da psicanálise é
calcada na teoria da libido. Para Reich, a teoria da libido é o ponto mais
concreto da psicanálise. A perspectiva dialética na vida mental proporciona a
observação de Reich de que a imbricação mente/corpo deveria ser mais
investigada, assim como outras antíteses, tais como: pulsão e inibição, tensão e
relaxamento, libido narcísica e libido objetal, consciente e inconsciente, Ego e
Id, amor e ódio, neurose e perversão, indivíduo e sistema sócio-político e outras
mais. Segundo Reich, Freud, ainda jovem, cria que as neuroses eram resultantes
da repressão social e sexual. Assim sendo, a psicanálise, para Reich, favoreceria
uma tomada de consciência desta repressão e, deste modo, a posição social da
psicanálise implicaria na articulação deste saber com o marxismo, visando a
conscientização da classe explorada e auxiliando a criar uma sociedade mais
justa e solidária, uma sociedade comunista.
No entanto, Reich já produzia uma diferença em relação ás ortodoxias
psicanalítica e marxista: a psicanálise deveria levar em consideração as
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diferenças sociais resultantes da exploração da classe do proletariado pela
burguesia na produção da subjetividade; o movimento marxista não poderia
enfatizar o campo social em detrimento do aspecto sexual, até porque o
recalcamento sexual é um fenômeno que englobaria tanto a classe dominante
quanto a dominada. Observações como estas, marcam o pensamento nãoalinhado de Reich a grandes correntes do pensamento como a psicanálise e o
marxismo. Embora estas tenham erigido as fundações do pensamento reichiano,
Reich não era ingênuo e, com crivo crítico bastante apurado, já notava as
limitações destas teorias, iniciando assim a dissidência destas grandes correntes
do conhecimento. A independência e a originalidade de Reich marcam sua
postura ao longo de sua obra. Para ele, a psicanálise e o marxismo deveriam
sustentar a perspectiva de uma revolução social e sexual a um só tempo.
É com este ponto de vista que Reich aproxima-se da juventude. Em O
Combate Sexual da Juventude (1934/1986), Reich questiona mitos sexuais com
viéses conservadores como: os malefícios da masturbação, a falsa moral que
impedia encontros amorosos dos jovens, a distância afetiva e o autoritarismo dos
pais em relação aos filhos. Desse modo, respectivamente, desvela a insatisfação
dos jovens, repensa o contexto sócio-educacional repressor e coloca em xeque a
cisão afeto/sexualidade, o embotamento afetivo e a sujeição a que são
submetidos os jovens, respectivamente. O autor busca uma óptica sexual
libertadora que associada a uma práxis social revolucionária, promova uma
sociedade que ratificaria os valores humanos primordiais.
Em Reich, o autoritarismo é incompatível com saúde emocional e assim ele
passa
a
estudar
como
se
originou
a
moral
sexual
conservadora
(Reich,1932/1988a). Reich analisa os estudos de Malinowski sobre a sociedade
trobriandesa e conclui que não havia distúrbios sexuais nas crianças ou
adolescentes
e
nem
dificuldades
orgásticas
nos
adultos.
A
sociedade
trobriandesa por ser matriarcal (propriedade comunal de terra e das cabanas,
trabalho e distribuição de produtos comuns, propriedade privada limitada a
pequenos objetos) quase não utilizava repressão sexual. Assim sendo, seria a
sociedade patriarcal que, por meio de repressão sexual, promoveria a estase
(acúmulo energético) e distúrbios sexuais.
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As crianças trobriandesas podiam ter jogos sexuais entre si e somente o
tabu do incesto era estabelecido. As crianças tinham menos insatisfação sexual e
tornavam-se mais independentes. Na sociedade trobriandesa não havia disciplina
compulsória, rapazes e moças podiam ter relações sexuais, homens e mulheres
tratavam-se com respeito.
Em seus estudos, o autor notava que à medida que as sociedades
tornavam-se patriarcais, evoluíam a moral sexual conservadora, o sentido de
propriedade privada, o casamento tradicional e a exigência de ascetismo para a
juventude. O dote seria o mecanismo fundamental de transição do matriarcado
para o patriarcado ou do comunismo primitivo (matriarcado) para a acumulação
material de uma família (patriarcado). A acumulação material seria necessária
para a constituição do dote. Desse modo, Reich alinhando-se a Marx e
distanciando-se de Freud, concorda que são as condições sociais e materiais que
determinam a moralidade vigente e não o parricídio primitivo investigado por
Freud em Totem e Tabu (1914/1980).
A ascensão do nazi-fascismo na Europa dos anos 30, faz Reich (1934/1988b)
tentar compreender a relação entre estrutura psíquica e a estrutura social
autoritárias. O nazi-fascismo se apóia na família, na igreja, na escola
tradicional. Assim o homem é moldado e conformado a reproduzir tão somente
valores morais conservadores: inibição da sexualidade, obediência cega às regras
sociais, submissão à ordem vigente, e uma combinação de sujeição dócil, medo e
ascetismo. A conseqüência deste processo é uma limitação da consciência
crítica, da curiosidade, do questionamento de si e da realidade social. Surge um
indivíduo oprimido, revoltado, que deseja o poder e que tem medo da liberdade.
A repressão sexual produz estase e esta alimenta a moralidade
conservadora. Ao longo da história percebe-se que todos os regimes de exceção
pautaram-se na repressão sexual, isto enrijeceu a psique do indivíduo e este
passou a temer a vida. Sentindo-se desamparado, o indivíduo oprimido busca
equivocadamente um salvador que lhe possa restituir a dignidade e então abre
mão de sua independência. O sistema autoritário aborta a autonomização dos
grupos, incentiva o culto ao indivíduo e a força ditatorial. Reich finaliza: o
autoritarismo está calcado nas organizações orgásticas não satisfeitas das
massas, no embrutecimento de suas psiques.
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Reich, em O que é consciência de classe? (1934/1976b), pergunta-se como
transformar a revolta do povo oprimido em consciência revolucionária. Responde
afirmando que deve-se simplificar as análises históricas e do cotidiano. A política
revolucionária deve pautar-se na participação coletiva, para que se torne
acessível a todos. Pequenas mudanças e grandes transformações sociais devem
ser viabilizadas por meio da consciência social cunhada nos coletivos de pessoas.
A partir de questões práticas do cotidiano como sexualidade, educação dos
filhos, adolescência, fome, prazer, sofrimento, felicidade etc. é que se chegará
aos grandes temas sócio-históricos, criando propostas alternativas à ideologia
hegemônica.
De acordo com Reich (1945/1976a), à medida que o autoritarismo for se
transformando na autogestão das massas (comunismo), a repressão sexual se
reduzirá ao mínimo. O fascismo ao reprimir o povo não só cria comportamentos
sexuais “inadequados”, também produz, dialeticamente, comportamentos
indesejados pelo próprio sistema autoritário. Estas expressões indesejadas, entre
elas a revolta, são elementos facilitadores da revolução social, desde que
devidamente canalizados para uma participação coletiva com consciência
crítica.
Em Reich, as relações sexuais duradouras devem substituir o casamento
tradicional. Elas primariam pela independência da mulher, educação dos filhos
pela sociedade e envolvimento amoroso genuíno. As relações duradouras são
conseqüências da afirmação do desejo, da sexualidade espontânea e da alegria
de viver.
A teorização do referido autor no que concerne à construção social da
subjetividade é, em parte, recuperada e enaltecida por autores contemporâneos
como Felix Guattari (1987). Para este, a análise que resulta na afirmação de
Reich de que o indivíduo rígido, realmente deseja o fascismo, enfim, o
autoritarismo social, é brilhante. Contudo, de acordo com Guattari (1987), Reich
não teria alcançado a compreensão do processo de produção social do desejo, a
que se propõe o autor juntamente com Deleuze.
Paul Robinson (1978) observa que Reich foi um importante inventor de
linhas políticas. A assinalação que relaciona as perdas da espontaneidade sexual
“natural” e da autonomia social das massas seria uma ferramenta de análise
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fundamental para a compreensão de alguns processos sociais. Porém, Robinson
crê que estes estudos reichianos devam estar associados com aprofundamentos
teóricos sócio-históricos necessários, não realizados por Reich.
De acordo com Robinson, nos estudos de Reich sobre o fascismo, há
especificidades históricas alemãs, não levadas em consideração por Reich, que
propiciaram o surgimento deste sistema sócio-político. De modo semelhante,
Robinson nota que Reich reduziu a análise histórica da estrutura familiar ao
matriarcado e ao patriarcado. Em Reich, a transformação do matriarcado
(autogoverno) em patriarcado (governo impositivo) torna-se a razão para se
compreender a relação entre estruturas psíquicas rígidas e regimes autoritários
(patriarcado). Segundo Robinson, as análises históricas sobre a evolução do
escravagismo para o feudalismo e deste para o capitalismo perdem, na teoria
reichiana, a devida importância. Além disso, embora Robinson reconheça a
relação estabelecida entre repressão sexual e caráter conservador, crê que
Reich produziu uma redução da estrutura rígida de caráter ao mecanismo da
repressão sexual, simplificando em demasia o binômio sexual-social.
As críticas destes autores contemporâneos, assim como as de outros, não
desprestigiam as obras sociais de Reich, ao contrário, apesar delas, estes autores
restituem Reich a um lugar de destaque na produção do conhecimento. Eles
reconhecem a importância da teorização reichiana, diferentemente de outros
como Erich Fromm que, em Medo à Liberdade (1977) apesar de tratar de um
tema esquadrinhado profundamente por Reich, não o menciona sequer em uma
linha no referido livro.
4 – Análise Caractero-Vegetativa
Nesta segunda fase, Reich vai se afastando das ortodoxias marxista e
psicanalítica. Inventa seus próprios conceitos como o de potência orgástica. Em
1927, Reich havia lançado o livro “Psicopatologia e sociologia da vida sexual”
(1927/1977), cujo título original em alemão era Die Funktion des Orgasmus ou A
função do Orgasmo, que não deve ser confundido com sua obra homônima
lançada em 1942 nos EUA, também denominada A Função do Orgasmo. Com o
objetivo de evitar a confusão de nomenclaturas, a primeira obra é tratada neste
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capítulo tão somente por Psicopatologia e sociologia da vida sexual. Este livro
apesar de ter sido escrito em 1927 é comentado aqui na sessão correspondente a
sua segunda fase, uma vez que lança fundamentos da análise do caráter e da
vegetoterapia.
Reich restitui a importância da teoria da libido, que estava sendo preterida
pelos psicanalistas em favor da segunda tópica (Id, Ego e Superego) para a
explicação de neuroses. Afirma o autor que se houver um equilíbrio entre carga
e descarga da libido, será mais difícil o indivíduo adoecer. Desse modo, durante
o processo terapêutico, enquanto os psicanalistas enfatizam a qualidade dos
conteúdos simbólicos, Reich enfoca a quantidade de libido não descarregada
como o alimento da neurose.
Reich parte do pressuposto de que se há vários modos de descarregar a
libido (socar, gargalhar, chorar, prática de exercícios etc.), só há uma forma
plena de eliminar o excesso de carga energética: o orgasmo. Potência orgástica
foi o termo que o autor atribuiu à capacidade do organismo descarregar
completamente com freqüência o excedente de carga. O ato sexual satisfatório
ou curva orgástica, implica quatro momentos: movimentos voluntários do corpo;
pulsação involuntária do corpo; perda parcial da consciência; relaxação plena.
Ao contrário, o conservadorismo da família, da escola, a repressão sexual/social
produzem acúmulo de carga libidinal ou estase energética.
O desequilíbrio energético associado aos conflitos entre o ID e o superego
produz sintomas. Estes são pseudo-soluções para os conflitos e o desequilíbrio
energético, já que mantém a neurose. Mas, a resolução genuína dos transtornos
da potência orgástica passa pela instauração do primado genital. Se este não se
afirma, o organismo regride à pré-genitalidade e o corpo não descarrega a estase
energética.
A teoria reichiana sobre a importância do primado genital como necessário
para se alcançar o orgasmo e a saúde biopsíquica é questionável. Parece que
esta posição resulta em uma normatização sexual ou, o que é mais grave, na
naturalização de padrões sexuais e, conseqüentemente na patologização de
atitudes não conformadas a esta expectativa. Contudo, observa-se que na fase
seguinte de Reich (Orgonomia), o autor amplia a noção de orgasmo e a
compreende como a capacidade de entrega, de envolvimento com o que se
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estiver fazendo. Em suas palavras: “Viver na plenitude e se abandonar ao que se
faz” (Reich, 1953/1987, p. 32).
A seguir Reich (1933/2001), em uma atitude a mais de fuga da ortodoxia
psicanalítica, afirma que, em um processo analítico, primeiro deve se analisar as
resistências dos pacientes para depois, no momento apropriado, se fazer as
interpretações dos conteúdos inconscientes. Desse modo, Reich oferece uma
alternativa ao método freudiano de livre associação de idéias, em que o
psicanalista analisava os conteúdos expressos na seqüência em que estes
apareciam. Reich, seguindo outra via, se propõe a analisar os recursos que fazem
com que os pacientes sabotem o processo analítico, ou seja, as resistências.
É dessa maneira que ele passa a apontar como os pacientes resistem. Para
isto Reich utiliza-se de várias ferramentas, entre elas, a imitação dos gestos de
seus pacientes, sua forma de rir, chorar, cumprimentar, andar, silenciar, entre
outras. Destas resistências manifestas chega às latentes: desconfiança,
agressividade e outras. O trabalho com as resistências leva o paciente a cortar o
excesso de proteção, a flexibilizar as defesas e então o paciente torna-se capaz
de ouvir as interpretações, assimilá-las com menos resistência.
Aos poucos ocorre a compreensão dos porquês dos comportamentos, ou
seja, na análise reichiana, o porquê vem no bojo do como. Se Freud preocupavase com o porquê dos comportamentos, com Reich o como ganha ênfase no
setting analítico. Assim, vai sendo construído um novo objeto de estudo, não
mais uma alma destituída de corpo, mas um sujeito com uma psique que se
traduz no gesto, na expressão corporal.
Do como ao porquê é a equação
reichiana.
A proposta clínica reichiana configura uma espiral entre passado (porquê) e
presente (como), onde caminham analista e analisando. A partir do “aqui e
agora” (presente) chega-se ao “lá e então” (passado), refazendo a história do
paciente e produzindo um novo sujeito. A rota é difícil: das resistências vencidas
ao surgimento da angústia a ser trabalhada. Este percurso inclui a flexibilidade
das fixações e assim o paciente se encaminha para rever suas relações arcaicas
com aqueles que fizeram as funções de pais em sua infância. É no desenlace
simbólico, e às vezes concreto, dos “pais”, que se consolida a direção da “cura”.
Esta é a busca de um caminho próprio, singular, autônomo, com sua marca e
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estilo, é o sujeito liberto dos grilhões, embora, se saiba, que esta imagem é
menos uma possibilidade a ser alcançada e mais uma luta cotidiana, um norte ou
direção.
A típica conduta psicorporal chama-se caráter. Este representa uma
blindagem erguida pelo Ego para lidar com as pressões tanto Id como do mundo
exterior. Quando esta pressão torna-se intensa, o Ego enrijece e forma uma
barreira de proteção. Esta blindagem se, de um lado, protege, de outro
aprisiona. O caráter necessariamente está articulado ao momento sóciohistórico. Se o indivíduo aprende a lidar bem com os conflitos, faz-se presente
um sujeito capaz de modificar a si e as situações sociais, caso contrário, tende a
conservar a si próprio e a não enfrentar as condições sociais adversas.
Reich
descreveu
algumas
formas
de
caráter
e
suas
fixações
correspondentes, por exemplo, o caráter depressivo (fase oral); masoquista
(fálica, sub-valorização do falus); fálico-narcisista (fálica, super-valorização do
falus); histérico (fase “genital” incestuosa); compulsivo (anal-sádica). Seu
trabalho sobre a tipologia da personalidade é minucioso, leva em consideração
os aspectos estrutural, dinâmico e econômico (carga e descarga energéticas) e
menciona vários outros tipos de caráter.
Entretanto, a relação entre estrutura de caráter e a fase onde a energia foi
fixada não é vista pelo autor de maneira determinista, ao contrário, o autor nos
fornece a compreensão de que as estruturas de caráter são produzidas sóciohistoricamente e, por isto, guardam complexidades singulares. Assim, a histérica
de Freud não é mais observada, ao menos naquele formato, nos dias atuais. De
modo semelhante, há tantos possíveis caracteres quanto a produção social puder
fabricá-los. Neste sentido, a tipologia reichiana não é fechada, nem restrita,
mas dinâmica, aberta e potencializadora de modos diversificados de existir.
Os estudos de Reich sobre um desses caracteres, o masoquista, produziu a
ruptura com Freud de forma contundente. De acordo com o último, o masoquista
busca o sofrimento pelo sofrimento, conduzido pela pulsão de morte. Para o
primeiro, o masoquista porta um nível altíssimo de tensão e demanda sofrer,
porque a cada ato de sofrimento ele alivia a tensão interna, gemendo,
queixando-se, reclamando, etc. É assim que o masoquista diminui a estase
energética, ou seja, a finalidade última de seu comportamento não é o
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sofrimento em si. O sofrimento é um meio distorcido que faz com que ele tenha
algum bem-estar temporário, uma vez que suas expressões são aliviadas da
tensão energética.
Em 1934, Reich desenvolveu a noção de contato. Este concerne à percepção
das correntes vegetativas (energéticas), à percepção de si enquanto se executa
algo, ao olhar atento e à profunda ligação afetiva consigo e com os outros.
Durante a análise, as sensações de corrente vegetativa articuladas às primeiras
sensações orgásticas – o brilho nos olhos, o sentimento de inteireza corporal, a
graça do movimento do corpo, constituem uma condição de recuperação do
contato a que o terapeuta deve estar atento.
Na seqüência, Reich (1942/1984a) nota que a blindagem de caráter
corresponde à contração de grupamentos musculares. A este conjunto muscular
rígido ele denominou couraça muscular. Mas tarde, amplia o sentido deste
conceito e passa a compreender que couraça diz respeito não só a contração,
mas também a frouxidão dos grupos de músculos e finalmente, conclui que a
couraça muscular corresponde à falta de pulsação vital (contração e expansão
constantes de tudo que é vivo). É a liberação da expansão energética, ou seja, a
potencialização da sexualidade que confronta o estado de contração e rigidez
contínuas (angústia). Dessa maneira, estabelece uma antítese inicial da vida:
sexualidade x angústia.
Reich inicia, então, o trabalho direto sobre as tensões corporais
(respiração, favorecimento de movimentos expressivos, manejo sobre as tensões
corporais). À medida que este cresce em sua clínica, observa que quanto mais
bem auto-regulado está o indivíduo, mais o organismo pulsa de maneira plena e
“natural” isto é, contrai e expande de forma harmoniosa. A estase leva à
tensões corporais, ao medo da entrega, ao desenvolvimento da falta de contato
e de envolvimento, ao crescimento da angústia e do desequilíbrio entre os
sistemas vegetativos simpático (geralmente responsável pela contração) e
parassimpático (na maioria das vezes compreende a expansão). Reich estabelece
assim sua meta terapêutica nesta segunda fase: a pulsação vital.
A couraça muscular aprisiona o corpo, suprime a espontaneidade. A
flexibilização da couraça proposta por Reich, traz à consciência a história e o
significado daquela rigidez e, conseqüentemente, uma maior e melhor
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circulação energética. Se o corpo pulsa plenamente, pode chegar ao reflexo do
orgasmo. Este reflexo é uma onda energética que corre do centro vegetativo por
todo o corpo. Para alcançá-lo, além do trabalho, Reich observa a respiração, os
movimentos expressivos e maneja cada um dos sete segmentos corporais (ocular,
oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico).
A análise caractero-vegetativa segue, portanto, um caminho que vai da
análise das resistências, passando por tornar consciente os conteúdos
inconscientes juntamente com a flexibilização das couraças e a ab-reação
emocional, ao estabelecimento da potência orgástica. O estudo de Claudio Mello
Wagner
(2003)
sobre
transferência
na
vegetoterapia
caractero-analítica
aprofunda as implicações do trabalho corporal na clínica reichiana.
A análise de caráter vegetoterapêutica não é um percurso fácil. Reich
relata que é comum, ao final da terapia, a força neurótica tentar capturar
novamente seu espaço, podendo ser observadas a angústia do prazer, o medo da
entrega e da vida. No entanto, recuperados o reflexo do orgasmo e o caminho da
entrega, o sujeito permite-se seguir os fluxos da vida e aumentar o contato
consigo e com os outros no trabalho e na vida amorosa. Dessa maneira, ele
conclui que se há energia em todo o vivo e este contrai e responde obedecendo
a uma fórmula de quatro tempos: carga – tensão – descarga – relaxação (curva
orgástica), então todos os seres vivos devem ser regidos por um princípio que os
regularia
energeticamente,
denominado
pelo
autor
de
Princípio
de
Funcionamento Comum ou PFC.
5- Orgonomia e Democracia do Trabalho
Em Oslo, a produção do construto teórico “reflexo do orgasmo” motiva
Reich a estudá-lo experimentalmente em microorganismos. Reich (1938/1979b)
observou que existiam vesículas que pareciam estar vivas e pulsavam,
denominou-as bions. Investigou-as e percebeu que as vesículas não vinham do ar.
Concluiu que os bions são estágios primitivos da vida, formas transitórias entre o
inorgânico e o orgânico. Alguns cientistas ratificam os experimentos de Reich,
outros não.
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No final dos anos 30, Reich já não era mais compreendido nem pelos
psicanalistas, nem pelos comunistas. A análise vegetoterapêutica afastara-se da
psicanálise,
e
a
importância
da
sexualidade
em
um
processo
social
revolucionário pregada por Reich o afastou da ortodoxia marxista. Naquele
momento, Reich aceitou o convite para mudar-se para os EUA e lecionar na New
School for Social Research em Nova York. Paralelamente, Reich iniciou pesquisas
sobre o câncer e desenvolveu estudos sobre bions “sapa” (bions da areia da
praia) que constituem a energia orgônica – energia irradiada pelos bions e que
possui efeitos sobre o organismo.
Segundo Reich (1948/1985b), contrariando a ciência tradicional, o câncer
não é um tumor em si. É sintoma de uma patologia advinda da retração do
sistema vital. Conjuntamente com as pesquisas sobre o câncer, Reich incrementa
seus estudos sobre energia vital. Na fase psicanalítica de Reich a energia era
conceituada como libido (expressão da energia sexual), na segunda fase ou
análise caractero-vegetativa, a energia passou a ser por ele compreendida como
bioenergia (energia do vivo), agora na terceira fase – orgonomia, recebeu a
denominação de energia orgônica. Esta entendida como energia primordial
porque precederia a matéria. Para Reich, no princípio tudo era energia e a
matéria seria energia condensada. O autor chega a esta conclusão após uma
pesquisa denominada “Experimento XX”.
Nos EUA, Reich dedica-se cada vez mais à pesquisa da energia orgônica.
Constrói um aparelho que armazenaria orgônio. Seu princípio de funcionamento
era simples. O artefato era uma caixa constituída de material orgânico
externamente (algodão e madeira) e de metal internamente. O material
orgânico absorve energia e o metal reflete para dentro da caixa a energia,
acumulando-a em seu interior. Ao articular a pesquisa do orgônio com a do
câncer, Reich notou que o que há em comum é a importância da pulsação vital.
Então, ele partiu do pressuposto de que a energia acumulada na caixa orgônica
poderia ajudar a organizar melhor a energia das pessoas com câncer, uma vez
que estas sofreriam de retração vital. Assim, passou a associar a utilização do
acumulador de orgônio com a psicoterapia nos pacientes com tumores
cancerígenos. Obteve reconhecida sobrevida em alguns dos pacientes.
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De acordo com Reich não só o câncer, mas várias outras doenças como a
hipertensão, a asma etc. são biopatias, ou seja, enfermidades resultantes de
mau funcionamento de sistema vegetativo. O acumulador contribui para
restaurar a capacidade de pulsação (contração e expansão) dos corpos retraídos
das pessoas que sofrem de biopatias. Dizendo de outro modo, a orgonoterapia
(naquele momento a associação da psicoterapia com o acumulador) favoreceria
a auto-regulação dos indivíduos.
No final da década de 40, Reich conclui a obra La Biopatia del Cáncer e
toma a vereda de estudos existenciais-humanistas, cujo tema central seria o
assim chamado Zé Ninguém (1948/1982). Abastado ou não, este indivíduo está
paralisado de medo diante da tarefa de mudar o mundo. Não toma o destino em
suas mãos, sente-se impotente, prefere submeter-se a lideranças autocráticas,
agarra-se à segurança, não assume riscos que poderiam torná-lo mais feliz,
aliena-se em um trabalho que embota sua criatividade. Reich fustiga o Zé
Ninguém, visando uma sociedade melhor.
Uma sociedade mais justa implica crianças educadas para este fim. O texto
Crianças do futuro. Sobre a prevenção da patologia sexual (1950/1984b)
caminha nesta direção. Os pais e educadores deveriam capacitar as crianças a
cuidarem de si próprias e dos outros coletivamente. O sentido de um autogoverno deveria ser favorecido desde cedo nas crianças. Em 1949, Reich e outros
profissionais fundam o Centro Orgonômico para a Pesquisa sobre a Infância –
OIRC. Ali foram desenvolvidos trabalhos com gestantes, supervisões do parto e
dos recém-nascidos, prevenção do encouraçamento até os 5 ou 6 anos e
acompanhamento das crianças até depois da puberdade.
A criança possui uma condição imanente de auto-regulação obstacularizada
pelas sociedades autoritárias. Aos pais e profissionais da educação caberia
propiciar um maior contato das crianças com seus núcleos ou centros
vegetativos. Isto as habilitaria a lidar melhor com os impulsos secundários
destruidores da vida, a flexibilizar mais suas couraças e a confrontar a repressão
sexual. A criança em contato com seu centro vegetativo torna-se mais graciosa,
alegre, solta, com olhos mais vivos, mais atenta a si e aos outros, enfim,
potencializa-se sua existência.
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De acordo com Reich (1951/1979a), a contrariar o sujeito em profundo
contato consigo e com as correntes energéticas, que produzem sensação de
bem-estar, surge o indivíduo místico, encouraçado, que distorce as sensações
energéticas em seu corpo e as percebe com um sentido sobrenatural. De acordo
com Câmara (1998), o pensamento de Reich a respeito de religião combate a
institucionalização desta por se constituir em uma das ferramentas de alienação
do Estado, e restaura seu sentido mais radical – re-ligação ao cosmo, a Deus, que
para ele é a própria energia cósmica.
Reich (1951/1979) incrementa seus estudos sobre Orgonomia. Para ele o
homem e o planeta Terra são sistemas orgonóticos com um centro energético,
uma membrana periférica e um campo de energia ou envoltório orgonótico.
Teoriza que a descarga energética obedece a um princípio que a precede: a
superposição. Esta concerne ao fenômeno em que os sintomas orgonóticos
buscam fundir-se orgonoticamente, ou seja, o encontro de sistemas orgonóticos
provocam uma superposição que, por ser universal, é denominada superposição
cósmica. Procuramos conexões, seja conosco ou com os outros. A vida é conexão
e desconexão para que uma nova conexão possa ser realizada um pouco mais
adiante e assim sucessivamente. A entrega, o abraço genital, a união com Deus,
a ligação com o cosmo, representa a inteireza, o contato energético e o
sentimento de pertencimento ao Universo. O maior obstáculo a este fim é o
encouraçamento da alma e do corpo.
Na década de 50 a guerra fria entre os EUA e a antiga União Soviética
sinaliza a possibilidade catastrófica de uma guerra nuclear. A radiação nuclear
era tema corriqueiro nas casas, escolas e organizações sociais em geral. Vivia-se
um momento de incertezas quanto ao futuro da existência terrestre. No
princípio dos anos 50, Reich (1951) preocupou-se com a radiação nuclear e
imaginou uma maneira de combater as possíveis doenças decorrentes do contato
dos indivíduos com esta radiação. Iniciou uma experiência denominada ORANUR I
(sigla que quer dizer Orgônio Antinuclear). Supôs que poderia usar a energia
orgônica para combater os efeitos devastadores da radiação nuclear. Houve uma
série de dificuldades ao longo desta experiência e seus resultados não foram
conclusivos.
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Paralelamente à pesquisa ORANUR I, Reich escreveu Pessoas em Dificuldade
(1953/1978), uma autobiografia referente ao período entre 1927 e 1937. Aqui
Reich formula seus princípios sociais: a Democracia do Trabalho é uma sociedade
de trabalhadores que executa tarefas socialmente necessárias. Sua proposição é
de um sistema onde funcione a autogestão social, favorecedor da auto-regulação
individual.
Em 1953, Reich escreve outro livro, na linha de Escuta Zé Ninguém
(mencionado anteriormente), seguindo a vertente humanista. Denominou-o O
Assassinato de Cristo (Reich, 1953/1987). Este versa sobre a estrutura do homem
que se deixa tomar pela peste emocional. Esta, na compreensão de Reich, é uma
doença emocional “contagiosa” que torna os indivíduos conservadores nos
hábitos e costumes. As pessoas praguejadas tomam uma direção destruidora da
vida. São rígidas e invejosas das mais saudáveis.
Nesta obra o autor traça um paralelo entre o homem desencouraçado e
Cristo. Este, para Reich, representa o contato com Deus – energia cósmica, em
oposição ao homem paralisado, rígido e que é, às vezes, tomado pela peste
emocional. Este último não conseguiria viver com alguém desencouraçado e por
isto Cristo teria morrido.
Nos dias 18 e 19 de outubro de 1952, Reich (Higgins e Raphael-Orgs.-,
1954/1979) foi entrevistado por um dos representantes dos Arquivos Sigmund
Freud. Aqui Reich recupera algumas noções teóricas, analisa historicamente o
percurso da psicanálise à orgonoterapia e emite opiniões a respeito das
organizações pelas quais passou, das pessoas que conviveu, de suas desavenças e
das condições sociais que as envolveu. Reich fala de Freud integra uma trilogia
autobiográfica que se inicia com Paixão de Juventude, se estende em Pessoas
em Dificuldade e finaliza com a primeira obra referida.
A última obra de Reich é ORANUR II – Contato com o espaço (Reich,
1957/1985a). Reich constrói um aparelho – cloudbuster – que objetivava
influenciar as nuvens pesadas e sem vitalidade. Realizou algumas experiências
com este artefato, obteve alguns sucessos, mas, assim como em ORANUR I não
alcançou resultados conclusivos. Contudo, no caminho do Maine (onde residia)
ao deserto do Arizona, ele escreveu belíssimas palavras sobre o deserto terrestre
e estabeleceu sua correspondência com o “deserto emocional” do homem
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encouraçado. De modo semelhante, produziu comentários sobre a poluição ao
redor de Washington. É interessante notar esta preocupação com a poluição nos
idos dos anos 50. Não há como deixar de notar o olhar agudo e visionário de
Reich. Assim como já havia sido um dos precursores da Psicologia Comunitária
(Vasconcelos, 1985), nos anos 20, parece que, àquela época, era um dos poucos
cientistas a assinalar os perigos da poluição para os seres vivos na Terra.
Quando Reich (Sharaf, 1983) retorna ao Maine é preso por violação do
mandado de segurança que exigia a destruição dos acumuladores e da literatura
sobre energia orgônica. O parecer da FDA (Food and Drugs Administration) dos
EUA era o de que os acumuladores eram ineficazes. Reich acreditava que os
pesquisadores da FDA não teriam realizado pesquisas extensas e profundas nem
com os acumuladores, nem com as pessoas que se beneficiaram de seu uso.
Ademais, Reich recusou-se a comparecer ao tribunal porque imaginava que os
seus integrantes não teriam condições de avaliar sua obra, particularmente, suas
pesquisas sobre o orgônio e disto resultou sua prisão. Reich é condenado e morre
na prisão, de ataque cardíaco, a três de novembro de 1957.
6 – Alguns Fios Condutores
É importante observar que Reich, ainda psicanalista, vai realizando
pequenas rupturas com a teoria psicanalítica até seu afastamento: o conceito de
potência orgástica, a análise das resistências, a compreensão da estrutura
masoquista e a descrença na pulsão de morte como força primária.
Em oposição ao pensamento cartesiano no que concerne às instâncias
psique-soma ou às dimensões indivíduo-sociedade, Reich utiliza a óptica
dialética. Em sua primeira fase e, parcialmente, na segunda, emprega o método
materialista dialético. Na vegetoterapia vale-se exclusivamente do método
funcionalista-dialético. Já na terceira fase seu método de investigação passa a
ser denominado funcionalismo orgônico.
As observações de Reich a respeito da subjetividade fazem com que ele
constitua o termo blindagem de caráter. A seguir, o corresponde à couraça
muscular. A flexibilização do encouraçamento psicossomático ocorre por meio da
restauração da pulsação vital que, por sua vez, pode desencadear o reflexo do
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orgasmo (carga e descarga energéticas). Na seqüência, nota que a fórmula do
orgasmo está presente em tudo que está vivo e assim cunha o Princípio de
Funcionamento Comum (PFC) que organizaria a própria vida, ou seja, tudo que é
vivo pulsa, contrai e expande.
O conceito de energia vai sendo ampliado ao longo de sua obra: primeiro
libido, depois bioenergia e, finalmente, energia orgônica. De energia sexual e
energia da vida à energia primordial e universal. A circulação de energia no
corpo propicia a pulsação plena e assim o sujeito se auto-regula, em um
freqüente equilíbrio dinâmico, objetivo último da orgonoterapia.
A entrada nas fileiras marxistas é seguida de dissidência e de sua proposta
de democracia do trabalho. Esta compatibiliza auto-regulação individual e
autogestão social, processos que devem ocorrer ao mesmo tempo e que são
buscados no dia a dia. Reich, ao final de sua vida, continua a ser um
revolucionário a sonhar com um homem que viva em condições justas e dignas.
7 – Breves Indicações de Rotas
A obra de Reich em português tem seu início de publicação a partir da
década de 70. Nos anos 80, a publicação dos livros de José Ângelo Gaiarsa e de
Roberto
Freire,
com
referenciais
reichianos,
constituíram
propulsores
fundamentais da produção teórica que, a partir daí, adviria. Nestes anos, a
produção bibliográfica sobre a teoria e a clínica reichiana esteve centrada,
principalmente, nas editoras e instituições de São Paulo.
Na década de 90 e no século que se inicia contempla-se a disseminação do
pensamento reichiano no Rio de Janeiro, Porto Alegre e em outras capitais por
meio do lançamento de livros, artigos, monografias, dissertações de mestrado e
teses de doutorado.
Em 1997 o “Encontro Comemorativo do Centenário de Reich” realizado em
São Paulo, sob a coordenação geral de Cláudio Mello Wagner, foi um importante
disparador de produção teórica, aprofundamento e articulações da obra
reichiana com autores contemporâneos.
Um dos possíveis desenvolvimentos da teoria reichiana é sua contribuição
para o campo da educação. Visando aprofundar tal conhecimento, o leitor pode
19
recorrer ao livro Reich: história das idéias e formulação para a Educação, de
Paulo Albertini.
Acreditamos que estudos sobre a noção de caráter podem auxiliar os
interessados a compreender este conceito reichiano fundamental. Há uma
variedade de livros e duas revistas reichianas em circulação com um grande
número de artigos sobre este tema, são elas: Revista Reichiana, do Instituto
Sedes Sapientiae, e a Pensamento Reichiano em Revista, promovida por um
coletivo de profissionais reichianos.
O objeto de conhecimento inventado por Reich, ou seja, a complexidade
psicobioenergeticassocial, comporta atravessamentos e interfaces com outras
ciências. Um sentido bastante abrangente e que contempla áreas diferentes
pode ser encontrado em Reich em Diálogo com Freud: estudos sobre
psicoterapia, Educação e Cultura, organizado por Paulo Albertini e que tem
como autores o próprio organizador, além de Cláudio Mello Wagner, Ricardo
Rego e Sara Matthiesen.
A questão orgônica tem merecido o olhar atento de autores como José
Guilherme Oliveira em seu escrito “Ser e Não Ser: a dinâmica do universo” e nos
artigos de Nicolau Maluf Jr sobre Epistemologia e Orgonomia publicados nas
revistas reichianas aqui citadas. Não são menos abordadas as temáticas de cunho
clínico/social na obra reichiana e aí gostaríamos de mencionar a tese de
doutorado Para Além do Claustro Bipessoal: proposições teóricas para uma
psicoterapia grupal de base reichiana, de Marcus Vinicius de A. Câmara e, mais
especificamente no campo social, o livro de André Valente Barreto A Revolução
das Paixões e o artigo Possíveis relações entre religiosidade brasileira no
contemporâneo e Psicologia de Massas do Fascismo de Wilhelm Reich, de Karina
Siviero e Simone Aparecida Ramalho, publicado na Revista Reichiana no 15/2006
do Sedes Sapientiae.
Em 1997, fomos co-organizadores do evento “Cem anos de Reich”, um
seminário na UFRJ, que resultou em artigos publicados no número especial (v.49,
no 2, 1997) sobre o centenário de Reich da prestigiosa revista Arquivos
Brasileiros de Psicologia da UFRJ. Cremos que esta publicação foi um marco na
produção teórica reichiana na cidade do Rio de Janeiro. A partir daí livros e
artigos referenciados em Reich cresceram em quantidade e qualidade. Autorias
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coletivas como as dos livros Reich Contemporâneo: perspectivas clínicas e sociais
e Reich: o Corpo e a Clínica, ambos organizados por Nicolau Maluf Jr, sendo o
primeiro associado a Luiz Gibier, incrementaram a produção teórica do final dos
anos 90. Os artigos podem ser encontrados no CD-ROM Reich – O Saber em
Movimento, organizado por José Guilherme Oliveira e Henrique Rodrigues, na
Revista Reichiana da sociedade Wilhelm Reich do Rio Grande do Sul, na Revista
Reichiana do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo e na atual Pensamento
Reichiano em Revista, herdeira da primeira. A articulação da obra de Reich com
teóricos contemporâneos pós-críticos, notadamente aqueles que compõem a
denominada Filosofia da Diferença (Deleuze, Guattari, Foucault, Nietzsche),
pode ser observada em livros e em artigos de autores como Amadeu Weinmann,
Maria Zeneide Monteiro, André Valente Barreto, Marcus Vinicius de A. Câmara,
Lorene Soares, Luis Gonçalves, Regina Favre, entre muitos outros.
Na área clínica, algumas das referências importantes são o livro de Claudio
Mello Wagner A Transferência na Clínica Reichiana e os livros do pós-reichiano
Federico Navarro. São também recomendados os artigos de Ernani Trotta
publicados na primeira e última revistas citadas no penúltimo parágrafo desse
texto, além de uma dezena de outros escritos, produzidos por teóricos do campo
clínico, facilmente encontrados utilizando-se as referências mencionadas neste
capítulo.
A relação da teoria reichiana com a Biologia atual e a Neurociência pode
ser observada nos recentes trabalhos de José Ignácio Xavier Atenção a Si e
Psicoterapia Corporal: efeito das estimulações somatossensoriais sobre o corpo,
as emoções e a cognição (tese de doutorado pela UFRJ) e de Ricardo Rego
Psicanálise e Biologia: uma discussão da pulsão de morte em Freud e Reich (tese
de doutorado pela USP).
Finalmente, gostaríamos de assinalar que, principalmente, nas duas últimas
décadas a produção teórica reichiana tem ganho um fôlego novo. Já são dezenas
de autores a escrever referenciados no pensamento reichiano. Se nas décadas de
70 e 80, houve o boom das clínicas reichianas e neo-reichianas, especialmente
nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, o que se observa desde os anos 90 é
uma produção de trabalhos escritos sem precedentes, que, sem dúvida, reoxigena e traz novas veredas teóricas pautadas na obra reichiana.
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