2014 49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí 46º Concurso Literário de Contos 49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí 46º Concurso Literário de Contos 2014 Promoção Apoio cultural Secretaria Municipal de Comunicação Social 49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí 46º Concurso Literário de Contos De 17 a 22 de novembro de 2014 Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley Paranavaí - Cidade Poesia Diretor de produção Amauri Martineli Revisão David Arioch Foto da capa Herikson Souza Troféu Natividade (Barriguda) Saulo Suguimati Composição e impressão Pama Print Ltda FEMUP 49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí 46º Concurso Literário de Contos Paranavaí - PR Fundação Cultural de Paranavaí 156 páginas, Novembro, 2014 Poesias, Contos e Músicas Brasileiras 1ª edição: 1.000 exemplares ÍNDICE Apresentação................................................................................................................................................................................................................ POESIAS.......................................................................................................................................................................................................................... Comissão julgadora........................................................................................................................................................................ Fase Nacional.................................................................................................................................................................................... BIOQUE MESITO´S SERIES............................................................................................................................................................ NOVA ODE MUNDIAL.................................................................................................................................................................... Descriação.......................................................................................................................................................................................... Estação da mão esquerda............................................................................................................................................................ debora uma cancao........................................................................................................................................................................ diário de bordo de uma mulher em desespero................................................................................................................... Poema pra um café passado....................................................................................................................................................... Pequeno tratado sobre a lucidez.............................................................................................................................................. OBRA DE FÉ [SEM LUTO].............................................................................................................................................................. Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos).................................................................................................................... nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso)........................................................................................................................ Relatório (poético) de mortes vividas (!)................................................................................................................................ CONTOS......................................................................................................................................................................................................................... Comissão julgadora........................................................................................................................................................................ Fase Nacional e Regional............................................................................................................................................................. Como Bukowski ao estilo Hitchcock....................................................................................................................................... O Sangue da Rosa.......................................................................................................................................................................... In manus tuas................................................................................................................................................................................... O Amolador de Facas.................................................................................................................................................................... BESTIARII............................................................................................................................................................................................ SOBRE O SANGUE.......................................................................................................................................................................... Metamorfose floral........................................................................................................................................................................ Azarinho e o Caga-fogo............................................................................................................................................................... MÚSICAS....................................................................................................................................................................................................................... Comissão julgadora....................................................................................................................................................................... Fase Nacional................................................................................................................................................................................... Fase Regional................................................................................................................................................................................... Braile.................................................................................................................................................................................................... Quando disse adeus...................................................................................................................................................................... Quase sem-vergonha.................................................................................................................................................................... Cantador............................................................................................................................................................................................. Boca de forno.................................................................................................................................................................................. Previsível............................................................................................................................................................................................ Outro lado da noite....................................................................................................................................................................... Brandit................................................................................................................................................................................................ Festim em festa............................................................................................................................................................................... Sina dos esquecidos...................................................................................................................................................................... Sapato furado.................................................................................................................................................................................. Segunda divisão............................................................................................................................................................................. Balada para ver o céu................................................................................................................................................................... Chico Baiano e o samba-enredo do cotidiano.................................................................................................................. Mandela............................................................................................................................................................................................ Liberté (1789).................................................................................................................................................................................. Caribe paranaense........................................................................................................................................................................ Deixando a vida acontecer........................................................................................................................................................ Tropeço............................................................................................................................................................................................. Entre luz e escuridão................................................................................................................................................................... Gaiteiro, toca uma vaneira........................................................................................................................................................ Minha ancestralidade................................................................................................................................................................. Todos um só................................................................................................................................................................................... Passaredo........................................................................................................................................................................................ DECLAMADORES..................................................................................................................................................................................................... Declamadores................................................................................................................................................................................ Comissão julgadora..................................................................................................................................................................... Leitura dramática dos contos.............................................................................................................................................................................. Agradecimentos....................................................................................................................................................................................................... Hino do Femup......................................................................................................................................................................................................... Fundação Cultural de Paranavaí........................................................................................................................................................................ 05 07 08 09 10 13 17 18 20 30 37 40 42 45 49 57 64 65 66 67 73 78 84 91 94 98 102 111 112 113 114 115 117 118 119 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130 132 133 134 135 136 137 138 139 140 141 142 143 147 148 149 150 151 FEMUP: DA ARTE DE EMBELEZAR BARRIGUDAS Escrever sobre o Festival de Música e Poesia de Paranavaí, o Femup, tem algo de autorretrato. Participei deste Festival, de forma ininterrupta, de 1983 até 1990 e depois em 1997. Todos na categoria Poesia, da qual tive a honra de ter sido agraciado em 1987 com a primeira “Barriguda” do Femup (troféu lindíssimo que remete à clássica Vênus de Willendorf) com o poema “Bucólica”. Já em 2004, fiz questão de lançar o romance “Santo Reis da Luz Divina” em Paranavaí por vários motivos: cidade presente na minha infância, cursei o segundo ano colegial no Estadual, o Gralha Azul era e é uma referência na minha formação cultural e, claro, devido ao Femup. Este ano retorno a Paranavaí como um dos jurados em Poesia e para apresentar esta publicação. Completa-se um ciclo. É muito para o meu coração. Coração, agora, de passarinho. Entretanto, se os meus ouvidos fossem de pássaro, talvez prestasse mais atenção nas coisas ditas como sem importância. Se os meus olhos fossem de pássaro, enxergaria detalhes nas entrelinhas. Se eu fosse pássaro, cederia minhas asas para que delas brotassem música, literatura e, dessa maneira, comporia, escreveria tanto ao ponto de meus braços, flácidos, tornarem-se galhos. Então eu passaria a ser árvore e tocaria o céu, moldaria nuvens e recolheria estrelas para presenteá-las à Barriguda. Sozinho, não consigo; contudo com a ajuda de 240 músicas, 362 contos e 592 poemas, vindos de 309 cidades de todos os estados do Brasil e inscritos nesta celebração à Arte, que é o Femup, nós podemos. Podemos celebrar este Festival, na sua 49ª edição, permitindo-nos crer que a vida é muito mais do imaginamos. Façamos, pois, uma declaração de amor à vida por meio da palavra: da palavra escrita, da palavra cantada, da palavra simplesmente dita. Tais palavras são sinos de chamamento, feitos para adornar casebres e catedrais. Tais sinos só tem sentido quando percebidos, independentemente de quem os badala. Depende de você. Sim, de você que me empresta o seu olhar nesta leitura, e que estabelece um vínculo todo especial com os autores presentes nesta coletânea, selecionados entre 1194 estrelas, que alindam a Barriguda de 2014. 05 O Femup favorece tal comunhão, pois nem sempre o artista tem a dimensão daquilo que faz, todavia a sua Arte ecoa no outro e passa a ter vida própria. Assim, a própria vida dá nova dimensão à Arte, a qual o artista jamais sonharia existir. É a condição humana que transcende fronteiras. E você, artista? O que lhe resta? As palavras não são signos aleatórios; muitas vezes são feridas que não cicatrizam. A Arte possibilita retirar o esparadrapo e expor o que o corpo não quer sentir, mas o que o espírito insiste em mostrar e, desse modo, cativar o outro. Saint-Exupéry teve a felicidade de lapidar o pensamento de que somos responsáveis por aquilo que cativamos. O verbo cativar nos lembra o duplo sentido de “ganhar a simpatia” e de “ficar retido, aprisionar-se a”. Seja qual for o significado, o cativo continua, aparentemente, o mesmo. Imagine a responsabilidade de transformar alguém? Peço licença para ir pouco além de Saint-Exupéry e dizer que somos responsáveis por aquilo que transformamos. Você, artista, é responsável por sua transformação e pela do outro. Faça das nuvens redes, recolha estrelas e embeleze a Barriguda que vive em nós. Marco Aurélio Cremasco Professor universitário e escritor. Nasceu em Guaraci (PR), reside em Campinas (SP) e tem publicado os livros Vampisales (poemas, Editora da UEM, 1984), Viola caipira (poemas, edição do autor, 1995), A criação (poemas, Prêmio Xerox/Livro Aberto, Editora Cone Sul, 1997), fromIndiana (poemas, edição do autor, 2000), As coisas de João Flores (poemas, Editora Patuá, 2014), Histórias prováveis (contos, Editora Record, 2007) e Santo Reis da Luz Divina (romance, Prêmio Sesc de Literatura, finalista do Prêmio Jabuti, Editora Record, 2004). Escreve atualmente, em uma coluna no caderno de cultura do jornal “O Diário do Norte do Paraná”, de Maringá, em que publica – sempre às terças – contos e crônicas. 06 POESIAS 07 COMISSÃO JULGADORA MARCO AURÉLIO CREMASCO Campinas - SP Marco Aurélio Cremasco é professor universitário e escritor. Nasceu em Guaraci (PR), reside em Campinas (SP) e tem publicado os livros Vampisales (poemas, Editora da UEM, 1984), Viola caipira (poemas, edição do autor, 1995), A criação (poemas, Prêmio Xerox/Livro Aberto, Editora Cone Sul, 1997), fromIndiana (poemas, edição do autor, 2000), As coisas de João Flores (poemas, Editora Patuá, 2014), Histórias prováveis (contos, Editora Record, 2007) e Santo Reis da Luz Divina (romance, Prêmio Sesc de Literatura, finalista do Prêmio Jabuti, Editora Record, 2004). Escreve atualmente, em uma coluna no caderno de cultura do jornal “O Diário do Norte do Paraná”, de Maringá, em que publica – sempre às terças – contos e crônicas. JOSÉ DE ARIMATEIA TAVARES Paranavaí - PR Graduado em letras e Educação Física pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (Fafipa/Unespar), pós-graduado em Português, diretor do Clube de Xadrez de Paranavaí, proprietário da locadora Myra Vídeo e um dos ícones do Teatro Estudantil de Paranavaí (TEP). No grupo, ao longo de décadas, desempenhou as funções de ator e diretor. TATIANA VIAES THOMÉ Paranavaí - PR É professora licenciada em Letras (Português/Inglês) pela Faculdade Estadual de Educação, Ciência e Letras de Paranavaí (Fafipa/Unespar) e em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS. Atua nas áreas de Língua Portuguesa e Literatura. AMANDA RIBEIRO Paranavaí - PR Formada em História pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (2011) e Especialista pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (2014). Atualmente é Mestranda em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar, pela Universidade Estadual do Paraná (Fafipa/Unespar), campus de Paranavaí; Pesquisadora do grupo de pesquisa CNPq: “Economia do Trabalho, Educação e Desenvolvimento Regional” e professora do quadro do magistério da Rede Estadual de Ensino do Paraná. 08 POESIAS - FASE NACIONAL Graça Carpes Éder Rodrigues Diário de bordo de uma mulher em desespero Rio de Janeiro - RJ Obra de fé [Sem luto] Porto Velho - RO Mario Lousada de Andrade Bioque Mesito Bioque Mesito's Series São Luís - MA Relatório (poético) de mortes vividas (!) Terra Rica - PR Carlos Faetonte Nova Ode Mundial Niterói - RJ POESIAS- FASE REGIONAL Branco Di Fátima Descriação Minas Novas - MG Felipe Figueira Júlia Zuza debora uma cancao Paranavaí - PR Pequeno tratado sobre a lucidez Belo Horizonte - MG Ludymila Johann Borges Giulia Barão Estação da mão esquerda Porto Alegre - RS Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos) Paranavaí - PR Roberto Gonçalves Karina Limsi Poema pra um café passado Ilha Solteira - SP nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso) Paranavaí - PR 09 BIOQUE MESITO'S SERIES Bioque Mesito São Luís - MA aos poetas couto corrêa filho, sotero vital e sebastião ribeiro 0-22 no abandono do sangue o útero árido de fome na cantilena sem paz geme o corpo da mulher 1 a vida é troca moeda inútil câmbio do destino 2 eu resumiria nosso romance em poucas linhas uma borboleta solta do casulo em órbita da lua 3 amigos são psicólogos que sonham 4 o sonho ignora o crepúsculo neve e flor em música os dias que partem 5 enquanto a fé não migra o coração acredita em migalhas 6 ao mais incrédulo homem o tempo lhe concebe uma cruz em seu nome 10 7 dentro de cada um deve sorrir um demônio à procura de espelhos 8 se despia do corpo em carnívoros desejos na cama sombras projetavam precipícios orgasmos ao som das molas do colchão 9 não quero rimar xoxota com chocolate alienar-me entre pulos e grunhidos 10 estrelas em pares na solidão da noite sentem-se ímpares 11 as ancas de uma mulher me fazem dormir melhor numa noite de chuva 12 enquanto bambus boiam um homem desce o rio a vida segue o sol 13 aos que não se deram bem no inverno da cama um minuto de silêncio 14 nos olhos dos meus filhos poesias cores músicas a singularidade do caminhar 11 15 a gente ama quando não se é capaz de ignorar o café da manhã a novela o sorriso pelo retrovisor dizendo volta 16 de fato fadas não fodem com príncipes encantados 17 o nobel ainda não inventou o prêmio vilão 18 poemas nos ensinam o não mensurado alguns censuram-nos outros como um tango 19 sentimentos nas nuvens entre tuas trilhas poeta cabedal de musas 20 deus é azul a vida não é 21 toda poesia é um não pensamento Poeta de São Luís-MA com várias participações em antologias nacionais, premiado em algumas. Em São Luís, participou e/ou integrou diversos grupos literários. Possui dois livros de poesias lançados: ‘’A inconstante órbita dos extremos’’ (Editora Cone Sul-SP, vencedor do IV Prêmio Universitário de Literatura em 2000) e ‘’A anticópia dos placebos existenciais’’ (Edições Func-MA, vencedor do XXXI Prêmio Sousândrade de Poesia). 12 NOVA ODE MUNDIAL Carlos Faetonte Niterói - RJ CALÍOPE MORTA, CLOTO EM FÚRIA I. Não. Vórtice plural das singularidades, onde se encontra a Foz das Ideias do Mundo? Espiral milenar de mil fluidos, não nades nos eflúvios mais vis desse fundo, profundo. Catarata central, desemboca no Hades a fugaz geração com a qual eu me afundo! Interpretada mal sua herança hoje fora, ó Liberdade! Que um dia foi transgressora. II. Não. Se alguém Prometeu desta esfera seu fogo, agoniza em prisão, seu abutre é o desgosto. Da esperança voraz, do roer litagogo, regenera-se a dor! O princípio suposto enfim frustrado, deu ás de vila-diogo... Tais correntes jamais cederão ao oposto que perpetra na Foz o afluente refluxo; liberta-te Titã! Do rochedo perluxo. III. Não. É preciso dar voz ao segredo oculto que desperte o titã, adormecido em nós. A fugaz geração que se redime ao culto de colher o passado e plantar nada após; esta sim, da vulgar poesia – sepulto! Enquanto as Parcas sem dó rompem seu retrós... Pois Calíope jaz morta e Euterpe em lamúria, mas das profundas do Tártaro, Cloto em fúria! 13 IV. Não. Um golpe de estado era armado por Zeus no momento viril que a Poesia nasceu, são nas veias mortais que propagam os seus olímpicos rivais, confinados ao breu. Zeus se tornara Deus. E à fé plural, adeus! Ah! Filha ancestral da guerra imortal, clamo eu: aos punhos magros da juventude irrisória, dotai-nos do labor que eleve sua glória. V. Não. Heráclita és tu, Arte primacial. Falsa diplomacia é ilusão que não topas; qual a força motriz por detrás do arsenal? A essência da guerra é que move tuas tropas! Na incidente fronteira entre o bem e o mal, qual é a espinha dorsal em que montas? Galopas? Nos corcéis da Poesia aos coevos me oponho, só há paz onde há guerra e virtude onde há sonho. VI. Não! Não ter pés no chão, sim dar asas às sinas! Mesmo que as rédeas do Sol nos custem a Vida. Desbravamos o Mar!... Gaia, tu que abominas toda inércia mordaz, dê-nos dom que a transgrida. Como astrônomo a olhar muito além das retinas, onde a ciência cai, a Poesia é erguida. Poética Função da Linguagem, coragem! O Quinto Império nos legou sua Mensagem. VII. Não basta 'ser ou não ser' – sê! Eis a missão. Enquanto centenas de valsas sem som decaem em triunfos que serão poeiras no tempo – vibrai trom! Dos hinos de guerra a avançar a humana grandeza, com o seu ávido olhar pro zênite ao fim. Morrer a par d'Elmo afim, então sim. 14 VIII. Versai! Quebrai os pilares! Destronai as rimas, vencei as leis físicas! Sobre os Ombros de Gigantes paira o jardim da evolução. Sobre um sonho de estátua paira a Montanha a ser subida – vá! Contra impérios metais luta a escrita. Contra Babel, nossa Língua. IX. X. Retomemos a marcha, cada verbo que escarcha a geração que falia... (Pós-Moderna golpista, vosso túmulo à vista e...) À Poesia, eurritmia! Se a linha evolutiva dos tratados no hostil tempo tratante cessa truncada – ó verve soberana, tecemo-na adiante! Imprescindível é buscar o bosque da inspiração, do torque adentro à Foz que gravite toda força e nos embosque com versos de diamante. XI. Se as armas e os barões assinalados, que da oriental praia Lusitana, por mares muito dantes navegados, calharam na Latino-Americana... No prélio cultural tão triunfados, mas derrotados pela gana insana, um Gigante maior que despertaram cobra do Velho Mundo o que roubaram! 15 XII. Se n'Arte primacial reina a Lei do mais forte, Novo Mundo há de ser visto de Sul a Norte. Contra a prole acaciana e apoética malácia, Nova Hoste se alevanta e proclama estopim! Rapsodos do futuro hão de orar pertinácia da Mavórcia Missão, alvorecida em mim. Mortal inconfidente e semideus da audácia, FINDO os tempos do Não. FENDO o Tempo de... Sim. EQUINÓCIO VERNAL – SOLSTÍCIO AUSTRAL, 2013 Astrônomo (graduado pelo Observatório do Valongo - UFRJ, em 2012), Mestre em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE - UFRJ, 2014). Nascido em Belo Horizonte, MG. Reside em Niterói desde 2004. No dia 15 de maio de 2014, foi pré-publicada sua obra poética primacial - FINGERE (de Carlos Faetonte, Ulisses de Azevedo e Paulo Peta); onde Carlos Faetonte, um dos personagens/heterônimos do livro, é o criador da Nova Ode Mundial. 16 Descriação Branco Di Fátima Minas Novas - MG No primeiro dia, A dúvida pairou sobre o nada, E confuso com a chuva sonhada, Inventou os andarilhos de estrada. No segundo dia, Criou as aves noturnas. Horizontes em decomposição. O vento exalou sintomas de completude. No terceiro dia, Criou as encostas e latas enferrujadas. Formigas, rãs e lagartos de papo-amarelo. Igarapés, tracajás, caiapós e árvores maturadas. No quarto dia, Inventou caracóis, lesmas, palafitas e flores saturadas. Raízes, benzidos, reisados e meninas transfiguradas. Tontos nefelibatas e poetas de enseada. No quinto dia, Criou corredeiras, rios e caboclos d'água. Zombarias, maritacas e seixos de tilápia. Cacimbas de jacu e fissuras perfumadas. O sexto dia foi marcado por aguaceiros. Criou as cores, a altura, os lados e o peso. E todas as coisas se fizeram querentes desse guisado. Garrafas de vinho e tabaco. Quitandas da roça e mormaço. No sétimo dia, Já cansado das traquinagens, Contemplou as faces partidas de um tomate E foi para a primeira estrebaria festejar a descriação. Jornalista e escritor mineiro, pós-graduado em Produção e Crítica Cultural. É mestre e doutorando em Comunicação pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). É autor do livro ‘’Ruas vazias de gente’’ (2007). Organizou as obras ‘’Internet - Comunicação em Rede’’ (2013) e ‘’Outros Olhares - Debates contemporâneos'' (2008). Tem poemas em importantes coletâneas. Foi premiado em mais de dez concursos nacionais e internacionais. 17 Estação da mão esquerda Giulia Barão Porto Alegre - RS Meu avô era o suco de laranja sem falta no café da manhã, o silêncio de quem não diz um décimo do que pensa porque sabe demais, desde 1915 sabendo o século vinte, a bipolaridade da minha avó, que persiste além do casamento além da morte do avô, sobressalto. Todo dia lembrar que vive apesar dele apesar de sessenta anos às metades, aos pedaços que se perdem nas discussões noturnas sobre a tinta branca na parede da sala, que nunca é branca no catálogo das tintas tanto branco flexionado ao plural torna difícil decidir se o branco é branco na cama, o lençol conjunto, a conta conjunta, os pedaços conjuntos, montanhas, montanhas e campos fecundos de histórias vividas sob o amparo do dedo anelar, acumulando geografias, linguísticas, silêncios duplos. Teia de vidro embaçado estendida sobre as mãos de antes incomunicáveis, como a criança que se foi e não se acha, debaixo da terra agulha no palheiro em que se escondem adultos solteiros de antes perdidos na criança misturados no sangue dos filhos misturados no laço de metal fundido. 18 Dicotomia de mãos esquerdas, que se estendem transversalmente radicais, atravessam abismo de mãos dadas, atravessam os mesmos pedaços de filhos a mesma terra, a mesma parede branca, o mesmo nome, o mesmo domingo, sessenta anos atravessam meu avô e minha avó separam meu avô e minha avó de si mesmos, sessenta anos na cama, na sala, na trincheira, a guerra fria que os unia na viagem à Tchecoslováquia, que os unia em campos fecundos, em filhos, a mesma terra em dois mil e treze são sete palmos e cinzas frias e separam minha avó do meu avô. A mão esquerda atravessada sobre o leito vazio não pode cavar o espaço de sessenta anos entre minha avó e o seu nome de solteira, entre minha avó e sua mão esquerda não pode enterrar a si mesma, porque perdeu os pedaços em discussões sobre a cama perdeu meu avô onde se tinha e a si mesma onde tinha meu avô, sessenta anos separam minha avó da possibilidade de sobreviver no singular e decidir sozinha se o branco é branco na parede da sala. Giulia tem 23 anos e publica seus poemas desde 2008 no blog “Navegação de Intervalos" agora transformado em website. Em 2013, começou a buscar a divulgação ampliada de seu trabalho, iniciativa que gerou resultados positivos como a publicação do poema “Stand By” na Revista Cult, e a seleção entre os vinte finalistas do VII Prêmio UFF de poesia. Além disso, passou em primeiro lugar no Mestrado em Escrita Criativa da PUCRS (2014), onde agora desenvolve o projeto de seu segundo livro. 19 deborai uma cancao Felipe Figueira Paranavaí - PR escrever com sangue e sentir angustia e nesta angustia nao se encontrar por so enxergar o vazio “cale a boca e nao cale na boca noticia ruim...” parece nao ter fim o que eu sinto ai de mim ad eternun e nao temer mas logo em seguida temer e tremer e ter medo da morte por perda da vida e nao ter um so santo no peito e cuspir no prato em que [o que] ja comeu e nao ter mais nada a dizer e isso por seu [sem] querer [nao ha de que nao ha por que nao ha “pra que” mas por que por que] e decifrar e ser devorado e sendo devorado ainda assim dilacerar para degustar o que o tempo nao pode trazer [e assim que me saboreio como se todo o suor fosse doce 20 e todo doce fel a meu bel-prazer “e a alegria a unica indizivel emoçao”] e estar em varios lugares mas estar sozinho e em um moinho se perder e ainda assim sorrir sela e o desencontro o conflito o deserto o aperto o apelo o choro e a dor cada vez mais perto e abraçar e exagerar sem dar espaço sem medo de que se o amanha nao vier nao exista mais sangue para se esvair e se lamentar e nisso exagerar o tempo todo e rir do meu drama como se nao fosse meu mas de um viandante que ao fim desde o principio ri e vagueia com a sua sombra quando estou feliz so escrevo coisas tragicas nao sei por que “e claro que a vida e boa” talvez isso seja uma dialetica falta de pontuaçao [in]consciente 21 para evitar a [in]compreensao talvez eu seja “triste”... “e claro que te amo” um jargao um clichê um sinonimo no bom sentido a vida sem amor sem amizades sem musica seria um erro seria um duelo sem espadas que em poucos segundos a morte se tornaria bem vinda [na batalha contra um peixe so ficaram os tubaroes e a minha espinha a deriva] “nao me importo em ver a idade em mim” um fotografo um viandante um vendedor um cirurgiao um malabarista ah se nao fosse a bossa-nova e o chorinho [nao ha de que nao ha por que nao ha “pra que” mas por que por que] o arrependimento limpa enobrece enlouquece e o que poderia ser simples torna-se complexo 22 porque o complexo nao esta fora mas dentro [bem perto] “o abismo olha para voce” uma guilhotina resolveria tudo eu te amo por que o meu vicio esta sempre a minha frente de tanto esmurrar facas acabei calejando meu sague e agora nao sei mais sair do labirinto que eu mesmo fiz sem por que onde esta a seta onde esta a reta onde esta o que e reto pelo sexo a vida foi criada e milhares de vezes exterminada uniao discordante do “gozo antes da cautela” vem o “castigo” e no final das contas so sobram migalhas umbigos inimigos e a vida se vai para que em breve outra tambem se va sem memorias postumas tristeza e um deserto [cada vez mais perto] de um lado e do outro e para o outro e o som do silencio 23 o medo do redemoinho o tilintar dos cristais o quebrar dos diamantes um brincar de sosselliar em partes sem norar amanhaii a delicia a dor o amor sem ilusoes “cada um sabe a dor e a delicia de ser o que e...” e o amor um motor que gira e gira e gira “voce esta voce e voce faz” e viver e receber a morte e lutar com sisera e mostrar dez mil espadas e gritar ainda ha vida [e sempre havera] se a angustia um dia passar terei um filho plantarei uma arvore e destruirei esse poema que de amor nada tem mas se eu acordar tornarei a escrever um pouco mais do meu menos multiplicado desde sempre 24 “desperta desperta” minha juiza “e claro que te acho linda” sela debora uma cancao [parte ii] no enigma do espelho quero me conhecer e nao mais ser devorado pela esfinge e nao ser mais um papagaio que come esterco e espanca a irmaiii [o meu “rastro de infancia” minha pobre e parca homenagem depois que so restarem ossos e uma foto no cemiterio nao adianta mais sorrisos] e acha isso legal e acha isso moral e acha isso banal eu devo ser uma pessoa horrivel para nao ter um so sorriso definitivo eis meu objetivo dormir depressa uma hora e trinta e nove minutos acordar para ir ao banheiro tres vezes e ter sete sonhos e nao “convem gloriar-me” mas caminhar e encontrar e sorrir e tocar [flauta] e cantar debora uma cancao a todos os “assassinos” porque [“onde havia pranto jubilo surgiu”] a esperança nao morre 25 e assim sorrir e ver surgir [bem perto] cinzas e carnes nao corvos sem crimes nem castigos em minha caravela em meu porto [in]seguro sim todos os caminhos levam a roma mas alguns demoram demais e o que era vida sem menos nem mais nem paz perde o por que e perder a saida e perder o amor e ver tudo se tornar enfado e a morte se tornar bem vinda [des]prazer [des]canso [des]graça [in]feliz um beijo uma festa e [outra] festa surpresa e ainda assim tristeza o que fazer depois da meia-noite o que fazer ao meio-dia no manto de penelope so me desfaço sem esforço e a minha vida ad eternun entre dez e e 26 e repito repito incompleta a criaçao e me maravilho de minha imperfeiçao e fico forte em que ao decifrar o enigma acordar com grilos e gritos de bebados prostitutos todo tipo de viciados e deixar de lado o que antes incomodava crendo que tudo aquilo nem esterco e sem ressentimentos mas o que e e “quanto mais me elevo menor eu pareço” desapareço apareço desapareço sobram-me horas para de novo “voce esta voce e voce faz” debora uma cancao nao e uma fossa nova mas vinicius em ipanema e niteroi debora uma cancao e uma ponte bem feita debora uma cancao e uma aula bem preparada debora uma cancao e um cantico de salvaçao 27 sela um olhar um vazio um esquivo um esquema um vicio desprezar da muito trabalho [e tentar desviar o olhar o tempo todo] mas mendigo nao quero ser [“para nos mesmos nos fazemos mais simples do que somos assim descansamos do proximo”] na “simplicidade” alheia o escravo se cre senhor e esse o dom de iludir do senhor [do engenho] metaforas a parte eu so quero viver dane-se que va a merda o resto algumas coisas simplesmente estao sao sempre a frente “a gente vai contra a corrente ate nao poder resistir” gira e gira e gira as almas surdas que esta poesia interprete os vossos silencios as almas vendidas por prata que esta poesia resgate em ouro e tenha troco as portas fechadas que esta poesia seja uma chave e o que for aberto ninguem feche “o que pedires 28 te darei” compaixao sela e preciso parar de escrever e se o amanha nao vier que nao haja mais sangue para se esvair e se lamentar amo durmo extermino um dois tres acordo i forte de aparencia formosa justa e baixa mas ninguem e perfeito “em ti bendigo o amor das coisas simples” ii referencia ao poeta minimalista paranavaiense sergio rubens sossella que pouco pontuava seus poemas e pouco destacava as iniciais maiusculas e ao poema nao norarei amanha vencedor do festival de musica e poesia de paranavai [femup] de 1975 iii uma familia um pai triste e honesto uma mae alegre e sem foco uma filha bonita e vazia um filho intelectual e burro Professor do Instituto Federal do Paraná (Campus Paranavaí). Suas poesias já foram selecionadas em vários concursos literários, como o FEMUP, o Varal Literário e o de Campos dos Goytacazes. 29 diário de bordo de uma mulher em desespero Graça Carpes Rio de Janeiro - RJ quase um história para gente grande ☼ ____________________________________________________________________ Havia tempo que sentia a umidade no ar. Salas, quartos, paredes, em tudo parecia brotarem verdes folhas de avenca. Pensou que esse estado de ver a água das coisas fosse depressão, mas não. As ruas em vertical continham entidades. Sobre as escadas havia sombras. Entre os paralelepípedos, olhos agudos. As noites lhe eram soturnas. Somente o horizonte sonha. ___________________________________________________________________ chove assim constantemente e as enguias iluminam a noite sonoros os carros espumam feito marés chamo constelações de todos os universos poesiam todos os seres . ____________________________________________________________________ Alto Mar ____________________________________________________________________ Hoje, 13 de fevereiro de... Tenho resistido arduamente aos sacolejos da embarcação. 30 O horizonte hoje, despertou o sol. Mas, é agora no entardecer que as fortes tormentas manifetam-se no céu. Fecho todas as escotilhas e recolho-me ao ponto onde determino ser o eixo central. A tripulação há muito não existe, saltaram todos em ancoramentos de distâncias anteriores. Tanto céu... Tanto mar... Resta-me agora, a imensidão do vazio. * Recolhida eu em posição fetal, cantava um mantra em pulsação. ____________________________________________________________________ 11 de fevereiro de... Árduamente enfrento o sol da tarde refletido nas águas desse dourado mar. Quantas gotas o mar contém ? Sim, agora sei porque há pessoas que se afogam em um minúsculo copo de água: toda gota contém um mar. Hoje, construí um barco de papel. Talvez ele possa nadar no céu... Quem sabe ele possa voar no mar ...sem se afogar. ____________________________________________________________________ 12 de fevereiro de... Seria meu aniversário, se em terra eu estivesse. Mas, no mar... O mar não sabe do tempo. O mar flutua nos ventos. O mar espuma oceanos. Os golfinhos acompanham a embarcação e cantam e dançam em alegria juvenil. Parece, descobriram o segredo da eternidade e o manifestam ao sol. O verde de meus olhos acompanha o espumante rastro; mar de champanhe anunciando o novo tempo. Eu brindo a todos os seres, brindo ao que sou! ____________________________________________________________________ 31 22 de março de 2010. Fiquei em silêncio por imenso tempo. Entretanto, nesse tempo, o sol e as águas trocaram guarda com noites e estrelas, e mergulharam ao mar em busca da lua. E as marés invadiram as ruas em suas cheias. E os humanos não sabiam nadar. Vazia de mim... Navego. Tenho tanto mar sobre a cabeça... Às vezes, penso ser um céu. ____________________________________________________________________ 14 de abril de... Explicações às dores: Agora era noite e se afastava da costa a embarcação. Doía minha cabeça por falta de alimento. – às vezes, em alto mar os mantimentos acabam e não há como repor. Ao longe avisto as luzes da cidade; contemplo seus reflexos sobre a escuridão. Contemplar... Contemplar. Me doem os olhos, talvez , pela choradeira da claridade diurna azul do céu sobre esse verde marejar. Azul mais sol reflete mar. E tudo é tanto verde... * Pensamentos de mar: Agora, será preciso descartar a confiança e ser intérprete. E, no que resolveria terapia para o que não sou? Presos ao vazio do que não existe, eu e o mar conversamos com o nada. * solfeja um vento noroeste. ____________________________________________________________________ 21 de maio de... Coisas da natureza as coisas parecem ocas longa extensão de ponte sobre o mar 32 louca é a lua mergulha cheia nesse estado de afogamento um banho nua um batismo aos braços do vento senhor dos movimentos senhor dos movimentos me invento então iluminar a mente portas e janelas escancaro para que entre e areje-me ! ____________________________________________________________________ 29 de maio... meu verde olhar iluminado à inconstância das marés (pássaro pousado em musgo âncora) aconchega a tarde solitária e bela ao infinito que se estende . ____________________________________________________________________ 14 de agosto de... Ai... É tanto mar a inundar o tempo! Um acúmulo de ventos interpôs os dias. Alquimia de memórias e sóis de meio-dia. Diluí-me entre abril até agosto. O marejar do barco pulsava o corpo, fazendo na dança dos dias uma mistura líquida. Não sei se aqui estou; me afoguei entre as folhas faltantes deste diário. Percebo sobre mim um gris céu de domingo. E as águas em cumplicidade me acenam em crespas ondas. Diz-se inverno no mundo e estar no mar parece com o “salvar-se do inferno”. Quanta água a cercar meu corpo; nenhum fogo soprando culpas. Agoniza o passado sem escafandro. Abarco em terra firme? ____________________________________________________________________ 33 15 de agosto de 2010 ter de cruzar o mar até chegar em mim ter de chegar em mim ____________________________________________________________________ 25 de agosto de ... Diz-se líquido o tempo. Dizem líquido o amor. E como não o ser quando 70% do humano é líquido? Formação aminiótica; recheio e ótica de mar. Navega a embarcação. Olho para todos os lados. Flutuante... Flutuante... Norte ou sul, leste ou oeste... ? O horizonte afoga-se ao longe e o sol, o sol caminha para seu líquido suicídio. Amanhã sei... Um novo sol. *Ao lado de poucos outro... ? ____________________________________________________________________ 28 de agosto de 2010. Ligo os motores – preciso ganhar tempo. O mar, essa imensidão sem ponteiros. O tempo é meu e se faz necessário, sobrepor - me. As marés acenam feito sereias – ondulados cabelos. Dourados reflexos à memória do útero, afloram. Há ondas que se contorcem entre o mar e o que sou - contrações do parir. Cinzas são as nuvens e brancos os pássaros que acompanham a navegação. És uma silhueta ancorada sempre em ilhas vazias na busca do outro. - Não me venha com seus tridentes: não sou carente! Meu tempo é gasto em outras alegorias. Depois, ainda que em agonia, gosto da solidão. Meu escrever é solitário tal solitária o é a palavra e o teu verdejar. 34 Eu vi o amor sentado à minha frente. Mas, era todo tão feito de mar... Diluído e distante; um esvaziar. *Amor próprio – eus apropriados para serem amados. ____________________________________________________________________ setembro – tarde Surto – deleto o susto. Apalpo as ondas feito nuvens. Às vezes, sofro gelados pesadelos. Desacorrento a espera, desespero e grito retinas de sol; um suicídio de luz, intento. Imenso é o mundo e sua terceira visão. Faço do impossível o real. Meu circo tem teto de lua; meu picadeiro é a lua bocejando solidão. Mas sei, um diamante sempre há de brilhar, preciosa vida. ____________________________________________________________________ Sábado - 11 de setembro - tarde na barca - avanço ao continente. Quem me acompanha... Cruza o céu com nós de aço, um sonho de papel – pipas de Volpi. Anda a onda à beira da barca; senhora das janelas. Frente à porta marcada do céu, nem azul nem sol. Chegamos. De volta. Comprei quatro batatas e precisei outra vez cruzar o mar. Além, léguas e léguas de terra. Cai a lua, sobre. estronda o vento balançam as ondas perdido o medo os olhos marejam pérolas . ____________________________________________________________________ 35 05 de outubro de... Atiro ao mar as águas que adormecem no convés. Meu dedal tão minúsculo... Quanto mais lágrimas, maior inundação. A cabine principal parece tomada por volumoso dolor de memórias. Acontece de ser ao norte onde as luzes, feito estrelas piscam. Metade de mim é mar Metade outra, oceano. e quando choro um rio, inundo o mundo com molhado riso. ____________________________________________________________________ 8 de dezembro de 2010 atenta às ondas marejo sonhos a memória inventa versos abrem-se encostas de esvedeadas esperanças . ( entre o breu da noite ) ____________________________________________________________________ distante e meditativo admira o horizonte o suicídio das ondas nas pedras do mar . ____________________________________________________________________ somente o mar não tem direção oposta ____________________________________________________________________ Escritora e poeta; atriz e clown. Nasceu no sul do Brasil, na cidade de Rio Grande. Atualmente reside no Rio de Janeiro. Faz da palavra... Seu norte. 36 Poema pra um café passado Karina Limsi Ilha Solteira - SP Prelúdio Chamei-o como quem chama vela Velava-me como se fora morta Morteiros eram os sons da fronte A encastoar ideias de balão /meus rimos remosos são quadriláteros Os desejos não. Arremedei o Rosa nos escritos Falei do nada e das condições Lembrei teu grão talento em coadores Das dores que seguras com a mão. /de agruras adormeço em boa noite Os ensejos não. Café é sempre boa desculpa, Até que se passe a gostar de chá, E passa o tempo... ...depois dos passageiros: borra e pó E só bater solas como Carlota, E é só passar toda uma noite só: /pretéritos momentos dóceis Os bocejos não. Primeiro ato: Meu café com Dó Olho a miudeza de botar mesa Ao firmar olhos na chave da porta 37 Faço em mim porto de jangadas tortas, Vejo imensidão de queixas, Tem dó. No rádio lamúrias, Versos dados, querer furioso, Pão requentado, mamão, teu chá, Astúrias, Onde meu Cabo Verde azul-oleoso Tem pó? Viajei, revisitei a língua, Joguei toalha, cereal Fervi leite derramado, Peguei talhado o queijo, faca na mão, Aqui, Parí, Mogi, Lisboa, tudo vão, Você não veio: café não. Segundo ato: Uma tarde de Sol Lerda, lesma, tarde, Arde erma perdida. Calor, furor, inquietude. Ataúde do dia Senhora do tempo, fodida. Sorrateira, alarde, Arde besta, erguida. Torpor, sonsa corrida. Alaúde no dia, Tempo pra merda nenhuma, foi-se. Terceiro ato: A madrugada em Si Algumas pessoas são melhores nuas Que vestidas Já outras vão mais longe descalças Que as calçadas. Gozei quando ele se despiu da máscara Sambei quando ela descalçou os saltos Saltei asfalto afora Horrores, Sorri diante das verdades sujas. Algumas pessoas são melhores frias 38 Que quentes Já outras vão mais longe caladas Que as queixosas. Sofri quando não me odiou na injúria Parti quando o dizer era menos que arma Armei barraca e barraco Hospícios, Cantei diante das mentiras brandas. Às três, a noite adormece os dedos De tanto tocar as mesmas mandingas Falanges que arranham meios fios, Meios veios nas restingas, Fios que nos postes serpenteiam ontologias, Magias, orgias, Molambos da madrugada em si. Nascida em Ilha Solteira em 1988, é Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, autora do blog "Alfarrábio Falciforme" e da antologia de contos e poemas intitulado "Contos dos que plantam árvores", com o selo da editora Patuá (São Paulo), já tendo sido premiada/publicada na antologia do 48º Femup, no ano de 2013 - Categoria Contos - com "Soneto suicida". 39 Pequeno tratado sobre a lucidez Júlia Zuza Belo Horizonte - MG ... Disseram que eu era louca. Eu que apenas amo. Eu que colho a presença das coisas; frontais, intactas. Dei nome às coisas invisíveis que estão prestes a arrebentar em nós, papai. Carrego um cavalo de patas afiadas no peito, caminho sem leme. ... Levo o dinheiro junto ao seio, dentro do sutiã. Tudo é perto do coração, te digo. Tudo é demais e estranho, e eu estou só e quero me confundir com a noite. Meus irmãos, papai e mamãe: o infinito é uma ideia fácil. ... Choque. Choque. Choque. Vagalumes, pirilampos. Objeto finito e sem limite: a realidade é meramente ilustrativa, não vê? Siempre-que-te-pregunto-cuándo-como-y-donde-tú-siempre-merespondes-quizás-quizás Padre Eustáquio e Deus também: cuidem de mim, dos meninos e da mamãe. Amém. ... Estou só e estou aqui, diante de vocês: eu sou o outro e o próprio. Choque-choque-choque-choque. Sono. Choque. Quem ela essa eu? ... É desventura o curso do mundo sem amor. Aurora dele. Olá visitante, entre sem bater. Mas limpe muito bem os pés antes. A minha casa sempre esteve aberta: a vida me cerca. Sou capaz de oferecer minha única água para você matar sua sede. ... Corro a minha espera – sempre fui quem eu era. O motorista de ônibus me olhou nos olhos. E me viu. Ele me adivinhou. Eu sinto esse homem aqui, aqui no peito. Desde a primeira vez, a presença dele é inteira. 40 É uma chuva, sabe, uma chuva que não refresca. Me frutifica. ... Nessa noite prenhe de violência, eu estou só, dentro de mim. Vou fugir daqui sem me levar. Minha irmãzinha, minha menina. 50 cruzeiros pro lanche que você está muito magrinha. ... Joaquim, meu amor. O amor me fez clara, inteira e nítida como uma mulher, mamãe. Eu trago o pólen da loucura, eu sigo na Verdade. Se podes olhar, ame. Se podes ver e amar, repara. Essa sensação estranha de existir, esse lugar e esse nome que sempre foram meus. ... Itajubá. Criar galinhas e cozinhar. Finalmente me sou eu. Joaquim e a vida concreta. Não se pode viver nesse abismo da razão, mamãe. Amar é mergulhar de olhos abertos. Entra, pode sentar. Meu nome é Lourdes. Mestre em Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal) e graduada em Relações Públicas (Puc- MG). Possui poemas publicados em antologias e foi a vencedora do concurso nacional de redação 'Meu primeiro tchibum!' promovido pela editora Cosac Naify em 2010. Ganhou o primeiro lugar nacional na categoria poesia no XXXVI Concurso Literário Felippe D'Oliveira em 2013. Selecionada para publicação de poema no Suplemento Literário de Minas Gerais em 2014. 41 OBRA DE FÉ [SEM LUTO] Éder Rodrigues Porto Velho - RO “Aflição de ser água em meio à terra E ter a face conturbada e móvel. E a um só tempo múltipla e imóvel.” Hilda Hilst Desde que você partiu Eu tenho retirado meus vestidos do guardado e estampado o corpo de cirandas curtas. Não sei se o cheiro de mofo vem deles ou desta moldura de mulher que agora se despe sem temer espelhos. Sem disfarçar o cio dos olhos com pó compacto e nenhum rímel. As veias à mostra tatuam na perna, o pesar das luzes onde minguou prazer e até o sentido doce onde faltou café. Meus pés ensaiam uma dança solo no improvável da cama que largo desfeita, nesse chão sem mácula e já sem nós. Tenho misturado menos ingredientes e sentido mais o açúcar que mina de dentro. 42 Hoje num dia de missa retirei aquele vestido preto, próprio para vigílias e tantas rezas. Cortei metade dele com a tesoura e na fúria das mãos arranquei dois botões de cima decotando a fartura de solidão e seios. Impróprio ele foi se ajustando. Disfarçando a gordura dos anos, a mornura dos sonhos, os dedos que agora avançam e até a febre que nunca tinha usado rendas. Esqueci um pouco de deus Joguei os comprimidos de dormir fora Quero estar viva quando o vestido chorar águas que não serão de morte. Pinto a boca com um viço de carne. Sinto o gosto do batom, provo dele com a língua. Os saltos que achava não servir por desuso me mostram o perto das estrelas. Não sinto saudade de casa. Não tenho notícia dos filhos. Sou eu esta mulher que parte. Agora-instante bendita sois! É minha a voz que arde por nenhum romance Pela herança dos vestidos que deixo para ninguém. Tenho preparado menos confeitos e desejado mais o doce que açucara por dentro. 43 Sigo sozinha, deserta pois. Sem um véu que escureça meus presságios. Sem nenhuma lágrima de mulher pingando no tecido. Com um sentimento caseiro no fundo de mim, acaso o mundo costure as faltas que você deixou Ou borre no meu lábio pintado este gosto sereno em dizer a-deus. Escritor com trabalhos de difusão da literatura e do teatro pelo país. Atua como poeta, ficcionista e dramaturgo. Premiado em certames do Brasil e do exterior. 44 Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos) Ludymila Johann Borges Paranavaí - PR I– Eu sou triste. O que eu tenho não me vale de muita coisa. Eu fracassei. Eu queria voltar no tempo para poder rir mais do meu testamento. E que desperdício o dos meus pais... me deram todos os sonhos do mundo e eu os transformei em pesadelos. Quanto mais eu queria viver fora, mais eu me pregava nas três paredes de um asilo. Diziam que eu tinha conteúdo, mas, era pura forma, fantasia. E a cada palma que eu recebia, mais doía o barulho do meu vazio, do meu rio (seco). O som (quase...?) se propagou no vácuo. Para quem é triste, tudo é noite, mulher, cerveja e whisky. Tabacaria. 45 Mas, agora, tanto faz sol ou lua, já estou bem velho e já me alegra o fim do meu açoite. Antes eu estivesse na rua da amargura, ou que eu fosse um “peão de trecho”. Há um perfume e uma música que... Que saudade do que não era para ser meu... “Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer”. “Crer em mim? Não, nem em nada”. II A saudade é sentimento maldito que troca a felicidade pela tristeza, (pois o presente não pode voltar!) e que não reconhece que para tudo há um tempo, até um tempo para, a exemplo do vento, ser simplesmente um sopro. “A saudade é a boa mascara da maldade” que sempre dá o troco, que sempre chega atrasada e diz: “v o c ê j á f o i f e l i z”. A saudade recolhe as migalhas de um caminho e com um giz hipnotiza aquele que não pode dar um pequeno voo. E ao estrangular o nosso pescoço observa calmamente a nossa agonia e grita baixinho: “lembra-te um pouco mais D A Q U E L A alegria”. 46 Amigo, a saudade é entulho, é coisa de mendigo. Para a saudade, tudo é alegria. Para a alegria, tudo é cego (ou cinza). A saudade não consegue ver nada. A saudade nada é. III – Olha, se vivêssemos apenas o “hoje”, o horizonte não marcaria a eternidade como uma medida inalcançável. Não haveria céu, não haveria inferno, não haveria flores, não haveria saudade, e “mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido”: e o “mau tempo e os temporais” estariam entre as “circunstâncias mais favoráveis” ao amadurecimento! Dia disso, dia daquilo, dia daquilo outro, eterno retorno (da mesma) tortura. A música, a roda, os números, enfim. 47 Síntese: depois que tantas árvores se secaram, só me resta aguardar... sorrindo. É novembro. Fragmentos. Flores. Alegria agora, e “enquanto o Destino mo conceder”. Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados, apreciadora da Arte, participa eventualmente de concursos de poesias. Premiada no FEMUP 2013 na categoria poesia. 48 nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso) Roberto Gonçalves Paranavaí - PR "a pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega”. (leonardo da vinci) (i.) “non omnis moriar” (1) nu escrevo versos devo (d) escrevê-los? (talvez) me . . . . . . . . .d .e .r .r .a .m .o cada gota de tinta (sem cor) flameja o sopro quente que ainda queima... pinto (em palavras) o sorriso enigmático de gioconda que se esconde por entre a vida que ainda gera morte (e insiste arder dentro de mim) “não faço mortalha colorida.” ** (ii.) “rari nantes in gurgite vasto” (2) nu escrevo diluo pensamentos em doses ................................… h... o... m... e... o... p... á... t... i... c... a... s.................................... 49 em preto de palavras para serem ingeridas gota . . . a . . . gota pensamentos que alumiem a escuridão dos olhos e aqueçam os corações repudio a devastação bélica que pablo concebe e e traços amarelados guernica! a minha pintura sombria dramática suja corresponde a verdade mais profunda que habita no íntimo que cobre a miséria do dia a dia com o colorido das orgias profanas “debruço-me sobre este misterioso poço, insondável, que existe em cada homem.” ** atordoado previno evito o salto 50 (em trevas) branco (em palavras) no ab is m o da vida que ainda gera morte (e insiste arder dentro de mim) “our life is made by the death of others”* (iii.) “semel emissum volat irreparabile verbum” (3) às vezes sou isso um lixo para os padrões não pinto o que vejo, mas o que sinto amanhã nem sei se era isso que eu queria escrever mas agora quero! posso me sentir blasé? posso achar as estrelas podres? o luar insuportável? o mar enojador? o canto da sereia irritante? posso? eu escrevo pra mim! pra mim? (ledo engano...) quer ler? que leia, então! palavras sem nexo baseadas no léxico são apenas um reflexo deste paradoxo da vida que ainda gera morte (e insiste arder dentro de mim) sob o céu vermelho-sangue diSFoRmE exprimo 51 o que atormenta a minha alma gritO! toque em mim sinta em minha pele todo furor das palavras que saem pelos poros e s c o r r e m pelo papel... eu sei sussurrar palavras mas agora quero apenas vomitá-las! “eu não nasci para enfeitar o mundo...” ** (iv.) “consummatum est!” (4) não espere que eu seja molde para moldura do seu quadro predileto ... :pa: :ra: :ficar ali pregado: :pen: :du: :ra: :do: ... (maldito!) na parede da sala de estar (do seu ego) toda vez que passar por ali eu! (como você quer) olhando sigo-te passo a passo, quase como a tua sombra 52 sangrando... (como quem salva a tua alma) não! quero fugir da mesmice de ser o mesmo todo santo dia! quero deixar de ser escravo dos pensamentos alheios! homem que come gente (sugam mentes) aba pora ú quero viver a consciência vívida que impus aos meus próprios ombros na berlinda que me expõe ao escárnio ao sarro ao gozo ao delírio... fracassos expostos à vergonha da vida que ainda gera morte (e insiste arder dentro de mim) “eu pinto porque a vida dói” ** (v.) “tempus edax rerum” (5) ah o tempo... (olho na ampulheta: ainda há tempo!) o tempo (!!flácido??) se curva sob a gravidade enquanto relógios (que persistem em minha memória) derretem ante o mar... 53 o tempo é um andarilho que nunca para guardião da vida e da morte sempre a espreita cheio de enigmas indecifráveis destrói fantasias desafia o poeta exposto nu quer devorar-lhe a emoção ele (o poeta) pinta o que esvoaça em sua mente (o poeta é um pintor pinta sua tela com palavras) ilude a realidade “ela é a esfinge que nos devora.” ** ele (o poeta) édipo imobiliza o tempo celebra a vida que ainda gera morte (e insiste arder dentro de mim) “o pintor é o mágico que imobiliza o tempo.” ** (vi.) “veritas odium parit” (6) gosto de escrever (verdade!) é só pintar tudo em cores alegres ou.........................................................................................................não! sou antiestético antiético tétrico (talvez) mas sou todo eu aqui agora 54 eu! “hic et nunc” (7) não! não vou rasgar o papel vou rasgar o verbo! não adianta insistir vai do jeito que está explícito! (ame ou odeie) a massa cresceu (assou por baixo) a forma pequena não suportou (tanta coisa dentro) transbordou... (e ninguém poderá cortar em fatias) comam! sem sal (insossa) sem tempero comam! “é preciso que o que está dentro do artista amadureça no vagar do tempo.” ** (vii.) “verba volant, scripta manent” (8) dispo-me de conceitos avaliações tempestuoso dispo-me de seriedades nu brinco de amarelinha atiro a pedra atinjo o céu paciente na vigília do ácido que modela imagens interiores insone frente à tela 55 (evito o inferno?) no frenesi da criação sou a minha própria nota correndo por entre os girassóis de van gogh sem roupa sem adorno sem adereços sem tinta simplesmente... nu exposto a vida que ainda gera morte (e insiste arder dentro de mim...) “quidquid tentabam dicere versus erat” (9) “eu não nasci para enfeitar o mundo. eu pinto porque a vida dói” ** *leonardo da vinci ** iberê camargo, professor, gravurista e pintor - expressões em latim: (1) ”não morrerei inteiramente”; (2) “poucos nadando no imenso abismo”; (3) “a palavra uma vez pronunciada voa irreparável”; (4) “tudo está consumado”; (5) “tempo devorador das coisas”; (6) “a verdade gera ódio” ; (7) “aqui e agora” ; (8)“as palavras voam, os escritos permanecem” ; (9) “tudo que eu tentava dizer era verso”. Servidor Público Estadual. Formado em Letras e Pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura. Faz parte da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Participou da 1ª Coletânea Literária de Paranavaí com o conto “O Tato e o Laço de Fita”. Sua primeira vez em concursos foi no Varal Literário/FAFIPA em 1999 no qual foi premiado em conto e poesia. Participa do Femup desde 2000 sendo premiado algumas vezes em conto e poesia, além de música e declamação. 56 Relatório (poético) de mortes vividas (!) Mario Lousada de Andrade Terra Rica - PR Estou rodeado de mortes (Ferreira Gullar) 1 - Da infância e cores... [ Tinha n´alma uma sonora aquarela e vivia a tonalizar utopias...] Era uma vez num tempo bastante ausente um corpo presente a combater com cores as “elegias-dores” que se espalhavam (ecoavam) em“ventos-prantos” criando “moinhos de vento” e me exigindo ter um domQuixote [!] a nutrir nas veias a fantasia e a plantar bem lá no raso do peito sementes de poesia 57 Era uma vez uma “Infância-ânsia” que entre pincel e tinta descobria formas e construía fórmulas reformuladas a cada dia pela inalcançável busca de uma Quimera [distante...] “homo fictus” Era uma vez uma “criança-homem” amamentada pelo leite da ficção (coloria sonhos coloria todos os moinhos de vento...) Era uma vez (portanto) uma sonora aquarela e sonhos (utópicos) que a morte impiedosamente um dia ousou arrebatar(...) Era(tudo) - uma vez... 2 - Da juventude e amores... um grande vício da juventude era riscar o chão com corações abarrotados de desejos 58 e cravar-lhes flechas repletas de pretensões... :: :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: :: Amadurecia-me [escandalosamente] o corpo enrijecendo a carne que [inopinadamente] se estabelecia a cada dia: cálida pálida e fria (!) Nutria versos rítmicos e melancólicos saltando soltos e loucos no outonizado jardim do peito. Então eu amanhecia de noites densas deliradas em primaveras largas suando cantigas suavemente amorizadas. E salgava-me em serenatas (in)completas soletrando os hipnotizantes sorrisos que me aprisionavam 59 em campos floridos por versos (íntimos) compostos no latente eufórico dos suspiros poéticos - e desconfortante saudade Nutria a incompletude de um corpo pagão afogado em amores sem cores Nutria um pecado sem culpa e coleções de corações mutilados (MORTOS) podres e silenciados Sentia as dores dos amores se deslocando e adormecendo em túmulos - sem flores! Nutria visões, tensões tesões [A-LU-CI-NA-ÇÕES] e triturava o próprio corpo (em vão) no são segredo embriagado (!) (No chão os corações que rabisquei se apagaram restando somente as flechas que os cortavam ao meio) 60 3 - Das composições e outonos... [Amareleciam as folhas em estado já de maturidade e, como que fartas, desciam... tocavam o chão e (num gesto final de movimento) se incorporavam...] Os outonos compunham tônicas reverberantes sinfonias rimadas e saltitantes deixando em cada canto um Dó carregado de nostalgias agudas (!) Os outonos compunham sílabas aéreas plantavam no ar teias bem tecidas de distorção e, localizando brecha, envenenava poesia no duro peito E, no tapete das folhas outonizadas, minhas lembranças pisavam tangos em passos lentos, sincronizados extraordinariamente bem cravados... “Os outonos vinham sempre carregados de sussurros”. Como demoníacos feiticeiros faziam renascer todas as cores já sepultadas materializavam todos os “moinhos de vento” e 61 sonorizavam outra vez todas as serenatas da juventude e seus (mal)ditos amores... Ah,os outonos... Tiravam de mim os versos mais tolos e ridículos [!] - De cada outono carrego uma morte! 4 - Das conclusões (?) A morte se faz tragável (!) A morte espreita a vida e a alimenta - por puro interesse! “A vida é o emprego da morte”. Das minhas mortes vividas carrego as dívidas impagáveis das permissões... E meus mortos são vingativos se levantam de suas tumbas e me cobram, assombram, eles se “auto-ressuscitam” (sobretudo nos outonos) E me iludem, me infernizam e, em pungentes gargalhadas, morrem... 62 Meu relatório não passa de uma psicose inconclusa. Estou vivendo e, assim espero, ainda tenho muito para morrer... Formado em Letras. Atualmente cursa mestrado em Letras (Estudos Literários) e desenvolve pesquisas relacionadas a figura do leitor no atual contexto da convergência. Foi classificado na 46ª edição do FEMUP na categoria Poesia - fase regional. Durante a graduação teve três contos e quatro poemas classificados no Varal Literário, evento organizado pela Universidade Estadual do Paraná, campus Paranavaí (UNESPAR/FAFIPA). 63 CONTOS 64 COMISSÃO JULGADORA PAULO MARCELO SOARES DA SILVA, Curitiba - PR Bacharel em Direito. Licenciado em Geografia. Participante ativo e vencedor de alguns dos primeiros Festivais de Poesias de Paranavaí. Vencedor do 1º Concurso de Contos de Paranavaí. Menção Honrosa nos 15º Jogos Florais e nos 19º Jogos Florais de Barreiro – Portugal. Menção Honrosa no 1º Concurso de Romances Juvenis da Academia Paranaense de Letras. Contos publicados pela Empresa Tipográfica Casa Portuguesa de Lisboa e pela Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal, Barreiro, Portugal. Autor do livro História de Paranavaí, publicado pela Prefeitura Municipal de Paranavaí (1988), e dos livros O Lendário Capitão (2012) e Xondó e o Furto da Vassoura (2013). ANDERSON POSSANI GONGORA, Marilena - PR Possui Graduação em Letras (2002) pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí - FAFIPA - atual UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná - Campus de Paranavaí), Pósgraduação em Intertextualidade nas Literaturas de Língua Portuguesa (2003) pela mesma instituição, Mestrado (2007) e Doutorado (2014) em Letras pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. É professor no Colégio Estadual Princesa Izabel - E.F.M. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, Inglês e Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: imagem, violência, identidade, sexualidade, cidade, teatro-ficção e literatura contemporânea. ANA CLAUDIA PASCHOAL, Paranavaí - PR Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Formada em Letras pela FAFIPA (atual UNESPAR, campus Paranavaí=PR), em 1998., com especialização em Literatura Brasileira pela UNESPAR e com mestrado em Literatura Brasileira pela UEM – Universidade Estadual de Maringá. Foi professora colaboradora da disciplina de Literatura Latina no curso de Letras da Unespar (2000 a 2007) e professora de Análise Literária de Textos Bíblicos no Curso de Teologia da PUC – Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008-2011). Atualmente, lecionando no Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo. ANDREIA DO NASCIMENTO, Paranavaí - PR Graduada em Letras (FAFIPA/2005), especializada em Métodos e Técnicas de Ensino – Tópicos Especiais de Metodologia de Ensino de Comunicação e Artes (UTFPE/2009), ganhadora do premio no VIII Varal Literário (FAFIPA/2005) na categoria “Crônicas”. Apreciadora de todas as belas-artes, contudo obcecada pela sexta arte: a literatura, pois acredita que essa seja uma ciência que leva o saber. RAFAEL PETERMANN, São Carlos do Ivaí - PR Graduado em Letras pela FAFIPA e aluno do mestrado em Estudos Linguísticos na Universidade Estadual de Maringá. Professor de Língua Portuguesa e Literatura no Grupo Educacional Fatecie e no Colégio Sesi, ambos em Paranavaí. Participou do projeto “Literatura, Memória e Oralidade: práticas narrativas da região noroeste do Paraná”, coordenado pela Professora Elmita Simonetti Pires. Integrou a comissão julgadora do FEMUP em 2010 (conto) e em 2013 (poesia). 65 CONTOS - FASE NACIONAL CONTOS - FASE REGIONAL Cristina de Abreu Cristina Leite O amolador de facas Niterói - RJ O sangue da rosa Paranavaí - PR Roberto Gonçalves Renato Benvindo Frata In manus tuas Paranavaí - PR Azarinho e o Caga-fogo Paranavaí - PR Antonio Neto André Van Dal Bestiarii Santa Maria de Jetibá - ES Metamorfose floral Paranavaí - PR André Moreira Felix Como Bukowski ao estilo Hitchcock Paranavaí - PR Tanussi Cardoso Sobre o sangue Rio de Janeiro - RJ 66 Como Bukowski ao estilo Hitchcock André Moreira Felix Paranavaí - PR Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperam para morrer. Esperavam para comprar papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir, e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar pela chuva e esperar pelo sol. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava ficando doido também. – Pulp; Charles Bukowski I Deus está morto. Mas eu não tive nada a ver com isso. Ele já estava morto quando acordei essa manhã. Apenas não recolhi os seus pedaços enquanto me levantava. E o que posso dizer? Acho que ficamos quites com isso. Mas era mais uma manhã de calor insuportável e eu não tinha nada para fazer. Poderia arranjar um emprego, mas ninguém arrumava um emprego naquela época. Não que me importasse muito, só que a cerveja estava acabando e, talvez eu já tenha dito, estava insuportavelmente quente. De algum lugar empoeirado da espelunca aonde estava morando faziam algumas semanas, minha velha máquina de escrever queria ter uma palavrinha comigo. Desculpe querida, não consigo escrever de estomago vazio, preciso beber algo. Por isso apenas sai de casa naquela manhã. No corredor do cortiço encontrei um jornal de três dias atrás jogando em um canto para servir de cama aos gatos nojentos que vinham dormir ali. Não me entendam mal, não tenho nada contra gatos, mas se vinte gatos vêm namorar e defecar na porta de sua casa você também teria sérias ressalvas quanto a gatos. Apanhei-o e a primeira página já me disse tudo o que existia de errado com o mundo. Você nunca precisa ler o jornal inteiro para saber que está no pior lugar do universo, basta as manchetes. A notícia mais quente era de um grã-fino sustentado pela mulher que tentou contratar um amador para matar a infeliz, só que o cara se deu mal, e a mulher (nada feia por sinal) acabou enfiando uma tesoura no assassino. Isso já seria uma reviravolta suficiente, mas o desgraçado do marido tentou fazer o assassino se passar por amante da 67 mulher e transformou o crime de legitima defesa em um homicídio qualificado. Felizmente para a dona, pulando alguns fatos inúteis, o investigador ( junto com o verdadeiro amante da esposa!) conseguiu pegar o marido com as calças na mão. Agora me diga: você lê algo assim logo depois de acordar nos jornais e como pode não precisar de uma bebida? Joguei o jornal em frente a uma porta qualquer, outra pessoa pode fazer bom proveito, e atravesso a entrada correndo antes que o dono me veja: estou há quatro dias atrasado com o aluguel. No mercado quase precisei sair nos socos com o caixa que não me queria vender fiado até eu pagar minha dívida. O mandei para o inferno e além das cervejas apanhei uma garrafa de whisky para mostrar quem manda. Ele chamou o gerente e eu xinguei sua mãe. O gerente era um judeu baixo, que falava mais baixo ainda, e deve ter ficado com medo da minha cara de louco, porque me deixou levar a bebida desde que nunca mais voltasse. Não me deram nem uma sacola para pôr a bebida quando sai e por isso cuspi na porta. O dia avançava e a droga do calor ia aumentando. Abri uma lata de cerveja e peguei um desvio pelos becos, onde era sempre úmido e sombrio. E foi quando eu a vi. Um anjo, no meio das garrafas vazias e dos sacos de lixo que se espalhavam com seu cheiro podre por toda parte. Uma loira com um vestido que dizia “não sou daqui”, um bom corpo e aqueles dentes brancos serrados que nunca tinham tido uma carie na vida. Ela se contorcia histérica, balançando os braços freneticamente e tentando afastar os pombos nojentos que por algum motivo estavam furiosos com ela. Vi que ela estava à beira das lágrimas. Retirei a camisa e corri na direção dela e daqueles ratos com asas, balançando a camisa no ar como um idiota e gritando algum coisa estupida feito “saiam, saiam”. Não sei porque fiz isso, normalmente não ligo para os outros e definitivamente não faço o tipo do príncipe na merda dum cavalo branco. Provavelmente foi por causa do contorno dos seios dela, volumosos, que eu divisei balançando assustados. Quando finalmente afastei aqueles animais malditos não tive coragem de olhar para ela, percebendo o tamanho da situação ridícula em que estava e sem camisa. Não sou atlético, odeio caras atléticos com seu visual que esbanja saúde e dinheiro. Sou doentiamente magro, com centenas de cicatrizes costuradas nas costas por causa das espinhas monstruosas que tive na adolescência. Entretanto, algo no som da respiração me fez virar depois de um tempo. Ela me olhava, lágrimas realmente caiam de seus olhos e existia um tipo de curiosidade aliviada misturada com um temor de ter topado com um louco me julgando naquele olhar. Quis manda-la para o inferno, mas percebi que estava sangrando na testa e naquele que era o rosto mais lindo que eu já vira em toda minha vida. O vestido também tinha buracos de bicadas. Era um anjo 68 machucado e perdido no lixo. Não sei o que me deu. Burrice momentânea talvez, mas eu disse: – Vem comigo. II Eu não pedi para nascer. Se alguém tivesse me dito que a vida era isso eu teria socado o saco de meu pai por dentro ou passado a vez para algum outro infeliz. Lamentavelmente o mundo está cheio de cretinos que pensam como eu, e como eu, não podem fazer coisa nenhuma quanto a isso. Nem todos têm a sorte de nascer do jeito certo como ela: linda e rica, ou apenas linda, o que é o suficiente para atrair um idiota rico, ou seja, a mesma coisa. Ela não me disse que era rica quando eu a enfiei no meu quarto mofado, pequeno e com infiltração, mas a forma como seu olhar acusava cada centímetro ao seu redor e o vestido caro que usava lhe entregaram. Ela sentou na única cadeira do quarto e eu lhe dei um pano que molhei no banheiro para limpar o sangue. Depois abri o whisky e joguei algumas gotas nas feridas. Ela gemeu de dor e foi o gemido mais lindo que ouvi na vida. Precisei sentar na cama para ela não perceber minha “felicidade” com aquilo. – Você não é daqui – eu disse depois de um silêncio constrangedor. É, eu também não sou muito esperto. – Estou de passagem – respondeu baixinho, quase tímida, não fosse pelos olhos. – De quem está fugindo? – Perguntei de uma vez, abrindo outra cerveja. – Não estou fugindo de ninguém – respondeu ela assustada. – É melhor eu ir embora. – Foi dizendo, se levantando. – Não vai me agradecer por ter salvo você? – Indaguei irônico, estava começando a ficar com raiva dela. Ela hesitou parada no mesmo lugar, parecia confusa. – Obrigada – de novo a voz baixa. – O que diabos aconteceu? Pombos simplesmente não atacam pessoas. – Eu não sei, foi de repente – ela estava novamente assustada. – Eu... nunca estive para esse lado. Devem ter me estranhado. – Os pombos estão literalmente cagando para a gente, dona. A humanidade inteira é estranha para um pombo. – Eu... eu... já vou embora. Obrigada de novo – ela se encaminhou para a porta. Parte de mim queria que ela fosse, outra parte, por outro lado, a burra, se apressou, antes que ela desse os dois passos e meio que levavam até a porta. 69 – Você pode ficar aqui. Ela estacou indignada. – O que?! Aquela vaca burra, me deixou constrangido. – Eu quero dizer... se esconder aqui. Seja lá de quem esteja fugindo, nunca vão pensar em procurar alguém como você em um lugar como esse. Ela abriu a boca para me mandar a merda, quando pareceu pensar melhor. Realmente um anjo entre o lixo é algo que ninguém espera. – Por que acha que eu estou fugindo? – Você é boa demais. Nem prostitutas de luxo aparecem por aqui. – Deveria ficar lisonjeada? – Sim. Ela pensou. – Seria estranho eu ficar na casa de um desconhecido. – Não sou estranho, eu salvei você dos pombos. Estranho foi o que aconteceu com o Charles. – Quem é Charles? – Um infeliz que morou aqui. A polícia o confundiu com um bandido que roubava lojas. Ele ficou vários meses preso sendo inocente, perdeu trabalho, arrumou problemas com a esposa. Só foi solto quando pegaram o verdadeiro culpado. – Por que está me contando isso? – Porque sim, droga. Absurdos acontecem, esse seria só mais um. – Ela pareceu hesitar, e hesitou por tanto tempo que me irritou de verdade. – Sentese e pegue uma cerveja ou vá embora de uma vez, maldição! E para minha surpresa, quem diria?, ela sentou! III Não importa se você já foi para França, se viu o pôr-do-sol de centenas de praias pelo mundo, se têm uma tela original do Van Gogh na sua sala para exibir para seus amigos metidos, nem se seu filho tem o sorriso mais puro do mundo, nada, absolutamente nada é mais bonito que uma mulher sem roupa. Eu não cansava de observa-la se mover. Quando não estava em cima dela ou era ao contrário, eu a seguia com os olhos pelo quarto, enquanto ia até o banheiro ou pegava mais bebida para nós, sempre pelada. E se eu achava que seus seios era perfeitos não cheguei nem perto da verdade. Ela era toda peito, toda bunda, e toda dura. Ficávamos na cama o dia inteiro e quase toda a 70 semana. Ela não saia de casa mais. Nos primeiros dias houveram algumas breves e esporádicas saídas, mas ela ficava sempre apreensiva e não demorou para que eu ficasse também. Alguns novos moradores chegaram ao cortiço e eu os evitava. Quando não era possível eu os encarava como se quisesse matar sua família inteira. Na rua sentia olhares me seguindo, embora nunca houvesse encontrado nenhum. Entretanto, sei que não foi mera paranoia os carros pretos que peguei deslizando quase mais devagar que os pedestres pelo bairro nos últimos tempos e com muita frequência. Algo estava acontecendo. Algo grande. Algo que ela não me contava. E com o tempo parei de perguntar. Não queria perdê-la. Cara, nada deixa um homem mais burro que um belo par de tetas. Depois de algumas semanas diminuímos o sexo: eu já estava ficando esfolado. Passamos a observar pela janela o que acontecia nos quartos pequenos e abafados dos cortiços vizinhos para passar o tempo. Esse é o problema dos cortiços: construções aglomeradas, mal iluminadas e que abrigam todo tipo de louco. Gostávamos de tentar adivinhar a vida dos moradores e inventar histórias emocionantes que com certeza eram mais interessantes que suas vidas miseráveis e bizarras. Vimos muita esquisitice, mas a única realmente interessante que chegamos a testemunhar foi o assassinato da mulher de um cacheiro viajante que morava bem em frente à nossa janela. Ouvimos seus gritos, ainda que a luz tivesse apagada e no dia seguinte encontramos o jardim revirado. A pobre mulher nunca mais foi vista. Não fomos os únicos que ouvimos os gritos, mas ninguém chamou a polícia. A polícia nunca aparecia por essas bandas, e no fundo, a polícia queria mais é que morrêssemos todos. IV Não se passou nem um mês que eu havia conhecido o paraíso, quando a realidade veio novamente esfregar sua língua sifilítica na minha cara. O dono do cortiço vinha cada vez com mais frequência esmurrar minha porta pedir a droga do aluguel atrasado, de modo que não tive escolha a não ser sair para procurar um trabalho. Mas já devo ter comentado que trabalho é algo raro por essas bandas, e dia após dia eu ia lamber o sapato engraxado de esnobes que me chutavam por diversão os fundilhos. Ela ficava mais apreensiva com o passar do tempo. Sair da segurança do cortiço era algo que a apavorava, e foi quando eu percebi que se não arrumasse um emprego logo ela me deixaria, fugiria em busca de outro lugar seguro. E foi o que aconteceu. Ironicamente, descobri que ela me abandonara 71 no final de um dia de cão, quando finalmente havia encontrado trabalho em um matadouro e sido obrigado a carregar as carcaças ensanguentadas de vacas por todo o maldito dia. O quarto estava vazio, apenas um bilhete dizendo adeus ao lado de minha velha máquina de escrever naquele mesmo canto empoeirado em que eu a havia esquecido. O estranho é que não fiquei triste. Eu nunca tive a ilusão de que um avião daquele ficaria encalhada com um perdedor como eu. Foi o melhor para ela. Continuei no matadouro até ter o bastante para pagar a porra do aluguel e nunca mais voltei para aquela droga de emprego. Mas a reencontrei algumas semanas depois. Ou melhor, reencontrei sua foto, em um jornal que também era usado pelos gatos do cortiço. Novamente a notícia de primeira página. Meu anjo havia sido morta em um chuveiro por facadas em um motel qualquer no meio de lugar nenhum. Ela estava sendo procurada por roubar o marido, um figurão ligado ao crime organizado. Preciso admitir, eu até fiquei triste em saber da morte dela, mas fiquei ainda mais puto do que triste. A vadia tinha uma grana enorme escondida em algum lugar e nunca dissera uma palavra enquanto eu me matava para arrumar um emprego para pagar o aluguel. E que droga de calor insuportável fazia naquela manhã! André Moreira Felix é graduando do curso de Letras, na UNESPAR\FAFIPA e Paranavaíense desde sempre. Essa é a terceira vez que participa do Femup. Escritor por teimosia, deve sua formação nas palavras por ser um leitor por vocação. 72 O Sangue da Rosa Cristina Leite Paranavaí - PR 1 A tez lívida sorria, deixando o passado em meio a terra no estio. Lágrimas não mais vertiam dos olhos. Somente as do coração. Vermelhas. Desenhava no ar o sonho de ser professora, viver com a mãe e cuidá-la para sempre. Comprar doces de todas as cores. Pela primeira vez sentia a brisa de um vento suave roçando seu corpo árido. Partiu sem olhar para traz. 2 Dezoito meses antes Ninha. Era assim que ele lhe chamava enquanto alisava com as mãos grossas os cachinhos cor de ouro dos cabelos e os braços, subindo pelos ombros delgados. E por sua inocência. O homem de cinquenta e poucos anos, com a boca entreaberta arfava suorento. Em instantes pedia que a pequena sumisse rápido dali, lhe entregava um saquinho de doces enquanto pigarreava o fumo de rolo suspirando o prazer frente a pequena desconcertada. 3 E lá ia ela, correndo corada, nos seus doze anos, se escondendo do mundo e de si mesma . Lembrava de quando o conheceu, e ele prometeu plantar uma arvorezinha de rosas só para ela. Chamou-a de santinha. A menina havia deparado com seu casebre solitário enfeitado apenas por uma roseira, quando colheu uma flor e o matuto lhe trouxe leite quente na caneca, afagou seu abandono pela mãe, e aquietou sua melancolia. 4 Antonia voltava silente ao seu lar, tocava com fé a santa na parede rogando que trouxesse sua querida mãe de volta, e não a deixasse morrer. Todos os dias. 73 Os olhos da santa pareciam incendiar a prometer-lhe um clarão de luz. Morava com a tia Aurora desde que mãe havia partido para cuidar da vida jurando para a santa que voltaria. Deitava pensando em não mais ver o velhote. Algo lhe corroia dizendo que aquilo não era bom, mas o aconchego que ele lhe dava parecia feitiço. Expurgo da dor. Adormecia o conflito com o temor da surra que a tia lhe daria se descobrisse. 5 Aurora, antes que o sol raiasse saia para lavoura. Trabalhava feito homem, e só deixava o serviço por chuva. Mas por lá pouco chovia. Aos sábados comprava uma garrafa de bebida e passava horas em baixo da frondosa mangueira a folhear antigos livros com ar de fastio, como quem honra a própria amargura. Antonia bulia no fogão à lenha, aquecendo nacos de pão e recheando com carne de porco conservada em latas de banha. No fim do dia Aurora recolhia tudo cambaleante, falando sozinha. Deitava, revirava na cama e quase sempre vomitava o excesso da bebida ingerida. O quarto cheirava mal, mas a pequena quedava-se inerte, com medo da reação da tia. No dia seguinte Aurora limpava o rancho, fazia comida e sentava-se a contar histórias esquisitas. Dizia que quem entrasse no mato vizinho da casa desaparecia, pois lá haviam cobras de metro que engoliam pessoas inteiras. Levava-a para tomar banho de cachoeira e era a única hora em que se via ela sorrir. Contava que nunca iria ter filhos e um dia compraria batom de todas as cores. Antonia lhe abraçava com os olhos úmidos, agradecendo por ter com quem ficar. A tia enquanto secava o corpo, também a alma secava. E dizia que rezassem pela volta da mãe, pois promessa não cumprida vira castigo. E dos feios. 6 Nova semana, Antonia em suas andanças a visitar João Gabriel. Contava-lhe fantasias, a saudade da mãe, o sonho de ser professora. Tinha pouco estudado, mas guardava sua primeira cartilha. Com devoção. O matuto pouco se importava com isto, mas dava-lhe trela e prometia trazer-lhe livros de histórias encantadas. E protegê-la. 74 7 Numa tarde ela chegou ofegante, encontrou-o estranho, com um brilho diferente no olhar. Logo pegou-a no colo, acarinhando suas magras pernas com rapidez. Ela não entendendo o que estava acontecendo e paralisada pelo medo do desconhecido, não correu e nem gritou. Mesmo porque ninguém ia ouvir se gritasse. O ébrio em instinto animal, repetia com a voz enrolada: - Perdoa Ninha, perdoa minha menina... culpa de quem deixa mocinha bonita igual você solta por aí... É perigoso. Ela assustou com a respiração do homem, enquanto ele sussurrava que ela tinha o provocado e ia merecer uma surra de sangrar as pernas se alguém descobrisse ou a tia ia lhe soltar na mata das cobras. Aproveitou o momento e perguntou se ela já tinha sangrado alguma vez, e ela não sabendo o que era isto assustou ainda mais. Ele desatou um saquinho e ofertou-lhe uma corrente com um pingente prateado. Por um segundo, um laivo de ternura pareceu perpassar sua expressão. Mas não era homem de remorsos. Ela se foi, ele deitou e roncou, para acordar mais tarde extasiado ao lembrar o mal feito. 8 No dia seguinte amanheceu apreensivo. “Sei que a pequena gosta de tudo isto... afinal, vem aqui todo dia...”, divagava se absolvendo de qualquer culpa e fazendo jus a sua ignorância. Passou na venda do Anastácio, pediu chocolates. O vendedor desta feita estranhou: - O amigo não é de doces... estou curioso. Mora sozinho, tem comprado muitos suspiros. E o malandro sem titubear respondeu: - Segredo, amigo. Me avizinha há alguns dias uma dona casada... - respirava longamente enquanto ia inventando – .... quando o varão sai para a roça, vai lá me procurar - falava em tom de confidencia. - Mas Anastácio... falou suplicante: - Se este homem descobre me estrebucha... Sou homem morto. E Anastácio, ouvindo desconfiado a proeza colocou umas balas a mais. E lá se foi o infeliz, feliz esperar a menina. 9 Antonia chegou mais calada desta vez, e ele temendo qualquer risco deu-lhe um abraço fraterno. Avisou que podia sempre contar com ele, com o 75 João Gabriel, mas que o respeitasse muito , pois senão ele poderia ficar nervoso e romper o segredo. Colocou-a no colo como sempre e ela com o coração apertado sentiu uma espécie de nojo, mas não ousou demonstrar. 10 E se passaram meses neste vai e vem. Até que um dia ela não apareceu. E nem no outro. As ideias do matuto se confundiram e ele passou a devanear. Vai ver começou se sangrar e tá apavorada ou das vezes volta amanhã madura e vai até ser melhor. É... também pode ter furado o trato. Decidiu acabar logo com esta agonia. Contornou a mata, como quem fareja a espreitar o casebre da menina. Viu um carro em baixo da mangueira e se acovardou, saindo de soslaio. - Foi melhor assim. Vieram buscar a menina pra ser vadia igual a mãe. Agora ela me deixa em paz e acaba logo essa folia - arrematava como se a folia fosse dela. João, que inventara o composto Gabriel para enfeitar seu nome, não tinha consciência das doenças que lhe atormentavam, e tampouco da solidão que lhe assolava naquela terra seca. 11 Anastácio havia encontrado a mãe da menina numa casa de messalinas da cidade e contado-lhe o fato, omitindo somente o autor. 12 Antonia acariciava a mãe que tinha vindo buscá-la, dizia que era bonita. Sem saber que o amargo segredo havia acabado beijava e agradecia a santinha. Antes da partida, num repente saiu em disparada, sentindo as pernas esfriarem por um vento que parecia zunir nervoso por entre elas. Sem perceber trilhou mais uma vez o caminho rotineiro. Suas entranhas pareciam vazar. 13 Lá chegando, viu uma rosa vermelha aberta no pé. Lembrou quando ele havia plantado especialmente para ela. Tocou-a por um momento, enternecida. Entrou e o viu de costas roncando com uma garrafa de aguardente caída ao lado. Logo adiante uma caixa de lápis de cor e uns doces já ressecados. As pernas tremeram, e um sentimento estranho lhe invadiu a alma. Um furor se apossou dela e sem fazer ruído sequer apanhou a faca de cozinha, e por um segundo lhe passou a idéia de enterrá-la no coração do homem, como se suas forças bastassem. E ele não daria leite quente para mais ninguém. 76 14 Antonia não era disso. Atordoou e acordou em um sem fim de lembranças daquele lugar, dos ecos da tia passando mal e da voz da mãe voltando para buscá-la. Com os olhos secos perdoou o infeliz. Quebrou a caneca, como a não deixar um pedaço de sua alma ali. Feriu-se mas não deu importância. Saiu sem voltar o olhar. Passou pela roseira, catou sua rosa deixando o sangue que escorria de sua mão misturado ao dela. Nascida em Campinas (SP), é mãe de Renato Antonio e Otavio Antonio, jovens poetas trovadores. Jornalista, contista e cronista. Poeta e declamadora membro do Movimento Poético Nacional (SP), trovadora associada à União Brasileira de Trovadores – UBT, membro honorário do InBrasCI (RJ), Embaixadora Universal de SIPEA (México). Membro correspondente da Academia Paranaense da Poesia. Membro fundador da ALAP. Artilheira da Cultura do Museu Conde de Linhares e CL Forte de Copacabana (RJ). 77 In manus tuas* Roberto Gonçalves Paranavaí - PR “Beijo a mão do padre/ a mão de Deus/ a mão do céu” (Carlos Drummond de Andrade) O sonho de minha mãe era me ver com uma batina. Acho que carregava este sonho desde o momento que soube de sua gravidez... Mamãe sempre foi meio quieta. Nunca pedia. Sempre mandava. Nunca ouvi sair de seus lábios a frase: Por favor! Seja para quem fosse. Lembro-me que costurava o dia todo. Trabalhar, ela trabalhava, isso não posso negar. Sentada em frente a sua Vigorelli, pedalava o dia todo. Às vezes eu ficava ali sentado observando, parecia que ela se transformava, cantava alegremente ao trabalhar em suas costuras. Costurava. E nem notava que eu estava lá, costurando ideias... Na parede da casa de madeira havia um prego. Ah, lembro-me como fosse hoje! E nesse prego, pendurado, um relho. Isso mesmo, um “chicotinho” feito das correias arrebentadas da Vigorelli... Quando eu escapulia para o quintal, dava pra ouvir o cantarolar de minha mãe. Eu não tinha brinquedos comprados em lojas. Me virava com latas de óleo Rouxinol ou Salada , várias latas, nas quais eu fazia tiro ao alvo, com meias velhas em forma de bola. Quando minha mãe se enervava pelos barulhos das latas caindo, dava um berro e eu tinha que trocar de brincadeira. Lá ia eu recolher os retroses de linha espalhados pelo chão para inventar carrinhos e o que minha imaginação ousasse naquele momento. Não sem antes de requisitálos, com todo cuidado, a senhora minha mãe. Mas, apesar de me entreter nos devaneios das minhas brincadeiras, nunca, eu disse nunca, ousaria me esquecer de deixar meus ouvidos antenados a sua voz. Quando a cantiga silenciava, logo ela gritava: “Menino, (era assim que ela me chamava) vem já pra cá!” Ao ouvir este chamado não esperava nem um minuto. Largava logo o que estava fazendo e corria exasperadamente para ver o que queria daquela vez. Jamais poderia dizer: “Já vou! Espera um pouco!”. Jamais! Se porventura isso acontecesse, ela vinha ao meu encontro já com o relho em punho, assim eu apanhava sem saber o porquê. Argumentum baculinum!(1) 78 E lá estava eu diante daquela senhora. Ela tão grande... Eu olhando para cima... Lembro-me que não perdia um episódio de um seriado que passava na TV. Terra de Gigantes... Pra mim, naquele momento, eu era um daqueles homenzinhos e minha mãe a maior de todos os gigantes. Eu em pé, olhando para cima. Ela com o dedo em riste apontado em minha direção. Em meio às broncas eu tentava enxergar seus olhos. Pura perda de tempo. Lembro-me até hoje, daquele ângulo de homenzinho eu só conseguia ver... O buraco do nariz de minha mãe! Buraco de nariz... Hoje fico imaginando, como é feio um buraco de nariz! Já encontrei narizes até bonitos, mas buraco de nariz, isso nunca! Principalmente os da minha mãe. A cada grito os buracos de seu nariz latejavam ficando ainda maiores. Meu coração acelerava e eu, quieto, apenas tentava encontrar os seus olhos... Cum brutis non est luctandum.(2) **** “beijo a mão do medo de ir para o inferno.” Todas as tardes o padre Nicolau dava uma passadinha lá em casa. Rapidamente mamãe deixava seus afazeres para recebê-lo. “Menino vem cá!” Lá ia eu beijar a mão do padre, não sem antes passar no banheiro e lavar minha boca e mãos sujas... Sinite parvulos venire ad me.(3) Padre Nicolau já era velho. Cabelos brancos. Mãos trêmulas. Beijar a mão do padre. Trêmula. Todos os dias. Toda santa vez que passava pela minha casa, lá ia eu beijar a sua mão. Se acaso o visse passar pelo outro lado da rua, mamãe gritava para eu ir lá correndo beijar-lhe a mão. - A bença, padre! Naquela sala, beijava-lhe a mão e tinha que ficar sentadinho ouvindo a conversa dos dois. Invariavelmente o assunto era eu. - Seu padre, meu menino quer ser coroinha e eu aprovo a vontade dele. O padre olhava pra mim e só meneava com a cabeça, “sim, sim...” - Depois de coroinha ele vai ser um acólito, se Deus quiser. E Ele quer! E depois... Ah, seu padre ele vai ser o melhor coroinha que o senhor já viu! Educado este menino. Imagina ele de túnica vermelha com sobrepeliz branca? Acólito, o que é isso? Sobrepe... o quê? Não podia fazer perguntas. Sentado ali, só olhava para o relho pendurado na parede e a correia já bem gasta na máquina Vigorelli... **** “o perdão de meus pecados passados e futuros.” Tinha medo de desobedecer minha mãe, mas o que eu menos queria 79 era ser um coroinha. Sei lá, até que podia ter suas vantagens, além de usar aquelas roupas bonitas, com certeza eu ganharia um par de sapatos. Claro, meu primeiro par de sapatos! Afinal, coroinha de chinelos não ficaria bem... Ia à igreja, assistia toda a missa. Tudo era fascinante. Olhava aquela cruz e nela podia ver Jesus crucificado. Por que ainda estava ali? Ouvi certa feita o padre dizer que Jesus morreu na cruz para o perdão dos nossos pecados e depois de três dias ressuscitou. Perguntei a minha mãe o que queria dizer “ressuscitou”. Brandamente, como raramente a mim se dirigia, ela me explicou. - Menino, Jesus venceu a morte, no terceiro dia Ele ressuscitou, reviveu. Isto, reviveu é a expressão certa para você entender. Então, se reviveu, pensei comigo, por que ainda está pendurado? Não tive coragem de fazer-lhe esta pergunta... Nas missas eu ficava olhando os coroinhas, segundo minha mãe, eles estavam fazendo as vezes dos anjos. Ser coroinha era adentrar o céu ainda aqui na terra, dizia ela. Olhava ao redor e podia notar as menininhas e seus olhares servis aos coroinhas. Percebia quando se cutucavam e sussurravam acerca dos anjinhos terrestres. Naquele momento a vontade de realizar o desejo de minha mãe ficava quase incontrolável. Aquelas menininhas olhando pra mim, isso sim, seria o céu aqui na terra! Eita, mãe eu ainda serei um coroinha! Fiat voluntas tua!(4) Ao findar a missa, minha mãe ia até o padre beijar-lhe a mão. Quantas vezes me fiz de esquecido e fiquei estrategicamente para trás, sentado no banco. Mas de longe ela me fulminava com o seu olhar e eu saía correndo ao encontro da mão do padre, para evitar um encontro com o buraco do nariz de minha mãe. **** “a garantia de salvação quando o padre passa na rua” Aquele dia foi especialmente infeliz na minha vida. Vi o padre Nicolau passar no outro lado da rua e, como de costume, corri para beijar-lhe a mão. Disse que estava com pressa e pediu para eu dar a notícia a minha mãe. Eu iria ser coroinha. Eu ficaria mais próximo do céu. Minha mãe não cabia em si. Sem notar, me pegou no colo e beijou minha face... Osculum pacis.(5) O beijo de minha mãe em minha face, este era verdadeiramente um milagre! O milagre de ser coroinha... Aquele beijo me incentivou, momentaneamente, a querer ser o melhor coroinha de toda a existência daquela paróquia. Minhas tarefas não eram complicadas. Levar a bacia para o padre 80 Nicolau lavar as suas mãos trêmulas e tocar o sininho na hora da eucaristia. Ao lado da cadeira do padre ficava eu atrás do altar observando tudo o que acontecia na nave da igreja. Meus olhos percorriam todos os lados até encontrar aquelas menininhas. Ah, aquelas joiazinhas! Olhando para mim como quem olha para um anel na vitrine! Eu podia sentir seus suspiros. Eu até que não era de se jogar fora. Estava me sentindo o máximo. No céu! Não podia me desligar da missa, mas aquelas anjinhas com aqueles cachos me faziam viajar por toda a igreja. Além daqueles cachinhos, meus olhos procuravam fitar timidamente as suas perninhas. Spiritus promptus est, caro infirma...(6) A viagem só terminava ao olhar para minha mãe fuzilando-me com os olhos. Aquele olhar resgatava-me do inferno me acudindo de pensamento tão pecaminoso! Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.(7) **** “e meu destino passa com ele, negro, sinistro, irretratável. se eu não beijar a sua mão.” Naquele domingo eu pulei da cama num estalo. Hei, mas o padre Nicolau não tem esposa! Os padres não têm mulher! Ah, eu não quero ser padre, eu não quero este destino para mim! Admiro muito o padre Nicolau, mas eu não quero ser padre! O padre Nicolau me escalara para ficar ao seu lado para segurar a bandeja na hora da comunhão. Devia segurar a bandeja enquanto ele distribuía a hóstia santa... Não teria muito tempo para ficar olhando para as menininhas. Para suas perninhas... Será que o padre, ou Jesus, havia me feito aquilo como de castigo? Ou seria para me livrar do inferno? Ficava observando cada um dos fiéis colocarem a língua para fora para receber a hóstia santa. - Corpo de Cristo, dizia o padre. - Amém! Inclusive minha mãe, toda orgulhosa, fechava os olhos e colocava a língua pra fora e recebia cerimonialmente a hóstia. Língua que jamais me dissera uma palavra de carinho. Língua, que na ira, borrifava palavrões em meio às cusparadas... De ore tuo te judico.(8) Ali estava ela recebendo o corpo de Cristo da mão trêmula do padre. A mão que beijávamos. A mão que, mesmo trêmula, era um cartão postal para o Paraíso... Medo do inferno... Vontade de ir para o céu... Mors ultima ratio.(9) Saí dali me perguntando: tenho vontade de ir par o céu ou mais medo de ir para o inferno? E minha mãe? E todas aquelas pessoas com a língua de 81 fora? O que haviam feito com suas línguas antes de receberem nelas a hóstia das mãos trêmulas do padre Nicolau? Nunca quis ser coroinha mesmo... Multi sunt vocati, pauci vero electi.(10) A partir daquele domingo perdi totalmente a pouca vontade que ainda tinha de ser coroinha. De ir à igreja. Nem mesmo as menininhas me animavam ir à missa. Comecei a ter problemas intestinais aos domingos... Minha mãe ficava preocupada. No primeiro domingo me deu um remédio e foi para missa, no segundo domingo, ficou meio desconfiada... Omnis homo mendax!(11) Na segunda-feira à tardinha o padre Nicolau veio nos visitar. Tranqueime no quarto, não queria beijar-lhe a mão. Não era digno de beijar a mão do padre. Mãos santas. Trêmulas, mas santas... Minha mãe batia na porta desesperada. Abre menino! Vem beijar a mão do padre, menino! De dentro do quarto eu podia ouvir sua respiração ofegante. Aquela missa mexeu com a minha cabeça. Ao tirar a bacia de água das minhas mãos e passar o sininho para outro coroinha tocar, o padre Nicolau expôs-me a algo que nunca tinha percebido. Sei lá, se foi mesmo o padre ou se foi o próprio Jesus, para não me deixar ficar olhando para as pernas das menininhas... Mas o fato é que vi, naquela missa, algo bem pior que belas perninhas: vi línguas! Vi a língua do seu Alfredo, que se refestelava naquele bigode grande e despenteado enquanto atendia os fregueses no balcão de sua mercearia. Vi a língua da Verônica, a qual eu gostava de ficar espiando a noitinha pela janela do meu quanto, enquanto ela e seu namorado se despediam com beijos de língua, escondidos no escuro da sombra de uma árvore. No domingo, lá estavam eles com a língua de fora... Felix Culpa!(12) Estava decidido não seria mais um coroinha! Enfrentaria o buraco do nariz de minha mãe, olharia como nunca seus olhos assustados e ouviria sair de sua boca, por aquela língua, na qual o padre depositava algo tão sagrado, os maiores impropérios e palavrões enquanto o relho esvoaçante descansaria nas minhas costas. Argumentum baculinum!(1) Mas uma coisa era certa: Enfrentaria minha mãe. Enfrentaria o inferno. Escolheria as menininhas e suas perninhas. E, se necessário, desistiria do céu... In dubio libertas!(13) Escolheria, assim, o destino negro, sinistro, irretratável. Nunca mais beijaria a mão do padre... Fili, dimittuntur tibi peccata!(14) **** 82 - * “Nas tuas mãos” (em latim) - Excertos do poema O Padre Passa na Rua - Carlos Drummond de Andrade - Expressões em latim: (1) Argumento do porrete; (2) Não se deve lutar com os brutos; (3) Deixai vir a mim os pequeninos; (4) Seja feita a tua vontade; (5) Ósculo santo; (6) O espírito é pronto, a carne é fraca; (7) Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós; (8) Julgo-te pela tua boca; (9) Morte, razão final; (10) Muitos são chamados, porém, poucos escolhidos; (11) Todo homem é mentiroso; (12) Feliz culpa; (13) Na dúvida, liberdade; (14) Filho, os teus pecados te são perdoados. Servidor Público Estadual. Formado em Letras e Pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura. Pertence a Academia de Letras e Artes de Paranavaí. Participou da 1ª Coletânea Literária de Paranavaí com o conto “O Tato e o Laço de Fita”. Sua primeira vez em concursos foi no Varal Literário/FAFIPA em 1999 no qual foi premiado em conto e poesia. Participa do Femup desde 2000 sendo premiado algumas vezes em conto e poesia, além de música e declamação. 83 O Amolador de Facas Cristina de Abreu Niterói - RJ Fausto puxava o carrinho. Alinhava-o ao meio fio, paralelo à calçada, e apitava de novo para avisar de sua chegada. Enfiou o apito no bolso da camisa, ajeitou sua boina e esfregou as mãos uma na outra. Ali, naquele bairro, clientela não faltava. Aquela era a quinta rua em que parara naquele dia: Rua Elídia. Estava sendo um dia bom. Dois minutos parado e o pessoal já vinha aparecendo, trazendo algum utensílio à mão para afiar. Era público cativo. Contavam coisas para Fausto, enquanto ele trabalhava a peça e perguntava sobre qualquer assunto cotidiano: “E a escola dos pequenos? Seu pai melhorou de saúde? Conseguiu comprar o cachorrinho?”. Fausto era figura conhecida pelas adjacências. Naquela rua onde estava agora, havia uma casa muito antiga, velha, cinza, empoeirada. Do muro baixo se desprendiam cascas de reboco e havia um pequeno portão enferrujado, com uma das dobradiças um pouco danificada, que se prendia desalinhado com uma corrente e cadeado. A cobertura tinha telhas quebradas, e notava-se o acúmulo de galhos e folhas de uma árvore enorme que havia ao lado da casa. O telhado, como um todo, tinha um aspecto escuro. Será que aquelas telhas algum dia haviam sido vermelhas? As janelas da casa, de vidros foscos e imundos, estavam sempre fechadas. O jardim da entrada não era propriamente um jardim, mas um acumulado de capim alto em suas jardineiras, plantadas certamente pelos pássaros e pelo vento. Julgava Fausto, antes, que era uma casa abandonada. Mas naquele dia, tendo acabado de atender o último cliente da rua, e enquanto arrumava o carrinho para sair, percebeu que a porta da sala daquela casa de abriu, com um rangido pesado. Ele viu um homem carregando algo na mão. O homem se posicionou na varanda, trancou a porta da sala – todas as três trancas – testou se estava bem trancada, e em seguida dirigiu-se ao portão do muro, olhando para Fausto. Fausto ficou surpreso. Arriou o carrinho no chão, entendendo que o morador queria amolar algo. Teve que esperar o morador abrir aquele portãozinho empenado do muro baixo exterior. O morador saiu, fechou a corrente com cadeado e veio até ele. Era um homem na faixa dos trinta anos, de aspecto muito magro e pálido, de olheiras fundas. Seu cabelo era oleoso, de aspecto sujo e desgrenhado, com uma franja ajeitada para o lado com as mãos. Tinha penugens suadas, principalmente perto das orelhas, grudadas na pele do rosto. As sobrancelhas eram muito finas e ralas, e dentro das olheiras pulsavam dois olhos azuis muito 84 pequenos e sem brilho. Vestia uma blusa encardida branca de mangas compridas, embora fizesse calor naquele dia, e usava uma calça preta surrada. Nos pés, sapatos pretos por engraxar, cheios de vincos que hospedavam poeira. Fausto percebeu que o utensílio que trazia para seu serviço era um grande facão. O homem chegou perto de Fausto e falou com ele sem algum cumprimento: - Quanto cobra pra amolar este facão? - Cinco reais. O homem estendeu as mãos entregando-lhe a peça. Fausto pegou o facão na mão e sentiu o peso. Tinha excelente empunhadura. Era uma peça belíssima, mas ao mesmo tempo carregava algo de sinistra. No punho, que era de marfim, havia esculpidos adornos florais e anjos com caras estranhas, cujas mãozinhas apontavam para uma única figura central, na extremidade do punho - uma caveira. Fausto julgou haver certa semelhança com o proprietário. Afastou o pensamento. Na lâmina, a figura daquela caveira se repetia, em baixo relevo. Fausto sentiu um arrepio estranho. Começou a afiar o facão com muito cuidado e tentou puxar assunto, intrigado com aquele objeto admirável. - Facão muito raro. É bonito. O senhor é colecionador? - No. - Este facão é de onde? – continuou Fausto notando o sotaque hispânico do homem. O morador demorou a responder. Parecia cansado. Enfim, falando um português mal falado, soltou um suspiro e disse: - Es espanhol. Mi família era de lá. Houve um silêncio de alguns minutos e Fausto continuou tentando um diálogo. - Tem alguém de sua família aqui no Brasil? Ou moram todos lá? - Se murieron todos. - Sinto muito. O senhor mora sozinho nessa casa tão grande? - Si. Já acabo? Fausto, constrangido sem saber se ele se referia às suas perguntas ou ao serviço, apressou-se por terminar a amolação daquela peça. Entregou-a com cuidado ao homem. Ele lhe deu na mão um canivete muito bonito, com cabo de osso trabalhado. - Fique com ele como garantia. Eu no tenho dinero trocado agora. Quando eu encontrar com o senhor otra vez, le pago e o senhor me devolve o canivete. - Mas não é preciso... o senhor me paga depois. - Eu insisto. No lo despreze. Fausto assentiu com a cabeça e um sorriso. - Tudo bem. Qual é o seu nome? 85 - Lúcio. - Obrigado, Seu Lúcio. Às ordens. Passo sempre por aqui. “Que figura estranha”, pensou Fausto. Ele observou Lúcio voltar para sua residência, abrindo aquele cadeado que fechara tão cautelosamente sem nenhuma necessidade, pois estava ali ao lado, praticamente. Trancou novamente o cadeado, ao entrar. Andou até a varanda, subiu três pequenos degraus. Viu-o abrir as três trancas da porta da sala. Ao entrar, olhou para Fausto por prolongados segundos, estático, e adentrou, trancando a porta. Ficou imaginando por que o homem amolara o facão. Certamente não o utilizava na cozinha – aquele facão não era do tipo culinário. E ele não parecia do tipo aventureiro, que fosse fazer alguma caminhada ou desbravar alguma mata. Se era uma peça decorativa, para que amolar? Estava com um sentimento estranho. Durante esse pensamento, percebeu que estava segurando o canivete com muita força. Estava tenso. Não entendia o porquê - não havia motivo. Abriu a mão e o canivete descansava equilibrado na palma, que estava vermelha com a pressão. Ficou marcada com a bordadura dos adornos. Observou novamente o cabo de osso. Os adornos eram, ele percebeu, muito bem trabalhados para um cabo de osso. Olhou do outro lado do cabo. Havia novamente a figura da caveira tal qual esculpida no facão. Colocou seus óculos de leitura para poder observar melhor os detalhes. Liberou a lâmina e viu que estava impecável. Fechou-a. Olhou de novo para a casa cinza, tirando os óculos. Guardou o canivete na gaveta de seu carrinho, e preparou-se para ir embora. ::::: Dois meses depois, já era época de Fausto repetir o circuito naquelas adjacências, e chegou novamente à Rua Elídia. Era sábado. A primeira coisa que fez foi olhar para a casa cinza. Ficou observando-a por alguns minutos. Era uma casa morta. Não havia vida ali, a não ser a do mato que preenchia as jardineiras do quintal e brotava inclusive entre as rachaduras do cimento. Olhando para a janela principal da casa, pegou seu apito e o soprou, anunciando-se para a clientela. Achou ter visto um vulto na janela. Mas o vulto passou rápido. Não teve certeza de tê-lo visto. Os clientes começaram a aparecer. Quando chegou a Dona Fernanda, que era sempre quem sabia das coisas por ali, ele perguntou. - E essa casa, hein? Da outra vez conheci Seu Lúcio. Mas essa casa é estranha, né? - Minha Nossa Senhora! O Senhor não brinca comigo, seu Fausto! Seu Fausto parou de amolar a tesoura da Dona Fernanda e olhou para ela com 86 um sorriso, esperando algo como a conclusão de alguma piada. Ela também o fitava. Então ela continuou: - O senhor está é brincando comigo, né? Fausto desfez o sorriso. Entendeu que ela falava sério. Respondeu intrigado: - Não, de verdade, pois eu conheci ele na última vez que vim aqui! - Seu Fausto, por favor. Fico até arrepiada. Pare de brincar assim! - Dona Fernanda, agora eu fiquei preocupado. A senhora é que está brincando comigo? Eu conheci o Seu Lúcio, um rapaz magro, cabelo preto, uns 30 anos. Ele amolou um facão comigo. Nesse momento haviam chegado perto deles mais alguns clientes que se envolveram na conversa. Fausto e Dona Fernanda, assustados, tentavam entender o que podia ter havido. O outro vizinho esclareceu o porquê do susto de Dona Fernanda: - Seu Fausto, essa casa está fechada desde o assassinato dele! Contava-se que há mais de quarenta anos, a Rua Elídia recebera um estranho morador chamado Lúcio. Boatos apontavam que era foragido da polícia. Veio da Espanha, segundo diziam. Tinha uma vida de hábitos noturnos. Às vezes chegava com uma moça qualquer em sua casa. Depois se soube que ele fugira da Espanha porque havia matado toda sua família. Certo dia, menos de um ano depois da chegada daquele morador, alguém invadiu sua casa para fazer vingança. Lúcio foi encontrado morto no chão da cozinha, degolado. - Seu Fausto, o senhor viu mesmo esse Lúcio? Será que não era alguém brincando com o senhor? Dizem que ele aparece quando alguém vai ser morto! Por favor, seu Fausto, nem brinque com isso! Após todos os relatos, Fausto estava pálido e suando. Ele tremia. Não tinha condição de amolar mais nada. Não sabia o quanto daquilo era apenas lenda. Não sabia se era alguma troça com ele. Abriu a gavetinha de acessórios de seu carrinho e pegou de lá o canivete. Sentiu frio. Chegou-se para perto da mureta da casa cinza e atirou-o no quintal. Escutou o barulho da peça batendo no cimento. Saiu transtornado, com passos apressados, dando uma última olhada naquela casa e abaixando a cabeça, ajeitando a boina, balbuciando qualquer coisa. ::::: Fausto dormia em seu colchão e estava suando, imerso num pesadelo de cenas escuras, das quais não conseguia se lembrar ao abrir os olhos de madrugada. Foi até a cozinha e serviu-se de um copo água. Sentado à mesa, observou as gotículas que se formavam no copo, e passou a ponta do dedo indicador, com delicadeza, na superfície de vidro para fazer algum desenho indefinido. Estava com pensamento fixo na casa cinza, no facão de Lúcio, no que os vizinhos falaram. Deve ter sido esse o pesadelo, mas ele não conseguia se lembrar. 87 Passou as mãos na cabeça e olhou para o copo. Viu no vidro o desenho de uma caveira. Ele segurou o copo e passou o polegar rapidamente, com gestos largos, para apagar aquelas marcas nas gotículas do copo gelado. - Foi só impressão. – disse para si mesmo. Mas seu coração estava alterado, acelerado. Ele estava com um arrependimento muito grande, associado a um pavor, por ter jogado o canivete no quintal. Sentia sua cabeça latejando. Sentiu que ouvia o barulho do sangue pulsando por dentro de seu cérebro. Bebeu o resto da água do copo num gole grande. Olhou mais uma vez para o copo. Um copo normal. Não havia nada de estranho, só seus pensamentos. Deixou o copo sobre a mesa e se levantou. E o canivete no quintal? Aquilo estava errado. O canivete jogado no quintal... Ele foi até a janela olhar o tempo. Não estava chovendo. Mas havia o sereno. Iria estragar aquele canivete. “Ele disse que ia me encontrar de novo.” – pensava. “Quando eu encontrar com o senhor outra vez...” Deitou-se na cama e tentava racionalizar as coisas. Pode ser um novo morador, simplesmente. Eles podem não ter percebido que a casa fora ocupada de novo. Mas por que um espanhol? Coincidência? Talvez fosse um descendente, um herdeiro. Ele poderia estar aqui para resolver questões sobre a venda do imóvel. “Será que ele me viu jogar o canivete no quintal?” ::::: Alguns dias haviam se passado e Fausto não estava tendo noites tranquilas de sono. Havia pesadelos dos quais não conseguia se lembrar, onde havia escuridão e penumbra. Havia angústia crescente. Havia um pensamento fixo em Lúcio. No facão amolado. No cabo do facão. Nos detalhes da lâmina do facão. No canivete atirado ao quintal, ao relento. No momento do encontro. – “E meu canivete?” – ele diria. Havia um pressentimento ruim em relação àquilo tudo. Estava ficando com ojeriza à Rua Elídia. Estava ficando irracional em relação a isso. No fim de um dia de trabalho, Fausto estava naquelas redondezas. Rumaria para sua casa - já havia anoitecido. Mas ele decidiu passar pela Rua Elídia. ::::: Arriou o carrinho como sempre fazia, alinhado ao meio fio. Seus movimentos eram cautelosos, como se não quisesse que ninguém o ouvisse. - Por que estou me comportando assim? Qual o problema se alguém perceber que estou aqui? – falava pra dentro de si. Susurros. Suor. À noite, a casa cinza parecia, ainda mais, uma casa abandonada. Não havia iluminação, não parecia haver nada lá dentro. Fausto se aproximou do muro 88 baixo. Antes de encostar suas mãos nele, olhou para a janela da casa novamente. Agora havia uma tênue luz. E percebeu, só naquele momento, que a porta principal estava aberta. Estranhou que estivesse aberta, dada a fixação que Lúcio parecia ter demonstrado em trancar tudo. Então olhou para o portão do muro e notou que não havia cadeado. Voltou sua atenção para o quintal. Pegou uma lanterna de bolso e apontou-a para o chão, tentando encontrar o canivete. A luz da lanterna estava fraca, mas naquele pedaço do quintal não havia muito mato. Encontrou facilmente aquele cabo de osso, adormecido e abandonado, aguardando há dias por um resgate. Fausto dirigiu-se vagarosamente até o portão pequeno e deu um passo para dentro. Dirigiu-se sem ruídos para onde estava o canivete. Recolheu-o do chão. A peça estava muito fria. Parecia ser toda de metal - estava gelada. Ele apertou o canivete com força dentro da palma da mão direita e sentiu um certo conforto. Havia fechado os olhos. Sacudiu a cabeça e os abriu. Voltou-se para a casa cinza e deu passos silenciosos em direção a ela. Subiu os três degraus ante a porta aberta. Colocou o canivete no bolso e entrou. A sala estava envolvida em uma atmosfera amarelada da luz de uma vela no aparador. Era uma iluminação insuficiente, fraca. Muitos cantos estavam obscuros. Havia um cheiro de mofo no ambiente, misturado ao cheiro de fumaça e cera e a um cheiro metalizado e cítrico que Fausto não soube reconhecer. Fausto aspirou profundamente. Parecia que aquilo era familiar. Estava absorto. Viu um quadro na parede. Uma foto de família, trajes da década de sessenta. Costeletas. Bigodes. Franjas. Quadriculados. Crianças sorridentes. A vela se apaga. Fausto se vira em direção ao aparador onde estava a vela. “Foi o vento?” Pegou a lanterna em seu bolso e a apontou para a vela. Viu a fumaça se despedindo do pavio. Apontou a lanterna para o corredor, para o quadro, para a mesa. Algo brilhou. Aproximou-se da mesa e viu o conhecido facão repousando na madeira rústica, talhada. Pegou o canivete no bolso e o colocou ao lado do facão. Passou a mão sobre as duas peças, numa carícia de admiração. Olhou-as, atenciosamente - eram belas peças. Ele era um amolador de facas. Sabia apreciar peças de cutelaria. Sentia-se satisfeito em restituir o canivete. Voltou-se para apreciar o quadro mais de perto, para identificar se aquelas peças apareciam na foto. Colocou a lanterna na altura de seu rosto e aproximou-se da moldura. Observando a foto, viu, no segundo plano, uma parede. Começou a identificar algo... A luz da vela se acendeu e ele ouviu a voz de Lúcio, com seu sotaque espanhol. - Você gosta das facas. Ele se virou-se num pulo, assustado, apontando a lanterna para o vulto. Ele viu 89 os olhos fundos de Lúcio refletindo a luz. A luz da lanterna se apagou. Talvez a pilha fraca. A lanterna caiu de suas mãos, confusa por entre os dedos trêmulos. A sala era penumbra, mal iluminada pela vela. Lúcio pairava atrás da mesa. Estava lá o tempo todo? Fausto não sabia dizer. Fausto não sabia como agir. - De-desculpe, e-eu vim devolver o canivete. - Você gosta de facas, no es verdad? A luz da vela se apagou. ::::: Tempo se passou e os moradores estranharam e comentavam entre si sobre a visão de Fausto, contada naquele sábado em que os atendeu amolando facas e tesouras. Rapidamente a narrativa ganhou novos detalhes que não existiram na narrativa original de Fausto à Dona Fernanda. O fato é que o amolador de facas nunca mais foi visto. Sonia Cristina de Abreu Pestana, moradora de Niterói – RJ, casada, casal de filhos pequenos, 43 anos. Fez Comunicação Social da UFF, onde se formou em 1992. É publicitária e servidora pública. Trabalhou com Comunicação Social/Marketing no BANERJ, Banco Bozano Simonsen, na CNEN, foi Oficial da Marinha do Brasil e atualmente trabalha na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Decidiu começar a escrever contos e estórias em 2014. 90 BESTIARII Antonio Neto Santa Maria de Jetibá - ES Pão e circo. É isso o que Roma oferece para os seus pobres. Pão para o estômago faminto. Circo para as almas vazias. Andar pelas ruas da cidade é o que fazem milhares de molambos humanos. Aprígio é só mais um . Seu corpo come o pão. Seu espírito esvazia-se no circo. No circo ele aprendeu que a vida vale um polegar apontando para cima ou para baixo. Nem abdomens abertos, nem cabeças decapitadas, nem corpos mutilados ou um oceano de sangue conseguem sensibilizá-lo mais. A primeira morte foi difícil segurar no peito. As dezenas de outras, não o incomodam nem um pouco. Não quer ser gladiador porque teme a inteligência humana. O gladiador experiente luta com a mente, não com os músculos, como a multidão acredita. Ele ainda é muito jovem para ser um gladiador. Seria morto nas primeiras lutas. Por isso prefere ser um bestiarii. Os animais pensam com os músculos, por isso é tão fácil matá-los. Apesar de ser filho da miséria, Aprígio é alto e muito forte. A primeira coisa que aprendeu na vida foi mendigar. Na infância, pediu esmolas incansavelmente, seu estômago parecia ser maior do que uma arena. Quando atingiu a puberdade, ele foi convidado a deixar a mendicância. Começou a passar as noites nas residências de mulheres e homens solitários. Ganhou roupas, boa e farta comida. Mas as extravagâncias noturnas dessas mulheres e homens o assustavam. Eles eram mais feras do que as bestas das arenas. De manhã, mesmo entorpecido pelo vinho, sentia náuseas ao lembrar-se do que fizera. Sentia-se um pano sujo toda manhã, quando tinha que sair pela porta dos fundos, antes que o sol raiasse. Ele sempre chora quando o sol encontra a sua face. Antes chorava porque tinha fome, agora chora porque conhece outra fome. Uma fome de ser alguém. Ter pai, mãe, irmãos. Quem era a sua mãe? Uma das muitas que fugiram com um desconhecido. E o seu pai? Um dos muitos que se esqueceram de ir buscar os filhos na Praça do Mercado. Por dez dias e dez noites ele esperara o pai ir buscá-lo. Ele vira as mães abandonarem os seus recém-nascidos na calada da noite. Vira homens rasgarem a roupa de mulheres que dormiam na praça e usá-las de um modo que ele não entendia. Por dez dias longos e dez noites intermináveis ele chorou, mas ninguém o ouviu. Comeu os restos que caíam no chão. Ninguém percebeu. Fez suas necessidades em público, apenas 91 se desviaram da sua presença incômoda. O frio o aconchegou. O medo o envolveu com suas mãos tenebrosas. Fugiu dali, antes que algo pior acontecesse. Agora, ele não sabe qual é a sua idade. Dezesseis? Dezoito? Quem sabe? O circo está cheio, a plateia grita. O sangue tinge a arena. Um leão da Núbia já estraçalhara um bestiarii. Gritos! Aplausos! O sangue humano embriaga mais a alma do povo do que o vinho! Homens aplaudem, mulheres gritam em êxtase. Roma inunda-se na histeria. O leão arranca um braço do cadáver e os uivos humanos atingem o céu! A fera arrasta os restos daquele corpo que já esteve de pé, falou, cantou, dançou, sonhou... Quem sabe até amou? Amar: o que seria isso? Aprígio repete: - Amor! Prepara-se. Hoje enfrentará um tigre. Ele prefere enfrentar leões, ursos e tigres do que as bestas humanas que superlotam a cidade dos Césares. Dentro da arena, perto das feras, ele se sente mais seguro. As ruas de Roma é que são perigosas. Elas roubam a chama que as pessoas trazem dentro de si. As pessoas ficam escuras por dentro. Na face, os olhos desaparecem. Ficam apenas dois buracos profundos. Mais um dia no circo. Mais um tigre para matar. Ele entra na arena, avança. A lança em riste. O escudo bem posicionado. A multidão delira! Quem será que ela quer ver morto: o bestiarii ou o tigre? Acima de tudo, impassível, o azul do firmamento e o deus-sol. Deus Sol Invictus! A fera também avança. A multidão se cala. O bestiarii olha para o céu. A turba acompanha-o. O que esse jovem vê no céu? O tigre prepara-se para o salto. Aprígio deixa o escudo cair. A multidão mergulha num silêncio que grita. A lança no chão. O circo todo está perplexo. Aprígio, olhar fixo no céu, sorri. O imperador levanta-se. Roma o acompanha. Os deuses romanos abandonam o seu ócio para ver o que se passa na Terra. Aprígio sorri. E se existir um lugar além da vida? A morada dos deuses ou o Paraíso dos hebreus? Ele já ouvira, na Praça do Mercado, um velho hebreu falando de um “Reino”. O ancião falara num Latim quase incompreensível, mas ele entendera a parte do “Reino”. - Apolo, meu pai! O tigre salta. Se quiser, ele apanhará a lança e acertará o coração do grande felino. Se 92 quiser, ele se esquivará e o golpeará por trás. Se ele quiser... Mas o céu é azul. Talvez esse azul seja a porta da Morada dos Deuses ou do “Reino” dos hebreus. Em Roma todos os povos falam de um lugar para se viver depois dessa vida. Ele já ouvira tantas versões da mesma história... O hálito da fera é quente. As suas presas, de perto, são bem mais pontiagudas... Se ele quiser, ainda poderá se esquivar. É o melhor bestiarii de todo o Império! Só basta ele querer viver. Continuar enchendo o estômago. Continuar respirando. Dormindo e acordando. Deitando-se com mulheres desconhecidas para aliviar a pressão dos testículos. Lavando o corpo para retirar o pó e o suor. Isso é viver! Aprígio, Roma quer que você viva! Aprígio, a multidão grita o seu nome! Ela quer que você viva e a fera morra! Aprígio! Aprígio! Aprígio! A multidão sabe o seu nome! O Imperador grita o seu nome para acordá-lo da sua paralisia. O tigre está suspenso no ar... Aprígio, você é forte! Não é bonito, mas o seu corpo é um monumento! Você venceu a fera da fome, comeu todo quanto é tipo de resto de comida. Comeu ratos mortos. Matou ratos vivos para comê-los. Comeu baratas! Elas até que são apetitosas! Lembra-se? Quando era criança, você comia centenas de baratas numa única noite. O seu corpo, nutrido pelo lixo de Roma, por centenas de ratos e incontáveis baratas, tornou-se colossal. E você ainda não tem nem vinte anos! Aprígio, não deixe Roma órfã de seu melhor bestiarii. Reaja, Aprígio! A fera está suspensa no ar. Congelada no tempo. Apolo parou o tempo para você abaixar-se, pegar a lança e cravar no coração do belo animal africano. Basta você querer! O golpe das patas quebra a clavícula e inúmeras costelas. Os dentes penetram na face, esfacelando os ossos do crânio, que se parte como um melão que fosse arremessado ao solo. Massa encefálica espalha-se pelo chão. As artérias partidas ejetam o líquido precioso, mantenedor da vida. As garras dilaceram a pele, desvendam o segredo do corpo humano: o fígado, o emaranhado dos intestinos, o estômago... Ah! O estômago que fez você sofrer tanto, Aprígio! Meu nome, Antonio da Silva Pereira Neto. Nasci em 11 de outubro de 1970, em Poá – SP. Vivi a vida dos proletários da periferia da Grande São Paulo: um horizonte muito limitado. A Literatura era a minha janela. Meus pais, Geraldo Silva Pereira e Maria das Graças Florentino Pereira, trabalhavam para sustentar os três filhos: eu, Noel e Elisabeth. Agarrei-me aos estudos como forma de superar as limitações impostas pelo ambiente sociocultural. Hoje estou casado com Zilda Maria Totola Pauli Pereira. 93 SOBRE O SANGUE Tanussi Cardoso Rio de Janeiro - RJ Eu tinha oito anos. Chovia. A imagem da mãe envelhecendo, olhos no chão, envergonhados, vergado o corpo no tempo, cresceu comigo, enraizara-se na pele. Aquele homem – o pai – na rua enorme e, nós, cinco irmãos e a mãe, abraçados em frente à casa. Não voltou mais. Desde então, a vida passou a ser a imagem da chuva nos cabelos da mãe. A mãe nunca permitiu nem porquês nem senões. Qualquer dúvida, cortava no ar a resposta. Bastava o silêncio de um gesto, o olhar perdido na janela, e entendíamos o clamor dos nãos, que a boca não ousava pronunciar. A mãe forte, na vida em que durou. Morreu aos sessenta. Nunca mais outro homem, nunca outra língua, nunca outro sexo, nunca mais amor. Nunca mais mulher. Agarrava-se aos filhos, às vezes sorriso nos cantos dos lábios; gargalhadas não mais permitidas. Uma vizinha ali, uma tia acolá, cada vez mais escassas as visitas. Mas foram os dias nas janelas que ficaram em minha memória. Ela, o rádio na Ave-Maria das seis da tarde, a calmaria barulhenta e íntima que não passava, a vista esquecida nos postes, nas moscas que brincavam na luz. Perdiase em si mesma, calada, atenta aos passos do vento, rezando por algo que nem ela mesma entendia. Dizia nada. Como se aguardasse o tigre, o cão, o anjo e seu bote. Toda casa olhava o mundo através daquelas retinas úmidas. Morreu aos sessenta, fisicamente. Na janela. Depois de tanta roupa lavada a pagar por nossas vidas. Antes, enterrara dois filhos. Restaram-me dois irmãos menores. 94 Aquele homem – o pai – não sumira de mim no tempo. Estava comigo, dormia comigo. Era sombra que teimava pra me sentir vivo. Como se pele, mãos, corpo. Encobria-me nos lençóis, mastigava minha comida, bebia meu vinho envenenado. Aquele homem – o pai – não sumira de mim no tempo. Mas não era um fantasma. Era quase minha alma, quando entrava nos sonhos sem rosto, olhos na nuca, meu destino, minha razão. Meu ódio. Lembrá-lo passou a ser uma maneira de me vingar do tédio e do tempo. Uma maneira de regurgitar prazer e nojo. Cresci com ele. A imagem retorcida nos passos sem volta pela rua. Cresci num adeus. Talvez por isso não consiga ficar, fincar raízes, construir família, amigos, casa. Tenho pés no vento, no ar que me leva sempre para algo não pronunciado, para uma palavra nunca dita. Sou uma fuga. Os dois irmãos se casaram, família, filhos. Só eu só. Refém. Poucas notícias, depois daquele vulto sumindo na rua. Soube que construíra nova família, outros filhos, numa cidade vizinha. Como perdoá-lo, depois da chuva nos cabelos da mãe? Como esquecê-lo, perdido? Agora, essa vontade de vingança que não sei bem onde explodira. Essa faca na mão – como explicá-la? Por que, depois de tanto tempo, a vontade de encontrá-lo? A vontade do confronto, do duelo? O desejo de abrir esse vulcão? Essa querença de vida e de morte? Nada me respondia. Nem o espanto. Nem a cegueira. Nem Deus nem o diabo. Era ele e eu – e um adeus no meio. Cheguei cedo à cidadezinha. Uma rua principal asfaltada, outras ruelas que se esgarçavam, em barro e lama. Pedi água num boteco. As mãos no bolso do paletó tremiam. O objeto cortante furava o pano e quase rasgava minha pele. Como voltar? Por que continuar? Por que razões a vida me escolhia para esse jogo de dados? Pensei que os poucos olhares da cidade imaginassem sobre minha chegada. Saberiam de tudo. Senti calafrios. Mas a voz da mãe na janela da casa, com os cabelos e o rosto molhados de chuva, perguntou: - O senhor conhece por aqui o Seu Malaquias? 95 A pergunta me soava como gelo no sol. Me sentia derreter, pequeno, arrependido, querendo voltar. Mas a vida não é uma luta de boxe. No boxe, pode soar o gongo antes da derrota. A vida é abismo sobre abismo. - Seu Malaquias? O enfermeiro? E quem não conhece aquele santo homem por aqui, meu Deus! Aqui na cidade é ele na terra e Cristo no céu! Aquele dali só sabe fazer o bem. Sai por aí, de casa em casa, a cuidar dos velhinhos e das crianças, cuida da saúde delas, dá remédio, até abriu uma creche para ensinar o povo a ler e a escrever... Seu Malaquias é mesmo um santo, seu moço!... Mas quem é que pergunta?! O suor de um vento frio me passou no rosto, as pernas tremeram. Pensei que fosse desmaiar. E agora?! Que merda eu tô fazendo aqui?! - Eu sou filho dele, disse, sem muita certeza. - Filho?! O senhor disse filho?! O moço é filho do Seu Malaquias? Meu Deus do Céu, que coisa boa! Me dê um abraço, moço! Filho dele é como se fosse meu filho também... Abraçou-me, realmente, emocionado. - Venha, vou lhe mostrar onde fica a casa dele. A casa amarela era simples, bem cuidada, com jardim e portão de madeira. Fiquei bom tempo parado, na calçada em frente. A faca no bolso, olhar vidrado à espreita. Um adeus no peito. Uma dor que vinha de imemoriais poeiras. Um velho surgiu na varanda, caminhando lento, arrastando chinelos. Era como se eu quisesse fugir da realidade, e ela me chegasse em sombras e espelhos. E nunca o sonho se fizesse tão real! Abriu o portão e dirigiu-se à rua. Calça listrada feito pijama. Camisa branca de botões. Pele morena. Caminhava devagar sob o peso dos ombros. O pai! Aos poucos, segui-o. Corpo em febre, olhos em fogo. Coração estilhaçado. O sangue nos dedos. Bati em seu ombro. 96 Todos os deuses dos anos perdidos, todos os santos dos tempos passados, todas as músicas não mais ouvidas, todos os latidos dos cães, todos os ventos bravios, todos os amores esquecidos, todas as vergonhas das virgens, todas as ruínas, todos os risos dos demônios, enfim, todas as dores ali se aplacaram. O corpo voltou-se vagarosamente. Fixou seus olhos nos meus. Não precisou um gesto a mais. - Adalberto, meu filho! Uma lágrima de mais de trinta anos rolou em meu rosto. Carioca, formado em Jornalismo e em Direito. Poeta, crítico, contista e letrista de MPB. 10 livros de poesias publicados. Recebeu inúmeros prêmios, nacionais e internacionais, e participa de dezenas de antologias, inclusive, no exterior. Representou o Brasil no México, por duas vezes, e no Peru, em encontros internacionais de poesia. Tem poemas publicados em diversos países, e traduzidos para outros idiomas. É membro do Pen Clube do Brasil e Presidente do Sind. Esc. RJ (SEERJ). 97 Metamorfose floral André Van Dal Paranavaí - PR Certa vez, como muitas outras vezes, eu estava pensativo e vagando sem direção fixa… De corpo quente, suado, cansado e quase morto, encontrei num local inesperado uma “coisa” mais inesperada ainda. Ali no meu quintal, um local tão próximo que ainda é inacreditável! Sempre passei por ali… Sempre o via e nunca percebia nada. Acho que agora percebi que o ato de ver se divide em dois: ver algo e nem notar que ele existe e ver algo e perceber a importância que aquilo tem pra você. Meu quintal não tinha muita coisa… Na verdade era todo bagunçado. Como a minha casa estava em construção, ele acabou virando o depósito de entulhos. Entretanto, em meio a tanto lixo jogado, um ramo de algo, que até então eu não sabia do que era, começou a brotar. Pena que só o via de maneira correta quando ele já estava crescido o suficiente para não precisar de mim… Deve ser lindo acompanhar o crescimento de perto de algo tão belo assim. Cheio de arrependimento, já que não acompanhei o seu nascer, decidi-me a fazer tudo o que estivesse em minha competência e até além para que ele não morresse e não fosse embora! Coloquei um pequeno cercadinho envolta dele e uma placa de “afastem-se” pra que ele tivesse espaço e ficasse seguro. Arrumei caçambas para retirar o entulho do quintal… Limpei e organizei todo o quintal com as minhas próprias mãos. Depois de tanto esforço para manter algo por perto que eu mal conhecia, ele começou a desabrochar numa flor… Senti-me como se esse fosse um presente pra mim, uma recompensa. Sim, me senti MUITO especial! (Você não se sentiria se uma flor desabrochasse pra você e por sua causa?) Egocentrismo meu ou não, isso me motivara ainda mais a continuar a cuidar daquela pequena florzinha. Ainda não era capaz de classificar aquele pequeno projeto de flor… Porém, a ponta exposta de suas pétalas era um tipo de vermelho-rosado e o seu caule engrossava cada vez que eu ia vê-la. Pensei que ela se sentisse muito sozinha por eu não estar ao seu lado o tempo todo… Tinha muitas coisas a fazer, mas, enquanto eu podia, eu estava mais próximo dela do que nunca. Então, peguei algumas sementes que eu tinha comigo e semeie pelo quintal a fim dela jamais se sentir só e sempre se lembrar de mim. As demais sementes, 98 germinaram e floresceram… Tornaram-se lindas flores e puderam embelezar ainda mais meu quintal medíocre. Ainda assim, o que mais me importava era a minha flor que não florescera nem assim. Gastei todo o meu tempo, até tempo que eu não tinha, para pensar em alguma maneira de fazê-la florescer… Testei todas as minhas estratégias e nada deu certo. Com o passar do tempo, acabei perdendo o gosto por fazê-la especial… De que adianta eu me dedicar tanto se ela não vai desabrochar nunca? Tempo perdido… Não há motivos para ficar. Assim, comprei passagens para qualquer lugar e me afastei… Eu podia fazer qualquer cosia e estar em qualquer lugar com qualquer pessoa, entretanto, eu ainda me lembrava da minha flor que ainda não tinha desabrochado. Que sentimento horrível achar que se fez todo o possível e depois desistir e, ainda assim, querer voltar por estar repleto de arrependimento e de saudade. Não demorou muito e eu voltei pra casa… A casa, em si, estava pronta do jeito que eu tinha planejado, porém, não era para isso que eu estava lá, não é? Atravessei tudo até chegar no meu quintal e quando cheguei lá, me assustei! Entrei em pânico e comecei a chorar… O local estava cheio de flores… Muitas flores… De vários tipos, tamanhos, cores e etc. Todavia, onde estava a minha preciosa flor? Voltei por causa dela… Larguei tudo o que me preencheu pra esquecê-la… Aí quando eu chego, ela nem mais estava lá. Como não queria mais nenhum arrependimento, com cuidado procurei dentre todas as flores a MINHA flor. Dias passavam, mas eu não conseguia sair dali sem achá-la… Mesmo que só os restos delas, eu queria ela de qualquer maneira de volta pra mim. Passaram-se um pouco mais de quatro dias, todavia, repleto de alegria, encontrei-a quase da maneira que eu a deixei. Em um primeiro momento, senti pena dela ter se desgastado… Porém, logo depois, me senti orgulhoso por ela ter conseguido seguir sua vida sem mim, sem que eu estivesse por perto. O tempo foi passando e eu compreendi a maneira que eu deveria tratá-la… Por mais que ela fosse muito especial pra mim, ela podia cuidar-se de si mesma e se eu pudesse, compartilhar um pouco da minha vida com ela (como ela já fazia me alegrando apenas por existir), teríamos o melhor um do outro. Desta forma, com muito esforço e ardor, ela começou a desabrochar! Ela acabou se tornando numa forma belíssima e exótica. Independentemente das visões alheias, a minha era bem clara: jamais tinha visto tamanhas características que pareciam ser feitas pra mim num corpo só! Pelas classificações que as outras pessoas fizeram, ela era uma rosa-do-deserto, 99 porém, pra mim, ela sempre seria e será a minha flor. A minha rosa de pétalas em degrade, de baixo pra cima, de branco ao róseo até o vermelho puro, com seu caule grosso, longo e resistente e repleta de folhas a decorar a sua volta. Um contraste que não consigo esquecer… A combinação parecia perfeita. Não via defeito algum naquela que eu tanto fiz tantas coisas boas e ruins e, mesmo assim, ela ainda estava ali pra mim. Ao mudar de estação, suas folhas começaram a mostrar buracos, ficar pela metade e algumas até sumirem. Eu não entendi aquilo! Será que ela estava morrendo e iria me deixar? Será que ela faria por mim o que um dia eu fiz por ela? Não queria mais me arrepender de nada! Portanto, fiquei ao lado dela sem retirar um segundo a minha visão. Nada encontrei… Decepcionante! Deixei alguns dias de vê-la, quando voltei a dúvida sumiu. Num de seus ramos, que pela aparência seria considerado morto, estava um grande casulo… Tão grande que quase encostava no chão. Percebi, naquele momento, que a minha flor tinha sacrificado suas folhas para que aquela larva, um dia, virasse uma borboleta linda. E assim se foram mais de meus dias… Eu cuidava do casulo e da minha flor para que ambos não fossem embora. De repente, depois de alguns dias numa de minhas visitas matinais para conferir o estado de quem estava aos meus cuidados, o casulo tinha se rompido! Eu não encontrava mais nenhum traço de existência da borboleta que nascera da minha flor… O ódio completou o meu coração oco! Como ela pode se alimentar da minha flor e sumir sem dar satisfação alguma? Não conseguia entender tamanha maldade! Desta maneira, quanto mais os dias se passavam, mais a minha flor perdia suas cores… Ela parecia tão cansada. Não tinha mais aquela vida e alegria que eu presava tanto. A tristeza começou a tomar conta de mim… Não queria que ela fosse embora. Jamais desejaria isso… Porém, se ela estava indo era direito dela ir, já que uma vez eu fui, mesmo voltando, eu já abandonei ela uma vez e dou essa liberdade a ela. Sem muita demora, a minha linda, exótica, perfeita, importantíssima, amavelmente bela flor acabou secando e morrendo. Creio que aquele foi o dia mais triste da minha vida! “Eu a amei tanto e ela me retribuiu de formas tão pequenas! A maioria delas devem ser coisa da minha cabeça… Ela nem deveria se importar comigo!”, disse a mim mesmo. E, logo depois, “Como pude pensar algo tão rude da minha flor? Perdoe-me minha flor. Deixarei você ir como você me deixou ir, porém, isso não significa que um dia eu te esquecerei”. Sem a minha flor no meu quintal, parei de visitá-lo. Tinha mil e um motivos para 100 lembrar dela… Eu sempre ficava triste. Queria tê-la pra mim… Pra sempre! Entretanto, ela tinha partido e eu ficado aqui. Pensei em partir também… Mas e as lembranças que eu tinha? As outras flores do meu quintal que eu não dava atenção? Jogaria tudo o que já tinha feito fora? Em memória a minha linda flor, passei a cuidar de todas as outras flores do meu quintal independentemente de suas características… Agora sim, o meu quintal já não era um quintal, ela era um jardim, um memorial! Passei a me entreter e me alegrar apenas em manter a memória da minha flor viva apenas cuidando do legado que ela me deixou. Depois de tudo isso, enfim, vi algo voar sobre meu jardim… Amedrontado por minhas flores que eu tanto cultivei, fui correndo até lá. Quando cheguei, dei-me de cara com uma gigantesca borboleta, a maior que eu já vi. Como num cair de ficha, percebi que aquela grande borboleta de asas em tons de roxo, era, nada menos, do que a borboleta que foi gerada a partir de MINHA flor. Aquela fúcsia borboleta era feita da minha flor! Então, a MINHA flor nunca tinha me deixado! Ela apenas mudou de forma… Ela sempre esteve por aí me procurando. E agora me encontrou!!! Felicidade plena numa imagem só. De novo, me arrependi dos meus pensamentos sobre minha linda flor que me deixou, como legado, meu lindo jardim e essa linda borboleta para que eu me lembre de todo o meu esforço que eu fiz não foi só por ela… Foi por mim, foi pelas outras, foi por nós. Hoje, o meu jardim é melhor do que qualquer outro… Não por ser bonito e repleto de vida, mas por me relembrar a MINHA flor! Do que ela me fez, do que eu fiz a ela e, principalmente, do que eu não quero mais fazer para ninguém… Seja a minha flor a qual preencheu-me de tudo que eu não achei necessário um dia, seja meu jardim fonte de cultivo para tudo aquilo que renderá frutos a qualquer pessoa, seja minha vida feita de arrependimentos, pedidos de desculpa e perdões. No dia 17 de setembro de 1996 André César da Costa Van Dal. Apoiado pela melhor família do mundo, aos 4 anos já imerge no mundo computacional. Aos 9, apaixona-se pelo racionalismo. Em 6 de março de 2013, numa quarta-feira, sem estar atento, se encanta pela inspiração de seus pensamentos, apaixona-se por aquela sublime sensação. Desde então, desenvolve uma íntima relação com suas palavras e escreve compulsoriamente. Hoje, cursa Ciência da Computação na UEM e mantém seu blog Lenyeg.me. 101 Azarinho e o Caga-fogo Renato Benvindo Frata Paranavaí - PR Envolvido por inteiro na viagem da imaginação enquanto seus dedos martelavam as teclas do computador, o menino disputava um jogo de ninjas e monstros que se digladiavam. A cada vida que ganhava na batalha, os ninjas ficavam fortes e acumulavam pontos sobre os monstros que ressuscitavam compondo outras dificuldades, para depois receberem saraivadas de golpes marciais e jatos esponjosos que os deixavam molengas, sendo abatidos de vez por explosões. O avô se aproximou, olhou esticando o pescoço, passou a mão num afago e falou: - Diferença do meu tempo, nessa hora estaria na rua, e não enfiado em casa perdendo a cor em frente a essa máquina de loucos... Largue isso, menino... E vá brincar de verdade... - Vô, - respondeu sem deixar que os dedos parassem de computar vidas - é que no seu tempo não tinha os brinquedos de agora... - Pode ser, mas a gente tomava sol, suava, furava os pés nas pedras, trepava em árvores, caía delas, vivia ralado dos tombos... A considerar como você brinca, meu tempo era mais agitado. Ah, se era! Quando o vejo entalado a essa cadeira, nem sei o que pensar. É perda de tempo, menino. - Mas não posso sair; a mamãe não deixa... - O que fazer? – Resmungou, sem saber a resposta. A conversa passou, o jornal foi dobrado e repousava do lado, até que o neto gritou: - Ah-ah! Cambada, peguei vocês... – E se virando: - Quer comparar meu jogo com os seus? Quer? – Insultou. – Fiz mais de trinta mil pontos. Quantos ganhou subindo em árvores? - Desse jogo nada sei, você é imbatível, mas garanto que nunca viu um caga-fogo. - Caga-fogo? – Tapou a boca com a mão em concha. - É nome feio? Ah, se a mamãe sabe que a gente está falando isso, vai ficar muito das brabas... - Não é feio, não. Quando souber de que se trata verá que é muito bonito e interessante. - Mas péra aí, o que tem ele de importante? - O caga-fogo nada, mas o Azarinho tem. - É história do seu tempo? - Azarinho existiu sim, sofreu muito, mas deu a volta por cima... - Então conta, antes de iniciar a outra fase. – E se ajeitou no sofá. - Foi assim: A cidade era pequena, com apenas uma venda, dois ou três 102 botecos, o posto de gasolina para os caminhões da usina, a igreja, a escola de madeira, o campinho de futebol, o casario das pessoas. Ali quase todos trabalhavam na usina e eram pessoas rudes, de gestos grosseiros, sem educação esmerada. - Faz tempo? - Tinha o seu tamanho, mas me lembro bem. Não havia esse trânsito de agora que impede as crianças de brincar na rua, os caminhões eram poucos e passavam devagar, gemendo com o peso da cana. As pessoas andavam a pé, a cavalo ou com carroças, e as ruas eram extensão dos quintais, tínhamos liberdade de nadar no ribeirão, soltar pipa no campinho e até de surrupiar frutas. Uma Delícia. Só não era bom quando chegava o boletim escolar e aí a seriema cantava... Vinham puxões de orelha e promessa de castigo se as notas não subissem... - Ah! Ah! Ah! Você era safado na escola? - Ajeitou-se no sofá se agarrando às suas pernas e o acompanhava na narrativa complementada de gestos, e à medida que contava desenhava com as mãos a história. - Pois bem, um dia quando o sol mal nascia o dono do posto de combustível foi abastecer um caminhão e estranhou um embrulho largado no pé da bomba. Ao agachar para se certificar, algo nele se mexeu e gemeu. Parecia um gatinho procurando as tetas da mãe. Seu Raul desfolhou a ponta do pano e se arrepiou por inteiro. - Puta que pariu! – Gritou assustado. - Não era um gato, mas uma criança que gemia e tremia de frio, coitada. - Ela foi esquecida? - Abandonada. Não se sabe se por maldade ou doidura. Então seu Raul pegou o embrulho com cuidado, escarafunchou um pouco os panos e... – Valha me Deus, não acredito nisso! – expressou quase a jogando para cima. - Ele teve medo do bebê? - Virgem Santa, o que tenho nas mãos? E se arrepiou dos pés à cabeça qual ouriço raivoso... - Por que do medo, vô? - O susto foi tão grande porque não esperava encontrar àquela hora um bebê em seu posto de gasolina. - Ô loco! E o pai dela não apareceu? – Indagou curioso. - Acho que não tinha pai, nem irmãos. Aí a notícia invadiu a cidade na velocidade do vento provocando foi um corre-corre danado, e em minutos juntou um mundaréu de gente para ver. Homens com ferramentas que se desviaram do trabalho; mulheres com trouxas de roupas que não foram à mina; moçoilas arrumadas para a escola, crianças remelentas de chupeta na boca, cachorros sarnentos e gatos chorões, todos curiosos com a novidade. 103 - Você foi ver a confusão, vô? - Não, eu dormia. E o pior é que cada qual que ali chegava, indagava de onde saíra a criatura. - Quem viu, quem não viu? Como foi? De onde veio? De quem é? - E o seu Raul ali com o embrulho nas mãos, a mostrá-lo como um troféu. - Eles também ficaram com medo? - Receosos. Isso deve ser filho do Cão – disse um. – Outro opinou: - É extraterrestre, é algum marciano que se perdeu. Já vi na revista que são assim... – Essa criança é muito feia para ser gente – disse outro. – Olhe só o tamanho da cabeça dela, parece uma bola! Nenhuma criança tem cabeça de bola... - Mas – continuou - antes que alguma coisa de ruim acontecesse, umas mulheres se juntaram, tomaram o embrulho e o desembrulharam: - É só um menino, gente, nunca viram um? Tá certo que não é uma belezura, mas é só um menino... - Feio desse jeito, não. Parece até filhote de cruz credo! - Respondeu alguém. - Que confusão, meu! - Infelizmente foi uma demonstração de bobagens, porque a criança era diferente da maioria dos bebês que são lindinhos, cheirosinhos. Só depois é que o povaréu se acalmou e tomou o rumo da vida, e nesse vai-que-vai, vemque-vem cada qual inventou uma história sobre o aparecimento ali no posto, coisas que o povo atrasado diz do que não conhece. - Aí lhe puseram o nome de Caga-fogo? - Não. O Padre o chamou Batista, mas sabe de uma coisa? Podia ter escolhido o mais bonito dos nomes que mesmo assim não pegaria. - Que Batista o quê, é Azarinho! – E quando viam o menino, falavam: - Lá vai o azarado! – Cai fora, caipora! – Xite coisa feia! - Chimba, cara de cachimba! – Coisas burras que nunca se deve dizer de alguém, porque são preconceituosas. Para o povo ficou sendo Azarinho, um diminutivo de azarão, eu acho. - O apelido dele, né vô? - A isso se dá o nome de bulliyng, que é a exposição de pessoas ao ridículo, repetidas vezes, tudo besteira. - Por que faziam isso? - Por ignorância. Não se atinaram que a deformidade do menino vinha de malformação dos ossos, e que pode acontecer com qualquer pessoa. - Mas ele era tão feio mesmo? Não tô acreditando... - Escute, o bonito e o feio não existem. O que pode ser bonito para mim, poderá ser feio para você. Não vê os monstros do seu jogo como são horripilantes? No entanto você lida naturalmente com eles, não é? Assim é que 104 aprendemos, mas que infelizmente com o passar do tempo criamos conceitos e pré-conceitos. Feio e bonito são frutos de sugestões das nossas cabeças. O moleque foi tido como horrendo porque tinha uma cabeçorra redonda como uma bola de basquete, com três cores de cabelo: um chumaço preto que tomava quase a metade, outro ruivo que descia do cocuruto até o pé do pescoço e outro loirinho que completava o lado esquerdo da cabeça. Fosse hoje seria chamado Punk. - Então era até engraçado... - Pensando assim era, e em vez de falar mamã, papá, essas coisas; falava cantando numa língua que ninguém compreendia; nem o padre, nem o fonoaudiólogo para onde foi levado. Era como se fosse uma língua estrangeira que ninguém sabia decifrar. Talvez um dialeto antigo, perdido no tempo, mais um motivo para ser evitado. Ninguém gostava dele. - Por isso era o caga-fogo? - Não, logo chego lá. O padre, sem saber o que fazer para dar ao menino uma vida digna e evitar que continuassem a zombaria, entregou-o a um casal a quem cedia seu pequeno sítio lá no cume de um morro, a um quilômetro dali. Eles aceitaram a incumbência até como retribuição ao favor pela cessão do sítio, e foi a maneira mais acertada, porque ali estaria protegido do falatório. Então, dividindo o tempo e as tarefas da roça, Azarinho foi crescendo... foi crescendo magro de um lado e gordo do outro, até virar um moleque que seria igual aos outros da mesma idade não fossem seus aleijões e a cabeça colorida. - Ele sabia brincar? - Claro! Brincava com formigas, mariposas, borboletas, galinhas, coelhos, cachorros, gatos, bezerros, animaizinhos que viviam no sítio, e se identificava, pois eles não tinham preconceito; aceitavam-no como era com seu canto de encantamento. - Legal... - E aí, certa manhã, depois do café, Azarinho se pôs loucamente a cantar. Não sabiam por que cantava mais alto que as outras vezes. E cantou, e cantou, e cantou a quase estourar a garganta uma melodia longa e triste, mas linda, naquela língua que ninguém entendia. - Ele ficou doido, João, assustou-se penalizada dona Maria com a cantoria. - Sabe Deus o que faz Maria, - respondeu - Ele sabe o que faz... - E o Azarinho sentado na soleira da porta não parava de cantar, até que dali a pouco quando ninguém esperava um bando de rolinhas sentou nuns arvoredos próximos, e todas passaram a arrulhar. Depois chegaram papagaios que grazinavam, corujas que crujavam, bem-te-vis que estridulavam, pardais 105 que pipilavam. E foi chegando passarinho e foi juntando passarinho ali perto, mais perto, ocupando a cozinha e a sala, até que dona Maria se assustou e disse: - Menino, que diabo de tanto passarinho você está chamando? Nunca vi coisa igual nessa minha vida, Virgem Maria! - O que ele respondeu? - Nada. Apenas sorriu e continuou cantando. Depois chegaram galinhas cacarejando, porcos grunhindo, cabritas berrando, bezerros mugindo, coelhos guinchando varando ou pulando a cerca; gatos miando em compasso, cachorros uivando e até um carcará crocitando baixou do céu com as asonas abertas no maior espetáculo de lindeza, encantados com o canto do menino; e foi nesse momento que o Azarinho se levantou e sem parar de cantar, com gestos se pôs a organizar a cantoria dos animais, de acordo com a extensão vocal de cada espécie, os separando em grupos pela tessitura das vozes em tenores, contraltos e sopranos; incluindo outros com vozes intermédias de barítonos e mezzo-sopranos, com possibilidade de toques em falsetos, e até os filhotes com vozes de tenorinos e contraltinos ganharam espaço naquela sinfonia inusitada. E assim arrumados, cada qual do seu jeito e em posição definida, continuaram a cantar com ele, dirigindo ao céu as suas vozes em agradecimento à vida, à amizade, à compreensão, ao respeito e seguiram se expressando com notas de uma orquestra bem afinada num salão imenso, fazendo de conta que o terreiro do sítio era a mais esplendorosa catedral... - Nossa, vô, o que é isso de baríto? - Diz-se barítono, a voz aguda no canto lírico e no coral. A diferença entre as vozes é a capacidade da intensidade de cada uma. Por exemplo, a contralto alcança tons bem baixos, a mezzo-soprano é uma voz intermediária que alcança tons baixos e altos, mas não tão baixos quanto uma contralto e nem tão altos quanto uma soprano. Entendeu? E assim ele distribuiu os animais observando a intensidade de suas vozes. Os mais agudos ficaram como barítonos, os mais graves como sopranos, e assim por diante. - Esse Azarinho era fela, em vô? Como conseguiu fazer tudo isso sem parar de cantar? - Ele era muito inteligente. Pena que ninguém tenha se atinado para isso antes. - O que ele cantava? - Vá saber... Nunca se soube como ele conseguiu reunir os animais e separá-los pelas vozes com tanta facilidade, mas cantavam uma canção tão melodiosa, tão encantadora que enternecia a todos, até o jardim ficou florido de uma hora para outra como num passe de mágica. - Ô louco! - É, virou um tapete de flores com orquídeas, alpineas rosa, amarílis, 106 angélicas, antúrios, rosas, cravos, begônias, copos de leite e uma infinidade delas, plantadas no chão ou em vasos que se abriram em flor de uma só vez como nunca havia acontecido, e como nunca mais se repetiu. E um perfume intenso tomou conta do ambiente e se impregnou em todos. O vento que soprava manso se encarregou de espalhar o perfume pela redondeza e o quintal de dona Maria se transformou de tal forma que ela, meio atarantada e sem saber o que falar, agarrou-se nas mãos do seu João, ajoelhou-se e se pôs a rezar:- Virgem Maria Santa, eu lhe ofereço essa beleza de quintal pelo muito que a senhora tem feito por nós. Agradecida por nos ter dado o Batista, esse menino tão bom... - Era uma tarde calorenta, mas o menino em êxtase nem se importava, até que o sol se pôs e a noite caiu trazendo estrelas e uma lua linda no céu, combinando com os bichos cantores e com as flores abertas ao deleite do tempo. - Legal. – Agitou-se o menino. - E aí aconteceu o mais interessante e que ninguém poderia imaginar: enquanto cantavam e a noite chegava, o terreiro da casa em vez de escurecer com a noite foi ficando mais claro, mais claro, mais claro e um clarão de ofuscar a vista chamou a atenção do seu João e de dona Maria que ficaram perplexos, paralisados parecendo estátuas. – Não é possível -, disseram – isso não é normal, é surreal... - O que era, vô? - Olhem gente, caiu uma estrela no sítio do padre! Olhem, olhem, está no sítio, sim! Corram, vamos ver... - Alguém da cidadezinha gritou a plenos pulmões, e logo um tropel de gente se ouviu na estrada para assistir à maior resplandecência que reinava sobre o sítio e clareava a casa, o quintal e os arredores... - Virge nossa! Devia ser mesmo bonito de ver. - Pois não é que uma nuvem de caga-fogos chegou fascinada pela cantoria e ficou iluminando tudo num acende-apaga que não terminava? Piscava, piscava, piscava a chamar a atenção. - E o que é caga-fogo? É um pedaço de estrela? - Não, é vagalume. São animaizinhos que enfeitam o céu com luz fosforescente e encantam a vida de quem mora no campo. Uma nuvem com centenas, milhares deles, sei lá de insetos que chegou e ficou ali, grandões, barulhentos com suas asas e com seus faroletes ligados tingindo tudo com a luz amarela. - Iluminaram tudo mesmo? - Foi a coisa mais linda que jamais se viu. O sítio ficou um esplendor de aceso... Parecia um parque de diversões, ou melhor, um altar de igreja em noite 107 de Natal tão iluminado... Parecia que Deus havia projetado naquele canto de mundo sua luz espessa em um farol enorme, tão grande a beleza das luzes dos vagalumes acompanhando as canções do menino e dos bichos. - Como os caga-fogos fazem isso de iluminar? - Os órgãos que clareiam se chamam bioluminescentes e a luz é de luciferina, uma substância que se oxida e provoca luzes no tórax com luz esverdeada, e na bunda dele com luz amarelo-alaranjada, só ativada quando voa. Solta um facho de quase um metro de diâmetro – assim, ó. - Agora imagina uma nuvem de caga-fogos iluminando num só tempo um só lugar. Foi resplandecente, lindo! Muito lindo! - Tá legal! – E cá pra nós, o caga-fogo caga fogo mesmo? - Não, apenas emite luz e esse é o nome popular do pirilampo, mas vamos em frente: o Azarinho cantava, cantava e o sítio se encheu de bicho de tudo quanto era espécie, e os caga-fogos iluminando tudo em pisca-pisca, uma lindeza de olhar, até que pessoas começaram chegar e se enfiar curiosas entre os arames. - Que coisa linda, - seu João, - disseram. Isso é coisa de Deus? O Azarinho virou anjo? Ele fala com os santos? Ele faz milagres? Por que esses animais estão aí? E esses caga-fogos? - Nada disso! - Esta é a resposta que ele pode dar pelos absurdos que escuta. Batista é um menino especial que tem o dom de se comunicar com os animais, e esse encantamento que vocês presenciam é a prova. Ele é sábio, não o monstro que vocês desenharam. Já o ofenderam demais o expulsando do seu convício. - E daí, vô? - Daí a cantoria continuou como havia começado e a noite foi passando, passando, o dia foi amanhecendo com o povaréu espremido na cerca, e quando o sol apontou no fundo do vale Azarinho diminuiu a intensidade do canto, pediu que os animais retornassem às suas casas, bateu palmas chamando atenção dos que permaneceram e falou como um doutor, com palavras que todos entenderam: “- Por esse tempo ouvi infâmias e preferi o silêncio. Quando a ofensa não encontra eco se perde no vento. Minhas deformidades são as de todos, como a cegueira de quem faz juízo de valor por causa da aparência; a maledicência pela aspereza da língua; a pouca razão por atos e omissões ao semelhante. “A deficiência prende por dentro e não por fora, pois até incapacitados de andar podem voar”. Do outro lado existe o perdão, e ”o arrependimento é divino que não tem efeito apenas anti-séptico, mas cura e remove a cicatriz.” O desamor não me provocou revolta, mas compaixão que é essência do bom. Peço que me 108 aceitem como as teclas do piano. Enquanto as brancas não são hábeis para fazer a música completa, as pretas sozinhas também não, mas se usadas em conjunto se sintonizam e compõem as melhores sinfonias para ouvidos e almas. Nossas diferenças é que devem fazer nossa igualdade“ - Ué, vô, mas ele sabia falar? - Pois não há de ver que sabia? Só que guardou segredo até que acontecesse o encontro dos bichos e da gente do lugar, para mostrar que não há diferença alguma, pois todos têm um lugar no mundo, por isso é que estão aqui. - Hã... - Aí ele se voltou para dentro e se sentou para descansar, e envergonhadas, as pessoas baixaram as cabeças e se retiraram em silêncio, compreendendo que haviam errado e que deveriam fazer algo para se desculpar. Todos nós temos deficiências, por isso não devemos nos ater a preconceitos, e como já disse, ninguém é bonito e nem feio, melhor ou pior. As dificuldades são feitas para que as vençamos, e os espinhos antes de espetar protegem a flor. Assim é que é. - E o Azarinho Batista, como ficou? - A professora o submeteu a vários testes de conhecimento e correu fazer sua matrícula na escola. O tempo que havia perdido nos primeiros anos do ensino não traria prejuízo, pois compensou com sua sabedoria inata. E passou, veja só como são as coisas, a ensinar crianças que tinham dificuldade de aprender. O Azarinho, agora Batista, sabia de um tudo, das contas de aritmética, das lições de português e dos conhecimentos gerais. Ele era um craque! - Caramba, vô, o cara era legal, mesmo! - O padre chamou o povo numa grande reunião e lhes deu um pito dos brabos, era hora de tomarem juízo, de respeitarem o próximo, de entenderem que ninguém é perfeito. Então montou um belo altar ao ar livre e passou levar o Batista para cantar nas missas. Enquanto ele cantava com a língua que ninguém compreendia, as demais crianças ou tocavam instrumentos ou lhe faziam coro. Assim, quando abria a goela transformava o pátio da igreja num verdadeiro jardim zoológico sem grades, cercas, gaiolas ou divisas, com os animais tendo acesso para chegar e sair quando quisessem. Conseguiu com humildade provar que não basta ser bonito externamente, porque o que vem do fundo do coração é que embeleza a pessoa, independente da sua altura, da cor dos olhos ou da pele, dos cabelos, da sua magreza ou da sua gordura. - Vô, onde você aprendeu isso, vô? 109 - Sobre caga-fogos? - Não, sobre tudo. - Nos livros, meu querido. Não há parque de diversão e nem jogo de computador que se compare ao mundo de uma biblioteca. Tudo de bom está ali. O menino o interrompeu batendo-lhe na perna: - Tenho um pedido, posso? - O que quiser. - Me leva à biblioteca? A pergunta fez brotar um sorriso, gerar um carinho no cocuruto e um envolvente abraço de avô. E assim apertados languidamente na amizade aconchegante, o velho respondeu: - Já, já, moleque. Vou lhe mostrar um mundo de conhecimento e alegria, onde os amigos se encontram e se deliciam. - Puxa, que história legal, será que um dia vou conhecer um caga-fogo de verdade? - Talvez, quem sabe a gente possa passar as férias num resort. Aí sairemos à noite para observar o céu e descobrir algum vagalume. Combinado? - Combinadérrimo. Vou ver como ele é e conferir se caga fogo mesmo, ou se só tem faroletes na bunda! - Vá avisar sua mãe que iremos sair. O mundo das letras nos espera! ... Renato Benvindo Frata, professor universitário aposentado, contador e advogado, é titular da coluna Falando Sério, no Jornal Panorama, de Paranavaí, editou os livros: A Pá de Polenta (Conto), Reflexão dos Cinquenta (Conto), O sapo Chorão (Infantil), o Cavalariço e a Rainha Roxa (Contos e crônicas), Quarto de Solteiro e Outras Crônicas (Crônicas), Ipê-Amarelo (Contos e crônicas), Histórias Alegres (Infantil). É presidente de honra da Academia de Letras e Artes de Paranavaí. 110 MÚSICAS 111 COMISSÃO JULGADORA TOM SOUZA Curitiba - PR Ganhou prêmios literários com contos, crônicas e poesias. Prêmio de “Uma das Três Melhores Músicas do Paraná” e “Melhor Conto Regional”, FEMUP em 2001 e prêmio de 2º lugar na categoria nacional em música no FEMUP de 2003. A letra da música “Badulaques” foi classificada como uma das cinquenta melhores poesias do Concurso da Câmara Brasileira de Jovens Escritores e editada em sua 1ª Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos. JORDANA SOLETTI Curitiba - PR Formada em Bacharelado em Música Popular pela Faculdade de Artes do Paraná (Unespar). Gravou seu primeiro disco aos 13 anos junto com Uyara Torrente, com composições de Paulo Cesar de Oliveira (Grupo Gralha Azul). Desenvolveu um trabalho vocal com o grupo Bayaka e gravou 3 álbuns. Morou 3 anos na Espanha onde fez shows em Pubs e bares. Vencedora do Concurso Lady Rock, de Curitiba. Está gravando seu primeiro disco solo com previsão de lançamento para meados de 2015. GISELE SILVA Londrina - PR Atriz e intérprete da MPB, natural de Paranavaí-PR, bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Londrina. Em meados de 2000, começou a frequentar os palcos da boemia londrinense interpretando canções de compositores da Bossa Nova. Neste passeio pelos bares foi inevitável o encontro com músicos imprescindíveis para os trabalhos musicais aos quais atua, ou atuou como cantora: Banda Wave, MPB voltada ao repertório da Bossa Nova; Mama Quilla, em turnê com seu terceiro trabalho autoral, o disco "Segue reto toda vida"; Soul Brasil, projeto que divulga a MPB na Dinamarca; Sambulantes, há 8 anos ilustrando os palcos, cantando a história do samba e Bloco Bafo Quente, que com sua quente batucada tem botado os pés vermelhos para dançar ao som dos diversos ritmos brasileiros. JUCA FERREIRA Paranavaí - PR Cantor e compositor, integrante do Grupo Gralha Azul. Já foi premiado em várias edições do FEMUP e outros festivais pelo Brasil. Formado em Direito (UNIPAR). Gerente da agência dos Correios, em Paranavaí. IVO PESSOA Japão Começou a cantar e tocar por volta dos dez anos de idade. Cada vez mais interessado pela música e suas vertentes debruçou-se inteiro sobre o blues, o rock e o jazz, tem um carinho e uma emoção muito especiais quando o assunto é música popular brasileira. Dono de uma voz inigualável, Ivo Pessoa arranca suspiros e aplausos por onde passa. 112 MÚSICAS - FASE NACIONAL Caio Martinez e Fernando Leitzke Anderson Torga Sapato furado Porto Alegre - RS Cantador Belo Horizonte - MG Donna Duo Flávia Ellen Previsível Porto Alegre - RS Quase sem vergonha Belo Horizonte - MG Valéria Pisauro e Daniel Conti Ruthe Glória Braile Campinas - SP Quando disse adeus Praia Grande - SP Sandro Dornelles e Zeca Barreto Robson Luiz Segunda divisão Várzea Paulista - SP Sina dos esquecidos Alegrete - RS Raul Misturada Leo Aprato Festim em festa Curitiba - PR Branditt Porto Alegre - RS Wolf Borges Zebeto Corrêa Boca de forno Poços de Caldas - MG Outro lado da noite Belo Horizonte - MG 113 MÚSICAS - FASE REGIONAL Marquinhos Diet Irmãos Bellanda Tropeço Paranavaí - PR Caribe paranaense Paranavaí - PR Chico Ramos Gisele Tanaka Passaredo Paranavaí - PR Todos um só Paranavaí - PR Sirley Leonardo Jhonatan Aguido Deixando a vida acontecer Paranavaí - PR Entre luz e escuridão Paranavaí - PR Willian Nazário Marcos Henrique Minha ancestralidade Paranavaí - PR Liberté (1789) Paranavaí - PR Beto de Sá e Tonho Marques Guilherme Rebelo Gaiteiro toca uma vaneira Paranavaí - PR Chico Baiano e o Samba-Enredo do Cotidiano Tamboara - PR João Henrique Mandela Paranavaí - PR Larsen Balada para ver o céu Paranavaí - PR 114 BRAILE Valéria Pisauro e Daniel Conti Campinas - SP Chega de manhas, Artimanhas, aspas. Dispenso ladainhas, Lero-lero e interrogação. Quero o contato, o tato, O flashback e o olfato Da reticência em vão. Não venha com histórias, Memórias, nem exatidão. Busco o indiscreto, Infinitivo concreto, Que transforma Ardentes ais Em interjeição! Quero o sujeito composto, Predicado do corpo, Objeto em transição. Locuções livres, De palavras mudas, Afogadas em salivas, De verbos de ligação. Busco o braile de suas mãos Cicatriz adverbial, Sem esquema, Algo que eu gema, E durma apaixonado, Acorde frase completa E com ponto final. 115 Busco o braile de suas mãos Cicatriz adverbial, Sem esquema, Algo que eu trema, E durma apaixonado, Acorde frase completa E com ponto final. Daniel Conti é compositor, cantor e violonista da nova geração de grandes artistas brasileiros. Formado em Violão Popular pela UNICAMP, em Canto Popular pela EMESP e pós-graduado pela FASM. É dono de um timbre doce, porém encorpado e potente e de um repertório de muita qualidade, garantindo destaque em renomados festivais de música. Seu primeiro CD chamado pluralidade foi lançado em 2008. Em 2014, mais maduro e experimentado, está lançando o seu segundo CD, Estadia. 116 Quando disse adeus Ruthe Glória Praia Grande - SP Alta e clara noite em vermelho a aveludar Sou a silhueta indo a qualquer lugar O que foi que aconteceu? Os sinos já não tocam E os pássaros pararam de cantar pra mim Longas caminhadas e horas a pensar Eu te amei, eu te entreguei até meu ar Como um rio que perde o seu encanto eu me esvaí Rosa sem perfume Estrela que caiu do céu Beira precipício e fel Sangue sem virtude Grito sem nada a alcançar Traz o que levou quando disse adeus ..... Rosa sem perfume Estrela que caiu do céu Beira precipício e fel Sangue sem virtude Grito sem nada a alcançar Traz de volta as cores, Traz o seu sorriso e acende o meu Formou-se em canto pela ULM em São Paulo sendo uma das musicistas mais atuantes no circuito festivaleiro nacional, totalizando mais de 70 prêmios nos festivais mais importantes do Brasil, além de atuar na área didática, shows e jingles para emissoras como Nickelodeon entre outras. Elogiada por compositores como Walter Franco, maestro Agenor Ribeiro e Maria Gadú, Ruthe Glória foi uma das 5 cantoras brasileiras que representaram o Brasil num evento nos EUA em 2013. 117 Quase sem-vergonha Flávia Ellen Belo Horizonte - MG Quando eu negar, disser besteira, tentar não dar bandeira pra você não notar Então vai lá, me diz por que usar esse perfume só pra me provocar Não vai querer se eu me entregar, desvio então Olhares pra você não se achar Não vai saber se eu não falar que todo dia em Você penso, já não dá pra negar Ah mas se você me olha dizendo que rola e me dá bola, Pego a viola e canto um samba só pra te cantar E te pego de jeito, ao pé do ouvido, com todo respeito Delicadeza, digo com certeza, você vai gostar Me vê de banda e faz um charme, realça a vaidade pra atrair meu olhar Não perde a pose, nem sai da linha, me disse o que Não tinha só pr´eu te agradar Fica atiçando e me esnobando, a culpa é sua por aumentar meu querer E se não der pra me segurar, juro me comportar, sei que vai me entender Ah mas se você me olha dizendo que rola e me dá bola, Pego a viola e canto um samba só pra te cantar E te pego de jeito, ao pé do ouvido, com todo respeito E delicadeza, digo com certeza, você vai gostar E se entregar no meu abraço, meu colo, cansaço Juras até faço se a mim quiser se juntar E já que gostou desse nosso caso, de ontem em diante Te faço um instante. Ixi, só não te levo pro altar. Compositora e cantora desde os 14 anos, violonista desde os 7 anos e futura pianista. Apresenta-se em bares, eventos, centros culturais e teatros desde os 17 anos. Indicada ao Prêmio Nova Canção de 2013, do Canal Multishow, com sua música Quase Sem-Vergonha, parceria com o carioca Erler Gomes. É um dos destaques de um dos maiores sites de música independente do país, o Palco MP3, com mais de 200 mil visualizações. Participou do quadro Mulheres Que Brilham deste ano, no Programa Raul Gil. 118 Cantador Anderson Torga Belo Horizonte - MG Ser um grande cantador, na alma te encontrar Com brilho e com amor, sem ódio e sem rancor Fazer brotar o som, dar vida a quem cantar Sim, eu quero te encontrar Compor lindas canções Pro mar e o ribeirão Pro rio, a flor e o irmão O amigo, o sonho e a paz O amor de nossas mães Ser um cantador É mais que cantar É tocar em ti É fazer brotar Uma lágrima em seu olhar Ser um cantador É mais que cantar É fazer sorrir Buscar refletir Renovar a alma e amar Nas estradas que andei, veredas que cruzei Cantei pra lua irmã, estrela aldebarã Pro vento nas monções, pra chuva nas manhãs As mulheres que amei, cantei, sofri, chorei Compus e recompus, abri, cicatrizei, a alma e o coração De amores me inspirei Iniciou na música em sua adolescência, compondo desde os 16 anos de idade. Estudou canto e violão, toca na noite de Belo Horizonte e faz shows pelo Brasil desde 1986. Participa de festivais de música pelo país sendo premiado em vários deles, já tocou e gravou com vários artistas e compositores, tendo como parceiros Rogério Guedes, Fran Oliveira, Will Mendonça entre outros. Sua mais forte influência vem do “Clube da Esquina”, de artistas como Beto Guedes e Milton Nascimento. 119 Boca de forno Wolf Borges Poços de Caldas - MG Chá de cozinha, de cadeira e viaduto Lá na cozinha tem travessa, tem trabuco Não vem menino palpitá Nem vai antes exprimentá Na mesa que ocê vai prová Olho no peixe, outro no gato e no pirão O ponto certo, fogo baixo no fogão O bolo pode embatumá A água não pode secá Colher de pau pra misturá Lenha, faísca de pedra Pega um chumaço de palhinha Faz a cabaninha E fogo ateia Feijão tá pronto quando o cheiro denuncia Café tá novo quando o povo anuncia Colhe chumaço de cidreira Faz um cozido a macaxeira Maço de couve à quarta-feira Compota esfria na janela e no alpendre Só toma tento se os moleque pega e vende Toca panela na moleira Seca avental na frigideira Vai no sorriso a cozinheira 120 Pega o tempero tudo fresco na colheita O alecrim, a hortelã e a massa feita Bate o fermento devagar Ponta de sal pra compensar Pertoso doce a intemperar Toda raiz bota de molho no latão Pra defumar mede 3 palmos do fogão Amendoim pode soprar Pé-de-moleque a esfriar A fome vai pr'outro lugar. 30 anos de carreira, tem forte traço de resgate de ritmos brasileiros. Participou por duas edições do Prêmio Rumos, (Fundação Itaú Cultural). Discografia: 2012 - PDQJO Soul, 2009 – Circo dos Sonhos, com de Fátima Guedes, Toninho Horta, Toninho Ferragutti. 2007 teve seu musical 1984, uma leitura musical gravado por Jucilene Buosi, baseado em George Orwell. Em 2003 Singular com a Leila Pinheiro, Cláudio Nucci, Paulinho Pedra Azul. 2003 lançou o livro Catedrais de Vidro, 1998 - CD Ímpar. 121 Previsível Donna Duo Porto Alegre - RS Previsível, previsível, previsível, previsível... Você é uma milonga em lá menor, É uma garoa em Curitiba, é uma caneta preta pra vender na papelaria. Você é um veneno de matar, doer, é erro de ortografia E é redundante isso acontecer, você se refazer. E faz de novo tudo o que já fez, errar de novo aonde já errou mais de uma Vez e acreditar em ti é concordar em andar na esteira sem parar. Você é uma milonga em lá menor, É roupa branca no ano novo, é pé de figo não nascer, caqui. Água, que tanto bate até que fura, já me dá asco até tontura, Ao ver você eu penso no que fiz pra ser tão infeliz. E faz de novo tudo o que já fez, errar de novo aonde já errou mais de uma Vez e acreditar em ti é concordar em andar na esteira sem parar. Duas mulheres, duas vozes, duas cidades e muita música dentro desta simetria. O que une as capitais Porto Alegre e Curitiba é exatamente este Duo, formado por Dani Zan e Naíra Debértolis. Dani e Naíra são cantoras, compositoras e multi-instrumentistas. Trazem ao público um repertório irreverente, feminino e jovem. Donna Duo traz suas músicas autorais e de parceiros de maneira irreverente e natural, com ritmos que iniciam na milonga, passeiam pelo pop e acabam por flertar com samba. 122 Outro lado da noite Zebeto Corrêa Belo Horizonte - MG Fazer a noite, tocar a vida, cantar o chão No brilho manso de quem destila o mundo no seu violão Trazer nas mãos o riso, o pranto, o joio e o trigo, o jogo e a sedução Prazer à noite, tocar o vinho, cantar o pão Ser o silêncio da madrugada, ser o rumor da manhã Pra despertar nos corações adormecidos novas emoções Amiga, somos personagens esquecidas de um filme qualquer Cantando temos água, terra, fogo e vento pra sobreviver (E quando raiar o dia leva um pedaço de mim Mesmo que o tempo já tarde, e que nem lembres meu nome) Saber da noite os sentimentos, as sensações Trilhas e sombras, luas eternas, ternos momentos de luz Olhos e almas se tocando nesse ritual de comunhão Fazer da noite o alimento, carne de sol clave de sonhos, como se a terra compreendesse a canção feito semente a germinar no incerto do sertão... Amiga somos personagens esquecidas... Cantor, compositor, instrumentista e produtor cultural, Zebeto Corrêa tem 12 cds gravados e prepara atualmente o lançamento de seu mais novo Cd, “Poemas para cantar e dançar”. Participante ativo dos festivais de MPB por todo o país tem mais de uma centena de premiações seja como compositor, seja como intérprete. Foi também semi-finalista do Prêmio Visa-Compositores. 123 Branditt Leo Aprato Porto Alegre - RS Sei, eu sei que vou ter que ficar aqui por mais um tempo Até tocar você de novo Ter o teu gozo sem fim Desde o começo, o teu gozo sem fim Mas e no fim, quando a fumaça do teu cigarro não me tocar diferente Quem vai ficar velho comigo e tonto? Já sou um fósforo apagado, somos nós Sem ninguém a falar Nem hoje, nem ontem, muito menos há manhã Pra curar minha ressaca de ti Toca violão desde pequeno e não é um poeta, mas enquanto poeta é um inconformado por natureza e um questionador dos valores e das convenções sociais. Nas suas canções, os versos nem sempre são diretos e os caminhos que usa pra gritar ao mundo seu descontentamento nunca são os óbvios. O seu primeiro EP, “Minha Confusão”, tem quatro canções. "Branditt" abre o disco com um arranjo surpreendente e traz, numa narrativa atemporal, a perspectiva dramática da desilusão de uma grande paixão. 124 Festim em festa Raul Misturada Curitiba - PR Gente que vai e vem Na noite escura lua nova que vai e traz Mudanças simples importantes que você não vê Conglomerados de energias infernos astrais É na espreita que o couro pode gemer É na roleta que o mundo vai te lançar É a lapada do bilhar que vai te marcar E o caminho da caçapa a te abocanhar Pra onde vai de onde vem o querer saber? Se questionar não aceitar a imposição Roleta russa de emoções quer te ver moer O que é puro inovador versus tradições? Quem erra um tiro de canhão não vê Que um festim cairia bem Um pinote em Jerusalém Pra beijar a outra face Vem do nada! Tomando tudo a soco! Um quilo de farmácia, um kilobyte em brasa. Vem do tudo! na contramão do mundo! Farrapos glamorosos fazendo “vandevour” Cantor, compositor, multinstrumentista, arranjador e produtor musical. Esses são os atributos que compõem as várias facetas do pernambucano Raul Misturada, nascido em 1986. Atualmente reside na cidade de Curitiba (PR) e desenvolve diversos trabalhos no sul e sudeste do país. Até o presente momento lançou 5 discos e já recebeu diversos prêmios por seu trabalhos, dentre eles, o Prêmio Nacional de Excelência em Viola Caipira, pelo disco Quântico, promovido pelo IBVC. 125 Sina dos esquecidos Robson Luiz Alegrete - RS Despertou junto ao sol da manhã Ele cedo plantou seu destino nas mãos Com seus calos nos pés Passos frágeis no chão Que nunca vai ser seu Somente esta canção! Carregou todo o peso da cruz Pelo pão e um sorriso De seu único filho Que nasceu do amor que o tempo levou Só ficando a semente Que um dia brotou Que um dia raiou E o poeta cantou A ciranda da vida é que nos faz assim! Trabalhou sempre horas a fio Ele nunca ganhou o ouro que o sonho viu Das promessas de pé Só sobrou um tostão Que o patrão lhe cobrou Pela sua oração Descansou seu corpo encharcado O alimento que tem é um choro engasgado E o menino acordou E o choro secou Por sua bela semente Leonardo Palau é intérprete, residente na cidade de Alegrete-RS. Já trabalhou com diversas vertentes musicais e atualmente trabalha em parceria com o compositor Robson Luiz, de BelémPA, representando-o em festivais de Música Popular. Com esta parceria, já classificaram músicas em diversos festivais nacionais, tendo sido recentemente premiados no 27º FUC, em Ponta Grossa-PR. 126 Sapato furado Caio Martinez e Fernando Leitzke Porto Alegre - RS Sapato furado, aluguel atrasado Uma mão no sonho outra na ferida Sou bêbado equilibrista E nesse descompasso vai a vida Quem era pra defender puxa o tapete O governo furando o meu olho Tô matando a caspa do cabelo Pra economizar piolho O pouco que havia no prato sumiu Um dia sem nada no outro vazio Salário de otário, o rico ao contrário O não-milionário que a luta pariu Um olho no peixe o outro no gato O Tom e o Jerry morreram de fome Pro rato, coitado, aqui não tem queijo Tem nada pro bicho, tem nada pro “home” Reviram meu (mil) lixo, tem nada, tem nada O rato foi embora do porão E o Tom sem o Jerry mia pelos cantos Meu gato vai entrar em depressão Usar a voz com requinte para cantar seresta e samba-canção ou jogar com balanço quando o samba é mais ritmado. As várias facetas deste intérprete de música popular retratam o estilo com que incorpora as histórias do samba para transmiti-las de forma envolvente, através de sua singular interpretação. 127 Segunda Divisão Sandro Dornelles e Zeca Barreto Várzea Paulista - SP Não tem mais de onde tirar ah! Então trata de inventar Acha um lugar,dá teu nada prum cada não morrer na praia Pra filho, cachorro e mulher, tem mais nada pra quem quiser Se não der pé, desafoga um na sobra arrecadada e dá. Nem rabada, nem Papai Noel pra ninhada De ovo de páscoa nem casca Que coisa feia, ta com a boca cheia, nada de falar Nem palavra pra pôr no papel Embrulhada na trouxa nem raspa mas acha lá Faz um mexido que o que é de bandido tem que preservar. Pra no dia em que te faltar, ter mais nada de onde tirar Pro teu cantinho no céu. Enquanto a tua hora não vem bem Dá pra quem não tem, tu inda tem muito nada pra dar Vibra no gol mas cuidado pra voz não falhar Grão de feijão, segunda divisão de nada. (Yo no tengo nada que dar Puedo dar tudo lo que tengo) Sandro Dornelles é compositor, cantor, violonista e blogueiro, de Cachoeira do Sul (RS). Nos últimos 13 anos residiu nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, lugares onde se apresentou em diversas casas de shows. Formou-se em Letras (Bacharelado) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publica desde o dia 1º de janeiro textos diários no blog “365 Dias de Dor”. Sandro tem composições de sua autoria gravadas por diversos artistas e que já participaram de vários festivais pelo país. 128 Balada para ver o céu Larsen Paranavaí - PR Voa vento e o carrossel desenho de lua Voe enquanto seus cabelos se agitam ao dançar Quero os teus lábios de mel, em minha boca suja Enquanto eu me perco pensando em ir te encontrar, pra ver o céu Voa tempo passa logo pra eu vê-la na rua Voe dia, vá pra longe, é com a noite que eu encontrar Passo tanto tempo inventando tantas coisas tolas Ensaio todas elas, talvez te entrego numa hora ‘’H’’, ao ver o céu Confesso que nem sempre digo Tudo o que escrevi pra dizer Faço coisas idiotas Mas juro! São todas pra você Até canções ruins, com rimas rasas Fiz questão de escrever Não é fácil, a gente sabe Ninguém joga pra perder Voa vento e o carrossel desenho de lua Voe enquanto seus cabelos se agitam ao dançar Quero teus lábios de mel, em minha boca suja Enquanto eu me perco pensando em ir te encontrar, pra ver o céu Mora em Paranavaí, onde nasceu, e segue trabalhando com desenho e música. Escreve e toca no projeto Causa Própria, onde tem desenvolvido seus mais recentes trabalhos. 129 Chico baiano e o Samba-enredo do cotidiano Guilherme Rebelo Tamboara - PR Chico baiano acorda cedo todo dia Toma banho de água fria pra poder se despertar E vai correndo aloprado pro coletivo bem lotado, espremido, A condição que é popular. Não que ele seja um sujeito de "sucesso" Mas a ordem e o progresso, honras a ele devem dar Trabalhou duro de janeiro a janeiro, Amassando o dia inteiro a massa pro cão cozinhar! O, o, o é o samba-enredo do cotidiano. Criou dez filhos na miséria violenta Com o bucho na costela, aprendeu a se virar Agora que já está chegando nos setenta Não sabe se vai aos oitenta, por que a dor é de lascar É na cidade que se aprende a ser ninguém Bem diferente de onde eu vim lá do fundo do Ceará Criava pato, cabrita, bode e galinha Tinha ao menos a terrinha que dava pra me "virar" Num sonho tolo de TV dos "homí" gringo Vim correndo me iludindo só queria "enricar" Depois de tudo que vivi na realidade foi uma triste verdade, Até minha mente se apaga Fui um pedaço pequeno da manobra Que se encaixa nessa roda e faz o mundo girar 130 A memória é tinta que pinta a tela da eternidade Em memória daqueles que trabalharam duro Para fazer a roda do mundo girar E no fim morreram de desilusão. Tem 20 anos, é estudante de Direito na Universidade Estadual de Maringá, começou a se interessar por música aos 10 anos quando iniciou as aulas de teclado. Participou do FEMUP em 2012, com a música Revolucionário, ficando entre os 12 selecionados. Suas principais influências são bem variadas, indo de Jorge Ben, Chico Buarque a Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp, entre outros nomes da música brasileira. 131 Mandela João Henrique Paranavaí - PR Salve o negro sofredor que luta pela África do Sul Mandela, Mandela A minoria branca não quis lhe escutar Muito sofrimento eu vi Nas lágrimas do sul Oh, oh, oh Na África do Sul Nas lágrimas do sul Mandela, Mandela Mas nossos irmãos não vão desistir de lutar A guerra não terminou E o sonho Ainda pode vingar, oh, oh, oh, oh Mandela, Mandela, negro sofredor Mandela, Mandela, negro vencedor Mandela, Mandela, salve Mandela Salve Mandela! Nasceu em João Pessoa, Paraíba. Chegou ao Paraná em 1991. Em João Pessoa participou da cena punk local e começou a compor em 1988. Formou bandas de punk rock. Em Paranavaí começou a tocar em barzinhos e continuou compondo. Formou a Banda Tio João que toca composições próprias e a Banda Los Clandestinos que toca pop rock. Participou do Femup em 2003 e 2013. Este ano revive uma composição antiga para homenagear um ano de morte do líder Nelson Mandela. 132 Liberté (1789) Marcos Henrique Paranavaí - PR Carnificina diária, horário comercial Criando ponto de aceno submersão social Alguns ajustes, reajuste salarial Pequenos concertos salvando um tal capital Um conta-gota pingando milhares de sonhos Possibilitando alguém viver do trivial Já foi pro chão a bastilha e não se seguiu a tal trilha De liberdade e igualdade universal Todos nascem iguais só não no mesmo berçário Alguns tem fralda de pano outros tem seda no armário E a maioria sustenta a valia de um partidário Que se diz tão bondoso mas não aumenta o salário Liberdade, Igualdade, Fraternidade... Desde que tudo corra em ordem e não se altere a verdade! Democracia é palavra que soa só poesia Na falta desta a nós só resta a revelia Trocamos reis por senhores dos burgos De pequenos avanços eu vejo um triste futuro Parece uma piada mas é realidade Cobrar o que é direito e não nos dão em verdade Na papelada tudo é bom e corre bem Mas na vida real isso é bom para quem? O inciso primeiro do artigo segundo Se apropria por direito de lhe chamar vagabundo A lei é nossa mas alguém a redigiu O problema é o sistema não é só o Brasil! Marcos Henrique Guimarães, 22 anos de Paranavaí, guitarrista da banda Sub-Versão. 133 Caribe paranaense Irmãos Bellanda Paranavaí - PR Ah! Não da pra acreditar no paraíso que eu vivo, na beleza da natureza Presente no meu Paraná, e é aqui na beira do Rio onde a água cristalina Reflete o imenso azul do céu, e no chão, estrelas brilhantes de areia reluzem Aos raios do sol... em Porto Rico. No Paraná! Sentado na areia, tomando cerveja, comendo petisco Numa praia de água doce melhor do que o mar Aqui não tem pirata só tem pirangueiro Porto Rico é o Caribe do meu Paraná E se você quiser vir “pra qui” eu te ensino como chegar Fica perto do Avaí, mas não “Para no Avaí”. E para navegar, a voadeira te leva depressa cortando o espelho até a Praia de Porto Rico, no Paraná!! Filhos de Adroaldo e Sônia, os Irmãos Bellanda são o Arthur e o Lucas. O Arthur é compositor, produtor musical no Estúdio Garagem, e atualmente músico guitarrista da Banda Elemento Principal, a qual Lucas também atua como Baterista e compositor. Estiveram juntos esse ano com a Banda no Webfestvalda, o maior festival de Bandas Independentes do Brasil, que aconteceu no Circo Voador, Lapa, Rio de Janeiro. Também já participaram de algumas edições do Femup e do Fepam, ambos de Paranavaí-PR. 134 Deixando a vida acontecer Sirley Leonardo Paranavaí - PR Nem todo dia é dia de Maria Nem toda hora é hora de João Quem casa quer casa Quem dança quer festa Quem rouba tostão Ou falta vergonha na cara ou virou ladrão Que atire a primeira pedra quem não tem nada a temer Quem fala da vida alheia não tem nada pra fazer Marimbondo voa depressa e não adianta correr Água parada só fede se alguém mexer Se eu não quiser eu não vou por a mão na massa Se eu não quiser eu não te dou da minha cachaça Você pode gritar, xingar, falar mal de mim por aí Eu perdi o medo da sua língua Relaxa e vai dormir Hoje eu não vou passar na sua casa Eu não quero mais viver sob as suas asas Ninguém é pra sempre nem nunca será Tive que aprender, vou vivendo e cantando e deixando a vida acontecer. Sirley é compositora e intérprete, com trabalhos premiados em vários festivais pelo Brasil, além de violonista, professora de canto e violão. 135 Tropeço Marquinhos Diet Paranavaí PR Cada vez que eu me desvio Acabo perdendo o fio O fio que me conduz Rodeado de psiu Um convite ao desvario Epa! Apagaram a luz Cada vez que eu não resisto Logo depois eu assisto Minha novela de dor Sempre que eu enfraqueço Eu quase sempre me esqueço Como sair desse horror Se eu já sei que errar tem preço Quanto custa o meu tropeço Se eu já sei que errar tem preço Quanto custa o meu tropeço Por favor desconta No que eu tiver de amor Cantor e compositor paranaense, tem 25 anos de carreira musical, com 3 discos gravados: "Vai Dizer Que Não" (1995), "Habitantes do Planeta (1999) e "Somos Lagartas" (2003). Foi vencedor de vários festivais, sozinho e também com sua irmã, a cantora Luciana Niehues. Marquinhos está colecionando novas composições que estarão reunidas num novo CD, em 2015. 136 Entre luz e escuridão Jhonatan Aguido Paranavaí - PR A procura de uma luz pra mim Nem que seja lá no fim do túnel, eu tento ir Que me faça os olhos dilatar Entre cores alucinantes Ela vai, vai brilhar Acontece que a escuridão me persegue E não me faz alcançar, almejar Ofuscando o meu pensar É fácil dizer que as cores passam! E que me faz desdenhar sem notar Sem perceber a luz a me esperar É uma briga constante enfim Guerreando combatendo Mais nunca vem pra mim A luz que eu quero tanto alcançar Ela vai, vai brilhar Participou de dois Femup, um Fepam e outros festivais de música. Por mais que busque outras profissões a música sempre correrá em sua veia. 137 Gaiteiro, toca uma vaneira Beto de Sá e Tonho Marques Paranavaí - PR Gaiteiro, toca uma vaneira para esse povo balançar Mete um balanço e um tranco de primeira O povo ta na sala e ta doidinho pra dançar No toque dessa gaita vamos cantar a noite inteira A gaita me chama e pra sala eu vou Dançar com morena mais linda que eu vi Cai a madrugada e nos vamos dançando Quando amanhecer eu saio daqui Deixa amanhecer, deixa clarear Nos braços dessa morena a noite é pequena pra gente se amar Pode até chover, pode relampear Gaiteiro abre o fole da gaita, mais uma vaneira e que eu quero dançar Beto de Sá é músico, compositor e co-fundador da Banda Herança, a mesma que, com mais de 25 anos de carreira, já gravou várias de suas composições. Hoje atua como contrabaixista da banda. Tonho Marques é músico, cantor, compositor e integrante da Banda Garrafão, que tem, com ela, vários sucessos gravados. 138 Minha ancestralidade Willian Nazário Paranavaí - PR Meu samba espelha O que ao espelho Meu coração sente... Poente... Olhos que me vêem Desnudo do dissabor Sou negro... Minha ancestralidade africana Além mar... Minha gente é que é bamba Vim ao mundo não para o açoite Sim para a noite Sou a origem do batuque e do amor Do meu povo vem a esperança A resistência... A militância... Vencemos... A bonança. Salve nossos orixás... Nosso samba é a benção de pai Oxalá. Samba, cultura maior brasileira de origem africana e europeia, fruto da mestiçagem social e cultural, característica da formação do Brasil. O samba “Minha ancestralidade” apresenta a presente consciência da negritude quanto às transformações sociais que vêem ocorrendo nos últimos anos no Brasil, em que as pessoas negras, cada vez mais, entende-se como agentes da história de nosso país, e percebem a si e aos demais numa perspectiva histórica de longa duração onde os nossos antepassados são africanos, logo a nossa própria origem. Sambista, compositor, professor, pai do João e do Rafael , os novos sambistas do pedaço. Fundou junto a outros amigos o projeto Filosofia do Samba em 2004, um marco na História de Paranavaí, defendendo o samba da antiga, o Samba na Vila (Operária) e o Projeto Mojubá (Nova Aliança do Ivaí-PR), pois o samba nasceu no seio do povo e a ele deve retornar. Desde de 2005 participa de festivais de música do Paraná como FEMUP (o melhor de todos), FEMUCIC, FUM e Samba do Compositor paranaense (Curitiba). 139 Todos um só Gisele Tanaka Paranavaí - PR Nas poesias de uma criança existe a simplicidade. Claro foco em seu ideal. Lugar que emana inspiração. Céu estrelado, lua cheia ao som das ondas do mar. Mantemos viva a sua história. Produzimos o nosso melhor. Sábios surgirão no amanhã. Todos um só. O orgulho não deixará Que você encontre o lugar Do eterno poder do saber. Pare e pense! Livre em viver. Atitude pra conquistar. Aprender a compartilhar. Respeitar o outro alguém. Sem preconceitos sonhos vão além. Neste lugar eu aprendi a apreciar a natureza, Pois nela encontrei a paz. O sol aquece o coração daquele que anseia por educação. Paraná sempre a ensinar. Inspiramos os seus contos. Expiramos conhecimentos. O amanhã será intelectual. Todos um só. Aos 3 anos de idade, Gisele fez aula de canto. Participou de campeonatos de música japonesa. Foi professora de coral infantil. Formada em Tecnologia em Estética e Cosmética. Especialista em Gestão Financeira, Auditoria e Contabilidade. Hoje, Gisele Tanaka continua participando de eventos artísticos realizados pela Unimed, seu atual local de trabalho. 140 Passaredo Chico Ramos Paranavaí - PR O rio calmo vai formando correnteza, Vai molhando a natureza e as belezas do lugar, O passaredo revoando campo afora, Gorjeando pra aurora, faz a mata despertar No céu sereno, o sol em raios chamejantes, Vem surgindo atrás dos montes, maravilha de se ver E o arco íris faz moldura pra cascata, Refletindo a cor da mata, abrilhantando o amanhecer O arvoredo agreste parece que chora, Em sincronia, com os ponteiros a bailar, O vento envolve com seu manto a mata, a flora, Vai embalando, qual criança pra ninar E da encosta a água despenca das nascentes, Formando véus prateados que, em dispersão, Tornam-se chuva de orvalho reluzente Que aparentam ser cortinas pro sertão A tardezinha é poente o sol recua, Reverente a deusa nua que vem para ornamentar, De alvo celeste, branco ouro, prata pura, Que com o verde se mistura e faz noite de luar Sou um sertanejo em meio a este paraíso E de mais nada eu preciso a não ser agradecer, Ao Pai Celeste que criou essa riqueza, Concedeu-me a natureza como abrigo pra viver Começou a participar do Femup em 1974. Ao longo de 40 anos, classificou dezenas de trabalhos, com diversas premiações. É jornalista, membro do Conselho Municipal de Política Cultural e presidente da Academia de Letras e Artes de Paranavaí 141 DECLAMADORES 142 DECLAMADORES CARLA MAZZIN Atriz profissional e também atua em animação de festas infantis com números de clown. Já participou de espetáculos teatrais como: “Síndromes – Loucos como nós”, de Miguel Falabella e “Deu quiprocó”, adaptação do grupo Cia. Oficinas, entre outras. nu (ou tudo que eu tentava dizer era verso) Roberto Gonçalves Paranavaí - PR _________________________________________________________________________________ GISLAINE PINHEIRO Atriz profissional; Bacharel em Serviço Social pela UNESPAR/FAFIPA; Presidente do Conselho Municipal de Política Cultural de Paranavaí; Integrante do GT de Artes Cênicas de Paranavaí; Atua como atriz na Caiuá Cia. de Teatro e participa das edições do FEMUP desde 1997. Diário de bordo de uma mulher em desespero Graça Carpes Rio de Janeiro - RJ _________________________________________________________________________________ RAMIRO PALICER Bacharel em Serviço Social pela UNESPAR/FAFIPA; Integrante do GT de Artes Cênicas de Paranavaí. Atuou como ator no Grupo TASP e atualmente na Caiuá Cia. de Teatro. Participa das edições do Femup desde 2010. Obra de fé [Sem luto] Éder Rodrigues Porto Velho - RO _________________________________________________________________________________ 143 HIGOR FONSECA De Santo Antonio do Caiuá - PR, tem 16 anos e se descobriu artista em 2014 com o GT Os Protagonistas, por convite de amigos. Já interpretou a adaptação livre “O enterro da cachorra”, como Antônio Morais e “O casamento suspeitoso”, como Dona Guida. Em sua primeira participação no Festival Zé Maria de Declamação, foi um dos 12 selecionados para participar do FEMUP 2014. Poema pra um café passado Karina Limsi Ilha Solteira - SP _________________________________________________________________________________ RAÍZA MEDEIROS Fez parte do Núcleo Teatral da Vila, que era coordenado pelo professor Marcos da Cruz, ficando entre os 12 selecionados nos anos de 2011 e 2012 no Festival Zé Maria. Descriação Branco Di Fátima Minas Novas - MG _________________________________________________________________________________ ANDRÉ FABRÍCIO Acadêmico de Ciências Sociais, pesquisa drama social, rituais estéticos e performances. Ator profissional. Participa pela nona vez do FEMUP, na categoria declamação. Pequeno tratado sobre a lucidez Júlia Zuza Belo Horizonte - MG _________________________________________________________________________________ 144 DANIELA BONETTI Atua no teatro há 14 anos e foi diretora de um grupo de artes cênicas ao longo de sete anos. É poeta, declamadora, segunda secretária da Associação de Pais e Mestres e Filhos do Centro Educacional Cecília Giovine e empregada juramentada no Cartório da Segunda Vara Cível da Comarca de Paranavaí. Também é acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense (Unipar). Relatório (poético) de mortes vividas (!) Mario Lousada de Andrade Terra Rica - PR _________________________________________________________________________________ GABRIEL ROQUE De São Carlos do Ivaí - PR e atualmente residindo em Paranavaí, iniciou nas artes cênicas ainda criança, interpretando alguns esquetes e peças para apresentações escolares e espetáculos. Já escreveu textos teatrais educativos e institucionais e encenou clássicos como “O auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. Desde 2010 é membro do Grupo de Teatro Os Protagonistas e pela terceira vez é um dos 12 selecionados para participação no FEMUP. debora uma cancao Felipe Figueira Paranavaí - PR _________________________________________________________________________________ JOSÉ VALDIR JR. Passou a se interessar pela arte e por suas expressões já nas primeiras séries do ensino fundamental. Em 1993, com apenas 9 anos, declamava com o grupo de alunos do projeto pedagógico da Prof. Elmita Simonetti na Escola Estadual Newton Guimarães de Paranavaí. Em 1997 formou-se em teclado, pelo Conservatório de Música e Artes Vitória de Paranavaí, tendo como mestre a Profª Lúcia da Silva Barbosa. Participou pela primeira vez do FEMUP no ano de 2012, como declamador. Em 2013, ficou em 2º lugar no FESTIVOZ. Casado com Simara Manso, desde 2006. Tornou-se o homem mais rico do mundo com a chegada do seu filho Felipe, em julho de 2013. Bioque Mesito's Series Bioque Mesito São Luís - MA _________________________________________________________________________________ 145 LETÍCIA BRAMBILA Cursa atualmente o Ensino Médio no curso Técnico em Saúde Bucal; Faz parte desde 2013 da Oficina de Teatro da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, onde atua em diversas performances cênicas e espetáculos como “História meio ao contrário” e atualmente “Alice no País das Maravilhas”. Participou como declamadora no FEMUP/2013. Estação da mão esquerda Giulia Barão Porto Alegre - RS _________________________________________________________________________________ JEFERSON DOUGLAS BICUDO 19 anos, acadêmico de Letras, amante do teatro e literatura, paixão que veio por intermédio da avó. Apaixonado pela profissão, trabalha em 3 Escolas de Paranavaí. Sente-se honrado em poder participar mais uma vez do FEMUP, agradecendo a Deus e a todos que sempre estão ao seu lado. Nova Ode Mundial Carlos Faetonte Niterói - RJ _________________________________________________________________________________ PAULO ALMEIDA Declamou em diversas edições do Concurso Zé Maria de Declamação e do FEMUP, fez parte da Cia. Oficinas de Paranavaí, onde atuou em espetáculos como “O mágico de Oz”, “A saga da pirâmide”, “Folia” e outros. Atualmente é gerente de eventos da Casa de Show Lexus Club. Tese, antítese e síntese... (apenas fragmentos) Ludymila Johann Borges Paranavaí - PR 146 COMISSÃO JULGADORA 21º FESTIVAL ZÉ MARIA DE DECLAMAÇÃO Os objetivos do ‘’Zé Maria’’ incluem divulgar a arte de declamação de poemas, homenagear o artista e declamador José Maria Cavalcanti, classificar declamadores de Paranavaí e Região para o FEMUP, além de revelar novos talentos ARLETE DELESPORTE, Campo Mourão, PR Formada em Pedagogia pela UNESPAR Campus de Campo Mourão. Faz teatro há 6 anos. Ganhou prêmio de melhor atriz no Festival de Teatro FETACAM 2013. Participou de diversas oficinas teatrais relacionadas a expressão corporal, vocal e maquiagem artística. Trabalha como atriz no Grupo Experimentos de Teatro e Cia. Casa do Verbo e ministra aulas de iniciação teatral no Projeto de Extensão Cultural da UNESPAR. Principais espetáculos: Sara Kane (2010); O grande dia (2011); Os fantasmas de Sônia (2012); Homem de fábrica (2013); O lado escuro do muro (2014) e Reino da Impostolândia (2014). LEIZA MARIA DA SILVA, Maringá, PR Atriz, diretora é sócia fundadora da ATua Companhia de Teatro. Em 1997 estreou nos palcos maringaenses. Fez parte da Cia Trianon de Teatro, TUM - Teatro Universitário de Maringá, Circo Teatro sem Lona e Grupo de Teatro O Porão do Rio do Janeiro. No Rio de Janeiro, foi professora de acrobacia e teatro, além de Gerente no Teatro Miguel Falabella e Teatro Maria Clara Machado. Em sua trajetória como atriz mais de 12 peças profissionais e dois prêmios na categoria. Atualmente atua e dirige o espetáculo “Balada de Um Palhaço” da ATua Companhia de Teatro. LUCIANA GUEDES, Curitiba, PR Atriz, performer, figurinista, encenadora, arte-educadora e gestora cultural. Iniciou seus trabalhos artísticos na Cia. Oficinas e Tasp, da Casa de Cultura e do SESC de Paranavaí. Graduada em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná. TATIANA DIAS, Curitiba, PR Atriz, técnica em Teatro e gestora cultural. Em Paranavaí participou como atriz da Cia. Oficinas da Casa da Cultura e do Grupo TASP, do SESC. Hoje atua em Curitiba, onde fez o curso Técnico de Teatro no Colégio Estadual do Paraná e trabalha na Companhia Ave Lola Espaço de Criação. LUCAS FIORINDO, Maringá, PR Ator profissional, iniciado e há 6 anos no TUM - Teatro Universitário de Maringá. Já participou de diversas montagens, como A Visita da Velha Senhora e de diversos festivais, como o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. Ele também é poeta e músico, acumula dois prêmios de melhor letra no Festival Acorde Universitário que ocorre na Universidade Estadual de Maringá. 147 LEITURA DRAMÁTICA DOS CONTOS SESC/Paranavaí – Projeto Futuro Integral Direção: Tânia Mara Volpato Azarinho e o Caga-fogo Renato Benvindo Frata – Paranavaí/PR Grupo Traça de Biblioteca Direção: Maria Esther Ferezin Camargo Bestiarii Antonio Neto – Santa Maria do Jetibá/ES Grupo de Teatro Unipar/Campus Paranavaí Direção: Jhonatan Aguido Como Bukowski ao estilo Hitchcock André Moreira Felix – Paranavaí/PR GT de Artes Cênicas Direção: Marcos da Cruz Metamorfose floral André Van Dal – Paranavaí/PR Caiuá Companhia de Teatro Direção: Rosi Sanga Sobre o sangue Tanussi Cardoso – Rio de Janeiro/RJ GT Os Protagonistas – SESI/Paranavaí Direção: Reinaldo Marques O amolador de facas Cristina de Abreu – Niterói/RJ Cia. Oficinas Direção: Rosi Sanga O sangue da rosa Cristina Leite – Paranavaí/PR Médicos do Humor Direção: Talise Schneider In manus tuas Roberto Gonçalves - Paranavaí/PR 148 AGRADECIMENTOS Prefeitura de Paranavaí Rogério José Lorenzetti - Prefeito Thais Matias - Diretora Especial de Expediente Provopar Drª Cristina Marques Dias Lorenzetti Acácio Torres da Silva Cleuza Cyrino Penha Elvio Pizatto Márcio Catiste Maurício Gehlen Podium Alimentos Projeluz Club Saúde Sesi Aciap Casa do Soldador Pama Print Fiep Secretaria de Comunicação Social Jorge Roberto Pereira da Silva Herikson Souza Diego Plaça 149 HINO DO FEMUP Luzes que emanam do alto Iluminando nobres ideais São jovens que querem crescer E um dia hão de vencer Nosso festival se expande Projeta talentos, brados culturais Pois seu campo de batalha é a cultura Poemas e canções, de corações a sonhar O FEMUP é um festival Que há de sempre brilhar mais Nossos jovens são assim Decididos a vencer Letra: Cleuza Cyrino Penha Música: Carlos Cagnani A letra foi atualizada em 1996 150 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ Diretor presidente Paulo César de Oliveira Técnica em expressões artísticas e professora de teatro Graciele Rocha Diretor geral Amauri Martineli Voluntário (Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade) Gerente de desenvolvimento cultural Júnior Guimarães Talise Schneider Professor de desenho e pintura Assessor de eventos Kreslen Matsumoto José Elias Sobrinho (Cidão) Professor de percussão Agente administrativo Glau Ribeiro Amanda Caetano Ruiz Professor de percussão Recepcionistas Nathália Merlin Letícia Cardoso Iluminador e cenógrafo Adauto Soares Hugo Ubaldo Professor de percussão, bateria e Coordenador da Escola Municipal de Música Luzia Guina Machado Rafael Torrente Professores de capoeira Assistente de palco Marcos Paulo Gomes (Gerê) Comunicação e jornalismo David Arioch Coordenadora da Biblioteca Júlia Wanderley Vanderli Pinto Dias (Coco) Leandro Felipe de Jesus (Cabelo) Henrique de Oliveira (Porão) Professores de violão Cristiano Brun Fernando Bana Maria Esther Ferezin Camargo Coordenadora de atividades artísticas e museológicas; Coordenadora da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade e professora de teatro Rosi Sanga Professor de teoria musical, flauta-doce e Coordenador da Banda Sinfônica Clave de Luz Manoel Feliciano Professor de clarinete, saxofone e flauta transversal Phernando Campos Técnica em atividades artísticas e sociais Elza Pavão Professor de trombone Eduardo Amaral 151 Professor de trompete Maestrina do Coral Municipal Adulto e Infantil Cidade Poesia Marcinho Souza Ester Cristina Back Schulz Professora de circo e dança Banda de Apoio do Femup 2014 Karina lima Rafael Torrente Gabriel Zara Arnaldo dos Santos Maurício Bana Tânia Prado Professores de dança Ellen Lúcia Barbosa Augusto Patrícia Romera Dhow Brito Professora de ballet Tayna Mateus Professor de violino Mário dos Santos Silva Professor de acordeom José Alfredo Diniz Braga Professor de violão, coordenador do Grupo Eu e Minha Viola e Camerata de Violões Arnaldo dos Santos Atendentes de biblioteca Esmeralda de Oliveira Luísa Antonia Gerez Grolli Suzana Cristina de Freitas Tamara Spínola Equipe de apoio Charlene Pinheiro Elisângela Araújo Letícia Castro Sueli Matias Lopes Maestro da Orquestra de Sopros Paranavaí Vitor Hugo Gorni Maestro adjunto da Orquestra de Sopros Paranavaí Luciano Torres 152 FUNDAÇÃO CULTURAL DE PARANAVAÍ Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade Museu Histórico, Antropológico e Etnográfico de Paranavaí Biblioteca Pública Municipal Júlia Wanderley Biblioteca Cidadã Boulivar Penha Escola de Música Luzia Guina Machado Orquestra de Sopros Paranavaí Coral Municipal Cidade Poesia (adulto e infantil) Grupo Eu e Minha Viola Camerata de Violões Cia. Oficinas de Teatro Cia. do Circo Rua Guaporé, 2080 - Cx. P. 511 CEP 87705-120 Paranavaí - PR (44) 3902-1128 www.paranavaicidadepoesia.com.br www.femup.com.br Curta nossa página no facebook Paranavaí - Cidade Poesia FEMUP - Festival de Música e Poesia de Paranavaí 49º Festival de Música e Poesia de Paranavaí 46º Concurso Literário de Contos Promoção Apoio cultural Secretaria Municipal de Comunicação Social