COMUNICADO À IMPRENSA 61
Pysdens Solicitors
Londres/Inglaterra
www.pysdens.com
http://www.thehouseofbranchofgold.com/
K.Pysden/S.Perez-Goldzveig.
RATOS PERIGOSOS EM UM NAVIO?
1. Processo legal: Afretadores por tempo (Bunge S.A) moveram ação em Londres
contra cada embarcador (ADM do Brasil Ltda e Outros), em uma audiência de
arbitragem conjunta. Coube recurso em parte das decisões dos árbitros e o
Tribunal Empresarial de Londres tinha competência sobre os recursos. Em 24 de
abril de 2009, o Juiz Tomlinson negou provimento aos recursos da Bunge. Três
dos oito embarcadores - MGT Brasil Ltda.; Rutherford Trading S/A C/O Granol
Indústria e Comércio Importação S/A – (todos exportadores e importadores de
farelo de soja peletizado) foram representados por Pysdens Solicitors, um
escritório de advocacia inglês.
2. Fatos relevantes do processo: A arbitragem envolveu embarques de farelo de
soja peletizado de Paranaguá, no Brasil, para Bandar Abbas ou Bandar Imam
Khomeini, no Golfo Pérsico, Irã, sob 30 conhecimentos de embarque que
incorporam as Regras de Haia. A Bunge havia incorrido em altos custos, nos
termos desses contratos celebrados com os embarcadores, que supostamente se
deveram à presença de ratos vindos a bordo juntamente com o carregamento de
Farelo de Soja Peletizado. A ação envolveu recursos em questões de Direito
decorrentes de oito sentenças arbitrais a favor dos embarcadores, contra a Bunge
S.A. Ao decidir sobre as questões de Direito, o Juiz Tomlinson considerou as
seguintes conclusões dos árbitros sobre os fatos, nenhuma das quais havia sido
questionada pela Bunge nos recursos:
(i)
(ii)
Que a fumigação era inteiramente de rotina;
Que a fumigação era uma exigência do contrato de venda entre a Bunge e
os receptores iranianos;
(iii) Que poderia se esperar que fumigação fosse 100% efetiva;
(iv) Que os ratos que são “mumificados” como resultado da fumigação com
fosfina devem ser considerados simplesmente como um problema estético;
e
(v) Que, de fato, a carga não foi rejeitada pelos receptores iranianos.
3. Recursos das Questões de Direito: As seguintes questões fundamentaram os
recursos a que o Juiz Aikens deu provimento, de acordo com a seção 69 da Lei da
Arbitragem de 1996:
“1. A presença de 14 a 20 ratos na carga embarcada no navio MV “Darya
Radhe” em Paranaguá por um ou mais embarcadores tornou “perigosa”
uma parte ou a totalidade da carga embarcada, nos propósitos: (i) da carta
partida incorporada pelos conhecimentos de embarque e/ou a lei comum
(common law) e/ou (ii) da Regra 6 do Artigo IV das Regras de Haia?
2. Tomando-se como afirmativa a resposta à questão precedente, o tribunal
adotou o teste correto para o que deve ser provado pelos autores
transportadores para tornar um ou mais embarcadores da carga em
Paranaguá responsáveis por: (i) indenizações pela common law; e/ou (ii)
resultantes de tais embarques de acordo com a Regra 6 do Artigo IV das
Regras de Haia?”
4. As Regras de Haia: Na arbitragem e no Tribunal Empresarial da Inglaterra foi
considerada a Regra 6 do Artigo IV das Regras de Haia, que dispõe:
"Mercadorias de natureza inflamável, explosiva ou perigosa ao
carregamento, não autorizadas pelo transportador, comandante ou agente
do transportador, com conhecimento de sua natureza e características,
podem, a qualquer hora antes do descarregamento, ser desembarcadas
em qualquer lugar ou destruídas ou tornadas inócuos pelo transportador
sem direito à compensação, e o embarcador de tais mercadorias será
responsável por todas as indenizações e despesas direta ou indiretamente
relacionadas ou resultantes desse carregamento.
Se quaisquer dessas mercadorias embarcadas com conhecimento e
consentimento se tornarem perigosas para o navio ou carregamento, elas
devem ser igualmente desembarcadas em qualquer lugar, ou destruídas
ou tornadas inócuas pelo transportador sem responsabilidade da parte do
transportador, exceto avaria grossa, se houver”.
Os árbitros e o júri também consideraram o caso inglês “The Giannis NK”, de
1998, 1 LLR 337, em que a Câmara dos Lordes considerou que o significado de
"perigosa", como usado na Regra 6 do Artigo IV, não se restringe a bens que
causem dano físico direto.
5. A Common Law inglesa: O Tribunal Empresarial também levou em consideração
o caso Mitchell, Cotts & Co versus Steel Brothers & Co Ltd [1916] 2 KB 610 em
que foi tratado o princípio de que o embarcador foi obrigado a não embarcar carga
com probabilidade de perigo excepcional ou de atraso ao navio sem notificar o
fretador dos fatos que indicaram ao embarcador a existência de risco. O caso
“Mitchell Cotts” envolveu o embarque de uma carga de arroz para Alexandria por
um afretador, que depois solicitou aos fretadores que concordassem em
desembarcá-la em Pireus, o que foi feito. No entanto, não foi possível
desembarcar a carga em Pireus sem o consentimento do Governo Britânico, que
controlava o porto durante a Primeira Guerra Mundial, e não autorizou o
desembarque. Dessa forma, o desembarque foi feito em Alexandria. Os
afretadores foram responsabilizados pelos prejuízos incorridos pelo fretador. O
tribunal também considerou o caso Transoceanica Societana Italiana di
Navigazione versus H.S. Shipton & Co [1923] 1 KB 31, em que o juiz salientou
que se a regra das mercadorias perigosas se estendesse a questões que não
envolvem danos físicos, “uma vasta gama de responsabilidades se abre contra o
embarcador das mercadorias”.
6. Principais Textos Jurídicos: O tribunal considerou trechos dos principais textos
jurídicos ingleses, sendo que a segunda edição de “Carver on Bills of Lading”
conclui que mercadorias que causem um simples atraso provavelmente não
entrariam na definição de “perigosas” da Regra 6 do Artigo IV das Regras de
Haia; e “Scrutton on Charterparties” que conclui que “perigosas” provavelmente
se referem a mercadorias que são fisicamente perigosas.
7. Decisões da Tribunal Empresarial: Considerando a lei e os textos acima
mencionados, o Juiz Tomlinson considerou que o significado de “perigosas”
como entendido pela Regra 6 do Artigo IV das Regras de Haia não se estenderia
além do perigo físico, concluindo que estavam corretas as decisões dos árbitros de
que Bunge não havia provado responsabilidade segundo as Regras de Haia. O
Juiz também rejeitou o apelo de Bunge com base na common law para que a
proposição no caso “Mitchell Cotts” se estendesse de maneira a incluir casos de
atraso não naturais e concluiu que o princípio no caso citado somente considera
atraso como sendo perigoso em casos em que haja um obstáculo legal, com base
no trecho citado acima do caso “Transoceanica”. Ele convenceu-se de que não
havendo obstáculo legal no presente caso que levasse a um atraso não natural, os
árbitros foram corretos ao concluir que Bunge também não havia provado
responsabilidade nos termos da common law. Por todas essas razões, negou-se
provimento aos recursos interpostos por Bunge.
8. Decisões Não Vinculativas do Tribunal Empresarial: Devido às decisões
explicitadas no parágrafo 5 acima, embora não fosse necessário o juiz decidir
sobre a segunda questão de direito, o Juiz Tomlinson considerou que os árbitros
abordaram a questão do equilíbrio de probabilidades de maneira correta, dado que
se concluiu que a partir do pequeno número de ratos a bordo, não é seguro inferir
que os ratos vieram a bordo da embarcação antes da data em que o primeiro rato
foi avistado. Além disso, a Bunge não apresentou provas estatísticas da
distribuição uniforme dos ratos na carga e mesmo seu especialista, Dr. Sheard,
concluiu que a distribuição uniforme não poderia ser inferida, uma vez que era
perfeitamente possível que algumas partes da carga tivessem sido embarcadas
sem a presença de ratos e outras partes tivessem infestadas de ratos.
9.
Regras de Roterdã: Essas regras nasceram de um trabalho da UNCITRAL e o
instrumento, redigido como uma nova convenção, a ser ratificado, concerne o
transporte multimodal de mercadorias envolvendo uma parte marítima. Esse
instrumento estará pronto para ser assinado em setembro de 2009 em Roterdã.
Ainda há casos nos tribunais discutindo o significado de termos das Regras de
Haia 80 anos após sua implementação, como mostra o caso “MV Darya Radhe”!
Enquanto a Convenção de Haia apresenta 10 artigos, as Regras de Roterdã
apresentam mais de 90, o que poderia suprimir o benefício de anos de
jurisprudência nos termos da common law se vierem a se sobrepor a outras
convenções em vigor atualmente. Essa questão respalda o argumento de que
manter os sistemas atuais seria preferível a criar um novo sistema, uma vez que
seria necessário criar um conjunto totalmente novo de jurisprudência.
10. Distribuição de alimentos: O caso “MV Darya Radhe” também levanta a
questão da dificuldade de assegurar a higiene nos processos de produção,
armazenamento e transporte de alimentos, quando o transporte marítimo estiver
envolvido. Embora tais questões sejam normalmente encobertas pela legislação
que regula o transporte, armazenamento, processamento de alimentos em
diferentes sistemas legais como, por exemplo, a exigência de certificados
fitossanitários para alguns produtos, essas questões deveriam ser claramente
tratadas em contratos, na totalidade da cadeia de suprimento, de porta a porta.
Todos os envolvidos na compra, venda e transporte de alimentos suscetíveis à
infestação deveriam garantir que a determinação dos níveis de responsabilidade e
que a divisão da responsabilidade pela infestação em potencial fossem
devidamente estabelecidas. Os embarcadores tiveram sorte no caso, uma vez que
a fumigação era padrão e foi efetiva na mumificação dos ratos, já que foi provado
que os embarcadores embarcaram os ratos juntamente com a carga e que os ratos
não estavam previamente na embarcação nem chegaram ao navio por outro meio,
como pela prancha de acesso ou pelos cabos de amarração.
Pysdens Solicitors
108 Fenchurch Street
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Londres
Abril de 2009
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