POESIAS
COMPLETAS
JUAREZ DE OLIVEIRA
POESIAS
COMPLETAS
ÍNDICE
A ABELHA E A ROSA
A ESCOLHA
A LEI
A SEMENTINHA E A TERRA
ABANDONO
AMAR AMANDO
AMÉRICO ANTÔNIO AMORIM
AMOR LATINO
ANDANÇAS
ANDANÇAS MINEIRAS
ANGÚSTIA
ANNA ALVARENGA
AO LONGO DA NOITE
APRENDENDO COM VOVÔ
AS MÃOS
ASAS DE BORBOLETA
ASSALTO
BANDA DO CHIQUINHO
BARRIGUDINHO
BAZAR DA COBRA
BENZEDEIRA
BICHO-DE-PÉ
BOLA ROLANDO
BOTANDO O POVO NA LINHA
BRUNINHA FERINHA
BUENOS AIRES
CALILZINHO
CAMPONÊS
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
CASA DE FAZENDA
CENTENÁRIO DE CARLOS DRUMMOND DE
ANDRADE
CHÃO MINEIRO
CHEGADOS DO NORTE
CHEGANÇA
CHICA BORBOLETINHA
CHIOU, PEGOU!
CHIQUINHO PAPO FURADO
CONCERTO FINAL
CONCLUSÃO
CONFISSÃO
CONFISSÃO FATAL
CONFISSÕES
CONSTRUÇÃO DO MUNDO
CONVERSA INFORMAL
CORA CORALINA
CORAÇÃO PAULISTANO
CRONOLOGIA TIETEENSE
DANÇA DO TEMPO
DANÇA DOS VENTOS
DESAFIO
DESCULPA
DESENCONTRO
DESPEDIDA
DIREITO
DIVINO O ROSTO
DIZ QUE ME AMA
DOCE INSTANTE
DRUMMONDIANA
ENCONTROS/DESENCONTROS
ENGENHO E ARTE
ENTREVISTANDO BRUNINHA
ESPERA FELIZ – MINHA ENCANTADORA TERRA MINEIRA
ESSE PAPO É UM BARATO!
ESTUDANTE
ETERNA TEIMOSIA
EU TAMBÉM JÁ FUI MAIS MOÇO...
EXEMPLO DA GALINHA
FERINHAS
FESTA DA BICHARADA
FESTA DA MINHOQUINHA
FILHAS DE MADALENA
FIM DE CASO
FRATERNAL ABRAÇO
FUGA
GARÇAS
GLÓRIA EFÊMERA
GOFFREDINHO
GOFFREDO TELLES JÚNIOR
GOIABAS BRANCAS
GRAÇA MAIOR
GRANDE PASSEIO
GRUPO ESCOLAR INTERVENTOR JÚLIO DE
CARVALHO
GUERRA DO DOCE
HAIKAIS
HELENA NORONHA
HENRIQUE PRETO
HIGIENÓPOLIS
HINO OFICIAL DE ESPERA FELIZ
HISTÓRIA VERDADEIRA
IDÉIAS
IMAGENS
IMBECIS
IMPACIÊNCIA PATERNA
ISAURA
JUJU E RUBINHO
LÁGRIMAS DE CRIANÇA
LAMENTO CORINTHIANO
LAVADEIRAS
LÁZARA RODRIGUES CRUZ
LEITURA – MANUEL BANDEIRA
LEMBRANÇAS
LEMBRANDO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
LEMBRANDO NOSSA GENTE
LIBERDADE
LIBERDADE
LIÇÃO DE VIDA
LIÇÕES DE VIDA
LIVRO SABIDO
MÃE/MULHER
MANOEL GONÇALVES I (PARAFUSO)
MANOEL GONÇALVES II (PARAFUSO)
MARECHAL FLORIANO DO ITAIM-BIBI
MARIA PRETA
MARIA ROSA
MARICOTA E TELECO
MEDO QUE TORTURA
MEMÓRIA ACACIANA
MENINO INTELIGENTE
MENINOS DA RUA NOVA
MENINOS DE ESPERA FELIZ
MENSAGEM
MEU CANTO
MEU COMPUTADOR
MEU GRANDE HERÓI
MEUS VERSOS
MILAGRE DA CHUVA
MINEIRO
MINHA GRANDE AMIGA
MOÇA MORENA
MOÇA NA JANELA
MOÇAS DA MINHA RUA
MOMENTOS DE QUASE-POESIA
MULHER
MULHERES DA MINHA RUA
NÉCTAR DOS DEUSES
NO BAILE
NOITE DOS NEGROS
NOSSA SENHORA
NOVO REI DA FLORESTA
O ALFAIATE
O ESPELHO NÃO ME VÊ
O MINEIRO E O MAR
O MUNDO
O NEGRO
O PREGO E A TACHINHA
OBSERVADOR DE MOVIMENTOS
OLHA NO QUE DEU!
OLHAR POÉTICO
ORAÇÃO MATUTINA
OS HOMENS
PÁSSARO BRANCO
PÁSSAROS E HOMENS
PAULO BOMFIM
PÉ-DE-ANJO
PEIXE PEQUENO
PEIXINHO ATREVIDO
PELOS TRILHOS DA ESTRADA DE FERRO LEOPOLDINA
PERDAS E GANHOS
POEMA
POEMA – INQUIETAÇÃO
POESIA
POESIA INÚTIL
POESIAS SOLTAS
PORTA DO SABER
PRAÇA DA LIBERDADE
PRAÇA JOÃO MENDES
PREFEITO DO CHIQUEIRO
PRESENTE DE NATAL
PRESERVANDO A NATUREZA
PRIMEIRO DIA DE AULA
PROFESSOR
PROFESSORA E POETA
QUERIDO MESTRE
RATINHA CONSELHEIRA
RECADINHO
RECADINHO AMIGO
REDE AMARELA
REFLEXÕES
REI DA LIDA
REINO DA PORCARIA
RESPOSTAS DA VIDA
RETRATO DO BRASIL
RETRATOS DE MINAS
ROSA
ROTINA PAULISTANA
RUA DAS VIÚVAS
RUMOS
SANTA LUZIA FUTEBOL CLUBE
SÃO PAULO – RETRATO POÉTICO DE UMA
CIDADE SONHADA
SÃO PAULO
SÃO PAULO
SAPATEIRO
SEM TEMPO DE RETORNO
SETE MOÇAS
SILÊNCIO DA MÃO AMIGA
SOLO DE FLAUTA DOCE
TATINHA
TEMPO DE ESPERA
TERRA DA MENTIRINHA
TRECO, TROÇO, COISA E TREM
TROVAS
TUNIQUINHO MENTIROSO
TURMA DO ESFRIA-SOL
TURMA DO PULA-PULA
ÚLTIMA PALAVRA
UM NOVO CORINTHIANS
VELHINHO QUE NÃO LEU
VENTO MINEIRO
VERSINHOS ENGRAÇADOS
VIAJANTE SONHADOR
VIDA OPERÁRIA
VIDA POÉTICA
VISÃO DAS ÁGUAS
VOZ DO SINO
ZÉ COIÓ
ZEFERINO, BOA GENTE
INTRODUÇÃO NECESSÁRIA
Não sei o que me levou a ser poeta, se é que poeta sou. Mas como há poetas
grandes, acredito possa haver, também, poetas pequenos. Sendo assim, eu me coloco
meio a essa gente que deve sentir, como sinto, a provocação de escrever, escrever,
escrever... ainda que sem a melhor qualidade.
Carlos Drummond de Andrade, acusando o recebimento de alguns livros meus,
escreveu: “sua veia poética se manifesta brilhantemente.” Sensibilizou-me muito saber
o que tão profícuo e culto poeta pensa a respeito dos meus escritos, não de todos, mas
de alguns, com certeza. Nem todos os nossos escritos são tão maravilhosos, nem
todos as nossas atitudes são tão sensatas, nem todas as nossas decisões são tão
corretas, nem todas as nossas iniciativas gozam do aplauso de todos.
Estou certo que escrevo para poucos. Número esse que só poderia ser um pouco
aumentado caso houvesse melhor divulgação e distribuição dos meus livros. E nós
não temos como alcançar metas maiores, até mesmo em função das tiragens que são
pequenas, quase sempre destinadas aos familiares e amigos mais próximos e à total
falta de divulgação do nosso trabalho. Não escolhi ser poeta, se poeta sou, como
disse. Fui escolhido para também produzir versos. Escrevendo, corro o meu tempo
cuidando de mim. A escrita me acalma. Faz bem para o meu espírito. Parar para quê,
se assim eu me cuido melhor!?
A industrialização do mundo recolheu o homem para seu convívio. Estou, dessa
forma, buscando tornar mais prazeroso o tempo de vida que me foi destinado. Todos
buscam pela máquina mais moderna, pelo resultado mais imediato, pela solução mais
fácil... Nem sempre a melhor máquina, nem sempre o melhor resultado, nem sempre a
mais agradável solução! A máquina pouco falha. A sensibilidade humana varia
sempre. Nossa instabilidade emocional transforma, quase sempre, nosso lado mais
humano, sempre em busca de perfumes raros.
Nem todos conseguem subir as grandes montanhas. Nem todos conseguem gozar
do equilíbrio permanente do corpo lançado nas ladeiras mais extensas. Nem todos
conseguem navegar sua paz completa nas águas do mar, nem sempre tão mansas.
Somos todos o que sabemos ser. Nunca o que pensamos ser. Nós nos julgamos
sempre. Somos complacentes demais para acreditar justos esses nossos julgamentos.
Não somos o melhor. Não somos o pior. Somos apenas.
Eu não me vejo poeta. A infância mostrou-me isso. Nenhum poema lido. A mocidade
aproximou-me de alguns poetas. O poema lido fora selecionado para compor a obra
adotada na nossa instrução. Certamente, o poema que mais agradou e sensibilizou o
nosso educador.
Faço aqui breve pausa, para contar-lhes curiosíssima passagem da minha vida. O
livro de Português indicado para o Curso Ginasial, cumprido no Colégio Evangélico de
Alto Jequitibá, em Presidente Soares, Minas Gerais, entre 1954 a 1958, tinha como
autor o Professor J. Cretella Júnior. O tempo passou. Vim para São Paulo para aqui
continuar meus estudos. Estudei Direito. Ainda estudante, no 3º ano, ingressei na
Editora Sugestões Literárias. Fui ser Editor Jurídico. Passei a Editor e Diretor Jurídico
da Editora Saraiva, 1973 a 1996. Nesta editora conheci o Professor José Cretella
Júnior. Ficamos amigos. Fui seu editor durante longos anos. Nessa convivência,
conhece o querido mestre a minha produção literária. Teve ele a iniciativa de procurarme para eu cuidar do meu ingresso na Academia Paulista de Letras. Mandou-me a
relação com endereço de todos os membros daquela casa cultural. Orientou-me,
ditando-me os passos que deveria seguir. Não fui atrás dessa honraria.
E os demais versos daquele lembrado autor!? Teriam igual qualidade!? Seriam
todos tão perfeitos quanto aqueles deixados ao nosso alcance!? Certamente não!
Quantos versos conhecidos de Bilac foram estampados nas obras da nossa
educação? Quantos versos de Drummond, de Bandeira, de Quintana, de Bomfim, de
Camões, de Pessoa...? Quantos? Poucos, certamente poucos!
Continuarei escrevendo, abusando talvez dos mesmos motivos, inventando muito
pouco, quase nada, já que todos os nossos escritos continuam sendo frutos de nossas
lembranças e de nossos sentimentos. Continuo sendo um observador de movimentos.
Poemas curtos, poemas longos... nossos escritos respondem às nossas
caminhadas. Às vezes muito longas, quando ainda vigorosas as nossas pernas, às
vezes muito curtas quando já fragmentadas pelo tempo ou enfermidade proibitiva.
São versos sem pretensão. Não busco a glória. Sou apenas um passageiro a mais
ocupando a classe de um trem chamado vida, a caminho de uma estação que me
espera.
JUAREZ DE OLIVEIRA
IMAGENS
Chora o pai,
chora a mãe,
chora o filho,
chora a família inteira.
Não me perguntem da causa,
eu sou da terra do riso!
ANGÚSTIA
Tenho as mãos aflitas
entre as muitas em preces,
tenho a fé perdida
entre as muitas crenças,
tenho o corpo prensado
entre as muitas máquinas,
tenho o olhar angustiado
entre as muitas lágrimas,
tenho o amanhã incerto
entre as muitas fugas.
MARIA ROSA
Fale por mim,
Maria Rosa,
você, moça de fé
e íntima de Deus.
Fale por mim,
Maria Rosa,
aos santos indagadores,
e aos anjos guardas do céu.
Aos homens
respondo eu,
que pouco
entendo de Deus,
que pouco
tenho de fé,
pois que aos homens,
mais que a palavra
basta a mentira do mundo!
PÁSSAROS E HOMENS
Permitam, os homens,
transitem os pássaros
seu extenso chão de liberdade,
e os pássaros perceberão
que, no chão descortinado,
não há promessa de paz.
Permitam, os pássaros,
voem os homens
seu extenso céu de liberdade,
e os homens perceberão
que, no céu descortinado,
não há sinal de discórdia.
CONCLUSÃO
A
felicidade
não
serve
aos
que
têm
pernas
cansadas
e
braços
temerosos.
NOITE DOS NEGROS
A noite dos negros
tem samba nas ruas,
batuques e danças.
A noite dos negros
tem dentes de nácar
e a força da raça.
A noite dos negros,
de triste memória,
os negros não contam.
A noite dos negros
não guarda rancores.
A noites dos negros
será sempre de festa!
O MUNDO
O mundo é dos ricos
e dos espertos.
Os tolos e os pobres
serão sempre serviçais!
ABANDONO
O olhar do abandono,
nos restaurantes da cidade,
come janelas de vidro.
ROTINA PAULISTANA
Quando a rotina
se incorpora à nossa vida,
nós nunca viajamos,
vamos todos ao Guarujá!
MULHER
Passou por mim.
Outras, também, passaram.
Minha melhor intenção
mantenho guardada.
Afinal, mulher é mulher,
será sempre mulher.
Nem todas caminham tanto!
LIBERDADE
A Liberdade é de todos.
– Liberdade, a mais oriental praça paulistana.
SOBRE MIM
Não perguntem,
a meu respeito,
aos meus inimigos.
Estes dirão o que sabem
e o que não sabem.
Não perguntem,
a meu respeito,
aos meus amigos.
Estes dirão o que pode ser dito,
nem todas as verdades, certamente!
IDÉIAS
Os homens vivem de idéias.
Dói saber
que vive muito pouco
a grande maioria dos homens!
MEU CANTO
Eu canto.
canto a dor,
canto o amor
– A dor do amor eu choro!
OS HOMENS
Sem asas
a imaginação não voa!
MOÇA NA JANELA
A moça,
na janela,
namora os olhos do mundo.
MÃE/MULHER
Ela esconde os seios,
fragmenta meus olhos,
fragmenta minhas mãos,
fragmenta meu corpo,
ignora as minhas intenções,
adia, uma vez mais, a grande festa.
Alimenta, agora, os pequeninos.
SÃO PAULO
Capital,
retrato frio
de mentes absurdas
de cabeças surdas
ôcas,
tolas,
armadas para o bote
veneno
24 horas por dia
eu bebo
tu bebes
nós bebemos
essa festa louca,
absurdamente linda!
ROSA
Rosa
rosa formosa
rosa carinhosa
rosa perfumada
rosa caída
rosa sem vida
rosa sem nada.
RUMOS
Eu
me
perdi
nos
muitos
caminhos
da
vida.
Eu
me
encontrei
na
caminhada
dos
outros.
– Onde a lógica dos rumos?
IMBECIS
Todos esperam tudo.
A crença, no milagre,
forma fila de imbecis.
PRAÇA DA LIBERDADE
Na Praça da Liberdade,
na cidade de São Paulo,
crianças maltrapilhas,
miseravelmente vestidas,
comem moedas de ferro.
SÃO PAULO
Não chove no norte,
não chove no nordeste.
Enquanto isso,
a cidade de São Paulo,
na mais paciente
e eterna aceitação,
recolhe frutos da seca.
VENTO MINEIRO
Um vento mineiro,
generoso e paciente,
senhor de muitas razões,
de voz doce e comovente,
sopra em meu ouvido
que Minas me espera.
Um vento paulistano,
zeloso e sensato,
de voz grave e rigorosa,
no outro ouvido me sopra
que esse tal vento mineiro
jamais soprou por aqui.
O NEGRO
Escreverão,
em seu rosto,
a cor da sua pele;
acorrentados,
seus pés descalços,
darão, a ele,
a ferramenta,
a semente
e o campo.
Enquanto,
no conforto
da casa do senhor,
aguardarão todos
o tempo de colheita.
Quando a noite
tombar sobre
os escombros do mundo,
ouvirão o seu canto
e aplaudirão
a sua dança
na liberdade
do primeiro sol.
Se seu corpo gemer
nas quebradas da noite
ninguém despertará!
REDE AMARELA
Balança, moça bonita,
deita na rede o cansaço,
quero junto do teu braço
pousar-me inteiro também.
Balança, moça, balança
a tua graça singela,
na minha rede amarela,
brinquemos de vai-e-vem.
A moça, muito dengosa,
tomou-me inteiro no braço,
não disse do seu cansaço,
eu nada disse também.
Agora, a rede balança
ao sabor do amor ardente,
vai a vida, docemente
vai a rede, vai e vem.
NO BAILE
Aquela moça bonita,
vestida de seda e chita,
perfumada e elegante,
outrora moça calada
mal vestida, maltratada,
de riso forte e arrogante,
quem diria, quem diria!
a mesma moça Maria
a mesma vida hoje vive
para os olhos que nunca tive!
SEM TEMPO DE RETORNO
Vinte anos eu tinha, vinte anos,
vinte anos e eu nem sequer sabia,
que já a vida tão distante ia.
Vinte anos eu tinha, vinte anos,
vinte anos e só agora eu sei,
o quanto, da vida, me afastei.
Vinte anos, vinte anos, vinte anos,
esse um tempo de muitos desenganos.
Lição desse meu tempo não vivido:
vinte anos de uma vida sem sentido!
MENINOS DE ESPERA FELIZ
As meninas de Espera Feliz
preferem os meninos do Rio de Janeiro.
Não sei o que pensam
os meninos cariocas.
Sei apenas que os meninos
esperafelicenses andam muito chateados.
A diferença pode estar,
certamente,
no doce cheiro do mar!
DRUMMONDIANA
João amava Maria
que amava José
que amava Laura
que amava Pedro
que amava Sílvia.
Os personagens são meus,
a idéia é de Drummond
que amava Dolores
e morreu por Maria Julieta.
João amava Maria
que amava José
que amava Laura
que amava Pedro
que amava Sílvia.
Aparente história
de extensa traição
– Mero caso de homonímia!
CHEGADOS DO NORTE
O norte que fica atrás
da seca de eterna dança
de vida calada e mansa
esconde a boca mordaz.
No peito, além da esperança
de um mundo todo de paz,
você que chega, o que traz
depois de toda essa andança?
Bem-vindo, moço chegante
das nossas terras do norte,
de qualquer vida aceitante,
Que mais alto fale a sorte,
pois que a vida faz amante
a dor, o riso e a morte!
SETE MOÇAS
Sete moças
sete irmãs
sete saias rendadas
sete saias de chita
são sete moças da roça
buscando a missa das sete.
Limparam o mato do campo
colheram o fruto maduro
varreram o quintal inteiro
correram o chão da estrada.
Ante os meus olhos-meninos
cruzaram a linha do trem.
Sete moças
sete irmãs
sete amanhãs que virão.
Maria prendeu-se à roça
Sinhá cansou-se da vida
Taninha buscou o Rio
Dininha sofreu derrame
Teresa procura emprego
Verinha acompanha a mãe
Dulcimar, a prostituta,
calada, cuida de todas.
Sete moças
sete irmãs
sete destinos.
Não tange o sino da missa
o trem não corta a cidade
o campo ficou distante
o povo inteiro calou-se.
Durante a missa das sete
ausência das sete moças
das sete saias rendadas
das sete saias de chita.
VIDA OPERÁRIA
Esse barulho no mundo
esse meu corpo cansado
esse futuro distante
esse frio que ameaça
essa fome que não cessa
esse medo que me assusta
esse ladrão que me assalta
esse amanhã que não promete
essa procissão de enfermos
esse grito sem resposta
essa liberdade cingida
esse operário sem tempo
esse ideal reprimido
essa cabeça confusa
essa noite de medo e morte
essa mulher que se queixa
esse meu filho que chora
esse juiz que condena
esse homem que não perdoa
essa fé que se distancia
e esse Deus que não chega nunca!
O MINEIRO E O MAR
A bola, de vidro, rolava na rua,
a bola, de couro, no campo rolava,
o moço, bonito, o olhar preso à lua,
pensando na vida, acordado sonhava.
Papagaio no céu, o vôo sonhado,
a linha, na mão, e a força é total,
o corpo menino, todinho banhado,
nas águas do rio, distante do sal.
O menino, não sei se pensava,
distante do mar, inocente brincava,
o sonho no corpo, na mente talvez.
O pé caminheiro, presente se fez,
o menino mineiro, já sonhos não tem,
conformado, afinal, com o mar que não vem.
DESAFIO
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
No alto da escadaria
à tua espera terás
as luzes de um novo dia
e um reino de muita paz.
A vida convida à luta,
só os fortes vencerão,
os heróis dessa disputa,
serão os reis da nação.
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
Os mais fracos e medrosos
nada mais podem fazer,
só os fortes e corajosos
terão nas mãos o poder.
Lá embaixo, os derrotados
pedem água, pedem pão,
esquecidos, ignorados,
são os párias da nação.
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
Combater com inteligência,
torna forte o combatente,
o grito de independência,
vem da luta, certamente.
Quem ao combate se nega,
dando voz à submissão,
à derrota se entrega,
não tem água, não tem pão.
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
Quem espaço ainda disputa,
não deve nada temer,
enfrenta, menino, a luta,
corre atrás do teu poder.
Empunha a sabedoria,
faz do saber tua espada,
a guerra que principia,
precisa ser enfrentada.
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
Sejas tu bom combatente,
sejas tu mais corajoso,
encara a vida de frente,
termina a luta orgulhoso.
A vida, meu pequenino,
é o prêmio a ser buscado,
corre atrás do teu destino,
vai à luta preparado.
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
A vida tem seu encanto,
mas nada nos dá de graça,
não basta ser bom, ser santo,
o combate nos cobra raça.
A glória, meu bom amigo,
jamais virá de favor,
carrega a lição contigo,
só vence quem lutador.
Sobe, menino sobe,
os degraus que tens à frente,
sobe, menino, sobe,
vai à luta, bravamente!
IMPACIÊNCIA PATERNA
Dorme tranqüilo, meu anjo,
o pai ao filho pedia,
dorme tranqüilo, meu anjo,
e a criança não dormia.
Dorme tranqüilo, querido,
o pai ao filho dizia,
dorme tranqüilo, querido,
e a criança não dormia.
Dorme tranqüilo, meu filho,
o mesmo pai insistia,
dorme tranqüilo, meu filho,
e a criança não dormia.
Dorme, meu filho, logo!
já o pai se aborrecia,
dorme, meu filho, logo!
e a criança não dormia.
Ou dorme logo, ou apanha!
já o pai vociferava,
ou dorme logo, ou apanha!
e a criança nem ligava.
O pai, por demais cansado,
dormindo, forte roncava,
enquanto o filho, acordado,
brincava, apenas brincava!
CORA CORALINA
Cora Coralina
Aninha das confissões
do velho vintém de cobre
das magias de Dindinha
da gamela dos banhados
das muitas premonições
da doce mestra Silvina
da Fazenda Paraíso
do campo verde roçado
do canto claro da vida
do verso sem compromisso
cabocla velha, escondida.
Cora, Cora Coralina
o corpo arcado no tempo
a mão semeando o verso
o verbo de boa lavra
a boca mostrando o rumo
colheita de boa safra
cabeça livre e bonita
a forma clara e precisa
caminhos de lucidez
pra caminhada dos moços.
Cora Coralina, Cora
a porta ficou trancada
nas taramelas do tempo
no tanque das lavadeiras
no velho fogão de lenha
pelos becos de Goiás.
Cora, Cora Coralina
a moça burlou o tempo
trocou a saia rendada
negou a lei das idades
modernizou-se faceira
mostrou-se viva e falante
calou a boca da moça
aguçou os olhos do moço
colheu o ouro da vida.
Cora Coralina, Cora
mulher dos vinténs doirados
da boca livre e sincera
do riso sério e prudente
da consciência do tempo
da vida experimentada
de muitos rumos vividos.
Cora, Cora Coralina
pousou por aqui Goiás
com suas ruas de terra
com sua hospitalidade
com seu céu a descoberto
na roda das lavadeiras
nos doces sonhos de Aninha
na boca alegre do povo.
Cora Coralina, Cora
recolhe as suas madeixas
pra grande festa do céu
na cheia dos grandes rios
na ponte dos namorados
na lua branca assanhada
no passo das casadeiras
nas empanadas bonecas
no seio da preta velha
no engenho da cana doce
na mão que carpe o terreiro
no terço das rezadeiras
na boca do Santo Padre.
Cora, Cora Coralina
semente fértil da raça
deixada na cova rasa
pra imortalidade do verso.
Cora Coralina, Cora
poeta que se fez doce
no universo das rosas.
Cora Coralina.
CHEGANÇA
Venho de Minas,
como veio o Drummond,
como veio o Sabino,
como veio o Paulo Mendes,
como veio o Pellegrino,
como outros vieram,
como outros virão...
Eu trouxe Minas,
como
como
como
como
como
como
trouxe
trouxe
trouxe
trouxe
outros
outros
o Drummond,
o Sabino,
o Paulo Mendes,
o Pellegrino,
trouxeram,
trarão...
Drummond foi para o Rio,
como foi o Sabino,
como foi o Paulo Mendes,
como foi o Pellegrino,
como tantos outros foram,
como tantos outros irão...
Menino, eu segui viagem,
fui, então, ser paulistano
– Minas bem mais distante.
Drummond foi visto,
Sabino foi visto,
Paulo Mendes foi visto,
Pellegrino foi visto,
sou apenas mais um
– e São Paulo crescendo!
Mais um, mais um, mais um...
mais um que não termina nunca!
Solto o meu primeiro verso
e o desafio continua,
solto o segundo verso
e o desafio continua,
solto o terceiro verso
e o desafio continua.
Só então eu percebo
a extensa fila
que caminha comigo:
– nenhum Sabino,
– nenhum Paulo Mendes,
– nenhum Pellegrino...
Sobre Drummond,
nem me perguntem,
esse tal reina sozinho!
AMÉRICO ANTÔNIO AMORIM
Pude vê-lo algumas vezes,
já bastante idoso,
já o corpo cansado,
já os olhos distantes,
os últimos sorrisos,
as últimas bênçãos,
ainda as mãos carinhosas,
ainda o gesto fraterno,
ainda a boca piedosa,
ainda a palavra sensata,
ainda o dono da casa...
– Dêem comida ao menino!
senta ali, meu filho!
a comida é simples,
mas é muito boa,
é daqui mesmo,
da nossa horta,
da nossa terra,
da nossa roça,
das nossas mãos...
Temos carne de galinha,
carne de porco e lingüiça,
ovos fritos e cozidos,
mandioca frita e torresmo,
arroz branco e feijão pretinho,
angu e abobrinha,
serralha e alface,
couve e almeirão,
inhame e taioba,
quiabo e jiló...
e, ainda, a canjiquinha!
A barriga cheia
seguia comigo
nas minhas muitas andanças,
no quintal de muitas frutas.
Ao meu lado o Bodevan,
à caça do biribá,
da doce cana caiana,
do pêssego e da jaca,
da goiaba e do abacate,
da gabiroba e da manga,
da banana nanica e da banana prata,
da amora e da maria-preta...
tudo ali ao meu alcance,
à minha disposição,
sem qualquer custo,
sem qualquer proibição...
Antes do último sol
eu retornava à minha casa.
Parecia tudo muito distante.
– O meu olhar de menino,
certamente não sabia,
das dimensões desse mundo!
Longe mesmo ficaram
os amigos daquela casa,
simples e hospitaleira.
De Bodevan,
eu nunca soube mais nada.
Tio Américo
não permiti que partisse;
tranquei-o aqui comigo,
a sete chaves de ouro.
Vez ou outra ele vem
com aquele mesmo jeitinho,
com aquela mesma candura.
Quando parte,
diz que vai a passeio.
Vez ou outra, então saudoso,
vou à antiga casa da fazenda.
Pouca coisa resta de pé,
a velha jaqueira lá está,
talvez pra contar história,
pra dizer muitas verdades,
aquilo tudo que eu disse
daquela gente tão boa,
tão amiga e tão humilde
daquela gente tão nossa,
daquela gente tão simples...
LAVADEIRAS
Na rua das lavadeiras,
a conversa corre solta,
cheirando a sabão pintado,
banhada de água doce.
Maria fala da vida,
contando as rugas da mão,
Chiquinha tece mentiras,
na negação das verdades,
Divina já não tem papo,
pra coisas velhas demais.
Nas contas brancas do terço,
Maria busca achar Deus,
pra temperar sofrimento,
Chiquinha acelera a reza,
temendo o fogo do inferno,
Divina procura um canto
pras suas boas virtudes.
Na rua das lavadeiras,
não há domingo de festa,
o seu silêncio é total.
Na igreja do Rosário
a reza é comunitária.
ENGENHO E ARTE
No tempo, tentei buscar-te,
tentei colher-te, não pude;
carente de engenho e arte,
tive a minha juventude.
Sobrou-me a vida pesada,
vivê-la, coube-me enfim,
mais soubesse dessa estrada
cuidaria mais de mim.
Fiz bem menos que podia,
bem mais podia ter feito,
foi-se, assim, minha alegria,
guardo, enfim, a dor no peito.
Meu coração vai teimoso,
insistente, sei que sim,
saboreia, não sei o gozo,
não diz do gozo pra mim.
Enquanto vivo, vou eu,
até quando, só Deus sabe!
No peito que não morreu
que mais dor ainda cabe?
Sem resposta vou vivendo,
na intenção de encontrar-te;
eu continuo não tendo
o tal engenho, a tal arte.
EU TAMBÉM JÁ FUI MAIS MOÇO...
Com a minha pele morena
corri o campo do sol,
pintei o rosto da moça
com promessa de alegria,
tangi a lira do tempo
nos olhos do meu bom pai,
dormi o doce aconchego
no colo da terna mãe.
Na boca da molecada
tirei o prumo do vento,
levantei meu papagaio
no morro verde da igreja,
rodei o pião do sonho
nos olhos da namorada,
dormi o sonho dos anjos
no seio da liberdade,
teci a luz do amanhã
no chão fértil da minha terra.
Outra vez o vento forte,
outra vez a chuva farta,
outra vez a boca acre,
outra vez os olhos tristes!
Depois, o caminho novo,
a esperança desfraldada,
a crença forçando os passos,
outra vez a queda bruta!
Eu também já fui mais moço...
muito distante do sonho
eu pude ver a mentira
nos corredores da vida
brincando de cabra-cega;
muito distante de Deus
eu pude ver a esperança
de voz rude e presunçosa;
muito distante de mim
pude ver meu ideal,
a vida posta a caminho
cruzando mares azuis
em busca do cais dourado.
Eu também já fui mais moço...
depois o vento soprou,
no tempo eu me vi perdido,
as mãos que pensei amigas
não souberam me prender,
a boca experimentada
recolheu-se, temerosa.
Diante dos muitos rumos
busquei a reflexão,
pesei as minhas andanças,
avaliei os meus passos;
finalmente, a sensatez
conduziu-me ao espelho,
onde eu me vi bem mais moço,
em condições de combate.
Tomei das armas que tinha,
enfrentei as tempestades,
livrei-me dos meus algozes
buscando as luzes do dia.
Nas minhas lutas seguintes
não vi o homem tombado,
o sangue eu não vi no chão,
nem vi o ódio estampado
no olhar dos combatentes.
No final da grande luta
sentamos na mesma mesa
bebemos na mesma taça
o vinho servido aos deuses
por mãos fraternas e sensatas
humildemente irmanadas!
NÉCTAR DOS DEUSES
Papai, ao longo da sua vida,
não soube guardar segredo
da sua enorme paixão.
Amava os cavalos,
sua marcha clássica,
harmônica, singela, educada,
passadas firmes nas ruas
da nossa pequena cidade,
silenciosas e sutis,
ternas como os Noturnos de Chopin.
Quebrando o silêncio das ruas,
vez ou outra o rangido
do mesmo carro-de-boi,
o grito longo e perdido
de algum menino de rua.
No mais, toda a timidez
daquele interior mineiro,
espaço gostoso de vida
que por mais de oitenta anos
prostrou-se aos pés de papai.
No seu salão de barbeiro,
a mesma cadeira antiga,
o mesmo espelho trincado,
o mesmo pincel de barba,
a mesma máquina zero,
a mesma navalha afiada,
a mesma conversa amiga.
De repente, o silêncio!
Ao longe,
quem sabe a ternura
do Noturno de Chopin!
Quem sabe
o acorde festivo
da Primavera de Vivaldi!
Nessa hora,
papai recolhe as coisas do seu ofício,
ele se transforma,
ele se transporta,
segue os passos do sonho.
O cliente amigo compreende
entende, perfeitamente,
esse tempo de viagem
nesse terço da paixão.
Papai, silenciosamente, vai à porta.
Nem Chopin, nem Vivaldi!
Talvez o mesmo cavalo,
a mesma marcha de ontem.
Precisamos entender
que as notas não se repetem
na sinfonia do tempo,
quando, finalmente,
servido ao homem
o néctar dos Deuses!
HELENA NORONHA
Há dor e gratidão
em teus versos bonitos,
bronzeados
pelo mar catarinense,
frágeis
à cata da primeira
lusa embarcação.
O vento sopra
o espelho mágico
da mão sofrida,
resgatada,
acudida,
acariciada,
tudo ao tempo nebuloso
de tantas inquietações.
Virá a razão,
a rua farta e azulada,
talvez a pele de bronze,
quem sabe o próximo passo
e todos os bons caminhos
no abraço do longo mar!
Alpiarça
continua nas águas do Tejo,
banhando o peito inquieto
da filha, do poeta amado,
muito vivo e muito forte
para as fragilidades humanas.
O berço é teu, Helena,
como a água é tua,
como o Tejo é teu,
como a terra é tua,
também lusitana,
terra catarinense
– Mar de Cabral.
A festa será sempre do mar!
LEMBRANDO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Drummond tem seu lugar no meu banheiro.
Mudou-se a pouco.
Ocupa, agora, o lugar
anteriormente reservado a Manuel Bandeira.
A permanência desse recifense não se estendeu tanto.
Já esteve ele outras vezes ao meu lado.
Não sei quanto tempo mais
Drummond continuará comigo.
Nem sei dizer quem, mais tarde, ocupará seu lugar.
Drummond talvez fique um pouco mais do que Bandeira.
Eu tenho me encontrado bem mais em Drummond.
Sua “Reunião” comigo tem sido bastante proveitosa.
Os versos de Drummond
motivam-me à produção poética.
Não copio Drummond.
Nada me leva a copiar Drummond.
Rapazola, copiei, como muitos copiaram,
nossos poetas mais românticos.
Um deles me serviu bem mais.
O homem que embalou tantos corações
vive injusto e incompreensível esquecimento.
J. G. de Araújo Jorge foi lido e
copiado por todos os amantes.
Não sabia ele que os corações se materializariam
e que o beijo roubado seria apenas
o drinque de entrada de um coquetel
bem mais completo sobre a cama espelhada dos motéis.
Já não escrevo cartas às namoradas.
Drummond não se presta ao romantismo mineiro.
Seu verso não fala de amor,
não fala de paixão,
não expressa saudade
e nem clama pelo beijo da mulher amada.
Drummond nada diz ao coração que ama perdidamente.
Poeta de pedra!? Talvez!
De minério!? Muito provável!
Nada nos diz o poeta.
Seu silêncio continua mineiro.
O mar de Ipanema banha seus pés,
sem tocar-lhe tão profundamente a alma.
Em respeito ao Rio de Janeiro,
que o acolheu para o mundo,
Drummond prefere manter-se calado.
Mas e o povo!
Como resistir a tanto encantamento?
Esse Drummond que tenho ao meu lado
nunca esteve tão próximo de mim.
Quando tento agradecer seus versos
a voz do povo diz mais alto.
Assumo, então, meu silêncio também mineiro.
Que nos fale Carlos Drummond de Andrade!
MOÇA MORENA
Casa comigo
moça morena
de cabelos tão negros
de seios tão fartos
de lábios tão doces
de ancas tão largas
para o longo passeio
até a costa do mar!
Casa comigo
moça morena
namorada do mundo
de todos os olhos
de todas as bocas
de todos os vôos
de todas as aves
de todos os pousos
de todos os sonhos...
Casa comigo
moça morena
antes que cesse o sol
antes que cesse o sal
antes que te leve o mar.
Casa comigo
moça morena
enquanto a noite boêmia!
PRAÇA JOÃO MENDES
Na Praça João Mendes,
coração jurídico paulistano,
quase todos são bacharéis.
Os homens, não-bacharéis,
sem qualquer anel no dedo,
são apenas serviçais.
No seio da praça,
a justiça dos homens,
caminha, passos curtos,
entre as arcadas franciscanas,
sobre as calçadas de Anchieta
e a lembrança poética
de velhos lampiões.
No interior da velha igreja
o santo padre boceja.
Nas calçadas do abandono
o rosto amargo do sono.
No Palácio da Justiça,
muito serviço ou preguiça!?
Na demora da decisão
faz, o medo, procissão.
A sentença de morte
precede, muitas vezes,
a sentença do homem.
A sentença prolatada
nem a todos ela agrada!
Há quem diga da injustiça
que não vimos,
há quem diga da preguiça
que não vimos,
há quem diga de homens
que não conhecem...
São juízes,
homens, como nós somos,
pais de família, como nós somos,
serviçais, como nós somos.
Não esperem os homens,
enquanto homens decidem,
a sentença de Deus.
A ordem política
não passa pelos tribunais.
Como você,
impaciente sempre,
incrédulo sempre,
inconformado sempre,
eu também gostaria
de ter sempre razão!
MEDO QUE TORTURA
Rondam nossa casa,
de mãos e bocas sanguinárias,
os ladrões da noite.
Os vermes, que escalam nossos muros,
semeiam, com requintes de maldade,
rastros de medo e morte.
Não dormem meus filhos,
não temos guarda-noturno
e nem temos cão raivoso.
– No olhar da criançada,
indagações sem respostas.
Nas portas, chaves e trincos,
nas janelas, grades de ferro,
na rua, nenhum soldado,
e na garganta, o grito mudo.
– No olhar da criançada,
indagações sem respostas.
Agüenta, coração!
– E a noite inteira por passar...
Onde
Onde
Onde
Onde
Onde
Onde
o homem?
a bondade?
a paz?
a dignidade?
a humildade?
o amor?
Ante Jesus crucificado,
minha mulher reza muito,
nenhum anjo ronda a casa,
nenhum santo nos visita
e Deus ainda a caminho!
Onde a lei!
Onde o soldado!
Onde a justiça!
Em algum lugar dorme o rei.
Onde dormir o operário!?
FRATERNAL ABRAÇO
Meu fraternal abraço
a você,
que entre os muitos guerreiros
não fere qualquer soldado;
a você,
que em meio a tantas mentiras
sobrevive com verdades;
a você,
que entre os fortes se perde
e aplaude o vencedor;
a você,
que abraça o irmão que o fere
com abraço fraternal;
a você,
que caminha entre os perdidos
a lhes mostrar o caminho;
a você,
que entre os algozes da noite
amanhece pro trabalho:
a você,
que tempera a caminhada
certo da salvação;
a você,
que entre os braços da morte
sobrevive riso aberto;
a você,
que entre os mortos se ergue
o perdão posto nos lábios.
POESIA INÚTIL
Hoje
eu me visto de Deus
e saio às ruas
e me perco
no seio da multidão inquieta,
e me descubro
na contemplação
dos espelhos comerciais,
e me perco
entre andares
e apartamentos
e me descubro
frente aos faróis
do trânsito confuso,
e me perco
entre os passageiros
do ônibus lotado
e me descubro
frente aos muitos
automóveis da rua
e me perco
para finalmente
descobrir-me
sobrevivente cansado
e sem tempo
para mudar o mundo.
POESIA
Não me perguntes
quantas vezes escrevi teu nome
nas folhas dos cadernos
nos bancos escolares
nos lenços de papéis
nas areias das praias
nos troncos das árvores
e nos muros da cidade!
Não me perguntes
quantas vezes escrevi teu nome
ó doce companheira
a que chamei saudade!
Não me perguntes
das horas que passei contigo
nas praias
nas ruas
nos bares
e nas noites de folia!
Não me perguntes
das dores que guardei comigo
ó doce companheira
que eu chamei poesia!
CONFISSÕES
Teci a roupa do campo
de flores que não plantei,
teci o riso do homem
de esperança que não tive,
prendi a mão da miséria
junto ao tempo impiedoso,
fiz ver ao mundo o segredo
que eu nunca soube guardar,
dei meu pão ao corpo forte
vendo o faminto implorar,
mostrei ao mundo os meus erros,
para os quais não vi perdão.
Fale, por mim, Maria Rosa,
já mais próxima do céu
e mais íntima de Deus.
Fale, por mim, Maria Rosa,
das coisas boas que fiz!
GRAÇA MAIOR
Lá vai sua mãe toda curvada,
em sua batalha de vida ou morte,
vai combater a sorte disputada,
pela sua sorte.
Bem cedo, manhã de orvalho ainda,
a caminhada se estende ao norte;
e ela luta forte a luta infinda,
pela sua sorte.
Vai buscar seu pão que distancia,
a crescer no preço e não no corte,
enfrentando a noite, mata o próprio dia,
pela sua sorte.
E você, filho ingrato, repousa ainda agora,
matando o corpo de sua mãe tão forte,
mas ela é mãe, ela o perdoa, não chora,
para a sua sorte.
FUGA
Eu preciso fugir
do mundo que me abraça,
que acha graça
da minha caminhada incerta,
e que,
postado à minha frente,
sorri contente
de me ver sem nada.
Eu preciso fugir
da vida falsa
que me embala
e me incompleta,
da tristeza que me cala
e me dá força de poeta.
Eu preciso fugir e fujo,
Mas não resistindo
à distância dos teus braços,
cheio de tristeza,
eu volto a ser poeta.
LÁGRIMAS DE CRIANÇA
Quanta criancinha
rolando da serra,
sujando de terra,
a roupa limpinha!
Eu vejo alegria,
em cada centelha,
de terra vermelha
da serra bravia.
Aqui onde estou
a serra desceu,
a terra morreu
e nada restou.
Mas hei de um dia
voltar lá pra serra,
sujar-me de terra
da serra bravia.
CAMPONÊS
Trabalha a terra como nunca trabalhaste,
com muito mais empenho e mais dedicação,
que absorva a terra a semente que plantaste
e germine, sadio, o fruto que é teu pão.
Se na terra lançares teu adubo venenoso,
o fruto que pretendes brotará de dor,
que tu sejas, no plantio, camponês zeloso,
e que brote, do teu fruto, perfumada, a flor.
Contempla a vida que tão farta te assegura
o espaço livre pra que possas caminhar
sem que a justiça te reserve um só lugar.
Contém a tua ação, o teu gesto de loucura,
arranca, do teu peito, a tua estupidez
e honra a profissão que tens de camponês!
AS MÃOS
Comovidas,
minhas mãos aplaudem
os sutis gestos da bailarina
que eleva suas mãos ao céu.
Sentidas,
minhas mãos não compreendem
o silêncio das mãos
por sobre o peito dos mortos.
Angustiadas,
as minhas mãos tateiam
o espaço aberto
pela incerteza do rumo.
Aflitas,
as minhas mãos enfrentam
o ponteiro de todas as horas.
Serenas,
as minhas mãos acariciam
a tez branca e honrada
do meu velho pai.
Fortes,
as minhas mãos percorrem
o caminho justo
que darei aos meus filhos.
Carinhosas,
tecem as minhas mãos
no aveludado corpo da mulher amada
caminhos que trilharei.
Agressivas,
as minhas mãos buscam romper
o silêncio dos justos,
se justos há a serem despertados!
ASSALTO
O ladrão:
– O dinheiro ou a vida!
A vítima:
– Eu não tenho dinheiro!
O ladrão:
– Então a vida!
A vítima.
– Que vida!?
O ladrão:
– A sua!
A vítima:
– Qual?
Um pouco distante
a polícia observa,
o chefe pilheria:
– O coitado vai fazer na calça!
O investigador:
– Que calça?
A vítima, envergonhada,
a moça mais envergonhada ainda
o ladrão sem-vergonha
e a polícia sem qualquer ação
como em todos os lugares do mundo!
REFLEXÕES
Sob os olhares do dia,
na sombra das construções,
projetei o meu futuro
sonhei os cantos do mundo,
aplaudi as minhas idéias
e não deixei meu lugar.
Sob os olhares da noite,
retornei do meu trabalho,
cassei a dor do cansaço,
calei o medo do homem.
Ante Cristo crucificado,
reuni minhas idéias,
repensei meus planos,
alimentei meu filho,
consolei minha mulher,
para, finalmente,
dormir o perdão do céu.
Sob os olhares do mundo,
rolou a minha cabeça,
acomodou-se o meu corpo
num canto qualquer da vida.
Para o gesto da verdade
dormi a dura sentença
dos trabalhos do amanhã.
Sob os olhares do filho,
caminhei eu cabisbaixo,
recuei no meu avanço,
falei bastante de amor,
sentenciei suas razões
eu disse, também, do mundo,
mostrei as luzes do dia,
mostrei o medo da noite,
só assim eu me encontrei
no meu cavalo de pau!
POEMA – INQUIETAÇÃO
Indicaram-lhe a forma
e o caminho das rimas.
– O poema não se conteve.
Definiram-lhe o espaço
e a glória do amanhã.
– Coube a ele se conter.
Deixou pender a cabeça,
ironizou seu destino,
abdicou-se das regras.
O seu verso, submisso,
não pôde tanger a lira
enquanto o tempo escoava.
Reergueu-se resoluto,
buscou achar seu caminho
e a sua forma ideal.
A baioneta calada
sentenciou sua morte,
colocou-se imperativa.
A ordem manteve o cerco,
caminhou a casa inteira
fez-se, afinal, sentinela.
A cabeça correu o mundo
suportando a dura regra
ante a sentença fatal.
O poema se fez presente.
melancólico e imperfeito,
amordaçou seu sorriso.
O silêncio correu a sala.
A irreverência da forma
não tirou-lhe a consciência.
No auge da grande festa
de rimas, formas e rumos,
o poema, intransigente,
livrou-se de seus algozes.
Bastou-lhe a perseverança.
finalmente, a liberdade!
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Ao Carlinhos,
criança descalça no chão de Itabira,
o corpo moleque nas águas do rio,
a cabeça mais livre nos ares de Minas,
o menino aguçando os olhos da moça,
os olhos retendo as imagens da vida.
Ao Drummond,
o verso bonito na boca do povo,
o canto dolente no colo da moça,
a cabeça perfeita aos olhos do mundo,
o poeta absorto nas coisas do tempo,
a grandeza retida nas mãos do silêncio.
Ao Andrade,
orgulho do pai nos caminhos do Rei.
Ao
Carlos Drummond de Andrade,
minério mineiro cravado no Rio.
PEIXE PEQUENO
Criei-me na espera do peixe pequeno,
sentado, horas a fio, nas barrancas do rio,
o anzol mosquitinho recheado de minhoca,
a vara de bambu já curada na mangueira.
Criei-me no espaço grande e livre das ruas,
correndo, pés descalços e calças curtas,
soltando o meu papagaio na linha coração,
rodando o meu pião na roda da criançada.
Sou fruto da liberdade da cidade pequena,
da vida mineira, pacata e quase sonolenta,
do pai operário e da mãe de grande prole.
Sou fruto do amor e da fé inquebrantável,
da vida sem fantasia, rigorosa e insolente,
e do amor de um Cristo que nunca se negou.
CENTENÁRIO DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Um céu,
um sal,
um sol.
A sonoridade das palavras
abre um espaço azulado
na nossa mente mineira.
Nessa hora,
somos todos viajantes
da liberdade buscada
num extenso braço de mar.
Finalmente, o brilho do Rio,
já bem distante Ouro Preto.
A história do nosso encanto
pode estar em Vila Rica,
correndo fartas ladeiras,
pode estar num canto qualquer
nas mãos enfermas do mestre,
pode estar mesmo no Rio
nas mãos de um certo Drummond.
Minas de tantas minas,
Minas de tanto ouro,
Minas de tantos morros,
Minas de tantos versos,
Minas, Minas, Minas,
seio farto de tantas mães,
mães negras de filhos brancos,
todas elas muito negras,
todas elas, todas elas.
De repente, um longo silêncio,
de poesia, muitos versos,
mistura de muitos santos,
mistura de muitos cantos,
Minas, Minas de todos nós.
Desta vez vem de Itabira,
correndo ruas de ferro,
nosso canto mais dolente.
Eternamente Drummond,
Drummond eternamente!
RETRATOS DE MINAS
Minas é isso:
caminho atrevido
de cortes e curvas,
estrada de terra
em chão de minério,
ladeira de pedra
de histórias bonitas,
memória do tempo
de muita conquista,
veio de ouro
de muita cobiça,
espelho da arte
de santos enfermos,
caboclo calado
de jeito manhoso,
amigo constante
de muitos olhares,
estrada de ferro
de muitas paradas,
retrato pequeno
de verso inspirado,
lamento de negro
no engenho de cana,
cantiga de roda
no chão da senzala,
comida caseira
de angu de fubá,
festança animada
de muito calango,
pomar vigiado
de amora e pitanga,
francisco choroso
a caminho do norte,
coração descoberto
de riso mais largo,
céu de São Jorge
que a serra aproxima,
fileira de gente
atrás do poder.
Minas é muito mais
do que tudo isso,
Minas se resume:
é um Estado de graça!
DIREITO
Tu que advogas a causa, do réu ou do autor,
estuda bem o caso que a ti foi confiado,
interpreta a lei, com reserva e com cuidado,
outras fontes do Direito têm seu valor.
Enquanto não transitada a questão em julgado,
não te creias vencido, nem te creias vencedor,
mantém, neste tempo, a tua fé no julgador
e honra a profissão que tens de Advogado.
Crê na instituição do Poder Judiciário,
considera o teu colega ora adversário,
trata-o com o respeito que deve merecer.
Denuncia a todos o teu direito violado,
reconstrói, enfim, com o saber priorizado,
a maior aspiração que o homem pode ter!
PORTA DO SABER
Que estranha porta essa que se abre agora,
tão plena de luz, tão promissora e calma!?
Que sensação é essa que me toca a alma!?
Que encanto é esse, tão tardia a hora!?
A porta é a do saber que não se tranca,
a sensação, meu caro, toda ela é sua,
o encanto é liberdade que, cortando a rua,
toda a ignorância num segundo estanca!
Abra o livro, leia-o sem fomentar a pressa,
aproveite todo esse tempo de real grandeza
para o prazer imenso que compõe a mesa.
Não mais lhe cause a luz qualquer surpresa,
a liberdade que o livro aqui semeia
é alimento vigoroso que fomenta a Ceia!
GLÓRIA EFÊMERA
Ela veio, sorrateiramente veio,
trancou meus olhos, abraçou meu peito,
mostrou-se inteira, descoberto o seio,
atirou-se voraz sobre o meu leito.
Fez de mim seu brinquedo, tudo fez,
deixou-me prostrado, inútil, vencido,
roubou-me o pensamento, a lucidez,
tive, assim, o prazer antes não tido.
Glória efêmera, partiu como veio
essa mulher tão bonita e tão estranha,
nenhuma prova eu tenho da façanha.
A lembrança de tudo ora me assanha,
retorna ela, outra vez o seu gorjeio,
outra vez inteira, outra vez o seio!...
PÁSSARO BRANCO
Não querem me ver,
mas sou pássaro branco
rondando a janela
da moça morena.
Não querem me ver,
mas sou pássaro branco
ainda a caminho
do sonho doirado.
Não querem me ver,
mas sou pássaro branco
de asas cansadas,
ainda sem pouso.
Não querem me ver,
mas sou pássaro branco
ainda à espreita
do tiro fatal.
Não querem me ver
como pássaro branco
dos dias de ontem
de janelas floridas
de moças bonitas
de moças morenas.
Não querem me ver
mas sou pássaro branco
eterno guardador
de todos os sonhos!
GOIABAS BRANCAS
Eu fui ver Seu Venâncio morrer.
Uma, duas, três horas
e Seu Venâncio não morre.
No quarto, junto ao leito,
onde Seu Venâncio agoniza,
muitas velas acesas,
muitas preces,
muitas rezas.
Dona Clara, a companheira,
reza muito, reza forte,
só ela soluça e chora!
Além da janela do quarto, o quintal,
no quintal a goiabeira,
a única goiabeira de goiabas brancas
brotada no chão da nossa terra.
São muitos os terços,
são muitas as rezas.
Seu Venâncio me olha:
tem olhar de vigia
ou tem olhos de morto?!
Seu Venâncio não morre
ninguém acredita!
O médico disse dez minutos,
um pouco mais, um pouco menos...
Quem para exigir a precisão da hora
na marcação de tempo tão mórbido?
Sobre a morte
mamãe me disse alguma coisa,
alguma coisa também me disse o Padre João.
Que menino sadio, moleque levado,
com cheiro de leite, iria entender
de assunto tão grave?!
Quatro horas, cinco horas
e Seu Venâncio não morre.
As goiabas brancas
pendem dos galhos,
fustigam meus olhos,
lambuzam meus beiços,
me cospem na cara.
Seu Venâncio me olha,
vigia meus passos.
Vem a hora do almoço
e Seu Venâncio não morre.
Vem a hora do lanche
e Seu Venâncio não morre.
Vem a hora do jantar:
minha mãe vem dizer
que Seu Venâncio morreu.
Não há mais Seu Venâncio,
não há mais Dona Clara,
não há mais goiabeira,
não há mais meninada
ao longo das nossas ruas.
As goiabas de hoje
já não crescem cheirosas,
a paciência dos homens
já o tempo levou.
Não há Venâncios e Claras
ao longo da estrada.
Esse tempo de agora
assusta os meninos.
Os meninos recuam:
têm medo da morte.
AMOR LATINO
Sim, disse ele.
Não, disse ela.
No silêncio, os olhos dialogam.
Sim, disse ela.
Não, disse ele.
Outra vez o silêncio.
Outra vez o diálogo.
Agora, dos corpos!
O silêncio latino
fomenta o “amor de perdição.”
Camilo não sabe disso!
A pressa é tanta
que cede espaço à imoralidade.
A degradação moral dos homens
é o passo seguinte.
E surgem os filhos do acaso:
José Solidão,
Violeta Diu,
Sinésio Mal Amado,
Pedro do Desespero,
Venância Distração,
Augusto Leviana,
Agenor Terceira Dose,
Francisco Boa Cantada,
Genésio da Tentação Morena,
Eunice Dias de Férias,
Natalino Real,
Severino Erro de Tabela,
Geraldo do Esquecimento,
Claudionor da Imploração,
Silviano Camisinha,
Custodio do Amor Sonhado,
Antônio Volkswagen,
Manoel da Brincadeirinha...
A diarréia do mundo
fomenta o amor latino.
DIZ QUE ME AMA
Diz que me ama, é certo o que me diz,
mas não permite que eu lhe toque o dedo,
tudo o que sente, conta sem segredo,
não basta ouvi-la para eu ser feliz!
Eu só espero que ela, muito cedo,
me dê prova de tudo o que me diz.
Enquanto isso, torço o meu nariz,
nas minhas horas de tortura e medo.
Aos que sofrem, como sofro agora,
este o conselho de quem mais vivido:
não permitam, como eu, tanta demora;
cortem as asas da inércia que devora,
antes que a vida perca o seu sentido,
pois não há nada, no amor, tão proibido!
MANOEL GONÇALVES II (PARAFUSO)
Um amigo negro,
pobre, muito pobre,
sem lar próprio,
ocupante, agradecido,
do coração generoso
das madres caridosas,
do Asilo São Vicente de Paula,
na cidade paulista de Tietê.
Conheci-o, assim,
muito silencioso,
sem dizer da sua origem,
sem dizer da sua família,
vivendo, quem sabe,
o esquecimento necessário.
Um passado triste!?
Um passado solitário!?
Não me perguntem nada
se mais querem saber
sobre esse homem,
tão simples,
tão educado,
e tão cordial!
Não avancei nunca
na sua intimidade,
na sua história,
nem mesmo
no seu dia-a-dia.
Nos sábados,
só nos sábados,
o nosso tempo de conversa.
Falei muito mais,
ouvi muito pouco.
Seu Manoel,
no seu permanente silêncio
e na grandeza da sua humildade,
quando me cumprimentava,
tinha, na sua negra
e calejada mão,
a mais verdadeira
e mais sincera
expressão de amizade.
Uma única confissão
arranquei da sua boca.
Num raro momento
de manifestação verbal,
disse da sua enorme paixão
pelo AMA – Associação Mocidade Atlética,
clube de muitas festas,
clube de muitos moços,
clube só bons amigos.
Não sei dizer
sobre a origem do apelido Parafuso,
sempre Parafuso
nas rodas de muitas brincadeiras.
Não tive a oportunidade
de ter com ele,
a mesma liberdade
dos nossos amigos comuns.
Chamei-o pelo nome
Manoel, sempre Manoel.
Essa, talvez, a razão,
da nossa maior aproximação.
Conheci-o, tardiamente,
já aparentando muita idade.
Talvez não tivesse tantos anos.
O retrato estampado da dor
de seus prováveis sofrimentos dizia,
contudo, de um tempo
excessivamente longo.
Morreu.
Não fui ao seu enterro.
Numa primeira oportunidade,
fui à sua última moradia.
Rezei por sua alma,
pedi a Deus que reservasse,
para aquele homem
tão simples e tão amigo,
um espaço gostoso do céu.
Disse ao amigo Manoel
alguma coisa, pouca coisa.
Mas o amigo Manoel,
sempre muito tímido,
uma vez mais, nada me disse!
Não havia necessidade mesmo
que me dissesse alguma coisa.
Seu silêncio revelava
sua paz espiritual
no seu céu mais colorido.
Seu Manoel ocupa agora,
longe de sua enorme solidão,
seu espaço mais divino.
DIVINO O ROSTO
Divino o rosto, mãos e pés divinos,
divina toda ela, divina em tudo,
tecido raro e fino, qual veludo,
amparo triunfal dos peregrinos.
Aqui está. Dorme, dorme ternamente
como dormem os anjos. Cuido dela
como cuido das flores. Muito bela
é ela, de longe meu melhor presente.
Despertará, mais tarde, para a lida,
virá, de riso largo, para a vida,
certamente, buscando o meu cuidado.
Soldado que sou, seu fiel soldado,
pronto para atendê-la em seu reclamo,
eu sempre direi a ela o quanto a amo!
ANNA ALVARENGA
Da minha mocidade, o que seria
não fosse, da mestra, seu empenho!?
Dona Filinha, artista em seu engenho,
o encanto, dessa vida, me traria.
Grata lembrança, dela, aqui mantenho,
seu caminho, de luz, me ofertaria,
pelo que fez, enaltecê-la venho,
o coração tomado de alegria.
Notável mestra, luz do meu saber,
não fosse sua luta tão voraz,
onde o meu tempo de alegria e paz!?
Ainda a minha festa sua força faz.
Bendigo eu o seu lutar obstinado,
bendito seu saber que me foi dado!
RETRATO DO BRASIL
Há homens maus, e disso nós sabemos.
Haverá, sempre, alguém na contramão.
Entre estes, quem corrupto e ladrão,
apontar, com certeza, nós podemos.
Hoje mil ladrões, amanhã dois mil
ladrões espreitarão o nosso passo;
questão de tempo, questão de espaço;
– Esse o retrato triste do Brasil!
Honestos, aqui, são poucos, bem poucos,
ora todos otários, ora loucos.
o que acontece aqui não merecemos.
Vergonhosa a conclusão a que chegamos:
o Brasil que nós temos, não sonhamos,
o Brasil que sonhamos, nós não temos!
MEUS VERSOS
O amigo me pergunta, com insistência,
sobre os meus versos vem a indagação,
quer saber, se são frutos da vivência
ou, simplesmente, frutos da invenção.
Respostas, eu as tenho pra questão:
parte dos versos vem da experiência,
boa parte, deles, vem da inspiração,
some-se, ainda, a ela, a persistência.
Livro, jornal, revista, a tudo eu leio,
bons hábitos, cultivados, são o meio,
são basilares armas que sustento.
O exercício, do verso, é necessário,
some-se, a ele, o melhor dicionário,
vida não vivida, sou poeta, invento!
RUA DAS VIÚVAS
Rua das viúvas
nem tudo nela é saudade,
nem tudo nela é tristeza!
ainda que bocas neguem,
temendo a razão de outras,
um pouco também de festa
nela se fecha em segredo.
Dorotéia, quarenta anos,
no terço de contas brancas,
com os olhos lacrimosos,
e o peito inconsolável,
conversa agora com Deus
a sua inconformação.
Januária, cinqüenta anos,
em seu silêncio sentido,
o rolo de lã no chão,
duas agulhas nas mãos,
na cadeira de balanço,
vai em frente tricotando,
preferindo nem lhe digam
que José não volta mais.
Margarida, trinta anos,
Guidinha do Paiol Seco,
não permite transpareça,
aos olhos da vizinhança,
o seu programa de festa
sem as tais incomodações
do marido autoritário,
boca suja e prepotente.
Carmela, moça e bonita,
distante dos trinta anos,
preserva longo silêncio,
prefere dar tempo ao tempo,
vai, primeiro, organizar-se,
decidirá, bem depois,
o seu caminho seguinte.
Didi, a professorinha,
parece até conformada
com a morte do marido
com quem viveu muito pouco.
Talvez nem volte à escola,
vai viver dos bens deixados,
vai cuidar de gente grande.
Dinorá, muito vistosa,
ninguém consegue entender,
nem as freiras, nem o padre,
não há quem retire dela
a menor revelação,
corre o dia posta em luto,
trancou a porta da casa,
talvez nem retorne à vida!
Rua das viúvas
nem tudo nela é saudade,
nem tudo nela é tristeza!
Ainda que bocas neguem,
temendo a razão de outras,
um pouco também de festa
nela se fecha em segredo!
VISÃO DAS ÁGUAS
Venho de longe
atrás de mim, a seca,
o chão inteiro trincado,
o povo, a boca faminta,
muita reza, muito santo,
ainda o chapéu de couro,
ainda o teto de sol,
a mesma grande miséria,
a mesma boca malvada
do homem que só promete,
o mesmo coice de mula
do homem que só ordena,
a mesma farinha seca
tirada da espinhadeira,
o mesmo vento danoso
dissipando o corpo frágil,
a mesma visão das águas
correndo a seca dos rios.
Venho de longe
no meu cavalo de pau
tecendo sonhos doirados,
cortando a rua dos outros,
soltando o cheiro da terra,
na cara dos coronéis,
pisando a sandália rota,
nas calçadas envitrinadas,
jogando meus olhos graves,
nos olhos do santo padre,
esperando chegue a noite,
se a morte não vier antes,
esperando chegue o homem,
com seus cavalos ferozes,
esperando chegue a vida
que o norte não pode ver!
Venho de longe.
Sou brasileiro sim!
A terra que me abraçou
já veio seca e trincada;
de vez em quando Deus chega
vê a seca e vai embora!
DANÇA DOS VENTOS
Trago pouco, muito pouco
porque pouco me ensinaram.
Quem podia, negou-me o tempo;
ninguém ouviu meu clamor.
Restou a pouca esperança
essa que ainda carrego
no peito quase vencido
na boca enferma e faminta
e na cabeça sem rumo.
Aqui estou,
um trapo de vida,
quem sabe, a última dor!
Corri o campo a galope
no meu cavalo dourado,
o olhar ardendo em chama,
a mão ao céu estendida,
os anjos muito distantes
e Deus querendo ocultar-se.
Aqui estou,
a liberdade no tempo
temendo a mão da miséria,
temendo o vento mais forte,
temendo a boca maldita,
a cabeça posta a prêmio.
Não clamo por piedade,
nem temo a última porta!
Talvez eu nem deixe rastro
ao longo da minha estrada.
Não pretendo seja assim!
Quem pode, ao sabor dos ventos,
vencer a fúria do homem
de tantas razões suspeitas!?
SAPATEIRO
Ao sempre saudoso primeiro mestre Jésus Porto
A profissão, de sapateiro, é simples demais,
mas digna como todas as outras profissões.
Tem ela seus odores próprios,
ora o cheiro do campo verde
que varia muito pouco,
ora o cheiro da boiada,
ardido, industrializado,
ora o cheiro da terra molhada,
com sua doce poesia,
ora o cheiro do homem
que varia quase sempre.
Aprendi-a muito cedo,
menino ainda,
ainda a malha pesada,
e o mesmo pé-de-ferro,
muita falta de firmeza,
ainda a desatenção,
paciente, ainda, o mestre.
Depois, amadurecido,
o equilíbrio maior,
o amor pela profissão,
o primeiro lucro,
o doce mais saboroso,
cinema todos os dias,
dinheiro pra muitas festas.
Finalmente, outra escola,
distante a casa paterna,
os pés na cidade grande,
um outro estilo de vida,
o custo maior de tudo,
bem mais difícil o trabalho,
bem maior a concorrência,
muito mais atividades.
A sapataria ficou distante
como o velho sapateiro.
Menino esperto que fui
eu soube trazer comigo,
no mesmo bolso furado,
a profissão aprendida;
na verdade, trago mais,
trago conselhos de casa
e a vontade de vencer.
Corri escolas maiores,
busquei por outros empregos.
Depois de muitas andanças,
achei o rumo da vida.
A profissão que aprendi
eu tranquei a sete chaves,
não disse nada a ninguém,
não retornei mais a ela,
mas se um dia for preciso...!
MENINOS DA RUA NOVA
Os meninos da Rua Nova,
da minha Espera Feliz,
jamais irão a Londres.
Dormem muito cedo,
acordam cedo demais,
antes do grande sonho,
distantes da mesa farta,
antes mesmo que descerre
a última cortina de seda,
bem antes do último whisky!
Os meninos da Rua Nova
ignoram os truques da vida.
Não se preocupe com eles!
Os meninos da Rua Nova
jamais baterão à sua porta,
são dóceis os meus meninos,
são todos simples demais,
prezam muito a humildade,
talvez se lembrem do céu!
Os meninos da Rua Nova
são todos muito educados.
Suas roupas rotas,
seus pés sempre descalços
e suas bocas desnutridas
não escondem nenhum bandido,
nenhuma outra bandeira
talvez o medo da morte!
Maria morreu de fome.
Aqui a dor não impede
os meninos da Rua Nova
de correrem atrás do sonho
com a bola de meias velhas
no quintal de chão batido.
Os meninos da Rua Nova
despertarão mais felizes
quando o sino do Natal
correr a cidade inteira.
Nesse dia, como sempre,
porão a roupa de festa,
calçarão os pés descalços,
pedirão bênçãos ao padre,
irão à primeira missa,
ninguém dirá de tristeza!
Os meninos da Rua Nova
serão todos convidados
para uma festa qualquer.
E eles lá estarão,
por entre os muitos salgados,
servidos de tantos doces,
a cabeça posta em sonho,
sonhando o presente régio
quem sabe a bola de gás!
Os meninos da Rua Nova
jamais irão a Londres.
Nem fale isso aos meninos
ou dormirão assustados,
temendo a ave de aço,
ou a mula-sem-cabeça,
ou mesmo o bicho-papão.
Os meninos da Rua Nova
sonham a chegada do Circo.
“E o palhaço o que é?
É ladrão de mulher!
E o palhaço o que é?
É ladrão de mulher!
Hoje tem marmelada?
Tem sim senhor!
Hoje tem goiabada?”...
VOZ DO SINO
Comeste o último pão,
bebeste a última água,
respiraste a última brisa,
depois de tudo, a tormenta,
nenhum outro sinal de vida!
Ouçamos Grumiaux,
Concerto para Violino n. 1,
em Ré, Opus 6, de Paganini,
allegro maestoso,
adagio
rondó (allegro spirituoso)
Orquestra da Ópera Nacional
de Monte Carlo,
regência de Piero Bellugi.
Não espere a luz do dia,
o tempo, posto em sossego,
ainda dorme o segredo
das suas horas seguintes;
ouve agora a voz dos anjos
no desespero das trevas.
Ouçamos Ruggiero Ricci
Concerto para Violino, em Ré Maior,
Opus 35, de Tchaikowsky,
Orquestra Filarmônica da Rádio Holandesa,
regência de Jean Fournet.
Ainda o mesmo trabalho,
a mesma prece,
a mesma angústia,
o pão distante e pesado,
o corpo débil e sem rumo,
a mão serena e sem força,
o riso, de grave timidez,
e a festa que ainda tarda!
A porta aberta da noite
permite a mão mais pesada.
Pesarosa, no silêncio da sinfonia,
tange agora a voz do sino!
AO LONGO DA NOITE
Passou por aqui o medo,
rondou a minha janela,
forçou a porta da casa,
desistiu do seu intento,
excomungou tantas trancas,
vai retornar outro dia,
virá melhor preparado,
mais armado, mais disposto,
a boca grave e faminta
o peito cheio de ódio,
trará com ele a certeza
de que não falha outra vez.
Eu também me preparei.
Deixei os meus cães de guarda,
alimentei minhas armas,
coloquei grades de ferro
na extensão das janelas,
enchi de ódio o meu peito,
vou pra luta satisfeito,
também eu levo a certeza
desta vez não me escapa
este animal tão feroz.
Não dormi, ninguém dormiu,
deixei a escola de lado,
ninguém buscou ao trabalho,
até que a fome chegou
com ameaça de morte.
Assim, não pudemos mais,
manter a casa trancada.
Na luz mais clara do dia
a casa foi reaberta.
Sem espaço para o ódio,
sem espaço para a fome,
o corpo cortou as ruas,
desceu extensa ladeira,
colheu os frutos do dia,
retornou mais satisfeito,
entrincheirou-se outra vez,
não pôde ir ao trabalho.
Na casa inteira trancada
todos conversam com Deus
pedindo que nos afaste
dessa longa tempestade
de tantos ventos maldosos
de tantas mãos agressivas
de tantas bocas famintas
de tanto ódio no peito.
Não dormi, ninguém dormiu,
ninguém buscou o trabalho,
ninguém buscou a escola,
novamente a grande fome,
dessa vez muito mais forte
trancou-se e também dormiu.
Se despertou, ninguém sabe.
Os mortos não dizem nada!
DOCE INSTANTE
Que bela moça a Teresa!
Que coração mais bonito!
O melhor prato da mesa
eu lhes garanto que fito!
Teresa não me diz nada
talvez nem queira dizer
tocar-lhe a pele rosada
eu bem queria poder!
Eu sonho, que sonho lindo!
Que encanto! Que beleza!
Juntinho de mim, fingindo,
eu sei que sonha Teresa!
Sem que ninguém veja nada,
por, sob a mesa, escondida,
nossa paixão, de mão dada,
tece os caminhos da vida!
ETERNA TEIMOSIA
Vamos ao campo!
O homem que ara a terra
e que nela semeia o grão,
semeia, também, a vida,
não grita forte e nem alto,
não promete o fruto maduro,
nem sabe dizer do tempo,
de incontáveis mutações,
nem sabe dizer do homem,
que não sabe se decifrar.
O pouco que semeou,
a chuva forte levou,
no baile seco do tempo,
sem qualquer anúncio prévio,
sem mesmo pedir licença
ao senhor de tantas terras.
O que ele pensou restasse
o outro homem levou,
também não pediu licença,
veio forte, autoritário,
trouxe a boca de impropérios,
trouxe o dente posto à mostra,
mais forte trouxe o seu ódio,
nas armas a tiracolo
o seu convite de guerra.
Vamos ao campo!
O homem talvez descanse
suas muitas cicatrizes,
talvez até nos convide
a conhecer toda a roça,
a colher o fruto maduro,
a beber a água fresquinha,
depois o prato gostoso
de comidinha caipira,
doce de leite caseiro,
cafezinho de rapadura,
bolo ou broa de fubá,
depois ainda um fuminho
da melhor palha de milho,
quem sabe até um passeio
no seu arreio de ouro!
Vamos ao campo!
É certo que encontraremos
alguém portando a bandeira
da eterna teimosia!
CONVERSA INFORMAL
Eu quis saber do coração
sobre as suas decepções,
suas paixões desenfreadas
e tudo o mais que pudesse,
com muita sinceridade,
confidenciar ao amigo.
O coração me olhou,
de olhos azuis e graves,
pensou gritar, se conteve,
pensou me agredir, recuou,
pensou me abraçar, desistiu,
acomodou-se ao meu lado,
sem qualquer subterfúgio
contou-me toda a verdade.
Durante a longa conversa
não soube ele se queixar
conteve o verbo agressivo
usou de muita lealdade,
foi claro e muito sucinto,
ditou-me tudo o que pôde
depois manteve o silêncio.
Pretendeu, também, ouvir-me.
Mantive a boca calada.
Insistiu.
Fitou-me, de olhar mais grave ainda.
Exigindo que eu dissesse
sobre tudo o que eu ouvira.
Terminamos assim o dia,
ele, muito silencioso,
aguardando as minhas palavras,
eu, a boca em retirada,
cheia de prece e de viva,
conversando, como sempre,
sem ouvir o coração.
Durante a noite chegada,
meu corpo, muito cansado,
ainda o sono distante,
o coração recolheu
do meu olhar inquieto
a mais longa confidência
de total arrependimento.
Desarmado de vingança,
buscou ele sufocar
as minhas inquietações.
Mal chegado o sol seguinte,
meu olhar rondou a casa,
correu seu espaço inteiro,
vasculhou canto por canto
e nem sinal do coração!
De repente, o dia claro
fez entrar pela janela
na brisa toda serena
o doce cheiro da vida.
Nesta hora, o peito em festa
percebeu pulsar mais forte
a presença do coração,
renovado de esperança,
confessando em seu silêncio
que a vida seguia em frente,
clamando, muito terno e muito doce,
um pouco mais razão.
O ESPELHO NÃO ME VÊ
O espelho não me vê. Sou ainda muito moço,
moço ainda para espelho tão desaforado,
aquele que a todos ele mostra, pele e osso,
certamente não sou eu, ainda forte e bem cuidado.
Um olhar mais justo – o olhar da mocidade,
com outros olhos me vê, onde quer que eu esteja,
o olhar feminino, que espelha a real verdade,
esse eu sei que me busca, eu sei que me deseja.
Há muito não vou ao espelho do meu banheiro,
o meu espelho me agride, respeito não tem,
justamente com quem dele cuidou tão bem.
Uma só razão me faz mantê-lo ainda inteiro,
todas as vezes que minha mulher o fita,
garboso, sempre exclama – que mulher bonita!
HENRIQUE PRETO
O menino não aprendeu seu nome:
Henrique Preto.
Quando alguém necessitava de
seus préstimos profissionais
era “Seu Henrique”
– Seu Henrique
Eu preciso que o senhor me faça
um apito, uma lamparina, uma caneca...
Não sabemos de seus filhos.
Não os teve, certamente!
Riram dele os moleques de rua,
desprezaram-no os moços;
indiferentes, viram-no os mais idosos.
Onde o pecado do homem?
Sua cor!
Seu tamanho considerável!
Seu silêncio!
Sua dedicação ao trabalho!
Sua pobreza!
Quem mais rico?
Deus manda que ele entre:
– Entre, velho amigo,
ocupe aqui seu espaço,
aquele que você conquistou
com seu trabalho tão útil,
silencioso e honesto!
Seu Henrique,
bonachão,
não se faz de rogado
toma o espaço que é seu.
Com sua simplicidade,
com a modéstia operária,
deixou, nas suas andanças,
um mundo de lamparinas
para iluminar a caminhada
de muitos outros que virão,
meninos, moços, senhores.
Seu Henrique
jamais se queixou da vida,
trabalhou, só trabalhou.
– Um pecado para muitos,
a maior das virtudes humanas!
LÁZARA RODRIGUES CRUZ
Sereno, seu olhar percorria a casa inteira,
caminhava os ventos do quintal,
postava-se guardião de tudo,
fingia nos corredores da liberdade
– espaços curtos de ruas,
vez ou outra deixados ao seu alcance para, finalmente,
entrincheirar-se em seu silêncio,
confessar sua enorme solidão
e entregar-se, no tempo excessivamente limitado,
aquele que, normalmente, serve às mães,
sobrecarregadas mães de famílias,
às adorações celestiais.
Cuidou da sua fé,
alimentou o sonho da família feliz,
aceitou, resignada, o seu rumo,
sem jamais erguer, agressiva, a sua voz
e amaldiçoar os limites da sua caminhada.
Não tenho os olhos do mundo.
Tenho apenas os meus olhos.
Assim foi Lázara Rodrigues Cruz
assim eu a conheci,
nas nossas poucas aproximações,
e na ausência total de um diálogo maior.
Eu vejo com os meus olhos.
Não tenho os olhos do mundo.
Alguém, certamente, viu o que não vi,
alguém que também foi à missa,
alguém que também confessou,
ao santo Padre, os seus pecados,
alguém que também carregou, no coração,
a mesma cruz do desconforto.
Alguém dirá que Lázara foi feliz.
No espaço curto da minha observação
enxerguei os limites da sua felicidade,
o marido, companheiro permanente,
os filhos, sadios e educados,
os amigos, presentes sempre.
Para uns, esse o sonho acalentado.
Para outros, a opção pelo silêncio,
o silêncio que responde ao mundo,
o silêncio que conversa com Deus,
o silêncio confessadamente agradecido.
Não é preciso ser poeta,
para conhecer o universo do ser humano.
Necessário, contudo,
manter-se o coração,
permanentemente atento à palavra de Deus,
para ouvir relatos da nossa caminhada
e entender um pouco mais das respostas à nossa fé.
Lázara serve a Deus, como serviu a todos.
No seu silêncio,
a marca de sua profunda fé cristã.
Os nossos sonhos serão sempre sonhos.
Além dos sonhos, a realidade da vida.
Eu vejo com os meus olhos.
Não tenho os olhos do mundo!
MINEIRO
O mineiro é paciente,
generoso e pensador,
corajoso, sempre à frente,
é mensageiro do amor,
é bondoso e é sensato,
é o melhor doce do prato,
do vaso, a mais bela flor.
O mineiro não tem pressa,
com prudência, se conduz,
a ele só interessa
a vida plena de luz,
não agride, não molesta,
seu silêncio faz a festa
que à mansa vida conduz.
O mineiro, por natureza,
dá espaço à cortesia,
dá, ao verso, mais beleza,
ao mundo, mais alegria,
silencioso em seu canto,
com seu espírito santo,
a santa paz irradia.
Moderado no seu gesto,
desprovido de rancor,
na conduta, muito honesto,
sentimental, sedutor,
o mineiro, muito crente,
pra pedir, por sua gente,
é, na igreja, um rezador.
O mineiro é criativo,
é um inventor natural,
muito esperto, muito vivo,
busca a glória universal,
diga o nosso Juscelino,
tendo fé no Pai Divino,
fez Brasília, a Capital.
O mineiro nasceu artista,
nasceu poeta e cantor,
é o primeiro da lista,
seu verso tem mais valor,
um mineiro de Itabira,
o mundo inteiro admira
Drummond, nosso escritor.
O mineiro não se enrola,
age sempre do seu jeito,
tocando, de leve, a bola,
leva, a vida, satisfeito,
se o papo é de despesa,
ele, esperto, deixa a mesa,
batendo forte no peito.
Dinheiro, não dá de graça,
sabe bem do seu valor,
nunca nega a sua raça
de eterno guardador,
que diga o velho colchão,
que, no tempo do tostão,
fez, do mineiro, doutor.
Banqueiro, jamais bancário,
detesta a submissão,
quando se vê operário
vira o rei do palavrão,
bota a boca no trombone,
de um ventinho, faz ciclone,
de um bocejo, faz trovão.
Faz guerra, se for preciso,
faz barulho, sem cessar,
quando perde o paraíso,
faz tudo o que precisar,
em pingo d’água dá nó,
a pedra, transforma em pó,
se preciso, seca o mar.
Seu momento de poesia,
o mineiro tem de sobra,
ele a tudo acaricia,
bom de bico e de manobra,
deixa que reine a mulher,
ele, assim, tem o que quer,
ganha o sogro, ganha a sogra.
O idiota não é mineiro,
essa certeza, eu garanto,
com seu jeitinho matreiro,
com sua cara de santo,
o mineiro, ameaçado,
tem sempre um trunfo guardado,
que não permite seu pranto.
Pra derrotar minha gente,
tem que ser muito batuta,
tem que ter bala no pente,
e muita sorte na luta,
não há povo mais guerreiro,
que o nosso povo mineiro,
quando a honra se disputa.
Se o assunto é futebol,
vai, aqui, o nosso olé,
quem mais graça deu ao sol
foi, certamente, o Pelé,
quem deu luz ao Mineirão,
foi Reinaldo, foi Tostão,
com a magia do pé.
Voltando à literatura,
nesse assunto fico prosa,
lembro, aqui, grata figura,
Guimarães, o nosso Rosa,
Paulo Mendes, Pellegrino,
Murilo, Nava e Sabino,
quem de mão mais preciosa?
A escultura, certamente,
tem espaço no meu canto,
surge um nome, de repente,
certamente nome santo,
uma glória no meu caminho,
um Antônio, Aleijadinho,
a dor em doce acalanto.
Se a discussão vai pro céu,
eu peço, aqui, permissão,
tem espaço, no cordel,
o criador do avião,
Santos Dumont, meu amigo,
deu ao tempo largo abrigo,
encurtando a direção.
Na história brasileira,
um registro sem igual,
na nossa terra mineira,
o grito forte e fatal,
Tiradentes, filho honrado,
distancia, com seu brado,
o Brasil de Portugal.
Ouro Preto, Mariana,
São João Del Rey, Sabará,
a história se engalana,
a glória imortal se dá,
no nosso chão de minério,
um poema, curto e sério,
duas letras: BH.
Da mineirinha, meu caro,
muita coisa pra dizer,
um poema, terno e raro,
um rio santo a correr,
água pura, cristalina,
candura que a mão Divina
fez de graça e de prazer.
Da mineira, meu amigo,
eu diria muito mais,
encerrando, só lhes digo,
ela é ouro das Gerais,
é graça, é paz, é ternura,
é luz, amor e doçura,
é deusa dos minerais.
Você que não é mineiro,
jamais se sinta humilhado,
tudo, aqui, é brasileiro,
no mesmo chão foi gerado,
sob o mesmo céu de anil,
tudo, afinal, é Brasil,
chão por Deus abençoado.
Quanta conversa fiada!
Quanta espirrada de taco!
Conversa que leva ao nada,
lembra modos de macaco.
O verbo, afinal, na mesa,
somos todos, com certeza,
farinha do mesmo saco!
Silencio, finalmente,
mineiro, eu falei demais,
um pouco da nossa gente,
um pouco dos imortais,
à história dei espaço,
encerrando, meu abraço,
mando ao povo das Gerais.
GARÇAS
Garças, quantas garças, quantas!
Garças brancas, todas elas,
garças brancas, todas belas.
Garça branca – o que cantas?
A garça não me diz nada,
calada, sempre calada.
Garças, muitas garças, todas elas,
todas brancas, todas belas.
As garças me olham – horas a fio.
Garças, muitas garças,
na grande festa do rio!
Contemplando-as,
sou senhor de todas elas,
das garças brancas e belas!
QUERIDO MESTRE
Ao Professor Goffredo Telles Júnior quando do passamento
Fagundes Telles
de seu filho com a escritora Lygia
Quanta dor, meu mestre, quanta dor,
pode o peito do mestre suportar!
Quanta dor, meu mestre, quanta dor,
a dor de agora, que não quer cessar!
Quão grave o silêncio, essa paixão,
o adeus tão moço, a dor tão pungente,
qual razão, meu Deus, qual a razão
dessa viagem assim tão de repente!
Que golpe é esse que navega às cegas,
que infortúnio é esse, que entregas,
ao mestre tão querido e tão cansado!?
Se é certo mesmo que o Pai não erra,
ao mestre resta retomar a guerra,
e enfrentá-la assim tão desarmado!
CASA DE FAZENDA
Muitos retratos nas paredes
da sala, do quarto, da cozinha,
rostos jovens, risos largos,
rostos envelhecidos, risos curtos,
saias longas, todas de chitas,
calças curtas, todas de cáqui,
calças compridas, todas de linho branco,
mulheres de cabelos longos,
alguns muito negros, outros muito brancos,
homens de barbas longas,
algumas muito negras, outras muito brancas.
Nenhum nome nos retratos
e o tempo passando,
mas ainda alguém aponta:
– Aquele é José, fazia queijo, plantava milho;
– Aquela é Josefina, preta velha,
excelente cozinheira!
– Aquele é Januário, ali estava com 10 anos,
morreu muito cedo, pegou caxumba,
não cuidou... – uma pena!
Menino calmo, trabalhador dedicado,
seria ele, hoje, o dono da fazenda;
- Aquele é Durvalino, preto velho,
bom camarada, gente boa, calado sempre,
nunca uma palavra queixosa,
durou bastante, deveria durar mais ...
– Êta preto bom! bom de braço,
bom de perna, fiel como ninguém!
– Ah, aquele!
Não é da família, certamente não é!!
Atendia pelo nome de Pangaré,
carregava todos os pesos da fazenda ...
– Êta cavalinho bom!
Um retrato, dois retratos,
muitos os retratos nas paredes.
O silêncio chegou, ninguém disse mais nada,
e os retratos foram ficando.
Lá estão ainda, sem nome,
sem qualquer referência ...
o cavalo será sempre Pangaré,
pois tem cara de pangaré,
de servidor cansado, já no fim da vida.
O silêncio de todos
provoca indagações curiosas:
– Quem é aquele barbudo ali?
– Quem é aquele negro ali?
– Quem é aquela velha de saia de chita?
– Quem é aquela menina descalça?
– Por onde anda hoje essa criança?
Não há quem responda às indagações!
O tempo, ah, o tempo!
Ficou mais fácil culpar o tempo
do que culpar aqueles que se omitiram,
que não nominaram as pessoas,
que não indicaram datas ...
aqueles que apenas colocaram
retratos na parede.
A qualquer hora, a casa será vendida.
Quem a casa deixar nem se lembrará
dos retratos nas paredes,
Os novos donos darão tinta
e pincéis aos pintores,
quererão, por certo, as paredes
bem limpas, bem branquinhas...
– Os retratos irão todos para o lixo!
José, Josefina, Januário ...
– quem deles se lembrará?
Talvez alguém preserve as fotos
de Pangaré e de Durvalino.
Preservadas, ninguém dirá o nome de Durvalino,
mas todos saberão o nome de Pangaré...
pela cara que tem de pangaré.
Poderia chamar-se Formoso,
Sentinela, Guarani ...
Sorte do cavalo ... será sempre Pangaré!
Azar do servidor mais fiel,
bom de perna, bom de braço...
Durvalino será sempre o negro velho da fazenda,
o camarada, o escravo...
– Nome! Nome pra quê!?
PAULO BOMFIM
Não é este o Bomfim
que encontro na Praça,
nem é este o Bomfim
que conversa comigo.
O Bomfim que conheço,
distante dos livros,
difere, bastante,
de tudo o que leio.
Não é este o Bomfim
que encontro nas festas,
nem é este o Bomfim
que se guarda em silêncio.
O Bomfim que conheço,
não vejo nos versos,
difere de tudo
o que o livro condensa.
O verdadeiro Bomfim
de tudo se esconde,
jamais pede aplauso
por tudo o que fez,
por tudo o que faz.
Quando estou ao seu lado
quem mais fala sou eu.
Educado, ele ouve.
O verdadeiro Bomfim
vai à praça elegante,
sorri, se despede,
fez-se um belo poema!
MEMÓRIA ACACIANA
Homenagem ao jornalista esportivo, o tieteense ACÁCIO FERRAZ
Abnegação,
amor ao povo,
amor ao esporte,
amor à bola,
amor ao futebol,
amor à alegria,
amor total.
A bola movimenta os homens,
a bola aproxima os homens,
a bola educa os homens,
a bola reduz as diferenças,
a bola faz a festa de todos,
a bola, que corre festiva,
não fala de credo
e nem fala de cor.
Na roda de amigos,
somos todos jogadores,
somos todos torcedores,
somos todos técnicos,
a paixão, pela bola, é total.
A bola escreve histórias,
há quem goste de contá-las,
há quem goste de ouvi-las
e há quem peça, sempre,
o seu registro.
Alguém, pacientemente,
servidor, sempre, de boas causas,
anota, fotografa, noticia,
dá vida à grande orquestração.
Memória Acaciana:
o grito que todos ouvem,
a palavra que o jogo explica,
e a foto que tudo mostra.
Uma, duas, três... milhares de palavras!
Uma, duas, três... milhares de fotos!
Não perguntem, ao velho senhor,
a razão de tanto amor ao futebol.
Seu olhar, atento da paixão,
paira sob um céu de razões pessoais.
O seu silêncio responde a todos
e todos entendem a resposta que vem.
Seu silêncio diz, ainda,
de sua festiva intimidade.
A inquietação humana,
levada por incontáveis curiosidades,
desfila, disfarçadamente,
no extenso tapete verde,
a curiosidade que é de todos nós.
A história tem o seu senhor.
O registro foi feito,
palavras e fotos se misturam,
mostra, outra vez, o tapete verde,
aplaude o toque refinado do atleta,
solta seu festivo grito de gol,
para encerrar sua caminhada
no toque sutil da lembrança
que se fez de festa
para terminar em lágrima.
Todos jogam, nesse exato momento,
o jogo chamado saudade
dos campos, das quadras, do tatame...
O cenário: os espaços esportivos de Tietê.
Os atores: os esportistas de Tietê.
Tempo de jogo: uma eternidade.
Sua estrela maior: a bola.
Um jogo, dois jogos, centenas de jogos...
de repente, o apito final,
a taça erguida.
Finalmente, o vencedor:
ACÁCIO FERRAZ.
CONCERTO FINAL
Não há retorno, não há!
A nossa vida de agora,
corre nas águas do rio,
ora inquieta, agitada,
ora morosa e silente,
ora audaz, aventureira,
ora pacata... pensativa talvez!
Sua busca é permanente,
quer a inércia do mar.
Em águas salgadas,
o doce se espraia,
o rio se perde,
a vida se esvai,
sua entrega é fatal.
Não há retorno, não há!
Abre bem os teus olhos,
contempla a lua miúda,
um ponto apenas de luz,
no céu que se faz imenso.
Mais cedo virá o sol,
mais tarde virá a lua,
somos nós a mesma nota,
presa à mesma melodia,
sob a regência do mar.
Por mais que tentes fugir,
nosso encontro está marcado:
– O mesmo mar nos espera!
MARIA PRETA
Na sua faina diária,
essa mulher operária,
senhora do seu terreiro,
pela mulher que servia,
ela preta, ela Maria,
se entregava corpo inteiro.
Sem a graça de Julieta,
a nossa Maria Preta,
sem qualquer Romeu ao lado,
com sua mão decidida,
deu mais luz à sua vida,
dando a todos bom agrado.
Fez o povo mais contente,
modesta, seguia em frente,
sem qualquer queixa de dor,
com sua mão solidária,
servindo Dona Donária,
conquistou Nosso Senhor.
Foi-se o tempo de Maria,
fez-se anjo, quem diria!
Por cumprir bem seu papel,
Maria, meu camarada,
cumpre, agora, outra jornada,
junto aos anjos lá do céu.
Lá no céu, no seu cantinho,
dança e canta, bem baixinho,
com doçura em sua voz,
pede ela, certamente,
toda noite, minha gente,
proteção pra todos nós.
Maria Preta sambava,
Maria Preta cantava,
esse um tempo de alegria,
a nossa Espera Feliz,
perdeu o riso, alguém diz,
assim que perdeu Maria.
Verdade, pura verdade,
dependesse da vontade,
do meu povo tão ordeiro,
não teria nos deixado,
quem tanto nos deu agrado,
dando luz ao chão mineiro.
Surgissem outras Marias,
para alegrar nossos dias,
esse o sonho que vivemos:
que as Marias de agora,
façam todas, sem demora,
a festa que já não temos.
Não perdemos tudo não,
bem no nosso coração,
festiva, soa a trombeta,
na mesma nossa calçada,
surge ela, imaculada,
outra vez Maria Preta!
NOSSA SENHORA
Viajo todos os dias
para Minas Gerais,
para a casa dos meus pais,
para minha terra natal,
para Espera Feliz,
Zona da Mata Mineira,
aos pés do Pico da Bandeira.
Lá estão meus familiares:
meus pais,
meus irmãos,
meus parentes todos;
lá estão meus amigos,
todo o povo esperafelicense.
Não tive tempo para inimizades.
Fiz de amor e de paz
meu tempo de menino:
levado, sempre,
estúpido, nunca!
Viajava de trem,
pela Estrada de Ferro Leopoldina,
com curta parada
na Estação Barão de Mauá,
na cidade do Rio de Janeiro.
Viajo, agora,
no colo dos sonhos,
com minhas lembranças,
todas elas muito lindas,
muito ternas, muito belas,
todas elas, todas elas...
Já não pago passagem,
não ouço o apito do trem,
não vejo erguida a bandeira,
nenhum lenço nas janelas,
não há moça sonhadora,
já ninguém tão apressado.
Petrópolis ficou distante,
como distante ficaram
Três Rios, Carangola e Tombos,
os varais de roupas e de galinhas,
o canto festivo do calango
e o canto choroso
da velha sanfona de oito baixos.
Embarco de madrugada,
nas asas do sonho.
– lépida viagem,
inteiramente feliz!
Meus pais me abraçam,
meus irmãos me abraçam,
meu povo me abraça
– a festa é de todos nós!
Ocupo o meu quarto.
Aqui está ele:
o cobertor quentinho,
o lençol limpinho,
a fronha cheirosa...
Nossa Senhora,
sobre a penteadeira
do quarto dos meus pais,
me olha e me diz:
– dorme tranqüilo, meu anjo,
que cuidarei do teu sono!
Passou o tempo.
Meus pais viajaram
a viagem mais longa e sem retorno.
Continuo viajante
de todos os sonhos,
no embalo de todas as preces.
Nossa Senhora,
a Santinha de Chumbo,
já um pouco amassada,
continua ao meu lado,
agora na penteadeira do meu quarto,
repetindo sempre:
– dorme tranqüilo, meu anjo,
que cuidarei do teu sono!
Amanhã,
assim que anunciado o meu embarque,
para minha última viagem,
minha viagem sem retorno,
após agradecer à bondosa
Santinha de Chumbo,
esse será meu derradeiro pedido:
– cuida dos meus filhos,
minha Nossa Senhora,
como cuidaste de mim;
permanece ao lado deles,
como ao meu lado permaneceste;
protege-os como me protegeste;
educa-os como me educaste;
indica-lhes, minha Nossa Senhora,
o caminho da fé,
o caminho da salvação,
o caminho de Deus.
Jesus Cristo,
companheiro de todas
as minhas andanças,
jamais permitirá
a tristeza dos meus filhos!
Minha fé em Deus,
essa jamais alguém abalará!
SILÊNCIO DA MÃO AMIGA
De repente, sem qualquer alarde,
a dor se faz presente e arde.
O peito, eterno ancoradouro da dor,
perde o ouro, perde o brilho, perde a cor.
De repente, a minha meninice!
A boca, de moleque e de tolice,
tenta dizer da grande festa e nada diz,
nesse tempo de espera já não mais feliz.
Pelas mãos de Dona Dadá, menino, eu sigo
ao encontro, mais festivo, do melhor abrigo.
Piquenique na roça – tempo de festa.
De repente, o silêncio da orquestra.
A vida, outra vez a vida sem o seu regente,
tudo muito triste, tudo muito de repente!
GOFFREDO TELLES JÚNIOR
Que homem é este, assim posto ao meu lado,
assim tão instruído, assim tão puro!?
Que homem é este, assim tão educado,
assim tão calmo e tão seguro!?
Fala e eu entendo tudo o que me diz;
fala como os deuses, sabiamente;
seu discípulo que sou, sempre feliz,
hei de louvar tão régio esse presente!
Poucos terão, assim, tanta alegria,
poucos verão, assim, quem tão amado,
quem, pelas letras, assim abençoado.
Orgulha-nos o mestre tão letrado!
Goffredo Telles Júnior, luz que um dia
senhor se fez de toda a sabedoria!
PERDAS E GANHOS
O que perdeste, senão aquela
que, ontem, formosa e bela,
só juras de amor te fez!?
A verdade seja dita,
nem toda mulher bonita
serve sempre à sensatez.
Tentaste, mas não deu certo,
fica agora mais esperto,
esquece a mulher primeira.
Esquece, amigo esquece,
de repente, outra aparece,
quem sabe mais companheira!
ÚLTIMA PALAVRA
Não fomos vencedores de todas as lutas
venceu-nos o tempo,
implacável tempo de dor e de saudade,
dor das enfermidades que a velhice abraça
e saudade das pessoas amigas
que camungaram conosco
a pureza dos sentimentos.
Não voltaremos à terra,
senão na lembrança de alguns
na leitura de escritos nossos,
coisas por demais comuns para permanecerem vivas,
mas sempre muito úteis para mostrar que a vida
não tão longa, deve ser vivida
da forma mais simples possível,
coroando sempre o amor e a amizade
que devem nortear o comportamento de todos.
Não nos sentimos definitivamente derrotados.
Alguém ainda falará a nosso respeito,
nos corredores do conhecimento,
onde as nossas marcas foram deixadas:
– Experiências contidas num retrato,
ainda que muito pálido, da vida
que tivemos de permanente sinceridade.
Sobre os nossos sentimentos, perdoem-nos,
são coisas íntimas demais para serem revelados.
Não deixam suas marcas, senão no nosso coração,
nosso companheiro mais silencioso
nesse cessar de tudo.
Não há nada a comemorar,
mas muito a agradecer a todos aqueles
que estiveram ao nosso lado
na mesma comunhão do sentimento mais puro.
O amor e a amizade
esses, sim, merecem a sublimação!
MANOEL GONÇALVES I (PARAFUSO)
No rosto negro, marcado,
de riso largo e sereno,
pude ver, no seu aceno,
sinal do tempo deixado.
Que idade, então, teria!?
Confesso, não sei dizer,
pouco dele se sabia,
muito mais tentei saber.
Conversamos, tempo escasso,
pouco disse, eu entendi,
a força deixou-lhe o braço,
sua dor eu percebi.
Nenhum parente ao seu lado,
muita treva e solidão,
não quis falar do passado,
nem dizer do coração.
Simões o identificou
sem, na data, ser preciso,
“ele há muito circulou
pras bandas do Paraíso.”
Borghi diz da sua dor,
Faço, em verso, o que me lança,
por ordem de um senhor,
foi buscá-lo em Barra Mansa.
Seu Manoel foi jardineiro
de um Barbosa, Deputado,
serviçal e companheiro,
doente, foi amparado.
Às custas do Seu Barbosa,
no asilo se internou,
com mão forte e generosa,
dele sempre alguém cuidou.
Das irmãs religiosas,
gozou de boa assistência,
essas tais, tão caridosas,
são flores de fina essência.
Seu Manoel, meu bom amigo,
não buscou, na vida, a fama,
em seu peito, deu abrigo
às conquistas do seu AMA.
Lá no Bar do Giacomim,
Seu Manoel tomou assento,
quis a vida fosse assim,
marcou, ali, belo tento.
Desse tempo, fez bom uso,
esse amigo foi pro céu,
fica o bar sem Parafuso,
ganha, Deus, nosso Manoel!
OLHAR POÉTICO
Correm, meus poemas,
alamedas tristes,
ruas descuidadas,
avenidas esquecidas,
espaços nobres
deixados à sanha de inescrupulosas criaturas,
homens empobrecidos pela ganância do metal
que brota dos negócios fraudulentos,
do empobrecimento da história cultural brasileira,
e da miséria que cobre de asfalto e trevas
o belíssimo chão paulistano.
O crescimento predatório,
cede espaço a corpos miseráveis e famintos,
corações perdidos no seio de uma
fantasiosa e mentirosa evolução humana.
A evolução do mundo
não se revela na grandiosidade dos monumentos,
exposta que ela está no retrato pequeno
deixado nos espaços livres
das casas mais simples,
no pomar de muitas frutas
e nas amplas e convidativas
sombras dos quintais.
O meu olhar de poeta
caminha o campo da indignação,
o coração, de passos temerosos,
alimentando-se, impassível,
do sonho que corre, celeremente,
a ladeira do desconsolo,
para entrincheirar-se no céu do medo.
.
Alguém apagou os lampiões da vida!
OBSERVADOR DE MOVIMENTOS
Eu sou
e não queria ser
observador de movimentos.
Passados tantos anos,
eu não percebo mudança.
O cenário se repete
são os mesmos rumos,
sob a mesma pálida esperança.
Mudaram, talvez, os sonhos
inconfessáveis muitos deles,
temerosos de cassação.
O homem,
o mesmo homem
corre a cidade inteira.
Alguém ainda
confessa alguma coisa.
A grande maioria
já não confessa nada!
Não me falem de amor,
nem me falem de desamor,
não me falem de alegria,
nem me falem de tristeza,
são questões antigas demais
para o mundo, apenas o mundo,
que diariamente se transforma,
sob os acordes
de um mesmo tango argentino
ou de uma velha valsa vienense.
As prostitutas compõem
o cenário do descaso total,
afrontamento à moral
que só as mulheres recatadas
confessam ao santo Padre.
São, as prostitutas,
no cenário maior da indiferença,
musas inspiradoras de poetas
que teimosamente sobrevivem,
são deusas de uma sociedade
que vive a aceitação
de todos os abismos.
A imoralidade,
o desamor,
a miséria
e o egoísmo,
formam filas de idiotas
– Só o homem não percebe isso!
Os homens pararam no tempo,
assumiram suas irresponsabilidades,
confessaram suas cafajestices.
– Não dormirão nunca
o sono dos justos!
A comunidade sobrevive,
sem perceber que Deus se distancia.
Sobre o final do mundo,
não tenho nada a dizer.
Sobre o passo seguinte,
talvez eu prefira o tango.
Guardem silêncio,
pelo amor de Deus,
nesse teatro imenso
de mórbidas bailarinas;
são prostitutas sim,
mas ouvem Mozart, Liszt e Chopin,
sob a lona do picadeiro
desse circo imenso
que cobre nossas vidas.
Eu não irei à reza dessa noite
e nem irei à missa de domingo.
Se o Santo Padre me excomungar,
cantarei e dançarei,
no átrio da capela,
um tango de Gardel...
“El día que me quieras...”
CONFISSÃO
A noiva do moço Paulo
perdeu a cabeça.
Confessara ao Padre
sua intenção macabra.
Iria se matar
tão logo cessasse a missa.
O casamento prometido,
as juras de amor ditadas,
bens adquiridos,
a casa reservada,
ela feliz, a família feliz,
os amigos felizes,
todos prontos para a
tão esperada festa.
O golpe mortal do abandono
e do desamor à última hora,
não doíam tanto
quanto a dor do desprezo.
O Padre silenciou a confissão.
Trancou-a a sete chaves.
Não disse nada a ninguém.
Seu silêncio sepulcral
segue dogmas da igreja.
Mamãe até que tentou,
mas foi vencida
pelo veneno excessivo,
pela dose grande demais
para ser combatida
com água e sabão de côco.
Que remédio outro havia?
A cena do desespero
alcançou meus olhos,
inocentes ainda
para o enfrentamento
de tão drástico combate.
Paulo nada pode fazer.
Lamenta o ocorrido.
Chora a sua fraqueza.
Diz-se arrependido
da decisão tomada.
Amanhã não chora mais.
O caso dessa moça tão boa
e tão sonhadora,
corre os cantos do mundo,
sem que os homens percebam
que o encanto da vida
não suporta o desprezo.
O ignorância do mundo
sufoca o crescimento humano,
afastando o homem de Deus,
conduzindo-o ao abismo
da indelicadeza,
da incompreensão,
da marginalidade,
da imbecilidade,
da cafajestice,
do desrespeito
e da desconsideração.
Deus, de infinita bondade,
não se presta à salvação
dos que morreram em vida!
DESENCONTRO
Perdeu a virgindade
num canto qualquer de rua,
tarde da noite,
quando todos dormiam.
Nem todos!
Manoel Severiano da Silva
não tinha onde dormir.
Natália da Rocha Pereira,
fugida da casa da família,
se acomodaria também na rua,
longe do olhar rigoroso da mãe
e da boca maldita do pai,
longe de tudo,
nem tão longe de todos!
O encontro não foi proposital,
fruto que foi do desencanto vivido
por quem não vivera tanto,
para saber tudo
a respeito da vida.
Manoel preferiu o
abandono da esposa,
já nem tanto amada,
já nem tão convidativa,
cansativa às vezes.
Dizem que as noites
que cobrem o pequeno
distrito de Samambaia,
são sempre mais longas,
muito mais provocantes,
motivação permanente
para romances mais tórridos.
Manoel e Natália não sabiam disso.
O encontro de desencantos confessados,
foi o elo da aproximação sem culpa
de Manoel Severiano da Silva e
Natália da Rocha Pereira.
Conversa vai, conversa vem...
O chão silencioso,
dos inconfidentes mineiros,
se prostrara, agora, aos pés
do festivo combate de
Manoel Severiano da Silva e
Natália da Rocha Pereira
que nem perceberam
a bandeira do Brasil,
na sacada da Escola Municipal
Justino de Carvalho,
hasteada a meio-pau.
Alguém muito importante,
durante a noite,
perdera seu combate.
Manoel Severiano da Silva e
Natália da Rocha Pereira
não poderiam nunca
assumir a culpa de tal fatalidade.
Tange o sino da Igreja de São Sebastião.
Missa de corpo presente.
A cidade inteira se movimenta.
Todo o povo a caminho da Igreja.
Manoel Severiano da Silva
e Natália da Rocha Pereira guardam silêncio,
não o silêncio pesaroso da morte,
mas o silêncio festivo de
renovação da vida, de ambas as vidas,
de Manoel Severiano da Silva e
Natália da Rocha Pereira.
“Libertas quae sera tamen.”
TININHA
Nada de compromisso,
nada de hora marcada.
Tininha optou pelos atalhos da vida.
Trabalhou muito
– nenhuma compensação.
Questionou sempre
– não obteve resposta.
Amou apaixonadamente
– jamais foi correspondida.
Aprendeu muito.
Sabe agora das intenções do mundo.
Dispensa considerações.
Detesta formalidades.
Vez ou outra,
solta o corpo de moça bonita
pelos becos despidos de pudor,
hasteia a sua bandeira
e reina por quase um mês.
Depois descansa
à sombra de sua paz interior.
Dizem as mulheres honestas
que ela trocou de Coronel.
Ela não liga.
Não diz que não,
nem diz que sim.
Não se mistura
com essa gente faladeira.
Detesta as mulheres
que se acomodam
na beira do fogão quente
e do tanque de roupa suja.
Não admite perturbem
seu silêncio
e sua opção de vida.
Depois de tantas pancadas
ela, trinta e oito anos,
um ano apenas de liberdade,
passa boas horas do dia
com seu Teleco no colo,
um menino comportado
moldado em porcelana chinesa,
amigo e companheiro
de todas as suas horas,
quer de festa,
quer de tristeza.
Me perdoe
mas ela não quer saber de você!
Passe bem, moço moralista!
Passe bem, moço bonito!
A casa inteira cerrada
Tininha tira com gosto
as roupas do Coronel.
Esconde ela, com zelo,
os passos da liberdade.
A curiosidade do mundo
deixou além da janela.
A valsa que vem do rádio
tempera o verbo maldito.
Silêncio!
Tudo é silêncio!
Tudo é liberdade!
No interior da casa cerrada,
Tininha brinda com risos
a sua opção de vida!
DIAS DE ONTEM
Foram amargos os dias de ontem.
Pelas frestas das janelas
entraram todos os medos.
Minha mãe,
ante Cristo crucificado,
orou o seu desespero.
Não podia permitir
fugisse-lhe a última prenda.
Ateve-se à fé
no terço de muitas contas.
Meu Pai,
o cansaço no corpo inteiro,
a boca grave e faminta,
temeu os passos da morte.
A última luz do dia
perdeu-se de roupa escura
no sopro forte da noite
para o baile da inquietação.
No silêncio das horas seguintes
deixou o espaço da casa
a procissão dos duendes.
A última gota de chuva
teceu a colcha rendada.
O último sopro de vento
tombou a rosa escarlate.
A última nuvem de frio
se perdeu na taça quente.
O amargor dos dias
deslocou-se no tempo,
desceu extensa ladeira
a caminho do nunca mais.
Tímida e silenciosa
a vida se fez presente
– réstia de paz e fé
bebida à última hora
por entre as tranças da crença
que prende Cristo com força.
SONETO DA FECUNDAÇÃO
Nas mãos, os seios da mulher amada,
a festa, o riso, o leito de fartura,
o amor, no espaço livre da ternura,
tênue, envolvente à luz da madrugada,
Dois os corpos no extremo da loucura,
a boca ardente, sôfrega, marcada,
o prazer augusto, a mente extasiada
ante o acorde de alegre tessitura.
O ideal dos sonhos, ora dobra o sino
no espaço festivo da manhã despida.
Lá fora, a liberdade, o pequenino,
aqui, ainda o beijo, a mão comprometida
o gozo extremo, a graça do divino
e o instante breve que fecunda a vida.
FILHAS DE MADALENA
Três eram as filhas de Madalena.
Viúva, Madalena,
sem tempo para lamentação,
cuidou das filhas com atenção redobrada,
preocupada que sempre esteve
em continuar zelando
pela boa reputação da família.
Igual preocupação carregava Genésio,
o marido, enfartado ainda muito cedo,
com pouco mais de 40 anos.
Coube a Gertrudes cuidar das irmãs
Gabriela com 12 anos e Simone com 10 anos.
Nem pensar em namoro podia Gertrudes.
As despesas da casa eram muitas.
Madalena não tinha como
abandonar suas ocupações,
ora como diarista, ora como
vendedora de bijuterias
produzidas por ela mesma,
com a ajuda das filhas,
todas empenhadas em aprender,
o mais rápido possível,
a profissão que ajudava na produção
de belíssimas e cobiçadas peças.
Gabriela e Simone ainda cumpriam
tempo de escolaridade básica,
já cumprido por Gertrudes,
agora com 18 anos.
As meninas cresceram.
Eram todas muito bonitas.
Gabriela, aos dezessete anos,
arranjou namorado.
Casou-se aos 19 anos.
Simone aos dezesseis anos
arranjou namorado.
Casou-se também aos 19 anos.
Restou Gertrudes ao lado da mãe.
A solidão parecia ocupar a casa inteira.
Gertrudes sugeriu à mãe
que viajassem um pouco,
ainda que para muito perto.
O mar não banhava Minas Gerais,
mas não ficava tão distante assim.
A mineira Divino estava
a poucas horas da
espíritossantense Guarapari.
A viagem foi marcada.
Embarcaram as duas.
A pensão reservada festejou-lhes a chegada.
Um passeio pela praia de areias monasíticas
mostrou, às duas, convidativas
lojas de roupas de banho.
Gertrudes, sem muito procurar,
adquiriu longo e coloridíssimo biquini.
Madalena, receosa de chacota dos homens,
optou pela compra de bermuda e blusa.
Não iria além da areia.
Gertrudes nadou.
Não se afastou tanto da praia.
Temia o mar.
Ao lado da mãe,
sob amplo guarda-sol,
ficaram horas e horas a observar
aquele mundo de gente entregue
aos prazeres do sol e da água salgada.
Um vento mais forte deixou-as a descoberto.
O guarda-sol foi logo recuperado.
Os braços fortes de Agnaldo,
moço bonito e de belíssimo bronzeado,
mexeram com Gertrudes.
A educação do moço
penetrou seu coração solitário.
Trocaram olhares, aparentemente vagos.
Um novo encontro aconteceria
naquele mesmo dia,
sob a luz clara da luz artificial
que cobria as mesas
de uma lanchonete
junto ao calçadão da praia.
Convidadas a ocuparem
a mesa de Agnaldo,
lá foram as duas.
A conversa terminou no silêncio de Madalena,
que pela primeira vez na vida
dormiria sozinha e longe de casa.
O tempo passou.
Gertrudes banha, agora,
o mar da felicidade.
Vez ou outra,
a família se reúne,
para a conversa
mais longa e mais saborosa.
O sopro do mar
avança sobre a poesia do povo
que ainda suspira o amor
banhado de sol e sal.
O mar de Guarapari
com seu espírito santo
e seu riso mais festivo,
permanece acolhedor.
Os namoros mineiros,
distantes da timidez das serras
e das sombras que cobram reflexão
e encerram sisudez,
caminham livres
num longo abraço de confraternização.
O cheiro do mar espiritossantense
sobe as serras mineiras
da minha Zona da Mata,
embalando nossa gente
para o abraço fraternal.
Convite aceito,
o mineiro se debruça inteiro
na extensa liberdade
que corre, banhada de sol e sal,
o seio da mais festejada harmonia
dos Estados de Minas Gerais
e do Espírito Santo.
Eram moças todas elas
O povo inteiro dizia,
Eram moças todas elas,
Uma delas não sabia.
Casaram-se todas elas
O povo inteiro dizia,
Casaram-se todas elas
Uma delas não sabia.
CORAÇÃO PAULISTANO
As luzes da Liberdade
iluminam ruas orientais
de um Japão
que se debruça vorazmente,
sem qualquer acanhamento,
sobre o solo paulistano.
As cores festivas
que sombreiam calçadas da Glória,
se estendem mais amplamente
sobre os espaços da Galvão Bueno,
onde o colorido das vestes
segue, cercado de timidez,
ante a inevitável americanização de costumes.
São Paulo é assim,
seios fartos, mãos amigas,
abrigo de todas as raças
e de todos os credos.
Silenciosa sempre,
a cidade se expande.
Portugueses, alemães,
italianos, turcos, judeus,
libaneses... os bairros lotados,
intransitáveis as ruas...
de repente, a tempestade,
o medo, a morte,
o grito agressivo dos viadutos,
a fome bêbada dos elevados,
sinais que se perdem na corrida louca
que não termina nunca
para colorir-se na noite lírica dos copos
e no baile carnavalesco dos corpos.
Na Igreja dos Enforcados
a Liberdade se intimida
acende velas,
eleva preces,
enquanto o gemido negro,
sepultado ainda,
grita pela Liberdade que não chega nunca,
mas que não perde nunca também
sua esperança de ver transformada
a mente humana que separa,
que isola, que pisoteia,
o mesmo grão que o mesmo céu semeou um dia.
O homem vive a cólera do templo
que ele mesmo edificou.
A Liberdade que prospera
aguarda pela liberdade
que ainda caminha a passos lentos,
que nada festeja
quando perde o colorido.
Deus, infinitamente piedoso,
ainda burila o homem de pedra,
acreditando na sua transformação,
antes que todas as raças se dissipem
no abraço raivoso de um mar bravio
que o ódio fomenta.
A Liberdade
é um sorriso amplo
no seio de um povo operário.
A edificação da vida
brotará da compreensão dos homens.
Não é nossa a Liberdade.
A liberdade é de todos nós.
FIM DE CASO
Nosso amor, infelizmente,
cessa, aqui, cessa de vez,
a dor que se fez presente,
cobra, de nós, sensatez.
Nosso amor nunca se fez,
falando, sinceramente,
dar espaço à insensatez
é dar voz a dor corrente.
O que dirão, não importa,
a dor, que não nos conforta,
não pertence a ninguém mais!
São nossos todos os ais!
Falei de amor, me enganei!
Não me amaste, não te amei!
AMAR AMANDO
Seu amor, assim meloso,
não responde ao meu anseio,
não me será prazeroso,
prender-me ao seu galanteio.
Tanta graça, de onde veio?
Que caminho mais tortuoso!
Distante do seu gorjeio,
brota um céu maravilhoso.
Esqueça as preliminares,
busquemos por outros ares,
não tenho tempo a perder!
Nessa hora, Mariazinha,
trancada a casa todinha,
abre as portas do prazer.
LEITURA
Um Bandeira confuso
tenho em minhas mãos
“Estrela Da Vida Inteira”.
Leio Bandeira como li Vinícius, Castro Alves,
Bilac, Pessoa, Varela, Drummond...
Tenho Irene em minha companhia,
Irene apenas.
Bandeira vai além da moça de bom humor.
Bandeira me parece confuso.
O sentido não encontrado me perturba.
Retomo a leitura
ausente, ainda, a compreensão buscada.
Não quero acreditar na solidão de Irene.
Alguém me garante que Bandeira caminhou bem mais.
O poeta passeia sem pressa
vai ao Recife, corre suas ruas,
revive sua infância, confessa-se enfermo
para mostrar-se sobrevivente todos os dias.
Bandeira envelhece.
Recolho a obra.
Apago seus versos.
Nada guardado!
Nada além de Irene!?
A confissão que faço me preocupa.
Exposta a minha cabeça
em Praça Pública,
tudo me lembra a Inconfidência Mineira,
Tiradentes, mais precisamente.
Vou esconder-me um pouco.
Bandeira me compreende.
Serei apedrejado pelos críticos,
pelos fanáticos,
pelos cegos,
por toda essa gente
acomodada na repetição
de mentira tão esdrúxula!?
Eu amo Bandeira.
Bandeira sabe disso.
A liberdade do poeta
foi finalmente percebida.
A compreensão é lógica.
Bandeira existe,
não pela forma dos versos,
mas pela pureza de seus sentimentos.
No Recife, no seu Recife,
o frevo segue animando sua gente,
Bandeira também sabe disso.
O poeta ausente, preso ao olhar carioca,
não me responde.
Drummond amou Bandeira,
confessou seu amor pelo poeta que,
enfermo, tuberculoso, solteiro e isolado,
viveu a grandeza de sobreviver aos infortúnios
de uma vida regrada a conselhos médicos.
O poeta Bandeira caminha comigo.
Permanecerá no banheiro.
Amanhã!
Não sei dizer do sentimento humano não vivido.
Amanhã será outro dia.
Não sei como estará meu humor.
A certeza que tenho, certeza única,
lembra a teimosia de Bandeira:
vencer as enfermidades
para aprender a reconhecer
a fragilidade humana.
Bandeira não me viu, não me ouviu.
Lido e relido,
Bandeira permanece comigo
no aguardo, certamente,
da minha manifestação final.
Permitam-me o silêncio de agora.
Bandeira não é a prioridade.
A prioridade sou eu!
O ALFAIATE
Ao amigo GILDO SALIA
Vestir-se bem, meu rapaz,
nós sabemos da importância,
como negar a elegância,
de um corpo bem vestido!?
A roupa tem sua graça,
bom corte, bom arremate,
só mesmo pelo alfaiate
será o feito conseguido.
Não carrega a mesma arte,
a indústria, o que produz,
seu produto, de parca luz,
tem seu tempo limitado.
Por isso, meu camarada,
ao bom gosto dê razão,
a roupa que é feita à mão
torna o palco iluminado.
Vestir-se de qualquer jeito,
mostra pouca inteligência,
mostra falta de consciência,
de quem pensa em sedução.
O meu conselho está dado,
quem o mal gosto combate,
usa as armas do alfaiate,
pra vencer com distinção.
Não perca tempo meu caro,
comprando roupa já feita;
quem com pobreza se deita,
perde as glórias do combate.
A beleza quer bem mais,
quer bom corte e bom tecido,
quer classe de quem vestido
pelas mãos de um alfaiate.
A indústria não faz arte,
quando se fala em vestir,
seu negócio é produzir
sobre um único padrão.
O alfaiate, ao contrário,
sem pensar mais no dinheiro,
faz de arte o corpo inteiro,
dando a todos distinção.
No seu ambiente simples,
esse senhor de bom gosto,
soldado firme no posto,
nosso mal gosto combate,
outra vez, nós alertamos
que o valor deve ser dado,
ao mais lúcido soldado
da beleza, o alfaiate.
CHÃO MINEIRO
A viagem continua.
Portas que não me pertencem
são abertas e trancadas,
sou apenas passageiro
da interminável viagem
de um trem leopoldinense
a caminho do Rio.
Carangola,
Tombos,
Muriaé,
Recreio,
Leopoldina,
Paradas curtas
de poucos viajantes
e cargas pequeninas.
Petrópolis ficou na serra.
A viagem continua.
A lenha que queima,
alguém disse Jacaré,
ou Coutinho, ou Pedro Malta,
cobre casas,
cobre o céu,
tranca portas e janelas,
dobra bambuzais,
queima roupa nos varais,
espanta o gado,
afugenta os passarinhos,
só não se envolve mesmo
com a sanfona de oito baixos
que faz a festa dos calangueiros.
O Rio ficou para trás.
O chão paulistano me acolhe.
Lá se foi o meu uai,
lá se foi o meu calango,
lá se foi a sanfona de oito baixos,
lá se foi a grande festa dos lenços
e das cartas das namoradas.
Meu rumo mudado
não levou Minas para tão longe.
Tudo aquilo que deixei para trás
trago preso nos poemas
que a saudade do chão mineiro
com ternura anda a escrever.
SOLO DE FLAUTA DOCE
A flauta doce,
com seu sopro mais terno,
poético e de paz,
corre o teatro inteiro,
vai além da platéia,
muito além de Caymmi,
mostra a Bahia de Castro Alves,
Jorge Amado e Ruy Barbosa,
de Bethânia, Caetano e Gil,
mostra, ainda, o mar de Ondina,
corpos morenos e bronzeados
na Praia de Itapoã
entregues ao frescor
das sombras dos coqueirais
mais nobres de Salvador.
Cristina viaja,
todos viajam com ela.
Seu sopro divino,
na ausência das lavadeiras,
vai à Lagoa do Abaeté,
brinca nas águas do Tororó,
espreitando a presença infantil
com suas cantigas de roda.
O passeio se prolonga,
correm todos as estreitas
ruas do Pelourinho,
com seus sobrados coloridos
pelos tambores do Olodum,
rondam a baixa do sapateiro,
vão deixar a Cidade Alta,
vão além do Farol da Barra,
vão buscar a Cidade Baixa,
o Mercado Modelo,
a Igreja do Bonfim,
vão atrás de proteção,
no embalo da fé mais pura,
na esperança imorredoura
de quem apenas quer tempo
um longo tempo de vida.
Cristina não sabe disso,
não percebe nosso aplauso
nesse seu passeio poético,
não sabe que nos conduz
aos encantos da Bahia,
Bahia dos tabuleiros
de acarajés e abarás,
e de muitos corpos negros,
vestidos de longas saias
todas elas muito brancas
inteiramente rendadas.
As notas, soltas no ar,
de uma canção de Caymmi,
nos conduzem, agora,
às jangadas que cortam
o extenso mar da Bahia.
de tantas histórias,
de intensos combates
e inesquecíveis vitórias.
Cristina,
com seu sorriso miúdo,
banhado de timidez,
não canta e nem chora,
toca flauta simplesmente.
Cessada a festa, se afasta,
Cristina se esconde,
segue ela mansamente,
já as notas recolhidas
da canção mais terna
de um sol chamado Caymmi.
Fim de festa,
vem a dor e o amargo sofrimento.
Cristina chora sua enorme solidão,
já não toca mais Caymmi,
silencia a flauta doce.
Cristina reage e vive
afugenta a dor,
abraça sua fé,
dá um basta ao sofrimento.
O convite já foi feito,
Cristina está acordada,
mais viva, cheia de luz,
Caymmi volta amanhã,
vai estar no mesmo palco
daquele mesmo teatro
com aquela mesma platéia.
No retorno da flauta doce,
Caymmi estará presente
com os encantos do mar,
mostrando a Bahia inteira
nas Tardes de Itapoã.
O concerto não termina,
a flauta doce não cessa
o seu cantar mais dolente.
Cristina sabe disso.
O concerto é um desafio.
Cristina e Caymmi vivem,
finalmente a dor vencida
por um simples solo de flauta.
De repente, o mar revolto
cede, facilmente, à força da natureza.
A vela frágil navega
o mar dos nossos encantos,
dos nossos sonhos dourados.
Cristina embarca,
Caymmi espreita o mar
e a canção não retorna.
Cristina,
com seu sorriso miúdo,
banhado de timidez,
não canta e nem chora,
toca flauta simplesmente.
CHIQUINHO PAPO FURADO
Chiquinho Papo Furado,
de uma coisa não sabia,
soubesse ficar calado,
bem mais ouro ele teria.
Deu-se mal nosso Chiquinho,
fez-se um grande perdedor,
faltou a esse amiguinho,
dar ouvido ao professor.
Dizia “pra mim comer”
vinha o mestre e corrigia,
sem a lição aprender,
no tal erro ele insistia.
“Pra eu comer” é o certo,
mais o mestre repetia,
o aluno mais esperto,
a lição logo aprendia.
Não faça o que fez Chiquinho,
dê ouvido a quem ensina,
essa luz, no seu caminho,
tem força de luz divina.
Alguém disse – eu repito:
quem à escola der valor,
na vida, fará bonito,
será sempre vencedor!
REINO DA PORCARIA
Com barro já na barriga,
o porco à porca dizia:
– Nosso mundo, minha amiga,
é uma enorme porcaria.
O porco continuou:
– Somos frutos da sujeira,
quem aqui nos colocou
só fez isso a vida inteira.
Quem nos deu toda essa lama,
dizem ser homem de bem,
dorme limpo em sua cama,
não merece a paz que tem.
Que homem de bem é esse
que nos entrega à sujeira!?
Se o tal nos entendesse
nos daria uma banheira.
Bem limpinhos, certamente,
nosso sabor mudaria,
a carne, cheirosa e quente,
aos amigos serviria.
Nosso dono, minha amiga,
por não ser bem cuidadoso,
faz crescer sua barriga,
com descuido perigoso.
Se nós ficarmos doentes,
há o risco de se morrer,
nossos males mais freqüentes,
perigosos podem ser.
Um conselho ao criador
que tem porcos pra cuidar:
quem ao que tem dá valor,
o que tem pode aumentar.
Quem tem porcos na sujeira,
já diz a sabedoria:
vai passar a vida inteira,
só comendo porcaria.
BOTANDO O POVO NA LINHA
Perguntei à dona linha:
– Na vida, qual seu papel?
Respondeu-me a danadinha
já deixando o carretel:
– Sou, aqui, muito importante,
sempre estou de prontidão,
pra quem feio ou elegante,
estou sempre dando a mão.
Muito esbelta e muito fina
de enorme serventia,
muito mais ela se anima
quando serve à fantasia.
Serve ao terno, serve à saia,
serve mais à barriguda,
serve ao tomara-que-caia
se cair, Deus nos acuda!
Muito distinta é a linha,
uma estrela bem modesta,
trabalhando, escondidinha,
faz a grandeza da festa.
Pare um pouco pra pensar.
veja só quanta ironia,
quem devia se mostrar
mais se esconde à luz do dia.
Fossem todos como a linha,
sempre humilde em sua lida,
seria, dona Bruninha,
mais bonita a nossa vida.
RECADINHO
Façam tudo direitinho,
sem qualquer medo de errar,
ao longo do meu caminho,
muito espinho pude achar.
Não dei bola pros espinhos,
vi meus erros, corrigi,
hoje louvo meus errinhos,
foi com eles que aprendi.
Quem só pensa e nada faz,
vai um dia, certamente,
perceber-se bem atrás,
muito atrás de muita gente.
Por isso, meus amiguinhos,
pé na estrada, mão na massa,
vida fácil, sem espinhos,
faz a vida não ter graça.
Devemos, sim, é pensar
na forma como fazer,
assim, a chance de errar,
vai, no tempo, se perder.
Quem direito tudo faz,
tem como compensação,
a vida inteira de paz,
e alegria de montão.
PEIXINHO ATREVIDO
O peixão disse ao peixinho:
– Saiba cuidar-se na vida,
um anzol no seu caminho,
pode ser a despedida.
Se você morder a isca,
diga adeus à peixarada,
todo peixe que se arrisca,
perde a vida na fisgada.
Se o tal anzol avistar,
passe longe desse tal,
sobra comida no mar,
comida que não faz mal.
Por não ter dado ouvido,
às palavras do peixão,
o tal peixinho atrevido,
fez-se bela refeição.
PRESENTE DE NATAL
Eu desejo um só presente,
quero Deus e nada mais,
quero Deus pra minha gente,
quero Deus para os meus pais.
Podem guardar o brinquedo,
as jóias, podem guardar,
tendo Deus, não tenho medo,
de qualquer luta enfrentar.
O tal homem matador,
jamais me verá no chão,
tenho Deus, meu protetor,
tenho certa a salvação.
Não vou fugir de ninguém,
esse o meu jeito de ser,
quem, na vida, faz o bem,
não deve nada temer.
Um conselho ao amiguinho:
dê um basta à solidão,
jamais estará sozinho
quem tem Deus no coração!
RATINHA CONSELHEIRA
Disse o rato à dona rata:
– Vou comer na ratoeira
– Quem nela come se mata,
não me faça essa besteira!
O rato, muito metido,
nem ligou pra companheira,
ao alerta não deu ouvido,
foi atrás da ratoeira.
Quis comer, mas não comeu,
se ferrou o tal bichinho,
quem a mensagem entendeu
bem escolha o seu caminho.
Quem usa de atrevimento
sem ouvir quem tem razão,
vira pó, segue no vento,
perde a boa direção.
O tal ratinho sumiu,
dona rata ficou só,
o bichinho que partiu,
certamente fez-se pó!
BRUNINHA FERINHA
Na escola, todo dia,
boas lições aprendemos,
estudar traz alegria,
meus amigos, estudemos!
Amanhã, a nossa vida
será linda, com certeza,
será sempre bem servida
de saúde a nossa mesa.
Vamos ter o que sonhamos,
muita paz e muito amor,
colher tudo o que plantamos
no nosso tempo de flor.
O discurso de Bruninha
sacudiu a macacada,
quem tanta preguiça tinha
deu, na dita, uma afastada.
A preguiça foi embora,
virou fera a criançada,
só beleza vejo agora
a turma toda aprovada.
A Bruninha, meu rapaz,
a deusa da sabatina,
tira dez, sabe o que faz,
sabe tudo essa menina!
RECADINHO AMIGO
A criança inteligente,
lê bons livros, sei que lê,
por isso, daqui pra frente,
cuide melhor de você.
Estude mais, muito mais,
dê ao livro mais valor,
mostre, você, aos seus pais
o esforço do professor.
Sem o mestre ao nosso lado,
sem a sua dedicação,
o futuro complicado
vamos ter em nossa mão.
Para evitar que aconteça,
atropelo em sua vida,
cuide bem dessa cabeça,
minha amiga tão querida.
Ao meu amigo legal,
meu pedido derradeiro,
faça do livro afinal,
seu eterno companheiro.
Quem mais lê, bem mais aprende,
quem não lê, não sabe nada,
só o tolo não entende
a lição aqui deixada.
No livro, a sabedoria
que não cobra, só ensina,
no livro, só alegria
pro menino e pra menina.
Acerte o pé macacada,
na cuca, ponha juízo,
quem faz bem a caminhada
sempre alcança o paraíso.
Quem o livro põe de lado,
sem a ele dar valor,
vai culpar o seu passado,
quando enfim chegar a dor.
Quem ao livro se prender,
com maior dedicação,
será, na vida a correr,
com certeza campeão!
LEMBRANÇAS
Meu tempo de menininho,
foi de muita diversão,
muito esperto, em meu cantinho,
eu fui senhor do meu chão.
Brinquedos, eu mesmo fiz,
esse um tempo sem dinheiro,
mesmo assim tive o que quis,
no meu cantinho mineiro.
Fiz gaiola e arapuca,
fiz bodoque e alçapão,
eu fiz o taco e a sinuca,
fiz a fieira e o pião.
Com a vara de pescar,
de bambu, bem caprichada,
fiz o meu dia passar,
sem a hora ser notada.
Pra pesca do lambari,
eu fiz a isca fatal,
seu preparo mostro aqui,
ninguém nunca fez igual.
O fubá já bem molhado,
trigo a ele eu misturava,
depois de bem misturado,
a bolinha eu preparava.
Bolinha bem pequenina,
só assim no anzol cabia,
mosquitinho, coisa fina,
a fisgada eu não perdia.
Por mais esperto que fosse,
do meu talento eu direi,
no São João, de água doce,
mais de mil dúzias pesquei.
Meu tempo de liberdade,
de carinho e muito amor,
perdeu-se, virou saudade,
saudade que se fez flor.
O cheiro da meninice
faz parte da minha vida,
isso é bom, alguém já disse,
tem-se a infância repetida.
Fui pras terras do chalé,
fui pras terras do Biló,
calça curta, sempre a pé,
com amigos, nunca só.
A fazenda da Pepita,
tia que tive emprestada,
era, ali, a mais bonita,
por titia bem cuidada.
No espaço do seu terreiro,
tive um tempo, sem igual,
fiz folia o dia inteiro,
junto ao primo Demerval.
Estimo muito esse primo,
o João e o José, também,
às primas, também, estimo,
os tios como ninguém.
Tio Antônio, uma doçura,
operário e não senhor,
era o Rei da Rapadura,
nesse assunto era doutor.
Puxa-Puxa, que gostoso!
depois de tanto ferver,
no ponto, maravilhoso,
com colher, pude comer.
Vinha, do tacho, quentinho,
esfriar, só mesmo um pouco,
o puxa-puxa, amiguinho,
eu comia feito louco.
Comi ovo, foi bastante,
com arroz e com feijão,
meus amigos, doravante
eu falarei do meu chão.
Minha terra, que beleza,
poema que Deus nos deu,
tudo ali, tenho certeza,
tudo aquilo ali foi meu.
Lá no morro, a Igrejinha,
ainda posso avistar,
a terra que já foi minha
veio alguém pra me tomar.
O rigor da nossa vida,
me pôs no mundo a correr,
a mais triste despedida
fez meu sonho se perder.
A terra grande e distante,
fez de mim o que bem quis,
daquele momento em diante,
perdi Espera Feliz.
Meus amigos, que saudade
da minha terra mineira,
meus amigos, que vontade
de colher a terra inteira.
Minha mãe, tão carinhosa,
tão presente em minha vida,
na viagem mais dolorosa,
fez mais triste a despedida.
Meu pai, meu melhor amigo,
ficou distante demais,
o meu adeus foi castigo,
me roubou Minas Gerais.
Minha mãe, já foi embora,
não tenho mais o meu pai,
meio a tanto bota fora,
perdi, também, meu “uai”.
Saudade, meus amiguinhos,
saudade da minha gente,
de todos os brinquedinhos
que me faziam contente.
Saudade da saracura,
saudade do bem-te-vi,
daquela água tão pura
que eu criança bebi.
Saudade do nosso sol,
saudade da nossa bola,
saudade do futebol
saudade da nossa escola.
Perdendo tudo o que disse,
mais perder eu não podia,
nossa vida se faz tolice,
quando se perde a poesia.
CONSTRUÇÃO DO MUNDO
Quando o mundo construiu,
disse ao homem: ele é seu!
Deus nos deu, nada pediu,
de graça, tudo nos deu.
E agora, o que nós temos,
senão um mundo infernal,
o mundo que não queremos,
de vida tão desigual!?
Não podemos ser cruéis,
Deus não quer isso de nós,
cumpramos nossos papéis
dando ouvido à Sua voz!
Transformemos nossa vida,
pondo nela mais amor,
dando um basta na ferida,
que não deseja o Senhor.
Se a semente do carinho,
plantarmos com atenção,
nós não teremos espinho,
germinando em nosso chão.
Teremos, sim, alegria,
toda a terra colorida,
muita paz no nosso dia,
muito amor na nossa vida.
Quem tal vida pretender
de festa, de amor e luz,
que busque a vida viver
sob as bênçãos de Jesus!
PROFESSORA E POETA
Juquinha fazia versos,
mas ninguém queria ler,
tomou ele a decisão
de nunca mais escrever.
Disse isso à sua mãe
que ao pai logo contou,
disse isso à professora
que ao menininho indagou:
“O que pretende com isso
meu poeta favorito?”
Juquinha, todo assustado,
achou aquilo esquisito.
Sem saber o que dizer,
surpreso, calmo afinal,
Juquinha disse que ele
versejava muito mal.
Carinhosa, a professora,
com muito jeito e saber,
ao seu poeta implorou
não parasse de escrever.
Explicou suas razões,
valorizou a poesia,
insistiu que ele insistisse
e bem mais aprenderia.
Recitou ela um versinho,
dizendo da fé em Deus,
Juquinha indagou a ela
se tais versos eram seus.
“São seus, meu poetinha,
de quem mais podiam ser?
É por isso que eu peço
que continue a escrever!”
A partir daquele instante
ele aos versos retornou,
fez versos pra namorada,
muito importante ficou.
Nos livros e nos cadernos,
seu nome vive estampado,
Juquinha se fez poeta
por ter sido incentivado.
Aos mestres, pais e amigos,
é bom a gente lembrar:
“não nasce o fruto maduro ...
é preciso semear!”
Deixou a mestra querida
bom exemplo a ser seguido,
é preciso dar à lida
mais importância e sentido!
Quando a criança se apega
ao que faz com muita graça,
se boa coisa, é preciso
mais prendê-la mão à massa.
Ainda que coisa simples,
tem importância e valor
aquilo que nós fazemos
carregadinho de amor.
A criança incentivada,
consciente, a mente sã,
constrói nas horas de hoje
seus caminhos de amanhã!
VELHINHO QUE NÃO LEU
Quem do livro se afastou,
quando abraçado à velhice,
sentencia ou sentenciou:
quando moço, fiz burrice.
Eu devia ter estudado,
eu devia ter aprendido,
eu estaria amparado,
se mais eu tivesse lido,
Passei meu tempo brincando,
correndo e chutando bola,
hoje a vida, me chutando,
diz do valor da escola,
Não faça aquilo que fiz,
esse o conselho que dou,
não seja um velho infeliz,
como esse velho que sou,
Por eu não ter lido nada,
quando lúcido, sussurro:
sou, no fim, da caminhada,
nada mais que um velho burro!
CALILZINHO
Ao meu amigo Dr. ELIAS CALIL NETO
Meu amigo Calilzinho,
um devoto da comida,
não cuida da sua vida,
da forma que deveria.
Agindo assim desse jeito,
com mais barriga e mais peito,
faz a vida fugidia.
Pesando bem mais de cem,
sem praticar exercício,
recomendo sacrifício,
ao amigo Calilzinho,
esse amigo sorridente,
que desejo ver presente
cem anos no meu caminho.
Em busca de tratamento,
certa vez, foi ao Doutor,
de quem ouviu: Meu senhor,
já não te vejo tão bem,
comendo dessa maneira,
fazendo tanta besteira,
jamais passarás de cem!
Calilzinho, Advogado,
a todos pediu socorro:
– Se antes de cem eu morro,
vou perder grandes momentos,
meu sonho, meu amiguinho,
confessou-me ele, baixinho,
é atingir os duzentos.
Calilzinho, meus amigos,
é um enorme gozador,
um amigo vencedor,
que os amigos querem bem;
esse amigo comilão,
um eterno brincalhão,
se mudar passa de cem.
Falo em nome dos amigos,
eis, aqui, nosso conselho:
mira-te bem no espelho,
vê se assim estás legal,
mede bem tua cintura,
não permitas que a gordura
te cause, assim, tanto mal!
Calilzinho, meus amigos,
o nosso papo encerrado,
deixou a turma de lado,
foi pra casa descansar.
Em casa, disse à mulher:
– Faça a carne que fizer,
sem carne não vou ficar!
Tudo isso é brincadeira,
com nosso amigo Calil,
redondinho de quadril,
de braço, de perna e graça.
Na brincadeira, o alerta:
com a boca assim aberta,
garanto – de cem não passa!
BUENOS AIRES
Árvores,
muitas árvores
ao longo de todas as ruas,
ao longo de todas as avenidas,
ocupação festiva de todas as praças,
poesia saudavelmente verde
plantada na calçada fria
de todas as edificações.
Monumentos,
muitos monumentos
artisticamente erguidos
no amparo verde
de todas as amplas e convidativas praças
e no seio de todas as bem definidas rotatórias,
retratos do reconhecimento e gratidão
de um povo sabidamente
de origem mais nobre.
Puerto Madero
belíssima tela exposta ao ar livre
para olhares embevecidos,
extenso braço, calorosamente acolhedor,
colocado à margem das águas do Prata,
convite permanente para o abraço mais longo
de todos os encontros sonhadores.
Tangos
muitos tangos,
belíssimos tangos,
comunhão pacífica e festiva
de todos os congraçamentos amorosos,
movimentos instigantes
de uma luta corporal voluptuosa
mais intensa e mais calorosa,
poema encerrado de amor e paixão
no quarto amplo de um convite irrecusável.
Palácios,
Museus,
Carlos Gardel,
Ponte das Mulheres,
Evita Perón...
– Retratos pequenos
no espaço grandioso
de tão calorosa acolhida.
Céu de encantamento
além de todos os versos,
além de todos os sonhos...
Acorde de harpa celestial,
colhido de um bandoneon sofrido
no estreito e colorido Caminito
e nos passos ébrios e apaixonados
de um festivo encontro boêmio:
“Mi Buenos Aires querido....”
ANDANÇAS
Outubro de 1954.
Estamos em Espera Feliz,
Estado de Minas Gerais,
nossa terra natal.
A ordem vem imperativa.
A viagem não pode ser adiada.
As aulas começarão amanhã.
O Curso de Admissão,
no Colégio Evangélico, me espera.
Eu embarco.
Viajo,
vou sem nada,
vou sem medo,
vou sem bolso,
vou sem carteira.
Levo mala,
levo roupa,
levo doce,
levo chuteira,
levo, ainda,
a minha inocência,
a minha inexperiência de vida
longe da casa paterna.
Levo,
mas só os nossos sabem disso,
a fama de menino briguento,
de menino boca suja,
de menino engraxate,
de menino sapateiro,
de menino bom de bola.
Papai viaja comigo.
Leva, certamente,
o sonho do filho melhor preparado
para os desafios do mundo.
Eu tinha 14 anos.
Dois meses depois, 15 anos.
dois meses depois, o Natal,
um pouco mais, o Ano Novo.
Viajei a ordem de viajar.
Viajei pela Estada de Ferro Leopoldina,
no colo de madeira e ferro
da velha Maria-Fumaça.
Maria pega o trilho,
passa poste,
passa corte,
passa dormente,
queima lenha,
sopra fagulhas...
A lenha é jacaré,
Pedro Malta,
o maquinista, garante que é,
Coutinho não fala,
é o condutor do trem,
Zé do Aristão corre as classes,
primeira, segunda,
sempre à caça de bilhete.
Passa Pedra Menina,
passa, não pára!
Ninguém para subir.
Nenhuma carga.
Passa Caparaó,
a parada é obrigatória.
Desce gente,
sobe doce,
sobe fruta,
sobe biscoito de polvilho,
sobe bolo de fubá,
sobe bala Bandeirante,
sobe bilhete,
a sorte não sobe nunca!
Ergue-se a bandeira,
soa o apito,
tange o sino,
parte o trem.
Sobe morro,
sobe morro,
sobe morro...
Estamos no Pico da Bandeira,
que já foi o maior,
que já foi mais nosso...
A Pedra das Duas Irmãs
ficou para trás.
A glória do Pico da Bandeira,
com seus 2.889 metros,
ficou nos velhos livros de geografia.
Aluísio de Azevedo não sabia
do Picos da Neblina e 31 de março.
O Pico da Bandeira,
agora o terceiro,
continua, contudo,
como nossa maior referência.
Sempre digo, a quem pergunta,
que nasci à sombra
do Pico da Bandeira.
Maria viaja.
Taquaral se aproxima.
Pára, não pára,
Às vezes pára,
às vezes não pára.
A estação diz do silêncio
de seus moradores.
Vez ou outra solta o grito,
vez ou outra algum embarque.
Mais sobem os produtos,
poucos são seus viajantes.
Taquaruna está bem próxima,
mas o trem é lento,
Maria não corre,
Maria não tem força,
queima lenha,
queima lenha,
queima lenha.
Taquaruna é uma estação.
Nada além de uma
estação de trem.
Um pouco mais talvez,
uma privada,
um pomar,
um bar de café,
com bolo e com biscoito
O menino desce,
salta cerca,
pega fruta,
ouve o pito,
pega o trem.
Sobe morro,
sobe morro,
sobe morro...
Estamos em Vista Bela.
No alto da montanha,
uma linha de trem,
agora uma máquina,
algumas classes,
alguns vagões de carga.
A vista é bela!
Lá embaixo, o vale,
casas pequeninas
de grandes fazendas...
Se há gente correndo a terra,
ninguém vê,
tudo muito longe,
tudo muito pequeno
para ser visto
do alto de Vista Bela.
Maria corre,
desce o morro,
desce o morro,
desce o morro...
apita muito,
apita muito,
apita muito...
Lá embaixo está Loanda.
Uma só estação.
O trem não pára,
o trem não pára,
o trem não pára...
Não há ninguém,
não há ninguém,
não há ninguém!
Finalmente,
Presidente Soares,
a cidade buscada.
Finalmente,
o Colégio,
o aconchego final.
Vou ficando,
vou ficando,
vou ficando...
Dezembro de 1958.
Deixo o colégio,
viajo de volta
na mesma Maria-Fumaça.
Sobe morro,
sobe morro,
sobe morro,
desce morro,
desce morro...
Volto mais calmo,
volto mais educado,
volto mais instruído,
volto para não ficar.
São Paulo é o meu destino.
Passou o tempo,
a infância passou,
a adolescência passou,
a mocidade passou,
passou, passou, passou...
Estamos agora em
fevereiro de 2006.
Já não há Maria-Fumaça,
já não há papai,
já não há mamãe,
já não há a nossa casa,
já não há como voltar!
Os irmãos se dispersaram,
velhos amigos viajaram
a mais longa viagem
sem qualquer chance de retorno.
Espera Feliz permanece
no colo de muitas serras.
Nela permanecem
o meu pensamento,
as minhas melhores amizades,
alguns parentes queridos,
o meu olhar de menino,
o mesmo pião,
o mesmo pomar,
a mesma vara de pescar,
o mesmo papagaio,
a mesma Igreja de São Sebastião,
a mesma Praça da Bandeira,
o mesmo Hotel Montanhez,
os mesmos morros,
os mesmos nomes,
as mesmas arapucas,
as mesmas gaiolas,
as mesmas andorinhas,
os mesmos canários,
as mesmas rolinhas...
O tempo que pretendeu mudar-me,
curte enorme frustração.
Nem mesmo após tantos anos,
conseguiu roubar
meu jeito mineiro de ser
e de observar tudo e de
sonhar, sonhar, sonhar sempre.
No meu silêncio,
a viagem é mais longa.
Corro a minha terra,
subo o morro da igreja,
solto o meu papagaio,
jogo a minha bola de vidro,
pesco o meu lambari,
abraço a minha gente,
peço a bênção dos meus pais,
saio pelas mesmas ruas
tão bonitas, tão puras, tão minhas...
Encerrada a viagem,
a solidão é imensa,
a realidade dói,
só então retomo o meu trabalho,
assumo a minha distância,
longe, muito longe da minha terra,
longe, muito longe da minha gente,
perto demais do meu sonho.
Impossível voltar!
HAIKAIS
DESENCANTO
A parede rosa
na altura, mostra figura
de você formosa.
LEMBRANÇA
Em meu peito abrigo
a dor, saudade do amor
que restou comigo.
INSATISFEITA
Teu desejo, leve
qual pluma, é como espuma,
morre muito breve!
HARMONIA
No seio da floresta
ornada, a passarada
vive toda em festa.
E A VIDA CONTINUA...
Cada geração
que passa, deixa sua graça
para a perfeição.
RONDÓ
Faço meu rondó
cantando, às vezes chorando
por sentir-me só.
DESILUSÃO
Fez-se tão banal
teu ser, que vejo nascer
tua hora final.
DESALINHO
Em seu desalinho,
o rosto sente desgosto
de seguir sozinho.
SÃO PAULO – RETRATO POÉTICO DE UMA CIDADE SONHADA
A todos os que desejam
em São Paulo vir morar,
só me resta aconselhar,
que só venha se for forte,
com profissão na bagagem,
com muita fé e coragem
e, também, com muita sorte.
Viver longe da família,
principalmente dos pais,
é coisa que dói demais,
a dor, aqui, é palpável,
amigo, pense a respeito,
se tudo não for bem feito,
faz-se dor insuportável.
Quem nada sabe fazer,
recomendo pensar mais,
deixar a casa dos pais,
desse jeito, bom não é,
no começo, certamente,
vai juntar-se a muita gente
que corre a Praça da Sé.
Muita gente tem voltado
pra sua terra natal,
em São Paulo, a capital,
os patrões cobram demais,
sem o diploma na mão,
o retorno é solução,
pra boa casa dos pais.
Bem antes do seu embarque,
para a São Paulo sonhada,
preste atenção camarada
nas coisas que vai trazer,
traga, além da sua vontade,
Carteira de Identidade,
para não se aborrecer.
Traga outros documentos,
o Histórico Escolar,
pra quem deseja estudar,
deve estar sempre na mão,
Certidão de Nascimento,
meu amigo, fique atento,
traga até por precaução.
A Carteira de Trabalho,
se não tem, busque tirar,
se quer mesmo trabalhar,
vão cobrá-la, sim senhor,
se já tem, tome cuidado,
seu histórico sagrado,
por aqui terá valor.
A Carta de Referência,
do seu último patrão,
se puder, tenha na mão,
com firma reconhecida,
pra quem corre atrás da sorte,
pode ser o passaporte,
pro seu êxito na vida.
Traga tudo direitinho,
sem rasura, certamente,
com rasura, muita gente
por aqui se complicou,
tendo a vida organizada,
não deixando faltar nada,
quem veio assim, acertou.
Cuidado, muito cuidado,
guarde bem seus documentos,
por aqui, maus elementos,
roubam tudo, facilmente,
seu documento roubado,
por malandro, se usado,
vai lhe dar dor de presente.
Quem não sabe fazer nada,
poucas chances tem aqui,
muitas famílias já vi,
retornar ao chão natal,
com dinheiro da passagem,
sem o sonho na bagagem,
de vencer na capital.
Guardar dinheiro é preciso,
guarde até por precaução,
é preciso ter na mão,
dinheiro pra se cuidar,
não conte com assistência
da Federal Previdência,
se quer mesmo se salvar.
Sobra gente sem emprego
na cidade portentosa,
onde a vida só é gostosa,
pra quem ganha muito bem,
quem ganha pouco padece,
sofre dor que não merece,
não passa de João-Ninguém.
Quem não tem onde morar,
por aqui, passa apertado,
quem, na rua, acomodado,
tem que dar explicação,
a polícia não perdoa,
muitas vezes, quem à-toa,
joga até no camburão.
Procure um lugar tranqüilo,
indague o mais que puder,
quem pra São Paulo vier,
deve estar bem informado,
quem no bolso tiver grana,
busque bairro de bacana,
pra ser pouco incomodado.
Quem busca a periferia,
da nossa maior cidade,
não tem a comodidade,
de ter sempre tudo à mão,
o governo, com certeza,
só vai atrás da pobreza,
quando em tempo de eleição.
Sobre morar em São Paulo,
vai, aqui, o nosso alerta,
se a pessoa for esperta,
vai tentar se colocar,
bem perto do seu serviço,
aquele que fizer isso,
vai bem menos se cansar.
Pra você morar melhor,
dou-lhe, aqui, boa opção,
more perto de Estação,
onde o Metrô tem espaço,
você só tem a lucrar,
quando pra casa voltar,
será menor seu cansaço.
Quem de ônibus depende,
tem desgaste acentuado,
para o trânsito parado,
não há melhor solução,
as ruas estão lotadas,
são buracos, são lombadas,
nos faróis da confusão.
Quem dirige quer espaço,
quem caminha quer também,
na verdade, ninguém tem
o espaço que quer ganhar,
esse um jogo perigoso,
que o governo preguiçoso,
nada faz pra melhorar.
São muitos os motoqueiros,
correndo a cidade inteira,
na mais estranha carreira,
suas vidas arriscando,
no meio dessa anarquia,
muitos moços, todo dia,
vai o trânsito matando.
Não se meta a motoqueiro,
meu amigo, não esqueça,
tire isso da cabeça,
se seu desejo é vencer,
quem se mete nesse emprego,
vive a vida sem sossego,
quando consegue viver.
Procure ser bom amigo,
dos vizinhos que você tem,
trate a todos muito bem,
não se envolva em confusão,
quem mete a mão na cumbuca,
deixa a cabeça maluca
com os pés longe do chão.
Cuide bem do que é seu,
não gaste dinheiro à-toa,
quem deseja vida boa
tem meta estabelecida,
guardando um pouco por mês,
todo aquele que assim fez,
fez melhor a sua vida.
Corra atrás do seu progresso,
dê valor à educação,
com o diploma na mão
fica mais fácil vencer,
queira estar entre os melhores,
quem está entre os piores,
pouca coisa pode ter.
Mostre a todos seu desejo
de na vida triunfar,
não desista de buscar
o sonho que tem guardado,
seja alguém nessa cidade,
viva a vida com vontade,
quando o sonho conquistado.
Pra deixar sua família,
na sua terra natal,
em busca da Capital,
pense bem a decisão,
nada, aqui, se tem de graça,
é preciso sorte e raça,
paciência e profissão.
Para quem tem profissão,
ou diploma de faculdade,
com paciência e vontade,
tem tudo para dar certo,
mas é bom se preparar
quem emprego disputar,
terá que ficar esperto.
As filas do desemprego,
enormes eu sei que são,
pra quem não tem profissão,
o emprego é um achado,
normalmente, o que sobra
é o peso que vem da obra,
para os braços do empregado.
Para encarar o trabalho,
é preciso força e sorte,
são candidatos à morte
os que pouca saúde têm,
por ser pequeno o salário,
come mal nosso operário,
e o que come não faz bem.
Já vi morte em construção,
por fraqueza, certamente,
o pesado do batente,
sobra sempre pro mais fraco,
lata cheia de cimento,
pro construtor, dá sustento,
pro operário, buraco.
Trabalhei em mercearia,
ao lado de construção,
mortadela, cachaça e pão,
era almoço de primeira,
quem não bebia cachaça,
bebia água de graça,
água impura de torneira.
Não há mesmo muita escolha,
pra quem não quis a escola,
pra quem xucro de cachola,
não há outra solução,
só resta mesmo o tal peso,
pra quem deixou, no desprezo,
os livros da educação.
Muitas pessoas do norte,
ou então lá do nordeste,
chamadas cabras-da-peste,
por serem pobres demais,
muito mal acomodadas,
esquecidas, abandonadas,
sentem falta de seus pais.
Sentem falta dos amigos,
dos irmãos e da terrinha,
eu, também, deixei a minha,
dessa falta vem a dor,
distante da minha gente,
essa falta, de repente,
diz que fui mal jogador.
Bem distante da família,
correndo atrás de instrução,
mesmo tendo profissão,
de menino sapateiro,
passei por dificuldade,
mas venceu minha vontade,
de honrar meu lar mineiro.
Muita gente me ajudou,
na ausência dos meus pais,
bem distante das Gerais,
na guerra fui envolvido,
embora dura a corrida,
consegui vencer na vida,
mas, em parte, fui vencido.
Senti falta dos meus pais,
dos meus irmãos, dos amigos,
dos meus melhores abrigos,
da minha enorme alegria,
senti falta da minha rua,
do meu céu, da minha lua,
e de tudo o que comia.
Minha mãe, maravilhosa,
tudo de bom me entregava,
a comida que mais gostava,
eu tinha sempre na mesa,
tinha bife acebolado,
cabrito, boi e capado,
fartamente, com certeza.
Muitas coisas que comi,
comi pra sobreviver,
comi sem maior prazer,
pagando caro demais,
saudade, meu caro amigo,
do meu lar, do doce abrigo,
da casinha dos meus pais.
Muita gente desempregada
busca o centro paulistano,
percebe-se, a cada ano,
bem maior tal contingente,
quem não tem o que fazer
por aqui, pra se manter,
tem que ter bala no pente.
Dinheiro não cai do céu,
todo mundo cobra bem;
ninguém dá nada a ninguém,
se não há compensação,
o cidadão sem emprego,
não consegue ter sossego,
muito menos diversão.
Nos versos que aqui escrevo,
vou lhes dizer do caminho,
que um dia busquei sozinho,
para em São Paulo ficar,
não foi fácil, meus senhores,
mais espinhos do que flores,
enfrentei nesse lugar.
Um pouco da minha história,
como exemplo, conto aqui,
da forma como vivi,
de tudo o que alcancei,
vencer não foi fácil não,
mas nada me pôs no chão,
desde o dia que cheguei.
Sou filho de chão mineiro,
de região montanhosa,
de uma cidade gostosa,
de gente amiga e leal,
sou filho de pai barbeiro,
menino, fui sapateiro
e carpidor de quintal.
Minha mãe era do lar,
a vida inteira ocupada,
cuidando da filharada
fez bem mais do que podia,
foi mulher, foi corajosa,
foi com todos carinhosa,
foi nossa grande alegria.
Cidade muito pequena,
pouco mais de quinze mil,
sob um vasto céu de anil,
quis o seu filho conter,
mas a escola, pobrezinha,
que só o primário tinha
não nos faria crescer.
Meu pai foi Juiz de Paz,
padrinho de muita gente,
só com tesoura e com pente,
tudo fez sem descansar,
do trabalho, foi parceiro,
o mais brilhante barbeiro
foi nosso pai Alencar.
Distante da diversão,
a vida inteira passou,
nunca papai embarcou
com filhos a passear,
durante a semana inteira,
na mesma velha cadeira
o que fez foi trabalhar.
Sem mais escola a cursar,
o primário terminado,
pela sorte, bafejado,
meu estudo eu retomaria,
por dar à bola bom trato,
fui parar no Internato,
deixando a sapataria.
Fiz, então, nesse internato,
o meu Curso Ginasial,
esse um tempo sem igual,
não posso dele esquecer,
com bons mestres ao meu lado
fui, com certeza, educado,
como todos devem ser.
Foram todos rigorosos,
isso, em tudo, me ajudou
a escola que me formou,
deu-me outra educação,
o ginásio, bem cumprido,
me fez moço destemido,
me fez outro cidadão.
Menino que fui, levado,
esse tal perdeu a vez,
surge um outro Juarez,
muita gente ouvi dizer:
esse filho do Alencar,
alcançou o patamar,
que dá gosto a gente ver.
Quando bom o ensinamento,
temos outro resultado,
o estudante, motivado,
se apega à educação,
eu, por isso, mudei sim,
passei a cuidar de mim,
com muito mais atenção.
São Paulo foi meu destino
a São Paulo, capital,
cumprido o Ginasial
embarco no fim do ano,
ainda em cinqüenta e oito,
já pertinho de dezoito,
piso o solo paulistano.
Tenho gente à minha espera,
tenho tios, tenho primo,
pessoas que muito estimo,
toda a sorte me cutuca,
num castelo colocado,
sou logo matriculado,
no Colégio Alfredo Pucca.
Não trabalho, só estudo,
a ordem que me foi dada,
será por mim respeitada,
bem cumprida, certamente,
tenho tudo, nada falta,
com meu prestígio em alta,
dessa forma, vou em frente.
Só deixei o meu Estado
por pura necessidade,
falasse minha vontade,
eu em Minas ficaria,
viveria mais contente,
no seio da minha gente,
na mais completa alegria.
Já no solo paulistano,
ao estudo dedicado,
sou, por todos, bem tratado,
tenho amigos de montão,
nos domingos, jogo bola,
pra descansar a cachola,
cedo espaço à diversão.
Aos estádios, vou bem pouco,
não gosto de me meter,
onde o pau vive a comer,
no embalo da torcida,
pela tevê, tudo vejo,
mato, assim, o meu desejo,
preservando a minha vida.
Sou, aqui, corinthiano,
não choro se derrotado,
não importa o resultado,
vitória, empate ou derrota,
todos sabem, de antemão,
que esporte é diversão,
prazer que jamais se esgota.
Vi muita briga de rua,
nos estádios também vi,
foi, assim, que aprendi,
que devia me afastar
dessa gente mais briguenta,
pois toda luta sangrenta,
nunca leva a bom lugar.
No conforto da minha casa,
ao lado da minha gente,
faço festa, vou em frente,
mostro muita animação,
desse jeito, meu amigo,
ao meu corpo, dou abrigo,
bem longe da confusão.
Deixei, um dia, meus tios,
fui cuidar da minha vida,
com a mão mais decidida,
fui atrás de trabalhar,
senti que chegara a hora
de partir, de ir embora,
à caça do meu lugar.
Meu amigo, tive sorte,
trabalho não me faltou,
quem em mim acreditou,
teve o retorno pensado,
fui além do exigido,
inteligente e sabido,
soube dar o meu recado.
Joguei muito futebol,
pelos campos da cidade,
matei, assim, a vontade,
dando espaço à minha arte,
por ser atleta brioso,
nesse esporte, tão gostoso,
eu fiz bem a minha parte.
Quando a perna já cansada,
deixei a bola de lado,
o estudo, retomado,
foi a minha salvação,
fui pro curso de Direito,
após o curso já feito,
já tinha até profissão.
Trabalhando em editora,
de Direito, certamente,
meu trabalho, de repente,
ganha espaço no mercado,
pela Saraiva, editora,
com proposta sedutora,
sou então assediado.
Deixo, assim, a Sugestões,
editora a que servia,
bem mais luzes no meu dia,
na Saraiva, posso ver,
na empresa, sou editor,
sou, depois, seu Diretor,
também autor passo a ser.
As expressões do Direito,
estão agora ao meu lado,
nesse cargo conquistado,
ganho enorme projeção,
bem mais tarde, eu criaria,
a empresa que hoje em dia,
eu tenho inteira na mão.
Esse um pequeno retrato,
do meu estar por aqui,
a São Paulo que conheci,
mudou muito, certamente,
de assunto, mudo agora,
minha história, sem demora,
esqueço daqui pra frente.
Na cidade de São Paulo,
o trânsito é perigoso,
sempre muito vagaroso,
tantos carros aqui tem,
é preciso estar atento,
mesmo sendo muito lento,
todo dia mata alguém.
Ao atravessar a rua,
há risco de todo lado,
pra não ser atropelado
é bom prestar atenção,
se o transeunte respeita,
pouco, à morte, se sujeita,
essa a sua salvação.
O cidadão abusado,
que sinais não obedece,
tem que ser bamba na prece,
pra se safar de acidente,
quem dirige não quer saber,
se vai matar ou morrer,
quem esperto, sai da frente.
Tudo em São Paulo tem preço,
nada, aqui, chega de graça,
não basta vontade e raça,
manda, aqui, o vil metal,
sem grana, meu camarada,
o homem não vale nada,
vai pra vida marginal.
Vai ser bandido ou pedinte,
não há outra solução,
embaixo do Minhocão,
muita gente tem lugar,
o espaço é disputado,
às vezes negociado,
por quem primeiro ocupar.
Muita gente se alimenta
de comidas encontradas
nas lixeiras colocadas
ou na rua ou na praça,
sem ligar pra podridão,
na disputa com rato e cão,
pelo lixo, corre a caça.
Nessa disputa infernal,
resta ao homem a podridão,
na sua alimentação,
a doença vem certeira,
a saúde, nessa hora,
bate perna, vai embora
leva à hora derradeira.
Na sua área central,
nos lugares principais,
são muitos os marginais,
violentos, se enfrentados,
ditam regras de conduta,
entre eles, há disputa
por espaços conquistados.
Batedores de carteira,
atrevidos, provocadores,
falsos médicos, doutores,
vigaristas, certamente,
muita gente desonesta,
essa gente que não presta,
no centro se diz presente.
Nas favelas da cidade,
a pobreza é de assustar,
a miséria tem seu lar,
ela, inteira, se completa,
o governo nem se toca,
quem se abriga na maloca,
já não vive, só vegeta.
Quem tem bens materiais,
tem que saber dividir,
só assim vai conseguir,
manter-se ali colocado,
quem não divide o que tem,
nós sabemos muito bem,
tem seu passo condenado.
Corrupção em São Paulo,
faz parte de toda a lida,
facilmente percebida,
contê-la já não dá mais,
quem com cargo ou com dinheiro,
joga livre o tempo inteiro,
o vil jogo dos metais.
Ninguém diz do envolvimento
na maior cara-de-pau,
quem honesto, passa mal,
quando ouve tal mentira,
quem escapa de cobrador,
não escapa de pagador,
põe no bolso ou dele tira.
A polícia paulistana,
ganha pouco, ganha mal,
o poder municipal,
não dá força a essa gente,
brota, assim, a viração
uma outra ocupação
já se aceita normalmente.
O grande Antenor Batista,
senhor de rara visão,
tratou da corrupção
com enorme maestria,
muitos casos levantados
são, por ele, estudados,
à luz da sabedoria.
São lições que todos nós
devemos ler com atenção,
ter o livro sempre à mão
pra dele se aproveitar,
nosso grande literato,
revela que tal retrato
pode o povo exterminar.
Falta polícia nas ruas,
segurança não se tem,
por não contar com alguém
que lhes dê tranqüilidade,
vivem todos assustados,
nas casas encarcerados,
ninguém se sente à vontade.
As casas vivem trancadas,
quem é dono se encarcera,
enquanto lá fora a fera,
dita as regras do lugar,
tenho medo, todos têm,
no governo, falta alguém
com pulso pra governar.
Nas eleições, só promessa,
quem se elege, nada faz,
quem trabalha, não tem paz,
não voa, por não ter asa,
quem pode, tem guarda-costa,
faz tudo aquilo que gosta,
quem não pode, fica em casa.
São milhões pela cidade,
é gente a perder de vista,
no centro, quem é artista,
mostra o talento que tem,
com violão ou pandeiro,
tem peleja o dia inteiro,
o insulto vai e vem.
Na Praça mais importante,
famosa Praça da Sé,
muita gente finca o pé,
pregador, doutor, ladrão,
a palavra de Deus é dita,
de vez em quando alguém grita:
olha o rapa, meu irmão!
Quem tem dinheiro, se cuida
mantém o bolso trancado,
que todos tenham cuidado,
mais no centro da cidade,
se a calça tem bolso aberto,
o gatuno, muito esperto,
se sente mais à vontade.
Ande, aqui, desconfiado,
não se meta em confusão,
essa a grande solução,
pra evitar enrascada,
no meio de muita gente,
o bom papo, de repente,
serve, às vezes, de jogada.
O bandido mais esperto
sabe bem se conduzir,
sabe chorar e sorrir,
esse o jogo da trapaça,
se no centro trabalhar
deve-se a praça evitar,
pra não cair em desgraça.
Quem gosta de futebol
e de estádio freqüentar,
não deve se misturar
com quem busca confusão,
torcida uniformizada,
briga mesmo, até por nada,
briga até por diversão.
A cidade de São Paulo
tem tudo o que desejamos,
o trabalho que buscamos,
diversão o tempo inteiro,
à noite, principalmente,
quem tem grana, vai em frente,
faz-se dono do terreiro.
Muita gente vai ao Shopping,
onde há forte segurança,
no shopping, qualquer criança,
se sente bem à vontade;
esse espaço precioso,
tem se mostrado gostoso,
por nos dar tranqüilidade.
Quem senhor de boa grana
vai, dele, tirar proveito,
vai acabar satisfeito,
pois tudo vai encontrar,
comida há com fartura,
a caminhada segura
faz o povo se animar.
No shopping sobra alegria,
sobra gente bem vestida,
o colorido da vida
nele corre o dia inteiro,
no templo da mocidade,
namora-se à vontade,
até mesmo sem dinheiro.
Criança vai pro parquinho,
onde se põe à vontade,
onde a boa quantidade
de brinquedos faz sucesso,
nesse espaço tão festivo,
fica o povo mais ativo,
ante os frutos do progresso.
Na praça dos alimentos,
a comida japonesa
tem seu espaço na mesa
comida boa não falta,
com pouca grana se come,
a grana, pra muita fome,
será sempre bem mais alta.
Nem tudo aqui é trabalho,
São Paulo tem show de graça,
no meio da grande praça,
famosa Praça da Sé,
nosso povo se acomoda,
educado, forma a roda,
o tempo inteiro de pé.
Tem samba, tem desafio,
tem sertanejo também,
quem quer rock, rock tem,
tem até estátua humana,
quem se mostra como artista,
tem seu espaço na pista,
pra correr atrás de grana.
A cidade tem de tudo,
tem de tudo e mais um pouco,
tem gênio, tarado e louco,
por isso ela é divertida,
quem, aqui, marca bobeira
perde cartão e carteira,
pode até perder a vida.
Dizem que o mundo é assim,
nada, aqui, é diferente,
onde há cachorro e gente,
sobra veneno de cobra,
a mordida, meu amigo,
terá sempre bom abrigo
onde gente tem de sobra.
Não conte com complacência
da polícia, meu irmão,
malandro, bobo e ladrão,
vive às voltas com essa tal,
não queira marcar bobeira
documento na carteira
tem que ter sempre legal.
Muita gente se aproveita,
da boa apresentação,
pra viver metendo a mão,
na grana de quem decente,
fique esperto, meu amigo,
pra não correr tal perigo,
passe longe dessa gente.
Esses tais conversam bem,
têm planos mirabolantes,
se dizem muito importantes
no meio empresarial,
quem vende facilidade,
se prepara, na verdade,
pra dar o golpe fatal.
Não passe por bobo não,
não vá atrás dessa massa,
ninguém dá nada de graça,
a quem honesto na vida,
cuide bem da sua grana,
o esperto não curte cana,
já o bobo não tem saída.
Quem, aqui, sem documento,
passa aperto, sim senhor,
se tem pinta de doutor,
pode até disso escapar,
mas se pobre, preto e feio,
não escapa, não há meio,
terá muito o que explicar.
A polícia especial,
essa cumpre bom papel,
mas não se ache no céu
ao ser por ela abordado,
que não se engrace com ela,
pois o caminho da cela,
pode aí ser encurtado.
Quem quiser viver aqui,
na cidade de Anchieta,
pode ver a coisa preta,
mas pode até se dar bem,
chamo, aqui, sua atenção,
quem tem melhor instrução,
bem mais chance sei que tem.
Bandido, aqui, passa mal,
tranqüilidade não tem,
tem que ser homem de bem,
com emprego, certamente,
a cidade cobra isso,
esse o nosso compromisso,
pra cidade ir em frente.
Na Praça do Patriarca
há espaço reservado
pra artista necessitado,
em busca de projeção,
mas há também marreteiro,
todos buscam por dinheiro,
todos querem ter seu pão.
Há parques pela cidade,
já bastante conhecidos,
são espaços construídos,
pra quem busca diversão,
espaço bom pra namoro,
pra cantoria e pra choro,
pra se por os pés no chão.
A polícia não perdoa,
quando sério o policial,
se alguém se comporta mal,
em prejuízo de alguém,
responde pelo que fez,
se pego, vai pro xadrez,
onde nada corre bem.
Um bairro muito bonito,
é o bairro da Liberdade,
cartão postal da cidade,
realmente uma beleza,
o Japão, nele presente,
permite que nossa gente
curta a vida japonesa.
Na rua Galvão Bueno,
o comércio se acentua,
quem busca por essa rua,
vai encontrar o que quer,
não pode é marcar bobeira,
guarde a bolsa e a carteira,
principalmente a mulher.
Como é grande o movimento,
nas ruas da Liberdade,
quem vende facilidade,
pode perder o que tem,
o bandido mais safado,
mesmo sendo vigiado,
já não respeita ninguém.
Drogados pela cidade,
dá pra ver o tempo inteiro,
todo mundo sabe o cheiro,
das drogas também o nome,
a polícia não dá conta,
a droga corre de monta,
criança também consome.
Alguns bairros da cidade,
os mais pobres, certamente,
sofrem muito com enchente,
muitas vezes, de surpresa,
a cheia brava que vem,
o pouco que o pobre tem,
põe na mão da correnteza.
Viver aqui sem ter grana,
é ser teimoso demais,
sem a presença dos pais,
mais a dor se acentua,
não tem espaço a pobreza,
quem é pobre, com certeza,
só tem espaço na rua.
Muita gente, de boa origem,
se transforma em criminoso,
esse jogo perigoso,
quem joga vive a perder,
quem na cela encarcerado,
nem meio metro quadrado,
de repente, passa a ter.
Se a cela comporta dez,
às vezes recebe cem,
reclamar, então, com quem!?
quem mais se mostra na tela,
estando ou não condenado,
continua encarcerado,
num curto espaço de cela.
Quem quiser vir pra São Paulo,
já deixo aqui avisado,
se trabalho não for achado,
que se cuide o cidadão,
quem avisa amigo é,
pra manter-se aqui de pé,
tem que mostrar produção.
São muitos os camelôs,
nas calçadas mais centrais,
nem todos são marginais,
nesse comércio agitado,
mas, no meio, infelizmente,
desse povo mais carente,
há bagunceiro infiltrado.
O cuidado é necessário,
no comércio a céu aberto,
há muito sujeito esperto,
querendo o povo enganar,
deixo, a todos, esse aviso:
todo o cuidado é preciso,
na hora de se comprar.
Produto muito barato,
às vezes não vale nada,
depois da coisa comprada,
trocar não é fácil não,
às vezes, na mesma hora,
o camelô vai embora,
pra fugir da confusão.
Empregado que mora longe,
em bairro muito afastado,
paga, aqui, pelo pecado,
de trabalhar tão distante,
nosso transporte é precário,
rouba saúde e salário,
a vida faz estressante.
Pense, você, a respeito
de tudo aquilo que disse,
posso ter dito tolice,
não foi esta a intenção
de quem só quis ajudar,
de quem conhece o lugar
e que dele fez seu chão.
Em São Paulo, sobra escola
pra quem quiser aprender,
quem deseja aqui crescer,
tem que melhor se educar,
diplomar-se só não basta,
quem tanto dinheiro gasta,
que saiba também cobrar.
Entre as muitas faculdades
que se pode aqui cursar,
todas sabem bem cobrar,
nem todas ensinam bem,
na escolha, tenha cuidado,
pois malandro diplomado,
não dá bola pra ninguém.
O diploma é importante,
mais importante o saber,
quem só diploma quer ter,
sem saber, vai se dar mal,
pode o saber ser cobrado,
não sabendo, será taxado
de doutor cara-de-pau.
Se você não sabe nada,
sobre o tema em discussão,
mantenha-se caladão,
na roda em que se achar,
se você disser besteira,
vai levar pau na moleira,
vai, assim, se machucar.
Não discuta em botequim,
nas favelas, nem pensar,
pode o pau ali quebrar,
por força da bebedeira,
já vi muito cara astuto,
em silêncio absoluto
vitimado por peixeira.
Valentia não leva a nada,
saiba disso desde agora,
da confusão, caia fora,
se seu desejo é viver,
quem valente, só se ferra,
valentão aqui na terra,
costuma cedo morrer.
Onde morar em São Paulo!?
Que bairro devo escolher?
Não vou, aqui, responder,
vou apenas alertar,
há lugares perigosos,
onde muitos criminosos,
costumam se acomodar.
Toda atenção é preciso
perguntar só traz ajuda,
quem mantém a boca muda,
sai perdendo nessa hora,
o homem bem informado,
consegue bom resultado,
faça isso desde agora.
Quem tem dinheiro dá ordens,
cabe, ao pobre obedecê-las,
nossos ricos são estrelas
de uma novela sem fim,
onde o pobre pede esmola,
onde o rico não dá bola,
pro povo que vive assim.
Quem seu emprego consegue,
que preste bem atenção,
se a ordem vem do patrão,
quer ele vê-la cumprida,
quem contraria o mandante,
deixa de ser importante,
pra quem dono da partida.
Discutir com quem ordena,
não aconselho a ninguém,
quem mais poder aqui tem,
quer, de todos, mais respeito,
se diz respeito ao trabalho,
cumpra a ordem sem atalho,
o melhor deve ser feito.
Sendo a ordem criminosa,
não se meta nessa não,
esqueça quem é patrão,
fale grosso dessa vez,
vale mais a liberdade,
faça, aqui, sua vontade,
aja, aqui, com sensatez.
Há bons patrões por aqui,
mas, também, há quem não presta,
muita gente desonesta,
pode, aqui, ser encontrada,
passe longe dessa gente,
pra não perder, de repente,
a conquista tão sonhada.
Use só de honestidade,
mostre o bom filho que é,
saiba manter-se de pé,
nunca se deixe enganar,
meu amigo, quem honesto
tem espaço, quanto ao resto,
é seu dever aguardar.
Preze a sua liberdade,
cuide dela tenazmente,
não se misture com gente,
que vive vida bandida,
quem, na vida, picareta,
tem seu palco na sarjeta,
entre os horrores da vida.
Se a sua disposição,
é pra São Paulo embarcar,
aconselho melhor pensar,
pra jamais se arrepender,
já disse, sem profissão,
seu espaço, na multidão,
você pode até não ter.
No trânsito da cidade,
não discuta com ninguém,
nem sempre termina bem
até simples discussão,
da discussão nasce a luta,
os rivais, dessa disputa,
podem ir pro camburão.
Pode ir bem mais além,
a tal simples discussão,
além da simples prisão,
pode o desfecho ser sério,
no calor de uma disputa,
um dos dois, durante a luta,
pode ir pro cemitério.
Para o morto, tudo bem,
quem morre não briga mais,
deixa a dor para seus pais,
pros filhos e pra mulher,
quem matou, esse se dana,
um longo tempo de cana
o criminoso vai ter.
Cuidado pra não cair
no tal conto do vigário,
o esperto leva o salário
de quem por ele sondado,
em São Paulo, essa gente
vive à cata, infelizmente,
de quem pega no pesado.
O braçal, nessa cidade,
tem que saber se cuidar,
se algum safado encontrar,
desconfie, não dê trégua,
deixe o tal ficar sozinho,
tire já do seu caminho,
quem nasceu filho-da-égua.
São Paulo é terra de todos,
de cearenses e baianos,
gaúchos, pernambucanos,
sob um vasto céu azul,
se somam aos piauienses,
goianos, paranaenses...
todo o norte, todo o sul.
São poucos os cariocas,
já mineiros, são demais,
eu que vim lá das Gerais,
trabalhei além da rima,
eu ontem cheguei por baixo,
num outro grupo me encaixo
já estou um pouco acima.
Enfrentei mil tempestades,
todas elas naturais,
nada tão ruim demais,
que não pudesse vencer,
sem nenhum risco de morte,
no trabalho, se tive sorte,
fiz a sorte acontecer.
Corri atrás de trabalho,
busquei achar meu espaço,
não me parou o cansaço,
nem me parou o temor,
ao trabalho dedicado,
cheguei ao cargo sonhado,
sou agora empregador.
Não tive nunca moleza,
nos trabalhos que enfrentei,
não reclamo o que passei,
pus de lado os dissabores,
o patrão mal educado,
eu, também, deixei de lado,
com seus péssimos valores.
Trabalhei com dedo-duro,
nego trouxa, vagabundo,
puxa-saco, que no fundo
nunca chega a bom lugar,
esse tipo, infelizmente,
é dor que São Paulo sente
e que nunca vai curar.
Cuidado com esse tipo,
não se meta a fazer isso,
procure, no seu serviço,
ser sempre bom operário,
desse jeito, com certeza,
vai compor a sua mesa,
seu mais honesto salário.
São Paulo das indústrias,
de carros, principalmente,
cidade bela, imponente,
de noites monumentais,
todas elas convidativas,
cidade de muitos vivas,
cidade de muitos ais.
São Paulo dos restaurantes,
de vida muito agitada,
de comércio na calçada,
de pedinte em cruzamento,
São Paulo de belas praças,
São Paulo de muitas raças,
de muito asfalto e cimento.
São quase onze milhões
de habitantes na cidade,
pra ninguém é novidade,
o que agora vou contar,
estão aqui os chineses,
os turcos, os japoneses,
isso só pra começar.
Estão aqui argentinos,
não em grande quantidade,
temos poucos, é verdade,
com tendência de crescer,
poucos russos e uruguaios,
bolivianos e paraguaios,
esses sempre vamos ter.
Muitos Judeus na cidade,
gente forte na economia,
encontramos todo dia,
à São Paulo se entregando,
distante um pouco da gente,
com cultura diferente,
a São Paulo edificando.
Portugueses, meu camarada,
temos demais por aqui,
quando cheguei, percebi
já os tais na padaria,
com boa massa na mão,
fazem rosca, fazem pão,
dia e noite, noite e dia.
Nossa gente mais festiva,
vem da Itália, meu senhor,
esse um povo encantador,
dono da nossa barriga,
esse povo tão contente,
faz ele, constantemente,
suas festas no Bixiga.
Da cozinha, são os donos,
são eles cheios de graça,
são eles os reis da massa,
são todos maravilhosos,
para o povo comilão,
os pratos com macarrão,
são os mais deliciosos.
Os chineses, na cidade,
são tachados como estranhos,
conseguem, eles, seus ganhos
sem maior integração
com a gente paulistana,
um, aqui, com muita grana,
vivo posto em confusão.
Dito o Rei do Contrabando,
o maior dos fornecedores,
de produtos com valores
bem abaixo dos praticados
pelo comércio legal,
esse Law, na capital,
tem passado maus bocados.
Nosso pão de cada dia
quem mais faz é o português,
do bom perfume francês,
há muito não sinto o cheiro,
nossa roupa foi mudada,
por indústria fabricada,
veste o povo brasileiro.
Onde anda o tropical
que vestia nossa gente!
O alfaiate, de repente,
perdeu espaço no chão,
hoje a máquina produz,
o preço que nos seduz,
tirou-lhe a arte da mão.
Vinte e cinco de janeiro,
São Paulo aniversaria,
durante todo este dia,
muitas festas no seu chão,
para artistas consagrados,
muitos palcos são montados,
para o povo, diversão.
Seis milhões de veículos,
cinemas, quase trezentos,
são doze mil e quinhentos
restaurantes na cidade,
quinze mil bares nós temos,
nesses bares, nós bebemos,
nossa alegria, à vontade.
Noventa e cinco mil ruas,
nem todas bem conservadas,
nem todas elas calçadas,
centenas comprometidas,
a cratera, infelizmente,
que agride nossa gente,
põe em risco nossas vidas.
Agora, em dois mil e oito,
a esse chão que sou grato,
nesse ano, cinqüenta e quatro,
além, claro, dos quinhentos,
o povo inteiro festeja,
alguns pedem, na igreja,
cessação de seus tormentos.
Administrar a cidade,
não é fácil, compreendemos,
os prefeitos que tivemos,
alguns pisaram na bola,
construções, principalmente,
onde sempre ocorre enchente,
onde o pobre só se esfola.
São muito convidativos
os lugares que aqui indico,
no Jaraguá, vá ao Pico,
ao Teatro, o Municipal,
represa, a Guarapiranga,
vá de calção ou de tanga,
leve lá seu pessoal.
Vá ao centro da cidade,
domingo, principalmente,
observe, atentamente,
seus prédios monumentais,
muita arte na construção,
tudo aquilo feito à mão,
por artistas geniais.
No Largo de São Francisco,
orgulho dessa cidade,
de Direito, a Faculdade,
outra igual nunca se viu,
são mestres maravilhosos,
são alunos estudiosos,
os melhores do Brasil.
Por esse lugar sagrado,
gente importante passou,
Fagundes nele estudou,
Castro Alves, Rui Barbosa,
também José de Alencar,
eu deixo, aqui, de citar,
muita gente grandiosa.
Pra cuidar bem da saúde,
cobro, aqui, sua atenção,
a melhor alimentação
trate bem você da sua,
o cuidado é necessário
não vá bancar o otário
comendo coisas da rua.
Na rua, come-se mal,
com bom sabor, certamente,
eis, porém, que de repente,
tem espaço a enfermidade,
por um preço mais barato,
carne de cão ou de gato,
vão matar sua vontade.
Carne de vaca ou de boi,
aquela que for servida,
pode estar comprometida
com muito asfalto e poeira,
nos restaurantes que temos,
muitas vezes nós comemos,
quase sempre sem sujeira.
Higiene total, meu caro,
só mesmo em casa encontramos,
bem mais barato pagamos,
pra bem cuidarmos de nós,
no nosso santo cantinho,
comendo, devagarinho,
com família, nunca a sós.
Nossas mães, nossas mulheres
essas, sim, nos tratam bem,
lá fora não há ninguém
com tempero tão gostoso,
se com tempo no trabalho,
ao corpo, dê o agasalho,
de um pratinho saboroso.
A comida italiana,
servida nos restaurantes,
nos mostra, quão importantes
são os pratos do Bixiga,
os melhores da cidade,
come-se lá à vontade,
tudo feito à moda antiga.
É meu prato predileto,
espaguete à bolonhesa,
esse prato, posto à mesa,
faz a festa do meu dia,
admiro o bacalhau,
esse prato de Portugal,
também me dá alegria.
Como mineiro que sou,
gosto muito de leitão,
esse um prato campeão,
com mandioca preparado,
em São Paulo, minha gente,
nosso prato, facilmente,
pode aqui ser encontrado.
Muitos dizem saborosa,
a comida que vem do norte,
com tempero muito forte;
como, aqui, sobra nortista,
ela, em tudo, está presente,
a comida, por ser quente,
deixa quente quem paulista.
Não sou comedor de Pizza,
de vez em quando um pedaço,
junto de amigos eu traço,
um pedaço, um somente,
seu cheiro forte me enjoa,
do meu cardápio destoa
o prato de muita gente.
Os lanches americanos,
os do Mac principalmente,
eu confesso, infelizmente,
já não consigo comer,
do Mac Fish eu gostei,
em curto tempo me achei,
já comendo sem prazer.
Saborosos, sei que são,
nutritivos, já duvido,
quem de cozinha entendido
já os tais põem de canto,
dizem muito gordurosos,
os tais lanches deliciosos,
que as crianças gostam tanto.
Em alguns lugares chiques,
onde o preço é elevado,
o prato chega enfeitado,
é o prato da enganação,
na verdade, o que se come,
nunca mata a nossa fome,
de tão ínfima a porção.
Com dinheiro, aqui se vive,
sem dinheiro, se vegeta,
não é coisa de poeta,
o que digo é verdadeiro,
na cidade tudo custa,
a pobreza, se augusta,
mata o povo sem dinheiro.
Vou outra vez alertar,
a vida em São Paulo é dura,
muita doença sem cura,
aqui se acha encravada,
quem depende de condução,
já aviso de antemão,
tem aqui vida apertada.
Os ônibus andam cheios,
o metrô não fica atrás,
pra você viver em paz,
aceite as regras do jogo,
reclamar não adianta,
quem, a voz, alto levanta,
já coloca a mão no fogo.
Os que têm seus veículos,
aqui não passam ilesos,
quase todos vivem presos,
nas ruas, todas lotadas,
quando chove, com certeza,
ninguém, aqui, tem moleza,
com tantas águas paradas.
As marginas da cidade,
quando chove, meu irmão,
produz tanta confusão,
que é bom dela se safar,
busque achar outro caminho,
quem se mete com espinho,
vai por certo se espetar.
Ao atravessar as ruas,
cuidado, muito cuidado,
pra não ser atropelado,
olhe sempre com atenção,
temos, aqui, motorista,
que, às vezes, posto na pista,
se entrega à competição.
Precisamos ter cuidado,
com nossas compras de rua,
muita gente aqui atua
nesse mercado informal,
vende produtos roubados,
ou ilegalmente importados,
na maior cara-de-pau.
Motoristas embriagados,
Deus me livre desses tais,
respondem por muitos ais,
são agentes do terror,
nas ruas ou nas estradas,
muitas vidas são ceifadas,
por quem assim condutor.
Na condução do seu carro,
o cuidado ainda é pouco,
até transeunte louco,
às vezes surge do nada,
quem esse tal atropela,
pode até mofar na cela,
sem a culpa comprovada.
No nosso judiciário,
envolvido com papéis,
nem a voz dos coronéis,
tem poder pra reclamar,
quem tem processo na cuca,
joga jogo de sinuca,
sem tabela pra escapar.
Há muito mal motorista,
na cidade dirigindo,
aparentemente seguindo
seu rumo corretamente,
de repente, o carro invade,
as calçadas da cidade,
surge a morte, de repente.
Cuidado, muito cuidado,
com os nossos motoqueiros,
cobradores, mensageiros,
os tais gostam de folia,
com suas motos ligeiras,
por fazerem mil besteiras,
muitos morrem todo dia.
Nem mesmo a morte dá jeito
nesses tais apressadinhos,
são os donos dos caminhos,
são senhores do embaraço,
causa medo a quantidade,
de motos pela cidade,
já de ruas sem espaço.
Nos bares, tome cuidado,
não discuta com ninguém,
não termina nunca bem,
nesse espaço a discussão,
sempre surge o exaltado,
quase sempre embriagado,
já querendo confusão.
Escolha bem os amigos,
não se envolva com drogados,
vivem eles vigiados,
por nossos policiais,
procure bons elementos,
curta bem os seus momentos,
sem a presença dos tais.
Não participe, meu caro,
de balbúrdias na cidade,
preze a sua liberdade,
não se entregue à contramão,
viva, sim, gostosamente,
ao lado da sua gente,
onde há paz em profusão.
Avenidas da cidade,
vou falar de uma delas,
temos outras muito belas,
nenhuma como a Paulista,
com seus prédios portentosos,
seus anúncios luminosos,
tudo nela agrada a vista.
A Paulista, meus amigos,
com seu espaço excelente,
dá espaço a muita gente,
pra qualquer tipo de festa,
vem gente de todo lado,
no seu leito, bem cuidado,
recebe até quem não presta.
Vigaristas, marreteiros,
travestis, desocupados,
estão sempre misturados
ao nosso povo decente,
de festejos, se há notícia,
lá, também, vai a polícia,
pra cuidar da nossa gente.
Temos outras avenidas,
como Ipiranga e São João,
serviram de inspiração
ao grande compositor,
mestre Paulo Vanzolini,
que mais vezes se define
muito mais pesquisador.
“De noite eu rondo a cidade...”
é esse o verso primeiro,
de quem domina o terreiro,
com versos de boa rima,
com sua Ronda cantada,
nas rodas da madrugada,
a Volta se dá Por Cima.
A cidade é uma beleza,
é convite permanente,
mas é também exigente,
muita cobrança nos faz,
quer, de todos, correção,
no trabalho, dedicação,
e nos lares muita paz.
São Paulo de outro Paulo,
o grande Paulo Bomfim,
que São Paulo faz assim
de versos maravilhosos,
esse Paulo, simplesmente,
faz-se Príncipe presente
com seus textos preciosos.
São Paulo é grande demais,
sua história é fabulosa,
outra mão, mais corajosa,
faça bem mais do que fiz,
escreva mais sobre ela,
essa cidade tão bela,
onde eu já tenho raiz.
Restaurantes na cidade,
no centro, principalmente,
são muitos, mas certamente,
nem todos têm bom preço,
eu lhes indico um só,
na Rua Senador Feijó,
o seu melhor endereço.
Conheça o Café da Sogra,
lá procure o Daniel,
seu servidor mais fiel,
do espaço, o mandatário,
lá estou, de vez em quando,
com Eduardo e Armando,
deixando meu numerário.
Gasto pouco, certamente,
mas como bem, muito bem,
bons amigos todos têm,
lá nem sempre estou sozinho,
tenho o Oswaldo ao meu lado,
também no Pucca educado,
além do Mestre Rubinho.
José Alberto, o filho,
no Tribunal, Assessor,
já disse do seu valor,
quando lançado por nós;
com seu Processo Penal,
esse amigo, especial,
já faz valer sua voz.
Ao nosso lado, almoçando,
o José dá brilho à mesa,
esse moço, com certeza,
por estar bem preparado,
vai nos dar outra alegria,
será ele, a qualquer dia
Promotor ou Magistrado.
O estágio com Aloysio,
o Cattani, mestre-amigo,
serviu-lhe de bom abrigo,
pra ter sucesso na vida,
o ter sido orientado
por quem tão iluminado,
vai garantir-lhe a subida.
Um bom amigo, Alfaiate,
ao nosso lado presente,
faz mais terno o ambiente,
com feitio caprichado,
esse árbitro que um dia
o campo inteiro corria,
tem muito nos alegrado.
Boas histórias nos conta,
do seu tempo de arbitragem,
o Gildo, que na bagagem
traz enorme experiência,
no campo mostrou as garras,
não se prendendo a amarras,
deu lições de competência.
Oswaldo, da Previdência,
hoje, dela, aposentado,
torcedor apaixonado,
da turma do Morumbi,
é amigo também presente,
no Café de muita gente,
da Sogra que nunca vi.
Eduardo, também, Cattani,
bom amigo, Advogado,
coração despedaçado,
é, da Sogra, a grande luz,
moço simples, elegante,
dessa vida, largo amante,
tem as graças de Jesus.
Religioso confesso,
faz, de festa, o ambiente,
seu sorriso mais presente,
a todos nós contagia,
o almoço, mais animado,
torna tudo temperado,
com sabor de alegria.
Raphael fala bem pouco,
sempre muito reservado,
às vezes, ao nosso lado,
bem mais ouvinte se faz,
nem por isso é mal parceiro,
no rosto do companheiro,
sua expressão é de paz.
Ele, ao lado do Bocatto,
o Celso, seu companheiro,
esses dois, o tempo inteiro,
caminham do mesmo jeito,
são livreiros experientes,
operários conscientes,
no universo do Direito.
Daniel, no corre-corre,
a todos dá atenção,
serve arroz, serve feijão,
para mim, serve pescada,
sempre muito paciente,
esse sócio, mais presente,
nunca vimos comer nada.
As praias do paulistano,
não ficam nada distantes,
Rodovia dos Imigrantes,
muito ampla e bem cuidada,
faz a festa de todo mundo
sem precisar pisar fundo,
ao longo da ampla estrada.
Devagar, pois é bem perto,
cem quilômetros, por aí,
as vezes que a percorri,
fiz, da viagem, prazer,
quando, sim, dos feriados,
aqueles mais prolongados,
pode o tempo se estender.
Quem esperto se organiza,
esse tal não perde nada,
sabe por o pé na estrada,
sabe a hora de embarcar,
com isso tira proveito,
braço, perna, rosto e peito,
leva ao sol para bronzear.
São Paulo de muitas praias,
o Estado, certamente,
o tempo, se muito quente,
joga o povo nas estradas,
Praia Grande, Ocian, Guarujá,
São Sebastião e Mongaguá,
são praias bem procuradas.
Maresias e São Lourenço,
são espaços reservados,
para um grupo de abonados,
empresários, normalmente,
são as praias preferidas,
de famílias decididas,
que se acham lá na frente.
As pessoas bem mais simples,
podem ocupar tais lugares,
nos restaurantes e bares,
ninguém irá perguntar,
quem mais rico, quem mais pobre,
quem tem dinheiro se cobre,
gasta o que pode gastar.
Um conselho necessário,
não dirija sem carteira,
não faça essa besteira,
vá atrás de ter a sua,
mesmo estando habilitado,
cuidado, muito cuidado,
com o pedestre na rua.
Em São Paulo, quando chove,
se forte a chuva que vem,
o trânsito não anda bem,
tem espaço a lentidão,
o minuto se faz hora,
o sossego vai embora,
faz-se extensa procissão.
Silêncio, só mesmo em casa,
na rua, manda o motor,
o motorista infrator
domina a cidade inteira,
todo cuidado é bem pouco,
no volante, muito louco
vive à base de besteira.
A capital se divide
Zona Sul, Zona Leste,
Zona Norte, Zona Oeste,
com dois rios sufocantes,
o Tietê e o Pinheiros;
orgulho dos brasileiros:
Tietê dos Bandeirantes.
O rio de tantas glórias,
já não tem tanta beleza,
não há nele correnteza,
tornou-se água parada,
não há peixe, nem atleta,
calou a voz do poeta,
nossa mão mais descuidada.
O povo mal educado,
cobre de lixo o seu leito,
nada, aqui, tem sido feito,
em prol da sua limpeza,
nosso rio, de tanta glória,
perde espaço na história,
perde os louros, com certeza.
Ao procurar por trabalho,
escolha, de preferência,
bem perto da residência
onde tem seu paradeiro,
se muito longe a empresa,
o cansaço, com certeza,
se fará seu companheiro.
O cansaço do trabalho
será mais fácil curar,
se bem perto do seu lar,
estiver a sua lida,
de uma coisa esteja certo,
o trabalho, quando perto,
facilita a nossa vida.
Quem trabalha muito longe,
da residência que ocupa,
vive, o tal, vida maluca,
sem nada poder fazer,
muitas horas de viagem,
muita grana pra passagem,
pouco tempo pro lazer.
São Paulo tem seus problemas,
seus problemas são normais,
qual das nossas capitais
consegue escapar ilesa,
toda capital abriga,
a insatisfeita cantiga,
da sua própria grandeza!
A cidade de São Paulo,
foi erguida por mãos obreiras,
estrangeiras, brasileiras,
de humildes trabalhadores,
a cidade, por toda parte,
mostra a todos bela arte
de seus grandes escultores.
Não passe em farol vermelho,
a não ser se autorizado,
mesmo, assim, tome cuidado,
carro é arma carregada,
como aqui há muita gente,
pode ser que à sua frente,
surja alguém até do nada.
Recomendo alguns passeios,
pra quem tem pouco dinheiro,
pra quem casado ou solteiro,
Congonhas, o aeroporto,
com seus muitos viajantes,
é um dos mais importantes,
como importante é o Horto.
Vá ver o avião descer,
vá ver o avião subir,
vá ver o povo sorrir,
num vai e vem sem igual,
após, aconselharia,
corra atrás de calmaria
vá ao Horto Florestal.
Vá à Penha, vá ao Brás,
onde for, vá prevenido,
em São Paulo, sobra bandido,
é bom saber se cuidar,
tem gente boa, isso tem,
mas não conte com ninguém
quando a coisa complicar.
Se você for agredido,
mesmo estando com razão,
é só sua a confusão,
cabe a você a defesa,
não conte com mais ninguém,
mesmo sendo homem do bem,
tenha você tal certeza!
Por isso, tome cuidado,
a cidade é maravilhosa,
temos, sim, gente bondosa,
mas, também, maus elementos,
evite aglomerações,
quase sempre as confusões,
trazem grandes sofrimentos.
A polícia nunca está
onde nós a procuramos,
quando dela precisamos,
não se vê policial,
precisando da polícia
não consegui nem notícia
que dissesse sobre a tal.
Temos, aqui, prostitutas,
bem no centro da cidade,
estão livres, à vontade,
sem maior perturbação,
a polícia, indiferente,
não corre atrás dessa gente,
não protege o cidadão.
Sabemos de alguns casos,
de doença adquirida,
no embalo dessa vida,
sabemos que ganham bem,
enquanto o povo coitado,
do seu trabalho cansado,
quase sempre nada tem.
A AIDS cresce em São Paulo,
também a blenorragia,
até sífilis, quem diria,
segue a mesma caminhada,
quem mais pobre se atingido,
mesmo sendo socorrido,
tem sua vida encurtada.
Em roda de muita gente,
é preciso ter cuidado,
se alguém surge alterado,
a coisa pode engrossar,
é melhor ficar atento,
um pequeno movimento,
pode em guerra terminar.
Não ande nunca sozinho,
à noite principalmente,
há muito buraco quente
ocupado por bandidos,
esses tais são violentos,
à caça dos desatentos,
estão os tais atrevidos.
O que era antigamente,
nosso centro financeiro,
onde corria o dinheiro,
onde todos tinham conta,
na extensão das calçadas
as coisas pirateadas,
dominam de ponta a ponta.
Se o rapa se diz presente,
muitos sabem, nessa hora,
que o negócio é cair fora,
pra muamba não perder,
com a tal perda evitada,
voltam todos pra calçada,
para o comércio aquecer.
Produtos vêm da China,
até dos nossos quintais,
onde homens marginais,
se sentem mais à vontade,
são produtos mentirosos,
quase todos perigosos,
de péssima qualidade.
São Paulo trabalha à noite,
são máquinas, são motores,
são senhoras, são senhores,
bares, boates, diversão,
som de festa à noite inteira,
luz da pátria brasileira,
braço orgulho da nação.
Meus companheiros de almoço,
no espaço do meu ofício,
Doutor Halim e Maurício,
que Monte Azul nos mandou,
Kiyoshi e Luís Camargo,
bacharéis do mesmo Largo
em que Bilac estudou.
Na cidade de São Paulo
a beleza se diz presente,
mesmo meio à tanta gente,
o que é belo tem lugar,
sob o céu que nos conduz
luz da vida, luz da luz,
luz da paz que faz brotar.
Muitos espaços gostosos,
nós, aqui, temos de graça,
não falo apenas de praça
com seu asfalto no chão,
temos parques bem cuidados,
bosques, piscinas, gramados,
pra quem busca diversão.
Piqueri, Aclimação,
Carmo, Luz, Ibirapuera,
em homenagem à Fera,
Pelé, o craque notável,
bem perto de onde vivo,
temos seu Centro Esportivo,
um recanto inigualável.
Construções maravilhosas
precisam ser visitadas,
mais ainda, preservadas,
são vistas por toda a parte,
seus geniais construtores,
engenheiros e escultores,
são obras da fina arte.
São Paulo é maravilhosa,
tem tudo o que a gente quer,
quem, com garra, aqui vier,
vai, por certo, prosperar,
com bastante inteligência,
largo empenho e paciência,
fica fácil caminhar.
Conheço gente importante,
tenho, aqui, amigos meus,
todos eles, graças a Deus,
são gentis e educados,
muito deles, professores,
Delegados, Promotores,
Juízes e Advogados.
Há muita insatisfação
no meio empresarial,
carente de capital
pra poder mais empregar,
o governo que arrecada
não devolve quase nada
não quer a regra mudar.
O empresário, infelizmente,
não pode muito investir,
corre o risco de falir,
perdendo tudo o que tem,
em Brasília, o governante,
com sua fome constante,
não contribui com ninguém.
São Paulo alimenta a todos,
com seu trabalho exemplar,
desse jeito, sem parar,
nosso Brasil faz crescer,
trabalhasse o país inteiro,
como faz esse parceiro,
quem iria nos conter?
Tirar do pobre é pecado,
matar alguém, nem pensar,
quer espaço o verbo amar,
igual espaço, a amizade,
para o nosso dia a dia,
pede Deus mais harmonia,
pede, também, humildade.
O Brasil só será forte,
quando o nosso governante,
souber o quão importante,
é dar mão ao empresário,
a empresa se expandiria,
mais emprego geraria,
com melhora de salário.
Dói demais ver muita gente,
trabalhando feito cão,
em prol da nossa nação,
por salário de miséria,
enquanto quem nada faz,
tem grana, conforto e paz,
com a vida pouco séria.
São Paulo não pára nunca,
cresce muito todo dia,
bem mais a periferia,
onde o pobre tem lugar,
a falta de mais emprego,
provoca desassossego,
deixa o pobre a lamentar.
Quem aqui consegue espaço,
deve dele bem cuidar,
trabalhar, mais trabalhar,
pra não perder sua vez,
quem na vida se aprimora,
na empresa, sem demora,
vai ganhar pelo que fez.
Festança, mesmo, meu caro,
de se encher a barriga
acontece no Bixiga,
festa cristã e bendita,
é festa pro povo inteiro,
a comida, sem dinheiro,
vem de Santa Quiropita.
Roberto, Takao e Cintra,
a foto mostra esses tais,
são amigos especiais,
que só nos dão alegria,
com gente boa do lado,
o papo mais animado,
faz de festa nosso dia.
Rendo, aqui, justa homenagem,
ao Walter lá da Concheta,
cidadão muito porreta,
ao seu bairro dedicado,
guardião lá do Bixiga,
se preciso compra briga,
quer seu bairro preservado.
Muitos espaços gostosos,
São Paulo nos dá de graça,
não falo apenas de praça,
falo dos parques também,
onde o verde está presente,
pra tirar da nossa gente,
o cansaço do vai e vem.
O grande Parque do Carmo,
na Zona Leste cravado,
precisa ser freqüentado,
pelos encantos que tem,
muito verde, muito espaço,
muita sombra pro cansaço,
espaço que nos faz bem.
Vá ao Páteo do Colégio,
onde São Paulo nasceu,
a força que Deus nos deu
trouxe Anchieta prá nós,
no encanto da capela,
São Paulo lá se revela,
solta inteira sua voz.
Bem no centro da cidade,
eu menino, bem me lembro,
junto à XV de Novembro,
corria muito dinheiro,
na Álvares Penteado,
o grito mais arrojado,
do barulho financeiro.
Mudou um pouco, mudou,
mas a graça se mantém,
é gente que vai e vem,
centro de paz e de prece,
com seu comércio aquecido,
faz-se o centro preferido,
pois tudo nele acontece.
Sobre a Marquesa de Santos,
muita coisa foi escrita,
não sei se a moça bonita,
no centro teve morada,
vá ver de perto o que vi,
vá sentir o que o senti,
na tal casa conservada.
Ainda sobre a Marquesa,
pra ninguém mais é segredo,
foi amante de D. Pedro,
mandatário da nação,
nada mais posso dizer,
não vou me comprometer
me metendo em confusão.
Como era o tal Pedrinho?
Vendo, hoje, seu retrato,
nada tinha, o tal, de gato;
não deixa boa impressão,
o que restou posto em tela,
nem a Marquesa tão bela
chego a essa conclusão.
Percorra a cidade inteira,
corra pra lá e pra cá,
o Viaduto do Chá
precisa ser visitado;
esse espaço magistral,
já se fez Cartão Postal,
desse chão abençoado.
Vá à Praça do Correio,
hoje enorme calçadão,
pise forte aquele chão,
antes tão abandonado,
veja o prédio majestoso,
espaço farto e gostoso,
onde sempre tenho estado.
Conhecer a cidade inteira,
nem mesmo quem taxista,
muito nego malabarista,
já tentou isso fazer,
mas desistiu da empreitada,
confessou não saber nada
depois de muito correr.
São Paulo tem sua história,
que precisa ser contada,
a cidade foi fundada
por um santo, sem mandinga,
sob as ordens de Anchieta,
esse um tempo sem caneta,
fundou-se Piratininga.
Praças, Ruas e Avenidas,
a cidade tem demais,
algumas especiais,
já por todos conhecidas,
sua avenida mais bela
fez-se enorme passarela,
concentração de grevistas.
Eu falo, aqui, da Paulista,
um espaço fabuloso,
lugar bonito e gostoso,
convite espetacular,
à noite, sem tanto agito,
a Paulista solta o grito,
faz nosso povo vibrar.
Suas luzes, maravilhosas,
mostram seu encantamento,
tudo nela é argumento,
pra se dizer de grandeza,
entre os prédios fabulosos,
muitos olhos curiosos
dizem até de nobreza.
Somos donos da Paulista
nela manda o povo inteiro,
até eu, que sou mineiro,
sou senhor do santo chão,
mandam, nela, o operário,
o banqueiro e o bancário,
quem empregado ou patrão.
Alguns convites noturnos:
Vá ao Brahma, Restaurante,
espaço muito importante,
no cenário musical,
a conversa é de primeira,
a música brasileira,
faz a festa magistral.
Cauby esteve por lá,
os Demônios da Garoa,
com sua gente tão boa,
também lá se fez presente,
“O Ernesto nos convidou...”
quem o convite aceitou
teve a noite mais contente.
Ame São Paulo, meu caro,
mas dê prova desse amor,
sendo bom trabalhador,
honesto e muito leal,
nenhuma outra cidade,
nos dá essa felicidade,
que nos dá a capital.
A cidade de São Paulo,
eu digo se ninguém disse,
tem a sua brejeirice,
que nos convida à festança,
parques lindos, lindas praças,
comunhão de muitas raças,
sob as luzes da pujança.
Vamos falar dos usados,
curto tempo dos meus dias,
passa ao lado do Messias
no seu Sebo, atrás da Sé,
o amigo, também mineiro,
correndo atrás de dinheiro,
nas coisas velhas pôs fé.
Vende de tudo o amigo,
vende livros e TVs,
vende rádios e CDs,
vende LP de montão,
mineiro vivo esse tal,
com seu jeito genial,
tal mercado tem na mão.
Sério demais no trabalho,
mas, por dentro, um brincalhão,
joga forte na direção
do comércio que assumiu,
seu Sebo ficou famoso,
seu espaço precioso,
todo o povo descobriu.
Um convite bem gostoso,
vá conhecer o mancebo,
vá descobrir no seu sebo,
produtos que ninguém tem,
vasculhe o sebo todinho,
caminhe devagarinho,
vá sozinho, sem ninguém.
Ao final da caminhada,
a surpresa será geral,
muita coisa especial,
você terá encontrado,
coisas raras, preciosas,
leituras maravilhosas,
de um tempo nunca passado.
Alguns bairros de São Paulo,
Ipiranga, Cambuci,
Jabaquara, Morumbi,
Casa Verde, Vila Alpina,
Moóca, Brás, Sumaré,
Aclimação, Vila Ré,
Remédios, Leopoldina.
Perdizes, Ida, Ipojuca,
Jardim Europa, Santana,
Penha, Vila Mariana,
Vila Sônia, Ibirapuera,
Mandaqui, Lapa, Pinheiros,
Jaraguá e Parelheiros,
lá estão à nossa espera.
O pobre em São Paulo sofre,
o meu aviso foi dado,
pobre, aqui, vira coitado,
tem que ter força e lutar,
sem trabalho e residência,
só com muita inteligência,
vai conseguir seu lugar.
Na piscina do Estádio
Paulo M. de Carvalho,
quem quebrava nosso galho,
para o local freqüentar,
não deixou nome gravado,
o nosso enorme pecado,
temos nós que confessar.
No Portão da Capivari,
lá estava o sorveteiro,
o amigo e companheiro,
Bento, simples e educado,
com ele, eu me divertia,
esse meu tempo corria
com gente boa ao meu lado.
Havia, aqui, acredite,
uma estrofe repetida,
a obra, lida e relida,
bem revela que o autor,
por mais atento à leitura,
jamais estará à altura,
de quem se fez revisor.
Grandes peças, grandes shows,
tem o povo com fartura,
teatro, por ser cultura,
precisa ser freqüentado,
esse um modo diferente,
de levar, pra nossa gente,
o saber com mais agrado.
Muitos shoppings da cidade,
são convites permanentes,
as crianças, mais contentes,
por eles caminharão,
para os pais, doce aconchego,
para muitos, bom emprego,
para todos, diversão.
Não deixem de conhecer
Villa Lobos, Morumbi,
Eldorado, Iguatemi,
West Plaza, Santa Cruz,
são espaços que nós temos,
e onde sempre nós teremos,
muito encanto e muita luz.
Morei na Vila Ipojuca,
Centro e Vila Madalena,
outra Vila me acena,
vou pra Vila Leopoldina,
longo tempo permaneço,
mantendo o mesmo endereço,
bom sobrado, gente fina.
O Teatro Cultura Artística,
na Rua Nestor Pestana,
a nossa noite engalana,
como faz o Municipal;
Tom Brasil, Bourbon Street,
são espaços, acredite,
da São Paulo cultural.
Teatro é também cultura,
alguém disse e é verdade,
pra ninguém é novidade
que nele temos prazer,
ponha isso na cachola,
é ele excelente escola,
pra quem deseja aprender.
Cemitérios em São Paulo,
precisam ser visitados,
são verdadeiros achados
as campas que lá estão,
pessoas muito importantes,
por seus trabalhos marcantes,
têm espaço no seu chão.
Figuras da nossa história,
empresários, escritores,
deputados, senadores,
prefeitos e presidentes,
em campas esculturais,
com os seus restos mortais,
lá se encontram presentes.
Temos lá muitos amigos,
um grande amigo que temos,
nós que bem cedo perdemos,
o Doutor Celso Delmanto,
um dia nós o lançamos,
do moço que nós cuidamos,
brotou a luz do seu canto.
O seu Código Penal,
sucesso de livraria,
foi fruto de teimosia,
do meu insistente malho,
convidei-o a escrever,
pra ele então me dizer,
não vou fazer o trabalho.
Preparei todo o produto,
seus textos organizei,
toda a obra indexei,
a ele mandei um dia,
meu recado ao bom amigo,
o trabalho que está contigo
só nos dará alegria.
Pedi ao Celso Delmanto
que o meu trabalho checasse,
que a doutrina anotasse,
pra nossa publicação,
a obra saiu perfeita,
o livreiro rola e deita
com o ouro que tem na mão.
Dr. Jefferson Figueira,
de coisas boas cultor,
não é mais Procurador,
cabe a mim aqui dizer,
esse amigo Lorenense,
que a casto berço pertence,
carrega a luz do saber.
Suas conversas gostosas,
de histórias bem contadas,
dizem de suas andadas
pelas terras de Cabral,
quem de origem portuguesa
no seu papo posto à mesa
saboreia Portugal.
Com suas Primeiras Linhas,
Moacyr se consagrou,
ao nome, o pai emendou
a marca que ficaria,
Amaral e também Santos,
no meio de outros tantos,
a todos superaria.
No campo do bom Direito,
já que toquei no assunto,
eu, às vezes, me pergunto,
quem, aqui, foi mais jurista?
Um só eu não vou dizer,
pude muitos conhecer
aqui no solo paulista.
Convivi com os melhores,
sobre os vivos, nenhum segredo,
o nosso Mestre Goffredo,
por aqui reina sozinho,
tem muita gente tentando,
muita gente se esforçando,
mas ninguém no seu caminho.
A história desse Mestre,
meu amigo, sim senhor,
sou, dele, seu editor,
já foi em livro contada,
sua vida, maravilhosa,
já escrita em verso e prosa,
fez-se Página Dobrada.
Leia sobre o grande homem,
para mim, muito já fiz,
num prédio da São Luiz,
estou sempre a visitar
quem mais fez pelo Direito,
ao seu lado, satisfeito,
eu, mais vezes quero estar.
Fui morador de República,
com colegas do colégio,
foi esse um presente régio
que por aqui encontrei,
no espaço da São João,
quem amigo, fez-se irmão,
bons tempos eu lá passei.
Ao lado de bons amigos,
cuidei bem do meu trabalho,
o joguinho de baralho
era a nossa diversão,
esse um tempo primoroso,
num ambiente gostoso,
curti, assim, a São João.
Na Rua dos Italianos,
solteiro, também morei,
o amigo que encontrei,
de origem também mineira,
foi João Peres, boa gente,
que nos trouxe de presente,
Dona Edite, mãe ordeira.
Cuidou do filho e de mim,
com muito zelo e carinho,
colocou, no meu caminho,
um grande compositor,
um mineiro, quem diria,
que mais tarde se faria,
também notável cantor.
Quando chego do trabalho,
no sofá acomodado,
um moço canta afinado,
usando o meu gravador,
tem, nas mãos, meu violão,
toca e canta com paixão,
tem voz bonita o cantor.
Acreditem, meus amigos,
ocupando o meu assento,
um tal Milton Nascimento,
do Sérvulo, também amigo,
Dona Elvira me cutuca,
“chamam ele de Bituca”,
logo percebo o bom trigo.
Estava ele em São Paulo,
me disse, ao ser perguntado,
bem no centro, acomodado,
no apartamento – de quem!?
Do Baden, o violonista,
belíssimo instrumentista,
genial como ninguém.
Disse-me mais o tal moço,
dedilhando o violão,
com esta minha canção,
no Festival, vou estar,
cantando qual passarinho,
era um outro mineirinho
procurando o seu lugar.
Venceu ele o Festival,
mostrando o que bem fazia,
o Milton se tornaria,
exemplo pra muita gente,
moço simples, talentoso,
genial, não genioso,
soube sempre ir à frente.
O Milton não me conhece,
não se lembra mais de mim,
a nossa vida é assim,
meu caminho é diferente,
o caminho que ele segue,
eu a ele estou entregue,
sem que nele me apresente.
Sou também compositor,
gosto, também, de cantar,
sem ao canto me dedicar,
vou levando minha vida,
trabalho, sou empresário,
no meu trabalho diário
vai a música escondida.
O movimento central,
centro velho e centro novo,
revela que nosso povo
adora ver confusão,
o verbo de Deus, pregado,
faz o povo ficar parado,
em busca de salvação.
São pessoas muito simples,
vejo assim os pregadores,
ao lado de tais senhores,
quem mais fiel se acomoda,
a palavra, mal lançada,
põe alguns em retirada,
os que gostam fazem roda.
O pregador se anima,
a Bíblia presa na mão,
faz dele senhor do chão,
já o mostra transtornado,
quem na roda, fica atento,
de repente, o movimento,
perde o espaço conquistado.
Isso ocorre o dia inteiro,
junto às escadas da Sé,
quem forte, fica de pé,
os fracos vão pras escadas,
muito nego vagabundo,
participa desse mundo,
vendendo coisas roubadas.
Há policiais na Praça,
tentando manter a ordem,
pra dimensão da desordem
muito mais devia haver,
a confusão se acentua,
quando alguém corre na rua,
ninguém sabe o que fazer.
O barulho é infernal,
é grande a misturação,
como na Praça há ladrão,
gente burra que não presta,
surge espaço pro cretino,
nessa hora, até menino,
no barulho, faz a festa.
Tem gente grande também,
tem velho muito safado,
com postura de coitado,
de tudo se aproveitando,
os produtos que são furtados,
por meninos abusados,
vivem lá negociando.
Tênis, relógios, cordões,
são, na Praça, oferecidos,
são produtos obtidos,
por gente que não é gente,
tudo a preço de banana,
às vezes, até bacana,
da turma se faz cliente.
A polícia ali presente
tenta fazer, mas não faz,
ganha pouco, quer a paz,
a sua, somente a sua,
desse jeito, meu amigo,
pra se afastar do perigo,
não dê moleza na rua.
Passe longe dessa gente,
siga em frente, não dê bola,
se deseja dar esmola,
não deixe à mostra o que tem,
todo o bando tem olheiro,
de olho no seu dinheiro,
num constante vai e vem.
Bons lugares pra morar,
você os tem de sobejo,
depende do seu desejo
e dos recursos que tem,
no nosso Brasil inteiro
os que têm mais dinheiro,
certamente vivem bem.
Bons bairros, com boa gente,
a cidade tem demais,
são lugares especiais,
cabe a você escolher,
há espaço pra todo mundo,
morar na frente ou no fundo,
seu bolso é que vai dizer.
O tempo, aqui, em São Paulo,
anda sempre atrapalhado,
eu me lembro, no passado,
da São Paulo da garoa,
saudade, meu caro amigo,
de um tempo bem antigo,
de uma época tão boa.
Almocei no Sete Belo,
no Jeca, comi de pé,
no Morais, comi filé,
no Gato que Ri, também,
no Gigeto, jantei um dia,
pra minha enorme alegria,
acreditem só com quem!
Com Ruggiero Ricci,
magistral violinista,
o mais notável solista,
desse tão nobre instrumento,
por um maestro levado,
eu tive Ricci ao meu lado,
com seu enorme talento.
Ciglioni, saudoso Armando,
da Orquestra Municipal,
terminado o recital,
foi com Ricci conversar,
o gênio nos recebeu,
do abraço que me deu,
vou pra sempre me lembrar.
Muitas coisas maravilhosas,
podem, sim, acontecer,
com quem São Paulo escolher,
pra fixar moradia,
observo, já de cara,
a cidade que nos ampara,
nossos passos policia.
Se vagabundo, não venha,
se sonha ganhar dinheiro,
se dedique o tempo inteiro,
ao trabalho que abraçar,
quem a escola freqüenta,
sua chance aqui aumenta,
de mais cedo prosperar.
Quem, aqui, bem instruído,
tem tudo pra viver bem,
as coisas boas que tem
São Paulo não dá de graça,
desde já o nosso alerta,
a pessoa, só esperta,
aqui se perde na caça.
São Paulo quer gente séria,
quer ver todos produzindo,
que o malandro vá saindo,
não nos serve seu perfil,
o trabalho faz o progresso,
só ele explica o sucesso:
de São Paulo no Brasil.
Violência, certamente,
o Brasil inteiro tem,
Rio, Minas, aqui também,
só Deus salva esse País,
no silêncio tudo é guerra,
a violência, na terra,
faz o Brasil infeliz.
São Paulo tem seu charme,
a cidade é provocante,
muita coisa interessante,
mostra a cidade batuta,
partidário da paz que sou,
permaneço onde estou,
com minha boa conduta.
Se seu desejo é ficar,
no mesmo solo que estou,
este o conselho que dou,
esteja aqui desarmado,
a guerra só serve à dor,
quem no peito tem amor,
tem, também, os bons ao lado.
Nossa várzea paulistana,
nos convida ao futebol,
uma boa manhã de sol,
no domingo, só faz bem,
pra quem curte jogar bola,
é a várzea a melhor escola,
que, de graça, aqui se tem.
Todo bairro tem seu time,
alguns bairros, dois ou três,
quem joga, pode ter vez,
basta por o pé na estrada,
vá ao técnico e peça,
retire dele a promessa,
de que a chance será dada.
Vá, pro jogo, preparado,
leve a chuteira na mão,
leve meia, leve calção,
diga logo ao treinador:
na minha terra, sou craque,
na defesa ou no ataque,
vou agradar ao senhor.
Assim que cheguei de Minas
fiz isso, meu camarada,
a chance que me foi dada,
não deixei mais escapar,
jogando no Marechal,
no seu time principal,
fui seu ponta titular.
Muitas partidas joguei,
por Seu Tatu comandado,
tive craques ao meu lado,
alguns nomes vou citar,
Branca e Zezinho na frente,
o Neves servindo a gente,
no nosso gol, Ademar.
Polimeno na defesa,
dava conta do recado,
o Espanhol ao seu lado,
cobria bem o central,
esse um time sem derrota,
dêem sempre a melhor nota,
para o grande Marechal.
Esse time do Itaim,
foi, na Várzea, um campeão,
sem dúvida, a sensação,
igual, na várzea, não vi,
para o atleta contundido,
competente e destemido,
lá estava o Seu Mimi.
Temos lá muitos amigos,
um grande amigo que temos,
nós que bem cedo perdemos,
o Doutor Celso Delmanto,
um dia nós o lançamos,
do moço que nós cuidamos,
brotou a luz do seu canto.
O seu Código Penal,
sucesso de livraria,
foi fruto de teimosia,
do meu insistente malho,
convidei-o a escrever,
pra ele então me dizer,
não vou fazer o trabalho.
Preparei todo o produto,
seus textos organizei,
toda a obra indexei,
a ele mandei um dia,
meu recado ao bom amigo,
o trabalho que está contigo
só nos dará alegria.
Pedi ao Celso Delmanto
que o meu trabalho checasse,
que a doutrina anotasse,
pra nossa publicação,
a obra saiu perfeita,
o livreiro rola e deita
com o ouro que tem na mão.
Dr. Jefferson Figueira,
de coisas boas cultor,
não é mais Procurador,
cabe a mim aqui dizer,
esse amigo Lorenense,
que a casto berço pertence,
carrega a luz do saber.
Suas conversas gostosas,
de histórias bem contadas,
dizem de suas andadas
pelas terras de Cabral,
quem de origem portuguesa
no seu papo posto à mesa
saboreia Portugal.
Com suas Primeiras Linhas,
Moacyr se consagrou,
ao nome, o pai emendou
a marca que ficaria,
Amaral e também Santos,
no meio de outros tantos,
a todos superaria.
No campo do bom Direito,
já que toquei no assunto,
eu, às vezes, me pergunto,
quem, aqui, foi mais jurista?
Um só eu não vou dizer,
pude muitos conhecer
aqui no solo paulista.
Convivi com os melhores,
sobre os vivos, nenhum segredo,
o nosso Mestre Goffredo,
por aqui reina sozinho,
tem muita gente tentando,
muita gente se esforçando,
mas ninguém no seu caminho.
A história desse Mestre,
meu amigo, sim senhor,
sou, dele, seu editor,
já foi em livro contada,
sua vida, maravilhosa,
já escrita em verso e prosa,
fez-se Página Dobrada.
Leia sobre o grande homem,
para mim, muito já fiz,
num prédio da São Luiz,
estou sempre a visitar
quem mais fez pelo Direito,
ao seu lado, satisfeito,
eu, mais vezes quero estar.
Fui morador de República,
com colegas do colégio,
foi esse um presente régio
que por aqui encontrei,
no espaço da São João,
quem amigo, fez-se irmão,
bons tempos eu lá passei.
Ao lado de bons amigos,
cuidei bem do meu trabalho,
o joguinho de baralho
era a nossa diversão,
esse um tempo primoroso,
num ambiente gostoso,
curti, assim, a São João.
Na Rua dos Italianos,
solteiro, também morei,
o amigo que encontrei,
de origem também mineira,
foi João Peres, boa gente,
que nos trouxe de presente,
Dona Edite, mãe ordeira.
Cuidou do filho e de mim,
com muito zelo e carinho,
colocou, no meu caminho,
um grande compositor,
um mineiro, quem diria,
que mais tarde se faria,
também notável cantor.
Quando chego do trabalho,
no sofá acomodado,
um moço canta afinado,
usando o meu gravador,
tem, nas mãos, meu violão,
toca e canta com paixão,
tem voz bonita o cantor.
Acreditem, meus amigos,
ocupando o meu assento,
um tal Milton Nascimento,
do Sérvulo, também amigo,
Dona Elvira me cutuca,
“chamam ele de Bituca”,
logo percebo o bom trigo.
Estava ele em São Paulo,
me disse, ao ser perguntado,
bem no centro, acomodado,
no apartamento – de quem!?
Do Baden, o violonista,
belíssimo instrumentista,
genial como ninguém.
Disse-me mais o tal moço,
dedilhando o violão,
com esta minha canção,
no Festival, vou estar,
cantando qual passarinho,
era um outro mineirinho
procurando o seu lugar.
Venceu ele o Festival,
mostrando o que bem fazia,
o Milton se tornaria,
exemplo pra muita gente,
moço simples, talentoso,
genial, não genioso,
soube sempre ir à frente.
O Milton não me conhece,
não se lembra mais de mim,
a nossa vida é assim,
meu caminho é diferente,
o caminho que ele segue,
eu a ele estou entregue,
sem que nele me apresente.
Sou também compositor,
gosto, também, de cantar,
sem ao canto me dedicar,
vou levando minha vida,
trabalho, sou empresário,
no meu trabalho diário
vai a música escondida.
O movimento central,
centro velho e centro novo,
revela que nosso povo
adora ver confusão,
o verbo de Deus, pregado,
faz o povo ficar parado,
em busca de salvação.
São pessoas muito simples,
vejo assim os pregadores,
ao lado de tais senhores,
quem mais fiel se acomoda,
a palavra, mal lançada,
põe alguns em retirada,
os que gostam fazem roda.
O pregador se anima,
a Bíblia presa na mão,
faz dele senhor do chão,
já o mostra transtornado,
quem na roda, fica atento,
de repente, o movimento,
perde o espaço conquistado.
Isso ocorre o dia inteiro,
junto às escadas da Sé,
quem forte, fica de pé,
os fracos vão pras escadas,
muito nego vagabundo,
participa desse mundo,
vendendo coisas roubadas.
Há policiais na Praça,
tentando manter a ordem,
pra dimensão da desordem
muito mais devia haver,
a confusão se acentua,
quando alguém corre na rua,
ninguém sabe o que fazer.
O barulho é infernal,
é grande a misturação,
como na Praça há ladrão,
gente burra que não presta,
surge espaço pro cretino,
nessa hora, até menino,
no barulho, faz a festa.
Tem gente grande também,
tem velho muito safado,
com postura de coitado,
de tudo se aproveitando,
os produtos que são furtados,
por meninos abusados,
vivem lá negociando.
Tênis, relógios, cordões,
são, na Praça, oferecidos,
são produtos obtidos,
por gente que não é gente,
tudo a preço de banana,
às vezes, até bacana,
da turma se faz cliente.
A polícia ali presente
tenta fazer, mas não faz,
ganha pouco, quer a paz,
a sua, somente a sua,
desse jeito, meu amigo,
pra se afastar do perigo,
não dê moleza na rua.
Passe longe dessa gente,
siga em frente, não dê bola,
se deseja dar esmola,
não deixe à mostra o que tem,
todo o bando tem olheiro,
de olho no seu dinheiro,
num constante vai e vem.
Bons lugares pra morar,
você os tem de sobejo,
depende do seu desejo
e dos recursos que tem,
no nosso Brasil inteiro
os que têm mais dinheiro,
certamente vivem bem.
Bons bairros, com boa gente,
a cidade tem demais,
são lugares especiais,
cabe a você escolher,
há espaço pra todo mundo,
morar na frente ou no fundo,
seu bolso é que vai dizer.
O tempo, aqui, em São Paulo,
anda sempre atrapalhado,
eu me lembro, no passado,
da São Paulo da garoa,
saudade, meu caro amigo,
de um tempo bem antigo,
de uma época tão boa.
Almocei no Sete Belo,
no Jeca, comi de pé,
no Morais, comi filé,
no Gato que Ri, também,
no Gigeto, jantei um dia,
pra minha enorme alegria,
acreditem só com quem!
Com Ruggiero Ricci,
magistral violinista,
o mais notável solista,
desse tão nobre instrumento,
por um maestro levado,
eu tive Ricci ao meu lado,
com seu enorme talento.
Ciglioni, saudoso Armando,
da Orquestra Municipal,
terminado o recital,
foi com Ricci conversar,
o gênio nos recebeu,
do abraço que me deu,
vou pra sempre me lembrar.
Muitas coisas maravilhosas,
podem, sim, acontecer,
com quem São Paulo escolher,
pra fixar moradia,
observo, já de cara,
a cidade que nos ampara,
nossos passos policia.
Se vagabundo, não venha,
se sonha ganhar dinheiro,
se dedique o tempo inteiro,
ao trabalho que abraçar,
quem a escola freqüenta,
sua chance aqui aumenta,
de mais cedo prosperar.
Quem, aqui, bem instruído,
tem tudo pra viver bem,
as coisas boas que tem
São Paulo não dá de graça,
desde já o nosso alerta,
a pessoa, só esperta,
aqui se perde na caça.
São Paulo quer gente séria,
quer ver todos produzindo,
que o malandro vá saindo,
não nos serve seu perfil,
o trabalho faz o progresso,
só ele explica o sucesso:
de São Paulo no Brasil.
Violência, certamente,
o Brasil inteiro tem,
Rio, Minas, aqui também,
só Deus salva esse País,
no silêncio tudo é guerra,
a violência, na terra,
faz o Brasil infeliz.
São Paulo tem seu charme,
a cidade é provocante,
muita coisa interessante,
mostra a cidade batuta,
partidário da paz que sou,
permaneço onde estou,
com minha boa conduta.
Se seu desejo é ficar,
no mesmo solo que estou,
este o conselho que dou,
esteja aqui desarmado,
a guerra só serve à dor,
quem no peito tem amor,
tem, também, os bons ao lado.
Nossa várzea paulistana,
nos convida ao futebol,
uma boa manhã de sol,
no domingo, só faz bem,
pra quem curte jogar bola,
é a várzea a melhor escola,
que, de graça, aqui se tem.
Todo bairro tem seu time,
alguns bairros, dois ou três,
quem joga, pode ter vez,
basta por o pé na estrada,
vá ao técnico e peça,
retire dele a promessa,
de que a chance será dada.
Vá, pro jogo, preparado,
leve a chuteira na mão,
leve meia, leve calção,
diga logo ao treinador:
na minha terra, sou craque,
na defesa ou no ataque,
vou agradar ao senhor.
Assim que cheguei de Minas
fiz isso, meu camarada,
a chance que me foi dada,
não deixei mais escapar,
jogando no Marechal,
no seu time principal,
fui seu ponta titular.
Muitas partidas joguei,
por Seu Tatu comandado,
tive craques ao meu lado,
alguns nomes vou citar,
Branca e Zezinho na frente,
o Neves servindo a gente,
no nosso gol, Ademar.
Polimeno na defesa,
dava conta do recado,
o Espanhol ao seu lado,
cobria bem o central,
esse um time sem derrota,
dêem sempre a melhor nota,
para o grande Marechal.
Esse time do Itaim,
foi, na Várzea, um campeão,
sem dúvida, a sensação,
igual, na várzea, não vi,
para o atleta contundido,
competente e destemido,
lá estava o Seu Mimi.
Consolação, Araçá,
penso ser os mais famosos,
monumentos portentosos,
nesses dois podemos ver,
esculturas geniais,
trabalhos monumentais,
transformam dor em prazer.
No Cemitério São Paulo,
temos lá um nosso irmão,
um Geraldo, campeão,
que partiu cedo demais,
jogando sinuca ou bola
no seu tempo, fez escola
quem veio lá das Gerais.
PELOS TRILHOS DA ESTRADA DE
FERRO LEOPOLDINA
Primeiro Capítulo
RIO DE JANEIRO (1950 a 1960)
O sol queimando na Praça,
o moço, jeito maneiro,
a moça cheia de graça,
o guarda, o arruaceiro,
a praia cheia de gente
e o eterno sai da frente.
O carioca, passo lento,
tamanco batendo forte,
dengoso, seguindo o vento,
leva a vida por esporte;
na boca, de riso posto,
delícia de fino gosto.
No morro sobrou Maria,
com ela o samba calado
e o resto de fantasia
da curta noite sobrado;
fim de festa e de folia,
barriga grande e vazia.
Lá no Largo do Machado,
num show sensacional,
o Largo inteiro tomado
ouve toda a Nacional;
para o show apresentar
eis o César de Alencar!
Na minha terna lembrança,
em meio a tanto artista,
de Lupe ouço a “Vingança”
na voz de Linda Batista;
o povo inteiro aplaudia
Nelson e Ângela Maria.
Crônicas de Genolino
na voz de César Ladeira;
eu, sapateiro e menino,
gostava da brincadeira;
eu não perdia um segundo
do verbo terno e profundo.
Rio, Mauá e mangue,
mulheres de viração,
bandido, suor e sangue,
maria, classe e vagão,
engraxates, viajantes,
mascates e assaltantes.
No seu jeitão de calado,
o mineiro, impaciente,
já muito cedo acordado,
naquele mundão de gente
da longa espera cansado
reclama o trem atrasado.
Êta trenzinho atrasado!
O povo inteiro dizia.
No seu horário marcado
lá não estava maria.
Trem grande, de marcha lenta,
não vai a mais de quarenta.
Era mesmo vagaroso
o trem da Leopoldina;
parecia boi manhoso
com recato de menina;
muito lento em sua andança
meu regalo de criança.
A passagem já comprada,
o jornal, lido e relido,
maria, já encostada,
tem cessado o seu ruído;
quem dorme perde a viagem
e o dinheiro da passagem.
A bandeira já erguida,
o apito solto no ar,
autorizada a partida
nada mais a esperar,
mineiro acomoda os filhos,
maria corre nos trilhos.
Segundo Capítulo
VIAJANDO
Vai o Rio se afastando
com sua graça e seu riso;
vai o mineiro fechando
as portas do paraíso
de Getúlio e seu Gregório,
de Lacerda e de Tenório.
Silenciosa, a Lurdinha,
Tenório dorme com ela,
capa preta, engomadinha,
cravo branco na lapela;
a noite, sem seus trovões,
dorme à luz dos lampiões.
O Rio das gafieiras,
dos bondinhos pendurados,
das mulatas mais faceiras
e dos estádios lotados,
o mineiro leva saudoso
o Rio inteiro gostoso.
Maria cortou o Rio,
toda a linha suburbana;
a noite, no seu estio,
mistura casa e cabana;
na estação da cidade
pouca gente e claridade.
Nos caminhos da baixada
maria faz o que quer;
sorri da carga pesada,
leva mais, se mais tiver;
pra poder subir o morro
maria pede socorro.
Maria, já socorrida,
sobe a serra lentamente,
vai gemendo na subida,
vai dormente por dormente;
as marias que também vão
formam grande procissão.
Eu me lembro, já mocinho,
o trem gemendo na serra,
caindo do meu bolsinho
meu relógio vai por terra;
do trem acabo saltando,
a calça ainda arrumando.
O meu olhar aguçado
pode encontrar facilmente
o meu relógio pousado
na ponta de um dormente;
já no trem bem vagaroso
disseram-me corajoso.
Maria, que bem conheço,
na serra jamais correu,
e eu, menino travesso,
que a coragem não perdeu,
não deixaria perdido
meu relógio mais querido.
Da lentidão de maria
brotava a imaginação,
muita gente a pé subia
naquela sobra de chão;
a serra, bem lá no fundo,
parecia fim do mundo.
Já pertinho de Petrópolis,
o passageiro avistava
a vizinha Teresópolis
que o dedo de Deus mostrava;
mineiro, sem munição,
sustenta o queixo na mão.
A serra dos casarões
humilha o olhar da gente;
em meio às ostentações
vai maria indiferente;
e o passageiro não crê
naquilo tudo que vê!
A serra já foi vencida,
estamos na estação;
o povo, com muita lida,
também faz baldeação;
cada um pega o que é seu,
vou atrás do que é meu.
Maria partiu sozinha;
ajuda já não mais tem;
abastecida inteirinha,
pra baixo ela corre bem;
batem papo o foguista,
o fiscal e o maquinista.
Maria correu pra Minas;
maria trancou porteiras;
maria levou meninas
– e eram todas mineiras!
Na saudade imperiosa
um doce cheiro de rosa.
Foi pra Minas, foi pro Rio,
foi pro Espírito Santo;
na janela, o vento frio
provoca riso e espanto;
caminhos por onde andou
quanta boca alimentou!
Bebe água, queima lenha,
passa corte, mata gente;
maria mais se empenha,
pega carga, vai em frente;
nas paragens faz sucesso
na condução do progresso.
A vila virou cidade,
o comércio se implantou,
o rancho se fez saudade,
em casa se transformou;
nas andanças de maria
quanta noite virou dia!
Deixou maria a cidade,
calou do moço a folia,
Maria virou saudade,
Maria, jamais maria,
Maria, cheia de graça,
e não maria-fumaça.
Maria que água bebe,
maria que faz manobra,
maria carga recebe,
espaço ela tem de sobra;
maria, boa conduta,
vai baldear prostituta.
Na estação de lugarejo,
maria pára, não pára,
na passagem sem festejo
a parada é muito rara;
nem carga, nem passageiro,
lugar pobre, sem dinheiro.
Sobe carga, carga desce,
sobe e desce passageiro,
criança de colo adormece
na cantiga do mineiro;
maria passa dormente,
fagulha incomoda a gente.
Na boca dos cantadores
os versos dos calangueiros
são graças de mil sabores
para o riso dos mineiros;
na segunda, não primeira,
cantoria à noite inteira.
Maria, fogo e foguista
– lenha boa é jacaré!
Coutinho, o maquinista,
responde logo que é;
maria, classe e vagão,
o povo todo atenção.
Mil fagulhas na lufada
dos ventos fortes demais
deixam rastros de queimada
nos tecidos dos quintais;
maria a tudo ignora,
vai em frente, vai embora.
Mata-burro ficou atrás,
dormentes, ninguém contou,
menino virou rapaz,
ficou homem, se casou;
quanta gente viu maria
correndo o seu dia-a-dia!
Radinho sempre ligado,
o mineiro, muito atento,
janela, vidro quebrado,
fenda grande, muito vento,
maria deita bambu
do Rio à Manhuaçu.
Três Rios, Tombos, Recreio,
Patrocínio, Carangola,
maria, classe e correio,
andança que desenrola;
na carga, grande e pesada,
cartinha pra namorada.
O trem deixa Carangola
vai procurar Ernestina;
na serra do rola-rola
maria não desanima,
o povo que desce ali
come bolo e faz xixi.
Ernestina, depois Caiana,
baixada e boa carreira,
cana caiana, cana,
moleza na estrada inteira;
o santo pra baixo ajuda,
cara feia também muda.
A parada obrigatória
tem carga, tem passageiro,
também tem a sua história
meu rico solo mineiro;
a história, ponto por ponto,
um pouco agora eu lhes conto.
No meu cantinho natal,
na minha Espera Feliz,
minério forra o quintal,
bem na ponta do nariz;
no golpe da picareta
colhemos malacacheta.
Mineiro não preza nada,
não dá valor ao que tem,
a terra tão desprezada
não alimenta a ninguém;
o mineiro, acomodado,
trabalha desconfiado.
Que o mineiro é capaz
essa verdade não nego,
mas o tal faz, mas não faz,
macula sempre seu ego;
depressa vem o de fora
pega tudo e vai embora.
Se mineiro, é empregado,
quem manda, veio de fora,
o calo, na mão brotado,
é marca de boa espora;
pra ele não sobrou nada,
nem enxadão, nem enxada.
Maria, como o mineiro,
exigia tolerância,
atrasada em seu roteiro
tinha queixa em abundância;
mineiro, maria e calma
são corpos da mesma alma.
Terceiro Capítulo
ESPERA FELIZ – MINHA TERRA, MINHA GENTE (1940 a 19700
Caiana nem bem chegada
o pontilhão alcançou
na curva final da estrada
no ingazeiro apitou;
maria, com seus bons ares,
corre, agora, a Valadares.
Quantas maria aprontou
nas suas muitas andanças!
maria bunda cortou,
maria acordou crianças;
maria, veloz ou lerda,
paixão do moço Lacerda.
Eu me lembro, pouco tinha
a minha Espera Feliz;
o trem correndo na linha
soprava o nosso nariz;
o povo inteiro irmanado
vivia mais sossegado.
Na porta do Montanhês,
o nosso hotel principal,
cadeira tinha freguês
pro bate-papo informal;
meu olhar de menino via
naquilo tudo poesia.
Lá na Praça da Bandeira,
bem cuidada, bem florida,
com rosa por ela inteira
meio a cravo e margarida,
nos seus domingos de sol
discussões de futebol.
A banda não pude ver
me disseram que passou,
foi antes do meu nascer
que o velho Veiga tocou;
coretos vi na cidade
sem qualquer utilidade.
Maria corta a cidade
despertando o povo inteiro,
presença, fim de saudade,
perfume de fino cheiro;
Rocha e Nelo do bilhete,
seu Nico, brahma e sorvete.
Na Fioravante deslisa,
lenços saltam das janelas,
sapato, calça e camisa,
agulhas, lãs e flanelas;
Um casal de intensa lida
Seu Rocha e Dona Gaída.
Deixo em versos registrado
do tempo que lá vivi
um pouco do meu passado
do qual nunca me esqueci;
na remexida memória
imagens da minha história.
A cesta, cheia de fruta,
Seu Belinho não faltava,
Lovergildo, na disputa,
com seus doces lá estava;
O povo inteiro aplaudia
as chegadas de maria.
No cinema, hoje fechado,
a gente se divertia,
terça-feira seriado,
o povo todo assistia;
Juvenil, boa risada,
ria de tudo e de nada.
Cata Preta, o Delegado,
homem sério, bem sizudo,
foi por todos respeitado,
teve a moral por escudo;
teve, também, seus maus dias
nos pios do Malaquias.
Escola sem pouso certo,
dona Filinha lá ia,
a criançada por perto
silente, a mestra seguia;
mal a gente se instalava
logo em seguida mudava.
O primário, terminado,
ditava o ponto final,
naquele curso encerrado
pedia-se o chão natal;
nessa hora, o coração
partia todo na mão.
A rua inteira vazia,
Bons tempos! Como era bom
Ouvir a Ave-Maria
E assistir, no Odeon,
Tim Holt, Durango Kid,
Nioka e Hoppalong Cassidy.
A nossa Dona Laurinha,
figura de fino trato,
eu a tenho por madrinha
desde o tempo do internato;
no ginásio terminado
fui por ela apadrinhado.
Neca Moura, o fazendeiro,
de baralhinho na mão
me teve como parceiro,
parceiro também Seu João;
na bisca de cada dia
meu tempo moço corria.
O Gilson, do Fioravante,
às dezoito, todo dia,
usando o alto-falante
rezava a Ave-Maria;
no fundo, Gigli cantava,
o povo inteiro rezava.
Maluquices com Dadinho;
manga boa, a do Tatão;
sete moças no caminho,
desrespeito e gozação;
saudade do Manezinho,
bom pião e bom carrinho.
Boa raça, o Arseninho,
tiro forte, o Vicentão,
nas finanças, o Toninho,
nas besteiras, Zé Abrão,
Erastinho, bom de briga,
Gavião, boa barriga.
No baralho, Seu Honório,
no armazém, Jovelino,
Luiz Barros, no velório,
na mobília, o Zé Quirino,
Valzinho, o nosso padeiro,
viva o Chico Sapateiro!
Dona Zinha, no Hotel,
na Farmácia, Seu Ary,
Josias, hoje no céu,
coração igual não vi;
Grimaldo, na prefeitura,
cabeça boa e cultura.
Roque Castro, o caçador,
Gregório, dono de posto,
dentista, seu Amador,
no Coringa, o tira gosto,
o Tililiu na sinuca
deixava a bola maluca.
Seu Vicente, o bicheiro,
Dona Francina, a doceira,
Seu Cabral, o açougueiro,
Dona Donária, a fruteira,
barbeiro, Seu Alencar,
exemplo pra se imitar.
Jésus Porto, sapateiro,
Seu Itair, Exator,
Joaninha, bom goleiro,
Zé Broa, nosso pintor;
Bertolino, sem igual,
porteiro de carnaval.
Seu Homero, da Seleta,
Prefeito, Alfredo Brandão,
Gafanhoto, bom atleta,
carroceiro, Seu João,
Seu Henrique, o Louva-Deus,
gogó de ouro, o Matheus.
Dona Iraci Vitorino
roupa limpa e bem passada,
Dona Isaura do Adelino
qualquer flor bem imitada,
Seu Venâncio e Dona Clara
goiaba branca, da rara.
Casa branca, a gente fita
lá no alto, que beleza!
O coração de Pepita,
de extrema gentileza,
no seu recanto de flor
bate repleto de amor.
Dona Teté, tão sozinha,
a vida inteira passou,
tia Maria, a vizinha,
foi quem mais se aproximou
daquela doce figura
no seu pombal de amargura.
O Seu Reinaldo Valente,
criador da “Terra Fria”,
na produção de aguardente,
o povo todo aquecia;
nas andanças do Seu Duarte,
o fiscal por toda a parte.
O carro-de-bois seguia
na guiada, o candieiro,
O menino que servia
ao seu patrão, o carreiro;
nos caminhos do Seu Raul,
carretos de norte a sul.
No sax, de som gostoso,
o moço Ito tocava,
no acorde carinhoso
o coração fustigava;
no enlevo da sinfonia,
apaixonado batia.
No correio, Dona Maria,
Giovani, na oficina,
Bigodinho, na folia,
os Padulas, gente fina,
Padre João, o bom de fé,
gente boa, o Salomé.
Minha mestra, Maricota,
boas lições, com rigor,
nas mãos de Dona Carlota,
tecidos do Seu Heitor,
petrechos pra construção
outro Heitor tinha na mão.
João de Amorim, no velório,
Seu Menezes, açougueiro,
Seu Otávio, no empório,
tio Nilo, bom pedreiro,
Doutor Oto, bom Doutor,
dona Zulmira, um amor.
No Registro, Seu José,
Brevidade, no Garcia,
Castilho, no pontapé,
Pancada que não doía;
Pro bom cabrito roubado
Era o dono convidado.
Meus versos de gratidão
deixo aos mestres tão queridos,
Ruth, Anita e Julião
jamais serão esquecidos;
da boa escola que tive
bom exemplo sobrevive.
Era assim a minha terra,
era assim a minha gente,
já não se rola na serra,
já não se pula dormente;
lembrança, doce lembrança
do meu tempo de criança!
Hoje, ao ver meu chão natal,
rogo seja ele cuidado,
que seja cartão postal
esse chão abençoado;
minha gente, hospitaleira,
orgulha a terra mineira.
Esperamos alguém faça
aquilo que ninguém fez,
reconstrua a nossa Praça,
recupere o Montanhês
e dê ao povo mais sol
num campo de futebol.
A Praça inteira florida
com bancos mais confortáveis
ao povo dará mais vida
momentos mais agradáveis;
domingo, dia de graça,
o povo inteiro na Praça.
Na Praça, com muito sol,
o bate-papo informal,
discussão de futebol,
o velho com seu jornal,
todo mundo reunido
tudo muito divertido.
Na cidade, hoje crescida,
a estação abandonada
perdeu toda a sua vida
na memória não guardada;
de todo o encanto que tinha
nem mais um metro de linha!
Um Museu eu bem queria
nascesse na estação,
um barracão pra Maria,
com sua classe e vagão,
a idéia me fascina,
gratidão à Leopoldina.
Meu povo de intensa lida
mantém erguida a bandeira!
Anseio a terra crescida
com gente forte e ordeira,
mais trabalho e mais escola,
cidade sem Carangola.
Quarto Capítulo
VIAJANDO
O trem parou na estação,
maria seguiu sozinha,
foi fazer baldeação,
foi correr por outra linha;
abasteceu-se, foi só,
foi buscar Caparaó.
Primeiro, Pedra Menina,
estação que vive só,
lugarejo sem esquina,
bem junto a Caparaó,
pequena parte mineira
com o Pico da Bandeira.
De todo o canto chegada
muita gente foi ao pico
ver a terra abençoada
daquele lugar tão rico
tão belo e tão descuidado,
esquecido, abandonado.
Lá estive – que beleza!
Quem lá esteve garante
– é o ventre da natureza
de brisa verde soprante;
lugar de doce aconchego
que à mente dá sossego.
Um pouco mais assistido,
o pico tem seu hotel
bem no alto construído
batendo à porta do céu;
quem lá esteve garante
bom quarto e bom restaurante.
Maria lá não chegou,
foi ela quem conduziu
o povo que lá pisou
vindo de todo o Brasil;
lá bem perto esteve ela
passando por Vista Bela.
Vista Bela ficou sozinha;
no seu alto, quase nada;
tem Loanda como vizinha,
lugar pobre, sem parada;
logo após, Jequitibá
– quanta saudade de lá! –
Quinto Capítulo
PRESIDENTE SOARES – COLÉGIO EVANGÉLICO DE
ALTO JEQUITIBÁ (1954 a 19580
Meu mestre, seu Adelino,
foi quem pra lá me levou;
vendo meus pés de menino
o mestre sentenciou:
o menino é bom de fato,
vou levá-lo pro internato.
Começa aí a saudade
da minha gente querida,
minha tenra mocidade,
catorze anos de vida,
começo a somar meus ais
ausência de irmãos e pais.
Cinqüenta e quatro findava,
dezembro, quase natal,
o estudo me chamava
pro período inicial;
o Admissão exigido
nas férias deixei cumprido.
Assembléia todo dia,
lições de vida a granel;
Reverendo, que alegria,
lembrava coisa do céu!
Salve o Cícero Siqueira,
salve, dele, a família inteira!
Quem, de porte tão pequeno,
chegado de Quipapá
tinha mãos de Nazareno,
deu luz à Jequitibá.
Ao seu lado, a companheira,
com a mesma sua bandeira.
Dona Cecília, que alma!
Um anjo metido a gente;
serena, plena de calma,
quase um anjo, certamente,
no seu jogo de paciência,
mostrou rara inteligência.
Bons tempos de internato
muito estudo e disciplina,
gente boa, fino trato,
calça cáqui, brilhantina,
cinema de fita antiga,
gente ordeira, muito amiga.
Saudade, quanta saudade!
Passado que não se esquece,
luz da melhor qualidade,
vida moça em doce prece;
meu mestre, o melhor amigo,
campo fértil, puro trigo.
Dona Renê, pude vê-la
nos frutos do seu quintal;
nos acordes da estrela
fiz parte do seu coral;
nenhum canto de xangô
docemente vive l’eau.
A Lady com seu Inglês,
seu encanto, seu jeitinho,
impedia o Português
seguisse o nosso caminho;
o Português bem feliz
buscava o Ziba de Assis.
Mestre Ziba – que altivez!
Não me foi dado outro assim,
primoroso o Português,
maravilhoso o Latim;
meu verso tem nascedouro
nas suas lições de ouro.
Dona Emília, que dureza!
Exigente e prestimosa,
no seu jogo de certeza,
a fração mais rigorosa;
no seu rigor, sua tática,
ensinar bem matemática.
Lá no campo, correria,
ar puro para o pulmão,
saúde, força, energia,
brotava em cada sessão,
o Jabes na força atlética
cuidava da nossa estética.
O João Barra, bem vestido,
belo tipo, elegante,
por não ser comprometido
balançou muita estudante;
cuidando da sua História
mostrou-nos boa memória,
O Isaías Medeiros,
pouco espaço, quem diria!
Alma pura, dos cordeiros,
um mundo de simpatia;
Geografia, o basquete,
do nosso amigo Raquete.
Da Ciências, boas lições
o mestre Ernane ensinou:
“o pulsar dos corações”,
certa feita asseverou,
“não deve ser descuidado,
não pode ficar parado.”
Transformar o joio em trigo
é missão que desafia,
é postar-se ao desabrigo
na tempestade do dia;
muito moço e de bom tino
venceu o Ênio Divino.
Na rouparia, Seu França,
grandeza de coração,
voz pausada, muito mansa,
enterrada no porão,
preto velho, gente fina,
água pura, cristalina.
Sexto Capítulo
VIAJANDO – FIM DA LINHA
Maria partiu sem graça
foi embora jururu,
foi atrás de outra praça;
foi buscar Manhuaçu;
vai passar Manhumirim,
Reduto, depois o fim.
Manhuaçu, já chegada,
missão inteira cumprida,
maria nem descansada
novo sinal de partida;
– caminhos que tanto fez
faz pela última vez.
Maria, maria, maria,
ninguém responde meus ais,
fim de festa e de folia
e a sentença “nunca mais”;
daquele encanto que tinha
nem mais um metro de linha.
Sétimo Capítulo
REFLEXÕES
Maria gerou emprego,
o comércio fez crescer,
hotel de bom aconchego
nas paragens fez nascer;
maria fez tudo isso
dando ao povo mais serviço.
O pão nosso de cada dia
chegava sempre com ela,
o desfilar de maria
abriu porta, abriu janela,
abriu a boca do povo,
maria partiu de novo.
Um dia, deixou Maria
a nossa Zona da Mata,
inspiração e poesia
a gente ainda desata;
saudade, saudade dela
lenço branco na janela.
Minha Minas sem maria
reclama desconsolada,
fim de verso e de folia,
o povo, cara fechada,
maria plantou saudade
no coração da cidade.
Minha gente, sem trabalho,
nas andanças hoje fica,
no joguinho de baralho,
no morro, catando mica,
mica ou malacacheta,
no golpe da picareta.
Pedro Malta, o maquinista,
fiscal, o Zé do Aristão,
Custódio, o telegrafista,
Genésio e Pedro Roldão,
Zé Alves e Nascimento,
funcionários de talento.
Os trilhos da Valadares
maria não corre mais,
ausência de seus bons ares
na minha Minas Gerais;
na minha Zona da Mata
a saudade que maltrata.
Partiu sem festa, sem riso,
foi pro Rio, foi pra onde?
Meu pedaço de paraíso
em algum lugar se esconde;
maria, café com pão,
meus versos de gratidão.
O que dirão nossos filhos
se não lhes resta a memória
brotada dos longos trilhos
sementes da nossa história!?
Podia ser preservada
a estação recuperada.
Quantas vezes, eu menino,
a perna livre na praça,
pequeno e muito franzino
muito amigo de arruaça,
pulava classe e vagão
como simples diversão.
Fui menino, bem levado,
isso não nego a ninguém,
mas nunca fui acusado
da quebra do nosso trem;
quanta janela partida
na brincadeira atrevida!
O nome da meninada
não tenho mais na memória;
é tanta água passada
no curso da minha história,
que depois de tantos anos
talvez eu cometa enganos.
Um museu eu bem queria
nascesse na estação,
um barracão pra maria
com sua classe e vagão;
a idéia me fascina,
gratidão à Leopoldina.
BOLA ROLANDO
Rolava a bola, rolava,
com graça, corria o chão,
quando a rede balançava,
sacudia a multidão.
Esse um tempo bom de fato,
esse um tempo de alegria,
esse um tempo de internato,
esse um tempo de poesia!
Esse tempo que passou,
um tempo todo de glória,
contar-lhes um pouco vou,
faço parte dessa história.
De todo mundo saudoso,
mando a todos meu abraço,
desse tempo tão gostoso,
os versos que aqui eu faço.
Foi Nelson grande goleiro,
foi Waldir bom lateral,
Juarez Martins, o zagueiro,
foi peça fundamental.
Inteligente, o Paulinho,
também nosso defensor,
jogando sempre certinho,
foi um belo jogador.
Pimenta, nosso Geraldo,
do meio-campo cuidava,
ao time dava respaldo,
a todos tranqüilizava.
Luiz Evandro, Caolha,
todo o jogo conduzia,
foi ele, a melhor escolha
pro comando que exercia.
Amigos, eu estou vendo,
um jogo que nós tivemos,
começamos nós perdendo,
como sempre, nós vencemos.
Pela ponta, a direita,
Júlio César, inteligente,
pega a bola, rola e deita,
conduz o time pra frente.
Na outra ponta, o Tarciso,
mostra o talento que tem,
muito esperto e muito liso,
não tem medo de ninguém.
Falo, aqui, nessas trovinhas,
de jogadores notáveis,
as lembranças que são minhas,
são lembranças agradáveis.
Carlos César, meio campista,
jogador muito importante,
também talentoso artista,
soube sempre ser brilhante.
Mais na frente, Agripino,
centroavante combatente,
dando à bola bom destino,
foi festa pra nossa gente.
Muitos gols eu sei que fez,
mas tinha no seu caminho,
expedito, o Juarez,
o meia-esquerda Ratinho.
Tampinha também jogava,
da Bahia, nosso Alício,
quem do time participava,
bem sabia desse ofício.
Lourenço, outro goleiro,
com pouca chance de entrar,
foi amigo e companheiro,
também sabia jogar.
Zé Agostinho, o Melão,
às vezes, também jogava,
no grandioso esquadrão,
grandeza o Melão mostrava.
O caparaoense Roberto
ao nosso lado jogou,
inteligente e esperto,
talentoso se mostrou.
O Mário treinou também,
falo aqui de um Maciel,
foi ele, como ninguém,
meu amigo mais fiel.
Repolho, Ênio Divino,
nosso sábio treinador,
qual nosso mestre Adelino,
soube, em campo, ser doutor.
Comandando a meninada,
Repolho dizia então:
“marcação, quero cerrada,
e o tempo inteiro atenção.”
Foi treinador, foi amigo,
conselheiro sempre certo,
sobre ele, mais lhes digo,
nesse ofício, foi esperto.
Todo mundo obedecia,
sob chuva ou sob sol,
o treinador que sabia
muito além do futebol.
Com clareza cristalina,
moderado em seu falar,
colocava a disciplina
no mais alto patamar.
Nosso Repolho Divino,
com sua exemplar conduta,
fez de mim outro menino,
educou-me pra disputa.
Fui moleque, fui briguento,
sei que fui bom jogador,
não bastava ter talento,
tinha que ser lutador.
Mais fácil tornou-me a vida,
de todos nós, com certeza,
com sua mão decidida
e com gestos de grandeza.
Vai, nos versos, registrada
nossa imensa gratidão,
a quem foi, nessa jornada,
nosso amigo, nosso irmão.
Centenas de gols eu fiz,
entre todos, um de mão,
esse um tempo bem feliz,
que fez bem ao coração.
Já distante do gramado,
onde um dia fiz história,
eu deixo aqui registrado,
nosso passado de glória.
Nossa animada torcida,
o tempo inteiro gritava,
quando findada a partida,
a nossa turma saudava
No comando da torcida,
Campagnucci, do Hotel,
durante toda a partida,
parecia estar no céu.
Torcia, muito torcia,
torcia animadamente,
com sua enorme alegria,
dava força à nossa gente.
Tempinho esse gostoso,
como esse, nunca mais,
tempo esse maravilhoso,
na nossa Minas Gerais.
De repente, tudo cessa,
o desencontro é total,
o desencanto, depressa,
dita a palavra final.
Saudade, saudade imensa
da torcida, dos professores,
da nossa alegre presença,
ao lado dos jogadores.
Saudade do internato,
das lições que recebemos,
os amigos, bons de fato,
é tudo o que hoje temos.
Aos mestres, devo demais,
pela gostosa acolhida,
foram mestres, foram pais,
nesse meu tempo de vida.
Cessou o nosso infantil,
sua glória está de pé,
na história do Brasil,
os craques da AECE.
Repolho, educadamente,
conduzia a meninada,
treinador inteligente,
tinha firme o pé na estrada.
Nesse tempo de internato,
a excelência do molho,
era encontrada de fato
no preparo do Repolho.
Amigo de todos nós,
Diretor de Disciplina,
pulso firme, mansa voz,
certamente gente fina.
O tempo passou, meu caro,
já temos mais de sessenta,
nossa força e nosso faro,
já nenhum de nós sustenta.
As pernas, enfraquecidas,
já os passos temerosos,
exigem das nossas vidas,
caminhos não perigosos.
Mineiro, virei paulista,
paulista, virei poeta,
para alguns, virou artista,
quem menino foi atleta.
O Mário se fez Doutor,
tem seu prestígio em Goiás,
O Melão, hoje Pastor,
virou pregador da paz.
O Caolha, certa vez,
em São Paulo eu encontrei,
Advogado se fez,
a informação que guardei.
Bendito colégio interno
do Alto Jequitibá,
se bem a vida governo
as lições trouxe de lá.
“Quem Salva é Só Jesus”
no seu templo posso ler,
se a vida tenho de luz,
devo a Deus agradecer.
Tempo bom, não volta mais,
desse tempo a melhor lição,
na minha Minas Gerais,
a melhor educação.
Eu, menino, fui levado,
atormentei muita gente,
boca suja, malcriado,
mudei-me completamente.
Bendita foi a escola,
só de mestres bons de fato,
bendita, também, a bola,
que me levou pro internato.
Esquecer Seu Adelino,
jamais irei esquecer,
amparou-me pequenino,
para ensinar-me a crescer.
Deu-me vida esse senhor,
devo a ele agradecer,
é fruto do seu amor,
toda a luz do meu saber.
Meu tempo de internato,
quanta saudade me dá,
da escola, o melhor retrato
do Alto Jequitibá!
Pudesse o tempo voltar,
à escola retornaria,
a cada mestre abraçar,
é tudo o que mais queria.
Não joguei porque gostava,
mais joguei porque sabia
que, no campo, me divertia,
enquanto a bola rolava.
Não fui craque, certamente,
embora digam que sim,
alguma coisa em mim
alegrava a muita gente.
Correr o campo, eu corria,
chutava forte e certeiro,
na minha frente, o goleiro,
nem sempre se divertia.
Com chute certo e potente,
centenas de gols marquei,
as lembranças que guardei,
fazem festa de repente.
Fui leal, jogando bola,
esforçado o jogo inteiro,
sem me prender ao dinheiro,
cedi espaço à escola.
No Colégio onde estudei,
muito esforço sei que fiz,
desse tempo tão feliz,
boas lembranças guardei.
O apelido Ratinho,
quase mata o Juarez,
foi o Pedrinho Mercês,
criador do tal bichinho.
No Internato, o apelido,
não teve tanto sucesso,
pra minha sorte, confesso,
passou desapercebido.
O futebol foi a luz
que me mostrou a escola,
o poder da sua bola,
hoje ainda me conduz.
O futebol, com certeza,
serve muito à muita gente,
a bola conduz à frente,
quem a trata com destreza.
Quem o esporte valoriza,
não importa a modalidade,
sabe bem que a amizade,
torna santo o chão que pisa.
Quem mais íntimo da bola,
tem espaço garantido,
no templo mais colorido
em que festiva ela rola.
Quem é craque de verdade,
faz muito mais do que fiz,
faz a bola mais feliz,
goza, dela, a intimidade.
O esporte, quem vai negar!
tem sido pra muita gente,
o espaço que é presente
para o homem prosperar.
O que tenho conquistado,
ao esporte eu creditei,
devo, sim, nunca neguei,
fui por ele abençoado.
A bola, hoje silente,
no tempo, se fez saudade,
lembra a doce mocidade,
no seio da minha gente.
Tempo bom, meu camarada,
tempo gostoso demais,
quando ao lado dos meus pais,
dava início à caminhada.
Passou o tempo, passou
um tempo, mais rigoroso,
roubou-me o tempo gostoso,
em saudade o transformou.
É assim a nossa vida,
precisamos nos preparar,
pra quando a bola cessar,
não cessar nossa corrida.
Nessa hora, a educação,
na vida, se diz presente,
quem se educa, vai em frente,
não dá tempo à depressão.
Deixo, aqui, o meu alerta,
aos praticantes de esporte,
não aposte só na sorte
nem toda sorte é tão certa.
Não basta ser diplomado,
só pela escola da vida,
nem toda mão estendida,
faz-se mão de bom agrado.
Aposte no seu valor,
na sua boa instrução,
pra que tenha sempre à mão,
seus trunfos de vencedor.
MARECHAL FLORIANO DO ITAIM-BIBI
Esse um time colossal,
na Várzea, nenhum igual,
só na bola, meus senhores,
no domingo, após as dez,
com inteligência nos pés,
fomos sempre vencedores.
No bairro Itaim-Bibi,
do massagista Mimi,
nosso time fez furor,
um longo tempo de glória,
registra hoje a história
do Marechal vencedor.
Foi Tatu seu comandante,
pra todos nós importante,
foi mestre na formação
de um grupo monumental,
a um mestre especial,
os troféus da gratidão.
No gol, a se destacar,
o excelente Ademar,
um gigante, sim senhor,
Espanhol na lateral,
dedicação sem igual,
um feroz batalhador.
Bem no centro Polimeno,
moço forte no terreno
que coube a ele cuidar,
lá na esquerda, o Zezinho,
uma pedra no caminho
de quem tentava passar.
Com seu toque refinado,
nosso meio, bem cuidado,
tinha Lulu no comando,
ele, o Neves lateral,
no Palmeiras da capital,
acabou se destacando.
Um outro craque Zezinho,
fazendo tudo certinho,
com nosso Branca do lado,
esse moço, fabuloso,
com seu toque majestoso,
fez-se atleta consagrado.
Na direta, um Juarez,
tinha também sua vez,
mostrava o que bem sabia,
levado por um Pereira,
com sua garra mineira,
a mesma glória teria.
Moço de baixa estatura,
nosso Branca, sem frescura,
foi um baita goleador,
com seu toque refinado,
centroavante obstinado,
no campo, se fez doutor.
Na disputa, com pelota,
não me lembro de derrota,
de um empate, isto sim,
em Caieiras, contra o União,
dois a dois, a consagração
do Marechal do Itaim.
Um jogo bem disputado,
Norival, já contratado,
o São Paulo defenderia,
já no início da partida,
mostrando sinal de vida,
o primeiro eu marcaria.
O segundo gol nasceria,
dos pés de quem mais sabia
regras do jogo ditar,
Lulu, num toque marcante,
mostrou-se bom atacante,
indo as redes balançar.
Não se dando por vencido,
como leão destemido,
o mandante se apresentou,
bem no final da partida,
naquela luta renhida
o adversário empatou.
Outros jogos nós tivemos,
desse tempo, todos temos
uma saudade danada,
o time se dispersou,
a lembrança que ficou,
com prazer temos guardada.
Alguém diz que é progresso,
não fará nenhum sucesso
quem à várzea só faz mal,
no domingo ensolarado,
criança, com o pai do lado,
ia sempre ao Marechal.
Nosso domingo de sol,
não tem mais o futebol,
que o povo inteiro aplaudia,
saudade do Marechal,
esse um time especial,
esse um tempo de alegria.
O bairro perdeu a graça,
quem destruiu nossa praça,
não sabe o mal produzido,
no espaço da diversão,
o concreto que cobre o chão,
deixa o povo desnutrido.
Isso mesmo minha gente,
o esporte é comida quente
saborosa, sim senhor,
aquele que fez o mal,
destruindo o Marechal,
à vida não deu valor.
No lugar do Marechal
a frieza, sem igual,
do cimento trabalhado,
finalmente, minha gente,
podemos ver, finalmente,
o Marechal derrotado.
No campo, nós não perdemos,
a lembrança que nós temos,
ninguém teve nada igual,
nos versos que aqui deixamos,
na história incorporamos,
as glórias do Marechal.
Os amigos torcedores,
todos eles sabedores
desse passado de glória,
como prova de gratidão,
certamente aqui estão
no seio da nossa história.
João, Pereira e Café,
todo domingo, de pé,
compunham nossa torcida,
saudade, meu caro amigo,
de um tempo de bom abrigo,
de mais saúde e mais vida.
Em versos, nesse livrinho,
eu registro, com carinho,
todo um passado de glória.
nosso grande Marechal,
de grandeza, sem igual,
fez de ouro sua história.
SANTA LUZIA FUTEBOL CLUBE
(Time de Espera Feliz)
Marquinhos foi meu goleiro,
Raymundo foi lateral,
foi Miltinho, o sapateiro,
nosso zagueiro central.
Nesse meu time certinho,
o Darcy se destacava,
na lateral, Arseninho
a defesa completava.
Com seu toque bem sutil,
nosso meio completando,
lá estava o Juvenil,
muita raça demonstrando.
Gaim, a ponta ocupava,
a direita, certamente,
ao lado dele, eu estava,
já um pouco mais à frente.
Bom centroavante, o Evandro,
com muita classe jogava,
com seu toque mais malandro,
Didi, o jogo ditava.
Completando nosso ataque,
com chute forte e maroto,
na ponta esquerda, um craque,
nosso amigo Gafanhoto.
Esse um tempo de alegria,
esquecê-lo, nunca mais,
viva o meu Santa Luzia,
um campeão das Gerais!
LAMENTO CORINTHIANO
No Rio, sou vascaíno,
sou, em Minas, Cruzeirense,
o Corinthians, quis o destino,
esse time que não vence,
fosse por mim escolhido,
como o time mais querido.
Fui no Rio, campeão,
em Minas, eu fui também,
em São Paulo, meu Timão,
já não ganha de ninguém,
saudade de quem jogava,
quando o time mais ganhava.
Foi-se embora o Luizinho,
foi-se o Cláudio, o Baltazar,
o Riva, nosso Reizinho,
também não pode ficar,
transferiu-se o jogador,
foi servir ao tricolor.
No time das Laranjeiras,
fez miséria o Rivelino,
lá pendurou as chuteiras,
já as pernas batendo pino,
deu, ao Brasil, muita glória
quem foi rei na nossa história.
Para o Santos, foi Gilmar,
sorte do nosso goleiro,
ao Pelé foi se juntar,
só craque no time inteiro,
com Zito, Pepe e Pagão,
como não ser campeão!?
Coutinho, de centroavante,
Dorval na ponta direita,
que time mais importante
desse time se aproveita?
Esse time da Baixada
ganha tudo, na barbada.
Vinte anos, nossa espera,
que tempo mais doloroso!
o Santos, com tanta fera,
teve seu tempo gostoso,
nosso tempo de mais sentir,
fez nascer o “faz-me-rir”.
Sofremos muito, sofremos,
o Timão fez-se piada,
muitas vezes, nós perdemos,
com ninguém jogando nada,
com os bagulhos que tinha,
vitória só na porrinha!
Formou-se, então, um timaço,
Matheus investiu bastante,
contratando só cracaço,
máquina nova e possante,
o Corinthians, felizmente,
fez-se grande de repente.
Voltou a ser vencedor,
trouxe, afinal, alegria,
foi Matheus o seu mentor,
o homem que mais sabia,
quem repousa hoje no céu
fez a festa da Fiel.
Nosso Matheus foi embora,
deixou saudade, deixou,
cabeça-de-bagre agora,
no nosso Parque sobrou.
Quem, agora, mandatário,
quadrilheiro ou salafrário!?
Saudade de quem vestia
nossa farda majestosa,
a gorduchinha corria,
no tapete, toda prosa,
a coitada hoje padece,
sofre dor que não merece.
Pudesse o tempo voltar,
voltaria o Wladimir,
voltaria o Baltazar,
dando um basta ao “faz-me-rir”,
retornaria o Matheus,
que, no parque, foi um deus.
Biro-Biro, Ditão e Neto,
num tempo bem mais recente,
Sócrates, o arquiteto,
com seu toque inteligente,
de calcanhar, esse tal,
fez graça, foi genial.
Saudade do bom Vaguinho,
pela direita entortava,
na esquerda, um passarinho,
nosso Romeu passeava,
um goleiro campeão,
nosso Émerson Leão.
Dois mil e sete, o ano,
já não temos mais ninguém,
só tem fulano e sicrano,
é tudo o que a gente tem,
nenhum nome é bom falar,
nem São Jorge vai gostar!
O time do pé-rapado,
não perde pro meu Timão,
esse time de tapado,
só ganha no tapetão,
nem isso ele pode agora,
já que a grana caiu fora.
Vai perder a Fazendinha,
não há muito o que fazer,
sem defesa, meio e linha,
tem muito mais a perder,
torcedor da marginal
só vai bem no carnaval.
Cumprindo belo papel,
a Gaviões dá seu show,
na passarela a Fiel,
é quem marca nosso gol,
no carnaval, quem diria
está a nossa alegria.
Com a torcida que tem,
a segunda ou a primeira,
não ganhando de ninguém,
sempre posto na rabeira,
eu até posso pensar,
que lá tem gente a roubar.
Quando compra jogador,
todos dizem, “tem trapaça!”,
quem ainda tem valor,
logo o clube dá de graça,
enquanto isso, a torcida,
dá sinais de despedida.
Torcedor, eu me confesso,
mas ando desanimado,
eu, um dia, me despeço,
não mais irei ao gramado,
confesso, chego a sentir
que voltou o “faz-me-rir”.
A defesa do meu Timão,
até que no picadeiro,
com Betão e com Zelão,
ganharia bom dinheiro,
no gramado, infelizmente,
não há lugar pra tal gente.
Quem no nosso parque pisa,
tem que mostrar seu valor,
tem que honrar nossa camisa,
tem que jogar com amor,
quem se presta a chinelinho
que siga outro caminho!
Algo precisa ser feito,
pra salvar nosso Timão,
quem aí está não dá jeito,
já perdeu a direção,
com essa diretoria,
não vamos ter alegria.
Camisa Doze e Gaviões,
cumprem bem a sua parte,
dão até seus corações,
mas cobram amor e arte,
sabedores da nossa glória,
querem mais, querem vitória,
Se algum trabalho se fez,
pra que nada mais dê certo,
usem mais de sensatez,
não há ninguém tão esperto,
São Jorge, nosso soldado,
jamais será derrotado.
Vamos, vamos, minha gente,
vamos cobrar mais trabalho,
com reforço, de repente,
nós quebramos nosso galho,
nosso tempo, aproveitemos,
trabalhemos, trabalhemos!
Esse nosso Presidente,
nada mais pode fazer,
o Corinthians tem mais gente,
que merece mais poder,
a hora exige mudança,
renovação de esperança.
Nosso apelo está lançado,
bem mais podia falar,
mas vou me manter calado,
torcendo, vou esperar
que apareça, com urgência,
quem com muita competência.
Que toda a diretoria,
entenda que não dá mais,
quem fez tanta porcaria
e nos causou tantos ais,
que entenda, chegou a hora
de se mandar, ir embora.
Salvemos nosso Timão,
de mãos dadas, nos unamos,
quem nasceu pra campeão
não pode estar onde estamos.
O Corinthians grandioso,
vai renascer majestoso!
Viva meu time, o Timão,
por enquanto, nem tanto assim,
nesse tempo de escorregão,
tempo esse, bem ruim,
cabe a nós acreditar
que esse tempo vai passar.
Dualibi, Seu Alberto,
pode ter boa intenção,
o inferno, esteja certo,
tem gente assim de montão,
que ela entenda de uma vez
que boa coisa não fez.
Comprou jogador errado,
vendeu o que não devia,
de longe foi enganado
pelo Berê, pelo Kia,
Seu Berê, interesseiro,
lavou, aqui, seu dinheiro.
A situação ficou russa,
o time não vai pra frente,
roubados, fomos na fuça,
por diretor conivente,
promessa de estádio novo,
só fez enganar o povo.
A Nação Corinthiana
veste luto nesta hora,
Diretor que só engana
que pegue o chapéu agora,
o cidadão que não presta
dê espaço à gente honesta.
Perna-de-pau no Timão
não podemos conceber,
falta tato à direção,
sobra abuso de poder,
Dualibi na Presidência,
fez-se Rei da Incompetência.
Puxe o carro macacada,
arrede o pé de uma vez,
a casa desarrumada,
clama alguém com sensatez,
só com gente competente,
o Corinthians vai pra frente.
Meu amigo torcedor,
não há mais tempo a perder,
gente com mais valor,
nós ainda vamos ter,
muito tempo já perdemos,
com essa turma que temos.
Jogador perna-de-pau
faz festa na Fazendinha,
todo mundo joga mal
na defesa, meio e linha,
livremos nosso Timão,
de uma outra divisão.
A nação inteira clama
por vitória convincente,
quem macula nossa fama,
jamais nos fará contente,
de mãos dadas, vamos nós,
elevemos nossa voz.
Pra vestir nossa camisa,
tem que ser bom jogador,
quem no nosso Parque pisa,
tem que ter muito valor,
tem que ter conhecimento
tem que ter garra e talento.
Com essa Diretoria
e os jogadores que temos,
não vamos ter alegria,
a ninguém nós venceremos,
falta craque e Diretor,
mais que isso, falta amor.
O Timão virou timinho,
não temos como negar,
quem já teve Luizinho,
teve Cláudio e Baltazar,
tem Edson, tem Betão,
tem Bruno Otávio e Zelão.
Tem mais seis enganadores,
o goleiro não entra nessa,
um bando de diretores
que precisa sair depressa,
muita gente interessada
que pro time não fez nada.
Com a torcida que tem,
se matando pra ajudar,
esse bando faria bem
se deixasse de enganar,
por não fazer bom papel
que se afaste da Fiel.
Com essa gente de agora
colocando o pé na estrada,
O Corinthians, sem demora,
terá a casa arrumada,
das cinzas desta Nação,
vai renascer o Timão!
Nosso Hino majestoso,
eu gostaria de ouvir,
não essa turma do gozo
que só toca o “faz-me-rir”,
finalmente, peço a Deus
traga de volta o Matheus!
O nosso velho Vicente,
com seu jeitinho de ser,
fez muito por nossa gente,
quem dele pode esquecer!?
Sócrates é imprestável
Seu Vicente formidável!
Biro-Biro ou Lero-Lero,
perdemos nós nossa graça,
hoje, um bando de godero,
quando faz, faz arruaça.
Viva Matheus lá no céu,
o Corinthians e a Fiel!
Viva a glória brasileira,
e o povo dessa nação,
o Corinthians, sem tranqueira,
voltará a ser Timão.
São Jorge, nosso soldado,
continua ao nosso lado.
São milhões de brasileiros
torcendo pelo Timão,
moços ricos, farofeiros,
confessam todos paixão
por esse time que Deus,
fez de glória com Matheus.
Dou um basta na cantoria,
vou ao estádio aplaudir,
nova era se anuncia,
vamos voltar a sorrir,
vai renascer o Timão
das cinzas da ingratidão!
Que esse bando mandatário,
puxe o carro de uma vez,
bom lugar pra salafrário,
são as grades do xadrez,
nas mãos podres dessa gente,
o Corinthians se fez doente.
O remédio, nós sabemos,
pra nossa cura total,
é acreditar que nós temos,
na torcida, potencial,
basta termos gente honesta,
que logo faremos festa!
Diretor inteligente,
jogador, só bom de bola,
a turma, hoje presente,
só engana, só enrola,
quem o time hoje afunda
leve um pontapé na bunda.
Dualibi tem dinheiro,
que gaste ele o que tem,
sua mente de terreiro,
pro Corinthians não faz bem,
mais respeito ao torcedor,
não nos deu esse senhor.
Com seu grupo incompetente,
puxe o carro de uma vez,
que o homem, de repente,
entenda o mal que nos fez,
o Corinthians só aflora,
se essa turma for embora.
Nosso povo não quer guerra,
queremos paz na disputa,
somos glória dessa terra,
honestos na nossa luta,
quem vier que seja honesto
que a torcida faz o resto!
UM NOVO CORINTHIANS
Ainda em dois mil e oito,
já com outra direção,
o time, menos afoito,
fez-se um belo campeão.
Da segundona, é verdade,
O que não se pode negar,
com muita bola e vontade
o time pôs-se a brilhar.
Palmeiras passou por essa,
fez-se um belo campeão,
o São Paulo só saiu dessa,
por força do tapetão.
Um Corinthians renovado,
de atletas e diretores,
com Ronaldo recuperado,
do cenário, muda as cores.
Todo time, já foi dito,
começa com bom goleiro,
Felipe, no seu distrito,
manda nele o jogo inteiro.
Esse moço, combatente,
faz milagre sim senhor,
cresceu muito de repente
fez-se um baita jogador.
Alessandro, na lateral,
no Santos sem expressão,
mostrou que pode, afinal
ser estrela do Timão.
Joga muito esse rapaz,
admiro seu vai e vem,
por saber, certo ele faz,
não dando espaço a ninguém
Pra mim, o grande destaque
desse meu time é Chicão,
na defesa ou no ataque
tem lugar na Seleção.
Seu senso de cobertura
dá, a todos, tranqüilidade,
a defesa, assim segura,
deixa o ataque à vontade.
Vai à frente, vai sem medo,
bem sabe quando atacar,
a redonda, sem segredo,
sabe seu toque aceitar.
William, já mais contido,
cuida bem do seu setor,
no jogo, pouco atrevido,
faz-se enorme defensor.
A tarja de Capitão,
que a esse moço foi dada,
mostra o Mano com razão
por sua escolha acertada.
André Santos, quem diria,
com sua esquerda brilhante,
escreve bela poesia,
quando se faz atacante.
Joga muito na defesa,
no ataque se faz o tal,
na Seleção, com certeza,
será o nosso lateral.
O Cristian que vejo agora,
do Flamengo dispensado,
não come a bola, devora,
manda em tudo no gramado.
Com seu chute mais certeiro
e sua garra invejável,
para o escrete brasileiro
já se faz aconselhável.
Elias, meu Deus do céu,
cresce demais na partida,
cumprindo bem seu papel,
ao ataque dá mais vida.
Na defesa colocado,
desarma como ninguém,
tem também se destacado,
no jogo do vai e vem.
Jorge Henrique, no começo,
não se mostrou bom de bola,
mas agora, reconheço,
fez-se craque com cartola.
Corre ele o campo inteiro,
defendendo ou atacando,
mostra o Rio de Janeiro,
sua ausência lamentando.
Cresceu demais o Dentinho,
tendo Ronaldo na frente,
sabedor do bom caminho,
faz a festa de repente.
Ainda um pouco franzino,
pelas pontas, pelo meio,
batalha muito o menino,
combatendo sem receio.
Um craque, como negar!?
Com seu toque magistral,
sabe o Douglas comandar
o Timão da Marginal.
A enorme intimidade
que Douglas tem com a bola,
dá, ao time, a qualidade,
da nossa melhor escola.
O “Fenômeno” magrinho,
que bom voltasse ele a ser,
mas, assim mesmo, gordinho,
faz a festa acontecer.
Entre os beques, lá na frente,
com cara de acomodado,
faz-se fera de repente,
torna-se o Rei do Gramado.
No comando da nação,
outro André se diz presente,
peça chave do Timão
é o Sanches Presidente.
Sobre o Mano já foi dito,
tem talento, sim senhor,
o time, que faz bonito,
deve muito ao treinador.
Meus parabéns à Fiel,
que com seu grito guerreiro,
cumpre louvável papel,
dando força ao time inteiro.
Finalmente a gozação,
muito atento, percebi,
cobre, agora, outra nação,
cobre todo o Morumbi.
Ao Palmeirense que chora,
e que se vê moribundo,
aceite a verdade agora:
somos, hoje, reis do mundo!
O PREGO E A TACHINHA
O prego disse à tachinha:
– Minha amiga, não esqueça,
a dor que dizem ser minha,
tu também tens na cabeça.
A tachinha, muito triste,
ela, ao prego, não diz nada,
pensa falar, mas desiste,
sabe a dor da cacetada.
Nessa hora, um martelinho,
no seu canto, trabalhando,
dá pancada num preguinho,
seu serviço terminando.
A nossa vida é assim,
nem tudo nela é só flor,
eu, às vezes, tenho em mim,
o desconforto da dor.
Ora apanho na cabeça,
às vezes, no corpo inteiro,
minha amiga, não esqueça,
eu também sou brasileiro.
Para o prego e a tachinha,
nada mais pode ser feito,
em você, meu amiguinho,
nós podemos dar um jeito.
Meu amigo, pequenino,
do conselho não esqueça:
corra atrás do bom ensino,
pra não ter dor de cabeça.
Aos burros de cabecinha,
essa verdade eu entrego:
se escapa de ser tachinha,
não escapa de ser prego.
BARRIGUDINHO
O porco disse ao porquinho:
que ingrata a nossa vida,
do nosso mundo, sujinho,
sai sempre a melhor comida.
Entendeu logo o porquinho,
ele ao porco confessou:
eu não vou ficar gordinho,
não vou comer, eu não vou!
Disse o porco ao porquinho:
se o porquinho não come,
vai ter um tempo curtinho,
vai logo morrer de fome.
Perceba, meu amiguinho,
que triste a situação,
do nosso amigo porquinho,
se fica barrigudão!
A nossa vida, a que temos,
merece muita atenção,
comer sempre, nós devemos,
comer demais, isso não!
Quem é muito barrigudo,
quase sempre é preguiçoso,
não se deve comer tudo,
só porque tudo é gostoso.
Na hora da refeição,
um conselho ao amiguinho,
coma arroz, coma feijão,
bem pouco e devagarinho.
Coma bastante verdura,
isso é bom, tenha certeza,
quem come muita gordura,
muito cedo sai da mesa.
Escute, meu amiguinho,
quem é médico nos diz:
comer bem e devagarinho
torna a vida mais feliz.
O conselho já foi dado,
quem quer bastante viver
não pode comer errado
e nem deixar de comer.
A pessoa bem gordinha
pode até ser engraçada,
quem, barrigudo caminha
tem mais curta sua estrada.
Comer pouco e devagar,
afirmam, também, seus pais,
quem muito quer caminhar,
deve ouvir quem sabe mais.
BAZAR DA COBRA
A cobra, no seu bazar,
serve toda a bicharada,
muito esperta, no cobrar,
cobra caro essa danada.
Tem de tudo pra vender,
não deixa nada faltar,
se não tem, manda fazer,
seu negócio é faturar.
A cobra não tem preguiça,
veneno tem pra valer,
quem não reza a sua missa,
muita grana tem que ter.
Cobra caro do inimigo,
não tem medo de ninguém,
quando se vê em perigo
solta o veneno que tem.
Muito boa em seu negócio,
goza a cobra de respeito,
trabalha só, não tem sócio,
toca tudo do seu jeito.
Quem ao trabalho se entrega,
tem mais chances de vencer,
quem ao trabalho se nega,
tem mais chances de perder.
O trabalho é necessário,
o estudo também é,
ninguém vive sem salário,
sem cultura não dá pé.
Quem não tem conhecimento
passa a vida dando murro,
ou tem nome de jumento
ou, então, nome de burro.
Seja cobra, meu amigo,
em tudo o que você faz,
ao saber dê mais abrigo,
pra que a vida corra em paz.
Quem plantar na meninice
a semente do saber,
dará à sua velhice,
a vida com mais prazer.
Se é isso o que você quer,
vá ao livro todo dia,
corra o quanto mais puder
atrás da sabedoria.
Quem sabe não passa fome,
quem trabalha tem seu pão,
se você quer um bom nome,
cuide já da plantação.
ENTREVISTANDO BRUNINHA
Minha amiguinha me conte
onde foi que você nasceu?
– Aqui em Belo Horizonte,
Bruninha me respondeu.
Minha amiguinha mineira,
Qual o nome do seu pai?
– É Arnaldo Oliveira,
mineiro, também, uai!
Do seu pai eu sei a fama
de consagrado editor.
Sua mãe, como se chama,
– Chama-se Áurea, senhor!
Você tem um irmãozinho
Como se chama e o que faz?
– Bernardo ou Bernardinho,
um belíssimo rapaz.
– Meu irmão é estudante,
não trabalha, por enquanto,
é um menino elegante,
educado, quase santo.
Tem Arnaldinho também.
Disse Bruninha, sorrindo:
– Você bem sabe que tem,
muito moço e muito lindo!
Tem a Áldria, já casada,
ela é mãe da Amandinha,
sapequinha na parada,
uma graça, uma gracinha!
Num cantinho confortável,
no maior solo mineiro,
essa gente tão amável,
se esconde o tempo inteiro.
Essa gente, minha gente,
é gente boa demais,
dela, é certo, orgulho sente
a nossa Minas Gerais.
Bruninha, na despedida,
dessa entrevista criada,
peço a Deus por sua vida,
muita luz em sua estrada.
Prossiga dessa maneira,
dando alegria aos seus pais,
salve a família Oliveira,
outra vez Minas Gerais!
GUERRA DO DOCE
Um mosquitinho levado,
faminto, tenho certeza,
sem ter sido convidado,
veio à minha sobremesa.
Devagar, devagarinho,
fingindo nada querer,
quis o tal de mosquitinho
o meu docinho comer.
Peguei um pé de sapato,
dei-lhe enorme sapatada,
sem querer quebrei o prato,
do doce não sobrou nada.
Nessa hora, minha amiga,
jurei me vingar do tal,
dessa vez entrei na briga,
foi uma briga infernal.
Voou o tal mosquitinho,
foi pro quarto e pra cozinha,
foi pra cama do vizinho,
foi pra copa da vizinha.
Voltou ele, de repente,
valente como ninguém,
veio armado até o dente,
querendo guerra também.
A guerra monumental,
seria assim encerrada,
no lixo do meu quintal,
doce e caco na parada.
Só pra sua informação,
essa batalha eu perdi,
sobre o lixo, um batalhão
de mosquitinhos eu vi.
Uma festança danada
tomou conta do meu lixo,
confesso, nessa jogada,
quem só ganhou foi o bicho.
Um mosquito, quem diria,
revelando inteligência,
me fez ver, naquele dia,
que paguei pela imprudência.
Fosse eu mais comedido,
bem mais justo e mais sensato,
teria a guerra vencido,
salvando o doce e o prato.
Sobre o bolo, certamente,
um paninho, quem diria,
sacudido levemente,
o mosquito afastaria.
Quem usa de inteligência,
de bom senso e de razão,
terá sempre a preferência
pra sagrar-se um campeão.
FESTA DA BICHARADA
A Onça, muito animada,
prometendo calmaria,
convidou a bicharada,
para a festa que faria.
Uma festa sem igual,
com um show da Saracura,
depois do show, carnaval,
e comida com fartura.
A Formiga, bem depressa,
prometeu que à festa iria,
– Uma festa como essa,
qual Formiga perderia!?
Sem saber onde morava,
a tal Onça tão festeira,
ponderado, matutava,
Dom Marreco na banheira.
– Eu da Onça tenho medo,
confessava Dom Marreco,
vou tentar, amanhã cedo,
mais saber sobre esse treco.
– Ao Ganso, vou perguntar,
sobre a tal Onça Pintada,
vou à festa programada,
se puder dela voltar!
Quem, no mato, não conhece
a força dessa bichinha?
Quando a Onça se aborrece,
perde a calma, perde a linha.
Só respeita o Rei Leão,
todo mundo sabe disso,
essa esperta tem razão,
não vai brincar em serviço.
O aviso da grande festa,
alcança a floresta inteira,
o Leão, Rei da Floresta,
reserva mesa e cadeira.
O Ganso pergunta ao Pato:
– Vai o amigo festejar?
O Pato, com muito tato,
pede um tempo pra pensar.
– Assim, apressadamente,
eu não posso decidir,
vou saber da minha gente,
se à tal festa devo ir.
Quero ouvir o Pato Feio,
meu mestre e também meu guia,
confesso, tenho receio,
quanto ao fim dessa folia!
Imagine a bicharada,
após o baile e a comida!
Se a Onça não comer nada,
vai comer na despedida.
Bicho mole, sonolento,
sem cabeça pra pensar,
pode ser bom alimento,
pra Onça se alimentar.
Sempre muito violenta,
faz a Onça seu caminho,
quem do fraco se sustenta,
assusta quem mais fraquinho.
Um ditado das Gerais,
bem aqui se prestaria,
“a esmola quando é demais,
até o santo desconfia”.
O que eu disse não criei,
também não sei quem criou,
o bom recado eu guardei,
ele ao verso se prestou.
Quando menino mineiro,
na minha terra morando,
história sobre dinheiro,
passei a vida escutando.
Voltemos à nossa festa,
a que a Onça quer fazer,
corre um papo na floresta
que ela quer se promover.
Se essa a sua intenção,
que dela desista já,
vai ouvir, de todos, não,
garante o Tamanduá.
A Cobra não vai à festa,
já disse, não volta atrás,
num cantinho da floresta,
faz a festa, vive em paz.
Mãos pousadas na cintura,
diz o Coelho educado:
– Vou saber, da Saracura,
se tem contrato assinado.
A Onça fugiu da escola,
bons modos não aprendeu,
o ditado sobre a esmola,
bem cabe aqui, creio eu.
Finalmente, a Saracura,
vai ao encontro marcado,
bem atenta, ouve a leitura,
do que será perguntado.
Num cantinho da floresta,
sem a tal Onça Pintada,
vai falar da grande festa,
a artista consagrada.
Ela explica o combinado,
contrato ela diz não ter,
– Após o show encerrado,
vou com a Onça me entender.
Espere um pouco, meu bem,
vais na Onça acreditar?
Quem não perdoa ninguém,
não vai a ti perdoar!
Assim, com sabedoria,
nesse momento importante,
quem falou o que sabia
foi o tal Grilo Falante.
O Quati, sempre calado,
prestando muita atenção,
foi por todos nomeado,
como juiz da questão.
A decisão que tomasse,
sobre a festa anunciada,
se à maioria agradasse,
seria, ali, aprovada.
Disse o Quati: a questão
pede um tempo pra pensar,
vou à Bíblia, ao Alcorão,
também vou se precisar.
Vou a Roma, vou ao Papa,
vou ao Rei, ao Presidente,
quem pensar que dessa escapa,
vai errar redondamente.
O Papa foi o primeiro,
a responder ao Quati:
– Olha aqui, meu companheiro,
nunca aos bichos respondi.
Vou conversar com Jesus,
seu conselho sempre aceito,
brilhante, cheio de luz,
o que disser será feito.
A ordem veio do céu:
– Meus amigos da floresta,
com lápis e com papel,
todos digam sobre a festa.
Quem a tal festa quiser,
faça buraco no chão,
quem buraco não fizer,
à festa dirá seu não.
Muito bem organizada,
imensa paz na floresta,
a eleição terminada
deu um basta à grande festa.
Só a Onça disse sim,
nem o Leão se arriscou,
– Eu tenho pena de mim,
mesmo sendo o Rei que sou.
– A tal reserva que fiz,
vou correndo cancelar,
pra cuidar do meu nariz,
vou meu povo respeitar.
– O resultado revela
o que quer a bicharada,
dessa forma se cancela
a tal festa anunciada.
– Essa tal Onça Pintada,
não é fácil ser vencida,
muito esperta e atirada,
briga até o fim da vida.
– Todos sabem que sou forte,
ela é forte e mais ligeira,
num golpe de muita sorte,
posso perder a carreira.
Se a cabeça me atingir,
com patada, na disputa,
certamente, eu vou cair,
posso até perder a luta.
Que se cumpra a decisão,
não se fale mais da festa,
como Rei dessa Nação,
quero paz nessa floresta.
Foi a festa desmarcada,
sem mais papo e sem ruído,
o Leão, nessa parada,
revelou-se bem sabido.
Dona Onça, insatisfeita,
com aquela decisão,
a decisão não aceita,
ao Tribunal vai então.
No Plenário se defende,
diz a todos da injustiça,
a Cobra que nada entende,
vai pro colo da Preguiça.
A Preguiça, sonolenta,
sem qualquer disposição,
não tem como estar atenta,
a tanta conversação.
Não sendo ela, a juíza,
não tem mesmo o que fazer,
por saber o chão que pisa,
deixa a conversa correr.
A Onça, no Tribunal,
expõe as razões que tem,
quem muito mais fez o mal,
promete fazer o bem.
A Juíza vai pensar,
não decide de sopetão,
em casa, vai estudar,
pra dizer da decisão.
Finalmente, o grande dia,
num tronco bem encorpado,
a magistrada Cotia,
deixa bem assinalado:
“Fica a festa cancelada,
não podemos premiar,
essa tal Onça Pintada
que tem conta pra pagar.
Que ela acate a decisão,
saiba, assim, o mal que fez,
que respeite o Rei Leão,
ou então vai pro xadrez.”
Dona Onça não diz nada,
por não ter outra saída,
vai calma, na caminhada,
vai repensar sua vida.
Um mês após esse fato,
mostrando estar muito bem,
a Onça parece um gato,
já não assusta a ninguém.
Amigos, fiquem atentos,
cuidado tem que se ter,
bem longe dos violentos,
a vida tem mais prazer.
Seja bom, meu amiguinho,
quem é bom tem mais valor,
ponha Deus no seu caminho,
ponha também muita flor.
Perfume mais sua vida,
seja humilde e generoso,
a você, na despedida,
meu abraço mais gostoso.
OLHA NO QUE DEU!
Fabinho achou que devia
alguma coisa fazer
instou a quem mais podia
o que devia aprender.
O consenso foi geral,
soube ele a decisão:
vai pro parque industrial
lá escolhe a profissão!
Lá na casa do Serginho
o menino se trancava,
seguia o velho caminho
por nada se interessava.
A vida de fel e mel
deu ao caso solução:
o Fabinho faz papel,
Serginho faz papelão!
ORAÇÃO MATUTINA
Quando cedo me levanto,
conversando com Jesus,
peço a Ele o dia santo,
pros meus passos peço luz,
peço paz pro mundo inteiro,
pros meus erros, Seu perdão,
peço o povo mais ordeiro,
peço amor pro coração,
peço o fim da violência,
da injustiça, peço o fim,
peço o fim da impaciência,
peço Deus junto de mim.
Se você, meu amiguinho,
quer a mesma minha luz,
siga o mesmo meu caminho,
fale sempre com Jesus.
Quando cedo despertar,
faça os pedidos que fiz,
quem, com Deus, vive a falar
vive a vida mais feliz.
CHIOU, PEGOU!
Tinha a mão pequenininha,
quem viu a mão se assustou,
alguém disse: olha o mãozinha!
O menino não gostou.
Ficou ele aborrecido,
muito bravo, ele chiou,
em pouco tempo, o apelido
no pequenino pegou.
O negócio é não chiar,
nem dar bola a quem falou,
não queira nunca brigar,
perdeu muito quem brigou.
Zezinho, boca miúda,
nosso amigo Zé Boquinha,
sem conselho e sem ajuda,
caiu ao perder a linha.
O aviso já foi feito,
não ligue à provocação,
quem age assim, desse jeito,
ao apelido diz não.
José virou Zé Cueca,
João virou João da Dita,
o Marcus virou Bisteca,
João Pedro, Bisteca Frita.
Não passe por Zé Coió,
encerro com esta aqui:
senhor de uma perna só,
Seu Abel virou Saci.
GOFFREDINHO
Ao amigo e sempre mestre Goffredo da Silva Telles.
Que belo menino aquele,
quase sempre tão sozinho!
Como é bom falar com ele,
o pequeno Goffredinho.
Sabe tudo, sabe mais,
vai ser um gênio, vai ser,
o grande saber dos pais,
no futuro ele vai ter.
Não perde tempo o menino,
sempre preso à sua gente,
já tem certo seu destino,
será mestre, certamente.
Seu tempo de diversão
só se faz de aprendizado,
as cordas de um violão,
já ele tange animado.
Tem seu mestre, quem diria,
eu vou lhes dizer quem é.
Mas, antes, lhes pediria,
que fiquem todos de pé!
Villa-Lobos, o regente,
o maestro, meus senhores,
nosso gênio, de repente,
nos revela outros pendores.
O mestre do Goffredinho,
não se prende ao violão,
mais ensina ao menininho,
coisas do céu e do chão.
O mestre, mais talentoso,
do saber não faz sigilo,
sempre muito prestimoso,
tudo passa ao seu pupilo.
Joga o mestre capoeira,
faz tudo com muita arte,
faz, também, à sua maneira,
quem aprende, a sua parte.
A pipa que corta o céu,
Goffredinho foi quem fez,
varinha, cola e papel,
lição do mestre outra vez.
Como mestre, teve ainda,
simplesmente sem igual,
muito moça, muito linda,
a Tarsila do Amaral.
No colo do criador
do avião, certamente,
Goffredinho faz furor,
faz a festa de repente.
Santos Dumont nada diz,
dá espaço à brincadeira,
esse tempo tão feliz,
não se tem a vida inteira.
Virou gênio o Goffredinho,
também mestre, sim senhor,
colocado em seu caminho
sou aprendiz do doutor.
Dele ouço a boa história,
de seu tempo primoroso,
nada escapa da memória
desse mestre tão bondoso.
Ele me diz, ternamente,
de seus vôos magistrais,
mostra a saudade que sente
da presença de seus pais.
Mostra um tempo mais bonito,
mostra a vida bem mais pura,
no seu olhar vejo escrito
todo um mundo de ternura.
Mostra Olívia, a sua avó,
dela, amigo e confidente,
seu netinho, seu xodó,
seu encanto mais presente.
Passou o tempo, amiguinho,
cessa, aqui, todo o segredo,
meu amigo Goffredinho
é nosso mestre Goffredo.
Já da USP aposentado,
afeito à advocacia,
o mestre, compenetrado,
cobre de luz o meu dia.
Luz de todos, luz da vida,
luz que ao saber nos conduz,
luz da graça recebida,
luz de tudo, luz da luz!
Seu editor, sou amigo,
devo ao mestre agradecer,
a fertilidade do trigo
que me permite colher.
Obrigado, mestre amado,
por tudo o que deixa feito,
obrigado, muito obrigado,
diz-lhe o mundo do Direito!
PROFESSOR
Tive um santo professor,
um homem cheio de luz,
sua entrega, com ardor,
hoje, ainda, me conduz.
Esse mestre, meu amigo,
fez, de luz, o meu caminho,
deu-me, ele, bom abrigo,
deu-me a vida sem espinho.
Viva o bom educador,
esse eterno carpinteiro,
viva essa fonte de amor,
viva o mestre brasileiro!
VERSINHOS ENGRAÇADOS
A cueca do Luizinho,
sujinha como ela está,
só serve, meu amiguinho,
pra paletó de gambá.
Vejam só que confusão,
um macaquinho levado
pra não pegar resfriado
se enrolou num macacão.
A cachorra o cachorro olhou,
não latiu, não disse nada,
do encontro dos dois restou
uma enorme cachorrada.
ESSE PAPO É UM BARATO!
Disse dona baratinha:
– O meu marido é um barato!
Respondeu dona gatinha:
– O meu marido é um gato!
Certa está dona gatinha,
ao seu gatinho abraçada,
pobre dona baratinha,
sempre só na caminhada.
Não há barato, não há,
se houvesse, que loucura,
só de olhar nojo me dá
tão horrenda criatura.
Minha mulher, coitadinha,
com barata não quer nada,
com barata na cozinha,
ela corre, pega estrada.
Quem tem medo de barata
um conselho muito bom,
corra logo, pegue a lata,
jogue nela Detefon!
Se a barata não morrer,
pise nela com vontade,
com a tal não posso ter
nem um pouco de bondade.
Tantas pernas, que arrepio!
Não gosto nem de pensar,
quando o tempo muito frio
deixa a gente descansar.
Some, não sei pra onde,
mas quando chega o calor,
essa tal logo responde:
– Estou aqui, meu senhor!
Essa bichinha folgada,
sabe bem como eu a trato,
ou morre na vassourada,
ou na sola do sapato.
Quem a barata criou,
foi um doido, foi um chato,
numa coisa, ele acertou,
não inventou o barato.
Você pensou, minha amiga,
tivesse esposo essa tal!
Pra quem gosta de ver briga,
seria o prato ideal!
Em cada canto um barato,
as baratas, no comando,
vassoura, pano e sapato,
a casa inteira brigando.
Terminada a grande luta,
como a casa ficaria?
Ao vencedor da disputa,
uma enorme porcaria!
Responda logo amiguinha,
ao sapato do meu pé,
matador de baratinha.
É um barato ou não é!?
REI DA LIDA
Ao menino atrevidinho,
meu conselho posso dar,
cuidado, meu amiguinho,
vá com calma, devagar.
Quem põe a mão na cumbuca,
usando de insensatez,
leva pancada na cuca,
pela enorme estupidez.
Bem antes de cada ação,
deixe a cabeça pensar,
quanto maior a emoção
nós podemos mais errar.
Quem trabalha com prudência
tem mais chances de vitória,
quem conduz a impaciência
não sabe o sabor da glória.
O meu conselho foi dado,
cumpro, assim, o meu dever,
quem à escola dedicado,
dá mais luz ao seu saber.
Dificuldades na vida,
os sábios nunca terão,
será sempre o Rei da Lida
quem, no estudo, campeão.
FERINHAS
Na escola, todo dia,
boas lições aprendemos,
estudar traz alegria,
meus amigos, estudemos!
Amanhã, a nossa vida
será linda, com certeza,
será sempre bem servida
de festança nossa mesa.
Vamos ter o que sonhamos,
muita paz e muito amor,
colher tudo o que plantamos
no nosso tempo de flor.
O discurso de Bruninha
despertou a macacada,
quem muita preguiça tinha
deu, na dita, uma afastada.
A preguiça foi embora,
virou fera a criançada,
só beleza vejo agora
a turma toda aprovada.
A Bruninha, meu rapaz,
a deusa da sabatina,
tira dez, sabe o que faz,
sabe tudo essa menina!
MARICOTA E TELECO
Maricota, tricoteira,
cuida bem da criançada,
na sua terra mineira,
cuida até da cachorrada.
Faz blusa para os meninos,
pras meninas também faz,
no reino dos pequeninos,
Maricota vive em paz.
Teleco, seu cachorrinho,
no frio, não sofre nada,
Maricota, com carinho,
faz-lhe a roupa tricotada.
Teleco, meu amiguinho,
se comporta muito bem,
não se perde no caminho,
não corre atrás de ninguém.
Maricota, tricoteira,
quer o cão bem comportado,
quem na vida faz zoeira,
sempre acaba atropelado.
Quando crescer, aí sim,
bem servido de razão,
Teleco vai dar um fim,
na tal dor da solidão.
Nada disso, por enquanto,
diz-lhe a boa Maricota,
Teleco, com ar de santo,
só à dona amor devota.
Se fugir, pobre coitado,
seu conforto vai embora,
vai viver abandonado,
nos perigos lá de fora.
Maricota, com jeitinho,
pouco espaço serve ao cão,
se der mais, perde o bichinho,
por quem tem grande paixão.
Quando Teleco crescer,
vai querer ter companheira,
cachorrinhos vai querer,
ocupando a casa inteira.
Por enquanto é muito cedo,
vai muito mais aprender,
meus amigos, não há segredo,
pra quem deseja crescer.
Quem direito se comporta,
quem melhor faz o que faz,
com certeza, Deus conforta,
com saúde, amor e paz.
ZÉ COIÓ
Caminhando o dia inteiro,
pelas ruas, sempre só,
às voltas com seu pandeiro,
lá estava o Zé Coió.
Muito cedo, bem cedinho,
disposto pra qualquer troça,
saía do seu ranchinho,
bem distante, lá na roça.
Seu nome, talvez José,
ninguém nunca confirmou,
pelas ruas, sempre a pé,
a vida inteira ele andou.
Com um pandeiro na mão,
teve o pão de cada dia,
no bolso, nenhum tostão,
no rosto, muita alegria.
Zé Coió, com seu pandeiro,
fez festa pra muita gente,
no nosso canto mineiro,
sagrou-se Rei do Repente.
Bom de verso, bom de rima,
bom de calango, esse tal,
teve, em troca, a boa estima
de muita gente legal.
Seu amigo mais fiel,
o Padre Júlio Maria,
além das bênçãos do céu,
deu-lhe a roupa que vestia.
Um bom prato de comida,
nunca o Zé teve negado,
assim foi a sua vida,
foi, assim, o meu passado.
Não vi Zé Coió partir,
se morreu, não sei dizer,
ao Zé que me fez sorrir,
eu vou sempre agradecer.
Eu parti, o Zé ficou,
eu voltei tarde demais,
quem criança me alegrou,
encantou Minas Gerais.
Saudade, meu bom amigo,
saudade, chaga sem dó,
saudade do povo antigo,
saudade do Zé Coió!
Saudade da calmaria,
que eu tive na mocidade,
esse tempo, eu não sabia
que viraria saudade!
A SEMENTINHA E A TERRA
Disse a terra à sementinha:
– Escute minha amiguinha,
precisamos conversar,
como a chuva já vem vindo,
aproveite o tempo lindo,
pra gente se agasalhar.
A sementinha, depressa,
achando boa a conversa,
com a terra se envolveu.
Nasceu, assim, a mangueira,
que durante a vida inteira,
gostosa sombra nos deu.
Escute minha amiguinha,
uma bela sementinha,
você pode também ser.
Se você bem se cuidar,
o amanhã, quando chegar,
virá cheio de prazer.
Você terá alegria,
terá paz no dia-a-dia,
terá Deus posto ao seu lado.
Quem tem Deus, minha amiguinha,
cresce como a sementinha
que gera o fruto sagrado.
Pra ter Deus, basta ter fé,
não faça o que fez Tomé,
minha amiga tão querida.
Quem com Cristo se conduz,
terá sempre muita luz,
luz eterna, luz da vida.
ZEFERINO, BOA GENTE
Zeferino, carpinteiro,
de segunda a sexta-feira,
se entrega o dia inteiro,
ao trabalho com madeira.
Faz casinha, faz carrinho,
faz cadeira, faz armário,
tudo faz bem direitinho
sem disso fazer calvário.
Feliz aquele que faz,
como o nosso Zeferino,
curte a vida, vive em paz,
tem as graças do Divino.
Zeferino vai à missa,
vai à reza todo dia,
esse moço, sem preguiça,
prega a paz, prega alegria.
Zeferino não brigou,
nem discutiu com ninguém,
a muita gente ajudou,
quer a todos muito bem.
Por ser um moço educado
e fazer o bem que faz,
tem seu peito carregado,
cheio de amor e de paz.
Se você, meu amiguinho,
quer o seu reino de flor,
trate todos com carinho,
com respeito e muito amor.
Respeite, sempre, seus pais,
peça a bênção todo dia,
precisando, peça mais,
peça, a Deus, muita alegria.
Quem, ainda, pequenino,
siga o exemplo deixado,
pelo amigo Zeferino,
que com Deus segue abraçado.
Quem tem Deus no coração,
tem o mundo a seu favor,
tem a terra em sua mão,
toda enfeitada de flor,
Tem os anjos, tem o céu,
tem a terra, tem o mar,
tem abelhas, tem o mel,
tem o sol, tem o luar.
Se achar que mais merece,
peça a Deus, mas com jeitinho,
fale com Deus numa prece,
reze baixo, bem baixinho.
Zeferino, Zeferino,
bichinho bom, arretado,
meu amigo, nordestino,
foi por Deus abençoado.
Na sua carpintaria,
trabalhando com paixão,
faz o que faz com alegria,
pondo em tudo o coração.
LIVRO SABIDO
– “Êta menino danado!”
Dizia o velho, dizia,
comentando entre amigos
o que Carlinhos fazia.
Menino alegre e ligeiro,
do seu saber só cuidava,
só vivia perguntando,
por tudo se interessava.
Pra não dar resposta errada,
por prudência, Seu Oscar,
buscou comprar um bom livro
para seu filho estudar.
Pagaria o que custasse,
no livro tinha interesse,
desde que o livro comprado
ao seu filho respondesse.
Logo veio a Enciclopédia,
gastou muito, mas valeu,
pois durante toda a vida
ela ao filho respondeu.
Na escola, o pequenino
ganhou prestígio a valer,
recebeu todas as honras
por seu notável saber.
Pôde o pai, depois da compra,
dos seus negócios cuidar;
“Bendita Enciclopédia!”
Vive hoje a proclamar.
ESTUDANTE
Julinho, bem desligado,
estudou, não aprendeu,
foi por isso reprovado,
disso nunca se esqueceu.
O pai convocou Julinho,
passou-lhe belo sabão,
embora pequenininho,
aprendeu logo a lição.
A partir daquele instante,
Julinho se transformou,
tornou-se bom estudante,
sua atenção redobrou.
Já tanto tempo passado,
eu posso ver o menino:
já crescido, diplomado,
cuidando do seu destino.
Dizem todos: “Que beleza,
que cabeça, que doutor!”
da lição, tiro a certeza:
só vence quem tem valor!
Estude, meu amiguinho,
o futuro é todo seu;
a você, todo o carinho
do Julinho... que sou eu!
MENINO INTELIGENTE
Eu gosto da minha escola,
e tudo mais que ela tem,
aprendo nela as lições
e nela brinco também.
Eu estudo com atenção,
aprendo o que lá ensina
a minha mestra querida,
com respeito e disciplina.
Amanhã serei Doutor,
engenheiro, já não sei,
sou muito pequenininho,
mais tarde eu decidirei.
De tudo, o que mais desejo,
é ser alguém de valor,
não importa o que serei,
quero mesmo é ser Doutor!
Farei tudo direitinho,
ninguém irá reclamar,
aconselho ao amiguinho
estudar, sempre estudar!
NOVO REI DA FLORESTA
Já um tanto envelhecido,
sem sucessor natural,
o Rei Leão, precavido,
publicou este Edital:
– “Com a idade avançada,
o urro muito fraquinho,
a pata já bem cansada,
a vista só pra pertinho,
Eu, o Rei desta floresta,
comunico à bicharada,
que domingo haverá festa
aqui na toca sagrada.
Quem, em boas condições
de saúde e de instrução,
traga aqui suas razões,
vai falar com Rei Leão.
Não me venha o iletrado,
a coisa é séria, afinal
vamos tratar do reinado
do nosso reino animal”.
Domingo, ainda cedinho,
em frente à Toca Sagrada,
já ninguém mais a caminho,
foi prostrar-se a bicharada.
Um silêncio pesaroso,
por quem imposto não sei,
reinou ali, rigoroso,
sem exigência do Rei.
Pra rompê-lo, finalmente,
o Rei Leão se apresenta,
sorri a todos, contente,
a cada um cumprimenta.
Mostra o trono, a toca inteira,
permite que a bicharada
ali, pela vez primeira,
percorra a Toca Sagrada.
O Macaco saltou de banda,
à Arara confessou:
– “pra quem na floresta manda
ao Leão nada sobrou!”
Não viu nada majestoso,
o motivo é de surpresa
nenhum prato mais gostoso
entregou o Rei à mesa.
Dona Arara faladeira,
mostrando pouca decência,
disse ao Mico só besteira,
pagou por sua insolência.
Um escuta do Rei Leão,
prestativo servidor,
sem perder a ocasião
disse tudo ao seu Senhor.
– “Aos animais comunico”
disse o Rei da decisão:
– “não quero arara nem mico
disputando esta eleição!”
O Rei Leão, pesaroso,
justificou o seu ato:
– “Pra lugar tão precioso
quero alguém de fino tato!”
A sentença ali ditada
foi cumprida sem demora,
deixaram a Toca Sagrada
expulsos na mesma hora.
– “Exija quem for eleito
seja o trono respeitado,
que se puna o desrespeito
ao Rei aqui empossado!”
Em seguida, a Majestade,
com muita sabedoria,
fez ver à comunidade
a importância do dia.
– “Domingo que vem, cedinho,
quando o sol tombar ao chão,
sem mais poder, Dom Patinho,
preside a nossa eleição.
Você vote em quem votar
ninguém obriga a ninguém,
quem seu voto contestar
expulso eu daqui também.
Quem alcançar maioria
vai ao trono, vai com festa,
assume no mesmo dia
o novo Rei da Floresta!”
Todo mundo fez campanha,
muita promessa se fez,
ganha este, aquele ganha,
ouviu-se mais de uma vez.
O tigre disse à pantera
– “finalmente serei Rei!”
a pantera disse: – “espera,
penso também que serei!”
O Papagaio, falante,
andou de bico quebrado,
sentiu-se pouco importante
sem sua Arara do lado.
Sem interesse na festa,
o elefante, sem pressa,
fez sair da boca honesta:
– “nada disso me interessa!”
O quati, muito espertinho,
cuidou bem do seu retrato,
viu, no voto, um bom caminho,
pra deixar o anonimato.
Fez campanha o tempo todo,
dia e noite, sem parar,
na terra seca ou no lodo,
andou muito a discursar.
Onde houvesse um eleitor,
o quati lá se metia,
mostrou-se bom orador,
quem há muito se escondia.
Num comício grandioso,
à campanha ele deu fim,
ele, assim, ficou famoso,
ele acredita que sim.
Se ganhará a eleição,
não posso aqui responder,
se ganhará ou se não,
só as urnas vão dizer.
O veado, impaciente,
sentindo-se premiado,
prometeu: – “daqui pra frente
vou fazer um Rei Veado!”
Com um terno cor-de-rosa,
com sapatilhas no pé,
com trejeito e muita prosa,
no seu taco ele pôs fé.
“Dar o trono a esse tal,
eu jamais faria isso!”
disse o sanhaço afinal,
já prevendo reboliço.
A cobra, toda enrolada,
esperta como ela só,
preferiu ficar calada,
às voltas com seu cipó.
Não disse nada a ninguém
perguntas também não fez,
quem só inimigos tem,
não posso crer tenha vez!
O sapinho, inexpressivo,
coaxou, só coaxou,
talvez por algum motivo
seu discurso ele adiou.
O tal cachorro-do-mato
fez comício, muito uivou,
muito esperto, pouco tato,
nenhum aplauso ganhou.
A perereca, assanhada,
deitou conversa a valer:
– “o trono da bicharada
nas minhas mãos eu vou ter!”
Disse o tatu ao marreco:
– “mulher no trono é besteira,
se tal dita ganha o treco
bagunça a floresta inteira!”
O marreco, bico-doce,
ao tatu fez confissão,
se pro cargo eleito fosse
ao tatu daria a mão.
O tatu, mais que depressa,
tirou tudo de colher:
– “eu tenho melhor promessa
dou-lhe tudo o que quiser!”
O marreco contra-ataca
– “farei você secretário!”
o tatu, esperto paca:
– “eu tenho cara de otário?”
Evitando houvesse briga,
já que ofensa ali surgia,
o marreco, de barriga,
atirou-se em água fria.
O tatu, indignado,
sem saber como se nada,
a intriga pôs de lado,
colocou o pé na estrada.
Foi atrás de eleitores,
correu muito, se cansou,
à caça de seus valores
descansando, matutou.
– “O que fiz pra bicharada?”
questionou-se, pensativo,
muito pouco, quase nada,
registrava seu arquivo.
– “Fiz buraco pra formiga”
só isso lá registrado;
quem coisa grande mendiga
só provoca mau-olhado!
Desistiu do seu intento,
meteu-se fundo no chão,
sem qualquer outro argumento
não ganharia a eleição.
A girafa, comportada,
não disse nada a ninguém,
sorte dela ser calada,
quem mais fala, não faz bem!
Sua chance não existe,
falta a ela boa estima
muito embora ande triste
continua a ver por cima.
Esse seu ar de nobreza
não se presta à eleição,
– “eu não vou sentar-me à mesa
com minha cara no chão!”
Tem razão dona cigarra,
cantante como ela só,
a imponência se amarra,
podendo, prende e dá nó.
Por falar em tal donzela,
sempre posta em bom estilo,
notícias dizem que ela
pretende juntar-se ao grilo.
O grilo Rei da Floresta!
Você parou pra pensar?
essa dose é indigesta
haja ouvido pra agüentar!
Com seu gritinho estridente
e seus pulinhos constantes,
num discurso veemente
ensurdece os elefantes
O elefante orelhudo
não quer que isso aconteça,
cabeçudo, pensa em tudo,
quer sossego pra cabeça.
Vai votar, não sabe em quem,
em seu olhar eu já noto,
vai votar e muito bem
não vai vender o seu voto!
Quem age assim está certo;
quem vende o nobre direito
carrega males por perto
quase sempre preso ao peito!
E a conversa se estica,
só se fala em eleição
até a jaguatirica
quer ter o trono na mão!
Alguma chance tem ela,
é esperta e bem bonita,
tem bom sebo na canela,
mas é muito ruim de escrita.
Em cargo tão importante
eu acho, não faz sentido
ter lugar o ignorante
ou alguém pouco instruído
Que saiba bem o que faz
quem o trono pretender,
senão tudo vai pra trás
tal não pode acontecer.
Imagine só, um Rei,
com tanto poder na mão,
dizendo a todos, pequei,
por isso peço perdão!
Depois do tiro perdido,
já o bicho vitimado,
perdoar não faz sentido
não repara o mal causado.
Sabemos que o Rei Leão
quer que os bichos votem bem
com consciência e razão
sem favor e sem amém.
O direito do eleitor
deve ser bem exercido,
que todos dêem valor
ao direito ora surgido.
Embora idoso o Leão,
ainda lhe resta vida,
quer ver a sua nação
com rigor bem conduzida.
Não quer cabide de emprego,
nem quer saber de conchavo,
quer o povo em seu sossego,
sem qualquer trabalho escravo.
– “Intenções, vejo de sobra,
das boas ouço falar,
as ruins são de manobra
depois do trono ocupar!”
Assim disse Dom Coelho,
com sua prole do lado,
o mais novo no joelho,
naquele instante gerado.
O esquilo que não ouvia
Dom Coelho e sua história,
naquele instante media
sua chance de vitória.
A raposa, bem ladina,
esperta como ninguém,
faz colar em cada esquina
as intenções que ela tem:
– “Vou instalar na floresta
o tablado da esperança,
um lugar pra muita festa,
muito riso e muita dança.
Criarei um batalhão,
com soldados de valor,
ficarão de prontidão
à caça do caçador.
Quem for pego aqui armado
vai direto ao Tribunal,
se por morte condenado
sofre a pena capital.
O meu plano aí está,
não tenho nada a esconder,
meu vice, o Tamanduá,
promete o mesmo fazer.”
Comendo o mais que podia,
no formigueiro metido,
o vice comprometia
o programa a ser cumprido.
Finalmente a eleição,
domingo de muita festa,
no lugar do Rei Leão
o novo “Rei da Floresta”.
Dom Patinho lá estava
no seu posto de comando,
controlando quem entrava
quem votava controlando.
O mico, meio sem jeito,
cabisbaixo, arrependido,
exercitou seu direito
nada disse do escolhido.
A arara, língua presa,
cumprindo o dever que tinha
sonhava, tenho certeza,
com a chance de ser Rainha.
Encerrada a votação
em frente ao templo sagrado
reuniu-se a multidão
será o Rei empossado.
Pouco aplauso, pouca festa,
surpresa, muito desmaio,
“o novo Rei da Floresta
foi eleito: o Papagaio!”
Cabe aqui, a informação,
a arara que foi punida,
foi atrás do Rei Leão,
pra saber da sua vida.
Conversaram longamente,
conversa muito animada,
após o papo, o presente:
foi a arara perdoada.
Tenha o leitor paciência;
o final assim se explica:
terá sempre preferência
quem melhor se comunica!
Não há nada aqui de novo
ao leitor quero explicar
quem fala a língua do povo
tem mais chances de ganhar!
PÉ-DE-ANJO
Trabalhando no teatro,
Aninha tinha de fato,
o seu pé, quarenta e quatro,
coberto por pé de pato.
Ela sempre isso fazia,
escondendo o pé grandão,
no teatro ninguém via
por não ter melhor visão.
Mas um dia, coitadinha,
foi à praia sem seu gato,
quando Chico viu Aninha
assustou-lhe o pé-de-pato.
Vai atrás da sua estrela,
diz a ela, muito implora:
– “por favor, eu quero vê-la
sem o pé-de-pato agora!”
Aninha, com muito tato,
explicou que não podia
retirado o pé-de-pato,
certamente morreria.
Despediu-se bem depressa
jogou-se, inteira, no mar
– “só faltava mesmo essa
o meu pezinho mostrar!
Sujeitinho linguarudo
como eu sei que ele é
diria pra todos tudo
a respeito do meu pé!”
Um amigo mais chegado
quis levá-la ao curandeiro,
um tal de Pedro Calado,
rei e dono de Terreiro.
Lá foi Aninha depressa
esperançosa, afinal
iria livrar-se dessa,
desse pé monumental.
O seu pezão assustou
quando pôs-se a descoberto,
o tal Pedro até falou:
– “pode ser que não dê certo!
Portador de muita fé,
vou à luta me entregar
vou reduzir esse pé
custe aquilo que custar!”
Mãos à obra, muito canto,
muito cheiro, muito mato,
muitos pedidos ao santo
muita vela posta em prato.
Rezou o Pedro Calado
rezou o mais que podia
não deixou santo de lado
mas o pé não reduzia.
Um tal Caboclo Tomé
ao terreiro foi chamado,
também famoso de fé
no trabalho foi jogado.
Rezou, benzeu, sacudiu,
enquanto ao céu implorava,
e o milagre não se viu,
ficou tudo como estava.
Aninha, desiludida,
resolveu viver no mato,
mudava, assim, sua vida,
sem o tal de pé-de-pato.
Lá no seio da floresta,
Aninha pôde encontrar
muito riso, muita festa
e um bom lago pra nadar.
Esqueceu o pé que tinha,
viveu feliz, afinal
foi eleita ali rainha
daquele reino animal.
Do homem não quer mais nada,
detesta a boca ferina
que o homem tem armada
disparando em cada esquina.
Nos bichos vê singeleza,
vê inocência e carinho,
bem distante da impureza
construiu ela seu ninho.
A decisão de Aninha
não deve assustar ninguém,
se razões a moça tinha
agindo assim, só fez bem.
Se o homem perder a língua
melhora o mundo, melhora,
muita gente fica à míngua
quando a língua não devora.
É preciso, urgentemente,
afastar-se a humanidade
da boca grave, insolente,
carregada de maldade.
O respeito nós queremos,
ao homem, ao cão e à flor,
respeitando, nós teremos
o mundo com mais amor!
PRIMEIRO DIA DE AULA
Com sete anos de vida,
Pedrinho busca a Escola,
deixa de lado a corrida
atrás do cão e da bola.
Deixa, também, de lado,
durante parte do dia,
momentos de muito agrado
como a farta pescaria.
Manhã de sol no terreiro,
a casa inteira de pé,
já longe do travesseiro,
Dona Marta faz café.
A broa, feita de milho,
o filho come, devora,
Seu José, junto do filho,
também come sem demora.
Dona Marta, muito aflita,
junta as coisas do filhinho,
num instante, ela, expedita,
deixa tudo direitinho.
A charrete preparada,
vai à cidade levar,
depois de cortar estrada,
o menininho a estudar.
Finalmente, o grande dia,
muito adeus e muito choro,
junto à mestra, quem diria,
todo mundo chora em coro.
Determina a Diretora
que a fila seja formada,
no olhar da Professora
o olhar da criançada.
Já posto em sua carteira,
Pedrinho o olhar não nega,
prende agora a choradeira
como Fábio, seu colega.
A Professora, animada,
se apresenta: sou Maria,
também posso ser chamada,
se preferirem, de Tia.
Já num segundo momento,
já em meio a um zunzum,
sem qualquer acanhamento
quer conhecer um por um.
– “Fabinho, este o meu nome.”
O primeiro se apresenta,
parece morto de fome
mal nas pernas se sustenta.
O trigésimo terceiro
é Pedrinho, diz quem é:
– “Dos filhos sou o primeiro
do casal Marta e José.”
Lá no final da chamada
Zacarias vai surgir,
– “Sou da última fornada,
talvez nem devesse vir!
Papai diz que, por acaso
eu estou aqui na boa,
só veio a tocar no vaso
por decisão da patroa.”
A Professora, silente,
prende o riso provocado,
se sorrir, daqui pra frente
passará por mau bocado.
A Mestra, de olhar sisudo,
cessada a apresentação,
notando cansaço em tudo
dá descanso ao batalhão.
Explica com muito jeito
o que quer de cada um:
– “respeito, muito respeito,
sem tumulto e sem zunzum!”
Pedrinho sai com Fabinho,
vão pro pátio de mãos dadas,
Zacarias, levadinho,
sozinho corre as calçadas.
Todo mundo dá risada,
se diverte, corre e dança
no Reino da Criançada,
muita paz, muita esperança.
Já o recreio cessado,
em silêncio absoluto,
o batalhão alinhado
vai à caça do bom fruto.
Atento ao que a Mestra ensina,
Pedrinho quer aprender,
Fabinho, de olhar na esquina,
vai a Mestra aborrecer.
A criança distraída,
não escuta, não aprende,
é fogo morto, sem vida,
é luz que ninguém acende.
A distração de Fabinho
macula o seu amanhã,
desse jeito, o coitadinho
faz enferma a mente sã.
A Escola é importante,
tem lugar lá nas alturas,
cala a boca ignorante,
engrandece as criaturas,
Mostra o homem, mostra o mundo,
mostra os valores da vida,
faz brotar do poço fundo
a água boa escondida.
Lá no sítio do Pedrinho
Fabinho vai a passeio,
lá na casa do Fabinho
vai Pedrinho sem receio.
São amigos, isso é bom
com mais amigos chegados
fazem festa, curtem som,
correm soltos pelos prados.
Vão à praia, ao piquenique,
ao futebol, ao cinema,
brincam de salva e de pique,
sem qualquer maior problema.
O bom ensino da Escola,
somado às lições da vida,
põe bons trunfos na cachola
permite ao homem progrida.
A Escola, já sabemos,
das trevas rompe o escuro,
é nela que aprendemos
os caminhos do futuro.
Meu amiguinho, estudante,
estude o mais que puder,
no seu futuro brilhante
tenha tudo o que quiser!
Quem na vida se gradua,
dada a sua experiência,
seu bom nome perpetua,
terá sempre preferência.
Estudar por estudar,
pra cumprir obrigação,
quem assim se comportar
perde tempo sem razão.
A Escola é coisa séria,
não está pra brincadeira,
não quer a mão da miséria
portando a sua bandeira.
Termino aqui meus versinhos,
são simples, ternos demais,
cuidei de mostrar caminhos
que não permitem seus ais.
PREFEITO DO CHIQUEIRO
O Prefeito do Chiqueiro
deverá ser escolhido
entre o Porco Aventureiro
e um tal Porco Atrevido.
O primeiro candidato
promete mais energia
no chiqueiro não quer pato
só quer mesmo porcaria.
O segundo, mais prudente,
de uma coisa ele está certo:
não quer no cocho semente
com galinheiro por perto.
Com programa definido
o Porquinho Aventureiro
acabou sendo escolhido
pro comando do chiqueiro.
O seu programa foi feito
com tanta arte e saber,
que não houve mesmo jeito
do Atrevido vencer.
Quem melhor se organiza,
todo mundo tem ciência,
por saber o chão que pisa
terá sempre preferência!
VIAJANTE SONHADOR
Um bom pedaço de linha,
uma folha de papel,
de bambu, uma varinha,
Tiquinho quis ir ao céu.
No poste amarrou a linha,
a pipa soltou ao vento,
com a coragem que tinha,
deu início a seu intento.
Subiu o mais que podia,
até à pipa chegou,
em seguida ele descia,
toda a linha terminou.
Comprou novo carretel,
mais distância deu à linha,
outra vez buscou o céu
tamanha coragem tinha!
Assim que alcança a pipa
o céu Tiquinho quer ver,
de repente um nó na tripa
manda o menino descer.
Tiquinho desce apressado,
coitadinho, coitadinho,
termina todo molhado
nas águas do peniquinho.
MEU GRANDE HERÓI
Durante o dia, o valente
curte filmes de terror,
a coragem que ele sente
à noite muda de cor.
A sua pele morena
tem um tom de palidez,
o seu medo posto em cena
deita e rola de altivez.
Esse menino é meu filho,
um pedacinho de amor,
tem, às vezes, muito brilho,
às vezes, não tem nem cor.
De dia, conta vantagem,
ele assim se sobressai,
de noite, sua coragem
dorme ao lado do papai.
PRESERVANDO A NATUREZA
O sanhaço respira mal,
mas não perde ocasião,
vai ao Doutor Pica-Pau
pra cuidar do seu pulmão.
O exame todo feito,
diz o Doutor bem seguro:
– precisas cuidar do peito
precisas de ar mais puro!
Olhando o céu, pensativo,
treme de medo o Doutor,
lá fora, só ar nocivo,
nuvens negras de vapor!
Diz ao cliente: isto dói,
que atitude insensata,
o homem a si se destrói,
ganha a vida, a vida mata!
Sem a floresta de pé,
com água tão poluída,
perdemos nós nossa fé,
perde prumo nossa vida.
Tratemos, todos, tratemos
o verde com mais respeito,
preservemos, preservemos
a água pura em seu leito!
Agindo assim, estou certo,
peito forte e mente sã,
crescerão, a céu aberto,
as crianças de amanhã!
LIÇÃO DE VIDA
Quem de vinte, cinco tira,
eu pergunto, quanto fica?
É verdade, o mundo gira,
a ciência a tudo explica.
Fica quinze, diz alguém,
quem disse quinze acertou,
esse tal merece cem,
que, na escola, dez virou.
Antigamente era assim,
quem as questões acertava,
tinha cem no boletim,
a classe inteira vibrava.
Fui aluno comportado,
bom ouvinte, soube ser,
menino, muito educado,
fui à escola com prazer.
O que a mestra me ensinou,
não deixei nada escapar,
pra ser, na vida, o que sou,
precisei muito estudar.
Quem quer a vida gostosa,
com conforto e distinção,
não perde tempo com prosa,
que à vida só diz não.
Mostrando sabedoria,
disse a mestra tão querida:
– O livro mostra a magia
que dá luz à nossa vida,
Mostra o homem como ele é,
mostra a terra e o que ela tem,
mostra o amor, mostra a fé,
mostra o que vai e o que vem,
Mostra, do mar, a beleza,
mostra o calor, mostra o frio,
mostra, do céu, a grandeza,
mostra o lago, mostra o rio.
Um conselho ao amiguinho:
vá ao livro com vontade,
quem se põe nesse caminho
chega logo à liberdade!
LIBERDADE
Ser livre é poder seguir
o caminho que escolhemos,
poder falar e ouvir
tudo aquilo que queremos.
Ser livre é poder viver
as coisas boas da vida,
é desfrutar o prazer
da vitória conseguida.
Ser livre é poder sonhar
os nossos sonhos dourados,
é dar vida ao verbo amar
nos caminhos conquistados.
Ser livre é poder sentir
todo o perfume da flor,
é, no tempo, dividir
nosso universo de amor.
Liberdade é uma conquista
que muito cobra de nós,
não se presta ao pessimista,
nem atende a qualquer voz.
Quem trabalha com vontade,
fazendo bem o que faz,
bem merece a liberdade
de uma vida só de paz.
A LEI
Quem respeita o que a lei diz,
e dela cumpre os preceitos,
vai poder viver feliz,
gozando dos seus direitos.
Quem a lei contrariar,
vai perder toda a razão,
vai muito caro pagar,
vai sofrer condenação.
Imagine a nossa vida
sem o perfume da flor,
sem a presença querida
de quem nos dá seu amor.
Pense nos filhos distantes,
sem a sua orientação,
sem escola, ignorantes,
às vezes até sem pão.
Pense em tudo e peça a Deus,
sua eterna proteção,
faça tudo pelos seus,
ponha, em tudo, o coração.
JUJU E RUBINHO
Ao amigo Dr. Rubens de Souza
A história aqui contada,
é, em tudo, verdadeira,
a história, meu camarada,
é paulistana e mineira.
Juju nasceu nas Gerais,
bem depressa, ele nos diz,
sou do chão dos minerais,
eu sou de Espera Feliz.
Paulistano nasceu Rubinho,
no coração do Bexiga
foi o mestre do campinho,
da confusão e da briga.
Falando da sua andança,
Rubinho se diz saudoso,
do seu tempo de criança,
mais alegre e mais gostoso.
Tinha a família ao seu lado,
tinha a bola todo dia,
tinha o peito apaixonado,
enquanto a bola corria.
Rubinho gosta da bola,
muita coisa faz com ela,
satisfeita, a bola rola
no seu toque de trivela.
Já passado dos sessenta,
boleiro, muito fominha,
no gramado se sustenta,
esse Rei da Gorduchinha.
O Juju, seu bom amigo,
tem história parecida,
deu à bola bom abrigo,
fez, da bola, a sua vida.
Correu na terra mineira,
em São Paulo, correu mais,
teve encerrada a carreira,
bem distante das Gerais.
Deve à bola, a instrução,
deve o trabalho também,
deve a ela o coração,
e tudo mais que hoje tem.
Viva a vida, viva a bola,
viva o livro, viva a luz,
viva o mestre, viva a escola,
viva a fé, viva Jesus!
TRECO, TROÇO, COISA E TREM
O Tico disse pro Teco,
amigo, vou ter um troço,
o que fazer com esse treco,
se mais fazer eu não posso!?
O Teco pergunta ao Tico:
– O que é que você tem?
Diz o Tico: sempre fico
muito triste com esse trem!
É troço, é trem ou treco?
Que você, Tico, me diga,
diga, aqui, pro amigo Teco,
se tem coisa na barriga.
Qual a coisa – não sei dizer,
mas é troço bem antigo,
temo muito possa ser
igual ao trem de um amigo.
O Tico vai ao Doutor,
ao Doutor diz o que tem,
diz o tal, bom cobrador:
– Vou te curar desse trem!
Uma semana depois,
sem o troço, trem ou treco,
novamente estão os dois,
os amigos Tico e Teco.
Os mineiros Tico e Teco,
com tais falas passam bem,
Vêm lá das Gerais o treco,
o troço, a coisa e o trem.
Há muitos Ticos e Tecos
na nossa Minas Gerais,
são guardadores de trecos,
todos eles são iguais.
Guardam trens a vida inteira,
gostam mesmo de guardar,
coisas da vida mineira,
que a vida não fez mudar.
Troços, coisas, trecos, trens,
use o termo que quiser,
tudo isso entre seus bens,
é assim que a gente quer!
APRENDENDO COM VOVÔ
Eu gosto do meu vovô,
do jeito manso que tem,
um campeão de judô,
que me trata muito bem.
Quando tem ele um tempinho,
me diz coisas do passado,
me revela o bom caminho,
pra eu não ser enganado.
Sua longa experiência
vai por certo me ajudar,
na vida, com inteligência.
quer me fazer caminhar.
Quer que eu seja sempre justo,
que eu seja bom e gentil,
quer-me honesto a qualquer custo,
quer que eu ame o meu Brasil.
Se eu fizer o que me diz,
como me manda fazer,
garante que bem feliz,
a vida inteira eu vou ser.
Ao meu vovô adorado,
eu prometi me empenhar,
o bom exemplo deixado,
vou dele me aproveitar.
Vou ser justo a vida inteira,
vou trabalhar com fervor,
pela Pátria Brasileira,
vou lutar com muito ardor.
Minha promessa eu já fiz,
vou cumpri-la com altivez,
vou fazer vovô feliz,
fazendo o bem que ele fez.
Meus queridos amiguinhos,
meus companheiros de luta,
se seguirmos bons caminhos,
será nossa essa disputa.
Quero festa pra minha gente,
quero meu povo irmanado,
prometo, daqui pra frente,
serei cidadão honrado!
MEU COMPUTADOR
Comprei um computador,
nele escrevo o dia inteiro,
pra que eu me torne escritor,
faço exercício primeiro.
Tudo aquilo que escrevi
estou, sempre, a revisar,
acrescento aqui, tiro ali,
pro meu texto aprimorar.
Tenho um bom dicionário,
também tenho uma gramática,
pro meu trabalho diário,
uso sempre a mesma tática.
Quando eu não tenho certeza,
quanto à grafia ou concordância,
um dos dois, na minha mesa,
manda embora a ignorância.
Com esses dois companheiros,
ao meu lado colocados,
os meus erros mais grosseiros,
são facilmente anulados.
Desses dois companheirinhos,
sou hoje bom aprendiz,
quem, na vida, faz versinhos,
vive sempre mais feliz.
BICHO-DE-PÉ
Coce o pé, coce a cabeça,
meu amiguinho José!
Ronaldinho, não esqueça,
coce o bichinho de pé!
Saudade, meu amiguinho,
de um tempo bom de fato,
do bicho no meu dedinho,
sem botina e sem sapato.
Respirei o pó da estrada
que de terra se cobria,
nesse tempo, a enxurrada
meu barquinho conduzia.
Fiz pião, fiz arapuca,
fiz bodoque, fiz carrinho,
fiz o taco e a sinuca,
fiz tudo bem direitinho.
Papagaio fiz subir,
na linha de carretel,
vi muita gente curtir,
meu brinquedo de papel.
Tempo esse sem dinheiro,
eu, menino, nem ligava,
no meu cantinho mineiro,
meu brinquedo eu fabricava.
Foi, assim, meu amiguinho,
que muitos brinquedos fiz,
no meu saudoso cantinho,
na minha Espera Feliz.
Muito mato, muita serra,
tarde clara, bem fresquinha,
muito minério na terra,
muitos doces na cozinha.
Minha mãe, bem caprichosa,
só doces gostosos fez,
na mesa, farta e gostosa,
tive sempre a minha vez.
Foi-se a minha meninice,
retomá-la – que vontade!
Tempo de amor e meiguice,
hoje tempo de saudade!
TATINHA
Uma bela cadelinha,
nossa amiga e companheira,
foi, assim, nossa Tatinha,
foi, assim, a vida inteira.
Essa tal, muito espertinha,
muito meiga, inteligente,
soube sempre andar na linha,
jamais me encarou de frente.
Eu falava, ela entendia,
quando bronca nela eu dava,
por erro que cometia,
a cabecinha curvava.
O seu tempo ao nosso lado,
foi um tempo de alegria,
um tempo muito animado,
todo um tempo de harmonia.
Passou o tempo, passou,
pra todos nós ele passa,
a tristeza que ficou
levou toda a nossa graça.
Um dia, bem cedo ainda,
sem de nada reclamar,
a cadelinha, tão linda,
dá sinal de nos deixar.
Um corre-corre danado,
muita pressa, sim senhor,
com extremoso cuidado,
foi conduzida ao doutor.
A crença na salvação,
ao hospital nos conduz,
no doutor, de prontidão,
nossa esperança de luz.
Na mesa fria, estendida,
sem força pra se erguer,
ela corre atrás da vida,
que não pretende perder.
Me olha, serenamente,
quer o meu colo buscar,
fecha os olhos, de repente,
já não consegue me olhar.
– Nada mais posso fazer!
Diz, taxativo, o doutor.
– Ela acaba de morrer,
sem qualquer sinal de dor.
Foi-se embora a companheira,
fim de festa, que tristeza,
daquela festança inteira,
um retrato sobre a mesa.
Meus queridos amiguinhos,
a vida é também de dor,
nos nossos muitos caminhos,
o espinho contempla a flor.
Não diga de maldição,
se a dor se fizer presente,
Deus tem Sua explicação,
só não diz nada pra gente.
Acreditemos em Deus,
e em tudo o que Ele faz,
reze sempre pelos seus,
para todos, peça a paz.
Se quiser, pro seu cãozinho,
você, também, pode orar,
quem tem Deus no seu caminho,
tem o céu pra contemplar.
No lugar do cão perdido,
ponha um tempo de poesia,
dê à vida mais sentido,
faz da dor sua alegria.
Deus, de infinita bondade,
quer seu bem, meu amiguinho,
saudade, quanta saudade,
do querido animalzinho!
Enquanto a vida caminha,
o nosso Deus, tão bondoso,
vem me mostrar que Tatinha
vive em berço majestoso.
Digo a Deus, agradecido,
muito obrigado senhor,
por esse tempo vivido,
tempo de paz e de amor.
Deus, de infinita bondade,
sempre muito generoso,
plantou em nós a saudade
daquele tempo gostoso.
A saudade me conforta,
enche o meu peito de luz,
tenho, sempre, aberta a porta
para o ingresso de Jesus.
Nesse último versinho,
minha eterna gratidão
a Deus, que no meu caminho,
lançou luz em profusão!
FESTA DA MINHOQUINHA
Pra festa da minhoquinha,
foi o galo convidado,
a companheira galinha
teve o nome recusado.
A dona da festa explica:
– Essa tal cisca demais,
essa tal sempre nos bica,
quando livre nos quintais..
Quando está fora da terra,
a minhoca, coitadinha,
sai perdedora na guerra
quando enfrenta a tal galinha.
O galo, mais ponderado,
não vive a vida a ciscar,
por isso foi convidado,
pela conduta exemplar.
A história da minhoquinha
deixa, aqui, grata lição:
– Quem cisca como galinha
nunca vai além do chão!
EXEMPLO DA GALINHA
A galinha, ciscadeira,
com seus pés sempre no chão,
consegue, dessa maneira,
sempre farta refeição.
No asfalto, coitadinha,
não teria o que comer,
por isso, dona galinha,
sabe bem onde viver.
Mora na roça, na terra,
onde o milho cresce bem,
como o tal galo-da-serra,
nunca faz mal a ninguém.
Quando bota, ela anuncia,
dá sinal da produção,
quase sempre perde a cria,
quando chega à nossa mão.
Seu produto, coitadinha,
bem fofinho e bem bonito,
ganha espaço na cozinha,
se transforma em ovo frito.
Essa história bem revela
nossa maneira de ser,
dando um basta à coisa bela
botamos tudo a perder.
O pinto, tão bonitinho,
perde espaço no quintal,
a galinha, no seu ninho,
vive a dor mais crucial.
Sete ovos, um omelete,
tudo some num segundo,
é o homem pintando o sete
querendo mandar no mundo.
Somos todos nós iguais,
ninguém é mais que ninguém,
cessem, de vez, nossos ais,
pra que todos vivam bem!
Pobreza não é doença,
esqueçam de vez a cor,
quem enxerga diferença,
dá espaço ao desamor.
Aprendamos de uma vez
a formidável lição:
nosso Deus, que o mundo fez,
tudo fez com perfeição.
Aos animais, deu a graça,
deu, a nós, sabedoria,
não disse de cor, nem raça,
somos todos Sua cria.
Entre nós, haja respeito,
bondade e compreensão,
se agirmos desse jeito,
será de paz nosso chão.
Cuidemos dos animais,
de todos eles cuidemos,
que os bichinhos dos quintais,
tenham a paz que nós queremos.
Amemos nossos irmãos,
são todos meus, todos seus,
somos todos nós cristãos,
todos filhos de um só Deus.
O mundo que nós sonhamos,
de bondade, paz e amor,
mãos à obra, construamos,
do trabalho, nasce a flor.
Bem mais puro o ar que temos,
bem mais verde e mais florido,
desse jeito, nós queremos
nosso mundo construído.
De credo, de raça e cor,
diferença não se faz,
que a vida seja de amor,
e o mundo seja de paz!
RESPOSTAS DA VIDA
Pula, pula, pipoquinha,
pula, pula, sem parar,
na gordura, bem quentinha,
ao sair da panelinha,
vai meu povo alimentar.
Quem pipoca é pipoqueiro,
quem não pipoca é valente,
quem pipoca o dia inteiro,
não sabe ganhar dinheiro
não é nada inteligente.
A pipoca é saborosa,
isso há muito nós sabemos,
com manteiga é mais gostosa,
divina, deliciosa,
é, assim, que nós queremos.
No cinema, meu amiguinho,
enquanto o filme passando,
comendo, devagarinho,
um pacote bem grandinho,
eu vivo saboreando.
Um queijinho na pipoca,
dá mais gosto e melhor cheiro,
até mesmo quem boboca,
sabe o prazer que provoca
essa coisa de mineiro.
O queijo, fiquem sabendo,
quem mais produz é mineiro,
coma o queijo derretendo,
assim como estou fazendo,
todo dia, o dia inteiro.
Tenho a minha produção,
sou, de queijo, produtor;
nessa minha profissão,
eu trabalho com paixão,
com carinho e com amor.
Quem faz o que faz com gosto,
hasteia bem a bandeira,
é bom soldado em seu posto,
vive a vida mais disposto,
com mais ouro na carteira.
Quem trabalha o que não gosta,
vai mais tarde lamentar,
não terá boa resposta;
quem pra sorte vira a costa,
nunca chega a bom lugar.
BENZEDEIRA
Quando bem pequenininho,
na minha terra mineira,
eu tive, no meu caminho,
uma tia benzedeira.
Essa tia, tão bondosa,
ia à reza todo dia,
sempre muito prestimosa,
foi, assim, tia Maria.
Quando a dor incomodava,
fosse qual fosse a dor,
por titia eu procurava,
ia atrás do seu amor.
No seu cantinho de paz,
de oração e alegria,
à sua reza eficaz,
nenhuma dor resistia.
Mulher cristã, mãe zelosa,
de muita gente cuidou,
a sua mão, corajosa,
Deus, por certo, abençoou.
Com sua oração mais pura,
e sua crença em Jesus,
minha tia, com ternura,
ao meu mundo, deu mais luz.
Foi uma Santa essa tia.
Por ter feito bom papel,
posso ver tia Maria
ao lado de Deus, no céu.
A ABELHA E A ROSA
A abelha produz o mel,
a rosa produz beleza,
a abelha faz bom papel,
sempre adoça a nossa mesa.
Já a rosa, perfumada,
com seu encanto de flor,
cumpre bem sua jornada,
tudo faz com muito amor.
Perfuma a casa inteirinha,
perfuma o céu e o chão,
o seu porte de rainha,
leva encanto à multidão.
O nosso corpo perfuma,
perfuma o jardim inteiro,
não nos cobra coisa alguma
pela entrega do seu cheiro.
A abelha se defende
com seu enorme ferrão,
muita gente não entende
o seu gesto de agressão.
Eu entendo e acho certo
a sua ação de defesa,
quem bobo, metido a esperto,
nunca tem seu mel na mesa.
A atenção à rosa dada,
à abelha também se dê,
vida doce e perfumada,
é o que desejo a você.
LIÇÕES DE VIDA
Se eu pudesse retomar
a minha infância querida,
cuidaria melhor da vida
que não soube bem cuidar.
Minha mãe foi carinhosa,
o meu pai foi carinhoso,
na nossa casa, gostosa,
tudo, nela, era gostoso.
Meus irmãos, bons companheiros,
meus parentes, bem legais,
tive espaço nos terreiros,
fui senhor dos meus quintais.
Mas fui moleque levado,
fiz coisa que não devia,
se fosse mais ponderado
muita coisa não faria.
Atirei nas andorinhas,
canários, prendi demais,
matei, para assar, rolinhas,
roubei frutas nos quintais.
Não dei valor à escola,
eu, dos livros, me afastei,
dando muito espaço à bola,
bom tempo desperdicei.
Aos nossos pequenininhos,
o meu conselho final,
cuidem bem de seus caminhos,
pra chegada triunfal.
Quem à escola dá valor,
tem mais clara a luz do dia,
será sempre vencedor,
quem com mais sabedoria!
HISTÓRIA VERDADEIRA
Na minha terra mineira,
debaixo de chuva ou sol,
nossa melhor brincadeira,
sempre foi o futebol.
A nossa primeira bola
bem me lembro, foi de meia,
assim, a primeira escola,
na verdade foi bem feia.
Nosso campo era de terra,
a rua, primeiramente,
na disputa, quase guerra,
encrenca com muita gente.
Luizinho, Meia-Sola,
com seu toque refinado,
e seu domínio de bola,
entortou muito engraçado.
Celsinho, Pé-de-Chinelo,
beque bravo, matador,
depois do jogo, amarelo,
confessava seu pavor:
– Marcar o tal Luizinho,
não tem como, meu irmão,
esse tal, tão miudinho,
dobra todo um batalhão.
Zé Piorra, bom goleiro,
um tremendo gozador,
naquele nosso terreiro,
punha banca de doutor.
Esse tal era engraxate,
sempre muito caprichoso,
dava sempre chocolate,
no amigo João Manhoso.
Já moço, não deu em nada,
se meteu em bebedeira,
hoje, dorme na calçada
nosso craque de primeira.
Levado por quem não presta,
a escola pôs de lado,
ausente da grande festa,
vive a glória do passado.
Conta sempre a mesma história
do seu tempo de menino,
seu tempo maior de glória,
promessa de bom destino.
Os amigos prosperaram,
cresceram todos na vida,
todos eles estudaram,
já de olho na subida.
Luizinho, Meia-Sola,
goza fama sem igual,
bom no campo e na escola,
fez-se grande industrial.
Celsinho, o matador,
ficou manso de repente,
deu, ao livro, mais valor,
dá orgulho à sua gente.
Com farmácia na cidade,
sabe ele o chão que pisa,
um senhor boa-vontade,
sempre ajuda a quem precisa.
A história é verdadeira,
você tem que acreditar,
o moço que faz besteira
vai mais tarde lamentar.
Quem dá espaço à preguiça,
trocando a mão pelo pé,
é melhor não ir à missa
e nem dizer da sua fé.
Não há santo salvador,
pra quem age desse jeito,
na vida, só tem valor,
quem, na escola, mete o peito!
Estude, meu amiguinho,
tenha o livro sempre à mão,
ele é luz no seu caminho,
ele é luz da salvação!
TURMA DO ESFRIA-SOL
Julinho, perna de pau,
jogador de futebol,
jogava no seu quintal,
no time do esfria-sol.
Seu timinho, na verdade,
de bola, pouco sabia,
mas jogava com vontade,
sob o sol quente do dia.
De manhã, ia à escola,
voltando, ia almoçar,
só corria atrás da bola,
bem depois de descansar.
No seu time, o Manezinho,
moleque muito travesso,
vivia, com seu pezinho,
quase sempre posto em gesso.
Tuniquinho, espertalhão,
canela muito fininha,
na hora da divisão,
protegia a canelinha.
Esse um time sem vitória,
por demais, bem divertido,
nesses versos, sua glória,
não será mais esquecido!
TURMA DO PULA-PULA
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
Por andar o dia inteiro,
o Zezinho Pipoqueiro,
caminha bem devagar,
tem a dor do bate-sola,
tem cansaço na cachola,
tem que ir, tem que voltar.
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
Por não ter aonde ir,
por não chorar, nem sorrir,
Chico Bento nada faz.
Vendo o Chico desse jeito,
nada podendo ser feito,
no meu canto, fico em paz.
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
O Padre, rezando a missa,
retira nossa preguiça,
põe mais fé na nossa vida.
Quem, na vida, não fez nada,
nessa hora, pega estrada,
sai de baixo, pra subida.
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
Fui brincar de pula-pula,
levei um coice de mula,
meti a cara no chão.
Sujeito que sou, matreiro,
toquei, para o povo inteiro,
violino e violão.
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
Finalmente, a grande festa,
noite alta, de seresta,
animando a minha gente,
a mocinha, na janela,
cativante, muito bela,
se apresenta mais contente.
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
Cessa, aqui, o pula-pula.
não há cavalo, nem mula
na história aqui contada,
o tal grilo viajou,
dona pulga se mandou,
foi-se a nossa bicharada.
O bichinho carrapato,
miudinho, muito chato,
esperto como ele é,
esse tal não vai embora,
certamente corre agora,
entre os dedos do meu pé.
Pula o grilo, pula o gato,
pula a pulga, pula o rato,
só não pula o carrapato.
CHICA BORBOLETINHA
A Chica Borboletinha,
ao trabalho, dedicada,
transformou sua casinha,
numa casa açucarada.
Fez doce muito cedinho,
também, à tarde, ela fez,
doce, à noite, com carinho
fez pela terceira vez.
Comeu doce todo o dia,
comeu a semana inteira,
bem mais doce comeria,
não lhe sumisse a doceira.
Quem teria feito isso,
roubado a Borboletinha!?
Em razão desse sumiço,
foi à casa da vizinha.
Dona Isaura Perna Torta,
primeira a ser indagada,
ainda, juntinho à porta,
jurou não saber de nada.
Dona Isaura, aborrecida,
não gostou da indagação,
perguntou, na despedida:
– Já indagaste ao Chicão?
A Chica Borboletinha
exclamou, com altivez:
– Se Chicão saiu da linha,
vai pagar pelo que fez!
De volta à sua casinha,
com muita raiva na cuca,
preparou a Borboletinha,
uma tremenda arapuca.
Uma bela marmelada,
caprichada, com carinho,
no guarda-roupa, embrulhada,
foi deixada num cantinho.
Esperta como ela só,
sem temer houvesse briga,
no doce ela pôs um pó,
o famoso pó de urtiga.
A urtiga, eu lhes digo,
é um matinho tranqueira,
para o corpo é um perigo,
enche o corpo de coceira.
Na manhã do outro dia,
o guarda-roupa checado,
só o pote encontraria,
todo ele esvaziado.
O companheiro Chicão,
perguntado, só negou,
ante tanta contradição,
finalmente confessou.
Que não comera, afirmava,
mas o estômago doía,
mais, ainda, se queixava,
de mal-estar e de azia.
Não deu outra, meu amigo;
sem poder sempre negar,
teve ele seu castigo,
passou o dia a coçar.
Seu corpo, bem vermelhinho,
dava prova do mau feito,
castigado, dormiu sozinho,
quem, do doce, fez proveito.
Pediu à Borboletinha
mil desculpas, isso fez,
prometeu entrar na linha,
não faria isso outra vez.
A Chica Borboletinha,
disse, após belo sabão:
– Se você sair da linha,
vai direto pra prisão!
A partir daquele dia,
pra não ver o sol quadrado,
o seu Chicão mudaria,
nada mais faria errado.
Um alerta à meninada,
eu deixo aqui registrado:
o respeito, na caminhada,
faz o homem respeitado.
Sirva a você, meu amigo,
a história da borboleta,
quem ao mal dá bom abrigo,
vive vendo a coisa preta.
TERRA DA MENTIRINHA
Na terra da mentirinha,
não se compra o eleitor,
eleitor de carteirinha
não existe não senhor!
Na terra da mentirinha
há dinheiro de montão,
toda mulher é rainha,
todo mundo é campeão.
Na terra da mentirinha,
não há nada a segredar,
não há viúva espertinha,
indo atrás de se ajeitar.
Na terra da mentirinha,
todo moço é genial,
ninguém abraça a vidinha
de dar espaço pro mal.
Na terra da mentirinha,
posso eu observar,
não há água mais limpinha
em nenhum outro lugar.
Na terra da mentirinha,
todo mundo lê bastante,
não tem vez a voz mesquinha,
só o pobre é importante.
Na terra da mentirinha,
todo mundo vota bem,
eleitor mantém a linha,
não se vende pra ninguém.
Na terra da mentirinha,
só amor eu posso ver,
o respeito pela vizinha,
todos podem perceber.
Na terra da mentirinha,
ninguém agride ninguém,
não cresce erva daninha,
todo mundo se quer bem
Na terra da mentirinha,
todo mundo é respeitado,
a idéia, se mesquinha,
não tem vez no chão sagrado.
Na terra da mentirinha,
todos agem com justiça,
todo mundo anda na linha,
vivem todos sem preguiça.
Na terra da mentirinha,
a criança é respeitada,
o vovô e a vovozinha
têm a velhice amparada.
Na terra da mentirinha,
o bandido não tem vez,
nossa gente, boazinha,
não dá voz à estupidez.
Na minha terra bonita,
após o papo gostoso,
a verdade seja dita
sou poeta e mentiroso!
BANDA DO CHIQUINHO
Quando bem pequenininho
o nosso amigo Chiquinho
ganhou do pai Salvador
um belíssimo tambor.
Chiquinho muito levado,
sem saber ficar parado,
com o tal tambor na mão,
fez batuque de montão.
Do negócio foi gostando,
todo dia, ele ensaiando
resolveu que ele um dia
sua banda formaria.
Com Zezinho Buscapé
na rua, o Rei do Xulé,
Chiquinho foi conversar,
sua intenção revelar.
Zezinho gostou da idéia,
foi contar pra Dorotéia
uma tremenda roqueira,
dançarina e batuqueira.
Zezinho, sem instrumento,
foi atrás de José Bento,
pagodeiro aposentado,
seu amigo mais chegado.
José Bento, um sabichão,
passou ao Zé instrução:
seria a banda formada,
por Seu José preparada.
Lata velha, bule usado,
pandeiro torto ou furado,
pra idéia vingar um dia,
tudo, afinal, serviria.
Durante o primeiro ensaio,
até fundo de balaio,
na mão de um desatento
quis passar por instrumento.
O ensaio não agradou,
mas ninguém desanimou,
pois a banda, no outro dia,
outra vez ensaiaria.
Mais gente marcou presença,
confessando a mesma crença:
todo mundo acreditando
que se aprende ensaiando.
Não deu outra, camarada,
finalmente, foi formada
a Banda do Salvador,
com promessa de furor.
Finalmente, o grande dia,
muita gente, muita alegria,
muita coisa pra comer,
muita coisa pra beber.
A banda chega na praça,
mostra força, mostra raça,
talento mostra de sobra,
finalmente a grande obra.
O povo, que andava triste,
da tal tristeza desiste,
entregue ao riso e à dança,
dá nota dez pra festança.
Naquele bairro carente,
a vida, daí pra frente,
acreditem, passou a ser,
vida, também, de lazer.
Uma faixa, colocada,
bem no centro da calçada,
ao Chiquinho agradecia,
a idéia que teve um dia:
“A Banda que foi criada
veio em hora abençoada.
Diante de tal beleza,
teve fim nossa tristeza.
Chiquinho, do Salvador,
você provou ter valor,
mais que isso, provou ainda
que a vida pode ser linda.
Valeu a pena, Chiquinho,
do nosso povo todinho,
inteiramente irmanado,
o nosso muito obrigado.”
Quem à idéia dá bom trato
tem mais comida no prato,
por isso, meu amiguinho,
faça como fez Chiquinho.
Pegue o livro pra estudar,
bote a cuca pra pensar,
leve a sério a sua vida
dê bom berço à sua lida.
Não faça o que é errado,
não seja mal educado,
pois que a vida bem vivida
leva ao céu na despedida.
GRUPO ESCOLAR INTERVENTOR
JÚLIO DE CARVALHO
Aos menininhos de agora,
deixo, aqui, o meu recado,
devora o livro, devora,
pondo a preguiça de lado.
Trata a mestra com carinho,
assim, só tens a ganhar,
teu futuro, sem espinho,
vai a mestra te entregar.
Respeita teu companheiro,
nunca cries confusão,
faz, do amigo, teu parceiro,
se puderes, teu irmão.
Nas aulas do Interventor,
na nossa Reta instalado,
educado, com muito amor,
fui, por todos, bem tratado.
Do colega, fiz amigo,
do amigo, fiz irmão,
a escola, o melhor abrigo,
deu-me a boa direção.
Agora, moço crescido,
na vida, bem colocado,
por ser um moço instruído
à festa, vivo abraçado.
Não temo perder emprego,
não temo a falta de pão,
meu sucesso não é segredo
ele é fruto da instrução.
Alegria, muita alegria,
os festejos mais gostosos
servidos serão um dia
aos moços estudiosos.
Quem ao livro dá espaço
tem a glória do amanhã,
tem, da vida, doce abraço,
tem saúde e mente sã.
TUNIQUINHO MENTIROSO
Tuniquinho não tem jeito,
diz de coisas que ele faz,
sem provar o que tem feito,
vive a vida sem ter paz.
Todos pegam no seu pé,
cobram, sim, comprovação,
chama todos de Tomé,
querem ter prova na mão.
Sem seus amigos por perto,
Tuniquinho só reclama,
se o tal estivesse certo,
gozaria de boa fama.
Certa vez, por piedade,
deu-lhe emprego um cidadão,
no começo, com vontade,
cumpriu bem sua função.
Respondeu bem ao serviço,
mostrou-se moço zeloso,
não tardaria o sumiço,
do menino mentiroso.
Deixou o patrão sozinho,
não disse nada a ninguém,
após um mês, Tuniquinho,
dá as caras no armazém.
Diz ao patrão – olhe só,
fui atrás de mais cliente,
peguei chuva, sol e pó,
vamos ver daqui pra frente!
Ingenuamente, o patrão,
na conversa acreditou,
o menino, espertalhão,
ao trabalho retornou.
Passado um mês, tudo igual,
sempre a mesma clientela,
como as vendas andam mal,
a mentira se revela.
Tuniquinho é convocado,
quer o dono explicação,
– Durante o tempo afastado,
o que fez na região?
Treme o nosso Tuniquinho,
não tem mesmo o que dizer,
não seguiu nenhum caminho,
nada útil foi fazer.
O patrão, muito nervoso,
mostrou-lhe a rua afinal,
foi-se embora o mentiroso,
o nosso cara-de-pau.
Desse caso aqui contado,
sobra a mais sábia lição:
já está mais que provado,
quem mente, perde a razão!
Tuniquinho, preguiçoso,
fez o emprego virar pó,
por ser muito mentiroso,
hoje o tal se acha só.
Curte ele a solidão,
por mentir, merece isso,
quem dá à verdade a mão,
sempre encontra bom serviço!
MILAGRE DA CHUVA
Zezinho não se cuidava,
com medo de água fria,
o seu corpo não lavava,
e o menino só fedia.
Fedia tanto o coitado,
que na classe se sentia,
de todo mundo afastado,
nem assim se corrigia.
Certa vez, choveu demais,
seu corpo molhou inteiro,
em casa, ele diz aos pais:
estou leve e com bom cheiro!
O pai, esperto, falou:
– Foi a água, minha criança,
assim que você chegou,
já percebi a mudança.
A sujeira caiu fora,
a chuva ficou pra trás,
Zezinho, a partir de agora,
sabe o bem que a água faz.
Freqüenta mais o chuveiro,
toma banho todo dia,
sem aquele seu mal cheiro,
vive em boa companhia.
Uma linda menininha,
pelo tal se apaixonou,
já freqüenta ele a rodinha,
de amigos que conquistou.
Não fosse a chuva bendita
que seria do tal Zezinho!?
A tal menina bonita,
pegaria outro caminho!
Um Zezinho inteligente,
todos podem perceber,
foi a água minha gente,
que fez tudo acontecer.
Se sujinho você está,
aproveite essa lição,
tire o cheiro de gambá,
usando água e sabão.
Amiguinho, fique esperto,
a experiência é quem diz:
quem se cuida, esteja certo,
vive a vida mais feliz!
MOMENTOS DE QUASE-POESIA
Tranquei portas e janelas
com largas barras de ferro.
Ficou, assim, o meu medo
ocupando a casa inteira.
Falam de coisas ruins
como se pecado fosse
falar de coisas boas.
Ri o chefe,
só o chefe!
O que será
dos senhores feudais,
se o chão apodrece
na mão operária!?
De mentira,
só de mentira
a construção do mundo!
Piso na terra de poucos,
onde os indignos
jamais serão aceitos.
Navio no porto.
– O pensamento viaja!
Enfermidade no nordeste.
– O degrau do poder,
conduz à estupidez!
Quem terá sido
o último homem honrado!?
Até mesmo a cabeça mais culta
cede espaço ao coração dos humildes.
O silêncio do mar
tem cheiro de festa.
De quem a festa?
– Do mar!
Responde o velho Marinheiro.
– Sempre do mar!
Tem o cabelo cuidado,
tem o corpo perfumado,
fogosa, ela vai em frente,
quando sorri, eu me calo,
escrevo, falar não falo,
detesto mulher sem dente!
Somos
a impaciência da busca,
a incerteza do rumo,
a angústia da espera,
um longo sopro de vida.
– Onde a origem!?
O bom caminho
leva à paz do mundo.
O mau caminho
leva ao poder!
Lágrimas que choro
são gotas a menos
no oceano de minh’alma.
Quando de poesia,
a mais completa,
partiu GUILHERME,
o ALMEIDA mais poeta.
Debalde luto,
a sustentar, na eternidade,
o meu melhor retrato.
Apesar de todo o meu esforço,
sinto o meu corpo quedar-se
nas fatalidades da vida.
No correr dos anos
a canção das minhas convivências
eternizará meu canto.
Um olhar
um sorriso
um encontro
– Uma ilusão a mais!
Uma saudade,
uma dor,
uma lágrima de amor!
Parar
parar para meditar
meditar para morrer
morrer para descansar
das causas injustas.
A noite brinca em nossa dança,
minh’alma, tão criança e tão calma,
brinca também junto à tu’alma.
Ó Pai!
Acolhei-me em vossos braços.
Eu vos confesso
não crer na humanidade!
Meus olhos nos seus olhos,
meus lábios nos seus lábios,
meu corpo no seu corpo,
– E todos os momentos seguintes
condenados pelo desamor do mundo.
Dois os caminhos
e uma só chegada.
Chegarei primeiro?
Chegarás primeiro?
Nesse tempo de indagação,
és o segundo,
sou o terceiro.
Sete horas.
Na rotina dos ponteiros, eu enfrento a vida,
pequenino demais para as horas que se eternizam.
No espaço da vida eu tento compreender
a razão de tantas horas repetidas.
É preciso fazer um poema
e soltá-lo no tempo, em tempo de sol.
Antes de mais nada,
é preciso abrir as portas do mundo
para que nasça livre
o meu poema-necessário.
Minha meninice:
ruas de terra
rodas de pique
banhos de rio
– Vida que me viu crescer
para as mentiras do mundo.
Meus pés descalços,
minhas pernas de fora,
minha intimidade com a terra mineira.
– Distância que me entristece!
Abro as portas do mundo
para os meus olhos curiosos.
Fecho as portas do mundo
ante a violência dos homens.
Débora vira a casa de pernas para o ar,
arrasta o cão pelo rabo,
cospe na cara da vida,
esbofeteia o verbo da razão,
para, finalmente,
dormir seus fins de tarde,
com a inocência dos anjos.
– Doce mentira da vida!
Mil bocas na mesa,
mil cabeças à espera.
Ante a inquietação das mãos
dez mil dedos tamborilam
a ausência da grande ceia.
Quem se perde na caminhada
há muito perdeu a fé!
Todos se defenderão
se justas as palavras proferidas em defesa,
acatá-las-á quem de bom senso
Amo a mulher que me ama
e que guarda meus segredos;
quem seus segredos não tem
certo não ama ninguém!
Meu sorriso vai à Penha,
vai a Lapa, vai ao Brás,
vai a Santana, ao Pari,
nenhum passo além dali:
Zenóbio Dantas, 87.
Muito sol lá fora,
muito sol na janela,
e eu nessa extensa sombra
imutável sombra dela!
Duas flores na janela:
Maria no parapeito
com o vaso ao lado dela!
Se acreditas no governo que tens,
és um sonhador.
Se não acreditas, cala-te,
pois que o soldadinho de chumbo
ronda a tua porta!
Enquanto sonham
cento e cinqüenta milhões de homens,
o poeta cassa o sonho!
Trancou-se a última porta
da cidade adormecida.
A vida das meretrizes
o censo não conta nunca!
Afasto minhas mãos
distantes do homem,
distantes da vida,
distantes de mim.
Para o silêncio?
Para reflexão?
Para nunca mais?
Enquanto isso, pequenino ainda,
continuo viajante de múltiplas inquietações.
O pensamento aqui,
preso em mim.
Quem diria
desse tempo de consciência!?
Seu último sorriso
afastou-me de tudo,
forçou meu silêncio.
Finalmente, junto à sua razão
dorme a minha dor.
Alguém perguntou por você,
voltou sem resposta
como sem resposta me encontrou!
Colhi, uma vez mais, a tua palavra.
Zeloso, tranquei-a no coração.
Tranquei-a com chave de ouro.
Dorme agora o meu perdão eterno.
Quem diria!
Seus olhos verdes passaram por aqui,
seguiam silenciosos,
achei-os excessivamente escrupulosos.
Assim a graça e a glória!
Pensemos os dias de amanhã,
ainda distante o futuro,
ainda distante a mocidade,
silêncio puro e pequenino,
que se perde sempre
na ausência da razão
e nas promessas não cumpridas.
Enquanto o coração
confidencia amor eterno,
os dias de amanhã
chegam cheios de mentira!
Todos irão à sua festa
de muitos abraços,
de apertos de mãos,
de beijos amigos.
No silêncio da festa
certamente estarei presente
repensando, ainda,
que caminho tomar!
São lindos os teus olhos,
são azuis,
são meus!?
Seus olhos não dizem nada,
não diz nada a sua boca,
o silêncio me responde!
Tu seguirás comigo.
– Uma opção de vida?
Rigoroso silêncio responde ao coração!
Enquanto estás distante
tenho presente a saudade,
esse corpo frio e indiferente
nesse meu tempo perdido!
Trancou-se a primeira porta.
Minha insistência moça
ignora o fardão dos reis.
Viva a minha mocidade!
Um beijo
um beijo apenas
e estarão respondidas
todas as minhas indagações!
Veio a noite
e, com ela, veio você
numa estrela qualquer
numa dessas estrelas
que aguçam nossos olhos
e povoam o nosso coração.
De repente,
um longo silêncio ocupa a casa inteira
de repente, ainda, o longo sol da solidão.
Moça, muito moça
e a longa procissão dos que perdoam!
Recolhi a tua primeira promessa
que agora vaga pelo imenso salão
edificado de mentiras.
Outras valsas dançaremos.
Outras promessas virão.
Quis o homem fosse assim a vida
– Interminável melodia de desencantos.
Iremos ao cais.
Ancoraremos nossos barcos
tão distintos agora
tão distantes
salvos pela imensidão do mar.
Diremos sim amanhã
diremos não depois
a consciência do sim
talvez force o silêncio
esse silêncio quase sempre vencido.
Vamos!
Recolhamos as luzes do meu ideal!
Outra vez o rigor da vida
e essa decisão
que não te diz respeito
adia, outra vez, a tua hora seguinte.
Conduzi meu cansaço pelas ruas
algumas estreitas demais
outras excessivamente largas
quase todas trançadas
as mãos,
as ruas,
escapei com vida
ignorado
para o último refúgio
longe de todos os olhos
presente em Deus.
Culpam as minhas ações,
tolhem os meus caminhos,
expõem-me ao olhar incrédulo dos homens.
Soberana, caminhou a minha verdade,
mãos dadas à razão, à dignidade,
à justiça, à consciência.
Nenhum aplauso da grande platéia.
Essa a minha vitória!
Eu te amo.
Tu me amas.
Um segundo para todas as confissões.
Uma eternidade para todos os nossos momentos.
Vaguemos pela noite,
sob o clarão da lua,
enquanto há lua,
antes que se tranque
a última porta poética do céu!
Onde os seresteiros?
Onde as moças nas janelas?
Sobre aquela ali,
de olhos expostos ao universo do dia,
já dizem a seu respeito,
há quem negue a ternura de seus olhos.
Prende a tua mocidade
com a esperança nos dias de amanhã.
O soldado, posto à tua porta,
completa o grande cenário
da vigília necessária,
antes que te cassem a luz,
antes que te calem a boca.
A liberdade da vida
há muito sobe a ladeira,
vai cansada, vai enferma,
mas ainda caminha!
Até quando não sabemos.
Nem o silêncio dos sábios
responde a questão tão grave.
Forçarão teu grito.
Muitos te ouvirão.
A incompreensão do homem
falará mais alto!
DANÇA DO TEMPO
A janela aberta
mostrava o morro,
pequenino Morro da Canoa,
pés descalços do monumental
Pico da Bandeira.
Fechada a janela,
o sono corria tranqüilo
na casa 122
da Rua Governador Valadares,
da pequenina Espera Feliz,
chão mineiro
de caulim e micanite.
Durante o dia,
intensa calmaria.
Portas abertas
à espera de todos,
o riso festivo da nossa gente,
a chegada festiva dos nossos amigos,
o espaço livre das nossas poucas
e silenciosas ruas,
cortadas, todos os dias,
pelo eixo choroso do carro-de-boi
do velho Raul Rodrigues,
tio maravilhoso, de terno sorriso
e de poucas palavras,
e pelas carroças conduzidas
por burros mansos e mãos operárias
– Onde o João Carroceiro!?
– Onde o Zé Coitadinho!?
Durante a noite,
apenas meia-porta aberta
– Tempo das taramelas:
nenhuma chave no bolso,
nenhum perigo rondando a casa,
longo silêncio noturno,
repleto de sonhos festivos;
tempo de paz e de respeito,
tempo de gente amiga,
de gente simples demais,
de gente boa demais,
tempo de muita cordialidade,
tempo de permanente confraternização.
O Educandário Sacramentino
trancou suas portas,
para negar, aos pequeninos,
a palavra de Deus,
para dar vida à frieza
da sua majestosa edificação,
e para afastar-se, para sempre,
da educação pela fé.
– Um Frei Pio choroso
se esconde no céu!
A Leopoldina partiu,
levou suas linhas de ferro
e seus dormentes de madeira,
deixando, apenas,
doce lembrança dos lenços brancos
que saltavam de suas janelas
e das cartas amorosas
dos namorados mineiros.
– Onde o Zé do Aristão!?
– Onde o Pedro Malta!?
– Onde o Coutinho!?
– Onde o Hildebrando!?
– Onde o Genésio Monteiro!?
– Onde o Antonio Nascimento!?
– Onde o Jurandir!?
– Onde o José Alves!?
– Onde o Manoel Frauches!?
– Onde o Manoel Vieira!?
Perdida está a minha infância,
inesquecível infância
passada ao lado de amigos bondosos,
de gentis e corretos operários,
e dos meus queridos pais e irmãos.
– Geraldo partiu cedo demais!
– Guilherme seguiu-lhe,
apressadamente, os passos!
– Papai já não espera por mim!
– Mamãe já não espera por mim!
– Cacá já não espera por mim!
– Telma já não espera por mim!
Insuportável dor navega comigo,
distante dos barquinhos de papel
soltos nas correntezas das ruas,
nesse tempo de poesia tão mórbida!
No curto espaço que me sobra,
o céu é o mesmo,
sempre muito azulado,
a terra é a mesma,
mas seu corpo mudado,
lamenta a ausência
do seu cheiro de chuva.
As lembranças sobradas
escrevem, no tempo,
seus poemas de dor.
O abraço que resta,
tomado de doces lembranças
e de enorme saudade,
diz ao coração:
– Nunca mais!
– Nunca mais!
– Nunca mais!...
A Igreja de São Sebastião,
ausentes os fiéis,
distante o Padre João,
faz tanger a voz do sino:
– Nunca mais!
– Nunca mais!
– Nunca mais!
A procissão já não passa,
já não passam aqueles homens
que, bondosos, cuidaram de mim,
que me mostraram o melhor caminho,
que me acolheram em suas casas,
que deixaram abertos os seus pomares,
e que me acudiram nos
momentos de maior aflição.
O perpetuar do tempo
que tudo transforma,
assusta a todos nós
trancados que estamos
longe das nossas casas,
longe dos nossos amigos,
muito longe da nossa gente.
O grito de liberdade
permanece contido.
Sem força e sem brilho
corre ele a cidade inteira
sua infrutífera busca.
Frei Pio, num canto qualquer do céu,
ainda me diz da importância da fé,
ainda me ensina a palavra de Deus,
ainda conversa comigo
sobre esse tempo
de paz entre os homens.
O silêncio humano
corre as nossas ruas,
distante do cheiro da terra,
distante do cheiro das flores,
distante do sabor das frutas.
Minha terra mudou.
são outros os rostos,
são outros os costumes,
ainda assim continua sendo
a minha terra querida
a minha doce
e sempre terna Espera Feliz!
DESPEDIDA
Pensou rever Itabira,
Itabira não existe mais,
sopra fagulhas de ferro.
O poeta não faz mistério,
contempla a folhagem verde
das calçadas de Ipanema.
O verde de Ipanema
não tem o cheiro
da folhagem Itabirense,
mas Itabira não existe mais,
nada além de um quadro na parede!
Mas é nesse quadro
que Drummond penetra,
no seu retorno à Itabira.
Confidenciou aos amigos
a morte de Itabira.
Escreveu, ao mundo,
sobre a irreparável perda.
Drummond amava Itabira
berço de sua meninice,
mas Itabira cresceu para a morte,
rompeu com sua inocência,
roubou-lhe as ruas de terra,
sujou a cara do homem,
mas Drummond safou-se dela.
O poeta desembarca no Rio,
ocupa o espaço do sonho,
mostra Minas, mostra o mundo,
mostra Itabira assim mesmo.
O poeta parte triste,
sem qualquer formalidade,
taciturno, pensativo,
Itabira talvez no céu.
Itabira renasce
das cinzas do poeta.
Ipanema
– até quando!?
JOSÉ BERNARDES DA VEIGA (ITO)
Procurem José
pela cidade inteira.
Corram bares,
bondes e bandas,
cinemas e teatros.
Indaguem de todos,
bêbados e lúcidos.
Ah, esse Rio de Janeiro,
convidativo sempre!
Jamil, irmão de José,
o coração quebrado
nas arquibancadas mineiras,
jamais me responderá!
Perdoem-me
não ter visto
a banda passar.
Dizem que Pedro, o pai,
também tocou.
Ah, esse Rio de Janeiro,
convidativo sempre!
Procurem José,
José, filho de Maria,
a Maria do correio,
aquela Maria boa,
operária mais correta
e sem tempo pra conversa.
Procurem José,
o Bernardes da Veiga,
num solo qualquer de sax,
num canto qualquer do Rio.
Ah, esse Rio de Janeiro,
convidativo sempre!
Ah, essa Minas Gerais,
minha Minas, nossa Minas,
belíssima sempre,
sonhadora sempre!
GRANDE PASSEIO
À minha amiga Maria José, esposa do
Prof. Amador Paes de Almeida
São Paulo não era assim...
Esse carro violento
essa fumaça no rosto
essa gente barulhenta
essa miséria na rua
essa mão tão agressiva
essa boca mentirosa
esse tempo indefinido
esse ar todo impureza
essa tevê que não cala
esse ódio que não cessa
essa fila que se estende
essa igreja tão sem Deus...
– Bom dia, Seu José!
– Bom dia, Dona Romilda!
Como vai a senhora?
Como vai Seu Américo?
As crianças estão bem?
São Paulo não era assim...
o homem já não pergunta
perdeu as luzes da vida
perdeu o riso e a festa
perdeu a cordialidade
agora corre apressado
deixou o velho no tempo
a cabeça já não pensa
já ninguém tão cordial
o coração, coitadinho!
– Bom dia, Seu Antônio!
– Bom dia, Dona Romilda!
Hoje é dia de seresta
de violões pelas ruas
de muitas moças bonitas
penduradas nas janelas
de versos pelas calçadas
de muitas saias rendadas
sob a luz dos lampiões
depois da reza das oito...
– Isso mesmo, Seu Antônio!
passe aqui pro cafezinho!
– Obrigado, Dona Romilda!
Recomende-me ao Seu Américo!
Até mais, Dona Romilda!
– Até mais, Seu Antônio!
As crianças já não sonham
já ninguém mais vai à rua
já não se brinca de pique
já não se corre a ladeira
já ninguém mais passa anel
já não se fala com Deus...
Não me perguntem por mamãe!
Com agulha de tricô
perdeu-se toda no tempo
ouviu versos do mocinho
correu a longa ladeira
brincou de pique na rua
cantou cantigas de roda
deitou seu primeiro sonho
agora dorme tranqüila...
Não me perguntem por mamãe!
Saiu, não me disse nada,
como saiu, logo volta!
MINHA GRANDE AMIGA
À tia do amigo e parceiro José Flauzino Barbosa Filho
Falamos ao telefone,
uma, duas, três, incontáveis vezes,
mas nunca nos vimos,
nem mesmo nos retratos.
Sobre nós,
uma ou outra referência
“ele é assim...” “ela é assim...”
Conversa animada sempre,
muitas gargalhadas suas,
a promessa do encontro,
o seu convite para o café,
para o bolo caseiro,
as histórias do seu trabalho,
da sua enfermidade,
do seu Zezinho,
ele atrás do sucesso,
você cuidando dele,
cuidando dos outros,
descuidando de você.
Recebo, agora,
a notícia da sua morte,
ela é triste,
pega-me em cheio,
no peito,
no coração,
na alma,
mas nem isso
me conduz até você!
Vou guardar silêncio,
vou fazer minhas orações,
vou pedir pelo seu descanso,
vou falar com Deus,
vou testemunhar a seu favor,
vou dizer que você é boa,
que você é prestimosa,
que você é alegre,
que você é carinhosa,
que você é operária,
cumpridora de seus afazeres,
que cuidou de tudo,
que cuidou de todos,
só não cuidou de você.
Minha amiga,
minha querida amiga,
minha doce amiga,
Deus vai me ouvir,
Deus vai me perdoar
a grave ausência de agora,
essa falta de adeus.
Minha amiga,
minha querida amiga,
minha doce amiga,
você continua viva,
continua linda,
presente sempre
no meu peito,
no meu coração,
na minha alma,
sorriso largo,
sorriso farto,
alma generosa...
Alguém, ainda,
falará a seu respeito,
dirá o seu nome,
mostrará o seu retrato,
falará da sua origem,
falará do seu trabalho,
tudo sobre você,
coisas carinhosas como você...
E mais falarão
da distância que vivemos,
de todas as nossas conversas,
tudo muito puro,
tudo muito angelical,
tudo muito divino,
tudo nosso,
coração para coração.
Reconhecimento e saudade,
saudade que é minha,
saudade que é de todos,
saudade da amiga,
saudade da sua festa.
No lugar do silêncio,
a saudade imorredoura
da amiga que eu não vi,
da amiga que não me viu,
da amiga que não abracei,
da amiga que não me abraçou,
da amiga que comungou comigo
amizade sincera,
amizade pura,
toda inocente,
como deveriam ser sempre
todas as amizades.
Até mais,
minha grande amiga,
até mais!
seu nome, ninguém me disse,
certamente coração!
VIDA POÉTICA
Ao meu lado estão,
mantidos permanentemente,
Gonçalves Dias,
Cruz e Souza,
Olavo Bilac,
Castro Alves...
Não os abandono nunca!
Nas nossas conversas,
busco a pacificação do meu espírito
e a purificação dos meus sentimentos.
Não tenho tanta intimidade com Vinícius.
Visito Drummond
que não se mostra mineiro;
se visito Cabral.
o canavial floresce;
se visito Bandeira,
a dor se faz presente;
se visito Gular,
eu me perco por inteiro,
intimidado pela forma
pungente de seus versos.
A busca, da minha identificação
definitiva, não se realiza nunca.
Acabo sempre me encontrando
com as pedras Drummondianas.
Busco pelo meu espaço
para encontrar-me
permanentemente sozinho.
O espelho me revela:
nada mudou,
continuo sendo o mesmo!
LEMBRANDO NOSSA GENTE
No interior mineiro,
na nossa pequena e pacata cidade
papai era barbeiro,
embora trabalhasse, bem mais,
a cabeça da nossa gente.
Alguns clientes pediam fossem também barbeados.
Papai não exerceu outra profissão.
Maria da Graça chegou da roça.
Tinha as mãos calejadas e a pele bastante ressecada,
fruto do trabalho forte que desenvolvia na propriedade
que tinha sob sua responsabilidade.
Não era dona. Era apenas meeira.
Pediu que seu cabelo fosse cortado.
Bem curtinho! disse ela.
Pronta a cabeça, disse ao meu pai:
– Olha, Seu Alencar, vou fazer também a barba.
Papai nunca foi de questionar as solicitações de seus clientes.
Quem pedisse curto o cabelo, tinha o cabelo curto.
Quem pedisse o cabelo à Príncipe Danilo,
tinha o cabelo à Príncipe Danilo.
Os pais pediam fossem mantidos
apenas os topetes de seus pequeninos.
A poeira da cidade parecia ditar tal orientação aos pais.
Prontamente Maria foi atendida.
Deixou, satisfeitíssima, a cadeira do barbeiro
com maior clientela na cidade.
Maria partiu.
Papai trancou seu espaço de trabalho.
Mamãe estranhou aquele fechar tão cedo.
Sentou-se ao lado de papai para ouvir dele
o porque daquela sua decisão.
Minha querida Zulmira,
Acabei de barbear a Maria da Graça,
aquela sitiante lá do Mundo Novo.
Não é possível, Alencar!
Claro que é possível!
O trabalho pesado do campo,
o sol ardente distante das sombras,
o cheiro acre de estrume de gado,
a água nem sempre tão pura que rola das bicas,
a ardência das frutas,
o namorado que não existe,
e o sonho que teimosamente
corre o coração do nosso camponês.
Mamãe entende.
Segurando as mãos de papai,
saem, os dois, rua afora.
É sábado. Tarde fresca.
Na Praça da Bandeira,
na cadeira de vime
colocada na Porta do Hotel Montanhês,
os dois se acomodam.
Boa tarde, Seu Alencar!
Boa tarde, Dona Zulmira!
Nessa hora,
recolhem os passantes
a poesia ali colocada,
o verso bonito,
a rima perfeita
e o amor eternizado.
Nossa vida mineira foi assim.
belíssimo poema escrito
de amor, carinho e respeito.
HIGIENÓPOLIS
Nas calçadas,
acoleirados cães
arrastam madames e serviçais,
pelas mesmas ruas,
para os mesmos postes,
para os mesmos muros,
deixando o mesmo fétido rastro
e as mesmas preocupações
de contaminação do ar,
composição que retrata
total desrespeito à saúde pública
e que envergonharia os Jesuítas
em sua “Sesmaria do Pacaembu”.
Nenhum constrangimento!
Nem por parte dos cães,
nem por parte de seus condutores.
A Dama da Noite
perde seu espaço no ar,
sem perder sua poesia.
Percebo-a, tímida,
recolhida a sua majestade,
inconformada sim,
mas ainda dando crédito
à humanidade.
Permanente condutor do seu perfume,
colhido à beira do mar,
durante poética noite,
da minha mocidade,
minha indignação
salta aos olhos que me vêm.
Correndo as mesmas ruas,
segue comigo o silêncio das águas
que banham meus pés
pousados na areia mais pura
de um passado poético.
Sem a nobreza do bairro,
envergonhadas ruas
cedem espaço às sombras
de árvores ainda verdes,
árvores que, teimosamente,
compõem os últimos versos
de uma lira paulistana
chamada Higienópolis,
poema belíssimo
composto pela genialidade
de Jacques Pilon, Rino Levi,
Carlos Hekman, Franz Heep,
João Artacho Jurado e
Francisco de Paula Ramos de Azevedo.
A beleza arquitetônica do bairro,
o extenso verde de suas ruas
e o perfume das Damas da Noite,
que buscam preservar seu passado
tão poético e glorioso,
não podem continuar acolhendo
o cheiro perverso que paira no ar
de um espaço tão nobre,
ocupado por pessoas tão bonitas,
por empresários tão prósperos
e árvores tão verdes.
A “Cidade da Higiene”,
cobra, de todos nós,
seu glorioso ressurgimento.
A beleza arquitetônica de seus prédios
ostenta, nesse tempo de grave desrespeito,
o choro convulsivo de seus arquitetos.
O bairro é belíssimo!
A procissão da dor não termina aqui,
no verso que a inconformação revela.
O poeta gostaria de ter o poder que o verso tem.
Calado, sempre calado,
o poeta recolhe seu sonho maior,
a convivência pacífica e perfumada
de homens, árvores e prédios.
A “Dama da Noite” agradece.
CRONOLOGIA TIETEENSE
Ao meu amigo BENEDICTO PIRES DE ALMEIDA, Zico Pires, autor da
obra CRONOLOGIA TIETEENSE, 200 ANOS DA HISTÓRIA DO
MUNICÍPIO, na passagem de seus 84 anos.
Qual o tronco, forte e perfumado,
do carvalho altivo e sobranceiro,
assim te vejo, destro romanceiro,
por entre rios e ruas do passado.
Tua augusta paciência de cordeiro,
por este campo, inteiro sombreado,
entregou-nos, límpido, lavrado,
o chão buscado, alegre por inteiro.
No silêncio da hora conquistada
eu vou, folha por folha, à luz do dia,
tangendo a lira que nos foi deixada.
Obra tua Zico, a de maior valia,
a mais lúcida em tela pincelada
– dois séculos de vida – quem diria!
ASAS DE BORBOLETA
Não matava barata,
não matava formiga,
não matava mosquito,
matar pássaros e borboletas,
então, nem pensar!
Batia perna,
corria a cidade inteira,
freqüentando bares e botequins,
mas não bebia, não podia beber,
um copo de cerveja o derrubava,
e em algumas oportunidades
o copo oferecido foi aceito
e a bebida o derrubou
causando sérias conseqüências
à sua já frágil saúde física.
Numa das quedas,
o fêmur quebrado,
o rosto machucado,
braços e pernas arranhados,
alguns dias de cama,
muitos dias de muleta,
muitos remédios,
muito cuidado das irmãs,
mas ele não parava,
não se acomodava
na casa simples
reservada para ele,
quarto, sala, cozinha e banheiro,
uma cama, um sofá,
uma mesa com quatro cadeiras,
um guarda-roupa,
um aparelho de tevê
que raramente ligava,
coisas sobradas da casa dos nossos pais,
um aparelho para tocar CDs,
presente nosso,
e alguns discos,
Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves ...
e uma enorme solidão.
O aparelho mais moderno
foi levado por mãos amigas,
bem mais pobres do que ele.
Ele não tinha inimigo,
nunca ergueu a voz para ofender,
nunca estendeu a mão para bater,
nunca se queixou da sua dor,
nunca se deixou abater pelos reveses da vida,
nunca um grito seu para pedir socorro.
Como ele não soube nunca cultivar
o hábito de trancar a única porta da sua casa,
o convite de ingresso foi deixado a todos.
Perguntado sobre quem teria levado seu rádio,
disse ele que sabia de quem se tratava,
para concluir nossa conversa disse ainda:
“Deixa pra lá, Juá,
esse meu amigo é muito pobre,
mais necessitado do que eu,
nós não devemos tirar dele
o tempo que terá de encantamento.”
Alguém acabou sabendo do acontecido.
Chamou-o à loja para presenteá-lo
com um novo e mais moderno aparelho,
com essa provável observação:
“Você não pode deixar
de ouvir seus cantores prediletos,
você gosta e os tem como companheiros
do seu silêncio e da sua
enorme solidão noturna.”
Um outro copo de cerveja vai derrubá-lo,
vencido outra vez pela insistência
de amigos seus,
companheiros de longas conversas nas ruas,
nos bares e nos botequins,
conversas essas que sempre o ajudaram
a correr com seu tempo de solitário personagem
de uma vida excessivamente pacata.
A queda de agora é mais séria,
leva-o ao hospital,
a cuidados médicos especiais.
Está fragilizado,
o peito aparentemente comprometido.
Os medicamentos precisam fazer efeito.
Alguém diz que ele está bem
e que não precisamos ficar preocupados.
Estamos longe,
muito longe de tudo,
mas ele tem alguém ao seu lado,
além do cuidado médico,
tem amigos que se preocupam com ele,
tem irmãos que cuidam dele.
A noite chega.
Madrugada.
O telefone toca.
Pouco mais de três horas da manhã.
Do outro lado, Odete, nossa irmã, nos diz:
– O Cacá faleceu! ...
Imaginem a dor do irmão que
distante quase 800 km ouve a notícia,
podendo pouco fazer,
orar, orar, orar,
continuar orando,
continuar pedindo a Deus
agora pela saúde celestial
do irmão mais moço,
e pelo consolo necessário
para enfrentar tamanha dor,
tamanha perda.
Todos o conheciam
sabiam tudo a seu respeito.
Alguém chegou a nos dizer
que nós deveríamos cuidar melhor dele.
Um seu amigo, um nosso amigo, com certeza,
alguém que dele gostava
mas que não o amava
tanto quanto nós o amávamos.
Nós tentamos cuidar melhor dele,
mas ele queria manter-se na terra
onde nasceu,
onde conhecia todos,
onde era conhecido por todos,
ao lado de seus amigos,
ao lado de muitos familiares seus,
na sua terra natal,
sua terra de plena calmaria,
sua terra sem segredo,
onde amava e era amado por todos.
Materialmente, tinha quase tudo.
Viajar para longe, só a passeio,
mas para voltar logo.
Quando estávamos ao seu lado,
era imensa a nossa alegria,
era imensa a sua alegria.
Era grande a nossa festa.
Ele gostava de todos nós,
Imensamente carinhoso,
ele nos amava,
mas tinha ele seu mundo,
construído de amigos pobres,
de pessoas simples,
de pessoas generosas.
A sua ausência machuca a todos nós,
seus irmãos, seus sobrinhos,
seus primos, seus cunhados,
seus padrinhos e a cidade inteira
que soube sempre amar esse nosso irmão
que não matava barata,
que não matava formiga,
que não matava mosquito,
que não matava passarinho,
que não matava borboleta...
Gostava de cantar,
chegou a ser premiado como cantor
de uma letra qualquer,
pouco poética,
pois não havia poesia
no guarda-chuva que escolhera para cantar.
Não conhecemos a música.
Certa feita,
cantarolou alguns versos
que não conseguimos memorizar.
Gostava de cantar
o que Nelson Gonçalves cantava.
Não tinha grande voz
quem cantava letras boêmias,
ele que nunca foi boêmio,
ele que nunca ofendeu ninguém,
ele que nunca agrediu ninguém,
ele que nunca matou formiga,
ele que nunca matou barata,
ele que nunca matou passarinho,
ele que nunca matou borboleta...
Quando alguém bater
na porta ou na janela de sua pequenina casa,
não mais ouvirá a sua voz,
mas continuará, por certo,
vendo o mesmo moço,
deixar seu cantinho
com seu corpo fragilizado,
com seus pés ocupando rotas sandálias,
humilde como São Francisco,
com suas mãos estendidas a todos,
caminhando pelas ruas,
sem plano de vida,
sem rumo certo,
para um pouso qualquer,
ao lado de seus amigos,
gente simples,
gente humilde,
gente como ele sempre foi
gente que nele encontrava
silêncio nos lábios,
sorriso nos olhos,
candura nos gestos,
carinho no abraço...
Apagou-se a luz da morada
mais humilde da Rua Roque Ferreira de Castro
na cidade de Espera Feliz,
no Estado de Minas Gerais.
Seu morador mais amigo,
esqueceu-se de trancar
a porta de sua casa mais simples.
Partiu para não voltar.
Agora, no céu,
a conversa é com Deus.
– Bem-vindo meu filho,
parabéns pela sua divinização,
ocupe o trono dos justos,
com o mesmo silêncio nos lábios,
com o mesmo sorriso nos olhos,
com a mesma candura nos gestos,
e com o mesmo carinho no abraço...
A borboleta, que corta o céu,
pousada agora em seu ombro,
olhando firmemente nos seus olhos,
diz a ele: voa comigo, Cacá!
ENCONTROS/DESENCONTROS
Trago, no bolso furado,
lembranças de moedas caídas,
trago, no sorriso dos lábios,
a graça das saudações festivas,
trago, no coração mais terno,
a presença do amor correspondido,
trago, no rosto marcado,
sinais de desencontros,
trago, no corpo cansado,
a marca dos homens,
trago, na consciência tranqüila,
a certeza do dever cumprido.
Viajante que sou
de todos os desafios,
aceitarei a presença da morte,
essa parceira eterna e atenta
de todos os meus avanços.
Não há nenhuma razão para recuo
nas coisas todas que fiz!
No meu embornal de pesca,
linha de nylon bastante,
alguns anzóis mosquitinhos,
incontáveis bolinhas de fubá
e a esperança de muitos lambaris.
As coisas sérias da vida
dobrarão todas as esquinas,
serão, também, minhas parceiras,
sempre parceiras
de todos os nossos rumos.
Quando a justiça dos homens se fizer presente,
direi, ao céu, da cessação da minha busca
e a Deus da minha enorme gratidão,
pelo espaço de vida que me foi concedido.
Até então,
continuo caminheiro
de muitas andanças
e de esperança duvidosa.
Quando alguém bater
mais fortemente à minha porta,
por ela só passará,
após ouvir minhas recomendações.
Ainda soldado,
cumpro meu tempo de vida
no reino de tantos desmandos.
Vivo, continuo fortemente armado
para todos os combates.
Se alguém, suavemente,
bater à minha porta,
sem nenhuma ponderação minha,
por ela passará
para dormir comigo
o sono mais justo.
Enquanto a morte não vem,
converso com Deus,
longa, agradável, amena e
respeitosa conversa.
Sou e serei sempre assim,
muito mais ouvinte,
observador atento,
colocado à margem dos sonhos
e à beira de rios
de águas mais puras,
o corpo inteiro
entregue à suave brisa
de extensas campinas.
Por razões óbvias,
o tempo não muda.
Por razões tão tolas,
nós nunca mudamos.
Eu falo de mim,
talvez eu fale de todos!
ISAURA
Há quem diga nas ruas
que Isaura endoidou de vez.
Quem a conhece
sabe bem de sua enorme lucidez.
Isaura é boa demais,
tem o coração maior do que ela,
pequena e frágil,
acode, sem qualquer questionamento,
os necessitados que batem à sua porta.
Sorrindo pra todos,
Isaura manda que entrem,
que ocupem sua casa
e que se alimentem à vontade.
Não sei da existência de outras Isauras
na minha terra mineira.
Isaura como essa,
não como as outras Isauras!
A bondade quando santa
certamente espanta!
Isaura não liga
para o que dizem nas ruas.
Segue sem nada cobrar
abrindo o coração
que já nem lhe pertence
tanto ela entregou a tantos.
Isaura não desiste de seu propósito
de servir a quem tem sede
e a quem tem fome.
Isaura vai morrer assim,
se entregando sempre,
sem nada pedir.
Isaura não sabe chorar.
A dor da família bateu forte em seu peito.
Os irmãos partiram cedo demais.
Sabe a dor das irmãs que ficaram
e a dor inconsolável de seus pais,
sofridos e cansados,
já idosos demais.
Isaura não tem tempo
pra cuidar da sua dor.
A dor de quem bate à sua porta
é maior do que a sua
é a dor da fome e da exclusão.
Isaura não tem poder político.
Se tivesse, meu caro,
a fome passaria longe demais
da minha terra mineira.
Quando Isaura me vê
solta largo sorriso,
me abraça festiva,
me cobra outra vez:
– Quando você vai escrever
sobre o tio Alencar?
Ela cobra de mim
quer que eu fale de um homem
também simples demais.
Nada para ela.
Isaura não sabe pedir.
Sua conversa com Deus,
quando posta em sossego,
é sempre de gratidão.
Isaura não sabe
que Deus tudo sabe
a respeito de quem
por ser boa demais
alguém chama de louca.
Isaura não liga.
Nessa hora nem ouve.
Sem perda de tempo,
recolhe nos braços
quem tanto blasfema.
O marido que chega
tem outra atitude
ignora a esposa.
Isaura não liga.
Vai morrer na pureza
toda virgem de amor.
Isaura, a mineira,
terá o mesmo destino
que teve a Irene
de Manoel Bandeira.
MULHERES DA MINHA RUA
As mulheres da minha rua
não se cumprimentam,
ninguém diz bom-dia,
ninguém diz boa-tarde,
boa-noite, então, nem pensar!
As mulheres da minha rua
seguem, despidas de si,
por espaços luminosos,
coloridos, envitrinados,
das lojas comerciais
que esfregam em seus olhos
novidades parisienses.
As mulheres da minha rua
envelheceram cedo demais,
a Europa toda envelheceu
e elas nem se tocaram.
As mulheres da minha rua
não percebem o Brasil crescente,
já muito mais criativo,
tão moderno e atraente,
que até as moças francesas
já passeiam por aqui.
As mulheres da minha rua
continuam todas nuas,
mostram pernas,
mostram seios,
esquecidas do bom-senso
que devia ser mostrado.
Não sei se irão para o céu
as mulheres da minha rua!
Paris não as quer.
Têm o visto negado,
o passaporte cassado,
o retorno forçado,
a humilhação garantida.
As mulheres da minha rua
são mesmo teimosas
não dizem bom-dia,
não dizem boa-tarde,
boa-noite, nem pensar!
ANDANÇAS MINEIRAS
Viajei aventuras mineiras
no dorso de cavalos pangarés,
na carroceria de velhos caminhões,
no sacolejar de precárias carroças
e nos bancos desconfortáveis de madeira
da Estrada de Ferro Leopoldina.
Corri caminhos de roças,
beiras de rios e de lagoas,
ruas de terra e morros imponentes,
ao lado de meninos atrevidos,
acostumados à inércia da vida
plantada nas cidades pequenas
de um chão esquecido.
Não sabia de Paris e nem de Londres.
Mais tarde, só mais tarde
alguém diria de museus e palácios,
de uma Europa repleta de luzes,
de grandes combates,
de guerras sanguinárias,
de conquistas inúteis,
de perdas irreparáveis,
de histórias escritas
em corpos banhados
de sangue e de ódio,
retratos que assustam
meus amigos de rua,
meninos espertos,
de corpos morenos
do sol das manhãs
da minha terra natal,
espaço pequeno,
de cantos festivos
de canários e bem-te-vis,
passarinhos mineiros
de muitos quintais.
Esqueçam a Europa!
Minas floresce
nas ruas de terra,
nos morros mais altos,
no leito dos rios,
na boca do povo
e na cantiga mais doce
de gente bonita,
sem nada cobrar.
Farta sombra de morro
cobre agora a minha rua,
pra conversa animada
na porta das casas,
e pras brincadeiras de roda
das nossas crianças.
Clarice não quer a guerra
quer apenas espaço
entre as crianças da rua,
quer também participar
da roda das brincadeiras.
Baralho Clarice não joga.
Fosse menino como eu
e Seu Vicente Mattos
teria ensinado a ela
os jogos que me ensinou.
Na minha cidade,
em toda a sua extensão,
encontrei o abraço sincero
do meu povo,
o conselho amigo
dos mais velhos,
o espaço acolhedor
de portas abertas
e o grito festivo
dos meninos de rua.
Não falo inglês e nem francês.
Prefiro ouvir o gaúcho Lupicínio,
com sua dor-de-cotovelo,
o mineiro Ataulfo Alves
com sua professorinha
e suas belas pastoras
e a paulista Maysa
com sua voz mais sofrida
de dor inconteste
que não fere seus olhos.
Nesse meu universo pequenino
vivi os melhores momentos
da minha infância mineira,
a identificação fácil e poética
do meu povo mais simples,
as cantigas de rodas
em animadíssimos festejos de rua
e uma liberdade
que só nosso corpo moleque
sabe a respeito.
Nas procissões católicas,
São Sebastião no andor,
cantei canções de louvor
ao longo das nossas ruas de terras,
e nas subidas dos morros
“Avê, avê, avê Maria...”
João Sebastião de Amorim
e Maria de Oliveira Rodrigues,
estiveram sempre ao meu lado,
gente mineira e amiga,
rezadores confessos
de todas as noites
de reza católica,
gente disposta à conversa amena,
nada filosófica,
aperitivo sadio
para embalo do tempo,
fardo pesado de muitos enfermos,
régio presente de crianças sadias.
Nossa prosa de rua
corre ainda cristalina
como a água mineira que desce
das montanhas mais altas,
para lavar nossas almas
e colocar nossos corpos
à sombra de frondosas árvores,
todas elas frutíferas.
Se eu dormir me despertem
longe de Paris e de Londres,
longe do tanger Big Ben
e visão poética do Arco do Triunfo.
Permitam-me sonhar
e só despertar na Praça da Bandeira
da minha terra mineira,
para o grito de Waldir Amaral,
gol de Ademir ou de Zizinho,
vindo lá do Estádio do Maracanã,
para percorrer o ambiente festivo
do bar do Seu Nico Jacó,
farto de cervejas
e de conversas repetidas,
banhadas de Brahma.
Para a manhã de domingo,
já tenho compromisso.
Com o amigo Queirozinho,
criança passarinheira,
irei à pesca de lambaris,
onde passaremos horas a fio
à margem do São João
com nossas varinhas de bambu
esticadas nas mangueiras
e secas pelo sol mineiro.
O angu e a mandioca
em casa estão prontos.
A frigideira de mamãe
cuidará do resto.
Os lambaris virão torradinhos
para os beiços molhados
de augusto prazer.
A boca mineira
nessa hora se multiplica.
Sábia solução
encontrada para se colher
a perfumada poesia que corre inteira
a nossa Zona da Mata,
onde a mesa mineira
continua farta
e espaço de todos.
POEMA
Eram manchas de sangue!
do peito sofrido
do coração partido
ou da cabeça perdida!?
Eram manchas de sangue
de um corpo sem vida!
CONFISSÃO FATAL
Morrer por paixão
é loucura demais.
Confesso que não tomaria
tão estúpida decisão,
mas lá estava meu corpo,
no asfalto jogado,
acudido, apalpado,
Inerte, sem vida!
DESCULPA
Culpem-me pela decisão
de partir tão cedo
quando tantas mulheres,
maravilhosas mulheres,
ocupam a calçada da solidão.
MENSAGEM
Deixo, para quem apaixonado,
mensagem que deixei de ouvir:
– Olha o olhar da moça que te olha!
São olhares perdidos, são anseios de vida,
são retratos de uma igual solidão.
Deixei de olhar no olhar da moça que me olhava.
A morte bem diz da minha estupidez.
Confesso-me culpado.
Ausente o meu corpo da rua,
caminharei em meio ao silêncio que não queria,
no seio da solidão que já não nos permite
qualquer contemplação.
A vida se estende, vai além das nossas buscas.
Recomendo tempo de reflexão.
Novas moças cruzarão nossos caminhos.
Novas luzes iluminarão nossos passos,
Um céu de paz, certamente nos aguarda.
A precipitação é tiro certeiro no coração dos idiotas.
MOÇAS DA MINHA RUA
São bonitas as moças da minha rua.
Há quem diga que as moças
da rua de cima são muito mais bonitas,
são lindas, asseveram alguns.
Não conheço as moças da rua de cima.
Quase sempre estão viajando.
Viajam para o exterior.
São ricas, ouvi alguém dizer.
Seriam todas as moças da rua de cima
tão lindas e tão ricas!
Os moços da rua de cima
andam ciscando nosso terreno,
atrás, certamente, das nossas moças.
Nossas moças!
Até parece que sou senhor de todas elas!
Conheço Maria, apenas conheço.
Nada sei sobre ela a não ser que
mora numa casa de esquina,
no final da nossa rua.
A rua não é minha, é nossa!
Conheço Santinha, não sei muito a seu respeito.
Trabalha na cidade,
secretaria um grande industrial.
Não conheço o industrial.
Não sei se ele é tão moço para
cobrar de Santinha algo mais.
Conheço os pais de Santinha.
São severos, severos demais.
Tão severos que Santinha continua
sendo vigiada pelo irmão mais moço.
Santinha não tem grande escolaridade.
O primário foi cumprido em escola pública.
O ginásio, em escola particular.
Depois disso, abandonou os estudos.
Logo, Santinha não tem o
tão sonhado nível universitário.
O patrão não foi enganado.
Dizem que gostou da dedicação
da moça ao trabalho por ela executado.
Santinha ganha pouco,
pouco que representa muito para gente tão pobre.
Uma das moças mais presentes em nossa rua é Rudá,
Moça sempre muito festiva, sorriso largo nos lábios.
Alguns dizem que Rudá não é moça bonita.
Acho estranho dizerem isso.
Quem, como ela, com sorrisos
tão largos, será sempre bonita.
Pode não ser tão bonita, mas dizê-la
feia não condiz com a verdade.
Dizem que Rudá anda de namoro.
Manoel não declara aos amigos
sobre esse aconchego.
Calado, faz sua festa sozinho.
A mãe de Manoel já disse que o filho
anda sorrindo pela casa inteira.
Logo teremos casamento.
Logo Rudá deixará a nossa rua.
Irá morar com Manoel na roça.
Plantará e colherá verduras,
serviço leve que Manoel reservou para ela.
Manoel assumirá o trabalho pesado.
Carpirá o chão, cuidará do gado,
alimentará os porcos.
Uma das irmãs de Rudá, são três,
não sai de casa.
Arriscou-se uma vez.
Deu-se mal.
Zé Cunha não respondeu
ao olhar mais meigo de Malena.
A decepção armazenou a moça.
Sua caminhada diária está limitada
a espaços internos da casa.
Já disse que não conheço as moças da rua de cima.
Não me perguntem nada sobre elas.
Morro na rua de baixo.
Minha idade, pequena demais,
não me permite tais conhecimentos.
Meu olhar pequenino percorre a minha casa,
a minha rua e todas as mais
ruas por onde ando.
Não vejo ninguém me vendo.
Logo, não tenho nenhum
compromisso com o mundo!
Logo, a essa altura da vida
Ninguém me dirá pecador!
A ESCOLHA
Seis mulheres procuraram por mim.
Rechacei-as todas!
A primeira fumava muito,
a segunda bebia muito,
a terceira falava muito,
A quarta dormia muito,
a quinta acompanhava todas as novelas,
a sexta, ah a sexta!
eu tinha setenta anos,
um salário mínimo de aposentadoria,
despesas com remédios e impostos,
uma casa pequena carente de reparos...
Confesso que já andava fraquinho,
bem fraquinho!
Foi aí que eu decidi
repensar tantos descartes.
Fiquei com a segunda,
aquela que bebe cachaça,
bebida ainda barata,
que qualquer boteco vende,
aquela que já não goza de tanta lucidez,
aquela que ao beber se alimenta pouco,
aquela que tem, quando tem,
reduzido apetite sexual.
Vai ficar comigo.
Homem que é homem tem que ter mulher.
Seguiremos em frente,
com uma única certeza:
nosso tempo de vida é curto,
curtíssimo demais para tantas festas!
Nossa morte não provocará tanta comoção!
Ninguém deixará saudade!
Ninguém sentirá saudade!
POESIAS SOLTAS
1
Mentir ela não mente
mas não consigo acreditar
em nada do que ela diz
a essa altura da vida
sob esse sol escaldante
e tantas intolerâncias.
Sem saber para onde ir
escolho permanecer
aqui e assim
afinal é este o meu chão
e já não tenho tanto tempo
pra continuar sonhando.
Não falarei do futuro.
eu sou o próprio futuro
tamanha a incerteza do amanhã.
Mentir ela não mente
como saber mais da vida!?
BARES DA VIDA
Não direi meu nome
nos bares da vida
melhor resguardar-me
dos olhos que me cercam
e das bocas que me agridem.
Bebo Havana
cachaça mineira, Salineira,
Salinas, terra de Minas,
cachaça a preço de ouro
coisa raríssima nos bares da vida.
Não é pinga, é cachaça,
bebida mais nobre,
não é bebida de pobre!
Pobre bebe pinga.
São poucos os cachaceiros,
incontáveis os pinguços.
Nos bares da vida,
gozo o prazer e a liberdade
que a Havana dos Castros
não permite ao seu povo.
O povo cubano não bebe
nem pinga, nem cachaça,
o povo cubano,
incompreensivelmente acomodado,
bebe a bárbara opressão
caçadora de sonhos e de ideais,
conduzida pela inescrupulosa
e impiedosa mão castrista.
O povo cubano não clama
por pinga e nem por cachaça.
de forma excessivamente velada,
clama apenas por liberdade,
líquido dos sábios e dos sensatos,
luz que a vida derrama
sobre a humanidade,
sem nada dela cobrar.
Quando Fidel despertar
para o gesto mais humano,
perceberá,
no interior das casas cubanas,
retratos de sua estupidez
no corpo fragilizado do seu povo.
O grito de liberdade virá do céu!
TEMPO DE ESPERA
Nenhum aplauso aos vitoriosos!
Em política, o jogo é sujo!
São mentirosas todas as promessas!
Após beijos e abraços,
fartamente distribuídos,
todos eles inibidores,
a distância,
a pobreza esquecida,
o grito proibido,
a vida por um fio.
Esperança, esperança...
palavra fartamente distribuída
nas celebrações religiosas.
A igreja se tranca,
guarda o ouro dos anjos,
peca e se perdoa.
A morte do operário
já não sensibiliza tanto,
convoca à oração.
As preces se multiplicam!
No palácio do rei,
a insensibilidade continua.
Me aguardem, me aguardem!
A procissão que corta a rua,
conduz a esperança.
A boa-fé resiste,
enquanto a pobreza dorme
no berço da aceitação.
Todos temem acender a luz.
Enquanto isso, a verdade
se mantém silenciosa.
A liberdade exige bom-senso
e coragem. Pede a verdade.
E a verdade não vem!
Perdeu-se, certamente, pelos incontáveis
caminhos deixados pela mentira.
PALAVRA
Uma palavra solta no ar
pode ser anel de noivado
com promessa de casamento,
como pode ser punhal afiado
para o drama
da paixão não correspondida.
PALAVRA
A palavra, solta no ar,
pode ser anel de noivado
com promessa de casamento,
como pode ser punhal afiado
para o drama
da paixão não correspondida.
MORTE
A morte não escolhe caminho
ocupa todos os espaços da busca,
dos sonhos, da liberdade...
tranca-se às vezes
no corredor escuro do medo,
temor que não confessa,
festa que fragmenta
a esperança que não se entrega nunca,
fruto de sua inevitável
e comprovada convicção.
Viver, drama exposto
no palco da vida,
aos olhos incrédulos do palhaço que chora.
Rir de quem!?
A dor é a brisa que sopra
o balanço do parque infantil.
A morte é certa! – dizem todos.
Num canto sujo de bar
o bêbado nada pergunta
olha quem entra
olha quem sai
só não sabe dizer
sobre a falta de alguém.
Liberdade é também isso:
Um copo da melhor cachaça brasileira!
A PIRANHA E O LIVREIRO
Arnaldo Oliveira, proprietário da Livraria e Editora Del Rey, saiu de
férias, foi pescar. Mandei a eles esses versos. Arnaldo e a esposa
compreenderão a brincadeira.
Arnaldinho foi pescar
será que pescou alguém!?
Na verdade, foi procurar
o descanso que faz bem!
Trabalhador contumaz,
livreiro de bom saber,
que na pesca ache a paz,
o que faz por merecer.
Pescador de lambari
eu, menino, fui um dia,
esse tempo que eu vivi
foi de festa e alegria.
Com meu anzol mosquitinho,
com muita minhoca e pão,
arranquei muito peixinho
das águas do São João.
Tive, assim, a meninice,
saudade, não volta mais,
se na vida eu fiz burrice
foi deixar Minas Gerais.
Em São Paulo, eu posso ver
um rio inteiro a chorar,
da tal água, quem beber,
vai por certo se matar.
O tal Rio das Bandeiras,
majestoso foi um dia,
hoje rio de tranqueiras
largo céu de porcaria.
Outro rio na cidade
Pinheiros, também fedido,
dois rios que na verdade
sopram tudo apodrecido.
Não há peixe que sobreviva,
nesses rios tão medonhos,
a mão da maldade, ativa,
desses rios, mata os sonhos.
Saudade da minha terra,
saudade da minha gente,
saudade tenho da serra
que me acolheu docemente.
Viva o Pico da Bandeira,
goze a vida, quem puder,
viva a sombra da paineira,
viva Deus, viva a mulher!
Viva o povo atleticano,
viva o Dadá e o Tostão,
eu, aqui, corinthiano,
vivo a festa do Timão.
No Rio, sou Vascaíno,
em Minas, sou Cruzeirense,
minha vida, meu destino,
sou aquele que mais vence!
Meu amigo, o seu galinho
já não consegue cantar,
o seu canto, tão baixinho,
já não consigo escutar.
Um Cruzeiro em sua vida,
vai mudar o seu destino,
dê à festa mais guarida
mude a letra do seu hino.
Dizer que o galo cantou,
muita gente ouvi dizer,
esse seu galo engasgou
isso é fácil perceber.
Sobre a tal de pescaria
meu amigo, eu também fiz,
esse um tempo de alegria
na minha Espera Feliz.
Mentiroso, o pescador,
bem mais perde do que ganha,
vai à pesca, com muito amor,
sempre à caça de piranha.
O anzol, joga com jeito,
pro peixe não assustar,
em seguida, mete o peito,
faz a vara trabalhar.
A piranha cai na rede,
torce o corpo, faz zoeira,
morta de fome e de sede,
cede à conversa mineira.
Arnaldinho, pescador,
esse um papo bem mineiro,
doce historinha de amor
da PIRANHA e do LIVREIRO.
ESPERA FELIZ
MINHA ENCANTADORA TERRA MINEIRA
SOBRE ESSES VERSOS
Este trabalho é fruto do exercício de escrever, exercício esse que
pratico todos os dias, buscando manter minha mente sempre muito
ativa. Do exercício, tiro também esse proveito, o de
deixar
registradas as minhas lembranças mineiras, gostosas lembranças
da minha terra e da minha gente, lembranças de um tempo feliz de
meninice e mocidade.
A presença de tempos mais recentes será notada por muitos,
mas a grande parte dos versos alcança, sem dúvida, os anos que
passei pisando o chão da minha encantadora terra mineira.
Paris – que dizem ser linda – não será nunca tão bela como a
minha Espera Feliz, cantinho ternamente escondido na Zona da
Mata mineira, plantado aos pés do imponente Pico da Bandeira,
hoje o terceiro ponto mais alto do Brasil.
Nenhuma maior preocupação literária nesses meus escritos. O
leitor perceberá vícios que poderiam ser sanados por uma revisão
mais rigorosa por quem conhecedor profundo da língua portuguesa
e da arte de escrever em versos. Perceberá, ainda, repetições de
nomes e situações. Estou certo de que meu povo compreenderá meu
propósito de apenas dizer o que sinto e da forma como sinto, pois
sei que todos me conhecem muitíssimo bem.
Há muito venho produzindo este trabalho. Nunca todos os dias,
pois outras ocupações preenchem meu tempo de vida, as
profissionais, principalmente, sem falar da vida familiar, do
convívio com amigos e do tempo que ocupo com práticas esportivas.
O estar escrevendo há muito tempo trouxe, certamente, algumas
imperfeições ao trabalho. Algumas pessoas aqui lembradas
estavam vivas quando do início do trabalho. Não voltei ao trabalho
para dar tamanha atualização a ele. Todas as pessoas que nos
deixaram criaram enorme tristeza nos nossos corações, todas elas
muito queridas por nós. De alguns amigos mais próximos como, por
exemplo, Darcy Frauches e Marcos Aranda Alves e de dois
familiares, meus queridos irmãos Telma e Alencar Júnior, cheguei a
retomar o trabalho para dizer de tão sentidas perdas.
Um ou outro nome pode não estar grafado corretamente. Meu
afastamento de Espera Feliz ocorreu em dezembro de 1954. Logo,
as maiores lembranças são dos anos vividos ao lado da minha
gente. Estando tão distante, não tive tempo suficiente para correr
atrás da produção de trabalho mais perfeito. Junto a amigos e
parentes tentei sanar algumas dúvidas, mas percebi que só o
registro civil me daria a resposta mais correta. Para não incomodar
os amigos Marlênio Castro e Marlene, sua esposa, mantive alguns
nomes sobre os quais pairavam dúvidas quanto à correta grafia.
Peço que me perdoem os vícios, compreendendo minhas razões,
razões essas que eu mesmo sei não serem tão justificáveis. Todos
sabem do amor imenso que sinto por minha gente, meus familiares
e meus amigos, e por minha terra natal. Espero contar com a
compreensão de todos, relevando vícios que certamente encontrarão
ao longo de tantos versos.
A história da minha gente e da minha terra não começa e nem
termina aqui. Parte da nossa história já se fez conhecida. Registro,
aqui, alguns acréscimos. A história mais ampla e mais verdadeira
deverá ser escrita por quem realmente historiador.
Meu trabalho não é fruto de pesquisa, mas apenas fruto das
lembranças que ainda tenho guardadas do tempo que passei ao
lado da minha gente, familiares e amigos, gozando o sol das
manhãs e tardes maravilhosas e o frescor de inesquecíveis noites,
quando a cidade recebe o abraço mais gostoso de suas soberbas
montanhas.
Entrego ao meu povo a singeleza dos meus versos, ciente das
minhas limitações e da generosidade dos leitores que tiverem
acesso a estes escritos.
Algumas fotos ilustram a obra, fotos conseguidas pelo esforço do
meu sobrinho Jefferson Henriques de Oliveira Braga, a quem serei
sempre muito agradecido.
A linguagem do trabalho é simples, como simples foi sempre o
meu povo esperafelicense, a quem, respeitosamente, deixo o meu
abraço mais carinhoso e ofereço tais registros.
ESPERA FELIZ
MINHA ENCANTADORA TERRA MINEIRA
Todos cantam sua terra,
sou, da minha, seu cantor,
doce espera, ao pé da serra,
berço de paz e de amor.
Satisfeito, o peito diz,
certamente, muito mais,
da minha Espera Feliz,
canto alegre das Gerais.
Junto ao Pico da Bandeira,
orgulho da minha gente,
a minha origem mineira,
foi, de Deus, régio presente.
Ao céu da motivação,
o trabalho me conduz,
falo de amor e paixão,
de um tempo todo de luz.
Falo muito da saudade,
de tudo o que pude ver,
da minha gente, à vontade,
bem mais coisas vou dizer.
Vou, também, falar de mim,
de algumas coisas que fiz,
falarei bem mais, enfim,
da minha Espera Feliz.
Meu chão de pequeno porte,
meu berço, quanta alegria,
saber que teu filho, forte
te mantém à luz do dia!
Chão de gente destemida,
de operário, sim senhor,
que, entregue à dura lida,
tudo faz com muito amor.
O retrato, aqui deixado,
não é fruto de invenção,
mesmo estando apaixonado,
o peito cede à razão.
Quem, de algo, duvidar,
se confirmação quiser,
busque meu chão visitar,
é isso que o povo quer.
Que não fiques duvidando,
o meu povo quer te ver,
todo ele, te aguardando,
com amor, vai te acolher.
Quem nossa terra visita,
boa coisa sei que traz,
bendita terra, bendita,
bendito meu chão de paz!
Posso me ver, pequenino,
pelas ruas, pés no chão,
ouvindo o tanger do sino,
da nossa São Sebastião.
Vi meu povo rezador,
muita gente vi de pé,
na Praça, vi muita flor,
no meu povo, muita fé.
Minha casa, pequenina,
doce lembrança me diz,
fica ao pé de uma colina,
na doce Espera Feliz.
Uma sala, três quartinhos,
uma cozinha, um banheiro,
um chiqueiro, com porquinhos,
galinhas no galinheiro.
Guabirobeiras frondosas,
um pé de laranja lima,
frutas, todas bem gostosas,
cachorro de boa estima.
Belíssimo pessegueiro,
largo espaço descortino,
muitas plantas no terreiro,
do nosso solo divino.
Minha casa foi ao chão,
não tenho como mostrar,
o templo que o coração,
para sempre irá guardar.
Não há fruta, nem quintal,
dispersou-se a minha gente,
esse tempo, sem igual,
passou muito de repente.
Já partiram nossos pais,
já o céu os convocou,
amigos, não vejo mais,
alguns, a morte levou.
Perdi, assim, meu cantinho,
meu espaço mais mineiro,
eu, de tudo, com carinho,
certamente, guardo o cheiro.
O meu peito sempre diz:
pudesse o tempo voltar,
na minha Espera Feliz,
eu ficaria a morar.
No meio da minha gente,
dos meus irmãos e meus pais,
viveria mais contente,
certamente, muito mais.
Na minha longa corrida,
por terras que abracei,
veio forte a despedida
do irmão que tanto amei.
Sem dizer por que partia,
sem motivo, certamente,
nosso Cacá, quem diria,
fez a dor da nossa gente.
Distante que me encontrava,
foi sem minha despedida,
no corpo que nos tirava,
foi parte da nossa vida.
Era um anjo o nosso irmão,
nunca fez mal a ninguém,
tinha enorme o coração,
na vida só fez o bem.
A Telma também partiu,
que tristeza, minha gente,
quem a vida coloriu,
foi-se embora de repente.
Muito alegre, moça ainda,
meu amigo, que surpresa,
ela inerte e muito linda,
fez maior nossa tristeza.
A nossa vida é assim,
mar também de tempestade,
guardado, dentro de mim,
há um mundo de saudade.
Meu amiguinho querido,
faça da vida uma flor,
dando a ela mais sentido,
dando a todos, mais amor.
Viva em paz com sua gente,
dê espaço à cortesia,
essa luz, à sua frente,
é luz da sabedoria.
A casa não nasce feita,
há, nela, a força da mão,
só tem direito à colheita,
quem prepara bem o chão.
Comece agora a plantar,
primeiro, o conhecimento,
já podendo caminhar,
permaneça sempre atento.
Pedrinho fugiu da escola,
do livro não quis saber,
seu tempo, entregou à bola,
deu mais valor ao lazer.
Por não ter se preparado,
para os rigores da vida,
vai pela vida arrastado,
à cata de qualquer lida.
Cata lixo, varre rua,
carpe terra, se esfola,
vive no mundo da lua,
quem mais valor deu à bola.
O estudo é necessário,
faz crescer o cidadão,
evita, dele, o calvário,
de correr atrás do pão.
Quem estuda tem espaço,
no campo que se introduz,
de sobra, desembaraço,
no amplo templo da luz.
Não é preciso sofrer
revezes fortes da vida,
pra só então conhecer,
a estrada a ser seguida.
Quem se prepara mais cedo,
estudando e aprendendo,
vai à luta, vai sem medo,
desafios vai vencendo.
Joguei também muita bola,
eu muito pouco estudei,
mais valor desse à escola,
não passava o que passei.
Por amigos, aconselhado,
a mudar minha corrida,
deixei a bola de lado,
pra dar luz à minha vida.
Ao livro dei mais valor,
voltei ao banco escolar,
o saber do professor,
acertou meu caminhar.
Ao amiguinho, confesso,
eu sou feliz, sei que sou,
no caminho do sucesso,
o saber me colocou.
Não perca tempo menino,
encha de luz o seu dia,
ouça a voz do Pai Divino
que aplaude a sabedoria.
Envelheceu o boleiro...
por não ter nada aprendido,
bate perna o dia inteiro,
sem rumo, desassistido.
O doutor envelheceu,
o que deseja ele tem,
quem o saber escolheu
vive sempre muito bem.
Tem amigos de montão,
tem prestígio, tem dinheiro,
sem espaço e profissão
nada tem o tal boleiro.
Veja a vida como é,
deixa, aqui, sábia lição,
nem todo mundo é Pelé,
nem todo mundo é Tostão!
Nem todo bom jogador,
tem chance de aparecer,
não perde nunca valor
a cabeça com saber.
Seu João foi carroceiro,
seu serviço foi pesado,
por estar o tempo inteiro,
com seu burrinho do lado.
Tio Raul foi carreiro,
Durvalino, carregador,
tio Nilo foi pedreiro,
foi João Silva lavrador.
A pouca escolaridade
dessa gente tão querida,
impôs a necessidade
de mais esforço na vida.
Quem conforto quiser ter,
durante a sua existência,
vai ter que muito aprender,
é questão de previdência.
O recado já foi dado,
resumo tudo o que disse,
deixar o saber de lado,
é dar prova de burrice!
Nos quintais de bom espaço,
sob chuva ou sob sol,
teve a bola nosso abraço,
nas tardes de futebol.
Vi muita gente correndo,
vi muita gente assustada,
muita gente, vi tremendo,
nas rodas da meninada.
Quando a noite mais presente,
sobre um tronco, sim senhor,
na roda de muita gente,
muita história de terror.
Era o teste da coragem,
dando espaço à meninada,
com história na bagagem,
fiz parte da macacada.
Muita história horripilante,
nessas rodas pude ouvir,
quem, sem medo, ia adiante,
quem, com medo, ia dormir.
Esse um tempo de pureza,
nada disso volta mais,
já os pais não vão à mesa,
já há filhos sem seus pais.
Hoje, a vida é de atropelo,
não há mais tempo pra nada,
que os pais tenham mais zelo,
ao cuidar da criançada.
Cuidei bem da minha fé,
orações eu sempre fiz,
no chão, onde pus o pé
confesso que fui feliz!
Igreja do meu batismo,
minha crisma e comunhão,
das aulas de catecismo,
das missas do Padre João.
Igreja de muitos cantos,
muitas rezas, muita luz,
igreja de muitos Santos,
igreja do bom Jesus.
Fui a muitas procissões,
São Sebastião, no andor,
certamente, nas orações,
sentiu forte nosso amor.
Gente simples, nossa gente,
quanta bondade, meu Deus!
Nos lábios, com Deus presente,
quanta oração pelos meus!
Da mais humilde casinha,
Deus jamais se ausentou,
desastre, nenhum na linha,
que nossa terra cortou.
Geraldo cortou a bunda,
quis o trem desafiar,
levou, do trem, uma tunda,
o que vi, posso provar.
Apaixonado, o amigo,
bom filho de lavadeira,
recebeu grande castigo,
por ter feito ele besteira.
Esse filho da Iraci,
safou-se dessa enrascada,
por quem, não sei, pois não vi,
teve a bunda remendada.
Muito barulho o trem fez,
soltou fumaça a valer,
nos trilhos, com altivez,
eu vi maria correr.
Maria, cheia de graça,
o meu povo transportou,
na Bandeira, nossa Praça,
das andanças, descansou.
A nossa água mais pura,
maria teve à vontade,
foi-se o tempo de fartura,
fez-se tempo de saudade.
O Triângulo desfeito,
esse um erro sem perdão,
a dor, cravada no peito,
força a dor do coração.
Fosse mais inteligente,
quem, do mal, o causador,
a nossa água corrente
não teria esse sabor.
O gosto é de safadeza,
de burrice, pode ser,
nosso povo, com certeza,
perdeu, sem querer perder.
Lá no fundo, bem no fundo,
corre, presa ao nosso chão,
a melhor água do mundo,
à nossa disposição.
De repente, tudo cessa,
no silêncio, o empresário,
bom de papo e de promessa,
faz nosso povo de otário.
Vende caro o que produz,
água tratada a seu jeito,
outra vez, a mesma cruz,
outra vez, a dor no peito!
Nova derrota do povo,
presente, outra vez, a morte,
a promessa vem de novo
vem, o golpe, no transporte.
Nosso trem não volta mais.
Onde o lenço na janela?
Onde o sopro nos varais?
Onde a mocinha tão bela?
Onde os nossos viajantes?
Onde o apito do trem?
Onde o beijo dos amantes
e a festa do vai-e-vem?
Olha a laranja, doutor,
olha o bilhete, olha a sorte,
o doce feito de amor,
o desencanto, olha a morte!
Os trilhos, deixou maria,
pergunto e ninguém me diz,
quem tirou essa alegria
da nossa Espera Feliz?
Já não há trem na estação,
não há mais telegrafista,
nem Salomé, nem Lugão,
não há lenha, nem foguista.
Vez ou outra, o Pedro Malta
consigo ainda encontrar,
minha gente, quanta falta
das pessoas do lugar!
Na janela, da Rua Nova,
já não há Pedro Roldão,
nem sabatina, nem prova,
nem Cabral, nem Gavião.
Onde
Onde
Onde
Onde
achar Dona Filinha?
achar Dona Dadá?
a manga madurinha?
a cana e o biribá?
Onde a Mestra Maricota,
com seu talento e rigor?
Se distante a melhor nota,
muito perto o seu amor.
Dos Magalhães, o Darcy,
onde foi que se meteu?
De muita gente eu ouvi,
que no Rio se escondeu.
Vi, no Darcy, alegria,
vi bondade, vi ternura,
vi nele a sabedoria
sem arroubos de loucura.
João voltou, alguém diz,
mora aqui, deve ficar,
a doce Espera Feliz
outra vez a cutucar.
Professora competente,
Erondina, tão querida,
mostrou, ela, à nossa gente,
os bons rumos dessa vida.
A terra é boa, é demais,
o povo é bom, sabe disso,
nesse meu chão das Gerais,
falta apenas mais serviço.
O filho que vai embora,
só o deixa por precisão,
bem distante, sei que chora,
saudoso do doce chão.
Vai a vida, vou com ela,
de lembrança, vou em frente,
outra vida, não aquela,
essa, em tudo diferente.
Eu vejo a cidade inteira,
minha gente posso ver,
da minha terra mineira,
não tenho como esquecer!
Cortou, a rua, a boiada,
de sujeira, fez-se o chão,
nessa sua caminhada,
fez cocô em profusão.
Muitos sinos, vai a tropa,
são os burros, sei que são,
baralho, sem ás de copa,
leva ao jogo confusão.
Saudade do meu barquinho,
ao sabor da correnteza,
saudade do pão quentinho,
do meu pai posto na mesa!
Onde o bife acebolado
foi, afinal, se meter!?
Esse um tempo temperado
com muito amor e prazer!
Já não há Manoel Vieira
mudando a linha do trem,
não vejo mais brincadeira,
já não vejo mais ninguém!
Vi, no pai do Queirozinho,
um correto servidor,
em Maria, vi carinho,
muito zelo e muito amor.
Como esquecer dessa gente,
tão presente em nossa vida!?
Como esquecer, de repente,
de família tão querida!?
Grimaldo esteve ao meu lado,
foi meu zagueiro central,
num sábado abençoado,
deu-se ele muito mal.
Machucou-se o bom zagueiro,
perdemos nós a disputa,
para o filho do barbeiro,
o presente mais batuta.
Pro Colégio fui levado,
voltei, então, a estudar,
por ter sido convidado,
nada tive que pagar.
A bela chance que tive,
se foi coisa do Divino,
o anjo que já não vive,
tinha nome de Adelino.
Quem me deu a grande luz,
junto a Deus está presente,
serviu-me, serve a Jesus,
fez-se anjo, certamente.
Custódio, o assobiador,
de andanças, companheiro,
foi pra longe, sim senhor,
do nosso canto mineiro.
Esse moço partiu cedo,
quis a vida fosse assim,
sua infância, sem segredo,
passou-a perto de mim.
Fomos sempre companheiros
das mais puras brincadeiras,
no esporte, fomos boleiros,
nas nossas canchas mineiras.
Custódio, o telegrafista,
foi sempre moço exemplar,
seu assobio, de artista,
fez, de paz, meu despertar.
Muito cedo, bem cedinho,
a caminho da estação,
parecia canarinho,
dando luz ao nosso chão.
Tinha ele seu estilo,
seu jeito meigo de ser,
sobrinho do Meio-Quilo,
sempre soube o que fazer.
Nosso amigo foi embora,
Seu Ananias foi ver,
Dona Nair, sem demora,
quis o filho receber.
Quando Deus faz o convite,
perde espaço a rebeldia,
o homem não dá palpite,
quem é sábio, silencia.
Nas nossas mãos, nossa sorte,
nas mãos, de Deus, nossa vida,
na mesma mão, nossa morte,
nosso tempo de partida.
Dói o peito, dói demais,
depois, a conformação,
no nosso chão das Gerais,
nossa dor fez procissão.
Vi muita gente partindo,
muita gente, vi chegando,
Deus, o mundo construindo,
vai seu povo renovando.
Saudade, quanta saudade,
quantas partidas, meu Deus!
Valesse nossa vontade,
ninguém levaria os meus!
Quando falo da nossa gente,
de gente que nós perdemos,
eu tenho Deus, de repente,
revelando o que nós temos.
Mostra filhos, mostra netos,
parece que ouço Deus:
“seus amigos mais diletos
são, também, amigos meus!”
“Estão todos protegidos,
bem felizes, eu bem sei,
para os amigos queridos,
bom espaço reservei!”
“Eu tenho aqui, ao meu lado,
quem ao seu lado viveu,
seu papai está sentado
no trono que já foi meu.”
“Sua mãe, o dia inteiro,
cumpre, aqui, grande papel,
ao lado do seu barbeiro,
cuida bem do velho céu.”
“Tenho dois céus, pode crer,
um deles dei aos seus pais,
fizeram por merecer,
mais que muitos, muito mais.”
Minha infância já se foi,
para o norte ou para o sul!?
Pra onde o carro-de-boi
levou Maria e Raul?
Já não há terra na rua,
como pisar no meu chão?
Já nem sei se nossa lua
força a mesma inspiração.
Seresta, já não há mais,
já não há mais brincadeira;
quem recolheu os varais
da nossa roupa mineira?
Meu pé de laranja lima,
quem arrancou do meu chão?
Rua abaixo, rua acima,
quem fez calar meu pião?
Os papagaios que fiz,
com linha, cola e papel,
garantem que fui feliz,
olhando nuvens no céu.
Tive gaiola e viveiro,
tudo isso, eu mesmo fiz,
fui muito passarinheiro,
na minha Espera Feliz.
Prendi canário e rolinha,
tico-tico e bem-te-vi,
sem minha mãe na cozinha,
quantas rolinhas comi!
Tico-tico eu não comia,
prendia só por prender,
pra nada esse tal servia,
nada tinha a oferecer.
Do tiziu, passei distante,
esse um grande saltador,
esse pretinho arrogante,
nunca teve bom valor.
Muitos goderos eu vi,
para os tais eu nem liguei,
nas gaiolas, não prendi
os goderos que avistei.
Sanhaços no mamoeiro,
esse voraz comilão,
pude ver o tempo inteiro,
quando vermelho o mamão.
Nas terras do Seu Jacy,
com muito sol e calor,
com meu amigo Nely,
fui atrás de um cantador.
Esse moço, companheiro,
amigo certo e leal,
um fuçador de terreiro,
foi, na caçada, infernal.
Muitos melros pude ver,
no meu correr de quintais;
como deles esquecer,
quem deles gostou demais!
Desse tempo, tão gostoso,
muita gente já partiu,
nem o rio, tão sinuoso,
ao progresso resistiu!
Mudou demais o São João,
perdeu as curvas que tinha,
sobra, dele, a inspiração,
de presença tão vizinha.
Nas grandes cheias havidas,
de proporções colossais,
com suas mãos destemidas,
alcançou nossos quintais.
Depois do rio alinhado,
o que vejo não me agrada,
com pé na água ou do lado,
muita casa pendurada.
Um erro da Prefeitura,
tais construções liberar,
a construção é segura,
verei alguém exclamar.
No futuro quero ver,
com enchentes que virão,
tudo pode acontecer,
em face da intromissão.
O meu aviso foi dado,
nada vou acrescentar,
vai, no livro, registrado,
deve o povo se cuidar.
Com tanto espaço no chão,
no solo mais consistente,
por falta de precaução,
surge o drama de repente.
Vi meu povo pendurado
em casebres, bem no alto,
um outro grande pecado,
outro erro aqui exalto.
Uma palavra ao Prefeito,
fiscalize ou mande alguém,
construindo desse jeito,
problema logo se tem.
Onde estão os passarinhos?
Não me responde ninguém!
Onde o tiziu dos pulinhos?
Onde o tal joão-peneném?
Esse um tempo de poesia,
de excelsa liberdade,
tempo farto de alegria,
hoje tempo de saudade.
A minha terra querida,
vez ou outra, volto a vê-la,
enquanto estiver com vida,
quero luz da grande estrela.
Pisar, na terra, pisei,
calçado, só bem mocinho,
com prego me machuquei,
com vidro e também espinho.
Um conselho à meninada:
cuidado com pés no chão,
até mesmo a boa estrada
produz dor em profusão.
Jamais calcei havaiana,
essa tal não vale nada,
a propaganda é bacana,
é mentira bem contada.
Eu, menino sapateiro,
fiz chinelo, fiz sapato,
muito mais do que dinheiro,
lições eu ganhei de fato.
Pra vida que nós vivemos,
bom lugar tem o saber,
o saber que todos temos,
só nos ajuda a crescer.
Quem mais sabe, certamente,
tem mais espaço na vida,
quem, culto, segue na frente,
tem bons trunfos pra corrida.
Quem não sabe, pobrezinho,
não sai nunca do lugar,
pedra burra, no caminho,
só serve pra atrapalhar!
Sucesso, só por favor
de alguém mais generoso,
esse um prêmio sem valor,
esse um jogo perigoso.
Nada a vida me entregou,
sem que muito me cobrasse,
quem, na vida, me ensinou,
cobrou-me que eu ensinasse.
Tenho, assim, tentado agir,
além de ensinar, eu torço,
quem é mestre em construir,
bem sabe do meu esforço.
Minha torcida é constante,
com atenção redobrada,
tento fazer, do barbante,
corda grossa, reforçada.
Percília foi lavadeira,
nas águas do São João,
cuidou da família inteira,
com muita força e sabão.
Deu amparo ao Luizinho,
um amigo complicado,
um cantor, um passarinho,
sempre solto e desvairado.
Faz loucura, isso faz,
isso fez a vida inteira,
desse jeito, vive em paz,
no mundo da brincadeira.
Nos circos e nas touradas,
seu talento ele mostrou,
o rei das atrapalhadas,
pouca coisa conquistou.
Nem assim mudou seu rumo,
segue assim, não quer mudar,
qual peito que leva fumo
vai morrer sem se queixar.
A Carlinda, miudinha,
valente, como ninguém,
deu espaço à dor vizinha,
e pouco espaço ao Neném.
Sem nenhuma concorrente,
no pecado entrou de sola,
fez muito moço decente
caminhar na Carangola.
Condenar sua conduta,
eu, jamais isso faria,
quanta moça se faz puta
entre nós, à luz do dia!?
Nas tevês, o dia inteiro,
mais à noite, certamente,
vejo atrás de algum dinheiro,
quem se diz muito decente.
Algumas feiras eu vi,
onde um grande pasto havia,
terrenos que percorri,
quando eu mais me divertia.
Nas feiras, vi alegria,
o povo inteiro contente,
amigos que já não via,
eu pude ver novamente.
Vi Geraldo Vitorino,
o Harlow também eu vi,
vi Galileu do Divino,
Evandro do Seu Ary.
Uma bandinha animada,
com Zé Neto festejando,
Ito posto na jogada,
seu belo sax tocando.
No palco da animação,
Virgilinho lá estava,
competente na função,
toda a festa comandava.
O pasto perdeu espaço,
foi mudado o seu destino,
perdeu, também, o abraço,
de quem ontem foi menino.
Minha infância, tão festiva,
trago, no peito, guardada,
essa infância, toda viva,
mais me prende à terra amada.
Minha terra, meus cantinhos,
meus amigos, quantos ais,
saudade dos passarinhos,
saudade dos meus quintais.
Esse um tempo de ternura,
de lembranças saborosas,
esse um tempo de aventura
de traquinagens gostosas.
Vi muita gente na rua,
sem qualquer ocupação,
nos açougues, carne crua,
vi em cima do balcão.
Sem dinheiro pra comprar,
muita gente só olhava,
o açougueiro, a olhar,
certamente lamentava.
Gente pobre, que tristeza,
sem trabalho e sem tostão
não podia por na mesa,
toda aquela tentação.
Ao açougue do Menezes,
todo mundo ia a pé,
lá nós fomos muitas vezes,
atrás de contrafilé.
Em datas especiais,
algum filé se comia,
a pouca grana dos pais,
muito mais não permitia.
O meu prato preferido,
o franguinho com quiabo,
assim que era servido,
dele eu logo dava cabo.
O cheiro vem da cozinha,
chega forte, provocando,
é angu com cebolinha,
a meninada assanhando.
Tendo frango na panela,
não há porque discutir,
não se avança na moela
já tem dono, o Juadir.
Gosto de asa e pescoço,
dos pés eu não gosto não,
quem avança nesse osso,
nunca vai além do chão.
No fogão, mamãe mandava,
papai, na barbearia,
quando a casa se trancava,
grande festa se fazia.
Pareciam dois pombinhos,
num ninho todo de flor,
a cumprir iguais caminhos,
confessando o mesmo amor.
De tevê, nem se falava,
telefone, nem pensar,
o rádio que se escutava,
vivia, sempre, a chiar.
Descontada a chiadeira,
o rádio foi bom demais,
foi a palavra primeira
a ensinar nossos pais.
Esse enorme educador
deu mais luz ao camponês,
foi no campo, sim senhor,
que mais milagre ele fez.
Escola, só na cidade,
na roça, pra que pensar!?
Como atender a vontade
de bem o povo educar!?
Meu povo, sem instrução,
a graça inteira ceifada,
em vez do livro na mão,
teve foice, teve enxada.
Quando longe a luz do dia,
o seu prazer, finalmente,
nessa hora ninguém pia,
cala a boca a nossa gente.
Só o rádio e ninguém mais,
bem mais tem ele a dizer,
no silêncio dos nossos ais,
bom tempo pra se viver.
Um programa de diversão,
a lembrança não me trai,
nossa alegre curtição:
o “Balança, mas não cai!”
Um programa de sucesso,
como dele me esquecer?
O grande “Repórter Esso”
fez nosso tempo correr.
PRK 30,
um programa de alegria,
gente que borda e pinta,
pinta e borda todo dia.
Eu dei risada a valer,
esse tal mais me agradou,
esse um tempo de prazer
que na memória ficou.
Um programa muito puro,
lembranças boas me traz,
quando a cidade no escuro,
dava espaço à nossa paz.
Era um tal de faltar luz,
que o povo se acostumou,
conduzindo a sua cruz
sem brigar, só reclamou.
Não se falava de medo,
no meu tempo de menino,
dormiam todos bem cedo,
com bênção do Pai Divino.
Meu povo foi rezador,
foi, ao bem, sempre fiel,
orou muito e com fervor
pra ter espaço no céu.
“Sete anjos a rezar...”
minha mãe me ensinou,
dela eu vivo a me lembrar,
quando a rezar eu estou.
Menino, eu só pude ler
os livros da minha escola,
muito mais pude aprender
por influência da bola.
Joguei bola de bexiga,
bola de meia, também,
a de couro trouxe briga,
eu já lhes digo com quem.
Com o amigo Luizinho,
um baita provocador,
como eu, pequenininho,
mas briguento, meu senhor!
Tenho viva a confusão,
foi grande a pancadaria,
Adalberto, meu irmão,
nessa aqui se envolveria.
Simples briga de menino,
tudo na perna e no braço,
de repente, Seu Adelino,
põe-se bravo no pedaço.
Vendo o pai do Luizinho,
na nossa briga envolvido,
sai o Beto de mansinho,
volta armado e decidido.
Na fábrica de aguardente,
com nome de Terra Fria,
do Seu Reinaldo Valente,
nosso Beto se armaria.
Com cana grossa na mão,
seu ataque é fulminante,
dá pancada de montão,
torna a briga eletrizante.
Cessa a briga de repente,
quem assiste, não quer mais,
a lembrança, ora presente,
agora envolve meus pais.
Meus amigos, Seu Adelino
que a gente bem conhecia,
apesar de pequenino,
de grandeza se vestia.
Amigo dos nossos pais,
nosso amigo, sim senhor!
Qual razão pra tantos ais!?
Qual razão pra tanta dor!?
Deixo à nossa criançada,
com meu amor mais profundo,
a frase já consagrada:
viva em paz com todo mundo!
Joguei bola nos quintais,
no chão de terra batida,
pudesse, eu vivia mais,
esse meu tempo de vida.
Marquei gols a vida inteira,
fui festa de muita gente,
na minha terra mineira,
seu herói, fui de repente.
Foi-se o tempo, que tristeza,
foi-se a vida de menino,
o passado, posto à mesa,
posso ouvir na voz do sino.
Muita gente, vi partindo,
muita gente, vi chegando,
muita gente, vi sorrindo,
muita gente, vi chorando.
Por onde anda o Marly?
E o nosso Neném de Banda?
Por onde anda o Didi?
Pedrinho, por onde anda?
Veio o dia da partida,
da despedida, afinal,
um novo rumo na vida,
bem longe do meu quintal.
Um convite me foi feito,
mais que depressa, aceitei,
num dia, o convite aceito,
já, no outro, eu viajei.
Fui residir no internato,
fui cursar o Admissão,
fui, à vida, dar bom trato,
fui atrás de outra paixão.
Deu-me, a bola, o bom caminho,
deu-me a luz do mais saber,
deu-me, o mestre, com carinho,
outra vida eu pude ter.
Do mestre, veio a lição,
vem, do livro, nossa glória,
do saber, a tentação,
da tentação, a história.
Sobre esse tempo vivido,
um dia vou escrever,
serei, sempre, agradecido,
a quem me deu mais saber.
Como esquecer do Adelino,
do Colégio, o Diretor!?
Com certeza, meu destino,
teve a mãos desse senhor.
Do Sathler maravilhoso,
eu vou sempre me lembrar,
seu gesto, mais generoso,
tenho, ainda, a me embalar.
Meu povo não lia nada,
eu, menino, pouco lia,
muita palavra truncada
na nossa boca corria.
“Tô” – o certo seria “estou”,
“ocê” – o “você” falado,
quem minhas cartas guardou,
tem prova do meu passado.
“Tumate”, vivo a dizer,
foi, assim, que eu aprendi,
tendo um dia que escrever,
assim “tumate” escrevi.
Minha infância vou saudar,
foi um tempo sem espinho,
muito tranqüilo, o meu lar
fez, de luz, o meu caminho.
Minha mãe, presa à cozinha,
sempre muito competente,
com a grandeza que tinha,
deu bom trato à nossa gente.
Nossa casa, pequenina,
vó Davina acomodou,
saudade da vó Davina
que nunca mais retornou.
Gostava de um cigarrinho,
o de palha, certamente,
no espaço do seu quartinho,
tinha a tosse por presente.
Tossia muito, tossia,
muito idosa, o que fazer!
o cigarro, por companhia,
minha avó quis sempre ter.
Certa feita, ela embarcou,
foi pra terra onde nasceu,
nunca mais vovó voltou,
logo ao céu se recolheu.
Saudade da vó Davina,
de tudo o que fez por nós,
da sua fé cristalina,
da doçura de sua voz.
Aproveite a criançada,
esse tempo pra estudar,
a cabeça mais educada,
pode o mundo conquistar.
Fui engraxate na vida,
quando muito pequenino,
minha infância protegida
teve as mãos do Pai Divino.
Fez-me bem ter trabalhado,
tudo o que fiz me ajudou,
o saber que me foi dado,
pra vida me encorajou.
Tive eu meus trocadinhos,
à minha gente ajudei,
correndo estranhos caminhos,
muitos moços encontrei.
Alguns amigos de infância,
sofrem muito hoje em dia,
sabem, hoje, da importância,
do que a mestra nos dizia.
Quem da escola se afastou,
quando devia aprender,
colhe, hoje, o que plantou,
só tem a dor pra colher.
A escola que nos ensina,
é um enorme céu de luz,
nesse céu, a mão divina,
nossa vida bem conduz.
Deus, por nós, tudo tem feito,
nós, por nós, o que fazemos?
Toda vez, quando me deito,
eu pergunto – o que sabemos?
A resposta pretendida,
outra vez me desafia,
sabemos pouco da vida,
falta em nós sabedoria.
Tenho eu que concordar
com a resposta que vem,
preciso mais estudar,
o saber me fará bem.
Meu tempo moço passou,
bons tempos, quanta beleza!
Desse tempo, o que restou
traz saudade e não tristeza.
Nesse meu tempo, navego
a minha infância querida,
à doce festa, me entrego
nos passos de outra vida.
Minha infância foi feliz,
a mocidade também,
fiz tudo aquilo que quis,
sem fazer mal a ninguém.
Brinquei, apenas brinquei,
bons amigos pude ter,
estudei, muito estudei,
só, assim, pude crescer.
A hora da brincadeira,
a hora que sei sagrada,
quem brincou a vida inteira,
certamente não fez nada.
Não importa a profissão,
que vais um dia abraçar,
faz, o simples, com paixão,
que Deus vai te compensar.
Meus amigos, onde estão?
Vejo todos de repente,
com festa no coração,
vou falar da minha gente.
O Jairo foi açougueiro,
quero bem a esse moço,
no empenho mais rotineiro
vi vender carne sem osso.
Amigo muito educado,
esse filho do Josias,
pela vida abençoado,
conduz, em paz, os seus dias.
Quem curte aquilo que faz,
trabalhando honestamente,
vive com Deus, vive em paz,
que outro melhor presente?
Engraxate de primeira,
sempre muito caprichoso,
foi a Praça da Bandeira
seu berço mais precioso.
Num canto do Montanhês
juntinho ao Nico Jacob,
cumpriu, ali, com altivez,
a função de rei do pó.
Tirou poeira a valer,
dos calçados que engraxou,
Zé Canguru, ao vencer
bom exemplo nos deixou.
Foi alegre e divertido,
fez amigo vida afora,
seu descanso merecido,
certamente, vive agora.
Para nós, cedo demais
esse amigo nos deixou,
seu registro, nas Gerais,
o trabalho consagrou.
Apesar da enfermidade,
que seu corpo veio a ter,
não deu mão à caridade,
fez seu esforço valer.
Muita gente, hoje em dia,
não querendo trabalhar,
pede aquilo que devia,
com esforço conquistar.
Minha terra, que beleza,
que encanto a minha gente,
fez a mão da natureza,
tudo ali brotar contente!
Vejo o campo bem verdinho,
vejo a terra iluminada,
minério, no meu caminho,
faz de luz à minha estrada.
No morro, muito caulim,
micanite, muito mais,
quis o Pai brotasse assim
esse canto das Gerais.
A mão forte do meu povo,
tira, da terra, o sustento,
galinha que bota ovo
não teme chuva, nem vento.
No quintal da nossa casa,
sempre havia cebolinha,
um fogão, com muita brasa,
era o xodó da cozinha.
Muitas vezes fui ao mato,
fui, por lenha, procurar,
peguei lenha e carrapato,
fui, sem nunca reclamar.
Bicho-de-pé, isso havia,
coceira, com boa prosa,
o nosso tempo corria,
vida alegre, prazerosa.
Um chiqueiro no quintal,
um pé de laranja lima,
muita roupa no varal,
roupa de baixo e de cima.
Um “Corguinho” tem espaço
leva, ao rio, água usada,
certamente, desse abraço,
foge toda a meninada.
Desse encontro, nós fugimos,
água suja, essa não,
só mais tarde descobrimos
que mamãe tinha razão.
No rio, muita sujeira,
muita doença em seu leito,
a “shistose”, bem matreira,
cuidou de nós a seu jeito.
Muita gente ela alcançou,
em alguém pegou mais forte,
o Paulinho nos tirou,
levou nosso amigo à morte!
Esse, um menino bonzinho,
um companheiro excelente,
no seu irmão, Homerinho,
o ontem se faz presente.
Comi bife acebolado,
quem comeu, também gostou,
por minha mãe temperado,
como ninguém temperou.
Comi muita cebolinha,
no angu, o seu lugar,
no caldinho da galinha
pus angu pra navegar.
Havia muito respeito
no meu tempo de menino,
nós crescemos desse jeito,
com a bênção do Divino.
Nossa casa, que saudade!
Quem fez o tempo passar,
não fez a nossa vontade
que foi sempre a de ficar.
Saudade dos nossos pais,
dos irmãos, ao nosso lado,
da conversa nos quintais,
da mamãe com seu agrado.
Corri, com bola, na rua,
fiz gangorra, fiz varal,
pros moços, mostrei a lua,
pras moças, eu dei a tal.
Os mais velhos, respeitei,
desse jeito, bem vivi,
muita coisa que hoje sei,
foi com eles que aprendi.
Nos velhos, sabedoria,
isso eu sempre pude ver,
as lições que recebia,
só me fizeram crescer.
Muito andei de caminhão,
indo atrás de futebol,
com Paulo, na direção,
sob chuva ou sob sol.
Esse filho da Carola,
na bola, foi aprendiz,
Vicentão foi bom de bola,
coube, ao Paulo, ser juiz.
Menzuca, que maravilha!
Fabuloso em seu lugar,
muita bola, na forquilha,
o Menzuca foi buscar.
Do bom Hugo, o que falar!?
Cedo demais nos deixou;
elegante, em seu trajar,
a muita moça encantou.
Das irmãs dessa moçada,
minha lembrança me avisa,
não fique, sem ser lembrada,
quem com nome de Marisa.
Essa moça foi festiva,
fez da vida o que bem quis,
moça esperta, muito viva,
certamente, foi feliz.
Das três moças da Carola,
eu consigo me lembrar,
dos filhos, jogando bola,
muita coisa pra contar.
Das filhas, o que dizer!
A mais velha foi artista,
brilhou, no Rio, a valer,
bem longe da nossa vista.
Pude vê-la sobre a linha,
tendo à mão um cachorrinho,
com ar de Deusa e Rainha,
fez de luz o seu caminho.
Quem fez vibrar a platéia,
quem tanto o Rio saudou,
tinha nome de Ediméia,
quem de luz se engalanou.
Sobre essa moça mineira,
Grande Otelo confessou,
“foi ela a melhor parceira
que o trabalho me entregou!”
Sobre o sucesso dos dois,
o que sei, ouvi falar,
que alguém conte depois,
eu quero tudo escutar.
Maria Ângela Brandão,
também filha da Carola,
deu bom rumo ao coração,
ao Mário Lúcio deu bola.
Essa moça, tão educada,
já nos deixou, que tristeza,
sua marca registrada:
educação com beleza.
Mário Lúcio, vi distante
conversar, não conversamos,
esse um tempo interessante,
da vida que nós levamos.
Ele moço, eu pequenino,
eu, por demais inquieto,
cada um com seu destino,
eu, mais torto, ele mais reto.
Eu, moleque e atrevido,
ele, bem posto, educado,
seu gesto, bem mais contido,
nunca foi do meu agrado.
Gostoso era ser moleque
pra contar qualquer história,
gol aberto, longe o beque,
um tempo inteiro de glória.
Bate saudade, outra vez,
do nosso Santa Luzia,
quando Pedrinho Mercês,
a bola inteira escondia.
Esse moço, em meu caminho,
sua marca deixou de vez,
de repente, sou Ratinho,
o registro que ele fez.
O meu nome de escritor
esse eu pude preservar,
o nome que, com amor,
dos meus pais pude ganhar.
Sem a marca do passado,
com o nome que tenho agora,
eu espero ser lembrado,
quando a vida for embora.
Bendita terra, bendita,
bendita a luz do meu sol,
bendita a bola bonita
nas tardes de futebol.
Fui menino peladeiro,
descalço, eu joguei demais,
ao me tornar sapateiro
fiz a festa dos meus pais.
Engraxei muito atanado,
sapatos eu engraxei,
tive, assim, o meu trocado
pros picolés que chupei.
Groselha, eu bebi demais,
esse um tempo encantador,
tempo moço dos meus pais,
meu doce tempo de flor.
Minha casa, meu quartinho,
minha cama, meu lençol,
esse um tempo de carinho,
muita festa e futebol.
Quem esse tempo levou,
pra bem distante de mim,
certamente, se enganou,
se ao meu tempo quis dar fim.
Grande festa, não fizemos,
mas nunca passamos fome,
como nós o recebemos,
mantivemos nosso nome.
Fomos bons, fomos gentis,
se levado, fui bem pouco,
fiz muita gente feliz
por ser bom e não ser louco.
Não agredimos ninguém,
de ninguém nada tiramos,
praticando sempre o bem
só amigos conquistamos.
Foi, assim, a nossa vida,
nada, em casa, nos faltava,
bem gostosa era a comida
que a família alimentava.
Café, manteiga e pãozinho,
nada disso nos faltou,
muito bolo e biscoitinho,
nossa mãe nos preparou.
Muitas frutas recebemos
de gente amiga demais,
algumas frutas colhemos
nos nossos curtos quintais.
Duas lindas guabirobeiras,
deram fruto sem parar,
por nossas bandas mineiras,
onde seu fruto encontrar?
Ameixa, figo e goiaba,
hoje, ainda, eu posso ver,
a minha infância desaba,
quer guabiroba comer.
Saudade, moço, saudade,
dói demais essa bichinha,
vontade, moço, vontade,
de comer a tal frutinha.
O balanço, na mangueira,
num eterno vai-e-vem,
balançou a vida inteira
a minha infância também.
Um cavalinho, pintado
por papai, espertalhão,
colocou ao nosso lado,
quem com pinta de peão.
Vestindo capa bem grossa,
muito cinza a sua cor,
papai foi buscar na roça,
tudo o que tinha valor.
Garrucha, sem serventia,
já por seu dono encostada,
se seu dono não queria,
por papai era comprada.
Na nossa casa, essa tal
sofria a transformação,
esse meu pai, genial,
foi o rei da solução.
Se papai pagava vinte,
pra vender, ele dobrava,
consertada, com requinte,
ao ex-dono retornava.
Relógio velho, encostado,
pro meu pai tinha valor,
quem vivia só parado
fez logo trabalhador.
Nas margens do São João,
fui, da mica, um catador,
tive, assim, o meu tostão,
nunca nada de favor.
Meu tempo de menininho,
foi de muita diversão,
esperto, no meu cantinho,
fui senhor do nosso chão.
Brinquedos, eu mesmo fiz,
esse um tempo sem dinheiro,
tive aquilo que bem quis,
nesse meu canto mineiro.
Fiz gaiola, fiz arapuca,
eu, também, fiz alçapão,
fiz taco, fiz a sinuca,
fiz a fieira e o pião.
A varinha de pescar,
de bambu, bem esticada,
deixei no sol a secar,
na mangueira pendurada.
Na pesca do lambari,
minha isca era fatal,
seu preparo, mostro aqui,
eu nunca vi nada igual.
O fubá era molhado,
trigo a ele eu misturava,
depois de bem misturado,
a bolinha eu preparava.
Bolinha bem pequenina,
só assim no anzol cabia,
mosquitinho, coisa fina,
a fisgada eu não perdia.
Mesmo esperto o peixe fosse,
no meu terreiro fui rei,
do São João, de água doce,
quantos peixinhos tirei!?
Comi bagre e lambari,
traíra de vez em quando,
cascudo, eu também comi
com pão doce acompanhando.
Esse tempo de liberdade,
de carinho e muito amor,
perdeu-se, virou saudade,
saudade que se fez flor.
O cheiro da meninice
reina, inteiro, em minha vida,
isso é bom, alguém já disse,
tem-se a infância repetida.
Fui pras terras do Chalé,
fui pras bandas do Biló,
calça curta, sempre a pé,
com amigos, nunca só.
A fazenda da Pepita,
tia doce e camarada,
foi sempre muito bonita,
foi, por todos, bem cuidada.
No espaço do seu terreiro,
tive um tempo, sem igual,
eu fiz festa o dia inteiro,
junto ao primo Demerval.
Estimo muito esse primo,
João e José, também,
às primas, também, estimo,
os tios como ninguém.
A mais velha, Maria Elcy,
cuidou dos pais com paixão,
no trabalho pesado, eu vi
quem casou com Solidão.
João Campos, sim senhor,
alfaiate, de primeira,
fez terno com muito amor
junto à Praça da Bandeira.
A Cely, já mais mocinha,
esposa cedo se fez,
desceu serra, correu a linha,
pra estar com o Juarez.
Tio Antônio, uma doçura,
operário e não senhor,
no trato da rapadura,
tio Antônio foi doutor.
Puxa-puxa, que gostosa!
Depois de tanto ferver,
já no ponto, saborosa,
com colher, pude comer.
Vinha, do tacho, quentinha,
esfriar, só mesmo um pouco,
o puxa-puxa que vinha,
eu comia como um louco.
Muito jambo, muita manga,
cana doce e biribá,
tempinho de boi na canga,
maria preta e araçá.
Comida bem preparada
a mesa inteira cobria,
bom tempero na salada,
panela suja, na pia.
Jiló, arroz, canjiquinha,
quiabo, frango e serralha,
no espaço da cozinha,
comida pra quem trabalha.
O Lourdes, no seu cantinho,
caboclo velho, arretado,
ocupando o seu banquinho,
a conversa põe de lado.
Sua casa, no quintal,
ele ocupa por inteiro,
trabalhador, sem igual,
foi um grande companheiro.
Ao trabalho se entregou
sem qualquer reclamação,
seu esforço, não negou
à família do patrão.
Sua idade, não sei contar,
quase cem, alguém me diz,
não vi o Lourdes chorar,
vi o Lourdes ser feliz.
Gostava da minha gente,
esse grande servidor,
viveu a vida contente
tendo sempre o nosso amor.
Se partiu, está no céu,
com o Pai, tenho certeza,
por cumprir bem seu papel
terá sempre farta a mesa.
Estranhar pode estranhar,
pense tudo o que quiser,
o Lourdes, devo explicar,
foi homem, não foi mulher.
Nenhuma queixa ele fez,
com certeza, foi feliz,
dando voz à honradez,
teve tudo o que bem quis.
Não teve muito, dirão,
quem disser essa besteira,
vai condenar, sem razão,
a nossa família inteira.
Quem o Lourdes conheceu,
vai comigo concordar,
teve a festa que mereceu,
teve amigos, teve um lar.
Se pudesse, eu ergueria
um altar pro meu padrinho,
confesso minha alegria
do Quitito em meu caminho.
Quitito não foi Quitito
Melquíades, quem diria,
nome esse, tão bonito
seu apelido escondia.
Um recado pro Catuta:
grande amigo, sim senhor,
a sua exemplar conduta,
mostra a todos seu valor.
Catuta não é Catuta,
ninguém pra me desmentir,
o esposo da Celuta
no registro é Jurandir.
Outro João da nossa gente,
com seu jeito bonachão,
esse amigo tão presente,
foi pra todos Solidão.
Na sua alfaiataria,
junto à Praça da Bandeira,
nossa gente ele vestia,
com tecidos de primeira.
Sua esposa, nossa prima,
não deu espaço ao João,
sua vida, em nada rima
com a inventada expressão.
Junto ao João, vi José,
o Quitito vi também,
meu padrinho, bom de fé,
é simples como ninguém.
Muita roupa, com capricho,
esses dois eu vi fazer,
hoje o povo veste lixo,
dando, à indústria, mais poder.
O nosso povo elegante,
que eu, menino, sempre via,
ficou no tempo distante,
na lembrança, quem diria!
Da lembrança que me vem,
muitos casos, conto dois,
havia um Marly, também,
que virou Marcos depois.
Na nossa Major Pereira,
muita gente eu conheci,
gente boa e companheira,
um grande amigo, o Darcy.
Esse moço, bom de bola,
para o nome, nem ligou,
no comércio, fez escola,
quem a bola consagrou.
“Pelaégua”, que besteira,
se nem cavalo montou,
certamente, por chiadeira,
seu apelido vingou.
Dos irmãos do bom amigo,
confesso, não me esqueci,
nessa história dou abrigo,
ao grande amigo Darly.
A lembrança mais provoca,
tem o Jacy seu lugar,
com Ademir, “Pó-de-Broca”,
penso a história terminar.
Na casa do Seu Manoel,
Alair também havia,
Seu José pôs no papel,
Padre João levou à pia.
Uma irmã, pequenininha,
eu me lembro dela assim,
ao lado da mãe, sozinha,
distante demais de mim.
Com ela, papo não tive,
sua mãe, vi trabalhando,
hoje, moça, sei que vive,
certamente se cuidando.
Seu Manoel-Dona Luzia,
esse casal de primeira,
deu bom rumo à sua cria,
na nossa Major Pereira.
Um fotógrafo amigo,
eu pude ter ao meu lado,
o talento buscou abrigo,
no moço tão preparado.
Esse Ayrton de Oliveira,
Carangola nos tirou,
na nossa terra mineira,
seu trabalho sublimou.
Devo muito ao seu talento,
muito, a ele, grato sou,
meu poema, A “Rosa e o Vento”,
foi ele quem publicou.
Viveu pouco o seu jornal,
tendo tudo pra crescer,
um trabalho magistral,
que meu povo fez morrer.
Tivesse o povo apoiado,
quanta memória guardada!
Do nosso tempo passado,
sobrou pouco, quase nada!
Quem matou “A Evolução”
fez tudo o que não devia,
nossa história, sem paixão,
nesse jornal se escrevia.
Sem nada ter registrado,
pergunto, a você, agora,
o que dizer do passado,
quando, afinal, for a hora!?
Não há melhor documento
para a história registrar,
nem mesmo, quem mais atento,
terá tanto pra contar!
Onde afinal se meteu
o nosso amigo Melão?
Esse filho do Zé Abreu
foi amigo, foi irmão.
Estudou onde estudei,
fez as viagens que fiz,
como ele, também deixei,
a nossa Espera Feliz.
Jogou bola esse José,
deu bom trato à redondinha,
agora, cheio de fé,
o povo, a Deus, encaminha.
Nosso time, no Internato,
fez-se sempre vencedor,
“Repolho” mostrou de fato
competência de doutor.
Bem me lembro do internato,
tempo bom, meu camarada,
quem bola joga de fato,
tem torcida organizada.
A bola ficou de lado,
passado todo de glória,
a beleza do passado
tem registro nessa história.
Do colégio, a lembrança
que nos chega nessa hora:
tempo bom de comilança,
quando tudo se devora.
De manhã, café com pão,
o almoço – sem igual,
muito frango e macarrão
na festa dominical.
Guaraná, não se bebia,
água e leite, nada mais,
desse tal nem se dizia
no meu canto das Gerais.
No Natal, só no Natal,
um ou outro, certamente,
num desses, especial,
recebi régio presente.
A lembrança aqui está,
de manhã, muito cedinho,
a garrafa de guaraná,
encontrei no sapatinho.
Mais que isso, vejam bem,
minha festa foi inteira,
no meu sapato, também,
uma só tornozeleira.
Como exigir fosse um par!?
Papai, assim, me agradou,
para o filho presentear,
seu presente não comprou.
Quem teve o pai que tivemos,
teve Deus sempre do lado,
nosso pai, sempre teremos
no coração bem guardado.
Domingo, outra vez domingo,
meu povo põe-se à vontade,
da escola, aqui me vingo,
curto a minha liberdade.
No bar do Nico Jacob,
bem na Praça da Bandeira,
a conversa é uma só,
futebol a tarde inteira.
Vascaíno e Flamenguista,
não tem fim a discussão,
pó-de-arroz nada belisca,
não tem voz de campeão.
Adalberto, meu irmão,
escolheu ser Tricolor,
poucas vezes campeão,
bem mais vezes perdedor.
Jésus Porto e tio Nilo,
a mesma opção errada,
pouco papo, muito grilo,
e choro na arquibancada.
Sempre à tarde, à luz do dia,
sob o domínio do sol,
no campo, o Santa Luzia,
fez, alegre, o futebol.
A minha terra é mineira,
a certidão é que diz,
nasceu Juarez de Oliveira
na já Espera Feliz.
Em dezembro de quarenta,
mais um filho do barbeiro,
pai que, orgulhoso, ostenta
a graça de ser mineiro.
Pra cuidar da filharada,
meu bom pai só trabalhou,
sua mão, mais preparada,
muita gente embelezou.
Simples demais, seu salão,
tesoura, navalha e pente,
talco, pincel e sabão,
no trato do seu cliente.
Depois do salão trancado,
precisando mais ganhar,
punha o cansaço de lado,
se entregava a consertar.
Sempre muito habilidoso,
tudo bem feito, ele fez,
fez relógio, preguiçoso,
ser operário outra vez.
Garruchas recuperou,
cabrestos, nem vou contar,
nem chorar, papai chorou,
sem tempo, como chorar?
Minha mãe, muito zelosa,
foi seu anjo, certamente,
mulher forte e corajosa,
bem cuidou da sua gente.
Trancada a casa inteirinha,
reunida a criançada,
no espaço da cozinha,
a conversa era animada.
O amor, vi sem igual,
meus irmãos viram também,
viveu feliz o casal,
sem fazer mal a ninguém.
Um pouco mais sobre mim,
apenas pra registrar,
nessa história dou um fim,
pro leitor não se cansar.
Dia vinte, o nascimento,
dezembro, festa no lar,
Zulmira, mãe do rebento,
nome do pai, Alencar.
Sétimo filho, dirão,
não é verdade, não é,
fruto de nova união,
sou o primeiro de pé.
Lar simples, de muita paz,
presença de Deus no lar,
a casa de amor se faz,
o amor faz Deus ficar.
Embora muito pequena,
serve a casa a todo mundo,
a fala, do pai, serena,
cala em nós, cala bem fundo.
O meu pai, todo ternura,
foi um grande educador,
no seu olhar, nossa cura,
a educação pelo amor.
Soube, de Deus, se servir,
o que fez foi trabalhar,
se bem soube construir,
muito mais soube ajudar.
Acolheu a muita gente,
bondoso à sua maneira,
minha mãe, santa presente,
foi-lhe santa companheira.
Teve afilhados demais,
ninguém parou pra contar,
foi, a casa dos meus pais,
para muitos, outro lar.
Sem chegar à grande escola,
sem a glória do saber,
sem tocar os pés na bola,
soube a vida bem viver.
Em casa se divertia,
pouco à rua se mostrava,
para o trabalho vivia,
da família, bem cuidava.
Gostava, sim, de animais,
do cavalo, certamente,
era o tempo dos varais,
de Getúlio, Presidente.
Dormente sobre a linha,
na linha, cheia de graça,
lentamente, sempre vinha,
nossa deusa da fumaça.
Como esquecer de maria,
como negar seu valor,
doce e rica fantasia
do menino sonhador!
Eternamente ocupada,
a cuidar do seu rebanho,
minha mãe, sem ser letrada,
era enorme no tamanho.
Seu coração, bem servido,
certamente, ao céu iria,
seu amor, correspondido,
à filharada servia.
Menino, muito sadio,
a correr na contramão,
nadei nas águas do rio,
águas turvas do São João.
Conheci todo o seu leito,
toda curva, toda reta,
nadador, nada perfeito,
fui, na bola, mais atleta.
No meu tempo de menino,
só se via aprontação,
quando vinha do Divino
a ordem de comunhão.
Foi um tempo de poesia,
com certeza, sei que foi,
por nossas ruas corria
o velho carro-de-boi.
Cavalos lindos, velozes,
pelas ruas desfilavam,
muitos moços, muitas vozes,
nas nossas missas cantavam.
Vejo o Padre, o Sacristão,
vejo a Igreja colorida,
nas missas do Padre João,
sua voz mais decidida.
Sempre muito rigoroso,
cobrador como ninguém,
pela fé, sempre zeloso,
o que fez, fez muito bem.
Muitas senhoras na missa,
nas rezas, nas procissões,
a desgraça da preguiça
recolhia os marmanjões.
Nosso chão, de muito sol,
à cerveja convidava,
o bom papo do futebol,
nosso domingo animava.
A nossa Zona da Mata,
esquecido chão mineiro,
em resposta à voz ingrata
ouve o Rio de Janeiro.
Todo mundo é Flamenguista,
pó-de-arroz ou Vascaíno,
Cruzeirense, se na lista,
fala baixo, fala fino.
Sobre o tal galo mineiro,
ninguém nunca disse nada,
como assunto passageiro,
cortou pouco nossa estrada.
Sobre o Cruzeiro, também,
se alguém disse, nem ligamos,
torcedor, não vi ninguém
naquele chão que pisamos.
Tostão, pra mim, foi dinheiro,
nesse tal, eu punha fé,
do bolso, do pai barbeiro,
eu troquei por picolé.
Muito tempo já passou,
mas é certo, não me engano,
no nosso chão não cantou
o tal galo atleticano.
Bons tempos de Juvenal,
de Rubens e Esquerdinha,
de um Zizinho magistral,
de Castilho e Quarentinha.
Todos craques, sim senhor,
nenhum verniz na fachada,
viva o Rolo Compressor,
Canário e Ademir Queixada!
Frei Pio – por onde anda?
Em que lugar se meteu?
Andarilho da nossa banda,
certamente se escondeu.
Na terra – não sei dizer!
Onde o santo foi guardado?
Pela idade, pode ser,
tenha o céu já conquistado.
Das crianças, bem cuidou,
com lições inesquecíveis,
bons caminhos, nos mostrou,
contou-nos casos incríveis.
Falou muito de Jesus,
falou muito de Maria,
disse do corpo na Cruz,
do bom Cristo que nos guia.
Falou de Pedro e João,
de Matheus, também falou,
na nossa São Sebastião,
muita festa organizou.
Escreveu, muito escreveu,
editou, muito editou,
feliz aquele que leu
as lições que ele deixou!
Andei de jipe e de trem,
bem pouco de jardineira,
a cavalo, andei também,
fui comedor de poeira.
Foi-se a minha meninice,
fez-se um rio de saudade,
certamente, alguém já disse,
cumpre Deus Sua vontade
A vida vive a ensinar,
alguém não quer aprender,
quem melhor se preparar
vai melhor poder viver.
Saudade dos meus amigos
de um tempinho bom demais,
dos caminhos mais antigos
da nossa Minas Gerais!
Um cheiro forte de pó,
nos diz do café prontinho,
bons tempos do pão-de-ló
fabricado por Valzinho!
Bons tempos do pão sovado,
da manteiga salgadinha,
do bolo, bem preparado,
na nossa simples cozinha!
Do leite sempre fervendo,
do papai sentado à mesa,
muita coisa, eu não entendo,
essa é uma com certeza.
Por que levaram meus pais,
quando mais eu os queria?
Que Deus entenda meus ais,
minha dor de todo dia!
Fiz pouco por minha gente
bem pouco pude fazer,
a vida, muito exigente,
distante me fez viver.
Quando ajudar mais podia,
bem pouco pude ajudar,
se Deus, eu jamais iria
esse tempo terminar!
Saudade do meu quintal,
saudade do meu pião,
essa saudade infernal
da lembrança, faz paixão.
Que a criança saiba orar,
agradecer e pedir,
quem com Deus mais conversar,
vai de bênçãos se cobrir.
Amigos – quantos eu tive!
Bom amigo o Queirozinho;
amigo que não mais vive,
da Isaura, o Luizinho.
Esse amigo foi levado,
fez tudo o que não devia,
eu nunca soube empregado,
meu parceiro de folia.
Certamente trabalhou,
o que fez não pude ver,
filha fez, alguém contou,
nada mais ouvi dizer.
Muitas vezes nós brigamos,
às vezes, até por nada,
desse tempo, nos lembramos,
não há marca registrada.
No corpo, nenhum sinal,
das nossas brigas de outrora,
os brinquedos do quintal,
desavenças punham fora.
Um seu irmão, o Paulinho,
com gênio bem diferente,
percorreu outro caminho,
junto a nós, pouco presente.
Uma filha do Adelino
com Dona Isaura florista,
a Cely, quis o Divino,
fosse mãe do nosso artista.
“Tuquinha”, Carlos Roberto,
quanto talento escondido!
Ter esse moço por perto
deixa a gente comovido.
A voz é maravilhosa,
ele, um moço encantador,
bom amigo, bom de prosa,
notável como tenor!
Dá pena vê-lo escondido,
cumprindo simples rotina,
que mais fosse ele exibido
com sua voz tão divina!
Precisa o mundo saber
muito mais sobre o tenor,
cantando, nos dá prazer,
dá, à vida, bem mais cor.
Bons tempos de muita bola,
bons tempos de muita lida,
bons tempos de boa escola,
bons tempos de boa vida!
Como esquecer da Lili
nas paredes, nos quadrinhos!?
Como esquecer de quem vi
correndo nossos caminhos!?
Em quadrinhos, pendurada,
na parede, bem em cima,
tivemos essa danada
que hoje serve à minha rima.
Da escola do Interventor,
doce lembrança me vem,
da escola, sem professor,
eu me lembro muito bem.
Um tempo de Professora,
de gente boa demais,
só Doutor e não doutora
no nosso chão das Gerais.
Doutor Oto e Doutor Soares,
doutores que eu conheci,
assistindo nossos lares,
esses doutores eu vi.
Hospital, só um havia,
vez ou outra funcionava,
quem, no poder, se abria,
vinha o próximo e fechava.
Foi assim a vida inteira,
muita briga e confusão,
agindo, à sua maneira,
foi Ary a salvação.
Farmacêutico zeloso,
cuidou bem da nossa gente,
esse homem prestimoso
foi, também, nosso parente.
Ary de Souza Romano,
sem ter sido, foi doutor,
com carinho, muito humano,
só fez bem esse senhor.
Laudicéria, a companheira,
doce lembrança me vem,
cuidou da família inteira,
cuidou muito, cuidou bem.
Na casa desse casal,
muitos filhos pude ver,
vida alegre, sem igual,
como deles me esquecer?
Bitica, Evandro e Goloca,
Marizinha e Itamar,
a lembrança me provoca,
falta alguém nesse lugar.
O Hilton do Seu Heitor,
casou-se ali, sem demora,
da esposa do jogador,
seu nome me vem agora.
É Alice, com certeza,
o Ayrton me fez lembrar,
a sua história, na mesa,
pôs as coisas no lugar.
UDN e PSD,
partidos então rivais,
brigavam, não sei porquê
na nossa Minas Gerais.
O Gegê foi Presidente,
PTB, o seu partido,
mandatário inteligente,
soube sempre ser querido.
Do Brasil, fez o que fez,
mandou mais do que ninguém,
sem o mando português,
o que fez, ele fez bem.
O Catete, nas Laranjeiras,
majestoso, eu conheci,
de férias, nas brincadeiras,
os seus espaços corri.
Nele, o nosso Presidente,
governava com vontade,
o meu povo, certamente,
desse tempo tem saudade.
Violência, sim, havia,
muito menos, com certeza,
a malandragem corria
dando espaço à gentileza.
O malandro carioca,
sempre soube ser gentil,
a lembrança me provoca,
bem revela outro Brasil.
Viva o Rio de Janeiro,
viva o Cristo Redentor,
viva o povo brasileiro
e a Pedra do Arpoador!
O Rio que Deus criou,
pela fé foi consagrado,
quando Deus Cristo deixou
no topo do Corcovado.
Viva a Rádio Nacional,
viva o Vasco de Lelé,
viva a grande capital
viva a Minas do café!
Fui comedor de mandioca,
de muito pé-de-moleque,
vi muito nego boboca,
descendo o morro sem breque.
Em carrinho de madeira,
meu amigo, nem pensar!
Uma folha, a folha inteira,
servia pra escorregar.
Era a folha do coqueiro,
o nosso carro de mão,
descendo o morro, ligeiro,
fez festa no nosso chão.
Nós nunca nos machucamos,
nessas nossas brincadeiras,
com saudade nos lembramos
daquelas horas trigueiras.
Quanta farra nós fizemos,
com pneus abandonados!?
Muitos morros nós descemos,
quantos mourões derrubados!
Peguei o trem na estação,
pra bem perto, eu segui só,
fui gastador de tostão
no trem pra Caparaó.
Na Central eu embarquei,
muitas viagens eu fiz,
a minha terra eu busquei,
a minha Espera Feliz.
Nas férias, fiz tratamento,
pra não ser tão pequenino,
fui atrás de um outro vento
quando entregue ao Pellegrino.
O milagre tão sonhado,
nunca pode acontecer,
foi apenas antecipado
o que eu tinha pra crescer.
Meu tempo de tratamento,
seis meses, de muito sol,
de ginástica, ao relento,
de muito Procrazenol.
Tomei Iberin Ferroso,
Peptopancrease, sim,
um tratamento gostoso,
que nada tirou de mim.
Minha altura antecipei,
um tratamento sem fel,
aos remédios que declinei,
acrescento Advipel.
Saúde eu ganhei demais,
muita altura, isso não,
o tamanho dos meus pais,
não me deram permissão.
Meu papai pequenininho,
minha mãe pequenininha,
o bolo ficou baixinho,
já que a forma era baixinha.
Li Fantasma, a revistinha,
isso eu fiz, disso eu gostei,
essa paixão que eu tinha
por muito tempo guardei.
Capitão Marvel, também,
menino, quanto curti!
Tal leitura me fez bem,
dela nunca me esqueci.
Tive amigos pra chuchu,
entre os Gripps, foi Nely,
lá no Genésio, o Tatu,
no futebol, foi Darcy.
No Zé Alves, foi Marquinhos,
bons tempos de Residência,
caçador de passarinhos,
do tiziu, de preferência.
Biblioteca, na cidade,
na verdade, ninguém criou,
nosso povo, sem vontade,
nunca ao livro se entregou.
Na prefeitura, uns livrinhos,
nosso povo nem sabia,
nesse tempo, outros caminhos,
nossa gente percorria.
Um ou outro, lá presente,
o Grimaldo, com certeza,
esse um moço inteligente
nosso orador, que beleza!
Pouco discurso se ouvia,
disso, o povo, bem gostava,
se político morria,
no enterro se discursava.
Gente do povo, também,
vez ou outra, uma exceção,
quando morto um joão-ninguém,
o silêncio era o patrão.
O que eu vi é muito sério,
gente pobre, sem dinheiro,
no caixão do cemitério
era apenas passageiro.
Após o morto enterrado,
sem discurso, sem ninguém,
novamente era guardado
o caixão do vai-e-vem.
Um costume bem antigo,
o que hoje não é feito,
sei que sempre algum amigo,
na despesa dá um jeito.
A caiana é saborosa,
cana igual eu nunca vi,
não há cana mais gostosa,
bem mais doce que a muqui.
Matei muito passarinho,
com bodoque e atiradeira,
essa dor, pelo caminho,
vou levar a vida inteira.
Jamais faria outra vez,
o que fiz com a passarada,
quem, no passado, isso fez,
como eu, fez coisa errada.
Sobre o meu povo, falemos,
sobre o que fez e o que faz,
aqueles que já não temos,
são anjos da nossa paz.
Permitam-me mais rimar,
toda a lembrança de agora,
a infância retomar,
pra contar coisas de outrora.
Na casa do Seu Vicente,
Ronaldo foi meu goleiro,
com seu pai, bem paciente,
fui, um dia, sapateiro.
Jésus Porto, da latinha,
tombense, de muita fé,
esse pai da Therezinha,
não dispensava o rapé.
Jésus Porto, treinador,
tricolor apaixonado,
sapateiro, sim senhor,
muito bem qualificado.
Devo muito a esse amigo,
foi ele pai, foi irmão,
no trabalho, deu-me abrigo,
ensinou-me a profissão.
A profissão aprendida,
deu-me mais do que dinheiro,
encorajou-me pra vida,
distante do chão mineiro.
São Paulo foi meu destino,
nada, aqui, me intimidou,
a profissão do menino
o menino abandonou.
Estudei, muito estudei,
busquei sempre a boa luz,
na memória, bem guardei
o grande mestre Jesus.
Saudade do cafezinho,
quase sempre ao meio-dia,
na caneca, bem quentinho,
Dona Naná nos servia.
Virgínia virou Naná,
Daniel virou Dedé,
um amigo virou Vavá,
o outro virou Zezé.
Senhor Nazário, Tatão,
pelo pomar, obrigado,
esse santo Sebastião,
comigo tenho guardado.
Com o tal de Queirozinho,
no seu pomar avancei,
dos seus tiros de chumbinho,
eu, com sorte, me livrei.
Tiro de sal, esse sim,
qual menino não levou!
Se a marca fugiu de mim,
a lembrança me fisgou.
Seu Vicente, já idoso,
muito alegre e bem disposto,
pro bichinho, bem jeitoso,
vendeu a sorte a seu gosto.
Esse velho bilheteiro,
esse Matos tão bondoso,
foi um grande companheiro
pro buraco preguiçoso.
No jogo que me ensinou,
quase sempre me venceu,
desse meu tempo ficou,
a lição que ele me deu.
Mostrou-me que a paciência
serve, sempre, à perfeição,
no seu jogo de coerência,
foi, o mestre, um campeão.
Sempre atrás de meia porta,
sua esposa se escondia,
fez crochê, comida e horta,
tudo fez com maestria.
Essa mulher, pequenina,
por Maria consagrada,
no tempo da lamparina,
foi por Deus abençoada.
Mãe amiga, mãe bondosa,
tudo o que fez, fez bem feito,
a lembrança mais gostosa,
põe Maria no meu peito.
Teve o casal cinco filhos,
uma filha, muito cedo,
Dona Elza, pelos trilhos,
foi pro Rio, foi sem medo.
A segunda do Seu Vicente,
Virgínia, Dona Naná,
trocou também nossa gente
por gente do Paraná.
Com Jésus, o seu marido,
e todo o anseio que tinha,
o casal, tão decidido,
foi com sua Therezinha.
Elaine, muito menina,
que criança, eu pude ver,
de ternura cristalina,
confesso, não vi crescer.
A família, tão querida,
com Ronaldo, já mocinho,
disposta a mudar de vida,
pôs de lado o meu cantinho.
Dos filhos do Seu Vicente,
três nomes pra completar,
a história dessa gente,
eu vou assim terminar.
Não conheci Vicentinho,
pai do Celso, o valentão,
não trilhou o meu caminho,
deixou cedo o nosso chão.
Olympio, vi uma vez,
foi pra longe, certamente,
nunca soube o que ele fez,
nada ouvi de sua gente.
Do Eurípedes, não sei,
não posso nada dizer,
por caminhos que passei,
se passou, não pude ver.
Um dos filhos do casal
não sei dizer qual dos três,
teve um filho genial,
inteligente e cortês.
Foi o Bill, bom companheiro,
na conversa e na sinuca,
jeitoso, muito maneiro,
bom de papo, bom de cuca.
Esse tal levou Marisa,
Bill com ela se casou,
de vez em quando ele pisa,
o chão que seu pai pisou.
Sobre o consórcio amigo,
alguém me disse acabado,
sobre a causa, nada digo,
pois nada me foi contado.
Sempre o Rio de Janeiro,
posto em nossa caminhada,
pro nosso canto mineiro,
sobra pouco, quase nada.
Dona Nicota ao seu lado,
corria a casa inteirinha,
Seu Alberto, acomodado,
no silêncio se mantinha.
Na casa dessa senhora,
fiz, também, o meu ranchinho,
dentro dela, ou mesmo fora,
fui amigo do Zezinho.
Mas, quem era Alberto Faro?
Talvez fosse fazendeiro,
o nosso amigo, tão caro,
tinha sempre bom dinheiro.
Vou falar do Alberto Faro.
Com pinta de fazendeiro,
o amigo que nos foi caro,
pude ver em seu terreiro.
Já senhor com muita idade,
eu vi, assim, Seu Alberto,
um exemplo de bondade,
ao nosso lado, bem perto!
Com sua Nicota ao lado,
correndo a casa inteirinha,
Seu Alberto, reservado,
no silêncio se mantinha.
Foi assim a vida inteira,
vi, assim, esse senhor,
na nossa vida mineira,
silêncio tinha valor.
Mudou tudo de repente,
já todos falam demais,
tanta besteira presente
cassa ouro das Gerais.
Dos filhos do Seu Alberto,
a saudade me cutuca,
ao meu lado, muito perto,
eu pude ter o Manduca.
Bem mais velho do que eu,
Manduca bem me tratou,
pra conversa me acolheu,
muita coisa me ensinou.
Era o rei da simpatia,
educado e muito fino,
esse tal sempre sumia,
sem dizer do seu destino.
Dazinha, muito agitada,
cuidava da casa inteira,
Dazinha não foi casada,
preferiu viver solteira.
Cuidar dela não cuidou,
não se vestiu pra casar,
por essa vida optou,
pôs-se, em casa, a trabalhar.
Olhem só o que ela fez,
com quem nada fez com ela,
quis matar o Juarez
que brincava perto dela.
Envolvido num joguinho
de tampinha na calçada,
disse ela ao amiguinho,
já perdido, já sem nada:
“Pegue o tijolo na mão,
bata nele, bata forte”,
por pouco não fui ao chão,
falou alto minha sorte.
Necreto, inocentemente,
quis atingir-me, tentou,
mas meu Deus, sempre presente,
do infortúnio me afastou.
A tampinha de garrafa,
teve um tempo de grandeza,
tempo, também, do abafa,
figurinha sobre a mesa.
Saudade da bicicleta,
do pneu descendo a serra,
na saudade mais completa,
o povo da minha terra.
Excelente marcador,
a ninguém ele deu trégua,
jogou muito e com amor,
nosso Darcy “Pelaégua”.
Onde a salva se escondeu?
Onde o pique foi parar?
O que foi que aconteceu
com Nico Jacob do bar?
O Wander, por onde anda?
Lúcio e Tarcísio, onde estão?
Quem calou a nossa banda?
Que fim teve o Zé Abrão?
Essa gente, minha gente,
eu, menino, pude ver,
veio o tempo e, de repente,
outro tempo fez nascer.
A saudade nasce assim,
os amigos vão embora,
a vida plantou em mim,
essa dor de toda hora.
Dodora, do Nascimento,
mãe de Lúcia, mãe de Zé,
doçura solta no vento,
mulher de garra e de fé.
Zé Necreto foi amigo,
companheiro de muito sol,
o seu quintal foi abrigo,
pros rachas de futebol.
Foi um craque, o Nascimento,
muito dele ouvi falar,
com grande classe e talento
fez o meu povo vibrar.
Discreto, muito discreto,
calado, sempre calado,
foi o pai do Zé Necreto,
por todo mundo estimado.
O sorriso permanente,
desse meu povo mineiro,
como a vida, foi em frente,
foi alegrar Cachoeiro.
Pra lá também foi Coutinho,
nosso alegre maquinista,
levou o filho Chiquinho,
na sinuca, nosso artista.
A festa já não tem graça,
maria não vai, nem vem,
saudade da nossa praça,
saudade do nosso trem!
A nossa água, purinha,
por todos tão festejada,
por alguém, de mão daninha,
foi, um dia, acobertada.
Outro destino teria,
pudesse dela eu cuidar,
ela ao povo, eu serviria,
sem nada dele cobrar.
Muita fruta no quintal,
Mariquinha, bem cuidava,
muita roupa no varal,
que a filharada sujava.
Ventura, o mais velho filho,
meu amigo e companheiro,
gostava de andar no trilho,
sempre à-toa o dia inteiro.
O Haroldo e o Joãozinho,
seus irmãos, amigos meus,
eu os tive em meu caminho,
com a mesma bênção de Deus.
A Neném, muito criança,
muito esperta, sim senhor,
era um fio de esperança,
naquele reino de amor.
A Gracinda, essa não,
já crescidinha, a danada,
se envolvia em confusão,
da forma mais engraçada.
Mocinha, bem fogueteira,
aprontou sem mais poder,
inteligente e ligeira,
soube bem se defender.
Sobre a mesa de sinuca,
bem mocinha, ela dançou,
quem disse essa tal maluca
certamente, se enganou.
Agitada e maravilhosa,
Gracinda fez o que quis,
foi moça bem graciosa,
na nossa Espera Feliz.
De João Borges se dizia,
é homem rico demais,
além do ouro, teria
muitos outros minerais.
Da casa, freqüentador,
nada vi de especial,
foi homem trabalhador,
esse empresário rural.
Esse nosso fazendeiro,
muito pouco se mostrava,
foi traído em seu terreiro,
quando da terra cuidava.
Pude ver num caminhão,
seu corpo todo cortado,
triste fim teve Seu João,
na mão vil de um empregado.
Seu Antônio, seu irmão,
foi um Borges mais presente,
fez-se honrado cidadão,
fez muito por nossa gente.
Junto à Caiana, enterrado,
lá passou a vida inteira,
cidadão bem educado,
tinha a graça bem mineira.
Chegamos a conversar,
muito pouco, certamente;
eu, menino, o que falar
com quem tão experiente!?
Por suas terras andei,
com o Ventura ao meu lado,
boas lembranças, guardei
daquele povo educado.
Durvalino, meu vizinho,
mão na massa ele metia,
do trabalho, um barulhinho
nossa casa percorria.
Para o pão, tenho certeza,
tinha a mão mais decidida,
dos seus filhos, que beleza,
bem cuidava Aparecida.
Valzinho tinha um cunhado
Carlinhos, eu pude ver,
jogador bem preparado,
ganhou dinheiro a valer.
Sumiu, eu não sei pra onde,
não disse nada a ninguém,
não vou dizer que se esconde,
quis ele assim, tudo bem!
Foi Seu Neca, um amigão,
esse Moura, fazendeiro,
tinha sempre em sua mão,
um baralho companheiro.
Pão duro, esse pai da Tita,
do Geraldo e do Augusto,
jogador quando se irrita,
da mesa só leva susto.
Pai do Tatá, do Nenzinho,
e do Eugênio, açougueiro,
Seu Manoel, no meu caminho,
sempre foi um bom parceiro.
Do trabalho, já cansado,
na cidade foi morar,
deixou a roça de lado,
quis, dos filhos, mais cuidar.
Montou comércio pros filhos,
pros moços, principalmente,
dessa forma, pôs, nos trilhos,
todo mundo, de repente.
Vi seus filhos trabalhando,
o Geraldo mais atento,
vi o Tatá gaguejando,
com seu biscoito de vento.
Mais bravo o Tatá ficava,
bem mais eu me divertia,
nosso tempo assim passava,
vasto tempo de alegria.
Com canivete na mão,
Geraldo quis me agredir,
eu nunca soube a razão
do amigo assim agir.
Tanto tempo já passado,
nem vai ele se lembrar,
o caso, hoje engraçado,
nenhum rancor fez ficar.
João Silva, como esquecer
de gente tão boa assim,
com seu jeitinho de ser,
foi amigo até o fim.
Na cabeça do Seu João,
um chapéu tinha lugar,
calça longa, pés no chão,
jeito manso de falar.
Do amigo, doce lembrança,
bom amigo, esse senhor,
pro meu tempo de criança,
foi um canteiro de flor.
Aprontar, vi muita gente,
vi baralho bem marcado,
quem roubou, foi, certamente,
pela sorte atropelado.
Um nosso amigo e vizinho,
dono de um bar conhecido,
teve desfeito o seu ninho
pela esposa foi traído.
Surge, aí, um vendedor,
vende balas, certamente,
com promessa de mais amor,
traz a dor pra nossa gente.
Com ele, segue a vizinha,
o nosso amigo, coitado,
sofre muito, se definha,
faz-se infeliz declarado.
Mais cedo deixou a vida,
quem muita festa nos deu,
sua tão brusca partida,
muita gente entristeceu.
Seu nome eu não vou dizer.
A quem pode interessar?
Teve a dor sem merecer
quem só nos fez alegrar.
Seu Henrique, mão divina,
“Rei da Lata”, sim senhor,
fez apito e lamparina,
o que fez, fez com amor.
No seu fole, a sua arte,
num barraco, se escondia,
sua luz, por toda a parte,
eu, menino, sempre via.
Iluminou muita casa,
o “Louva-Deus” da cidade,
coisa boa, em muita brasa,
fez ele com habilidade.
Esse humilde cidadão,
soube em tudo dar um jeito,
um exemplo pra nação,
por seu trabalho perfeito.
A ninguém nada pediu,
nunca ao vício se entregou,
Seu Henrique já partiu,
foi pro céu que conquistou.
Seu Menezes, açougueiro,
com seu Fisico do lado,
correu atrás de dinheiro,
vendendo sempre fiado.
Ganhou pouco, certamente,
quanto foi, não sei dizer,
serviu bem à nossa gente,
cumpriu, assim, seu dever.
Levou tiros, isso eu vi,
quem atirou, sei quem foi,
da cena, não me esqueci,
não morreu o “Rei do Boi”.
Muito tiro vi ser dado,
quem deu tiros, muito errou,
muito óleo derramado,
no chão, da venda, sobrou.
O atirador foi embora,
foi pra longe, foi de vez,
graças a Deus, caiu fora,
quem, infeliz, isso fez.
Eu me lembro do Castilho,
chutador inveterado,
no esporte, pouco brilho,
na rua, corpo fechado.
Tronco e poste, ele chutava,
muitas portas derrubou,
o seu pé nunca sangrava,
nunca o tal se machucou.
Isso eu vi, testemunhei,
isso eu posso confirmar,
no que eu vi, acreditei,
muito mais ouvi contar.
Num pequeno corredor,
nem um metro de largura,
seu machado voador
bem mostrou sua loucura.
Com muita força atirou,
sem o seu gesto explicar,
sua mãe, ele alcançou
dela, a perna fez quebrar.
Sem ter nada o que fazer,
sem trabalho e sem escola,
vi muita mão se estender,
à caça de alguma esmola.
Com seu burro inteligente,
Seu João se distinguia,
o lixo da nossa gente,
na carroça recolhia.
Esse burrinho, ensinado,
bem sabia onde parar,
depois do lixo apanhado
outro monte ia buscar.
Na carroça, o “Coitadinho”,
Seu José, um bom senhor,
pai do menino Maninho,
foi enorme batalhador.
Serviu à cidade inteira,
levou tudo o que podia,
educação de primeira,
foi o “Rei da Simpatia”.
Na cidade, um Bangalô,
nenhum outro, esse só,
do tempo do meu avô,
do tempo da minha avó.
Seu estilo diferente,
dava-lhe um toque real,
um xodó pra nossa gente,
nosso prédio imperial.
Quem construiu, eu não sei,
a ninguém, fui perguntar,
fosse palácio de Rei,
saberia o Rei contar.
Nosso craque Floriano,
teve o sogro lá morando,
não me perguntem do ano,
não saberei dizer quando.
No Bangalô, o Jacy,
muitas vezes pude ver,
seu irmão, eu, também, vi,
como dele me esquecer!?
Menino muito levado,
esse Jamil bagunceiro,
vi crescer desocupado,
no nosso canto mineiro.
Conheci Tião Vicente,
pai dos amigos citados,
um senhor que, de repente,
vi passar por maus bocados.
A mãe, dos dois, decidida,
pondo as coisas no lugar,
conseguiu manter a vida,
sem o barco naufragar.
Como esquecer Vitalina,
mulher do Tião Vicente,
gente boa, gente fina,
mãe ativa, mãe presente!
Da família, foi esteio,
jamais se deixou vencer,
lutou, sem nenhum receio
de qualquer luta perder.
Descansa, hoje, no céu,
quem muita luta enfrentou,
por ter feito bom papel,
junto a Deus se acomodou.
O Jacy foi professor,
competente, eu soube ser,
sobre o Jamil, meu senhor,
não tenho muito a dizer.
Foi um amigo distante,
pouca a nossa convivência,
se foi corda, fui barbante,
no meu tempo de inocência.
Poucas vezes nos falamos,
quis a vida fosse assim,
no espaço que ocupamos
cuidei de cuidar de mim.
Sobre o palácio encantado,
Dona Laura me dizia,
é lugar mal assombrado
sobra, à noite, gritaria.
No Bangalô não entrei,
o que sei, ouvi dizer,
mais saber não procurei,
nada mais eu quis saber.
Outras histórias ouvimos,
na nossa infância mineira,
contaram, não conferimos,
aqui, a Major Pereira.
Nessa rua, de bons amigos,
uma casa inacabada,
diziam os mais antigos
ser, também, mal assombrada.
Ver a casa, até que vi,
vi de longe, perto não,
a minha infância eu corri,
correndo de assombração.
Com comércio de janela,
uma casa se mantinha,
Dona Donária, e só ela,
tinha fruta bem fresquinha.
Avó de um amigo meu,
um Machado, Norbertinho,
mais plantou do que colheu,
num pomar de muito espinho.
Viúva, ficou bem cedo,
sem sua filha Maria,
com trabalho, sem segredo,
bem de todos cuidaria.
Cuidou dos netos que tinha,
dando a eles muito amor,
Dona Donária, sozinha,
calou a força da dor.
Bem me lembro de Maria,
Maria, moça, Machado,
não digo hora e nem dia,
só o fato foi guardado.
Com Norberto, seu marido,
teve Rosa e Norbertinho,
esse um tempo bem sofrido,
de muita dor no caminho.
Mulher de rara beleza,
ouvindo o céu, nos deixou,
sua graça, com certeza,
nossa terra perfumou.
Com crianças pra cuidar,
dia e noite, noite e dia,
Norberto volta a casar,
põe, em casa, outra Maria.
Essa Maria de agora,
moça simples, esforçada,
pega o barco sem demora,
responde bem à empreitada.
Norberto também partiu,
deixou mais dois pra criar,
outro barco ela assumiu,
deu, aos quatro, bom lugar.
Apesar de muito idosa,
Dona Donária ajudou,
essa mulher, corajosa,
de dois netos bem cuidou.
Saudade do Norbertinho,
amigo bem comportado,
saudade do meu cantinho,
saudade do meu passado.
Saudade, quanta saudade,
da vendedora de fruta,
com muito amor e vontade
venceu ela essa disputa.
Não há fruta na janela,
Donária, não há mais não,
não há lenço na lapela,
não há mais trem na estação.
Henrique, primo e padrinho,
ao lado da mãe querida,
com muitos bois no caminho,
fez, da estrada, sua vida.
Seu cavalo, o Guarani,
de inigualável valor,
todas as vezes que vi
mostrou-se bom marchador.
Vi minha prima Tereza
no seu dorso acomodada,
rédea curta, com certeza,
pro passeio sem estrada.
Uma voltinha, na rua,
longe demais, nem pensar,
precavida, também, a lua
soube, sempre, se cuidar.
Teve ela a noite inteira,
teve o sol ao seu dispor,
quem disse a lua solteira,
não sabe nada de amor.
A Sônia, também, da Doca,
vi, bem cedo, namorar,
bem cedo deixou a toca,
foi atrás de outro lar.
Casou-se a prima querida,
fez, do Nilton, o seu senhor,
o casal, em dura lida,
constrói a vida de amor.
De repente, a dor fatal,
aquela que se eterniza,
a saudade, sem igual,
passa a chamar-se Maísa.
Quanta dor a Sônia sente?
Pro Nilton, meu Deus, que dor!
No peito da nossa gente,
para sempre, “Maísa-flor”.
Do João, como esquecer!?
Muito pequeno, esse tal,
muitas vezes pude ver,
nos brinquedos do quintal.
De todos, cuidou Nicinha,
mais filha que empregada,
quem pensou estar sozinha
foi por todos muito amada.
Eunice, hoje no céu,
foi graça que eu pude ter,
com seu marido Izael
soube, sempre, me acolher.
Fez angu com cebolinha,
fez meu bife acebolado,
mãos divinas na cozinha,
do amor bem temperado.
Izael partiu mais cedo,
quando partir não devia,
batalhou, não teve medo,
teve o amor que merecia.
Dos primos, guardo lembrança,
de um tempo sem igual,
segue, assim, a nossa dança,
com Raul e com Randal.
Os dois meninos deixados,
hoje homens já crescidos,
são nossos primos amados,
são companheiros queridos.
Nós sabemos que a semente,
quando boa, faz furor,
esse casal, minha gente,
fez a paixão virar flor.
Do açougueiro Cabral,
muita coisa pra contar,
a lingüiça no varal,
tinha certo seu lugar.
A filharada, ao seu lado,
vendia porco a valer,
esse homem, dedicado,
tudo soube bem fazer.
Exemplos bons ele deu,
fez bem mais do que podia,
quem, dele, a lição colheu,
vive hoje com alegria.
Paulo “Bolão”, pequenino,
criança, vi no Cabral,
com a mãe desse menino,
trabalhei no cafezal.
Fui catador de café,
tive, assim, meu dinheirinho,
dinheiro pro picolé,
moedas para o cofrinho.
De Souza, Paulo Roberto,
pros amigos, Paulo “Bolão”,
esse moço, muito esperto,
sempre teve os pés no chão.
Comandando o seu Jornal,
tira ele pelo em ovo,
sua arma é fundamental,
pra defesa do meu povo.
Oséias foi defensor,
um jogador colossal,
no auge da sua dor,
a nossa dor crucial.
Esse tio do “Bolão”,
num gesto grave, impensado,
lançou a glória no chão,
fez de dor nosso passado.
Pensasse mais um pouquinho,
o que ele fez não faria,
tinha a glória no caminho
quem só nos deu alegria.
Nosso respeito ao amigo
que saudoso nos deixou,
quem à bola deu abrigo
a nossa gente enlutou.
A vida, boa madrinha,
essa eu tive, com certeza,
nas mãos de Dona Laurinha,
tudo tinha mais beleza.
Tinha, rico, o coração,
quem muito bem me acolheu,
generosa, a sua mão
a muita gente estendeu.
Foi ela minha madrinha,
ela assim quis, me pediu,
a humildade que tinha,
como exemplo me serviu.
Fosse o homem generoso,
fosse o povo mais ordeiro,
muito mais maravilhoso
seria o Brasil inteiro.
Da mulher que falo agora,
outra, assim, eu nunca vi,
pelas mãos dessa senhora,
só bons exemplos colhi.
Minha mestra, mestra amiga,
mãe de muitos, dedicada,
campeã de muita briga,
defendendo a meninada.
Professora inteligente,
por demais batalhadora,
uma estátua de presente,
eu daria à professora.
Dona Anna do Seu Oscar,
Alvarenga, nós sabemos,
é nome pra se guardar
em gratidão ao que temos.
Deu-nos luz, nada cobrou,
fez, por nós, o que podia,
todo um povo conquistou
quem bem pouco recebia.
Saudade, saudade quanta,
vai ao céu, minha saudade,
abraça, forte, essa santa,
abraça forte, à vontade.
O nosso peito hoje diz,
diz da nossa gratidão,
na nossa Espera Feliz,
foi, ela, a melhor lição.
Paulinho, que Deus levou,
grande dor no céu de anil,
só saudade aqui deixou,
quem, tão menino, partiu.
Bom companheiro de bola
e de andanças nos quintais,
bom menino, bom de escola,
doce sempre com seus pais.
Nas águas do São João,
a enfermidade o pegou,
teve o céu por salvação,
o amigo que nos deixou.
Seu pai Homero sofreu,
da mãe, Dilma, o que falar!
Deus assim quis, escreveu,
veio o Paulinho buscar.
Lá no céu, eu lhes garanto,
um anjo sei o que faz,
por sob o sagrado manto,
vive com Deus, vive em paz.
Minha gente foi ao Rio,
foi, nos trilhos, com maria,
foi trocar o nosso frio,
pelo calor da alegria.
Dezenas de filmes vi,
cópias ruins como o som,
a Nioka que conheci
tinha a terça do Odeon.
A cadeira, sem conforto,
o projetor barulhento,
o piso de tábua torto,
das janelas, muito vento.
Juvenil boa risada,
Jésus Porto, o sapateiro,
isso, sim, valia entrada,
salvava o nosso dinheiro.
Juadir, no projetor,
no seu poleiro trepado,
tentava, em vão, dar valor,
ao que já vinha estragado.
Qualidade, a mais ruim,
um ou outro filme bom,
várias vezes teve fim,
o nosso Cine Odeon.
O cinema perde espaço,
muda sempre e com razão,
não vai escapar do laço,
que o progresso tem na mão.
Errol Flynn, sempre presente,
a lembrança ora me diz,
eu ouvi de muita gente
“mudou pra Espera Feliz!”
Mobília, com Zé Quirino,
remédio, com Seu Ari,
Dona Isaura, do Adelino,
igual florista eu não vi.
No correio, Dona Maria,
mãe do Ito e do Jamil,
serviçal, com galhardia,
ligou seu chão ao Brasil.
Foi David entregador,
estafeta, coisa assim,
serviçal de bom valor,
selou bem até o fim.
Rã na brasa e pão sovado,
jamais comi prato igual,
por Coutinho preparado,
não passava do quintal.
Lá mesmo a gente comia,
ao lado do seu Chiquinho,
o beiço, a gente lambia,
comendo a rã do Coutinho.
Bigodinho, sem destino,
corria a cidade inteira,
festa grande pra menino,
animava a brincadeira.
Por um gole de cachaça,
muito aprontou, falo sério,
caminhando, achando graça,
levou vela ao cemitério.
Foi ele vela acendendo,
pra mostrar por onde ia,
a meninada, tremendo,
mesmo assim se divertia.
No cemitério chegou,
cumpriu o mais importante,
quatro velas colocou,
na campa do Fioravante.
Seguindo a combinação,
veio atrás do seu valor,
prova trouxe ele na mão,
uma coroa de flor.
Como o tal arco de rosa,
a muita gente apavora,
a meninada medrosa,
foi pra casa sem demora.
A prova não foi pedida,
só serviu pra atrapalhar,
com essa prova indevida,
não pode a pinga tomar.
N’outro dia, certamente,
o contrato se cumpriria,
debaixo de um sol bem quente,
duas doses de Terra Fria.
Era Jovem o Jovelino,
como dele me esquecer!?
Pro comércio, teve tino,
ganhou dinheiro a valer!
Criou toda a filharada,
numa só casa a morar,
Carola, muito animada,
soube de todos cuidar.
Conforto deu aos seus filhos,
Hugo, Paulo e Vicentão,
na casa, longe dos trilhos,
da nossa bela estação.
Uma figura eu vendi
ao mais novo da Carola,
essa pro Chico eu perdi,
foi, com ele, a minha bola.
Meu amigo Queirozinho,
no seu imenso terreiro,
cuidou, sempre, com carinho,
do seu dom passarinheiro.
Dos irmãos do meu amigo,
estou sempre a me lembrar,
gente boa, jeito antigo,
muito conforto no lar.
Canarinho na gaiola,
tiziu preso no alçapão,
campinho pra nossa bola,
conversa, sem discussão.
Seu Queiroz, muito calado,
deu bom trato à sua gente,
muito calmo e educado,
foi um pai sempre presente.
Cuidando da casa inteira,
dia e noite, noite e dia,
sua alegre companheira,
com prazer, tudo fazia.
Maria, terna e bondosa,
ao trabalho se entregou,
mulher forte e corajosa
toda a casa perfumou.
Cecília, já bem mocinha,
com a Penha, irmã, ao lado,
correu a casa inteirinha,
deixando tudo arrumado.
Grimaldo, também amigo,
meu companheiro de bola,
ao saber, deu bom abrigo,
foi além da nossa escola.
Não me perguntem quem fez,
já os dois eu vi de pé,
o Gomes e o Montanhês,
Dona Zinha e Salomé.
O Gomes foi derrubado,
quem lá esteve brilhou,
foi um chão abençoado
gente boa nos deixou.
Bem distante da pelota,
da brincadeira distante,
nós tivemos Maricota,
nossa mestra tão brilhante.
Dessa mestra, rigorosa,
boas lembranças nós temos,
a lição mais preciosa,
com essa moça aprendemos.
Cuidou bem do nosso dia,
bem melhor da nossa sorte,
louvada a sabedoria
da mestra de pulso forte!
Sua irmã não me ensinou,
eu só tenho a lamentar,
Dona Elza, também brilhou,
soube a todos conquistar.
Sempre alegre e bem disposta,
vez ou outra eu posso vê-la,
dessa gente a gente gosta,
continua a mesma estrela.
Salomé teve mais filhos,
o total não sei dizer,
Hélio e Som, longe dos trilhos,
bem menino eu pude ver.
O Hélio, de vez em quando,
consigo, ainda, encontrar,
ao trabalho se entregando,
sem tempo pra conversar.
No outro Hotel da cidade,
Dona Zinha eu pude ver,
trabalhando, com vontade,
soube a todos receber.
Com Josias ao seu lado,
cuidou bem do viajante,
seu hotel foi freqüentado,
por muita gente importante.
Comida muito gostosa,
bem servida, bem quentinha,
roupa de cama cheirosa,
bem passada e bem limpinha.
Maricota e Erondina,
professoras rigorosas,
de bondade cristalina,
foram sempre prestimosas.
Bem preparadas as tais,
como aluno, fui premiado,
duas mestras magistrais,
eu tive sempre ao meu lado.
As primeiras minhas lições,
eu as tive com alegria,
dois enormes corações,
num mar de sabedoria.
Marcos Aranda, o amigo,
também alfabetizado,
teve o mesmo meu abrigo,
na casa do Delegado.
Dona Rute e Dona Anita,
esquecê-las, nunca iremos,
bendita a lição, bendita,
que das mestras recebemos!
Foi-se o amigo Marquinhos,
mais que amigo, meu irmão,
outra vez os tais espinhos
dando dor ao coração.
O amigo que parte agora,
fez, demais, nossa alegria,
no campo, a torcida chora,
do nosso Santa Luzia.
Meu goleiro, meu amigo,
há um céu a te esperar,
Deus, aos bons, dá bom abrigo,
lá, eu sei, terás lugar.
Malaquias, muito esperto,
neguinho, muito safado,
tinha sempre o bote certo
pra cima do Delegado.
Cata Preta ia ao bar,
Malaquias ia atrás,
seu assobio, no ar,
roubava, do velho, a paz.
Sentindo-se incomodado,
o Delegado ordenava:
“Caia fora, seu safado!”
Malaquias nem ligava.
Pra calar o tal neguinho,
descobriu a solução:
um sorvete, palitinho,
dava fim à gozação.
“O sorvete, em pagamento”,
propunha logo o neguinho,
conseguido o seu intento,
partia, o tal, de fininho.
Foi assim a vida inteira,
o fato é mesmo engraçado,
mais uma história mineira:
“O Neguinho e o Delegado”.
Itagiba era um terror,
menino que se prezava,
se gostava do senhor,
do soldado não gostava.
Assustava a meninada,
pôs muita gente a correr,
nossa infância, ameaçada,
foi bem difícil viver.
Muita bola, nós perdemos
para quem despreparado,
qual a razão, não sabemos,
do gesto grave, impensado.
Nossas ruas, sem movimento,
jamais foram perigosas,
chão de terra, sol e vento,
tardes frescas, primorosas.
Carro-de-boi, isso tinha,
lento demais pra matar,
dois jipes e o trem na linha,
tudo ali bem devagar.
Seu Ary, pai do Bitica,
do Evandro e do Goloca,
tinha um carro tiririca,
sem grande valor pra troca.
Uma tal de Baratinha,
carrinho velho demais,
nunca foi além da linha,
da nossa Minas Gerais.
Subir o morro, subia,
puxando sempre de lado,
pra casamento servia,
pra depois ser encostado.
Um jipe que circulava,
na terra inteira calada,
pelas ruas passeava
carregando a filharada.
Seu Itair, certamente
era ele o condutor,
homem muito inteligente,
sempre fino, esse senhor!
Trazia os filhos na linha,
pra que não fossem levados,
pelas mãos da mãe Laurinha,
foram todos bem cuidados.
Renato, educado e fino,
Humberto, mais molecão,
Marco Antônio, pequenino,
nunca foi de aprontação.
Do Gotardo, bem novinho,
nada grave pra contar,
mas, do tal de Itairzinho,
nem é bom eu começar.
Brigou muito esse menino,
excelente brigador,
boa cabeça e bom tino,
foi, dos fracos, protetor.
Tinha ele largo espaço,
que soube bem defender,
bom na perna, bom no braço,
pôs muita gente a correr.
Tempinho de meninada,
tempo bom, como esquecer!
Água presa na calçada,
represada pro lazer.
Num barquinho de papel
navegou meu pensamento,
minha pipa foi ao céu,
na força amiga do vento.
Lancei, na rua, o pião,
na força de uma fieira,
num pedacinho de chão,
minha vida corre inteira.
Fui senhor dos meus brinquedos,
não os comprei, eu os fiz,
quem não vive de segredos,
vive a vida mais feliz.
Fui pobre, mas tudo tive,
tive amor, tive carinho,
sem grana, também, se vive,
ruím é viver sozinho.
Vi meu povo trabalhando,
cuidando bem do seu lar,
vi Padre João ensinando
todo o meu povo a rezar.
Vi Matheus fazendo tacho,
Zezinho, vi ao seu lado,
nesse serviço de macho,
ninguém melhor preparado.
Essa família Inhaquiti,
muito fez por nossa gente,
com mais voraz apetite,
vi Matheus seguir em frente.
Correu o Brasil inteiro,
deu, ao cobre, mais valor,
deu, à pinga, o melhor cheiro,
aos filhos, deu muito amor.
Na Rua Major Pereira,
essa gente eu pude ver,
junto à ponte de madeira,
fez o cobre derreter.
Eu criança, ele menino,
bom no serviço e no prato,
pude ver o moço Dino,
dando à bola fino trato.
A Neide, muito elegante,
o moço Dino fisgou
o amor, daí em diante,
no casal se eternizou.
Vi Geraldo, vi Carminha,
o moço, vi na estação,
a moça, que vi sozinha,
vi, também, com Zé Leão.
Zé Leão foi vascaíno,
fervoroso torcedor,
a bola, no seu destino,
fez do Zé um brigador.
Foi, no campo, centroavante,
trombador, melhor diria,
muitas vezes, importante
pro nosso Santa Luzia.
Nas rodas de discussão,
no bar do Nico Jacob,
foi, realmente, um leão
sem jamais se encontrar só.
Esse tal, a redondinha,
abraçou bem pequenino,
aprendeu com Joaninha,
a também ser vascaíno.
Seu Antônio, eu vi jogando,
sua mãe, eu vi torcendo,
no Coringa, trabalhando,
vi o Bley se defendendo.
Também amante da bola,
pouco a ela se entregou,
no campo não fez escola,
mas brincar, ele brincou.
Maurício, da Dona Zinha,
bons quilinhos, mais de cem,
tocou bem a redondinha,
fez bem pouco, mas fez bem.
Zeroto, o caminhoneiro,
gostou da bola, gostou,
viajante o tempo inteiro,
bem pouco se apresentou.
Tinha lá o seu jeitinho,
até que fez bom papel,
um amigo, no seu caminho,
o nosso amigo Ismael.
Saudade da minha gente,
pudesse o tempo eu voltar,
eu voltava, alegremente,
à minha gente encontrar.
Eu vi Nathália morrer,
vi Seu João cair em pranto,
vi minha gente acender
muitas velas pro seu santo.
Os filhos desse casal,
partiram, não sei pra onde,
companheiros de quintal,
pergunto e ninguém responde.
Os filhos da Mariquinha,
foram, no Rio, morar
com essa gente vizinha,
fiz minha infância passar.
Minha mãe foi carinhosa,
foi, meu pai, a luz do amor,
quem a fé tem ardorosa,
tem a luz do Salvador.
No seu salão de barbeiro,
seu trabalho, sua paixão,
foi meu pai, o tempo inteiro,
um exemplar cidadão.
Na nossa vida modesta,
trancou-se ele de vez,
não teve tempo pra festa,
quem tantos trabalhos fez.
Muito cedo, bem cedinho,
com pouca luz sobre o chão,
muita gente, com carinho,
já buscava o seu salão.
Minha mãe, também de pé,
dava trato à refeição,
já tinha pronto o café,
só faltava mesmo o pão.
Pãozinho feito na hora,
no vizinho se comprava,
minha gente, sem demora,
tudo aquilo devorava.
Sete filhos pra cuidar,
sete bocas pra servir,
sete camas pra arrumar,
sem nossa ajuda pedir.
Sete roupas, bem cuidadas,
outras tantas no varal,
nas suas horas veladas
ia ao Pai Celestial.
Falava com Deus, falava,
conversava alegremente,
Deus, que mamãe escutava,
dava amparo à nossa gente.
Em casa, nada faltou,
sobrou amor, isso sim,
o amor que mamãe plantou
como os irmãos, trago em mim.
Lá no céu estão meus pais,
muitos tios também estão,
gente nossa, boa demais,
para os bons a salvação.
Minha tia, de reza forte,
meus males todos curou,
muita fé, nada de sorte,
Maria, em Deus, confiou.
Tia Anice, só no Rio,
nós vimos pouco demais,
afastou-se ela do frio,
da nossa Minas Gerais.
Tias Iracema e Naninha,
Em São Paulo se trancaram,
as duas, comigo eu tinha,
bem de mim elas cuidaram.
Meus tios Ló e Aldemar,
poucas vezes pude ver,
desses dois, pouco a falar,
por muito pouco saber.
Tio Aldemar foi barbeiro,
soube a todos bem servir,
orgulhoso, o chão mineiro,
festeja seu filho Almir.
Na Academia Mineira,
nosso orgulho, nossa glória,
Dr. Almir de Oliveira,
nosso registro na história.
Isaura de Assis Marinho,
minha tia tão querida,
deu aos filhos seu carinho,
a todos deu alegria.
No seu cantinho, calada,
cuidou dos filhos, cuidou,
se sofreu, não disse nada,
ela a Deus tudo entregou.
Mulher simples, consciente
do seu dever mais cristão,
deu carinho à sua gente,
fez, de amor, sua missão.
Dos filhos, infelizmente,
Altamir, não conhecemos,
nos versos se diz presente,
editados, recebemos.
Almir deu vida ao irmão,
fez por ele o que podia,
mostrou dele a inspiração
na perfeição da poesia.
Luzia, nós conhecemos,
dela ouvimos sua voz,
da Enir, nada sabemos,
viveu distante de nós.
Meu tio Antônio sumiu,
não deu notícia a ninguém,
alguém disse que partiu,
alguém disse, não sei quem.
Pouco contato tivemos,
com meu tio tão querido,
dos filhos, nós não sabemos,
todo mundo anda sumido.
Espaço de estranha rima,
meu pai assina Oliveira,
tios tive Oliveira Lima,
estranha coisa mineira!
Wilson e Waldir, os tais,
assim foram registrados,
casos vindos das Gerais,
que nunca tive explicados.
Mineiro, meu caro amigo,
pude sempre perceber,
à invenção dá abrigo,
simplesmente por prazer.
Diz que é, diz que não é,
diz que faz e nada faz,
não se diga de má-fé,
de quem só briga por paz.
Conversa, no chão mineiro,
é papo longo demais,
o paulista, em seu terreiro,
colhe tudo das Gerais.
Mineiro fala o que quer,
não mede nunca o que diz,
não fala mal de mulher,
quem bem sabe ser feliz.
À vontade, conta lorota,
fala muito, falo sério,
num papo firme ele esgota
toda a história do minério.
Político habilidoso,
caprichoso e bem maneiro,
no jogo mais perigoso,
não perde nunca dinheiro.
Esqueçamos nosso Estado,
voltemos pra minha terra,
quem tem o bico calado,
no silêncio, não se ferra!
Dona Carmem foi doceira,
tudo o que fez, nós comemos,
na nossa mesa mineira,
doçura que nós tivemos.
Seu João foi comerciante,
bem me lembro do Seu João,
família boa, importante,
todo mundo pé no chão.
Quatro filhos vi de pé,
cada um com seu estilo,
Sílvio, Marly e Zezé
e, finalmente, o Murilo.
Um tipo muito engraçado,
esse um tipo bem mineiro,
soldado, Rocha Soldado,
soldado e também bicheiro.
Francisco Rocha, seu nome,
eu, menino, não sabia,
num papo, por telefone,
com seu filho, eu aprendia.
Geraldo, do outro lado,
nossa conversa esticou,
conversando no passado,
muita coisa me contou.
Escolarse, seu irmão,
molecão, arruaceiro,
deu adeus ao nosso chão,
foi pro Rio de Janeiro.
Na nossa Major Pereira,
num beco, bem apertado,
viveu a família inteira
do nosso Rocha Soldado.
Dona Geralda, ocupada,
muito pouco eu pude ver,
naquele beco, trancada,
sua vida fez correr.
Se foi à reza, eu não vi,
se foi ao culto, não sei,
aquilo que eu conto aqui
ninguém dirá que inventei.
Do Juvenil “Pintadinho”,
menino esperto, amigão,
eu me lembro, com carinho,
nas voltas do seu pião.
Seu Manoel foi o seu pai,
gente simples, educada,
suportou o entra-e-sai
da nossa turma arretada.
Muita bolinha de gude
eu joguei com Juvenil,
medindo o andar que pude
fui além do meu Brasil.
Minha pipa foi ao céu,
como foi, voltou ao chão,
vareta, cola e papel,
carretel de Coração.
Manezinho foi torneiro,
como dele me esquecer!?
Não fez nada por dinheiro,
fez brinquedo por prazer.
Que filha maravilhosa,
pode ter, além da lida!?
grande amiga, prestimosa,
nome santo, Aparecida.
Com Miltinho foi casada,
teve um casal, bons meninos,
na mais infeliz jornada,
foi-se o mestre dos Balbinos.
Miltinho foi sapateiro,
cuiqueiro sem igual,
do Santa, o melhor zagueiro,
gigantesco, colossal!
Vigoroso, inteligente,
deu, à bola, fino trato,
se preciso, de repente,
metia a bicha no mato.
O moço de Miraí,
que a nossa terra acolheu,
na cidade onde eu nasci,
foi um grande amigo meu.
Nossa amiga Aparecida,
com toda a sua pobreza,
pelos filhos e pela vida,
sempre teve pão na mesa.
Maria Preta, engraçada,
corria a rua sorrindo,
“muito boa, essa empregada!”
eu, menino, fui ouvindo.
Dona Donária, a patroa,
bom trato deu à Maria,
por viver vida tão boa,
de tudo essa tal sorria.
Numa casinha de fundo,
casa simples, no quintal,
essa preta fez seu mundo
de uma forma magistral.
Sempre alegre e saltitante,
sem se prender a dinheiro,
por amar seu semelhante
hoje eu sei seu paradeiro.
Mora no céu, certamente,
ela fez por merecer,
quem faz o mundo contente,
o céu, contente, vai ter.
Dona Francina, a doceira,
mulher do Seu Julião,
alegre, muito festeira,
vivia de animação.
No doce, ninguém igual,
comi seu doce a valer,
os frutos do seu quintal
menino, eu pude colher.
Mãe de Lúcia, a professora,
mãe, também, do Zé Necreto,
muitas vezes, a Dodora
deu-me abrigo no seu teto.
Essa filha de Francina,
com Nascimento casada,
foi sempre educada e fina,
nossa amiga, muito amada.
Mãe de Lúcia e de Lucília,
também do Zé, meninão,
saudade dessa família
saudade do nosso chão.
Uma loja de tecido,
de coisas de costureira,
o freguês bem atendido
foi assim a vida inteira.
Seu Rocha e Dona Gaída,
cuidavam bem da lojinha,
o casal, de bem com a vida,
boa vida sei que tinha.
Tiveram filhos bondosos,
sadios, graças a Deus,
dois netos maravilhosos,
foram sempre amigos meus.
Marquinhos, mais paciente,
Biriba, mais aloprado,
nos deixaram, de repente,
de repente – pra que lado?
Quem levou nossos meninos?
O que fazem? Onde estão?
Meus amigos pequeninos
bons tempos de pé no chão!
Como esquecer esse moço?
Joel “Galã”, muito cedo,
muito magro, pele e osso,
enclausurou-se em segredo.
Um sax chora gostoso,
em cadência doce e meiga,
um amigo maravilhoso,
José Bernardes da Veiga.
Foi pro Rio, levou Didinha.
Sua ausência, tão sentida,
reinando, segue sozinha
nos sopros da nossa vida.
O elétrico Adelino,
corria a rua, corria,
parecia sem destino,
dando trato ao que fazia.
Do cobre, o tacho brotava,
a família inteira batia,
a sessão só terminava,
quando completa a poesia.
Tudo bem feito, acredite,
tudo no fogo e na mão,
essa família Inhaquiti
tudo fez com perfeição.
Dessa família, um seu filho
vi cantar com voz de Deus,
às nossas noites deu brilho
o amigo e tenor Matheus.
“Tuquinha”, também tenor,
com o pai, tudo aprendia,
gente amiga, sim senhor,
que só nos deu alegria.
Mineiro, meu caro amigo,
é bem fácil perceber,
dá, à prosa, sempre abrigo
se nada tem a fazer.
Vi muita gente cansada,
gente à-toa, vi demais,
vi muita água parada,
nos espaços dos quintais.
Pouca gente no plantio,
muito minério no chão;
vi gente buscando o Rio,
indo atrás de diversão.
Nossa terra, abandonada,
mais produzir, bem podia,
mineiro pegando enxada,
muito pouco a gente via.
Conversa, no chão mineiro,
é papo longo demais,
por muito pouco dinheiro,
vão-se os nossos minerais.
Bom ouvinte de lorota,
isso eu sempre soube ser,
quando sério, a gente nota,
pouco o papo se estender.
Joguei bisca, sim senhor,
vinte e um, também joguei,
menino, fui sonhador,
nenhum dos sonhos guardei.
Minha infância, que saudade,
saudade da minha gente,
corri, o campo, à vontade,
perdi, tudo, de repente.
Dona Carmem foi doceira;
para os doces que ela fez,
na nossa terra mineira,
sempre havia bom freguês.
No trabalho, caprichosa,
essa mulher, tão ternura,
no nosso reino de prosa,
cedeu espaço à doçura.
O marido, comerciante,
saudade do Seu João,
trabalhou, foi importante,
esse exemplar cidadão.
Deu conforto à filharada,
soube a família suster,
dessa gente, tão educada,
eu jamais vou me esquecer.
Com seus filhos convivi,
Vida boa em bom estilo,
bem perto, tive o Marly,
distante, tive o Murilo.
O Marly, Marcos virou,
bem mais tarde, ouvi dizer,
o amigo que nos deixou,
foi bem longe se esconder.
Paraná, o seu destino,
foi-se o nosso bom goleiro,
foi-se o tempo de menino,
foi-se a vida de mineiro.
O Sílvio também partiu,
Zezé decidiu ficar,
logo em seguida sumiu,
sem seu destino contar.
Perguntas, eu faço agora,
como esquecer essa gente?
Por que razão foi embora
quem sempre se fez presente?
Nosso amanhã muito incerto,
certamente, aqui reinou,
quem teve o medo tão perto
por outro canto buscou.
Vi muita gente partindo,
muito choro eu pude ver,
vi muita gente sorrindo
na esperança de vencer.
Toda a beleza da vida
deixei pra trás, isso eu fiz,
a saudade mais querida
da minha terra me diz.
Da mamãe, guardo a santinha,
santa de chumbo e de amor,
uma santa pequenininha,
mas de poder salvador.
Da minha casa cuidou,
de todos nós, certamente,
a santa que me restou
tornou-se régio presente.
Poucos recursos tivemos,
não fez falta o tal dinheiro,
desse passado, nós temos
bons exemplos do barbeiro.
Nossa infância e mocidade
foi um tempo bem cumprido,
quem fez bem e com vontade
foi, por Deus, bem assistido.
De mamãe, o que dizer
de uma santa tão bondosa,
minha mãe, como esquecer
de uma luz tão preciosa!?
Saudade, quanta saudade,
do meu céu, da minha lua,
retornar, quanta vontade,
pro meu cantinho de rua!
Subo morro, desço morro,
corro atrás de passarinho,
eu, menino, sei que corro
de um malvado soldadinho.
Meu “Soldadinho de Fel”,
teu dia, afinal se fez,
eu não sei se foi pro céu,
quem com tanta estupidez!
Se o tal inferno é ruim
não te desejo o lugar.
Quem sou eu pra agir assim!?
Quem sou eu pra condenar!?
Deixo a Deus o julgamento
do teu gesto sem sentido,
soldadinho, só lamento
ter, assim, te conhecido.
O tal soldado ruim
pro inferno não vou mandar,
quem sou eu pra agir assim,
quem sou eu pra condenar!?
A polícia, infelizmente,
não sabe o poder que tem,
se engrandece, de repente,
por isso não se sai bem.
Educação e respeito,
aliados à cortesia,
com tais dons daria jeito
de dar vez à harmonia.
Dona Iraci, lavadeira,
da família Vitorino,
lavou roupa a vida inteira,
foi pesado seu destino.
Nem por isso lamentou
essa amiga tão franzina,
quem tanta roupa lavou,
bem cumpriu a sua sina.
Vive no céu, certamente,
presente Deus ao seu lado,
bem merece tal presente
quem fez tudo com cuidado.
No arrasta-pé da cidade,
meu povo se divertiu,
dançando, muito à vontade,
pude ver o Tililiu.
Quininin também dançava,
Calomano, ouvi dizer,
quando a bichinha agarrava,
nem via a noite correr.
De noite, “Chora Mulata”,
“Risca Faca”, que alegria!
no baile não sobra gata,
gata não chora e nem mia.
Esse baile, eu pude ver,
vi muita gente assanhada,
quem gostava do prazer
tinha mesa reservada.
Foi goleiro o Quininin,
corajoso, não brilhante,
Calomano, este sim,
para nós foi importante.
Vi muito moço esforçado,
esforçado, nada mais,
no mesmo nosso gramado,
nos mesmos nossos quintais.
Jogadores talentosos,
de alguns, como esquecer!?
Com arranques preciosos,
Bolivar eu pude ver.
Floriano, que beleza!
Na defesa, nada igual!
Com talento e com destreza,
foi um beque colossal.
Tive Darcy ao meu lado,
Miltinho, tive também,
são craques do meu passado,
brilhantes como ninguém.
Bons goleiros, pude ver,
vi Marly, vi Juarez,
Marquinhos, eu vi crescer,
fez milagre, sei que fez.
Pequeno pra posição,
mas a ela dedicado,
meu amigo, quase irmão,
foi, pro gol, predestinado.
Fez defesas colossais,
fez bem mais do que podia,
se pudesse, faria mais
pelo seu Santa Luzia.
Tio Nilo foi pedreiro,
soube ser bom construtor,
do abil do seu terreiro
eu guardo, ainda, o sabor.
Tia Arminda, paciente,
foi-lhe amiga e companheira,
saudade da minha gente,
da minha terra mineira!
Lá do Seu Neca Amaral,
lembrança boa me vem,
que ninguém me queira mal,
pois que a todos quero bem.
Do Ivan e do Manoel,
devo sempre me lembrar,
Seu Américo, no céu,
com certeza, tem lugar.
Goiaba branca, eu sabia,
só Seu Venâncio plantou,
eu roubava, não pedia,
quem, menino, não roubou!?
Dona Clara, paciente,
não ligava nem um pouco,
Seu Venâncio, cuca quente,
reagia como louco.
Belin ouvi, não Belinho,
o preço, da fruta, estica,
cortou muito o meu caminho
esse rei da mexerica.
Cobrava caro demais,
a fruta que mais vendia,
ninguém tinha nos quintais
tanta fruta tão sadia.
Seu Nico, sob o hotel,
montou um bar de primeira,
atrás de doce e pastel,
eu vi muita bebedeira.
Todo mundo ali bebia,
flamenguista e vascaíno,
a casco escuro corria,
com seu sabor tão divino.
Cerveja, quanta cerveja
eu vi nos bares rolar!
“Quem mais bebe, mais deseja!”
vi beberrão proclamar.
À Dona Zinha, do hotel,
Josias vi ajudar,
cumpriu bem ele o papel,
de companheiro exemplar.
Esse um tempo de poesia,
muita graça e singeleza,
minha gente se divertia,
tinha voz a natureza.
Nossa Praça da Bandeira
bem cuidada, bem florida,
flor que é nossa, flor mineira,
perfumando a nossa vida.
No vai-e-vem da moçada,
terna noite, noite bela,
um olhar na namorada
um outro olhar no pai dela.
Bem fraca a iluminação,
para o namoro, há quem goste,
o vaga-lume, de então,
superava a luz do poste.
Besouro sempre surgia,
milhares pude virar,
a gente se divertia,
vendo o bicho estrebuchar.
Vi, no céu, muito rojão,
vi meu povo festejando,
vi sempre São Sebastião
da minha gente cuidando.
O barulho da matraca,
corria a cidade inteira,
o baile do risca faca,
não passou de brincadeira.
Nunca vi ninguém ferido,
a verdade é uma só,
foi de paz e concorrido,
nosso festivo forró.
Entre Rios, Rua Nova,
bem nesta a Delegacia,
por falta de queixa ou prova,
nenhum preso nela havia.
Soldado não trabalhava;
não tendo nada a fazer,
no joguinho se lançava,
fazendo o tempo correr.
Um deles foi peladeiro,
na sinuca, um jogador,
o mais velho, foi bicheiro,
foi o gordinho um terror.
Deste último soldado,
eu jamais me esquecerei,
fui por ele maltratado,
pequenino, eu me calei.
Quem, criança, reagiria
à afronta bestial!?
Quem, criança, esqueceria
o soldadinho do mal!?
Deixemos o tal de lado,
nossa história retomemos,
falemos de um Delegado,
um dos muitos que tivemos.
Sobre ele, falei atrás,
um varredor de sarjeta,
ninguém tanto quis a paz
como o nosso Cata Preta.
Homem sério, sempre justo,
prestimoso em seu dever,
na praça, eu poria o busto,
de quem justo soube ser.
Padula, o Fioravante,
eu não pude conhecer,
foi ele muito importante,
sempre ouvi alguém dizer.
O Vante, pai do Vantinho,
do Dagô – o Dagoberto,
passou a casa ao Toninho,
meu cunhado e amigo certo.
Com Dagô, joguei bolinha,
futebol, também, joguei,
com a sua tia Zelinha
muitas vezes conversei.
Um Padula professor,
o Gilson foi boa gente,
às dezoito, foi locutor,
de oração comovente.
Do Felício e do Joãozinho,
não se diz de seus destinos,
estranho muito o caminho
que levou nossos meninos.
Sobre o velho Fioravante,
o do nome nas calçadas,
sua história, mirabolante,
fala em rei das esmeraldas.
Quem mais antigo dizia:
teve, o tal, grande riqueza,
da história que se ouvia
não se pôs prova na mesa.
Teve pouco, certamente.
– Que tanto podia ter!?
O que tinha a nossa gente
dava bem pra gente ver.
Seu busto, no cemitério,
por alguém foi arrancado,
esse assunto, muito sério,
teve o fim muito engraçado.
Bem em frente ao Montanhês,
num pedestal pequenino,
o tal busto, hoje tem vez,
até quando o seu destino?
Conhecendo a minha gente,
que me ouçam, falo sério,
pode ser que de repente,
volte, o busto, ao cemitério.
Sempre alguém eu vi fazer,
sempre alguém pra desmanchar,
com meu povo pude aprender
nessa história acreditar.
“Ave-Maria, cheia de graça..”,
o povo inteiro rezava,
no Montanhês, lá na praça,
todo dia, eu escutava.
De Gounod, Ave-Maria,
na voz de Gigli, o tenor,
eu, menino, todo dia,
conversava com meu Senhor.
Sempre atrás de proteção,
sempre atrás da grande luz,
jamais me chegou um não
do grande mestre Jesus.
Menino, cheio de graça,
eu tive tudo o que quis,
aquele que Deus abraça
vive a vida mais feliz.
Tempo bom, de muita missa,
muita reza e procissão,
no domingo, só preguiça,
muito frango e macarrão.
Lembrança da minha casa,
do meu quintal, da mangueira,
do nosso ferro de brasa,
do calor na casa inteira.
Lembrança da meninada,
do cavalinho de pau,
da minha gente animada
nas danças do carnaval.
Lembrança do Zé Duarte,
na sua casa de esquina,
do trem que chega e que parte
e da Dona Marcolina.
Do Cabral, nosso açougueiro,
qual de nós pode esquecer,
em pedaço, ou mesmo inteiro,
vendeu capado a valer?!
Fui amigo de seus filhos,
fui, dele, admirador,
na parte baixa dos trilhos
deu, a todos, muito amor.
Padre João, com seu rigor,
o povo soube educar,
da igreja, bom servidor,
foi seu trabalho exemplar.
Homem bom e paciente,
foi Frei Pio, quem diria,
me aparece, de repente,
onde há muito me escondia.
Em São Paulo me procura,
telefona, quer me ver,
homem limpo, alma pura,
muito me fez aprender.
Conversamos longamente,
velha lembrança me traz,
diz do povo mais contente,
meu povo ordeiro e de paz.
Verdade, tudo verdade,
naquele tempo, isso mesmo,
hoje, o povo da cidade,
caminha, parece a esmo.
Muito moço, sem juízo,
sem esperança, não sei,
não enxerga o paraíso,
que, pequenino, enxerguei.
No trabalho, pouca gente,
na escola, mal proveito,
quem, moço, daqui pra frente,
aconselho, meta o peito!
A vida vem rigorosa,
novo tempo, mais rigor,
quem tem a mão preguiçosa,
só tem promessa de dor.
Se emprego falta agora,
vai mais tarde mais faltar,
quem, na escola, se aprimora,
pode o mundo conquistar.
Quem não estuda, coitado,
vai sofrer, eu sei que vai,
vai despertar atrasado,
sem a presença do pai.
Quem moço, preste atenção,
no conselho que vou dar:
quem mal semeia seu grão,
não pode a terra culpar.
Se fruto, no seu caminho,
por acaso, vir surgir,
bem certo haverá espinho
para, então, mais se ferir.
Conterrâneo, meu amigo,
é seu amigo quem diz:
ao saber dê mais abrigo,
pro futuro mais feliz.
Depois do recado dado,
retomo a história de novo,
vou atrás do meu passado,
volto a falar do meu povo.
Não vi a banda passar,
quem viu, confessa, gostou,
quem viu o Veiga tocar,
doce lembrança guardou.
Jacy Castro, lá na Reta,
lá na Reta, bem no fim,
homem bom, vida discreta,
reservado, foi assim.
Se tinha cara de otário,
otário não soube ser,
o nosso amigo Canário,
bebeu cachaça a valer.
Pretinho, muito educado,
prestimoso, muito ativo,
boas horas, passei ao lado
de um Canário muito vivo.
Do patrão Jacy falava,
falava bem o pretinho,
era ele quem cuidava
do Marlênio “patrãozinho.”
Um registro engraçado,
após a festa solene,
o Marlênio vi casado,
com a boa moça Marlene.
No Cartório vi os dois,
ao lado de um dos filhos,
inquietos com o depois,
o filho já está nos trilhos.
Outro filho do Seu Jacy,
bom amigo e companheiro,
o Flávio que conheci
me mostrou o seu terreiro.
Caminhei pelo quintal,
que Seu Jacy bem cuidou,
vi, na casa, o pessoal,
sua gente me encantou.
No final da grande Reta,
escancarada a porteira,
a família vi completa,
gente boa, hospitaleira.
Sei que alguém meteu o dedo
em coisa que não devia,
a Rua Jayme Toledo,
outro nome merecia.
Se pudesse ser mudado,
o nome mais certo ali,
olhando bem o passado,
seria o do Seu Jacy.
Outra rua, mas não essa,
com todo nosso respeito,
já estaria bom à beça,
por ter sido ele Prefeito.
Com tecido, Seu Heitor,
fez o que fez, e fez bem,
pai do Gilson, jogador,
um chorão como ninguém.
Na ponta que ocupava,
no nosso Santa Luzia,
quando a bola não chegava,
só choradeira se ouvia.
Bom moço, o nosso Gilsinho,
faz com gosto o que ele faz
cuidador de passarinho,
desse jeito, vive em paz.
O verso acima já feito,
o livro não publicado,
pra ocupar outro leito,
foi nosso Gilson levado.
Partiu bem cedo o chorão,
fez ele o que não devia,
plantou saudade no chão
do nosso Santa Luzia.
Violeta, a companheira,
bela filha do Seu Heitor,
elegante, a vida inteira,
faz jus ao nome de flor.
A solidão que abraça,
certamente faz a dor,
a tal dor que nunca passa,
ausência do grande amor.
Os seus pais, bem conheci,
seus irmãos, conheço bem,
Heitorzinho sempre vi,
inquieto como ninguém.
Preso à sua padaria,
vendendo pão a valer,
nossa gente perderia
quem não queria perder.
Moço meigo, inteligente,
calou cedo a sua voz,
partiu, ele, de repente,
deixando tristeza em nós.
Do nosso Santa Luzia,
foi o Hilton jogador,
deu a nós muita alegria,
o filho do Seu Heitor.
Foi o Hilton lateral,
bom rapaz e competente,
sem ter sido genial,
foi festa pra nossa gente.
Seu Heitor, comerciante,
muitas vezes pude ver,
com seu comércio importante,
fez muita casa crescer.
Na sua casa de esquina,
junto à Praça da Bandeira,
o concorrente domina
com sua garra mineira.
Luiz Barros, seu irmão,
metido em seco e molhado,
conseguiu consagração,
por seu agir engraçado.
Com seu vasto repertório,
agindo à sua maneira,
animador de velório,
foi Luiz a vida inteira.
Um dia escrevi errado,
disse pombal da Dedé,
que o nome seja trocado,
que o leitor leia Teté.
Pai do primo Dedezinho,
nosso culto Advogado,
Dedé Freitas, meu padrinho,
fez-se homem respeitado.
O nome desse Dedé,
não se apaga, não me engano,
foi ele, em Muriaé,
treinador do Paulistano.
Dedé de Freitas, meu caro,
fez muito craque de bola,
com muita visão e faro,
foi mestre de boa escola.
A esposa, maravilhosa,
Odete virou Neguinha,
céu aberto à boa prosa,
de quem dela se avizinha.
Cantou comigo, essa prima,
com sua voz de veludo,
amiga, de larga estima,
zelosa, cuidou de tudo.
Roberto, o mais velho filho,
do casal Dedé-Neguinha,
é o Chang mostrando brilho,
pra quem dele se avizinha.
Nas orações de uma tia,
meus males eu vi partindo,
lá no céu, tia Maria,
certamente está me ouvindo.
Mulher assim tão bondosa,
menino, não vi ninguém,
mãe de todos, prestimosa,
foi santa, só fez o bem.
Rezava muito, rezava,
a doce mãe do Izaul,
com mais carinho cuidava
do seu carreiro Raul.
O carro-de-boi rangia,
tendo, à frente, o candeeiro,
no trabalho, todo dia,
fazia festa o carreiro!
Por onde anda o Japão?
Por onde anda o Senado?
Esses bois, de estimação,
são graças do meu passado.
O Tesouro e o Mimoso
foram bois de larga estima,
saudade do boi Jeitoso,
a quem agradeço a rima.
Partiu o Zé “Sapateiro”,
– Foi pro Rio! Alguém ditou.
Lá no Rio de Janeiro
Seu José se acomodou.
Amigo de muita gente,
homem simples, bom demais,
no peito, trago presente
esse amigo dos meus pais.
Um Itagiba de briga,
um Itagiba de paz
sobre este o verso diga,
fique o outro bem atrás.
Numa casa, bem no morro,
na Rua Major Pereira,
carne de gato e cachorro,
servia à sua maneira.
Seus amigos convidava,
farta ceia oferecia,
a todo mundo enganava,
com a carne que servia.
Prometia pra macacada,
um frango bem temperado,
quem come e não paga nada,
come sempre gato assado.
Foi assim a vida inteira,
esse homem brincalhão,
fez sempre muita sujeira,
esse amigo cachorrão.
São Francisco, quem diria,
viveu no morro encostado,
na capelinha vivia,
esse santo muito amado.
O negócio é muito sério,
sem a devida atenção,
no morro do cemitério
curtiu, ele, a solidão.
Seja feita a construção,
como aquela que fizemos,
pro nosso São Sebastião,
que na Igreja nós temos.
Quero meu Chico enfeitado,
coberto com muita luz,
coloquem bem ao seu lado
nosso Pai que é Jesus.
Roque Castro foi caçador,
a caça não pude ver,
tinha tudo, esse senhor,
pra boa caça fazer.
Cachorro, tinha bastante,
cães bonitos, preparados,
caçador, da caça amante,
tinha lá seus predicados.
Calado, sempre calado,
só assim vi o Seu Roque,
sempre muito bem armado,
só não caçou de bodoque.
Espingardas – quantas vi,
cachorros, eu nem contei,
olhando, eu me diverti,
o meu tempo, assim passei.
Caçador, eu fui também,
quando bem pequenininho,
não escondo de ninguém,
cacei muito passarinho.
Nas gaiolas, alguns guardei,
nos viveiros, a maioria,
muitas rolinhas fritei,
quem rolinhas não comia!?
De novo, o arrependimento,
a experiência me diz,
solte o pássaro ao vento,
pro seu cantar mais feliz.
Você, criança da roça,
cuide bem do passarinho,
não queira fazer a troça,
que eu fiz pequenininho!
Criança que anda armada,
de espingarda, isso mesmo,
muita coisa faz errada
quando, então, atira a esmo.
Paulo César, companheiro,
meu primo e também amigo,
caçador, passarinheiro,
pôs muita gente em perigo.
Espingarda de chumbinho,
tinha ele e não devia,
atirando em passarinho,
um garoto atingiria.
Não ficou só nisso não,
o drama se repetiu,
uma senhora, na mão,
com outro tiro atingiu.
Um conselho à meninada,
arma de fogo é perigo,
a arma na mão errada,
muitas vezes mata amigo.
Gregório foi pescador,
dono de posto, também,
um grande batalhador,
trabalhou como ninguém.
Sua história, bem conheço,
bom filho do Zé Duarte,
amigo, de largo apreço,
amigo por toda a parte.
Foi ele, recentemente,
foi pro céu, tenho certeza,
não sei se daqui pra frente,
vai ter peixe em sua mesa.
Sua Eneida, a companheira,
vai cuidar do que ficou,
cuidadosa, a vida inteira,
vai colher o que plantou.
Tem os filhos, boa gente,
amigos, eu sei que tem,
terá sempre bom presente
quem, na vida, faz o bem.
Bem atrás do Educandário,
há muito, já nem sei quando,
a família Cerenário
muito tempo vi morando.
Seu Pedro, no meu caminho,
muitas vezes pude ver,
o nosso amigo Pedrinho
ao meu lado eu pude ter.
Dona Irene, torcedora
do nosso Santa Luzia,
em futebol, foi doutora,
sobre tudo ela sabia.
Animada, na torcida,
nossa festa comandou,
ao futebol deu mais vida,
muito mais nos alegrou.
Já mocinho e jogador,
quantos gritos, pude ouvir!?
O esforço, do torcedor,
jogador tem que aplaudir.
As mulheres, durante ao jogo,
mais torciam, mais gritavam,
festejavam, punham fogo,
as mulheres não brigavam.
Tempinho de perna boa,
de andanças tomando sol,
de muitas horas à-toa,
liberdade e futebol!
Passou o tempo, passou,
eu muito dele guardei,
confesso, saudoso estou
desse tempo que passei.
De muita coisa me lembro;
como esquecer dessa gente
que, em vinte de dezembro,
me acolheu tão docemente!?
Corria o ano quarenta,
Papai Noel por chegar,
com o romper da placenta,
mais um filho do Alencar.
Seu Alencar, o barbeiro,
do lar, a Dona Zulmira,
desse casal sou herdeiro,
na terra de Dona Cira.
Na minha Espera Feliz,
justa homenagem prestada,
Cira Rosa de Assis
será sempre bem lembrada.
Pra construção da cidade,
parte da terra, ela deu,
o seu gesto de bondade,
o meu povo agradeceu.
Seu nome já foi escrito,
nome de rua, afinal,
na placa, muito bonito,
o registro triunfal.
Calixto, “Seu Chico” eu vi,
também viu o Luizinho,
esse senhor, percebi
perigoso, como espinho.
O seu pomar majestoso,
era um convite ao pecado,
eu menino, audacioso,
rompi o cerco criado.
Pulei a cerca, pulei
Luizinho, também, pulou,
laranjas, quantas chupei,
Luizinho, quantas chupou!?
Espingarda, ele portava,
sempre duro como osso,
quem seu quintal penetrava,
já levava chumbo grosso.
Nas garras desse senhor,
sofreu muito a molecada,
quem chumbado, tem a dor
como lembrança guardada.
Seu Chico não foi ruim,
foi zeloso, nada mais,
todo mundo agia assim
na proteção dos quintais.
Do Broto, lembrança amarga,
já não vive, certamente,
no seu ombro, dura carga,
cabisbaixo, segue em frente.
Jogador inveterado,
sem nenhum dinheiro ter,
esperto, o desavisado
dinheiro pôs-se a fazer.
Fez dinheiro, sei que fez,
só baralho ele jogou,
no final, lá no xadrez,
todo o seu lucro cessou.
Um seu filho, o Edmar,
menino esperto e levado,
muita bola vi jogar,
muitas vezes ao meu lado.
Para nós, um bom menino,
na rua, bom companheiro,
parecia faltar pino
na cuca do bagunceiro.
Foi embora, o meu amigo,
a família foi todinha,
seu sumiço é bem antigo,
de cinqüenta se avizinha.
Saudade da nossa gente,
saudade da meninada,
eu tenho sempre presente
minha turma bem guardada.
Meu amigo se esconde,
onde Haroldo se meteu,
nem o Iris me responde,
essa dupla me esqueceu.
Amigos de brincadeiras
bons amigos, certamente,
nas livres horas mineiras,
o nosso tempo contente.
Ninguém nunca disse nada
a respeito desses dois,
com tanta água passada,
esse um tempo sem depois.
Seu Jorge foi bom fruteiro,
na nossa Major Pereira,
foi, ainda, verdureiro,
lutador a vida inteira.
Pedrinho, Arnaldo e Zezé,
o primeiro, grande amigo,
bom na cabeça e no pé,
deu, à bola, bom abrigo.
Dona Mercês, mãe dos três,
foi pro Rio e não voltou,
falei com ela uma vez,
a conversa me alegrou.
Muita coisa foi lembrada,
sobre os filhos perguntei,
numa conversa animada,
de um bom tempo me lembrei.
Betoca, de vez em quando,
dá ao povo o ar da graça,
por ele mais perguntando,
soube ser chofer de praça.
O neto do Seu Alberto,
jogou bola muito bem,
na canela, pouco esperto,
grave marca sei que tem.
Num jogo, levou porrada,
maldade de quem chutou,
eu me safei da pancada,
de quem bater-me tentou.
Futebol é mesmo assim,
quem dele gosta não liga,
Santa Luzia é pra mim
minha paixão mais antiga.
Do Estrela, também gostei,
qual razão pra não gostar?
Por ele também joguei
qual razão pra não jogar?
Um time com bons amigos,
todo muito experiente,
jogadores mais antigos,
para nós, régio presente.
O Estrela vi jogar,
vi vencer e vi perder,
vi muita gente chorar,
vi muita gente sofrer.
Antônio Honório e Maria,
eu vi de perto o casal,
com Zé Leão eu corria,
sua casa, seu quintal.
Bley Honório, bom rapaz,
mais calmo que Zé Leão,
no seu correr sempre atrás
teve o Coringa na mão.
Durou pouco o tal café.
Depois do tal desistir,
pela vida, sempre a pé,
foi se encontrar com Nair.
Foi Nair minha colega,
estudante dedicada,
quem ao estudo se entrega
faz mais clara sua estrada.
Gotardo foi companheiro
de andanças e correrias,
pisei, com força, o terreiro
do seu bom pai, Seu Josias.
Os filhos deste senhor,
amigos, tive ao meu lado,
em paciência, doutor
foi o Euro diplomado.
Bem casado com Luzia,
minha amiga, mãe zelosa,
o casal, de enorme cria,
não perdeu tempo com prosa.
Sempre presa ao seu fogão,
por filhos, sempre cercada,
mãe de enorme coração,
transportou carga pesada.
À minha amiga Luzia,
este verso de homenagem,
por sua eterna alegria
e sua enorme coragem.
Quem à família se entrega,
conta com Deus a favor,
a mão de Deus não se nega
aos que sabem dar amor.
Uma enorme confusão,
com alguma pancadaria,
nosso amigo Vicentão,
com Carlinhos se envolvia.
Isso eu vi, em plena Praça,
nossa Praça da Bandeira,
no final, briga sem graça,
sem revólver, sem peixeira.
Quem venceu, não sei dizer.
Carlinhos ou Vicentão!?
Quem mais viu acontecer,
que indique o campeão!
Carlinhos, do Seu Josias,
irmão do Jairo açougueiro,
do Euro, Gôta e Zizias,
gente boa do chão mineiro.
Gotardo já foi embora,
meu amigo, quase irmão,
fez-se cedo a sua hora,
fez-se a dor do coração.
Outro Carlos, certamente
o caçula, creio eu,
tomou rumo, foi em frente,
já mais moço apareceu.
Gente boa, gente fina,
gente amiga, gente honrada,
nossa terra, pequenina,
foi por Deus edificada.
Zizias foi meu colega,
lá no Júlio de Carvalho,
quem à luta se entrega,
faz da venda seu trabalho.
Sempre em sua bicicleta,
cortando a cidade inteira,
com seu ar de bom profeta,
trabalha à sua maneira.
Um grande amigo, esse tal,
bom moço, bom cidadão,
Elza, filha do Cabral,
tem, do amigo, o coração.
Minha Praça da Bandeira,
minha igreja, meu coreto,
a minha infância festeira,
fez fogueira com graveto.
Lembrança da nossa Reta,
das brigas que lá tivemos,
de um tombo de bicicleta,
que jamais esqueceremos.
No “Corguinho” sob a linha,
meu senhor, minha senhora,
caí com tudo o que tinha,
não ficou nada pra fora.
Inteiro sujo e fedido,
pra me tirar da enrascada,
fui depressa socorrido,
pela força de uma enxada.
Um banho, dois banhos, três,
álcool e sabão a valer,
finalmente, o Juarez,
minha gente pode ver.
O cheiro do tal “Corguinho”,
por muito tempo senti,
a lembrança, em meu caminho,
bem revela o que sofri.
Menino muito levado,
sei que fui, mas bem sadio,
na boca, mal educado,
mas bom de pesca no rio.
No São João, nadei bastante,
lambari, pesquei demais,
fui corda, não fui barbante,
nesse meu chão das Gerais.
No nosso santo cantinho,
carregando o mesmo andor,
meu amigo Queirozinho,
tudo fez com muito amor.
Fez alçapão, arapuca,
vara de pesca e gaiola,
fez pião, taco e sinuca,
fez pequena a sua escola.
Fez móveis, ouvi dizer,
fez muita coisa o baixinho,
com seu jeitinho de ser,
tudo faz bem direitinho.
Saudade do chão querido,
das andanças pelas roças,
de um tempinho bem vivido,
das nossas noites de troças.
Toda noite, a brincadeira
dava luz à meninada,
nossa corrida mineira
foi por todos festejada.
Fui ao Roque, fui ao Jacy,
fui até São Sebastião,
muita gente conheci,
gente boa em profusão.
Fui à casa do Otacílio,
berço farto de alegria,
vi as moças, nenhum filho,
não vingou nenhum na cria.
Na casa dos Oliveiras,
ainda em São Sebastião,
vi florescer as mangueiras,
na força pura do chão.
Muito tempo de ausência
desses tais pus-me a viver,
amizade sem convivência
não consegue florescer.
Do Orlando Inhaquiti
boa lembrança me vem,
que todo mundo acredite,
foi ele homem de bem.
Vi Orlando muito pouco,
bem mais tarde fui saber,
trabalhando como louco,
não tinha tempo a perder.
Quem leva o trabalho a sério,
sempre atrás da perfeição,
cumpre bem seu magistério
de dar luzes à nação.
Tempo de circo e tourada,
na nossa rua Pereira,
de muita gente animada,
dando espaço à brincadeira.
Dona Odete e Seu José,
Seu José, da Leopoldina,
gente amiga, de larga fé,
amigos de mão divina.
José Alves, na estação,
foi operário exemplar,
deu muita vida a vagão
que o uso fez estragar.
Maria-Fumaça, maria
queimou lenha, correu linha,
com muita festa trazia
quem, do Rio, sempre vinha.
Maria cortou estrada,
no corte muito apitou,
hoje, longe, abandonada,
nem seu trilho aqui deixou.
A tal de modernidade,
nem sempre trabalha bem,
enlutou nossa cidade
quando tirou nosso trem.
Falta o lenço na janela,
falta a fumaça no ar,
falta tudo, falta aquela
que só nos fez alegrar.
De tudo, restou o corte,
quase nada, meu senhor,
Zé do Aristão viu a morte
de quem foi picotador.
Coutinho e Pedro Roldão,
Pedro Malta e Nascimento,
bom tempo pro coração,
gente boa e de talento.
Nilson, Genésio e Queiróz,
Jurandir e Zé Batata,
gente amiga de todos nós,
de lembrança muito grata.
Zé Batata partiu cedo,
moço demais pra morrer,
moço aberto, sem segredo,
merecia bem mais viver.
Viveria, certamente,
dando a nós seu colorido,
esse amigo, tão presente,
não podia ter partido.
A família “Carioca”
deu gente boa demais,
meu passado deixa a toca,
saudoso dos meus quintais.
A infância, passei brincando,
nadando, também passei,
lambari, passei pescando,
eu, desses, me alimentei.
Bem limpinho e bem torrado,
com muito gosto comi,
com angu, bem misturado,
nosso peixe, o lambari.
Comi bagre, comi traíra,
de vez em quando, cascudo,
minha mãe, Dona Zulmira,
no fogão, fritava tudo.
Tempo bom pra pescaria,
água mansa, quase pura,
esse um tempo de poesia,
doce tempo de aventura.
De morro, todo cercado,
feito de paz e de amor,
foi meu chão abençoado
pelas mãos do Salvador.
Mãe do Lúcio e do Delcy,
do Zé Batata e do China,
a Maria que conheci,
também teve mão divina.
Muitos filhos teve ela
com seu Genésio presente,
sempre amiga, sempre bela,
sempre agindo docemente.
Cuida bem da filharada,
dá a todos bom caminho,
nem a dor tirou-lhe a estrada
que faz de amor e carinho.
Vi Genésio trabalhando,
sem tempo pra se cuidar,
quem Maria morreu amando,
vai, no céu, Maria amar.
Ainda firme na Reta,
no seu canto, acomodada,
com sua vida discreta,
continua muito amada.
Cuida dos filhos que tem,
de netos, vive a cuidar,
sua presença faz bem
faz a festa do seu lar.
Foi Delcy meu companheiro,
em tudo aquilo que fiz,
no nosso solo mineiro,
na nossa Espera Feliz.
Nos quintais da nossa terra,
onde a festa convidava,
subindo ou descendo serra,
o Delcy comigo estava.
De repente, Delcy sumiu,
de repente, também sumi,
muito tempo não me viu,
o amigo, também, não vi.
Um dia nos encontramos,
o amigo já bem doente,
pouco tempo conversamos,
muito pouco sobre a gente.
O amigo foi embora,
de Deus, a convocação,
a família inteira chora,
chora todo o nosso chão.
Chora o campo, chora a bola,
choram todos os quintais,
a palavra não consola
a dor imensa dos pais.
Choro eu, no meu cantinho,
a tal dor da despedida,
choro, ao longo do caminho,
a minha dor mais sentida.
Pudesse Deus atender,
os pedidos que já fiz,
faria a morte morrer,
na minha Espera Feliz.
Quando se perde um amigo,
a dor que sobra é demais,
meus amigos, eu lhes digo,
a dor maior é dos pais.
Todos nós vamos morrer,
aqui não se diz de sorte,
fosse o dono do poder,
daria um basta na morte.
Nosso Tatu foi embora,
tem, no céu, o seu cantinho,
ainda saudoso agora,
o bom amigo Ratinho.
Genésio partiu depois,
pai do nosso bom Delcy,
minha saudade dos dois
seu registro, faço aqui.
Marquinhos também partiu,
dos filhos, o mais calado,
moço educado e gentil
será sempre bem lembrado.
A dor de Dona Maria
não dá mesmo pra medir,
outra vez a dor se amplia
seu Lúcio tem que partir.
Pra essa bondosa gente,
gente amiga e exemplar,
que Deus se faça presente
pra melhor dela cuidar.
Manoel Frauches, vi também
correndo a nossa estação,
trabalhou como ninguém
esse honrado cidadão.
Seu Manoel, pai do Jacy
e do Darcy, jogador,
jogador, também, Darly
Alayr mais torcedor.
Com sua esposa Luzia,
companheira dedicada,
em clima de harmonia
deu bom rumo à meninada.
Cuidando da casa inteira,
com extrema dedicação,
a exemplar mãe mineira
pôs, na frente, o coração.
Mãe amada, mãe zelosa,
pude ver Dona Luzia,
enfrentando, corajosa,
as questões do dia-a-dia.
Cuidando bem dos seus filhos,
a mulher do Seu Manoel,
seus meninos, vê nos trilhos,
sempre atenta lá no céu.
Uma filha, Gilciléia,
teve a casa tão amiga,
cinco homens na platéia,
muito amor, nada de briga.
Um Burro na Prefeitura,
acredite, meu senhor,
um burro na varredura,
dedicado servidor.
Burro manso, inteligente,
na limpeza, sem igual,
do seu chefe competente,
foi o parceiro ideal.
Seu João foi gente boa,
amigo como ninguém,
operário, nunca à-toa,
homem de paz e de bem.
Sobre a família não sei,
ninguém veio me dizer,
com eu nunca perguntei,
fiquei, assim, sem saber.
Tivemos nosso Exator,
nome raro de se ouvir,
o mesmo que Coletor,
foi sempre Seu Itair.
Homem muito talentoso,
dedicado, competente,
na palavra, caprichoso,
muito disse à nossa gente.
Bom na língua portuguesa,
Seu Itair fez furor,
foi, na nossa redondeza,
o nosso grande orador.
Foi, na minha formatura,
quando o ginásio encerrei,
foi ele a maior figura
que eu, formando, encontrei.
Ouvi, também, outra voz,
bem mais moça, certamente,
um filho do Seu Queiróz,
de oratória eloqüente.
Grimaldo, sem muita escola,
o que estudou, aprendeu,
meu companheiro de bola
nosso aplauso mereceu.
Secretário de Prefeito,
sempre a casa ele arrumava,
o Prefeito, mal eleito,
já o moço contratava.
O Prefeito José Augusto,
da minha terra, o primeiro,
teve praça, não teve busto,
mais por falta de dinheiro.
Meu tempo moço corria,
quis a vida fosse assim,
eleição, se acontecia
trazia o João de Amorim.
Ao Seu João, meu respeito,
esse um homem sem igual,
tudo o que fez, fez bem feito,
pra ninguém ele fez mal.
Foi o “Rei da Procissão”,
do enterro, foi também,
com enorme coração,
não se negou a ninguém.
Ajudou a muita gente,
confortou gente demais,
foi Seu João régio presente
no meu canto das Gerais.
Dos filhos desse senhor,
vejo dois na minha frente,
dois amigos de valor,
os irmãos João e Vicente.
Vicente cedo partiu,
distante foi trabalhar,
foi ao Banco do Brasil,
o seu serviço emprestar.
Joãozinho ficou no mato,
bem juntinho ao pontilhão,
esse moço, bom de fato,
é nosso amigo, é irmão.
Essa família querida,
que Seu João soube criar,
faz parte da nossa vida,
dos herdeiros do Alencar.
Seu João nos deu Joãozinho,
nos deu, também, o Vicente,
esse amigo, que cedinho,
se afastou da nossa gente.
O Joãozinho, ao nosso lado,
às vezes, podemos ter,
extremamente educado,
sempre honrado soube ser.
Lá no morro da Pepita
falava-se de um tesouro,
à noite, uma luz se fita,
dizem ser a mãe do ouro.
Tio Antônio, seu marido,
pras conversas nem ligou,
negou sempre dar ouvido
a quem mentira contou.
João, José e Demerval,
fincaram seus pés na serra,
eu, presente no quintal,
fiz bola correr na terra.
Chupador de mexerica,
isso fui a vida inteira,
conversa boa se estica,
salve a casa hospitaleira!
Garapa, bebi demais,
muitas mangas eu chupei,
por todos os seus quintais
eu, menino, caminhei.
Minha tia, mãe zelosa,
franzina, se agigantou,
mulher muito corajosa
enorme luta enfrentou.
A roça, sempre pesada,
muita coisa por fazer,
muito cedo, mão na enxada,
muito plantar e colher.
O Lourdes, bom camarada,
ao trabalho se apegou,
muito idoso, mão cansada,
nem mesmo assim descansou.
Serviu à família inteira,
esse exemplar serviçal,
do terreiro, uma casa à beira,
foi seu amparo final.
Ficou ali, nem sei quanto,
fez muito por nossa gente,
esse negro, quase santo,
terá o céu certamente.
Saudade, terna saudade,
dessa gente tão amiga,
confesso, tenho vontade
de voltar à vida antiga.
Gostaria de agradecer
a quem muito fez por mim,
ah, esse tempo a correr
ah, essa vida, esse fim!
Minha terra, vi descalça,
minha praça, vi florida,
a lembrança dança valsa
no doce embalo da vida.
Nico Jacob, pai do Lua,
pai do Totônio e do Zeca,
pai do Lúcio, pé na rua,
desse amigo, nada, neca!
Foi o Lúcio não sei pra onde,
só mesmo o Zeca ficou,
lá no campo, quem responde
muita bola aqui jogou.
Foi o Zeca, certamente,
quem mais nos deu alegria,
guerreiro, sempre presente,
brilhou no Santa Luzia.
Joaninha, bom goleiro,
foi treinador de menino,
pra pisar no seu terreiro
tinha que ser vascaíno.
Esta a minha geração:
Lelé, Beirute e Cici,
Lingüiça e Mauro Brandão,
Bitica, Evandro e Darcy.
Marquinhos foi meu goleiro,
Zé Prego, beque do pau,
Miltinho, grande zagueiro,
vigoroso, magistral.
Darcy Frauches batia bem,
foi um craque, fez milagre,
o Rildo, como ninguém,
nosso cabeça-de-bagre.
Fez gol na ponta direita,
fez, também, de centroavante,
nem sempre a perna perfeita
faz o gol mais importante.
O mecânico do norte,
bom moço e trabalhador,
cabeça chata, com sorte,
mostrou que tinha valor.
Miltinho, beque raçudo,
sabia tudo de bola,
quem, na bola, sabia tudo,
muito bem, batia sola.
Sapateiro de Miraí,
foi de Athaulfo afilhado,
nesse moço, amigo, eu vi
pai amigo e dedicado.
Seu riso farto corria
a cidade toda, inteira,
de repente, silencia
a cuíca roncadeira.
Foi, da vida, muito cedo,
lá no céu tem seu cantinho,
perde, o samba, seu enredo,
perdemos nós o Miltinho.
Seu Lugão, o jardineiro,
que paradeiro levou?
Certamente, o paradeiro
que muita gente sonhou.
Um céu lindo, Deus ao lado,
de anjos, um só coral,
um cantinho perfumado
em seu descanso final.
Teve o Arthur o seu bar,
bem juntinho ao Salomé,
tempo ruim pra gastar,
até rico andava a pé.
Fechou o bar, certamente,
buscou espaço melhor,
quem, na luta, descontente,
tem que sair da pior.
Tililiu, grata lembrança
desse “Rei da Dentadura”,
meu colírio de criança,
grande amigo e criatura.
Mal jogador de sinuca,
mas sortudo ganhador,
a jogada mais maluca
fez campeão o doutor.
Seu Amador foi Dentista,
Geraldo, o Justiniano,
na profissão, foi artista,
bom artista, não me engano.
Toninho, nosso Tiriba,
cunhado, pai e irmão,
tesoureiro, bom escriba,
tinha o Vasco por paixão.
Foi um pai maravilhoso,
um cidadão exemplar.
com minha irmã, amoroso,
soube a todos bem tratar.
Geraldo, Ondina e Odila,
Guilherme, também Odete,
começo da grande fila
depois desses, só mais sete.
Juadir, Juarez, Adalberto,
Telma, Cacá e Maria Helena,
Seu Alencar, muito esperto,
com Antônio sai de cena.
Doze irmãos abençoados
que ninguém vai separar,
todos eles bem criados
conjugando o verbo amar.
Didi e Beto no Rio,
em Barra do Piraí,
eu, em São Paulo, no frio,
na garoa que não vi.
Vi a Telma se mudando,
sempre atrás de se encontrar,
um dia acabou voltando
ao seu mais santo lugar.
Buscando a tranqüilidade,
que alguém dela roubou,
muita força de vontade
a nossa irmã nos mostrou.
Cuida lá do que é seu,
cuida dos filhos que tem,
quem a Deus bem se prendeu
certamente vive bem.
Os irmãos, todos os mais,
meu coração bem me diz,
curtem bem, lá nas Gerais,
a doce Espera Feliz.
Antônio é passarinheiro,
gosta demais do bichinho,
bate perna o dia inteiro,
como faz o Alencarzinho.
Guilherme e Geraldo não,
já no céu estão morando,
sabemos que os dois estão,
bom serviço lá prestando.
Guilherme, com bela voz,
não ligou pra cantoria,
negou essa graça a nós,
não nos deu essa alegria.
O Geraldo foi genial,
Floriano me consola,
por aqui, ninguém igual,
era perfeito na bola.
Outro amigo me cutuca,
foi Geraldo um campeão,
num torneio de sinuca
foi a grande sensação.
No pano verde e no couro
certamente, foi doutor,
um taco, contendo ouro,
coube a ele, o vencedor.
Jair Castro foi embora,
foi buscar Jequitibá,
como bem perto ele mora,
vai pra lá e vem pra cá.
Noninga segue o marido,
leva os filhos, tudo bem,
quem por Deus bem assistido
bom amparo sempre tem.
Ainda cedo demais,
Jair Castro se despediu,
sem ter tempo para os ais,
a mulher tudo assumiu.
Com carga de cinco filhos,
seu fardo bem carregou,
pé na estrada, pé nos trilhos,
seu espaço conquistou.
Maurílio e Maurício,
Leda, Leny e Marcinho,
Noninga, com sacrifício,
deu a todos bom caminho.
Quem fraco, foge da vida,
deixa a lida o perdedor,
a mão forte e decidida
tem a mão do Criador.
Dona Elza e Maricota,
boas mestras da nossa gente,
uma exata, ruim de nota,
a outra mais complacente.
Gente boa, gente fina,
a vida mostra quem é,
de bondade cristalina
as filhas do Salomé.
Eu vejo o Som bem baixinho,
esse o Som que conheci,
sempre esperto e animadinho,
nas poucas vezes que vi.
Bertolino, Bertolino,
esse um grande servidor,
um porteiro com bom tino,
pra criançada, um terror.
Matinê pra criançada,
à tardinha, tudo bem,
mas à noite, nada, nada,
criança, espaço não tem.
Álvaro e Mário Lemos,
minha lembrança me diz,
a lembrança que nós temos
mostra os dois muito gentis.
Jayme e Neusa, gente nossa,
ela, prima e costureira,
ele, amigo de muita bossa,
motorista de primeira.
Foi o Jayme jogador,
com mica, sei que mexeu,
se na bola não foi doutor,
no minério aconteceu.
Fez da mica o ganha pão,
fez seu tempo assim correr,
o minério, em nosso chão,
fez de tudo acontecer.
Norberto foi meu vizinho,
mexeu com mica também,
esse pai do Norbertinho
faturou como ninguém.
Construiu casa bonita,
casa moderna demais,
quem nosso passado fita
vê a casa dos meus pais.
Ao lado da nossa casa,
Seu Norberto residia,
viúvo, prendeu-se à asa
de outra moça Maria.
Maria, esposa primeira,
bem me lembro, que beleza!
seu quintal, a vida inteira,
eu corri, com esperteza.
Meu amigo Norbertinho,
amigo muito educado,
caminhou muito sozinho,
sempre muito reservado.
Vi partir Dona Maria
cedo demais dessa vida,
tão bonita, não devia
vir tão cedo a despedida.
Deixou a Rosa menina,
quanta saudade deixou!
filha, educada e fina,
a graça da mãe herdou.
Veio, então, outra Maria,
Norberto, pai outra vez,
no matrimônio, alegria,
Joaquim e Marinês.
Por onde anda o Didi
com seu toque refinado?
Bom de bola, esse eu vi
também joguei ao seu lado.
A intimidade que tinha,
com a tal bola de couro,
fez da nossa redondinha,
seu encanto, seu tesouro.
O Ica foi diferente,
bom na cabeça e no pé
o gigante, à sua frente,
parecia um garnizé.
Subia demais o moço,
ia ao céu com elegância,
beque bom, beque colosso,
fez, de graça, a minha infância.
A casa da Dona Altina
era branca, bem branquinha,
em frente à Dona Francina,
vivia muito sozinha.
Seu Duarte, como fiscal,
corria a cidade inteira,
não ia além do quintal
sua esposa e companheira.
Felizes foram os dois,
na casa, não vi criança,
essa vida sem depois
eu tenho como lembrança.
Dona Teté, dos pombinhos,
eu pude ver, muito idosa,
com seus amigos vizinhos,
tinha sempre boa prosa.
Seu Venâncio e Dona Clara
no quintal, a goiabeira,
muito alta, coisa rara,
deu bom fruto a vida inteira.
Menino esperto e atirado,
peguei goiaba a valer,
depois do velho avisado,
achei melhor me conter.
O velho montou vigia.
da janela onde foi ter
Seu Venâncio só saia
quando tinha que comer.
Nesse tempo bem curtinho,
na maior tranqüilidade,
sem seus olhos no caminho,
matei a minha vontade.
Goiaba branca, meu caro,
só ali pude encontrar,
esse um fruto muito raro
naquele nosso lugar.
Gafanhoto, meninada,
foi um ponta colossal,
na esquerda, sua patada,
como ele, só vi Calhal.
Esse Calhal que eu cito,
foi colega de internato,
esse moço fez bonito,
chutava forte de fato.
Nosso Edvaldo Brandão,
há muito tempo não vejo,
grande festa ao campeão
é tudo o que mais desejo.
Da esquerda, ele centrava,
na direita, eu recolhia,
toda a torcida vibrava
com nosso Santa Luzia.
Tempo bom, não volta mais,
domingo de festa e missa,
lá na casa dos meus pais,
todo mundo com preguiça.
À família Valadão,
meu amigo se entregou,
com a Jane, sua união,
sei que Deus abençoou.
Onde o Hugo se meteu!?
Nunca mais eu pude ver
certamente, como eu,
foi bem longe se esconder.
Muita gente foi embora,
foi atrás de outra vida,
de saudade, sei que chora,
quem fez festa na partida.
Domingo sempre foi santo,
só nossa mãe no fogão,
no almoço um prato e tanto,
muito frango e macarrão.
Muita conversa nos bares
cerveja, sempre rolando,
dos mais distantes lugares,
o meu povo, vi chegando.
Lá na Praça da Bandeira,
no Bar do Nico Jacob,
sempre a tarde cervejeira,
muita prosa no gogó.
Cada um conta o seu caso,
mentira rola a valer,
muita flor fora do vaso
sem jamais apodrecer.
Futebol, só carioca,
mineiro só pensa nisso,
com futebol de minhoca,
não se assume compromisso.
Grandeza, o mineiro ostenta,
vaidoso como ele só,
do nove ele faz noventa,
da pedreira ele faz pó.
Muitas mentiras ouvi,
muita gente faroleira,
muita gente eu conheci,
agindo dessa maneira.
Vi gente de todo o jeito,
vi negro, branco e puri,
vi estranho bem aceito,
na cidade onde nasci.
Português, eu vi chegar
chegou sem nada temer,
bem disposto a trabalhar
tinha mesmo que vencer.
Chegou Tony, meu amigo,
um seu irmão, vi chegar,
dos mais parentes, não digo,
nunca ouvi ninguém falar.
Ensinando o seu inglês,
que dizem, bem dominava,
esse moço, português,
à minha gente educava.
Com minério se envolveu,
minha amiga conquistou,
no final, deu no que deu,
com Marilze se casou.
Nosso amigo, vi crescer,
nos negócios triunfou,
já não podemos mais ver
quem tão cedo nos deixou.
Chora a Ilha da Madeira,
o seu cantinho natal,
a nossa terra mineira,
certamente chora igual.
O bom cabrito não berra,
jacaré no seco anda,
o cachorro late em terra,
e viva o Neném de Banda!
Vi bem pouco Seu Arsênio,
pareceu-me boa gente,
mais vezes vi Seu Erênio,
no meu tempo, mais presente.
Seu Arsênio e Dona Tiana,
seis filhos teve o casal,
na sua casa bacana,
muito amigo fraternal.
Avelina, bem prendada,
costurou tudo certinho,
no meio da tijolada,
fui conhecer Arseninho.
Aurinho, meu companheiro,
nesse tempo, não fez nada,
Altair, sempre miqueiro,
foi atrás de outra estrada.
O Américo que eu vi
me pareceu arredio,
bem distante o percebi
muito longe, muito frio.
Um filho desse Sobrinho,
nossa Gisele abraçou,
no nosso mesmo caminho
Ademir nos alegrou.
Muito cedo, Áurea partiu,
foi viver longe dos pais,
meu olhar, que pouco viu,
mais contar não sabe mais.
Uma velha fotografia,
mostra a Áurea bem mocinha,
do nosso Santa Luzia
sei que Áurea foi madrinha.
Sinhozinho, vi na roça,
mais gente na roça eu vi,
de charrete ou de carroça
muita gente eu conheci.
Joguei em São Sebastião,
com sol, com chuva e com frio,
nem no céu e nem no chão,
muita bola eu vi no rio.
Joguei em campo de terra,
em muitos quintais joguei,
em Caiana, muita guerra,
jogando lá enfrentei.
Bem me lembro do Moisés,
guerreiro, sim, esse tal,
era o “Rei dos Pontapés”,
não jogava, dava pau.
Fora do campo, uma dama,
ninguém deve isso estranhar,
cessado o jogo, a Brahma
vinha tudo acomodar.
Bom tempo, esse, seu moço,
saudade do pé no chão,
da água limpa no poço,
da bolinha e do pião.
Saudade da nossa Reta,
dos Vasconcelos de lá,
dos sapatos da Seleta,
do bondoso Seu Cacá.
Seu Cacá teve o Dedé,
moço amigo, gente boa,
atrás de bom cafuné
da Marisa fez patroa.
Nas festas me diverti
curti as festas do amém,
em todas elas eu vi,
meu primo Matuzalém.
Lilica, que sofrimento!
Doce prima, quanta dor!
Eu tento entender, eu tento,
dando voz ao criador.
Marquinhos e Zé Erasmo,
dois primos, filhos dos dois,
partem cedo, fico pasmo,
dois amigos sem depois.
Saudade desses dois primos,
saudade forte demais,
a dor que todos sentimos,
sentem também os seus pais.
Veio Isaura me falar,
quando o papai viu morrer,
“Sobre o meu tio Alencar,
você terá que escrever!”
Dessa prima tão querida,
tão simples e tão bondosa,
guardarei por toda a vida
a sugestão preciosa.
A bondade do meu pai,
herdamos, ninguém nos tira,
igualmente, de nós não sai
o amor da mãe Zulmira.
Como explicar a tal morte
ao peito, da mãe, ferido?
Não há nada que conforte,
quando a dor não faz sentido.
Procissão pra nossa gente
era quase obrigação,
quem dos festejos ausente,
ia ter com o Padre João.
Quitito, que prestimoso,
meu padrinho, que alegria,
homem bom, religioso,
bondade que contagia.
Ninguém nunca censurou
do nosso amigo a conduta,
meu peito, também, guardou
a bondade do Catuta.
Pro Catuta, a Celutinha,
pro Adorvando, a Celuta,
pro Izael, a Nicinha,
só gente boa e batuta.
Floripes foi pro Izaul,
Neguinha pro Daniel,
quem já partiu, do Raul,
certamente, está no céu.
Henrique pegou a Doca,
três filhos teve o casal,
vivendo de venda e troca
boiada pôs no quintal.
Vi muitos burros na rua,
vi muito sino tanger,
muito sol e muita lua,
eu, menino, pude ver.
Depois da chuva, a enchente,
Josias Gripp se vira,
mete o peito, vai em frente,
sai à caça de traíra.
Seu Ernesto foi pedreiro,
foi, sempre, pai exemplar,
paciência de cordeiro,
soube sempre carregar.
Sua esposa, que beleza,
que mulher maravilhosa!
Dona Guiomar, com certeza,
foi-lhe esposa preciosa.
Seu Julião, da Francina,
muito idoso, eu pude ver,
numa casinha de esquina
onde doce eu fui comer.
Com Necreto, seu netinho,
por ter ido sempre lá,
Seu Julião, com carinho,
ensinou-me o bê-a-bá.
Só mais tarde eu fui saber,
que o avô do Zé Necreto,
sem saber ler e escrever
sempre fora analfabeto.
Não falha a minha memória,
acredite o meu leitor,
no que digo nessa história
sobre o velho professor.
Muitas brigas presenciei,
uma grave e muito ardida,
dessa tal, participei
correndo risco de vida.
Na venda do Seu João,
pai do Sílvio e do Marly,
com a navalha na mão,
Gustavo brigando eu vi.
Brigava irmão contra irmão,
na venda, muito escarcéu,
por não ter nada na mão
vassoura dei ao Manoel.
Quis a briga equilibrar,
gesto impensado, esse meu,
Gustavo quis me cortar
Deus, do céu, me defendeu.
Vi sangue por todo lado,
de um lado, só vassourada,
o Gustavo, tresloucado,
já doidão, não via nada.
Na briga, ninguém morreu,
Manoel, pacato e ordeiro,
sumiu, desapareceu,
Gustavo foi ser goleiro.
Mocinha foi lavadeira,
mãe de amigos, prestimosa,
trabalhou a vida inteira,
até mesmo muito idosa.
Sua casa eu freqüentei,
corri seu quintal inteiro,
na terra que muito andei
foi Nely meu companheiro.
Sindoca, pai do Reminho,
morava beirando estrada,
tinha mais filhos no ninho,
gente por nós estimada.
Filhos seus foram pro Rio,
Reminho, dedo azulado,
com seu andar mais macio,
por aqui ficou parado.
Por onde anda o “Babão”,
o nosso Abel, companheiro
de muita avacalhação
com seu ar de zombeteiro!?
Um amigo divertido,
mas feio que dava medo,
certamente anda escondido,
quem a terra deixou cedo.
Sobre seus familiares,
ninguém mais disse a respeito,
já corri muitos lugares,
indo atrás desse sujeito.
Nosso amigo gozador,
se vivo, que apareça,
se morto, faça o favor,
eu imploro que me esqueça.
O amigo sempre cutuco,
Tatá, do Seu Neca, filho
dizia “côco caluco”
pro biscoito de polvilho.
Este um caso verdadeiro,
que eu pude presenciar,
a paixão de um mineiro,
quase fez o trem tombar.
Muito moço e apaixonado,
na bebida ele se afunda,
no trilho do trem, sentado,
quase o moço perde a bunda.
Depois do acidente, eu vi
com meu olhar de menino,
era o filho da Iraci,
o Geraldo Vitorino.
Pela cidade a correr,
sempre amigo e serviçal,
não vou aqui me esquecer
do bom Jonas Amaral.
Paulo Helles do Amaral,
com Zenith, nossa prima,
Em BH, capital,
entregou-se à boa rima.
Esse irmão do Juscelino,
do Jonas também herdeiro,
cumpre longe seu destino,
do nosso torrão mineiro.
Pai dos dois e nosso amigo,
foi Jonas bom servidor,
deu aos filhos bom abrigo,
deu a todos muito amor.
Gente simples, essa gente,
gente amiga, gente honesta,
nosso peito mais contente,
para todos faz a festa.
Juscelino, no Hotel,
cumpre bem sua missão,
faz ele o melhor papel,
foi “Rei da Recepção”.
Tio Américo, que saudade,
da velha mão, carinhosa,
menino, com pouca idade,
perdi muito da sua prosa.
Seu olhar angelical,
vou guardar a vida inteira,
de bondade, sem igual,
a grande alma mineira.
Política é coisa séria,
nessa não vou me meter,
o homem busca a matéria,
do povo nem quer saber.
Observei muito pouco,
muito mais ouvi falar,
todo mundo, muito louco
querendo em tudo mandar.
Ouvi promessas, ouvi
faço isso, aquilo e mais,
pouco se fez por aqui
no nosso chão das Gerais.
Meu povo desassistido,
sofreu demais minha gente,
vi hospital construído,
sem doutor à sua frente.
Maus políticos mandando,
andava a coisa ruim,
político se arrumando,
deixando o povo pro fim.
Vi morrer a minha gente,
por doença bem pequena,
político inconseqüente
nunca deve estar em cena.
Que o povo tome cuidado,
usando o poder que tem,
só eleja quem honrado
ou não eleja ninguém.
Que a justiça contribua,
agindo com mais rigor,
colocando o mal na rua,
dando ao cargo mais valor.
Vou falar da minha gente,
vou tentar não esquecer
quem eu vi na minha frente
na minha infância a correr.
Menzuca foi bom goleiro,
Vicentão, bom chutador,
o Chico, bom sapateiro,
Luizinho, um bom cantor.
O Neném foi locutor,
de bola, foi bem fraquinho,
canhoteiro, sem valor,
na sinuca fez seu ninho.
Jogou sinuca a valer,
alguns trocados ganhou,
poucas vezes vi perder
quem comigo não jogou.
Joguei sinuca também,
joguei pouco, mas joguei,
nada tirei de ninguém,
de ninguém nada tirei.
Tião Minas, na lateral,
com muita garra jogava,
ponteiro passava mal
quando Tião enfrentava.
Na cidade de Caiana,
me marcava um tal Moisés,
fora do campo, bacana,
no campo, ruim dos pés.
Após um drible, irritado,
Moisés parte pra agressão,
nessa hora, tenho ao lado,
o comportado Tião.
Disposto a me defender,
Tião parte pra porrada,
bate forte pra valer,
dá um nó na macacada.
Cessa a briga finalmente,
ninguém inerte no chão,
a vitória, minha gente,
coube ao amigo Tião.
O Cica, do Papagaio,
vi muitas vezes correr,
veloz, parecia um raio,
soube o Estrela defender.
Pra São Paulo, veio o Cica,
moço feliz, esse aí,
esse tal não se complica
tendo a lado a sua Eni.
Com os filhos maravilhosos,
esse um casal exemplar,
vejo nos pais, orgulhosos,
o exemplo a se imitar.
Craque mesmo, o Bolivar,
Zé Luiz, grande pintor,
bom de bola, o Itamar,
Pão-com-Média, um driblador.
Muíca, com muita classe,
poucas vezes vi jogar,
quase perfeito no passe,
soube a torcida encantar.
Tomava conta do meio,
neste espaço foi senhor,
de Cachoeiro ele veio,
veio mostrar seu valor.
Um jogador fez história,
nasceu pra ser campeão,
teve seu tempo de glória,
Zezinho do Seu Roldão.
Bem serelepe o amigo,
festejador contumaz,
viajando com ele eu digo
não viajei nunca em paz.
Bem disposto à brincadeira,
ele aprontou de montão,
fez ele muita zoeira,
nas viagens de caminhão.
Seu Ernesto, bom pedreiro,
pai do Jair, bom sujeito,
trabalhando o dia inteiro,
fez ele tudo bem feito.
Se falo sobre aguardente
um nome se evidencia,
foi o Reinaldo Valente,
criador da Terra Fria.
Costureira não faltava,
na nossa terra mineira,
quem na roupa caprichava
era a Zuzu costureira.
No gol do Santa Luzia,
um grande goleiro eu vi,
o Marcos, de hoje em dia,
que pra nós já foi Marly.
Marquinhos foi bom goleiro,
bem me lembro o que ele fez,
lá nos Alves, o celeiro,
bom goleiro o Juarez.
Virgilinho não jogava,
pra bola, cancha não tinha,
brincava, apenas brincava
machucando a redondinha.
Virgilinho foi embora,
foi-lhe a morte muito dura,
faz muita falta ele agora
nos rumos da Prefeitura.
Jurandir, bem pequenino,
mal se mantinha de pé,
não sei dizer do destino
do outro irmão, o Zezé.
Do Joel ouvi falar,
foi pra longe, simplesmente,
foi pra longe se cuidar
de uma forma diferente.
Rudalcy, moça festiva,
por todos nós muito amada,
bem disposta, muito viva,
correu certo a sua estrada.
Cuidou da família inteira,
da sua mãe, bem cuidou,
quem pensei ficar solteira
ao seu Manoel se agarrou.
De repente, o seu Manoel,
moço, ainda, vai embora,
do amigo, que foi pro céu,
só resta saudade agora.
Maria Helena, Maria,
onde a amiga foi parar,
essa moça, quem diria,
não vi partir, nem voltar.
Da roça, vinha o Biló,
esse amigo do meu pai,
vinha a pé, pisando o pó
no seu sempre chega e sai.
Muitos Barbosas eu vi
donos de léguas de chão,
dos filhos, bem conheci
bem mais de perto o Tião.
Seu Álvaro, vi bem montado,
nos fins de semana eu via,
seu cavalo, bem cuidado,
tinha rica montaria.
Dona Carlota, do Heitor,
o Fernandes dos tecidos,
com carinho e muito amor
cuidou dos filhos queridos.
Seu Heitor, muito jeitoso,
pro comércio que mantinha,
no casarão majestoso,
fez de Carlota rainha.
Saudade da minha gente,
saudade da minha rua,
do trilho sobre dormente,
da nossa noite de lua.
Eu, menino, me divertia,
correndo meu chão mineiro,
a chuva, quando descia,
da terra, mostrava o cheiro!
Viva a Praça da Bandeira,
viva a roça, bem cuidada,
viva o tronco da goiabeira,
viva toda a macacada!
Viva o Antônio “Pau-de-Arara”,
viva o burro do Seu João,
do bambuzal, viva a vara,
viva a laranja e o limão!
Viva o Rocha bilheteiro,
viva o Sílvio, bom soldado,
viva o Nico sorveteiro,
viva Seu João, Delegado!
Viva o Maurício “Bolão”,
viva o Hilton e o Heitorzinho,
viva Seu Pedro Roldão,
mais um viva pro Arseninho.
Viva o Antônio do Homero,
viva o amigo Silvinho,
viva o tempo do bolero,
viva o tempo do chorinho!
Viva a Rádio Nacional,
viva a Marlene a sorrir,
viva o nosso Carnaval,
viva o Vasco de Ademir!
Frei Pio, com paciência,
me ensinou o catecismo,
nesse tempo de inocência,
eu fui levado ao batismo.
Padre João me batizou,
esse alemão foi danado,
o meu povo o consagrou
o Padre mais dedicado.
Respeito, sabia impor,
na missa, nenhum decote,
com talento e com rigor
mostrou-se firme no bote.
Saia curta, nem pensar,
blusa curta, que não venha,
bastava a esquecida entrar,
Padre João descia a lenha.
Zetinha fez muita cama,
guarda-roupa também fez,
na nossa terra fez fama
quem, no gol, ficou de vez.
Zetinha, Chipo e Cidrapo,
Zé Pirino não faltava,
Zetinha, firme no papo,
seu time assim escalava.
“Qual é o causo!”, dizia
Waldo, pai do Waldemar,
eu, menino, me divertia
com esse seu perguntar.
Loureiro, seu sobrenome,
gente simples, boa gente,
de repente, Nilton some,
vai pra longe, de repente.
Sobre ele ninguém diz,
passa o tempo, nada sei,
deixou Espera Feliz,
bem mais tarde ouvirei:
Trabalha na Prefeitura,
de uma cidade paulista,
se a família o procura,
eu deixo aqui essa pista.
João Silva foi meu parceiro,
Neca Moura, adversário,
no baralho, o dia inteiro,
quem não tinha nem salário.
Emprego, como arranjar,
sem ninguém pra oferecer!?
Muita gente, sem trabalhar,
deixou a vida a correr.
Pobreza, muita pobreza,
muita gente, pé no chão,
alimento sobre a mesa,
arroz, angu e feijão.
Verdurinha no quintal,
às vezes porco e galinha,
pra sair do trivial
feijão gordo com farinha.
Ganhando pouco dinheiro,
trabalhando, sem parar,
vi nosso povo roceiro
muito mal se alimentar.
Refrigerante, nadinha,
esse luxo não tivemos,
da moringa, água fresquinha,
a vida inteira bebemos.
Guaraná, só no Natal,
uma garrafa, só uma,
um presente sem igual,
bebida contendo espuma.
Num dos natais eu ganhei
uma pé de tornozeleira,
menino, bola eu chutei,
na minha terra mineira.
Juadir foi centroavante,
“Problema” pro treinador,
num curto tempo importante,
foi solução, sim senhor!
Disputando a posição,
muita gente, eu pude ver,
a vontade do Zé Leão,
fez muito beque tremer.
O Beto, lá na direita,
deu conta bem do recado,
quem com “shistosi” se ajeita,
não corre bem no gramado.
Chutava muito certinho,
batia rasteiro e forte,
teve, o Beto, o seu tempinho,
só não teve ele mais sorte.
Muito pouco vi “Nanico,”
num campo jogando bola,
nos comentários eu fico
bom no campo e de cachola.
Quem “Nanico” foi menino,
gigante, em casa, se fez,
coube a mim esse destino,
eu fui a pedra da vez.
Cacá já nasceu crescido,
cantando, mostrou valor,
passou a vida contido,
dando, a todos, seu amor.
Presente num festival,
caiu-lhe o tal como luva,
foi vencedor afinal
com o samba “Guarda-Chuva”.
Fosse melhor trabalhado
esse seu potencial,
teria muito lucrado
nosso campo musical.
Guilherme foi mais cantor,
contou-me quem mais ouviu,
ao canto não deu valor,
com seu silêncio sumiu.
Minha casa, que saudade,
meu quintal, que falta faz,
meu tempo de liberdade,
tempo de amor e de paz!
Sempre um porco no chiqueiro,
dois bons pés de guabiroba,
muita fruta no pessegueiro,
muita serralha e taioba.
No quintal, juntinho à porta,
camomila e hortelã,
cebolinha só na horta,
chá à noite e de manhã.
Galinha pelo terreiro
ciscava o dia inteirinho,
na mangueira fiz ceveiro
à cata de passarinho.
Menino, fiz alçapão,
fiz estilingue e arapuca,
fiz eu mesmo o meu pião,
de caixote, fiz sinuca.
Minha vara de pescar
fiz de bambu esticado,
sete dias pra secar,
na mangueira pendurado.
Brinquedo, não se comprava,
menino esperto fazia,
dinheiro que o pai ganhava
pra coisa séria servia.
Vi gente desempregada,
minha lembrança me diz,
nem por isso a meninada
teve a infância infeliz!
Hildebrando, na estação,
muitas vezes pude ver,
bem merece, aqui, menção,
quem trabalhou com prazer.
Dona Zinha, com seu Hotel,
deu vida nova ao meu povo,
doce cantinho do céu,
bem cuidado, tudo novo.
Tratou bem a nossa gente,
cuidou bem do viajante,
deixou a melhor semente,
que eu soube não foi avante.
Vi meu povo acomodado,
nas cadeiras dessa Zinha,
vi todo mundo alinhado,
para o sábado, à tardinha.
Desfilou a minha gente,
meu pai, também, desfilou,
minha mãe eu vi contente
nos braços de quem amou.
Esse tempo de poesia,
eu não terei nunca mais,
a história que aqui se cria,
vem lá do chão das Gerais.
Numa cidade pequena,
sobre ela o que se diz,
doce lembrança me acena,
me mostra Espera Feliz.
Seu nome de “Princesinha”
soa um nome apropriado,
doce terra, toda minha,
meu chão mineiro adorado!
Princesinha não é mais,
Carangola reclamou,
no chão de Minas Gerais,
a “Princesinha” levou.
Nós precisamos, depressa,
um novo nome encontrar,
participe também dessa,
comece logo a pensar.
Minha terra montanhosa,
tem seu campo bem verdinho,
tem gente boa de prosa,
broa quente e cafezinho.
Tem campo de futebol,
tem, alegre, o carnaval,
tem, à espera do sol,
muita roupa no varal.
Eu vou falar de saudade,
saudade que se fez dor,
dessa dor que me invade,
pudesse eu faria flor.
Muito amigo vi partir,
um amigo mais de perto
partiu, sem se despedir,
o Ronei, amigo certo.
“Tio” Paulo, também partiu,
na brincadeira afogado,
seu gesto doce e gentil,
tenho no peito guardado.
Mozart, que vi fraquinho,
teve a infância infeliz,
partiu ele bem mocinho,
deixou Manoel e Luiz.
Nos irmãos, vi muita dor,
não me lembro de seus pais,
quem semeia e não colhe a flor
com certeza, sofre mais.
Nas águas do São João,
foi o Élcio se afogar,
bem perto do Pontilhão,
seu corpo fui encontrar.
Saudade, quanta saudade,
dos amigos que perdi,
fez-se de Deus a vontade,
Deus sabe a dor que senti.
Mais um pouco, vou falar
de quem, vivo, vi crescer,
vi o Célio do Waldemar
muita bola defender.
Não foi longe, esse menino
também não foi muita gente,
traçado está o destino,
dos que devem ir em frente.
Geraldo foi bom amigo,
simpático e inteligente,
a mistérios deu abrigo,
assustando a muita gente.
Alguém certa vez contou,
sobre o Castro na cadeia,
“a parede atravessou,
em noite de lua cheia.”
Nada disso, o moço fez,
na história, só invenção,
foi sempre muito cortês
quem do Elcir foi irmão.
Eu me lembro do Gentil
e de todos os Amarais
como esquecer, meu Brasil,
esse povo bom demais!?
Joaquim Milholo apitava,
muito infeliz nesse dia,
eu, na torcida, gritava
– não roube o Santa Luzia!
Joaquim, não suportando
minha enorme xingação,
o apito, abandonando,
veio em minha direção.
Botei a perna no mundo,
nem pra trás eu quis olhar,
Joaquim bufava fundo
lutando pra me alcançar.
Na nossa rua, um riacho
veio em boa ocasião,
nesse tempo, a sorte, acho,
foi a minha salvação.
O tal riacho, eu pulei
Seu Joaquim não pulou,
só assim eu me salvei
ele, assim, não me pegou.
Lilica e Matusalém,
são muito religiosos,
a esses dois, quero bem,
são primos maravilhosos.
Zé Amorim e Manita,
moravam beirando estrada,
gente calma, nada aflita,
por todos nós adorada.
Na casa dos dois eu vi,
não só vi, também peguei,
mexericas que escolhi,
José deixou, eu chupei.
Manita, irmã de José,
da vida não reclamava,
buscava a cidade a pé,
se de algo precisava.
José e também João
viveram vida modesta,
no céu certamente estão,
junto a Deus fazendo festa.
Muita gente, muitos nomes,
gente que vive ou viveu,
Juvenil Pereira Gomes,
onde foi que se meteu?
Dos Torres, Chico e José,
gente pra gente lembrar,
na charrete, ou mesmo a pé,
vi mais o Chico passar.
Zé Torres pegou estrada,
agiu assim porque quis,
com mulher e filharada,
deixou Espera Feliz.
Seu José foi meu vizinho.
bem em frente ao pontilhão,
onde corria o “Corguinho”,
pôs, ali, o pé no chão.
Zé Torres não vi partir,
foi pra longe, certamente,
foi atrás de conseguir
outro sol pra sua gente.
Muita gente, vi partindo,
muita gente, vi ficando,
quem partiu, seguiu sorrindo,
que não foi, ficou chorando.
Um comércio muito antigo
tem Adão, irmão da Eneida,
na casa que foi abrigo
da nossa família Almeida.
Foi nesse mesmo lugar
que Laerte se instalou,
amigo bom, exemplar,
seu rumo logo mudou.
Não sei, agora, o que faz,
quem já foi comerciante,
o Laerte, Juiz de Paz,
no cargo, foi importante.
O bom exemplo deixado
por Laerte, nosso amigo,
deve ser sempre imitado,
deve ser sempre seguido.
Quem a bondade pratica
serve ao povo, serve a Deus,
quem age mal se complica
só tristeza serve aos seus.
Laerte foi encontrado,
mantém a mesma função,
por ser cidadão honrado,
tem nossa admiração.
Conheço canto por canto,
todo o meu chão eu corri
meus amigos, Célio e Santo,
ausências que mais senti.
Sumiram sem dar notícia,
no começo, em Ernestina,
como a fugir da polícia,
seguiram dobrando esquina.
No internato, de repente,
um dos dois vejo por lá,
qual dos dois está presente
no chão de Jequitibá?
Um dos dois me visitou,
se Célio ou Santo não sei,
tanto tempo já passou,
sem certeza não direi.
Juvenil Pereira Gomes,
nunca mais eu pude ver,
perdido, com tantos nomes,
onde o tal foi se esconder?
O Sílvio, pai do Silvinho,
sumiu, nunca mais eu vi,
no mesmo pó do caminho,
quantos amigos perdi!
Quem ajuda a quem precisa,
sempre que pode ajudar,
o mesmo chão que Deus pisa
vai poder sempre pisar.
A Escola Sacramentina
por não ter tido bom uso,
prova dá que a mão Divina,
também peca por abuso.
O tal prédio, majestoso,
não serviu à nossa gente,
quem, na igreja, preguiçoso,
negou-lhe a boa semente.
Teve um tempo de bom uso,
um tempo curto demais,
sou do tempo desse abuso,
coisa comum nas Gerais.
Meu povo politiqueiro,
precisa ter mais cuidado,
quem endeusa o tal dinheiro,
corre a vida condenado.
Do dinheiro precisamos,
não venho aqui pra negar,
quando ao tal nos entregamos
pode a coisa complicar.
Quem ao dinheiro se apega,
deixando o resto pra trás,
num grande cesto carrega
muito ódio e pouca paz.
Não negaremos o pão,
se o pão pudermos negar,
que a voz do seu coração
possa mais alto falar!
Agindo, assim, com certeza,
teremos Deus junto a nós,
será farta a nossa mesa
mais se ouvirmos Sua voz.
Muita gente despreparada,
sem ter melhor formação,
poderia ali ser treinada
pra sair com profissão.
A igreja sabe o que faz,
eu pude ouvir certa vez,
olhando, agora, pra trás
– o que foi que a igreja fez?
Jangada de bananeira
eu fiz pra me divertir
na várzea, inundada inteira,
depois da chuva cair.
Saltar da ponte eu saltei,
tal loucura sei que fiz,
em perigo, eu coloquei
meu tempo moço e feliz.
O São João tão sinuoso
teve o seu rumo mudado,
o trabalho, precioso,
vai, no verso, registrado.
Passarinheiro, o Fizinho,
amigo de muita bola,
tomou cedo outro caminho,
mudou-se pra Carangola.
Meio-Quilo, por onde anda?
Zeroto, onde esse está?
E o nosso Neném de Banda,
onde esta gente andará!?
Viva o Ananias pedreiro,
pai de Custódio e Gelinho,
gente boa no chão mineiro,
pai, do caçula, Toninho!
O Vander me divertia,
como o Bitica falava,
se do caso bem sabia,
já o Vander metralhava.
Conversas, ouvi no bar,
domingo, pleno de sol,
muita gente a cervejar
e a falar de futebol.
Vascaíno e Flamenguista,
isso dava de montão,
na bola, vi pouco artista,
não havia televisão.
O rádio sempre ligado,
o povo inteiro torcia,
cada nome anunciado
o torcedor aplaudia.
Garcia, Tomires, Pavão,
Jadir, Dequinha e Jordan,
Flamengo, qual seleção,
sacudia o Maracanã.
Pude muito me divertir,
com esse time é que fico,
com o Vasco de Ademir
de Maneca, Jair e Chico.
Zizinho foi genial,
Ademir, nosso queixada,
artilheiro, sem igual,
foi festa pra macacada.
Era o rádio nosso amigo
vinha, dele, a diversão,
esse um tempo bem antigo,
sem a tal televisão.
Waldyr Amaral narrava,
o povo inteiro torcia,
o povo inteiro vibrava,
com aquilo que não via.
O bar inteiro tomado,
com seu Nico se virando,
já vazio o engradado,
outro engradado chegando.
Cerveja Brahma corria,
casco escuro, sim senhor,
esse um tempo de poesia,
de muita festa e amor.
Quando o jogo terminava,
definido o campeão,
ao perdedor só restava,
pagar a consumação.
Vi muita gente jogar,
o Lanza, gentil rapaz,
no Bradesco, a trabalhar,
é bom em tudo o que faz.
Ouvi dizer que esse moço
por bom tempo fez furor,
contra carne de pescoço
saiu sempre vencedor.
Nosso Lanza eu vi jogar,
muito pouco deu pra ver,
mesmo, assim, pode mostrar
o seu talento a correr.
Bom no drible, inteligente,
como eu, ponta direita,
esse amigo tão presente
no futebol, rola e deita.
Seu chute, sempre baixinho,
muito forte e bem certeiro,
fez ficar bem caladinho,
quem se achava bom goleiro.
Juarez, o da Cely,
muito valente e vibrante,
no seu jogo, eu percebi
sua presença importante.
Muito veloz, na direita,
deu trabalho ao marcador,
quem com bola se ajeita,
há quem chame de doutor.
No seu trabalho, ele cura,
O que faz, faz muito bem,
é o Senhor da Dentadura,
dando dente a quem não tem!
Zé Oscar, também, jogou,
vi poucas vezes jogar,
mostrou classe, isso mostrou,
eu devo aqui registrar.
João Darcy e Antônio Lima,
muitas vezes pude ver,
João Darcy com bola rima,
dela soube o que fazer.
Antônio Lima, nem tanto,
apenas muito esforçado,
sem brilhantismo, em seu canto,
deu bem conta do recado.
Bem me lembro do Pedrinho,
ele, ainda, um meninão,
da barriga fez cofrinho
jogando nela um Tostão.
O Zuza foi Delegado,
Delegado, sim senhor,
esse homem, meu cunhado,
em Maringá fez furor.
Pro relógio, sem dar bola,
foi operário exemplar,
na condução da patrola,
sempre soube trabalhar.
Seu trabalho, em Maringá,
motivo de exaltação,
fez crescer, no Paraná,
a tal Cidade Canção.
Poeira virou soldado,
Pantera, também, virou
Pantera, meio aloprado,
certamente se encontrou.
Quem foi moleque briguento
virou homem, ouvi dizer,
isso eu conto, não invento,
bem difícil de se crer!
O Nello foi bilheteiro,
também o Rocha Soldado,
Leovergildo, doceiro,
Tuniquinho, um debochado.
Um quebrador de vagão,
só não viu quem não quis ver,
Tiãozinho, na Estação,
nada mais soube fazer.
Esse tal, muito expedito,
diplomado bagunceiro,
que eu saiba, não fez bonito
no nosso canto mineiro.
Vi Floriano jogando,
muito pouco eu pude ver,
de bola, acabou mostrando
dela tudo conhecer.
Vi o Hélio, seu sobrinho,
bom centroavante jogar,
apesar de ser baixinho,
conseguiu se destacar.
Goloca, da Laudicéria,
no campo mostrou valor,
conhecedor da matéria,
foi um craque, sim senhor!
Minha terra tem minério,
micanite tem de sobra,
João Batista, o cemitério,
oportuna e grande obra.
A Praça, de antigamente,
percebo muito mudada,
muita coisa, de repente,
eu pude ver melhorada.
Num tempo de muito pó,
só poeira em nosso leito,
um senhor, de Caparaó,
veio ser nosso Prefeito.
Américo foi o primeiro,
Carvalho, foi com certeza,
esse eu vi o tempo inteiro,
com suas cartas na mesa.
Político muito astuto,
pouco fez, nada perdeu,
por gostar do nosso fruto
seu genro logo elegeu.
Dr. Moacyr Caldeira,
com quem conversei um dia,
bem na Praça da Bandeira,
mostrou-me o que lá havia.
Muitos canos abandonados,
junto aos trilhos, na estação,
todos eles enferrujados,
ocupando o nosso chão.
O chão da Leopoldina,
à ferrugem se abraçou,
quem prometeu a usina,
não sei dizer se pagou.
Outro Américo surgiu,
Cândido eu sei que é,
esse ficou, não sumiu,
na terra fincou seu pé.
Trouxe esposa, trouxe filhos,
trouxe farmácia também,
ao lado dos nossos trilhos,
mostra a família que tem.
Sua gente é gente fina,
seus filhos são bons demais,
longa festa se descortina,
no nosso chão das Gerais.
Bendito o que vem de fora
e o que faz por nossa gente!
Bendito esse povo agora,
caminhando, indo em frente!
Vejo os filhos, vejo os netos,
vejo pouco, isso é verdade,
sei que todos seguem retos,
trabalhando com vontade.
Seu “Amerquim” nos deixou,
por ter feito bom papel,
foi pra longe, Deus chamou,
certamente, foi pro céu.
Dr. Moacir Caldeira,
fez bem mais, eu pude ver,
fui com ele à cachoeira
ver nossa usina nascer.
Eu me lembro do Erastinho,
numa briga magistral,
bateu demais o mocinho,
que nunca soube ser mal.
Provocado, injustamente,
sem esconder seu furor,
meteu a mão, de repente,
no moço provocador.
Já não sei quem apanhou,
do seu nome não me lembro,
na lembrança, só ficou
a tal coça de dezembro.
Quem apanhou, certamente,
vai do caso se lembrar,
pode ser que de repente,
queira mesmo nos contar.
Se esse tal me permitir,
possa o seu nome dizer,
se uma nova edição sair,
no meu livro vai se ver.
Tempinho bom e festivo
esse um tempo de pureza,
quem esperto e muito vivo,
sentava sempre na mesa.
Muita gente sentou no chão,
Muita gente ficou de pé,
Nesse tempo, o coração
Vivia ao lado da fé.
O que se vê hoje em dia
É muita gente safada,
Esse um tempo de hipocrisia,
De muita gente enganada.
Quem corre atrás de proveito
Sem por a mão no pesado,
Vai pro inferno, não tem jeito,
Vai, por Deus, ser condenado.
Andei por muitos quintais,
Muito o campo me abrigou,
Andei nos canaviais
Onde a pinga não chegou.
Vem da cana a rapadura,
Puxa-puxa, mais cedinho,
Cana boa e com fartura
Tive sempre em meu caminho.
Vi Seu Luiz “Fogueteiro”,
muitos foguetes fazer,
no dia do Padroeiro,
vi a festa acontecer.
Meu povo, todo arrumado,
saudava São Sebastião,
tudo bem organizado,
com muita broa e quentão.
A procissão encerrada,
ainda a noite inteirinha,
a minha gente, animada,
ia atrás da barraquinha.
Da cidade, aniversário,
dia vinte de janeiro,
até mesmo quem otário,
festejava o dia inteiro.
Barraquinha, muita festa,
muito jogo e brincadeira,
a lembrança que me resta
vou guardar a vida inteira.
Quem hoje, já moço feito,
desse tempo tem saudade,
de voltar, diz o meu peito,
vontade, muita vontade.
O “Fogueteiro” Luiz,
que ajudava a animação,
teve um final infeliz,
na mais aguda explosão.
Esse um caso muito sério,
quem de fogos se mantém,
quando vai pro cemitério,
quase sempre leva alguém.
Nesse caso, felizmente,
depois do grande escarcéu,
pôs-se salva a minha gente
desse imenso fogaréu.
Fui à Igreja Protestante,
que ao lado de casa havia,
vi muito pastor brilhante
dando luz ao nosso dia.
Sua gente maravilhosa,
com carinho me tratou,
a lição mais valiosa,
essa gente me entregou.
Na escola dessa gente,
de graça, pude estudar,
desse tempo, certamente,
eu vou, sempre, me lembrar.
Na escola estudei inglês,
Dona Lady me ensinou,
Dona Renê deu francês,
essa língua me empolgou.
La Marselhaise cantei,
esse Hino, que beleza!
Muitas coisas mais eu sei,
desse tempo de grandeza.
Bilac foi meu poeta,
no Colégio quebrou meu galho,
minha rima predileta
achei no seu “O Trabalho”.
“Para fecundar a vida
o trabalho se inventou.”
hoje, preso à minha lida,
devo ao trabalho o que sou.
No Colégio onde estudei,
fui tratado com respeito,
minha crença professei,
tudo, ali, fiz do meu jeito.
No domingo, fui à Missa,
nos mais dias, à Assembléia,
com respeito, sem preguiça,
muito aprendi na platéia.
Vi um homem generoso,
cidadão muito exemplar,
como pai, foi carinhoso,
como mestre, o que falar!
O mestre de Quipapá,
pra não ficar esquecido,
na nossa Jequitibá,
teve lá o busto erguido.
O bom exemplo foi dado,
por um povo agradecido,
seja o exemplo imitado,
quando alguém assim querido.
Mestre Cícero Siqueira,
como eterna gratidão,
o seu nome, a vida inteira,
guardarei no coração.
Voltemos à nossa terra,
voltemos à nossa gente,
subindo ou descendo serra,
eu, festivo, vou em frente.
Água boa, a terra tem
mas nunca foi explorada,
água pura e de ninguém
para poucos destinada.
O Triângulo continua
escondido sem razão,
sobre a fonte, corre rua,
água pura lava o chão.
Água pura só faz bem,
muito mais, se mineral,
quem não cuida do que tem,
sabe bem que faz o mal.
Ayrton Gomes de Oliveira,
jornalista talentoso,
grandiosa mão mineira,
foi, comigo, generoso.
A minha “Rosa e o Vento”,
o seu jornal publicou,
abrindo mão do talento
esse moço me ajudou.
Por seu gesto, estimulado,
corro o meu tempo a escrever.
Ayrton, muito obrigado,
devo, aqui, te agradecer.
Lembrança, terna lembrança,
do tempo de Admissão,
mais uma luz de esperança
para a nossa educação.
Dona Odila, muito atenta,
conduz bem o Interventor,
trabalha bem, não inventa,
tudo faz com muito amor.
Cartorário, seu marido,
Seu José sabe o que faz,
carangolense sabido
no cartório vive em paz.
Meu amigo Ernestinho,
mecânico a vida inteira,
eu tive no meu caminho
na nossa terra mineira.
Bom moço, bom companheiro,
artista sim, meu senhor,
singular no seu terreiro,
bom amigo, bom cantor.
Giovane, seu cunhado,
muito cedo nos deixou,
moço muito preparado,
a muita gente ajudou.
Iolanda partiu depois,
deixou triste nossa gente,
a saudade desses dois,
todos nós temos presente.
Mauro Brandão foi goleiro,
teve o seu tempo de glória,
no nosso canto mineiro,
faz parte da nossa história.
Seu Belmiro, pai do Dão,
do Zé Barraca também,
no trabalho, foi campeão,
trabalhou como ninguém.
De silêncio, comovente,
conheci bem o barbeiro,
apesar de concorrente,
do papai foi companheiro.
Zé Duarte, eu conheci,
ao comércio, dedicado,
só bondade nele eu vi,
com seu Gregório do lado.
Zé Prego foi outro Zé,
jogador que admirei,
rasteiro no pontapé
menino, eu presenciei.
Na direita, um lutador,
batalhador, sem igual,
registro, aqui, o valor,
de um valente lateral.
No quintal da nossa casa,
tivemos sempre galinha,
um fogão, com muita brasa,
punha cheiro na cozinha.
De lata, nosso chuveiro,
embaixo, toda furada,
por escassez de dinheiro
por papai foi inventada.
Um banheiro no quintal,
sem vazo pra se sentar,
pra limpeza intestinal,
o vigor do calcanhar.
Muita casa, sem banheiro,
no matagal se escondia,
bem longe ficava o cheiro,
bem distante a porcaria.
Esse tempo não passou,
que diga quem lá do norte,
muita gente lá ficou,
enfrentando a mesma sorte.
Vive o pobre acostumado,
vi meu povo agindo assim,
se pra muitos é passado,
pra muitos começo e fim.
O conforto que nos sobra,
pra muitos não vai chegar,
o negócio é fugir da cobra,
escolhendo onde agachar.
Escrevo sobre o que vi,
esse, aqui, meu compromisso,
nem tudo eu escrevo aqui,
vi muito mais do que isso.
Meu amigo, João Benedito,
foi sempre bom jogador,
seu chute, sempre bonito,
fez Folha Seca um doutor.
Benedito, foi José,
com pinta de coronel,
ele a cavalo, eu a pé,
eu no chão, ele no céu.
Seu José, pai do Fernando,
Fernando, um destemperado,
só confusão arrumando,
vejo escrito em seu passado.
Meu trenzinho foi embora,
foi pro Rio, sim senhor,
o que fazer nessa hora
de saudade e muita dor!?
Levaram minha maria,
perdeu, o céu, sua graça,
doce e terna fantasia,
minha Maria-Fumaça!
Já não corta mais estrada,
não mais apita no corte,
sem sua linha, sem nada,
mudou muito a nossa sorte.
Por pouco não me esqueci
do meu amigo gaiteiro,
ao operário Vani,
dei a gaita, não dinheiro.
Seu Mário, pai do Marquinhos,
nosso amigo fraternal,
atrás de outros caminhos
acabou no cafezal.
Apesar de muita serra,
nosso fruto dá bom pó,
a serra da nossa terra,
vem lá do Caparaó.
De mica, fui catador,
de café, eu fui também,
quem tudo faz com amor,
nesta vida, tudo tem.
Meus trocadinhos ganhei,
com meu trabalho modesto,
é bom saber o que sei,
no trabalho, fui honesto.
Brinquei de salva e de pique,
prendi melro e sabiá,
pra roça, num piquenique,
levou-me Dona Dadá.
Essa mulher corajosa,
à família dedicada,
foi sempre maravilhosa
ao cuidar da criançada.
No jeito simples de ser,
mostrou enorme valor,
muito justa em seu dever,
fez tudo com muito amor.
No Interventor, nossa escola,
fez bem mais do que podia,
no trabalho, entrou de sola,
o que fez, fez com alegria.
As filhas dessa senhora,
que só saudade deixou,
são boas mestras agora,
o bom exemplo ficou.
Soltei pipa, rodei pião,
muita tampinha apostei,
tampinha corre no chão,
no jogo me consagrei.
Quem jogou bola de gude,
vai comigo concordar,
quem jogou, ganhou saúde,
faz muito bem caminhar.
No morro, eu rodei pneu,
no morro, eu perdi a paz,
safou-se quem mais correu,
da polícia vindo atrás.
De canário, quem não gosta!
Na fala, entrei de bicão,
ao Celso fiz a proposta,
dou, no canário, um tostão!
O Celso, considerando
a proposta indecorosa,
foi seu punhal me atirando,
arma muito perigosa.
Botei a perna na estrada,
se fosse aquele meu dia,
a história aqui contada,
como está, ninguém leria.
Quem a mão põe na cumbuca,
não sabe o que vai achar,
minha atitude maluca
que ninguém queira imitar.
Foi o Celso um valentão,
quase sempre impaciente,
mesmo assim, bom coração,
puxou, aqui, Seu Vicente!
Paulo Coutinho, o juiz,
um dos melhores que vi,
foi sempre muito feliz,
nos jogos que eu assisti.
Com o volante, na mão,
recolhedor de sujeira,
foi chofer de caminhão,
certamente, a vida inteira.
Eu falo de um Carneiro,
servidor da Prefeitura,
esse tal, em seu terreiro,
eu me lembro, fez loucura.
Guiava a todo vapor,
seu caminhão barulhento,
foi sempre bom servidor,
deu aos filhos bom sustento.
Dona Ziroca, um foguete,
cuidou do Manoel que tinha,
vi, no Cláudio, dar cacete,
pro menino entrar na linha.
O Paulo foi mais levado,
atrás da bola, um leão,
esse moço, no gramado,
conseguiu consagração.
Ouvi falar que Claudinho,
teve, também, sua glória,
distante do meu caminho,
pouco sei de sua história.
Seu Manoel e Dona Ziroca,
não soube mais do casal,
o verso que me provoca,
chega, assim, ao seu final.
Ao trabalho dedicado,
Josias, do Montanhês,
será sempre bem lembrado
por tudo aquilo que fez.
Sempre muito prestativo,
de tudo cuidando bem,
muito esperto e muito vivo,
trabalhou como ninguém.
De onde veio, não sei,
de repente, eis o Dadinho!
Com esse tal molequei,
fui pedra no seu caminho.
Não andava na calçada,
fez, da rua, seu espaço,
foi ele rei da pedrada,
foi ele “Rei do cagaço”.
Estranho a escolha do piso,
medroso como ele só,
mão abriu do cimento liso,
andando sempre no pó.
Zé Cueca, era apelido,
de um rapaz muito bonzinho,
por todos muito querido
foi esse irmão do Paulinho.
Muitas vezes conversamos,
foi sempre muito educado,
muita bola nós jogamos,
ele sempre do outro lado.
Passo lento, perna dura,
jogou bola por jogar,
corpo duro, sem cintura,
nunca vi o Zé ganhar.
Henrique foi meu colega,
um grande amigo que tive,
muito moço, foge à regra,
meu amigo já não vive.
Esse amigo descuidado,
muito cedo nos deixou,
ele, ao cair do telhado,
à nossa gente enlutou.
Outro Gripp, bom rapaz,
o Fabinho eu posso ver,
às voltas com o que faz,
no seu trabalho a correr.
Seu espaço, na Prefeitura,
com trabalho conquistou,
esse moço, de alma pura,
com papéis se misturou.
O que faz, não sei dizer,
sei que escreve, isso eu sei,
escrevente, vão dizer,
mais tarde eu confirmarei.
Deixo o Fabinho de lado,
vou em frente, falo mais,
não posso deixar truncado
o meu cantar das Gerais.
Joaquim andou a esmo,
quase sempre só na praça,
o apelido de Torresmo
certamente foi sem graça.
Foi sempre muito calado,
quis a vida fosse assim,
pareceu-me enclausurado
em si mesmo o Joaquim.
Seus filhos, Tilu e Dado,
duas filhas, mais Fernando,
aos moços fui mais chegado,
com um deles mais brincando.
Fernando foi companheiro,
mais juntos nós estivemos,
no nosso canto mais mineiro
atrás de bola corremos.
Eis um homem respeitado,
do papai sempre freguês,
eu falo do Seu Amado,
pai de um outro Juarez.
Por onde anda o Puri,
meu companheiro de andança,
esse tal não mais eu vi
senão na minha lembrança!?
Não jogo, não sou sortudo,
em leite de pato, sim,
meu amigo, barrigudo,
esse joga até o fim.
Quem bem conhece o Puri,
sabe tudo a seu respeito,
esse tal, eu sempre vi,
posto na vida a seu jeito.
Já se fez de treinador
de meninos mais idosos,
quem à bola dá valor
diz dos moços corajosos.
Joguei sob o seu comando,
pro que disse, nem liguei,
se ouvisse, acabava errando
justamente o que acertei.
Um chute, já bem fraquinho,
um passe, curto demais,
muitas quedas no caminho,
fim de jogo, muitos ais.
Do jogo, sobrou a dor,
do Puri, a exclamação:
“o meu amigo Doutor
continua um campeão.”
Meu amigo barrigudo,
desse jeito, leva a vida,
vai sem nada, vai com tudo,
nunca em bola dividida.
Pantera, jogando bola,
bem torto e desajeitado,
nas suas pernas se enrola,
vai pra frente, cai de lado.
Não foi craque, com certeza,
mas um cara divertido,
seu riso, posto na mesa,
fez-lhe o mundo colorido.
Pantera foi companheiro
da nossa turma, o safado,
quem ontem foi bagunceiro,
podem crer, virou soldado!
Meu bom amigo Edimédio,
só com mica se envolvia,
nesse trabalho eu vi tédio,
tal trabalho eu não faria.
Por onde anda o Izério,
que com mica vi mexer?
Trabalhador, muito sério,
vi esse moço vencer.
Esse exemplar cidadão,
sua parte fez bem feito,
quem nos deu boa lição,
tem lugar no nosso peito.
São Sebastião, nosso santo,
nosso distrito, também,
esquecido, no seu canto,
o distrito pouco tem.
Já teve gente importante,
na lembrança, o Sinhozinho,
na charrete, um viajante
seguidor do bom caminho.
Seus filhos, bem educados,
dispersaram-se na vida,
eternamente calados,
em eterna despedida.
Saudade da nossa gente,
todo mundo bom demais,
impossível viver contente
quem carrega tantos ais!
Leovergildo, na estação,
foi com doce trabalhar,
o cesto preso na mão,
sem da vida se queixar.
Da família, bem cuidou,
tudo fez por sua gente,
o exemplo que deixou
serve a todos de repente.
Quem trabalha com fervor,
dando luz à criançada,
terá, de Deus, Seu amor,
quando a missão encerrada.
Vi, na terra, o camponês,
bem de perto, eu pude ver
o estrago que se fez
em quem nos deu de comer.
No campo, nenhum conforto,
só plantio, só colheita,
de cansaço, quase morto,
com sua dor se ajeita.
Sabe pouco, quem não viu,
certamente, ouviu falar,
quem a dor também sentiu,
vai comigo concordar.
Falta ao nosso governante
mais fazer por essa gente,
por gente tão importante,
na nossa vida presente.
Quando a fome fala alto
como a ela resistir?
Certamente, do asfalto,
nosso pão não pode vir.
Neste espaço conclamamos
os nossos homens de bem,
vamos nós ao campo, vamos
dar mais valor a quem tem.
Que não sofra o camponês,
o braço forte do chão,
por tudo que faz e fez
deve-lhe muito a nação.
Jurandir, lá na estação,
foi muito pouco notado,
no trabalho, pondo a mão,
deixou a prosa de lado.
Foi ser, na vida, pastor
junto a ele, teve os seus,
louvo, aqui, o pregador
do verbo que vem de Deus.
José Inácio, seu filho,
meu amigo, meu irmão,
moço limpo, raro brilho
faz sucesso em nosso chão.
Gente boa, gente amiga,
amigo que alegra a gente,
amizade não antiga,
com certeza permanente.
Maria foi lavadeira,
essa irmã do Bertolino,
lavou roupa a vida inteira,
tecido, somente fino.
Caprichosa e detalhista,
seu trabalho eu pude ver,
na lavagem, ela, artista,
sempre ilustre soube ser.
Roupa fina nos varais,
roupa grossa no gramado,
o sol forte nos quintais,
sempre veio abençoado.
Muita água eu vi cair,
sem jamais ferir meu chão,
muita pipa eu fiz subir
sem jamais subir balão.
Meu tempo de menininho,
foi um tempo bem gostoso,
depois do banho, o talquinho
tornava o filho cheiroso.
Nosso banho de bacia,
com água morna e sabão,
esse um tempo de alegria,
de prazer e diversão.
Sapatos, poucos calcei,
calça curta, usei demais,
nem por isso eu reclamei,
desse tempo nas Gerais.
Engraxate, fui ligeiro,
trabalhava com alegria,
o meu pai, que foi barbeiro,
gostava do que eu fazia.
Sapateiro fui também,
bem menino, oficial,
imitei, como ninguém,
o Fox e o Mundial.
Fiz chinelo, fiz chuteira,
muita bola eu costurei,
profissão, essa a primeira,
que eu, menino, abracei.
Deixei a tal profissão,
fui atrás de mais escola,
minha nova direção,
surgiu em razão da bola.
Em Jequitibá estudei,
deu-me a bola esse lugar,
quatro anos lá fiquei,
pro ginásio terminar.
O meu estudo seguinte,
em São Paulo fui fazer,
por ter sido bom ouvinte,
consegui muito aprender.
Depois disso, fiz Direito,
editor foi meu ofício,
mais tarde, conto a meu jeito,
não aqui nesse exercício.
Muita gente, muitos nomes,
muita coisa pra contar,
bem montado, Olavo Gomes,
eu devo, aqui, destacar.
Em seu cavalo, elegante,
Seu Olavo, pude ver,
“Seu Olavo é importante”
muita gente ouvi dizer.
Sobre ele eu pouco sei,
o que sei ouvi falar,
eu a ninguém perguntei,
nem cabia perguntar.
Muita gente, muitos nomes,
um nome que não esqueço,
falo, aqui, do Osmar Gomes,
por quem tenho largo apreço.
Foi sempre comerciante,
o amigo que foi Prefeito,
no comércio foi importante,
sem jamais mudar seu jeito.
Gente simples, gente boa,
de alma límpida e bela,
minha amiga, sua patroa,
meu abraço mando a ela.
Gessy Cabral, corredor,
sempre assim no futebol,
centroavante brigador,
sob chuva ou sob sol.
Numa fábrica importante,
sei que Cici se empregou,
esse nosso centroavante
no emprego se destacou.
Centroavante brigador,
atrás da bola, a correr,
sua garra de vencedor
no campo fez florescer.
Osmarzinho, seu irmão,
esse tal nasceu pra bola,
fez da bichinha paixão,
que, com ele, ainda rola.
Seu João, pai desses tais,
eu, menino, pude ver,
depois disso, não vi mais,
pouco sei pra mais dizer.
Seu Garcia foi padeiro,
o rei do pãozinho quente,
Silvinho, bom companheiro,
embora pouco presente.
Pro burro do Seu João,
eu falo, aqui, do animal,
com quatro patas no chão,
um destaque especial.
Por Seu João bem treinado,
fez nossa festa esse bicho,
a carroça punha ao lado,
bem junto ao monte de lixo.
Esse seu comportamento,
muito ajudou Seu João,
que, assim, ficava atento,
ao lixo do nosso chão.
Penso a história engraçada,
sei que o fato aconteceu,
o Nely, pra não dar nada,
toda a banana comeu.
Não é um caso comum,
vinte e uma comeu só,
meu amigo Vinte e Um,
hoje genro do Biló.
Aquilo que conto aqui,
tudo eu vi quando menino,
eu ouvi, mas nada vi
do pessoal do Alacrino.
Se não estou enganado,
se não faço confusão,
esse povo foi criado,
bem além do pontilhão.
Desse povo, ouvi falar,
sempre bem, posso dizer,
só posso mesmo contar,
aquilo que eu pude ver.
Bem me lembro do Murilo,
um pouco do Murilinho,
teve o pai, ao seu estilo,
grande cargo em seu caminho.
Foi esse homem Prefeito,
não sei dizer o que fez,
água fora do seu leito
morre, ao sol, por escassez.
Alair foi meu vizinho,
eu vi Natália morrer,
Seu João ficou sozinho,
sua luta eu pude ver.
Duas filhas teve o casal,
se teve mais, eu não vi,
correndo o nosso quintal
só vi Débora e Rani.
Indústria, no nosso chão,
uma apenas pude ver,
o barulho do latão,
não me permite esquecer.
Vi nosso leite enlatado,
transformado, sem demora,
em queijo, já transformado,
nosso leite foi embora.
Barbosa & Marques eu vi,
Juadir lá trabalhou,
teve, ao seu lado, o Cici
que, nela, se aposentou.
Nunca ninguém disse nada,
sobre a sua instalação,
muita casa derrubada,
num enorme quarteirão.
Um lugar muito bonito,
um bom recuo da linha,
fruto de caso esquisito,
a mudança de Augustinha.
O José, já mais crescido,
do caso vai se lembrar,
deixo o caso interrompido,
por não ter o que contar.
Augustinha no correio,
o José na estação,
na lembrança que me veio
posso ver Seu Aristão.
Já idoso, bastante idoso,
mas em plena lucidez,
tempinho esse gostoso
que de saudade se fez.
Sete moças, sete saias,
tempo de roupa rendada,
muitos gritos, muitas vaias,
diversão pra criançada.
O Edson da Malvina,
foi pra longe, ninguém viu,
já o Rubens, gente fina,
lutou muito, progrediu.
Virou, o tal, empresário,
quem trabalha chega lá,
quem ontem prendeu canário,
entregou-se ao Paraná.
Vive de show esse moço,
faz da vida diversão,
quem, da carne, só viu osso,
tem o sucesso na mão.
Quem ao trabalho se entrega,
tem a glória presa ao peito,
o sucesso não se nega
a quem tudo faz bem feito.
A roupa da minha gente,
foi limpa por mão divina,
uma mulher excelente
foi, pra nós, Dona Justina.
Casa enorme e de esquina,
muitas frutas no quintal,
sempre morou a Nolvina,
na casa do colorau.
Mulher do Sílvio Cabreira,
vive Nolvina escondida,
apego à terra mineira,
dessa amiga tão querida.
Antônio Borges eu vi,
esse irmão do Seu João
sua casa eu conheci
pisei, também, no seu chão.
Com Ventura, seu sobrinho,
fui ver a família inteira,
lá na roça, em seu cantinho,
vivendo à sua maneira.
O comércio da minha terra,
foi de seco e de molhado,
vi muita gente na serra,
vi muito café plantado.
Os donos, sempre à frente
tocavam bem seus negócios,
comércio de pouca gente,
comércio de poucos sócios.
Uma loja, um botequim,
uma venda e nada mais,
lucro pouco, sempre assim,
nesse canto das Gerais.
Muita gente sem emprego,
sem ter nada o que fazer,
muito pai posto em sossego,
deixando a vida correr.
Criança presa à escola
um tempo curto demais,
depois disso, muita bola,
corre-corre nos quintais.
Um tempo sem muita luta,
muita gente acomodada,
ninguém disposto à disputa,
muita gente presa ao nada.
Vi muita gente bebendo,
muito papo sem futuro,
muito nego se escondendo,
muito pobre dando duro.
Nenhuma biblioteca
no meu tempo eu pude ver,
esse um tempo de boneca,
de ter criança sem ter.
Um tempo de viração,
esse meu tempo-menino,
tempo de arroz e feijão,
de serralha e de pepino.
Tempo bom, de muito angu,
muito porco e canjiquinha,
mesa farta de tutu,
torresmo, pão e farinha.
Menino chupava cana,
menino bola chutava,
menino, muito bacana,
desde cedo se calçava.
Descalço, eu andei bastante,
descalço, eu pisei no chão,
meu tempo, levei adiante,
sem qualquer preocupação.
Vi muita gente doente,
sem ter como se cuidar,
um hospital mais decente,
ninguém deu ao meu lugar.
Doutores, de vez em quando,
nem mesmo, às vezes, doutor,
vi muita gente brigando,
sem ligar pra nossa dor.
UDN e PSD,
partidos fortes demais,
ainda havia o PTB,
nessa briga das Gerais.
Getúlio, na Presidência,
no Palácio do Catete,
muita gente, com insistência,
metia nele o cacete.
Lacerda, um cutucador,
viveu de provocação,
o mais ferrenho censor,
foi do chefe da nação.
O final é conhecido,
suicida-se o Presidente,
o Rio, então sacudido,
vai perder bem mais na frente.
O mineiro Juscelino
faz Brasília, a Capital,
do meu tempo de menino,
registro, aqui, seu final.
Um momento de surpresa,
de surpresa e encantamento,
que o mestre tenha certeza,
maravilhoso o momento.
Ziba Alves de Assis,
Professor de Português,
confesso, me fez feliz,
sabe ele que me fez.
No Colégio, onde estudei,
bons mestres eu pude ter,
mais ao Ziba me afeiçoei,
por seu notável saber.
Soa longe o “qui, quae, quod”,
foi punido quem à-toa,
“com o Ziba ninguém pode”,
mestre Ziba não perdoa.
“Eu sou de Espera Feliz!”,
ouço a grata confissão,
ao mestre Alves de Assis,
meu verso de gratidão.
“Minha terra tem palmeira,
onde canta o sabiá”
grandiosa luz mineira,
no chão de Jequitibá!
Mexi demais na memória,
muitas viagens eu fiz,
eu quis completa a história
da minha Espera Feliz.
Voltei aos anos cinqüenta,
vi, descalça, a minha rua,
vi muita gente briguenta,
vi meu céu, vi minha lua.
Corri a cidade inteira,
pisei o chão dos quintais,
tentei, à minha maneira,
também rever os meus pais.
Minha mãe, vi na cozinha,
meu pai na barbearia,
no Hotel, vi Dona Zinha,
lá na Praça, o João Faria.
Vi Assis vindo da roça,
com seu cheiro de fazenda,
nos bares, vi muita troça,
na Gaída, muita renda.
Zé Caixinha, também vi,
bem vestido, bem cuidado,
vi a manha do Didi,
com “Gafanhoto” ao seu lado.
Vi Ondina, vi Toninho,
vi Odila, minha irmã,
vi a noite pegar caminho,
dando espaço pra manhã.
Vi Seu Geraldo vendendo,
na loja, se divertindo,
seu filho Antônio correndo,
ao Homero bem servindo.
A irmã do amigo Darcy,
bem pequena, eu pude ver,
eu, assim, a conheci,
já no trabalho a correr.
Vi muita gente rezando,
na ausência do Padre João,
muita gente eu vi passando,
correndo atrás de perdão.
O tal morro da canoa,
Neca Moura, eu vi subir,
vi o Augusto, numa boa,
na rua a se divertir.
O Eugênio, eu vi também,
já, na carne, pondo a mão,
vendendo, como ninguém,
carne boa em profusão.
A Tita, moça educada,
em casa sempre escondida,
não vai, de mim, ouvir nada,
pouco eu sei da sua vida.
Conheci-a solteirinha,
não sei dizer se casou,
naquele tempo, mocinha,
ninguém diz se namorou.
O Nenzinho, bem conheço,
homem bom, homem decente,
desse tal, não me esqueço,
quem é gente, marca a gente.
Dona Hyrtes com Nenzinho,
teve três filhos que eu vi,
um deles, no meu caminho,
bom amigo eu percebi.
Nessa turma, um campeão,
moço esperto e corajoso,
Paulinho, na construção,
foi sempre um vitorioso.
Sobre a filha do Nenzinho,
pouca coisa pra contar,
o Antônio, com carinho,
soube a filha conquistar.
Conheci-a bem pequena
quando também pequenino,
por se chamar Madalena
tem as graças do Divino.
Três filhos – uma mulher,
do Paulo eu me lembro bem,
é moço que a gente quer,
é amigo que a gente tem.
Da filha, vaga lembrança,
mas eu sei com quem casou,
com Antônio, cessa a dança
da festa que não cessou.
Antônio, meu jornaleiro,
no meu retorno ao meu chão,
bom amigo e companheiro,
no comércio, um campeão.
Otacílio, vi na roça,
Seu Américo, também,
dessa gente, amiga nossa,
um bom registro se tem.
Dos filhos, grata lembrança,
amigos souberam ser,
amizade, grata herança
que comigo vou manter.
Eu vi circo, vi tourada,
vi o sol roupa secar,
eu, na rua, vi boiada,
com boiadeiro passar.
Tropas de burros, eu vi
ciganos, eu vi também,
aos encantos, me rendi,
desses tais, como ninguém.
Meu pai, cavalos pintou,
pra poder passar pra frente,
ao cigano ele entregou,
bom negócio antigamente.
Assim, a troca se dava,
nosso cavalo, crescido,
pela cria papai trocava,
tinha a troca seu sentido.
Por não ter seu pouso certo,
por estar sempre na estrada,
o cigano, também esperto,
não perdia quase nada.
Alguns conselhos eu deixo,
a quem filhos quer criar,
da infância, não me queixo,
foi muito bom eu brincar.
Esse um tempo de vivência,
para nós, fundamental,
um tempo de experiência
de uma vida sem igual.
A liberdade vivida
vai conosco, sim senhor,
ela é ponto de partida
nada, aqui, tem mais valor.
Quem a teve, quer mantê-la,
da minha, eu não abro mão,
tendo comigo essa estrela
dou mais valor à razão.
Quem liberdade não goza,
sofre muito, certamente,
na prisão, quem muito prosa,
no seu peito nada sente.
Sobre amor, não sabe nada,
sobre Deus, nem quer ouvir,
teve a existência roubada
por não saber decidir.
Foi um dia provocado,
não importa a provocação,
seu gesto rude, impensado,
roubou-lhe toda a razão.
Brigou, matou ou roubou,
fez coisa que não devia,
quem do bem se desviou,
perdeu a luz do seu dia.
Hoje preso – e agora!
Essa a minha sugestão:
a maldade, jogue fora,
ponha Deus no coração.
Leia a Bíblia, calmamente,
procure tudo entender,
prometa: daqui pra frente,
outro homem quero ser!
Com São Paulo aconteceu:
foi cruel com sua gente
mas, Paulo se converteu
fez-se santo, de repente.
Na Bíblia, essa passagem,
dá mais valor à bondade,
lute muito e com coragem,
dando luz à liberdade!
Vi muito cabra valente,
causando medo e pavor,
assustando a nossa gente,
um verdadeiro terror.
Nenhum cabra progrediu,
grande tempo não viveu,
muito cedo a morte viu
quem, na guerra, se meteu.
A bondade é como pluma,
muito leve, sim senhor,
é um véu, na leve bruma,
feito de paz e de amor.
Vi muito moço enturmado,
nesse tempo, um valentão,
quando, só, era encontrado
não passava de um cagão.
Vi muito moço estudando,
outros mais nada fazendo,
estes, nada conquistando,
aqueles, tudo podendo.
Quem o saber valoriza,
esse, sim, sabe o que faz,
sabe ele o chão que pisa,
certamente, vive em paz.
Aquele que não estuda,
desse tal, o que esperar?
Vai correr atrás de ajuda
quando a velhice enfrentar.
Vai sofrer, esse coitado,
sofrer muito, com certeza,
vai ter a dor ao seu lado
com suas cartas na mesa.
Coretos eu vi na Praça,
nenhum deles durou tanto,
gente grande, com pirraça,
se tem poder, causa espanto.
Um Prefeito vem e faz,
seu sucessor joga ao chão,
um outro, que vem em paz,
ordena a reconstrução.
Prefeito pequenininho,
só agora eu sei que vi,
o nome do danadinho,
da história eu excluí.
Essa história, por ser minha,
eu conto à minha maneira,
que não venha a mão mesquinha,
escrever que fiz besteira.
O assobio do Seu Vicente,
pude ouvir em cada esquina,
bem fraquinho, mas contente,
na direção da Avelina.
O Custódio, assobiando,
além de ouvir, pude ver,
vi esse moço brigando,
em muita gente bater.
Sobrinho do Meio-Quilo,
servidor da Leopoldina,
Custódio, com seu estilo,
foi amigo e gente fina.
Loucura, na minha terra,
não provocava estranheza,
quem deixou a grande guerra,
fez loucura, com certeza.
Um desses tais pude ver,
falar com ele não dava,
não podia mais dizer,
esse tal que gaguejava.
Seu nome, guardo em segredo,
não vou, aqui, declinar,
na guerra, perdeu um dedo,
um detalhe, pra ajudar.
Tia Arminda, doce tia,
sempre muito carinhosa,
no rosto, muita alegria,
foi, sempre, de boa prosa.
Lacerda, quanta loucura
vi o tal moço aprontar,
essa estranha criatura,
ia ao rio se banhar.
Vivia sempre quebrado,
vivia, não sei com quem,
deixou meu povo assustado,
ao saltar do nosso trem.
Seu Albano foi barbeiro,
como foi Seu Alencar,
cansaço e pouco dinheiro,
essa gente eu vi ganhar.
Seu Albano, lá na Praça,
debaixo do hotel,
levou a vida na raça
como sempre papai fez.
Um filho desse barbeiro,
eu vi na rua a brincar,
inteligente e arteiro,
foi nosso amigo Itamar.
Partiu cedo esse menino,
no Rio creio que está,
compôs um samba divino
para a Escola JK.
“O meu filho vai ser jota”
escreveu nosso Itamar,
se pudesse dar-lhe nota,
um dez, sem pestanejar.
Dois irmãos, um gesto só,
com os dois me diverti,
esses tais viraram pó,
nunca mais os dois eu vi.
Direita, esquerda, sentido,
ordem dada, ordem cumprida,
após um tempo corrido,
iam, então, cuidar da vida.
Não sei nada mais dizer
a respeito desses dois,
quem os irmãos pôde ver,
que nos conte mais depois.
No campo, vi Nascimento,
vi Nilson, vi Seu Ary,
no Nilson, vi mais talento,
foi, dos três, o que mais vi.
Nascimento, pai do Zé,
dizem ter sido um cracão,
bom na cabeça e no pé,
excelente na armação.
Na farmácia, Seu Ary,
foi, realmente, um doutor,
dele eu muito me servi,
no ofício, um salvador.
O passado me cutuca,
novo nome me anuncia,
eu me lembro do Manduca,
que de vez em quando via.
Seu Antônio “Pau-de-Arara”,
um nortista sorridente,
no mundo, metendo a cara,
veio ter com nossa gente.
Seu Antônio teve um bar,
um grande amigo, esse aí,
com ele fui conversar,
com ele eu me diverti.
Festejador contumaz,
teve, no lar, dura prova,
depois de perdida a paz,
foi morar na Rua Nova.
Falta um clube na cidade,
um clube bem social,
lance, quem, com mais vontade,
a pedra fundamental.
Quero o meu povo dançando,
divertindo-se a valer,
quero todos descansando,
dando, ao corpo, mais prazer.
Todos querem diversão.
enquanto o clube não vem,
não há outra solução,
curte o Campestre que tem.
Chupei muita cana doce,
mexericas, mais chupei,
embora, menino fosse,
de tudo eu me aproveitei.
Na Igreja, São Sebastião,
nem mais velho, nem mais novo,
cuida bem da proteção
do meu festivo e bom povo.
A Igreja Protestante,
com seu povo prestimoso,
continua, ali, brilhante,
com trabalho majestoso.
Católica, sim senhor,
a minha religião,
tenho Deus por Salvador,
vem, do Pai, a salvação.
No meu tempo de internato,
um pastor me encantou,
a ele sou muito grato,
boas lições me deixou.
Memorialista eu não sou,
sou um simples versejador,
quem mais versos inspirou,
foi, com certeza, o amor.
O Hino da minha terra,
eu o compus com prazer,
sua letra amor encerra,
mostra meu jeito de ser.
Foi um momento sublime,
no tempo da inspiração,
a letra, também, exprime,
todo um tempo de paixão.
Na letra, pus minha gente,
pus, meu povo, com alegria,
a força, do amor, presente,
inspirou-me a melodia.
Amo muito a minha terra,
como negar esse amor!?
bendito o amor que encerra
esse meu canto de flor!
Nas enchentes do São João,
pra curtir a cheia inteira,
fiz a minha embarcação,
com bambu e bananeira.
Com essa minha jangada,
pude a cheia apreciar,
vi muita coisa arrastada
bem longe do seu lugar.
Vi caixote, vi chiqueiro,
arapuca também vi,
já distante do pesqueiro,
muitos restos de giqui.
Eu vi o povo assustado,
trabalhando a salvação,
não querendo ser levado
pelas cheias do São João.
Cessada a cheia, os quintais
nossas perdas revelavam,
só os bens materiais,
as tais águas carregavam.
Não levou nenhum de nós,
graças a Deus, felizmente,
Deus, ouvindo a nossa voz,
bem cuidou da nossa gente.
Meu povo faz oração,
aos domingos, vai à missa,
meu povo, muito cristão,
vai à reza sem preguiça.
Na igreja, nós aprendemos
quão importante é a fé,
a força cristã que temos
nosso povo põe de pé.
Pra minha grande alegria,
tive uma santa pra mim,
minha tia, santa Maria
às minhas dores deu fim.
Dez tios, nenhum presente,
entre os muitos tios meus,
essa tia, certamente,
foi quem mais falou com Deus.
Wilson de Oliveira Lima,
homem culto, professor,
revelou-se bom de rima,
sem se fazer escritor.
Homem muito reservado,
essa a lembrança que temos,
foi meu tio mais calado,
dos tios que nós tivemos.
Partiram todos, partiram,
saudoso percebo o peito,
todos eles construíram,
fizeram tudo bem feito.
Saudade da minha gente,
desses tios tão bondosos,
nossa vida segue em frente,
por caminhos dolorosos.
Gisele, Gilda e Gislene,
são sobrinhas amorosas,
não há dor que lhes acene,
são moças maravilhosas.
São amigas, companheiras,
educadas, são demais,
são cordatas, são ordeiras,
herdaram tudo dos pais.
Marco Antônio, o menino,
pôs a dor em seu lugar,
por ordem do Pai Divino
foi, no céu, se acomodar.
O filho da nossa Ondina,
não cheguei a conhecer,
recebeu ordem divina
de ao céu se recolher.
Tempo curto, certamente,
para nós, de imensa dor,
o sobrinho mais ausente,
vive a paz do bom Senhor.
Outro Marco surgiria,
um garoto magistral,
que só nos dá alegria,
educado, sem igual!
Casou-se nosso engenheiro,
foi pro Rio trabalhar,
o saber desse mineiro,
vai muita gente ensinar.
Jussara e Jurema são
da Odete, dois encantos,
só o Jefferson de irmão,
são bondosos, quase santos.
Adalberto tem Rodrigo,
belo moço, ajuizado,
orgulhoso, eu lhes digo,
esse, um moço, iluminado.
Sobra nele educação,
respeito, vejo sobrar,
Adalberto, meu irmão,
tem mesmo que se orgulhar.
Maria Lúcia, cunhada,
por todos nós tão querida,
com sua mão delicada,
fez dos dois a sua vida.
Cuida bem do nosso irmão,
churrasqueiro declarado,
no tempero, um campeão,
no fogão já diplomado.
Três sobrinhas, delicadas,
eu, em Barra, posso ver,
duas delas não casadas,
por enquanto, quero crer.
Ao lado da grande luz,
nossa Shirley tão querida,
o nosso irmão se conduz,
premiado em sua vida.
Juadir já foi “Problema”,
em tardes de muito sol,
dependendo do esquema,
fez de festa o futebol.
Marcar gols ele marcou,
o “Problema” quem diria!
algumas vezes salvou
o nosso Santa Luzia.
Jaqueline, a mais mocinha,
já botou o pé na estrada,
da Solange, outra sobrinha,
já não posso dizer nada.
As duas que cito acima
são primas, são geniais,
são flores que a boa rima
não permite morram mais.
A Patrícia está casada,
que encanto de menina!
Sempre alegre e perfumada,
posta, sempre, em mão divina.
Com seu riso encantador,
com tanta graça e doçura,
a Patrícia lembra flor,
pincelada em seda pura.
No palco, abre-se o pano,
eis, aqui, mais um sobrinho,
já dentista, o Luciano
já, na vida, vai sozinho.
Bom caráter, bom menino,
gente boa, sim senhor,
cuidadoso com seu destino,
será sempre vencedor.
Já dentista diplomado,
ao trabalho já entregue,
quem zeloso e dedicado,
o que deseja consegue.
A sobrinha Elisabete,
distante um pouco da gente,
não vimos pintar o sete,
surge, moça, de repente.
Um encanto, uma doçura,
quem muito longe cresceu,
essa Rosa, meiga e pura,
foi Geraldo quem nos deu.
Muito tempo já passado,
eu volto a ver a sobrinha,
tem Juliana ao seu lado,
já crescida, já mocinha.
Pra todos nós, mais encanto,
pra todos nós, alegria,
que seja de paz seu manto,
tendo Deus por companhia.
Ao lado da mãe querida,
Carmélia, minha cunhada,
a família, toda unida,
faz de amor a caminhada.
Três meninas, três mocinhas,
três tipos bem diferentes,
são assim minhas sobrinhas,
espertas, inteligentes.
Ranne, Sabrina e Yanna,
qual delas a mais esperta?
Que nos diga a soberana,
a festiva mãe Roberta.
O Antônio, pai das três,
muito mais passarinheiro,
trabalhou bem dessa vez,
dando luz ao mundo inteiro.
São bonitas, são bondosas,
são espertas, sei que são,
são três jóias preciosas,
cravadas no nosso chão.
Um encanto de menina
o verso, de agora, inspira,
de beleza cristalina,
minha sobrinha Zulmira.
Um irmão, ao lado dela,
muito terno, tem lugar,
talentoso se revela
o meu sobrinho Alencar.
Busca ele seu caminho,
vai, por certo, triunfar,
não está nunca sozinho,
quem Jesus sabe louvar.
São filhos da minha irmã,
da Telma, precisamente,
são frutos que o amanhã
vai colher como presente.
Outros sobrinhos em cena,
dois homens, uma mulher,
da nossa Maria Helena,
são jóias que a gente quer.
O mais velho, Rafael,
já rapaz, Advogado,
cumpre bem o seu papel
nesse mundo conturbado.
Cuida bem da sua vida,
faz tudo com muito amor,
a cultura conseguida,
fará dele um vencedor.
O Paulinho segue atrás,
quer os degraus da subida,
põe esforço no que faz,
vai, também, vencer na vida.
Uma jóia a menininha,
graciosa e delicada,
um encanto de sobrinha,
já entregue à caminhada.
Já é mãe, nossa Samira,
já com casa construída,
essa neta da Zulmira,
faz, de graça, nossa vida.
Outra filha teve ela,
seja de paz o seu lar,
no espaço da passarela
vão as netas do Alencar.
O “Nanico” que nós temos
de “Nanico” nada tem,
cresceu o que não crescemos,
não deu bola pra ninguém.
Mais de um metro e oitenta,
acreditem, não é mentira,
além de um e cinqüenta,
nem Alencar, nem Zulmira.
Com os pais tão pequeninos,
onde achar explicação?
Há quem diga de destinos
olhando traços da mão.
Tio Nilo, nosso pedreiro,
muito alto, sim senhor,
da bondade se fez parceiro,
fez-se luz no corredor.
Minha mãe, tão pequenina,
seu irmão, grande demais,
são luzes da mão divina,
com seus brilhos desiguais.
Tio Nilo, bom pedreiro,
na sua vida mineira,
com muito tijolo inteiro,
só fez casa de primeira.
Quando a casa terminada,
este um dos costumes seus,
escrever sobre a fachada:
“Nesta casa mora Deus”.
O Guilherme, meu irmão,
já entregue à mão divina,
quatro filhos pôs no chão
brotados da sua Ondina.
Ondina, minha cunhada,
cinco filhos fez crescer,
por todos nós adorada,
juntou-se a Deus pra vencer.
Nosso irmão partiu mais cedo,
as crianças por criar,
nossa cunhada, sem medo,
soube o combate enfrentar.
Dando aos filhos muito amor,
ao trabalho se entregando,
jamais se entregando à dor,
foi dos filhos bem cuidando.
São moços maravilhosos,
três moços, como ninguém,
três rapazes corajosos,
sobrinhos que quero bem.
O mais velho, não me engano,
o Lincoln, o aventureiro,
foi pro solo americano,
foi atrás do bom dinheiro.
O Geraldo e o Lindsay,
bons de bola, disse alguém,
junto à mãe, que pouco sai,
meus sobrinhos vivem bem.
O timaço completando
a Solange, posso ver,
ao trabalho se entregando,
com certeza vai vencer.
Sobrinhos maravilhosos,
são amigos, gente fina,
são filhos bem amorosos,
são jóias da mãe Ondina.
Cesso, aqui, a falação
a respeito dos sobrinhos,
mudo eu a direção,
sigo eu outros caminhos.
O nosso amigo Toninho,
nos deixou cedo demais,
partiu cedo, bem cedinho,
foi à caça de seus pais.
A partida desse amigo
pôs, em nós, imensa dor,
tenha ele doce abrigo
junto a Deus, Nosso Senhor.
Entre nós, deixa seus filhos,
Rossano já professor,
bem assentado nos trilhos,
já hoje belo escritor.
Rossélio também caminha,
responsável, vai em frente,
segue ele a mesma linha,
moço fino, inteligente.
No seu silêncio de dor,
a mãe dos dois, Avelina,
mar imenso, só de amor,
cede espaço à mão Divina.
Não maldiz o ocorrido,
mulher forte como é,
perde ela seu marido,
sem jamais perder a fé.
No seu momento de dor,
no seu lar, todo de luz
bem sabe que seu amor
foi pros braços de Jesus.
Minha terra, meu cantinho,
meu chão amado e saudoso,
minha estrada, meu caminho,
meu abraço mais gostoso.
Um grande hotel, finalmente,
grandeza no nosso chão,
orgulho pra nossa gente,
pro turista, um presentão.
Aconchego de primeira,
tudo bem organizado;
viva o Pico da Bandeira,
e o empresário arrojado!
O maior perdeu a vez,
ficou modesto demais,
vejo o velho Montanhês
sem a glória das Gerais.
Todo mundo muito amável,
tudo bem organizado,
o hotel mais confortável,
vai por nós recomendado.
Hotel Pico da Bandeira,
estive nele e gostei,
na minha terra mineira,
eu melhor me acomodei.
Um recado ao visitante,
reserve já seu lugar,
o conforto é importante
pro passeio aproveitar.
Nele um dia me hospedei,
tempo curto, mas gostoso,
só o prazer encontrei,
nesse hotel maravilhoso!
Viajante, viajante,
quer um pouso de primeira?
Procure, de agora em diante,
pelo Pico da Bandeira!
Cai a chuva, mansamente,
chuva farta vem do céu,
como a água, vai em frente
meu barquinho de papel.
Minha infância na calçada,
na rua solta a correr,
minha terra mais amada,
como dela me esquecer!
Meu trenzinho corta a rua,
vai pro Rio, vai e vem,
noite clara, céu de lua,
presença que se quer bem.
Onde estão as andorinhas?
Partiram, não sei pra onde;
meus padrinhos e madrinhas,
pergunto, ninguém responde.
Minha cidade é bonita,
muito mais podia ser,
o povo que a terra habita,
não aprendeu a colher.
Montanhas maravilhosas,
água pura, cristalina,
muitas árvores frondosas,
presença da mão divina.
Se se soubesse explorar
nosso chão de farta luz,
iriam todos ganhar,
pois tudo nela seduz.
A natureza, imponente,
está no alto e no chão,
Deus nos deu esse presente,
pôs fartura em nossa mão.
Pergunto: o que nós fizemos
pra mantê-la protegida?
Que todos nós confessemos:
nunca nada em nossa vida!
A exploração do turismo,
percebemos – não existe,
o autor do grande abismo,
faz meu povo muito triste.
Na cidade, falta emprego,
falta mais educação,
sobra apenas o sossego,
que faz festivo meu chão.
Falta lazer, falta festa,
falta espaço cultural...
dos carnavais, o que resta,
senão a festa banal!?
As confraternizações
eram todas especiais,
eram muitos os foliões,
nos antigos carnavais.
A meninada brincava,
no domingo, à tardinha,
todo mundo se mostrava
feliz a festa inteirinha.
Mudou tudo, infelizmente,
trancaram nossos salões,
eu me lembro, de repente,
de animados foliões.
Minha família curtia
com enorme empolgação,
a festa que acontecia
no conforto de um salão.
O carnaval foi pra rua,
perdeu a graça que tinha,
a festa que já foi sua,
não é sua, nem é minha.
Da rua, foi pra tevê,
da tevê, pro mundo inteiro,
a festa que o povo vê
mostra o povo no poleiro.
Dos desfiles suntuosos,
só participa quem paga,
o mundo é dos poderosos,
o pobre se entrar estraga.
Na distância que vivemos,
da família tão querida,
muita coisa nós perdemos,
ao longo da nossa vida.
Vivi pouco com meus pais,
minha infância, essa sim,
o tempo lindo demais
vou guardar até o fim.
Viajei o tempo inteiro,
meu exercício já fiz,
bendito meu chão mineiro,
bendita Espera Feliz!
A lembrança, certamente,
surge, às vezes, incompleta,
a memória, de repente,
torce o bico do poeta.
O meu canto encerro agora,
cantei, aqui, à vontade,
todo o canto, sem demora,
fez-se um canto de saudade.
Eu sonho um Brasil do povo,
sem tantas mãos tão venais,
eu sonho um sorriso novo
dando vida aos desiguais.
Não haja desigualdade,
quando se fala de irmão,
um pouco mais de vontade,
fará mais forte a nação.
Violência só destrói,
fere o peito, fere fundo,
a dor que tão fundo dói,
faz a dor de todo mundo.
Gostaria de me lembrar
de tudo aquilo que fiz,
gostaria de mais falar
da minha Espera Feliz.
Aos quinze anos chegando,
fui atrás de mais escola,
a vida me premiando,
deu-me estudo, dei-lhe a bola.
Em ambiente divino,
o bom Deus me colocou,
pelas mãos de um Adelino,
sua escola me entregou.
O encontro com minha gente,
passou a ser semanal,
no domingo, exatamente,
eu tinha o meu pessoal.
Quatro anos de aprendizado,
de conquistas nunca tidas,
pessoas que tive ao lado,
não deixarei esquecidas.
Fui levado, fui briguento,
quem vivo, vai confirmar,
foi, na verdade, tormento,
esse filho do Alencar.
Mudou aquele Ratinho,
o milagre, a escola fez,
era água, virou vinho.
transformou-se o Juarez.
A educação primorosa,
no internato conseguida,
deu um basta à boca prosa,
e bom rumo à minha vida.
Aos dezoito, vou embora,
o ginásio já cumprido,
o meu destino de agora,
por meus pais foi definido.
A São Paulo, capital,
distante do chão mineiro,
mais longe do chão natal,
eu terei por paradeiro.
Tão distante colocado,
vejo pouco a minha gente,
de tudo sou informado,
vivo um pouco descontente.
Sou esperafelicense,
Espera Feliz, meu chão,
sou, também, tieteense,
de Tietê, cidadão.
Sou mineiro e sou paulista,
o que me deixa encantado,
sou poeta, sou letrista,
de Minas distanciado.
Distante da minha gente,
pra correr meu dia a dia,
da saudade mais presente,
faço brotar a poesia.
Tento cumprir bom papel,
sou do mundo servidor,
no Direito, sou Bacharel,
na empresa, sou Editor.
Eu gosto de versejar,
eu me cuido desse jeito,
versejando sem parar,
mais conforto dou ao peito.
Esse o hobby que carrego,
não faço mal a ninguém,
se aos versos me entrego,
é porque me sinto bem.
Minha gente, que tristeza,
minha casa foi ao chão,
sua ausência, com certeza,
causa dor no coração.
Saudade da minha rua,
saudade do meu luar,
do namoro à luz da lua,
das serestas do lugar.
Não canta mais o Matheus,
foi-se o nosso seresteiro,
foi ele entregar a Deus,
o nosso choro mineiro.
Não temos alto-falante,
não se toca Ave-Maria,
o Gigli, de voz possante,
a todos nós comovia.
Muita gente aqui citada,
sobre as quais andei falando,
colocou o pé na estrada,
dessa vida se afastando.
Nosso Gilson foi embora,
para o céu, foi certamente,
já nenhum Padula agora
pisa o chão da nossa gente.
O Gilsinho foi embora,
Maria da Penha também,
a saudade que nos devora,
depois disso sempre vem.
Foi-se o nosso Pedro Malta,
homem simples, cordial,
o Pedro que deixa a pauta,
foi amigo, foi leal.
Nossa Telma tão querida,
minha irmã, doce, adorada,
com sua mão decidida,
fez de luz a sua estrada.
Educando, a vida inteira,
os filhos da nossa gente,
deu à gente brasileira,
o saber, como presente.
Cecilinha, do Manoel,
pai amigo, pai adorado,
com certeza está no céu
pelo encanto do passado.
Amiga da minha gente,
amiga de todo mundo,
a saudade, de repente,
dói mais forte, bem mais fundo.
Juarez, nosso goleiro,
que a todos nós encantou,
ao deixar o chão mineiro,
ao chão do céu se entregou.
Foi ser goleiro no céu,
vai dar ao céu grande luz,
quem, aqui, fez bom papel,
joga agora com Jesus.
Algumas casas ainda,
o povo tenta manter,
mais um pouco e tudo finda,
todos nós vamos perder.
A ganância de alguém,
sempre se mostra voraz,
quem à cidade quer bem,
só o bem por ela faz.
Por um pouco de dinheiro,
vai-se a glória do passado,
precisa o peito mineiro,
mostrar-se mais educado.
A terra é boa demais,
o povo sabe que é,
nas nossas zonas rurais,
o caboclo está de pé.
Na cidade, minha gente,
sempre muito hospitaleira,
leva Minas bem à frente,
com sua força guerreira.
Não há miséria na rua,
todo o povo tem abrigo,
nas festas, à luz da lua,
a força do abraço amigo.
De manhã, o sol brilhante,
à tarde, o frescor gostoso,
à noite, o calor pujante
de um povo maravilhoso.
No meu chão hospitaleiro,
canta o povo em sintonia,
bendito meu chão mineiro,
que só amor anuncia.
Zoé me deu a cachaça,
de alguma coisa me lembro,
foi no Posto, foi de graça,
foi começo de setembro.
Sobre a marca, nada sei,
nem sei dizer do sabor,
a garrafa que ganhei,
guardada tem mais valor.
O meu amigo boleiro,
a bola posta de lado,
lá na família Monteiro,
facilmente foi fisgado.
Podia mais escrever,
não me falta inspiração,
àquele que tudo ler,
deixo a minha gratidão.
Eu fui longe, reconheço,
fui o passado buscar,
pela escrita, tendo apreço,
versejei sem me cansar.
Vou escrever novamente,
não em versos, isso não,
vou falar da nossa gente,
dando vez à ilustração.
Um nome talvez errado,
registrado esteja aqui,
rogo eu ser perdoado,
se tal erro cometi.
Não é fácil lembrar de tudo,
da forma bem mais correta,
pior se ficasse mudo
quem nasceu pra ser poeta!
O grande esforço que fiz,
só me fez ficar contente,
eu amo Espera Feliz,
amo toda a minha gente!
Certamente, sem querer,
deixei de falar de alguém,
de ninguém quis esquecer,
pois a todos quero bem.
A nossa vida é assim,
às vezes, falha a memória,
nossa história chega ao fim,
sabendo que há mais história.
Antes da festa encerrada,
Jesus, do céu, nos avisa,
“já por Mim abençoada,
eu lhes entrego a Luísa.”
Minha neta, que beleza,
que encanto de menina,
no seu parto, com certeza,
presença da mão divina.
A história continua
na nossa Minas Gerais,
vá poeta, a história é sua,
vá em frente, conte mais!
TROVAS
Vou levar rosas formosas,
formosas rosas do amor,
vou colocar minhas rosas,
bem no colo de outra flor.
Cansado, o homem parou,
sem a luta ter cessado,
quando o tempo ele notou,
já se achava derrotado.
O meu olhar inquieto
buscando outro encontrar
na mesma jura de afeto
encontrou o teu olhar.
Quando formos bem velhinhos
lembraremos com saudade
os nossos ternos carinhos
trocados na mocidade.
Todos nós temos na vida
nossa hora de alegria,
a minha vive escondida
no terno olhar de Maria.
Nas pedras verdes te encontrei,
com pedras brancas te conheci,
com pedras rosas te conquistei,
com pedras negras me despedi.
Acorda bela senhora,
não há maior alegria,
venha ver a doce aurora
tranqüila beijando o dia.
Eu bem quisera ser rosa,
a formosa rosa-flor,
ou então nascer formosa,
para ser deusa do amor.
Se cada passo que dou,
fosse saudade de alguém,
feliz de quem nunca andou,
saudade nunca fez bem!
Passar apenas na vida
sem algo de bom deixar,
é deixar a alma vencida
com vergonha de ficar.
Respeita, filho, a Bandeira,
prende, ao peito, o mastro forte,
se preciso, enfrenta a morte,
honra a Pátria Brasileira.
Mulheres, sim, eu as tive,
foram todas passageiras,
só a lembrança hoje vive
aquelas horas brejeiras.
Eu quero a noite caindo
sobre o teu corpo doirado,
quero em pétalas se abrindo
o nosso amor conjugado.
O beijo que nas manhãs
recebes com tanto ardor
sem o sabor das maçãs
tem muito do meu amor.
São Sebastião protetor,
devoção da minha gente,
tornai-me o peito contente
cheio de paz e de amor.
Meu pensamento, onde andas?
Que sina mais triste a tua!
Sonhando antigas varandas,
pisando asfalto na rua.
O teu verso tão sofrido
de sexta-feira passada
trouxe novo colorido
à minh’alma apaixonada.
No teu colo, eu bem quisera
esquecer, tudo esquecer,
deixar a vida correr
com ares de primavera.
Disse-me adeus a mocinha
na mais fria despedida
sem saber que a minha vida
com sua vida caminha.
Quem te forçou a lembrança
foi a saudade, bem sei,
do tempo em que tu criança
nos meus braços embalei.
Quem me dera, meu amigo,
fosse a vida algo mais doce
ou nem tão amarga fosse
nestes caminhos que sigo.
Saudade, quanta saudade!
murmura o meu coração.
eu na minha mocidade
não tinha saudade, não.
Voltaste como eu não quis
no rosto a marca dos anos
nos teus passos, desenganos
de quem nunca foi feliz.
Minha terra, minha gente,
quanta saudade no peito!
Bem me vejo antigamente
mais alegre e satisfeito.
Entre montanhas e rios
repousa o lar que consola
minhas noitadas de frio
sem cantatas de viola.
A beleza que se vê
nos olhos que tenho em mim
reflete bem, isto sim,
tudo o que vem de você.
Minha vida, meu amor,
razão de toda esta lida,
de dia, botão em flor,
de noite, rosa colhida.
Mulheres, sim, eu as tive,
todas elas passageiras,
meu coração inda vive
aquelas horas brejeiras.
Eu quero a noite caindo
sobre o teu corpo doirado,
quero em pétalas se abrindo
o nosso amor conjugado.
O beijo que nas manhãs
recebes com tanto ardor
sem o sabor das maçãs
tem muito do meu amor.
São Sebastião protetor,
devoção da minha gente,
tornai-me o peito contente
cheio de paz e de amor.
Meu pensamento, onde andas?
Que sina mais triste a tua!
Sonhando antigas varandas,
pisando asfalto na rua.
O teu verso tão sofrido
de sexta-feira passada
trouxe novo colorido
à minh’alma apaixonada.
No teu colo, eu bem quisera
esquecer, tudo esquecer,
deixar a vida correr
com ares de primavera.
Disse-me adeus a mocinha
na mais fria despedida
não sabe que a minha vida
com a sua vida caminha.
Foi a saudade, bem sei,
quem te forçou a lembrança
do tempo em que tu criança
nos meus braços embalei.
Quem me dera, meu amigo,
fosse a vida algo mais doce
ou nem tanto amarga fosse
nestes caminhos que sigo.
Pudesse o tempo eu voltar,
quem me dera, o peito diz,
eu voltava a ser criança
na minha Espera Feliz.
Saudade, quanta saudade!
Murmura o meu coração.
Eu na minha mocidade
não tinha saudade, não.
Voltaste como eu não quis
no rosto a marca dos anos
e nos passos, desenganos
de quem nunca foi feliz.
Minha terra, minha gente,
quanta saudade no peito!
Bem me vejo antigamente
mais alegre e satisfeito.
Entre montanhas e rios
repousa o lar que consola
minhas noitadas de frio
sem cantatas de viola.
A beleza que se vê
nos olhos que tenho em mim
reflete bem, isto sim,
tudo o que vem de você.
Quando os teus olhos nos meus
a vida a mim transparece
qual dádiva, qual prece
nascidas, creio, de Deus.
Quanta dor sofre o meu peito
sabendo que vais partir.
Quanta dor irá sentir
tanto tempo insatisfeito.
Abrindo as portas do mundo
eu pude ver com alegria
o sol em sono profundo
e a lua beijando o dia.
Tu que me vês docemente
ao teu lado posto agora
bem sabes que nesta hora
eu tenho o peito contente.
Quando acordares bem cedo
pensa em mim, posto ao relento,
desce ao campo, salta ao vento
faz de mim o teu brinquedo.
Não diga coisas que eu sei
que bem não são como dizes
deixa que cresçam felizes
os bons frutos que plantei.
Colhe hoje, mocidade,
de vida robusta e sã
no chão da fertilidade
os bons frutos de amanhã.
A mesma moça formosa
a mesma ternura antiga
a mesma mulher amiga
a mesma mão carinhosa.
Colhe comigo, querida,
da nossa vida tão breve
os doces sonhos da vida
antes que a morte nos leve.
Tão pródiga, a natureza
encheu-me o lar de alegria.
Com muito encanto e beleza
deu-me a filha de Maria.
No baú das minhas memórias
poucas histórias guardadas.
Quantas vidas encerradas
nas minhas poucas histórias!
São muitos os meus trabalhos!
Breve demais o meu dia!
Não fossem alguns atalhos
onde o tempo pra poesia?
Conte-me tudo, eu te peço,
dê na vida um retrocesso,
retire bem lá do fundo
os desprazeres do mundo.
Abre a boca, mostra o riso
e todos te aplaudirão
pra cantiga do sorriso
o aplauso da multidão.
No colo da mãe, pousada,
a cabeça se consola,
colhe flores pela estrada
no choro de uma viola.
Viva a vida, viva bem,
viva da melhor maneira,
das armas que você tem
o sorriso é a primeira.
Aos homens desanimados
a meu último aviso:
não deixem abandonados
os segredos do sorriso.
Não te faz bem a tristeza,
corra logo ao teu dentista
e terás, tenho certeza,
o sorriso de um artista.
Semeei na caminhada
que pude ter pela vida
em cada palmo de estrada
minha saudade sentida.
Não há mal que tanto dure
na cabeça com juízo.
Se tens mal, que te cure
uma drágea de sorriso.
Na boca de quem não presta
a palavra corta fundo,
a mulher demais honesta
é a pior mulher do mundo.
Não deixe que seu irmão
sofra a dor da indiferença;
as portas do coração
reclamam sua presença.
O homem que pela vida
honrar a sua presença
por certo terá guarida
na justeza da sentença.
Não sei ao certo o que queres
buscando tantas descidas,
retendo tantas mulheres
no mundo prostituídas.
Quererás o paraíso
quando a Deus te apresentares;
que não te falte juízo
nos caminhos que trilhares.
Não negues à criatura,
que faminta tanto implora,
de toda a tua fartura
a parte que jogas fora.
Que tenha sentido a vida
que Deus te legou um dia,
toda a graça pretendida
do verso feito poesia.
A criança passa fome
ante a mesa de fartura,
enquanto o povo consome
sua falta de cultura.
Na terra de quem não tem
pra quem tem tudo é moleza,
é este quem passa bem
não tendo ninguém na mesa.
O teu pão não negarás
a quem os males consome,
é certo que mais terás
dando o pão a quem tem fome.
Acordar-te nas manhãs
sem o beijo não tem graça,
enquanto eu colho maçãs
elas murcham de pirraça.
Colher-te eu bem queria,
dar-te tudo, sonho eu,
meu coração, que ironia,
a tua festa perdeu.
Não há mulher mais bonita
nem canção mais festejada,
meu coração se agita
nos bailes da madrugada.
O abraço que me pede
eu darei, sem restrição,
meu coração já não mede
os efeitos da paixão.
Coração, pobre coitado,
saudoso, cala seus ais,
seu coração afastado
o meu não suporta mais.
Na cabeça da menina
os olhos brincam comigo,
árvore tão pequenina
me deixando de castigo.
Aquele moço bacana
que ontem te encantou,
ainda não faz semana
por outra se apaixonou.
O teu sorriso bonito,
que eu colho pelas manhãs,
tem a força do granito
e o aroma das maçãs.
Dizer-te adeus, nunca mais,
ficar contigo, isto sim,
tristeza, por que tirais
toda a alegria de mim?
A cortina, posta ao vento,
festiva, toda balança,
o teu corpo, que sustento,
vai e vem e não me cansa.
Ao dentista não se nega
vez ou outra uma visita,
pobre aquele que carrega
no sorriso a dor maldita.
Aquela porta trancada,
pela rudeza de alguém,
não é boa barricada,
o sorriso a abre bem.
Ao medir a simpatia
o homem não se esquece,
dá ele maior valia
ao sorriso que aparece.
Ao medir a boca, mostra o riso
e todos te aplaudirão,
pra cantiga do sorriso
o aplauso da multidão.
O mundo corre depressa,
a vida não fica atrás,
com sorriso na conversa
tudo de bom tu terás.
Escova os dentes, menino,
a mãe ao filho pedia,
nesta hora o pequenino
com sorriso agradecia.
Só cantará de improviso
aquele que pela vida
levar no rosto o sorriso
que ganha qualquer partida.
No sorriso da criança
a fina flor transparece
– bendita a doce esperança
nascida de doce prece!
Quero eu de sobremesa,
nada mais será preciso,
uma torta de framboesa
nos lábios do teu sorriso.
No colo da mãe, pousada,
a cabeça se consola,
sem as pedras da estrada
seu sorriso se extrapola.
Problema sem solução
me diga se for preciso,
tenho puro o coração
e a arma do sorriso.
Não se oculte no caminho
não deixe a dor te envolver,
com sorriso e com carinho
qualquer um pode vencer.
Não negues ao bom amigo
o sorriso em despedida,
a ele darás abrigo
na caminhada da vida.
O mau humor, pobrezinho,
já não vale um só vintém,
um sorriso em seu caminho
dele faz um joão-ninguém.
Pra matar o mau humor
uma receita é fatal:
duas pitadas de amor
e um abraço fraternal.
Mau humor não fica bem
na vida de quem se preza,
seu sorriso para alguém
tem a força de uma reza.
Ribeirão dos meus amores,
o Preto que tens em ti
tem o sorriso das flores
que em tuas terras colhi.
Na vida do tudo ou nada
o homem que tem juízo
traz, por certo, bem guardada
a chave do seu sorriso.
Corre o mundo se preciso,
vai ao céu, se tu puderes,
e verás no paraíso
o sorriso das mulheres.
Dos males que você tem
o mal maior eu preciso,
o mal maior veio bem
na ausência do seu sorriso.
O mundo é das raparigas,
o velho sábio dizia,
muito ausentes das intrigas
contam a grana do dia.
Não vou dizer o que sinto,
tu não dirás o que sentes,
tu não dirás que eu minto,
eu não direi que tu mentes.
Segurar o meu emprego
é difícil, tens razão,
o patrão não dá sossego,
não tem sossego o patrão.
Rompe o silêncio, Maria!
Qual problema te angustia?
Recolhe tua timidez
e conte tudo de vez!
Talvez ajudar eu possa
a saíres dessa fossa
que não te conduz a nada
senão à última jornada.
Sou teu amigo, bem sabes,
no meu coração bem cabes,
eu quero cessar teus ais,
ver-te triste, nunca mais.
Não há de calar-te os ais
aquele que te amordaça,
que não te toque jamais
o sol forte da vidraça.
No teu olhar de tristeza
colhi as dores do mundo,
meu riso calei bem fundo
em amarga correnteza.
Eu me ajeito, tu te ajeitas,
na noite de intenso frio,
quando ao meu lado tu deitas
bebo as águas do teu rio.
O pequenino sorria,
inquiete o seu corpinho,
da doce mãe recolhia
os frutos do seu carinho.
Quero eu, na despedida
nada mais será preciso,
para embalar minha vida
a vida do teu sorriso.
Um sorriso, quem me dera,
me desse aquela menina,
eu teria a primavera
em água pura, cristalina.
Tinha no rosto o sorriso,
as vitórias, todas certas,
nada mais era preciso
com tantas portas abertas.
Tinha no rosto o sorriso,
as vitórias, todas certas,
nada mais era preciso
com tantas portas abertas.
O sorriso, se sincero,
cresce a festa, cheira à flor,
teu doce sorriso eu quero
para enfeitar nosso amor.
Foi-se a pomba, em vôo raso,
foi-se a paz, tão passageira,
seu sorriso, por acaso,
pousou na minha soleira.
Quem no tempo se perdeu
por caminhar indeciso,
por certo não percebeu
toda a força do sorriso.
O sorriso que me negas
por certo não me faz bem,
nesta hora tu carregas
os males que a vida tem.
Quando ao meu lado tu deitas
o rosto posto em sorriso,
nesta hora tu te ajeitas
pro leito do paraíso.
Deus nos deu o paraíso
com flores de bem-me-quer,
na sua entrada o sorriso
no rosto de uma mulher.
O menino que vês agora,
o sorriso inteiro ausente,
reclama, quer ir embora,
dessa angústia tão presente.
Fossem bons meus verdes anos,
por certo eu teria agora,
no lugar dos desenganos,
teu sorriso em doce aurora.
O sorriso que me dás
com teu olhar de candura,
dentro dele sei que traz
bons momentos de ventura.
Teu sorriso, quem me dera,
pudesse eu colher enfim,
eu teria a primavera
no inverno do meu jardim.
Quando acordares bem cedo,
ponha o sorriso de fora,
a tristeza, sem segredo,
bate perna, vai embora.
Fale de mim quem quiser,
falem de tudo o que fiz,
nos braços de uma mulher
que só me fez ser feliz.
Ao teu Cristo louvarás
quando o leito tu buscares,
o teu Cristo tu terás
quando dele precisares.
Caminha de tez erguida,
o mundo também é nosso,
eu hei de vencer na vida,
você pode, também posso.
Não temas maior grandeza,
essa grandeza é piada,
quem tem Deus, tenha certeza,
já tem o topo da escada.
Pelos caminhos da vida
eu pude colher enfim
bons degraus de uma subida
que muito serve pra mim.
Foi vendo meu pai honrado
no seu trabalho bem posto
que pude ter conquistado
o sorriso do meu rosto.
Minha mãe, presa ao fogão
no trato da filharada,
sempre traz no coração
comida bem preparada.
Meus pés de menino esperto
correram ruas de chão,
deixaram nelas, por certo,
as marcas da gratidão.
Vou levar rosas formosas
formosas rosas do amor
vou colocar minhas rosas
no colo de outra flor.
Que me importa o teu rosto,
todo de dores marcado!
Posso eu ser condenado
pela estranheza do gosto?
Saudade, saudade triste,
saudade chaga sem dó,
a saudade sempre existe,
quando alguém se acha só.
Saudade barca perdida,
sem rumo certo a seguir,
vive ancorada na vida,
esperando alguém partir.
Não fosse a prata, o ouro,
não fosse a jóia, o valor,
seria o maior tesouro,
a mulher pura de amor.
A onda encrespa e voraz,
caminha à areia alcançar,
de beijos se satisfaz,
e volta mansa pro mar.
Cansado o homem parou,
sem a luta ter cessado,
quando o tempo ele notou,
havia sido derrotado.
Nas horas tristes da vida,
as horas de nostalgia,
construo imagem fingida,
que tenha olhar de Maria.
O meu olhar inquieto,
buscando outro encontrar,
na mesma jura de afeto,
encontrou o teu olhar.
Todos nós temos na vida,
nossa hora de alegria,
a minha vive escondida,
no terno olhar de Maria.
Nas pedras verdes te encontrei,
com pedras brancas te conheci,
com pedras rosas te conquistei,
com pedras negras me despedi.
Em meu rosto, o silêncio que condena,
nas minhas mãos, a febre que maltrata,
nos meus olhos, a desgraça que te acena,
no teu sorriso, o perdão, que a tudo mata.
Acorda bela senhora,
não há maior alegria,
venha ver a doce aurora,
tranquila beijando o dia.
Se cada passo que dou,
fosse saudade de alguém,
feliz de quem nunca andou,
saudade nunca fez bem.
Sem força e sem perfume,
agonizante rogava,
a flor, enquanto murchava,
morria no seu queixume.
Lembrança, quanta lembrança,
dos doces tempos de outrora,
ah! vontade de ser criança,
por que tanto me devora?
Setenta anos de vida
devo a deus agradecer
os degraus que na subida
só me fizeram crescer.
Mulher feia não existe,
existe, sim, maltratada,
passarinho sem alpiste,
faminto, não canta nada.
A Chiquinha, perna torta,
com seu olhar desviado,
acabou batendo a porta
na fuça do debochado.
Veja você., minha amiga,
que triste situação,
o teto que me abriga
às vezes me tolhe o pão!
Conversa de mutuário
do Sistema Financeiro:
– é mesmo triste o fadário
de quem vive sem dinheiro!
O coração da mocinha
bate forte, disparado,
o amor que se avizinha
vai ao cofre bem trancado.
O tempo corre, é verdade,
mas pode o tempo conter
quem plantar na mocidade
sementes do bem querer.
Tempinho já bem distante
coisa boa não se esquece,
papagaio no barbante,
brinquedo que sobe e desce.
Carro velho, abandonado,
tarde quente, nenhum sol,
menino de mau-olhado
rouba fruta no paiol.
O mar, de magos poderes,
estende o braço fatal
aos que buscam desprazeres
em seu leito colossal.
Não queiras correr o mundo
nas águas do mar raivoso,
que não te percas no fundo
de seu leito majestoso!
Tem o mar, tenho certeza,
além das praias formosas,
seus momentos de vileza
quando de águas raivosas.
Vai meu rio, vai em frente,
tangendo a lira do amor,
eu também vou docemente
nos braços de meiga flor.
Meu rio, quanta beleza
inspira o teu caminhar!
Não permitas a correnteza
te leve logo pro mar!
Manter a prumo, quem dera!
Não fosse o estranho medo,
não fosse tanto segredo,
não fosse essa boca-fera!
No meu espaço pequeno
eu colho do céu de agruras
as gotas do seu veneno
nas minhas poucas venturas.
Aonde ir? Que fruto é esse
com cheiro de podridão,
com a força do interesse
colocada em minha mão!?
O amor impõe rejeição
a certas coisas da vida,
satisfeito, o coração,
teme os degraus da descida.
Não me perguntem com quantas
mulheres tive meus casos,
que contem todas as plantas
ou então contem os vasos.
A saudade, meu amigo,
é coisa que já deu certo,
é luz do caminho antigo
que se pretende mais perto.
A moça pintou-se inteira,
vestiu-se e se fez garbosa,
queira você ou não queira
sua ordália virou rosa.
Se mais educado o povo,
se mais decente ele fosse,
talvez nos desse de novo
o mundo que já foi doce.
Coração de moça livre
solta as rédeas como quer,
essa moça que não tive
já tem cheiro de mulher.
O coração da solteira
tem chilique a toda hora,
a flor que tão forte cheira
dá seu fruto sem demora.
Mulher que pega no pé
sem libertar um minuto
ou está perdendo a fé
ou está vestindo luto.
Na pressa de ver-se inteiro
o homem não perde o vício,
continua caminheiro
para o grande precipício.
Não importa tenha a dita
defeitos tão aparentes,
para o olhar que ela fita
basta a idade dos dentes.
Com seu olhar distraído
colhe o moço o que não quer
no olhar mais atrevido
de meiga e doce mulher.
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POESIAS COMPLETAS - JUAREZ DE OLIVEIRA