vol 02, nº 21
agosto / 2005
ISSN 1806-4779
ISSN 1806-4779
Associação dos Engenheiros da Sabesp
Avanços do Saneamento
Histórias que fazem a diferença
PONTO DE VISTA
Léo Heller
André Marques
COMUNIDADE
Ivan Carlos Maglio
ENTREVISTA
Índice de Qualidade
de Aterro de Resíduos
MEIO AMBIENTE
O Desenvolvimento
Sustentável e a Paz
Saneas
SUMÁRIO
ISSN 1806-4779
Saneas é uma publicação técnica quadrimestral
da Associação dos Engenheiros da Sabesp
AESABESP
DIRETORIA EXECUTIVA
Eliana Kazue Irie Kitahara / Presidente
Amauri Pollachi / Vice-Presidente
Cecília Takahashi Votta / 1ª. Secretária
Aram Kemechian / 2º. Secretário
Choji Ohara / 1º. Tesoureiro
Emiliano Stanislau de Mendonça / 2º. Tesoureiro
DIRETORIA ADJUNTA
Carlos Alberto de Carvalho / Diretor de Marketing
Gilberto Alves Martins / Diretor Técnico Cultural
Ivan Norberto Borghi / Diretor de Esportes
Ivo Nicolielo Antunes Junior / Diretor de Pólos
Hiroshi Ietsugu / Coordenador de Pólos da RMSP
Viviana Marli N. Aquino Borges / Diretora Social
CONSELHO DELIBERATIVO
Alípio Teixeira dos Santos Neto, Antônio Augusto de
Fonseca, Cid Barbosa Lima Jr., Getúlio Martins, Gilberto Alves
Martins, Ivo Nicolielo Antunes Jr., José Márcio Carioca, Luiz
Henrique Peres, Luiz Yukishigue Narimatsu,
Magali Scarpelini Mendes Pereira, Nelson Luiz Stábile, Nizar
Qbar, Paulo Eugênio Correia, Reynaldo Eduardo Young
Ribeiro, Viviana Marli N. Aquino Borges
CONSELHO FISCAL
Benedito Felipe Oliveira Costa, Luciomar Santos Werneck,
Luis Henrique Werebe
CONSELHO EDITORIAL
Luiz Henrique Peres (Coordenador), Carlos Alberto de
Carvalho, Viviana Marli N. Aquino Borges
FUNDO EDITORIAL
Equipe responsável pela Saneas:
Getúlio Martins (Coordenador)
Darcy Brega Filho, Jairo Tardelli Filho,
José Antônio Oliveira de Jesus.
Odair Marcos Faria (fotógrafo colaborador)
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Ana Holanda Mtb 26.775,
ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA:
Formato Artes Gráficas ([email protected])
IMPRESSÃO: Editora Parma (fone: 6462 4000)
TIRAGEM: 3.500 exemplares
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Associação dos Engenheiros da Sabesp
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3
APRESENTAÇÃO
Completando o ciclo
4
EDITORIAL
Engenharia, Política e Sociedade
PONTO DE VISTA
5 Saneamento e saúde: maior rigor científico
é muito bem vindo
6 Autarquia de saneamento ambiental,
uma solução possível
MEIO AMBIENTE
8 O Desenvolvimento Sustentável e a Paz
ENTREVISTA
10 Lugar de lixo é…
MATÉRIA DE CAPA
13 Os avanços do saneamento nas últimas décadas:
histórias que fazem a diferença
ARTIGOS TÉCNICOS
19 Uso e conservação de energia em uma estação de
tratamento de água
24 A deterioração da qualidade das águas continentais
brasileiras: o processo de eutrofização
29 A importância da gestão de riscos operacionais para a
prevenção de sinistros no saneamento básico
34 A construção de consenso para
o desenvolvimento sustentável
COMUNIDADE
41 O Plano Diretor e a Sustentabilidade
Ambiental das Cidades
HISTÓRIA DO SANEAMENTO
47 Limpo e decente
RESENHAS
49 Saúde pública, desenvolvimento
urbano e econômico
RECONHECIMENTO
51 Irene Pinheiro
AESABESP
52 AESABESP, 19 anos de realização
Foto: Odair Faria
apresentação
Completando o ciclo
D
esde a primeira edição, coordenada
pela equipe atual do Fundo Editorial da
AESABESP, publicada em dezembro de 2003,
nosso objetivo tem sido provocar você leitor
para reflexões sobre assuntos relacionados
com o setor saneamento ambiental, mas que
não têm sido incluídos na nossa agenda. Assim
foi, no final de 2003, quando vários engenheiros eram réus em processos judiciais ou administrativos, por causa da degradação ambiental
provocada pelo lançamento de efluentes nos
rios, sem tratamento. Na edição do final desse ano, a matéria de capa: “Saneamento e Meio
ambiente: direitos e responsabilidades” procurou amparar nossos colegas e discutir soluções,
inclusive com o Ministério Público.
Na mesma época, as estiagens prolongadas, que colocaram em risco o abastecimento
de água na Região Metropolitana de São Paulo
motivaram os debates no Seminário de lançamento da edição de abril de 2004, onde se discutiu: “Mudanças climáticas globais: efeitos regionais e locais”.
Em agosto de 2004 o tema da matéria de capa
foi: “Qualidade da água: qualidade da vida”, porque com os níveis baixos nos reservatórios e
menor diluição dos esgotos, o resultado foi água
mais poluída. Como conseqüência, aumentaram as despesas operacionais nas estações de
tratamento de água. Várias propostas foram discutidas no lançamento dessa edição realizado
no nosso Encontro Técnico do ano passado.
As soluções para os problemas, que vinham
sendo discutidos aqui, estavam sempre fundamentadas nos princípios do “Desenvolvimen-
Reunião da equipe do Fundo Editorial da AESABESP
to Sustentável: um ideal possível e necessário”
conceituados sob diversas visões, na edição de
dezembro de 2004.
A engenharia contribui para soluções de
problemas encontrados na sociedade. Seus
projetos sempre causam impactos na vida das
pessoas. Em abril de 2005 o tema “Engenharia:
profissão antiga, perspectivas novas” deixou ensinamentos muito importantes. Exemplo disso
foi o alerta do professor Ubiratan D`Ambrosio
de que o engenheiro precisa “sair da sua gaiola”. Sua especialização não pode impedi-lo de
estudar, refletir e opinar sobre outros assuntos.
A sensibilidade para as questões sociais não é
ensinada nas escolas de engenharia, mas precisa ser considerada nos projetos, sob o risco de
se fracassar nas implementações.
Várias regiões do Brasil possuem níveis de
qualidade e cobertura de serviços de saneamento superiores aos de países desenvolvidos. Isso
não aparece nas médias estatísticas. Nos últimos
anos, o que mais se discutiu nos congressos foi a
necessidade da implantação de políticas setoriais.
Para fazer prevalecer seu ponto de vista, cada entidade acaba usando os números conforme sua
conveniência, muitas vezes sem mostrar as conquistas reais do setor.
Nesta edição, a última coordenada pela equipe
atual, fecha-se o ciclo iniciado há dois anos e que
a cada quatro meses foi sendo construído com
idéias, novas ou velhas, mas sempre levadas em
conta. O tema será “Uma história de conquistas”
que pretende trazer para o primeiro plano o verdadeiro significado do saneamento, na melhoria
das condições de saúde da população, na inclusão social, no desenvolvimento econômico e social sustentáveis, na prática da democracia, enfim
na promoção da cidadania.
Esperamos que os assuntos das seções e artigos técnicos estimulem suas reflexões. Como
nas outras edições, os temas abordados são o
resultado do trabalho de uma equipe dedicada
de voluntários que produziu esta revista, que
afinal pode também ser considerada uma conquista do setor saneamento ambiental.
Obrigado a todos os colaboradores. Estamos certos de que os nossos sucessores continuarão, com esforços redobrados, a publicação
de Saneas com qualidade ainda melhor.
Boa leitura.
Saneas / agosto 2005 – 3
editorial
Engenharia, política e sociedade
Eng. Eliana Kazue I. Kitahara
Presidenta da AESABESP
T
odos nós usuários da água, recurso finito,
sabemos que ela mantém a vida e cobre a
maior parte da superfície da terra. Apesar de
considerá-la imprescindível para o desenvolvimento do país, muitas das ações do homem
demonstram que questões importantes envolvendo esse assunto, ainda continuam desconhecidas da grande maioria das pessoas.
A necessidade crescente da água para o
abastecimento doméstico, na agricultura e na
indústria, faz com que nas regiões onde ela não é abundante, se constitua ainda em um
problema de política de gestão
pública.
Apesar das dificuldades e
necessitando de muitos investimentos, vontade política e
conscientização da população,
muita projetos de despoluição
bem-sucedidos existem aos
punhados no mundo.
Nas Olimpíadas de 2000, os
australianos exibiram ao mundo como é possível recuperar
Heliana Kitahara presidente
uma orla marítima degradada
da AESABESP
num espaço de tempo relativamente curto. Entre os projetos aplicados, o Government’s Waterways Package, iniciado em 1997 e com custo
de 1,6 bilhão de dólares foram exclusivos para
reduzir a poluição proveniente de águas pluviais. A principal obra do programa é o piscinão, o Northside Storage Tunnel.É um mega reservatório que armazena 90% das águas de chuva escoadas e poluídas.Os resultados foram visíveis. Na praia de North Steyne, por exemplo,
a concentração de 1887 unidades de coliformes
fecais por 100 mililitros detectada no verão de
1989- mais de dez vezes o limite máximo aceitável - caiu para quatro unidades em 1999.
Nova York é outro exemplo de sucesso.A
maior cidade americana, com 17 milhões de
habitantes, conseguiu reduzir a zero a quantidade de esgoto não tratado que despeja em torno da ilha de Manhattan, o coração da cidade. A poluição da água era um problema, onde
em 1910, tomar banho no Porto de Nova York
consumir ostras nele pescadas já era conside4 – Saneas / agosto 2005
rado uma atividade perigosa para a saúde. O
estabelecimento de uma duríssima lei contra a
poluição da água, o Clean Water Act, sancionado em 1972, permitiu à Agência de Proteção
Ambiental impor padrões para a descarga de
poluentes e controlar a poluição.Atualmente é
permitido o banho, porém o consumo dos peixes ainda é proibido.
Os artigos dessa edição relatam que no Brasil, muitas ações também estão sendo implementadas para garantir água de boa qualidade
a milhões de pessoas principalmente nos grande centros urbanos e evitar catástrofes decorrentes de epidemias, contaminação e poluição.
Especificamente em São Paulo, relatórios da
Secretaria do Meio Ambiente no contexto da
qualidade da água sob responsabilidade da Sabesp, tem apresentado sensíveis melhoras graças
à capacidade técnica de nossos profissionais, aos
recursos investidos em tratamento, com tecnologias avançadas e saneamento básico.
Resultados mais eficientes e satisfatórios para
os problemas da água poderão ser obtidos, não
somente nos avanços tecnológicos com soluções
científicas e de engenharia, mas nos avanços políticos, gerenciais e de organização institucional
em nível de bacias hidrográficas.
Ações locais e regionais diversificadas podem ser compartilhados em discussões nos comitês de bacias hidrográficas.Nesse fórum há
a possibilidade de aprofundar os estudos que
utilizam a cultura local sobre a água e sua influência social, devendo estimular novos procedimentos e atitudes.
Uma mudança dessa atitude deve ser fundamentada na ética social com diretriz para a
proteção e a recuperação dos recursos hídricos.
Essa ética pode contribuir muito ao promover
uma revolução no comportamento de pessoas
e instituições diante da escassez da água e sua
degradação.
Quando a compreensão do problema for
mais sensibilizada e estiver disseminada por
toda a sociedade, a segurança coletiva e a segurança individual relacionada à água estarão garantidas, proporcionando alternativas de melhor qualidade de vida, mais saúde e maior capacidade produtiva a milhões de pessoas. ■
OPINIÃO
PONTO DE VISTA
Saneamento e saúde: maior rigor
científico é muito bem vindo
Pensar e formular sobre os impactos do saneamento na saúde não
constitui assunto de leigo e não deve ser objeto de generalizações
Léo Heller N
o Brasil, 60% das internações hospitalares são
provocadas por doenças relacionadas à ausência de saneamento… Esta afirmativa tem
sido, pelo menos nos últimos
10 anos, o principal argumento da área de saneamento
para, interna e externamente,
propugnar por prioridades.
O que há de verdade nela?
Nada.
Qual tem sido o sucesso da argumentação?
Provavelmente pequeno, considerando as oscilações quanto à esperada prioridade, ou até negativo em alguns meios...
Em recente editorial, publicado em reconhecido periódico da área de saúde pública,
tal afirmativa é taxada de “lenda urbana”, pois
este valor em termos globais no Brasil deve ser
próximo de 5%. Tal constatação leva o autor do
editorial a sugerir que, como a maior parte da
população urbana brasileira vem se conectando às redes de água e esgoto, a agenda do saneamento estivesse se alterando, e as prioridades
atuais corresponderiam a ações mais específicas, como “o tratamento de esgotos, a destinação adequada do lixo e a proteção de mananciais”. Nenhuma inverdade no raciocínio. Mas,
no seu conjunto, pode resultar em conclusões
perigosas, invertendo o grau de importância
que deve ser atribuído ao saneamento como
medida de saúde pública.
Essas e outras reações eram previsíveis. A
repetição, quase à exaustão, de uma “inverdade conveniente” inevitavelmente acaba por
desencadear ações em sentido radicalmente
oposto. Afirmativas dessa natureza, ao contrário de se beneficiarem do célebre ditado
de Goebells - uma mentira repetida inúmeras
vezes se transforma em uma verdade -, termina por cair na armadilha lincolniana: pode-se
enganar uma pessoa todo o tempo ou todas as
pessoas por algum tempo, mas jamais todas as
pessoas por todo o tempo.
Na verdade, a ausência ou deficiência de condições de saneamento conduz a internações,
mas a proporção com que isto ocorre dentre o
total das internações é variável, a depender do
contexto social, econômico, sanitário e da própria organização e capacidade de registro de informações do sistema de assistência à saúde.
Por outro lado, se tal proporção não é tão
elevada, isto definitivamente não significa a
pouca importância das condições de saneamento na proteção à saúde humana. Ausência ou deficiência de condições de saneamento
provoca um expressivo conjunto de agravos à
saúde. A subtração deste direito da cidadania
pode ser determinante de um amplo e variado
espectro de doenças: as clássicas enfermidades
de transmissão feco-oral, como a cólera; as relacionadas ao armazenamento inadequado da
água, como a dengue; as transmitidas por vetores que proliferam em locais com disposição
inadequada de resíduos sólidos; as relacionadas com a ocorrência de enchentes e, mais característico da modernidade, as doenças relacionadas à ingestão de agentes químicos.
Ocorre que há diferentes maneiras de quantificação desses efeitos, sendo a internação
uma delas. As estatísticas de internação medem mais adequadamente agravos à saúde de
maior severidade, como doenças respiratórias
e doenças cardio-vasculares, ou ainda procedimentos que exigem a presença nos hospitais,
como o parto.
De uma forma geral, as doenças redutíveis
pelo saneamento caracterizam-se por baixa severidade - pequena proporção dos doentes se
interna - e baixa letalidade - pequena proporção dos casos severos morre. Basta que se pense na diarréia, um dos mais importantes indicadores da ausência de saneamento, para se
Engenheiro Civil, Especialista e Mestre em Engenharia Sanitária, Doutor em Epidemiologia. É profes-
sor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG desde 1990.
Saneas / agosto 2005 – 5
Ponto de Vista
perceber claramente o raciocínio.
Segundo estudos recentes, a diarréia é responsável por 4,3% das DALYs (anos de vida
perdidos por incapacitação ou mortes precoces) no mundo, sendo que 88% dessa carga de
doenças é atribuída ao abastecimento de água,
à disposição de excretas e à higiene inadequados. A maior concentração dessa carga de doenças é em crianças de países menos desenvolvidos. Efetivamente são as crianças o grupo
mais vulnerável às doenças determinadas pelo
saneamento deficiente, uma vez que 40% da
carga mundial de doenças atribuídas a fatores
ambientais afetam crianças menores de cinco
anos, ou seja, 10% da população mundial. Tais
doenças provocam a morte de três milhões de
crianças por ano, sendo que dois milhões delas
vão a óbito por diarréia.
Por outro lado, o conjunto dos estudos epidemiológicos mais bem conduzidos, que testaram a relação entre a ausência de saneamento
e a diarréia, mostram que pode-se esperar uma
redução entre 30 e 40% desse indicador quando se implantam condições adequadas de abastecimento de água ou de disposição de excretas, ou ainda quando se melhora a higiene. Ou
seja, o benefício resultante pode ser significativo e de grande impacto na saúde pública.
Ao se raciocinar sobre esses impactos, deve-
se ter a cautela de reconhecer que a realidade
não é homogênea. As necessidades de saneamento e os impactos sobre a saúde esperados
de uma intervenção nas regiões de renda elevada da cidade de São Paulo são muito diferentes daquelas nas favelas de São Paulo. Em termos médios, o Sul e o Sudeste brasileiro apresentam diferenças indiscutíveis em relação ao
Norte e ao Nordeste. As zonas urbanas diferenciam-se radicalmente das zonas rurais. Populações e assentamentos específicos, como áreas
indígenas e remanescentes de quilombos, apresentam características próprias e necessidades
também específicas. Não se trata somente de
assumir a Belíndia que há no Brasil e nos demais países em desenvolvimento, mas também
de reconhecer as diferenças culturais, que determinam diferentes concepções de engenharia e distintos impactos sobre a saúde.
Em síntese, pensar e formular sobre os impactos do saneamento na saúde não constitui
assunto de leigo e não deve ser objeto de perigosas generalizações. Ainda que as estatísticas
sobre essas relações possam ser convenientes
para conclamar a necessária prioridade que a
área merece, seja para disputar recursos ou até
para vender tubulações, há que se ter cautela e
rigor científico em suas formulações. Sob o risco de o “tiro sair pela culatra”. ■
Autarquia de saneamento ambiental,
uma solução possível
As ações de saneamento devem ser encaradas
como medidas de saúde pública
André Luis de Paula Marques P
ara entendermos melhor o
saneamento no Brasil faremos algumas considerações.
Atualmente os serviços de saneamento básico são atendidos
por uma diversidade de arranjos institucionais nos quais
convivem prestadores estaduais, municipais e privados.
Segundo a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental,
nos sistemas de água, as empresas estaduais são
responsáveis por 75% da população urbana, os
municipais por 22% e os privados por 3%, enquanto que nos sistemas de esgotos, as empresas estaduais operam em cerca de 14% dos municípios, e os municípios são responsáveis pelo
restante e no manejo de resíduos sólidos os serviços são prestados em 88% pelas prefeituras e
11% por empresas privadas.
O setor de saneamento está há mais de 15
anos sem regulamentação e por isso atinge li-
Engenheiro. Mestre e Doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP. Diretor Técnico do Serviço Autô-
nomo de Águas e Esgotos de Guaratinguetá - SAAEG
6 – Saneas / agosto 2005
Ponto de Vista
mites críticos, mas, finalmente está em discussão no Brasil o Projeto de Lei nº 5296/2005
apresentado em 16 de maio de 2005 que possui
como objetivos: Diretrizes para os serviços de
saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico.
Devido a esta falta de priorização do setor,
está estimada em torno de R$ 170 bilhões, a
necessidade de investimentos para universalizar o saneamento nos próximos 20 anos, segundo a Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental, do Ministério das Cidades.
Estas necessidades estão estimadas na seguinte divisão: a região Sul necessita de 19%
desse montante; o Sudeste, 38%; a região Nordeste 24% dos recursos; a Norte de 10% e a
Centro-Oeste de 9%.
Ou seja, a necessidade de recursos para a
universalização dos serviços de abastecimento
de água, a coleta e o tratamento de esgotos, assim como a coleta e tratamento de lixo é muito
maior que os recursos investidos no setor.
Esta falta de regulamentação e de investimentos em saneamento refletem justamente no
momento em que as concessionárias prestadoras destes serviços vêem os seus contratos chegarem ao fim e inicia-se a discussão da renovação dos novos contratos pelos municípios.
A política de saneamento deve partir do
pressuposto de que o município tem autonomia e competência para organizar, regular,
controlar e promover a realização dos serviços
de saneamento de natureza local, no âmbito de
seu território, podendo fazê-lo diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, associado com outros municípios ou não, respeitando as condições gerais estabelecidas na legislação nacional sobre o assunto.
No âmbito do Serviço Nacional de Saneamento Ambiental, autarquia é uma entidade
com personalidade jurídica de direito público,
criada por lei específica, com patrimônio próprio, atribuições públicas específicas e capacidade de auto administrar-se, sob controle estadual ou municipal.
No município, a Autarquia Municipal de
Águas e Esgotos é considerada uma das grandes empresas nas cidades onde estão implantadas; tanto em faturamento como na geração
de empregos diretos e indiretos e ainda assume um papel de implantação de políticas públicas, atuação responsável, de educação ambiental e do uso racional da água e também
possui um papel no âmbito da responsabilidade social.
Uma Autarquia se bem administrada, sem
grande interferência política, com um planejamento estruturado, consegue prestar serviços
de qualidade com valores tarifários muito inferiores a companhias estaduais. A sua capacidade de investimento é menor, mas mesmo assim
os indicadores mostram importantes conquistas no setor.
Outra importante vantagem é a capacidade
de retorno ou resposta rápida em relação aos
anseios da população, principalmente devido a
uma menor estrutura.
A área de saneamento tem interface com as
de saúde pública, desenvolvimento urbano, habitação, meio ambiente, resíduos urbanos e recursos hídricos, dentre outras.
Desta forma com o crescimento dos problemas administrativos no município surgiu também a idéia de uma nova forma da gestão dos
resíduos sólidos.
A questão do lixo deixou de ser preocupação apenas dos grandes centros urbanos. Com
o crescimento das cidades o problema se agravou, atingindo também o interior do país. A
contaminação do meio ambiente gera riscos,
cada vez maiores, à própria população geradora do lixo.
Surge então a possibilidade da construção
de uma Gestão Integrada das Águas, Esgotos e
Resíduos Sólidos no município, ou seja, a criação de uma Autarquia de Saneamento Ambiental.
Isto permite o uso de uma estrutura já existente e eficiente na Autarquia administrativa e
financeira.
O primeiro grande obstáculo, para implantação de um sistema é a forma de cobrança da
taxa de lixo, pois hoje a base de cálculo utilizada é feita por m2 de área construída do imóvel. Muito se tem discutido sobre a cobrança
da taxa de lixo, de forma que seja justa, ou seja,
pagar por aquilo que cada um gerou. Relacionar a geração de lixo com o consumo é uma
possibilidade real e possível.
A conjugação de esforços dos diversos organismos que atuam nessas áreas oferece um
grande potencial para a melhoria da qualidade
de vida da população.
A articulação e integração institucional se
constituem em um importante mecanismo
para uma política pública de saneamento, uma
vez que permite compatibilizar e racionalizar a
execução de diversas ações, planos e projetos,
ampliando a eficiência, efetividade e eficácia
dos serviços prestados à população. ■
Saneas / agosto 2005 – 7
MEIO AMBIENTE
O Desenvolvimento Sustentável e a Paz
Trabalho pelo Desenvolvimento Sustentável recebe
Prêmio Nobel da Paz pela primeira vez
Getúlio Martins T
Getúlio Martins
odos os povos têm sonhos
em comum, que dependem de uma série de fatores,
como religião, localização
geográfica, história e lutas. A
felicidade, a paz e ser respeitado, por exemplo, são desejos
de todos.
A história de cada etnia, no
entanto, imprime, pela dor,
na maioria das vezes, padrões
éticos diferentes. Esse é o
primeiro obstáculo para se
chegar à verdadeira paz universal, a falta de uma ética
universal. A começar pelo
entendimento da verdade. Fernando Pessoa
ilustra bem o que se quer dizer: “Encontrei
hoje em ruas, separadamente, dois amigos
meus que haviam se zangado um com o outro.
Cada um me contou a narrativa de porque se
haviam zangado. Cada um me disse a verdade.
Cada um me contou as suas razões. Ambos
tinham razão. Não era que um via uma coisa e
outro outra, ou que um via um lado das coisas
e outro via um lado diferente. Não. Cada um
via as coisas exatamente como se havia passado, cada um via com um critério idêntico ao
do outro, mas cada um via uma coisa diferente,
e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso dessa dupla existência da verdade”.
A paz a que se refere aqui, não é somente a
ausência de guerra, mas a paz mental, social,
econômica, espiritual, familiar e ambiental, ou
seja, todas as dimensões da paz.
Ao se conceder o Prêmio Nobel da Paz à
Wangari Maathai, uma bióloga e veterinária do
Quênia, em 2004, a dimensão Ambiental foi
trazida para o foco das atenções. Isso porque
a plataforma de luta da vencedora, nesse ano,
foi a mobilização de mulheres, durante trinta
anos, para o plantio de 30 milhões de árvores,
por meio da criação da ONG “Green Belt Moviment”. Essa organização desenvolve também
outras atividades, que ajudaram a justificar
a premiação, como educação, planejamento
familiar, nutrição e luta contra a corrupção,
combinando, assim, ciência com ações política
e social 1.
O Prêmio Nobel da Paz existe desde 1901.
O primeiro ganhador foi o fundador da Cruz
Vermelha Internacional. Na seqüência foram
laureadas pessoas ou instituições que se destacaram no trabalho humanitário, no controle de armas e desarmamentos, ou em movimentos pela paz, como advogados dos direitos
humanos e mediadores de conflitos internacionais. Pela primeira vez uma mulher africana foi
premiada. Só isso já significou uma quebra de
paradigma. Mas, o que chamou mais a atenção
do mundo, foi a justificativa da premiação: trabalho destacado pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia e pela paz.
Isso deu à premiação de 2004 um significado muito importante para o setor Ambiental
que, na visão cartesiana e fragmentada da ciência clássica, não tinha nada a ver com a Cultura
de Paz, ou pelo menos nunca tinha justificado
um prêmio desse.
Nos últimos 300 anos a ciência e a tecnologia possibilitaram o nascimento da indústria,
que causou um impacto enorme nos costumes, pelo aumento da produção de bens, em
geral, e em especial de alimentos. As conseqüências foram imediatas: crescimento exponencial da população e migração para as cidades com todas as suas conseqüências boas e
ruins. Em todos os setores produtivos o que
se buscou, nesse período, foi um crescimento
sem limites.
A partir do final da década de 1960, esse
modelo de crescimento ilimitado começou a
ser questionado. Montado sobre a exclusão de
dois terços da população mundial e pautado
pela competição feroz entre seus agentes, com
conseqüências desastrosas para os ecossistemas,
1 http://nobelprize.org/peace/laureates/2004/press.html
Físico e Engenheiro. Mestre e Doutor em Saúde Pública pela USP. Membro do Comitê Paulista para a
Década da Cultura de Paz, um programa da UNESCO. Secretário de Serviços Urbanos de Aparecida-SP
8 – Saneas / agosto 2005
Meio Ambiente
ele não garante a sustentação da totalidade da
população atual e muito menos das futuras.
A situação foi se agravando e a solução proposta foi o Desenvolvimento Sustentável. Conforme mencionado por Leonardo Boff, na edição de dezembro de 2004, desta Revista 2, essa
expressão encerra “oportunidades e também
equívocos perigosos”, mas, no entanto, tem
provocado reflexões e debates muito positivos
nos diversos setores da sociedade e representa
um dos fundamentos da Cultura de Paz expostos no Manifesto 2000 3.
Na teia da vida em que tudo está interligado,
esse Desenvolvimento de maneira Sustentável,
tão almejado, só será possível em um ambiente de Paz, porque ambos pressupõem as mesmas condições, como algumas relacionadas a
seguir:
• Respeito pela vida de todas as espécies. A
auto-estima é o primeiro passo para isso, já que
gostar da gente é fundamental para se gostar e
respeitar os outros.
• Rejeição a todas as formas de violência. Na
maioria das vezes, elas nem são percebidas, de
tanto que se repetem. Como lidar com elas é
que é o mais difícil. A forma encontrada por
grandes líderes, como Gandhi e Martin Luther
King, foi a prática da não violência ativa, que
significa não abrir mão dos seus direitos, de
maneira não violenta.
• Praticar a generosidade que “é o fundamento de toda socialização porque abre um espaço para o outro ser aceito como ele é. E, a
partir daí, podermos desfrutar sua companhia
na criação do mundo comum, que é o social”,
conforme Humberto Maturana 4.
• Exercício do diálogo, que afinal é a maneira mais eficiente de se resolver conflitos. A
condição para isso, entretanto, é ouvir a outra
parte para poder compreender as suas razões e
construir soluções alternativas em conjunto.
• Prática da solidariedade, contribuindo
com trabalho voluntário para o desenvolvi2 Boff Leonardo. Desenvolvimento e sustentabilidade em
contradição. In Saneas. AESABESP: São Paulo, dezembro
de 2004. ISSN 1806-4779. Pode ser consultada em:www.
aesabesp.com.br.
3 Elaborado pelos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz,
em 1998, por ocasião dos 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Pode ser encontrado em: www.comitepaz.org.br.
4 Diskin, Lia. Paz, como se faz?: semeando cultura de paz
nas escolas. Lia Diskin e Laura Gorresio Roizman. Rio de
Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro, UNESCO,
Associação Palas Athena, 2002.
mento comunitário.
• Comprometimento com
a preservação do planeta, cuidando dele como nossa casa,
agindo sempre em conformidade com a sua capacidade de
auto-recuperação.
Para que tudo isso aconteça, entretanto, é preciso uma
profunda revisão dos nossos
valores identificando o que realmente importa e dá sentido
para a nossa existência, provocando, com isso, mudanças
nos valores sociais. É importante lembrar que no convívio social, em todos os lugares, na família, na
empresa e na comunidade, só se consegue mudar a si mesmo, embora muitas vezes a vontade
seja mudar o outro.
Com isso resolvido, alguma coisa precisa ser
feita, porém conscientes de que não há receitas
acabadas, para cada situação. Como a semente,
a paz precisa ser espalhada por todos os cantos. Gandhi contava a história de um “Rei da
Índia que chamou todos os sábios do seu reino
para lhe explicar o significado da paz. Nenhum
conseguiu convencê-lo. A única pessoa que poderia esclarecer a questão era um velho de uma
aldeia distante, conforme garantiu um professor
muito importante do reino. O Rei, curioso, partiu de madrugada para a aldeia. Encontrou o
velho na cozinha da sua casa humilde, e foi logo
perguntando o que afinal significava a paz. O
velho pegou uma semente de trigo e entregou ao
Rei dizendo: tome, ela significa a paz. Sem entender, mas também muito orgulhoso para perguntar, o Rei guardou a semente em uma caixinha de ouro e foi embora. Todos os dias olhava a semente e nada acontecia. Um dia mandou
chamar o professor que tinha indicado o velho e
perguntou o significado daquilo tudo. Disse-lhe
o professor: esta semente, se for guardada, acaba apodrecendo, mas se for colocada em contato
com a terra, o ar, a água, produz outras sementes, campos de trigo e pode alimentar milhões de
pessoas. Assim é a paz. Se ficar guardada não
adianta nada. Mas se for repartida, se multiplica, produz frutos e alimenta a felicidade de milhões de pessoas”.
Por mais insignificante que possa parecer
reparta com os outros a paz que você alcançar.
Um bom dia ou um abraço, vale a pena fazer
alguma coisa. Wangari Maathai plantou muitas
árvores. Pode ser um bom começo. ■
Wangari
Maathai
bióloga e
veterinária
Queniana
que ganhou o
Prêmio Nobel
da Paz em 2004
Saneas / agosto 2005 – 9
ENTREVISTA
ARUNTHO SAVASTANO NETO
Lugar de lixo é…
A disposição adequada dos resíduos sólidos em boa
parte dos municípios paulistas é um dos grandes avanços
na área do saneamento. Mas para chegar nesse saldo
positivo foi preciso investir em parcerias e contar com o
apoio de gestores e da comunidade
O
s resíduos sólidos domiciliares, o lixo colocado
na lata diariamente, precisa
ter destino certo para evitar
uma lista extensa de problemas para a saúde. Nos últimos anos, campanhas de
educação ambiental deram
força extra para a redução da
quantidade de lixo transportada para os aterros sanitários. Além disso, o conceito
de Produção+Limpa tem
contribuído para a diminuição de resíduos na origem.
Aruntho Savastano Neto,
Apesar dos esforços, ainda
assistente executivo da Diretoria
existem toneladas de lixo
de Controle de Poluição Ambiental
que precisam ser despejada Cetesb
dos em algum lugar. O ideal é que isso esteja
bem longe dos olhos. Não por uma questão
de estética apenas, mas porque a proximidade
com este material traz prejuízos ao organismo.
Também não pode ficar junto a áreas protegidas, porque daí quem sofre é a natureza e, no
final desta cadeia, a população da região, seja
pela contaminação do solo seja pelos danos à
água. Mas como controlar isso? Há oito anos,
a Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo) criou ferramentas para colocar ordem na disposição dos
resíduos no Estado. Daí nasceu o “Inventário
Estadual de Resíduos Sólidos”, um relatório
que propõe notas aos municípios de acordo
com a disposição desse lixo e tenta, por meio
de ações punitivas, mas também programas
de apoio, encontrar soluções viáveis e um
destino seguro e ambientalmente responsável para todo esse material. Esta avaliação faz
parte do trabalho do engenheiro civil Aruntho Savastano Neto, assistente executivo da
Diretoria de Controle de Poluição Ambiental da Cetesb, que desde 2000 é um dos responsáveis pela edição do relatório. Formado
pela escola de engenharia de Lins (SP), Arun10 – Saneas / agosto 2005
tho sabe que ainda existe muito o que fazer
para dispor todo o lixo de maneira adequada
pelos mais de 600 municípios do estado. Mas
os resultados nos últimos oito anos foi pra lá
de positivo para uma melhor qualidade de
vida. Os caminhos para tornar isso possível e
os desafios para os próximos anos foi o tema
desta entrevista para Saneas.
Como se chegou a um retrato da disposição
dos resíduos sólidos no estado de São Paulo?
No início da década de 1990, não existiam valores padronizados que pudessem
servir de parâmetro ou de ferramenta de avaliação da situação em que se encontravam
os aterros sanitários (veja boxe). O primeiro
passo, então, foi chegar nesses dados. Sabemos de acordo com o tamanho do município
o quanto cada habitante gera de lixo. Existe
um valor padrão para isso. A partir disso,
aplicamos a taxa de geração de lixo sobre a
população e chegamos a um volume de resíduos sólidos estimado. Depois, nossos agentes visitam esses lugares e checam uma série
de quesitos, como onde este material está disposto, se existem pessoas morando próximas
etc. Cruzamos todos esses dados e chegamos
ao ‘índice de qualidade de aterros de resíduos’,
o IQR, que serve como um termômetro para
medir a situação da disposição de cada localidade. A primeira avaliação foi deita em 1997
e a última no ano passado, em 2004.
O que se percebeu nos últimos oito anos em
relação a disposição do lixo?
Em 1997, tínhamos 77,8% dos municípios do
estado coletando seus resíduos e dispondo no
solo de forma inadequada e apenas 4,2% estavam classificados como adequados. Esses números foram revertidos a medida que o estado
começou a usar o Inventário como ferramenta
de avaliação. A partir disso, foi possível buscar
soluções e formular políticas capazes de reduzir
este índice tão elevado de inadequação.
Entrevista
Como era possível quase 80% dos municípios
terem disposição inadequada?
Nos grandes municípios, como São Paulo,
Campinas, São José dos Campos, a disposição
era adequada ou controlada. E isso, na época, foi
uma constatação positiva. Entretanto, quando
levantamos os dados de todos os municípios,
a balança pendeu para o outro lado. A maioria
não dispunha seus resíduos corretamente, jogavam em local não adequado, formavam lixões de
forma aleatória, sem controle ou preocupação,
próximo de lençol freático. Existia lixo disposto
na margem de rios, sem qualquer tipo de preocupação do ponto de vista técnico ou sanitário. Isso
nos levou a uma ação intensa junto aos municípios: autuando, fiscalizando e provocando a assinatura de termos de ajustamento de conduta para
reverter essa situação. Mas não tivemos simplesmente uma ação punitiva. Desenvolvemos alguns
programas junto ao governo para auxiliar esses
lugares a alcançar uma situação melhor do ponto
de vista sanitário.
Quais programas que os municípios podem
recorrer para melhorar a situação sanitária de
seus aterros?
O Fundo de Recursos Hídricos (FEHIDRO)
é um deles. O prefeito solicita ao comitê de bacia
ao qual ele pertence verba para a resolução dessa
questão. Já foram liberados nesses últimos anos
cerca de R$ 13,95 milhões deste Fundo. Outro
programa é o de ‘aterro sanitário em valas’. Os
pequenos municípios, com até 25 mil habitantes,
geram um volume pequeno de resíduo também.
E a solução para a disposição adequada é fazer
o aterro sanitário em vala, que é menor, de mais
fácil operação e controle e por conseqüência
mais barato para implantar e operar. Por último,
um programa importante é o Fundo Estadual de
Controle e Prevenção da Poluição, através dele
já atendemos 565 municípios dos 645 do estado
de São Paulo. Foram gastos R$ 70 milhões para
a aquisição de caminhões e equipamentos para
a operação destes aterros sanitários. São municípios que até um ano e meio atrás coletavam
esse lixo com carroça de tração animal e hoje
contam com caminhão com compactador. O
que antes era feito em céu aberto, tracionado
por cavalo, no centro da cidade, hoje é feito em
caminhão e com a questão sanitária perfeitamente contemplada.
Quem está mais consciente sobre essas questões sanitárias: a sociedade ou o governo?
Acredito que os gestores estão mais conscien-
tes, mas a sociedade também tem uma parcela
de contribuição muito importante nisso. Ninguém quer um lixão, um depósito de lixo descontrolado perto de sua casa. Por menos favorecida que seja essa pessoa, por menos culta, o
lixo incomoda. Isso força o município a adotar
uma solução. Existem, por exemplo, algumas
regiões pobres em que as pessoas tiram valores
econômicos do lixo. São os catadores. É papel
da prefeitura ou da empresa concessionária não
permitir que as pessoas fiquem nesse local de
disposição do lixo. No quadro de notas, atribuídas no relatório, essa parte social corresponde
a 1/3 da nota. Então, adequar um aterro sanitário envolve também questões sociais. Ou seja,
o saneamento mexe com muitas esferas: econômica, política, ambiental e ainda social.
Em geral o município busca soluções a partir
do momento que é notificado ou existem atitudes espontâneas também?
Acontecem as duas coisas. Ninguém quer
seu município enquadrado numa situação
ruim. Muitas vezes essa situação ainda permanece por conta de algum problema recorrente
no município, como falta de recurso. E nossa
função é procurar ser parceiro. Só quando não
há reciprocidade, somos obrigados a multar,
interditar, adotar uma medida mais drástica.
Temos municípios que são exemplo, que são
nota 10?
Temos vários que são nota 10, mas ainda
temos aqueles que chegam próximos da nota
zero e são alvo da nossa ação quase diária.
Hoje, ainda temos quase 30% na situação
de inadequado. Existem municípios muito
pobres, onde não há condição de topografia,
hidrologia para o armazenamento. Não é o
caso de São Paulo, que dispõe seus resíduos
em dois grandes aterros sanitários, o Sitio
São João, na Zona Leste da cidade, e o aterro
Bandeirantes, que fica próximo a rodovia dos
Bandeirantes, em direção a Jundiaí. O município de São Paulo gera em torno de 12 mil
toneladas/dia de resíduos que são dispostos
meio a meio nesses dois aterros.
Qual o caminho trilhado pelos municípios que
são nota 10?
O caminho é simples. São lugares em que os
gestores se dedicaram a esta questão e se propuseram a resolvê-la. Muitos contaram com os
apoio dos programas que já citei para adotar
soluções como a escolha de uma área adequada
Saneas / agosto 2005 – 11
Entrevista
para implantar o seu aterro, montar uma estrutura. Alguns terceirizaram este trabalho, dispondo o lixo num aterro particular, licenciado,
controlado. As realidades são muito diversas.
Temos municípios pequenos, com muita área
disponível, adequados para disposição. Temos
outros que são pequenos e pobres e não têm
locais para isso, como municípios do litoral,
próximos da orla marítima. E temos municípios com poder aquisitivo e sem área, como
por exemplo São Caetano do Sul. Há muito
tempo, os resíduos de São Caetano são dispostos num aterro em Mauá, simplesmente porque
não existe área no território para implantar um
aterro. Isso é uma opção da prefeitura, a partir
da sua análise de custos.
situação em que todos os municípios tenham
nota acima de 8, ou pelo menos tenham superior a 6,1, que é considerado um aterro controlado. É claro que existem situações críticas,
mas muitos dos municípios com notas baixas
em 2004, estão alcançando condição adequada
para o próximo relatório.
E qual a conseqüência disso para a população?
Dá para sentir uma melhor condição de
vida, principalmente em relação a saúde, nas
comunidades. Existem vários municípios que
tinham o lixo jogado junto do ponto de captação de água para abastecimento e que hoje está
dispondo num aterro em vala, de uma forma
melhor, com mais controle. E isso reduz o risco
de doenças para aquela população. ■
Os avanços podem ser considerados positivos?
Sim, porque aconteceu uma evolução do
IQR médio do estado de São Paulo, nos últimos
dois anos. E o nosso objetivo é chegar numa
É possível baixar pela internet o arquivo completo do
Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Domiciliares, da Cetesb, pelo site www.cetesb.sp.gov.br
Entenda a metodologia
do índice de qualidade
dos aterros sanitários
A disposição final do lixo pode ser feita de três maneiras:
• Aterro de Resíduos – método de disposição dos resíduos sólidos urbanos no qual a idéia é reduzir o
material ao mínimo de volume. Depois, isso é coberto com uma camada de terra ou material inerte. É necessário prever permeabilização da base e
das laterais, sistemas de drenagem de chorume,
remoção segura e queima dos gases produzidos.
• Aterro de Resíduos em Valas – buraco onde se deposita o lixo, coberto manualmente, apenas com a
ajuda de um trator.
• Usinas de Compostagem – é um processo de decomposição biológica da matéria orgânica presente no lixo, por meio da ação de microorganismos existentes nos resíduos, em condições adequadas de aeração (processo de renovação do ar
de um ambiente; ventilação), umidade e temperatura. O resultado desse processo é o composto
orgânico. Uma tonelada de lixo doméstico rende
cerca de 500 kg de composto orgânico.
Os índices de qualidade podem variar de zero a
dez. Até seis o aterro é classificado como inadequado. De 6,1 a 8,0 é considerado controlado. Acima
de 8 o aterro passa a ser adequado.
12 – Saneas / agosto 2005
No alto, aterro sanitário do Município de Aparecida classificado
como Inadequado, em maio de 2005. E, na sequência, o mesmo
aterro classificado como Controlado, em julho.
OPINIÃO DE CAPA
MATÉRIA
Os avanços do saneamento
nas últimas décadas: histórias
que fazem a diferença
Mais saúde, maior conforto, melhor qualidade de vida. Os números mostram
que muito foi feito nos últimos tempos em relação ao saneamento básico
em São Paulo e em parte do país. Mais do que dados, Saneas pesquisou
exemplos do quanto ter ou não água ou rede de esgoto fazem diferença
não apenas nas estatísticas, mas na rotina de milhares de pessoas.
T
er água, todos os dias, ao abrir uma torneira é tão comum quanto comer, dormir
ou assistir a televisão. Cerca de 97,7% dos
municípios brasileiros contam com rede de
abastecimento de água, de acordo com dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas nem sempre foi assim. Foram
anos de investimento para que na maior ou
na mais remota cidade fosse possível ter água.
Para isso, foi preciso a formação cada vez mais
especializada de mão de obra para pensar em
tecnologias capazes de levar água para as grandes metrópoles ou para lugares longíquos. As
conseqüências disso passam pela saúde, pelo
lazer, pela urbanização e, mais atualmente, por
um quesito chamado educação ambiental.
O acesso à água de boa qualidade e em
quantidade adequada ajuda a evitar uma lista
extensa de doenças. Mostra disso pode ser
observada em dados recentes da Fundação
Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados),
que indicam uma redução no risco de morte
das crianças menores de um ano de idade no
estado de São Paulo: a menor taxa de mortalidade infantil das últimas décadas, com 14,25
óbitos infantis por mil nascidos vivos. Esse
resultado pra lá de positivo é conseqüência
da redução das mortes provocadas por doenças infecciosas e parasitárias – que respondiam por 15,6% dos óbitos infantis, em 1985,
Saneas / agosto 2005 – 13
Matéria de Capa
e passaram a 4,8%, em 2004 – e por doenças
do aparelho respiratório – cuja participação
diminuiu de 16,7% para 6,7%, neste período.
Mais recentemente, a diminuição das taxas de
mortalidade por causas perinatais (originadas no final da gestação e na primeira semana
de vida) também influenciaram essa tendência. Para os especialistas na área de saúde, os
números são reflexo de uma série de ações
de prevenção, como as campanhas de imunização, o acompanhamento da criança no primeiro ano de vida e o saneamento básico. Ter
água na torneira de casa e o esgoto longe dos
olhos – e não a céu aberto – é em parte responsável por esta queda. O professor Léo Heller,
do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da Universidade Federal de Minas
Gerais explica que a diarréia é responsável por
4,3% (62,5 milhões) do total de mortes entre
as crianças no mundo. E mais: estima-se que
88% desta carga de doenças causadas por
parasitas seja atribuída ao abastecimento de
água, esgotamento sanitário e higiene inadequados. “O impacto na saúde de se implantar
saneamento em regiões mais pobres é maior
do que quando se implanta para populações
mais favorecidas. No curto prazo, já se obser-
vam reduções importantes nos indicadores de
saúde e no longo prazo pode haver um efeito
multiplicador desses benefícios”, avalia Heller.
Água não tratada, a sua escassez, a ausência
de um sistema de esgoto, pode levar à transmissão de hepatite, amebíase, leptospirose,
febre tifóide, cólera, malária, dengue, salmonelose. “O saneamento acaba sendo uma intervenção no espaço e no ambiente que se destina
a prevenir doenças”, acredita Arlindo Philippi
Jr, coordenador científico do Nisam (Núcleo de
Informações em Saúde Ambiental da Universidade de São Paulo). “Se eu não coleto e consequentemente não trato o esgoto, acontece uma
sobrecarga no sistema de saúde. O doente, um
dia, volta porque a causa do problema, que é a
falta de saneamento básico, continua”, diz.
Estima-se que, a longo prazo, os valores
investidos em saneamento básico representem
economia significativa para o setor público,
especificamente os da saúde, previdência e educação. Isso porque menos pessoas ficam doentes, a demanda por remédios na rede pública
é reduzida, menos consultas e procedimentos
aliviam as agendas dos médicos, melhora a frequência e participação das crianças na escola,
reduz-se o absenteísmo no trabalho, principal-
A vida como ela é
A evolução do saneamento
no dia a dia das pessoas
N
Foto Fernando Zarur - Brasil Oeste
a Vila do Cardoso, cidade do
sertão baiano, as mulheres
cresceram acostumadas a carregar
latas pesadas de água na cabeça, as
gamelas – como esses depósitos são
conhecidos. Para lavar roupa o caminho certo era o rio mais próximo,
porque água encanada não existia
no lugar. “Eu carregava água um dia
e passava dois com dores nas costas”, conta uma senhora moradora
do vilarejo, que fica as margens da
BR-407 e que tem pouco mais de
mil habitantes. O verbo usado pela
moradora da pequena vila está no
passado porque desde o início do
ano 2000, as famílias do lugar têm
água em casa e o esgoto não corre
mais a céu aberto. Assim como Vila
Cardoso, os moradores das cidades
14 – Saneas / agosto 2005
de Gameleira, Jacunã, Piaus, Taquari e Lajinha, todos no interior da
Bahia, sentiram em suas vidas os
benefícios que o saneamento traz.
Este foi o tema da tese de doutorado
do engenheiro civil Silvio Roberto
Magalhães Orrico, doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Durante os
anos de 2001 e 2002, o engenheiro
baiano pesquisou e visitou as cidades do sertão nordestino. A idéia
de Silvio era mostrar os avanços do
saneamento não em grandes metrópoles, mas em lugarejos distantes,
onde é preciso começar do zero e
também onde é possível observar de
maneira clara o bem que a água faz
para as pessoas. Isso não apenas do
ponto de vista sanitário, mas também social. Os dados mostram parte deste retrato. As mulheres eram
as responsáveis por buscar a água
em reservatórios próximos. O tempo médio gasto nisso era de duas
horas e 20 minutos, por dia. Hoje,
Matéria de Capa
mente das mães. Além disso, o sistema previdenciário é menos solicitado, enfim são benefícios em série que fica até difícil mensurar o
seu valor. A tudo isso ainda deve-se acrescentar o equivalente às medidas saneadoras do
meio ambiente, que ao ser preservado, representa impacto significativo nas despesas operacionais das empresas de água e esgoto, pela
redução dos gastos com produtos químicos.
Essas medidas também fomentam o desenvolvimento do turismo e do lazer nos entornos
dos rios e lagos interiores, recuperação da atividade pesqueira com geração de renda e diminuição das migrações indesejadas.
Nas últimas décadas, por exemplo, foi por
meio da água que se conseguiu evitar ou reduzir a incidência de cáries em milhares de crianças. Isso aconteceu após uma medida bem
simples: fluoretação. Acrescentar flúor na água
se tornou fato comum a partir da década de
1980. Mas em 1953, a cidade de Baixo Gandu
(ES) passou a contar com a adição da substância na água. Foi a primeira experiência brasileira na área. E dez anos depois veio a constatação: uma redução de 62,3% no índice de
cáries em crianças de seis a 14 anos na cidade.
A cárie é uma doença de alta incidência e prebasta abrir a torneira. O consumo
médio de água saltou de 22 para 70
litros por habitante/dia. E a diarréia
infantil, um problema que minava
a saúde das crianças, foi de 11,55%
para 5,3% após a implantação do
sistema de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário. Além disso, muitas mulheres acreditam que
o maior benefício para a saúde foi o
fim da dor nas costas, causada pelos
anos seguidos de gamelas suportadas sobre a cabeça. “Nessas localidades, a coleta de água é tarefa da
mulher pois é parte do preparo da
comida e da limpeza da casa, mas
deixa a pessoa um tanto escrava de
uma rotina, que é quebrada apenas
quando ela precisa ir ao médico ou
levar algum filho ao posto de saúde
mais próximo”, conta Silvio Orrico.
E a água chegou – “Vai mudar
tudo, não quero nem pensar”. Essa
frase foi proferida por um morador
de um dos vilarejos pesquisado por
Conscientização ambiental
Q
uanto mais se destrói as
matas e quanto menor a
preocupação com os resíduos industriais e domésticos
jogados nos rios, mais poluída fica a água. O resultado é o
aumento no custo deste produto final –para transformar
água suja em potável. Nas últimas décadas o conceito de
desenvolvimento sustentável
e responsabilidade socioambiental vem crescendo tanto
na sociedade quanto no meio
corporativo. A educação ambiental ainda caminha a passos lentos, mas campanhas
de racionamento de água ou
reciclagem de lixo têm surtido efeito. As empresas, por
exemplo, têm adotado estratégias de ecoeficiência: ações
que consigam gerar produtos e serviços que reduzam
o consumo de recursos e
levem a uma menor geração
de poluição. Para as empresas, investir na preservação
ambiental – e a economia
de água passa por isso – está
deixando de ser apenas uma
opção. A sociedade e a legislação têm pressionado empresas a oferecer produtos
mais seguros, sem devastar
ou destruir matas e rios.
valência – apenas o resfriado e as doenças de
pele a superam. Hoje, sabe-se que a fluoretação permite uma diminuição em 60%, em
média, no seu aparecimento ao custo de R$ 1
Silvio Orrico. E mudou mesmo: o
dia a dia, o jeito de se viver. Mas o
caminho que a água precisou percorrer até chegar a Vila Cardoso, Jacunã ou Taquari se perdeu na burocracia e precisou ganhar força nos
programas de governo. Em 1983, o
governo do estado, por intermédio
da Companhia de Engenharia Rural da Bahia e com financiamento
do Banco alemão KFW, executou
um projeto para a implantação de
poços profundos e sistemas simplificados de abastecimento de água
(distribuição por chafariz) em municípios das regiões de Santa Maria da Vitória (região do Além São
Francisco), de Seabra e Caetité (região da Chapada Diamantina).
Esses sistemas foram repassados
para as associações comunitárias das
localidades, mediante compromisso
formal de operação e manutenção e
de responsabilidade de custeio. Por
problemas financeiros, os sistemas
se deterioraram.
Em 1994, teve início um trabalho de organizar pequenas localidades, com até mil habitantes
em associações. A adesão ao sistema era feita por meio de de uma
taxa e do compromisso formal de
pagar pela água consumida.
Atualmente, as associações
de moradores fazem muito mais
do que ajudar no gerenciamento
dos sistemas. A reunião dessas
pessoas levou a discussão sobre
maneiras de lidar com o lixo,
reciclagem de materiais e outros
problemas da comunidade, como
apoio ao pedido de aposentadoria rural, que é a grande renda
nesses locais. “As pessoas mais
velhas que moravam na cidade,
inclusive as que tinham ido fazer
a vida em São Paulo, e aposentadas por profissão, voltaram para
as suas localidades, após essas
mudanças. O valor dos imóveis
duplicou e não há mais casas
fechadas”, conta Silvio.
Saneas / agosto 2005 – 15
Matéria de Capa
Poluição das águas,
pesca e turismo
Foto Ricardo Zerrenner
Rio de Janeiro e São Paulo
Investimento em sistemas de esgoto
Sistema de esgoto e redução da poluição das águas: influência na pesca e no turismo
RIO – Durante a década de 1990,
na Baía da Guanabara uma série
de ações começaram a ser feitas
para reduzir a poluição no local,
que produzia seus estragos também no turismo, devido ao mau
cheiro que exalava de suas águas
e na queda da atividade pesqueira. A solução estava no investimento em ações de saneamento.
Foi assim que surgiu, em 1995,
o Programa de Despoluição da
Baía da Guanabara, um projeto
que envolve novos sistemas de
esgotamento sanitário não apenas na Baía, mas, principalmente nas bacias ligadas contribuintes. As ações foram financiadas
pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), pelo
Japan Bank International Coo-
16 – Saneas / agosto 2005
peration (JBIC) e pelo governo do
estado. Os recursos ultrapassam
os US$ 700 milhões. Além dessas obras, o programa prevê ações
na racionalização de água, melhoria na coleta de lixo, controle nas
inundações e mapeamento digital
da região.
O lugar ainda não está da
maneira como a população gostaria: com as águas límpidas e despoluídas porque muito ainda precisa ser feito. Para o professor Isaac
Volschan Jr, da Escola Politécnica
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, alguns passos importantes
foram dados para uma redução no
comprometimento ambiental dos
recursos hídricos. Em dezembro de
2000, várias estações de tratamentos foram concluídas e em 29 fave-
las da zona sul do Rio de Janeiro,
Ilha do Governador e Niterói estão
sendo executadas obras de esgotamento sanitário.
Até agora, no entanto, o Programa foi decisivo para o controle industrial na Bacia da Baía
da Guanabara. Sua existência teve
papel importante para pressionar
as indústrias da região a assumirem uma conduta ambiental mais
adequada. Os primeiros resultados
podem até ser pouco perceptíveis
aos olhos, mas já aconteceu, de fato,
uma redução nas cargas poluentes
industriais lançadas na Baía. Em
fevereiro de 2001, de um universo
de 455 empresas, 29% foram consideradas “sob controle”. Hoje, 60%
estão nesta condição. Melhor, das
155 empresas de maior potencial
poluidor, 95% se encontram “sob
controle”.
SÃO PAULO – Ao longo da história de algumas cidades litorâneas,
como as da Baixada Santista, também é possível observar o quanto o
saneamento avançou e trouxe efeitos pra lá de positivos. Em 1900,
as condições da cidade de Santos,
no litoral de São Paulo, não eram
boas. Não havia um sistema de esgotamento sanitário e a disposição final era feita em fossas sépticas. Por conta dessa situação, havia muitas epidemias de doenças,
como malária, febre tifóide, cólera
e febre amarela. Não existia água
tratada, nem canalização de esgoto
e por isso as doenças se disseminavam rapidamente.
Nessa mesma época, conceitos sobre saúde pública passaram
a ganhar força, no reboque dos
interesses econômicos. A cidade
de Santos abrigava um dos principais portos do país, mas por
conta das condições insalubres da
cidade, os navios passaram a não
mais querer atracar na região. Para
resolver a questão, foi chamado o
engenheiro sanitarista Saturnino
Matéria de Capa
Wing Over
de Brito. O projeto elaborado por
ele para a cidade de Santos previa
a construção de canais capazes
de escoar a água da chuva. Para
recolher o esgoto foram construídos interceptores ao longo da orla
da praia, onde havia um emissário que transportava esse material
para desaguar na Praia Grande.
Depois da execução deste projeto,
as enchentes na região foram reduzidas, assim como as epidemias.
“Foi o primeiro caso de melhoria no dia a dia das pessoas por
causa do saneamento”, conta Kátia
Simões Parente, engenheira química e mestre em saúde ambiental.
Para desenvolver sua tese de mestrado, Kátia pesquisou, de 2002 a
2004, as condições sanitárias das
praias dos municípios de Santos e
São Vicente.
Os canais de Santos foram concluídos em 1914. As melhores condições de vida levaram a um crescimento populacional. Só que isso
teve seu efeito colateral. Com o
passar dos anos, a construção desordenada e a ocupação dos morros
fizeram com que o emissário antigo
não desse mais conta do serviço.
Resultado: as águas das praias passaram a ficar altamente contaminadas. Em 1976, de acordo com dados
da Cetesb, as praias de Santos registraram três milhões de coliformes
fecais por 100 ml –o tolerável é um
mil. Havia, ainda, muitos problemas
de esgoto irregular que desaguavam
nos canais e praias, o que só piorava
essa situação. O excesso de turismo,
causado pela construção da rodovia dos Imigrantes (estrada que leva
São Paulo ao litoral) também contribuiu para isso porque a região
não tinha uma estrutura sanitária
para receber essas pessoas. “Se as
cidades do litoral norte não tomarem providências agora, vai acontecer este mesmo colapso nas águas
que ocorreu no litoral de Santos há
três décadas”, acredita a engenheira
Kátia Simões.
Praias boas para banho: resultado depende de projetos que invistam numa rede
de esgoto eficiente
O efeito da fama de praia poluída passou a ser devastador para
o turismo. Foi quando os gestores locais decidiram construir um
emissário submarino, concluído em
1980. A partir de então, a melhora
na qualidade da água foi sensível,
com a queda do número de coliformes fecais. Foi feito, ainda, um
mapeamento para acabar com
os esgotos ilegais. E, em 1990, os
canais de Santos foram fechados:
direcionados para um interceptor, que lança este material em um
emissário submarino. Antes, tudo
isso passa ainda por um pré-condicionamento e então é lançado em
alto mar. Atualmente, as praias de
Santos e São Vicente têm boa balneabilidade –na praia de Itararé, em
São Vicente, por exemplo, em 92%
do tempo, suas águas estão propicias ao banho. E o turismo está de
volta. “Este é um exemplo de como
as obras de saneamento interferem
de maneira positiva na qualidade de
vida e na economia da região”, conclui Kátia Simões.
Atualmente, na região, um programa de saneamento promete
evitar a poluição das águas dos
mangues e das praias devido ao
não tratamento e falta de coleta
de esgoto nas cidades litorâneas do litoral sul de São Paulo.
O programa, conhecido como
Sanba (Saneamento da Baixada
Santista), envolve a recuperação ambiental da região metropolitana da Baixada, num total
de nove municípios, como Bertioga, Praia Grande, Santos Peruíbe e Cubatão –os recursos são
do JBIC e da Sabesp. As obras
devem ficar prontas nos próximos quatro anos e envolvem
100% de coleta e tratamento de
esgoto e fornecimento de água
tratada para todos. No total, 2,5
milhões de pessoas serão beneficiadas, entre moradores e turistas –que terão uma melhora na
balneabilidade das praias. De
quebra, quem ganha é a natureza.
A conseqüência dessas ações é a
preservação da qualidade das
águas dos mananciais no entorno
e, claro, uma melhoria nas condições de saúde e qualidade de vida
como um todo.
Saneas / agosto 2005 – 17
Matéria de Capa
por habitante/ano, de acordo com a Fundação
Nacional da Saúde (FUNASA).
Água para todos – Neste sentido, parece que
empresas e gestores estão aprendendo a lição.
Atualmente, a região Sudeste se destaca como a
área com os melhores serviços de saneamento –
as regiões do Norte e Nordeste são as que apresentam os piores índices, sendo que no Nordeste, mais da metade dos municípios não contam
com rede de abastecimento de água e esgoto.
Dados do Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento (SNIS) mostram que aconteceu um aumento de 12,7% nas ligações de
água de 2000 a 2003, e a média de consumo
de água no país é de 141 litros por habitante
(dados de 2003). O número de estações de tratamento de água também aumentou. “Parte
destes resultados foram possíveis pela formação cada vez mais especializada dos profissionais, com cursos voltados para a área de saneamento e meio ambiente. Isso, com certeza, tem
influência na melhoria dos processos decisórios”, opina Arlindo Philippi Jr.
Os avanços nas últimas décadas marcaram
também a principal empresa de saneamento
do país, a Sabesp. Atualmente, a companhia
tem capacidade para atender da menor à maior
cidade do estado de São Paulo, onde atua. “Foi
expressiva a melhora na tecnologia. Além disso,
o atendimento mais do que duplicou”, conta
Wanderley da Silva Paganini, assistente execu-
Agricultura: o
valor da terra
H
á três anos no Brasil, a francesa Raphaèle Ducrot, Ph.D
em agronomia, coordena um
grupo de estudos na bacia Alto
Tietê, em São Paulo. Por lá, a
equipe internacional de pesquisadores trabalha no desenvolvimento de uma nova ferramenta
para auxiliar na negociação de
conflitos sobre água e ocupação
do solo na região. Eles integram
o Projeto Negowat, sigla de “Facilitating Negotiations over Water
Conflicts in Latin-Alerican Periurban Upstream Catchments: combining Multi-Agent Modelling
with Role Game Playing”. Na prá18 – Saneas / agosto 2005
tivo da diretoria de sistemas regionais da Sabesp.
As provas dessa evolução estão nos números: em
1994, 16,8 milhões de habitantes recebiam água
tratada da Sabesp e hoje são 22,3 milhões; com
coleta de esgoto eram 12,4 milhões atendidos e
em 2004 este número saltou para 18,2 milhões;
e em tratamento de esgoto eram 3,6 milhões e
hoje são 11,5 milhões de pessoas que têm seus
resíduos tratados. “Isso é uma evolução brutal”,
acredita Paganini. Para isso, foram investidos
nos últimos dez anos R$ 13,2 milhões, sendo
R$ 5,5 milhões em água e R$ 7,7 milhões em
esgoto. E a área de tecnologia faz parte destes
investimentos, com mais de 1200 sistemas em
operação de água. “Hoje existem estações de
tratamento que funcionam sem um operador.
É tudo automatizado e isso permite ter sistemas
de diferentes tamanhos”, finaliza.
Aproveitamento do material reciclável
– Em relação aos resíduos sólidos, atualmente
a destinação final adequada inclui, além do projeto de engenharia, programas de coleta seletiva
para geração de renda dos catadores, aumento
da vida útil do aterro sanitário e redução de custos da matéria prima para as indústrias.
Do lixo gerado nas cidades, estima-se que
possam ser aproveitados de 20% a 30% pela
coleta seletiva do material reciclável. São cerca
de 500 cooperativas de catadores no país que
se beneficiam dessa oportunidade de trabalho
e inclusão social. ■
tica, Raphaèle e sua equipe entram
em contato com a realidade de famílias que ocupam terras invadidas, de
áreas protegidas de mananciais ou
mesmo agricultores em busca de seu
ganha-pão. Na sua rotina, a francesa
consegue observar o quanto o valor
da terra sobe ou desce de acordo
com a presença ou não de saneamento. “Se a área não tem água tratada, o terreno perde valor econômico. E se o agricultor abandona sua
terra, porque não consegue seguir
com sua cultura, a chance do lugar
ser usado como loteamento irregular é grande”, acredita Raphaèle
Ducrot. Ela conta que a água muito
poluída, sem tratamento, dificulta a
irrigação por gotejamento –este tipo
de técnica é usada pelo baixo consumo de água e consequentemente
de custo para o agricultor. Buscar
outra água, como em poços ou
mudar o tipo de cultura, que não
precise de tanta irrigação, acaba
sendo um fator limitante. O agricultor, conta Raphaèle, sabe que
usar água poluída pode afetar o
marketing do produto. A última
opção é abandonar tudo por falta
de estrutura. “Muitas dessas famílias que vivem da terra têm suas
raízes nisso e deixar suas culturas
de lado e migrar para a cidade
é uma decisão difícil para eles”,
conta. Por outro lado, a pesquisadora francesa observa que quando
há a existência do saneamento, os
rios são menos poluídos, a água
chega límpida e daí tudo funciona
melhor. “Eles confiam na água
tratada”, resume.
OPINIÃOTÉCNICO
ARTIGO
Uso e conservação de energia em
uma estação de tratamento de água
José Francisco de Carvalho Pedro Teixeira Lacava N
a Sabesp a energia elétrica é
a segunda maior despesa da
empresa [1] e reduzi-la é possível,
já que consumos excessivos de
energia elétrica estão presentes
nos mais diversos setores. Vale
ressaltar que as alternativas visando o uso racional e eficiente
de energia elétrica geralmente
apresentam valores e tempos de
retorno menores que quando
comparados aos das diversas formas de produção de energia [11].
José Francisco de Carvalho
Para o setor elétrico, o uso racional diminui a necessidade de expansão do
parque instalado, postergando grandes investimentos necessários ao atendimento do mercado consumidor, uma vez que o custo médio da
energia conservada é estimado em 0,024 US$/
kWh, frente ao custo marginal de expansão do
setor elétrico, situado entre 0,047 e 0,100 US$/
kWh [11].
OBJETIVO
O foco deste trabalho é chamar a atenção
para o uso racional de energia no processo de
tratamento de água, intervindo junto às instalações consumidoras, tornando o uso racional uma alternativa para solução do problema
de fornecimento em curto prazo. No caso da
ETA Porto Novo o tratamento de água depende quase que exclusivamente de energia elétrica para ser executado. E com o crescente consumo de água e energia elétrica, frente a reduzidos investimentos no setor elétrico, e da
preocupação cada vez maior com as questões
ambientais, é que este trabalho pretende apresentar sua contribuição sobre o gerenciamen-
to energético da estação de tratamento de água
- ETA Porto Novo, de forma a contribuir para
redução no consumo de energia elétrica e no
desembolso financeiro, aumentando a capacidade de carga para algumas ampliações no sistema, servindo de fonte de consulta para melhorias em instalações existentes e parâmetro
para outras a serem instaladas.
POSICIONAMENTO
DO CASO ESTUDADO
Gestão da energia elétrica
A ETA Porto Novo iniciou as atividades em
1998, e neste período ocorreram diversos ajustes dos equipamentos instalados e revisões na
disciplina operacional. Somando-se a isto, a
evolução do conhecimento do processo produtivo e a otimização do uso dos equipamentos ao longo das horas do dia e das épocas do
ano, contribuíram para uma melhor definição
da demanda contratada. Contudo, apesar da
melhor definição com o amadurecimento da
operação da ETA, ocorreram ao longo desses
anos diversas ultrapassagens dos valores da demanda elétrica contratada. Foram formalizadas junto à concessionária local várias alterações dos valores de demanda no contrato, alterando-as em função de históricos registrados
e de novas condições operacionais, obtendose redução dessa parcela da fatura. Por outro
lado, há um aumento gradativo do consumo
de energia elétrica, principalmente devido ao
crescimento do número de novas ligações de
água, o que obriga a um acompanhamento da
demanda contratada. Outra ação que refletiu
positivamente na redução da demanda contratada foi a chamada modulação da curva de carga, ou seja, no deslocamento de algumas cargas
Engenheiro Civil pela Universidade de Taubaté. Especialista em Engenharia de Saneamento pela
Faculdade de Saúde Pública (USP)
Engenheiro Mecânico pela UNESP de Guaratinguetá. Mestre em Ciências Espaciais do INPE. Doutor
em Engenharia Aeronáutica e Mecânica pelo ITA e Prof. Adjunto do ITA.
Saneas / agosto 2005 – 19
Artigos Técnicos
elétricas do horário de ponta, sem prejudicar a
operação do sistema e reduzindo-se a demanda e o consumo de energia elétrica neste segmento horário [2].
Um exemplo de como a modulação de carga
é importante para redução no valor da fatura é
a não lavagem dos filtros durante o horário de
ponta (17:30 às 20:30 hs). Para lavagem de um
filtro qualquer, é acionado o soprador de ar (75
kW) operando isoladamente durante um minuto. No segundo minuto aciona-se uma das
bombas de retrolavagem (50 kW) e, no terceiro minuto, desliga-se o soprador e aciona-se a
segunda bomba de retrolavagem de filtro, permanecendo ambas acionadas por mais 10 minutos. Mesmo definido que a lavagem dos filtros está impedida no horário de ponta, esta
operação só é executada após o desligamento
de um conjunto de bombeamento da distribuição de água à Caraguatatuba, desabilitando uma carga elétrica de 150 kW durante esta
operação, reduzindo-se desta forma a demanda nos segmentos horários de ponta e fora de
ponta. Para se ter idéia, o custo da demanda
de energia elétrica representou no mês de maio
de 2003 41,7% no valor total da fatura da ETA
Porto Novo, sem considerar os impostos que
incidem.
Partindo-se do princípio que a ETA Porto
Novo opera e distribui água 24 horas por dia e
não possui reservação de água suficiente para
desligar o bombeamento da distribuição no
período de ponta, a simulação com aplicação
das tarifas dos sistemas Horo-sazonais Azul e
Verde, aos valores de consumo e demanda de
um mês aleatório maio/03, aponta que a tarifa
Azul é mais econômica para as mesmas condições operacionais, obtendo os resultados da
Tabela 1. A tarifação Horo-sazonal Verde pode
ser vantajosa se grandes cargas fossem desligadas no horário de ponta, onde a tarifa de consumo tem maior impacto.
A conferência das faturas também tem papel preponderante, pois os sistemas informatizados das concessionárias são alimentados
por registros coletados da memória de massa
dos chamados analisadores de energia, capazes
de medir continuamente as grandezas elétricas
de interesse, fornecendo registros a cada intervalo de tempo específico. Esta coleta de dados,
executada pelos funcionários da concessionária de energia, até a impressão nas faturas pode
apresentar erros. No entanto, desde meados
de 2000, já era rotina a conferência de todos
os lançamentos nas faturas de energia elétrica,
20 – Saneas / agosto 2005
sendo eventualmente encontrados valores faturados diferentes dos registrados ou dos contratados, constantes multiplicativas diferentes das
do registrador, etc., resultando em devoluções
das faturas à concessionária para correção.
Fator de potência
Os aparelhos elétricos indutivos tais como
motores e transformadores, comuns no caso
estudado, necessitam de energia reativa para
formação de campos magnéticos ocorrendo
neste caso uma defasagem entre a tensão e a
corrente de um ângulo ϕ [3] [5].
Para sua operação, as cargas indutivas requerem
dois tipos de potência:
•
•
Potência reativa (kVAr)
Potência ativa (kW)
O fator de potência é a comparação entre a
energia ativa e a energia total requerida pelo
motor (energia aparente), indicando a eficiência
com que o motor usa a energia, sendo um item
freqüente no desembolso financeiro com energia elétrica nos primeiros anos de operação da
ETA Porto Novo. O parâmetro co-seno ϕ indica qual porcentagem da potência total fornecida (kVA) é efetivamente utilizada como potência ativa (kW), mostrando o grau de eficiência
do uso dos sistemas elétricos, sendo que valores altos, próximos de 1, indicam uso eficiente
da energia elétrica, enquanto valores baixos evidenciam seu mau aproveitamento [6]. E quando
o valor mínimo padronizado, ou seja, 0,92, aplicado ao consumidor pelas concessionárias, não
é atingido, é cobrado um ajuste em função da
energia ativa consumida e da demanda registrada no mês, conforme determinação do DNAEE
[7]. Exemplificando, para alimentação de uma
carga que requer 100 kW com fator de potência
0,75 são necessários 133,33 kVA.
sendo Pa = potência ativa e
Pap = potência aparente
Pa = 100kW cosϕ = 0,75 Pap = ?
Como: cosϕ = Pa/Pap 0,75 = 100/Pap
Portanto: Pap = 100/0,75 Pap = 133,33 kVA
Agora, para alimentação da mesma carga com fator de potência 0,92 são necessários
108,70 kVA representando uma economia de
18,5% no fornecimento de kVA.
Pa = 100kW cosϕ = 0,92 Pap = ?
Como: cosϕ = Pa/Pap 0,92 = 100/Pap
Portanto: Pap = 100/0,92 Pap = 108,70 kVA
Artigos Técnicos
TABELA 1 – Simulação do sistema tarifário
Valores registrados em faturas
(mês referência: maio/03)
Grupo tarifário (R$)
HS-Azul
HS-Verde
Cons. Pta
35.330 kWh
5.614,18
25.404,60
Cons. f. pta
345.232 kWh
26.087,46
26.087,46
Dem. Pta
700 kW
19.971,00
7.657,00
Dem. f. pta
700 kW
6.657,00
6.657,00
58.329,64
64.806,06
TOTAL
TABELA 2 – Fator de potência x potência do transformador
Potência útil
absorvida (kW)
1000
Fator de
potência
Potência do
transformador (kVA)
0,5
2000
0,8
1250
1,0
1000
Este raciocínio pode ser aplicado para reduzir desperdícios nos gastos com energia elétrica, vê-se que melhorando o fator de potência
reduz-se a potência reativa à medida que a Pap
se aproxima de Pa.
A ocorrência dessa energia reativa em circuitos elétricos sobrecarrega as instalações
ocupando uma capacidade de condução de
corrente que poderia ser mais bem aproveitada
realizando trabalho útil e no caso da ETA Porto Novo significa aumento na capacidade de
carga instalada por um maior tempo, sem que
seja necessária a substituição de equipamentos
e cabos elétricos lá instalados [5]. A Tabela 2
mostra a potência total que deve ter o transformador para atender uma carga útil de 1000 kW
para fatores de potência crescentes.
A ETA Porto Novo por possuir vários transformadores, com a melhora do fator de potência reduz-se a potência aparente da instalação,
conseqüentemente a corrente elétrica e as perdas por efeito Joule. E com isto redução nas
despesas com faturamento por consumo de
energia elétrica.
No caso dessa ETA, para melhorar o fator de
potência utilizaram-se bancos de capacitores e
entre as várias alternativas, foram instalados
junto às cargas. Esta alternativa reduz as perdas energéticas em toda a instalação, diminui
a carga nos circuitos alimentadores, melhora
o nível de tensão da instalação, utiliza o mesmo acionamento para carga e capacitor e gera
reativos somente onde é necessário [5]. Os capacitores de pequena potência podem ter custo maior que os capacitores concentrados de
maior potência, e pouca utilização no caso do
equipamento não ser de uso constante.
Perdas nos transformadores
Transformadores são equipamentos destinados a transportar energia elétrica em corrente alternada de um circuito elétrico para outro,
sem alterar o valor da freqüência. Quase sempre essa transferência se dá com mudança de
valores da tensão e da corrente [8].
Suas perdas se dão no núcleo magnético (fixas), desde que ligado à rede elétrica, e nos enrolamentos (variáveis) devido à circulação da corrente elétrica pelo condutor, em forma de calor.
Obtém-se redução destas perdas através de
medidas de conservação de energia, ou seja,
com a elevação do fator de potência nas correntes das cargas, reduzindo assim a componente indutiva da corrente e também com a
distribuição adequada das cargas alimentadas
pelo transformador.
No caso da ETA Porto Novo há vários transformadores e, conseqüentemente, perdas consideráveis através desses equipamentos. No início da operação das estações de tratamento de
água e de bombeamento de água tratada, operavam dois transformadores com potência de
750 kVA em cada estação, com funcionamento
simultâneo e as cargas distribuídas entre eles.
Saneas / agosto 2005 – 21
Artigos Técnicos
TABELA 3
Perdas nos núcleos dos transformadores da ETA Porto Novo
Local
Pot. do
Transf. (kVA)
Quant.
Perda unit.
(kW)
Perda total
(kW)
112,5
1
0,52
0,52
est. bombeam.
750
1
1,5
1,5
est. Tratamento
750
1
1,5
1,5
est. Tratamento
50
5
0,26
(adotado)
1,3
Cab. Primária
Total:
4,82
TABELA 4
Medições de corrente (Amperes) nas fases dos transformadores de 50 kVA,
identificadas por R, S, T, efetuado em 29/12/04
Fases
Transf. 1
Transf. 2
Transf. 3
Transf. 4
Transf. 5
R
7,3
45
55
1,5
0,3
S
7,3
47
13
6,5
0,3
T
2
37,5
35
7
0,2
Após análise e constatação de que esses
transformadores estavam trabalhando com pequenas cargas, essas foram transferidas para
um só transformador, em cada estação, ficando
o segundo transformador como reserva. Com
isto reduziram-se perdas no ferro (fixas), pois
conforme citadas anteriormente estas perdas
independem da carga, melhorando o fator de
potência da instalação.
Posteriormente, na estação de tratamento
de água, foram medidas as correntes em cada
fase do transformador de 750 kVA com carga,
obtendo-se 169, 159 e 164 A, frente a corrente
nominal de 984,2 A (especificação do fabricante); portanto, com muita folga ainda.
Os transformadores na ETA Porto Novo estão assim distribuídos:
• um de 112,5 kVA na cabine primária para
alimentação da iluminação externa, portaria e oficina de manutenção;
• dois de 750 kVA na estação de bombeamento de água tratada (um reserva);
• dois de 750 kVA no prédio da estação de tratamento de água (um reserva);
• cinco de 50 kVA também no prédio da estação de tratamento de água, distribuídos na
alimentação de vários circuitos (iluminação,
tomadas de uso geral, chuveiros, condicionadores de ar, etc.).
22 – Saneas / agosto 2005
Na ETA Porto Novo, os transformadores
apresentam as seguintes perdas relacionadas
na Tabela 3, de acordo com a ABNT.
No mês de março de 2004, com 744 horas
de operação, estas perdas representaram: 4,82
(kW).744 (horas) = 3.586,08 kWh equivalendo a 0,9 % de toda energia consumida na ETA
neste mês.
Com a melhor otimização dos transformadores de 50 kVA, é possível obter redução nas
perdas pela transferência de cargas de vários
transformadores para um ou dois transformadores. Já que todos estão com pequenas cargas
e a distância entre eles não é demasiadamente grande, a ponto de provocar queda de tensão na alimentação dos circuitos. É possível o
desligamento de alguns transformadores, pois
a corrente nominal de fase em cada um deles
(especificação do fabricante) é de 164 A e de
acordo com medições efetuadas em cada um
deles, existe muita folga (Tabela 4). Além disso, a redução do número desses transformadores melhora o fator de potência da instalação, e
reduz também a necessidade de manutenção a
estes equipamentos.
Abaixo as cargas típicas ligadas aos transformadores:
T1 – tomadas de uso geral, ar condicionado;
T2 – ar condicionado, chuveiros;
T3 – iluminação, tomadas de uso geral, ar condicionado;
Artigos Técnicos
T4 – iluminação interna;
T5 – iluminação interna.
Do exposto, pode-se afirmar que as perdas
totais desses transformadores (Tabela 3), equivalem ao funcionamento de 321 lâmpadas fluorescentes econômicas de 15 W, e somente os
transformadores de 50 kVA, a 86 lâmpadas.
CONCLUSÕES
O esforço desse trabalho foi apontar e qualificar o uso de energia elétrica em algumas fases do processo de tratamento e distribuição de
água, em particular na Estação de Tratamento
de Água – ETA Porto Novo, pertencente à Companhia de Saneamento Ambiental - Sabesp, com
sede no município de Caraguatatuba – SP.
Foi possível identificar a existência de perdas
através da verificação de equipamentos mal dimensionados ou operando de forma inadequada, além de vícios operacionais. A otimização
dos transformadores instalados na ETA Porto
Novo, é um bom exemplo de obtenção de eficiência energética.
Também como visto, a gestão adequada
dos parâmetros contratuais com a concessionária de energia obtém-se redução no desembolso financeiro e acaba por retardar ou
minimizar aditivos contratuais para compra
de energia.
Com ações que busquem eficiência energética, além dos ganhos econômicos, contribui para a preservação do meio ambiente, na
mesma linha de ação do Programa Nacional de
Conservação de Energia Elétrica (PROCEL)
que vem desenvolvendo uma consciência conservacionista nas concessionárias de energia
elétrica, tanto que realizou estudos concluindo que o aumento da eficiência energética terá
até 2010 contribuído para evitar a emissão de
cerca de 230 milhões de toneladas de carbono
na atmosfera, representando 29% das emissões
totais de gases responsáveis pelo efeito estufa
do Setor Elétrico Nacional.
As políticas conservacionistas do PROCEL
asseguram resultados concretos da racionalização, como exemplo tem-se [9]:
• 1 W conservado evita a inundação de 0,6 m2
• 1 kWh de consumo equivale a 50 m3 de água
que passa nas turbinas
• 1 árvore precisa de 4 m2 de área
• 1 W custa US$ 3
Tomando o exemplo da substituição de uma
simples lâmpada incandescente de 60 W por
uma fluorescente compacta de 9 W, tem-se:
60 – 9 = 51 W, ou seja:
• 51 x 0,6 m2 = 30 m2 de área que deixa de ser
inundada
• 30 m2 / 4 = 7,5
(permite o plantio de 7 árvores)
51 x 3 dólares = US$ 153 que deixam de ser
investidos na instalação de uma potência equivalente, no caso de hidrelétrica.
Por fim, não se espera que as informações
contidas aqui encerrem as discussões e sejam
definitivas, muito pelo contrário, espera-se que
elas semeiem novas discussões sobre conservação de energia nos processo de tratamento de
água e em outros processos. ■
REFERÊNCIAS
1. TSUTIYA, M. T. Redução do Custo de Energia
Elétrica em Sistemas de Abastecimento de Água.
São Paulo: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2001. 185 p.
2. Resenha de Mercado. Disponível em: http://
www.eletrobras.gov.br/br/pecono.htm. Dez.1997 .
Acesso em 19 jan. 2004.
3. AGÊNCIA PARA CONSERVAÇÃO DE ENERGIA; BANDEIRANTE ENERGIA. Uso Racional de
Energia Elétrica. São Paulo, 2000. 35 p.
4. PERETO, A.S. Análise dos Manuais do Procel-Eficiência Energética nos Sistemas de Saneamento. In: ENCONTRO TÉCNICO AESABESP,
set.1999, São Paulo. Anais... São Paulo: Galego,
1999. p.234-241.
5. SHOEPS, C. A. Conservação de energia elétrica
na indústria: faça você mesmo. 2.ed. Rio de Janeiro:
CNI, COASE; Brasília: Secretaria de Ciências e Tecnologia, 1993. 2 v., il.
6. SIEMENS. Banco Automático de Capacitores
para correção do Fator de Potência – Diretrizes Técnicas. [S.l., 200_].
7. CODI. Manual de orientação aos consumidores
sobre a nova legislação para faturamento de energia
reativa excedente. Rio de Janeiro, 1995.
8. POLEZI, Ricardo et al. Otimização e reduçào
de gastos com uso racional de energia elétrica na
Estação de Tratamento de esgoto São Miguel. In:
ENCONTRO TÉCNICO AESABESP, set. 1999, São
Paulo. Anais... São Paulo: Galego, 1999. p.248-264.
9. CELESC. Energia Elétrica e Meio-Ambiente.
Disponível em: http://proeficiencia.celesc.com.br/
index.php?novasessao=11. Acesso em 24 jan. 2005.
Saneas / agosto 2005 – 23
ARTIGO TÉCNICO
P&D
A deterioração da qualidade das
águas continentais brasileiras: o
processo de eutrofização
Marcelo Luiz Martins Pompêo Sheila Cardoso da Silva e
Viviane Moschini-Carlos
Da esquerda para a direita: Marcelo, Sheila e Viviane
A
eutrofização é um dos mais graves problemas associado à redução da qualidade das
águas superficiais. A falta de ações e medidas
concretas no curto prazo visando conter e reduzir o processo de eutrofização contribuirá
para o agravamento da deterioração da qualidade das águas, em particular na região metropolitana das grandes cidades brasileiras.
Sem políticas públicas eficazes, programas
de educação ambiental e a participação de
toda sociedade em fóruns de discussões e decisões, não é possível atingir metas de melhoria da qualidade de vida e restaurar a qualidade
das águas dos rios Tietê, Pinheiros e represas
Billings e Guarapiranga. É imprescindível que
o poder público aplique os instrumentos legais
disponíveis e que a continuidade de projetos e
ações de melhoria do meio ambiente seja garantida (Kakinami et al., 2004).
Causas da eutrofização
O processo de eutrofização é caracterizado pelo aporte excessivo, permanente e contínuo de nutrientes, em lagos, reservatórios,
rios, estuários e ecossistemas marinhos costeiros. Pode ocorrer de maneira natural, pelo envelhecimento do lago, em geral no período de
milhares de anos, decorrente do aporte de nutrientes da chuva e águas superficiais. A problemática está relacionada à aceleração da eu-
trofização pelo crescimento populacional, urbanização e industrialização crescentes e também ao uso de fertilizantes (Goldman e Horne,
1983; Henderson-Sellers e Markland, 1987).
Em geral, a chave do processo de eutrofização está relacionada com a disponibilidade de
nutrientes, particularmente nitrogênio e fósforo, essenciais para o crescimento vegetal e
considerados a principal causa desse processo
(Henderson-Sellers e Markland, 1987; Smith et
al., 1999). Outros fatores, como a luz, temperatura, turbidez, regime de fluxo da água e substâncias tóxicas, também são importantes (Leaf
e Chatterjee, 1999).
Conseqüências da eutrofização
A eutrofização não se resume ao enriquecimento por nitrogênio e fósforo. Provoca profundas alterações em todo o sistema, afetando
as comunidades biológicas e os ciclos biogeoquímicos (Moss, 1998a).
Partindo-se de uma condição ultra-oligotrófica à hipereutrófica, podem ocorrer as seguintes mudanças no corpo d’água (HendersonSellers e Markland, 1987; Vezjak et al., 1998;
Smith et al., 1999): aumento da biomassa ocorre particularmente na comunidade dos produtores, em menor grau nos produtores secundários - em ambos os casos há diminuição na riqueza de espécies; diminuição na concentração
de oxigênio no hipolímnio, devido à decomposição bacteriana da matéria orgânica; aumento
da concentração de nutrientes e do material sólido em suspensão, especialmente matéria orgânica, nestas circunstâncias, a decomposição
anaeróbia e a redução de compostos de ferro
provocam odor de enxofre; progressão de uma
população de diatomáceas para cianobactérias
e clorofíceas; diminuição da penetração de luz;
liberação de toxinas por cianobactérias – as to-
USP, IB, Depto de Ecologia, R. do Matão, Travessa 14, 321, São Paulo, SP, Brasil, 05508-900,
[email protected]
24 – Saneas / agosto 2005
Artigos Técnicos
xinas podem causar reações alérgicas e irritações na pele e problemas gastro intestinais nos
animais e no homem; mudanças na produtividade, biomassa e composição de espécie; perda dos aspectos estéticos da água como cor e
odor; problemas no tratamento da água como
a filtração; danos à saúde; alterações no pH e
redução na concentração de CO2; aumento
da mortandade e na composição de peixes no
ecossistema.
Outros problemas associados à eutrofização
são: os peixes e o zooplâncton podem ser substituídos por espécies mais tolerantes às condições limitantes ou desaparecerem (Esteves,
1988b); o excessivo crescimento de macrófitas
aquáticas pode prejudicar o uso recreativo da
água e causar problemas de navegação, corrosão e entupimento de turbinas (Azevedo-Netto, 1988); ambientes com elevada carga orgânica, descartes sólidos e presença de macrófitas aquáticas propiciam a criação de mosquitos
transmissores de doenças (Natal et al., 2004);
as altas concentrações de nitrato podem levar
à formação de compostos como nitrosaminas,
que são carcinogênicos (Henderson-Sellers e
Markland, 1987).
É importante ressaltar que o aporte controlado de nutrientes, eleva a produtividade, refletindo no aumento de peixes pelo conseqüente
aumento do alimento. Além disso a multiplicação de algas impede o crescimento de algumas
bactérias patogênicas (Azevedo-Netto, 1988).
Determinação do estado trófico
Os corpos d’água podem ser classificados em
eutróficos, mesotróficos e oligotróficos, muito,
medianamente e pouco produtivos, respectivamente. Os termos ultra-oligotrófico (produtividade muito pequena) e hipereutrófico (avançado estágio de eutrofização) também são empregados como limites inferior e superior, respectivamente. A tipificação do estado trófico
de um corpo d’água é realizado pela análise de
critérios, como a concentração de oxigênio dissolvido, a análise da composição da fauna ou
do fitoplâncton, a concentração de nutrientes,
entre outros (Carlson, 1977; Cetesb, 2003).
O índice de estado trófico (IET) de Carlson (1977), fundamentado nas concentrações de fósforo total, clorofila a e disco de
Secchi, é muito utilizado. Este índice, modificado por Toledo et al. (1983), ajustado com
base em estudos realizados em reservatórios
tropicais, é adotado pela CETESB, sendo utilizados os seguintes critérios para enquadrar
o corpo de água em determinado estado trófico (Cetesb, 2003):
Oligotrófico: IET ≤ 44 - Corpos de água limpos, de baixa produtividade, em que não ocorrem interferências indesejáveis sobre os usos
da água.
Mesotrófico: 44 > IET ≤ 54 - Corpos de água com
produtividade intermediária, com possíveis implicações sobre a qualidade da água, mas em níveis aceitáveis, na maioria dos casos.
Eutrófico: 54 > IET ≤ 74 - Corpos de água com
alta produtividade em relação às condições naturais, de baixa transparência, em geral afetados por atividades antrópicas, em que ocorrem
alterações indesejáveis na qualidade da água e
interferências nos seus múltiplos usos.
Hipereutrófico: IET > 74 - Corpos de água afetados significativamente pelas elevadas concentrações de matéria orgânica e nutriente, com acentuado comprometimento nos seus usos, podendo inclusive estarem associados a episódios de
florações de algas e de mortandade de peixes e
causar conseqüências indesejáveis sobre as atividades pecuárias nas regiões ribeirinhas.
Apesar de muito utilizado para inferir aspectos de qualidade da água, o IET é apenas
um indicador de trofia, devendo ser aplicado
com cautela. O pesquisador deverá considerar a dinâmica temporal e espacial das variáveis físicas, químicas e biológicas do ecossistema avaliado e os aspectos regionais de cada
bacia (Mercante e Tucci-Moura, 1999; Esteves,
1988a).
Sua utilização para a classificação trófica
de reservatórios, muitas vezes é inapropriada,
pois estes apresentam características únicas,
não presentes em lagos naturais, tais como o
variável e reduzido tempo de residência, a elevada turbidez não algal, os gradientes longitudinais e não lineares de relevantes variáveis limnológicas (Lind et al., 1990).
Controle da eutrofização nos corpos
d’água lacustres
A poluição difusa é um agregado de entradas ao longo de toda bacia hidrográfica, apresentando variabilidade espacial e relação aos
usos do solo (León et al., 2001). Apenas disciplinando os usos e ocupação do solo, será possível reduzir o aporte de nutrientes pelas fontes
Saneas / agosto 2005 – 25
Artigos Técnicos
difusas. Diferentemente, as fontes pontuais são
facilmente identificadas e quantificadas, permitindo a aplicação de métodos de tratamento
dos efluentes domésticos e industriais para remoção das cargas de nitrogênio e fósforo.
Para o controle da eutrofização artificial é
necessário tratar as causas do problema e não
apenas os sintomas (Vallentyne, 1978; Moss,
1998b). Tratar os sintomas é uma medida de
baixo custo no curto prazo. Analisando no
longo prazo, a remoção das causas, limitando o estoque de nutrientes, resolve o problema e torna-se economicamente viável (Moss,
1998a). Há exemplos de recuperação de ambientes eutrofizados, como o lago Maggiore na
Itália, onde ocorreu uma diminuição de 67%
no aporte de fósforo (Smith et al., 1999).
O estoque de nutrientes pode ser limitado
pela redução do consumo de fertilizantes agrícolas, de detergentes com fósforo em sua composição e eliminação dos aditivos fosfóricos
presentes nos alimentos (Forsberg, 1998). Os
compostos de nitrogênio são muito solúveis,
podendo entrar na água por fontes não pontuais e pelo suprimento atmosférico através
dos organismos fixadores de nitrogênio (Moss,
1998a). A remoção de nitrogênio pode ocorrer por métodos biológicos, mediante processos naturais microbiológicos do ciclo do nitrogênio. Os processos físicos e químicos são mais
dispendiosos.
O reservatório Billings: um ecossistema
eutrofizado
O reservatório Billings localiza-se a oeste da cidade de São Paulo, abrangendo áreas
dos municípios de São Paulo, Santo André, São
Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires
e Rio Grande da Serra. Sua bacia de drenagem
apresenta 560 km2, cerca de 120 km2 de espelho d´água e um volume estimado em 1,20x109
m3. Idealizado pelo engenheiro americano Asa
Billings em 1927, visou aproveitar as águas do
Alto Tietê para gerar energia elétrica. Pode receber as águas da bacia do rio Tietê através da
estação de recalque de Pedreira, situada no rio
Pinheiros, seguindo através da barragem reguladora do canal das Pedras (Summit Control)
e aduzidas para a Hidrelétrica Henry Borden
(Cetesb, 1996, 2002; Emae, 2002).
Em 1981, o reservatório foi secionado junto
à Via Anchieta pela construção da Barragem
Anchieta, resultando nos compartimentos Pedreira e Rio Grande. Visou preservar a qualidade da água no braço Rio Grande, local de
26 – Saneas / agosto 2005
captação de água para abastecimento público,
de cerca de 1,2 milhões de habitantes (Emae,
2002).
A partir de 1992 a Resolução Conjunta
SMA/SES n° 3, de 04/09/92 disciplinou o aporte das águas poluídas provenientes dos rios Pinheiros e Tietê lançado no compartimento Pedreira. O bombeamento das águas do rio Pinheiros é permitido nas seguintes situações
de emergência (Kakinami et al., 2004): quando houver aumento da vazão do rio Tietê, no
ponto de sua confluência com o rio Pinheiros, próximo ao Cebolão, igual ou superior a
160 m3/s, ou previsão de enchentes na região
metropolitana de São Paulo; queda da cota de
água a níveis insuficientes para assegurar o fornecimento de energia elétrica em situações de
emergência pela Usina Henry Borden; formação de espumas no rio Tiete, depois da barragem Edgard de Souza, que venham extravasar
o espelho d´água; proliferação de algas nos rios
e reservatórios da região metropolitana de São
Paulo e Médio Tietê, que comprometa a qualidade do abastecimento público; ocorrência de
intrusão salina ou queda do nível, na bacia do
rio Cubatão, comprometendo o funcionamento das indústrias que usam suas águas no processo industrial. Esta Resolução define que o
controle de enchentes, nas bacias do Alto Tietê
é prioritário em relação a qualquer outro uso
da água (Kakinami et al., op cit.).
De 1992 a 1995, observou-se ligeira intensificação da ocupação na região, em especial entre os braços Pedra Branca e Taquacetuba e à
margem direita do braço Alvarenga (Cetesb,
2002). A região atualmente caracteriza-se por
grandes contrastes, associando chácaras de recreio com favelas e loteamentos irregulares e
clandestinos.
A CETESB monitora bimestralmente o grau
de eutrofização dos corpos de água pertencentes à sua rede de monitoramento, a partir das
concentrações de fósforo total e clorofila a. São
52 pontos distribuídos entre 17 rios e 16 reservatórios do Estado de São Paulo, sendo quatro
pontos no reservatório Billings (Tab. 1). Apesar
da melhoria da qualidade da água verificada
após a aplicação da Resolução SMA/SES, o IET
médio calculado sugere que a represa Billings
apresenta condições eutróficas. A elevada concentração de fósforo total pode ser atribuída,
em grande parte, ao aporte de esgoto doméstico (Cetesb, 2003).
A polêmica construção do Rodoanel tem
a potencialidade de contribuir com a degra-
Artigos Técnicos
TABELA 1 – Índice do estado trófico (IET) em no reservatório Billings (Cetesb, 2003).
Estações
IET (Clorofila a)
IET (fósforo total)
Corpo central – Bororé
66
58
Corpo central - Ponte da Rodovia dos Imigrantes
63
56
Braço do Taquacetuba – Transposição
68
61
Braço Rio Grande - captação da SABESP
61
53
dação ambiental da região da represa Billings, seja pela ampliação do quadro de ocupação
desordenada das áreas adjacentes ao reservatório sem a devida infra-estrutura de saneamento (Kakinami et al., 2004), pela ampliação das
áreas desmatadas, agravando o processo de eutrofização na represa, particularmente na região de captação de água pela SABESP, no braço Rio Grande.
Considerações finais
O rio Pinheiros há muito tempo é utilizado como diluente de esgotos. Atualmente na
sua bacia habitam cerca de 6 milhões de pessoas, produzindo 280 ton/dia de esgotos. Visando tratar estes esgotos está sendo implantado o
Projeto Tietê. Na primeira etapa de tratamento, apenas 30% será coletado e tratado. O tratamento de 100% dos esgotos coletados, da ordem de 90%, deverá ocorrer na segunda parte do Projeto, iniciado em julho de 2000, reduzindo em 77% a carga de esgoto lançado no
rio (Kakinami et al., 2004; Miguel et al., 2004).
Assim, a qualidade das águas do rio Pinheiro
deverá ser paulatinamente melhorada, no entanto, mantendo o rio na Classe 4 (Magalhães,
1992 apud Kakinami et al., op cit.), segundo os
critérios estabelecidos pela Resolução Conama 357/2005. Caso as águas dos rios Pinheiros
e Tietê apresentassem qualidade referente às
Classes Especial, 1 e 2, de usos mais nobres, poderia ser ampliada a oferta de água para abastecimento público, retirada diretamente desses
rios, além de ser repassada à represa Billings
e gerar energia na potência máxima da Usina
Henry Borden, em torno de 887 MW, que na
atualidade gera cerca de 140 MW (Kakinami
et al., 2004).
Na última década um grande número de
pesque pagues surgiram no Brasil. Este sistema de cultivo intensivo de peixes utiliza fertilizantes para enriquecimento artificial. Seus
efluentes enriquecidos com nutrientes e lançados diretamente no corpo de água agravam o
processo de eutrofização. A estimativa de nitrogênio e fósforo liberados pelas fazendas de
criação de salmão em gaiolas na Suécia, para
o ano de 1994, foi da ordem de 1900 e 15600
toneladas, respectivamente, representando o
equivalente lançado por uma população de 1,7
milhões de habitantes para o fósforo e 3,9 milhões de habitantes para o nitrogênio (Folke et
al., 1994). Desta forma, o efeito nocivo potencial dos pesque pague contribuindo para a redução da qualidade da água e elevação do grau
de trofia deve ser considerado.
O exemplo positivo de melhoria na qualidade da água da represa Billings, ocorrido após o
término do lançamento das águas poluídas dos
rios Tietê e Pinheiros em 1992, demonstrou a
força da mobilização popular e que os técnicos
e políticos não estão avessos à tomada de decisões positivas ao meio ambiente. No entanto,
deve-se ressaltar que o término do lançamento
das águas desses rios é uma medida emergencial e paliativa. O problema de redução da qualidade da água na represa Billings continua, associado ao lançamento de esgotos diretamente
no corpo d´água (Cetesb, 2003).
Os investimentos públicos aplicados à coleta e tratamento dos esgotos são muito exíguos
no Brasil. Não há previsão no curto prazo de
ocorrer alteração no perfil de investimento dos
estados e municípios visando à coleta e tratamento de 100% dos esgotos gerados. Da mesma forma, é necessário aplicar um plano de
gestão da bacia hidrográfica, disciplinando o
uso e a ocupação dos espaços, visando reduzir a carga pontual de nutrientes lançados nos
corpos d´água. Do contrário, espera-se agravamento do processo de eutrofização com elevação no grau de trofia dos ambientes já eutrofizados e ampliação da proporção das massas
de água que passarão de mesotróficas a eutróficas e de oligotróficas a mesotróficas, reduzindo
a oferta de água de qualidade e ampliando os
custos de tratamento da água para múltiplas finalidades, com ônus para toda sociedade.
Saneas / agosto 2005 – 27
Artigos Técnicos
Agradecimentos
A Fapesp (02/13376-4, Projeto Billings) e
Fundación Mapfre (sucursal Brasil).
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ARTIGO TÉCNICO
OPINIÃO
A importância da gestão de riscos
operacionais para a prevenção de
sinistros no saneamento básico
Ana Maria Ribeiro O
sinistro pode ser definido como sendo resultado
de um acidente causado por
falhas operacionais, humanas
ou tecnológicas, que associados ao meio físico, biótico e
antrópico causam danos dos
mais diversificados. São muitas as consequências decorrentes dos sinistros, além de
danos ao sistema, podem causar lesões e até perdas de vidas humanas.
A ausência de infra-estrutura adequada em
áreas de risco exacerba os problemas de saneamento básico, induz a ocorrência de sinistros e
a degradação dos solos.
Com a universalização do acesso aos serviços públicos, as concessionárias dos serviços
públicos são obrigadas a atender a todo tipo de
localidade, independente se há infra-estrutura
adequada ou não.
Locais de maior frequência de sinistros
Os sinistros mais freqüentes ocorrem em locais onde as edificações são construídas abaixo
do nível do leito carroçável, onde os alicerces e
fundações são praticamente inexistentes ou inadequados, e as moradias ficam bastante vulneráveis às ações externas.
O quadro fica ainda mais crítico quando ocorrem em áreas de risco, pois são regiões que sofreram desmatamentos, retirada e
uso de materiais minerais, mudanças de curso
de água, ocupação de várzeas e encostas, queimadas, produção e distribuição inadequada de
lixo, poluição atmosférica, são os principais fatores que induzem os processos de destruição.
Os sinistros em áreas de risco
As ações antrópicas causam erosões no solo
e com isso os escorregamentos, que por sua vez,
provocam movimentos nas redes de água, le-
vando a rupturas, deslocamentos de caps, ancoragens, e como conseqüência ocorrem os vazamentos e até mesmo grandes arrebentados. Esses
danos causados nas redes, associados à pressão
da água e ao volume decorrente, potencializam
uma situação de risco iminente do meio físico e
dão seqüência a uma cadeia de ações, gerando os
sinistros. Redes assentadas do lado adjacente à
crista do talude e próximas às construções provocam danos imediatos nas construções.
Os escorregamentos estão correlacionados com as características gerais da região tais
como: relevo, tipo de solo, vegetação, tipo de
habitação, índices pluviométricos, densidade
populacional, nível do lençol freático. Essas características determinam os processos que podem provocar a ocorrência de acidentes.
Grande parte dos escorregamentos acontecem em períodos de chuvas intensas, quando
o solo se encontra saturado e mais propenso a
desestabilizações.
Muitos desses problemas podem ser solucionados por técnicas adequadas para contenção de encostas mas, além disso, pela ação coordenada entre o poder público e a comunidade local, para a conservação da cobertura vegetal das encostas e um correto sistema de coleta
e deposição final de resíduos sólidos.
A gestão de riscos operacionais
e os sinistros
A gestão de Riscos Operacionais é uma importante ferramenta para a redução de ocorrências de sinistros e cada vez mais vem sendo incorporado à Estratégia Corporativa das
Companhias de Saneamento Básico, principalmente em decorrência dos riscos que podem
representar inúmeras perdas, além de comprometer a imagem – o que acaba por direcionar o
foco de seus gestores para a criação de competências gerenciais voltadas para a gestão de riscos operacionais.
Engenheira. Mestranda do IPT. É coordenadora da Área de Riscos e Sinistros - SABESP
Saneas / agosto 2005 – 29
Artigos Técnicos
Existem algumas abordagens importantes a
serem feitas e que merecem especial destaque
como fatores negativos na ocorrência de acidentes:
a- Altos custos indenizatórios e assistenciais;
b- Comprometimento da imagem das concessionárias;
c- O crescente número de ações judiciais dos
usuários pelos danos provocados por acidentes de concessionárias.
d- Prejuízos ao abastecimento e perdas de faturamento – lucro cessante;
e- Alto custo de reposição e conserto dos sistemas;
f- Perdas reais e aparentes;
g- Riscos de mortes.
Como se pode notar, o risco operacional
é um dos maiores causadores da má reputação das concessionárias. Além disso, o cenário é muito dinâmico, a Gestão de Riscos deve
acompanhar as mudanças, ou seja, é fundamental ter soluções rápidas, através de um gerenciamento apropriado, em que os gestores ficam informados sobre as vulnerabilidades.
A Gestão de Riscos em Sinistros visa ordenar as ações da prestação de serviços de distribuição de água e coleta de esgotos, de forma
a aumentar a segurança operacional e, como
conseqüência, reduzir custos indenizatórios.
Essa ordenação vai desde um boa manutenção
e operação dos equipamentos com a constante
mudança de tecnologias, até no cumprimento
de normas e especificações e a otimizações de
recursos financeiros e humanos necessários.
Fazer a gestão significa manejar as ferramentas existentes de forma adequada e eficiente. Ou seja, precisa-se ter uma visão holística mais apurada. É preciso ir do entorno para
dentro da situação. Fazer a gestão é ter uma visão do todo, ter a visão do processo organizacional a que o tema está inserido e como este se
relaciona com o restante. Ou seja, o importante
é fazer a Gestão em todos os seus aspectos.
MÉTODOS
Gestão de riscos operacionais
Para se fazer uma Gestão é preciso ter uma
visão sistêmica e dessa forma propõe-se um
método de trabalho, que está bem voltado para
o gerenciamento dos riscos que geram as falhas
e os sinistros:
a- Fazer um levantamento de ocorrências de
sinistros dos dez últimos anos, consideran30 – Saneas / agosto 2005
do: materiais e idade das redes, diâmetros
das redes, tipo de solos, etc;
b- Análise e diagnóstico dos pontos vulneráveis, considerando as condições intrínsecas
e extrínsecas;
c- Mapear áreas de riscos, relacionando o meio
físico (qualidade das água superficiais e subterrâneas, clima e condições metereológicas, geomorfologia do solo), o meio biótico
(ecossistemas aquáticos, terrestres e de transição) e finalmente o meio antrópico ( infraestrutura, tipos de construções, densidade
demográfica, condições econômicas, etc).
d- Fazer a automação dos dados obtidos para o
SIG – Sistemas de Informações Geográficas.
e- Fazer os cruzamentos de informações dos
dados obtidos;
f- Classificar os sinistros de acordo com a magnitude dos danos e severidade;
g- Criar tabela de riscos – grau de riscos;
h- Propor ações visando uma política de gestão
dos riscos operacionais;
i- Analisar e avaliar os resultados;
j- Ter um Planto de Atendimento de Emergência (PAE).
Prevenção de sinistros
Dentro da filosofia de prevenção de acidentes, no que diz respeito aos sinistros, pode-se
concluir que:
a- Todo sinistro é um acidente que pode ser evitado
Ao se estabelecer a somatória de contribuições, intrínseco ou extrínseco, o que se percebe
é que os fatores indutores estão em constante
evolução. Não é fatídico, mas decorre de uma
seqüência de acontecimentos que se inter-relacionam entre si com base no tripé: pessoas, tecnologia e processos.
b- Os sinistros não resultam de uma causa isolada
O sinistro é o resultado de uma seqüência de
eventos, uma combinação dinâmica de falhas
que induzem outras e que se unem fortalecendo-se para um único processo, e atuam como
contribuintes ou agentes potencializadores que,
se considerados de forma isolados, podem não
ter importância, mas ao se agruparem se fortalecem e em algum momento podem provocar um
acidente inevitável, em que o processo se torna
irreversível. Os produtos são gerados a partir de
processos, que têm seus componentes, e se houver uma falha num dos componentes, este poderá ser contribuinte pra gerar um efeito a um
outro componente anterior ou posterior, que
Artigos Técnicos
em cadeia poderá provocar o caos.
c- Todo sinistro tem um precedente
Nenhum sinistro é original uma vez que, ao
se comparar uma ocorrência recente com outras anteriores, é possível se estabelecer alguma
relação por meio de semelhança de fatores contribuintes, ou seja, no processo de formação do
sinistro. A elaboração de propostas de medidas
preventivas deve verificar as semelhanças para
desenvolver planos de ação, de forma a impedir ou interromper a formação de seqüência de
eventos.
d- A prevenção de sinistros está inserida dentro
da GRO gestão de riscos operacionais e requer
a implantação de sistematização corporativa
A prevenção de sinistros deve ser baseada
em diversos segmentos da ciência, por meio de
conceitos e técnicas desenvolvidas com fundamentos multidisciplinares.
Os Sistemas de Informações Geográficas
(SIG) são ferramentas capazes de armazenar,
manipular e analisar conjuntamente um grande volume de dados espaciais e não-espaciais
e que, em função de suas facilidades, vêm destacando-se no processo de planejamento das
ações. O SIG vai ao encontro das necessidades
da gestão dos riscos para a redução de possíveis
sinistros, pois auxilia enormemente na prevenção e correção de problemas, além de propiciar outros benefícios ao longo do tempo. Mas,
considerando uma variedade de ferramentas
quantitativas e qualitativas.
e- Riscos e sinistros são faces da mesma moeda
O risco está sempre presente, ou seja, o sinistro é um risco materializado e para prevenir
sinistros é preciso antes de mais nada um comprometimento institucional, um aculturamento geral da instituição. É necessário que todos,
sem distinção, tenham consciência da importância, estejam integrados com esforços conjuntos. O gerenciamento de riscos está diretamente relacionado à segurança, que deve fazer
parte de qualquer atividade, até porque os riscos são gerados a cada momento, em diversos
níveis de atuação ou em qualquer área. E todos
devem ser igualmente responsáveis pelas atividades que lhe competem dentro de cada processo, sem distinção.
f- A alta administração é a principal responsável pelas medidas de segurança operacional
De modo geral, todos somos responsáveis
pelas ações preventivas, porém é inerente à alta
administração a responsabilidade pela conservação dos recursos técnicos, uma vez que detêm do poder de decisão, de onde vem a provisão de verbas necessárias para o desenvolvimento sustentável das atividades. Logo, conclui-se que, se não houver um apoio da alta direção num programa de prevenção de riscos
operacionais, não haverá êxito.
g- Punições a funcionários são contrárias aos
interesses de prevenção de sinistros
As avaliações ou investigações para descobrir as falhas ou responsabilidade pela ocorrência de sinistros devem ter como propósito,
exclusivamente, a sua prevenção. Punições são
inerentes a ações políticas e jurídicas, exercidas por quem de direito, que visam proteger a
sociedade. As ações corretivas no que se refere
às pessoas devem se restringir aos treinamentos, adequação e atualização de procedimentos
que venham a melhora o desempenho de forma positiva. Ou seja, a punição por falha humana pode ser injusta, e deixar de considerar a “causa” do erro que pode ser a real responsabilidade. O que acaba por escapar o foco
principal. Por exemplo, no processo de distribuição de água, em que se tem o maior número de ocorrência de sinistros, os profissionais
responsáveis pela manutenção e operação estão no final da seqüência de ações e atividades,
e, muitas vezes, acabam por receber ou falhas
(construtivas, de projetos, operacionais, etc) já
cometidas por outros em épocas anteriores. É
necessário que haja uma clareza da culpa, para
se conceituar uma punição.
Atendimento e processamento de sinistros
A tabela abaixo mostra os principais passos
do atendimento e processamento de sinistros
Resultados esperados
Como os métodos estão associados à redução de falhas com baixos níveis de tolerância,
promove a eficiência operacional e dentro de
um contexto da visão desenvolvida pelas companhias de saneamento básico, espera-se por
resultados nos seguintes aspectos principais:
• Ter bases organizacionais padronizadas,
em que os riscos sejam solucionados por
funcionários da concessionária, comprometidas com a filosofia da gestão de riscos,
de forma integra, fazendo uso de valores
éticos.
• Definição de normas e procedimentos que
Saneas / agosto 2005 – 31
Artigos Técnicos
•
•
•
•
•
dêem suporte e se alinhem com a missão, visão e valores.
Ter classificados e padronizados os riscos
específicos e que possam ser separados entre riscos e oportunidades, em que as oportunidades sejam direcionadas de forma positiva ao gerenciamento de riscos.
Avaliar os riscos, em que se considere sua probabilidade e impacto, como plataforma para a
determinação de estudos de gerenciamento.
Ter tratamento de riscos, solucionar situações diversas, ter planos de ações corretivas
e preventivas, alinhando riscos às tolerâncias sociais, financeiras e políticas.
Controlar por meio de políticas e ações integradas para assegurar que as ações estão
sendo eficientes quanto ao gerenciamento
de riscos.
Manter informações atualizadas relativas a
riscos em potencial e relevantes, fazendo a
captura e deixando de forma adequada com
periodicidade adequada que possibilitem as
Atividades
Vistoria Preliminar/
Avaliação da
Vulnerabilidade
Descrição da situação
Verificação quanto à responsabilidade
da concessionária
Risco visível de desabamentos / riscos à
integridade física dos moradores
Houve lesões e/ou mortes
Houve refluxo de esgotos no
estabelecimento do morador
Faz relatório fotográfico
Avaliações e Perícias
Faz testes, se necessário
Levantamento de danos materiais
Garantia de serviços
Montar dossiês
Montagem de dossiês de
indenização
Documentos de quem vai ser
indenizado
Documentos técnicos
Pagamento
Elaborar planilha de preços para a
indenização
Negociação
Parecer Jurídico
32 – Saneas / agosto 2005
•
•
•
•
pessoas a realizar suas atividades. É preciso
ter uma comunicação contínua e integrada
para garantir o fluxo de informações.
Monitorar a totalidade da gestão de riscos,
fazendo atualizações a alterações constantes
para promover a melhoria das atividades.
Ter critérios e regras para o processamento
administrativo de indenizações a usuários que
sofreram danos em decorrência de sinistros.
Ter planos de atendimento para situações de
emergência para ocorrência de sinistros antes, durante e após o acidente.
Ter informações on-line, priorizando ações.
Os estudos de riscos servem efetivamente
para dar suporte à tomada de decisões pela alta
direção da organização e à definição das melhores estratégias a serem utilizadas para dar
continuidade ao empreendimento, particularmente no que se refere à obtenção das licenças
ambientais, que tanta polêmica têm gerado nos
últimos tempos.
Recomendações
Aciona equipe para fazer avaliações e
levantamento de danos /Solicita Perícia Técnica de
profissional especializado e/ou consultor externo.
Aciona a Defesa Civil para a retirada dos
moradores, providencia obras de escoramento se
necessário.
Aciona Defesa Civil/Corpo de Bombeiros/
Assistente Social
Providencia limpeza e desinfecção
Fotografa o local onde houve a causa do acidente
a fim de verificar nexo-causal
Teste de gesso e/ou corante
Relaciona conteúdos, ou danos na edificação
(separar danos pré-existentes e danos decorrentes
do acidente), se houver
Verifica se houve intervenção (obras) no sistema e
se está na garantia
De preferência ter dossiês assemelhados, sendo
um técnico (interno) e os administrativos (de
acordo com o número de reclamantes)
Anexar documentos de propriedade, solicitação de
indenização, três orçamentos, contas de luz, água,
IPTU, além de documentos pessoais.
Anexar relatórios técnicos de vistoria, testes,
pareceres, anotações de campo, a fim de mostrar
a causa do acidente.
Comparar o menor orçamento do usuário
sinistrado ao orçamento proposto.
Comparar os serviços solicitados e os levantados
no campo a fim de ver as divergências e negociar.
Todo dossiê deve estar precedido de parecer
jurídico.
Artigos Técnicos
Vantagens
Dentre as principais vantagens da gestão de
riscos para reduzir sinistros, além de outros fatores associados cita-se:
• Contribuir diretamente para o alcance de
critérios do PNQ (Plano Nacional de Qualidade);
• Auxiliar na tomada de decisões;
• Melhorar a qualidades dos serviços;
• Melhorar a habilidade de alcançar objetivos
estratégicos;
• Combinar poder da boa aplicação de estatística com os elementos críticos da estratégia eficaz;
• Auxiliar na identificação de riscos operacionais por meio de mapeamentos adequados;
• Atuar na origem do problema e padronização de processos, em consequência das soluções adotadas;
• Minimizar falhas buscando a melhoria contínua do negócio;
• Identificar riscos críticos que resultam maiores perdas;
• Tornar as relações internas mais participativas em função do envolvimento direto das
pessoas.
• Permitir a descentralização de informações
e tomada de decisões, evitando sobrecarga
sobre quem está próximo do problema;
• Melhorar continuamente os processos e redução de custos;
• Aumentar a satisfação e credibilidade dos
usuários;
• Aumentar a credibilidade dos acionistas e
bancos gestores;
• Identificar e ter tratamento de indicadores
de riscos operacionais, atuando sobre a causa dos problemas detectados por processos.
• Criar valores intangíveis;
• Subsidiar priorização de investimentos na
alocação de capitais (medidas preventivas e
corretivas);
• Reduzir número de ocorrência de falhas,
que podem gerar sinistros.
• Dissimular cultura de gestão de riscos;
• Subsidiar cultura de políticas corporativas;
• Evitar surpresas, pois garante a identificação
e administração de riscos;
• Auxilia as companhias que precisam ter seus
relatórios altamente regulamentados.
CONCLUSÕES
A vulnerabilidade dos sistemas pode ser
avaliada pelas suas condições de contorno,
através das limitações físicas, operacionais e de
organização.
Os custos para reparo dos sistemas, associados aos assistenciais e indenizatórios são comprovadamente maiores comparados aos investimentos realizados em obras corretivas e preventivas. Na maioria das ocorrências é comum
que os custos assistenciais ultrapassem os indenizatórios.
Os riscos nos sistemas podem ser definidos como sendo a probabilidade da ocorrência de um acidente pela magnitude dos danos.
No caso dos sinistros, tudo acontece de forma
muito dinâmica, com reações em cadeia, em
que uma ação induz a uma outra e assim por
diante, até chegar a uma situação crítica.
Os sinistros ocorrem muitas vezes sem aviso, e quando ocorrem, não há tempo para planejamento, organização e treinamento.
Por essa razão, é preciso investir na segurança operacional, de forma integrada, em que sejam priorizadas ações que interliguem e associem os três principais pilares (pessoas, processos e tecnologia) de forma contínua.
O mapeamento de áreas de risco operacional pode ser uma importante ferramenta para
subsidiar as análises de riscos, além de ser um
instrumento para a avaliação, análise e controle de sinistros. Facilita os processos de investigações, localiza, mensura e visualiza os danos
auxiliando no esclarecimento de questões que
propiciam argumentos de difícil contestação,
com amparo técnico e científico.
Embora as tecnologias representem um custo inicial significativo, têm uma ótima relação
custo/benefício. E nos casos de sinistros, quanto maiores os investimentos na gestão dos riscos operacionais e novas tecnologias, maiores
são os benefícios. ■
REFERÊNCIAS
Sites consultados:
www.opas.org.br
www.saneamentobasico.bom.br
www.ecoambiental.com.br
www.sabesp.com.br
www.listaderiscos.com.br
w w w. a i r s a f e t y g r o u p . c o m . b r / s h o w.
php?not=85&titulo=1
http://www.qsp.org.br/empreendimentos.shtml
Saneas / agosto 2005 – 33
ARTIGO TÉCNICO
A construção de consenso para o
desenvolvimento sustentável
Geisa Paganini De Mio Edward Ferreira Filho José Roberto Campos A
busca pelo desenvolvimento sustentável
deve incluir estratégias de gestão ambiental que envolvam, entre outras, ações de preservação, promoção e manutenção da capacidade
de suporte do meio ambiente, de forma a conciliar o desenvolvimento econômico e social
com a preservação ambiental. Desta maneira,
a melhoria contínua do bem estar da sociedade não pode ocorrer sem políticas e práticas de
gestão sustentável dos recursos ambientais, as
quais supram as necessidades de demanda da
sociedade em seus múltiplos objetivos agora e
no futuro, pelo tempo mais longo possível.
Na maioria dos locais ocorre divergência entre as necessidades de desenvolvimento econômico e social e a capacidade do meio ambiente
local em suportar estes desenvolvimentos sem
ser degradado, de forma a atender a múltiplos
interesses, gerando conflitos ambientais. A resolução de conflitos ambientais não é simples,
uma vez que a negociação não tem como objeto
o próprio meio ambiente, mas a adoção de medidas destinadas a sua recuperação e a forma de
adoção destas medidas (Fink e Souza, 2000).
Os conflitos ambientais geram debates científicos a respeito das condições do meio ambiente e dos riscos de certas ações sobre os
recursos naturais e sobre a saúde humana
(BRYAN, 2003).
A legislação brasileira vigente permite a autonomia e independência dos Promotores de
Justiça, representantes do Ministério Público, e
atribui-lhes a defesa de interesses difusos e coletivos, entre eles o meio ambiente, bem como
estabelece instrumentos, como o Inquérito Civil (IC), exclusivo da instituição, e o Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC), para a resolu-
ção de conflitos ambientais por meio de construção do consenso, sem intervenção do Poder
Judiciário. A construção do consenso e o acordo são concretizados mediante a assinatura do
TAC, instrumento legal com caráter executivo.
O presente artigo procura demonstrar, com
base na experiência da Promotoria de Justiça
do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos
(SP), que a resolução de conflitos e a busca pela
solução dos problemas ambientais pode ser realizada por meio de abordagem alternativa e da
construção de consenso, sob a coordenação do
Ministério Público, o que representa uma alternativa atraente, substituindo a abordagem tradicional com intervenção do Poder Judiciário.
Uma das maiores dificuldades observadas refere-se à necessidade de apoio técnico, devido à
complexidade do tema ambiental, permitindo
aos engenheiros desempenharem papel fundamental na resolução de conflitos ambientais.
Abordagens para Resolução
de Conflitos Ambientais
Os conflitos ambientais podem ser resolvidos por meio de dois tipos de abordagens: a
tradicional, realizada pelo Poder Judiciário; e a
alternativa, realizada pelo Ministério Público,
com base na construção de consenso. Na Tabela 1, apresenta-se um resumo dos diversos aspectos dessas abordagens, que se desenvolvem
de formas praticamente opostas, preservando
como característica em comum, a complexidade do tema ambiental. Essa oposição resulta
da fundamentação de cada uma delas, ou seja,
apresentam diferentes paradigmas, instrumentos e características, muitas delas, novas para o
Direito e para o cotidiano da sociedade.
Engenheira Civil – Doutora em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos - USP
Advogado - 7o Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos - SP
Engenheiro Civil - Professor Titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Enge-
nharia de São Carlos - USP
34 – Saneas / agosto 2005
Artigos Técnicos
TABELA 1 – Comparação das Abordagens para Resolução de Conflitos Ambientais
Aspecto avaliado
Abordagens para Resolução de Conflitos Ambientais
Tradicional
Alternativa
Paradigma
Ganhar-perder
Ganhar-ganhar
Resolução do conflito
Com intervenção do Poder Judiciário
Sem negociação
Sem intervenção do Poder Judiciário
Com negociação
Instrumento de resolução
do conflito
Ação e processo judicial
Inquérito Civil
Resultado
Sentença Judicial
TAC
Tipo de solução
Imposta pelo juíz
Construção de consenso
Características
Desencorajamento, sofrimento
Morosidade
Custos mais elevados
Grande resistência na resolução do conflito
Sem antecipação ao dano
Ineficiência comprovada internac/te
Comprometimento, conscientização
Agilidade
Custos menos elevados
Pequena resistência na resolução do conflito
Possibilidade de antecipação ao dano
Eficiência comprovada intenac/te
Em comum
Complexidade do tema
Complexidade do tema
Fonte – De Mio (2005)
O Ministério Público e a construção
de consenso
No Brasil, a gestão ambiental por meio de
construção de consenso pode ser realizada pelos Promotores e Procuradores de Justiça do
Meio Ambiente, representantes dos Ministérios
Públicos dos Estados e Federal. A existência do
Ministério Público no país faz-se extremamente
importante, principalmente porque a sociedade
brasileira ainda apresenta-se pouco mobilizada
e organizada a respeito de seus direitos e deveres
relativos ao meio ambiente (De Mio, 2005).
O Ministério Público passou a defender os interesses relativos ao meio ambiente a partir de
1981, com a Política Nacional do Meio Ambiente, que conferiu à instituição a legitimidade para
propor Ação Civil Pública ambiental, encaminhado ao Poder Judiciário, a resolução dos conflitos. Em 1985, a Lei da Ação Civil Pública reforçou a atuação do Ministério Público ao prever
o Inquérito Civil como instrumento exclusivo da
instituição (Visconti, 2003; Goulart, 2000).
O Inquérito Civil é um procedimento administrativo presidido pelo Promotor de Justiça e
tem a finalidade de colher elementos elucidativos
do dano ou perigo de dano a interesses difusos ou
coletivos, entre eles o meio ambiente, por meio
de requisição de informações e notificações, além
do registro e documentação das mesmas.
As funções institucionais do Ministério Público em relação às questões ambientais começavam a se delinear ⎯ porém, ainda implicava em encaminhar ao Poder Judiciário a resolução dos conflitos ambientais ⎯ não estando
ainda prevista a estratégia da negociação e da
construção de consenso.
Em 1988, a Constituição passou a reconhecer o Ministério Público como um dos canais
que a sociedade poderia dispor para efetivar
o objetivo da República, que é o de construir
uma democracia econômica e social, e a garantir a independência da instituição frente aos
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
A Constituição de 1988 define as funções
institucionais do Ministério Público, permitindo ao Promotor de Justiça promover o Inquérito Civil, e realizar ele próprio a resolução dos
conflitos com base na construção do consenso,
ou propor a ação civil pública para a proteção
do meio ambiente. O Ministério Público se estabelece, então, como um dos órgãos do Estado, encarregado de representar a sociedade civil e seus interesses indisponíveis, dentre eles o
meio ambiente, exercendo o controle externo
da administração pública, quando ela não age
de acordo com os princípios constitucionais e
mandamentos legais.
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), introduziu no direito brasileiro, o Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC). No mesmo ano, o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) alterou a Lei de Ação Civil
Pública acrescentando que os órgãos públicos
legitimados ⎯ entre eles o Ministério Público
⎯ poderão tomar dos interessados, Termo de
Ajustamento de Conduta às exigências legais e
que este termo tem eficácia de título executivo
extrajudicial, ou seja, sem intervenção do Poder Judiciário.
Assim, após a Constituição de 1988 e a criação do TAC, o Inquérito Civil tornou-se um
instrumento de registro das etapas de negociaSaneas / agosto 2005 – 35
Artigos Técnicos
TABELA 2 - Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP)
Resolução de Conflitos Ambientais
2001
2002
no
2003
%
no
2004
%
no
Total
no
%
no
%
Inquéritos Civís Instaurados (IC)
%
93
100
70
100 104 100
47
100 314 100
Termos Ajustamento de Conduta (TAC)
79
85
47
67
66
63
7
15
199
63
Ações Civís Públicas (ACP)
4
5
3
4
1
1
-
-
8
3
Em Negociação
9
10
20
29
37
36
40
85
106
34
Fonte – De Mio (2005)
ção realizadas entre o Ministério Público e os
causadores de danos ambientais. Nos autos do
Inquérito Civil, o Promotor de Justiça celebra o
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que
confirma o consenso e o acordo.
O TAC é um instrumento legal destinado a
colher do causador de dano ao meio ambiente,
um título executivo de obrigação de fazer ou
não fazer, mediante o qual, o responsável pelo
dano assume o dever de adequar a sua conduta às exigências legais, sob pena de sanções fixadas no próprio termo. O TAC confirma o
acordo celebrado entre as partes envolvidas no
conflito. O Termo de Ajustamento de Conduta
apresenta formato padrão em que são identificados os envolvidos na resolução do conflito;
especificados os dispositivos legais que regem
o instrumento; apresentadas as considerações
que resultaram no Inquérito Civil, no processo de negociação e no consenso; as cláusulas
que definem o objeto, as obrigações de cada
FIGURA 1
Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP)
Inquéritos Civis Instaurados
TAC
ACP
Em negociação
120
Resolução de Conflitos Ambientais
100
80
60
40
20
0
2001
2002
2003
Ano
36 – Saneas / agosto 2005
2004
Fonte – De Mio (2005)
uma das partes, os prazos para cumprimento
das obrigações; as penalidades pelo não cumprimento dos acordos e o prazo de vigência do
instrumento.
Assim, em conjunto, o Inquérito Civil e o
Termo de Ajustamento de Conduta firmamse como instrumentos efetivos na resolução de
conflitos ambientais, representando o diferencial na atuação do Ministério Público, em relação a outras instituições de gestão e fiscalização ambiental, também legitimadas para a assinatura do TAC.
Dados da construção do consenso na
Comarca de São Carlos (SP)
Na Tabela 2 e Figura 1, estão apresentados os
totais de Inquéritos Civís ambientais instaurados no período de 2001 a 2004, e, a partir destes, os dados de conflitos ambientais resolvidos
por meio de construção de consenso, representado pelo TAC e por meio de ACP, que implica
na intervenção do Poder Judiciário. O termo negociação, na Tabela 2 e na Figura 1, refere-se aos
Inquéritos Civís que ainda aguardam informações, despachos, ou audiências e vistorias para
finalização. Para cada ano e para o total no período estudado, os ítens avaliados estão apresentados em números e em porcentagem.
Avaliando os dados da Tabela 2 e da Figura
1, verifica-se que a utilização de abordagem alternativa e construção de consenso na resolução
de conflitos ambientais tem apresentado grande viabilidade na Promotoria de Justiça do Meio
Ambiente da Comarca de São Carlos (SP), pois
os valores totais no período estudado demonstram que a maioria dos conflitos vem sendo resolvida por meio de Inquérito Civil (IC) e assinatura de TAC (63%), em detrimento das ACP
(3%) ajuizadas perante o Poder Judiciário.
Esse resultado é bastante importante porque
comprova que o IC em conjunto com o TAC
são instrumentos eficazes, se bem aplicados, na
resolução de conflitos ambientais.
Além disso, verifica-se que, de todos os Inquéritos Civís instaurados no período estuda-
Artigos Técnicos
Tempo Médio para Resolução de
Conflitos Ambientais
Nas Figuras 2 e 3, apresenta-se o tempo médio decorrido para a resolução de conflitos ambientais, realizada pela Promotoria de Justiça
do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos
(SP), no período de 2001 a 2004, com dados
segundo o tipo de conflito. A evolução da resolução do conflito está dividida em duas fases: a
primeira representa o tempo decorrido para a
negociação, que vai desde a instauração do Inquérito Civil até a assinatura do TAC, compon-
do, apenas 34 % ainda se encontram em negociação. E do total de 106 em negociação, a
maior parte destes refere-se aos anos de 2003
e 2004, pois a maioria dos inquéritos civis instaurados em 2001 e 2002 já foram solucionados. Este dado é bastante importante pois demonstra que a construção do consenso, sem
intervenção do Poder Judiciário, resulta em
agilidade na resolução de conflitos ambientais,
e consequentemente em redução de tempo e
custo, além da maior possibilidade de reparação do dano em tempo viável.
FIGURA 2 – Tempo Médio para Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP) – meses
(Até assinatura do TAC)
Tempo Médio até assinatura do TAC
30
a. Apreensão de animais
silvestres
b. Danos ambientais em APP
c. Depósito de sucatas
d. Desmatamento, reserva
legal, reposição
e. Esgoto sanitário
f. Implantação gasoduto
g. Implantação trevo
rodoviário
25
20
15
h. Maus tratos a animais
i. Pesca em trecho proibido,
piracema
j. Poluição industrial
k. Poluição rural
l. Poluição sonora
m. Queimada rural
n. Queimada urbana
o. Resíduos em terreno baldio
10
5
0
a b c d e f g h i j l mn o p
2001
a b c d e f g h i j l mn o p
a b c d e f g h i j l mn o p
2002
2003
Ano
a b c d e f g h i j l mn o p
2004
Fonte – De Mio (2005)
Figura 3 – Tempo Médio para Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP) – meses
(Até cumprimento do TAC)
30
a. Apreensão de animais
silvestres
b. Danos ambientais em APP
c. Depósito de sucatas
d. Desmatamento, reserva
legal, reposição
e. Esgoto sanitário
f. Implantação gasoduto
g. Implantação trevo
rodoviário
Tempo Médio até assinatura do TAC
25
20
15
h. Maus tratos a animais
i. Pesca em trecho proibido,
piracema
j. Poluição industrial
k. Poluição rural
l. Poluição sonora
m. Queimada rural
n. Queimada urbana
o. Resíduos em terreno baldio
10
5
0
a b c d e f g h i j l mn o p
2001
a b c d e f g h i j l mn o p
2002
Ano
a b c d e f g h i j l mn o p
2003
Fonte – De Mio (2005)
Saneas / agosto 2005 – 37
Artigos Técnicos
TABELA 3 – Comparação do Tempo para Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos – SP
IC em Negociação versus ACP Pendentes
Ano
Inquéritos Civís
Ações Civís Públicas
Total
NEG
%
Tempo
Total
PEN
%
Tempo
1997
nd
–
–
–
10
6
60
7 anos
1998
nd
–
–
–
5
4
80
6 anos
1999
nd
–
–
–
1
1
100
5 anos
2000
nd
–
–
–
1
1
100
4 anos
2001
93
10
11
3 anos
4
4
100
3 anos
2002
70
18
26
2 anos
3
3
100
2 anos
2003
104
37
36
1 ano
1
1
100
1 ano
2004
47
40
85
< 1 ano
–
–
–
NEG: Em negociação; PEN: Pendente, aguardando sentença;
nd: não determinado/levantado; (–) : sem registro de IC ou ACP
do-se o conflito (Figura 2); a segunda, referese ao tempo para o cumprimento das obrigações definidas e acordadas no TAC, ao final do
qual, considera-se que o conflito esteja resolvido, com a efetiva reparação ambiental ou outra
obrigação prevista, promovendo-se o arquivamento definitivo do Inquérito Civil (Figura 3).
Os dados das Figuras 2 e 3 demonstram que,
na maioria dos casos, a fase de negociação necessita de tempo menor que a fase para o cumprimento do TAC assinado. Nos casos em que
a fase de negociação é mais longa, isto pode ser
resultado de alguma resistência durante a negociação e também devido à necessidade de,
na primeira fase, se realizarem o levantamento de informações, as audiências e as vistorias.
Além disso, muitas vezes a obrigação assumida no TAC é viável e fácil de ser cumprida, inclusive com início de cumprimento imediato, a
partir da assinatura do mesmo.
Na fase de cumprimento do TAC, muitos
dados ainda não foram registrados, principalmente em 2004, o que significa que o TAC está
em fase de cumprimento, fiscalização e monitoramento e que a reparação ambiental ainda não foi totalmente resolvida, mas apenas o
compromisso de realizá-la.
Avaliando os tempos médios totais para resolução de cada um dos conflitos, verifica-se
que a maior parte deles é considerada solucionada em tempo próximo de um ano, sendo que
a maioria se resolve até um ano e meio, o que
demonstra o bom desempenho da resolução
de conflitos ambientais por meio de construção de consenso, com utilização de IC e TAC.
Com o objetivo de complementar estas informações, levantou-se também, a partir de
38 – Saneas / agosto 2005
–
Fonte – De Mio (2005)
1997, ano de início da atuação do atual Promotor de Justiça do Meio Ambiente de São Carlos,
quais são os Inquéritos Civis ainda em negociação e quais Ações Civis Públicas, iniciados
na Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da
Comarca de São Carlos (SP) e ainda não solucionadas. Estes dados estão apresentados na
Tabela 3.
Os dados da Tabela 3 demonstram que a resolução de conflitos ambientais por meio de
negociação e busca de consenso, no decorrer
do Inquérito Civil, ocorre de forma mais expedita do que por meio de ACP perante o Poder
Judiciário, em que o conflito é resolvido através
de sentença, que muitas vezes não equaciona o
problema da melhor maneira. Os dados de número de IC instaurados no período de 1997 a
2000 não foram levantados, uma vez que não
haviam nos registros, IC instaurados nestes
anos, ainda em negociação, indicando que todos foram resolvidos anteriormente ao período da pesquisa.
Os conflitos mais antigos em negociação nos
autos dos Inquéritos Civís, datam de 2001 e representam apenas 10% do total de casos instaurados naquele ano, enquanto que, ao se avaliar as Ações Civís Públicas, ainda encontramse pendentes 60% daquelas iniciadas no ano de
1997, 80% das iniciadas em 1998 e, a partir de
1999, nenhuma das Ações Civis Públicas iniciadas foi solucionada.
Este resultado vem comprovar o que é afirmado por diferentes autores (BINGHAM,
2004, FINK e SOUZA, 2000) ou seja, a resolução de conflitos ambientais por meio de abordagem alternativa e construção de consenso se
faz com menor tempo, e, consequentemente,
Artigos Técnicos
com menor custo do que por meio da abordagem tradicional. Além disso, em se tratando de
conflito ambiental, a reparação do dano e recuperação da qualidade precisa ser resolvida rapidamente, não podendo aguardar o desenrolar do processo judicial.
Embora na Tabela 3 tenham sido apresentados dados a partir de 1997, verificou-se que
ainda existem Ações Civis Públicas iniciadas
desde 1991, aguardando a sentença judicial e a
definição para a resolução do conflito ambiental. Portanto, o conflito mais antigo, ainda em
negociação por meio de construção de consenso foi instaurado há 3 anos e 8 meses mostrando-se, mesmo assim, mais viável que a apresentação da ACP; neste caso há pendências que
permanecem há quase 14 anos.
A utilização da abordagem alternativa, manutenção da negociação e busca do consenso,
até a assintura do TAC em detrimento da ACP
é, até o momento, resultado de posturas particulares de alguns Promotores de Justiça e do
Meio Ambiente, o que é amparado legalmente
pela independência e autonomia institucional
da função. O ideal seria que todos os Promotores de Justiça do Meio Ambiente, tivessem a
mesma postura de adoção da abordagem alternativa e construção de consenso para a resolução dos conflitos.
O tempo representa aspecto bastante importante para a resolução de conflitos ambientais, uma vez que quanto mais rapidamente forem encontradas soluções, menores os custos
das negociações associadas aos mesmos (Adler
et al., 1999).
Como o dano ambiental precisa ser reparado ⎯ o que é tecnicamente viável na maioria das vezes ⎯ a morosidade na resolução do
conflito ambiental pela abordagem tradicional
resulta em prejuízos para o meio ambiente e
para a sociedade como um todo, comprometendo a implementação do desenvolvimento
sustentável. Assim, os dados apresentados demonstram a vantagem da utilização da abordagem alternativa e construção de consenso,
principalmente ao se buscar soluções para os
conflitos e danos ambientais.
O Papel dos Engenheiros na Resolução
de Conflitos Ambientais
A tipologia dos conflitos ambientais, com
suas complexidades e características, define as
ações a serem realizadas, as instituições parceiras, a lei a ser aplicada, os resultados esperados, as metas estabelecidas, os impactos causa-
dos, os caminhos da negociação, a necessidade
de vistorias, e, principalmente, o apoio técnico
necessário e fundamental para as tomadas de
decisão.
O Ministério Público conta com o Centro de
Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente (CAO-UMA), que realiza o apoio técnico aos Promotores de Justiça do Meio Ambiente. Porém, a atuação do CAO-UMA ainda é deficiente, uma vez que não existem profissionais
disponíveis para todas as comarcas.
No caso da Comarca de São Carlos (SP),
essa deficiência vem sendo minimizada através
de parcerias com engenheiros da Companhia
de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), Agência Ambiental de Araraquara e do
Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), além de apoio de docentes da Escola de Engenharia de São Carlos,
da Universidade de São Paulo (EESC-USP).
Assim, os engenheiros, eles mesmos integrantes da sociedade civil, principalmente
aqueles com conhecimento técnico a respeito dos temas ambientais, podem desempenhar
importante papel na resolução de conflitos
com base na construção de consenso, suprindo
as necessidades de apoio técnico para orientar
as tomadas de decisão.
Considerações Finais
Com base na experiência da Promotoria de
Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São
Carlos (SP), pode-se afirmar que:
• A construção do consenso, por meio da uti-
lização do Inquérito Civil (IC), em conjunto com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), é efetiva na resolução de conflitos
ambientais;
• De todos os Inquéritos Civís relativos a con-
flitos ambientais instaurados no período de
2001 a 2004, a maioria vem sendo resolvida
por meio de assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (63%), em detrimento
das Ações Civis Públicas (3%) ajuizadas perante o Poder Judiciário, resultando em apenas (34%) ainda em negociação;
• Os tempos médios decorridos para resolu-
ção dos conflitos ambientais demonstram
que a maioria deles é solucionada no período máximo de um ano e meio, o que resulta
na redução de custos e na possibilidade de
reparação do dano em tempo viável;
Saneas / agosto 2005 – 39
Artigos Técnicos
• Os conflitos mais antigos, pendentes e
em negociação nos autos dos Inquéritos
Civís datam de 2001 e representam apenas 11% do total de casos instaurados
naquele ano;
• As Ações Civís Públicas pendentes re-
presentam 60% daquelas iniciadas no
ano de 1997, 80% das iniciadas em 1998,
e a partir de 1999, nenhuma das ACPs
iniciadas foi solucionada;
BRASIL (1985).Lei no 7.347, de 24 de julho
de 1985, Lei que disciplina a Ação Civil Pública, Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 24 de julho de 1985.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa Brasileira, Capítulo VI – Do Meio Ambiente, Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 05 de outubro de 1988. 33a Edição, atualizada e ampliada, Editora Saraiva, São Paulo, 377 p.
• O IC pendente há mais tempo, encontra-se
em negociação há 3 anos e 8 meses, porém
existem ACPs ambientais pendentes desde
1991, totalizando 14 anos;
BRYAN, T. (2003). Context in environmental conflict: where you stand depends on where
you sit, Environmental Practice, 2003, v. 5, n. 3,
p. 256-264.
• A construção de consenso, por meio do IC
em conjunto com o TAC permite a reparação dos danos ambientais imediatamente após a assinatura do acordo e em tempo
mais viável do que a Ação Civil Pública.
A utilização, pelo Ministério Público, da construção de consenso e dos instrumentos disponíveis para tal, representa uma componente de estratégia para o desenvolvimento sustentável uma vez que permite maior transparência no processo, implica na participação
da sociedade civil e de instituições do Poder
Público, resultando inclusive, no comprometimento com a causa ambiental por parte dos
diversos participantes do conflito.
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de 1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 31 de agosto de 1981.
40 – Saneas / agosto 2005
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of negotiating how when and why, Public utilities fortnightly, v. 131, n. 16, 1993, p. 10-17.
DE MIO, G. P. (2005). O Inquérito Civil e o
Termo de Ajustamentode Conduta como instrumentos efetivos para resolução de conflitos
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sobre as vantagens do Termo de Ajustamento
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Águas de São Pedro - SP, 15 a 18 de novembro
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GOULART M. P. (2000). Ministério Público: Missão Institucional e Defesa do Meio Ambiente, In: 4o Congresso de Meio Ambiente do
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Requisito para exame nos Tribunais Superioires, CAO – UMA – Centro de Apoio Operacional – Urbanismo e Meio Ambiente, Disponível
em: <http://www.mp.sp.gov.br/caouma.htm> .
Acesso em 01 mar. 2004. ■
COMUNIDADE
OPINIÃO
O Plano Diretor e a Sustentabilidade
Ambiental das Cidades
Desenhos: Marcelo Baraça
Ivan Carlos Maglio A Sustentabilidade Ambiental: Novo
Desafio para o Plano Diretor
A posição oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos governos em relação ao agravamento da crise ambiental mundial, bem como as pressões dos movimentos
sociais e a intensa participação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) nas instâncias preparatórias da Conferencia Mundial
Sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,
conhecida como Rio 92, trouxeram consigo o
fortalecimento da necessidade do planejamento como prática racional na busca da sustentabilidade ambiental e da manutenção dos recursos naturais em escala planetária.
Apesar disso, no planejamento urbano das
cidades, em especial por meio da elaboração
dos planos diretores prevista constitucionalmente no Brasil, a maior parte dos municípios
ainda não utiliza instrumentos de gestão urbana e ambiental, para aperfeiçoar seu planejamento. Mesmo as capitais estaduais assoladas
por graves problemas sócio-ambientais e em
crise de sustentabilidade consideram as opções
sócio-ambientais e urbanas estratégicas nos
seus planos diretores, por meio de avaliações
dos impactos ambientais de suas proposições
de ações, por meio de processos avaliados com
a participação da sociedade civil, visando o desenvolvimento futuro das cidades.
Assim as dificuldades dos municípios na
aplicação dos instrumentos de gestão ambiental
no planejamento urbano têm levado a uma situação em que poucos planos diretores são elaborados contendo diretrizes compatíveis com
sua sustentabilidade ambiental. Mesmo naqueles municípios onde já se aplicam instrumentos
urbanísticos como as operações urbanas, o zoneamento territorial e a disciplina de uso e ocupação do solo, ainda enfrentam-se conflitos durante a aprovação e execução desses instrumentos, ante os riscos destes provocarem novos impactos ambientais nos seus territórios.
A partir das Operações Urbanas, praticadas
desde 1991, em São Paulo e no Rio de Janeiro, têm surgido conflitos, em decorrência de
diretrizes urbanísticas que apresentam impactos ambientais não mitigados ou indesejáveis,
como é o caso dos grandes adensamentos urbanos propostos no âmbito das operações urbanas, e que, em certos casos agravaram os indicadores de qualidade ambiental urbana, tais
Eng Civil e PHD em Saúde Ambiental
Saneas / agosto 2005 – 41
Comunidade
como a qualidade do ar, da água ou a sobrecarga da infra-estrutura urbana, como é o caso da
Operação Urbana Faria Lima no município de
São Paulo..
Por outro lado, crescem as exigências dos
ambientalistas e dos movimentos em defesa
de bairros, pela despoluição das águas, proteção das áreas verdes e da reserva da biosfera
existente nas cidades, bem como de órgãos ambientais estaduais, municipais e do Ministério
do Meio Ambiente, para que os planos diretores municipais estabeleçam ações e diretrizes
que considerem a redução dos impactos ambientais e a proteção do ambiente.
Em 2003, por meio da Medida Provisória
no 103, posteriormente convertida na Lei no
10.683, de 28 de maio do mesmo ano, foi criado no Brasil o Ministério das Cidades, com o
objetivo de combater as desigualdades sociais,
transformando as cidades em espaços mais humanizados, e ampliar o acesso à moradia, ao
saneamento e ao transporte. A competência
do Ministério das Cidades é tratar da política de desenvolvimento urbano e das políticas
setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito. Sua criação
contempla uma antiga reivindicação dos movimentos sociais de luta pela reforma urbana,
e de dar maior atenção à gestão das cidades.
(BRASIL 2003). Esperavam-se grandes avanços nessa direção, mas soluções e a melhoria
das condições de enfrentamento desses temas,
estão na pauta por todos os que se preocupam
com a sustentabilidade ambiental urbana.
As decorrências negativas do processo de urbanização são cada vez mais monitoradas e reconhecidas. Refletem-se por meio da piora dos
indicadores de qualidade do ar e das águas; da
utilização predatória de áreas de mananciais;
pela crescente redução das áreas verdes; pela
grande impermeabilização do solo, que causa
constantes riscos de enchentes e deslizamentos
de terra; pelos congestionamentos no trânsito,
que causam perda de tempo e transtornos nos
deslocamentos da população entre casa e trabalho e vice-versa, além de outros conflitos sócio-ambientais crescentes e cada vez mais concentrados nas cidades brasileiras.
No caso de São Paulo, para citar um exemplo, a piora dos índices de qualidade do ar é
cada vez mais vista como interdependente do
modelo de transporte que privilegia o transporte individual em detrimento do transporte
coletivo de alta capacidade (metrô e trens urbanos). Tal fato demonstra que a ausência de
42 – Saneas / agosto 2005
uma política sustentável para o transporte urbano esta diretamente relacionada à qualidade
do planejamento urbano praticado no município, o qual não vem priorizando os investimentos na rede de transportes de grande capacidade, mas que continua privilegiando a construção de túneis e viadutos para tentar dar maior
vazão ao fluxo e aos congestionamentos constantes, sem alterar na base o modelo existente. Mesmo as operações de rodízio planejadas
para a redução de veículos em circulação, em
função da piora dos índices de qualidade do ar
durante o inverno, quando a cidade enfrenta o
fenômeno das inversões térmicas, passaram a
ser utilizadas de forma sistemática para reduzir a circulação dos quase 6 milhões de veículos existentes do Município.
Os compromissos assumidos na Agenda
21, durante a Conferência Rio 92, e a consagração do paradigma da sustentabilidade ampliaram as expectativas de construção de uma
nova perspectiva mundial para romper com o
ciclo de insustentabilidade do planeta. A partir desse marco, reconheceu-se a importância e
a necessidade da formulação de práticas locais
no Brasil, capazes de enfrentar as causas da geração de problemas socioambientais, uma vez
que grande parte dos problemas ambientais
decorrentes da urbanização localiza e inicia-se
nos municípios.
Entretanto, não foram criadas as condições
e os recursos necessários para enfrentá-los,
bem como mecanismos para a introdução de
novos instrumentos de gestão ambiental e urbana para que os municípios pudessem fazer
frente aos problemas ambientais e ao crescente aumento da parcela da população brasileira
que vive nas cidades.
Embora sem os recursos necessários para
o desenvolvimento das Agendas 21 locais, sua
formulação passou a representar para os municípios brasileiros e para a sociedade organizada uma possibilidade de retomar a discussão
sobre o planejamento futuro das cidades, no
qual, o Plano Diretor Municipal é reconhecido como sua ferramenta de planejamento mais
importante na perspectiva de promover a sustentabilidade ambiental.
Entretanto, decorridos 13 anos da Conferência Rio 92, permanece no caso brasileiro o desafio de introduzir, democraticamente, opções
sustentáveis nos municípios, em particular na
formulação de planos urbanos, planos diretores, leis de zoneamento e operações urbanas.
No caso do plano diretor, instrumento que se
Comunidade
propõe como ferramenta importante para o futuro da cidade, seja diretamente no plano físico-urbanístico, seja na definição das políticas
públicas municipais de desenvolvimento, o desafio torna-se ainda mais concreto e candente.
O Estatuto das Cidades e os novos
caminhos para o Planejamento Urbano
nos Municípios
Uma nova legislação nacional de política urbana surge somente em 2001 com a aprovação
da Lei Federal nº 10.257, após dez anos de debates e discussões no Congresso Nacional, e
com a definição de questões centrais para a reforma urbana consolidou-se, de 10 de julho de
2001, que dispõe sobre o Estatuto das Cidades,
trazendo novas condições para que os municípios enfrentem os problemas relacionados à
sustentabilidade urbana.
Nesse processo, os movimentos sociais pela
reforma urbana tiveram um papel importante na definição dessa legislação sobre política
urbana, já anunciada pelos artigos 182 e 183
da Constituição de 1988, mas que dependiam
de uma regulamentação específica para serem
aplicados. A maior parte desses movimentos
sociais surgiram em defesa do direito à moradia e pela regularização fundiária de áreas ocupadas por favelas e loteamentos irregulares,
embora essas carências estejam sempre ligadas
à questões sócio-ambientais, elas não são necessariamente tratadas em conjunto.
Se por um lado a urbanização dos territórios
mais excluídos das cidades depende do reconhecimento desses direitos, por outro os investimentos que o poder público realiza nas cidades por meio dos impostos arrecadados, e que
valorizam o solo urbano, precisam ser democratizados e resgatados para que novos investimentos possam suprir as áreas mais carentes
em infra-estrutura urbana e em melhoria da
qualidade ambiental dos municípios.
Questões como o resgate da mais valia urbana decorrente da maior exploração do solo urbano em áreas com maior infra-estrutura são
tratadas no Estatuto das Cidades com a instituição do instrumento da outorga onerosa do
direito de construções adicionais. Por meio da
outorga onerosa do direito de construir o mercado imobiliário poderá investir em áreas passíveis de adensamento, e ressarcir o poder público gerando recursos adicionais para que o
poder público possa investir em infra-estrutura urbana, sistema viário, habitação, transportes e investimentos em meio ambiente.
A principal mudança do Estatuto das Cidades é que essa lei transformou o plano diretor no
principal meio de garantir a aplicação desses e
de outros instrumentos pelos municípios brasileiros, reforçando a capacidade do plano diretor
transformar a realidade urbana. O Estatuto das
Cidades passou a determinar o conteúdo mínimo do plano diretor e estabeleceu normas para
sua elaboração, entre as quais se destaca-se a necessidade da participação da população na sua
elaboração e a definição dos objetivos a serem
cumpridos pela propriedade urbana e pela cidade, no cumprimento da sua função social e ambiental, como princípio básico.
O Estatuto das Cidades condicionou o Plano Diretor como o orientador da definição das
diferentes áreas do município onde poderá incidir a utilização de instrumentos por ele criados para os municípios possam fazer cumprir
a função sócio-ambiental da propriedade urbana e implantar uma política de desenvolvimento e de expansão urbana. Institui diversos
instrumentos de política urbana, vinculandoos ao plano diretor, e também estabelece normas para sua elaboração participativa – tratou,
em capítulo específico, da gestão democrática
da cidade, da participação da população na definição das políticas públicas e do cumprimento da função social da propriedade.
Entre os novos instrumentos de gestão urbana destaca-se a outorga onerosa de potencial construtivo; a transferência do direito de
construir; o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; e três tipos de Coeficientes de Aproveitamento, máximo, mínimo e básico para regular a função social da propriedade urbana e que requerem a revisão das formas
usuais de planejamento, de controle do uso do
solo e de zoneamento urbano, separando o coeficiente de aproveitamento construtivo do
tipo de uso do solo permitido.
Destaca-se também pela primeira vez em
uma lei urbanística nacional, a introdução nas
diretrizes para a ordenação e controle do uso
do solo de questões ambientais, como a poluição e degradação ambiental, o controle do uso
excessivo ou inadequado do solo em relação à
infra-estrutura urbana, a adoção de padrões de
produção de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites de sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência,
bem como a preservação, conservação e proteção do meio ambiente natural e construído.
Além dessas diretrizes, são também criados em
Saneas / agosto 2005 – 43
Comunidade
conjunto com os demais instrumentos de gestão urbana já citados a instituição de unidades
de conservação, o zoneamento ambiental e os
estudos prévios de impacto ambiental (EIA) e
de impacto de vizinhança (EIV).
Assim, o Estatuto da Cidade instituiu uma
nova política urbana e confirmou que o Plano
Diretor não é um produto puramente técnico
e científico, mas um instrumento que requer a
democratização de sua elaboração por meio da
participação da sociedade civil organizada. Por
outro lado, reconheceu a existência de conflitos e a necessidade de processos de negociação
decorrentes dos interesses divergentes, existentes na sociedade brasileira para a solução dos
problemas socioambientais da urbanização, e
para a necessidade de inserção da sustentabilidade ambiental em planos diretores. Somente
a partir desses processos públicos o Plano Diretor poderá transformar-se em lei municipal
que oriente o futuro da cidade.
A Aplicação dos Instrumentos do
Estatuto da Cidade no Plano Diretor
O plano diretor permite a aplicação dos
instrumentos de gestão urbana institucionalizados no Estatuto da Cidade, e utilizando-os
para implementar os objetivos e as diretrizes
definidas no plano por meio dos seguintes instrumentos;
a) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante
títulos da dívida pública, aplicados a imóveis
localizados em favelas e áreas com habitações
precárias e transformados em Zonas Especiais
de Interesse Social no Plano Diretor, de forma a cumprir a função social da propriedade
e enfrentar a questão da carência por moradias
adequadas para as populações de baixa renda;
b) concessão urbanística – por meio de
permissão de parcerias público–privado para a
realização consorciada de obras de urbanização ou de reurbanização de quaisquer áreas da
cidade necessárias à implementação de melhorias urbanas;
c) concessão de uso especial e usucapião
especial, incluindo o coletivo, para atender às
necessidades de moradia social;
d) direito de superfície, a ser concedido
(ou negociado) por proprietário de imóvel urbano ao município e a entidades públicas de direito privado, para viabilizar a utilização do espaço superficial, aéreo e subterrâneo, necessário
à implementação de diretrizes do plano diretor.
44 – Saneas / agosto 2005
Por exemplo, para melhoria da paisagem urbana com a modernização das redes de infra estrutura através de galerias subterrâneas;
e) direito de preempção, para dar preferência ao poder público na aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, a fim de facilitar a execução de melhorias viárias e de infra-estrutura em geral: piscinões, criação de parques e áreas verdes e outras;
f) outorga onerosa do direito de construir, para permitir a construção acima do coeficiente básico mediante contrapartida a ser
prestada pelo beneficiário, que será importante fonte de recursos extra orçamentários para
ampliar a capacidade de investimentos do município na melhoria física da cidade;
g) transferência de potencial construtivo,
para compensar eventuais perdas econômicas
advindas de eventual impedimento legal de utilização do Coeficiente de Aproveitamento básico em determinado imóvel e também para incentivar a manutenção de áreas verdes e de produção agrícola ou extrativista no município.
h) operação urbana consorciada, para
viabilizar transformações urbanísticas localizadas por meio de intervenções conjuntas dos
setores público e privado;
i)
consórcio imobiliário por meio de
permissão para o poder público receber por
transferência imóveis para um melhor aproveitamento, por meio de concessão urbanística ou
outra forma de contratação.
A política ambiental municipal também
pode fazer parte explicita do Plano Diretor
com o objetivo de implementar as diretrizes da
política nacional de meio ambiente, recursos
hídricos e saneamento, criando os seguintes
instrumentos de gestão urbana e ambiental:
a) o zoneamento ambiental do município
como instrumento definidor das ações e medidas de proteção e recuperação da qualidade da
ambiental do espaço, e com a definição dos fatores ambientais a considerar: por exemplo ruído, vibração, poluição do ar, odores e etc.;
b) o Licenciamento Ambiental e os Estudos de Impacto Ambiental e o RIMA para que
empreendimentos com impacto ambiental significativo tenham seus problemas tratados pelo
município previamente à sua implantação, a
exemplo de novas vias e linhas de metro, ou
empreendimentos como aterros sanitários, estações de tratamento de esgotos entre outros;
c) o Estudo de Impacto de Vizinhan-
Comunidade
ça e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança, para empreendimentos que causem
alterações das características urbanas do entorno, a exemplo de shoppings centers, estádios,
centros de lazer e grandes conjuntos habiitacionais e ou de serviços, etc;
d) o Termo de Compromisso Ambiental-TCA, para compensar autorizações para
supressão de vegetação e/ou recuperar o meio
ambiente em decorrência de atividades que
causem degradação ambiental, como o parcelamento do solo para fins de urbanização, entre, outros;
e) a Avaliação Ambiental Estratégica de
Políticas, Planos e Programas Setoriais Públicos visando reduzir seus impactos estratégicos ao meio ambiente urbano, como planos de
trnsporte, de saneamento, de habitação e grandes intervenções urbanas.
O Estatuto permite ainda que o Plano Diretor promova a efetivação de transformações
no espaço urbano em direção à implantação e
ou readequação de uma estrutura urbana adequada para o município. Para tal permite intervenções e reestruturações de áreas urbanas
para melhoria de circulação viária, infra-estrutura de transporte, espaços abertos, parques e
novas centralidades.
A definição no âmbito do plano Diretor de
Áreas de Intervenção Urbana (AIUs) facilitam
a identificação dos perímetros de áreas onde os
instrumentos do Estatuto poderão ser utilizados, conforme exige a lei federal, e que serão
também objeto de Projetos Urbanísticos Específicos para atingir os objetivos urbanísticos do
Plano Diretor. No caso do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, por exemplo, as AIUs definidas são as seguintes:
a) áreas de operação urbana consorciada
e áreas de projeto definidas para revitalizar ou
dinamizar áreas urbanas sub-utilizadas;
b) áreas de intervenção urbana para a implantação de parques lineares;
c) áreas de eixos e pólos de centralidade,
em função das nucleações consolidadas e/ou
potenciais de comércio (lojas diversas, shoppings, supermercados, equipamentos públicos
(de saúde, segurança), de comunicação, locais
de encontro, etc.).
d) áreas para a implantação de rede viária estrutural, demarcadas ao longo das vias estruturais propostas, medidos a partir do eixo da
via, e nas existentes no caso de melhoramentos;
e) áreas para a implantação de rede de
transporte público, definidas por uma faixas
de 300 metros de largura de cada lado dos alinhamentos do sistema de transporte público
coletivo de massa e “círculos com raio de até
600 metros tendo como centro as estações de
transporte coletivo metroviário ou ferroviário.
Quanto às Operações Urbanas Consorciadas (OUC), de acordo com o Estatuto das Cidades, de forma a absorver algumas das distorções observadas na prática recente, são definidas como “o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores
privados, que visa alcançar em uma área específica transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais, valorização ambiental e ampliação e qualificação dos espaços públicos.
As operações urbanas consorciadas poderão
ser previstas no plano diretor e criadas por leis
específicas e ter as seguintes finalidades:
• implantação de equipamentos estratégicos
para o desenvolvimento urbano;
• otimização de áreas envolvidas em “intervenções urbanísticas de porte” e “reciclagem
de áreas sub-utilizadas”, como por exemplo
revitalização de centros ou áreas que necessitem de ampliação da infra-estrutura;
• implantação de programas de habitação de
interesse social;
• ampliação e melhoria da rede estrutural de
transportes coletivos;
• ampliação e melhoria da rede viária estrutural;
• implantação de espaços públicos;
• valorização e criação de patrimônio ambiental, histórico, arquitetônico, cultural e
paisagístico;
• otimização de áreas visando a geração de
empregos.
Para cada operação prevista poderá ser prevista a possibilidade de modificação de índices
e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, tendo como principal
efeito o adensamento e o melhor aproveitamento construtivo das áreas mediante a utilização de
um Coeficiente de Aproveitamento Construtivo
maior do que o praticado na cidade ( no caso
de São Paulo de até 4,0 vezes a área do terreno), limitado a estoques construtivos adicionais
em m2 previstos na lei da operação urbana. Evidentemente que essas decisões deverão ter seu
Saneas / agosto 2005 – 45
Comunidade
impacto ambiental avaliado antes de sua efetivação, uma vez que podereáo apresentar riscos
para a sustentabilidade ambiental.
A lei específica da operação urbana deverá conter, entre outros itens, a delimitação de
sua abrangência, sua finalidade, o programa
de atendimento econômico e social à população diretamente afetada, solução habitacional
dentro do seu perímetro ou na sua vizinhança
para reassentar a população de favelas e cortiços a ser removida, e estudo prévio de impacto
ambiental e de vizinhança. Em casos de maior
porte recomenda-se avaliações estratégicas simultâneas à formulação do plano da operação
urbana, limitando os excessos e os efeitos negativos no ambiente urbano, por exemplo efeitos cumulativos na poluição do ar.
Em relação ao Sistema de Gestão Democrática do Plano Diretor, esse deverá incluir a criação de órgãos e processos de participação popular: Assembléia de Política Urbana; o Conselho Municipal de Política Urbana e Conselho
de Representantes das Subprefeituras. E como
meios de exercício do poder democrático, debates, audiências e consultas públicas; plebis-
46 – Saneas / agosto 2005
cito, referendo e iniciativa popular. Como instrumentos de gestão, o Sistema Municipal de
informações e os relatórios anuais de gestão.
Em síntese, as possibilidades de enfrentar
a questão da sustentabilidade urbana são ampliadas trazendo um novo patamar para a gestão municipal no Brasil. Tal exige e depende da
vontade política dos governantes e da participação da sociedade na escolha dos caminhos
para o futuro das cidades, baseado na:
• na busca de sustentabilidade ambiental urbana;
• na aplicação da função socioambiental da
cidade e da propriedade;
• na participação democrática da sociedade
civil;
• na retomada do papel regulador e coordenador da administração pública;
• na superação do tecnicismo na elaboração
do plano;
• etomada do planejamento urbano como política pública;
• no reconhecimento de conflitos;
• na criação de um processo de planejamento
estratégico no município. ■
HISTÓRIA DO SANEAMENTO
Limpo e decente
A
s histórias
contadas
por Wright 1
ajudam a entender os avanços
e
retrocessos
ocorridos nos
cuidados com
a saúde, relacionados com
o saneamento
ambiental. Essas
oscilações foram
sempre dependentes das relações de forças
entre religião,
ciência, tecnologia e Estado. O
que atualmente
representa conCaricatura de 1820. O banho ainda era um privilégio.
quista, como a
implantação de
sistemas de abastecimento de água, dependendo das circunstâncias, não era no passado.
O banho
O banho, por exemplo, teve vários significados ao longo da história. Na Grécia era estimulante corporal: breve, frio e revigorante. Em
Roma e nos países islâmicos era usado para
relaxamento e bem-estar. Tinha função social.
Ele não tinha, entretanto, objetivos higiênicos.
Já nos mosteiros medievais, os banhos
tinham propósitos estritos de higiene pessoal.
Não podiam ser demorados. Não era para dar
prazer e às vezes eram impostos como penitência banhos gelados, aos monges rebeldes, para esfriar suas paixões. Nos mosteiros
ingleses, em especial, se tomava banho quatro
vezes por ano.
Em muitos mosteiros havia a ala dos sanitários que era ligada aos dormitórios por uma
ponte. Livros de etiqueta, da era medieval, recomendavam: lavar as mãos, o rosto e os dentes
todas as manhãs. Quando chegava uma visita
era boa educação oferecer-lhe um banho.
1 Wright L. Clean & decent: the fascinating history of the
bathroom and the water-closet. London: Penguim Books
Ltd. 1960.
Os Cruzados ensinaram aos europeus os
benefícios do banho turco. Mas ele logo foi proibido, em virtude da falta de madeira para aquecimento, provocada pelo crescimento das cidades e destruição das florestas. Havia também
uma oposição muito forte feita pela Igreja por
causa da depravação nas casas de banho. Na
França, por exemplo, em 1538 foram demolidas várias dessas casas, por causa disso. Acreditava-se, na época, que o aumento das doenças infecciosas era consequência da contaminação pela água nas casas de banho.
São Benedito representava bem o pensamento da Igreja Católica ao afirmar que:
“aos que estão bem, especialmente aos jovens,
o banho raramente deve ser permitido”. São
Francisco de Assis também fazia referência à
água como recurso natural: “nossa irmã água,
útil, humilde, preciosa e limpa”, porém listava
a sujeira entre as virtudes da santidade. Gregório “o grande”, que foi o primeiro monge a
se tornar papa passou a recomendar a rotina
sanitária nos conventos, permitindo o banho
aos domingos.
Na Europa, durante o século XVIII e no
começo do século XIX, o banho era usado
como tratamento medicinal. Era recomendado aos doentes. Somente por volta de 1860,
é que passa a fazer parte da rotina das pessoas,
mesmo assim, o banho frio ainda era encarado
como penitência.
Com o crescimento das cidades e o aumento
da poluição dos mananciais, a água tinha que
ser buscada a longas distâncias, por isso era
muito valorizada e se prestava somente para
beber e cozinhar e não para banhos.
Abastecimento de água
Em 1349, para combater a peste negra, que
invadia as grandes cidades, foram construídos
sistemas de abastecimento de água em várias
localidades, na Inglaterra. Algumas eram
abastecidas por poços profundos. A bomba
hidráulica, inventada no final do século XV,
foi uma grande aliada dos engenheiros da
época. As extensões das tubulações chegavam
a pouco mais de três km e eram construídas
com chumbo ou madeira, que foram utilizadas até 1941.
O sistema de abastecimento de água de
Saneas / agosto 2005 – 47
História do Saneamento
Londres foi construído em 1237, quando Gilbert Sandford obteve autorização do rei para
explorar os serviços. A água era captada em
poços e no rio Thames. Em 1613, o Thames
já estava poluído e foi preciso captar água a
60 km do centro urbano. Muitas epidemias
ocorreram na Europa nessa época, inclusive
a peste negra, que matou milhares de pessoas.
Os costumes da época talvez tenham sido a
causa principal. Não se conhecia o garfo. As
refeições eram feitas com as mãos. O garfo
começou a ser utilizado como medida sanitária. Outro fator agravante era o lançamento
dos esgotos nos quintais das casas, que perdurou ainda por muito tempo.
As condições de saúde pública começaram a melhorar em meados do século XVIII.
A queda da taxa de mortalidade possibilitou
o crescimento da população de Londres, que
dobrou, no período de 1750 a 1800. Foram
implantados sistemas de drenagem de águas
pluviais e as ruas foram alargadas. Os sistemas de abastecimento de água foram melhorados com a invenção do motor a vapor em
1743 e o início da utilização de tubos de aço
em 1746.
Importantes fatores da melhoria das condições de saúde foram que as roupas de algodão,
que eram mais baratas, podiam ser fervidas
sem estragar, para matar os piolhos, e a utilização de louça e ferro, na confecção de utensílios domésticos, que ajudaram na manutenção da higiene nas moradias. Nessa época, as
casas e os hospitais foram equipados com instalações sanitárias. Nas universidades a medicina passava a ser considerada uma disciplina,
o que já acontecia desde o milênio anterior,
nas escolas da Pérsia. A alquimia e a magia
davam lugar à ciência que nascia pelas mãos
de Isaac Newton.
Em 1756, Londres possuía água em abundância, mas o abastecimento não era constante. Cada casa recebia água por duas ou três
horas, três dias por semana. O esgoto poluía
os mananciais. Em York, a água era deixada
em vasilhas por um ou dois dias, antes de ser
usada. Em Manchester, em 1765, era proibido
dar banhos em gatos e cachorros. Já os palácios tinham seus próprios sistemas de abastecimento de água.
Manuais de higiene
Em 1724, o banho frio era recomendado
duas ou três vezes por semana, no verão e
no inverno. Lavar as mãos com freqüência e
48 – Saneas / agosto 2005
banhar-se nos rios também eram recomendações de saúde.
Os manuais de higiene do século XIX recomendavam evacuação diária e asseio pessoal, a
fim de evitar que uma nuvem pairasse sobre a
pessoa. Banhos de 15 em 15 dias, ou ao menos,
uma vez ao mês, também eram recomendados,
além da troca de roupa branca, roupa de baixo,
tão logo ela estivesse suja, suada ou úmida.
Conta-se que Napoleão tomava banho
quente diariamente, enquanto que Wellington
tomava banho frio. Talvez a melhor disposição
de Wellington proporcionada pelos banhos
frios, tenha sido a causa da sua vitória na batalha de Waterloo.
Os banheiros
Water Closet (WC) é uma das siglas utilizadas em todas as partes do mundo que nasceram
na Inglaterra. Em Paris os vendedores de água
transportavam banheiras nas carroças para os
apartamentos. Em 1838 havia 1013 “banheiras
à domicílio” registradas e licenciadas e somente
2 224 banheiros fixos. Esse luxo, na Inglaterra,
era menor. Em 1837, quando a Rainha Vitória subiu ao trono, não havia banheiro no seu
palácio. O parlamento, então, votou uma verba
especial para a construção de uma banheira
aquecida no quarto de sua majestade.
Paradoxo
Por causa da falta de controle da qualidade da água distribuída, o sistema de abastecimento de água de Londres passou a ser
visto como uma ameaça, durante as epidemias de cólera de 1832 e 1866. Apesar de não
se conhecer o agente infeccioso, sabia-se que
a água contaminada era o meio mais provável da sua disseminação. Assim, o sistema
de distribuição de água colocava em risco a
saúde de toda a população. Propagava-se, na
época, que a cólera teria vindo por causa, e
não apesar, das novas melhorias sanitárias. Os
esgotos das casas dos ricos eram considerados
como ameaças maiores do que os das primitivas favelas, que não eram coletados, ao contrário daqueles que eram coletados e lançados
nos rios que cruzavam toda a cidade. Esses
todos viam.
Com o passar dos anos e com o avanço da
ciência, provou-se que a água limpa para uso
doméstico e para uso da higiene pessoal é fator
importante para a prevenção de doenças infectocontagiosas. Assim, o banho entrou para a
história como um hábito diário necessário. ■
Resenhas
Saúde pública,
desenvolvimento
urbano e econômico
LANDES,
DAVID A
Riqueza e a
Pobreza das
Nações Ed.
Campus, 1998
O autor aborda os motivos
que tornaram os países europeus mais ricos do que outros,
que tinham certas vantagens,
como os asiáticos. Faz avaliação
da revolução industrial do século
XVII e sua influência nos indicadores de qualidade de vida das
populações.
Saúde pública
O aumento considerável da
expectativa de vida nos dias de
hoje se deve mais às conquistas
na área preventiva e à disseminação de hábitos de higiene do
que a melhores remédios. Água
limpa e pronta remoção do lixo
somando-se ao asseio pessoal
fizeram a diferença. Por muito
tempo o assassino foi a infecção gastrointestinal, transmitida
dos dejetos às mãos, destas aos
alimentos e ao aparelho digestivo. Esse inimigo invisível, mas
letal era reforçado de tempos
em tempos por micróbios epidêmicos como o vibrião colérico.
O melhor caminho era a latrina
comum, onde o contato direto
era favorecido pela inexistência de papel higiênico e falta de
roupas de baixo laváveis. Quem
vive com roupas de lã não lavadas
– e as lãs não são boas de lavar
– sentirá vontade de se coçar.
Assim, as mãos estavam sempre
sujas e o grande erro era não
lavá-las antes de comer. Por esse
motivo os grupos religiosos que
aconselhavam tal hábito – judeus
e muçulmanos – tinham menores
taxas de doenças e mortalidade.
Isso nem sempre era bom porque
as pessoas eram facilmente persuadidas de que se menos judeus
morriam era porque envenenavam os poços dos cristãos.
A resposta foi encontrada
não em mudanças na crença
ou doutrina religiosa, mas na
revolução industrial. O principal produto dessa revolução
foi o algodão barato e lavável.
Outro produto foi o sabão feito
de óleos vegetais.
Pela primeira vez o homem
comum podia se dar ao luxo de
adquirir roupas de baixo, conhecidas como “roupa branca”,
porque eram feitas de linho. O
indivíduo podia lavar-se com
sabão e até tomar banho, embora
o hábito de banhar-se em excesso
fosse visto como sinal de sujeira.
Por que pessoas limpas tinham de
lavar-se com tanta freqüência?
Além do algodão e do sabão,
que provocaram impactos positivos enormes nos indicadores
de saúde pública, a melhoria da
nutrição causou declínio das
enfermidades e óbitos. Graças ao
aumento da oferta de alimentos e
a maior rapidez e eficiência nos
transportes, as grandes fomes
coletivas tornaram-se mais raras.
A dieta ficou mais variada e rica
em proteína animal 1.
A antiga divisão do mundo
entre dois blocos de poder:
Leste e Oeste, já não existe mais.
Atualmente, o grande desafio e
ameaça é o abismo em termos
de riqueza e doença, que separa
ricos e pobres.
A outra preocupação, que
acompanha de perto essa primeira, é a degradação ambiental, e as duas estão intimamente
ligadas. A riqueza gera consumo,
mas também lixo, produção, mas
também destruição.
A diferença em termos de
1 Na Primeira Guerra os turcos que
lutavam contra soldados da Austrália e Nova Zelândia ficavam impressionados com a diferença de sua estatura e os jovens franzinos da cidades industriais britânicas.
renda per capita entre o país
industrial mais desenvolvido do
mundo, a Suíça, e o mais pobre
não industrial, Moçambique, é
de 400 para 1. Há cerca de 250
anos essa diferença era de 5 para
1. A diferença entre Europa e sul
asiático (China e Índia) era de
1,5 ou 2 para 1.
Na Segunda metade do século
XIX, a teoria microbiana possibilitou o desenvolvimento de pesquisas e medidas de prevenção e
tratamento efetivo das doenças.
Antes disso, confiava-se no empirismo e na imaginação. Os franceses na Argélia, por exemplo,
para combater a malária fizeram
a drenagem dos pântanos, para
purificar o ar. Essas obras não
purificaram o ar, mas baniram os
mosquitos, verdadeiros agentes
transmissores da enfermidade.
Durante os últimos cem anos
a combinação de medicina e
higiene pública representou uma
enorme diferença em termos de
expectativa de vida. Em 1992, os
bebês nascidos em países pobres
tinham expectativa de vida de 55
anos, enquanto que os nascidos
em países ricos tinham expectativa de 77 anos. Os progressos
mais importantes ocorreram
na redução das taxas de mortalidade infantil. Em 1965, nos
países pobres, as mortes antes de
completar um ano para cada mil
nascidos vivos, era 146. Em 1992
esse número passou para 91.
Nos países desenvolvidos, neste
mesmo período, as taxas recuaram de 25 para 7.
A medicina moderna com os
aparatos tecnológicos pode salvar
e manter as pessoas vivas por mais
tempo, mas isso não significa que
elas se tornem mais saudáveis.
Mortalidade e morbidade são
contraditórias. Pessoas mortas
não contam como doentes, conforme insinuou um pesquisador
da indústria de fumo nos EUA.
Os remédios salvam pessoas, mas
com freqüência para viverem
vidas sem qualidade.
Saneas / agosto 2005 – 49
Os novos alimentos
Os europeus encontraram no
novo mundo novos povos e animais, mas sobretudo novas plantas. Algumas nutritivas, como o
milho, cacau, batata, batata-doce.
Outras alucinógenas e nocivas,
como o fumo e a coca. Outras
com utilidade industrial, como
a madeira nobre e a borracha.
Esses novos alimentos alteraram a dieta em todo o mundo.
O milho serviu de matéria prima
para a cozinha italiana. A batata
é o principal alimento rico em
amido da Europa aos Alpes e
Pirineus, substituindo o pão em
alguns lugares. A batata foi tão
importante que alguns historiadores a consideram a fonte e o
segredo da explosão da população européia no século XIX. No
século XVIII a batata começou
a suplantar o arroz na dieta dos
chineses.
Os europeus trouxeram para
o Novo Mundo os cereais e o
açúcar e nova fauna: cavalo, gado
bovino, caprino e ovino.
As doenças
O pior foi os europeus e africanos terem trazido uma perigosa bagagem microscópica: os
vírus da varíola, sarampo e febre
amarela; o parasito protozoário
da malária, o bacilo da difteria,
a rickettsia do tifo, a espiroqueta
da sífilis, o bacilo da tuberculose.
Contra esses agentes patogênicos os europeus tinham adquirido diversos graus de resistência. Séculos de exposição dentro
da Eurásia tinham selecionado
linhagens que resistiam a tais
doenças. Os ameríndios morriam
em massa. Das doenças ameríndias só se conhece a sífilis.
Já os invasores europeus eram
acometidos de diarréias, que no
México era chamada de “vingança de Montezuma” e na Índia
“barriga de Delhi”. Os europeus
eram vítimas fáceis desses agentes patogênicos e morriam como
moscas. As causas principais
50 – Saneas / agosto 2005
eram a maneira de evacuação, a
coleta de excrementos de maneira
inadequada, abastecimento e
escoamento de água inadequados, hábitos pessoais e costumes
sociais anti-higiênicos.
A Revolução Industrial
A revolução industrial ocorreu
na Europa e não em outro continente que tinha condições até
melhores como a China, na Ásia,
que conhecia a fiação de cânhamo
e a metalurgia, por várias razões,
como: 1) A crescente autonomia
da investigação intelectual. 2) A
criação do método. Só ver não era
suficiente. Era preciso entender e
dar explicações para os fenômenos naturais – sem controvérsia
não existe uma busca séria de
conhecimento e verdade; Invenção da invenção. 3) A rotinização das pesquisas e sua difusão,
apoiando-se em conhecimentos
e idéias acumulados para melhorar as técnicas.
A lã era a matéria prima principal das indústrias inglesas, no
início da Revolução Industrial.
Para desenvolver a produção
local, os ingleses proibiram a
importação de lã e linho da Índia,
em 1700 e em 1721. O algodão
também foi proibido, embora
sua importação nem existisse, na
época. O algodão crescendo mais
depressa possibilitou a geração de
mais empregos e o crescimento
da tecelagem de produtos mais
confortáveis do que os de lã, conforme explicado anteriormente.
Os empregados para trabalhar nas fábricas eram recrutados nos asilos de indigentes e
nos presídios. Recrutavam-se
também mulheres jovens e solteiras e militares. Os artesãos que
também eram recrutados tinham
muita dificuldade para usar as
máquinas. Assim, nem sempre a
produtividade era aumentada na
mesma proporção da aquisição
de equipamentos, o que irritava
os encarregados, tornando as
condições de trabalho cada vez
mais insalubres, com repercussão
nos indicadores de saúde pública
que passaram a declinar, apesar
da riqueza auferida pelos industriais.
O desconhecimento dos costumes e hábitos das populações,
muitas vezes levava a condições
absurdas, como o que ocorreu na
construção de estradas de ferro
na Índia. Conta-se que os engenheiros ingleses ofereciam carrinhos para o transporte de terra,
mas como os indianos estavam
acostumados a transportar cestos
sobre a cabeça, recusavam-se a
usá-los e chegavam a colocar os
carrinhos sobre a cabeça ao invés
de empurrá-los. ■
AGRADECIMENTOS
Arlindo Philippi Jr
José Angel Perez
Kátia Simões Parente
Maria Etelvina Z. Carbone de Morais
Nercy Bonato Donini
Raphaéle Ducrot
Silvio Roberto Magalhães Orrico
Wanda Maria Risso Gunther
Wanderley da Silva Paganini
As solicitações de assinatura da revista SANEAS deverão ser encaminhadas
para a Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESABESP) no endereço
[email protected]. Deverão constar nome, e-mail, endereço, CEP,
cidade e estado do assinante. Valor: R$ 90,00 por 6 edições.
Envie seus comentários, críticas ou sugestões para o Fundo Editorial da
AESABESP pelo endereço [email protected]
RECONHECIMENTO
OPINIÃO
Irene Pinheiro
“C
omeçar de novo”: é assim que a advogada Irene Álvaro Pinheiro inicia a nossa
conversa.
“Em 1980, quando ingressei na SABESP
como estagiária na área de Auditoria, comecei
de novo. Foi o início de uma nova fase, após
trabalhar em um escritório contábil durante
12 anos. Como estagiária, permaneci por três
meses e logo fui efetivada. Era a época em que
a SABESP contratava os estagiários”. Na Auditoria, já com a maioria dos contratos de concessão consolidados pela Companhia, palavras
da Irene, “auditava muito, não só as obras, mas
toda a área comercial, financeira, recursos humanos, fiscal e contábil”.
Ela iniciou o Mestrado em Direito Tributário na PUC, em 1988, concluindo-o em 1993.
Em 1998, foi para o Jurídico da SABESP, onde
permanece até hoje. “Nasci com o perfil de advogada”, nos conta a Irene. “Quando entrei na
Auditoria, fazia um curso de Administração de
Empresas, para engenheiros e advogados. Ajudava os engenheiros assessorando-os na parte
jurídica e eles me ajudavam com a matemática e
a estatística, que não são realmente o meu forte.
Desde aquela época, a advocacia e a engenharia
permaneceram sempre como fortes aliadas”.
“Hoje, o Direito está presente na SABESP
como um sustentador das ações da Companhia, em muitas questões, inclusive quanto às
ambientais”.
“Muitas mudanças importantes aconteceram
durante a minha trajetória. Por exemplo, a forte presença do Ministério Público, que hoje está
em todas as nossas atividades, construindo uma
ponte entre as ações e as exigências, permitindo
à SABESP se adequar às leis e normas e atender
cada vez mais as demandas da sociedade por
um ambiente mais preservado e saudável”.
“O Jurídico contribui muito orientando os
engenheiros, interpretando todo o contexto
das normas jurídicas, para que a engenharia
possa atender, através dos serviços da SABESP,
nossos clientes, minimizando os impactos ambientais e sociais e cumprindo, assim, a missão
da SABESP”.
Com esse perfil profissional e muito pró-ativa, a Irene se aposenta na plenitude de sua capacidade. Como não poderia deixar de ser, está
recomeçando mais uma vez, como há muito
tempo planejava, dedicando-se à carreira acadêmica e já projetando novas experiências, tais
como a publicação de textos e
artigos em revistas especializadas.
Como sonho, idealiza viajar mais e dedicar mais tempo a si própria e à sua casa.
Como mensagem final afirma:
“Não tenham medo. É muito
importante começar de novo,
iniciando nova carreira, nova
vida e novos desafios”.
Da parte dos Engenheiros
da Sabesp ficam o reconhecimento e o agradecimento por
tudo que Irene fez para que
a nossa missão pudesse ser
cumprida. ■
Colaboraram Nercy Bonato Donini e Maria Etelvina Z.
Carbone de Morais.
Depois de 25 anos de carreira na Sabesp, Irene Pinheiro pretende começar um novo desafio.
Saneas / agosto 2005 – 51
AESABESP, 19 anos de realizações
F
• Revisão e alteraundada em 15
ção estatuária da
de setembro de
AESABESP, aten1986, a AESABESP
dendo exigências
é uma entidade
do novo código cirepresentativa dos
vil, sob orientação
profissionais que
do escritório Ducompõem parte do
tra Advogados e
corpo técnico da
Associados.
Sabesp: engenheiros, tecnólogos,
• Cursos de trataarquitetos, geólomento de esgotos
gos e geógrafos.
para associados da
Sua constituição
ANEPSSAL (Aspartiu da necessisociação Nacional
dade de um canal
de Empresas Presde disseminação
tadoras de Servide conhecimentos
ços de Saneamene participação da
to), no Peru, por
categoria.
Diretoria da AESABESP no período de 2003 a 2005
solicitação da JaSeu
principal
pan International
objetivo é defender
Cooperation Agency - Jica, ministrados por nosas posições dos associados. Contudo, a entidade tamsos associados.
bém assume um papel de responsabilidade sócio-ambiental, ao promover bolsas de estudos, cursos de aper- • Convênio com a Fundação CBH do Alto Tietê para
realização, desenvolvimento e implantação de estufeiçoamento, eventos técnicos e culturais e demais fordos e projetos sob regime de cooperação mútua relamas de participação e congraçamento dos associados.
cionado às áreas de proteção e preservação dos maEntre suas realizações, destaca-se a edição anual
nanciais de abastecimento de água.
do Encontro Técnico - ET, que a cada ano aborda um
tema. Em 2004 o tema foi “Saneamento, Direito com
• Representação nos seguintes comitês:
Deveres” e neste ano “Saneamento Ambiental com Éti- Comitê Alto Tiête: Viviana Marli N. A. Borges
ca e Cidadania”. Nos dois últimos anos foram apresen(suplente);
tado 132 trabalhos técnicos.
- SubComitê Cotia/Guarapiranga: Cristiano A. G.
Na atual gestão foram promovidas diversas atividaFeitosa (suplente);
des, como:
- SubComitê Pinheiros/Pirapora: Carlos Alberto
de Carvalho (titular);
• Discussão do Anteprojeto da Política Nacional de
- CEIVAP-Trecho Paulista da Bacia Hidrográfica
Saneamento e apresentação de propostas e questiodo Rio Paraíba do Sul: Paulo Ernesto M. Silva (sunamentos ao Ministério das Cidades.
plente);
• Realização mensal de “Manhãs de Tecnologia”, com in- SERH/Conesan: Eliana K.I. Kitahara (titular)
tuito de trazer novos conhecimentos, serviços e produ• Participação na “Mesa Redonda Paulista de Produtos aos associados e profissionais da Sabesp em geral.
ção Mais Limpa”, onde está sendo preparado um
• Promoção de Encontros Regionais, como o da cidade
convênio com a Canadian Centre For Polluition
de Lins, que em 2004 abordou o tema “UniversalizaPrevention.
ção do Saneamento, Direito do Cidadão” e em 2005,
“Saneamento Ambiental, uma questão de responsa- • Promoção periódica de eventos esportivos e sociais
com o objetivo de integrar, compartilhar e sensibilibilidades social”. Esses Encontros Regionais vêm se
zar seus associados e colegas de trabalho, em ações de
constituindo num grande evento no setor ambiental
equipe e cooperação.
nas diversas regiões do Estado de São Paulo.
• Patrocínio de bolsas de estudos em vários cursos de
pós-graduação, MBA, seminários e congressos. Ao
todo foram 98 associados beneficiados.
• Registro da marca Fenasan como propriedade da AESABESP. Início do processo de patente da marca Encontro Técnico, em 2004
• Parceria com a Unidade de Negócio Oeste da Sabesp
no projeto “Saber Viver”, que tem como objetivo a
redução de consumo de materiais descartáveis.
• Compilação de sugestões dos associados e elaboração de propostas para aperfeiçoamento do Plano de
Remuneração por competência da Sabesp.
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