vol 02, nº 21 agosto / 2005 ISSN 1806-4779 ISSN 1806-4779 Associação dos Engenheiros da Sabesp Avanços do Saneamento Histórias que fazem a diferença PONTO DE VISTA Léo Heller André Marques COMUNIDADE Ivan Carlos Maglio ENTREVISTA Índice de Qualidade de Aterro de Resíduos MEIO AMBIENTE O Desenvolvimento Sustentável e a Paz Saneas SUMÁRIO ISSN 1806-4779 Saneas é uma publicação técnica quadrimestral da Associação dos Engenheiros da Sabesp AESABESP DIRETORIA EXECUTIVA Eliana Kazue Irie Kitahara / Presidente Amauri Pollachi / Vice-Presidente Cecília Takahashi Votta / 1ª. Secretária Aram Kemechian / 2º. Secretário Choji Ohara / 1º. Tesoureiro Emiliano Stanislau de Mendonça / 2º. Tesoureiro DIRETORIA ADJUNTA Carlos Alberto de Carvalho / Diretor de Marketing Gilberto Alves Martins / Diretor Técnico Cultural Ivan Norberto Borghi / Diretor de Esportes Ivo Nicolielo Antunes Junior / Diretor de Pólos Hiroshi Ietsugu / Coordenador de Pólos da RMSP Viviana Marli N. Aquino Borges / Diretora Social CONSELHO DELIBERATIVO Alípio Teixeira dos Santos Neto, Antônio Augusto de Fonseca, Cid Barbosa Lima Jr., Getúlio Martins, Gilberto Alves Martins, Ivo Nicolielo Antunes Jr., José Márcio Carioca, Luiz Henrique Peres, Luiz Yukishigue Narimatsu, Magali Scarpelini Mendes Pereira, Nelson Luiz Stábile, Nizar Qbar, Paulo Eugênio Correia, Reynaldo Eduardo Young Ribeiro, Viviana Marli N. Aquino Borges CONSELHO FISCAL Benedito Felipe Oliveira Costa, Luciomar Santos Werneck, Luis Henrique Werebe CONSELHO EDITORIAL Luiz Henrique Peres (Coordenador), Carlos Alberto de Carvalho, Viviana Marli N. Aquino Borges FUNDO EDITORIAL Equipe responsável pela Saneas: Getúlio Martins (Coordenador) Darcy Brega Filho, Jairo Tardelli Filho, José Antônio Oliveira de Jesus. Odair Marcos Faria (fotógrafo colaborador) JORNALISTA RESPONSÁVEL: Ana Holanda Mtb 26.775, ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA: Formato Artes Gráficas ([email protected]) IMPRESSÃO: Editora Parma (fone: 6462 4000) TIRAGEM: 3.500 exemplares AESABESP Associação dos Engenheiros da Sabesp Rua 13 de maio, 1.642 – casa 1 01327-002 - São Paulo, SP Fone (11) 3284 6420 – 3263 0484 Fax (11) 3141 9041 www.aesabesp.com.br [email protected] 3 APRESENTAÇÃO Completando o ciclo 4 EDITORIAL Engenharia, Política e Sociedade PONTO DE VISTA 5 Saneamento e saúde: maior rigor científico é muito bem vindo 6 Autarquia de saneamento ambiental, uma solução possível MEIO AMBIENTE 8 O Desenvolvimento Sustentável e a Paz ENTREVISTA 10 Lugar de lixo é… MATÉRIA DE CAPA 13 Os avanços do saneamento nas últimas décadas: histórias que fazem a diferença ARTIGOS TÉCNICOS 19 Uso e conservação de energia em uma estação de tratamento de água 24 A deterioração da qualidade das águas continentais brasileiras: o processo de eutrofização 29 A importância da gestão de riscos operacionais para a prevenção de sinistros no saneamento básico 34 A construção de consenso para o desenvolvimento sustentável COMUNIDADE 41 O Plano Diretor e a Sustentabilidade Ambiental das Cidades HISTÓRIA DO SANEAMENTO 47 Limpo e decente RESENHAS 49 Saúde pública, desenvolvimento urbano e econômico RECONHECIMENTO 51 Irene Pinheiro AESABESP 52 AESABESP, 19 anos de realização Foto: Odair Faria apresentação Completando o ciclo D esde a primeira edição, coordenada pela equipe atual do Fundo Editorial da AESABESP, publicada em dezembro de 2003, nosso objetivo tem sido provocar você leitor para reflexões sobre assuntos relacionados com o setor saneamento ambiental, mas que não têm sido incluídos na nossa agenda. Assim foi, no final de 2003, quando vários engenheiros eram réus em processos judiciais ou administrativos, por causa da degradação ambiental provocada pelo lançamento de efluentes nos rios, sem tratamento. Na edição do final desse ano, a matéria de capa: “Saneamento e Meio ambiente: direitos e responsabilidades” procurou amparar nossos colegas e discutir soluções, inclusive com o Ministério Público. Na mesma época, as estiagens prolongadas, que colocaram em risco o abastecimento de água na Região Metropolitana de São Paulo motivaram os debates no Seminário de lançamento da edição de abril de 2004, onde se discutiu: “Mudanças climáticas globais: efeitos regionais e locais”. Em agosto de 2004 o tema da matéria de capa foi: “Qualidade da água: qualidade da vida”, porque com os níveis baixos nos reservatórios e menor diluição dos esgotos, o resultado foi água mais poluída. Como conseqüência, aumentaram as despesas operacionais nas estações de tratamento de água. Várias propostas foram discutidas no lançamento dessa edição realizado no nosso Encontro Técnico do ano passado. As soluções para os problemas, que vinham sendo discutidos aqui, estavam sempre fundamentadas nos princípios do “Desenvolvimen- Reunião da equipe do Fundo Editorial da AESABESP to Sustentável: um ideal possível e necessário” conceituados sob diversas visões, na edição de dezembro de 2004. A engenharia contribui para soluções de problemas encontrados na sociedade. Seus projetos sempre causam impactos na vida das pessoas. Em abril de 2005 o tema “Engenharia: profissão antiga, perspectivas novas” deixou ensinamentos muito importantes. Exemplo disso foi o alerta do professor Ubiratan D`Ambrosio de que o engenheiro precisa “sair da sua gaiola”. Sua especialização não pode impedi-lo de estudar, refletir e opinar sobre outros assuntos. A sensibilidade para as questões sociais não é ensinada nas escolas de engenharia, mas precisa ser considerada nos projetos, sob o risco de se fracassar nas implementações. Várias regiões do Brasil possuem níveis de qualidade e cobertura de serviços de saneamento superiores aos de países desenvolvidos. Isso não aparece nas médias estatísticas. Nos últimos anos, o que mais se discutiu nos congressos foi a necessidade da implantação de políticas setoriais. Para fazer prevalecer seu ponto de vista, cada entidade acaba usando os números conforme sua conveniência, muitas vezes sem mostrar as conquistas reais do setor. Nesta edição, a última coordenada pela equipe atual, fecha-se o ciclo iniciado há dois anos e que a cada quatro meses foi sendo construído com idéias, novas ou velhas, mas sempre levadas em conta. O tema será “Uma história de conquistas” que pretende trazer para o primeiro plano o verdadeiro significado do saneamento, na melhoria das condições de saúde da população, na inclusão social, no desenvolvimento econômico e social sustentáveis, na prática da democracia, enfim na promoção da cidadania. Esperamos que os assuntos das seções e artigos técnicos estimulem suas reflexões. Como nas outras edições, os temas abordados são o resultado do trabalho de uma equipe dedicada de voluntários que produziu esta revista, que afinal pode também ser considerada uma conquista do setor saneamento ambiental. Obrigado a todos os colaboradores. Estamos certos de que os nossos sucessores continuarão, com esforços redobrados, a publicação de Saneas com qualidade ainda melhor. Boa leitura. Saneas / agosto 2005 – 3 editorial Engenharia, política e sociedade Eng. Eliana Kazue I. Kitahara Presidenta da AESABESP T odos nós usuários da água, recurso finito, sabemos que ela mantém a vida e cobre a maior parte da superfície da terra. Apesar de considerá-la imprescindível para o desenvolvimento do país, muitas das ações do homem demonstram que questões importantes envolvendo esse assunto, ainda continuam desconhecidas da grande maioria das pessoas. A necessidade crescente da água para o abastecimento doméstico, na agricultura e na indústria, faz com que nas regiões onde ela não é abundante, se constitua ainda em um problema de política de gestão pública. Apesar das dificuldades e necessitando de muitos investimentos, vontade política e conscientização da população, muita projetos de despoluição bem-sucedidos existem aos punhados no mundo. Nas Olimpíadas de 2000, os australianos exibiram ao mundo como é possível recuperar Heliana Kitahara presidente uma orla marítima degradada da AESABESP num espaço de tempo relativamente curto. Entre os projetos aplicados, o Government’s Waterways Package, iniciado em 1997 e com custo de 1,6 bilhão de dólares foram exclusivos para reduzir a poluição proveniente de águas pluviais. A principal obra do programa é o piscinão, o Northside Storage Tunnel.É um mega reservatório que armazena 90% das águas de chuva escoadas e poluídas.Os resultados foram visíveis. Na praia de North Steyne, por exemplo, a concentração de 1887 unidades de coliformes fecais por 100 mililitros detectada no verão de 1989- mais de dez vezes o limite máximo aceitável - caiu para quatro unidades em 1999. Nova York é outro exemplo de sucesso.A maior cidade americana, com 17 milhões de habitantes, conseguiu reduzir a zero a quantidade de esgoto não tratado que despeja em torno da ilha de Manhattan, o coração da cidade. A poluição da água era um problema, onde em 1910, tomar banho no Porto de Nova York consumir ostras nele pescadas já era conside4 – Saneas / agosto 2005 rado uma atividade perigosa para a saúde. O estabelecimento de uma duríssima lei contra a poluição da água, o Clean Water Act, sancionado em 1972, permitiu à Agência de Proteção Ambiental impor padrões para a descarga de poluentes e controlar a poluição.Atualmente é permitido o banho, porém o consumo dos peixes ainda é proibido. Os artigos dessa edição relatam que no Brasil, muitas ações também estão sendo implementadas para garantir água de boa qualidade a milhões de pessoas principalmente nos grande centros urbanos e evitar catástrofes decorrentes de epidemias, contaminação e poluição. Especificamente em São Paulo, relatórios da Secretaria do Meio Ambiente no contexto da qualidade da água sob responsabilidade da Sabesp, tem apresentado sensíveis melhoras graças à capacidade técnica de nossos profissionais, aos recursos investidos em tratamento, com tecnologias avançadas e saneamento básico. Resultados mais eficientes e satisfatórios para os problemas da água poderão ser obtidos, não somente nos avanços tecnológicos com soluções científicas e de engenharia, mas nos avanços políticos, gerenciais e de organização institucional em nível de bacias hidrográficas. Ações locais e regionais diversificadas podem ser compartilhados em discussões nos comitês de bacias hidrográficas.Nesse fórum há a possibilidade de aprofundar os estudos que utilizam a cultura local sobre a água e sua influência social, devendo estimular novos procedimentos e atitudes. Uma mudança dessa atitude deve ser fundamentada na ética social com diretriz para a proteção e a recuperação dos recursos hídricos. Essa ética pode contribuir muito ao promover uma revolução no comportamento de pessoas e instituições diante da escassez da água e sua degradação. Quando a compreensão do problema for mais sensibilizada e estiver disseminada por toda a sociedade, a segurança coletiva e a segurança individual relacionada à água estarão garantidas, proporcionando alternativas de melhor qualidade de vida, mais saúde e maior capacidade produtiva a milhões de pessoas. ■ OPINIÃO PONTO DE VISTA Saneamento e saúde: maior rigor científico é muito bem vindo Pensar e formular sobre os impactos do saneamento na saúde não constitui assunto de leigo e não deve ser objeto de generalizações Léo Heller N o Brasil, 60% das internações hospitalares são provocadas por doenças relacionadas à ausência de saneamento… Esta afirmativa tem sido, pelo menos nos últimos 10 anos, o principal argumento da área de saneamento para, interna e externamente, propugnar por prioridades. O que há de verdade nela? Nada. Qual tem sido o sucesso da argumentação? Provavelmente pequeno, considerando as oscilações quanto à esperada prioridade, ou até negativo em alguns meios... Em recente editorial, publicado em reconhecido periódico da área de saúde pública, tal afirmativa é taxada de “lenda urbana”, pois este valor em termos globais no Brasil deve ser próximo de 5%. Tal constatação leva o autor do editorial a sugerir que, como a maior parte da população urbana brasileira vem se conectando às redes de água e esgoto, a agenda do saneamento estivesse se alterando, e as prioridades atuais corresponderiam a ações mais específicas, como “o tratamento de esgotos, a destinação adequada do lixo e a proteção de mananciais”. Nenhuma inverdade no raciocínio. Mas, no seu conjunto, pode resultar em conclusões perigosas, invertendo o grau de importância que deve ser atribuído ao saneamento como medida de saúde pública. Essas e outras reações eram previsíveis. A repetição, quase à exaustão, de uma “inverdade conveniente” inevitavelmente acaba por desencadear ações em sentido radicalmente oposto. Afirmativas dessa natureza, ao contrário de se beneficiarem do célebre ditado de Goebells - uma mentira repetida inúmeras vezes se transforma em uma verdade -, termina por cair na armadilha lincolniana: pode-se enganar uma pessoa todo o tempo ou todas as pessoas por algum tempo, mas jamais todas as pessoas por todo o tempo. Na verdade, a ausência ou deficiência de condições de saneamento conduz a internações, mas a proporção com que isto ocorre dentre o total das internações é variável, a depender do contexto social, econômico, sanitário e da própria organização e capacidade de registro de informações do sistema de assistência à saúde. Por outro lado, se tal proporção não é tão elevada, isto definitivamente não significa a pouca importância das condições de saneamento na proteção à saúde humana. Ausência ou deficiência de condições de saneamento provoca um expressivo conjunto de agravos à saúde. A subtração deste direito da cidadania pode ser determinante de um amplo e variado espectro de doenças: as clássicas enfermidades de transmissão feco-oral, como a cólera; as relacionadas ao armazenamento inadequado da água, como a dengue; as transmitidas por vetores que proliferam em locais com disposição inadequada de resíduos sólidos; as relacionadas com a ocorrência de enchentes e, mais característico da modernidade, as doenças relacionadas à ingestão de agentes químicos. Ocorre que há diferentes maneiras de quantificação desses efeitos, sendo a internação uma delas. As estatísticas de internação medem mais adequadamente agravos à saúde de maior severidade, como doenças respiratórias e doenças cardio-vasculares, ou ainda procedimentos que exigem a presença nos hospitais, como o parto. De uma forma geral, as doenças redutíveis pelo saneamento caracterizam-se por baixa severidade - pequena proporção dos doentes se interna - e baixa letalidade - pequena proporção dos casos severos morre. Basta que se pense na diarréia, um dos mais importantes indicadores da ausência de saneamento, para se Engenheiro Civil, Especialista e Mestre em Engenharia Sanitária, Doutor em Epidemiologia. É profes- sor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG desde 1990. Saneas / agosto 2005 – 5 Ponto de Vista perceber claramente o raciocínio. Segundo estudos recentes, a diarréia é responsável por 4,3% das DALYs (anos de vida perdidos por incapacitação ou mortes precoces) no mundo, sendo que 88% dessa carga de doenças é atribuída ao abastecimento de água, à disposição de excretas e à higiene inadequados. A maior concentração dessa carga de doenças é em crianças de países menos desenvolvidos. Efetivamente são as crianças o grupo mais vulnerável às doenças determinadas pelo saneamento deficiente, uma vez que 40% da carga mundial de doenças atribuídas a fatores ambientais afetam crianças menores de cinco anos, ou seja, 10% da população mundial. Tais doenças provocam a morte de três milhões de crianças por ano, sendo que dois milhões delas vão a óbito por diarréia. Por outro lado, o conjunto dos estudos epidemiológicos mais bem conduzidos, que testaram a relação entre a ausência de saneamento e a diarréia, mostram que pode-se esperar uma redução entre 30 e 40% desse indicador quando se implantam condições adequadas de abastecimento de água ou de disposição de excretas, ou ainda quando se melhora a higiene. Ou seja, o benefício resultante pode ser significativo e de grande impacto na saúde pública. Ao se raciocinar sobre esses impactos, deve- se ter a cautela de reconhecer que a realidade não é homogênea. As necessidades de saneamento e os impactos sobre a saúde esperados de uma intervenção nas regiões de renda elevada da cidade de São Paulo são muito diferentes daquelas nas favelas de São Paulo. Em termos médios, o Sul e o Sudeste brasileiro apresentam diferenças indiscutíveis em relação ao Norte e ao Nordeste. As zonas urbanas diferenciam-se radicalmente das zonas rurais. Populações e assentamentos específicos, como áreas indígenas e remanescentes de quilombos, apresentam características próprias e necessidades também específicas. Não se trata somente de assumir a Belíndia que há no Brasil e nos demais países em desenvolvimento, mas também de reconhecer as diferenças culturais, que determinam diferentes concepções de engenharia e distintos impactos sobre a saúde. Em síntese, pensar e formular sobre os impactos do saneamento na saúde não constitui assunto de leigo e não deve ser objeto de perigosas generalizações. Ainda que as estatísticas sobre essas relações possam ser convenientes para conclamar a necessária prioridade que a área merece, seja para disputar recursos ou até para vender tubulações, há que se ter cautela e rigor científico em suas formulações. Sob o risco de o “tiro sair pela culatra”. ■ Autarquia de saneamento ambiental, uma solução possível As ações de saneamento devem ser encaradas como medidas de saúde pública André Luis de Paula Marques P ara entendermos melhor o saneamento no Brasil faremos algumas considerações. Atualmente os serviços de saneamento básico são atendidos por uma diversidade de arranjos institucionais nos quais convivem prestadores estaduais, municipais e privados. Segundo a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, nos sistemas de água, as empresas estaduais são responsáveis por 75% da população urbana, os municipais por 22% e os privados por 3%, enquanto que nos sistemas de esgotos, as empresas estaduais operam em cerca de 14% dos municípios, e os municípios são responsáveis pelo restante e no manejo de resíduos sólidos os serviços são prestados em 88% pelas prefeituras e 11% por empresas privadas. O setor de saneamento está há mais de 15 anos sem regulamentação e por isso atinge li- Engenheiro. Mestre e Doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP. Diretor Técnico do Serviço Autô- nomo de Águas e Esgotos de Guaratinguetá - SAAEG 6 – Saneas / agosto 2005 Ponto de Vista mites críticos, mas, finalmente está em discussão no Brasil o Projeto de Lei nº 5296/2005 apresentado em 16 de maio de 2005 que possui como objetivos: Diretrizes para os serviços de saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico. Devido a esta falta de priorização do setor, está estimada em torno de R$ 170 bilhões, a necessidade de investimentos para universalizar o saneamento nos próximos 20 anos, segundo a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades. Estas necessidades estão estimadas na seguinte divisão: a região Sul necessita de 19% desse montante; o Sudeste, 38%; a região Nordeste 24% dos recursos; a Norte de 10% e a Centro-Oeste de 9%. Ou seja, a necessidade de recursos para a universalização dos serviços de abastecimento de água, a coleta e o tratamento de esgotos, assim como a coleta e tratamento de lixo é muito maior que os recursos investidos no setor. Esta falta de regulamentação e de investimentos em saneamento refletem justamente no momento em que as concessionárias prestadoras destes serviços vêem os seus contratos chegarem ao fim e inicia-se a discussão da renovação dos novos contratos pelos municípios. A política de saneamento deve partir do pressuposto de que o município tem autonomia e competência para organizar, regular, controlar e promover a realização dos serviços de saneamento de natureza local, no âmbito de seu território, podendo fazê-lo diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, associado com outros municípios ou não, respeitando as condições gerais estabelecidas na legislação nacional sobre o assunto. No âmbito do Serviço Nacional de Saneamento Ambiental, autarquia é uma entidade com personalidade jurídica de direito público, criada por lei específica, com patrimônio próprio, atribuições públicas específicas e capacidade de auto administrar-se, sob controle estadual ou municipal. No município, a Autarquia Municipal de Águas e Esgotos é considerada uma das grandes empresas nas cidades onde estão implantadas; tanto em faturamento como na geração de empregos diretos e indiretos e ainda assume um papel de implantação de políticas públicas, atuação responsável, de educação ambiental e do uso racional da água e também possui um papel no âmbito da responsabilidade social. Uma Autarquia se bem administrada, sem grande interferência política, com um planejamento estruturado, consegue prestar serviços de qualidade com valores tarifários muito inferiores a companhias estaduais. A sua capacidade de investimento é menor, mas mesmo assim os indicadores mostram importantes conquistas no setor. Outra importante vantagem é a capacidade de retorno ou resposta rápida em relação aos anseios da população, principalmente devido a uma menor estrutura. A área de saneamento tem interface com as de saúde pública, desenvolvimento urbano, habitação, meio ambiente, resíduos urbanos e recursos hídricos, dentre outras. Desta forma com o crescimento dos problemas administrativos no município surgiu também a idéia de uma nova forma da gestão dos resíduos sólidos. A questão do lixo deixou de ser preocupação apenas dos grandes centros urbanos. Com o crescimento das cidades o problema se agravou, atingindo também o interior do país. A contaminação do meio ambiente gera riscos, cada vez maiores, à própria população geradora do lixo. Surge então a possibilidade da construção de uma Gestão Integrada das Águas, Esgotos e Resíduos Sólidos no município, ou seja, a criação de uma Autarquia de Saneamento Ambiental. Isto permite o uso de uma estrutura já existente e eficiente na Autarquia administrativa e financeira. O primeiro grande obstáculo, para implantação de um sistema é a forma de cobrança da taxa de lixo, pois hoje a base de cálculo utilizada é feita por m2 de área construída do imóvel. Muito se tem discutido sobre a cobrança da taxa de lixo, de forma que seja justa, ou seja, pagar por aquilo que cada um gerou. Relacionar a geração de lixo com o consumo é uma possibilidade real e possível. A conjugação de esforços dos diversos organismos que atuam nessas áreas oferece um grande potencial para a melhoria da qualidade de vida da população. A articulação e integração institucional se constituem em um importante mecanismo para uma política pública de saneamento, uma vez que permite compatibilizar e racionalizar a execução de diversas ações, planos e projetos, ampliando a eficiência, efetividade e eficácia dos serviços prestados à população. ■ Saneas / agosto 2005 – 7 MEIO AMBIENTE O Desenvolvimento Sustentável e a Paz Trabalho pelo Desenvolvimento Sustentável recebe Prêmio Nobel da Paz pela primeira vez Getúlio Martins T Getúlio Martins odos os povos têm sonhos em comum, que dependem de uma série de fatores, como religião, localização geográfica, história e lutas. A felicidade, a paz e ser respeitado, por exemplo, são desejos de todos. A história de cada etnia, no entanto, imprime, pela dor, na maioria das vezes, padrões éticos diferentes. Esse é o primeiro obstáculo para se chegar à verdadeira paz universal, a falta de uma ética universal. A começar pelo entendimento da verdade. Fernando Pessoa ilustra bem o que se quer dizer: “Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que haviam se zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro via um lado diferente. Não. Cada um via as coisas exatamente como se havia passado, cada um via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso dessa dupla existência da verdade”. A paz a que se refere aqui, não é somente a ausência de guerra, mas a paz mental, social, econômica, espiritual, familiar e ambiental, ou seja, todas as dimensões da paz. Ao se conceder o Prêmio Nobel da Paz à Wangari Maathai, uma bióloga e veterinária do Quênia, em 2004, a dimensão Ambiental foi trazida para o foco das atenções. Isso porque a plataforma de luta da vencedora, nesse ano, foi a mobilização de mulheres, durante trinta anos, para o plantio de 30 milhões de árvores, por meio da criação da ONG “Green Belt Moviment”. Essa organização desenvolve também outras atividades, que ajudaram a justificar a premiação, como educação, planejamento familiar, nutrição e luta contra a corrupção, combinando, assim, ciência com ações política e social 1. O Prêmio Nobel da Paz existe desde 1901. O primeiro ganhador foi o fundador da Cruz Vermelha Internacional. Na seqüência foram laureadas pessoas ou instituições que se destacaram no trabalho humanitário, no controle de armas e desarmamentos, ou em movimentos pela paz, como advogados dos direitos humanos e mediadores de conflitos internacionais. Pela primeira vez uma mulher africana foi premiada. Só isso já significou uma quebra de paradigma. Mas, o que chamou mais a atenção do mundo, foi a justificativa da premiação: trabalho destacado pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia e pela paz. Isso deu à premiação de 2004 um significado muito importante para o setor Ambiental que, na visão cartesiana e fragmentada da ciência clássica, não tinha nada a ver com a Cultura de Paz, ou pelo menos nunca tinha justificado um prêmio desse. Nos últimos 300 anos a ciência e a tecnologia possibilitaram o nascimento da indústria, que causou um impacto enorme nos costumes, pelo aumento da produção de bens, em geral, e em especial de alimentos. As conseqüências foram imediatas: crescimento exponencial da população e migração para as cidades com todas as suas conseqüências boas e ruins. Em todos os setores produtivos o que se buscou, nesse período, foi um crescimento sem limites. A partir do final da década de 1960, esse modelo de crescimento ilimitado começou a ser questionado. Montado sobre a exclusão de dois terços da população mundial e pautado pela competição feroz entre seus agentes, com conseqüências desastrosas para os ecossistemas, 1 http://nobelprize.org/peace/laureates/2004/press.html Físico e Engenheiro. Mestre e Doutor em Saúde Pública pela USP. Membro do Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz, um programa da UNESCO. Secretário de Serviços Urbanos de Aparecida-SP 8 – Saneas / agosto 2005 Meio Ambiente ele não garante a sustentação da totalidade da população atual e muito menos das futuras. A situação foi se agravando e a solução proposta foi o Desenvolvimento Sustentável. Conforme mencionado por Leonardo Boff, na edição de dezembro de 2004, desta Revista 2, essa expressão encerra “oportunidades e também equívocos perigosos”, mas, no entanto, tem provocado reflexões e debates muito positivos nos diversos setores da sociedade e representa um dos fundamentos da Cultura de Paz expostos no Manifesto 2000 3. Na teia da vida em que tudo está interligado, esse Desenvolvimento de maneira Sustentável, tão almejado, só será possível em um ambiente de Paz, porque ambos pressupõem as mesmas condições, como algumas relacionadas a seguir: • Respeito pela vida de todas as espécies. A auto-estima é o primeiro passo para isso, já que gostar da gente é fundamental para se gostar e respeitar os outros. • Rejeição a todas as formas de violência. Na maioria das vezes, elas nem são percebidas, de tanto que se repetem. Como lidar com elas é que é o mais difícil. A forma encontrada por grandes líderes, como Gandhi e Martin Luther King, foi a prática da não violência ativa, que significa não abrir mão dos seus direitos, de maneira não violenta. • Praticar a generosidade que “é o fundamento de toda socialização porque abre um espaço para o outro ser aceito como ele é. E, a partir daí, podermos desfrutar sua companhia na criação do mundo comum, que é o social”, conforme Humberto Maturana 4. • Exercício do diálogo, que afinal é a maneira mais eficiente de se resolver conflitos. A condição para isso, entretanto, é ouvir a outra parte para poder compreender as suas razões e construir soluções alternativas em conjunto. • Prática da solidariedade, contribuindo com trabalho voluntário para o desenvolvi2 Boff Leonardo. Desenvolvimento e sustentabilidade em contradição. In Saneas. AESABESP: São Paulo, dezembro de 2004. ISSN 1806-4779. Pode ser consultada em:www. aesabesp.com.br. 3 Elaborado pelos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, em 1998, por ocasião dos 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Pode ser encontrado em: www.comitepaz.org.br. 4 Diskin, Lia. Paz, como se faz?: semeando cultura de paz nas escolas. Lia Diskin e Laura Gorresio Roizman. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro, UNESCO, Associação Palas Athena, 2002. mento comunitário. • Comprometimento com a preservação do planeta, cuidando dele como nossa casa, agindo sempre em conformidade com a sua capacidade de auto-recuperação. Para que tudo isso aconteça, entretanto, é preciso uma profunda revisão dos nossos valores identificando o que realmente importa e dá sentido para a nossa existência, provocando, com isso, mudanças nos valores sociais. É importante lembrar que no convívio social, em todos os lugares, na família, na empresa e na comunidade, só se consegue mudar a si mesmo, embora muitas vezes a vontade seja mudar o outro. Com isso resolvido, alguma coisa precisa ser feita, porém conscientes de que não há receitas acabadas, para cada situação. Como a semente, a paz precisa ser espalhada por todos os cantos. Gandhi contava a história de um “Rei da Índia que chamou todos os sábios do seu reino para lhe explicar o significado da paz. Nenhum conseguiu convencê-lo. A única pessoa que poderia esclarecer a questão era um velho de uma aldeia distante, conforme garantiu um professor muito importante do reino. O Rei, curioso, partiu de madrugada para a aldeia. Encontrou o velho na cozinha da sua casa humilde, e foi logo perguntando o que afinal significava a paz. O velho pegou uma semente de trigo e entregou ao Rei dizendo: tome, ela significa a paz. Sem entender, mas também muito orgulhoso para perguntar, o Rei guardou a semente em uma caixinha de ouro e foi embora. Todos os dias olhava a semente e nada acontecia. Um dia mandou chamar o professor que tinha indicado o velho e perguntou o significado daquilo tudo. Disse-lhe o professor: esta semente, se for guardada, acaba apodrecendo, mas se for colocada em contato com a terra, o ar, a água, produz outras sementes, campos de trigo e pode alimentar milhões de pessoas. Assim é a paz. Se ficar guardada não adianta nada. Mas se for repartida, se multiplica, produz frutos e alimenta a felicidade de milhões de pessoas”. Por mais insignificante que possa parecer reparta com os outros a paz que você alcançar. Um bom dia ou um abraço, vale a pena fazer alguma coisa. Wangari Maathai plantou muitas árvores. Pode ser um bom começo. ■ Wangari Maathai bióloga e veterinária Queniana que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2004 Saneas / agosto 2005 – 9 ENTREVISTA ARUNTHO SAVASTANO NETO Lugar de lixo é… A disposição adequada dos resíduos sólidos em boa parte dos municípios paulistas é um dos grandes avanços na área do saneamento. Mas para chegar nesse saldo positivo foi preciso investir em parcerias e contar com o apoio de gestores e da comunidade O s resíduos sólidos domiciliares, o lixo colocado na lata diariamente, precisa ter destino certo para evitar uma lista extensa de problemas para a saúde. Nos últimos anos, campanhas de educação ambiental deram força extra para a redução da quantidade de lixo transportada para os aterros sanitários. Além disso, o conceito de Produção+Limpa tem contribuído para a diminuição de resíduos na origem. Aruntho Savastano Neto, Apesar dos esforços, ainda assistente executivo da Diretoria existem toneladas de lixo de Controle de Poluição Ambiental que precisam ser despejada Cetesb dos em algum lugar. O ideal é que isso esteja bem longe dos olhos. Não por uma questão de estética apenas, mas porque a proximidade com este material traz prejuízos ao organismo. Também não pode ficar junto a áreas protegidas, porque daí quem sofre é a natureza e, no final desta cadeia, a população da região, seja pela contaminação do solo seja pelos danos à água. Mas como controlar isso? Há oito anos, a Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo) criou ferramentas para colocar ordem na disposição dos resíduos no Estado. Daí nasceu o “Inventário Estadual de Resíduos Sólidos”, um relatório que propõe notas aos municípios de acordo com a disposição desse lixo e tenta, por meio de ações punitivas, mas também programas de apoio, encontrar soluções viáveis e um destino seguro e ambientalmente responsável para todo esse material. Esta avaliação faz parte do trabalho do engenheiro civil Aruntho Savastano Neto, assistente executivo da Diretoria de Controle de Poluição Ambiental da Cetesb, que desde 2000 é um dos responsáveis pela edição do relatório. Formado pela escola de engenharia de Lins (SP), Arun10 – Saneas / agosto 2005 tho sabe que ainda existe muito o que fazer para dispor todo o lixo de maneira adequada pelos mais de 600 municípios do estado. Mas os resultados nos últimos oito anos foi pra lá de positivo para uma melhor qualidade de vida. Os caminhos para tornar isso possível e os desafios para os próximos anos foi o tema desta entrevista para Saneas. Como se chegou a um retrato da disposição dos resíduos sólidos no estado de São Paulo? No início da década de 1990, não existiam valores padronizados que pudessem servir de parâmetro ou de ferramenta de avaliação da situação em que se encontravam os aterros sanitários (veja boxe). O primeiro passo, então, foi chegar nesses dados. Sabemos de acordo com o tamanho do município o quanto cada habitante gera de lixo. Existe um valor padrão para isso. A partir disso, aplicamos a taxa de geração de lixo sobre a população e chegamos a um volume de resíduos sólidos estimado. Depois, nossos agentes visitam esses lugares e checam uma série de quesitos, como onde este material está disposto, se existem pessoas morando próximas etc. Cruzamos todos esses dados e chegamos ao ‘índice de qualidade de aterros de resíduos’, o IQR, que serve como um termômetro para medir a situação da disposição de cada localidade. A primeira avaliação foi deita em 1997 e a última no ano passado, em 2004. O que se percebeu nos últimos oito anos em relação a disposição do lixo? Em 1997, tínhamos 77,8% dos municípios do estado coletando seus resíduos e dispondo no solo de forma inadequada e apenas 4,2% estavam classificados como adequados. Esses números foram revertidos a medida que o estado começou a usar o Inventário como ferramenta de avaliação. A partir disso, foi possível buscar soluções e formular políticas capazes de reduzir este índice tão elevado de inadequação. Entrevista Como era possível quase 80% dos municípios terem disposição inadequada? Nos grandes municípios, como São Paulo, Campinas, São José dos Campos, a disposição era adequada ou controlada. E isso, na época, foi uma constatação positiva. Entretanto, quando levantamos os dados de todos os municípios, a balança pendeu para o outro lado. A maioria não dispunha seus resíduos corretamente, jogavam em local não adequado, formavam lixões de forma aleatória, sem controle ou preocupação, próximo de lençol freático. Existia lixo disposto na margem de rios, sem qualquer tipo de preocupação do ponto de vista técnico ou sanitário. Isso nos levou a uma ação intensa junto aos municípios: autuando, fiscalizando e provocando a assinatura de termos de ajustamento de conduta para reverter essa situação. Mas não tivemos simplesmente uma ação punitiva. Desenvolvemos alguns programas junto ao governo para auxiliar esses lugares a alcançar uma situação melhor do ponto de vista sanitário. Quais programas que os municípios podem recorrer para melhorar a situação sanitária de seus aterros? O Fundo de Recursos Hídricos (FEHIDRO) é um deles. O prefeito solicita ao comitê de bacia ao qual ele pertence verba para a resolução dessa questão. Já foram liberados nesses últimos anos cerca de R$ 13,95 milhões deste Fundo. Outro programa é o de ‘aterro sanitário em valas’. Os pequenos municípios, com até 25 mil habitantes, geram um volume pequeno de resíduo também. E a solução para a disposição adequada é fazer o aterro sanitário em vala, que é menor, de mais fácil operação e controle e por conseqüência mais barato para implantar e operar. Por último, um programa importante é o Fundo Estadual de Controle e Prevenção da Poluição, através dele já atendemos 565 municípios dos 645 do estado de São Paulo. Foram gastos R$ 70 milhões para a aquisição de caminhões e equipamentos para a operação destes aterros sanitários. São municípios que até um ano e meio atrás coletavam esse lixo com carroça de tração animal e hoje contam com caminhão com compactador. O que antes era feito em céu aberto, tracionado por cavalo, no centro da cidade, hoje é feito em caminhão e com a questão sanitária perfeitamente contemplada. Quem está mais consciente sobre essas questões sanitárias: a sociedade ou o governo? Acredito que os gestores estão mais conscien- tes, mas a sociedade também tem uma parcela de contribuição muito importante nisso. Ninguém quer um lixão, um depósito de lixo descontrolado perto de sua casa. Por menos favorecida que seja essa pessoa, por menos culta, o lixo incomoda. Isso força o município a adotar uma solução. Existem, por exemplo, algumas regiões pobres em que as pessoas tiram valores econômicos do lixo. São os catadores. É papel da prefeitura ou da empresa concessionária não permitir que as pessoas fiquem nesse local de disposição do lixo. No quadro de notas, atribuídas no relatório, essa parte social corresponde a 1/3 da nota. Então, adequar um aterro sanitário envolve também questões sociais. Ou seja, o saneamento mexe com muitas esferas: econômica, política, ambiental e ainda social. Em geral o município busca soluções a partir do momento que é notificado ou existem atitudes espontâneas também? Acontecem as duas coisas. Ninguém quer seu município enquadrado numa situação ruim. Muitas vezes essa situação ainda permanece por conta de algum problema recorrente no município, como falta de recurso. E nossa função é procurar ser parceiro. Só quando não há reciprocidade, somos obrigados a multar, interditar, adotar uma medida mais drástica. Temos municípios que são exemplo, que são nota 10? Temos vários que são nota 10, mas ainda temos aqueles que chegam próximos da nota zero e são alvo da nossa ação quase diária. Hoje, ainda temos quase 30% na situação de inadequado. Existem municípios muito pobres, onde não há condição de topografia, hidrologia para o armazenamento. Não é o caso de São Paulo, que dispõe seus resíduos em dois grandes aterros sanitários, o Sitio São João, na Zona Leste da cidade, e o aterro Bandeirantes, que fica próximo a rodovia dos Bandeirantes, em direção a Jundiaí. O município de São Paulo gera em torno de 12 mil toneladas/dia de resíduos que são dispostos meio a meio nesses dois aterros. Qual o caminho trilhado pelos municípios que são nota 10? O caminho é simples. São lugares em que os gestores se dedicaram a esta questão e se propuseram a resolvê-la. Muitos contaram com os apoio dos programas que já citei para adotar soluções como a escolha de uma área adequada Saneas / agosto 2005 – 11 Entrevista para implantar o seu aterro, montar uma estrutura. Alguns terceirizaram este trabalho, dispondo o lixo num aterro particular, licenciado, controlado. As realidades são muito diversas. Temos municípios pequenos, com muita área disponível, adequados para disposição. Temos outros que são pequenos e pobres e não têm locais para isso, como municípios do litoral, próximos da orla marítima. E temos municípios com poder aquisitivo e sem área, como por exemplo São Caetano do Sul. Há muito tempo, os resíduos de São Caetano são dispostos num aterro em Mauá, simplesmente porque não existe área no território para implantar um aterro. Isso é uma opção da prefeitura, a partir da sua análise de custos. situação em que todos os municípios tenham nota acima de 8, ou pelo menos tenham superior a 6,1, que é considerado um aterro controlado. É claro que existem situações críticas, mas muitos dos municípios com notas baixas em 2004, estão alcançando condição adequada para o próximo relatório. E qual a conseqüência disso para a população? Dá para sentir uma melhor condição de vida, principalmente em relação a saúde, nas comunidades. Existem vários municípios que tinham o lixo jogado junto do ponto de captação de água para abastecimento e que hoje está dispondo num aterro em vala, de uma forma melhor, com mais controle. E isso reduz o risco de doenças para aquela população. ■ Os avanços podem ser considerados positivos? Sim, porque aconteceu uma evolução do IQR médio do estado de São Paulo, nos últimos dois anos. E o nosso objetivo é chegar numa É possível baixar pela internet o arquivo completo do Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Domiciliares, da Cetesb, pelo site www.cetesb.sp.gov.br Entenda a metodologia do índice de qualidade dos aterros sanitários A disposição final do lixo pode ser feita de três maneiras: • Aterro de Resíduos – método de disposição dos resíduos sólidos urbanos no qual a idéia é reduzir o material ao mínimo de volume. Depois, isso é coberto com uma camada de terra ou material inerte. É necessário prever permeabilização da base e das laterais, sistemas de drenagem de chorume, remoção segura e queima dos gases produzidos. • Aterro de Resíduos em Valas – buraco onde se deposita o lixo, coberto manualmente, apenas com a ajuda de um trator. • Usinas de Compostagem – é um processo de decomposição biológica da matéria orgânica presente no lixo, por meio da ação de microorganismos existentes nos resíduos, em condições adequadas de aeração (processo de renovação do ar de um ambiente; ventilação), umidade e temperatura. O resultado desse processo é o composto orgânico. Uma tonelada de lixo doméstico rende cerca de 500 kg de composto orgânico. Os índices de qualidade podem variar de zero a dez. Até seis o aterro é classificado como inadequado. De 6,1 a 8,0 é considerado controlado. Acima de 8 o aterro passa a ser adequado. 12 – Saneas / agosto 2005 No alto, aterro sanitário do Município de Aparecida classificado como Inadequado, em maio de 2005. E, na sequência, o mesmo aterro classificado como Controlado, em julho. OPINIÃO DE CAPA MATÉRIA Os avanços do saneamento nas últimas décadas: histórias que fazem a diferença Mais saúde, maior conforto, melhor qualidade de vida. Os números mostram que muito foi feito nos últimos tempos em relação ao saneamento básico em São Paulo e em parte do país. Mais do que dados, Saneas pesquisou exemplos do quanto ter ou não água ou rede de esgoto fazem diferença não apenas nas estatísticas, mas na rotina de milhares de pessoas. T er água, todos os dias, ao abrir uma torneira é tão comum quanto comer, dormir ou assistir a televisão. Cerca de 97,7% dos municípios brasileiros contam com rede de abastecimento de água, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas nem sempre foi assim. Foram anos de investimento para que na maior ou na mais remota cidade fosse possível ter água. Para isso, foi preciso a formação cada vez mais especializada de mão de obra para pensar em tecnologias capazes de levar água para as grandes metrópoles ou para lugares longíquos. As conseqüências disso passam pela saúde, pelo lazer, pela urbanização e, mais atualmente, por um quesito chamado educação ambiental. O acesso à água de boa qualidade e em quantidade adequada ajuda a evitar uma lista extensa de doenças. Mostra disso pode ser observada em dados recentes da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), que indicam uma redução no risco de morte das crianças menores de um ano de idade no estado de São Paulo: a menor taxa de mortalidade infantil das últimas décadas, com 14,25 óbitos infantis por mil nascidos vivos. Esse resultado pra lá de positivo é conseqüência da redução das mortes provocadas por doenças infecciosas e parasitárias – que respondiam por 15,6% dos óbitos infantis, em 1985, Saneas / agosto 2005 – 13 Matéria de Capa e passaram a 4,8%, em 2004 – e por doenças do aparelho respiratório – cuja participação diminuiu de 16,7% para 6,7%, neste período. Mais recentemente, a diminuição das taxas de mortalidade por causas perinatais (originadas no final da gestação e na primeira semana de vida) também influenciaram essa tendência. Para os especialistas na área de saúde, os números são reflexo de uma série de ações de prevenção, como as campanhas de imunização, o acompanhamento da criança no primeiro ano de vida e o saneamento básico. Ter água na torneira de casa e o esgoto longe dos olhos – e não a céu aberto – é em parte responsável por esta queda. O professor Léo Heller, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais explica que a diarréia é responsável por 4,3% (62,5 milhões) do total de mortes entre as crianças no mundo. E mais: estima-se que 88% desta carga de doenças causadas por parasitas seja atribuída ao abastecimento de água, esgotamento sanitário e higiene inadequados. “O impacto na saúde de se implantar saneamento em regiões mais pobres é maior do que quando se implanta para populações mais favorecidas. No curto prazo, já se obser- vam reduções importantes nos indicadores de saúde e no longo prazo pode haver um efeito multiplicador desses benefícios”, avalia Heller. Água não tratada, a sua escassez, a ausência de um sistema de esgoto, pode levar à transmissão de hepatite, amebíase, leptospirose, febre tifóide, cólera, malária, dengue, salmonelose. “O saneamento acaba sendo uma intervenção no espaço e no ambiente que se destina a prevenir doenças”, acredita Arlindo Philippi Jr, coordenador científico do Nisam (Núcleo de Informações em Saúde Ambiental da Universidade de São Paulo). “Se eu não coleto e consequentemente não trato o esgoto, acontece uma sobrecarga no sistema de saúde. O doente, um dia, volta porque a causa do problema, que é a falta de saneamento básico, continua”, diz. Estima-se que, a longo prazo, os valores investidos em saneamento básico representem economia significativa para o setor público, especificamente os da saúde, previdência e educação. Isso porque menos pessoas ficam doentes, a demanda por remédios na rede pública é reduzida, menos consultas e procedimentos aliviam as agendas dos médicos, melhora a frequência e participação das crianças na escola, reduz-se o absenteísmo no trabalho, principal- A vida como ela é A evolução do saneamento no dia a dia das pessoas N Foto Fernando Zarur - Brasil Oeste a Vila do Cardoso, cidade do sertão baiano, as mulheres cresceram acostumadas a carregar latas pesadas de água na cabeça, as gamelas – como esses depósitos são conhecidos. Para lavar roupa o caminho certo era o rio mais próximo, porque água encanada não existia no lugar. “Eu carregava água um dia e passava dois com dores nas costas”, conta uma senhora moradora do vilarejo, que fica as margens da BR-407 e que tem pouco mais de mil habitantes. O verbo usado pela moradora da pequena vila está no passado porque desde o início do ano 2000, as famílias do lugar têm água em casa e o esgoto não corre mais a céu aberto. Assim como Vila Cardoso, os moradores das cidades 14 – Saneas / agosto 2005 de Gameleira, Jacunã, Piaus, Taquari e Lajinha, todos no interior da Bahia, sentiram em suas vidas os benefícios que o saneamento traz. Este foi o tema da tese de doutorado do engenheiro civil Silvio Roberto Magalhães Orrico, doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Durante os anos de 2001 e 2002, o engenheiro baiano pesquisou e visitou as cidades do sertão nordestino. A idéia de Silvio era mostrar os avanços do saneamento não em grandes metrópoles, mas em lugarejos distantes, onde é preciso começar do zero e também onde é possível observar de maneira clara o bem que a água faz para as pessoas. Isso não apenas do ponto de vista sanitário, mas também social. Os dados mostram parte deste retrato. As mulheres eram as responsáveis por buscar a água em reservatórios próximos. O tempo médio gasto nisso era de duas horas e 20 minutos, por dia. Hoje, Matéria de Capa mente das mães. Além disso, o sistema previdenciário é menos solicitado, enfim são benefícios em série que fica até difícil mensurar o seu valor. A tudo isso ainda deve-se acrescentar o equivalente às medidas saneadoras do meio ambiente, que ao ser preservado, representa impacto significativo nas despesas operacionais das empresas de água e esgoto, pela redução dos gastos com produtos químicos. Essas medidas também fomentam o desenvolvimento do turismo e do lazer nos entornos dos rios e lagos interiores, recuperação da atividade pesqueira com geração de renda e diminuição das migrações indesejadas. Nas últimas décadas, por exemplo, foi por meio da água que se conseguiu evitar ou reduzir a incidência de cáries em milhares de crianças. Isso aconteceu após uma medida bem simples: fluoretação. Acrescentar flúor na água se tornou fato comum a partir da década de 1980. Mas em 1953, a cidade de Baixo Gandu (ES) passou a contar com a adição da substância na água. Foi a primeira experiência brasileira na área. E dez anos depois veio a constatação: uma redução de 62,3% no índice de cáries em crianças de seis a 14 anos na cidade. A cárie é uma doença de alta incidência e prebasta abrir a torneira. O consumo médio de água saltou de 22 para 70 litros por habitante/dia. E a diarréia infantil, um problema que minava a saúde das crianças, foi de 11,55% para 5,3% após a implantação do sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Além disso, muitas mulheres acreditam que o maior benefício para a saúde foi o fim da dor nas costas, causada pelos anos seguidos de gamelas suportadas sobre a cabeça. “Nessas localidades, a coleta de água é tarefa da mulher pois é parte do preparo da comida e da limpeza da casa, mas deixa a pessoa um tanto escrava de uma rotina, que é quebrada apenas quando ela precisa ir ao médico ou levar algum filho ao posto de saúde mais próximo”, conta Silvio Orrico. E a água chegou – “Vai mudar tudo, não quero nem pensar”. Essa frase foi proferida por um morador de um dos vilarejos pesquisado por Conscientização ambiental Q uanto mais se destrói as matas e quanto menor a preocupação com os resíduos industriais e domésticos jogados nos rios, mais poluída fica a água. O resultado é o aumento no custo deste produto final –para transformar água suja em potável. Nas últimas décadas o conceito de desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental vem crescendo tanto na sociedade quanto no meio corporativo. A educação ambiental ainda caminha a passos lentos, mas campanhas de racionamento de água ou reciclagem de lixo têm surtido efeito. As empresas, por exemplo, têm adotado estratégias de ecoeficiência: ações que consigam gerar produtos e serviços que reduzam o consumo de recursos e levem a uma menor geração de poluição. Para as empresas, investir na preservação ambiental – e a economia de água passa por isso – está deixando de ser apenas uma opção. A sociedade e a legislação têm pressionado empresas a oferecer produtos mais seguros, sem devastar ou destruir matas e rios. valência – apenas o resfriado e as doenças de pele a superam. Hoje, sabe-se que a fluoretação permite uma diminuição em 60%, em média, no seu aparecimento ao custo de R$ 1 Silvio Orrico. E mudou mesmo: o dia a dia, o jeito de se viver. Mas o caminho que a água precisou percorrer até chegar a Vila Cardoso, Jacunã ou Taquari se perdeu na burocracia e precisou ganhar força nos programas de governo. Em 1983, o governo do estado, por intermédio da Companhia de Engenharia Rural da Bahia e com financiamento do Banco alemão KFW, executou um projeto para a implantação de poços profundos e sistemas simplificados de abastecimento de água (distribuição por chafariz) em municípios das regiões de Santa Maria da Vitória (região do Além São Francisco), de Seabra e Caetité (região da Chapada Diamantina). Esses sistemas foram repassados para as associações comunitárias das localidades, mediante compromisso formal de operação e manutenção e de responsabilidade de custeio. Por problemas financeiros, os sistemas se deterioraram. Em 1994, teve início um trabalho de organizar pequenas localidades, com até mil habitantes em associações. A adesão ao sistema era feita por meio de de uma taxa e do compromisso formal de pagar pela água consumida. Atualmente, as associações de moradores fazem muito mais do que ajudar no gerenciamento dos sistemas. A reunião dessas pessoas levou a discussão sobre maneiras de lidar com o lixo, reciclagem de materiais e outros problemas da comunidade, como apoio ao pedido de aposentadoria rural, que é a grande renda nesses locais. “As pessoas mais velhas que moravam na cidade, inclusive as que tinham ido fazer a vida em São Paulo, e aposentadas por profissão, voltaram para as suas localidades, após essas mudanças. O valor dos imóveis duplicou e não há mais casas fechadas”, conta Silvio. Saneas / agosto 2005 – 15 Matéria de Capa Poluição das águas, pesca e turismo Foto Ricardo Zerrenner Rio de Janeiro e São Paulo Investimento em sistemas de esgoto Sistema de esgoto e redução da poluição das águas: influência na pesca e no turismo RIO – Durante a década de 1990, na Baía da Guanabara uma série de ações começaram a ser feitas para reduzir a poluição no local, que produzia seus estragos também no turismo, devido ao mau cheiro que exalava de suas águas e na queda da atividade pesqueira. A solução estava no investimento em ações de saneamento. Foi assim que surgiu, em 1995, o Programa de Despoluição da Baía da Guanabara, um projeto que envolve novos sistemas de esgotamento sanitário não apenas na Baía, mas, principalmente nas bacias ligadas contribuintes. As ações foram financiadas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo Japan Bank International Coo- 16 – Saneas / agosto 2005 peration (JBIC) e pelo governo do estado. Os recursos ultrapassam os US$ 700 milhões. Além dessas obras, o programa prevê ações na racionalização de água, melhoria na coleta de lixo, controle nas inundações e mapeamento digital da região. O lugar ainda não está da maneira como a população gostaria: com as águas límpidas e despoluídas porque muito ainda precisa ser feito. Para o professor Isaac Volschan Jr, da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, alguns passos importantes foram dados para uma redução no comprometimento ambiental dos recursos hídricos. Em dezembro de 2000, várias estações de tratamentos foram concluídas e em 29 fave- las da zona sul do Rio de Janeiro, Ilha do Governador e Niterói estão sendo executadas obras de esgotamento sanitário. Até agora, no entanto, o Programa foi decisivo para o controle industrial na Bacia da Baía da Guanabara. Sua existência teve papel importante para pressionar as indústrias da região a assumirem uma conduta ambiental mais adequada. Os primeiros resultados podem até ser pouco perceptíveis aos olhos, mas já aconteceu, de fato, uma redução nas cargas poluentes industriais lançadas na Baía. Em fevereiro de 2001, de um universo de 455 empresas, 29% foram consideradas “sob controle”. Hoje, 60% estão nesta condição. Melhor, das 155 empresas de maior potencial poluidor, 95% se encontram “sob controle”. SÃO PAULO – Ao longo da história de algumas cidades litorâneas, como as da Baixada Santista, também é possível observar o quanto o saneamento avançou e trouxe efeitos pra lá de positivos. Em 1900, as condições da cidade de Santos, no litoral de São Paulo, não eram boas. Não havia um sistema de esgotamento sanitário e a disposição final era feita em fossas sépticas. Por conta dessa situação, havia muitas epidemias de doenças, como malária, febre tifóide, cólera e febre amarela. Não existia água tratada, nem canalização de esgoto e por isso as doenças se disseminavam rapidamente. Nessa mesma época, conceitos sobre saúde pública passaram a ganhar força, no reboque dos interesses econômicos. A cidade de Santos abrigava um dos principais portos do país, mas por conta das condições insalubres da cidade, os navios passaram a não mais querer atracar na região. Para resolver a questão, foi chamado o engenheiro sanitarista Saturnino Matéria de Capa Wing Over de Brito. O projeto elaborado por ele para a cidade de Santos previa a construção de canais capazes de escoar a água da chuva. Para recolher o esgoto foram construídos interceptores ao longo da orla da praia, onde havia um emissário que transportava esse material para desaguar na Praia Grande. Depois da execução deste projeto, as enchentes na região foram reduzidas, assim como as epidemias. “Foi o primeiro caso de melhoria no dia a dia das pessoas por causa do saneamento”, conta Kátia Simões Parente, engenheira química e mestre em saúde ambiental. Para desenvolver sua tese de mestrado, Kátia pesquisou, de 2002 a 2004, as condições sanitárias das praias dos municípios de Santos e São Vicente. Os canais de Santos foram concluídos em 1914. As melhores condições de vida levaram a um crescimento populacional. Só que isso teve seu efeito colateral. Com o passar dos anos, a construção desordenada e a ocupação dos morros fizeram com que o emissário antigo não desse mais conta do serviço. Resultado: as águas das praias passaram a ficar altamente contaminadas. Em 1976, de acordo com dados da Cetesb, as praias de Santos registraram três milhões de coliformes fecais por 100 ml –o tolerável é um mil. Havia, ainda, muitos problemas de esgoto irregular que desaguavam nos canais e praias, o que só piorava essa situação. O excesso de turismo, causado pela construção da rodovia dos Imigrantes (estrada que leva São Paulo ao litoral) também contribuiu para isso porque a região não tinha uma estrutura sanitária para receber essas pessoas. “Se as cidades do litoral norte não tomarem providências agora, vai acontecer este mesmo colapso nas águas que ocorreu no litoral de Santos há três décadas”, acredita a engenheira Kátia Simões. Praias boas para banho: resultado depende de projetos que invistam numa rede de esgoto eficiente O efeito da fama de praia poluída passou a ser devastador para o turismo. Foi quando os gestores locais decidiram construir um emissário submarino, concluído em 1980. A partir de então, a melhora na qualidade da água foi sensível, com a queda do número de coliformes fecais. Foi feito, ainda, um mapeamento para acabar com os esgotos ilegais. E, em 1990, os canais de Santos foram fechados: direcionados para um interceptor, que lança este material em um emissário submarino. Antes, tudo isso passa ainda por um pré-condicionamento e então é lançado em alto mar. Atualmente, as praias de Santos e São Vicente têm boa balneabilidade –na praia de Itararé, em São Vicente, por exemplo, em 92% do tempo, suas águas estão propicias ao banho. E o turismo está de volta. “Este é um exemplo de como as obras de saneamento interferem de maneira positiva na qualidade de vida e na economia da região”, conclui Kátia Simões. Atualmente, na região, um programa de saneamento promete evitar a poluição das águas dos mangues e das praias devido ao não tratamento e falta de coleta de esgoto nas cidades litorâneas do litoral sul de São Paulo. O programa, conhecido como Sanba (Saneamento da Baixada Santista), envolve a recuperação ambiental da região metropolitana da Baixada, num total de nove municípios, como Bertioga, Praia Grande, Santos Peruíbe e Cubatão –os recursos são do JBIC e da Sabesp. As obras devem ficar prontas nos próximos quatro anos e envolvem 100% de coleta e tratamento de esgoto e fornecimento de água tratada para todos. No total, 2,5 milhões de pessoas serão beneficiadas, entre moradores e turistas –que terão uma melhora na balneabilidade das praias. De quebra, quem ganha é a natureza. A conseqüência dessas ações é a preservação da qualidade das águas dos mananciais no entorno e, claro, uma melhoria nas condições de saúde e qualidade de vida como um todo. Saneas / agosto 2005 – 17 Matéria de Capa por habitante/ano, de acordo com a Fundação Nacional da Saúde (FUNASA). Água para todos – Neste sentido, parece que empresas e gestores estão aprendendo a lição. Atualmente, a região Sudeste se destaca como a área com os melhores serviços de saneamento – as regiões do Norte e Nordeste são as que apresentam os piores índices, sendo que no Nordeste, mais da metade dos municípios não contam com rede de abastecimento de água e esgoto. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que aconteceu um aumento de 12,7% nas ligações de água de 2000 a 2003, e a média de consumo de água no país é de 141 litros por habitante (dados de 2003). O número de estações de tratamento de água também aumentou. “Parte destes resultados foram possíveis pela formação cada vez mais especializada dos profissionais, com cursos voltados para a área de saneamento e meio ambiente. Isso, com certeza, tem influência na melhoria dos processos decisórios”, opina Arlindo Philippi Jr. Os avanços nas últimas décadas marcaram também a principal empresa de saneamento do país, a Sabesp. Atualmente, a companhia tem capacidade para atender da menor à maior cidade do estado de São Paulo, onde atua. “Foi expressiva a melhora na tecnologia. Além disso, o atendimento mais do que duplicou”, conta Wanderley da Silva Paganini, assistente execu- Agricultura: o valor da terra H á três anos no Brasil, a francesa Raphaèle Ducrot, Ph.D em agronomia, coordena um grupo de estudos na bacia Alto Tietê, em São Paulo. Por lá, a equipe internacional de pesquisadores trabalha no desenvolvimento de uma nova ferramenta para auxiliar na negociação de conflitos sobre água e ocupação do solo na região. Eles integram o Projeto Negowat, sigla de “Facilitating Negotiations over Water Conflicts in Latin-Alerican Periurban Upstream Catchments: combining Multi-Agent Modelling with Role Game Playing”. Na prá18 – Saneas / agosto 2005 tivo da diretoria de sistemas regionais da Sabesp. As provas dessa evolução estão nos números: em 1994, 16,8 milhões de habitantes recebiam água tratada da Sabesp e hoje são 22,3 milhões; com coleta de esgoto eram 12,4 milhões atendidos e em 2004 este número saltou para 18,2 milhões; e em tratamento de esgoto eram 3,6 milhões e hoje são 11,5 milhões de pessoas que têm seus resíduos tratados. “Isso é uma evolução brutal”, acredita Paganini. Para isso, foram investidos nos últimos dez anos R$ 13,2 milhões, sendo R$ 5,5 milhões em água e R$ 7,7 milhões em esgoto. E a área de tecnologia faz parte destes investimentos, com mais de 1200 sistemas em operação de água. “Hoje existem estações de tratamento que funcionam sem um operador. É tudo automatizado e isso permite ter sistemas de diferentes tamanhos”, finaliza. Aproveitamento do material reciclável – Em relação aos resíduos sólidos, atualmente a destinação final adequada inclui, além do projeto de engenharia, programas de coleta seletiva para geração de renda dos catadores, aumento da vida útil do aterro sanitário e redução de custos da matéria prima para as indústrias. Do lixo gerado nas cidades, estima-se que possam ser aproveitados de 20% a 30% pela coleta seletiva do material reciclável. São cerca de 500 cooperativas de catadores no país que se beneficiam dessa oportunidade de trabalho e inclusão social. ■ tica, Raphaèle e sua equipe entram em contato com a realidade de famílias que ocupam terras invadidas, de áreas protegidas de mananciais ou mesmo agricultores em busca de seu ganha-pão. Na sua rotina, a francesa consegue observar o quanto o valor da terra sobe ou desce de acordo com a presença ou não de saneamento. “Se a área não tem água tratada, o terreno perde valor econômico. E se o agricultor abandona sua terra, porque não consegue seguir com sua cultura, a chance do lugar ser usado como loteamento irregular é grande”, acredita Raphaèle Ducrot. Ela conta que a água muito poluída, sem tratamento, dificulta a irrigação por gotejamento –este tipo de técnica é usada pelo baixo consumo de água e consequentemente de custo para o agricultor. Buscar outra água, como em poços ou mudar o tipo de cultura, que não precise de tanta irrigação, acaba sendo um fator limitante. O agricultor, conta Raphaèle, sabe que usar água poluída pode afetar o marketing do produto. A última opção é abandonar tudo por falta de estrutura. “Muitas dessas famílias que vivem da terra têm suas raízes nisso e deixar suas culturas de lado e migrar para a cidade é uma decisão difícil para eles”, conta. Por outro lado, a pesquisadora francesa observa que quando há a existência do saneamento, os rios são menos poluídos, a água chega límpida e daí tudo funciona melhor. “Eles confiam na água tratada”, resume. OPINIÃOTÉCNICO ARTIGO Uso e conservação de energia em uma estação de tratamento de água José Francisco de Carvalho Pedro Teixeira Lacava N a Sabesp a energia elétrica é a segunda maior despesa da empresa [1] e reduzi-la é possível, já que consumos excessivos de energia elétrica estão presentes nos mais diversos setores. Vale ressaltar que as alternativas visando o uso racional e eficiente de energia elétrica geralmente apresentam valores e tempos de retorno menores que quando comparados aos das diversas formas de produção de energia [11]. José Francisco de Carvalho Para o setor elétrico, o uso racional diminui a necessidade de expansão do parque instalado, postergando grandes investimentos necessários ao atendimento do mercado consumidor, uma vez que o custo médio da energia conservada é estimado em 0,024 US$/ kWh, frente ao custo marginal de expansão do setor elétrico, situado entre 0,047 e 0,100 US$/ kWh [11]. OBJETIVO O foco deste trabalho é chamar a atenção para o uso racional de energia no processo de tratamento de água, intervindo junto às instalações consumidoras, tornando o uso racional uma alternativa para solução do problema de fornecimento em curto prazo. No caso da ETA Porto Novo o tratamento de água depende quase que exclusivamente de energia elétrica para ser executado. E com o crescente consumo de água e energia elétrica, frente a reduzidos investimentos no setor elétrico, e da preocupação cada vez maior com as questões ambientais, é que este trabalho pretende apresentar sua contribuição sobre o gerenciamen- to energético da estação de tratamento de água - ETA Porto Novo, de forma a contribuir para redução no consumo de energia elétrica e no desembolso financeiro, aumentando a capacidade de carga para algumas ampliações no sistema, servindo de fonte de consulta para melhorias em instalações existentes e parâmetro para outras a serem instaladas. POSICIONAMENTO DO CASO ESTUDADO Gestão da energia elétrica A ETA Porto Novo iniciou as atividades em 1998, e neste período ocorreram diversos ajustes dos equipamentos instalados e revisões na disciplina operacional. Somando-se a isto, a evolução do conhecimento do processo produtivo e a otimização do uso dos equipamentos ao longo das horas do dia e das épocas do ano, contribuíram para uma melhor definição da demanda contratada. Contudo, apesar da melhor definição com o amadurecimento da operação da ETA, ocorreram ao longo desses anos diversas ultrapassagens dos valores da demanda elétrica contratada. Foram formalizadas junto à concessionária local várias alterações dos valores de demanda no contrato, alterando-as em função de históricos registrados e de novas condições operacionais, obtendose redução dessa parcela da fatura. Por outro lado, há um aumento gradativo do consumo de energia elétrica, principalmente devido ao crescimento do número de novas ligações de água, o que obriga a um acompanhamento da demanda contratada. Outra ação que refletiu positivamente na redução da demanda contratada foi a chamada modulação da curva de carga, ou seja, no deslocamento de algumas cargas Engenheiro Civil pela Universidade de Taubaté. Especialista em Engenharia de Saneamento pela Faculdade de Saúde Pública (USP) Engenheiro Mecânico pela UNESP de Guaratinguetá. Mestre em Ciências Espaciais do INPE. Doutor em Engenharia Aeronáutica e Mecânica pelo ITA e Prof. Adjunto do ITA. Saneas / agosto 2005 – 19 Artigos Técnicos elétricas do horário de ponta, sem prejudicar a operação do sistema e reduzindo-se a demanda e o consumo de energia elétrica neste segmento horário [2]. Um exemplo de como a modulação de carga é importante para redução no valor da fatura é a não lavagem dos filtros durante o horário de ponta (17:30 às 20:30 hs). Para lavagem de um filtro qualquer, é acionado o soprador de ar (75 kW) operando isoladamente durante um minuto. No segundo minuto aciona-se uma das bombas de retrolavagem (50 kW) e, no terceiro minuto, desliga-se o soprador e aciona-se a segunda bomba de retrolavagem de filtro, permanecendo ambas acionadas por mais 10 minutos. Mesmo definido que a lavagem dos filtros está impedida no horário de ponta, esta operação só é executada após o desligamento de um conjunto de bombeamento da distribuição de água à Caraguatatuba, desabilitando uma carga elétrica de 150 kW durante esta operação, reduzindo-se desta forma a demanda nos segmentos horários de ponta e fora de ponta. Para se ter idéia, o custo da demanda de energia elétrica representou no mês de maio de 2003 41,7% no valor total da fatura da ETA Porto Novo, sem considerar os impostos que incidem. Partindo-se do princípio que a ETA Porto Novo opera e distribui água 24 horas por dia e não possui reservação de água suficiente para desligar o bombeamento da distribuição no período de ponta, a simulação com aplicação das tarifas dos sistemas Horo-sazonais Azul e Verde, aos valores de consumo e demanda de um mês aleatório maio/03, aponta que a tarifa Azul é mais econômica para as mesmas condições operacionais, obtendo os resultados da Tabela 1. A tarifação Horo-sazonal Verde pode ser vantajosa se grandes cargas fossem desligadas no horário de ponta, onde a tarifa de consumo tem maior impacto. A conferência das faturas também tem papel preponderante, pois os sistemas informatizados das concessionárias são alimentados por registros coletados da memória de massa dos chamados analisadores de energia, capazes de medir continuamente as grandezas elétricas de interesse, fornecendo registros a cada intervalo de tempo específico. Esta coleta de dados, executada pelos funcionários da concessionária de energia, até a impressão nas faturas pode apresentar erros. No entanto, desde meados de 2000, já era rotina a conferência de todos os lançamentos nas faturas de energia elétrica, 20 – Saneas / agosto 2005 sendo eventualmente encontrados valores faturados diferentes dos registrados ou dos contratados, constantes multiplicativas diferentes das do registrador, etc., resultando em devoluções das faturas à concessionária para correção. Fator de potência Os aparelhos elétricos indutivos tais como motores e transformadores, comuns no caso estudado, necessitam de energia reativa para formação de campos magnéticos ocorrendo neste caso uma defasagem entre a tensão e a corrente de um ângulo ϕ [3] [5]. Para sua operação, as cargas indutivas requerem dois tipos de potência: • • Potência reativa (kVAr) Potência ativa (kW) O fator de potência é a comparação entre a energia ativa e a energia total requerida pelo motor (energia aparente), indicando a eficiência com que o motor usa a energia, sendo um item freqüente no desembolso financeiro com energia elétrica nos primeiros anos de operação da ETA Porto Novo. O parâmetro co-seno ϕ indica qual porcentagem da potência total fornecida (kVA) é efetivamente utilizada como potência ativa (kW), mostrando o grau de eficiência do uso dos sistemas elétricos, sendo que valores altos, próximos de 1, indicam uso eficiente da energia elétrica, enquanto valores baixos evidenciam seu mau aproveitamento [6]. E quando o valor mínimo padronizado, ou seja, 0,92, aplicado ao consumidor pelas concessionárias, não é atingido, é cobrado um ajuste em função da energia ativa consumida e da demanda registrada no mês, conforme determinação do DNAEE [7]. Exemplificando, para alimentação de uma carga que requer 100 kW com fator de potência 0,75 são necessários 133,33 kVA. sendo Pa = potência ativa e Pap = potência aparente Pa = 100kW cosϕ = 0,75 Pap = ? Como: cosϕ = Pa/Pap 0,75 = 100/Pap Portanto: Pap = 100/0,75 Pap = 133,33 kVA Agora, para alimentação da mesma carga com fator de potência 0,92 são necessários 108,70 kVA representando uma economia de 18,5% no fornecimento de kVA. Pa = 100kW cosϕ = 0,92 Pap = ? Como: cosϕ = Pa/Pap 0,92 = 100/Pap Portanto: Pap = 100/0,92 Pap = 108,70 kVA Artigos Técnicos TABELA 1 – Simulação do sistema tarifário Valores registrados em faturas (mês referência: maio/03) Grupo tarifário (R$) HS-Azul HS-Verde Cons. Pta 35.330 kWh 5.614,18 25.404,60 Cons. f. pta 345.232 kWh 26.087,46 26.087,46 Dem. Pta 700 kW 19.971,00 7.657,00 Dem. f. pta 700 kW 6.657,00 6.657,00 58.329,64 64.806,06 TOTAL TABELA 2 – Fator de potência x potência do transformador Potência útil absorvida (kW) 1000 Fator de potência Potência do transformador (kVA) 0,5 2000 0,8 1250 1,0 1000 Este raciocínio pode ser aplicado para reduzir desperdícios nos gastos com energia elétrica, vê-se que melhorando o fator de potência reduz-se a potência reativa à medida que a Pap se aproxima de Pa. A ocorrência dessa energia reativa em circuitos elétricos sobrecarrega as instalações ocupando uma capacidade de condução de corrente que poderia ser mais bem aproveitada realizando trabalho útil e no caso da ETA Porto Novo significa aumento na capacidade de carga instalada por um maior tempo, sem que seja necessária a substituição de equipamentos e cabos elétricos lá instalados [5]. A Tabela 2 mostra a potência total que deve ter o transformador para atender uma carga útil de 1000 kW para fatores de potência crescentes. A ETA Porto Novo por possuir vários transformadores, com a melhora do fator de potência reduz-se a potência aparente da instalação, conseqüentemente a corrente elétrica e as perdas por efeito Joule. E com isto redução nas despesas com faturamento por consumo de energia elétrica. No caso dessa ETA, para melhorar o fator de potência utilizaram-se bancos de capacitores e entre as várias alternativas, foram instalados junto às cargas. Esta alternativa reduz as perdas energéticas em toda a instalação, diminui a carga nos circuitos alimentadores, melhora o nível de tensão da instalação, utiliza o mesmo acionamento para carga e capacitor e gera reativos somente onde é necessário [5]. Os capacitores de pequena potência podem ter custo maior que os capacitores concentrados de maior potência, e pouca utilização no caso do equipamento não ser de uso constante. Perdas nos transformadores Transformadores são equipamentos destinados a transportar energia elétrica em corrente alternada de um circuito elétrico para outro, sem alterar o valor da freqüência. Quase sempre essa transferência se dá com mudança de valores da tensão e da corrente [8]. Suas perdas se dão no núcleo magnético (fixas), desde que ligado à rede elétrica, e nos enrolamentos (variáveis) devido à circulação da corrente elétrica pelo condutor, em forma de calor. Obtém-se redução destas perdas através de medidas de conservação de energia, ou seja, com a elevação do fator de potência nas correntes das cargas, reduzindo assim a componente indutiva da corrente e também com a distribuição adequada das cargas alimentadas pelo transformador. No caso da ETA Porto Novo há vários transformadores e, conseqüentemente, perdas consideráveis através desses equipamentos. No início da operação das estações de tratamento de água e de bombeamento de água tratada, operavam dois transformadores com potência de 750 kVA em cada estação, com funcionamento simultâneo e as cargas distribuídas entre eles. Saneas / agosto 2005 – 21 Artigos Técnicos TABELA 3 Perdas nos núcleos dos transformadores da ETA Porto Novo Local Pot. do Transf. (kVA) Quant. Perda unit. (kW) Perda total (kW) 112,5 1 0,52 0,52 est. bombeam. 750 1 1,5 1,5 est. Tratamento 750 1 1,5 1,5 est. Tratamento 50 5 0,26 (adotado) 1,3 Cab. Primária Total: 4,82 TABELA 4 Medições de corrente (Amperes) nas fases dos transformadores de 50 kVA, identificadas por R, S, T, efetuado em 29/12/04 Fases Transf. 1 Transf. 2 Transf. 3 Transf. 4 Transf. 5 R 7,3 45 55 1,5 0,3 S 7,3 47 13 6,5 0,3 T 2 37,5 35 7 0,2 Após análise e constatação de que esses transformadores estavam trabalhando com pequenas cargas, essas foram transferidas para um só transformador, em cada estação, ficando o segundo transformador como reserva. Com isto reduziram-se perdas no ferro (fixas), pois conforme citadas anteriormente estas perdas independem da carga, melhorando o fator de potência da instalação. Posteriormente, na estação de tratamento de água, foram medidas as correntes em cada fase do transformador de 750 kVA com carga, obtendo-se 169, 159 e 164 A, frente a corrente nominal de 984,2 A (especificação do fabricante); portanto, com muita folga ainda. Os transformadores na ETA Porto Novo estão assim distribuídos: • um de 112,5 kVA na cabine primária para alimentação da iluminação externa, portaria e oficina de manutenção; • dois de 750 kVA na estação de bombeamento de água tratada (um reserva); • dois de 750 kVA no prédio da estação de tratamento de água (um reserva); • cinco de 50 kVA também no prédio da estação de tratamento de água, distribuídos na alimentação de vários circuitos (iluminação, tomadas de uso geral, chuveiros, condicionadores de ar, etc.). 22 – Saneas / agosto 2005 Na ETA Porto Novo, os transformadores apresentam as seguintes perdas relacionadas na Tabela 3, de acordo com a ABNT. No mês de março de 2004, com 744 horas de operação, estas perdas representaram: 4,82 (kW).744 (horas) = 3.586,08 kWh equivalendo a 0,9 % de toda energia consumida na ETA neste mês. Com a melhor otimização dos transformadores de 50 kVA, é possível obter redução nas perdas pela transferência de cargas de vários transformadores para um ou dois transformadores. Já que todos estão com pequenas cargas e a distância entre eles não é demasiadamente grande, a ponto de provocar queda de tensão na alimentação dos circuitos. É possível o desligamento de alguns transformadores, pois a corrente nominal de fase em cada um deles (especificação do fabricante) é de 164 A e de acordo com medições efetuadas em cada um deles, existe muita folga (Tabela 4). Além disso, a redução do número desses transformadores melhora o fator de potência da instalação, e reduz também a necessidade de manutenção a estes equipamentos. Abaixo as cargas típicas ligadas aos transformadores: T1 – tomadas de uso geral, ar condicionado; T2 – ar condicionado, chuveiros; T3 – iluminação, tomadas de uso geral, ar condicionado; Artigos Técnicos T4 – iluminação interna; T5 – iluminação interna. Do exposto, pode-se afirmar que as perdas totais desses transformadores (Tabela 3), equivalem ao funcionamento de 321 lâmpadas fluorescentes econômicas de 15 W, e somente os transformadores de 50 kVA, a 86 lâmpadas. CONCLUSÕES O esforço desse trabalho foi apontar e qualificar o uso de energia elétrica em algumas fases do processo de tratamento e distribuição de água, em particular na Estação de Tratamento de Água – ETA Porto Novo, pertencente à Companhia de Saneamento Ambiental - Sabesp, com sede no município de Caraguatatuba – SP. Foi possível identificar a existência de perdas através da verificação de equipamentos mal dimensionados ou operando de forma inadequada, além de vícios operacionais. A otimização dos transformadores instalados na ETA Porto Novo, é um bom exemplo de obtenção de eficiência energética. Também como visto, a gestão adequada dos parâmetros contratuais com a concessionária de energia obtém-se redução no desembolso financeiro e acaba por retardar ou minimizar aditivos contratuais para compra de energia. Com ações que busquem eficiência energética, além dos ganhos econômicos, contribui para a preservação do meio ambiente, na mesma linha de ação do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL) que vem desenvolvendo uma consciência conservacionista nas concessionárias de energia elétrica, tanto que realizou estudos concluindo que o aumento da eficiência energética terá até 2010 contribuído para evitar a emissão de cerca de 230 milhões de toneladas de carbono na atmosfera, representando 29% das emissões totais de gases responsáveis pelo efeito estufa do Setor Elétrico Nacional. As políticas conservacionistas do PROCEL asseguram resultados concretos da racionalização, como exemplo tem-se [9]: • 1 W conservado evita a inundação de 0,6 m2 • 1 kWh de consumo equivale a 50 m3 de água que passa nas turbinas • 1 árvore precisa de 4 m2 de área • 1 W custa US$ 3 Tomando o exemplo da substituição de uma simples lâmpada incandescente de 60 W por uma fluorescente compacta de 9 W, tem-se: 60 – 9 = 51 W, ou seja: • 51 x 0,6 m2 = 30 m2 de área que deixa de ser inundada • 30 m2 / 4 = 7,5 (permite o plantio de 7 árvores) 51 x 3 dólares = US$ 153 que deixam de ser investidos na instalação de uma potência equivalente, no caso de hidrelétrica. Por fim, não se espera que as informações contidas aqui encerrem as discussões e sejam definitivas, muito pelo contrário, espera-se que elas semeiem novas discussões sobre conservação de energia nos processo de tratamento de água e em outros processos. ■ REFERÊNCIAS 1. TSUTIYA, M. T. Redução do Custo de Energia Elétrica em Sistemas de Abastecimento de Água. São Paulo: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2001. 185 p. 2. Resenha de Mercado. Disponível em: http:// www.eletrobras.gov.br/br/pecono.htm. Dez.1997 . Acesso em 19 jan. 2004. 3. AGÊNCIA PARA CONSERVAÇÃO DE ENERGIA; BANDEIRANTE ENERGIA. Uso Racional de Energia Elétrica. São Paulo, 2000. 35 p. 4. PERETO, A.S. Análise dos Manuais do Procel-Eficiência Energética nos Sistemas de Saneamento. In: ENCONTRO TÉCNICO AESABESP, set.1999, São Paulo. Anais... São Paulo: Galego, 1999. p.234-241. 5. SHOEPS, C. A. Conservação de energia elétrica na indústria: faça você mesmo. 2.ed. Rio de Janeiro: CNI, COASE; Brasília: Secretaria de Ciências e Tecnologia, 1993. 2 v., il. 6. SIEMENS. Banco Automático de Capacitores para correção do Fator de Potência – Diretrizes Técnicas. [S.l., 200_]. 7. CODI. Manual de orientação aos consumidores sobre a nova legislação para faturamento de energia reativa excedente. Rio de Janeiro, 1995. 8. POLEZI, Ricardo et al. Otimização e reduçào de gastos com uso racional de energia elétrica na Estação de Tratamento de esgoto São Miguel. In: ENCONTRO TÉCNICO AESABESP, set. 1999, São Paulo. Anais... São Paulo: Galego, 1999. p.248-264. 9. CELESC. Energia Elétrica e Meio-Ambiente. Disponível em: http://proeficiencia.celesc.com.br/ index.php?novasessao=11. Acesso em 24 jan. 2005. Saneas / agosto 2005 – 23 ARTIGO TÉCNICO P&D A deterioração da qualidade das águas continentais brasileiras: o processo de eutrofização Marcelo Luiz Martins Pompêo Sheila Cardoso da Silva e Viviane Moschini-Carlos Da esquerda para a direita: Marcelo, Sheila e Viviane A eutrofização é um dos mais graves problemas associado à redução da qualidade das águas superficiais. A falta de ações e medidas concretas no curto prazo visando conter e reduzir o processo de eutrofização contribuirá para o agravamento da deterioração da qualidade das águas, em particular na região metropolitana das grandes cidades brasileiras. Sem políticas públicas eficazes, programas de educação ambiental e a participação de toda sociedade em fóruns de discussões e decisões, não é possível atingir metas de melhoria da qualidade de vida e restaurar a qualidade das águas dos rios Tietê, Pinheiros e represas Billings e Guarapiranga. É imprescindível que o poder público aplique os instrumentos legais disponíveis e que a continuidade de projetos e ações de melhoria do meio ambiente seja garantida (Kakinami et al., 2004). Causas da eutrofização O processo de eutrofização é caracterizado pelo aporte excessivo, permanente e contínuo de nutrientes, em lagos, reservatórios, rios, estuários e ecossistemas marinhos costeiros. Pode ocorrer de maneira natural, pelo envelhecimento do lago, em geral no período de milhares de anos, decorrente do aporte de nutrientes da chuva e águas superficiais. A problemática está relacionada à aceleração da eu- trofização pelo crescimento populacional, urbanização e industrialização crescentes e também ao uso de fertilizantes (Goldman e Horne, 1983; Henderson-Sellers e Markland, 1987). Em geral, a chave do processo de eutrofização está relacionada com a disponibilidade de nutrientes, particularmente nitrogênio e fósforo, essenciais para o crescimento vegetal e considerados a principal causa desse processo (Henderson-Sellers e Markland, 1987; Smith et al., 1999). Outros fatores, como a luz, temperatura, turbidez, regime de fluxo da água e substâncias tóxicas, também são importantes (Leaf e Chatterjee, 1999). Conseqüências da eutrofização A eutrofização não se resume ao enriquecimento por nitrogênio e fósforo. Provoca profundas alterações em todo o sistema, afetando as comunidades biológicas e os ciclos biogeoquímicos (Moss, 1998a). Partindo-se de uma condição ultra-oligotrófica à hipereutrófica, podem ocorrer as seguintes mudanças no corpo d’água (HendersonSellers e Markland, 1987; Vezjak et al., 1998; Smith et al., 1999): aumento da biomassa ocorre particularmente na comunidade dos produtores, em menor grau nos produtores secundários - em ambos os casos há diminuição na riqueza de espécies; diminuição na concentração de oxigênio no hipolímnio, devido à decomposição bacteriana da matéria orgânica; aumento da concentração de nutrientes e do material sólido em suspensão, especialmente matéria orgânica, nestas circunstâncias, a decomposição anaeróbia e a redução de compostos de ferro provocam odor de enxofre; progressão de uma população de diatomáceas para cianobactérias e clorofíceas; diminuição da penetração de luz; liberação de toxinas por cianobactérias – as to- USP, IB, Depto de Ecologia, R. do Matão, Travessa 14, 321, São Paulo, SP, Brasil, 05508-900, [email protected] 24 – Saneas / agosto 2005 Artigos Técnicos xinas podem causar reações alérgicas e irritações na pele e problemas gastro intestinais nos animais e no homem; mudanças na produtividade, biomassa e composição de espécie; perda dos aspectos estéticos da água como cor e odor; problemas no tratamento da água como a filtração; danos à saúde; alterações no pH e redução na concentração de CO2; aumento da mortandade e na composição de peixes no ecossistema. Outros problemas associados à eutrofização são: os peixes e o zooplâncton podem ser substituídos por espécies mais tolerantes às condições limitantes ou desaparecerem (Esteves, 1988b); o excessivo crescimento de macrófitas aquáticas pode prejudicar o uso recreativo da água e causar problemas de navegação, corrosão e entupimento de turbinas (Azevedo-Netto, 1988); ambientes com elevada carga orgânica, descartes sólidos e presença de macrófitas aquáticas propiciam a criação de mosquitos transmissores de doenças (Natal et al., 2004); as altas concentrações de nitrato podem levar à formação de compostos como nitrosaminas, que são carcinogênicos (Henderson-Sellers e Markland, 1987). É importante ressaltar que o aporte controlado de nutrientes, eleva a produtividade, refletindo no aumento de peixes pelo conseqüente aumento do alimento. Além disso a multiplicação de algas impede o crescimento de algumas bactérias patogênicas (Azevedo-Netto, 1988). Determinação do estado trófico Os corpos d’água podem ser classificados em eutróficos, mesotróficos e oligotróficos, muito, medianamente e pouco produtivos, respectivamente. Os termos ultra-oligotrófico (produtividade muito pequena) e hipereutrófico (avançado estágio de eutrofização) também são empregados como limites inferior e superior, respectivamente. A tipificação do estado trófico de um corpo d’água é realizado pela análise de critérios, como a concentração de oxigênio dissolvido, a análise da composição da fauna ou do fitoplâncton, a concentração de nutrientes, entre outros (Carlson, 1977; Cetesb, 2003). O índice de estado trófico (IET) de Carlson (1977), fundamentado nas concentrações de fósforo total, clorofila a e disco de Secchi, é muito utilizado. Este índice, modificado por Toledo et al. (1983), ajustado com base em estudos realizados em reservatórios tropicais, é adotado pela CETESB, sendo utilizados os seguintes critérios para enquadrar o corpo de água em determinado estado trófico (Cetesb, 2003): Oligotrófico: IET ≤ 44 - Corpos de água limpos, de baixa produtividade, em que não ocorrem interferências indesejáveis sobre os usos da água. Mesotrófico: 44 > IET ≤ 54 - Corpos de água com produtividade intermediária, com possíveis implicações sobre a qualidade da água, mas em níveis aceitáveis, na maioria dos casos. Eutrófico: 54 > IET ≤ 74 - Corpos de água com alta produtividade em relação às condições naturais, de baixa transparência, em geral afetados por atividades antrópicas, em que ocorrem alterações indesejáveis na qualidade da água e interferências nos seus múltiplos usos. Hipereutrófico: IET > 74 - Corpos de água afetados significativamente pelas elevadas concentrações de matéria orgânica e nutriente, com acentuado comprometimento nos seus usos, podendo inclusive estarem associados a episódios de florações de algas e de mortandade de peixes e causar conseqüências indesejáveis sobre as atividades pecuárias nas regiões ribeirinhas. Apesar de muito utilizado para inferir aspectos de qualidade da água, o IET é apenas um indicador de trofia, devendo ser aplicado com cautela. O pesquisador deverá considerar a dinâmica temporal e espacial das variáveis físicas, químicas e biológicas do ecossistema avaliado e os aspectos regionais de cada bacia (Mercante e Tucci-Moura, 1999; Esteves, 1988a). Sua utilização para a classificação trófica de reservatórios, muitas vezes é inapropriada, pois estes apresentam características únicas, não presentes em lagos naturais, tais como o variável e reduzido tempo de residência, a elevada turbidez não algal, os gradientes longitudinais e não lineares de relevantes variáveis limnológicas (Lind et al., 1990). Controle da eutrofização nos corpos d’água lacustres A poluição difusa é um agregado de entradas ao longo de toda bacia hidrográfica, apresentando variabilidade espacial e relação aos usos do solo (León et al., 2001). Apenas disciplinando os usos e ocupação do solo, será possível reduzir o aporte de nutrientes pelas fontes Saneas / agosto 2005 – 25 Artigos Técnicos difusas. Diferentemente, as fontes pontuais são facilmente identificadas e quantificadas, permitindo a aplicação de métodos de tratamento dos efluentes domésticos e industriais para remoção das cargas de nitrogênio e fósforo. Para o controle da eutrofização artificial é necessário tratar as causas do problema e não apenas os sintomas (Vallentyne, 1978; Moss, 1998b). Tratar os sintomas é uma medida de baixo custo no curto prazo. Analisando no longo prazo, a remoção das causas, limitando o estoque de nutrientes, resolve o problema e torna-se economicamente viável (Moss, 1998a). Há exemplos de recuperação de ambientes eutrofizados, como o lago Maggiore na Itália, onde ocorreu uma diminuição de 67% no aporte de fósforo (Smith et al., 1999). O estoque de nutrientes pode ser limitado pela redução do consumo de fertilizantes agrícolas, de detergentes com fósforo em sua composição e eliminação dos aditivos fosfóricos presentes nos alimentos (Forsberg, 1998). Os compostos de nitrogênio são muito solúveis, podendo entrar na água por fontes não pontuais e pelo suprimento atmosférico através dos organismos fixadores de nitrogênio (Moss, 1998a). A remoção de nitrogênio pode ocorrer por métodos biológicos, mediante processos naturais microbiológicos do ciclo do nitrogênio. Os processos físicos e químicos são mais dispendiosos. O reservatório Billings: um ecossistema eutrofizado O reservatório Billings localiza-se a oeste da cidade de São Paulo, abrangendo áreas dos municípios de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Sua bacia de drenagem apresenta 560 km2, cerca de 120 km2 de espelho d´água e um volume estimado em 1,20x109 m3. Idealizado pelo engenheiro americano Asa Billings em 1927, visou aproveitar as águas do Alto Tietê para gerar energia elétrica. Pode receber as águas da bacia do rio Tietê através da estação de recalque de Pedreira, situada no rio Pinheiros, seguindo através da barragem reguladora do canal das Pedras (Summit Control) e aduzidas para a Hidrelétrica Henry Borden (Cetesb, 1996, 2002; Emae, 2002). Em 1981, o reservatório foi secionado junto à Via Anchieta pela construção da Barragem Anchieta, resultando nos compartimentos Pedreira e Rio Grande. Visou preservar a qualidade da água no braço Rio Grande, local de 26 – Saneas / agosto 2005 captação de água para abastecimento público, de cerca de 1,2 milhões de habitantes (Emae, 2002). A partir de 1992 a Resolução Conjunta SMA/SES n° 3, de 04/09/92 disciplinou o aporte das águas poluídas provenientes dos rios Pinheiros e Tietê lançado no compartimento Pedreira. O bombeamento das águas do rio Pinheiros é permitido nas seguintes situações de emergência (Kakinami et al., 2004): quando houver aumento da vazão do rio Tietê, no ponto de sua confluência com o rio Pinheiros, próximo ao Cebolão, igual ou superior a 160 m3/s, ou previsão de enchentes na região metropolitana de São Paulo; queda da cota de água a níveis insuficientes para assegurar o fornecimento de energia elétrica em situações de emergência pela Usina Henry Borden; formação de espumas no rio Tiete, depois da barragem Edgard de Souza, que venham extravasar o espelho d´água; proliferação de algas nos rios e reservatórios da região metropolitana de São Paulo e Médio Tietê, que comprometa a qualidade do abastecimento público; ocorrência de intrusão salina ou queda do nível, na bacia do rio Cubatão, comprometendo o funcionamento das indústrias que usam suas águas no processo industrial. Esta Resolução define que o controle de enchentes, nas bacias do Alto Tietê é prioritário em relação a qualquer outro uso da água (Kakinami et al., op cit.). De 1992 a 1995, observou-se ligeira intensificação da ocupação na região, em especial entre os braços Pedra Branca e Taquacetuba e à margem direita do braço Alvarenga (Cetesb, 2002). A região atualmente caracteriza-se por grandes contrastes, associando chácaras de recreio com favelas e loteamentos irregulares e clandestinos. A CETESB monitora bimestralmente o grau de eutrofização dos corpos de água pertencentes à sua rede de monitoramento, a partir das concentrações de fósforo total e clorofila a. São 52 pontos distribuídos entre 17 rios e 16 reservatórios do Estado de São Paulo, sendo quatro pontos no reservatório Billings (Tab. 1). Apesar da melhoria da qualidade da água verificada após a aplicação da Resolução SMA/SES, o IET médio calculado sugere que a represa Billings apresenta condições eutróficas. A elevada concentração de fósforo total pode ser atribuída, em grande parte, ao aporte de esgoto doméstico (Cetesb, 2003). A polêmica construção do Rodoanel tem a potencialidade de contribuir com a degra- Artigos Técnicos TABELA 1 – Índice do estado trófico (IET) em no reservatório Billings (Cetesb, 2003). Estações IET (Clorofila a) IET (fósforo total) Corpo central – Bororé 66 58 Corpo central - Ponte da Rodovia dos Imigrantes 63 56 Braço do Taquacetuba – Transposição 68 61 Braço Rio Grande - captação da SABESP 61 53 dação ambiental da região da represa Billings, seja pela ampliação do quadro de ocupação desordenada das áreas adjacentes ao reservatório sem a devida infra-estrutura de saneamento (Kakinami et al., 2004), pela ampliação das áreas desmatadas, agravando o processo de eutrofização na represa, particularmente na região de captação de água pela SABESP, no braço Rio Grande. Considerações finais O rio Pinheiros há muito tempo é utilizado como diluente de esgotos. Atualmente na sua bacia habitam cerca de 6 milhões de pessoas, produzindo 280 ton/dia de esgotos. Visando tratar estes esgotos está sendo implantado o Projeto Tietê. Na primeira etapa de tratamento, apenas 30% será coletado e tratado. O tratamento de 100% dos esgotos coletados, da ordem de 90%, deverá ocorrer na segunda parte do Projeto, iniciado em julho de 2000, reduzindo em 77% a carga de esgoto lançado no rio (Kakinami et al., 2004; Miguel et al., 2004). Assim, a qualidade das águas do rio Pinheiro deverá ser paulatinamente melhorada, no entanto, mantendo o rio na Classe 4 (Magalhães, 1992 apud Kakinami et al., op cit.), segundo os critérios estabelecidos pela Resolução Conama 357/2005. Caso as águas dos rios Pinheiros e Tietê apresentassem qualidade referente às Classes Especial, 1 e 2, de usos mais nobres, poderia ser ampliada a oferta de água para abastecimento público, retirada diretamente desses rios, além de ser repassada à represa Billings e gerar energia na potência máxima da Usina Henry Borden, em torno de 887 MW, que na atualidade gera cerca de 140 MW (Kakinami et al., 2004). Na última década um grande número de pesque pagues surgiram no Brasil. Este sistema de cultivo intensivo de peixes utiliza fertilizantes para enriquecimento artificial. Seus efluentes enriquecidos com nutrientes e lançados diretamente no corpo de água agravam o processo de eutrofização. A estimativa de nitrogênio e fósforo liberados pelas fazendas de criação de salmão em gaiolas na Suécia, para o ano de 1994, foi da ordem de 1900 e 15600 toneladas, respectivamente, representando o equivalente lançado por uma população de 1,7 milhões de habitantes para o fósforo e 3,9 milhões de habitantes para o nitrogênio (Folke et al., 1994). Desta forma, o efeito nocivo potencial dos pesque pague contribuindo para a redução da qualidade da água e elevação do grau de trofia deve ser considerado. O exemplo positivo de melhoria na qualidade da água da represa Billings, ocorrido após o término do lançamento das águas poluídas dos rios Tietê e Pinheiros em 1992, demonstrou a força da mobilização popular e que os técnicos e políticos não estão avessos à tomada de decisões positivas ao meio ambiente. No entanto, deve-se ressaltar que o término do lançamento das águas desses rios é uma medida emergencial e paliativa. O problema de redução da qualidade da água na represa Billings continua, associado ao lançamento de esgotos diretamente no corpo d´água (Cetesb, 2003). Os investimentos públicos aplicados à coleta e tratamento dos esgotos são muito exíguos no Brasil. Não há previsão no curto prazo de ocorrer alteração no perfil de investimento dos estados e municípios visando à coleta e tratamento de 100% dos esgotos gerados. Da mesma forma, é necessário aplicar um plano de gestão da bacia hidrográfica, disciplinando o uso e a ocupação dos espaços, visando reduzir a carga pontual de nutrientes lançados nos corpos d´água. Do contrário, espera-se agravamento do processo de eutrofização com elevação no grau de trofia dos ambientes já eutrofizados e ampliação da proporção das massas de água que passarão de mesotróficas a eutróficas e de oligotróficas a mesotróficas, reduzindo a oferta de água de qualidade e ampliando os custos de tratamento da água para múltiplas finalidades, com ônus para toda sociedade. Saneas / agosto 2005 – 27 Artigos Técnicos Agradecimentos A Fapesp (02/13376-4, Projeto Billings) e Fundación Mapfre (sucursal Brasil). Referências Azevedo-Netto, J.M. Novos conceitos sobre a eutrofização. DAE, 48 (151):22-28, 1988. Carlson, R.E. A trophic state index for lakes. Limnol. Oceanog., 22 (2): 361-369, 1977. Cetesb, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Avaliação do Complexo Billings: comunidades aquáticas – (Out/92 a Out/93), DAH, 1996. Cetesb, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Relatório de qualidade das águas interiores do estado de São Paulo 2001. São Paulo: CETESB, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 2002. 227p. Cetesb, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Relatório de qualidade das águas interiores do estado de São Paulo 2002, São Paulo: CETESB, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 2003. Emae, Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. 2002, http://www.emae.sp.gov. br/, 26/07/02. Esteves, F.A. Considerações sobre a aplicação da tipologia de lagos temperados e lagos tropicais. Acta Limnol. Brasil., 11:3-28, 1988a. Esteves, F. A. Fundamentos de Limnologia. Rio de Janeiro: Interciência: INEP. 1988b, 575p. Folke, C.; Kautsky, N. e Troell, M. The costs of eutrophication from Salmon Farming: implications for policy. J. Environ. Manag., 40: 173-182, 1994. Forsberg, C. Which polices can stop large scale eutrophication? Wat. Sci.Tech., 37 (3): 193-200, 1998. Goldman, C.R. e Horne, A.J. Limnology. EUA, McGraw-Hill. 1983, 464p. Henderson-Sellers, B. e Markland, H.Z. Decaying lakes: the origens and control of cultural eutrofication. New York, Wiley. 1987, 254 p. Kakinami, S.H.; Santos, A.I.P.; Mendes, R;A;P; e Alvim, S.C. Rio Pinheiros: suas águas e suas margens. p. 191-223. In: Roméro, M.A.; Philippi Jr., A. e Bruna, G.C. (eds.) Panorama 28 – Saneas / agosto 2005 ambiental da Metrópole de São Paulo. São Paulo: USP/Signus Editora, 2004, 584p. Leaf, S.S. e Chatterjee, R. Developing a strategy on eutrofication. Wat. Sci. Tech., 39 (12): 307-314, 1999. León, L.F.; Soulis, E.D; Kouwen, N. e Farquhar, G.J. Nonpoint source pollution: a distributed water quality modeling approach. Wat. Res. 35(4): 997-1007, 2001. Lind, O.T. e Terrell, T.T. Trophic classification: some special problems of reservoirs. Arch. Hydrobiol. Beih. 33: 647, 1990. Mercante, C.T.J. e Tucci-Moura, A. Comparação entre os índices de Carlson e de Carlson modificado aplicados a dois ambientes aquáticos subtropicais, São Paulo, SP. Acta Limnol. Brasil., 11(1):1-4, 1999. Miguel, A.R.; Bevilacqua, N.; Guerra, P.A.D.V. e Baptistelli, S.C. Tratamento de águas residuárias domésticas. p. 77-111. In: Roméro, M.A.; Philippi Jr., A. e Bruna, G.C. (eds.) Panorama ambiental da Metrópole de São Paulo. São Paulo: USP/Signus Editora, 2004, 584p. Moss, B. The numbers of eutrification - errors, ecosystem effects, economics, ventualities, environment and education. Wat. Sci. Tech., 37 (3): 75-84, 1998a. Moss, B. Ecology of fresh water: man and medium, past to future. Oxford, Blackwell-Science. 1998b, 557p. Natal, D.; Araújo, F.A.A.; Vianna, R.S.T.; Pereira, L.E. e Ueno, H.M. O mosquito das águas poluídas. Saneas, 20 (19): 26-31, 2004. Smith,V.H.; Tilman, G.D. e Nekola, J.C. Eutrophication: impacts of excess nutrient inputs on freshwater, marine, and terrestrial ecosystems. Environ. Pollution, 100: 179-196, 1999. Toledo, A.P.; Talarico, M.; Chinez, S.J. e Agudo, E.G. A aplicação de modelos simplificados para a avaliação do processo da eutrofização em lagos e reservatórios tropicais. Anais XIX Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental, Camboriú, SC. 1983, 57p. Vallentyne, J.R. Introducción a la limnología – los lagos y el hombre. Barcelona: Omega. 1978, 169p. Vezjak, M.; Savsek, T. e Stuhler, E.A. System dynamics of eutrofication processes in lakes. Eur. J. Oper. Res., 109: 442-451, 1998. ■ ARTIGO TÉCNICO OPINIÃO A importância da gestão de riscos operacionais para a prevenção de sinistros no saneamento básico Ana Maria Ribeiro O sinistro pode ser definido como sendo resultado de um acidente causado por falhas operacionais, humanas ou tecnológicas, que associados ao meio físico, biótico e antrópico causam danos dos mais diversificados. São muitas as consequências decorrentes dos sinistros, além de danos ao sistema, podem causar lesões e até perdas de vidas humanas. A ausência de infra-estrutura adequada em áreas de risco exacerba os problemas de saneamento básico, induz a ocorrência de sinistros e a degradação dos solos. Com a universalização do acesso aos serviços públicos, as concessionárias dos serviços públicos são obrigadas a atender a todo tipo de localidade, independente se há infra-estrutura adequada ou não. Locais de maior frequência de sinistros Os sinistros mais freqüentes ocorrem em locais onde as edificações são construídas abaixo do nível do leito carroçável, onde os alicerces e fundações são praticamente inexistentes ou inadequados, e as moradias ficam bastante vulneráveis às ações externas. O quadro fica ainda mais crítico quando ocorrem em áreas de risco, pois são regiões que sofreram desmatamentos, retirada e uso de materiais minerais, mudanças de curso de água, ocupação de várzeas e encostas, queimadas, produção e distribuição inadequada de lixo, poluição atmosférica, são os principais fatores que induzem os processos de destruição. Os sinistros em áreas de risco As ações antrópicas causam erosões no solo e com isso os escorregamentos, que por sua vez, provocam movimentos nas redes de água, le- vando a rupturas, deslocamentos de caps, ancoragens, e como conseqüência ocorrem os vazamentos e até mesmo grandes arrebentados. Esses danos causados nas redes, associados à pressão da água e ao volume decorrente, potencializam uma situação de risco iminente do meio físico e dão seqüência a uma cadeia de ações, gerando os sinistros. Redes assentadas do lado adjacente à crista do talude e próximas às construções provocam danos imediatos nas construções. Os escorregamentos estão correlacionados com as características gerais da região tais como: relevo, tipo de solo, vegetação, tipo de habitação, índices pluviométricos, densidade populacional, nível do lençol freático. Essas características determinam os processos que podem provocar a ocorrência de acidentes. Grande parte dos escorregamentos acontecem em períodos de chuvas intensas, quando o solo se encontra saturado e mais propenso a desestabilizações. Muitos desses problemas podem ser solucionados por técnicas adequadas para contenção de encostas mas, além disso, pela ação coordenada entre o poder público e a comunidade local, para a conservação da cobertura vegetal das encostas e um correto sistema de coleta e deposição final de resíduos sólidos. A gestão de riscos operacionais e os sinistros A gestão de Riscos Operacionais é uma importante ferramenta para a redução de ocorrências de sinistros e cada vez mais vem sendo incorporado à Estratégia Corporativa das Companhias de Saneamento Básico, principalmente em decorrência dos riscos que podem representar inúmeras perdas, além de comprometer a imagem – o que acaba por direcionar o foco de seus gestores para a criação de competências gerenciais voltadas para a gestão de riscos operacionais. Engenheira. Mestranda do IPT. É coordenadora da Área de Riscos e Sinistros - SABESP Saneas / agosto 2005 – 29 Artigos Técnicos Existem algumas abordagens importantes a serem feitas e que merecem especial destaque como fatores negativos na ocorrência de acidentes: a- Altos custos indenizatórios e assistenciais; b- Comprometimento da imagem das concessionárias; c- O crescente número de ações judiciais dos usuários pelos danos provocados por acidentes de concessionárias. d- Prejuízos ao abastecimento e perdas de faturamento – lucro cessante; e- Alto custo de reposição e conserto dos sistemas; f- Perdas reais e aparentes; g- Riscos de mortes. Como se pode notar, o risco operacional é um dos maiores causadores da má reputação das concessionárias. Além disso, o cenário é muito dinâmico, a Gestão de Riscos deve acompanhar as mudanças, ou seja, é fundamental ter soluções rápidas, através de um gerenciamento apropriado, em que os gestores ficam informados sobre as vulnerabilidades. A Gestão de Riscos em Sinistros visa ordenar as ações da prestação de serviços de distribuição de água e coleta de esgotos, de forma a aumentar a segurança operacional e, como conseqüência, reduzir custos indenizatórios. Essa ordenação vai desde um boa manutenção e operação dos equipamentos com a constante mudança de tecnologias, até no cumprimento de normas e especificações e a otimizações de recursos financeiros e humanos necessários. Fazer a gestão significa manejar as ferramentas existentes de forma adequada e eficiente. Ou seja, precisa-se ter uma visão holística mais apurada. É preciso ir do entorno para dentro da situação. Fazer a gestão é ter uma visão do todo, ter a visão do processo organizacional a que o tema está inserido e como este se relaciona com o restante. Ou seja, o importante é fazer a Gestão em todos os seus aspectos. MÉTODOS Gestão de riscos operacionais Para se fazer uma Gestão é preciso ter uma visão sistêmica e dessa forma propõe-se um método de trabalho, que está bem voltado para o gerenciamento dos riscos que geram as falhas e os sinistros: a- Fazer um levantamento de ocorrências de sinistros dos dez últimos anos, consideran30 – Saneas / agosto 2005 do: materiais e idade das redes, diâmetros das redes, tipo de solos, etc; b- Análise e diagnóstico dos pontos vulneráveis, considerando as condições intrínsecas e extrínsecas; c- Mapear áreas de riscos, relacionando o meio físico (qualidade das água superficiais e subterrâneas, clima e condições metereológicas, geomorfologia do solo), o meio biótico (ecossistemas aquáticos, terrestres e de transição) e finalmente o meio antrópico ( infraestrutura, tipos de construções, densidade demográfica, condições econômicas, etc). d- Fazer a automação dos dados obtidos para o SIG – Sistemas de Informações Geográficas. e- Fazer os cruzamentos de informações dos dados obtidos; f- Classificar os sinistros de acordo com a magnitude dos danos e severidade; g- Criar tabela de riscos – grau de riscos; h- Propor ações visando uma política de gestão dos riscos operacionais; i- Analisar e avaliar os resultados; j- Ter um Planto de Atendimento de Emergência (PAE). Prevenção de sinistros Dentro da filosofia de prevenção de acidentes, no que diz respeito aos sinistros, pode-se concluir que: a- Todo sinistro é um acidente que pode ser evitado Ao se estabelecer a somatória de contribuições, intrínseco ou extrínseco, o que se percebe é que os fatores indutores estão em constante evolução. Não é fatídico, mas decorre de uma seqüência de acontecimentos que se inter-relacionam entre si com base no tripé: pessoas, tecnologia e processos. b- Os sinistros não resultam de uma causa isolada O sinistro é o resultado de uma seqüência de eventos, uma combinação dinâmica de falhas que induzem outras e que se unem fortalecendo-se para um único processo, e atuam como contribuintes ou agentes potencializadores que, se considerados de forma isolados, podem não ter importância, mas ao se agruparem se fortalecem e em algum momento podem provocar um acidente inevitável, em que o processo se torna irreversível. Os produtos são gerados a partir de processos, que têm seus componentes, e se houver uma falha num dos componentes, este poderá ser contribuinte pra gerar um efeito a um outro componente anterior ou posterior, que Artigos Técnicos em cadeia poderá provocar o caos. c- Todo sinistro tem um precedente Nenhum sinistro é original uma vez que, ao se comparar uma ocorrência recente com outras anteriores, é possível se estabelecer alguma relação por meio de semelhança de fatores contribuintes, ou seja, no processo de formação do sinistro. A elaboração de propostas de medidas preventivas deve verificar as semelhanças para desenvolver planos de ação, de forma a impedir ou interromper a formação de seqüência de eventos. d- A prevenção de sinistros está inserida dentro da GRO gestão de riscos operacionais e requer a implantação de sistematização corporativa A prevenção de sinistros deve ser baseada em diversos segmentos da ciência, por meio de conceitos e técnicas desenvolvidas com fundamentos multidisciplinares. Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) são ferramentas capazes de armazenar, manipular e analisar conjuntamente um grande volume de dados espaciais e não-espaciais e que, em função de suas facilidades, vêm destacando-se no processo de planejamento das ações. O SIG vai ao encontro das necessidades da gestão dos riscos para a redução de possíveis sinistros, pois auxilia enormemente na prevenção e correção de problemas, além de propiciar outros benefícios ao longo do tempo. Mas, considerando uma variedade de ferramentas quantitativas e qualitativas. e- Riscos e sinistros são faces da mesma moeda O risco está sempre presente, ou seja, o sinistro é um risco materializado e para prevenir sinistros é preciso antes de mais nada um comprometimento institucional, um aculturamento geral da instituição. É necessário que todos, sem distinção, tenham consciência da importância, estejam integrados com esforços conjuntos. O gerenciamento de riscos está diretamente relacionado à segurança, que deve fazer parte de qualquer atividade, até porque os riscos são gerados a cada momento, em diversos níveis de atuação ou em qualquer área. E todos devem ser igualmente responsáveis pelas atividades que lhe competem dentro de cada processo, sem distinção. f- A alta administração é a principal responsável pelas medidas de segurança operacional De modo geral, todos somos responsáveis pelas ações preventivas, porém é inerente à alta administração a responsabilidade pela conservação dos recursos técnicos, uma vez que detêm do poder de decisão, de onde vem a provisão de verbas necessárias para o desenvolvimento sustentável das atividades. Logo, conclui-se que, se não houver um apoio da alta direção num programa de prevenção de riscos operacionais, não haverá êxito. g- Punições a funcionários são contrárias aos interesses de prevenção de sinistros As avaliações ou investigações para descobrir as falhas ou responsabilidade pela ocorrência de sinistros devem ter como propósito, exclusivamente, a sua prevenção. Punições são inerentes a ações políticas e jurídicas, exercidas por quem de direito, que visam proteger a sociedade. As ações corretivas no que se refere às pessoas devem se restringir aos treinamentos, adequação e atualização de procedimentos que venham a melhora o desempenho de forma positiva. Ou seja, a punição por falha humana pode ser injusta, e deixar de considerar a “causa” do erro que pode ser a real responsabilidade. O que acaba por escapar o foco principal. Por exemplo, no processo de distribuição de água, em que se tem o maior número de ocorrência de sinistros, os profissionais responsáveis pela manutenção e operação estão no final da seqüência de ações e atividades, e, muitas vezes, acabam por receber ou falhas (construtivas, de projetos, operacionais, etc) já cometidas por outros em épocas anteriores. É necessário que haja uma clareza da culpa, para se conceituar uma punição. Atendimento e processamento de sinistros A tabela abaixo mostra os principais passos do atendimento e processamento de sinistros Resultados esperados Como os métodos estão associados à redução de falhas com baixos níveis de tolerância, promove a eficiência operacional e dentro de um contexto da visão desenvolvida pelas companhias de saneamento básico, espera-se por resultados nos seguintes aspectos principais: • Ter bases organizacionais padronizadas, em que os riscos sejam solucionados por funcionários da concessionária, comprometidas com a filosofia da gestão de riscos, de forma integra, fazendo uso de valores éticos. • Definição de normas e procedimentos que Saneas / agosto 2005 – 31 Artigos Técnicos • • • • • dêem suporte e se alinhem com a missão, visão e valores. Ter classificados e padronizados os riscos específicos e que possam ser separados entre riscos e oportunidades, em que as oportunidades sejam direcionadas de forma positiva ao gerenciamento de riscos. Avaliar os riscos, em que se considere sua probabilidade e impacto, como plataforma para a determinação de estudos de gerenciamento. Ter tratamento de riscos, solucionar situações diversas, ter planos de ações corretivas e preventivas, alinhando riscos às tolerâncias sociais, financeiras e políticas. Controlar por meio de políticas e ações integradas para assegurar que as ações estão sendo eficientes quanto ao gerenciamento de riscos. Manter informações atualizadas relativas a riscos em potencial e relevantes, fazendo a captura e deixando de forma adequada com periodicidade adequada que possibilitem as Atividades Vistoria Preliminar/ Avaliação da Vulnerabilidade Descrição da situação Verificação quanto à responsabilidade da concessionária Risco visível de desabamentos / riscos à integridade física dos moradores Houve lesões e/ou mortes Houve refluxo de esgotos no estabelecimento do morador Faz relatório fotográfico Avaliações e Perícias Faz testes, se necessário Levantamento de danos materiais Garantia de serviços Montar dossiês Montagem de dossiês de indenização Documentos de quem vai ser indenizado Documentos técnicos Pagamento Elaborar planilha de preços para a indenização Negociação Parecer Jurídico 32 – Saneas / agosto 2005 • • • • pessoas a realizar suas atividades. É preciso ter uma comunicação contínua e integrada para garantir o fluxo de informações. Monitorar a totalidade da gestão de riscos, fazendo atualizações a alterações constantes para promover a melhoria das atividades. Ter critérios e regras para o processamento administrativo de indenizações a usuários que sofreram danos em decorrência de sinistros. Ter planos de atendimento para situações de emergência para ocorrência de sinistros antes, durante e após o acidente. Ter informações on-line, priorizando ações. Os estudos de riscos servem efetivamente para dar suporte à tomada de decisões pela alta direção da organização e à definição das melhores estratégias a serem utilizadas para dar continuidade ao empreendimento, particularmente no que se refere à obtenção das licenças ambientais, que tanta polêmica têm gerado nos últimos tempos. Recomendações Aciona equipe para fazer avaliações e levantamento de danos /Solicita Perícia Técnica de profissional especializado e/ou consultor externo. Aciona a Defesa Civil para a retirada dos moradores, providencia obras de escoramento se necessário. Aciona Defesa Civil/Corpo de Bombeiros/ Assistente Social Providencia limpeza e desinfecção Fotografa o local onde houve a causa do acidente a fim de verificar nexo-causal Teste de gesso e/ou corante Relaciona conteúdos, ou danos na edificação (separar danos pré-existentes e danos decorrentes do acidente), se houver Verifica se houve intervenção (obras) no sistema e se está na garantia De preferência ter dossiês assemelhados, sendo um técnico (interno) e os administrativos (de acordo com o número de reclamantes) Anexar documentos de propriedade, solicitação de indenização, três orçamentos, contas de luz, água, IPTU, além de documentos pessoais. Anexar relatórios técnicos de vistoria, testes, pareceres, anotações de campo, a fim de mostrar a causa do acidente. Comparar o menor orçamento do usuário sinistrado ao orçamento proposto. Comparar os serviços solicitados e os levantados no campo a fim de ver as divergências e negociar. Todo dossiê deve estar precedido de parecer jurídico. Artigos Técnicos Vantagens Dentre as principais vantagens da gestão de riscos para reduzir sinistros, além de outros fatores associados cita-se: • Contribuir diretamente para o alcance de critérios do PNQ (Plano Nacional de Qualidade); • Auxiliar na tomada de decisões; • Melhorar a qualidades dos serviços; • Melhorar a habilidade de alcançar objetivos estratégicos; • Combinar poder da boa aplicação de estatística com os elementos críticos da estratégia eficaz; • Auxiliar na identificação de riscos operacionais por meio de mapeamentos adequados; • Atuar na origem do problema e padronização de processos, em consequência das soluções adotadas; • Minimizar falhas buscando a melhoria contínua do negócio; • Identificar riscos críticos que resultam maiores perdas; • Tornar as relações internas mais participativas em função do envolvimento direto das pessoas. • Permitir a descentralização de informações e tomada de decisões, evitando sobrecarga sobre quem está próximo do problema; • Melhorar continuamente os processos e redução de custos; • Aumentar a satisfação e credibilidade dos usuários; • Aumentar a credibilidade dos acionistas e bancos gestores; • Identificar e ter tratamento de indicadores de riscos operacionais, atuando sobre a causa dos problemas detectados por processos. • Criar valores intangíveis; • Subsidiar priorização de investimentos na alocação de capitais (medidas preventivas e corretivas); • Reduzir número de ocorrência de falhas, que podem gerar sinistros. • Dissimular cultura de gestão de riscos; • Subsidiar cultura de políticas corporativas; • Evitar surpresas, pois garante a identificação e administração de riscos; • Auxilia as companhias que precisam ter seus relatórios altamente regulamentados. CONCLUSÕES A vulnerabilidade dos sistemas pode ser avaliada pelas suas condições de contorno, através das limitações físicas, operacionais e de organização. Os custos para reparo dos sistemas, associados aos assistenciais e indenizatórios são comprovadamente maiores comparados aos investimentos realizados em obras corretivas e preventivas. Na maioria das ocorrências é comum que os custos assistenciais ultrapassem os indenizatórios. Os riscos nos sistemas podem ser definidos como sendo a probabilidade da ocorrência de um acidente pela magnitude dos danos. No caso dos sinistros, tudo acontece de forma muito dinâmica, com reações em cadeia, em que uma ação induz a uma outra e assim por diante, até chegar a uma situação crítica. Os sinistros ocorrem muitas vezes sem aviso, e quando ocorrem, não há tempo para planejamento, organização e treinamento. Por essa razão, é preciso investir na segurança operacional, de forma integrada, em que sejam priorizadas ações que interliguem e associem os três principais pilares (pessoas, processos e tecnologia) de forma contínua. O mapeamento de áreas de risco operacional pode ser uma importante ferramenta para subsidiar as análises de riscos, além de ser um instrumento para a avaliação, análise e controle de sinistros. Facilita os processos de investigações, localiza, mensura e visualiza os danos auxiliando no esclarecimento de questões que propiciam argumentos de difícil contestação, com amparo técnico e científico. Embora as tecnologias representem um custo inicial significativo, têm uma ótima relação custo/benefício. E nos casos de sinistros, quanto maiores os investimentos na gestão dos riscos operacionais e novas tecnologias, maiores são os benefícios. ■ REFERÊNCIAS Sites consultados: www.opas.org.br www.saneamentobasico.bom.br www.ecoambiental.com.br www.sabesp.com.br www.listaderiscos.com.br w w w. a i r s a f e t y g r o u p . c o m . b r / s h o w. php?not=85&titulo=1 http://www.qsp.org.br/empreendimentos.shtml Saneas / agosto 2005 – 33 ARTIGO TÉCNICO A construção de consenso para o desenvolvimento sustentável Geisa Paganini De Mio Edward Ferreira Filho José Roberto Campos A busca pelo desenvolvimento sustentável deve incluir estratégias de gestão ambiental que envolvam, entre outras, ações de preservação, promoção e manutenção da capacidade de suporte do meio ambiente, de forma a conciliar o desenvolvimento econômico e social com a preservação ambiental. Desta maneira, a melhoria contínua do bem estar da sociedade não pode ocorrer sem políticas e práticas de gestão sustentável dos recursos ambientais, as quais supram as necessidades de demanda da sociedade em seus múltiplos objetivos agora e no futuro, pelo tempo mais longo possível. Na maioria dos locais ocorre divergência entre as necessidades de desenvolvimento econômico e social e a capacidade do meio ambiente local em suportar estes desenvolvimentos sem ser degradado, de forma a atender a múltiplos interesses, gerando conflitos ambientais. A resolução de conflitos ambientais não é simples, uma vez que a negociação não tem como objeto o próprio meio ambiente, mas a adoção de medidas destinadas a sua recuperação e a forma de adoção destas medidas (Fink e Souza, 2000). Os conflitos ambientais geram debates científicos a respeito das condições do meio ambiente e dos riscos de certas ações sobre os recursos naturais e sobre a saúde humana (BRYAN, 2003). A legislação brasileira vigente permite a autonomia e independência dos Promotores de Justiça, representantes do Ministério Público, e atribui-lhes a defesa de interesses difusos e coletivos, entre eles o meio ambiente, bem como estabelece instrumentos, como o Inquérito Civil (IC), exclusivo da instituição, e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para a resolu- ção de conflitos ambientais por meio de construção do consenso, sem intervenção do Poder Judiciário. A construção do consenso e o acordo são concretizados mediante a assinatura do TAC, instrumento legal com caráter executivo. O presente artigo procura demonstrar, com base na experiência da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos (SP), que a resolução de conflitos e a busca pela solução dos problemas ambientais pode ser realizada por meio de abordagem alternativa e da construção de consenso, sob a coordenação do Ministério Público, o que representa uma alternativa atraente, substituindo a abordagem tradicional com intervenção do Poder Judiciário. Uma das maiores dificuldades observadas refere-se à necessidade de apoio técnico, devido à complexidade do tema ambiental, permitindo aos engenheiros desempenharem papel fundamental na resolução de conflitos ambientais. Abordagens para Resolução de Conflitos Ambientais Os conflitos ambientais podem ser resolvidos por meio de dois tipos de abordagens: a tradicional, realizada pelo Poder Judiciário; e a alternativa, realizada pelo Ministério Público, com base na construção de consenso. Na Tabela 1, apresenta-se um resumo dos diversos aspectos dessas abordagens, que se desenvolvem de formas praticamente opostas, preservando como característica em comum, a complexidade do tema ambiental. Essa oposição resulta da fundamentação de cada uma delas, ou seja, apresentam diferentes paradigmas, instrumentos e características, muitas delas, novas para o Direito e para o cotidiano da sociedade. Engenheira Civil – Doutora em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos - USP Advogado - 7o Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos - SP Engenheiro Civil - Professor Titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Enge- nharia de São Carlos - USP 34 – Saneas / agosto 2005 Artigos Técnicos TABELA 1 – Comparação das Abordagens para Resolução de Conflitos Ambientais Aspecto avaliado Abordagens para Resolução de Conflitos Ambientais Tradicional Alternativa Paradigma Ganhar-perder Ganhar-ganhar Resolução do conflito Com intervenção do Poder Judiciário Sem negociação Sem intervenção do Poder Judiciário Com negociação Instrumento de resolução do conflito Ação e processo judicial Inquérito Civil Resultado Sentença Judicial TAC Tipo de solução Imposta pelo juíz Construção de consenso Características Desencorajamento, sofrimento Morosidade Custos mais elevados Grande resistência na resolução do conflito Sem antecipação ao dano Ineficiência comprovada internac/te Comprometimento, conscientização Agilidade Custos menos elevados Pequena resistência na resolução do conflito Possibilidade de antecipação ao dano Eficiência comprovada intenac/te Em comum Complexidade do tema Complexidade do tema Fonte – De Mio (2005) O Ministério Público e a construção de consenso No Brasil, a gestão ambiental por meio de construção de consenso pode ser realizada pelos Promotores e Procuradores de Justiça do Meio Ambiente, representantes dos Ministérios Públicos dos Estados e Federal. A existência do Ministério Público no país faz-se extremamente importante, principalmente porque a sociedade brasileira ainda apresenta-se pouco mobilizada e organizada a respeito de seus direitos e deveres relativos ao meio ambiente (De Mio, 2005). O Ministério Público passou a defender os interesses relativos ao meio ambiente a partir de 1981, com a Política Nacional do Meio Ambiente, que conferiu à instituição a legitimidade para propor Ação Civil Pública ambiental, encaminhado ao Poder Judiciário, a resolução dos conflitos. Em 1985, a Lei da Ação Civil Pública reforçou a atuação do Ministério Público ao prever o Inquérito Civil como instrumento exclusivo da instituição (Visconti, 2003; Goulart, 2000). O Inquérito Civil é um procedimento administrativo presidido pelo Promotor de Justiça e tem a finalidade de colher elementos elucidativos do dano ou perigo de dano a interesses difusos ou coletivos, entre eles o meio ambiente, por meio de requisição de informações e notificações, além do registro e documentação das mesmas. As funções institucionais do Ministério Público em relação às questões ambientais começavam a se delinear ⎯ porém, ainda implicava em encaminhar ao Poder Judiciário a resolução dos conflitos ambientais ⎯ não estando ainda prevista a estratégia da negociação e da construção de consenso. Em 1988, a Constituição passou a reconhecer o Ministério Público como um dos canais que a sociedade poderia dispor para efetivar o objetivo da República, que é o de construir uma democracia econômica e social, e a garantir a independência da instituição frente aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A Constituição de 1988 define as funções institucionais do Ministério Público, permitindo ao Promotor de Justiça promover o Inquérito Civil, e realizar ele próprio a resolução dos conflitos com base na construção do consenso, ou propor a ação civil pública para a proteção do meio ambiente. O Ministério Público se estabelece, então, como um dos órgãos do Estado, encarregado de representar a sociedade civil e seus interesses indisponíveis, dentre eles o meio ambiente, exercendo o controle externo da administração pública, quando ela não age de acordo com os princípios constitucionais e mandamentos legais. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), introduziu no direito brasileiro, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). No mesmo ano, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) alterou a Lei de Ação Civil Pública acrescentando que os órgãos públicos legitimados ⎯ entre eles o Ministério Público ⎯ poderão tomar dos interessados, Termo de Ajustamento de Conduta às exigências legais e que este termo tem eficácia de título executivo extrajudicial, ou seja, sem intervenção do Poder Judiciário. Assim, após a Constituição de 1988 e a criação do TAC, o Inquérito Civil tornou-se um instrumento de registro das etapas de negociaSaneas / agosto 2005 – 35 Artigos Técnicos TABELA 2 - Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP) Resolução de Conflitos Ambientais 2001 2002 no 2003 % no 2004 % no Total no % no % Inquéritos Civís Instaurados (IC) % 93 100 70 100 104 100 47 100 314 100 Termos Ajustamento de Conduta (TAC) 79 85 47 67 66 63 7 15 199 63 Ações Civís Públicas (ACP) 4 5 3 4 1 1 - - 8 3 Em Negociação 9 10 20 29 37 36 40 85 106 34 Fonte – De Mio (2005) ção realizadas entre o Ministério Público e os causadores de danos ambientais. Nos autos do Inquérito Civil, o Promotor de Justiça celebra o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que confirma o consenso e o acordo. O TAC é um instrumento legal destinado a colher do causador de dano ao meio ambiente, um título executivo de obrigação de fazer ou não fazer, mediante o qual, o responsável pelo dano assume o dever de adequar a sua conduta às exigências legais, sob pena de sanções fixadas no próprio termo. O TAC confirma o acordo celebrado entre as partes envolvidas no conflito. O Termo de Ajustamento de Conduta apresenta formato padrão em que são identificados os envolvidos na resolução do conflito; especificados os dispositivos legais que regem o instrumento; apresentadas as considerações que resultaram no Inquérito Civil, no processo de negociação e no consenso; as cláusulas que definem o objeto, as obrigações de cada FIGURA 1 Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP) Inquéritos Civis Instaurados TAC ACP Em negociação 120 Resolução de Conflitos Ambientais 100 80 60 40 20 0 2001 2002 2003 Ano 36 – Saneas / agosto 2005 2004 Fonte – De Mio (2005) uma das partes, os prazos para cumprimento das obrigações; as penalidades pelo não cumprimento dos acordos e o prazo de vigência do instrumento. Assim, em conjunto, o Inquérito Civil e o Termo de Ajustamento de Conduta firmamse como instrumentos efetivos na resolução de conflitos ambientais, representando o diferencial na atuação do Ministério Público, em relação a outras instituições de gestão e fiscalização ambiental, também legitimadas para a assinatura do TAC. Dados da construção do consenso na Comarca de São Carlos (SP) Na Tabela 2 e Figura 1, estão apresentados os totais de Inquéritos Civís ambientais instaurados no período de 2001 a 2004, e, a partir destes, os dados de conflitos ambientais resolvidos por meio de construção de consenso, representado pelo TAC e por meio de ACP, que implica na intervenção do Poder Judiciário. O termo negociação, na Tabela 2 e na Figura 1, refere-se aos Inquéritos Civís que ainda aguardam informações, despachos, ou audiências e vistorias para finalização. Para cada ano e para o total no período estudado, os ítens avaliados estão apresentados em números e em porcentagem. Avaliando os dados da Tabela 2 e da Figura 1, verifica-se que a utilização de abordagem alternativa e construção de consenso na resolução de conflitos ambientais tem apresentado grande viabilidade na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos (SP), pois os valores totais no período estudado demonstram que a maioria dos conflitos vem sendo resolvida por meio de Inquérito Civil (IC) e assinatura de TAC (63%), em detrimento das ACP (3%) ajuizadas perante o Poder Judiciário. Esse resultado é bastante importante porque comprova que o IC em conjunto com o TAC são instrumentos eficazes, se bem aplicados, na resolução de conflitos ambientais. Além disso, verifica-se que, de todos os Inquéritos Civís instaurados no período estuda- Artigos Técnicos Tempo Médio para Resolução de Conflitos Ambientais Nas Figuras 2 e 3, apresenta-se o tempo médio decorrido para a resolução de conflitos ambientais, realizada pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos (SP), no período de 2001 a 2004, com dados segundo o tipo de conflito. A evolução da resolução do conflito está dividida em duas fases: a primeira representa o tempo decorrido para a negociação, que vai desde a instauração do Inquérito Civil até a assinatura do TAC, compon- do, apenas 34 % ainda se encontram em negociação. E do total de 106 em negociação, a maior parte destes refere-se aos anos de 2003 e 2004, pois a maioria dos inquéritos civis instaurados em 2001 e 2002 já foram solucionados. Este dado é bastante importante pois demonstra que a construção do consenso, sem intervenção do Poder Judiciário, resulta em agilidade na resolução de conflitos ambientais, e consequentemente em redução de tempo e custo, além da maior possibilidade de reparação do dano em tempo viável. FIGURA 2 – Tempo Médio para Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP) – meses (Até assinatura do TAC) Tempo Médio até assinatura do TAC 30 a. Apreensão de animais silvestres b. Danos ambientais em APP c. Depósito de sucatas d. Desmatamento, reserva legal, reposição e. Esgoto sanitário f. Implantação gasoduto g. Implantação trevo rodoviário 25 20 15 h. Maus tratos a animais i. Pesca em trecho proibido, piracema j. Poluição industrial k. Poluição rural l. Poluição sonora m. Queimada rural n. Queimada urbana o. Resíduos em terreno baldio 10 5 0 a b c d e f g h i j l mn o p 2001 a b c d e f g h i j l mn o p a b c d e f g h i j l mn o p 2002 2003 Ano a b c d e f g h i j l mn o p 2004 Fonte – De Mio (2005) Figura 3 – Tempo Médio para Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos (SP) – meses (Até cumprimento do TAC) 30 a. Apreensão de animais silvestres b. Danos ambientais em APP c. Depósito de sucatas d. Desmatamento, reserva legal, reposição e. Esgoto sanitário f. Implantação gasoduto g. Implantação trevo rodoviário Tempo Médio até assinatura do TAC 25 20 15 h. Maus tratos a animais i. Pesca em trecho proibido, piracema j. Poluição industrial k. Poluição rural l. Poluição sonora m. Queimada rural n. Queimada urbana o. Resíduos em terreno baldio 10 5 0 a b c d e f g h i j l mn o p 2001 a b c d e f g h i j l mn o p 2002 Ano a b c d e f g h i j l mn o p 2003 Fonte – De Mio (2005) Saneas / agosto 2005 – 37 Artigos Técnicos TABELA 3 – Comparação do Tempo para Resolução de Conflitos Ambientais na Comarca de São Carlos – SP IC em Negociação versus ACP Pendentes Ano Inquéritos Civís Ações Civís Públicas Total NEG % Tempo Total PEN % Tempo 1997 nd – – – 10 6 60 7 anos 1998 nd – – – 5 4 80 6 anos 1999 nd – – – 1 1 100 5 anos 2000 nd – – – 1 1 100 4 anos 2001 93 10 11 3 anos 4 4 100 3 anos 2002 70 18 26 2 anos 3 3 100 2 anos 2003 104 37 36 1 ano 1 1 100 1 ano 2004 47 40 85 < 1 ano – – – NEG: Em negociação; PEN: Pendente, aguardando sentença; nd: não determinado/levantado; (–) : sem registro de IC ou ACP do-se o conflito (Figura 2); a segunda, referese ao tempo para o cumprimento das obrigações definidas e acordadas no TAC, ao final do qual, considera-se que o conflito esteja resolvido, com a efetiva reparação ambiental ou outra obrigação prevista, promovendo-se o arquivamento definitivo do Inquérito Civil (Figura 3). Os dados das Figuras 2 e 3 demonstram que, na maioria dos casos, a fase de negociação necessita de tempo menor que a fase para o cumprimento do TAC assinado. Nos casos em que a fase de negociação é mais longa, isto pode ser resultado de alguma resistência durante a negociação e também devido à necessidade de, na primeira fase, se realizarem o levantamento de informações, as audiências e as vistorias. Além disso, muitas vezes a obrigação assumida no TAC é viável e fácil de ser cumprida, inclusive com início de cumprimento imediato, a partir da assinatura do mesmo. Na fase de cumprimento do TAC, muitos dados ainda não foram registrados, principalmente em 2004, o que significa que o TAC está em fase de cumprimento, fiscalização e monitoramento e que a reparação ambiental ainda não foi totalmente resolvida, mas apenas o compromisso de realizá-la. Avaliando os tempos médios totais para resolução de cada um dos conflitos, verifica-se que a maior parte deles é considerada solucionada em tempo próximo de um ano, sendo que a maioria se resolve até um ano e meio, o que demonstra o bom desempenho da resolução de conflitos ambientais por meio de construção de consenso, com utilização de IC e TAC. Com o objetivo de complementar estas informações, levantou-se também, a partir de 38 – Saneas / agosto 2005 – Fonte – De Mio (2005) 1997, ano de início da atuação do atual Promotor de Justiça do Meio Ambiente de São Carlos, quais são os Inquéritos Civis ainda em negociação e quais Ações Civis Públicas, iniciados na Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da Comarca de São Carlos (SP) e ainda não solucionadas. Estes dados estão apresentados na Tabela 3. Os dados da Tabela 3 demonstram que a resolução de conflitos ambientais por meio de negociação e busca de consenso, no decorrer do Inquérito Civil, ocorre de forma mais expedita do que por meio de ACP perante o Poder Judiciário, em que o conflito é resolvido através de sentença, que muitas vezes não equaciona o problema da melhor maneira. Os dados de número de IC instaurados no período de 1997 a 2000 não foram levantados, uma vez que não haviam nos registros, IC instaurados nestes anos, ainda em negociação, indicando que todos foram resolvidos anteriormente ao período da pesquisa. Os conflitos mais antigos em negociação nos autos dos Inquéritos Civís, datam de 2001 e representam apenas 10% do total de casos instaurados naquele ano, enquanto que, ao se avaliar as Ações Civís Públicas, ainda encontramse pendentes 60% daquelas iniciadas no ano de 1997, 80% das iniciadas em 1998 e, a partir de 1999, nenhuma das Ações Civis Públicas iniciadas foi solucionada. Este resultado vem comprovar o que é afirmado por diferentes autores (BINGHAM, 2004, FINK e SOUZA, 2000) ou seja, a resolução de conflitos ambientais por meio de abordagem alternativa e construção de consenso se faz com menor tempo, e, consequentemente, Artigos Técnicos com menor custo do que por meio da abordagem tradicional. Além disso, em se tratando de conflito ambiental, a reparação do dano e recuperação da qualidade precisa ser resolvida rapidamente, não podendo aguardar o desenrolar do processo judicial. Embora na Tabela 3 tenham sido apresentados dados a partir de 1997, verificou-se que ainda existem Ações Civis Públicas iniciadas desde 1991, aguardando a sentença judicial e a definição para a resolução do conflito ambiental. Portanto, o conflito mais antigo, ainda em negociação por meio de construção de consenso foi instaurado há 3 anos e 8 meses mostrando-se, mesmo assim, mais viável que a apresentação da ACP; neste caso há pendências que permanecem há quase 14 anos. A utilização da abordagem alternativa, manutenção da negociação e busca do consenso, até a assintura do TAC em detrimento da ACP é, até o momento, resultado de posturas particulares de alguns Promotores de Justiça e do Meio Ambiente, o que é amparado legalmente pela independência e autonomia institucional da função. O ideal seria que todos os Promotores de Justiça do Meio Ambiente, tivessem a mesma postura de adoção da abordagem alternativa e construção de consenso para a resolução dos conflitos. O tempo representa aspecto bastante importante para a resolução de conflitos ambientais, uma vez que quanto mais rapidamente forem encontradas soluções, menores os custos das negociações associadas aos mesmos (Adler et al., 1999). Como o dano ambiental precisa ser reparado ⎯ o que é tecnicamente viável na maioria das vezes ⎯ a morosidade na resolução do conflito ambiental pela abordagem tradicional resulta em prejuízos para o meio ambiente e para a sociedade como um todo, comprometendo a implementação do desenvolvimento sustentável. Assim, os dados apresentados demonstram a vantagem da utilização da abordagem alternativa e construção de consenso, principalmente ao se buscar soluções para os conflitos e danos ambientais. O Papel dos Engenheiros na Resolução de Conflitos Ambientais A tipologia dos conflitos ambientais, com suas complexidades e características, define as ações a serem realizadas, as instituições parceiras, a lei a ser aplicada, os resultados esperados, as metas estabelecidas, os impactos causa- dos, os caminhos da negociação, a necessidade de vistorias, e, principalmente, o apoio técnico necessário e fundamental para as tomadas de decisão. O Ministério Público conta com o Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente (CAO-UMA), que realiza o apoio técnico aos Promotores de Justiça do Meio Ambiente. Porém, a atuação do CAO-UMA ainda é deficiente, uma vez que não existem profissionais disponíveis para todas as comarcas. No caso da Comarca de São Carlos (SP), essa deficiência vem sendo minimizada através de parcerias com engenheiros da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), Agência Ambiental de Araraquara e do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), além de apoio de docentes da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (EESC-USP). Assim, os engenheiros, eles mesmos integrantes da sociedade civil, principalmente aqueles com conhecimento técnico a respeito dos temas ambientais, podem desempenhar importante papel na resolução de conflitos com base na construção de consenso, suprindo as necessidades de apoio técnico para orientar as tomadas de decisão. Considerações Finais Com base na experiência da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de São Carlos (SP), pode-se afirmar que: • A construção do consenso, por meio da uti- lização do Inquérito Civil (IC), em conjunto com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), é efetiva na resolução de conflitos ambientais; • De todos os Inquéritos Civís relativos a con- flitos ambientais instaurados no período de 2001 a 2004, a maioria vem sendo resolvida por meio de assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (63%), em detrimento das Ações Civis Públicas (3%) ajuizadas perante o Poder Judiciário, resultando em apenas (34%) ainda em negociação; • Os tempos médios decorridos para resolu- ção dos conflitos ambientais demonstram que a maioria deles é solucionada no período máximo de um ano e meio, o que resulta na redução de custos e na possibilidade de reparação do dano em tempo viável; Saneas / agosto 2005 – 39 Artigos Técnicos • Os conflitos mais antigos, pendentes e em negociação nos autos dos Inquéritos Civís datam de 2001 e representam apenas 11% do total de casos instaurados naquele ano; • As Ações Civís Públicas pendentes re- presentam 60% daquelas iniciadas no ano de 1997, 80% das iniciadas em 1998, e a partir de 1999, nenhuma das ACPs iniciadas foi solucionada; BRASIL (1985).Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, Lei que disciplina a Ação Civil Pública, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 de julho de 1985. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa Brasileira, Capítulo VI – Do Meio Ambiente, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. 33a Edição, atualizada e ampliada, Editora Saraiva, São Paulo, 377 p. • O IC pendente há mais tempo, encontra-se em negociação há 3 anos e 8 meses, porém existem ACPs ambientais pendentes desde 1991, totalizando 14 anos; BRYAN, T. (2003). Context in environmental conflict: where you stand depends on where you sit, Environmental Practice, 2003, v. 5, n. 3, p. 256-264. • A construção de consenso, por meio do IC em conjunto com o TAC permite a reparação dos danos ambientais imediatamente após a assinatura do acordo e em tempo mais viável do que a Ação Civil Pública. A utilização, pelo Ministério Público, da construção de consenso e dos instrumentos disponíveis para tal, representa uma componente de estratégia para o desenvolvimento sustentável uma vez que permite maior transparência no processo, implica na participação da sociedade civil e de instituições do Poder Público, resultando inclusive, no comprometimento com a causa ambiental por parte dos diversos participantes do conflito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADLER, P. S. et al (1999). Managing Scientific and Technical Information in Environmental Cases : Principles and Practices for Mediators and Facilitators Resolve Inc.; US IECR; Western Justice Center Foundation. Disponível em: <http://www.resolve.org/pubs/envir_ wjc.pdf> Acesso em 09 dez. 2004. BINGHAM, G. (2004). What is ConsensusBuilding and why is it importante for resource management?, Resolve – Results through Consensus. Disponível em: <http://www.resolve. org> Acesso em 14 mar. 2004. BRASIL (1981). Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 de agosto de 1981. 40 – Saneas / agosto 2005 COONEY, J. F. (1993). Face to face – the art of negotiating how when and why, Public utilities fortnightly, v. 131, n. 16, 1993, p. 10-17. DE MIO, G. P. (2005). O Inquérito Civil e o Termo de Ajustamentode Conduta como instrumentos efetivos para resolução de conflitos ambientais, Tese (Doutorado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005, 248 p. FINK, D. R.; SOUZA, L. A. (2000). Alternativa à Ação Civil Pública Ambiental (Reflexões sobre as vantagens do Termo de Ajustamento de Conduta), In: 4o Congresso de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo e 5o Encontro Anual dos Grupos Espciais de Promotores de Justiça do Meio Ambiente . Águas de São Pedro - SP, 15 a 18 de novembro de 2000, p. 128-148. GOULART M. P. (2000). Ministério Público: Missão Institucional e Defesa do Meio Ambiente, In: 4o Congresso de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo e 5o Encontro Anual dos Grupos Espciais de Promotores de Justiça do Meio Ambiente . Águas de São Pedro - SP, 15 a 18 de novembro de 2000, p. 128-148. VISCONTI, A. (2003). Ação Civil Pública – Requisito para exame nos Tribunais Superioires, CAO – UMA – Centro de Apoio Operacional – Urbanismo e Meio Ambiente, Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/caouma.htm> . Acesso em 01 mar. 2004. ■ COMUNIDADE OPINIÃO O Plano Diretor e a Sustentabilidade Ambiental das Cidades Desenhos: Marcelo Baraça Ivan Carlos Maglio A Sustentabilidade Ambiental: Novo Desafio para o Plano Diretor A posição oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos governos em relação ao agravamento da crise ambiental mundial, bem como as pressões dos movimentos sociais e a intensa participação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) nas instâncias preparatórias da Conferencia Mundial Sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Rio 92, trouxeram consigo o fortalecimento da necessidade do planejamento como prática racional na busca da sustentabilidade ambiental e da manutenção dos recursos naturais em escala planetária. Apesar disso, no planejamento urbano das cidades, em especial por meio da elaboração dos planos diretores prevista constitucionalmente no Brasil, a maior parte dos municípios ainda não utiliza instrumentos de gestão urbana e ambiental, para aperfeiçoar seu planejamento. Mesmo as capitais estaduais assoladas por graves problemas sócio-ambientais e em crise de sustentabilidade consideram as opções sócio-ambientais e urbanas estratégicas nos seus planos diretores, por meio de avaliações dos impactos ambientais de suas proposições de ações, por meio de processos avaliados com a participação da sociedade civil, visando o desenvolvimento futuro das cidades. Assim as dificuldades dos municípios na aplicação dos instrumentos de gestão ambiental no planejamento urbano têm levado a uma situação em que poucos planos diretores são elaborados contendo diretrizes compatíveis com sua sustentabilidade ambiental. Mesmo naqueles municípios onde já se aplicam instrumentos urbanísticos como as operações urbanas, o zoneamento territorial e a disciplina de uso e ocupação do solo, ainda enfrentam-se conflitos durante a aprovação e execução desses instrumentos, ante os riscos destes provocarem novos impactos ambientais nos seus territórios. A partir das Operações Urbanas, praticadas desde 1991, em São Paulo e no Rio de Janeiro, têm surgido conflitos, em decorrência de diretrizes urbanísticas que apresentam impactos ambientais não mitigados ou indesejáveis, como é o caso dos grandes adensamentos urbanos propostos no âmbito das operações urbanas, e que, em certos casos agravaram os indicadores de qualidade ambiental urbana, tais Eng Civil e PHD em Saúde Ambiental Saneas / agosto 2005 – 41 Comunidade como a qualidade do ar, da água ou a sobrecarga da infra-estrutura urbana, como é o caso da Operação Urbana Faria Lima no município de São Paulo.. Por outro lado, crescem as exigências dos ambientalistas e dos movimentos em defesa de bairros, pela despoluição das águas, proteção das áreas verdes e da reserva da biosfera existente nas cidades, bem como de órgãos ambientais estaduais, municipais e do Ministério do Meio Ambiente, para que os planos diretores municipais estabeleçam ações e diretrizes que considerem a redução dos impactos ambientais e a proteção do ambiente. Em 2003, por meio da Medida Provisória no 103, posteriormente convertida na Lei no 10.683, de 28 de maio do mesmo ano, foi criado no Brasil o Ministério das Cidades, com o objetivo de combater as desigualdades sociais, transformando as cidades em espaços mais humanizados, e ampliar o acesso à moradia, ao saneamento e ao transporte. A competência do Ministério das Cidades é tratar da política de desenvolvimento urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito. Sua criação contempla uma antiga reivindicação dos movimentos sociais de luta pela reforma urbana, e de dar maior atenção à gestão das cidades. (BRASIL 2003). Esperavam-se grandes avanços nessa direção, mas soluções e a melhoria das condições de enfrentamento desses temas, estão na pauta por todos os que se preocupam com a sustentabilidade ambiental urbana. As decorrências negativas do processo de urbanização são cada vez mais monitoradas e reconhecidas. Refletem-se por meio da piora dos indicadores de qualidade do ar e das águas; da utilização predatória de áreas de mananciais; pela crescente redução das áreas verdes; pela grande impermeabilização do solo, que causa constantes riscos de enchentes e deslizamentos de terra; pelos congestionamentos no trânsito, que causam perda de tempo e transtornos nos deslocamentos da população entre casa e trabalho e vice-versa, além de outros conflitos sócio-ambientais crescentes e cada vez mais concentrados nas cidades brasileiras. No caso de São Paulo, para citar um exemplo, a piora dos índices de qualidade do ar é cada vez mais vista como interdependente do modelo de transporte que privilegia o transporte individual em detrimento do transporte coletivo de alta capacidade (metrô e trens urbanos). Tal fato demonstra que a ausência de 42 – Saneas / agosto 2005 uma política sustentável para o transporte urbano esta diretamente relacionada à qualidade do planejamento urbano praticado no município, o qual não vem priorizando os investimentos na rede de transportes de grande capacidade, mas que continua privilegiando a construção de túneis e viadutos para tentar dar maior vazão ao fluxo e aos congestionamentos constantes, sem alterar na base o modelo existente. Mesmo as operações de rodízio planejadas para a redução de veículos em circulação, em função da piora dos índices de qualidade do ar durante o inverno, quando a cidade enfrenta o fenômeno das inversões térmicas, passaram a ser utilizadas de forma sistemática para reduzir a circulação dos quase 6 milhões de veículos existentes do Município. Os compromissos assumidos na Agenda 21, durante a Conferência Rio 92, e a consagração do paradigma da sustentabilidade ampliaram as expectativas de construção de uma nova perspectiva mundial para romper com o ciclo de insustentabilidade do planeta. A partir desse marco, reconheceu-se a importância e a necessidade da formulação de práticas locais no Brasil, capazes de enfrentar as causas da geração de problemas socioambientais, uma vez que grande parte dos problemas ambientais decorrentes da urbanização localiza e inicia-se nos municípios. Entretanto, não foram criadas as condições e os recursos necessários para enfrentá-los, bem como mecanismos para a introdução de novos instrumentos de gestão ambiental e urbana para que os municípios pudessem fazer frente aos problemas ambientais e ao crescente aumento da parcela da população brasileira que vive nas cidades. Embora sem os recursos necessários para o desenvolvimento das Agendas 21 locais, sua formulação passou a representar para os municípios brasileiros e para a sociedade organizada uma possibilidade de retomar a discussão sobre o planejamento futuro das cidades, no qual, o Plano Diretor Municipal é reconhecido como sua ferramenta de planejamento mais importante na perspectiva de promover a sustentabilidade ambiental. Entretanto, decorridos 13 anos da Conferência Rio 92, permanece no caso brasileiro o desafio de introduzir, democraticamente, opções sustentáveis nos municípios, em particular na formulação de planos urbanos, planos diretores, leis de zoneamento e operações urbanas. No caso do plano diretor, instrumento que se Comunidade propõe como ferramenta importante para o futuro da cidade, seja diretamente no plano físico-urbanístico, seja na definição das políticas públicas municipais de desenvolvimento, o desafio torna-se ainda mais concreto e candente. O Estatuto das Cidades e os novos caminhos para o Planejamento Urbano nos Municípios Uma nova legislação nacional de política urbana surge somente em 2001 com a aprovação da Lei Federal nº 10.257, após dez anos de debates e discussões no Congresso Nacional, e com a definição de questões centrais para a reforma urbana consolidou-se, de 10 de julho de 2001, que dispõe sobre o Estatuto das Cidades, trazendo novas condições para que os municípios enfrentem os problemas relacionados à sustentabilidade urbana. Nesse processo, os movimentos sociais pela reforma urbana tiveram um papel importante na definição dessa legislação sobre política urbana, já anunciada pelos artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, mas que dependiam de uma regulamentação específica para serem aplicados. A maior parte desses movimentos sociais surgiram em defesa do direito à moradia e pela regularização fundiária de áreas ocupadas por favelas e loteamentos irregulares, embora essas carências estejam sempre ligadas à questões sócio-ambientais, elas não são necessariamente tratadas em conjunto. Se por um lado a urbanização dos territórios mais excluídos das cidades depende do reconhecimento desses direitos, por outro os investimentos que o poder público realiza nas cidades por meio dos impostos arrecadados, e que valorizam o solo urbano, precisam ser democratizados e resgatados para que novos investimentos possam suprir as áreas mais carentes em infra-estrutura urbana e em melhoria da qualidade ambiental dos municípios. Questões como o resgate da mais valia urbana decorrente da maior exploração do solo urbano em áreas com maior infra-estrutura são tratadas no Estatuto das Cidades com a instituição do instrumento da outorga onerosa do direito de construções adicionais. Por meio da outorga onerosa do direito de construir o mercado imobiliário poderá investir em áreas passíveis de adensamento, e ressarcir o poder público gerando recursos adicionais para que o poder público possa investir em infra-estrutura urbana, sistema viário, habitação, transportes e investimentos em meio ambiente. A principal mudança do Estatuto das Cidades é que essa lei transformou o plano diretor no principal meio de garantir a aplicação desses e de outros instrumentos pelos municípios brasileiros, reforçando a capacidade do plano diretor transformar a realidade urbana. O Estatuto das Cidades passou a determinar o conteúdo mínimo do plano diretor e estabeleceu normas para sua elaboração, entre as quais se destaca-se a necessidade da participação da população na sua elaboração e a definição dos objetivos a serem cumpridos pela propriedade urbana e pela cidade, no cumprimento da sua função social e ambiental, como princípio básico. O Estatuto das Cidades condicionou o Plano Diretor como o orientador da definição das diferentes áreas do município onde poderá incidir a utilização de instrumentos por ele criados para os municípios possam fazer cumprir a função sócio-ambiental da propriedade urbana e implantar uma política de desenvolvimento e de expansão urbana. Institui diversos instrumentos de política urbana, vinculandoos ao plano diretor, e também estabelece normas para sua elaboração participativa – tratou, em capítulo específico, da gestão democrática da cidade, da participação da população na definição das políticas públicas e do cumprimento da função social da propriedade. Entre os novos instrumentos de gestão urbana destaca-se a outorga onerosa de potencial construtivo; a transferência do direito de construir; o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; e três tipos de Coeficientes de Aproveitamento, máximo, mínimo e básico para regular a função social da propriedade urbana e que requerem a revisão das formas usuais de planejamento, de controle do uso do solo e de zoneamento urbano, separando o coeficiente de aproveitamento construtivo do tipo de uso do solo permitido. Destaca-se também pela primeira vez em uma lei urbanística nacional, a introdução nas diretrizes para a ordenação e controle do uso do solo de questões ambientais, como a poluição e degradação ambiental, o controle do uso excessivo ou inadequado do solo em relação à infra-estrutura urbana, a adoção de padrões de produção de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites de sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência, bem como a preservação, conservação e proteção do meio ambiente natural e construído. Além dessas diretrizes, são também criados em Saneas / agosto 2005 – 43 Comunidade conjunto com os demais instrumentos de gestão urbana já citados a instituição de unidades de conservação, o zoneamento ambiental e os estudos prévios de impacto ambiental (EIA) e de impacto de vizinhança (EIV). Assim, o Estatuto da Cidade instituiu uma nova política urbana e confirmou que o Plano Diretor não é um produto puramente técnico e científico, mas um instrumento que requer a democratização de sua elaboração por meio da participação da sociedade civil organizada. Por outro lado, reconheceu a existência de conflitos e a necessidade de processos de negociação decorrentes dos interesses divergentes, existentes na sociedade brasileira para a solução dos problemas socioambientais da urbanização, e para a necessidade de inserção da sustentabilidade ambiental em planos diretores. Somente a partir desses processos públicos o Plano Diretor poderá transformar-se em lei municipal que oriente o futuro da cidade. A Aplicação dos Instrumentos do Estatuto da Cidade no Plano Diretor O plano diretor permite a aplicação dos instrumentos de gestão urbana institucionalizados no Estatuto da Cidade, e utilizando-os para implementar os objetivos e as diretrizes definidas no plano por meio dos seguintes instrumentos; a) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, aplicados a imóveis localizados em favelas e áreas com habitações precárias e transformados em Zonas Especiais de Interesse Social no Plano Diretor, de forma a cumprir a função social da propriedade e enfrentar a questão da carência por moradias adequadas para as populações de baixa renda; b) concessão urbanística – por meio de permissão de parcerias público–privado para a realização consorciada de obras de urbanização ou de reurbanização de quaisquer áreas da cidade necessárias à implementação de melhorias urbanas; c) concessão de uso especial e usucapião especial, incluindo o coletivo, para atender às necessidades de moradia social; d) direito de superfície, a ser concedido (ou negociado) por proprietário de imóvel urbano ao município e a entidades públicas de direito privado, para viabilizar a utilização do espaço superficial, aéreo e subterrâneo, necessário à implementação de diretrizes do plano diretor. 44 – Saneas / agosto 2005 Por exemplo, para melhoria da paisagem urbana com a modernização das redes de infra estrutura através de galerias subterrâneas; e) direito de preempção, para dar preferência ao poder público na aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, a fim de facilitar a execução de melhorias viárias e de infra-estrutura em geral: piscinões, criação de parques e áreas verdes e outras; f) outorga onerosa do direito de construir, para permitir a construção acima do coeficiente básico mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, que será importante fonte de recursos extra orçamentários para ampliar a capacidade de investimentos do município na melhoria física da cidade; g) transferência de potencial construtivo, para compensar eventuais perdas econômicas advindas de eventual impedimento legal de utilização do Coeficiente de Aproveitamento básico em determinado imóvel e também para incentivar a manutenção de áreas verdes e de produção agrícola ou extrativista no município. h) operação urbana consorciada, para viabilizar transformações urbanísticas localizadas por meio de intervenções conjuntas dos setores público e privado; i) consórcio imobiliário por meio de permissão para o poder público receber por transferência imóveis para um melhor aproveitamento, por meio de concessão urbanística ou outra forma de contratação. A política ambiental municipal também pode fazer parte explicita do Plano Diretor com o objetivo de implementar as diretrizes da política nacional de meio ambiente, recursos hídricos e saneamento, criando os seguintes instrumentos de gestão urbana e ambiental: a) o zoneamento ambiental do município como instrumento definidor das ações e medidas de proteção e recuperação da qualidade da ambiental do espaço, e com a definição dos fatores ambientais a considerar: por exemplo ruído, vibração, poluição do ar, odores e etc.; b) o Licenciamento Ambiental e os Estudos de Impacto Ambiental e o RIMA para que empreendimentos com impacto ambiental significativo tenham seus problemas tratados pelo município previamente à sua implantação, a exemplo de novas vias e linhas de metro, ou empreendimentos como aterros sanitários, estações de tratamento de esgotos entre outros; c) o Estudo de Impacto de Vizinhan- Comunidade ça e o respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança, para empreendimentos que causem alterações das características urbanas do entorno, a exemplo de shoppings centers, estádios, centros de lazer e grandes conjuntos habiitacionais e ou de serviços, etc; d) o Termo de Compromisso Ambiental-TCA, para compensar autorizações para supressão de vegetação e/ou recuperar o meio ambiente em decorrência de atividades que causem degradação ambiental, como o parcelamento do solo para fins de urbanização, entre, outros; e) a Avaliação Ambiental Estratégica de Políticas, Planos e Programas Setoriais Públicos visando reduzir seus impactos estratégicos ao meio ambiente urbano, como planos de trnsporte, de saneamento, de habitação e grandes intervenções urbanas. O Estatuto permite ainda que o Plano Diretor promova a efetivação de transformações no espaço urbano em direção à implantação e ou readequação de uma estrutura urbana adequada para o município. Para tal permite intervenções e reestruturações de áreas urbanas para melhoria de circulação viária, infra-estrutura de transporte, espaços abertos, parques e novas centralidades. A definição no âmbito do plano Diretor de Áreas de Intervenção Urbana (AIUs) facilitam a identificação dos perímetros de áreas onde os instrumentos do Estatuto poderão ser utilizados, conforme exige a lei federal, e que serão também objeto de Projetos Urbanísticos Específicos para atingir os objetivos urbanísticos do Plano Diretor. No caso do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, por exemplo, as AIUs definidas são as seguintes: a) áreas de operação urbana consorciada e áreas de projeto definidas para revitalizar ou dinamizar áreas urbanas sub-utilizadas; b) áreas de intervenção urbana para a implantação de parques lineares; c) áreas de eixos e pólos de centralidade, em função das nucleações consolidadas e/ou potenciais de comércio (lojas diversas, shoppings, supermercados, equipamentos públicos (de saúde, segurança), de comunicação, locais de encontro, etc.). d) áreas para a implantação de rede viária estrutural, demarcadas ao longo das vias estruturais propostas, medidos a partir do eixo da via, e nas existentes no caso de melhoramentos; e) áreas para a implantação de rede de transporte público, definidas por uma faixas de 300 metros de largura de cada lado dos alinhamentos do sistema de transporte público coletivo de massa e “círculos com raio de até 600 metros tendo como centro as estações de transporte coletivo metroviário ou ferroviário. Quanto às Operações Urbanas Consorciadas (OUC), de acordo com o Estatuto das Cidades, de forma a absorver algumas das distorções observadas na prática recente, são definidas como “o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, que visa alcançar em uma área específica transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais, valorização ambiental e ampliação e qualificação dos espaços públicos. As operações urbanas consorciadas poderão ser previstas no plano diretor e criadas por leis específicas e ter as seguintes finalidades: • implantação de equipamentos estratégicos para o desenvolvimento urbano; • otimização de áreas envolvidas em “intervenções urbanísticas de porte” e “reciclagem de áreas sub-utilizadas”, como por exemplo revitalização de centros ou áreas que necessitem de ampliação da infra-estrutura; • implantação de programas de habitação de interesse social; • ampliação e melhoria da rede estrutural de transportes coletivos; • ampliação e melhoria da rede viária estrutural; • implantação de espaços públicos; • valorização e criação de patrimônio ambiental, histórico, arquitetônico, cultural e paisagístico; • otimização de áreas visando a geração de empregos. Para cada operação prevista poderá ser prevista a possibilidade de modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, tendo como principal efeito o adensamento e o melhor aproveitamento construtivo das áreas mediante a utilização de um Coeficiente de Aproveitamento Construtivo maior do que o praticado na cidade ( no caso de São Paulo de até 4,0 vezes a área do terreno), limitado a estoques construtivos adicionais em m2 previstos na lei da operação urbana. Evidentemente que essas decisões deverão ter seu Saneas / agosto 2005 – 45 Comunidade impacto ambiental avaliado antes de sua efetivação, uma vez que podereáo apresentar riscos para a sustentabilidade ambiental. A lei específica da operação urbana deverá conter, entre outros itens, a delimitação de sua abrangência, sua finalidade, o programa de atendimento econômico e social à população diretamente afetada, solução habitacional dentro do seu perímetro ou na sua vizinhança para reassentar a população de favelas e cortiços a ser removida, e estudo prévio de impacto ambiental e de vizinhança. Em casos de maior porte recomenda-se avaliações estratégicas simultâneas à formulação do plano da operação urbana, limitando os excessos e os efeitos negativos no ambiente urbano, por exemplo efeitos cumulativos na poluição do ar. Em relação ao Sistema de Gestão Democrática do Plano Diretor, esse deverá incluir a criação de órgãos e processos de participação popular: Assembléia de Política Urbana; o Conselho Municipal de Política Urbana e Conselho de Representantes das Subprefeituras. E como meios de exercício do poder democrático, debates, audiências e consultas públicas; plebis- 46 – Saneas / agosto 2005 cito, referendo e iniciativa popular. Como instrumentos de gestão, o Sistema Municipal de informações e os relatórios anuais de gestão. Em síntese, as possibilidades de enfrentar a questão da sustentabilidade urbana são ampliadas trazendo um novo patamar para a gestão municipal no Brasil. Tal exige e depende da vontade política dos governantes e da participação da sociedade na escolha dos caminhos para o futuro das cidades, baseado na: • na busca de sustentabilidade ambiental urbana; • na aplicação da função socioambiental da cidade e da propriedade; • na participação democrática da sociedade civil; • na retomada do papel regulador e coordenador da administração pública; • na superação do tecnicismo na elaboração do plano; • etomada do planejamento urbano como política pública; • no reconhecimento de conflitos; • na criação de um processo de planejamento estratégico no município. ■ HISTÓRIA DO SANEAMENTO Limpo e decente A s histórias contadas por Wright 1 ajudam a entender os avanços e retrocessos ocorridos nos cuidados com a saúde, relacionados com o saneamento ambiental. Essas oscilações foram sempre dependentes das relações de forças entre religião, ciência, tecnologia e Estado. O que atualmente representa conCaricatura de 1820. O banho ainda era um privilégio. quista, como a implantação de sistemas de abastecimento de água, dependendo das circunstâncias, não era no passado. O banho O banho, por exemplo, teve vários significados ao longo da história. Na Grécia era estimulante corporal: breve, frio e revigorante. Em Roma e nos países islâmicos era usado para relaxamento e bem-estar. Tinha função social. Ele não tinha, entretanto, objetivos higiênicos. Já nos mosteiros medievais, os banhos tinham propósitos estritos de higiene pessoal. Não podiam ser demorados. Não era para dar prazer e às vezes eram impostos como penitência banhos gelados, aos monges rebeldes, para esfriar suas paixões. Nos mosteiros ingleses, em especial, se tomava banho quatro vezes por ano. Em muitos mosteiros havia a ala dos sanitários que era ligada aos dormitórios por uma ponte. Livros de etiqueta, da era medieval, recomendavam: lavar as mãos, o rosto e os dentes todas as manhãs. Quando chegava uma visita era boa educação oferecer-lhe um banho. 1 Wright L. Clean & decent: the fascinating history of the bathroom and the water-closet. London: Penguim Books Ltd. 1960. Os Cruzados ensinaram aos europeus os benefícios do banho turco. Mas ele logo foi proibido, em virtude da falta de madeira para aquecimento, provocada pelo crescimento das cidades e destruição das florestas. Havia também uma oposição muito forte feita pela Igreja por causa da depravação nas casas de banho. Na França, por exemplo, em 1538 foram demolidas várias dessas casas, por causa disso. Acreditava-se, na época, que o aumento das doenças infecciosas era consequência da contaminação pela água nas casas de banho. São Benedito representava bem o pensamento da Igreja Católica ao afirmar que: “aos que estão bem, especialmente aos jovens, o banho raramente deve ser permitido”. São Francisco de Assis também fazia referência à água como recurso natural: “nossa irmã água, útil, humilde, preciosa e limpa”, porém listava a sujeira entre as virtudes da santidade. Gregório “o grande”, que foi o primeiro monge a se tornar papa passou a recomendar a rotina sanitária nos conventos, permitindo o banho aos domingos. Na Europa, durante o século XVIII e no começo do século XIX, o banho era usado como tratamento medicinal. Era recomendado aos doentes. Somente por volta de 1860, é que passa a fazer parte da rotina das pessoas, mesmo assim, o banho frio ainda era encarado como penitência. Com o crescimento das cidades e o aumento da poluição dos mananciais, a água tinha que ser buscada a longas distâncias, por isso era muito valorizada e se prestava somente para beber e cozinhar e não para banhos. Abastecimento de água Em 1349, para combater a peste negra, que invadia as grandes cidades, foram construídos sistemas de abastecimento de água em várias localidades, na Inglaterra. Algumas eram abastecidas por poços profundos. A bomba hidráulica, inventada no final do século XV, foi uma grande aliada dos engenheiros da época. As extensões das tubulações chegavam a pouco mais de três km e eram construídas com chumbo ou madeira, que foram utilizadas até 1941. O sistema de abastecimento de água de Saneas / agosto 2005 – 47 História do Saneamento Londres foi construído em 1237, quando Gilbert Sandford obteve autorização do rei para explorar os serviços. A água era captada em poços e no rio Thames. Em 1613, o Thames já estava poluído e foi preciso captar água a 60 km do centro urbano. Muitas epidemias ocorreram na Europa nessa época, inclusive a peste negra, que matou milhares de pessoas. Os costumes da época talvez tenham sido a causa principal. Não se conhecia o garfo. As refeições eram feitas com as mãos. O garfo começou a ser utilizado como medida sanitária. Outro fator agravante era o lançamento dos esgotos nos quintais das casas, que perdurou ainda por muito tempo. As condições de saúde pública começaram a melhorar em meados do século XVIII. A queda da taxa de mortalidade possibilitou o crescimento da população de Londres, que dobrou, no período de 1750 a 1800. Foram implantados sistemas de drenagem de águas pluviais e as ruas foram alargadas. Os sistemas de abastecimento de água foram melhorados com a invenção do motor a vapor em 1743 e o início da utilização de tubos de aço em 1746. Importantes fatores da melhoria das condições de saúde foram que as roupas de algodão, que eram mais baratas, podiam ser fervidas sem estragar, para matar os piolhos, e a utilização de louça e ferro, na confecção de utensílios domésticos, que ajudaram na manutenção da higiene nas moradias. Nessa época, as casas e os hospitais foram equipados com instalações sanitárias. Nas universidades a medicina passava a ser considerada uma disciplina, o que já acontecia desde o milênio anterior, nas escolas da Pérsia. A alquimia e a magia davam lugar à ciência que nascia pelas mãos de Isaac Newton. Em 1756, Londres possuía água em abundância, mas o abastecimento não era constante. Cada casa recebia água por duas ou três horas, três dias por semana. O esgoto poluía os mananciais. Em York, a água era deixada em vasilhas por um ou dois dias, antes de ser usada. Em Manchester, em 1765, era proibido dar banhos em gatos e cachorros. Já os palácios tinham seus próprios sistemas de abastecimento de água. Manuais de higiene Em 1724, o banho frio era recomendado duas ou três vezes por semana, no verão e no inverno. Lavar as mãos com freqüência e 48 – Saneas / agosto 2005 banhar-se nos rios também eram recomendações de saúde. Os manuais de higiene do século XIX recomendavam evacuação diária e asseio pessoal, a fim de evitar que uma nuvem pairasse sobre a pessoa. Banhos de 15 em 15 dias, ou ao menos, uma vez ao mês, também eram recomendados, além da troca de roupa branca, roupa de baixo, tão logo ela estivesse suja, suada ou úmida. Conta-se que Napoleão tomava banho quente diariamente, enquanto que Wellington tomava banho frio. Talvez a melhor disposição de Wellington proporcionada pelos banhos frios, tenha sido a causa da sua vitória na batalha de Waterloo. Os banheiros Water Closet (WC) é uma das siglas utilizadas em todas as partes do mundo que nasceram na Inglaterra. Em Paris os vendedores de água transportavam banheiras nas carroças para os apartamentos. Em 1838 havia 1013 “banheiras à domicílio” registradas e licenciadas e somente 2 224 banheiros fixos. Esse luxo, na Inglaterra, era menor. Em 1837, quando a Rainha Vitória subiu ao trono, não havia banheiro no seu palácio. O parlamento, então, votou uma verba especial para a construção de uma banheira aquecida no quarto de sua majestade. Paradoxo Por causa da falta de controle da qualidade da água distribuída, o sistema de abastecimento de água de Londres passou a ser visto como uma ameaça, durante as epidemias de cólera de 1832 e 1866. Apesar de não se conhecer o agente infeccioso, sabia-se que a água contaminada era o meio mais provável da sua disseminação. Assim, o sistema de distribuição de água colocava em risco a saúde de toda a população. Propagava-se, na época, que a cólera teria vindo por causa, e não apesar, das novas melhorias sanitárias. Os esgotos das casas dos ricos eram considerados como ameaças maiores do que os das primitivas favelas, que não eram coletados, ao contrário daqueles que eram coletados e lançados nos rios que cruzavam toda a cidade. Esses todos viam. Com o passar dos anos e com o avanço da ciência, provou-se que a água limpa para uso doméstico e para uso da higiene pessoal é fator importante para a prevenção de doenças infectocontagiosas. Assim, o banho entrou para a história como um hábito diário necessário. ■ Resenhas Saúde pública, desenvolvimento urbano e econômico LANDES, DAVID A Riqueza e a Pobreza das Nações Ed. Campus, 1998 O autor aborda os motivos que tornaram os países europeus mais ricos do que outros, que tinham certas vantagens, como os asiáticos. Faz avaliação da revolução industrial do século XVII e sua influência nos indicadores de qualidade de vida das populações. Saúde pública O aumento considerável da expectativa de vida nos dias de hoje se deve mais às conquistas na área preventiva e à disseminação de hábitos de higiene do que a melhores remédios. Água limpa e pronta remoção do lixo somando-se ao asseio pessoal fizeram a diferença. Por muito tempo o assassino foi a infecção gastrointestinal, transmitida dos dejetos às mãos, destas aos alimentos e ao aparelho digestivo. Esse inimigo invisível, mas letal era reforçado de tempos em tempos por micróbios epidêmicos como o vibrião colérico. O melhor caminho era a latrina comum, onde o contato direto era favorecido pela inexistência de papel higiênico e falta de roupas de baixo laváveis. Quem vive com roupas de lã não lavadas – e as lãs não são boas de lavar – sentirá vontade de se coçar. Assim, as mãos estavam sempre sujas e o grande erro era não lavá-las antes de comer. Por esse motivo os grupos religiosos que aconselhavam tal hábito – judeus e muçulmanos – tinham menores taxas de doenças e mortalidade. Isso nem sempre era bom porque as pessoas eram facilmente persuadidas de que se menos judeus morriam era porque envenenavam os poços dos cristãos. A resposta foi encontrada não em mudanças na crença ou doutrina religiosa, mas na revolução industrial. O principal produto dessa revolução foi o algodão barato e lavável. Outro produto foi o sabão feito de óleos vegetais. Pela primeira vez o homem comum podia se dar ao luxo de adquirir roupas de baixo, conhecidas como “roupa branca”, porque eram feitas de linho. O indivíduo podia lavar-se com sabão e até tomar banho, embora o hábito de banhar-se em excesso fosse visto como sinal de sujeira. Por que pessoas limpas tinham de lavar-se com tanta freqüência? Além do algodão e do sabão, que provocaram impactos positivos enormes nos indicadores de saúde pública, a melhoria da nutrição causou declínio das enfermidades e óbitos. Graças ao aumento da oferta de alimentos e a maior rapidez e eficiência nos transportes, as grandes fomes coletivas tornaram-se mais raras. A dieta ficou mais variada e rica em proteína animal 1. A antiga divisão do mundo entre dois blocos de poder: Leste e Oeste, já não existe mais. Atualmente, o grande desafio e ameaça é o abismo em termos de riqueza e doença, que separa ricos e pobres. A outra preocupação, que acompanha de perto essa primeira, é a degradação ambiental, e as duas estão intimamente ligadas. A riqueza gera consumo, mas também lixo, produção, mas também destruição. A diferença em termos de 1 Na Primeira Guerra os turcos que lutavam contra soldados da Austrália e Nova Zelândia ficavam impressionados com a diferença de sua estatura e os jovens franzinos da cidades industriais britânicas. renda per capita entre o país industrial mais desenvolvido do mundo, a Suíça, e o mais pobre não industrial, Moçambique, é de 400 para 1. Há cerca de 250 anos essa diferença era de 5 para 1. A diferença entre Europa e sul asiático (China e Índia) era de 1,5 ou 2 para 1. Na Segunda metade do século XIX, a teoria microbiana possibilitou o desenvolvimento de pesquisas e medidas de prevenção e tratamento efetivo das doenças. Antes disso, confiava-se no empirismo e na imaginação. Os franceses na Argélia, por exemplo, para combater a malária fizeram a drenagem dos pântanos, para purificar o ar. Essas obras não purificaram o ar, mas baniram os mosquitos, verdadeiros agentes transmissores da enfermidade. Durante os últimos cem anos a combinação de medicina e higiene pública representou uma enorme diferença em termos de expectativa de vida. Em 1992, os bebês nascidos em países pobres tinham expectativa de vida de 55 anos, enquanto que os nascidos em países ricos tinham expectativa de 77 anos. Os progressos mais importantes ocorreram na redução das taxas de mortalidade infantil. Em 1965, nos países pobres, as mortes antes de completar um ano para cada mil nascidos vivos, era 146. Em 1992 esse número passou para 91. Nos países desenvolvidos, neste mesmo período, as taxas recuaram de 25 para 7. A medicina moderna com os aparatos tecnológicos pode salvar e manter as pessoas vivas por mais tempo, mas isso não significa que elas se tornem mais saudáveis. Mortalidade e morbidade são contraditórias. Pessoas mortas não contam como doentes, conforme insinuou um pesquisador da indústria de fumo nos EUA. Os remédios salvam pessoas, mas com freqüência para viverem vidas sem qualidade. Saneas / agosto 2005 – 49 Os novos alimentos Os europeus encontraram no novo mundo novos povos e animais, mas sobretudo novas plantas. Algumas nutritivas, como o milho, cacau, batata, batata-doce. Outras alucinógenas e nocivas, como o fumo e a coca. Outras com utilidade industrial, como a madeira nobre e a borracha. Esses novos alimentos alteraram a dieta em todo o mundo. O milho serviu de matéria prima para a cozinha italiana. A batata é o principal alimento rico em amido da Europa aos Alpes e Pirineus, substituindo o pão em alguns lugares. A batata foi tão importante que alguns historiadores a consideram a fonte e o segredo da explosão da população européia no século XIX. No século XVIII a batata começou a suplantar o arroz na dieta dos chineses. Os europeus trouxeram para o Novo Mundo os cereais e o açúcar e nova fauna: cavalo, gado bovino, caprino e ovino. As doenças O pior foi os europeus e africanos terem trazido uma perigosa bagagem microscópica: os vírus da varíola, sarampo e febre amarela; o parasito protozoário da malária, o bacilo da difteria, a rickettsia do tifo, a espiroqueta da sífilis, o bacilo da tuberculose. Contra esses agentes patogênicos os europeus tinham adquirido diversos graus de resistência. Séculos de exposição dentro da Eurásia tinham selecionado linhagens que resistiam a tais doenças. Os ameríndios morriam em massa. Das doenças ameríndias só se conhece a sífilis. Já os invasores europeus eram acometidos de diarréias, que no México era chamada de “vingança de Montezuma” e na Índia “barriga de Delhi”. Os europeus eram vítimas fáceis desses agentes patogênicos e morriam como moscas. As causas principais 50 – Saneas / agosto 2005 eram a maneira de evacuação, a coleta de excrementos de maneira inadequada, abastecimento e escoamento de água inadequados, hábitos pessoais e costumes sociais anti-higiênicos. A Revolução Industrial A revolução industrial ocorreu na Europa e não em outro continente que tinha condições até melhores como a China, na Ásia, que conhecia a fiação de cânhamo e a metalurgia, por várias razões, como: 1) A crescente autonomia da investigação intelectual. 2) A criação do método. Só ver não era suficiente. Era preciso entender e dar explicações para os fenômenos naturais – sem controvérsia não existe uma busca séria de conhecimento e verdade; Invenção da invenção. 3) A rotinização das pesquisas e sua difusão, apoiando-se em conhecimentos e idéias acumulados para melhorar as técnicas. A lã era a matéria prima principal das indústrias inglesas, no início da Revolução Industrial. Para desenvolver a produção local, os ingleses proibiram a importação de lã e linho da Índia, em 1700 e em 1721. O algodão também foi proibido, embora sua importação nem existisse, na época. O algodão crescendo mais depressa possibilitou a geração de mais empregos e o crescimento da tecelagem de produtos mais confortáveis do que os de lã, conforme explicado anteriormente. Os empregados para trabalhar nas fábricas eram recrutados nos asilos de indigentes e nos presídios. Recrutavam-se também mulheres jovens e solteiras e militares. Os artesãos que também eram recrutados tinham muita dificuldade para usar as máquinas. Assim, nem sempre a produtividade era aumentada na mesma proporção da aquisição de equipamentos, o que irritava os encarregados, tornando as condições de trabalho cada vez mais insalubres, com repercussão nos indicadores de saúde pública que passaram a declinar, apesar da riqueza auferida pelos industriais. O desconhecimento dos costumes e hábitos das populações, muitas vezes levava a condições absurdas, como o que ocorreu na construção de estradas de ferro na Índia. Conta-se que os engenheiros ingleses ofereciam carrinhos para o transporte de terra, mas como os indianos estavam acostumados a transportar cestos sobre a cabeça, recusavam-se a usá-los e chegavam a colocar os carrinhos sobre a cabeça ao invés de empurrá-los. ■ AGRADECIMENTOS Arlindo Philippi Jr José Angel Perez Kátia Simões Parente Maria Etelvina Z. Carbone de Morais Nercy Bonato Donini Raphaéle Ducrot Silvio Roberto Magalhães Orrico Wanda Maria Risso Gunther Wanderley da Silva Paganini As solicitações de assinatura da revista SANEAS deverão ser encaminhadas para a Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESABESP) no endereço [email protected]. Deverão constar nome, e-mail, endereço, CEP, cidade e estado do assinante. Valor: R$ 90,00 por 6 edições. Envie seus comentários, críticas ou sugestões para o Fundo Editorial da AESABESP pelo endereço [email protected] RECONHECIMENTO OPINIÃO Irene Pinheiro “C omeçar de novo”: é assim que a advogada Irene Álvaro Pinheiro inicia a nossa conversa. “Em 1980, quando ingressei na SABESP como estagiária na área de Auditoria, comecei de novo. Foi o início de uma nova fase, após trabalhar em um escritório contábil durante 12 anos. Como estagiária, permaneci por três meses e logo fui efetivada. Era a época em que a SABESP contratava os estagiários”. Na Auditoria, já com a maioria dos contratos de concessão consolidados pela Companhia, palavras da Irene, “auditava muito, não só as obras, mas toda a área comercial, financeira, recursos humanos, fiscal e contábil”. Ela iniciou o Mestrado em Direito Tributário na PUC, em 1988, concluindo-o em 1993. Em 1998, foi para o Jurídico da SABESP, onde permanece até hoje. “Nasci com o perfil de advogada”, nos conta a Irene. “Quando entrei na Auditoria, fazia um curso de Administração de Empresas, para engenheiros e advogados. Ajudava os engenheiros assessorando-os na parte jurídica e eles me ajudavam com a matemática e a estatística, que não são realmente o meu forte. Desde aquela época, a advocacia e a engenharia permaneceram sempre como fortes aliadas”. “Hoje, o Direito está presente na SABESP como um sustentador das ações da Companhia, em muitas questões, inclusive quanto às ambientais”. “Muitas mudanças importantes aconteceram durante a minha trajetória. Por exemplo, a forte presença do Ministério Público, que hoje está em todas as nossas atividades, construindo uma ponte entre as ações e as exigências, permitindo à SABESP se adequar às leis e normas e atender cada vez mais as demandas da sociedade por um ambiente mais preservado e saudável”. “O Jurídico contribui muito orientando os engenheiros, interpretando todo o contexto das normas jurídicas, para que a engenharia possa atender, através dos serviços da SABESP, nossos clientes, minimizando os impactos ambientais e sociais e cumprindo, assim, a missão da SABESP”. Com esse perfil profissional e muito pró-ativa, a Irene se aposenta na plenitude de sua capacidade. Como não poderia deixar de ser, está recomeçando mais uma vez, como há muito tempo planejava, dedicando-se à carreira acadêmica e já projetando novas experiências, tais como a publicação de textos e artigos em revistas especializadas. Como sonho, idealiza viajar mais e dedicar mais tempo a si própria e à sua casa. Como mensagem final afirma: “Não tenham medo. É muito importante começar de novo, iniciando nova carreira, nova vida e novos desafios”. Da parte dos Engenheiros da Sabesp ficam o reconhecimento e o agradecimento por tudo que Irene fez para que a nossa missão pudesse ser cumprida. ■ Colaboraram Nercy Bonato Donini e Maria Etelvina Z. Carbone de Morais. Depois de 25 anos de carreira na Sabesp, Irene Pinheiro pretende começar um novo desafio. Saneas / agosto 2005 – 51 AESABESP, 19 anos de realizações F • Revisão e alteraundada em 15 ção estatuária da de setembro de AESABESP, aten1986, a AESABESP dendo exigências é uma entidade do novo código cirepresentativa dos vil, sob orientação profissionais que do escritório Ducompõem parte do tra Advogados e corpo técnico da Associados. Sabesp: engenheiros, tecnólogos, • Cursos de trataarquitetos, geólomento de esgotos gos e geógrafos. para associados da Sua constituição ANEPSSAL (Aspartiu da necessisociação Nacional dade de um canal de Empresas Presde disseminação tadoras de Servide conhecimentos ços de Saneamene participação da to), no Peru, por categoria. Diretoria da AESABESP no período de 2003 a 2005 solicitação da JaSeu principal pan International objetivo é defender Cooperation Agency - Jica, ministrados por nosas posições dos associados. Contudo, a entidade tamsos associados. bém assume um papel de responsabilidade sócio-ambiental, ao promover bolsas de estudos, cursos de aper- • Convênio com a Fundação CBH do Alto Tietê para realização, desenvolvimento e implantação de estufeiçoamento, eventos técnicos e culturais e demais fordos e projetos sob regime de cooperação mútua relamas de participação e congraçamento dos associados. cionado às áreas de proteção e preservação dos maEntre suas realizações, destaca-se a edição anual nanciais de abastecimento de água. do Encontro Técnico - ET, que a cada ano aborda um tema. Em 2004 o tema foi “Saneamento, Direito com • Representação nos seguintes comitês: Deveres” e neste ano “Saneamento Ambiental com Éti- Comitê Alto Tiête: Viviana Marli N. A. Borges ca e Cidadania”. Nos dois últimos anos foram apresen(suplente); tado 132 trabalhos técnicos. - SubComitê Cotia/Guarapiranga: Cristiano A. G. Na atual gestão foram promovidas diversas atividaFeitosa (suplente); des, como: - SubComitê Pinheiros/Pirapora: Carlos Alberto de Carvalho (titular); • Discussão do Anteprojeto da Política Nacional de - CEIVAP-Trecho Paulista da Bacia Hidrográfica Saneamento e apresentação de propostas e questiodo Rio Paraíba do Sul: Paulo Ernesto M. Silva (sunamentos ao Ministério das Cidades. plente); • Realização mensal de “Manhãs de Tecnologia”, com in- SERH/Conesan: Eliana K.I. Kitahara (titular) tuito de trazer novos conhecimentos, serviços e produ• Participação na “Mesa Redonda Paulista de Produtos aos associados e profissionais da Sabesp em geral. ção Mais Limpa”, onde está sendo preparado um • Promoção de Encontros Regionais, como o da cidade convênio com a Canadian Centre For Polluition de Lins, que em 2004 abordou o tema “UniversalizaPrevention. ção do Saneamento, Direito do Cidadão” e em 2005, “Saneamento Ambiental, uma questão de responsa- • Promoção periódica de eventos esportivos e sociais com o objetivo de integrar, compartilhar e sensibilibilidades social”. Esses Encontros Regionais vêm se zar seus associados e colegas de trabalho, em ações de constituindo num grande evento no setor ambiental equipe e cooperação. nas diversas regiões do Estado de São Paulo. • Patrocínio de bolsas de estudos em vários cursos de pós-graduação, MBA, seminários e congressos. Ao todo foram 98 associados beneficiados. • Registro da marca Fenasan como propriedade da AESABESP. Início do processo de patente da marca Encontro Técnico, em 2004 • Parceria com a Unidade de Negócio Oeste da Sabesp no projeto “Saber Viver”, que tem como objetivo a redução de consumo de materiais descartáveis. • Compilação de sugestões dos associados e elaboração de propostas para aperfeiçoamento do Plano de Remuneração por competência da Sabesp.