Projeto de Crítica Cinematográfica do 22º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo
MINISTério DA CULTURA e PETROBRAS apresentam
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CU
MINISTÉRIO DA CULTURA e PETROBRAS apresentam
UM ESPAÇO PARA
A CRÍtica do
curta metragem
Há sete anos, o projeto Crítica
Curta propõe a alunos de cursos
de audiovisual uma imersão no
universo do curta-metragem,
com a missão de redigir textos
críticos e reflexivos sobre os
filmes exibidos na Mostra Brasil,
Panorama Paulista, Mostra
Latino-americana, Oficinas
Kinoforum e Mostra
KinoOikos, que integram a
programação do Festival
Internacional de Curtas
Metragens de São Paulo.
Em 2011, 23 alunos de dez
escolas contribuíram com este
tabloide, participando pela
primeira vez do projeto. Os
integrantes das edições
anteriores são convidados a
retornar e escrever para o blog
do Crítica Curta (http://
kinoforum.org.br/criticacurta).
Este ano, oito “veteranos”
compõem a equipe do blog.
Acompanhe nas páginas a seguir
as críticas da safra 2001. Na
última página, o leitor encontra
os filmes mais votados pelo
público durante o Festival.
o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
carta ao leitor
Em sete anos, Crítica Curta teve cerca de 180 participantes
Sérgio Rizzo
Durante os cinco primeiros dias de
programação do 22º Festival Internacional
de Curtas-Metragens de São Paulo – Curta
Kinoforum, 23 alunos de universidades,
faculdades e escolas livres de audiovisual do
estado de São Paulo tiveram uma missão,
como participantes da sétima edição
consecutiva da oficina Crítica Curta: assistir
a centenas de filmes latino-americanos –
com destaque para a produção brasileira –
espalhados por diversos programas,
acompanhar os debates realizados em
seguida às sessões e escrever textos
reflexivos sobre essa imensa amostragem.
O jornal que você tem agora em mãos, e que
circula antes do encerramento do Festival, é
o resultado desse trabalho.
As páginas seguintes trazem 51 textos
(editados a partir de um total de 112) sobre
51 filmes exibidos pelo Curta Kinoforum.
A equipe de 2011, presente à reunião introdutória na Cinemateca Brasileira.
Seus autores, como a leitura mais atenta
revela, têm ideias muito distintas em relação
ao cinema e, de maneira mais ampla, ao
audiovisual contemporâneo. Essa diversidade
ajuda a compreender as principais tendências
de pensamento hoje em circulação nas
escolas paulistas de audiovisual e, talvez,
alguns dos valores políticos e estéticos mais
caros à geração que chega neste momento ao
cenário da produção.
Neste ano, o projeto Crítica Curta retomou
seu perfil original, que prevaleceu nas
EQUIPES 2011
as escolas participantes
Tabloide
Blog
ExpEDiENTE
Alexandre Wahrhaftig
Amanda Castro
André Almeida
Beatriz Sperandelli
Brunno Schiavon
Bruno Temóteo
Dandara Bacelar
Diego Bitencourt
2
primeiras quatro edições: atuar em parceria
com os cursos de graduação em audiovisual
e comunicação do estado de São Paulo, que
indicaram alunos para participar da oficina.
O princípio é o de promover a reflexão em
torno da produção latino-americana no
formato de curta-metragem, estreitando
laços com instituições de ensino públicas e
privadas das quais saem realizadores do
audiovisual.
Desde a segunda edição da oficina, os
“veteranos” do jornal são convidados a
participar novamente do Crítica Curta, desta
vez escrevendo textos para um blog,
hospedado no web site do festival. Cerca de
180 jovens participaram das sete edições.
O processo de seleção para a próxima oficina
terá início no primeiro semestre de 2012,
com visitas a universidades, faculdades
isoladas e escolas livres de audiovisual.
Fábio Santos
Fernando Catto
Gabriel Ribeiro
Gilberto Xis
Ignácio Ito
Isabela Maia
Lucila Maia
Luiza Conde
Marcelo Félix
Matheus Rufino
Priscila Castilho
Rafael Marcelino
Rodrigo Ferro
Rodrigo Oliveira
Thaiana Bitencourt
Beatriz Macruz
Camila Fink
Carlos Alberto Farias
Henrique Gois de Melo
Letícia Mendes
Mariana Serapicos
Mirrah Iañez
Renato Batata
• Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP)
• Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
• Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
• Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
• Universidade Metodista
• Universidade Anhembi-Morumbi
• Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
• Escola Livre de Cinema de Santo André
• Centro Universitário SENAC
• Universidade Santo Amaro
Este jornal foi produzido por alunos de cursos de graduação das escolas parceiras participantes da oficina Crítica Curta,
realizada pelo 22º Festival de Curtas-metragens de São Paulo em agosto de 2011.
Coordenação da Oficina e Edição
Sérgio Rizzo
Produção do tabloide
Coordenação editorial e revisão
Lizandra Magon de Almeida
Edição de arte
Marcio Soares
Diretora do Festival Internacional de
Curtas metragens de São Paulo
Zita Carvalhosa
Diretora adjunta
Beth Sá Freire
Coordenação dos Programas Brasileiros e
Produção da Oficina Crítica Curta
William Hinestrosa
Coordenação da Mostra Latino-americana
Marcio Miranda Perez
Coordenação das Oficinas Kinoforum
Jorge Guedes e Vânia Silva
Coordenação da Mostra KinoOikos
Moira Toledo, Vanessa Reis e Lorena Ribeiro
realização
[email protected]
Tel. (11) 3034-5538
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Nena”, por Alexandre Wahrhaftig
Dúvidas sobre os rumos do cinema contemporâneo
Nena, movimentando-se por um
parque, carrega uma potência
corporal imensa, ainda que muitas
vezes desajustada. Ela escala, corre,
machuca-se, anda de bicicleta,
confronta outras pessoas; sempre em
movimento, nem que seja apenas
um movimento de boca ao mascar
chiclete. Tudo se preenche de
sexualidade e de desejo, graças a
uma atriz menina-mulher muito
expressiva e, vale dizer, de pernas
descobertas, em combinação com
um olhar muito consciente, que sabe
quando se afastar e se aproximar,
enquadrar e desenquadrar; sabe
transformar um machucado na
perna em expressão sexual de um
corpo vivo.
As relações com os outros
personagens só nos interessam na
medida em que afetam Nena. Não
precisamos (e nem podemos)
entendê-las completamente. Quem
é esse pai de quem quase só vemos a
cintura e contra quem Nena esbarra
no espaço apertado da cozinha?
Quem é esse menino pequeno que a
chama para perto de si? Quem é esse
senhor em flertes pedófilos no
parque? Não importa. O que temos
é a ação de Nena sobre essas pessoas
e a ação dessas sobre ela.
O plano final, com Nena boiando na
água, me lembrou excessivamente do
longa “A Menina Santa” (2004), de
Lucrecia Martel. Percebi depois que
todo o curta lembra o universo de
Lucrecia, e aqui há um problema.
A entrega do olhar a uma fisicalidade
dos corpos e a uma realidade não
organizada em torno de significados
e comportamentos precisos, sob um
tempo esticado, elíptico e ambíguo,
parece ter se transformado em uma
matriz estética.
Seguindo alguns de seus caminhos
fundamentais, ainda que não de
simples realização, parece que se
chega a um olhar que pode englobar
qualquer tema, personagem e
Nena, de Maria Florencia Alvarez
Latinos 04 - Argentina/Espanha/Itália - 15’, cor, 35mm, 2010
conflito cotidiano. Um modo de filmar (montar, escutar e
atuar) que é, por natureza, interessante, rico e belo. E isso
é assustador, não por uma questão de originalidade
(alguém copiou alguém), mas porque chegamos, de uma
estética de aberturas e liberdade, a uma estética fechada e
funcional. E aqui não falo de “Nena”, mas de uma
tendência do cinema contemporâneo.
“Tijereto”, por Dandara Bacelar
“Xetá”, por Diego Bitencourt
Sensual sem ser vulgar
A mão terrível e a mão bondosa
O curta da diretora colombiana
Camila Jimenez Vila conta a história
de um casal que decide passar um fim
de semana numa ilha do Caribe com
apenas um morador. Então, acontece
o inesperado: o interesse de ambos
pelo escritor que vive na casa onde
estão hospedados, e que está isolado
ali há seis meses.
Focando em partes do corpo, na troca
de olhares, a câmera subjetiva do
filme vai construindo a tensão sexual
entre os três. Essa tensão também é
construída com a ajuda da trilha
sonora – em sua totalidade, composta
O homem branco e o indígena.
silêncio aparece para
O embate que formou os países
acentuar a
do continente americano é
dramaticidade), o que
capturado neste documentário
acaba por exotizá-los
sobre os índios Xetá.
mais do que os
Provenientes do noroeste do
identificar.
território paranaense, eles
O papel dos
foram dizimados devido ao
antropólogos presentes
Xetá, de Fernando Severo
processo de colonização da
no filme acaba sendo o
Mostra Brasil 01 – Brasil (PR) - 20’, cor,
região na década de 1940. O
mesmo dos cineastas:
35mm, 2011
filme caminha pelo caso
traçar uma diferença
ouvindo os índios
entre o branco destruidor
sobreviventes, além de recorrer a
e o branco acadêmico – este último, consciente de ter em
depoimentos de antropólogos e a
sua etnia o peso dessas ações terríveis ao longo da história e
imagens de arquivo, feitas pelo
tentando remediá-las unindo-se aos historicamente
cineasta Wladimir Kosac.
reprimidos. O documentário abraça uma visão maniqueísta,
Num interessante paralelo, vemos o
se privando, por exemplo, de colher o depoimento de
retrato do desmatamento da floresta
pessoas ligadas aos colonizadores.
de origem da etnia junto aos
Ao longo de “Xetá”, os destinos desses poucos índios
depoimentos sobre o genocídio. Com
sobreviventes são mostrados. Ao final, os “brancos
a intenção de diferenciar a cultura
esclarecidos” levam os índios remanescentes ao seu local de
indígena, o filme se utiliza do clichê
origem na esperança de que possam então “retornar às
de uma música que entrecruza flautas
raízes”. Assim, os índios Xetá têm seu destino traçado
e “sons de floresta” sobrepostos pelos
primeiro pela mão terrível do homem branco e, depois, pela
depoimentos dos remanescentes (com
sua mão bondosa, sendo esse o verdadeiro genocídio de sua
a exceção de momentos em que o
cultura, à mercê da bondade e da maldade da “civilização”.
pela sensualidade das músicas latinas.
Outro fator que ajuda na composição
do triângulo está nas cores das roupas
dos personagens; cores quentes
completam esse ambiente permeado
pelo desejo.
O quarto e a varanda da casa ajudam
na formação da ligação entre eles, sem
tirar a importância das cenas no mar,
onde acontecem os primeiros
contatos sexuais. A cena final vale por
todo filme – a consequência desse
interesse, um silêncio constrangedor,
até para os que assistem, e um
enquadramento que valoriza o rosto
dos personagens.
“Tijereto” é sensual sem ser
vulgar. A relação dos três tem a
sensibilidade da
experimentação do
desconhecido; o silêncio é
constrangedor, mas gostoso de
se sentir, e o melhor: nós,
espectadores, conseguimos
Tijereto, de Camila Jiménez Villa
intuir tudo o que os atores se
Latinos 03 – Colômbia - 22’, cor, 35mm, 2011
propõem a passar.
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o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“Cores e Botas”, por Fábio Santos
“A Janela (ou Vesúvio)”, por Priscila Castilho
Ah, isso não pode
A realidade vista de dentro
(ou de fora?)
No início, pode-se imaginar que o curta da
diretora Juliana Vicente – sobre uma garotinha
negra que tem o sonho de ser paquita – é
somente uma cópia do longa norte-americano
“Pequena Miss Sunshine” (2006), de Jonathan
Dayton e Valerie Faris. Mas, com o desenrolar
Cores e Botas, de Juliana Vicente
da trama, vem à cabeça a frase de Paulo
Panorama Paulista 03 – Brasil (SP) - 15’, cor, 35mm, 2010
Emilio Salles Gomes: “Eu sinto que existe
entre nós uma espécie de incapacidade de
copiar, que me parece bom sinal. Sinal de uma
final da década de 1980, quando o politicamente
personalidade nacional, que é difícil de definir,
correto ainda não predominava. Assim, faz com
mas que a gente sente que existe”.
que esse pensamento atrasado fique mais forte
Sim, ela existe. Felizmente, não sabemos copiar e
ainda. Não é, portanto, uma cópia; fala de
isso sempre vai estar latente dentro de nós e em
problemas relacionados a um pensamento
nossas obras. Ao mostrar a família da garota como tipicamente brasileiro. A inspiração do filme
negra e bem sucedida, vem o pensamento de que
gringo aparece no lado descontraído que o
isso está “errado”. Onde já se viu um negro bem
curta possui e na personalidade de Joana, que
sucedido? E a menininha querer ser paquita? Isso
se parece muito com a da protagonista de
não pode. Juliana deixa bem claro esse traço
“Sunshine”, além de ser finalizado com uma
preconceituoso de nossa cultura.
música de programa infantil mais inteligente
Outra sacada da diretora foi ambientar o filme no
que o show da rainha.
“O Céu no Andar de Baixo”, por Gilberto Xis
Para manter as aparências
O curta de Leonardo Cata Preta apresenta
contundentes personagens animados. O recortado
e metonímico olhar do protagonista parece
denotar um mundo mais verdadeiro e que, por
essa razão, e estimulado por sua condição física,
faz com que ele se mantenha recolhido à clausura.
Ao contemplar nos céus, de modo aleatório e
indireto, a inconstância dos movimentos das
nuvens e objetos que àquele lugar não pertençam,
o surgimento de um elemento nunca dantes visto
estimula sua curiosidade de modo a fazê-lo refletir
sobre uma possível condição de vida semelhante à
sua. No entanto, num mundo em que as
aparências embora efêmeras são prevalentes, o
receio do contato com o novo acaba por fazer com
que o protagonista desista de sua busca.
Com traços que marcam uma estética mais suja, a
qual remete às obras em quadrinhos de Lourenço
Mutarelli, “O Céu no Andar de Baixo” aparenta
suscitar a um pessimismo na medida em que
todos os personagens estão descontentes consigo
4
Os seis curtas da Mostra Brasil 9 tinham o intuito comum de fazer um
recorte da realidade – de costumes, de fatos, de histórias ou personagens. “A
Janela (ou Vesúvio)” evidencia visões e hábitos da típica família de classe
média brasileira. No início, um senhor toma diversos remédios, remetendo à
questão da manutenção de vidas debilitadas e ao enriquecimento de
laboratórios. No quarto, a televisão, depois de passar por diversos canais que
nada tinham a dizer, começa a gritar palavras revoltadas de algum dos tantos
apresentadores sensacionalistas que temos no ar.
Quem mudou de canal é um personagem jovem, talvez neto do senhor. Ele
abre a janela do quarto e ambos passam a olhar para fora. O plano é filmado
do exterior, enquadrando parte do jardim e a janela que tem uma grade.
Surgem aqui, em contraponto a uma imagem tranquila, barulhos de guerra.
Uma mensagem de que, como janela para a realidade, a televisão – os
noticiários que procuram avidamente notícias que espetacularizem a morte,
roubos e tudo que cause impacto e dê audiência – passa a impressão de que o
mundo virou um campo de guerra.
A câmera volta-se para cima e revela outra grade – um portão. Mais uma
barreira entre as pessoas e o mundo afora. Eles olhavam por essa janela real,
tendo em mente a ideia passada pela televisão, protegidos demais por sua
“trincheira” para enxergar a realidade. Próximo ao horário da novela, diversos
outros membros do que seria uma família chegam da rua, alguns feridos,
enfaixados – como se voltassem de uma guerra. Todos se acomodam em
frente à televisão, sem dizer uma palavra. Passam a absorver, como zumbis,
aquela falsa realidade alheia, deixando de viver a sua própria.
O senhor fecha a janela, cortando assim o som da guerrilha e isolando o
mundo exterior e os problemas que ele traz. Seria um retrato da família como
instituição falida? Um recorte da sociedade há muito tempo manipulada
como rebanho? Cabe a nós olhar através da tela de projeção como terceira
janela e tirar nossas conclusões
O Céu no Andar de Baixo, de Leonardo Cata Preta
Mostra Brasil 03 – Brasil (MG) - 14’, cor, 35mm, 2010
mesmos e com o mundo, mas hipocritamente se
esforçam para manter as aparências.
Mas, ao pontuar que o anti-herói conseguiria seu
objetivo se não tivesse, no último momento,
optado por acomodar-se em conviver com a
mentira, o narrador acaba pontuando, com uma
gota de otimismo, esse universo amargo.
A Janela (ou Vesúvio),
de Leonardo Amaral e João Toledo
Mostra Brasil 09 – Brasil (MG), 8’, cor,
vídeo, 2010
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“A Felicidade dos Peixes”, por Luiza Conde
“Contagem”, por Matheus Rufino
Onde o outro não cabe O peso das convenções
Antes da sessão, ouvi o diretor Arthur Lins dizer
que o filme foi feito com apenas R$ 1 mil. Por ser
um dos curtas mais longos da Mostra Brasil, essa
informação me chamou a atenção. Cuidados com
cenário, numerosas locações e detalhes que parecem
brincar com a concepção de arte. No início, um
bobo mosaico de peixes na área da piscina, uma
cerveja, um fast food, depois Tom Jobim e natureza
morta, tal qual um quadro. Tudo parece documental,
como se a câmera estivesse morando junto com o
homem tão comum que acompanhamos.
Sem falar quase nada, a não ser com uma prostituta,
ele passa o dia ao som de uma televisão. E só
mesmo uma carta de sua distante filha é capaz de
tirá-lo da rotina, mesmo que por pouco tempo.
Atendendo a seu pedido, ele se mobiliza para
buscá-la e lhe compra um presente, um peixe
dourado. Na loja de animais, enquanto todos os
bichos estão inquietos, os peixes estão sempre
calmos, silenciosos. Só se agitam quando o corpo
estranho da rede entra para pescar o escolhido, que
serviria para pedir desculpa por anos de
distanciamento e indiferença.
Novamente, no meio do caos do aeroporto, o peixe
ali se encontra calmo e à parte de todos aqueles
sentimentos, apesar de estar preso, sozinho, num
espaço pequeno onde outro companheiro não
caberia. Na conversa com a prostituta, não se sabe se
o protagonista está falando a verdade ou se apenas
não sente que aquela conversa vá levar a algum lugar.
“Lembranças, apenas lembranças”, como se não
sentisse falta ou não tivesse sido feliz naquela época.
Percebe-se depois que ele está falando a verdade,
não sofre mais, ou simplesmente se conformou,
ficou calmo e silencioso, como o dourado, dentro do
saco. No aquário em que ele está, não cabe outro
companheiro; só fica ali, apreciando a vista, e se
divertindo, às vezes sim, às vezes não.
A Felicidade dos Peixes, de Arthur Lins
Mostra Brasil 08 – Brasil (PB), 24’, cor, vídeo, 2011
Trabalho de Conclusão de Curso. Muitos desses
filmes-trabalhos surgem exclusivamente da
necessidade acadêmica de se realizar um filme.
Redundante. Mas importante ao perceber que uma
das características de um trabalho desse porte (seja
no curso que for) se constitui, de certa forma, da
execução de um levantamento de temas, autores,
ideias que se aproximam do seu pensamento atual e
que foram referência para sua formação ao longo
de todo o processo na universidade.
Após quatro anos (em alguns casos, mais) no
curso de cinema, tomando conhecimento dos
mais diversos conceitos estéticos e técnicos
adotados por uma infinidade de diretores
estudados na história do cinema em sala de aula,
em cineclubes etc., chega o momento em que nós
(graduandos) efetivamente temos a oportunidade
de colocar tudo isso em prática, experimentar.
E esse é o grande peso que “Contagem” carrega. O
peso de estar preso às convenções de um gênero.
O filme de ação de narrativa “complexa”, com idas
e vindas no tempo e espaço; certa atmosfera
misteriosa, reiterada
pelo som muito
presente e pela
predileção ao planosequência; uma
pitada de denúncia
social, deixando o
Contagem, de Gabriel Martins e Maurilio Martins
“mundo externo”
Mostra Brasil 02 – Brasil (MG), 18’, cor, 35mm, 2010
invadir e afetar o
microcosmo de
seus personagens. Tudo isso carimbado pelo selo de qualidade “cinefilia”,
enchendo o filme de uma porção de referências.
E poderia dar muito certo, se essa orquestração não fosse tão estrangeira e
inorgânica àquilo que os diretores estão filmando. A construção fica forjada;
os caminhos que se cruzam, os encontros e diálogos marcados, as ações
previsíveis, pois psicologizadas. A ação discursiva precede e se sobrepõe à
situação.
Entretanto, existe a cena em que o casal namora e discute se terão filhos
catarrentos ou não quando forem pro coração do mundo. Nesse momento,
a genialidade de “Fantasmas” (que conta com a participação dos dois
realizadores) mostra reverberações e nos presenteia com a vivacidade
idiossincrática daquela região, daquelas pessoas, daquele sotaque.
“Pra Eu Dormir Tranquilo”, por Rodrigo Oliveira
Sonhador “full time”
“Nada de historinha hoje, está bem grandinho.”
Dessa maneira começa o curta de Juliana Rojas. A
mãe prestes a dar a luz adverte o filho, mas não
compreende a falta que a criança sente de sua
finada babá. Dar asas a uma fértil imaginação é a
saída que o garoto encontra de imediato. Ele,
portanto, se agarra ao que lhe conforta, trazendo à
tona Dora, a doce babá responsável por
protagonizar seus constantes devaneios.
Dora começa a pedir favores ao garoto, pois não
suporta a ideia de sair do armário – local onde ele
a encontra devido aos seus ininterruptos
chamados. O rapazinho, então, inicia as estripulias
em busca de comida para a babá. Dentre as
peripécias praticadas, estão o roubo do poodle da
vizinha para matar a fome de Dora e recolher
minhocas, embrulhadas num papel toalha no
meio de um punhado de terra, para alimentá-la
novamente.
O tom atribuído a cada personagem e a argúcia ao
trabalhar com opostos (a morte da babá e o
nascimento de um novo “rebento”), além da
inserção de signos,
como o pingente de
coruja, simbolizando a
sabedoria da criança ao
agarrar a oportunidade
de se sentir acolhida
novamente, são os
pontos altos do curta.
E o diálogo inicial do
filme cumpre o seu
papel. “Pra Eu Dormir
Tranquilo” está longe
Pra Eu Dormir Tranquilo, de Juliana Rojas
de ser uma historinha.
Mostra Brasil 02 – Brasil (SP), 15’, cor, 35mm, 2011
Num átimo,
percebemos que o
enredo elimina o clima
pueril dos primeiros instantes, graças aos pontos de virada do roteiro
inventivo e ousado. A canção de ninar cantada por Dora tem o objetivo de
fazer a criança adormecer e consequentemente sonhar, mas o garoto é um
sonhador em tempo integral. Poético, mas acima de tudo espirituoso, o curta
acerta por não ter uma história crível. Prova de que sonhar sempre –
principalmente acordado – traz bons resultados.
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o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“Cotidianos”, por Rafael Marcelino
Para bagunçar as certezas
Um filme que ridiculariza clichês e estereótipos
– da fala tranquilizadora sobre um assunto tabu (o
diálogo familiar sobre sexualidade), da imagem
idílica da televisão folhetinesca (família de novelas
e comerciais de margarina), do próprio dispositivo
de produção de imagens em metalinguagem (“no
apagar dos holofotes”, tudo muda). Também é
capaz de bagunçar “certezas de gênero” (um
documentário estruturado em torno de extensas
cenas descaradamente ficcionais): não há pureza,
pessoal ou fílmica.
O que seria apenas um indicativo espacial (a placa
indicando o bairro Paraíso) vira ironia ácida e
provocação de classe. A reiteração da caricatura
patética da família pseudoliberal de classe média
ao método televisivo, querendo o público inerte. Já
alta, vivendo o mundo
que brinco de imaginar, até acho lógico que o Orson
publicitário do “diálogo
Welles de “Verdades e Mentiras” (1973) assistisse a
aberto”, fortalece, por
“Cotidianos” com um sorriso: a “família ideal” recebe
contraste, o que será dito
Cotidianos, de Gustavo Viana e Eduardo Inácio
uma ordem de “corta!” de um diretor.
diante da câmera livre, na
Oficinas Kinoforum 2 – Brasil, 9’, cor, vídeo, 2011
Mostra-se o aparato, mas a denúncia da “realidade”
rua, por pessoas vivendo
não existe, a exibição prossegue (aproveitando o
“do lado de cá” do aparato
clichê: pequena “janela” onde o curta permanece, durante os créditos, como nos
técnico rebuscado da TV e do “cinemão” comercial.
erros de gravação das comédias-pipoca), apenas indo de uma sátira a outra, de
Dos depoimentos, uma conclusão: falar ou não de
extremo a extremo: o pai legal, que compra absorventes para a filha, é
sexo não basta, existem diálogos possíveis, mas
alcoólatra; a mãe que apoia a filha “azarando” meninas é adúltera consumista. A
nenhum é livre de pudores inconfessáveis e
adolescente que amou os pais, minutos depois, diz apanhar deles. Não
hipocrisias. Existem formas de dizer (na boca e na
acreditamos, e é isso que o filme quer. Duvide do diálogo simplista, do retrato
câmera) e todas correm o “risco do real”, de
Jean-Louis Comolli, que falaria desse filme, e creio, idílico e da “franqueza” autorreflexiva. Tudo na vida e na imagem é mais difícil
do que parece. Welles ensinou, “Cotidianos” aprendeu.
bem, ao menos no que se baliza pelo aceno mordaz
“Casa Afogada”, por Rodrigo Ferro
“BraXília”, por Lucila Maia
Memórias que se vão
Poesia reinventada
Como fazer um documentário sobre um poeta
Qual é a melhor companhia para a solidão além de nossas próprias memórias?
Essa foi a pergunta que me fiz depois de ter assistido ao curta de Gilson Vargas usando a linguagem cinematográfica? É do que
sobre um homem que vive sozinho em uma casa à beira de um rio. Um homem trata esse filme. Fazer poesia pode ser mais simples,
menos caro. O cinema, ao contrário. Porém, o filme
simples como qualquer outro, que tenta preservar fotos, livros, panelas e outras
surpreende pela simplicidade, poética e
coisas em um pequeno espaço que, com certeza, já dividiu com alguém. Agora,
profundidade. Tanto uma linguagem como a outra
está sozinho ali por algum motivo.
BraXília, de Danyella Proença
brotam nas telas e nas mãos de seus autores, o
A conexão que o diretor fez entre as memórias do homem e a casa que está
Mostra Brasil 09 – Brasil (DF), 17’, cor, 35mm, 2010
poeta, a cineasta e sua equipe.
desaparecendo é muito interessante para conhecermos um pouco do passado
Nicolas Behr, o poeta, desce as escadas. Nesse
desse personagem que está prestes a ficar sem nada. Fotos, livros e cartas
momento, a pintura “O Nu Descendo as Escadas”, de Marcel Duchamp, vem à minha mente. O poeta não
flutuam na água durante a batalha que o morador trava para manter a casa em
pé. Ao mesmo tempo, luta para não deixar que suas memórias se vão junto com está nu. Contudo, é nas entranhas da cidade que ele vai revelando essa BraXília reinventada. No início,
vemos a palavra “arte” grafitada nas paredes ao lado da escada enquanto Nicolas desce. Até chegar à terra e
o fluxo do rio. Após muita luta, o homem acaba perdendo a consciência e
cavar com as mãos sua própria sobrevivência, a arte.
consequentemente perdendo a luta para a natureza, que também está
A câmera acolhe o espectador e transporta-o nessa caminhada pela cidade que pulsa nas linhas. Grafismo.
destruindo suas memórias.
Blocos. Pessoas. Luz e sombra. Comunicação dos artistas que fazem desse documentário a razão de
A imagem do homem acordando e levantando à beira rio, todo coberto de
lama, para uma realidade totalmente diferente daquela de alguns minutos atrás, estarem vivos. Dessa forma, fica difícil não se apaixonar pela arte, pela história do poeta que narra sua
juventude e rebeldia. A maneira como fez seus primeiros livros, um deles “Chá com Porrada”, e
é linda. O homem está em estado de choque enquanto observa suas coisas
especialmente o modo de quebrar a distância com seu público em 1977. Naquela época, tudo
espalhadas juntamente com os destroços de madeira
era mais orgânico; os poetas escreviam, imprimiam e vendiam seus livros. O processo para
que durante muito tempo foram sua casa e o único
criar a capa utilizava carimbos e criava mais dinamismo.
reduto de suas memórias.
Com planos abertos, detalhes, câmera na mão, travellings, belíssima fotografia e outros
A cena que mais marcou foi a aparição de uma foto
recursos de linguagem cinematográfica, a poesia é reinventada na cidade utópica, escrita nos
antiga de uma mulher com crianças, provavelmente
cantos da tela, nas paredes dos monumentos, até voltar à terra de onde ele retira letras, subir
sua família no passado, indo embora junto com a
os degraus em que a pintura das sílabas forma um novo poema.
correnteza do rio. O homem fica um tempo imóvel e
sem olhar para trás deixa o lugar; deixa suas memórias
e vai atrás de novas, talvez. Apenas com a roupa do
Casa Afogada , de Gilson Vargas
corpo e a natureza a sua volta. A mesma natureza
Mostra Brasil 10 – Brasil(RS), 14’, cor,
de que tanto precisa e que será sua destruidora.
35mm, 2011
6
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Vê se Você Escuta”, por Ignácio Ito
“Você Vê o que eu Vejo?”, por Bruno Temóteo
Musicalidade aguçada
Jovens dispostos a experimentar
Os ruídos da periferia, mostrados em
planos gerais relativamente longos,
introduzem o curta. A dona de casa, em
sua rotina de lavar a roupa, é responsável
pelo prelúdio da ópera suburbana com
sua melodia de “noite feliz” assoviada e
acompanhada pelo canto das galinhas, que
funcionam como o som das trombetas
da anunciação precedendo a chegada
Vê se Você Escuta, de Celso R. da
dos carros cujos motores substituem as
Trindade, Eduardo S. de Paulo, Janilson
queixadas e a voz de um beat box.
Ap. da Silva, José J. Lucas da Silva e
Esse belo e divertido trabalho musicalRodrigo R. do Nascimento
imagético demonstra com destreza
Oficinas Kinoforum 1 – Brasil (SP), 4’,
uma musicalidade aguçada aliada a um
cor, vídeo, 2006
inteligente emprego do papel criador
da câmera. “Vê se Você Escuta” brinca
com o trocadilho de sua denominação em seu conteúdo, fazendo alternâncias
entre sons ambiente, combinados com o som em off ligados a signos fílmicos
referenciados nos sons e vice-versa. Veja se você escuta ou escute se você vê.
Mãos imageticamente justapostas, por meio de um trabalho primoroso de
montagem, compondo um ritmo tipicamente brasileiro, tocado pelas próprias
mãos daqueles que constroem a nossa vida ao som de suas ferramentas. O
ritmo da música é cheio de células “pilantras”, no bom sentido, ganhando
muita cor com o tamborim e as cuícas artificiais.
Podemos ouvir um mugido de boi interpretado por um sax barítono,
enquanto olhamos para o próprio bicho a dublar. Da mesma forma, o latido
do rottweiler é produzido de forma sonoplástica pela voz de um jovem,
enquanto um grupo de semicolcheias acentuadas produz uma espécie de
trem em aceleração cada vez mais elevada, isso tudo acompanhado pela
sucessão cada vez mais rápida de imagens, dando uma impressão de pressa.
Muito bom gosto e regionalismo contextualizado a cada situação apresentada
nos dão a oportunidade de ter sensações diversas nessa bela produção.
Pensar sobre o futuro do
expõem seus
cinema brasileiro é criar
sofrimentos e
bases para que os jovens
pontos de vista
de hoje se tornem
sobre a questão
realizadores audiovisuais.
abordada (e é
Trazer a cultura do
conveniente notar
cinema para a nova
neste exemplar
geração se torna uma
como os
necessidade essencial, e
moradores da
tem trazidos bons frutos,
favela sentem
como se pode verificar
sofrer preconceito
Você
Vê
o
que
eu
Vejo?,
de
Eulmer
Araújo
Silva,
em “Você Vê o Que
dos seus entes
Eu Vejo?” e em outros Fernando Ribeiro de Lima, José Artenio de Alencar, Elaine
próximos e entre
Alves de Souza, Girlene Santos Silva
vídeos realizados nas
si, criando um
Oficinas Kinoforum 2 – Brasil, 5’, cor, vídeo 2010
oficinas da
círculo vicioso de
Kinoforum.
autodepreciação
As escolhas temáticas dos curtas desses novos
que só agrava o problema).
cineastas revelam uma corrente interessante. O
Mas temos também inserções de dramatização,
documentário é a expressão que mais se destaca
a busca por diferentes ângulos de imagem, a
dentre os filmes criados. É como se eles
utilização de narração, do humor e de outros
estivessem utilizando o cinema para investigar
elementos da linguagem audiovisual, criando
os fatos que os rodeiam, para expor suas
um produto rico de forma e significado. Esse
preocupações e propor soluções para o
empenho em trazer elementos diferenciadores
conturbado mundo em que vivem. Assim, se
permeia toda a produção vista nas oficinas. E
temos aqui um recorte sobre o desemprego
por mais que algumas vezes a qualidade técnica
entre os moradores de favelas, é um indício do
esteja aquém do que gostaríamos de ver, é
tipo de assunto que os preocupa, estando eles
reconfortante saber que temos jovens dispostos
próprios ingressando no mercado de trabalho.
a experimentar, a expor sua realidade, a buscar
Um fenômeno importante desse e de muitos
aquilo que a câmera precisa ver. Se o futuro do
outros filmes realizados nas oficinas é que eles
cinema está nas mãos (e nos olhos) deles, não
vão além da linguagem documental comum.
poderia estar melhor.
Temos entrevistas com personagens que
“Oferenda”, por Brunno Schiavon
O filme-oferenda
Como registro etnográfico da cerimônia dedicada
a Iemanjá, “Oferenda” tem pouca força. O que
vemos na primeira metade do filme são imagens
batidas do ritual filmadas sem nenhuma vaidade
estética e com pegada realista (planos longos e
fixos).
Também se evita olhares próximos; não há
interesse em se aproximar dos fiéis, buscar
particularidades, histórias ou significados das
relação espirituais que ali se estabelecem.
Observamos tudo à distância – a preparação dos
trajes, as preces, as danças e as oferendas.
Porém, na metade, há uma surpresa. Em um corte
para dentro da sala de edição, vemos a diretora em
frente ao computador finalizando seu filme. Nessa
troca, do documentário expositivo para o
autorreflexivo, sentimos que uma discussão mais
densa sobre o próprio processo de realização do
filme está prestes a começar. Mas fica devendo. O
que se segue é apenas uma explicação simplista
sobre os motivos (todos pessoais) que a levaram a
fazer o filme e, no meio do processo, dedicá-lo
fisicamente (em forma de DVD) como presente a
Iemanjá. Temos um filme-oferenda.
Além da sacada, é inegável que haja uma certa
beleza singela no ato de oferecer um filme a
Iemanjá. No entanto, fazer da experiência
parte do próprio filme pode soar um pouco
exibicionista e umbilical. Afinal, o que veio
primeiro: a vontade de fazer a oferenda, ou a
necessidade de filmá-la e exibi-la? Mesmo
alternando para a primeira pessoa, por não se
aprofundar nessas questões e na relação afetiva da
diretora com o tema, o que se oferece para o
espectador é um filme sem vida.
Oferenda, de Ana
Bárbara Ramos
Mostra Brasil 04 – Brasil
(PB), 17’, cor, vídeo, 2011
7
o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“Actus”, por Marcelo Félix
Gravando a cena
Em “Actus”, somos surpreendidos por um
exercício de metalinguagem que propõe uma
reflexão sobre a natureza e a forma de se gravar
uma cena para um filme. Acompanhamos a
discussão de um casal à mesa, e percebemos
Actus, de Kika Nicolela
então que a cena é cíclica. A partir disso, temos
Panorama Paulista 01 – Brasil (SP), 16’, cor, vídeo, 2010
outras formas de ver o material bruto.
A mulher diz ao marido que o bolo vai estragar.
Ele não está preocupado, continua a trabalhar
está estragado e começa a pintar a própria mão de
em sua máquina. A mulher insiste, ao que ele
vermelho. E tudo recomeça sem cortes, no mesmo
retruca que só gosta de bolo quente. Ela se irrita,
plano-sequência.
ele coloca o bolo no microondas, e o queima. Ela
Com essa situação absurda, percebemos que o que
reclama das muitas opções de esmalte vermelho, ele está realmente em foco é a forma. E esta se altera a
diz a ela para usar o preto; ela então grita que esse
cada vez que passamos por um ciclo, como a
simular as mudanças pelas quais uma cena pode passar até o “take” final. Seja
em relação ao enquadramento – que, aberto, se aproxima de seus personagens
– e aos tons avermelhados de luz que se alteram, ou à quebra da quarta parede,
ao mostrar toda a equipe de filmagem por trás da câmera.
Ações tão banais, mas que refeitas várias vezes ganham força e nos mostram
pequenos detalhes em cada momento, ou as expressões de um ator que em
outro enquadramento não pudemos perceber. Um exercício que funciona tanto
para o ator quanto para o diretor, que podem tirar a prova de seus trabalhos,
assim como a equipe, que pode perceber o que está certo e o que precisa ser
melhorado nas diversas áreas que compõe uma produção.
Longe de ser mero exercício estético, propondo pensarmos como uma cena é
filmada em vários “takes” até o melhor resultado, o filme ainda consegue criar
certa tensão por nos levar a acreditar que algo vai acontecer ao final, sem
deixar de ser fiel à lógica de uma gravação na qual o corte é o final derradeiro.
“El Mundo de Raúl”, por André Almeida
“A Redação”, por Gabriel Ribeiro
O prazer de observar
Criatividade e beleza
“O Mundo de Raúl” é um filme ousado. Não tanto
A página em branco é, ao mesmo tempo, um lugar cheio de possibilidades e
na forma, como o adjetivo geralmente é usado, mas
uma intimidação para a criatividade. Para Andréa Midori Simão, uma suposta
no conteúdo, de uma coragem raramente vista. O
experiência desagradável com esse encontro metafórico em sua infância levou-a
curta narra a história de “um homem bom”,
a tirar um zero. Mas também a ter uma ideia diferente que, alguns anos depois,
trabalhador, respeitado em sua cidade, que cuida da
lhe serviria de referência para escrever o roteiro magnífico de “A Redação”.
casa e da mãe doente. A empatia é imediata com
Ela pensa “... e se eu escrevesse uma redação sobre escrever uma redação”, a
esse personagem aparentemente típico. No entanto,
básica metalinguagem. Passando para o audiovisual, contudo, se tornou um
aos poucos Raúl revela sua segunda face, aquela
ousado retrato de sua vida amorosa, familiar e profissional, com diversas
que esconde de sua mãe e de todos de sua vila.
camadas e diferentes linguagens, como a do documentário, a da ficção e a do
Ele é um “voyeur”, e se excita observando mulheres
making off.
– de preferência, jovens – em suas atividades
O filme é narrado por Andréa, a personagem que representa a roteirista na
El Mundo de Raúl, de Jessica Rodriguez Sanchez
rotineiras de casa, como lavar e varrer. Ele se
história de maneira direta; ela, por sua vez, é representada por outra atriz em
e Horizoe Garcia
masturba vendo-as e gosta particularmente se elas
uma reconstituição dos fatos. Este seria o terceiro curta feito por ela e seu
Latinos 02 – Cuba, 20’ cor, vídeo, 2010
o veem fazendo. O choque no espectador cresce à
namorado, Thiago (codiretor do filme), e também o que faria eles se separarem
medida que Raúl dá detalhes de sua estranha tara.
devido a uma leitura “errada” dele sobre a forma como ela o via. Há também
Após um tempo, o desconforto chega a ser físico,
imagens de depoimentos do pai de Andréa, figura importante em sua vida,
fazendo-nos mexer na cadeira.
comentando sobre as suas histórias, os filmes da
A força do filme vem justamente do fato de se dar voz a esse homem que, em
filha e a sua separação.
qualquer outra situação, seria considerado louco ou perturbado. A familiaridade
Difícil de entender? Talvez, no início. Porém, a
inicial e a constante vergonha de Raúl pelos seus atos nos mostram que estamos
maneira como as passagens ilustrativas “ficcionais”
diante de uma pessoa comum, consciente do que faz, que “não sabe por que é
são montadas e a explicação da prerrogativa que
assim”, mas que não consegue se controlar – “é mais forte do que ele”.
comentei previamente tornam as coisas mais
O filme é subjetivo, não levanta nenhuma bandeira, apenas dá voz a alguém que
claras. Para ajudar no entendimento, ainda há
não a teria de outra forma. Há um forte questionamento dos limites dos desejos
toda a construção da arte e da pós-produção.
humanos e do autocontrole por parte do espectador. Tais questionamentos não
O que precisamos captar é o que sobressai na
poderiam se dar senão pelo cinema, arte “voyeurista” por excelência.
junção das duas histórias. O amor, em relações
A Redação, de Andréa Midori Simão e
Ao final, o que fica são inquietações onde outrora havia certezas. Nós, sem nos
que em princípio não deram certo e que não
Thiago Faelli
darmos conta, assumimos a posição de “voyeurs”; ficamos com a sensação de
precisariam ter dado, até onde é registrado, pois,
Panorama Paulista 01 – Brasil (SP), 25’, cor,
pegos no flagra, como Raúl se masturbando com suas mulheres. No entanto, a
diferentemente de um filme, não tiveram um fim.
vídeo, 2011
sensação aqui não é nem um pouco excitante.
Pelo menos no caso de uma delas.
8
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Taba”, por Beatriz Sperandelli
Relação de estranhamento
As cenas iniciais dos grafites que representam o
corpo – e mais marcadamente rostos e olhares – nos
muros de uma cidade precária, e uma câmera que
observa o movimento banal de sujeitos e animais
conferem àquela arquitetura destruída características
humanas, e uma ideia de que a cidade, o inanimado
presente, é vivo e nos observa sem que seja notado.
O documentário utiliza na maioria do tempo uma
câmera em recuo da realidade, uma câmera estática
que pretende apenas registrar o que acontece sem
interferir na realidade do mundo que se apresenta
diante dela. Uma câmera que espreita as relações
entre os seres humanos e o que ele próprio produz.
Para tanto, há uma composição dentro das cenas
que busca nos momentos banais dos sujeitos em
seu cotidiano uma relação com os grafites nos
muros da cidade, “outdoors”, manequins, bonecos.
Essa relação é de estranhamento entre a realidade
viva – os indivíduos – e uma realidade muda e
parada – as representações, que mesmo assim são
vivas –, porque ambas coexistem.
Mas o modo desatento e
indiferente dos transeuntes em
relação à câmera e a essas
representações cria uma noção de
Taba, de Marcos Pimentel
alienação perante suas próprias
Mostra Brasil 06 – Brasil (MG), 16’, cor,
vidas e o que os cerca, e sugere
35mm, 2010
muitas vezes a sensação de
“voyeurismo” daquela presença
imagética marcante. Os indivíduos parecem não ter consciência da força do
que eles próprios criam como representação de si e, assim, a representação
ganha mais força que o representado.
O documentário mostra o lado degradante do embate do ser humano com o
que ele produz, e que se percebe nas cenas de agressividade da arquitetura
urbana, a segurança que cerceia a liberdade, a poluição visual, o lixo em toda a
parte, lugares abandonados e destruídos, moradores de rua esquecidos em
qualquer lugar. As representações se materializam em lugares da cidade e no
próprio corpo humano. Mesmo naquela aparente imobilidade do que foi
produzido, há significados latentes e tão fortes que existem por si só e também
coexistem.
“Ella y Todo lo Otro”, por Thaiana Bitencourt
Sincero e despretensioso
O mais encantador em filmes como “Ela e Tudo
Mais” é a sua sinceridade e simplicidade expostas
sem medo, escancaradas de uma forma tão
despojada que a conexão imediata feita com o
espectador torna-se algo inegável. Ouso dizer aqui
que tal fato se dá não apenas pela identificação
com o público jovem e seus devaneios em relação
aos tais romances contemporâneos, mas também
– e talvez principalmente – por passar bem longe
de algo pretensioso.
Quem nunca teve um primeiro encontro ruim?
Criou expectativas com alguém ou mesmo se
deixou levar por uma conversa com divagações
sem o menor sentido? Em uma história moldada
por uma estrutura meio quebra-cabeça, os
realizadores Damián Vicente e Rodrigo Lappado
contam como uma sucessão de acontecimentos
banais entre um rapaz e uma garota irá direcionálos a um futuro primeiro encontro, podendo este
ser bem sucedido ou não.
Durante todo o filme, tive a sensação de permear
por duas linhas narrativas completamente
diferentes, cada uma delas com seus fragmentos
únicos e inteligentes sacadas. E estes, quando
trabalhados em
um denominador
comum e organizados
dentro de nossas
cabeças, remontam
uma única comédia
Ella y todo lo otro, de Rodrigo Lappado e Damián Vicente
romântica com
Latinos 01 – Uruguai, 6’, cor, vídeo, 2011
começo, meio e fim,
dando-nos uma nova
percepção para o filme e a inexplicável vontade de querer assistir a ele
novamente.
Além da estrutura divertida, a espontaneidade torna-se um fator contribuinte
para que exista a troca entre realidade e ficção. Dessa forma, muitos se
encontram em diferentes pontos do filme, que consegue por sua vez arrancar
gargalhadas do público durante seus curtos seis minutos. Para mim, são
filmes assim que nos mostram a existência de uma possível nova geração de
jovens realizadores, despretensiosos, que não extrapolam seus limites ou
tentam surpreender o público de forma alegórica.
Ao final da sessão, tive a oportunidade de trocar algumas palavras com os
dois e confirmar assim meu pensamento inicial: Damián e Rodrigo colocam
sua própria identidade em um roteiro, dirigem com precisão e sem grandes
firulas. Simples, sagazes, com vontade de fazer filmes e contar histórias,
dessas que vão fazer você se lembrar dos momentos mais engraçados e
constrangedores da sua vida.
“A Dama do Peixoto”,
por Amanda Castro
Quem é
essa mulher?
Ela anda de salto alto, é bonita, está sempre
bem vestida, pinta suas unhas todos os dias,
cuida dos animais, não atrapalha a vizinhança, é
amiga de todos, só é mal educada com aqueles
que podem vir a perturbar sua paz. Tem sempre
uma mala ao seu lado e há um imaginário
imenso que cerca a figura de Elizete Regina
Alvares, uma moradora de rua que vive no
bairro do Peixoto.
Onze minutos é tempo suficiente para provocar
a sensação no espectador de que, quanto mais
conhecemos nossa personagem, menos sabemos
sobre ela, e dessa forma estabelecer as linhas
incertas sobre as quais o documentário se
desenvolve.
Ela não se apresenta, é tímida frente às câmeras.
Quem é a mulher que os moradores
apresentam? Não vemos sua imagem, ouvimos
apenas depoimentos a seu respeito. Não
sabemos quem fala, só vemos imagens do bairro,
uma ambientação tranquila e sempre
pacificadora que nos faz acreditar que Elizete
não é apenas uma personagem.
Ela é parte integrante do espaço que frequenta.
Não é uma personagem individual, embora seja
única; ela é mais que nosso assunto do
documentário, ela é parte da criação do
imaginário das pessoas que vivem no Peixoto.
Acima de tudo, ela é real.
A Dama do Peixoto, de Douglas Soares e Allan
Ribeiro
Mostra Brasil 05 – Brasil (RJ), 11’, cor, 35mm, 2011
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o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“Meu Barraco é na Favela”, por Isabela Maia
“Territorio”, por Fábio Santos
O policial também é trabalhador
Sair da rotina é bom ou ruim?
favelas?
Nos últimos anos, o circuito audiovisual brasileiro
Por possuir uma tradição infantil, a animação, ao
tem sentido muito mais a presença da imagem da
retratar uma realidade extremamente dura,
pobreza, da violência e da favela, graças a uma
provoca um desconforto, um mal-estar, um
onda de “retorno à realidade” que vem com a
estranhamento. O choque se dá pelo contraste de
retomada – falando muito resumidamente sobre
se verem imagens tão violentas
um assunto por vezes
em desenhos tão simples e
polêmico. Com isso em
coloridos, que poderiam
mente, torna-se
perfeitamente ter sido
interessante ver
concebidos por uma criança.
produções como “Meu
Dessa forma, o filme denuncia
Barraco é na Favela”,
um tipo de abuso de
de Márcio Nogueira.
autoridade e despreparo da
Em uma estrutura de
classe policial no trato com os
videoclipe, o curta fala
cidadãos, principalmente de
sobre a realidade de
baixa renda. O policial diz que
um morador de favela,
também é trabalhador, e então
que é “confundido”
Meu Barraco é na Favela, de Márcio Nogueira fica a questão: de quem é a
com bandido e não
KinoOikos - Brasil (RJ), 4’, cor, vídeo, 2011
culpa? De um governo que “dá
possui documentos
O chileno “Território” começa com um pequeno plano-sequência que
pautará, até o fim, todo o seu ritmo. O filme mostra o cotidiano de Alfonso,
um pai de família que vive uma vida simples, de maneira calada e
supermonótona, como empregado de uma pousada. Ao receber um jovem
hóspede, ele começa a perceber que sua vida irá sair da rotina. Isso será bom
ou ruim?
Os diretores Ignacio Arnold e Nimrod Amitai se utilizam do ritmo lento
para nos fazer sentir, junto com Alfonso, toda a sua frustração na vida, sua
falta de habilidade com a filha e com a esposa. Já com as atitudes do
hóspede, os realizadores fazem com que nós também possamos
compreender em parte as dores de Alfonso, já que não somos Alfonso para
compreender suas dores por inteiro.
“Território” trabalha de maneira magnífica com o tempo e com espaço; sabe
perfeitamente nos engolir dentro de seu clima frio e angustiante, que aos
poucos vai sendo quebrado até que se alcance toda sua magnitude na catarse
final. De maneira tão
sutil quanto o vento ao
balançar uma rosa com
sua brisa, ele nos
mostra que até mesmo
na mais enfadonha
forma de se viver é
possível quebrar a
rotina. Assim, tira de
nossa face um sorriso
Territorio, de Nimrod Amitai e Ignacio Arnold
honesto e inocente.
Latinos 03 - Chile, 13’, cor, vídeo, 2010
para provar o contrário
e nem dinheiro para se
defender, como diz a
própria letra da música. Não é um caso isolado; o
ritmo e o desfecho da obra denotam a
circularidade do cotidiano da população da qual
esse personagem faz parte. Quantas vezes isso já
se repetiu? Com quantas pessoas? Em quantas
as ordens” e permite que a
situação se mantenha? De
uma tradição de violência que
se perpetua de ambos os lados, em resposta à
outra? Já não fugiu do controle? E o mais
importante: quem sofre mais com isso?
Certamente, quem não tem o tal do “dinheiro pra
se defender”.
“Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo”, por Fernando Catto
Cão da depressão
Quando você é abandonado pela única pessoa que
persiste em dar sentido à sua vida, o que lhe resta?
O sucesso da animação gaúcha “Céu, Inferno e
Outras Partes do Corpo” em diversos festivais
justifica-se pela provável identificação instantânea
do espectador com o homem-cão retratado. Por
meio de imagens fortes e com carga metafórica
impactante, em contraste com a estética suave de
desenho animado infantil, o filme é uma rica fábula
sobre o homem urbano contemporâneo.
A escolha de um animal domesticado e manso para
representar o ser humano aponta para um possível
diálogo com a ideia de “morte do sujeito”, ou seja, a
consciência e aceitação de que o sujeito é fruto de
uma realidade construída. O fim, como com o
10
coração – que não cabe mais no corpo – e o
irônico @caodadepressao,
cérebro, do qual não precisa para exercer sua
personagem com quase
função robotizada.
120 mil seguidores no
Quando volta para o lar, encontra-se
twitter, não tem como
bombardeado pela cidade, que permeia o curta
ser feliz.
através de um áudio incômodo e bem feito. Na
No curta, o personagem Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, de Rodrigo John
Mostra
Brasil
06
–
Brasil
(RS),
7’,
cor,
vídeo
2011
tentativa de melhorar, devora suas partes vitais
central é deixado pela
– se consome. Se antes cantava na chuva, agora
cadela amada e então
dança no sangue – sangue seu que evapora e,
nada lhe sobra, já que em
junto a muitos outros corações na mesma situação, se precipita sobre cabeças
si próprio não é capaz de encontrar nada que lhe
dê segurança ou que o faça sentir vivo. Passa então vazias, até alagar e afogar.
“As coisas ficam muito boas quando a gente esquece”, escreveu Lupicínio
a uma vida triste, sem ter para onde fugir. Na
Rodrigues, autor da canção “Loucura”, que norteia o filme. Mas, como
tentativa de escape, abre a janela-mídia de sua
casa e o que encontra é o apocalipse gradativo. Vai esquecer a si mesmo? Só arrancando o próprio sexo, ouvidos e olhos. E então
a vida se torna nula, inexistente – até que surja um novo amor.
ao trabalho por obrigação, mas deixa em casa o
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Oma”, por Alexandre Wahrhaftig
Encontros mediados
Apesar de estar sempre com a câmera muito próxima do rosto de Gerda
Wahrmann, há uma distância intransponível entre o personagem-diretor
Michael Wahrmann e sua avó imigrante. O abismo entre os dois se dá em
inúmeros aspectos, dos quais os mais gritantes seriam as diferentes idades e
nacionalidades de ambos. O filme constrói, com graça, repetições de
desentendimentos entre os dois, mas que não vamos exemplificar aqui. Vale
mais falarmos de uma outra distância, de um outro desentendimento, que
perpassa todos encontros que “Oma” nos apresenta.
Ao produzir imagens de sua avó, Michel assume uma posição distanciada.
Ele é sujeito e ela, objeto: uma relação quase de dominação. O microfone, os
reflexos e o movimento da câmera nos revelam o Michael-personagem da
filmagem, e o trazem para dentro do jogo, mas sua imagem, que aparece
como por entre frestas, não se compara à imagem de Gerda, recorrentemente
em primeiro plano, como que investigada sob uma lupa. A distância se agrava
Gerda posa e atua
ao percebermos que ela está
para Michel.
ficando cega – cresce o
Ela resiste na medida do
domínio do olhar de Michel.
possível, contribuindo
Entretanto, não estamos no
ainda mais para a graça
terreno de uma relação fascista- Oma, de Michael Wahrmann
Mostra Brasil 02 – Brasil (SP) / Uruguai, 22’,
do jogo. A tensão entre
patológica entre nossos dois
p&b, vídeo, 2011
o neto e a avó, que já
personagens. Longe disso.
perpassa inúmeras
A única maneira pela qual
questões – língua alemã, imigração, décadas de
Michael consegue se aproximar de sua avó é
idade –, ganha, com o processo da filmagem,
trabalhando em seu registro. Para refletir sobre
outros desdobramentos. No fundo, é a filmagem
o vazio que o separa da avó e se aproximar dela,
que constrói os encontros entre eles. Encontros
é preciso criar uma outra separação: a distância
sempre mediados (pelo aparato), mas não, por
da filmagem. E a unilateralidade da relação
isso, menos verdadeiros.
sujeito-objeto ganha outras dimensões conforme
“Qual Queijo Você Quer?”, por Dandara Bacelar
“Cachoeira”, por Diego Bitencourt
Angústia e solidão
Contraste entre duas visões
Um tema recorrente quando o cinema se propõe a retratar idosos é falar do
cotidiano deles e de como esse dia-a-dia é opressor. Em “Qual Queijo Você
Quer?”, da diretora Cintia Dommit Bittar, uma única frase desencadeia todos
os problemas dos dois personagens principais, que deixaram de ser discutidos
com o tempo.
Uma mulher que, após anos lidando com o cotidiano, os sonhos não realizados,
a falta de planos para o futuro e a sensação de ninho vazio, se rebela e procura
entender o porquê de sua vida ser somente um jogo de truco à noite com o
marido e o porquê da sua insatisfação. Com diálogos carregados de angústia e
desagrado, e com experientes atores, o filme consegue passar a solidão do casal
de idosos e o quanto o cotidiano os afastou.
A montagem, que soube contrastar os diálogos fervorosos com momentos de
silêncio extremos, conseguiu dar o clima de solidão em que esse casal, como
tantos outros casais, vive. Intensifica e nos mostra como a vida pode ser amarga
e cruel, mostrando situações em que até a visita dos filhos no domingo se torna
rotina. A sensação de ninho vazio é intensa, o cotidiano acaba com os planos
feitos durante a vida e o presente dói por não ser nem de perto o que foi
imaginado no passado.
O filme também se destaca pela
preocupação com os detalhes do cenário e
o estudo das cores, que concordou com o
roteiro, reforçando o afastamento gradual
em que esses idosos vivem. Encontram-se
no filme referências ao melodrama,
confirmado por sua trilha, e pelas
Qual Queijo Você Quer?, de
situações criadas no roteiro, lembrando
Cíntia Domit Bittar
um pouco o cineasta espanhol Pedro
Mostra Brasil 01 – Brasil (SC), 11’,
Almodóvar.
cor, vídeo, 2011
indígena, tendo os mesmos problemas que
Mesclando as linguagens do documentário e da
assolam o restante do mundo em seus vários
ficção, “Cachoeira” é um filme sobre o embate
embates de preservação das culturas nacionais e
entre a tradição e a modernidade, o velho e o
tradições frente a uma humanidade de tendência
novo, e o progressivo esfacelamento de uma
irrefreavelmente globalizante.
cultura. Os rituais praticados pelos jovens índios
A mescla de documentário com ficção casa
na beira do Rio Negro, no Amazonas, tem
perfeitamente com a oposição entre as duas visões.
justamente essa intercalação/oposição: temos o
Os anciãos aparecem documentalmente,
rock e a beberagem, símbolos da penetração da
defensores de uma tradição organizada e refletida,
cultura urbana entre eles, mas também o caráter
enquanto as imagens
místico do ritual.
dos mais jovens são
O espanto e a
majoritariamente
incredulidade dos
encenadas, em cenas
mais velhos perante a
rápidas, mostrando a
tais rituais, que se
busca suicida por um
configuram na morte
prazer instável,
de seus praticantes,
fornecendo uma
têm paralelo com uma
oposição de
geração que se vê
comportamentos, em
fracassando ao tentar
que a forma conta uma
passar suas tradições
Cachoeira, de Sergio J. Andrade
história nas entrelinhas
aos mais novos e
Mostra Brasil 07 – Brasil (AM), 13’, cor, 35mm, 2010
do discurso fílmico.
observando essas
Seu protagonista corre
mesmas tradições,
ao longo do curta em
dependentes de uma
busca de novas respostas, que ele crê não haver na
cultura oral e hereditária, morrerem.
tradição. Contudo, seu caminho é traiçoeiro e
O filme tem o poder de incomodar por nos
tomado pela morte de seus amigos. A fuga da
mostrar o que seria o último resquício de uma
realidade cobra seu preço.
cultura intocada pela modernidade, a cultura
11
o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“Los Crímenes”, por Matheus Rufino
Tentativa frustrada de espetacularização
Diante da tendência contemporânea de
convergência midiática e da hibridização dos meios,
o espectador, “cansado” do comportamento passivo e
da leitura linear consolidados secularmente pelos
americanos, se viu presenteado pelo que vem se
denominando “narrativas complexas”. A ideia é que
a imagem linear do integral dê lugar à livreassociação do espectador.
Complexidade. Interatividade. Videogame. Assim, a
mesma Hollywood tem produzido uma série de
filmes baseados nesse tipo de construção. Filmes
estritamente narrativos, que preenchem sua escassez
em relação à abordagem e à problematização de
temas com a masturbação tecnológica de efeitos
especiais.
Histórias que são “verdadeiros” quebra-cabeças, cheios de idas e vindas no tempo,
sempre envoltas por certo “mistério” e desvendamento, por questões “em aberto”,
sendo que o filme inteiro serve senão para que, no fim, com a “viradinha final”
(câncer da publicidade), o espectador fique espantado com a inteligência e a
capacidade de manipulação narrativa do realizador, e para que o realizador fique
espantado com a inteligência e a capacidade de manipulação narrativa dele mesmo.
Assim se constrói o argentino “Os Crimes”, de Santiago Esteves. “Um policial
conta a história de um caso antigo”, informa a sinopse no catálogo do festival.
“Uma jovem viúva, um executivo insone, um cavalo deixado para fora do
estábulo. A cidade como cenário de uma armadilha.” Uma tentativa frustrada de
espetacularizar uma história policial banal.
Los Crímenes, de Santiago Esteves
Latinos 04 - Argentina, 19’, cor, vídeo
2011
Depois do segundo plano do filme, o assassínio no
café, que possui um frescor bastante interessante; o
resto é previsibilidade ingênua e infantil. Uma
história (ainda que desgastada) com fôlego para
render um longa-metragem é comprimida
verborragicamente em 20 minutos. As imagens
ficam a serviço de ilustrar uma fala ou outra.
“Close-up” no charme presente na inteligência dos
bandidos que assaltam o banco. A face da mulher
fatal que engana a todos até o último segundo da
projeção. Fim.
“Rivellino”, por Rodrigo Oliveira
“Sala de Milagres”, por Luiza Conde
Paixão desmedida
Para consertar o “rio de buracos”
Mascarenhas em relação a Jonas desaparecem,
O que move grande parte dos seres humanos do
cedendo espaço às suas histórias de memória
gênero masculino neste país é o futebol.
afetiva com o craque.
Independente de etnia, religião e classe social, o
interesse por esse esporte afeta homens diferentes, As exaltações do discurso, o tom de voz, a
empolgação na fala são alguns dos artifícios
mas de uma maneira muito parecida. Em
encontrados pelo diretor para retratar a
“Rivellino”, o que poderia terminar em um
atentado acaba em uma discussão sobre o ídolo do importância que esse esporte tem para o povo em
nosso país. Além, é claro, do poder que somente
esporte que cede seu nome ao título do curta.
ele possui, conseguindo juntar a elite intelectual
Jonas acaba de cumprir uma pena correspondente
ao pouco favorecido.
a uma década de privação
“Eu também chorei
de sua liberdade. Solto, ele
quando ele foi pro
decide procurar
Fluminense”, diz o Dr.
Mascarenhas, o promotor
Mascarenhas, expondo a
responsável pela sentença
decepção após o ocorrido
equivocada. O encontro
em tempos idos. Desabafa
ocorre durante uma
com Jonas, esse que agora
viagem de ônibus, com
mais parece um colega de
destino não informado.
partida de gamão do que
No início da história, a
Rivellino, de Marcos Fábio Katudjian
alguém que veio vingar-se.
impressão que temos é de
Panorama Paulista 04 – Brasil (SP), 16’, cor,
Quem diria que o
que o ex-detento, sem
35mm,
2011
Rivellino, ou melhor, o
nenhum tipo de
“curió das Laranjeiras”, o
cerimônia, liquidará o
“maloca”, o “Riva”, seria
homem. Quando
capaz de promover a paz – mesmo que
descobrem que têm uma forte paixão em comum,
momentânea – entre dois homens com um
porém, o rumo da prosa muda.
passado marcado.
Em uma parada prevista no itinerário, eles
“Rivellino” é um fiel retrato de uma paixão
avistam o ex-jogador Rivellino e logo percebem
desmedida. Realmente, o mundo nunca viu um
que ele é um dos passageiros do ônibus. Após
canhoto como esse cara.
reconhecê-lo, o desconforto e o medo de
Apesar de ter me parecido comum assistir no festival a curtas brasileiros que
apresentam uma mistura de documentário com ficção, esse foi um dos únicos
em que as duas partes se confundem. O ficcional parece documental. A voz que
se sobrepõe às imagens, fazendo rezas e apelos, parece ter sido pescada no mar
daquela gente que faz sempre os mesmos pedidos. São requeridos homens
bons, bonitos e muito ricos, um dos milagres que o título nos introduz.
Além desses pedidos, a voz conversa com “Bom Jesus da Lapa”, como alguém
muito próximo, um companheiro. Agradece, conta, pede. Enquanto isso, as
imagens vão nos mostrando a realidade do homem que fala, indo do todo para
o particular, explicando a razão pela qual cada pessoa vai, e que é sempre um
motivo pessoal. Como se fosse através de seus olhos, vemos os bailes, as ruas, as
praias.
A Bahia acontecendo e seus pensamentos voltados para os seus próprios
problemas e a sua dor, que o levam a apelar para uma carta a Jesus todo ano,
pois é a única saída que existe. Depois de cumprir o papel de fiel e dedicar
horas à reza, é hora de festejar; esquecem-se os problemas e dança-se o forró,
aproveita-se o mar e sol.
Tão inalcançável como ser atendido por entidades superiores é ser atendido
pelo governador da Bahia, pedindo melhoras em uma estrada, o que os coloca
quase no mesmo patamar. Ambos são
convocados a consertar o “rio de
buracos”, da vida e da estrada, e são
tratados com o mesmo respeito e com
uma igual superioridade – tornando,
mais uma vez, questionáveis a fé e os
motivos religiosos particulares de cada
um. Não importa a quem pedir, mas os
Sala de Milagres, de Marília Hughes
problemas precisam ser resolvidos, e a
e Cláudio Marques
única forma é, respeitosamente, pedir
Mostra Brasil 08 – Brasil (BA), 13’, cor,
um milagre e esperar.
vídeo, 2011
12
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Acercadacana”, por Lucila Maia
“Jibóia”, por Brunno Schiavon
Dona Francisca Coragem
Melobrega
O documentário começa com a entrevista de um
rapaz no interior do carro. Conta a história de
famílias que foram perdendo seus sítios em
Pernambuco por causa da valorização do etanol e
da expansão do latifúndio. Até esse momento, são
informações comuns, pois vemos muitas injustiças
nos meios de comunicação. Ficamos indignados, e
infelizmente acostumados com isso, mesmo
sabendo que essas notícias são manipuladas por
esses meios.
Contudo, existem grandes diferenças entre um
filme e as notícias dos meios de comunicação. O
filme laça o espectador quando o narrador começa
a falar de uma mulher, a personagem principal
desse enredo. Todas as famílias tiveram que deixar
sua terra por valores irrisórios. As únicas pessoas
que não saíram foram Dona Maria Francisca e
sua família.
O filme nos leva para conhecer essa figura simples
e verdadeira. O diretor e sua equipe mostram essa
beleza crua, a fibra dessa mulher sem medo de
enfrentar qualquer um que desrespeite o que lhe é
de direito. Se nós tivéssemos metade dessa
coragem, com certeza o
nosso país seria
completamente diferente.
Na casa de Dona
Francisca, vamos
entendendo sua luta,
Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros
observando sua família,
Mostra Brasil 09 – Brasil (PE), 19’, cor, 35mm, 2010
seus objetos
cuidadosamente
retratados na construção
da linguagem
cinematográfica. Vemos cenas iluminadas com luz de lamparina e recortes
delicados de seus filhos. Sua espontaneidade.
De repente, uma agitação. Dona Francisca rapidamente sai da casa, a câmera
na mão a acompanha. Parece um guarda florestal. Ela diz para ele que está tudo
bem, mas, quando ele vê a câmera filmando, dá no pé. D. Francisca vai atrás
dele e a equipe de filmagem junto. A coragem é expandida. É incrível.
Uma noite, a filha registra as imagens de um incêndio na mata provocado pelos
latifundiários. Dona Francisca delata a ocorrência no mesmo instante. Na
conversa após a apresentação do filme no festival, ficamos sabendo que o
diretor teve a sabedoria de deixar a câmera com a menina durante dois meses.
D. Francisca já foi ameaçada de morte várias vezes. Felizmente, está viva – e
temos artistas no cinema que transmitem o valor que pode ter um ser humano.
“Ovos de Dinossauro na Sala de Estar”, por Gilberto Xis
Retroalimentação cinematográfica
De caráter documental, “Ovos de Dinossauro na
Sala de Estar” mostra de uma maneira dinâmica e
bem humorada como é viva, presente e conservada
a memória da personagem, dona Ragnhild
Borgomanero, com relação ao seu falecido esposo,
Guido Borgomanero. A senhora Ragnhild faz uso
de todos os recursos que lhe são possibilitados
pela tecnologia atual para, usando o cinema,
manter vivo para si o espírito e o amor por seu
marido.
Tem-se, parece, algo que transcende a
metalinguagem, vai além, está mais para algo
como uma retroalimentação cinematográfica: a
necessidade (ou a oportunidade) de o audiovisual
apresentar-se da maneira mais particular possível
para a mais pública, e tudo somente numa única
via reta, a tela da sala de exibição. Mais um
elemento que corrobora esse pensamento é a
forma como o diretor Rafael Urban mostra a fala
da personagem, com a protagonista apresentando
os seus relatos em sequências que são trocadas em velocidade análoga aos
quadros das fotos que a própria monta em seus vídeos.
Há aqui algo muito interessante que denota a interrelação que o cinema
proporcionou para diversas pessoas, e não apenas as vivas, ou seja, atendeu,
satisfez as necessidades, os desejos de falar e de ser ouvido tanto dos
realizadores para com a entrevistada, como desta para com o público.
“Ovos de Dinossauro na Sala de Estar”, como o título sugere, eleva ao
mesmo nível passado e
presente, sendo,
paradoxalmente, um
registro para o futuro. Por
fim, cabe uma pergunta:
quem sabe o resultado do
curta tenha inspirado a
própria senhora Ragnhild a
tornar-se, ela própria,
divulgadora dos seus
Ovos de Dinossauro na Sala de Estar,
trabalhos pessoais, visto
que já é, como apresentado, de Rafael Urban
Mostra Brasil 03 – Brasil (PR), 12’, cor, vídeo 2011
uma realizadora?
Jibóia, de Rafael Lessa
Mostra Brasil 10 – Brasil (SP), 17’, cor, 35mm, 2011
Quarentona, cabeleireira de um salão furreca na
rua Augusta, lésbica, ex-condenada, e ainda por
cima pedófila. Nem mesmo despejando todas
essas condições em sua protagonista Aurora,
“Jibóia” consegue fugir de ser raso. No entanto, é
no entorno da relação de Aurora com Greice
Quéli, de apenas 14 anos, que o filme se desenrola
e tenta, de maneira excessiva e brega, comover o
espectador.
Situado em terreno delicado, o curta é ingênuo e
não se compromete com as questões que o tocam:
as sociais (do espaço), sexuais (das personagens) e
éticas (do próprio ato de filmar). Logo, estão
presentes ali apenas como cenário, mero contexto.
Sua atenção está voltada somente para Aurora.
Filma-se tudo do seu ponto de vista; suas emoções
afetam o curta. Melhor exemplo disso é a cena em
que Aurora se distrai e acaba cortando sua cliente
ao observar que Greice massageia seus seios com
os pés de outro cliente. Contudo, isso levado ao
extremo acaba causando desconforto, pois se
Aurora é pedófila e obcecada pela menina, o filme
acaba abusando da nudez de Greice, que em várias
cenas acaba pagando peitinho (até em
primeiríssimo plano).
Quanto ao drama da protagonista, o espectador
pouco se envolve devido aos excessos intencionais
de roteiro e linguagem. Aposta-se demais nas
singularidades e bizarrices de Aurora. Nesse
sentido, o filme dá um tiro no próprio pé, pois, se
tenta utilizar desses artifícios para causar
comoção, acaba criando um abismo.
No final das contas, o que resta de interessante é
apenas a história narrada pelo radialista no início,
sobre a jiboia que comeu uma criança.
13
o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“O Barraco e o Menino”, por Rafael Marcelino
Em zona cinzenta
É cinema de poesia. Não digo isso só por conta da
voz onisciente que narra em versos a trajetória do
protagonista. Temos aqui um filme todo construído
em figuras de linguagem comuns ao mundo textual.
Os personagens não falam por eles mesmos, o que
reforça o caráter dado pelo poema, de que as figuras
na frente da câmera cumprem uma função
“metonímica”, representando genericamente o tipo
social do favelado e/ou do traficante de drogas.
Há alguma coisa de Pasolini aqui. Os personagens
não são indivíduos definidos, mas também não são
meras caricaturas. O filme tem a sutileza de chegar
até uma “zona cinzenta” na qual podemos quase
“sentir” a singularidade dos personagens-símbolo.
Em “O Barraco e o Menino”, não tocamos essa
interioridade, mas fica a sensação de que seria
O Barraco e o Menino, de Rodrigo Sousa & Sousa
Mostra Brasil 10 – Brasil (SP), 7’, cor, vídeo, 2011
possível fazê-lo se tivesse outra duração, mais
longa.
Metáfora e montagem andam juntas, como em
Eisenstein. Mais do que isso: a edição carrega em
si, simultaneamente, a função elíptica que lhe é
atribuída na narrativa clássica (menino como
criança/corte/menino adolescente = passagem de
tempo) e a função metafórica do choque de
imagens comum ao realizador soviético (construção
em blocos de brinquedo/corte/construção do
barraco real = repetição de processo, “edificação” de
projetos, talvez até de vida, que não se concluem).
Voltemos a Eisenstein, criando um terceiro
entendimento a partir de “colagem” entre duas
imagens, de significados diversos quando isoladas.
Associação de ideias, característica comum da
poesia, que se faz pelas estrofes. Mesmo a poesia épica, de pretensões
narrativas, fragmenta seu “relato maior”, não só em nome da orientação do
leitor (como os capítulos da prosa tradicional), mas para que esse leitor usufrua
de experiências singulares, lendo o fragmento e o unindo a outro, mas também
sentindo a força de sua relativa independência.
Independência: essa palavra também pode iniciar uma condenação ao curta,
sobretudo pelas limitações significativas que a voz externa ao momento da
tomada oferece, tanto na relação entre atores e equipe quanto entre obra e
público. A organização unívoca do discurso (já que os atores “não têm voz”,
literalmente), ao mesmo tempo em que dá liberdade aos corpos para agir, pode
conotar certo autoritarismo. Uma hierarquização que chega ao público, “levado”
pelo fluxo de ideias dadas pela voz. Mas creio que essas escolhas tenham sido
soluções criativas (e francas, como uma brincadeira de “polícia e ladrão”) para
que o conceito, rico, se sobreponha à simplicidade técnica.
“Passeio de Família”, por Thaiana Bitencourt
“Todo Silêncio me Incomoda”, por Rodrigo Ferro
Olhar de fotógrafo curioso
Peixes em aquários
Confesso que por muito tempo acreditei que filmes embarcando em uma tentativa utópica de remontar
dependiam muito mais de uma linha narrativa
uma possível linha cronológica, repleta de
densa e exposta do que da junção de belas imagens
fragmentos imagéticos desconhecidos que foram
para que uma boa história pudesse ser contada. Até
amarelados pelo papel, mas que mesmo assim – e
então, tinha a total certeza de que um começo,
de uma maneira quase inexplicável – despertam
meio e fim bem alinhados eram os principais
certo saudosismo em quem as observa, mesmo que
responsáveis por um filme conseguir tocar o
este não tenha vivido o momento capturado.
público.
A preocupação se dá aqui
Sendo assim, após a
com o registro do quadro e
exibição do curta de
o que ele pode representar
Maria Clara
individualmente. Talvez
Escobar, minhas
esta seja a sua grande
afirmações foram
sacada: a capacidade de
completamente
criar um vínculo
dissolvidas. Pela
sentimental com o
primeira vez pude
espectador apenas por
entender que nem
imagens e sutis diferenças
sempre a ficção
de comportamento em
Passeio de Família, de Maria Clara Escobar
necessita da total
seus personagens,
Panorama Paulista 01 – Brasil (SP), 9’, cor, 35mm, 2010
exposição de um
deixando que o mesmo
enredo ou mesmo
decida do que elas tratam,
de uma verdade absoluta para que este seja
criando sua própria percepção para o filme.
absorvido.
“Passeio de Família” funciona como o olhar de um
O sentimento que se tem ao final da sessão é o
fotógrafo curioso, pronto para imortalizar
mesmo de abrir um álbum de fotografias e arriscar
momentos únicos enquanto aventura-se em
adivinhar o que cada uma das pessoas ali fez, viveu
desvendar gestos e sorrisos, dando sua própria
ou mesmo sentiu. Ou quem sabe ir até mais além,
interpretação para uma possível nova história. O silêncio de fato incomoda, e incomoda tanto que preferimos ficar acomodados.
O curta de Felipe Barros é simples, sem muita produção, porém com um
profundo apelo significativo para com a vida, aquela que acontece ao nosso redor
e que teimamos em não ver. Acabamos sempre presos no mesmo aquário, o
aquário pessoal, o mental, o do comodismo.
Filmado em uma das praias da Bahia, o curta é comovente a partir do momento
em que percebemos o que aquilo tudo significa. E é tão simples como a vida,
porém com uma complexidade que nem nós mesmos conseguimos distinguir.
A ideia é simplesmente genial. Felipe pegou um aquário com um peixe dentro e
colocou à beira-mar. Conforme a maré ia subindo, o peixe ficava cada vez mais
perto de se livrar do pequeno espaço e ganhar o mar de assalto. Isso foi incrível,
pois a relação que se cria com a vida é simplesmente impressionante. O peixe
dentro do aquário representa cada vida que está presa em um pequeno espaço,
seja ele qual for, e não consegue sair e ganhar o mundo por diversas razões.
Medo de se perder na imensidão do mundo, de ficar sozinho – enfim, fica a critério
do espectador. Será que nossas próprias limitações fazem com que sejamos o peixe?
Essas e muitas outras questões foram levantadas na cabeça de cada pessoa que estava
assistindo ao curta e, se essa era a ideia dos realizadores, parabéns, vocês conseguiram.
E afinal, qual é o som do silêncio? O silêncio não existe ou existe apenas para
cada um de nós? São inúmeras questões que me faço depois de ter visto esse belo
curta, muito bem trabalhado desde o título até a pequena, porém inteligente
produção. Mais uma vez, cineastas do Nordeste
mostram como se faz.
14
Todo Silêncio me Incomoda, de Felipe Pereira Barros
Mostra Brasil 10 – Brasil (BA), 5’, cor, vídeo, 2011
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Soy Tan Feliz”, por Marcelo Félix
“Praça Walt Disney”, por Bruno Temóteo
Felicidade e frustração
Stonehenge nordestina
Com planos extremamente belos, nos quais a câmera parece se esconder
Composto por momentos de extrema
para observar seus personagens, o filme investe nas expressões para
sensibilidade, “Sou Tão Feliz” conta uma história
investigar o que pode ser visto e descoberto em cada semblante. Percebemos
de desejos contidos e incontidos. Percebemos o
então a frustração de Bruno; com imagens desfocadas e sons
sentimento de identificação
estranhos, cria-se uma sensação de sublimação que se
de Bruno ao observar seu
desenvolve até o clímax deste conto.
primo cortando o cabelo
É um filme de pequenos gestos, mas significativos e com
por meio do espelho. Temos
imagens expressivas. Os irmãos vivazes que dançam não
então um quadro delineado
fazem parte da vida de Bruno. Percebemos isso quando
a partir do olhar que desvela
Camilo passeia com os primos e se interessa por uma santa
suas intenções mais íntimas.
Soy Tan Feliz, de Vladimir Durán
na beira da estrada. O contexto da terra devastada como
Em casa, a vontade de se
Latinos
01
–
Argentina
/
Colômbia,
pano de fundo da história traz uma complexidade ainda
aproximar cresce, assim
14’, cor, vídeo, 2011
maior para o drama.
como a intenção de se
Enquanto os primos correm um atrás do outro, uma relação
parecer com o primo, que
complicada se apresenta. O primo pede a Bruno que o avise
vem levar Bruno e seu
quando for cortar o cabelo, dando-lhe intimidade. Ele instiga Bruno, as
irmão Camilo para a casa de campo. O primo
brincadeiras se tornam carinhos que viram carícias íntimas por parte deste.
conquista as crianças com suas brincadeiras
A frustração irrompe quando Bruno é interrompido por seu primo, que lhe
enquanto, diante do espelho, Bruno corta seu
impõe um limite e o deixa no chão. Camilo observa tudo, Bruno se ajeita e
próprio cabelo. Estão presentes novamente o
não sabemos o que vai acontecer. Mas é como se a felicidade dependesse
espelho e o desejo de ser aquilo que se deseja,
desses pequenos momentos de carinho.
sentimento tão forte e intrínseco ao protagonista.
Quando um lugar, enraizado no meio da cidade,
oferece as mais diferentes reflexões sobre a relação
do homem com o espaço urbano, ele merece virar
filme. E quando esse lugar se chama Walt Disney,
é certeza de que algo ali está fora do lugar. Temos
então um exemplar do tipo de curta no qual existe
certa investigação e necessidade de resgate da
memória de um espaço. Uma espécie de acerto de
contas entre o realizador e seu objeto de estudo
diante do público.
Permeado por música alegre, momentos de humor
e personagens “fofos”, “Praça Walt Disney”
poderia ser uma alegre celebração do divertimento
proporcionado por filmes que fizeram a história
de muitas crianças (e por que não, adultos)
durante os anos. Mas não há espaço para celebrar
quando tantas disparidades são expostas na tela.
Pequenos esquetes sobre os personagens que
vivem e andam por ali nos levam a uma série de
questões sobre a convivência do homem e do
concreto: que tipos de transformação o espaço
urbano sofreu com o passar dos tempos? Que tipo
de intervenção o homem e sua presença impõem
ao lugar? O que seria a Praça Walt Disney?
Ao final, fica a impressão de que a praça é a
representação maior de um mundo um tanto
quanto confuso. Quase uma reprodução dos
famosos subúrbios americanos, com seus grandes
carros e caixotes de luxo, nos quais o homem que
pouco tem mora ao lado do que tem muito. E
continuamos girando em círculos; o tempo passa e
nada saiu do lugar. Um colorido microcosmo da
nação, logo ali, na cidade do Recife, com direito a
seu próprio monumento em comemoração.
Talvez a Praça Walt Disney seja mais um mistério
da humanidade a ser iluminado. Parafraseando
um momento de humor do filme, só posso
imaginar estarmos diante de uma espécie de
Stonehenge moderna. E nordestina.
“Calma Monga, Calma”, por Gabriel Ribeiro
Circo de aberrações
conclusão sobre isso. E a monga continuaria
Viaturas policiais, cinemas pornô, um anão e uma “macaca” atacando os
atacando homens que, de uma maneira bizarra,
pervertidos que lhe aparecem. Com um roteiro digno do cinema marginal,
vêm ao encontro dela em busca de prazer, mas
esses são os elementos importantes de “Calma Monga, Calma!”, um thriller
que acabam encontrando a morte.
regado a música brega, referências culturais e sátiras à sociedade recifense,
Mesmo satírico e marginal, a linguagem do filme
ou mesmo nacional.
é convencional e bem executada. Destaque para a
O filme acompanha a investigação policial de diversos assassinatos ocorridos
cena do primeiro ataque da Monga em um
nos cinemas de filmes adultos de Recife, ou “Hell-cife”, como é colocado. A
cinema, percebido a partir das silhuetas de um
principal suspeita é a Monga, uma mulher simiesca, repleta de pelos por
casal assistindo a um filme trash
todo o corpo e que se porta como um animal ao ser
ao som de uma música latina
abordada pelos homens. A quantidade de referências
chorosa.
explícitas no filme é gigantesca, desde as músicas e os
Particularmente, acho Recife
filmes que aparecem sendo projetados até os nomes de
uma nova capital cultural em
personagens. São tantas e tão diversas que às vezes não
nosso país, talvez mais criativa do
conseguimos acompanhar, principalmente se você não
que São Paulo, nos meios
é daquela região.
musicais e cinematográficos. Ver
Porém, as mensagens mais básicas do curta, se é que
esse curta no festival foi uma
elas realmente existem, são mais fáceis de perceber.
agradável surpresa que me abriu
Dentre elas, as sátiras aos programas de TV. Um,
Calma Monga, Calma, de Petrônio
os olhos para os filmes
sensacionalista e popular; o outro, pseudo-intelectual,
de Lorena
produzidos tanto por Petrônio de
com diversas “autoridades” falando do assunto sobre
Mostra Brasil 05 – Brasil (PE), 18’, cor,
Lorena como por outros autores
óticas diversas como ciências, filosofia e sociologia. No
35mm,
2011
daquela cidade.
fim, nada interessa; ninguém iria tirar nenhuma
Praça Walt Disney, de Sergio Oliveira e Renata Pinheiro
Mostra Brasil 08 – Brasil (PE), 21’, cor, 35mm, 2011
15
o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“Ponto de Equilíbrio”, por Isabela Maia
“A Fábula das Três Avós”, por Diego Bitencourt
Os limites do suportável
Jornada alegórica
O curta “Ponto de Equilíbrio” coloca ao
espectador questões incômodas. Tendo a cidade
de São Paulo como cenário – mais
especificamente a região da avenida Ibirapuera –,
o filme contrapõe as áreas verdes e bucólicas
encontradas no parque às cenas cinzentas e
caóticas do trânsito paulistano, num clima de
desconforto e suspense provocado pela trilha
musical. A mesma duração de planos estáticos
curiosamente denota tempos diferentes a esses
dois cenários, trazendo o contraste entre eles
ainda mais à tona.
A sequência de abertura nos prepara para uma
entrevista hipnotizante com Zé Mortadela,
morador de rua que vive embaixo de um viaduto.
O próprio “personagem” diz que não é
alfabetizado, mas que um dos dons que possui é
Ponto de Equilíbrio, Realização coletiva
KinoOikos – Brasil (SP), 20’, cor, vídeo, 2011
falar, e não qualquer coisa, mas falar a verdade – e
assim o é. Há praticamente uma ausência de
cortes que envolve o espectador numa aura de
realidade impressionante; a câmera poderia
muito bem se camuflar nessa quase ausência de
montagem, porém o discurso do indigente a
revela a todo momento, ao clamar pelo que se
“esconde” atrás dela.
Dessa forma, os realizadores não ficam im(p)
unes. Enquadrar Zé Mortadela e excluir-se do
quadro foi uma escolha estética e ética, mas o
rumo da fala e da encenação de Zé foge do
controle. O poder dessa escolha poderia ter sido
retomado na edição, por meio de cortes que
retirassem ao máximo a presença dos
entrevistadores. Mas quão mais interessante é o
fato de que permanece essa esfera reflexiva e,
arrisco, autocrítica?
“Ponto de Equilíbrio” dá visibilidade a questões
caras ao realizador, principalmente
o documentarista: qual a função social e a
relevância da obra que se está produzindo?
Como se aborda e se cuida de um objeto tão
delicado quanto o discurso de uma pessoa tão
maltratada socialmente, sendo que quem faz e
quem assiste possivelmente fazem parte desse
mau trato? Como se portar diante da dor do
outro? Nas palavras do próprio Zé Mortadela:
“Essa entrevista que vocês tão fazendo aí... vai
me ajudar em alguma coisa?”
A fábula, volta e meia, acaba por retratar a fuga ou a tentativa de uma criança
de absorver um fato traumático em sua vida utilizando o aspecto lúdico tão
próprio da idade. Além de ter por muitas vezes essa característica, a própria
história pode servir de alegoria para qualquer um de nós que a utilizemos para
instruir uma criança, um de nossos filhos, primos ou irmãos com uma
linguagem que se aproxime do mundo infantil, possuindo, assim, uma estrutura
interna que se relaciona com a nossa
experiência frente a esse tipo de narrativa.
“A Fábula das Três Avós” se apropria dessa
característica muito presente nesse tipo de
história, ao narrar a trajetória da menina
Natália – que, ao perder a mãe, recebe a
visita de uma estranha criatura de nome
A Fábula das Três Avós,
Ora-Ora-Ora, auto-intitulado “Fadode Daniel Turini
Madrinho”. O “Fado” guiará a garota para
Panorama Paulista 03 – Brasil (SP),
uma jornada em busca de suas três avós. A 17’, cor, 35mm, 2010
alegoria é muito clara, como deve ser em
uma história do gênero; para tentar
compreender e aplacar um pouco da dor que sente pela perda da mãe, Natália
se envolverá e se identificará com cada uma das avós.
As três exibem traços marcadamente maternos, como a Avó do Norte, que
aparece de repente nos lugares, e a Avó do Sul, que só consegue falar quando se
cala, tudo com um humor delicado e singelo. Belamente filmado e impecável
na construção de seu mundo mágico, o filme consegue envolver o espectador
apostando numa seara muito pouco explorada atualmente, o que lhe confere
mais méritos ainda.
Além do apuro visual e técnico, a beleza de suas locações e o cuidado na
construção dos diálogos, “A Fábula das Três Avós” se destaca em relação às
interpretações, na medida – algo difícil num gênero um tanto traiçoeiro para os
atores como o fantástico.
“Simiente”, por Fernando Catto
Semente sa(n)grada
Ao deparar-se com o curta chileno “Simiente”, o
espectador é levado a migrar da metrópole para
um belíssimo ambiente campestre. Em uma
cabana simples, vê-se sozinho na companhia da
bela e jovem personagem que ali vive. Reforçado
por elementos como a ausência de trilha sonora,
a constante presença de planos longos com
acontecimentos simples, o ritmo lento e a direção
de arte com tons suaves, esse estado de
isolamento físico pode ser encarado como uma
metáfora à sensação de isolamento psicológico
– que, paradoxalmente, independe da companhia
de pessoas.
16
Simiente, de William Vega
Latinos 02 – Colômbia, 14’, 2011
Muitas vezes ignorado ou mal julgado, o
isolamento, ou o voltar-se a si, é uma
necessidade humana que deve ser respeitada,
principalmente diante de sensações intuitivas
que antecedem mudanças marcantes. No caso de
“Simiente”, subentende-se que a trajetória da
personagem até esse local – que na verdade é
uma viagem para dentro de si – foi voluntária.
Ana quer estar ali, por fuga ou espera, já que no
mundo em que vive não há quem respeite o
tempo que as mudanças levam.
Depois de uma tentativa frustrada de comprar
fósforos, a jovem se depara com uma criança, a
qual ela não reconhece, pois é o que está deixando de ser. Acolhe-a
em sua casa para uma noite de sono. E então a vela que custou a ser acesa
no início do curta acende após uma prece – como símbolo de renascimento
de um novo “eu” e ao mesmo tempo luto de sua criança que está
para desaparecer.
Após um sonho no qual, em um barco, passa pela criança e se enrosca no
matagal do mundo adulto, um estímulo do mundo externo em forma de
batida na porta acorda a menina. Ela se dirige para o exterior de seu refúgio
e dá origem a sua primeira semente. A menstruação é representada sutil e
lindamente por uma gota de sangue que escorre em um plano próximo dos
pés, até o chão. Em tempos de Feminino Plural, não faria mais sentido um
curta tão emblemático sobre o acontecimento mais simbólico e divino da
feminilidade humana.
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“Minuto 200”, por André Almeida
“Pais Separados”, por Alexandre Wahrhaftig
Um filme colombiano
Um estranho no ninho
“Minuto 200” é um curta colombiano, e assim
sentada em sua cadeira de balanço como
não poderia deixar de ser. A aura do realismo
Aureliano Buendía “espera seu funeral passar”,
fantástico está expressa de uma forma única ali.
sentado em frente à casa. A arte está perfeita na
Tudo nesse filme remete ao universo do também
caracterização de uma Colômbia interiorana e
colombiano Gabriel García Márquez. A começar
simples, de uma beleza peculiar e tipicamente
pelos personagens. Um casal idoso, ambos já
latina.
viúvos e vizinhos. Ele insiste em um amor, ela
A impressão é que estamos dentro de uma casa
espera a morte.
de Macondo ou de qualquer outra cidade
A relação lembra muito a de uma dos mais
imaginária do universo de García Márquez. E
populares romances de García Márquez, “O
não é no roteiro e nos diálogos que se encerra a
Amor nos Tempos do Cólera”, e a comparação
aura poética do filme. Com uma capacidade
com Florentino Ariza e
notável, o diretor cria a partir
Fermina Daza é inevitável. O
de todos os elementos
clima também é algo
cinematográficos uma
notadamente comparável. O
verdadeira prosa-poética
“silêncio mortal do calor”, tão
audiovisual, assim como seu
citado pelo escritor, é
conterrâneo faz tão habilmente
“transcriado” para a tela pelo
na literatura.
diretor Frank Benitez com
Se a riqueza do gênero
uma capacidade ímpar. A
“realismo-fantástico” é
Minuto 200, de Frank Benitez
fotografia clara, que explora a
congênita nos cidadãos
Latinos 02 – Colômbia, 18’, cor, vídeo,
luz típica dos trópicos, é arma
colombianos ou é fonte de uma
2011
fundamental para a criação
inspiração inesgotável devido
dessa aura, além dos sempre
ao gênio literário que lá nasceu,
lentos movimentos de câmera e os personagens
não sabemos. O que podemos afirmar é que de lá
em um constante abanar.
brotam as melhores obras de arte que por esses
Outro elemento primordial dos romances,
caminhos adentram. “Minuto 200” é um exemplo
também presente no filme, é o fatalismo do
delas.
destino. A personagem principal espera a morte
Parece-me que uma das únicas coisas interessantes de “Pais Separados” é o fato
de ele estar presente no Curta Kinoforum, em choque direto com os outros
filmes de sua sessão (e do restante das mostras). É possível que ele esteja no
festival apenas como um elemento a mais para compor a diversidade do
Panorama Paulista, que, como panorama, talvez queira dar conta da diversidade
da produção, incluindo filmes de caráter caseiro e amador ao seu conjunto.
Se fôssemos buscar qualidades em “Pais Separados”, encontraríamos talvez
alguns toques de humor, mas não ultrapassaríamos muito essa constatação,
porque, de resto, a história é contada de maneira muito simplista. O personagem
parece estar a serviço de uma tese e tudo está sempre sendo contado por meio
de palavras escritas sobre a tela, não havendo espaço para a imagem construir
seus significados – a imagem é uma ilustração de uma ideia, ao invés de um
terreno em que as ideias se construam (ou mesmo entrem em choque com as
palavras escritas).
É curioso que, talvez por ingenuidade, talvez por um
desejo de chocar-se contra seus filmes-colegas, o
curta exponha, nos seus créditos, os “softwares” e a
câmera que utilizou para ser produzido, como que
afirmando, em tom manifesto, que sua presença no
festival (e no mundo) independe de bons
equipamentos e de uma equipe profissional.
Assim, marca uma espécie de caminho inverso ao
que estamos acostumados: ao invés da
“cinematografização” do “universo youtube”, estamos
diante de sua expansão para a sala de cinema. Ainda
que a absorção das estéticas de internet possa ser um
Pais Separados, de
enriquecimento do universo cinematográfico, em
Washington Carvalho
“Pais Separados” – um filme de imediatez na
Panorama Paulista 04 –
transmissão de sua ideia, em que a mensagem vale
Brasil (SP), 3’, cor, vídeo,
mais do que o filme – o que encontramos, acredito, é
2011
a limitação e a negação de uma potência.
“Mirantes”, por Beatriz Sperandelli
Expressão pessoal de cidadãos comuns
Três jovens se apresentam diante da câmera
falando seus nomes, onde trabalham, o que
gostam de fazer e o que pensam sobre a
comunidade em que vivem. Eles aparecem
individualmente em frente à câmera no
movimento habitual das ruas, onde carros
passam, crianças empinam pipas, pessoas andam
nas calçadas e, fundamentalmente, em cenas em
mirantes, locais com vista panorâmica e mais
elevados; ali, se revela a paisagem na qual cada
um observa o lugar onde mora. Mas esses
mirantes não apresentam apenas imagens belas
de cada paisagem, pois são o ponto de partida
para cada um refletir o “estar no lugar”.
Nas cenas em que eles falam, sempre há a
presença do corpo que enuncia e também o lugar
de que se fala ao fundo; a narrativa é conduzida
pelos sujeitos e a câmera nunca os abandona, o
que confere uma forte carga pessoal a todo o
documentário. As reflexões sobre a experiência
de estarem inseridos ganham maior significação
quando vistas de outro local, porque eles saem do
lugar comum de vivência.
Ao falarem em primeira pessoa diante da câmera
sobre suas sensações, trazem um caráter mais
subjetivo ao curta. A trilha sonora, inclusive, é
composta de músicas feitas por dois desses
jovens. O que se percebe é a experiência do
mundo e não o mundo; há mais subjetividade que objetividade.
Apesar de o curta ser um documentário essencialmente subjetivo e reflexivo,
por ser focado no “eu” que enuncia,
não é necessariamente fechado em si
mesmo por ter um alcance social na
valorização da diversidade cultural, no
incentivo da expressão pessoal de
cidadãos comuns e na democratização
de produções audiovisuais. Os três
jovens pertencem a comunidades de
classe baixa, falam sobre a sua
situação no mundo e, ao se portarem
Mirantes, de Realização coletiva
na frente da câmera, ganham
KinoOikos – Brasil (MG), 25’, Cor, 2010
representação perante o outro.
17
o fi c i n a d e crí ti ca ci n emato g rá fi ca d o 2 2 º f estiva l i ntern acion a l de curtas -met rag ens de s ã o pau lo
“2 e Meio”, por Marcelo Félix
Num labirinto social
Com um começo ágil, ambientando os
mecânicos de elevadores Hernani e Júlio num
grande estacionamento de carros, “2 e Meio” nos
traz uma visão da classe média baixa que vive no
sobe-e-desce social, entre a chance de ganhar a
vida sozinha e o perigo do desemprego ou da
ilegalidade.
Hernani tem o carro que usa para trabalhar
roubado. Sua mulher implica por ele não ter pago
o seguro. Nervoso, pensa em voltar para a firma,
trabalho formal com carteira assinada. Mas
hesita diante das oportunidades maiores fora de
lá e da chance de o irmão aprender uma profissão
trabalhando com ele. São situações cotidianas,
naturalidade e até bons momentos de humor, e outros
esquemáticas até, mas que dão
em que há certo exagero, provavelmente por causa dos
volume.
atores vindos do teatro. Exceto o “Gordo”, personagem
O que conta mesmo é a tensão
que vive entre um ferro velho e seus contatos escusos,
diante da impossibilidade de
tudo “na medida do possível legal”.
continuar levando a vida de
Como num labirinto, Hernani precisa seguir pelos becos
maneira digna. Os personagens
2 e Meio, de Alexandre Serafini
da periferia, atravessando a comunidade e seus
vivem na periferia, estão
Mostra Brasil 05 – Brasil (ES), 18’, cor,
moradores, para procurar seu carro. O ladrão guia o
imersos em uma extensa e
35mm, 2010
mecânico observando o trajeto do alto, artifício
ramificada pobreza horizontal,
inteligente que ajuda a manter a tensão até o final.
em que os transportes têm
Entretanto, mais interessante que a recompensa é a deixa que o clímax da
papel fundamental. Sem carro, eles precisam ir
história propõe: para o ladrão, isso é mais um serviço. É assim que o
trabalhar de ônibus e a “correria começa mais
“sistema” funciona, não é nada pessoal. O problema maior, tão grande
cedo”, a vida complica.
quanto o horizonte cinza da periferia: e agora, para onde ir?
As atuações oscilam entre diálogos precisos, com
“Gisela”, por Rodrigo Oliveira
“Cão”, por Lucila Maia
Loucura inofensiva
Em construção
Seria uma saída fácil dizer que “Gisela” é mais um filme de personagem. Sim,
ele é uma obra cuja protagonista envereda por situações que fazem as atenções
se voltarem para ela, mas a responsável por isso é a sua sandice, que a
acompanha em cada cena do curta de Felipe Sholl.
Ouvimos um barulho que desperta curiosidade, não pelo incômodo causado,
mas pela intensidade do conteúdo proferido. Luiza, empregada de Gisela,
assiste a um culto de igreja protestante, no qual são proferidas palavras contra
o gramunhão; um exorcismo televisionado que atiça o interesse da patroa,
perturbada devido à constante ausência do marido Roberto.
Durante a história, o espectador percebe a mescla de sensações da
protagonista: a notória bipolaridade (vide os ataques de mau humor com a
empregada), mas também um lado dependente, quando pede auxílio a Luiza,
que cede demonstrando se importar com a patroa. “Gisela” é o tipo de obra
que não interpela o espectador de imediato. O filme deixa nas entrelinhas se o
que a protagonista tem é de fato algo patológico ou um capricho por se sentir
preterida em um ambiente em que possui apenas a atenção da empregada e,
ainda assim, somente quando requisitada.
A história tem como cenário somente um apartamento, que é o grande
prejudicado com os ataques de Gisela, pois
ela promove a desorganização da cozinha,
quando começa a checar a geladeira e
escreve centenas de rabiscos nas paredes
sempre com a mesma inscrição: puta. O
único fator que inspira cuidados ao assistir
ao filme é a proposital, porém irritante,
derradeira ação da protagonista. De resto,
Gisela, de Felipe Sholl
até os seus atos de loucura superamos, por
Mostra Brasil 02 – Brasil (RJ),
soarem inofensivos, flertando com a certeira
15’, cor, vídeo, 2011
atmosfera de delírio tão presente na obra.
“Não entendi bem a mensagem do filme, você
seu corpo mesclando-se no ambiente. Ele passa um
poderia explicar?” Com essa pergunta, uma pessoa
dado importante que vamos entender mais adiante
na plateia inicia o debate com os diretores. Será
– “trabalha numa construção”. Seria uma nova
que um filme precisa passar uma mensagem?
essência do filme? Sua própria construção?
Deve seguir todas as regras ou pode reinventar-se?
Nesse diálogo, ela diz para ele: “aquele homem
“Cão” não tem mensagem específica. No início,
carrega muito peso nos sapatos. Precisa carregar o
parece falar de muitas coisas e mostra isso na
peso certo”. Vamos entender isso também mais à
própria dinâmica cinematográfica. Pessoas
frente. O filme é muito bem construído,
passam por uma catraca e aparecem da cintura
intercalando ações dos personagens, suas falas,
para baixo; não importa quem
objetos de cena e
são os personagens. Pelas roupas
contrarregra, direção de arte,
percebemos que uma piscina
fotografia e planos, de tal
será o cenário. E é nesse local
forma que somos conduzidos
que surge um casal de idosos.
a um campo aberto de
Eles encaram a câmera, ou seja,
imagem, tensão e natureza.
o espectador. Depois, crianças
Passagens jogam o
brincam na água. E a essência do
espectador para longe e
filme está dada, um convite aos
perto. Por exemplo: duas
Cão, de Iris Junges
sentidos, ao olhar.
Mostra Brasil 09 – Brasil (SP), 19’, Cor, pessoas numa ponte, depois
Aos poucos, somos introduzidos à
a jovem em primeiro plano
35mm, 2011
história. Uma jovem com blusão
e sua imagem num espelho;
azul, num fundo vermelho, narra
no jóquei, o rapaz olhando
uma paixão antiga e comenta sua distração
através de um binóculo faz um movimento e é a
relacionada a um defeito nas mãos daquele que foi
câmera que leva o espectador a ver o que ele vê.
seu namorado. Ela fala e olha para o espectador.
Em uma cena, ele olha os dentes dela, um plano
Depois, um movimento de câmera segue a parede
de detalhe e o som da largada na corrida dos
vermelha, entra num café e um rapaz olhando para a
cavalos mostrada numa cena anterior em câmera
câmera fala com ela. Ela responde, mas não aparece.
lenta. É assim que as imagens ficam gravadas no
Assim, a conversa continua até que ela vai embora,
espectador.
18
ofic ina de crí tica ci n ematog rá fica do 2 2 º f esti va l i n t ern acio n a l d e curtas- metrage ns de s ã o pau lo
“La ducha”, por Isabela Maia
“Calle Última”, por André Almeida
Despedida sem adeus
A beleza triste dos
subúrbios
Uma despedida sem hesitação, sem lágrimas, sem
“tchau”. Ao menos é o que encenam uma para
outra as personagens do curta chileno “O
Chuveiro”, mas o espectador sabe que não é bem
assim: a câmera revela apenas a nós algumas
sutilezas e segredos sobre o casal Elisa e
Manuela, em meio a gestos e diálogos talvez
forçosamente comuns e cotidianos.
A “câmera-confessionário” promove uma
aproximação e uma identificação extremamente
comoventes entre público e personagem, a partir
do momento em que estes compartilham um
instante muito íntimo e triste. O choro de Elisa,
escondido de Manu pelas cortinas do chuveiro, é
um exemplo muito claro desse efeito que o filme
provoca.
A estrutura em plano-sequência traz sensações de
fluidez e realismo, numa dança muito bem
ensaiada entre atrizes, cenário e câmera. A
predominância do branco na arte dita
um tom frio e asséptico, justamente
como as (ex-)amantes, em vão,
planejam a sua despedida sem adeus.
La ducha, de Maria Jose San Martin
Outro efeito estético bem-sucedido é
Latinos 02 – Chile, 10’, cor, 35mm,
o jogo de foco e composição com os
2010
reflexos do espelho. Mas esse efeito
também produz um significado: elas se
olham predominantemente através dele, e não de maneira direta, o que pode
demonstrar tanto o afastamento precoce entre as duas quanto uma latente
dificuldade em dizer adeus, implícita ao se evitar o contato “olho no olho”.
A posse e o cuidado com o gato podem ser interpretados como uma grande
metáfora do amor e do relacionamento das mulheres. Como diz Elisa, não
basta só ter por perto e acariciar às vezes, quando convém. É preciso alimentar
e “levar ao veterinário”; estar presente também nos momentos ruins e
mundanos. “Mas eu amo aquele gato!”, diz Manu. São jeitos diferentes de
expressar o amor que não são plenamente compreendidos e muito
frequentemente entram em conflito, numa contradição insolúvel.
E o gato ficou...
“Vó Maria”, por Gilberto Xis
Forma desmistificada
O curta de Tomás von der Osten demonstra bem
o poder de síntese narrativa, utilizando o cinema
como ferramenta. Faz isso ao dispor de
fragmentos de apenas uma antiga imagem,
aliados a um sincero depoimento de pessoas
ligadas à personagem retratada na foto. Esse
representante do minimalismo tem um papel
sutil, porém importante para as próximas criações
cinematográficas, que é o de desmistificação da
forma.
Assim, age como um atrativo para novos
realizadores, principalmente, aqueles com poucos
recursos técnicos e/ou financeiros, sendo que foi
exatamente esse último, ou seja, o roubo de seu
equipamento, um dos motivos que levou o
diretor à escolha estética.
“Vó Maria” suscita uma reflexão a respeito da
memória ao dialogar com os seus parceiros, os
demais curtas da sessão, quando traz um registro
histórico não muito preciso da personagem
retratada em virtude dos parcos meios da época,
enquanto que os demais filmes selecionados
apresentam a relação do homem atual e o modo
com que ele registra as suas memórias,
pensamentos e ideias por meio das vastas
possibilidades a que lhe são disponibilizadas em
seu tempo.
Por outro lado, sugere também buscar no campo
da imaginação os elementos que faltam para
preencher as lacunas deixadas pelos relatos
passados oralmente por aqueles que conviveram
com a pessoa retratada, mas que, devido à perda,
na modernidade, do costume do contar histórias
oralmente, quando o fazem acabam por não
transmitir a história com a consistência de
detalhes devida à memória do retratado.
Vó Maria, de Tomás von der Osten
Mostra Brasil 03 – Brasil (PR), 6’, Cor,
Vídeo, 2011
Na sessão em que assisti a “Rua Última”, tivemos
o privilégio de contar com a presença do diretor
Marcelo Martinessi, que falou sobre o filme,
produto de uma experiência realizada com
adolescentes de rua no Paraguai. O roteiro era
deles e alguns ainda atuavam. Esse tipo de
informação geralmente justifica interpretações
ruins e um roteiro um pouco fraco, e rebaixa
nossas expectativas em relação ao filme, pois,
afinal, são pessoas “sem instrução”. Assistimos
com olhos complacentes.
Mas “Rua Última” é um exemplo de como esses
filmes podem nos surpreender. O roteiro
impressiona pela abrangência e singeleza. Conta
a história de Myriam, uma garota chacoteada na
escola por seus chinelos de borracha, e a sua
procura por um sapato mocassim preto. No
entanto, o filme vai bem além. Percorre o abuso
familiar, o trabalho nas ruas, a precariedade em
casa, o uso de drogas, a maternidade precoce.
Tudo isso em um roteiro inteligente, coerente,
com diálogos e silêncios primorosos. Cada
aparição é pensada, enriquecedora, completa e ao
mesmo tempo aberta.
A direção apuradíssima de Martinessi revela com
uma beleza triste os subúrbios paraguaios. Há
uma constante aura melancólica, obtida pela
direção e fotografia impecáveis, além dos atores
que estão perfeitos em uma encenação de sua
própria vida. O guarani, falado durante quase todo
o filme, traz uma localidade especial a uma
história que poderia se passar em qualquer país da
América Latina. A melancolia só é quebrada na
cena final, que, lembrando Gene Kelly em
“Cantando na Chuva” (1952), nos faz pensar sobre
como a felicidade, muitas vezes e para muitas
pessoas, pode estar nas coisas mais simples.
Calle Última, de Marcelo Martinessi
Latinos 02 – Paraguai, 20’, cor, 35mm,
2010
19
Os 10 preferid os d o públi co
programas brasileiros
(em ordem alfabética)
assunto de família
BRAXÍLIA
DOCE DE COCO
JIBOIA
L
Caru Alves de Souza
Danyelle Proença
Allan Deberton
Rafael Lessa
Thais Fujinaga
Brasil (SP), 2011
12’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 07
Brasil (DF), 2010
17’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 09
Brasil (CE), 2010
20’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 07
Brasil (SP), 2011
17’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 10
Brasil (SP), 2011
21’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 03
ovos de dinossauro
na sala de estar
PRA EU DORMIR
TRANQUILO
PRAÇA WALT DISNEY
QUANDO MORREMOS
A NOITE
TELA
Rafael Urban
Juliana Rojas
Sérgio Oliveira e
Renata Pinheiro
Eduardo Morotó
Brasil (PR), 2011
12’, cor, vídeo
Mostra Brasil 03
Brasil (SP), 2011
15’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 02
Brasil (PE), 2011
21’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 04
Brasil (SP), 2011
15’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 06
Brasil (RJ), 2011
20’, cor, 35 mm
Mostra Brasil 06
Carlos Nader
Os 10 preferid os d o públi co
mostra i n t e r n a c i o n a l e l a t i n o - a m e r i c a n a
EL MUNDO DE RAÚL
Jessica Rodriguez
Sanchez e Horizoe Garcia
(em ordem alfabética)
JE POURRAIS ÊTRE
VOTRE GRAND-MÈRE
KHOUYA
KWA HERI MANDIMA
L’ACCORDEUR
Bernard Tanguy
Yanis Koussim
Robert-Jan Lacombe
Olivier Treiner
Argélia/França, 2010
16’, cor, 35 mm
Mostra Internacional 04
Suiça, 2010
10’, cor, vídeo
Mostra Internacional 05
França, 2010
13’, cor, 35 mm
Mostra Internacional 05
Cuba, 2010
20’, cor, vídeo
Mostra Latino-americanal 02
França, 2010
19’, cor, 35 mm
Mostra Internacional 03
LAS PALMAS
MINUTO 200
SUIKER
UN NUEVO BAILE
VIAGEM A CABO VERDE
Johannes Nyholm
Frank Benitez
Jeroen Annokkée
Nicolas Lasnibat
José Miguel Ribeiro
Suécia, 2010
13’, cor, 35 mm
Mostra Internacional 06
Colômbia, 2011
18’, cor, vídeo
Mostra Latino-americanal 02
Holanda, 2010
7’, cor, 35 mm
Mostra Internacional 04
Chile/França, 2010
23’, cor, 35 mm
Mostra Latino-americanal 01
Portugal, 2010
17’, cor, vídeo
Mostra Internacional 10
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