COMPREENDER QUEM SÃO OS ADOLESCENTES E JOVENS PARA MELHOR
ENTENDER SUAS INTERAÇÕES COM A MÚSICA
Thenille Braun Janzen
[email protected]
Universidade Federal de Uberlândia
FAFCS/DEMAC
Comunicação - Relato de Pesquisa
Introdução
A juventude é um eixo da sociedade representada por indivíduos que possuem papéis e
características determinadas e determinantes. Esses papéis exercidos pelos adolescentes e
jovens, articulados a aspectos sociais, políticos, culturais, bio-fisiológicos, psíquicos e,
históricos, são construídos a partir da visão que a sociedade possui em relação à juventude,
bem como pela visão da própria juventude frente à sociedade.
Um dos elementos essenciais para a formação da identidade do jovem e do
adolescente é a música. Segundo o texto “Escola, Adolescência e Juventude” elaborado pelo
MEC,
“o gosto musical parece como sinalizador da adesão a um certo conjunto de
referências culturais, funcionando, portanto, como demarcador de identidades
no interior do universo juvenil, mesmo quando o estilo musical compõe-se a
partir da fusão de diversos outros estilos.” (BRASIL, MEC, 1998, p. 118)
A partir dessa constatação, diversas áreas do conhecimento têm tomado como foco de
suas pesquisas a busca em compreender a relação dessa classe de idade com a música.
Relação que tem se revelado muito estreita e importante para a contextualização da juventude
contemporânea.
Dentre os campos acadêmico-científicos que têm voltado sua atenção para a relação da
juventude com a música estão: a Educação Musical, Música, Educação, Sociologia,
Antropologia, Psicologia, e outras. O crescimento da produção científica nos últimos 05 anos,
apontou para a importância em compreender esta articulação. No entanto, como foi observado
através da pesquisa realizada no período de agosto de 2005 a julho de 20061, os estudos ainda
apresentam-se em fase inicial, revelando alguns pontos que não foram aprofundados e por
isso, permanecem ambíguos e relativos.
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Plano de trabalho “Interação adolescentes e música: o que os estudos da área de Educação Musical trazem a respeito?”,
vinculado ao projeto de pesquisa “A Escola e a interação adolescentes e música popular: estudos críticos analisados sob uma
perspectiva sociomusical da interação ser humano – música”, sob orientação da professora Dra. Margarete Arroyo, e com
apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/UFU/CNPq.
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Um destes pontos refere-se à conceituação e compreensão do que é juventude/jovem e
adolescência/adolescente.
Como foi constatado no levantamento bibliográfico produzido no trabalho já referido,
os termos adolescentes, jovens, juventude, adolescência eram utilizados nos textos levantados
de maneira muito distinta e ambígua. Muitos autores, ao caracterizarem adolescentes,
referiam-se a eles como crianças. Outros, utilizam os termos adolescentes e jovens como
sinônimos. Esse fato revelou uma grande imprecisão que algumas vezes dificultava a
compreensão e definição dos sujeitos tratados pelas pesquisas, implicando na clareza sobre o
objeto de estudo.
Esse fato pôde ser observado também quando fazemos uma previsão quantitativa dos
textos levantados. Dos 75 títulos coletados, 34 focalizam adolescentes, enquanto, 05, referemse especificamente a jovens.
Neste sentido, quer para proceder os levantamentos, quer para analisar os dados do
trabalho, foi preciso, num primeiro momento, aprofundar a compreensão sobre o jovem e o
adolescente enquanto categorias sociais e históricas e reconhecer a articulação dos aspectos
sociais, culturais, econômicos e políticos sobre a formação do conceito juventude. (CORTI;
SOUZA, 2004)
Esta comunicação possui o objetivo, portanto, de apresentar os dados deste estudo
bibliográfico, que revelou-se essencial para o enriquecimento do trabalho com adolescentes e
jovens.
Revisão bibliográfica sobre as categorias adolescente e jovem
Pesquisas e debates sobre a adolescência e a juventude ganharam maiores proporções
no Brasil a partir dos anos de 1980-1990, caracterizando-se ainda recentes. Esse fato reflete-se
na definição e caracterização do adolescente e do jovem, mesmo em questões bem gerais,
como, por exemplo, a conceituação. Existe uma disparidade e uma incerteza muito grandes
quanto às terminologias utilizadas pelos pesquisadores de um modo geral. Esse ponto também
foi observado pelas pesquisadoras Ana Paula Corti e Raquel Souza (2004) que afirmam que
“é muito freqüente a utilização dos dois termos como sinônimos” ou ainda “referir-se de
maneira indistintamente aos sujeitos que vivem esses períodos como adolescentes ou jovens”.
(p. 12)
De acordo com Corti e Souza (2004), é imprescindível diferenciar cada uma dessas
etapas para que seja possível aprofundar a compreensão das relações desses sujeitos com a
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escola, a música, a família, o trabalho. Reconhecer as características dessas fases da vida
servirão para elaboração de políticas públicas específicas, regulamentação jurídica, discussões
centralizadas na escola, formação de profissionais especializados para o trabalho com essas
categorias, e, diversas outras conseqüências focadas na diversidade da juventude.
Adolescência e juventude: uma construção histórico-social
O que é adolescência, pré-adolescência, juvenil, juventude, jovem, adolescente?
Distinguir e definir esses conceitos é realmente uma tarefa muito difícil, pois os seus
significados dependem de fatores sociais, históricos, culturais, inerentes a uma determinada
sociedade e em um período específico, além da influência biológica e psicológica serem
também fundamentais para a construção da definição do adolescente/jovem. Segundo o MEC
(1998) as características e os significados de cada etapa da vida são construídos e
estabelecidos de acordo com os parâmetros sociais de cada período. Portanto, essas
características e significados estão em constante transformação, pois, a sociedade re-significa
seus símbolos e modifica seus parâmetros na medida em que absorve novos paradigmas que
reestruturam o olhar sobre os pilares que a regimentam.
Fazendo
uma
retrospectiva
histórica
percebe-se
que
os
conceitos
de
adolescência/juventude estão em constante metamorfose.
De acordo com Corti e Souza (2004), na Grécia arcaica, por exemplo, os jovens eram
representados pela “classe dos guerreiros, provenientes da nobreza”. Na Roma antiga, havia
uma classificação etária bem diferente que especificava cada período da vida, na qual, a
“infância (...) durava até os 15 anos; adolescência, dos 15 aos 30; e juventude, dos 30 aos 45
anos”. (Ibid, p. 15) As autoras destacam ainda que, a passagem da juventude para a idade
adulta era marcada pela inserção na vida pública romana.
Na Idade Média existiam dois sistemas distintos para a classificação dos grupos
etários. De acordo com a mesma fonte, havia uma sistematização das fases da vida originadas
na cultura profana. Estes sistemas profanos utilizavam como referência as estações do ano.
Em contrapartida, havia um sistema utilizado pelo clero e pela nobreza feudal que
consideravam seis idades: “infantia (do nascimento aos 7 anos), pueritia (dos 7 aos 14 anos),
adulescentia (de 14 a 24 ou 28 anos), juventus (21 a 28 ou 35 anos), virilitas (35 a 55 anos) e
senectus (acima de 55 anos)”. (CORTI; SOUZA, 2004, p. 16)
Também diferenciavam-se as classificações etárias de acordo com o grupo social e as
funções exercidas na sociedade. Para a nobreza italiana medieval, “os jovens eram sobretudo
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aqueles que ainda não atingiram independência econômica”. A passagem à idade adulta era
marcada, dente outras coisas, pela “integração progressiva à vida política, processo altamente
ritualizado”. (Ibid, p. 16) Já para os camponeses, havia oito categorias muito distintas e
definidas em relação às funções sociais. Eram elas: “recém-nascido, crianças, jovens, recémcasados, pais e mães de família, viúvos e viúvas, velhos e falecidos”. (Ibid p. 17) Quanto à
classificação que levava em consideração a função do indivíduo, diferenciavam-se as
atribuições aos homens e às mulheres. Os jovens homens “eram associados à organização de
festas e folguetos”, enquanto as mulheres desempenhavam os papéis de virgem, mãe, ou,
esposa. (p. 17)
Segundo as autoras, o papel do jovem modificou-se muito com o advento do
capitalismo e a ascensão da burguesia no período Moderno. “Juventude referia-se (...) àqueles
indivíduos que participavam em condição privilegiada das novas possibilidades abertas pelo
desenvolvimento capitalista”, o que quer dizer que, os jovens dedicavam um período maior a
“formação, ampliando os anos escolares e sua especialização”. (Ibid, p. 18) Observa-se que,
tanto na Idade Antiga e Medieval, quanto no início da Idade Moderna, os jovens eram,
sobretudo, aqueles pertencentes “às classes sociais mais abastadas”. (Ibid, p. 17) “Os
principais marcos do final da juventude (...) [no período Moderno eram] a inserção no mundo
do trabalho, o casamento, com a constituição de um novo núcleo familiar, e a procriação.” (p.
18)
Atualmente, o processo que compreende a adolescência e a juventude “ocupa um
período bem mais longo e se desenvolve de forma bem menos ritualizada, com papéis menos
definidos”. (BRASIL, MEC, 1998, p. 105) De acordo com essa fonte, os símbolos estão
dissolvidos, o que torna a definição destas etapas muito mais complexa e conflituosa.
“Um traço característico na concepção de juventude [no século XX] é a sua
descronologização, ou seja, há uma dissolução das referências cronológicas para a definição
desse ciclo da vida”. (CORTI; SOUZA, 2004, p.19) É esse ponto, evidente da juventude
contemporânea, que fundamenta a dificuldade em definir em termos etários as categorias
adolescente e jovem.
“O uso de calças compridas pelos meninos e de salto alto pelas meninas, bem como os
diplomas conferidos pelo cumprimento de etapas da vida escolar, até pouco tempo
atrás, eram símbolos de passagens, representavam rituais sinalizadores de mudanças
de status. Atualmente, essas marcas estão diluídas, o que dificulta estabelecer
claramente quando começa e quando termina esse período.” (BRASIL, MEC, 1998, p.
105)
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Compreendendo a adolescência e a juventude: o caráter múltiplo dessa classe de idade
De acordo com o MEC (1998), a entrada na juventude é caracterizada pela fase que
corresponde à adolescência. “O início da adolescência caracteriza-se por modificações
biológicas que ocorrem no corpo infantil [provocadas pela atuação de hormônios específicos
que provocam] crescimento acelerado, reestruturação das proporções ósseas e as
transformações necessárias à reprodução”. (Ibid, p. 112) No entanto, as modificações não
acontecem somente no âmbito biológico. Além dessas modificações, próprias dessa fase,
acontecem mudanças relacionadas à relação do adolescente com a sociedade, a família, o seu
grupo, e em relação a si próprio.
Essas transformações são experimentadas por todos os adolescentes, porém, elas
acontecem de maneiras muito distintas. Além de cada indivíduo possuir “ritmos de
desenvolvimento fisiológico diferenciados”, os diferentes contextos sociais, culturais,
familiares, “determinam diferentes ritmos e vivências da adolescência”, fatos que dificultam
definições em termos etários. (MEC, 1998, p. 105)
“A classe social do indivíduo, sua condição étnica e de gênero, sua presença ou não no
mercado de trabalho e na escola, seu local de moradia – urbano ou rural – sua situação
familiar e sua orientação religiosa são fatores, entre outros, que vão diferenciando
internamente este grupo que chamamos de juventude. E à medida em que nos
aproximamos ainda mais da realidade social, vamos percebendo que estas clivagens
tendem a aumentar, inclusive no interior dos grupos étnicos, das classes sociais e
assim por diante.” (CORTI; SOUZA, 2004, p. 14)
“Menos definidas ainda são as idades de saída da juventude.” (BRASIL, MEC, 1998,
p. 105) “A inserção no mundo do trabalho, a saída da casa dos pais, a constituição de um
novo núcleo familiar e, a procriação, continuam sendo aspectos importantes para a entrada na
vida adulta” (CORTI; SOUZA 2004, p. 21), porém, são condições muito relativas e
insuficientes para estabelecer parâmetros definidos.
Segundo o MEC (1998, p. 105), “no Brasil, a entrada no mercado de trabalho não
significa necessariamente o fim da juventude; pelo contrário, na maioria das vezes é o
trabalho que permite que o jovem tenha acesso ao consumo e ao lazer, tão característicos da
vivência juvenil”. 2
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Segundo o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio), em 1995 56,6% dos jovens entre 15 e 19 anos
faziam parte da População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil. (MEC, 1998, p. 115)
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Corti e Souza (2004) afirmam ainda que “há uma tendência de adiamento da idade em
que os indivíduos realizam a passagem da juventude para a vida adulta”. Um ponto que marca
este fato na juventude contemporânea é uma “dissociação [entre o] início da vida profissional,
a constituição de novo núcleo familiar e a procriação” (Ibid, p. 21), revelando uma “nãosimultaneidade” desses elementos para a transição da juventude para a fase adulta.
A partir dessas constatações, a cronologização dessa classe de idade mostra-se
bastante problemática quando tomada como meio para definição das categorias. Observando
definições que procuram centrar-se no aspecto cronológico da adolescência/juventude,
notamos uma disparidade muito grande.
Por exemplo, a ONU (Organização das Nações Unidas) “define como jovens as
pessoas entre 15 e 24 anos de idade.” (CORTI; SOUZA, 2004, p. 11) Enquanto isso, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que,
“a adolescência (...) [é] um processo fundamentalmente biológico, que vai dos 10 aos
19 anos de idade, abrangendo a pré-adolescência (10 a 14 anos) e a adolescência
propriamente dita (15 a 19 anos). Já a juventude é considerada uma categoria
sociológica que implica a preparação dos indivíduos para o exercício da vida adulta,
compreendendo a faixa dos 15 aos 24 anos de idade”. (Ibid, p. 11)
No Brasil, para efeitos legais, de acordo com a definição do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), a infância acontece até os 12 anos de idade e a adolescência dos 12 aos
18 anos. (BRASIL, MEC, 1998, p. 106)
Esses exemplos confirmam o caráter descronológico da juventude contemporânea.
Utilizar critérios etários para definir essa classe de idade mostra-se muito relativa e ambígua.
Como apontaram Corti e Souza (2004) “essa indefinição (...) reflete uma imprecisão muito
mais ampla e disseminada”. (p. 13)
Outro ponto de grande relevância para a compreensão do que é ser adolescente e ser
jovem, é entender a multiplicidade de experiências que envolvem essas fases. Cada indivíduo
possui experiências muito singulares provenientes de sua vivência em determinados grupos e
contextos sociais, históricos, culturais, econômicos, políticos. “As atitudes dos jovens
respondem, de diferentes formas, às questões colocadas pelo momento histórico em que
vivem. Compreender a adolescência e a juventude na sua diversidade significa compreender a
sociedade nos desafios do tempo presente.” (BRASIL, MEC, 1998, p. 111)
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Conclusão
“Fluidez e complexidade” são características fundamentais na concepção e
compreensão da juventude contemporânea. Diante desse fato, devemos entender que
adolescência e juventude não configuram uma classe de idade definida e com delimitações
evidentes, pois, ainda fazem parte de um processo em construção, uma vez que estamos
inseridos numa sociedade em constante re-significação dos seus símbolos e valores. (CORTI;
SOUZA, 2004)
No entanto, é extremamente importante compreender a distinção dessas fases da vida.
A partir do esclarecimento das características inerentes a cada categoria, o nosso olhar sob
essa classe de idade torna-se mais claro, assim como, o trabalho com adolescentes e/ou jovens
torna-se muito mais específico e direcionado.
Cada uma dessas categorias possui experiências muito distintas e suas relações são
construídas a partir dos interesses próprios de cada fase. A relação que um adolescente de 13
anos possui com a música pode ser muito diferente da relação de um jovem de 19 anos. Dessa
forma, possivelmente, o trabalho com uma turma de 6ª série do ensino fundamental com
música possa ser conduzido de maneira diferente de uma turma de 8ª série e mais ainda de
uma turma do ensino médio.
“O campo das experiências da juventude brasileira é extremamente diverso e múltiplo,
o que implica diversas maneiras de viver a juventude” (CORTI; SOUZA, 2004, p. 14) e
diversas maneiras de experimentar e vivenciar a música. A partir do momento em que
profissionais, professores, estudantes de graduação, pesquisadores, pais, o poder público, e
demais interessados nas questões ligadas ao jovem e ao adolescente, perceberem a riqueza de
experiências próprias a cada fase da vida e a importância de valorizar cada momento de
maneira específica, haverá uma condução de atividades, propostas, discussões, políticas
públicas muito distinta a cada uma dessas categorias.
Referências Bibliográficas
BRASIL, MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental. Brasília: MEC/SEF, vol. Introdução, 1998.
CORTI, Ana Paula; SOUZA, Raquel. Diálogos com o mundo juvenil: subsídios para
educadores. São Paulo: Ação Educativa, 2004.
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Texto - NUPEA - Núcleo de Pesquisa em Ensino de Arte