E ENTREVISTA Vitor Lopes Por Jader Moraes Iniciativa Busca ativa Operando projetos de ordens de grandeza e complexidade distintas, o presidente da Desenbahia destaca o desafio de expandir o crédito para áreas e regiões carentes de apoio: “Não ficamos esperando que o negócio chegue até a agência.” R umos – A Desenbahia tem como missão “oferecer soluções financeiras e técnicas para melhorar a vida da população baiana”. De que forma a instituição tem contribuído para fortalecer as estruturas econômicas e sociais do estado e alcançar esse objetivo? Vitor Lopes – De diferentes formas, uma vez que atuamos em uma economia complexa, situada em um território com dimensão próxima da de vários países europeus. Assim, para atingirmos nossa missão, precisamos despender esforços no apoio aos micro e pequenos empresários localizados nas áreas mais carentes do estado, tanto quanto no apoio à instalação de projetos estratégicos para o desenvolvimento da Bahia, como os projetos de infraestrutura. Vamos tratar apenas dessas duas situações aqui, porque elas já são suficientemente difíceis. No primeiro caso, considerando o fato de que o território baiano é grande e a riqueza econômica está concentrada em poucas regiões – mais de 50% do PIB do estado está concentrado em 10 municípios, ficando 407 municípios com uma participação de menos da metade da riqueza gerada no estado –, o esforço de levar o crédito ao interior, em especial às áreas mais carentes, tem sido uma meta importante da agência. Essa interiorização tem se realizado através da alocação de Gerentes de Negócios (GN) em diferentes regiões da Bahia e por meio de parcerias com instituições com escritórios distribuídos no interior do estado, como o Sebrae e a Câmara de Dirigentes Lojistas. A ideia é fazer da Desenbahia uma agência proativa, que prospecta e realiza negócios em áreas onde há necessidade de crédito, mas ele não chega tão facilmente. No caso do apoio a projetos estratégicos, constituímos uma área na agência que se ocupa com estudos de modelagem econômico-financeira, jurídica, de engenharia etc., com vistas a garantir a implantação de projetos relevantes para a Bahia. Alguns dos projetos com os quais estamos ou estivemos envolvidos são a Arena Fonte Nova, o Sistema Metroviário de Salvador-Lauro de Freitas, os estudos para a concessão do Centro de Convenções da Bahia e para o projeto de desenvolvimento do Recôncavo Sul, com a implantação da ponte Salvador-Itaparica. É uma área nova na agência, que está se organizando à medida que os desafios aparecem, mas que já contribui decisivamente para os principais projetos ora pensados para a Bahia. Rumos – Quais os principais desafios que estão colocados neste momento para a Agência? Lopes – Estamos buscando expandir nossas operações, ao mesmo tempo que atuamos nessas diferentes frentes. Arrisco dizer que nosso maior desafio, no momento, é aprender a trabalhar eficientemente com projetos e necessidades de distintas ordens de grandeza e de complexidade. Como esse desafio já se pronunciava em 2011, quando preparamos o Planejamento Estratégico 2012-2015, percebemos a necessidade de investir em melhorias internas: processos mais ágeis e sistemas adequados. Para nossa sorte, acreditamos e perseguimos nosso Planejamento Estratégico. Avançamos na interiorização, constituímos a Superintendência de Estruturação de Projetos (a área que trabalha com os projetos estratégicos e que citei antes) e implantamos uma linha de financiamento para capital de giro voltada para micro e pequenas empresas, no qual praticamente todo o processo é realizado via internet. Batizamos essa linha de Girorápido, porque ela conta com uma plataforma de acesso via internet e a análise é automatizada. O empresário encaminha os seus dados via internet, o sistema analisa as informações, faz um diagnóstico e atribui uma nota, sinaliza o limite de crédito e, por fim, envia o contrato para ele assinar. Na Desenbahia, os analistas conferem a documentação e se estiver tudo em conformidade, o crédito é liberado. São dos desafios que nascem as melhores soluções, não é? Rumos – Os desembolsos da Desenbahia saltaram de R$ 123 milhões em 2008, ano em que se iniciou a crise RUMOS – 4 – Julho/Agosto 2014 Divulgação/Desenbahia Mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia, Vitor Lopes é presidente da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia) desde 2013, depois de atuar como gerente de Estudos e Assessoria e diretor de Negócios da instituição. É também vicepresidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE). econômica mundial, para R$ 416 milhões em 2013. A que se deve esse aumento e qual a importância das instituições públicas de desenvolvimento em um cenário como o que sucedeu o epicentro da crise? Lopes – Por uma questão didática, vício de professor, vou dividir essa questão em duas: a expansão operacional da Desenbahia e o papel contracíclico das instituições financeiras públicas. A expansão das operações da Desenbahia era quase que uma condição sine qua non para a sobrevivência da agência. Como justificar a existência de uma agência de fomento que não tivesse uma carteira de projetos relevante? Como sabíamos que nossa saída era crescer ou crescer, investimos na proatividade, na busca de melhorias internas. Separamos a atividade de captação de negócios da atividade de análise, para que pudéssemos ter colaboradores focados na sua meta. Hoje não ficamos esperando que o negócio chegue até a agência. Só vão chegar espontaneamente os negócios que vêm pela internet. Os maiores projetos ou os mais robustos são captados pelos nossos Gerentes de Negócios. Ainda sobre essa expansão, gostaria de registrar aqui que aposto na nossa capacidade de continuar crescendo em 2014. Estou seguro disso porque os investimentos que fizemos nas melhorias internas estão começando a gerar frutos agora. Ou seja, temos fôlego para manter o ritmo. Sobre o papel das instituições financeiras públicas nos momentos de crise, a literatura está repleta de pensadores econômicos que justificam a existência dessas instituições devido à sua capacidade e possibilidade de atuação contracíclica. No Brasil, assim como em vários outros países, a crise de 2008 só veio a confirmar a importância do setor público na concessão do crédito quando o sistema privado passa a operar restritivamente. Recentemente, o Ipea divulgou um estudo confirmando que os bancos públicos federais tiveram uma atuação contracíclica durante a crise financeira mundial, de tal modo que permitiu que o crédito mantivesse o ritmo de crescimento no país. Enquanto os créditos desses bancos se elevaram acima dos 30%, os créditos do setor privado reduziram o ritmo de aumento de 25% para 10%. Em escala regional, também as agências de fomento fizeram a sua parte naquele momento. A Desenbahia, por exemplo, intensificou a interiorização do crédito e apostou no crédito às prefeituras. Rumos – Os desembolsos referentes ao microcrédito também cresceram significativamente na carteira da agência e chegaram a R$ 45 milhões no ano passado. Qual a importância do apoio aos pequenos empreendedores para o desenvolvimento da economia local? Lopes – Através do microcrédito conseguimos reforçar nossa atuação nas regiões mais carentes e onde não há grandes projetos a serem apoiados. Acreditamos que, com o microcrédito, contribuímos para dinamizar a economia dessas regiões, porque injetamos recursos essenciais para acelerar a circulação de mercadorias e serviços. Do ponto de vista individual, esse tipo de crédito favorece o microempreendedor que não tinha e passa a ter acesso ao sistema financeiro formal. E no plano macroeconômico, o microcrédito, se bem estruturado, pode se constituir em um dinamizador de economias menores. Faz pouco tempo, resolvemos aprimorar nosso programa de microcrédito, criando condições diferenciadas para o microempreendedor formal. Para esses, o valor e o prazo têm limites maiores. Rumos – Em artigo recente para a Rumos, o senhor apontou como fundamental o investimento em infraestrutura pelos agentes do Sistema Nacional de Fomento, para viabilizar os projetos estruturantes para nossa economia. Por que este é um gargalo difícil de ser superado em nosso país? Lopes – Os projetos de infraestrutura são, via de regra, grandes e complexos. Algumas vezes envolvem mais de uma esfera de governo, o que implica numa coordenação de atividades complicada. São projetos que possuem prazo de maior matu- RUMOS – 5 – Julho/Agosto 2014 E ENTREVISTA Vitor Lopes ração e risco elevado, e que, por essas características, não cosco) com os recursos captados pelo Estado e colocados no tumam interessar ao setor financeiro privado. Este concentra Fundese. Mas não era o único agente financiador. Além dos suas preferências no mercado de curto prazo e de baixo risco. recursos dos acionistas, o BNB [Banco do Nordeste] também Se nos ativermos apenas à questão do volume de investimense envolveu com o projeto, já que financiou parte do investitos e da necessidade de coordenar atividades distintas (engemento, assim como o Santander, que ficou responsável pela nharia, negócio, questões jurídicas) e stakeholders distintos, peremissão das debêntures. Os três agentes financeiros precisacebemos como os projetos de infraestrutura exigem análises vam compartilhar garantias. Foi montado então um verdadeidiferenciadas e mecanismos mais complexos para a sua matero bloco de contratos interdependentes. Como somos a instirialização. Até bem pouco tempo, no Brasil, esses projetos tuição financeira oficial da Bahia, temos um quadro de pessoeram tratados como obras públicas e a maior dificuldade ficava al qualificado e trabalhamos muito para fazer essa engenharia restrita à seara dos recursos orçamentários. Com a percepção de contratos, além de coordenar a entrada de recursos do de que o envolvimento do setor privado poderia elevar o grau BNDES no Fundo e financiar o projeto. Já dá para imaginar o de eficiência do serviço prestado e, ao mesmo tempo, devido à orgulho que sentimos quando vemos a Arena funcionando maior limitação dos recursos públicos disponíveis frente às bem e com excelente avaliação do público. necessidades de infraestrutura, novos mecanismos de financiGostaria de registrar, no entanto, que para a análise do proamento têm sido acionados, a exemplo das Parcerias Públicojeto da Arena Fonte Nova já contávamos com certa experiênPrivadas. O que percebemos é que as PPPs têm viabilizado à cia acumulada, por conta do financiamento do Hospital do implantação de projetos de infraestrutura, Subúrbio, um projeto de PPP, mas que mas têm tornado o projeto ainda mais comnão foi um project finance puro, e do plexo na medida em que envolve um maior financiamento da concessionária do Sis“As agências de leque de agentes. Que instituição está distema Rodoviário BA 093. Este último fomento não foram posta a ter esse trabalho? A despender mais se processou quase que paralelamente à tempo com análises, correr mais riscos com análise do projeto da Fonte Nova, e concebidas para atrasos nas entregas de marcos, problemas também era um project finance. Trata-se dar certo. Aos poucos, de um sistema rodoviário fundamental com distribuição de responsabilidades etc.? Vivemos um momento de aprendizagem para logística do estado, porque interlino entanto, elas para viabilizar tais projetos e este processo, ga pontos estratégicos, como o Porto foram mostrando-se que é sempre custoso, alinha-se à missão de Aratu e o Aeroporto Internacional dos agentes do Sistema Nacional de de Salvador com o Centro Industrial de peças valiosas para Fomento. Aratu, a região de Candeias (onde a o desenvolvimento Petrobras tem unidades importantes) e das economias locais o Polo Petroquímico de Camaçari. Rumos – A agência teve participação importante no projeto Arena Fonte e o campo de Nova reformada para a Copa do MunRumos – Como tem sido a atuação atuação só vem do. Conte-nos sobre essa experiência e da Desenbahia junto ao setor o que ela agregou à instituição. público, em especial no apoio ao aumentando.” Lopes – A demolição da velha Fonte Nova desenvolvimento dos municípios e a reconstrução da Arena Fonte Nova foi baianos? uma das nossas primeiras experiências Lopes – Acreditamos que, por meio com project finance. Foram dois contratos de financiamento, das linhas para prefeituras, podemos contribuir para melhorar um para demolição e início dos trabalhos de reconstrução e a infraestrutura urbana e social das cidades baianas. Na verdaoutro para andamento e conclusão da obra, que resultaram de, com esse apoio atingimos alguns dos nossos focos estratéde análises técnicas nas quais a engenharia financeira ficava gicos: interiorizamos o crédito, contribuímos com a adminissuportada contratualmente pelo fluxo de caixa do projeto. tração pública municipal da Bahia e, como resultado, melhoraDesse modo, os ativos e recebíveis do projeto assumiam a mos a vida da população baiana. Mas como nem tudo são flocondição de garantia das operações de crédito. Até então, não res, temos limitações severas para atuar nesse campo: o protínhamos realizado uma operação na Desenbahia com tantos cesso de financiamento demanda um tempo que não está sob contratos interdependentes. Como disse há pouco, foi um nosso controle, uma vez que é preciso que a prefeitura tenha verdadeiro processo de aprendizagem de como operar com previsão orçamentária para contrair a dívida, além de termos projetos complexos de infraestrutura, nos quais vários agende fazer consultas ao STN. Ademais, esse tipo de operação tes interagem. Vou citar algumas características do projeto compromete bastante nossa capacidade de emprestar, já que para tornar o que digo mais concreto para o leitor. O Estado trabalhamos com destaque de capital para realizar os financiada Bahia contratou um financiamento junto ao BNDES; colomentos. Como, numa balança imaginária, o lado contendo os cou esse recurso no Fundo de Desenvolvimento Social e Ecobenefícios sociais da operação pesa mais que as dificuldades nômico – Fundese (gerido pela Desenbahia); e fez uma licitaelencadas, continuamos firmes no trabalho com essas operação para contratação de uma PPP para a reconstrução e opeções, ainda que com limites operacionais menores. ração da Arena. A Desenbahia, por sua vez, financiou parte dos investimentos da SPE (Sociedade de Propósito EspecífiRumos – Desde abril deste ano, a agência também tem RUMOS – 6 – Julho/Agosto 2014 Portal da Copa/ME O patrimônio líquido da Agência atingiu perto de R$ 495 milhões no final do primeiro semestre deste ano e o do Fundese totalizou de R$ 1,4 bilhão. Atualmente, a agência conta com 245 colaboradores, sendo 16 novos funcionários recém-ingressos por meio de concurso público realizado no início do ano. Rumos – Que importância o senhor confere à ABDE, a entidade que congrega e representa o Sistema Nacional de Fomento, integrado Arena Fonte Nova, palco de seis jogos da Copa: processo de aprendizagem para a agência, devido à complexidade do projeto e interação com outros agentes financeiros. pelos bancos de desenvolvimento e pelas agências de fomento do país? Lopes – As instituições financeiras e não financeiras de fomento sempre tiveram uma importândisponibilizado recursos por meio do Inovacred. Como cia pronunciada no desenvolvimento econômico do Brasil. este instrumento pode ampliar a competitividade das O papel do BNDES, assim como dos demais bancos federaempresas baianas? is e estaduais, foi essencial para o Milagre Brasileiro do final Lopes – A linha direciona-se às empresas que pretendem dos anos 1960 e início da década de 1970. Mesmo que se argudesenvolver novos produtos, processos ou serviços, ou ainda mente que a maior parte dos recursos que viabilizaram os aperfeiçoar os já existentes. Também está disponível para investimentos daquele período proveio do sistema financeiempresas que pretendem investir em inovação organizacioro internacional, grande parcela desses recursos entrou no nal. O objetivo é sempre o de ampliar a competitividade das Brasil via bancos, através dos mecanismos da Resolução 63. empresas baianas. Como se trata de uma linha amparada no Com as crises dos anos 1980 – crise de solvência do país, criprograma Inovacred da Finep, que utiliza como fonte de se do setor público, estagnação econômica etc. – o conjunto recursos o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e dessas instituições também entrou em crise, e a sua relevânTecnológico, os custos da linha são atrativos e o prazo de até cia foi bastante questionada. Na retomada gradual da econooito anos, com até dois de carência, também se apresenta sufimia brasileira nos anos 1990, principalmente pós-Plano cientemente confortável para as empresas e adequado para o Real, não foi designado um papel importante para essas institipo de investimento que está sendo realizado. A Finep nos tuições. Ao contrário, com o Proes (Programa de Redução disponibilizou R$ 80 milhões para essas operações e nossa do Setor Público Estadual na Atividade Bancária) muitas insintenção é fazer uma captação proativa de negócios. Estamos tituições desapareceram e as que sobreviveram perderam certos que assim contribuímos com as empresas baianas e, muito espaço. A expectativa era de que o mercado de capitais por conseguinte, com o conjunto da economia baiana, que se pudesse dar conta sozinho das necessidades de recursos para apresentará mais competitiva para o mercado. os investimentos das empresas. As agências de fomento foram constituídas nesse contexto e, assim, o campo de atuaRumos – Quais os números da instituição hoje? Funcioção delas ficou bastante restrito. Elas não foram concebidas nários, patrimônio líquido, projetos financiados, recurpara dar certo. Aos poucos, no entanto, elas foram mostransos financiados, municípios atendidos? do-se peças valiosas para o desenvolvimento das economias Lopes – A carteira de crédito gerida pela Desenbahia, que locais e o campo de atuação das agências só vem aumentaninclui recursos próprios, de repasses e de fundo estadual, do. Ao congregar as agências de fomento, os bancos de alcançou a marca histórica de R$ 1,5 bilhão no fim do primeidesenvolvimento regio-nais e federal e outras instituições ro semestre de 2014. Essa carteira corresponde a operações financeiras e não financeiras voltadas para o fomento da ecode financiamento de mais de 33.500 projetos, localizados em nomia brasileira, a ABDE assume o status de uma entidade 334 municípios baianos, o que representa um índice de não-governamental cujas ações têm o poder de impactar o cobertura de 80% do território do estado baiano. Esse resulmodelo de desenvolvimento e financiamento do investitado é reflexo da estratégia de expansão da agência e da adomento de todo o país. É a entidade que pensa e atua em nome ção de políticas voltadas para a interiorização e a desconcene para o Sistema Nacional de Fomento, articulando-se com tração do crédito, que já mencionei antes. as autoridades monetárias, com a administração pública fedeSomente no primeiro semestre de 2014, a Desenbahia ral e outros órgãos e entidades pertinentes. Se fizermos uma liberou cerca de R$ 230 milhões em operações de crédito avaliação da associação nos últimos dez anos, temos que para projetos localizados em 187 municípios baianos. O reconhecer que a ABDE tem se revelado uma associação prosetor com maior volume de desembolsos é o de comércio e ativa, fortemente engajada nas ações que têm resultado no serviços, com cerca de R$ 110 milhões, seguido pela indúsaprimoramento dos instrumentos e instituições relacionatria, próximo a R$ 70 milhões, agropecuária, com R$ 40 dos ao fomento do Brasil. milhões, e prefeituras, R$ 6,6 milhões. RUMOS – 7 – Julho/Agosto 2014