I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL X ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 18-21 julho 2004, São Paulo. ISBN 85-89478-08-4. CONFORTO TÉRMICO EM EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DE BRASÍLIA Darja K. Braga (1); Cláudia N. D. Amorim (2) Programa de Pós Graduação, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília (1) [email protected], (2) [email protected] RESUMO O trabalho pretende avaliar o conforto térmico em edifícios residenciais do Plano Piloto de Brasília. Muitos deles possuem fachadas envidraçadas sem proteção solar e orientadas indiscriminadamente. Para os climas tropicais, porém, este tipo de construção não é adequado. O clima de Brasília é denominado tropical de altitude, com duas estações bem definidas: quente úmida no verão e seca no inverno. Nos dias claros a radiação solar direta penetra em grande quantidade nos apartamentos, ocasionando altas temperaturas internas que ultrapassam os limites do conforto humano. Tentando resolver o problema, os moradores manipulam, cada um a seu critério, toldos, películas de proteção solar ou sistemas de ar condicionado resultando em fachadas esteticamente comprometidas. O problema estético das fachadas torna-se mais relevante considerando os títulos de “Patrimônio Nacional” e de “Patrimônio Cultural da Humanidade” que o Plano Piloto de Brasília ostenta devido à qualidade de seu urbanismo e sua arquitetura. A proposta do trabalho é compreender a problemática e, através das medições in loco e simulações computacionais, buscar soluções para a proteção solar levando em conta o conforto ambiental e a preservação da estética da arquitetura residencial em Brasília. Palavras chave: conforto térmico, arquitetura residencial moderna. 1. INTRODUÇÃO A pouca preocupação com a adequação climática de uma parte dos edifícios residenciais em Brasília origina três tipos de problemas: o desconforto térmico dos usuários, o problema estético das fachadas e o consumo de energia pelos aparelhos de ar condicionado, que poderia ser evitado. O conforto térmico é fundamental para a saúde e bem estar do homem. As temperaturas fora do limite de conforto ocasionam fadiga térmica, o que provoca mal estar e queda de rendimento no trabalho. Temperaturas extremas podem ocasionar perda total de capacidade para realização de trabalho, problemas de saúde e até morte (LAMBERTS et all, 1997; FROTA e SCHIFFER, 2001). A estética das fachadas é um problema importante levando-se em conta os títulos de “Patrimônio Nacional” e “Patrimônio Cultural da Humanidade” que o Plano Piloto ostenta devido à qualidade de seu urbanismo e sua arquitetura. Brasília é considerada Patrimônio Nacional devido a seus antecedentes históricos, qualidade de seu urbanismo e arquitetura e a quantidade de recursos humanos e materiais envolvidos na sua construção (BRASÍLIA Patrimônio Cultural, 2001). No nível nacional a cidade conta com a proteção do Governo do Distrito Federal1 e do Governo Federal2. A proteção, viabilizada pela 1 Decreto n° 10.829 de 14 de outubro de 1987 que regulamenta o art. 38 da Lei 3.751/60. Este decreto foi baseado no documento Brasília Revisitada elaborado por Lúcio Costa nos anos 1985-87. Documento trata das questões de complementação, preservação, adensamento e expansão urbana. 2 Portaria n° 314 de 8 de outubro de 1992, de Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural. É uma cópia do Decreto n° 10.829. legislação específica, tem por objetivo conservar e manter as características essenciais do conjunto urbanístico, arquitetônico e paisagístico. Além da proteção Distrital e Federal, Brasília também é protegida pelo UNESCO desde 7 de dezembro de 1987. A cidade foi reconhecida como “Patrimônio Cultural da Humanidade”, por ser a única capital do mundo totalmente projetada e construída dentro dos ideais modernistas3. O consumo de energia também é um problema ocasionado pelas construções não adequadas aos climas locais. Nos edifícios comerciais brasileiros, por exemplo, o consumo de sistemas de ar condicionado apresenta aproximadamente 50% do total da energia consumida pelo edifício (LAMBERTS et all, 1997, p. 22). Nas residências a quantidade de sistemas de ar condicionado ainda é relativamente baixa. Segundo LAMBERTS, 6% das moradias brasileiras possuem este aparelho, o que representa 7% do consumo residencial de energia elétrica. Mas “..., com o desenvolvimento social crescente e a pouca qualidade das construções atuais, a aquisição desse aparelho será cada vez mais significativa, podendo se tornar um problema em breve” (LAMBERTS et all, 1997, p. 21). 2. CONFORTO TÉRMICO A ASHRAE4 (apud. AMORIM, 1998) define conforto térmico como “... um estado de espírito que reflete a satisfação com o ambiente térmico que envolve a pessoa”. O conceito de FROTA e SCHIFFER (2001, p.20) leva em consideração mecanismos termorreguladores e a atividade humana. Assim, o conforto térmico é definido como a sensação do organismo quando perde para o ambiente o calor produzido pelo metabolismo, sem recorrer a nenhum mecanismo termorregulador. O metabolismo é o processo onde o organismo transforma as calorias adquiridas pelos alimentos em energia, usando o oxigênio extraído do ar pela respiração. Desta energia, aproximadamente 80% se transforma em calor e 20% em potencial de trabalho (ARAÚJO, 1999, p. 18). A energia transformada em calor necessita ser dissipada para que o organismo mantenha a temperatura interna constante, isto é em torno de 37°. Fanger (apud. LAMBERS et all, 1997, p. 43) criou um índice de conforto térmico muito sintético que leva em consideração as variáveis ambientais e também atividade física e vestimenta da pessoa. No seu trabalho, Fanger avaliou os indivíduos de diferentes nacionalidades, idades e sexos, obtendo o voto médio predito (PMV – predicted mean vote) para as determinadas condições ambientais. PMV consiste em valor numérico que expressa a sensibilidade humana ao calor e ao frio. Para o conforto térmico o valor é zero, para o frio é negativo e para o calor positivo. Os limites de temperatura sugeridos pela ASHRAE (apud. AMORIM, 1998, p.32), em condições de ar parado, são de 18-25°C no inverno e 20-27°C no verão; temperaturas maiores são toleráveis (até 30°) com baixos valores da umidade (até 15 g/kg). Para os países em desenvolvimento sugere-se uma elevação de 2°C no limite máximo da temperatura e de 2 g/kg no valor máximo da umidade. Com o aumento da velocidade do ar para até 2m/s, a temperatura máxima aceitável pode chegar a 32°C e o conteúdo de vapor d’água a 19 g/kg (90% de umidade), desde que estes valores não ocorram simultaneamente (AMORIM, 1998, p.32). Resumindo os dados acima podemos concluir que a ASHRAE sugere para o clima de Brasília os limites de conforto térmico de 18–27°C no inverno e 20-29°C no verão, para o ar parado. 3. CLIMA DE BRASÍLIA O clima de Brasília é classificado como tropical de altitude e caracterizado por dois períodos distintos ou duas estações do ano bem definidas: 3 Concretizando os princípios firmados em 1934 na Carta de Atenas, documento final do I. Congresso Internacional da Arquitetura Moderna. 4 ASHRAE – American Society of Heating, Refrigerating and Air Conditioning Engineers Período quente-úmido – verão chuvoso de outubro a abril. A partir da primavera, uma massa de ar quente atua sobre o Centro-Oeste. Proveniente da Amazônia traz umidade para o DF cobrindo a cidade de nuvens, resultando em fortes pancadas de chuva. O ápice da ação dessa massa ocorre nos meses de dezembro e janeiro. Período quente-seco – inverno seco de maio a setembro. Massa quente e seca de ar tropical que vem da extensão paraguaia do Pantanal invade o Centro-Oeste, impedindo a chegada de frentes frias da Argentina e do Uruguai. Devido ao insuficiente vapor de água na atmosfera, provoca baixa nebulosidade, o céu fica sem nuvens e a estiagem se instala. A forte incidência de radiação solar ofusca as estações intermediárias, assim, a primavera e o outono mal são notados na região. Devido à localização na área central do país e à sua altitude, as amplitudes diárias de temperatura são consideráveis, especialmente no período seco – 14ºC. Na estação chuvosa as amplitudes diárias de temperatura são aproximadamente 10ºC. A insolação alcança 2.600 horas anuais, sendo a média no verão de 160 horas mensais e no período seco de 290 horas mensais. A radiação solar apresenta valores elevados durante quase o ano todo. A radiação difusa é intensa no verão e menos intensa no inverno. A radiação direta é acentuada no inverno, sendo mais forte que a radiação direta em igual latitude, ao nível do mar. O regime pluviométrico apresenta precipitação anual de 1.750mm e chuvas concentradas entre novembro e março, sendo dezembro o mês mais chuvoso, com uma precipitação de mais de 350 mm. O menor índice é no mês de junho. Umidade média anual no DF é 67%. De abril a setembro a umidade relativa do ar sofre uma diminuição considerável, alcançando níveis inferiores a 25%. Vale ressaltar que a série histórica do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), mostra a queda dos índices de umidade relativa do ar no DF, principalmente nos últimos 12 anos. Os ventos moderados e constantes sopram de leste (freqüência média anual), com velocidade de pouco mais de 2 m/seg. A tabela de estratégias bioclimáticas para as edificações (Tab. 1)5, fornece vários dados valiosos sobre o conforto climático de Brasília. Em 1987, ano de referencia para o período de 1982 a 1997 (MACIEL, 2002, p. 81), as condições climáticas estavam dentro dos limites de zona de conforto em 41,2% das horas do ano. Neste mesmo ano, em 22,2% das horas, as temperaturas estavam acima e em 36,6% das horas Tabela 1: Estratégias bioclimáticas para edificações Fonte: MACIEL (2002, p. 89) 5 Baseada na carta bioclimática de Brasília desenvolvida por MACIEL (2002, p. 88) abaixo da zona de conforto. Estes dados classificam Brasília como a cidade climaticamente mais confortável entre as 14 maiores cidades brasileiras (GOULART et all, 1997). As principais estratégias bioclimáticas indicadas para as horas de calor são: ventilação (21,2%), resfriamento evaporativo (8,38%) e inércia térmica (8,29%). Uso de ar condicionado mostra-se necessário em somente 0,08% das horas por ano (correspondente a 7 h/ano). Comparando os dados dos anos 19626 e 1987 nota-se o aumento de desconforto por calor em quase 5%. Este fato é atribuído por MACIEL (2002, p. 86) principalmente ao crescimento demográfico e urbano no Distrito Federal. 4. A ORIENTAÇÃO E A INSOLAÇÃO DOS EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO Os edifícios residenciais nas quadras 100, 200 e 300 do Plano Piloto são muito parecidos em termos de forma, tamanho e critérios da implantação. A grande maioria possui forma delgada com proporção de comprimento e largura de 6:1 e com uma altura de seis andares acima dos pilotis. Aproximadamente 98% dos edifícios residenciais do Plano Piloto são implantados ou paralelamente ou perpendicularmente aos Eixos Rodoviários. Embora os eixos estejam levemente curvos pode ser determinada a direção aproximada. O azimute de Eixo Rodoviário Norte é de aproximadamente 343° e do Eixo Rodoviário Sul 231°. Isso significa que, de maneira geral, na Asa Norte a maioria dos edifícios possui orientação norte-sul ou leste-oeste, enquanto na Asa Sul as orientações predominantes são nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste. (Fig.1). Figura 1: Foto aérea do Plano Piloto com orientações dos edifícios das Asas Norte e Sul A figura 2 mostra as projeções dos edifícios residenciais da Asa Norte sobrepostas a carta solar de Brasília. As fachadas principais do edifício denominado de A, que é perpendicular a Eixo Rodoviário Norte, recebem no verão luz solar direta somente na parte de manhã. No inverno a fachada norte recebe insolação durante o dia inteiro. O edifício denominado de B, paralelo ao Eixo Rodoviário, recebe insolação intensa de manhã e da tarde durante o ano todo. Do ponto de vista de conforto ambiental, a orientação do edifício A é melhor que a do edifício B, porque as fachadas principais do edifício A recebem menor carga térmica que os do edifício B. 6 Ano de referência para o período de 1961-1970 (GOULART et all., 1997) Na Asa Sul, nenhuma das orientações é recomendável. A diferença entre o edifício C e D é que o primeiro recebe maior insolação na parte de manhã e o segundo na parte da tarde (Fig. 3). Figura 2: As principais orientações dos edifícios residenciais da Asa Norte sobrepostas à carta solar Figura 3: As principais orientações dos edifícios residenciais da Asa Sul sobrepostos a carta solar Comparando as quatro orientações representativas podemos concluir que todos os edifícios precisam de algum tipo de proteção solar nas duas fachadas principais. Mesmo a fachada sul do edifício denominado aqui como A, que durante o ano todo recebe menor carga térmica das oito fachadas principais analisadas, necessita da proteção solar porque recebe maior parte da insolação justamente na época mais quente do ano. CORBELLA e CASTANHEIRA (2001) argumentam sobre a necessidade de proteção solar da fachada sul nas latitudes entre 10° e 35° sul. Através das simulações com o programa “Radiação” demonstrou-se que no verão as fachadas com orientação sul, podem receber maior incidência dos raios solares que as fachadas norte. Usando valores de radiação solar diária média mensal em plano horizontal para as latitudes de 10°, 20°, 23°, 30° e 35°, obtiveram radiação incidente nas fachadas norte, sul, leste e oeste para todos os meses do ano (CORBELLA e CASTANHEIRA, 2001, p. 03). Considerando a latitude de Brasília de 15° pode ser feita uma média dos resultados para as latitudes de 10° e de 20° obtidos por Corbella e Castanheira. Assim, os valores para a radiação solar total incidente nas fachadas em Brasília no período de dezembro a fevereiro seriam: fachada Norte 151 kWh/m2, fachada Sul 208 kWh/m2 e fachadas Leste e Oeste 256 kWh/m2. O resultado mostra que no verão a radiação solar incidente na fachada sul é aproximadamente 35% maior que a radiação solar incidente na fachada norte. 4.1 As Intervenções realizadas As principais diferenças entre os edifícios residenciais, relevantes para este estudo, ocorrem nas fachadas. A maioria dos edifícios antigos (construídos nas décadas de 1960 e 1970) apresenta janelas corridas, uso de cobogós na área de serviço e não possui varandas. Só uma parte apresenta uso de brises. Os materiais mais usados são: concreto para estrutura, alvenaria de tijolo para vedação, ferro para esquadrias e vidro comum simples nas aberturas. Os edifícios mais recentes são mais diversificados. Freqüentemente usam cerâmica para revestimento das fachadas e vidros fumê e refletivos nas aberturas. Os dispositivos de proteção solar são raros. Muitos têm varandas, que funcionam como dispositivo de proteção solar quando não fechadas com vidro – o que ocorre com lamentável freqüência (Fig. 4). SQN 212 SQN 110, Bl. I SQN 209, Bl. E Figura 4: Edifícios novos cujas varandas são fechadas com vidros com grande freqüência Os problemas de conforto térmico são evidentes principalmente em edifícios mais antigos. A presença de toldos, películas e caixas de ar condicionado mostra que os moradores sofrem com altas temperaturas nos apartamentos (Fig. 5). Por causa de grande impacto visual dos toldos a colocação dos mesmos foi proibida em parte dos edifícios, por meio das assembléias dos condôminos. SQS 203, Bl. H SQS 215, B. D SQN 209, Bl. K Figura 5: Presença de toldos, películas e caixas de ar condicionado em edifícios mais antigos No ano 2003 IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) realizou pesquisa sobre as superquadras 100, 200, 300 e 400 do Plano Piloto. Um dos aspectos avaliados eram os toldos nas fachadas dos edifícios residenciais. Segundo a pesquisa, de um total de 1.383 edifícios residenciais nas respectivas quadras 388 possuem toldos, o que representa 28%. A situação é pior na Asa Norte - 36% dos edifícios residenciais apresentam toldos, contra 22% da Asa Sul. 5. ESTUDO DE CASO Para a realização do estudo de caso escolheu-se a tipologia de edifícios implantados nas Superquadras 107, 108 e 307 Norte (Fig.6). Os critérios da escolha da tipologia foram: a representatividade da mesma e a evidência de problemas de conforto ambiental. Trata-se de 33 edifícios construídos nas décadas de 60 e 70, caracterizados pela fachada livre, janelas corridas, caixa de escada externa e uso de cobogós na parte da área de serviço. No levantamento feito no local constatou-se que todos os edifícios possuem películas e 75% deles possuem toldos. Figura 6: A fachada frontal e a fachada posterior da tipologia escolhida Todos os apartamentos são de três dormitórios, sendo um suíte. A sala de estar e dois quartos estão voltados para a fachada principal. A suíte e a cozinha com área de serviço dão para a fachada posterior. Para a análise detalhada foi escolhido apartamento 208 do Bloco B da SQN 108. A figura 7 mostra a implantação e a orientação do bloco B dentro da Superquadra. A fachada principal é voltada para leste com azimute de 70° (Fig. 8). Figura 7: A implantação do bloco B na SQN 108 Figura 8: Desenho da planta do apartamento tipo Fonte: desenho adaptado da arq. Liza Maria S. de Andrade a No apartamento está morando um casal de 3 idade. A sala e os dormitórios possuem persianas internas de alumínio que sempre ficam abaixadas. Na parte de manhã, quando a fachada principal recebe muita insolação direta, a dona da casa costuma fechar as persianas dos cômodos voltados para esta fachada, justamente para barrar a entrada dos raios solares. A conseqüência é a diminuição considerável da iluminação natural, obrigando os moradores de acender as luzes para determinadas tarefas. À tarde, quando o sol incide na fachada posterior as persianas da frente estão ajustadas na posição aberta para permitir a entrada da luz difusa. Na suíte, cujas janelas dão para fachada posterior o ritual é invertido. Foram realizadas as medições da temperatura e da umidade relativa na sala de estar e na suíte durante quatro dias em setembro de 2003 (próximos a equinócio) e durante quatro dias em dezembro de 2003 (próximos a solstício). Nas fotos da figura 9 estão marcadas janelas dos respectivos cômodos. Figura 9: A posição das janelas da sala de estar e da suíte do apto. 208, Bl. B, SQN 108 5.1 Medições in loco O objetivo das medições nos cômodos é confirmar a existência de problemas de conforto térmico. Foram utilizados os aparelhos Gemmini Data Loggers, colocados sempre no mesmo lugar na sala e na suíte, protegidos da radiação solar direta. Mediu-se a temperatura e a umidade relativa de 15 em 15 minutos durante quatro dias em setembro (dias 26, 27,28 e 29) e quatro dias em dezembro (dias 24, 25, 26 e 27). Os resultados são representados em gráficos junto com as temperaturas externas obtidas no Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)7. No gráfico 1 observamos as temperaturas nos dias 26, 27, 28 e 29 de setembro de 2003. Mesmo com o uso das persianas e da ventilação natural as temperaturas internas ultrapassaram os limites de conforto nos dias 26 e 27 de setembro. Observa-se que a situação é pior na sala. Esta recebe maior carga térmica devido à exposição dos raios solares durante todo o período de manhã. A suíte recebe carga térmica menor devido à proximidade dos blocos A e C (Fig. 8) que provocam sombra na fachada posterior do bloco B a partir de certo horário8. O Gráfico 2 mostra as medições realizadas nos dias 24, 25, 26 e 27 de dezembro de 2003. Era período de feriados e os donos viajaram, deixando todas as persianas abaixadas na posição fechada e com as janelas fechadas. Isso explica a uniformidade das temperaturas internas, que se mantiveram dentro dos limites de conforto. As medições indicam que os problemas de conforto evidenciados através das observações realmente existem. Partiu-se então para as simulações computacionais, objetivando encontrar algumas soluções que pudessem ser adotadas como padrão para edifícios com tipologias similares. 7 As medições no INMET são realizadas todo dia de hora em hora entre as 7h e 23h, faltando, portanto os dados entre meia noite e 6h de manhã. 8 Simulações com o programa Luz do Sol mostraram que a os dois blocos diminuem 1 hora em setembro e 2 horas em dezembro período da insolação nas janelas da suíte. Temperatura TEMPERATURAS DE BULBO SECO 26 a 29 de setembro de 2003 35 30 25 20 15 SALA SUÍTE EXTERNA 20:00 16:00 12:00 8:00 4:00 20:00 29/09 2003- 16:00 12:00 8:00 4:00 28/09 2003- 20:00 16:00 12:00 8:00 4:00 27/09 2003- 20:00 16:00 12:00 8:00 4:00 26/09 2003- 10 Data/Hora Gráfico 1: Gráfico comparativo de temperaturas externas e internas para o mês de setembro Temperatura TEMPERATURAS DE BULBO SECO 24 a 27 de Dezembro de 2003 35 30 25 20 20:00 16:00 12:00 8:00 4:00 27/12 2003- 20:00 16:00 12:00 8:00 4:00 26/12 2003- 20:00 16:00 EXTERNA 12:00 8:00 25/12 2003- SUÍTE 20:00 16:00 12:00 8:00 4:00 24/12 2003- 10 SALA 4:00 15 Data/Hora Gráfico 2: Gráfico comparativo de temperaturas externas e internas para o mês de dezembro 5.2 Simulações Foram realizadas simulações com os programas Luz do Sol e Arquitrop9. O primeiro foi usado para simular a entrada da luz solar direta e o segundo para simular o comportamento de temperaturas e as cargas térmicas nos cômodos em análise. 9 Os dois desenvolvidos por Maurício Roriz da Universidade Federal de São Carlos As simulações com o programa Luz do Sol mostram que nos equinócios (21 de março e 22 de setembro) a luz solar direta penetra na sala de estar das 7h até às 12h. No solstício de dezembro a mancha solar entra das 6h às 11h. (Fig. 11) Figura 11: A simulação da insolação na sala de estar no equinócio e no solstício de dezembro A partir da figura 12 observa-se a insolação na suíte nos equinócios e no solstício de dezembro. Nos equinócios a luz solar direta penetra no ambiente entre as 13h e às 17h. Em dezembro o intervalo da insolação aumenta duas horas, de meio dia até às 18h.10 Figura 12: A simulação da insolação na suíte no equinócio e no solstício de dezembro Com o programa Arquitrop realizaram-se as simulações de temperatura e de fluxos térmicos nos dois cômodos. Primeiro simulou-se a situação sem nenhuma proteção solar (situação original), para os dias 22 de setembro e 21 de dezembro. Em seguida aplicou-se a proteção: primeiro vidro refletivo de média reflexão e depois vidro refletivo de alta proteção.11 A Figura 13 mostra os resultados das simulações para a sala sem proteção solar no dia 22 de setembro. Nesta data as temperaturas internas ultrapassam os limites de conforto (29°C) entre 10h e 14:30h, chegando até 35°C ao meio dia. O gráfico de fluxos térmicos (Fig. 13) mostra que a carga térmica proveniente do vidro é a principal responsável pelas altas temperaturas no ambiente, chegando a 3.900 W/hora. Em todas as simulações para a sala considerou-se uma abertura para ventilação de 1,3m2 durante 10 O programa Arquitrop não permite fazer simulações que consideram os obstáculos externos. Portanto, optou-se por apresentar as simulações da insolação que não levam em consideração a proximidade de edifícios A e C. 11 Foram usados os materiais e os componentes já inseridos no banco de dados do programa Arquitrop. dia todo, menos entre 7h e 10h da manhã12. Esta ventilação ajuda a diminuir a carga térmica total no horário crítico. Figura 13: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na sala sem proteção solar – dia 22/09 No dia 21 de dezembro, a situação melhora um pouco. A temperatura interna ultrapassa os limites de conforto entre as 9h e 14h chegando com 31°C ao extremo. A carga térmica proveniente do vidro alcança o máximo entre 10h e 11h com 3.200W/hora. (Fig. 14) Figura 14: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na sala sem proteção solar - dia 21/12 Casos com proteção solar serão analisados somente para o dia 22 de setembro, que é o período mais crítico. Figura 15 mostra os resultados das simulações para a sala com vidro de média reflexão. A temperatura interna supera os limites de conforto entre 10:30 e 14:30 alcançando 32°C ao meio dia. Carga térmica horária oriunda de vidro alcança 2.300W/h, uma redução de 41% comparando com a mesma situação sem proteção solar. Com a aplicação de vidro de alta reflexão a temperatura excede os limites de conforto entre 11:30 e 13:30, atingindo no máximo 29.5°C. Carga térmica máxima vinda de vidro atinge 1.500W/h, 61% a menos que com vidro comum. (Fig. 16) 12 Conforme o padrão estabelecido pela moradora do apartamento em análise. Figura 15: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na sala com vidro de média reflexão - dia 22/09 Figura 16: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na sala com vidro de alta reflexão - dia 22/09 Em todas as simulações para a suíte considerou-se uma abertura para ventilação de 1m2 durante dia todo, menos entre as 14h e 18h13. A figura 17 mostra os resultados das simulações para a suíte sem proteção solar no dia 22 de setembro. As temperaturas internas ultrapassam os limites de conforto entre 13h e 20:30h, extrapolando 37°C às 17h. A carga térmica proveniente do vidro alcança 2.200W/hora entre as 18h e 19h. Figura 17: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na suíte sem proteção solar – dia 22/09 No dia 21 de dezembro a temperatura interna ultrapassa os limites de conforto entre as15h e 21h chegando a quase 40°C às 17h. A carga térmica proveniente do vidro alcança o máximo entre 18h e 19h com 2.500W/hora. (Fig. 18) 13 Conforme o padrão estabelecido pela moradora do apartamento em análise. Os gráficos das figuras 17 e 18 demonstraram que no caso da suíte o conforto térmico é pior no período de dezembro. Por este motivo as simulações com a proteção solar foram realizadas para 21 de dezembro e não para 22 de setembro como no caso da sala de estar. Figura 18: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na suíte sem proteção solar – dia 21/12 Com a aplicação de vidro de média reflexão a temperatura interna supera os limites de conforto entre 15:30 e 20h alcançando 34°C às 17h. Carga térmica horária oriunda de vidro chega a 1.700W/h, uma redução de 32% comparando com a mesma situação sem proteção solar. (Fig. 19) Figura 19: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na suíte com vidro de média reflexão - dia 21/12 Aplicando vidro de alta reflexão a temperatura chega ao limite de conforto às 17h, ultrapassando o por um tempo mínimo. Carga térmica máxima vinda de vidro atinge 900W/h, 64% a menos que com vidro comum. (Fig. 20) Figura 20: Simulação de temperaturas e cargas térmicas na suíte com vidro de alta reflexão - dia 21/12 O programa Arquitrop infelizmente não permite simulações com a película refletiva. De acordo com algumas pesquisas as películas refletivas apresentam reflexão maior que os vidros refletivos. A diferença é significante principalmente para a reflexão dos raios infravermelhos próximos, principais responsáveis pelo aquecimento de ambientes. Segundo GILIO et all (2001, p.03) os fatores da reflexão dos raios infravermelhos próximos são: para vidro incolor (de 3mm) em média 20%, para vidros refletivos aproximadamente 30% e para as películas cerca de 60%. 6. CONCLUSÕES As simulações mostraram porque a tipologia em análise apresenta fachadas repletas de toldos, películas e caixas de ar condicionado. Nas épocas mais quentes as temperaturas internas em muito ultrapassam os limites de conforto térmico. A grande área envidraçada14 sem nenhuma proteção solar, é a principal responsável pelas altas cargas térmicas no interior dos edifícios. As proteções solares que poderiam ser aplicadas são: brises, persianas (externas ou entre vidros), vidros refletivos, películas, entre outros. Tratando-se de uma intervenção em edifícios já existentes as soluções que intervêm menos na fachada e os que são mais fáceis de se aplicar mostram-se mais viáveis. É o caso de películas e vidros refletivos. Segundo as simulações realizadas pelo programa Arquitrop o vidro refletivo de média reflexão não é suficiente para manter as temperaturas internas dentro dos limites de conforto, embora amenize a situação. A aplicação de vidro de alta reflexão já resolveria o problema. 15 Este trabalho é resultado de pesquisa para dissertação de mestrado em andamento. Posteriormente, utilizando o programa ECOTECT, serão investigadas as soluções compatíveis e com mínima interferência na arquitetura dos edifícios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, Cláudia Naves David (1998). Desempenho Térmico de Edificações e Simulação Computacional no Contexto da Arquitetura Bioclimática: Estudo de Caso na Região de Brasília. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB, Brasília ARAÚJO, Eliete Pinho de (1999). Análise Pós-Ocupação de um Edifício Comercial em Brasília, Aspectos de Conforto Térmico. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB, Brasília Brasília Patrimônio Cultural (2001). Folheto informativo, Brasília, IPHAN, Ministério da Cultura e Governo Federal CORBELA, O. D.; CASTANHEIRA, R. G. (2001). Sobre a Necessidade de Proteção Solar Incidente nas Fachadas Sul, para Edifícios Situados entre as Latitudes 10° e 35°. In: VI Encontro Nacional e III Encontro Latino-Americano sobre Conforto no Ambiente Construído, 11 a 14 de novembro de 2001, São Pedro, SP. ENCAC (Promoção ANTAC) FROTA, Anésia Barros; SCHIFFER, Sueli Ramos (2001). Manual de Conforto Térmico. 5a edição, Studio Nobel, São Paulo GILIO, R. C.; PERÉN, J. I.; CARAM, R. M. (2001). Reflexão da Radiação Solar em Vidros e Películas Refletivas. In: VI Encontro Nacional e III Encontro Latino-Americano sobre Conforto no Ambiente Construído, 11 a 14 de novembro de 2001, São Pedro, SP. ENCAC (Promoção ANTAC). GOULART, S., LAMBERTS, R. e FIRMINO, S, (1997). Dados climáticos para projeto e avaliação energética de edificações para 14 cidades Brasileiras, PW ed., São Paulo. 14 Sala possui área envidraçada de 8.4m2 e a suíte de 5.4m2 Os fatores de calor solar utilizados pelo programa Arquitrop são: vidro simples (3mm) 0.76, vidro refletivo de média reflexão 0.51 e vidro de alta reflexão 0.26. 15 LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. (1997). Eficiência Energética na Arquitetura. UFSC/Procel/ Eletrobrás, PW Editores MACIEL, Alexandra A. (2002). Projeto Bioclimático em Brasília: Estudo de Caso em Edifício de Escritórios. Florianópolis, Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Sra. Maria Evania do apartamento 208, Bl. B, SQN 108 por permitir executar as medições e fornecer os dados necessários para as simulações; Agradecemos também à Sra. Cristina Costa do INMET por ceder os dados meteorológicos, imprescindíveis para o estudo. Este trabalho conta com bolsa do convênio FUB/Eletrobrás, do programa Eficiência Energética em Edificações – PROCEL EDIFICA.