FOMENTO E FINANCIAMENTO À CULTURA: QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS? São Paulo, 18 de julho de 2003 Fomento e Financiamento à Cultura: quais os principais desafios? São Paulo, 18 de julho de 2003. Atendendo a convocação nacional do Ministério da Cultura para contribuir com idéias e sugestões que fortaleçam as suas orientações estratégicas 2002-2006, o Grupo Takano através de sua diretoria Takano Cidadania, realizou 02 encontros com personalidades e entidades representativas da sociedade, com ou sem vínculo direto com a área cultural, com a finalidade de sistematizar algumas propostas que contribuam com a agenda de trabalho do MINC. Os encontros foram realizados nas cidades de São Paulo (10 de julho 2003) e Rio de Janeiro (14 de julho 2003) com o tema geral: Fomento e Financiamento à Cultura: quais os principais desafios? No centro das discussões, além dos principais destaques do desenho político que podem conduzir a cultura à centralidade do debate sobre o desenvolvimento do Brasil, surgiu também algumas alternativas de ampliação das fontes e dos instrumentos de financiamento que não só ampliem os recursos disponíveis para a área, mas que produzam resultados que incluam a população brasileira como a principal beneficiária dos bens e serviços culturais disponibilizados pelo poder público diretamente ou através de mecanismos de estímulo e incentivo. Os resultados aqui apresentados nem de longe pretendem esgotar a complexidade de uma agenda de política pública que tem um enorme desafio democrático: propor, desenhar, organizar e operacionalizar a política cultural de um país continental, diverso, desigual e culturalmente concentrador de seus ativos sociais e econômicos. Pretendemos contribuir com sugestões que possam, ao ser trabalhadas, detalhadas e desenvolvidas, apoiar o Ministério da Cultura a engendrar uma política de cultura que recoloque a população no centro de suas ações. Para as 14 pessoas que participaram deste esforço, recolocar o cidadão comum no centro da política federal de cultura implica um processo consciente e sistemático de muitos anos, organizado tanto em sua dimensão conceitual como em suas linhas programáticas e sistema de gestão. Assim que como principal resultante destes encontros, os participantes de forma consensual apontam para a necessidade de se formular e desenvolver um Plano Nacional de Cultura para um horizonte mínimo de 05 anos. 2 Participantes São Paulo, 10 de julho de 2003, sede do Grupo Takano. Aimar Labaki – dramaturgo Israel do Vale – jornalista, editor da revista eletrônica Cultura e Mercado Leonardo Brant – consultor, diretor do Instituto Pensarte Marta Porto – diretora da Takano Cidadania Rio de Janeiro, 14 de julho 2003, sede do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade André Urani – economista, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade Ary Scapin – gerente do Núcleo de Cultura do SEBRAE Beatriz Azeredo – diretora do Centro de Estudos de Políticas Públicas Daniel Gonzalez – diretor regional Brasil da Organização dos Estados Ibero-Americanos Dionino Colaneri – diretor regional do SESC/RJ Joatan Berbel – diretor da BMA Lucélia Santos – membro do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico Luiz Carlos Prestes Filho – pesquisador de economia da cultura PUC/RJ Marta Porto – diretora da Takano Cidadania Monique Gardenberg – produtora, APTRJ Paulo Haus – advogado, especialista em terceiro setor Apoios: Instituto Pensarte e Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade 3 ÍNDICE I. PRINCÍPIOS E DESAFIOS DA POLÍTICA CULTURAL II. EIXOS E OPORTUNIDADES a. UM NOVO MODELO DE POLÍTICA CULTURAL b. ECONOMIA DA CULTURA c. POLÍTICAS SETORIAIS E POLÍTICAS CIDADÃS d. FINANCIAMENTO III. RECOMENDAÇÕES FINAIS 4 I. PRINCÍPIOS E DESAFIOS DA POLÍTICA CULTURAL BRASILEIRA Por que a cultura é necessária? A cultura e o conjunto de políticas postas em prática a partir de suas premissas é a única capaz de responder com integralidade a questões de ordem econômica, social, educativa, regional e democrática, pois ela opera pela lógica da igualdade, da dignidade igual para todos, ela potencializa as singularidades dos indivíduos e das sociedades de encontrarem respostas para o seu presente e os dilemas do futuro. A cultura é o viés libertário que forja “novas maneiras de existir e outras formas de sonhar”. 1 O desafio do Governo Lula de enfrentar as desigualdades históricas de nosso país – raciais, econômicas, regionais, sociais e culturais -, é tarefa de todos e todas e não pode prescindir da cultura, pois ela é a estratégia emancipatória que pode singularizar o nosso processo de desenvolvimento baseado-o na pessoa humana e em suas capacidades criativas. O povo brasileiro, conhecido por sua pujança cultural, deve ver assegurado o seu direito à cultura, desde os primórdios de seu processo de formação, nos bancos das escolas públicas e privadas espalhadas pelo país, nas praças, nos seus bairros de moradia, nos espaços formais dedicados à fruição e produção artística, como museus, bibliotecas, salas de cinema, teatros e centros culturais. É dever do Estado Brasileiro reconhecer e garantir os direitos culturais de todos os brasileiros, assegurando que possam se expressar, atuar, criar e afirmar o seu próprio desenvolvimento, tornando suas singularidades em ativos sociais e econômicos potenciais deste processo. A chave para tornar a cultura um bem em si para todo o conjunto da sociedade brasileira é cidadanizando as suas políticas culturais, compartilhando as responsabilidades de sua gestão entre todos os níveis de governo, o empresariado, a classe artística e a sociedade civil, através do diálogo estruturado com a participação organizada e responsável de amplos setores, e da confluência de interesses diversos que permitam a visibilidade, o reconhecimento e o desenvolvimento plural das culturas brasileiras. Isto se faz de diversas formas, mas principalmente fundamentando a política de cultura para responder aos diferentes de formas diferentes, evitando fórmulas, programas e instrumentos de fomento e financiamento genéricos como os que vêem vigorando no país desde 1985 com a implantação do Ministério da Cultura. Carlos Fuentes in Modos de Ser, Maneras de Soñar, Plan Nacional de Cultura da Colombia 20012010: hacia una ciudadanía democrática cultural 1 5 Quais os principais desafios da política federal de cultura? Em primeiro lugar desenvolvê-la no sentido de situá-la no centro da atuação pública, no centro das reflexões sobre desenvolvimento com justiça social e portanto no centro das decisões políticas do Governo Federal e da sociedade; o Isto se faz de muitas formas, mas essencialmente promovendo e desenvolvendo um Plano Nacional de Cultural, com horizonte mínimo de 05 anos a exemplo de países como México, Chile, Colômbia, que focalize as preocupações e os esforços nacionais em direção a uma sociedade mais justa e com forte atenção aos direitos dos cidadãos. o Promovendo uma ampla discussão nos fóruns representativos da sociedade como Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, o Congresso Nacional, os parlamentos regionais, colaborando no PPA e em qualquer documento político que apresente os esforços nacionais de desenvolvimento; o Lutando por verbas públicas dignas através do mecanismo da vinculação, como utilizado pelas áreas de educação e saúde no país. Fundamentar as políticas de culturas em um sistema articulado entre municípios, estados, federação, destacando o território local como lócus privilegiado da dinâmica cultural e o poder local como primordial para entender e atender os fenômenos e atividades culturais; o o o Implantando o Sistema Nacional de Cultura, através de uma reforma administrativa proposta pelo Ministério da Cultura, que conte com diretrizes claras de atuação, metas de desempenho e indicadores de avaliação, com financiamento trípartide e controle social. Descentralizando as ações do Estado, através de agências/fundos regionais de desenvolvimento cultural, com contribuições dos impostos municipais, estaduais e federais e participação das estatais; Formando gestores de cultura pelo país todo, qualificando a carreira pública de cultura, abrindo concursos onde eles sejam necessários; 6 Universalizar o acesso ao conhecimento cultural, democratizando os meios e ampliando a capilaridade através da ampliação dos serviços prestados à sociedade brasileira; o o o o o Escola – influenciando na grade curricular de ensino, devolvendo o protagonismo cultural aos bancos escolares, com isto formando hábito, gosto etc. Destacando a necessidade do retorno da formação artística e cultural na rede pública educacional do país. Priorizando o livro e a leitura, como instrumentos insubstituíveis, a exemplo do México, em todas as ações voltadas para ensino/educação, desenvolvendo competências e habilidades de leitura absolutamente necessárias para qualificar as condições de vida dos cidadãos no século XXI; Circuitos e intercâmbios culturais organizados localmente através de programas federais de incentivos e da organização do calendário de festivais e mostras nacionais e internacionais Ampliando a presença do Estado em todos as comunidades e territórios, expandindo os espaços públicos de cultura ou fortalecendo os espaços culturais comunitários, provendo-os de experiências e referencias plenas de sentidos. Serviços culturais que podem se dar através de dinâmicas locais através de ongs, de escolas, de associações comunitárias, de bibliotecas, de ruas e praças; Incentivando práticas culturais variadas, nas escolas, nos bairros, nas ruas, através de oficinas, de aulas públicas, de concertos abertos, buscando outras formas de mediação entre o projeto cultural e o cidadão, superando a concepção de mero espectador. Organizar o processo da produção comercial de cultura, dos setores profissionais com apelo mercadológico e industrial; o o o o Estimular e financiar a estrutura profissional para oxigenação do setor, infra-estrutura hoteleira, salas de apresentação, circuitos internacionais, feiras; Adequar o perfil das leis de incentivos aos desafios de criar um sistema de produção cultural orgânico e positivo; Convocar a participação do empresariado através de diagnósticos e metas estabelecidas pelo Estado (Cinema, Teatro Comercial, Artesanato etc), visando o desenvolvimento setorial de longo prazo e não circunstancial; Compreender a cultura como um ativo, capaz de gerar renda, trabalho e desenvolvimento sócio-econômico a partir da potencialização das singularidades da produção cultural de cada território; 7 o Apostar na qualificação profissional de qualidade implantando uma Fundação de Amparo a Qualificação Profissional no Campos das Artes semelhante ao das fundações de amparo à pesquisa no Brasil. Tratar de diagnosticar as questões específicas de cada setor, fomentando-as com mecanismos diferentes e com financiamentos diferenciados. o o Mecanismos centralizados não contribuem neste processo; Desenhando programas de fomento que englobem todos os requisitos para o crescimento continuado de cada setor e não apenas subvenções esporádicas. Necessidades Para encarar estes desafios é necessário uma tipologia de organização pública capaz de compartilhar com outros setores do fazer público, de favorecer a participação da sociedade, de liderar e comunicar processos nos territórios variados, avaliando com rigor, adequadas aos resultados que se pretendem atingir em um marco de 4, 5, 10 anos. É necessário não perder de vista que uma política pública tem o compromisso com a universalização, com a reprodutibilidade de suas iniciativas, ou seja com a extensão dos serviços prestados. Além disso, impõe que evidencie de forma clara e transparente como se dá o acesso e a posse dos recursos públicos diretos ou indiretos que geram benefício para todo o conjunto da sociedade e não só para alguns. Compromisso com o enfrentamento a todas as práticas sociais que geram desigualdade e concentração de renda e de ativos. A cultura é o nosso compromisso. 8 II. EIXOS E OPORTUNIDADES A. NOVO MODELO DE POLÍTICA CULTURAL Todos os participantes concordam que qualquer discussão sobre mecanismos e fontes de financiamento só é possível se estiverem claras as diretrizes políticas e programáticas da política nacional de cultura do Governo Federal. Um novo modelo de política cultural que enfatize a necessidade do Estado chamar para si a responsabilidade de ser o principal motor da política de cultura do país é uma meta clara, que atende a importância da cultura como matriz do desenvolvimento humano e sustentável do país. Assim, a cultura assemelha-se as áreas de educação e saúde, ambas com verbas vinculadas ao Orçamento da União. Resgatar as funções regulatórias, normativas e de planejamento setorial são um dos principais desafios deste novo modelo de política federal para a cultura. Além dos pressupostos apresentados acima, este novo modelo de política cultural deve saber tratar perspectivas diferentes da ação cultural como mecanismos também diferenciados. Faz-se necessário então desenvolver programas voltados ao estímulo e crescimento dos negócios culturais com capacidade de gerar lucros comerciais2, distinguindo estas ações de incentivo daquelas voltadas ao fomento de práticas culturais de pesquisa, experimentalismo, comunitárias ou aquelas apenas com finalidade de formação e democratização do acesso dos bens e serviços culturais ao cidadão comum. Modular estes processos exige a formulação de um Plano Nacional de Cultura, elaborado a partir de consultas pelo país todo, mas não apenas dos setores artísticoculturais, mas ao conjunto dos setores organizados da sociedade brasileira interessados em fazer da cultura o seu principal ativo e fonte de desenvolvimento humano. Daniel Gonzalez da Organização dos Estados Ibero-Americanos lembra o esforço e a vontade política de países como o Mexico (Plano Nacional de Cultura 2001-2006), o Chile (Conselho Nacional de Cultura e Fundo Nacional de Desenvolvimento Cultura 2003 ligados ao Gabinete Presidencial), a Colômbia (Plano Decenal de Cultura 2001-2010) e outros da América Latina que recolocam a cultura no centro das ações de desenvolvimento desses países, remodelando todo o sistema de gestão cultural e as linhas programáticas. 2 Indústrias fonográficas, audiovisual (tv e cine), editorial 9 O Plano Nacional de Cultura, inserido na problemática maior do desenvolvimento com justiça social pleiteado por todo o país, deve se basear no esforço de clarear suas motivações e especificar seus programas e fontes de financiamento, atendendo também ao requisito número um de qualquer política pública que é a capacidade de universalizar o seu atendimento e os serviços prestados à comunidade. Pontos de atenção a este modelo de política cultural foram destacados pelos participantes, e reunidos em tópicos a partir dos temas economia da cultura, políticas setoriais, formas de financiamento e sugestões gerais apresentadas por cada um dos participantes. B. ECONOMIA DA CULTURA 1. Cultura como Negócio 2. Cultura como Ativo 1. Cultura como Negócio É necessário organizar o negócio comercial das artes. Tomando como exemplo o teatro, Aimar Labaki, propõe estimular e financiar a estrutura profissional que garanta a oxigenação do setor, que se dará com o retorno dos circuitos permanentes de artes cênicas, qualificando profissionais em boas escolas de formação artística (um ou dois de referência no país em locais regionalmente descentralizados), ampliando ou reestruturando pequenas e médias salas de espetáculos pelas cidades do interior do país operando em rede com as escolas municipais e estaduais em projetos de formação de platéia. Para Aimar Labaki, as leis de incentivo devem ter perfil adequado as especificidades de cada setor, propondo formas de isenção que de fato beneficiem o conjunto da produção neste campo, fortaleçam os ganhos de bilheteria, reduzam os custos sobrevalorizados praticados hoje no mercado nacional em função do modelo de captação individual de projetos. Labaki lembra que pelo menos 1/3 da subvenção deve vir do Estado, através de ações de estímulo ou de modelos que incentivem o investimento privado nos negócios culturais, da participação de linhas de financiamento dos bancos estatais e do BNDES. Labaki critica o modelo atual onde o produtor tira seus lucros unicamente das planilhas de captação de recursos credenciadas pelo MINC, permanecendo pouquíssimo tempo em cartaz e em geral apenas nos grandes centros urbanos. 10 Já para Leonardo Brant, uma das deficiências do atual modelo é que basea-se no incentivo apenas a produção, perdendo a visão sistêmica necessária ao fortalecimento da dinâmica cultural. Diagnósticos setoriais podem ajudar a identificar como induzir setores com potencial comercial a crescerem com fontes de financiamento apropriados para cada área. Ary Scapin, do Núcleo de Cultura do SEBRAE São Paulo, acredita que tratar a cultura como negócio é formar um tipo de profissional com visão empreendedora, distante do perfil de captadores e agentes de intermediação. Não basta aprovar projetos, mas capacitar o empreendedor para a gestão de seu negócio e isto deve ser feito de forma extensiva por cidades brasileiras que apresentam potencial para isto, como as de porte médio. Para ele incentivar o recurso de risco pode ampliar a sustentabilidade dos negócios culturais, pois o empreendedor passa a ter obrigação de devolver o recurso solicitado. Luiz Carlos Prestes Filho, da PUC-RJ lembra que a televisão aberta brasileira é a única fonte de cultura e entretenimento de boa parte da população brasileira, atingindo 99% dos municípios brasileiros. Sendo assim ele propõe ao resgatar as suas funções normativas, regulatórias e de planejamento o Estado Brasileiro no campo da cultura, desenvolva um processo amplo de incluir conteúdo cultural em todas as redes de televisão com canal aberto no país. Prestes Filho recomenda 04 estratégias para tornar a cultura um negócio rentável: 1. financiamento para ampliar em 2% a infraestrutura cultural do país, passando de 8% para 10% os equipamentos culturais; 2. desenvolver políticas públicas para incentivar o pólo editorial do país, que atualmente só consegue vender para 17 milhões de brasileiros; 3. desenvolver uma política tributária específica para a música, lembrando que 85% do faturamento das grandes gravadoras provêm de conteúdo musical brasileiro; 4. incorporar conteúdo cultural em todas as redes de televisão de canais aberto no país. Para todas estas metas é necessário gerar indicadores econômicos e desenvolver políticas setoriais. 2. Cultura como Ativo A cultura como ativo é aquela originada em todos os pontos desse país marcada por um traço singular do fazer produtivo – artesanato, culinária, festas populares, patrimônio tangível e intangível, memória e história – que podem ser tratados como agentes de desenvolvimento social e econômico. A lógica da cultura como ativo orienta-se pelo 11 crescimento conjunto com geração de bem-estar, principalmente em um país de herança escravocrata, desigual e concentrador, como assinala o economista do IETS André Urani. Para Urani, são muitos os países que provocam o seu desenvolvimento a partir de singularidades da produção de cada um dos seus territórios (França com seus vinhos, Italia com o presunto de parma, a moda e o design etc) e este processos/produtos apresentam um “valor econômico agregado” gerador de bem estar social, na medida que partem dos fazeres comunitários de cada território. Um projeto que trabalha com estas premissas é o Cara Brasileira, coordenado pelo SEBRAE Nacional. O Ministério da Cultura deveria coordenar um amplo diagnóstico apostando neste esforço de recolocar a cultura no centro da dinâmica econômica, superando a lógica histórica de concentração de renda provocada por outros setores produtivos e propondo modelos com núcleos exportadores que partam das pessoas e dos seus modos de fazer. Algumas ações emblemáticas podem ser feitas também no campo das memórias coletivas, ou dos ativos provindos do patrimônio nacional, como incrementar o potencial dos sítios arqueológicos brasileiros, como os da região do Piauí, incentivando a pesquisa, a manutenção e o intercâmbio com outros importantes centros de estudos nesta área, ou os vinculados a memória de personalidades importantes como as de músicos, poetas, políticos. Ao Ministério da Cultura caberia o diagnóstico de potencialidades, o desenho e a coordenação destas políticas, em parceria com o BNDES ou fontes externas de financiamento, a serem implementadas pelos municípios selecionados ou com interesse de se inscreverem em um programa nacional de Cultura como Ativo. C. POLÍTICAS SETORIAIS E POLÍTICAS CIDADÃS O Governo Federal tem o desafio de desenvolver e implementar em conjunto com os outros níveis de governo e da sociedade civil, um cardápio variado de políticas setoriais atendendo as especificidades de cada uma delas, sem generalizações ou motivações semelhantes. Os bons resultados do conjunto da política nacional de cultural virá dos resultados alcançados por cada setor e também pelas políticas cidadãs, voltadas para o cidadão comum, em articulação com os setores educacionais, de promoção e assistência social, de juventude. Um amplo programa de capacitação de gestores culturais deve ser prioridade do novo governo, pois a ausência de quadros qualificados neste campo prejudica a condução e a gestão dos órgãos e programas de governo. 12 Algumas áreas foram destacadas para o desenvolvimento dessas políticas setoriais e cidadãs: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Política Setorial de Livro e Leitura Política Setorial para as Artes Cênicas e Circo Política Setorial para os Meios Audiovisuais Política Setorial para as Artes Plásticas Política Setorial para a Música Clássica e Erudita Política Setorial para a Música Popular Brasileira Patrimônio Tangível, Imaterial e Memórias Coletivas Educação e Formação Artística e Profissional Culturas Populares e Processos Comunitários Investigação, Pesquisa e Diagnósticos Difusão Cultural Cooperação Internacional Cidadania e Direitos Culturais Para cada um desses campos há que se pensar programas, organismos de gestão e fontes diversas de financiamento, detalhando suas linhas de atuação, resultados pretendidos e motivações. Ao MINC caberia o desenho e as metas a serem cumpridas por cada uma dessas macro-áreas e aos poderes locais a sua implementação. A título de exemplo, Aimar Labaki rascunha alguns pontos que podem colaborar no desenho de uma política voltada para o campo das artes cênicas não atrelada a fins comerciais, como a praticada pelo conjunto de grupos e companhias estáveis de teatro e dança espalhadas pelo país. 1. Fundos públicos 2. Programa de profissionalização de gestores e incentivo à pesquisa e a experimentação 3. Intercâmbios e circuitos permanentes, com roteiros previamente definidos, organizando e garantindo a presença regional ou brasileira em calendários de festivais e mostras nacionais e internacionais 4. Preservação da memória e do registro dos acervos dos grupos, fonte importante para a pesquisa de novos grupos e também para a memória cultural do país 5. ampliação da infra-estrutura em cidades de médio e pequeno porte 13 D. FINANCIAMENTO A diversificação das fontes de financiamento depende essencialmente da presença do Estado. Quando mais força o Estado apresenta em seu orçamento público em um campo, mas ativa é a participação de outras fontes de recursos, privadas, mistas e de ajuda internacional. Segundo, Ricardo Paes e Barros do IPEA, tradicionalmente há três formas do setor privado participar dos esforços do poder público no campo social, que engloba a área da cultura: 1. Apoio às atividades do Estado, através de financiamento de programas públicos, garantindo a ampliação dos serviços que devem ser prestados pelo Estado (a educação é um caso típico) e a qualificação de suas funções; 2. Difusão e desenvolvimento de tecnologias culturais, na formação de gestores, em pesquisas e estudos de ponta no setor, na aposta de experiências piloto que podem ser reproduzidas pelo Estado a posterior e em melhores práticas em programas culturais; 3. Produção e Provisão de serviços, como os de infra-estrutura. Em pesquisas recentes como a realizada pelo Instituto Pensarte Cultura e Investimento Privado, o benefício fiscal aparece como quinto colocado nos motivadores para o investimento privado no campo social. Os dados comprovam que onde a presença do Estado é sentida em termos de benefícios públicos e as diretrizes programáticas se apresentam de forma clara, o empresariado comparece. O aumento significativo das verbas privadas no campo social, muito superiores as investidas em cultura, provam esta afirmação. Assim, o primeiro esforço para ampliar as fontes possíveis de financiamento é reforçar o orçamento público estatal para a cultura, de preferência a partir do mecanismo da vinculação compulsória ao orçamento da União, a exemplo da educação e da saúde e elaborar um Plano Estratégico de Política Cultural que corresponda ao esforço maior de desenvolvimento com justiça social no país. Isto não significa atrelar a cultura ao social ou a educação, mas desenvolver a partir do seu campo próprio um projeto político que beneficie a população brasileira como um todo, e não apenas a alguns setores artísticos mais organizados, que insira os processos culturais no campo dos direitos, que colabore na formação de cidadania, através da expressão e do conhecimento. Beatriz Azeredo, professora de economia da UFRJ e diretora do centro de Política Públicas, afirma que faltam pontos de partida consensuados na política nacional de cultura que possibilitem definir formas de financiamento mais eficientes e também os papéis atribuídos a cada um dos atores sociais, privados ou públicos. Ela afirma que no campo social a história de financiamento capaz de gerar avanços reais é a de vinculação compulsória ao Orçamento da União. Um dos exemplos recentes, além de 14 educação e saúde, é o do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT , que condiciona as contribuições do PIS/PASEP para despesas compulsórias, como seguros, e financiamento em investimentos diversos, como qualificação de trabalhadores e pesquisas inovadoras. Azeredo acredita que este é um modelo interessante de ser adotado na área da cultura. O Sistema S também foi apontado como importante fonte para articulação com o financiamento público de cultura, com a vantagem de poder regionalizar os procedimentos e os resultados. Um sistema de financiamento reembolsável pode ser adotado – só o BNDES possui R$ 16 bilhões para investimento – mas isto exige que o MINC identifique nichos possíveis para investimento que não gerem prejuízos ao Banco. Ao identificar estes nichos o MINC opera como avalista dos convênios, definindo toda a especificidade dos programas que podem receber recursos desta natureza. O BNDES também pode aparecer como cotista de um determinado empreendimento, associando-se num projeto de risco que possua um plano de negócios vantajoso. Caixa Econômica e Banco do Brasil, poderiam colaborar no financiamento da ampliação da rede de equipamentos culturais, regionalizando bens e serviços em parceria com os poderes locais interessados em participar de um programa de infra-estrutura cultural capitaneado pelo MINC em todo o território nacional. Cada município, ou Estado entraria como avalista em caso de empreendimentos privados e também com uma cota de participação financeira ou em recursos humanos e técnicos. Para recursos provindos da iniciativa privada é importante que o atual modelo de subsídio fiscal seja superado em etapas para não provocar fissuras que gerariam prejuízo geral ao mercado cultural. Mas é necessário que a finalidade pública desses recursos esteja garantida nos seus procedimentos e resultados. É bom lembrar que o volume maior de recursos provindos de subsídio fiscal à cultura são gerados pelas estatais brasileiras, o que obriga o cumprimento da finalidade pública de seu uso. Os participantes mencionaram a possibilidade de que cada estatal deposite em fundos específicos, já mencionados neste documento, uma parcela dos recursos utilizados através das Lei Roaunet e Audiovisual, seguindo uma lógica coordenada pelo MINC: para cada projeto investido na produção de um filme, um percentual deve ser depositado em um fundo de fomento aos meios audiovisuais para financiar novas linguagens, formação de técnicos e profissionais, atividades nas escolas. Em todas as áreas isto poderia ser aplicado, desde que o poder público implemente programas claros e fundos com controle social, onde a transparência dos critérios de seleção e investimento estejam asseguradas. Outras formas de financiamento podem ser pensadas, com ampla participação do empresariado e de fontes internacionais, defendendo regras claras de atuação e contrapartida pública, com ou sem uso de subsídios fiscais. Pactuar as regras, convocar os atores, apresentar propostas e programas claros bem como os mecanismos de participação parecem ser os pontos nevrálgicos do sucesso deste desafio. 15 16