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Campinas, 19 a 25 de outubro de 2015
Ex-reitor Vogt recebe título de
Fotos: Antoninho Perri
Cerimônia de outorga,
no Centro de Convenções,
contou com a presença da
comunidade universitária
e de convidados
MANUEL ALVES FILHO
[email protected]
linguista, poeta e ex-reitor da Unicamp Carlos
Vogt recebeu no último dia 16 de outubro o
título de professor emérito da Universidade,
em reconhecimento aos relevantes serviços
prestados à ciência, à cultura e à Universidade. A cerimônia, presidida pelo reitor José Tadeu Jorge,
foi realizada no Centro de Convenções da Unicamp e contou com a presença de estudantes, funcionários, docentes
e convidados. A concessão da honraria fez parte da programação de comemoração dos 50 anos da Unicamp, que
serão completados oficialmente em 5 de outubro de 2016.
Na entrevista que segue, Vogt fala da satisfação por ter
recebido a homenagem, relembra momentos de sua carreira na instituição e faz considerações sobre a missão da
universidade pública e o futuro do jornalismo. Também faz
uma reflexão sobre a ética. “A questão ética não é simples,
e é menos simples ainda numa sociedade como a nossa,
que é polifônica, multifacetada e fragmentada do ponto de
vista dos valores e ideologias. Então, encontrar faróis que
joguem luz sobre os comportamentos não é fácil. Quando
o mundo é dividido apenas entre bem e mal, isso se torna
um pouco mais simples. Entretanto, quando surgem muitos tons de cinza, as coisas se complicam muito”.
Jornal da Unicamp - O senhor ocupou as mais destacadas funções na Unicamp, inclusive a mais importante delas,
de reitor. Também foi presidente da Fapesp, secretário de
Estado e recebeu diferentes tipos de honrarias. Que importância tem o título de professor emérito que o senhor acaba
de receber da Universidade?
Carlos Vogt - Do ponto de vista da relação com a Unicamp, onde eu pude cumprir toda a minha carreira acadêmica e profissional, penso que é uma forma de reconhecimento recíproco. De um lado, há o reconhecimento da
Universidade, através dos seus órgãos de representação,
que acataram a sugestão de concessão do título feita pelo
Departamento de Linguística, minha célula de origem. De
outro lado, é uma forma de reconhecimento minha em
relação à instituição. Eu sempre tive com a Unicamp uma
relação de afeição. Essa relação criou, digamos assim,
uma subjetividade na qual se estabeleceu um modo de
convivência importante para mim e também para a Universidade. As duas partes conseguiram enriquecer essa
relação de diferentes maneiras.
JU - Quando exatamente teve início essa relação?
Vogt - Na primeira vez que visitei a Unicamp, eu ainda
era garoto. Meu primeiro contato com a Universidade foi
em 1969. O campus de Barão Geraldo era um canteiro
de obras. A Reitoria funcionava no Centro de Campinas.
A parte administrativa funcionava onde hoje está o Cotuca. Aqui havia somente alguns barracões. Eu vim para
conversar com o professor Fausto Castilho para tratar da
minha possível participação no grupo que criaria o Departamento de Linguística. Isso foi em outubro de 1969.
Em novembro eu fui contratado. Depois, fui para a França
para fazer o mestrado. Em 1970 eu já estava aqui dando
aula junto com meus colegas de departamento. A partir
daí eu fui desenvolvendo com a Universidade uma relação
que meu trouxe muita satisfação e alegria. É verdade que
eu e outros professores passamos por momentos críticos
dentro da Unicamp, mas também por momentos de consolidação da instituição. Isso ajudou a criar amarras afetivas e sentimentais.
JU - O projeto de criação do Departamento de Linguística foi considerado muito ousado para a época, não?
Vogt - Sim, foi um projeto novo e ousado. Diferentemente da tradição, nós optamos por vincular o departamento ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
[IFCH] e não a uma faculdade de Letras. Era um projeto
novo do ponto de vista da ambição, num momento em
que a Linguística era apontada como a ciência-piloto dentro das Ciências Humanas, sobretudo na perspectiva do
Estruturalismo e da Gramática Transformacional. Era um
momento em que se pretendia, com a Linguística, criar
um modelo epistemológico que pudesse trabalhar o de-
Carlos Vogt recebe o título de professor emérito do reitor José Tadeu Jorge, em cerimônia no Centro de Convenções: ex-reitor ingressou na Unicamp em 1969
senvolvimento das Ciências Humanas. Era um modelo
extremamente original. Para minha satisfação pessoal,
eu entrei num processo que já estava “turbinado”, tanto
pelos sonhos do professor Fausto Castilho quanto pelo
entusiasmo do professor Zeferino Vaz. Então, eu tive a
oportunidade de viver a infância, as crises de adolescência
e a maturidade da Universidade.
JU - Por falar em amadurecimento da Unicamp, o senhor
esteve à frente de vários projetos que contribuíram para o
desenvolvimento da Universidade. Destacaria alguma dessas
iniciativas?
Vogt - Como gestor, eu tive a oportunidade de contribuir para a consolidação da Universidade. Isso foi feito,
por exemplo, com o Projeto Qualidade, que impulsionou
a qualificação acadêmica dos nossos docentes. Também
tive muita satisfação em criar as condições para o lançamento do Escritório de Transferência de Tecnologia e para
a abertura dos cursos noturnos. Depois, quando deixei a
Reitoria, tive a oportunidade de criar o Labjor [Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo], junto com
o Alberto Dines e o professor José Marques de Melo, por
meio do qual oferecemos o primeiro programa de pós-graduação do Brasil em jornalismo científico e cultural e,
posteriormente, o mestrado.
JU - Com base em toda a experiência que o senhor mesmo relatou, como enxerga o futuro da universidade pública
no Brasil, o da Unicamp em particular?
Vogt - Eu tenho a impressão que a universidade pública no Brasil tem dois grandes desafios a enfrentar. Um
deles está relacionado com os passos a serem dados na
direção da consolidação do papel das instituições na pesquisa e na produção de novos conhecimentos. Penso que
a universidade consolidou a sua capacidade de atuação
na área de pesquisa, inclusive com inserção internacional.
Agora é preciso que ela se abra para atrair pesquisadores de fora, que venham buscar aqui referências para o
desenvolvimento dos seus estudos. Nesse sentido, penso
que um dos projetos que a Unicamp poderia assumir seria
um programa voltado para o pós-doutorado. Algo que se
constitua em ação institucional e estratégica.
Pensando no ensino, acredito que a Universidade tem
um grande desafio, que seria elaborar um plano de expansão de oferta de vagas na graduação. Não se trata de
tarefa trivial, obviamente. Mas vamos ter que enfrentar
as dificuldades. Essa tarefa pode ser facilitada se formos
além dos limites impostos pelas metodologias e tecnologias tradicionais ligadas à educação. Com as limitações
que temos no momento, é difícil pensar que vamos conseguir cumprir as metas contidas no Plano Nacional de
Educação, que fala na inclusão de 37 milhões de alunos
nos próximos dez anos.
Nesse sentido, penso que é fundamental que as nossas universidades públicas, a Unicamp inclusive, exerçam
um papel de liderança na adoção de recursos baseados
nas tecnologias da comunicação e da informação, para
que seja possível desenhar um grande projeto de política
pública capaz de cumprir as metas dadas. Os objetivos
são ambiciosos, mas factíveis, principalmente se aproveitarmos esses novos recursos. Obviamente, eu falo isso
pensando na Univesp [Universidade Virtual do Estado de
São Paulo, da qual é presidente], que tem não apenas um
forte relacionamento com as universidades, mas também
a capacidade de, junto com elas e com o Centro Paula
Souza, conduzir um processo nesse sentido. Se quisermos
contribuir para o avanço econômico e social do país, isso
precisará ser feito.
JU - Como coordenador do Labjor, de que forma o senhor
tem acompanhado a crise pela qual atravessa o jornalismo
brasileiro?
Vogt - Essa crise tem, em boa medida, relação com o
que falei sobre a educação. Cada vez mais, surgem desafios. Ao mesmo tempo, ocorrem mudanças no cenário
das comunicações. No caso do jornalismo, toda a questão
está relacionada com as novas mídias, que criaram e vão
continuar criando novas condições de comunicação e informação. Essas novas mídias, se não forem incorporadas,
tenderão a produzir situações negativas para a atuação da
imprensa dentro de um modelo tradicional. Os jornais,
por exemplo, já têm uma forte presença no campo virtual,
com seus sites, blogs etc. Essas novas tecnologias mudaram não somente o plano de negócio das empresas jornalísticas, mas também as condições de relacionamento
entre o emissor e o leitor.
Tal dinâmica é muito forte. Os jornais já não têm mais
o papel de informadores. Hoje, cumprem uma função
muito mais analítica. Do ponto de vista do espaço de circulação, os jornais sofreram uma importante restrição.
Basta ver que alguns são distribuídos gratuitamente no
semáforo, trazendo ao leitor uma sinopse das notícias.
Ou seja, mudou o perfil do negócio. Essa mudança foi
percebida rapidamente por alguns, que se adaptaram.
Outros, entretanto, levaram mais tempo para perceber.
De todo modo, penso que os jornais não vão desaparecer,
mas vão mudar a sua organização e as formas de relação
com o público leitor.
JU - Qual a sua avaliação sobre a qualidade da divulgação científica no Brasil?
Vogt - O Labjor acompanhou as transformações que
ocorreram nesse segmento. O Labjor foi criado em 1994.
Em 1997, propusemos a criação do curso de especialização, que teve início em 1999; veio depois o mestrado em
2008 e estamos, agora, com o projeto de doutorado tramitando na Capes. A especialização foi o primeiro curso
dessa natureza no país. Formamos muitos profissionais e
fomos assistindo ao nascimento de várias iniciativas que
mostraram quanto o jornalismo científico e a divulgação
da ciência estavam se organizando, se desenvolvendo e se
institucionalizando. Ao mesmo tempo, as próprias instituições de fomento foram se dando conta disso. A Fapesp criou programa de bolsas. O CNPq também tomou
iniciativas importantes no sentido de valorizar a atividade de divulgação que acompanha a pesquisa. Em vários
dos programas da Fapesp, há o estímulo ao pesquisador para criar formas de comunicação com a sociedade.
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professor emérito da Unicamp
em que as relações humanas são fortemente marcadas pela
instantaneidade e pela efemeridade?
“
“Eu sempre tive com a
Unicamp uma relação
de afeição. Essa relação
criou, digamos assim, uma
subjetividade na qual se
estabeleceu um modo de
convivência importante
para mim e também para
a Universidade”
“
“A sociedade foi formando
consciência de que uma
de suas características
fundamentais é estar
sustentada pelas
tecnologias de informação
e comunicação e,
consequentemente, pelo
desenvolvimento científico”
JU - Em seu livro “A Utilidade do Conhecimento”, lançado em maio deste ano, o senhor estabelece conexões entre o conhecimento e os princípios da ética. Nestes tempos
de atentados profundos à ética, que conhecimento nos falta para revigorarmos esses princípios?
“
“Nós temos uma sociedade
na qual a versão caminha
simultaneamente com o
acontecimento. De certa
maneira, isso retira do
acontecimento a sua
ontologia, que é transferida
para a representação do
acontecimento”
Ademais, a questão da comunicação da ciência passou a
integrar uma necessidade da sociedade contemporânea. A
sociedade foi formando consciência de que uma de suas características fundamentais é estar sustentada pelas tecnologias de informação e comunicação e, consequentemente,
pelo desenvolvimento científico. O conhecimento, nesse
sentido, é fator estruturante das relações sociais. Nunca
é demais lembrar que não há ciência sem comunicação. É
sob a forma da comunicação que se dá a validação ou a refutação de testes e propostas.
Vogt - A questão da instantaneidade constitui também um grande desafio. Uma condição que permite que
alguém construa uma narrativa sobre o mundo é o distanciamento mínimo de tempo e espaço em relação ao
acontecimento. Não é possível narrar o acontecimento
enquanto ele está acontecendo. É possível descrevê-lo,
como faz o locutor de futebol. Mas não é possível narrá-lo. Essa distância representa uma “encrenca”. Nós temos uma sociedade na qual a versão caminha simultaneamente com o acontecimento. De certa maneira, isso
retira do acontecimento a sua ontologia, que é transferida para a representação do acontecimento. Isso passa
a dar realidade e concretude não ao que se representa,
mas à sua representação. Essa é uma questão que traz
obviamente várias consequências.
Penso que essa reflexão precisa continuar a ser feita
por diferentes áreas, como a filosofia e a literatura. Pode
ser feita também pela poesia. Penso que a poesia tem
um papel importante nesse processo na medida em que
ela, como expressão poética do mundo, contribui para
divulgar o conhecimento científico. Hoje, o conhecimento científico se faz e se produz por meio de uma linguagem altamente codificada, num nível em que apenas os
iniciados conseguem estabelecer efetivamente a comunicação. Há, portanto, a necessidade de se buscar formas
de comunicação da ciência que não fiquem restritas ao
círculo dos iniciados.
Essas formas de comunicação precisam promover a
abertura da linguagem. A linguagem precisa sair do nível
de abstração da pura demonstração lógica para ingressar
no campo da comunicação sensível. É preciso sair da expressão digital da linguagem para a expressão analógica,
baseada nas metáforas, nas imagens etc. Em outras palavras, é preciso sensibilizar os conceitos para que a sociedade como um todo consiga acompanhar, tendo como
referência a sua própria vivência. O desafio é sair de uma
comunicação fechada para uma comunicação aberta. Trata-se de um processo de aprendizado para todos, inclusive para cientistas e jornalistas. Esse trajeto, que vai do
hermético para o aberto, é o trajeto que vai da linguagem
da ciência para a poesia. A poesia tem, portanto, papelchave nesse esforço de comunicação.
Mais que isso, o papel da ciência na sociedade é tão importante que os modelos de governança da própria ciência foram
mudando. Aquilo que era algo particular dos cientistas ou
dos governos passou a necessitar de uma participação cada
vez mais aberta da sociedade, que por sua vez ampliou a sua
influência sobre as decisões de governança da ciência. Penso
que ainda há muito espaço para se trabalhar nesse campo.
JU - Perguntando agora ao linguista, poeta e escritor.
Quais os papéis da linguagem e da poesia num contexto
Vogt - Uma das grandes conquistas do mundo ocidental teve origem na sociedade grega dos séculos VI e V antes de Cristo. Foi o momento do nascimento da tragédia
grega como gênero literário e também da filosofia. Esse
instante foi importante porque estava ocorrendo a transição de uma sociedade organizada sob os princípios das
relações heroicas e da concepção da justiça como vingança, para uma sociedade que começa a estabelecer os
parâmetros da justiça social. Os conflitos deixam de ser
resolvidos pela luta para serem resolvidos pelo conjunto
da sociedade, por meio dos seus representantes.
A tragédia é importante porque procura representar
esse estado de coisas, essa transição. Desse ponto em
diante, todo o processo vai sendo sofisticado com o decorrer dos séculos: as instituições vão se consolidando e
a democracia vai amadurecendo. A despeito disso, ainda
convivemos hoje com muitas trevas, inclusive aquelas
presentes no ser humano. Recentemente, tivemos o episódio daquela chacina em São Paulo, cuja motivação foi
a mais primitiva possível - a vingança. Temos um quadro em que a sociedade avança e as instituições se fortalecem, mas ao mesmo tempo continuamos convivendo
com os instintos primitivos da nossa herança biológica.
A questão ética não é simples, e é menos simples ainda numa sociedade como a nossa, que é polifônica, multifacetada e fragmentada do ponto de vista dos valores e
ideologias. Então, encontrar faróis que joguem luz sobre
os comportamentos não é fácil. Quando o mundo é dividido apenas entre bem e mal, isso se torna um pouco
mais simples. Entretanto, quando surgem muitos tons
de cinza, as coisas se complicam muito.
JU - O senhor tem novos planos para a Unicamp?
Vogt - Bem, eu continuo atuando no Labjor. O projeto
novo é a implantação do programa de doutorado, cuja
proposta está em tramitação. Também sigo trabalhando
na Univesp dentro da linha do meu comentário anterior, de estabelecer condições para o desenvolvimento de
um projeto de expansão da graduação do Estado de São
Paulo, em colaboração com as universidades públicas, o
Centro Paula Souza e o governo estadual.
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