ID: 53111358
27-03-2014
Tiragem: 34630
Pág: 4
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 26,73 x 30,53 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
Morrem por ano 200 crianças e jovens
sem receber cuidados paliativos
Número representa um terço das crianças e jovens que morrem por ano no país. “Portugal está no nível
zero, a par de África, da Ásia e da América do Sul Ocidental”, diz a pediatra Ana Lacerda
RUI GAUDÊNCIO
Saúde
Catarina Gomes
Todos os anos morrem em Portugal
cerca de 600 crianças e jovens, cerca
de 200 necessitariam de cuidados paliativos mas morrem sem os receber,
afirma a pediatra Ana Lacerda, da
Comissão de Cuidados Continuados
e Paliativos da Sociedade Portuguesa
de Pediatria. Este será um dos temas
debatidos no VII Congresso Nacional
de Cuidados Paliativos, que decorre
hoje e amanhã no Algarve.
Quando se fala de paliativos, pensa-se erradamente que apenas dizem
respeito “a cuidados em final de vida”, a situações “agónicas” em que a
morte é inevitável e iminente, e essa
é uma noção incorrecta, esclarece,
desde logo, a médica.
A prestação de cuidados paliativos,
tal como os define a Organização
Mundial da Saúde (OMS), engloba,
por exemplo, a medicação para o
controlo de sintomas, como fármacos
para a dor, para o controlo de espasmos e vómitos, mas também apoio
psicológico às crianças e suas famílias, incluindo os irmãos da criança
doente, “que muitas vezes são esquecidos”. Passa “por encaminhar
as pessoas para os apoios sociais e
financeiros que existem para os seus
casos e que as pessoas muitas vezes
desconhecem”. Nos casos “mais dramáticos”, os cuidados paliativos passam também “pelo apoio no luto, no
apoio à família pós-morte”, nota.
Ana Lacerda, que é pediatra no
Instituto Português de Oncologia
de Lisboa, diz que não se está a dizer que estas crianças não recebem
cuidados de saúde adequados, o que
se está a dizer é que não recebem cuidados paliativos, com tudo o que isso
implica. E, a este nível, Portugal é “na
Europa desenvolvida” o mais atrasado. De acordo com um mapa da
OMS divulgado em Janeiro deste ano,
“Portugal está no nível zero em termos de provisão de cuidados paliativos pediátricos, a par de África, da
Ásia e da América do Sul Ocidental”.
Estima-se que existam cerca de
seis mil crianças e jovens (até aos 18
anos) a precisar de cuidados paliativos e este grupo inclui uma pequena
minoria que irá morrer e que necessita de cuidados em fim de vida, mas
a maioria destes cuidados destina-se
“a crianças que não vão melhorar da
Estima-se que existam cerca de seis mil crianças e jovens (até aos 18 anos) a precisar de cuidados paliativos
sua doença mas que podem ter a sua
qualidade de vida muito melhorada”,
se forem devidamente acompanhadas. A médica refere, por exemplo,
o caso de crianças que sofrem de paralisia cerebral, de doenças metabólicas, epilepsia grave, que têm cancro
mas que vão superar a doença (a taxa
de sobrevivência em idades pediátricas ronda os 75%).
Das seis mil crianças que necessitariam de cuidados paliativos,
200 acabam por morrer sem receber os cuidados paliativos de que
necessitariam. Este grupo representa um terço das cerca de 600
crianças e jovens que morrem todos os anos, o que inclui também
as mortes por causa acidental.
No grupo das 200 que acabam por
morrer, a causa de morte é sobretudo o cancro, doenças cardiovasculares (nomeadamente patologias
cardíacas congénitas) e doenças
neuromusculares, explica a médica.
A médica refere haver experiências
pontuais no IPO de Lisboa, que tem
uma equipa intra-hospitalar que faz
acompanhamento de crianças desde
o diagnóstico até à cura ou à morte
da criança; no IPO do Porto existem
equipas de apoio domiciliário, mas
que estão mais vocacionadas para
questões como o acompanhamento
na ventilação, a manutenção de cateteres, questões nutricionais e “não
têm uma visão holística. Estas nossas
experiências não são reconhecidas
como cuidados paliativos”, de acordo com os critérios da OMS, sublinha.
Serviços distantes
Os poucos cuidados existentes nesta
área estão centralizados em hospitais centrais que ficam muitas vezes a
200 e 300 quilómetros da residência
da criança, diz. “Devia ser incentivada a colaboração com médicos de
família, nos centros de saúde, e hospitais distritais”. As crianças não são,
porém, as únicas afectadas pela inexistência de cuidados paliativos. No
Serviço Nacional de Saúde, apenas
10% dos doentes são referenciados,
segundo a Associação Portuguesa de
Cuidados Paliativos (APCP). “Cerca
de 90% da população que precisa de
cuidados paliativos em Portugal não
os recebe”, aponta a APCP.
Baseando-se no relatório da Entidade Reguladora da Saúde, a APCP
recorda que, entre Janeiro de 2011
e Setembro de 2012, 3450 doentes
foram referenciados para a rede nacional de cuidados integrados. “Fica
claro que nem o Serviço Nacional de
Saúde nem as entidades fora da rede
e os privados conseguem dar uma
resposta a estas milhares de pessoas,
todos os anos”, conclui a APCP. Além
do desconhecimento da população
quanto a estes cuidados que podem
fazer toda a diferença para quem sofre de uma doença incurável, a APCP frisa que a lentidão dos tempos
de referenciação não se compadece
com as necessidades dos doentes:
50% das pessoas morrem antes de
serem chamadas.
A APCP defende assim a criação
urgente de uma rede de cuidados
paliativos domiciliários, para apoiar
a rede hospitalar. E a partir dos dados do INE, que diz que 62.107 das
103.512 pessoas que morreram em
2007 precisaram de cuidados paliativos, aquela associação propõe
que a rede integre 265 médicos e 465
enfermeiros com formação específica e 1062 camas de internamento,
o que corresponde a 89 unidades,
“30% delas em hospitais de agudos
e as restantes noutras tipologias de
instituições, com 200 médicos e 500
enfermeiros por dia”. com Natália
Faria
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27-03-2014
Tiragem: 34630
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Âmbito: Informação Geral
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por ano sem acesso
a cuidados paliativos
Número representa
um terço das crianças
e jovens que morrem
por ano em Portugal p4
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Morrem por ano 200 crianças e jovens sem receber cuidados