653 EDUCAÇÃO FÍSICA NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO "JOÃO XXIII", UFJF 38 ANOS DE HISTÓRIA Agostinho Beethoven Macedo Beghelli Filho Antônio Júlio Lopes Pinto Graciela Ana Heugas de Granato Janaína Garcia Sanches José Luiz Lacerda Maria José Senra de Carvalho Leal Nelmar Oliveira Fernandes Paulo Roberto Garcez de Oliveira Virgínia Faria do Valle Evangelista Colégio de Aplicação "João XXIII" RESUMO Nosso trabalho contém registros de alguns aspectos da história da Educação Física no hoje Colégio de Aplicação "João XXIII", a partir das informações disponíveis e das entrevistas, nosso objetivo foi o de destacar os vínculos entre o Colégio, aqui representado por seu Departamento de Educação Física e a Faculdade de Educação Física e Desportos (FAEFID), ambos pertencentes à Universidade Federal de Juiz de Fora. Inicialmente Ginásio de Aplicação "João XXIII", foi criado em 1965, e conforme depoimentos de alguns de seus primeiros professores, idealizado para ser uma escola de experimentação, demonstração e aplicação, com vistas a atender aos licenciandos da Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora (Fafile), instituição de caráter privado sem fins lucrativos, no que se refere à pesquisa e realização de estágios supervisionados. O Ginásio iniciou suas atividades com uma turma de 23 alunos da 1ª série ginasial (atual 5ª série do ensino fundamental) que funcionava no mesmo prédio da Fafile. Ao longo de sua trajetória, o Colégio implantou as primeiras séries do Ensino Fundamental (1980), o Ensino Médio (1992) e, hoje, conta com aproximadamente 1100 alunos. O trabalho foi elaborado a partir da análise dos relatos obtidos através de entrevistas realizadas com professores que já atuaram e/ou atuam na parte administrativa e/ou pedagógica do Colégio e também com professores da antiga FAFILE, da Faculdade de Educação/UFJF e da própria FAEFID. O material foi examinado pelos grupos de trabalho constituídos pelos autores do texto que auxiliados por pesquisa documental, puderam produzi-lo e que revela a inserção do professor de Educação Física no espaço escolar e, especificamente, neste Colégio, em um vínculo direto com a formação profissional, através das disciplinas de prática de ensino, hoje ministradas na Faculdade de Educação e nos estágios supervisionados. Verificou-se no transcurso desses 38 anos, os reflexos das discussões acadêmicas ocorridas no campo da Educação Física que também aqui se fizeram presentes, com buscas de soluções próprias que se apresentam, sejam nos documentos e práticas que refletem e se efetivam nas propostas pedagógicas, sejam nas buscas e conquistas dos espaços políticos. Em relação à disciplina Educação Física, componente curricular desta escola desde a sua fundação, os primeiros professores eram leigos e/ou preparados nos cursos secundários (ADEF) que formavam técnicos para atuarem nas escolas e também nos espaços não escolares. Essa atuação de leigos como professores era provavelmente, reflexo do número mínimo de graduados, em função das poucas escolas de Educação Física no país. Posteriormente, com a criação do Curso de Licenciatura em Educação Física na UFJF, os professores leigos e/ou técnicos foram sendo substituídos por acadêmicos dessa licenciatura e, em 1977, pôde-se contar com seus primeiros professores concursados e com formação superior. Na questão do espaço físico, transformações foram acontecendo ao longo do tempo até bem porque o Colégio mudou-se para vários prédios até chegar ao atual, que pertencera, até então, à Faculdade de Engenharia. Neste aspecto, é importante entender como aconteceram as conquistas do espaço físico e as melhorias nas dependências, que hoje garante uma relativa possibilidade de ampliação das práticas em educação física, de forma a possibilitar que a proposta pedagógica da disciplina possa ser desenvolvida em toda sua plenitude. No tocante à proposta pedagógica, vislumbramos as perspectivas que a objetiva com o papel de transmitir responsabilidade, disciplina, pontualidade, pois ela tinha como função complementar a formação das atitudes dos alunos. Por isso, os primeiros objetivos da educação física neste Colégio foram de caráter higiênico e disciplinar e a ginástica, em moldes calistênicos, foi o conteúdo preponderante que favoreceria alcançá-los, perpassando pela popularização do esporte e divulgação de trabalhos enfatizando o seu caráter formativo e educativo até os dias de hoje onde, como resultado de um trabalho em grupo, foi elaborada uma proposta pedagógica a partir da reflexão sobre a educação em geral, tendo como autores centrais Paulo Freire, Dermeval Saviani, Moacir Gadotti, e da reflexão sobre a Educação Física Escolar, referenciada em obras centrais como Coletivo de Autores (1992), Resende (1992), Ghiraldelli Jr. (1988), dentre outros. Para concluir, compreendemos, também, através das entrevistas, que a inserção da educação física como componente curricular, em um primeiro momento, imposta por determinação legal, hoje conquistou a sua legitimação através de suas práticas pedagógicas. Deste modo, a legitimidade que compreendemos existir hoje, no Colégio, em relação à educação física, tem vínculos com o compromisso e dedicação dos profissionais que aqui passaram. 654 TRABALHO COMPLETO Introdução “Tudo que a história nos mostra é produto da atividade prática dos homens” Adolfo Sànchez Vàzquez Os professores do Departamento de Educação Física do Colégio de Aplicação "João XXIII" se sentem contentados em apresentar esse texto para o livro que marca as comemorações dos 30 anos da FAEFID/UFJF, já que muitos momentos de sua trajetória histórica foram compartilhados direta ou indiretamente conosco. O texto contém registros de alguns aspectos da história da Educação Física no C. A. "João XXIII" e foi elaborado a partir de relatos obtidos através de 13 (treze) entrevistas, que perfizeram 18 horas de gravação, sendo que 2 (duas) realizadas por e-mail1, todas com professores que já atuaram e/ou atuam na parte administrativa e ou pedagógica do Colégio. Além destes, também foram entrevistados professores da antiga Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile), da Faculdade de Educação/UFJF e da própria FAEFID/UFJF. Nesse sentido, o reencontro com essas pessoas, por ocasião das entrevistas, nos proporcionou muita satisfação pela oportunidade de resgatarmos lembranças que farão parte da memória da Educação Física de Juiz de Fora. A partir das informações disponíveis e das entrevistas, nosso objetivo foi o de destacar os vínculos entre o Colégio aqui representado por seu Departamento de Educação Física e a FAEFID, ambos pertencentes a UFJF. Agradecemos a todos os colaboradores que concederam as entrevistas, pois seus depoimentos subsidiaram nosso trabalho. Enfatizamos, também, o empenho dos professores do Departamento de Educação Física do C. A. "João XXIII" que, desde o primeiro convite da FAEFID, se esforçaram para além das demandas cotidianas, no sentido de ser o mais revelador possível. Grupos de trabalho, pesquisa documental, entrevistas, bate-papos, reuniões, digitações, leituras, correções, releituras . . . e veio a reunião final de aprovação do texto. Passamos, então, a apresentar o resultado desse esforço coletivo de contar um pouco dessa história, conscientes de que é a leitura de um grupo, e não tem a pretensão de ser única. Origens e vínculos com a UFJF O Ginásio de Aplicação "João XXIII", criado em 1965, foi idealizado, conforme depoimentos de alguns de seus primeiros professores, para ser uma escola de experimentação, demonstração e aplicação, com vistas a atender aos licenciandos da Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora (Fafile), instituição de caráter privado sem fins lucrativos, no que se refere a pesquisa e realização de estágios supervisionados. O Ginásio iniciou suas atividades com uma turma de 23 alunos da 1ª série ginasial (atual 5ª série do ensino fundamental) que funcionava no mesmo prédio da Fafile. Ao longo de sua trajetória, o Colégio implantou as primeiras séries do Ensino Fundamental (1980), o Ensino Médio (1992) e, hoje, conta com aproximadamente 1100 alunos. Seu vínculo com a Universidade Federal de Juiz de Fora surgiu a partir da incorporação da Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora por essa Universidade, com o aproveitamento dos professores e funcionários que se encontravam em exercício à época. Em 1 Os professores Emiliana Simões e Rommel Jaenike, se encontravam na época das entrevistas nas cidades de Florianópolis e Campinas respectivamente. 655 1969, com a Reforma Universitária que desmembrou a Faculdade de Filosofia em alguns Institutos, o Ginásio de Aplicação "João XXIII" passou a ser órgão anexo da Faculdade de Educação da UFJF. Com a Lei 5.692/71, que instituiu a organização do ensino em 1º e 2º graus (inclusive consolidando a Educação Física no 1º e 2º graus), o Ginásio de Aplicação "João XXIII" passa a ser Colégio de Aplicação "João XXIII". A portaria nº 584, de 28 de novembro de 1989, vincula administrativamente o Colégio à Pró-Reitoria de Ensino (atual Pró-Reitoria de Graduação), passando então a ter corpo administrativo próprio. A partir da aprovação do Regimento Geral da UFJF, em 1998, o Colégio passa a ser uma Unidade Acadêmica da Universidade onde se realiza a educação básica para crianças, jovens e adultos, e onde se desenvolvem vários projetos de ensino, pesquisa e extensão, segundo o tripé que orienta as atividades dessa Universidade. Desde os primórdios, o Ginásio de Aplicação "João XXIII"/UFJF trabalha para manter uma alta qualidade de ensino, o que prevalece até os dias atuais. Pessoas que se referem ao Colégio, ligadas a ele direta ou indiretamente, também se expressam nesse sentido. Um fato que reforça tal afirmação é a grande procura pelo Colégio em todas as épocas de matrículas, seja no antigo sistema de seleção pública para a 1ª série do ensino ginasial, ou no atual sistema de sorteio público para a primeira série do ensino fundamental, bem como no preenchimento de vagas ociosas em todas as séries da educação básica. O corpo docente: a busca do espaço político-pedagógico O C. A. "João XXIII"/UFJF foi criado para ser uma escola de referência e de qualidade no ensino em Juiz de Fora e, para efetivar-se tal perspectiva, era necessário que os professores se adequassem à proposta. Perguntado sobre como se havia constituído o quadro inicial de professores, um dos entrevistados relatou que foram escolhidos através de análise de currículo feita pela congregação da Fafile, passando a ser por concurso público após a federalização do Colégio. Outro entrevistado relata que a escolha partiu dos professores da Faculdade de Filosofia e Letras, que fizeram convites pessoais para se lecionar no Ginásio. De uma ou de outra forma, o discurso de todos os entrevistados que viveram a época da implantação dessa escola passa a idéia de que o Ginásio era referência na cidade devido à qualidade do ensino que ministrava. Após a incorporação da Fafile pela UFJF, passando o Colégio a ser uma escola pública, o ingresso de todos os professores passa a obedecer aos mesmos critérios aplicados às demais unidades universitárias: concurso público. Em relação à disciplina Educação Física, componente curricular desta escola desde a sua fundação, os primeiros professores eram leigos e/ou preparados nos cursos secundários (ADEF) que formavam técnicos para atuarem nas escolas e também nos espaços não escolares. Essa atuação de leigos como professores provavelmente era reflexo do número mínimo de graduados, em função das poucas escolas de Educação Física no país, o que também ocorria no Colégio. Posteriormente, com a criação do Curso de Licenciatura em Educação Física na UFJF, os professores leigos e/ou técnicos foram sendo substituídos por acadêmicos dessa licenciatura e, em 1977, pôde-se contar com seus primeiros professores concursados e com formação superior. De disciplina integrante do Departamento de Comunicação e Expressão, a Educação Física passa, por força de nosso Regimento de 1992, a constituir um Departamento com assento no Conselho Diretor, hoje Conselho de Unidade, a partir de julho de 1995. Isso resultou na ampliação da autonomia didática, política e administrativa do Departamento. Também no que se refere à qualificação de seus professores, o grupo de docentes da disciplina Educação Física acompanhou este processo juntamente com todo o corpo docente da escola. Atualmente, o Departamento de Educação Física/C. A. "João XXIII" conta com nove professores (seis efetivos e três substitutos), todos com formação superior e pósgraduação (latu-senso e/ou strictu senso). Somente dois não tiveram sua formação na UFJF. 656 Funcionando como Departamento da Unidade Acadêmica, com o quadro de professores ampliado e exercendo sua autonomia conquistada, os projetos e propostas da Educação Física conseguiram mais abrangência. Além das aulas curriculares, foram (e são) desenvolvidos outros trabalhos e atividades de pesquisa e extensão. Enriquecem, também, o trabalho do atual Departamento de Educação Física/C. A. "João XXIII" atividades como: jogos internos, jogos de intercâmbio e intercolegiais, publicação de artigos em periódicos, articulação com os acadêmicos das várias áreas, dentre tantas outras. Vários professores de Educação Física exerceram funções nas diversas esferas administrativas da escola, tais como direção, vice-direção, coordenações de 1º e 2º Graus, o que demonstra o reconhecimento do trabalho realizado pelos mesmos. É um grupo que acompanha os acontecimentos na educação do país, atento às suas influências na escola, buscando sempre promover uma prática pedagógica articulada à proposta de democratização do saber a todos. Espaço Físico: conquistas e anseios No período de (1970 a 1972), o Colégio de Aplicação, que até então funcionava na Fafile, passou a funcionar no Campus Universitário, primeiramente nas dependências do ICHL e depois, nas dependências da Faculdade de Educação. Em 1973, dada a precariedade das condições em que funcionava o Colégio, o mesmo foi transferido para o prédio atual2, que pertencera, até então, à Faculdade de Engenharia. O prédio, totalmente inadequado ao funcionamento de uma escola de 1º Grau, evidenciava a precariedade do espaço reservado à prática da Educação Física, assim como todos os espaços anteriores destinados a mesma. Durante vários anos, as aulas foram ministradas num pátio com calçamento de pedras que servia, também, como estacionamento. Relatos de professores da época reportam ao fato de ser comum a interrupção de aulas para que carros pudessem ser manobrados e, ainda, da dificuldade de se quicar bolas em um piso irregular. Essa carência estendia-se também ao material didático, o que exigia dos professores o uso de muita criatividade para suplantar as deficiências encontradas. Houve relato de professores informando que era freqüente a vinda de materiais de outras instituições para se ministrarem alguns conteúdos. Com o passar do tempo, foram feitas algumas melhorias que favoreceram o trabalho pedagógico, inclusive com as turmas do primeiro segmento do 1º Grau, implantadas na década de 80. A primeira foi o asfaltamento do então estacionamento, aproveitando o serviço de pavimentação que estava sendo feito nas entradas do Colégio. Depois, conseguimos a cessão de dois salões para uso exclusivo da disciplina educação física. Posteriormente, foram colocadas duas tabelas de basquetebol, o que ajudou o desenvolvimento desse conteúdo no currículo oferecido. A partir de 1992, mediante as demandas do 2º Grau implantado neste mesmo ano e às mudanças administrativas, iniciaram-se outras reformas no Colégio. Algumas afetaram diretamente a disciplina Educação Física: o grande salão do segundo piso, até então usado pelos professores de educação física, transformou-se em salas de aula. Em contrapartida, duas salas usadas pelo curso de Engenharia (que foi transferido definitivamente para o Campus) foram cedidas para a referida disciplina. Uma transformou-se em sala de jogos, com mesas de tênis-de-mesa, “totó” e outros. Esta sala, posteriormente foi perdida pelo Departamento, e usada para depósito de materiais em desuso; atualmente, para aulas de informática. A outra ficou como espaço alternativo para os dias de chuva e/ou desenvolvimento de temáticas como ginástica, ginástica olímpica, etc. Em 1994, o antigo estacionamento foi ampliado e 2 Rua Visconde de Mauá, 300 – Bairro Santa Catarina 657 construíram-se duas quadras polivalentes, agora cimentadas, pintadas e cercadas com telas. Foram construídos dois vestiários, masculino e feminino, facilitando a troca de roupa e possível banho após as aulas. Atualmente, a Educação Física conta com as duas quadras e as duas salas de aula. Conscientes da necessidade de condições materiais adequadas para uma boa prática pedagógica, os professores de Educação Física do Colégio ainda anseiam pela utilização do espaço físico do antigo Parque Tecnológico da UFJF (PARTEC), que fica dentro da área física da escola, para a construção de uma área onde a proposta pedagógica da disciplina possa ser desenvolvida em toda sua plenitude (salas especiais para as práticas corporais, quadras de esporte, sala de jogos, sala para reuniões e grupo de estudos, etc.). As propostas pedagógicas: rompendo fronteiras Segundo depoimentos dos primeiros professores, inicialmente não havia uma proposta pedagógica definida conjuntamente por eles; cada qual trabalhava a partir de um planejamento de curso elaborado individualmente no início do ano letivo, planejamento este determinado pela estrutura física da escola. Fato digno de nota, os entrevistados coincidiram em enfatizar que apesar das dificuldades, os alunos sempre se sentiram motivados com as aulas de educação física. Predominava a idéia de que a educação física deveria estar inserida no projeto global da escola, e seu papel era o de transmitir responsabilidade, disciplina, pontualidade, pois ela tinha como função complementar a formação das atitudes dos alunos. Fazia parte do pensamento corrente entre os professores que o fundamental era ter a mente, o espírito e o físico perfeitos. Por isso, os primeiros objetivos da educação física neste Colégio foram de caráter higiênico e disciplinar e a ginástica, em moldes calistênicos, foi o conteúdo preponderante que favoreceria alcançá-los. Com a crescente popularização do esporte e divulgação de trabalhos enfatizando o seu caráter formativo e educativo, este tipo de conhecimento/habilidade foi inserido na proposta pedagógica da Educação Física do Colégio de Aplicação "João XXIII". Passa-se, portanto, à incorporação dos valores e conteúdos técnico-esportivos, propondo que os alunos aprendessem e desenvolvessem as habilidades esportivas para que pudessem participar de torneios internos ou externos à escola. Em 1975, com a vinda de dois professores3 da Faculdade de Educação Física para o Colégio para complementar sua carga horária, houve diversificação dos conteúdos do currículo com a implantação da ginástica rítmica desportiva, o que despertou ainda mais o interesse das alunas. Essa professora passa a utilizar a divisão de uma unidade-didática por bimestre, fato que só recentemente começou a ser rompido. Só em 1984 foi elaborada, coletivamente pelos docentes de Educação Física, uma proposta pedagógica. A elaboração da mesma foi incentivada por um projeto que estava sendo desenvolvido na 2ª série do 1º grau, e que se propunha pesquisar sobre a Educação Física nas séries iniciais. Esse projeto tinha como referencial teórico fundamental a obra de Jean Le Boulch — a “educação pelo movimento” em contraposição à “educação do movimento” — e esse referencial fundamentou os conteúdos-programáticos para as primeiras séries. Os objetivos expressos nessa proposta eram marcas da preocupação que se tinha com os aspectos motor, cognitivo e afetivo, a fim de promover o desenvolvimento global do aluno. Os conteúdos propostos para as turmas de 5ª a 8ª séries continuaram enfatizando algumas modalidades esportivas para as turmas femininas e, outras, para as turmas masculinas. Esses conteúdos eram estabelecidos em função da estrutura física que o colégio apresentava, ou seja, aqueles esportes que não tinham condições de serem praticados por 3 Professora Emiliana Simões e Professor Rommel Jaenike 658 inadequação do espaço físico, não constavam dos programas. Os mesmos se apresentavam com cada modalidade esportiva dividida em seus fundamentos técnicos e táticos, desenvolvidos baseando-se nos princípios dos chamados exercícios pedagógicos. Na prática pedagógica, as turmas femininas tinham aulas de ginástica rítmica desportiva, ginástica olímpica, voleibol e handebol; as masculinas, aulas de ginástica olímpica, futebol de salão, handebol e voleibol. Em 1986, os professores do Colégio de Aplicação "João XXIII", em Reunião de Congregação, assumem o compromisso de refletir e avaliar a prática pedagógica que vinha sendo desenvolvida na escola. Essa idéia emergiu de alguns professores que traziam discussões acumuladas acerca da revisão dos currículos dos cursos de licenciatura e das reuniões para revisão do Regimento da Universidade Federal de Juiz de Fora. Essa intenção foi tomando corpo entre os professores e criou um clima de discussões e reflexões que culminou, no ano de 1988, num Projeto de Revisão Curricular a ser desenvolvido por todos os docentes do Colégio. O objetivo desse projeto era refletir as propostas pedagógicas das disciplinas e, como fonte de estudos, buscar as produções teóricas de autores que tentaram configurar uma pedagogia crítica para a educação brasileira: Paulo Freire, Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, Moacir Gadotti, dentre outros. Os professores acreditavam que repensando e revisando suas propostas pedagógicas específicas estariam modificando suas práticas pedagógicas. Portanto, essa tarefa ficaria a cargo do grupo de professores de cada disciplina que, balizados pelos conhecimentos produzidos em suas respectivas áreas acadêmicas, na perspectiva das produções teóricas para uma pedagogia crítica, fariam a revisão dos objetivos, conteúdos e metodologias de suas propostas ou programas curriculares, bem como as devidas transformações, caso fossem necessárias. Inserido neste contexto, o grupo de professores de educação física entendeu que a tarefa de revisão curricular envolveria, além de discussões sobre a proposta vigente, um difícil processo de autocrítica, além de uma reflexão sobre o trabalho que até então estava sendo realizado na prática pedagógica. Esse processo pareceu desafiador para o grupo pois, durante as reuniões, ficou evidente que o discurso sobre as ações didático-pedagógicas de cada um estava fundamentado em pressupostos conceituais diferentes. Apesar da divergência teórica entre os professores (não houve debate aberto) e, num clima de acordos, foi elaborada uma nova proposta curricular para a educação física, entregue à Coordenação do Projeto de Revisão Curricular em 1992 — a Direção do Colégio — para ser adotada naquele mesmo ano. Essa nova proposta teve poucas novidades se comparada à anterior. As principais mudanças foram as seguintes: a) o programa para o trabalho com as séries iniciais incorporou pressupostos da abordagem desenvolvimentista de Tani (1988)4 e Gallahue (1985 e 1989)5 e configurou-se num ecletismo dessa abordagem com os pressupostos de Le Boulch; b) no programa de conteúdos para as turmas de 5ª à 8ª séries, as mudanças substanciais foram a inclusão da modalidade basquetebol e a abertura de todos os conteúdos às meninas e aos meninos, superando a determinação sexista, até então dominante, como critério de diferenciação dos conteúdos das aulas. De uma maneira geral, a finalidade da proposta manteve o objetivo de iniciar e desenvolver os alunos nas modalidades esportivas, no entanto 4 TANI, G. et alii. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988 5 GALLAHUE, D. L. Understanding motor development: infants, children, adolescents. 2nd Edition. Benchmark Press, Inc. Indianapolis, Indiana, 1989. GALLAHUE, D. L. e Mc Clenaghan, B. A. Movimientos fundamentales: su desarrollo y rehabilitación. Editorial Médica Panamericana. Buenos aires, Argentina, 1989. 659 caracterizou-se como um mosaico de pressupostos teóricos. Isso foi uma marca da fragilidade conceitual e de incoerência interna reflexo do não aprofundamento das discussões pelo grupo. Em 1995, o quadro docente de Educação Física aumentou. A partir da interação dos professores, foi ficando claro para o grupo que diferentes concepções de educação física norteavam seus trabalhos. Fundamentados na produção científica acadêmica da área, era possível perceber em seus discursos, durante as reuniões pedagógicas, algumas das várias vertentes já devidamente identificadas pela literatura. Diante desse quadro, foi deliberada pelos docentes de Educação Física a construção de uma linha de trabalho que expressasse a intenção pedagógica do grupo. Foi idealizado e realizado, então, um projeto de reavaliação da proposta pedagógica dessa disciplina. Esse trabalho contou com a assessoria de um especialista6 na área de Educação Física Escolar que trabalhou com o grupo durante determinado período. Como resultado, o grupo elaborou uma proposta pedagógica a partir da reflexão sobre a educação em geral, tendo como autores centrais Paulo Freire, Dermeval Saviani, Moacir Gadotti, e da reflexão sobre a Educação Física Escolar, referenciada em obras centrais como Coletivo de Autores (1992)7, Resende (1992)8, Ghiraldelli Jr. (1988)9, dentre outros. O ensino da Educação Física Escolar na perspectiva dessa proposta pedagógica, agora construída coletivamente, propõe como finalidade incentivar a postura crítica dos alunos perante ás atividades corporais praticadas em nossa sociedade, bem como favorecer a aquisição de conhecimentos e habilidades necessárias que promovam autonomia na prática de atividades corporais de uma forma intencional e permanente, e que considere o lúdico e os processos sócio-comunicativos, o prazer e a auto-realização como seus fatores motivantes, no sentido da qualidade coletiva de vida. Nessa perspectiva, os alunos deverão ser gradativamente estimulados a refletir criticamente a respeito das possibilidades, limitações, paradoxos e mitos que emergem da prática de atividades corporais. A orientação da proposta pedagógica é desvelar o conjunto de valores sociais, morais, éticos e estéticos que perpassam a cultura corporal valorizando aqueles que contribuem para uma vida social democrática, em contraposição àqueles que reproduzem a marginalização, os estereótipos, o individualismo, a competição discriminatória, a intolerância com as diferenças, dentre outros valores que reforçam a contenda do homem contra o homem. Os atuais professores do Colégio têm consciência que na atual proposta, produzida em 1995, já existem pontos que necessitam rediscussão, em função das avaliações feitas a partir de sua efetivação na prática pedagógica e do amadurecimento teórico dos professores. Porém, o grupo reconhece os avanços em sua prática pedagógica em função da incorporação pessoal e coletiva dos princípios defendidos na proposta. Isso vem sendo possível devido à prática constante de discussões e reflexões que o Departamento vem promovendo ao longo desses sete anos. Os estágios supervisionados em Educação Física: buscando a unidade teoria e prática Em 1976, o Colégio começou a receber alunos da primeira turma do Curso de Educação Física da UFJF para realizarem os estágios exigidos pelas disciplinas Didática e Prática de Ensino. Nesse primeiro ano, não havia ainda um professor graduado em Educação Física atuando no Colégio. As aulas eram ministradas por um acadêmico, contando os estagiários apenas com a supervisão do professor da faculdade. Após concurso público em 6 Professor Helder Guerra de Rezende COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992. 8 RESENDE, H. G. de. A educação física na perspectiva da cultura corporal: uma proposição didáticopedagógica. (Tese de Livre Docência). Rio de Janeiro: UGF, 1992. 9 GHIRALDELLI JR, Paulo. Educação Física Progressista. São Paulo: Loyola, 1988. 7 660 1977, que efetivou dois professores de Educação Física para o Colégio, estes puderam acompanhar os grupos de licenciandos que aqui chegavam para cumprir seus estágios. Nessa ocasião, funcionavam apenas turmas de 5ª a 8ª séries do atual ensino fundamental. A partir do ano de 1988, por não haver na Faculdade de Educação um professor efetivo na cadeira de Didática e Prática de Ensino, esta é assumida por uma professora do C. A. "João XXIII"10, a convite da Faculdade de Educação, sendo substituída por um segundo professor do Colégio11 durante seu período de afastamento para capacitação. Nessa época, os estágios eram realizados integralmente no Colégio, atendendo semestralmente a um número que variava entre 30 e 40 alunos, tendo como objetivos a melhoria da qualidade de ensino, o saneamento das falhas no preparo técnico-pedagógico, a promoção de mudanças na orientação metodológica, o exercício de novos métodos em fases sucessivas de observação, participação, execução e avaliação e a possibilidade da aplicação dos conhecimentos adquiridos, visando competência técnica e compromisso político. Em 1993, e posteriormente em 1997, através de concurso público, a Faculdade de Educação efetivou dois professores12 para a cadeira de Didática e Prática de Ensino. Ambos deram continuidade à experiência que vinha sendo desenvolvida junto ao Colégio, porém, dentro de uma nova perspectiva. Passou-se a valorizar a reflexão do estagiário sobre a própria prática e a realidade da Educação Física Escolar apresentada, buscando preparar o acadêmico para compreendê-la e apontar caminhos, tendo como referencial teórico a perspectiva críticosuperadora. Em alguns períodos dessa nova fase, os estágios ficaram divididos entre o Colégio e outras escolas da cidade, devido a algumas dificuldades para a organização do plano de trabalho. Apesar dessas dificuldades, a postura político-acadêmica dos professores da Faculdade de Educação garantiu essa relação de trabalho. A partir de 1995, com a ampliação do quadro docente13, se restabeleceram no colégio as condições para o atendimento a todos os acadêmicos da Prática de Ensino. Atualmente, a prática de ensino do Ensino Médio tem suas atividades realizadas também em outras escolas da cidade. Foi consenso entre os professores entrevistados que as questões organizacionais/estruturais da disciplina Prática de Ensino ficam facilitadas pela concentração dos estágios em uma Unidade da Universidade, evitando a dispersão das turmas e facilitando seu acompanhamento. Além disto, o comprometimento dos professores do Colégio de Aplicação com o desenvolvimento dos estágios torna-se fator de grande importância para seu planejamento e controle, valorizando e caracterizando um trabalho desenvolvido conjuntamente. O colégio reúne, também, condições razoáveis de espaço e materiais pedagógicos, contribuindo para um adequado desenvolvimento da proposta. É importante, ressaltar a significância para os professores do Colégio em participar desse processo. Receber e orientar os estagiários cria oportunidades enriquecedoras de trocas de informações, discussões e reflexões sobre os temas e propostas pedagógicas da Educação Física Escolar, propiciando uma constante atualização de nossos docentes. Com o crescimento do Colégio, ampliando suas atividades também para os segmentos de 1ª a 4ª séries e Ensino Médio, o vínculo entre as três Unidades Acadêmicas foi se fortalecendo, possibilitando o atendimento em três dos quatro segmentos que compõem a cadeira da prática de ensino supervisionada, a saber: 1ª a 4ª séries; 5ª a 8ª séries; ensino médio. A educação física não-formal, por ser desvinculada do sistema escolar, nunca foi realizada no Colégio. A metodologia de trabalho empregada nos estágios da prática de ensino 10 Professora Graciela Ana Heugas de Granato (1988, 1991 e 1992) Professor Antônio Júlio Lopes Pinto (1989 e 1990) 12 Professor André Martins Silva e Álvaro de Azevedo Quelhas 13 Neste ano três professores foram redistribuídos da EPCAR – Barbacena 11 661 supervisionada consiste, basicamente, nos seguintes procedimentos: a) o aluno é apresentado à escola e ao professor da turma que o acompanhará; b) o aluno assiste a três aulas e definemse os temas a serem abordados; c) os planos de aula são elaborados e submetidos à apreciação dos professores da disciplina para as considerações e correções necessárias; d) as intervenções são iniciadas junto à turma sob a supervisão dos professores do Colégio, sendo pelo menos uma aula acompanhada pelo professor da disciplina. O desenvolvimento da prática de ensino do curso de Educação Física no Colégio constitui-se como um trabalho referencial para os cursos de licenciatura da UFJF, pois desde a criação da Faculdade, em nenhum momento deixou de ser aqui desenvolvida, atendendo em torno de 40 acadêmicos por semestre, durante 27 anos, contabilizando um total de aproximadamente 2.000 estagiários. Recentemente, outras disciplinas do curso de educação física estão reconhecendo o C. A. João XXIII como espaço privilegiado para implementação de seus estágios. Alunos matriculados em disciplinas de aprofundamento como Voleibol e Ensino de Educação Física Escolar têm realizado estágios de 90 horas nesta escola, ampliando e estreitando a relação entre as Unidades Acadêmicas. A realização da prática de ensino no Colégio permite transformações na leitura que os acadêmicos fazem da Educação Física Escolar, favorecendo a descoberta da escola como um grande campo de trabalho e reforçando o interesse dos que já tinham intenção de atuar dentro dela. Numa visão metodológica, a prática de ensino dá oportunidade aos acadêmicos de analisarem e vivenciarem concretamente os temas discutidos e refletidos no plano teórico e sua viabilidade na prática. Isto não significa que irá despertar interesse imediato em todos os acadêmicos, porém garante uma preparação básica necessária para que, caso algum dia ele venha a precisar buscar a escola como campo de atuação profissional, ele tenha uma experiência anterior que lhe permita atuar com maior conhecimento e segurança. Considerações Finais Esses fatos nos revelam a inserção do professor de Educação Física no espaço escolar e, especificamente, neste Colégio, em um vínculo direto com a formação profissional, através das disciplinas de prática de ensino, hoje ministradas na Faculdade de Educação nos estágios supervisionados. Verificou-se no transcurso desses 38 anos, os reflexos das discussões acadêmicas ocorridas no campo da Educação Física que também aqui se fizeram presentes, com buscas de soluções próprias que se apresentam sejam nos documentos e práticas que refletem e se efetivam nas propostas pedagógicas, sejam nas buscas e conquistas dos espaços políticos. Compreendemos, também, através das entrevistas, que a inserção da educação física como componente curricular, em um primeiro momento, imposta por determinação legal, hoje conquistou a sua legitimação através de suas práticas pedagógicas. Deste modo, a legitimidade que compreendemos existir hoje no Colégio em relação à Educação Física tem vínculos com o compromisso e dedicação dos profissionais que aqui passaram. Tal história foi realizada na prática cotidiana de cada um dos professores que fazemos questão de agora lembrar: Adriane Silva Tomáz, Agostinho Beethoven Macedo Beghelli Filho, Antônio Júlio Lopes Pinto, Antônio Passarela Freire, Carla Cristina Carvalho Pereira, David Carvalho Pinheiro, Délio da Silveira Dias, Dimitrius de Freitas Vargas, Diná Guimarães de Faria, Emiliana Simões, Graciela Ana Heugas de Granato, Janaína Garcia Sanches, José Augusto Rodrigues Pereira, José Eduardo Menezes Ladeira, José Luiz Lacerda, Margarida Cristina Zampieri, Maria José Senra de Carvalho Leal, Mary Rose Ferreira, Nelmar Oliveira Fernandes, Paulo Roberto Garcez de Oliveira, Rommuel Jaenike, Virgínia Faria do Valle Evangelista, Walter Garcia de Morais Filho e Wilson Vassallo Fagundes. 662 Quantas atividades coletivas e individuais! Quantos debates e reflexões, eventos acadêmicos e reuniões pedagógicas! Tudo, tendo em mente deixar a marca indelével no íntimo de cada aluno que por aqui passou.