Casa Turi-Sai-Um tipo JORGE (Recebido de casa timorense BARROS em 15-7-1971) Tipo de habitação timorense, característico de um grupo etno-linguistico da região de Maubisse. Reconhece-sepelas seguintes características: 1- Uma estrutura quadrilateral assente sobre colunas; 2--' Um telhado cónico; 3 -Um conjunto cacuminal, de madeira, constituído por: a) Uma espécie ,de clava ou pilão, cuja extremidade superior entumesce em bolbo; b) Um disco fenestrado ao centro, donde emerge a haste do referído pilão, cujo bolbo terminal lhe serve de tampão; 4-0 esquema dos três espaços (inferíor, habitacional, supra-habitacional); 5- Um tabuleiro-lareira, que divide o espaço habitacional em duas metades. A casa Turi-Sai estA impregnada de um profundo simbolismo sócio-mítico-religioso. A ela estA associada a Arvore sagrada HAli Beremau. The Turi-Sai house is a type of dwelling in Timor ;belonging to the ethno-linguistic group of the Maubisse region. Its features are: 1- A quadrilateral structure placed on pil1ars; 2 -A conical roof; 3 -A top complex consisting of : a) A kind of club-shaped implement whose upper extremity becomes bulbous; b) A centre hollowed disc from which emerges the above implementj 4-The vertical divisional scheme of three levels (inferior, habitational, superior) ; 5- A fire-place tray which divides the habitational level in two halves. The Turi-Sai house is deeply imbued in a socio, mythical and religious symbolism. The sacred tree Hâli Beremau is associated with it. SITUAÇÃO.. ORIGEM E CONSTRUÇÃO 1- O exemplar de casa que me serviu de base de investigação foi descoberto na pequena e quase extinta povoaçãode Turi-Sai, situada na montanha de Bessilau, como que a orlar a estrada de Dili-Aileu, a meia distância entre estas duas localidades. Ali se erguem, numa reentrância do terreno, duas casas indígenas construídas exclusivamente com materiais locais. De 1966 a 1969, visitei várias vezes o sítio, para estudar este tipo de casa, que parece caracterizar um grupo etno-linguístico predominante em Maubisse, donde são originários os habitantes de Turi-Sai, cuja origem próxima é, aliás, a povoação de Mánu-Sae-Mau-Ili, situada no monte Keo, um dos contrafortes da serra do Ramelau. Garc'fa de Orla, Sér. Antropo,Z., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 o referido grupo encontra-se também disperso, em pequenos núcleos, por Hatubuilico e Manufahi, como se pode supor pelas casas do mesmo tipo que nestes povos se nos deparam. 2- Das duas casas de Turi-Sai a principal e a maior é a Fad'-Cwlau (casa+casuarina), a casa uman6 (naen-ru-ni fada, isto é, casa dos dois tios ou sogros), que dista da estrada apenas uns escassos metros. A outra, mais recolhida numa prega da montanha, é Fad"-Hulcai (casa+ + lua) , a casa fet08á (man-heu ni fada, isto é, casa do genro). Os nomes de Culau e Hulcai, atribuídos, respectivamente, à casa umane e à casa fet08á de Turi-Sai, são patronímicos. O primeiro refere-se a um antepassado varão da metade umane , e o segundo, a um antepassado fêmea da metade fetosá. I BARROS, Jorge -Oasa Turi-Bai Está-se perante uma tradição comum a outros povos circunvizinhos a Timor, e até a ilhas bastante afastadas dela, como a de Tikopia, da qual diz Raymond Firth (1) : Many house-namesare ancestral, used by the family groups for many generations, perhaps since their founding. Louis Berthe, falando dos Bunaks, de Timor , explicita ainda mais a razão desta nominação ancestral dada às casas de linhagem ('2): Toute maison se définit donc elle-même, sur ce plan, par le double rapport dissymetrique, qui Ia lie d'une part à ses donneurs, de l'autre à sespreneurs de femmes. D'aprês Ia littérature orale, généalogique et mythique, recueillie sur place, ces relations se sont constituées une à une, dans le passé.Le cas le plus couramment exposé est celui d'un ancêtre épousant, par achat, une femme d'une autre lignée et fondant avec elle une maison, à laquelle il donne son nom. La maison de Ia femme devient alors le premier malu, historiquement, mais aussi quant au statut: c'est, pour les temps à venir, les malu pana gomo (malu gardien de Ia femme) , de Ia maison nouvellement fondée; tandis que cette derniêre vient éventuellementprendre place à Ia suite des autres ai-00'a de Ia maison malw. La lignée ou Ia maison du fondateur est dite malu mone (malu gardien de l'homme) , c'est-à-dire du fondateur lui. -même. Quanto às possíveis ramificações patronímicas derivadas de uma onomástica de estirpe comum, pode bem ter-se dado com os povos de Timor, portanto com os habitantes de Turi-Sai, o que Raymond Firth observa a respeito dos de Tikopia (8) : Certain other house-names in the community are affiliated with this one [nome patronímico inicial] , and examination of the reasons leads to ancestral linkage, family and clan history , and stories about the gods. -Um de casa timoren8e A onomástica observada em tais povos radica e ganha consistência, através de gerações, em factos extraordinários, reais ou lendários, e até na própria imemorialidade da sua origem, contribuindo tudo para se criar, em determinado grupo humano, a crédula tradição ou mito de uma genealogia divina do mesmo grupo. :É assim que os dato-bul dos Bunaks se crêem, segundo afirma L. Berthe, de origem divina (4). Por outro lado, a própria situação das casas em terrenos elevados denuncia a mesma crença e orgulho de uma ascendêncianobre ou até diyina, ou pelo menos pretende perpetuar a memÓria do fundador da linhagem, conforme refere dos BUnak8 o mesmo etnólogo francês (3). Na Fad'-Culau de Turi-Sai verifica-se ainda outra particularidade comum a outros povos, não só de Timor. como igualmente das ilhas vizinhas, e que vem referida por R. Firth a respeito dos habitantes de Tikopia (8) : On some of the most ancient sites, though a house still stands there, it is no longer utilized for residence, but is reserved as a temple to gods and ancestors of the group bearing its name. Considerada lúlik" a casa Culau" apesar ,de reduzida a ruínas quando a visitei pela última vez em 1969.nem por isso era tratada com menos respeito pelos descendentesde Beremau. antepassado dos actuais habitantes do sítio. o qual teria tido funções de chefe não só daquela família. senão também de toda a povoação. Surpreendia-se nitidamente nos rostos e comportamentos daqueleshomens um certo temor reverencial que se confundia inextricavelmente com uma espécie de culto religioso. sendo. por isso. vedada a uso profano qualquer peça da casa. ainda que insignificante e muito danificada. Não obstante encontrar-se em ruínas e totalmente inabitável. continuavam. mesmo assim. a celebrar-se na Fad' -Culau diversos ritos sagrados. 3- A construção das duas casas, ou pelo menos da Fad'-Culau) é atribuída a dois badaena (espécie de arquitecto-engenheiro, cumulativamente artista e artífice) de Maubisse, provavelmente da própria povoação de Manu-Sae-Mau-Di. (1) R. Firth, We The Tikopia, 1957, p. 81. (2) L. Berthe, «Le mari!age par '8iChatet la captation des gendres dans une société semi-féodale». Le6 Buna' àe TimiOr aentra~, p. 4. (3) R. Firth, Oip.cit., p. 81. 2 tipo (4) L. Berthe, op. cito, nota n.O 3. (3) Idem, ibidem. ( 6) R. Firth, opo cito, p. 81. Garcia àEJ Orta, Bér. AntropoZ., LIsboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 Suspeito que esta profissão tenha sido, até they take about four years to complete, há bem pouco tempo, hereditária, como o sacerfor the material must frequently be dócio gentílico, e tenha tido com este uma certa brought over long distances by most priafinidade, implicando porventura que ela fosse mitive means. prerrogativa exclusiva dos membros de uma família, que facilmente se ia constituindo em Do custo da Fad'.Culau e da enorme quanticlasse,pela sua própria proliferação e sucessivas dade e qualidade dos materiais reunidos na sua ramificações, subordinadas ao critério preferen- construção três conclusões se podem tirar: cial do casamento. Uma coisa, porém, é certa: no rito da consa1.0 O prestígio social e certo índice de gração da casa intervém um bada6n ao lado do fortuna da família ; cucun (sacerdote gentilico entre os Mambais). 2.0 Uma rede de parentesco de feto8áA casa Oulau custou cerca de 200 patacas -umane bastante vasta, que, indumexicanas (moeda de prata da República do bitavelmente, tornava mais suave a México muito usada em Timor antes da ocupacotização entre os membros da ção nipónica e avaliada hoje em cerca de 60$), família para a obra e mais fácil o além de dois búfalos. fornecimento e carreto de materiais Se nos lembrarmos, por um lado, de que a necessários,cujo transporte em terconstrução data de há mais de quarenta anos e, reno caprichosamenteravinoso terá por outro, de que o custo de vida subiu, em exigido, por vezes, não menos do muitos aspectos,à razão de 30'%, podemosobter que dezasseishomens robustos para uma ideia aproximada do montante a que ela uma só peça (prumos, vigas, etc.) ; terá obrigado os membros da família ou grupo 3,0 Uma característica e finalidades relide famílias directamente relacionadas com a giosas que adiante melhor se eviestirpe de Beremau e Culau. denciarão e que, por outro lado, A casa llulcai orçou apenas em 200 patacas tornaram mais espontânea e mais do Banco Nacional Ultramarino. generosa a solidariedade de todos I~oro o tempo despendidona construção de os componentes do grupo familiar qualquer das casas.Atento, porém, o número e as de Turi-Sai. dimensõesdos tabuões, colunas, pilares e barrotes e mais material empregado,como adiante se verá, facilmente se infere que a construção não poderá ter levado menos de três ou quatro anos, CARACTERl8TICA8 uma vez que tudo se passava em terreno assusta4- Passo a descrever a Fad'-Culau} que doramente acidentado. adopto como padrão deste tipo de habitação indíAlém disso, a própria obrigatoriedade de togena e será apenas dela que me ocuparei no dos Os membros das duas metades fet08á-umane presente trabalho. E, já que a mesma me serviu contribuírem com a sua quota-parte para a consde base de investigação e se presta a uma mais trução deve igualmente ter protraido esta por fácil exposição e identificação, adoptarei igualmais tempo, visto que nem todos podiam facilmente acorrer com a necessária prontidão às mente a designação-código«casa Turi-Bai» todas tarefas assumidas, muito particularmente os as vezesque, no decurso deste estudo, me referir parentes mais pobres e mais afastados, forçados a este tipo de habitação, considerada como casa de chefe de linhagem e, simultaneamente, ou a repetidas ausências de suas moradas e a tramesmo por isso, casa lúlik (casa sagrada) dos balhos agrlcolas situados, como a própria consmortos, antepassados do grupo etno-linguístico trução, nos meses secosdo ano. de Manu-Sae-Mau-IIi. Quanto a verbas e tempo gastos na construção das duas casas, sobretudo da Fad'-O'Ulau, A casa Turi-Sai reconhece-se com facilidade, podeestabelecer-seo confronto como que M.King pelas características seguintes: assinala às casas de Lospalos (1) : These structures are very expensive to erect (costing over f 1000 sterling) and (1) M. King, Ed6n To Paradise, 1963, p. 171. Garcia de Orla, Bér. Awtrolpol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1.34 1.0 Uma estrutura quadrilateral ; 2.0 Um telhado cónico; 3.0 Uma decoração cacuminal constituída por uma haste de madeira, espécie 3 BARROS, JOI'ge --4 Oasa Turi-8ai Um tipo de CaBa timorense de clava ou pilão gigante, cuja extremidade superior entumesceem bolbo e serve como que de tampão a um disco de madeira, relativamente avantajado e de centro fenestrado, donde emerge aquela primeira peça; 4.0 A adopção de três espaços: espaço térreo, florestado de seis colunas e seis pilares e aberto de todos os lados, onde os animais domésticos se abrigam, durante a noite e as horas da canícula ou quando chove, servindo-lhes de tecto o soalho do espaço médio que é o espaço propriamente habitacional; b) Um espaço médio, a que me acabo de referir, e que se pode considerar como ponto de referência para os outros dois espaços; c) Um terceiro espaço, sobreposto a este último, e que é uma espécie de celeiro-sótão. vivos, e a parte abaixo do sobrado, o dos espíritos da Natureza, geralmente atribuído aos animais. Ê a partir destas normas, consubstanciadas em mitos, lendas e até formas específicas de construção e ornato, que se torna possível investigar as origens dos povos que a elas aderem. O estudo cuidadoso de todos estes elementos descobre, para os Timorenses, centros de origem e dispersão, localizados em outras ilhas do arquipélago, e, até, fora dele, Samatra, Bornéu, Celebes e, a distâncias maiores, a Indochina e o Japão, são nomes a fixar. a) Um Ao espaço médio dá-se o nome de fad'lala (casa+dentro), ao passo que os outros dois espaços, o inferior e o superior, se denominam, respectivamente, leu-sua e ai-tete-lau. Referindo-se às casas indígenas erguidas sobre pilares e dimensionadas em três espaços, escreve Ruy Cinatti (8) : Assentam o sobrado sobre pilares, em obediência a normas que, segundo informação directa, traduzem preocupações antiquíssimas quanto à economia do espaço habitacional, à defesa contra inimigos e animais daninhos e ao respeito devido a uma concepção religiosa que, estatuindo a divisão do universo em três partes, estabelece para a casa igual divisão. Assim, o corpo do telhado envolve o mundo dos espíritos dos antepassados, a residência propriamente dita, o mundo dos (8) R. Cinatti, Ti1JO8de Oa8(1$Titmo'Yenses e Um Rito de OQmagroção, p. 5. 4 Esta observaçãode Ruy Cinatti é corroborada por trabalhos de diversos autores, como Schãrer, que, ao longo da sua bela obra N gaju Religion) abundantemente se refere à divisão do universo religioso em três partes (9). Cada um dos espaçosda casa Turi-Sai mede, aproximadamente, 6mX6m de superfície. O piso térreo e o espaço superior acusam um pé-direito de cerca de 2 m, devendo, todavia, notar-se que o espaçohabitacional sofre, na sua periferia, um pronunciado abatimento do pé-direito, condicionado pelas abas da cobertura cónica. Às características acima apontadas acrescente-se que toda a construção assenta no critério básico de um birnáriQconstante, quer de natureza social (fet08á-umatne)) quer de índole sexual (marido-mulher, varão-fêmea). ESPAÇO INFERIOR 5- Este espaço corresponde ao piso térreo que tem como tecto o soalho do espaço médio. Ê ricamente florestado de colunas e pilares. A floresta ,dessascolunas e pilares que aqui se nos deparam subordina-se à seguinte ordem hierárquica, pela sua importância tectónica e relevância mítico-sociológica, que lhe impõe a sua ordem de implantação no terreno: a) As duas colunas da cumeeira, isto é, a airuca maentu (coluna+homem+ + grande) e a airuca maenloba (coluna + homem + pequeno) ; (9) Schãr,er, Nga;ju Religwn, 1963, pp. 18, 21, 65, 70, 73, 76, etc. Garaia de Orla.. Bér. AntrQpoZ... LIBboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- aQ;8a Turi-Bai- b) As quatro colunas angulares denominadas ai-lidwn (pau + canto) ; c) Os seis pilares inferiores, chamados, ai-oé-badak (pau+perna+curto). a) «Airuca maentu» e «airuca maenloba» As duas colunas mais importantes não só do espaçoinferior mas também de toda a casa são a airuca maootu e a airuca maenloba~as quais sobematé cerca de 4 m de altura e medem,aproximadamente, 30 cm de diâmetro. São implantadas, uma, do lado da montanha~ e a outra, do lado do mar~sendo «montanha» e «mar» tomados aqui pelo nativo como pontos cardeais, relacionados com o nascente e poente. A coluna da montanha é a airuca maentu, e a do mar, a airuca maenloba. Note-se que as designaçõesde maentu e maenloba não são adjectivais, no mero sentido de fisicamente dimensionais, uma vez que as duas colunas são absolutamente idênticas nas suas dimensões.Trata-se, antes, de expressõesmítico-sociológicas e, quiçá, de nomes substantivais de carácter simultaneamente etnonímico e geonímico, Nesta última acepção não deixa de ser oportuno observar que existem no Posto Admi nistrativo de Maubisse dois sucos, dos mais aguerridos e rebeldes, com estes nomes. São os sucos de Mantu e Manloba. A airuca maentu e a airuca maenlobanão seriam, pois, o símbolo etnonímico da estirpe gentílica do pequenogrupo humano de Turi-Sai ? , ., O que não consente dúvidas é que as expressÕesmaentu e maenloba;evocam o tipo de aliança contraída através do matrimónio, em que os membros de uma metade passam a reconhecer e a tratar como irmãos os da outra metade. A expressão equivalente em tétum é Maun-álin (irmão mais velho-irmão mais novo) , ou ali-maun~ ou ainda ali-can (irmão mais novo+ + filho) , No rito da aliança ou pacto de sangue usado no Suro, região vizinha de Maubisse, faz-se menção clara dos dois prumos .da cumeeíra, como símbolos desta fraternidade pactual, considerando-se um, mau-cau (correspondente a maentu) , e o outro, mau-ali (correspondentea malenloba), O prumo cau (irmão mais velho) é o da montanha,' o outro, o Iprumo ali (irmão mais novo) , é o do mar. O primeiro é atribuído aos umane (metade da noiva) , o segundo aos feto8á (me. tade do noivo) ou mane-fau. (homem+ novo= =genro). Gar~ à6 Orla) Bér. AntropoZ.) Lisboa, 2 (1-2), 197,5, 1-34 Um tipo ae casa t'imorEmse Não se me afigura ocioso dar aqui a fórmula usada no referido rito do pacto de sangue, pois através dele se poderá tactear melhor toda a riqueza simbológica, oculta no paralelismo e contraste dos dois principais prumos da casa do Suro e, por analogia, também da casa Turi-Sai. Limitemo-nos por ora à parte que nos interessa da fórmula, uns três versos aparentemente muitos simples, mas, na realidade, densos de simbolismo: Mau-cau, ~u-aliJ Mi sulu rua.. Ai~Qe-pat. Irmão mais velho, irmão mais novo, Sois as duas colunas da cumeeira, Os quatro prumos angulares. A fórmula, desenvolvida em apódose, progride de um paralelo de contraste humano (irmão mais velho-irmão mais novo) para o equilíbrio alegórico das duas colunas, difundindo-se, em seguida, pelos quatro ângulos, em que os quatro prumos completam a unidade na quadratura tectónica, símbolo da estabilidade da sociedade fundada no sistema de fet08á-umane. O alegorismo que imediatamente se desprende desta fórmula ritual é suficientemente esclarecedor do pensamentomítico-sociológico do nativo da zona do Mambai ou até mesmo de todo o Timor . 6 -Para melhor realçar este pensamento, profundamente imbuído do sentido de solidariedade, de aliança, fraternidade, parentesco, tentemos, por momentos, retraçar a possível origem etimológica da expressão sulu TUa. O Dicionário de Daiaque Litoral ( Â Dicti<mary of Sea Dayak).. da autoria de N. C. Scott, recenceia o termo sulu com o significado de : a) Companheiro, aliado, amigo, parente, quase na mesma linha sinonímica do tétum malU!k ou maun-alin, ou do mambai mwu-cau mau-ali, ou ainda do malaio saudara,b) Pau aguçado numa das extremidades com que se abre uma cova para nela se espetar um prumo ou uma estaca~ nesta última aceMão que se diz em daiaque : «Iya ni aku sulu», que Scott verte assim: «He took my place (used as divorced wife's husband) .» (10) ~, portanto, nesta acepção pejora(10) N. c. Scott, A Dictionary Qf Bea.Dayak} 1956. 5 BARROS, JOI'ge- Casa Um tipo de CMa timorense Turi-Sai tiva que a expressão se aplica ao homem que se conturbernou com a mulher repudiada pelo marido. No mesmo dicionário se regista ainda o vocábulo daiaque 8Ulur J com os seguintes significados (11): 2.0 O do ângulo PMt. (poente-montanha); 3.0 O do ângulo NMr. (na8cente-'n'l{l,r); 4.0 O pMlmo do ângulo PMr. (poente-mar a) Vergôntea, rebento de uma planta; b) Descendência, dizendo-se, neste sentido, que fulano deixou ou não deixou descendência. A aceitarmos como provável esta aproximação, ou antes, identidade vocabular entre o mambai e o daiaque. sem dificuldade compreenderemos toda a importância que possam ter, na casa Turi-Sai, a airru;camaentu e a airuca maenloba. Quanto ao sentido etno-geonímicodas expressÕesmaentu e maenlobaJpor nós atrás insinuado, não se ocultará, porventura, numa simples evocação deste género, um dos variadíssimos mitos de génese,tão encontradiços em Timor e noutros povos vizinhos, mitos que tentam, como que por instinto, agarrar a origem esfumada deste ou daquele povo e se exprimem frequentemente em binários de contraste, como: homem-mulher, irmão mais velho-irmão mais novo; irmã mais velha-irmã mais nova; filho natural-filho adoptivo, etc? ... No caso de Maentu e MaenlobaJtratar-se-ia de dois irmãos que teriam sido a estirpe longínqua dos povos que, através de gerações, lhes conservaram o nome até hoje? ...Maentu seria então o irmão mais velho e Maenloba o mais novo? ... Em mitos destetipo é ao mais novo que cabem as simpatias da narração lendária e do seu epílogo moral. O esquema usado é algo evocativo dos paralelos bíblicos, de todos tão conhecidos: Caim-Abel, Esaú-Jacob, os irmãos de José do Egipto e este patriarca da história bíblica. b) «Ai-lidu» 7-Na ordem das colunas, seguem-se imediatamente às duas da cumeeira os quatro prumos angulares, que atingem pouco mais de 3 m acima do solo e medem cerca de 30 cm de diâmetro. A sua ordem de importância e de implantação no terreno é a seguinte : 1.0 O prumo do ângulo NMt. -mont~ha ) ; (11) 6 N. c. Scott, op. oit. ( nascente- ). Estes quatro prumos estão, por assim dizer, instintivamente relacionados com os quatro pontos cardeais, em diversos povos. Eles traçam, na casa Turi-Sai, as coordenadasdo espaço cósmico e do espaçosocial, compreendidoentre montanha e mar, nascente e poente, e repartido entre as duas metades feto8á-umane ( ...mi ~lu rua, ai-oe-pat ...). Os quatro ângulos da casa coincidem com os quatro cantos da Terra, e são, como estes,pontos igualmente sagrados. Uns e outros são assinalados pelos quatro prumos angulares (12). Penso que os prumos angulares são apelidados com nomes patronímicos, tribais ou lendários, como sucedecom os Malgaxes e os Ataúros e outros povos culturalmente afins, entre os quais a evocaçãodos antepassadosnão é apenas nominal nas colunas, mas também imagística, quer em escultura ou simples relevo, quer em pintura polícroma, como se verifica nos povos de Samatra, Nova Guiné, etc. (13). De tudo isto se pode sem dificuldade deduzir qual seja a importância dos quatro prumos angulares da casa Turi-Sai. c) «Ai-oe-badak» Finalmente temos os seis pilares inferiores, apenas com 2 m de altura, mas, em compensação, com um diâmetro talvez ligeiramente maior do que o dos prumos angulares. Estes seis pilares estão dispostos em duas linhas paralelas, no sentido de montanha-mar) formando, assim, três pares e ocupando uma superfície de cerca de 16 m:2,no interior de outro quadrado delimitado pelas colunas airuca-mae'ntu e airuca-maenloba e pelas colunas angulares. Temos, assim, duas linhas paralelas de colunas altas, constituídas cada uma por uma das colunas da cumeeira e duas angulares, sendouma linha do lado montanha e outra do lado mar . Perpendicularmentea estas duas primeiras linhas paralelas temos outras duas, interiores àquelas e constituídas por três pilares a nascentee outros (12) L. RagJ:an, Th6 TempZe and The H01l.s6)1{,(J4:. pp. 157, 160 e 164. (18) Idem, ibiàem) p. 166; Schnitger, Forgotten Kmgd.0m8 m Bumatra) 1964, pp. 150-153; Tibor Bodrogi, Art m North-East New Guinea) 1961, pp. 61-62. Garcia àEj Orla.. Bér. Antr()poZ... LIsboa, 2 (1-2), 1975. 1-34 três a poente..perfazendo tudo doze suportes da casa, número resultante dos números simbólicos 3 e 4, multiplicados entre si. A erecçãodos seis pilares do espaço inferior segue-seà das seis colunas maiores atrás mencionadas (da cumieira e dos ângulos da casa), começandosempre pelo par de pilares mais próximo da coluna airuca-ma.entu (a da montanha) e, em cada par, também sempre pelo pilar do nascente.Este critério prioritário, expressonuma geometria de linhas perpendiculares, acusa nitidamente a preocupaçãodas coordenadasda vida e da sociedade mambai de Turi-Sai. As seis colunas maiores sustentam a estrutura cupular da casa, ao passo que os pilares inferiores suportam o soalho da estância habitacional propriamente dita. Para tanto, estes pilares adelgaçam, a 1,50cm do solo, cerca de 50 cm do seu diâmetro e sofrem, na sua extremidade superior, uma chanfradura em que vai descansar (no sentido de nascente-poentee relativamente a cada par de pilares) uma viga roliça (ai-80ba).. com cerca de 6,50m de comprimento e 30 cm de diâmetro. As colunas wiruca-maentu e airuca-maenloba e as quatro angulares competem,quanto à tarefa de as aparelhar, transportar e implantar, à metade jet08á.. e os pilares inferiores, à metade umane. Porém, no que respeita à sua representação simbólica, não se dá precisamenteo mesmo. A ai~maentu é umane..e a airuca-maenloba.. fetosá. Igualmente umane são as duas colunas angulares do nascente..ao passo que as outras duas do poente são jet08á. Quanto aos pilares inferiores, mantém-se o mesmo critério distributivo e simbólico. O P.e Ezequiel Pascoal, falando das casas lúlík do suco de Mantu, refere-se a «prumos homens» e «prumos mulheres», respectivamente ri mane e ri kine em mambai, sendo estes últimos os mais .baixosda casa (14). Por seu turno, também L. Berthe fala de um «grand poteau mâle» (nulal mone ou lar) e de um «poteau femelle» (nulal pane ou 1wto) (15). Quanto ao número das colunas,ou prumos, da casa lúlik.. o p .e Ezequiel Pascoal asseveraserem oito, quatro altas e quatro baixas, respectivamente os «prumos-homens»e os «prumos-mulheres» (16).Mas não faz qualquer menção das duas (14) p.e E. E. Pascoal, A AZma de Timo1' V#8ta na Bua Fantooia, 1967, p. 86. (15) L. Berthe , op. cit., p. l1. (16) P.. E. E. Pascoa1,QP.cit., p. 86. Garc'ia. de Orla) Bé7'. AntrofJQl., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 colunas da cumeeira, não obstante a enorme importância tectónica e simbológica que lhes é atribuída pelos Mambais. ESPAÇO MÊDIO 8 -O espaçomédio ou de habitação propriamente dita (fad'lala) mede, como atrás se disse, aproximadamente 6 m X 6 m. Este piso assenta sobre três vigas roliças (ai-8oba)~suportadas pelos seis pilares do espaço inferior, acima descrito. Perpendicularmente às referidas vigas, e sobre elas, são colocadosdois barrotes (denominados ai-soba-lik-têdi) grosseiramente esquadriados, que ligam, um as duas colunas angulares do nascente~e o outro, as duas do poen-te. Ao nível destes barrotes, e na mesma direcção deles, é lançado o soalho da quadra habitacional, constituído por grossos tabuões (airaca) que medem,aproximadamente,6 m X 6 cm X 5 cm. Sobrepostos às extremidades destes tabuões, e com o objectivo de completar a cercadura quadrilateral do espaçomédio, são colocadosoutros dois barrotes, mal esquadriados, um do lado da montama~ o outro, do lado do mar~ os quais vão ligar-se, por entalhe, às extremidades dos dois primeiros barrotes. Como estes, também aqueles barrotes que se lhes sobrepõem se chamam ai-8oba-lik-têdi (barrote da parte inferior das paredes). A cerca de 2 m acima desta primeira cercadura, que delimita o soalho, forma-se uma segunda, constituída por quatro barrotes, idênticos aos de baixo e suportados pelas quatro colunas angulares e por doze pilaretes forqueados, de que mais adiante se fará a descrição. Os barrotes da cercadura superior chamam.,ge ai-8oba-lik-laun (barrote da parte superior da parede). As paredes (lik-lolo ) do espaçomédio são de grossastábuas,não serradas,masapenasaparadas a parão (espéciede catana curta, larga e grossa, usada nos trabalhos domésticos e agrícolas) , as quais medem, aproximadamente, 1,50m de comprimento, variando, porém, bastante a sua largura e espessura. Chamam-se airaca-lik-fada (tábua + parede+ casa) e justapõem-se verticalmente ao longo das quatro paredes da habitação propriamente dita, encaixadas em chanfraduras praticadas nos barrotes ai-80ba-lik-têdi (os de baixo) e ai-soba-lik-lau (os de cima) que 7 BARROS, Jorge- aMa Turi-Sai -Um formam as duas cercaduras de que acima se falou. A base do espaço superior ou celeiro-sótão, serve de tecto ao espaço médio. Porta, soleira e escada 9- Em toda a quadra habitacional existe apenas uma porta (da;mata)) colocada do lado do poente. lÊ de um só batente e abre de fora para dentro, rodando do mar para a montanha) da esquerda para a direita de quem entra. O batente, por sua vez, é de uma tábua única, me~ dindo, gr0880 modo) 1 m X 60 cm X 8 cm, e girando sobre gonzos de madeira, sem qualquer reforço metálico. Não tem fechadura, mas uma simples tranqueta de madeira, muito sólida. A porta forma com a soleira um todo, a que presumo estarem ligados uma simbologia e ritos e mitos muito peculiares, como sucede com os demais povos de Timor e os de outras ilhas vizinhas. Não é inoportuno observar que a casa llulcai tem duas portas: uma do lado da montanha) e outra, do lado do mar) sendo esta a principal. No vizinho povo do Suro, à porta da frente dá-se o nome de lacu-lau-um'-ulu (porta + casa + + cabeça) , e à de trás (da lareira) , o nome de lacu-lau-api-mata (porta + fogo + olho) .A primeira é considerada masculina ( mane) ) e a segunda, feminina (hiine). lÊ por esta porta que devem ser retirados do interior da casa a placenta e o cordão umbilical e todo o sangue menstrual. lÊ também por ela que sai o cadáver: é a porta do pôr do Sol! Os Bunaks adoptam idêntico simbolismo a este respeito, havendo também entre eles porta-homem e porta-mulher (17). O acesso de fora para a damata faz-se por um bambu ou estaca de madeira em que, para o efeito, se recortam estribos, intervalados 30 cm a 40 cm uns dos outros, para neles se estribar quem sobe. O facto de esta peça da casa se apresentar, mercê dos estribos nela praticados, denteada inspirou a sua designação de e8-nlifa (estaca + + dente) em mambai. No Suro julgo chamar-se nifa-oo) nome sugestivo de um simples toro plantado no chão, diante da porta. O mesmo vocábulo significa dente molar. (17) L. Berthe, op. cit., p. 23. 8 tipo de casa timorense A e8-nifa é peça amovível e encosta-se,não à soleira da porta, mas obliquamente à extremidade poente da viga central (das três denominadas ai-8oba que suportam o soalho do espaço médio).O ponto de apoio da extremidade inferior da e8-nifa fica do lado do mar" e o da sua extremidade superior, do lado da montanha. Por não ser escada fixa, mas apenas encostada, a e8-nifa chama-se também ai-8essa (estaca+encosto) em mambai. Sucede, por vezes, a es-nifa ou ai-8e88a ser substituída por uma espécie de banco estreito e curto ou cavalete, fixo no chão, diante da porta. É nele que, à guisa de degrau único, as pessoas se firmam para entrar na habitação. Esta, porém, não reveste qualquer simbolismo especial. Ê de índole e finalidade puramente funcionais. Suspeito que ela seja um dos muitos exemplos de aculturação sofrida pelo nativo em contacto com uma civilização superior. Julgo que a mesmapeça seja, não uma simples substituição funcional da e8-nifa ou aii-8essa,mas, antes, uma evolução do rudimentar e sólido toro espetado no chão, em frente da porta, como degrau único de acessoao interior da casa. 10--- Quase todos os povos primitivo8 cultivam uma simbologia própria, com um rico substrato mítico e uma forte expressividade ritual, ligados às peças que acabamosde descrever, isto é, a porta, a soleira e a escadaque lhe dá acesso. Lamento, no entanto, não haver podido recolher nada sobre a casa Turi-Sai neste particular. Julgo, porém, lícito deduzir, por analogia com o que habitualmente se passa com outros povos, afins ou vizinhos, o que o grupo humano de Turi-Sai possa crer, sentir e praticar, com respeito à damata e soleira e à respectiva e8-nifa ou ai-8e~ro. Na mitologia dos Ngaju de Bornéu encontra-se a expressão parta dOIiradaJcomo eufemismo «of the female pudenda» (18). Aproximemos deste eufemismo Ngaju a expressão tétum core le88U-matan (abrir a porta, desatando-lhe a corda que a segura), com que se designa a segunda parte das prendas pré-nupciais, símbolo do direito de entrar em negociaçÕesrelativas às condiçõesdo conjúgio, principalmente quanto ao dote ou preço da noiva ou também ao direito de a desflorar, verificando-se, nessa altura, simultaneamente, se ela ainda está tómak (inteira). (18) Schãrer, op. cit., p. 15. Ga1'c(:a de Orla) Sér. Antropol.) LIsboa, 2 (1~2). 1975, 1-34 Note-se que o termo tétum lê88U significa também pilão (almofariz) , e deriva do malaio, com igual significado. Nesta acepção, refere Schnitger o seguinte aforismo malaio aplicado à mulher fácil (19): Turi-Sai se pratique o mesmo rito pré-matrimonial acima descrito. A propósito de ritos desta índole, relacionados com a soleira da porta, pode afirmar-se o que perspicazmenteobserva J. Campbell (23): Lesoeng mentjari aloe, i.e. the rice-block is seeking the pounder. A constellation of images denoting the plunge and dissolution of consciusnessin the darkness of non-being must have been employed intentionally, from an early date, to represent the analogy of threshold rites to the Mystery of the entry of the child into the womb for birth. A versão tétum seria: lês8'U buca álu (mão procurando almofariz). No belo mito Maori de Maui, este herói ouve da boca de sua mãe, a divindade Taranga, o seguinte vaticínio (20) : Tu hás-de subir à soleira da porta da tua grande avó Hine-Nui-Tepo, e, então, nunca mais a morte terá algum domínio sobre os homens. Da soleira da casa afirma Lord Raglan (21): In most parts of the world you must not go through a doorway without observing the threshold ritual. E acrescenta (22) : The custam by which a bride is carried aver the threshald inta her new hame is very widespread. ll-E em Timor? ... Entre os povos de Hatubuilico, segundo informação directa, uma vez concluídas as negociaçõesrelativas ao valor do barlaque..abate-se um dos suínos oferecidos pela família da noiva (metade umane) e é servida uma refeição comunitária, na qual se apresentamapenasas vísceras do animal, reservando-se o mais para um rito ulterior, que consiste em a noiva passar por cima da cabeçado animal morto e estendido na soleira da porta, quando ela se despededos seus para se dirigir para casa do noivo, onde, à entrada, repetirá a mesma cerimônia. Tenha-se presente que a povoação de Manu-Sae-Mau-lli, donde parece descenderemos habitantes de Turi-Sai, é praticamente fronteiriça a Hatubuilico. Não será, pois, de admirar que em (19) (20) p.23. (21) (00) Garcia Schnitger, ov. c,,;t., p. 227. Sir George Grey, Polynesian Mythology, 1961, L. Raglan, op. c,,;t., p. 26. Idem, ibi<lem:. p. 28. de Orla, Sér. Por outro lado, o facto de a damata estar orientada para o poente e abrir de fora para dentro, rodando no mar para a m<mtwnha~aliado à circunstância de que o acesso a ela não se faz pela vulgar escada, mas sim por um bambu ou simples estaca, na base de um conceito ou de uma tropologia antropomórfica, tudo isto deve ser analisado à luz do simbolismo ambivalente que Schãrer descobre em «man and woman, sacred spear and sacred cloth [ ...] 1 sun and moon, west and east, upstream and downstream [variante de m<mtankae mar] (24), Antro2lo1., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 Esta ambivalência é indicativa do processo genético seguido pela Natureza e pelo Homem, no qual o macho procura a fêmea. A mesma ambivalência é igualmente sugestiva da praxe social adoptada em sociedades baseadas no dualismo fetosá-umane, em que os fet08á procuram os umane. Nem será de todo descabido aqui o que Hertz anota dos Maoris (2~): Among the Maori the expression tama tane, male side, designates the most diverse things: man's virility, descent in the paternal line, the east, creative force [ ...] ; while the expression tama wahine, female side, covers everything that is the contrary of these. This cosmic distinction rests on a primordial religious antithesis. Na sequência de toda esta simbologia, podemos ainda acrescentar que, no rito matrimonial dos Ngaju, o noivo se desloca para a casa da noiva, acompanhadode dois amigos ou parentes, (28) J. Campbe11,The Masks of God, 1960, pp. 65 e 66. (12.) Schãrer, op. cit., p. 19. (Z3) Hertz, Death and the Right Hand, 1907-1960, p.97. 9 um dos quais transporta uma lança (símbolo viril entre os Ngaju) e o outro, uma cana (igualmente símbolo de virilidade, pelo que lhe chamam também estaca da VIida (00). «llilia» 12 -No interior da residência propriamente dita ou espaçomédio, o observador depara com um tabuleiro, comprido e largo, assente no prÓprio soalho e formado por grossos tabuões, lajeados e cobertos de terra e cinza. Esse tabuleiro ostenta um rebordo ligeiramente alteado, com cerca de 6 mXO,65m. Trata-se de uma peça muito importante da casa.E a hilia (lareira), correspondenteao lali'an do tétum e à atalia do macassai. A hilia é linha de contiguidade das duas metades fet08á-uman;e,traço de união entre elas. Ê nela, consequentemente,que uns e outros se encontram e se unem, nos grandes momentos e nos actos solenes da comunidade classificatória. ;É por isso que nela se colocam panelas (ura), em número de duas ou quatro ou mesmo seis, apoiadas cada uma no vulgar trempe de três pedras erguidas em cutelo, para a confecção da ágape da aliança pela comunhão do fogo. Ignoro se a distinção classificatória de fet08á-umane se estendetambém às panelas colocadasna hilia. Se, de facto, assim for, penso que as do grupo umane ficam do lado da montanha, o lado mais nobre, pois é o lado dos rai-na'in (terra + dono), ao passo que as do grupo fet08á devem ficar do lado do mar, o lado dos adventícios. É ao fogo que a hilia deve o ser linha de contiguidade e traço de união e também zona sagrada, embora para um observador mais materialista ela não tenha mais do que uma finalidade exclusivamente culinária e de aquecimento em regiões montanhosas e frias, como Turi -Sai. A esta peça, simultaneamente utilitária e sagrada, pode aplicar-se o que, sobre a lareira, afirma de outros povos Uno Harva (~7): Le foyer est en outre le lien visible de la communauté familiale. (06) Schiirer, op. cit., p. 83. (27) U. Ha;rva, L~ Représentati0n8 Rel-igieuses à~ pe-u,ple8AltaJiq~, versão francesa de 1959, p. 166. 10 Mais adiante acrescenta (28) : Le foyer a pu devenir parfois, en tant que lien de Ia communauté familiale, surtout chez les peuples indo-germaniques,le sanctuaire central d'une grande famille ou d'une tribu. A união expressapela hilia é realçada, a nível conjugal, pelo próprio processo primitivo (obrigatório nos ritos sagrados) de ferir lume pela simples fricção de dois bocados de bambu com isca de gamute ou fibra de coco,numa simbologia que alegoriza o exercício da transmissão da vida, como nota L. Raglan a respeito dos Africanos(~9): The fire is then relit by means of the two sacred firesticks. Of these the pointed one is remarked as male and the holed one as female, and the process of making fire by friction of the two is compared to the intercourse of the sexes. o facto de a hilia se considerar centro da casa e eixo da comunidade familiar, clânica ou tribal, e também fonte de vida, pode explicar por que, em certos povos de Timor, segundo afirma o mesmo L. Raglan, havia uma espécie de sacerdotizas ou vestais que velavam continuamente pelo fogo sagrado e não podiam ser vistas em público (30). Ainda não há muitos anos (foi em 1967 ou 1968) encontrei, na aldeia de Matai (Suai) , uma dessas virgens ou vestais que durante cerca de vinte anos não vira nunca o Sol, fechada como estava na casa lúlikJ onde guardava o fogo sagrado. 13 -A kiliaJ como já se disse, é peça sagrada. Suponho até que à mulher parturiente ou mesmo só Dlenstruada é vedado tocar na kiliaJ embora pareça sugerir o contrário não só a expressão tétum tur-ahi (sentar + fogo) , como ainda a prória prática que esta expressão traduz e que consiste em a parturiente se aquecer ao calor da lareira, onde não se deitam pequenas achas, mas toros inteiros, que possaDl garantir UDl aquecimento permanente. N a lareira vulgar do tur-ahiJ trata-se de UD1sistema rudimentar de aque- (28) U. Harva, op. cit., p. 171. (29) L. Raglan, op. ctt., p. 81. ( 30) Idem, ibidem, p. 80. Garcfa, de Orla.. Bér. AntropoZ... LiSIboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge ---Casa u m Turi-Sai cimento com que se providencia à saúde da parturiente, ao passoque na hilia se procura simbolizar a união dos vários membros da comunidade fe.t08á-umane. Desconheçose existe alguma crença dos habitantes de Turi-Sai relativa a qualquer virtude generativa do fogo da hiliaJ tornando-o capaz de gravidar a mulher que se lhe chegue, como o criam os Romanos da sua divindade Fogo. Note-se, todavia, que para o nativo de muitas partes de Timor existe uma estreita relação entre a panela que se põe ao lume e as três pedras tradicionais que lhe formam a trempe. Para ele a panela é mulher, e as três pedras, o símbolo dos órgãos genitais do homem. lÊ neste simbolismo fálico que o indígena pensa, quando, ao proferir o número 3, ele se premune com o habitual «com licença», pronunciado por vezes da maneira mais bárbara. A mesma relação, existente entre a panela e as três pedras, parece poder descobrir-se entre o lume e o que se coze.O lume é imaginado como fecundante, ao passo que a comida que se cozeu, contida na panela, sugere a gestação. Não será, por certo, inteiramente alheia a este contexto alegórico a expressão bunak «o arroz está já cozido ou ainda não?», referida à mulher cujo dote foi ou não totalmente pago (31).Nem estoutra, dos Tikopias, alusiva ao rapaz já submetido ao rito da superincisão (incisão longitudinal da parte superior do prepúcio) (32): o seu lume já foi aceso. Mas a hilia não é só traço de união entre as duas metades. E, pelo contrário, também linha divisória, concretizaçãoda linha imaginária, projectada entre as duas principais colunas da casa, as colunasairu;ca-maentue airuca-mal;m,lQba, para dividir em duas metades a quadra habitacional : a metade de dentro (a do nascente), atribuída aos umane, e a outra, a de fora (a do poente), aos fet08á. Na foto que reproduz a hilia, vê-se uma esteira de palha estendida do lado de dentro, com a cabeceirapara a mootanha. Tenha-se presente o sentido correlativo entre nasoente-poente,montanha-mar. 14- A hiUa pode comparar-se à 8ór-lúli das casas do vizinho Suro, a qual não é senão uma grossa tábua, de 40 cm a 50 cm de largura, que ( 31) L. Berthe, (32) R. Firth, Garcia de OrtaJ tipo de casa Um;qren8e serve de divisória entre o interior da casa e a varanda, ou entre dois compartimentos da mesma casa, para o que ela é colocada à guisa de régua em cutelo. Esta peça das casas do Suro é igualmente sagrada como a hilia da casa Turi-Sai, conforme se depreendedo próprio qualificativo lúli do composto nominal 8ár-lúli. A tropologia unificativa da 8ár-lúli transparece, com admirável nitidez, na fórmula do rito de aliança usado no Suro, da qual reproduzimos apenas o primeiro dístico, quando falámos das colunas maentu e maenloba. Damo-la agora na íntegra: Mau-cau, mau-aZi, Mi 8UZUrua, ai-oe pat; LaGU-Zau um'-uZu; Zacu-Zau api-mata; SOR-LrJLl. Innão mais veiho I innão mais novo; o mais [vellio e o mais novo, Sois as duas colunas da cumeeira, as colunas [dos quatro cantos; A porta da frente, a porta da lareira: A SOR-Lt)'LI. A fórmula está concebida em dois dísticos, aparentementemuito siniples. Nos três primeiros versos vazaram-se sucessivos binários conceituais, baseados no chamado «paralelismo hebraico», ou melhor, «orientab>, e desenvolvidos, de modo sempre diferente, tanto na sua métrica como no seu alegorismo e substrato ideológico. O 1.0verso do 1.0 dístico simetriza, em absoluto equilíbrio, os dois hemistíquios, de que se compõe,e os termos do contraste mau-oou (irmão mais velho-irmão mais novo), cuja progressão se apresenta em forma de simples repetição ideológica. O seu ritmo é 'binário, com a ar8i.9 no primeiro membro de cada hemistíquio e a thems no último. O 2.0 verso desenvolveum binário conceitual em progressão não só rítmica e silábica, mas também simbológica, pois parte de uma simples bilateralidade (8Ulu rua) para a perfeição da unidade na quadratura (ai-oo pat). A perfeição da unidade na quadratura é ideia tão antiga e universal que já Aristóteles classificava o homem perfeito como «tetrágonos» (33). O 1.0 verso do 2.0 dístico, mantendo embora o processodo binário conceitual, faz, no entanto, uma regressão ao jogo contrastativo, desenvolvendo-o em ritmo quaternário (duplicação do op. ()Í/t., p. 9. op. ~'t., p. 430. Bér. AntropQl.J Lisboa, (8'8) 2 (1-2), 1975, 1-34 Rhet.~ Ill, XI, 2. 11 BARROS,JOrge, aMa Turi-Sai binário) com oito membros, oferecendo, assim, uma simbologia perfeita da proliferação do binário inicial mau-CalU.. mau-ali. O último verso da fórmula é a expressão da unidade perfeita em que se funde finalmente todo o binarismo dos versos anteriores; traça uma linha sagrada (lúli) de contiguidade, que distingue e une todos os mau-CalU,mau-ali.. para além de todas as vicissitudes, impondo-lhes o maior respeito pelo código da aliança. De tudo isto se infere que a hilia une e divide, é linha selectiva e exogâmica. Em certo modo, pode comparar-se à «porta» : é meio de comunicação e contacto e, ao mesmo tempo, de separação, pelo qual estreitamente se relacionam o exterior e o interiar ..o estranho e os da família, os umane e os jetosá.. os 'Vivos e os mortos.. os homens e o génio tutelar . 15 -Não é, pois, em vão que, em quase todos os povos de Timor, se confundem, em linha derivativa, as expressões ahi-mata (fogo + olho = =lareira, fogão) e estoutras: oda-matan (do tétum), damata (do mambai), sal-mata (do mambai de Manufahi) , significando todas estas três expressõesparta. Como se vê, o elemento mata permanece em todos os quatro compostos. Vem a propósito citar aqui as palavras de Priklonski (34): Le feu, en tant que transmetteur de l'offrande, n'est q'une porte par laquelle les dieux reçoivent ce qui leur est destiné. É por esta porta que o homem e a mulher recém-casadosentram em contacto íntimo um com o outro e ritualizam a sua primeira união carnal. A lareira ou o fogão têm, como o fogo que os motiva, uma função e um simbolismo unificativos. Exemplifica-o, de forma admirável, a designaçãodada, entre os Tikopias, à lareira ou fogão com que o noivo e a noiva ritualizam a sua primeira união marital. Chamam-lhe«te umu tanakiarna»ou «te umu tanaki»J o que, na versão de R. Firth, quer dizer: «The oven of joining», isto é, a lareira ou fogão vincular (SG) . O conceito básico destas expressõestikopias está bem subjacente à sua correlativa bunak, (84) Apuà U. HRrVIa, op. cit., p. 171. (S~) R. Firth, op. oit., p. 146. 12 - .u m tipo de casa tim()rense aplicada ao divórcio: «Barut guhu» (apagar com o sopro a chama da vela de cami) (36). Por outro lado, as referidas expressõestikopias não deixam de ser também evocativas do ahi-saun (fogo + aliança) do tétum, relacionado com um tipo de parentesco classificatório, assaz curioso e muito espalhado em Timor, com o seu nó central localizado na ahi-matan ou api-mata (lareira-fogão), onde tal parentesco se exprime em ritos mais ou menos solenes, com mais ou menos intervenientes. Todos os que nessesritos participam são ahi-saun uns dos outros, por consanguinidadeou afinidade ou adopção ou pacto de sangue ou mera conterraneidade. O parentesco de ahi-saun é assim designado não porque forçosamente o produza algum rito de fogo, mas porque ele se exprime pela comunhão do fogo, como parecem prová-lo certos ritos primiciais, como o do milho novo e o do fogo novo. Ritos pirolátricos 16 -O rito relacionado com o milho novo, praticado em Suai, consiste no seguinte: quando o milho já está de espiga formada, cada ahi-saun varão da comunidade leva sete espigas do milho novo à casa-mãe e coloca-as em volta da ahi-matan, que, nessa altura, deve ter o lume aceso. Só depois deste rito é que se pode comer do milho novo. Temos, assim, que é por ele que os membros de uma e outra metade reafirmam e reforçam a aliança existente entre uns e outros e a renovam com os espíritos dos seus mortos e com o ~in (génio tutelar) . A cerimónia que acabamosde descrever sofre variações por todo o Timor, consoante a região ou grupo étnico em que ela se realiza. O p .e Ezequiel refere uma variante, rica de pormenores,usada entre os Mambais da zona que compreendeHatubuilico, Maubissee Aileu. É, porém, omisso quanto ao uso do fogo (81). O rito do fogo novo também se pratica por todo o Timor, pode dizer-se. Chama-se 8au-ahi em tétum, oto-sau em bunak e ma88Uléem fataluco, se bem que esta última variante seja simultaneamente rito do milho novo e fogo novo (88). (86) L. Berthe, OIfJ.cit., p. 24. (81) p.e E. E. Pascoal, op. cit., pp. 91 e 92. (88) p.e J. Rodrigues, O Rei de Nári, 1962, pp. 113-126. Garcia de Orla, Sér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge ~ Oasa Turi-Bai- Este recurso ritual ao fogo não é exclusivo dos povos de Timor. Outros povos o celebram igualmente,com mais ou menos exuberância de fórmulas e gestos e com mais ou menos solenidade. Quanto a Turi-Sai, nada pude colher a este respeito. Todavia, dada a generalização do rito e também para se ter uma ideia de como ele possadecorrerentre OShabitantes daquelapovoação,passoa descrevê-loconforme ele é celebrado entre os Bunaks. Em fins de Outubro ou princípios de Novembro, costumam os Bunaks celebrar a festa do fogo novo, que se prolonga por sete dias. Ao pôr do Sol do primeiro dia realiza-se o mone itsu mit (reunião dos sete homens), que congreganum sítio os lúlik-na'in (guardiões das casassagradas) do suco, os quais se juntam em volta do bos8ok-àul (fatuk-hun do tétum) , espécie de altar circular de pedra solta ( de raio e altura variáveis) , a cingir um gondão lúlik, plantado por algum antepassado,cujo nome é hábito dar-seà árvore por ele plantada. Ê praxe realizar-se o mone itsu mit (homem+ sete+ sentar-se em reunião) , em torno do bossok-bruil do pho-gomo (guardião de casa lúlik) mais velho do suco. Nos dias que precedem a noite do 6,0 dia, os umanepercorrem as casas fet08á, para angariarem mantimentos suficientes para a ágape a realizar no 7,0 dia, Os mantimentos compreendem pevidesde abóbora, gengibre, carne seca, arroz, milho, etc. Na noite que precede o plenilúnio, cuja coincidêncianão é fortuita, mas de exigência ritual, desenrola-sea segunda fase da festa do fogo novo, a qual se denomina hul-sa'e (Lua + subir) ou dima-dada (azagaia+ espetar no chão).Esta última designação não significa que realmente se crave no chão alguma azagaia das sete a que aludeo texto lendário e ritual, Não passa de uma expressãomeramente evocativa da lenda (89) ou, quandomuito, de alguma cerimónia que porventura, em geraçõesmuito remotas, se celebrasse, mas que a voragem do tempo acabou por absorver completamente. Ê nesta fase que o pho-gomo decano do sucoavisa os seus pares de que devem anunciar aos seus povos a extinção de todo o fogo velho, na noite do 6.0 dia até à noite do 7.0 dia. Ainda ( 39) Alude-se aqui à lenda que atribui a fundação do reino dos Lamaquitos a sete irmãos ou aliados. Lama,. quito é corruptela de lama1c-hítu (prato+sete). Em vez d~ Zama1c-h(tutambém se diz háne1c-hítu. Garcia de Orla, Sér. AntrO!POl., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 Um tipo de casa t~mQrenaj é nesta altura que se realiza um pho (aruspício) , que consiste no que a seguir se descreve. Abate-se um porco preto (é sempre um macho) .O oficiante é o mesmopho-gamomais velho do suco, que, para isso, se serve de um 8Uli-pho (punhal + sagrado), podendo, todavia, esquartejar a vítima qualquer outro. Extraídas as vísceras do animal, só se faz a leitura (exame) do baço (bula em bunak e urat em tétum) , que, nestes casos, tem para os Bunaks gaga (boca) e ghebu (ânus).O baço com aspecto são é bom sinal. Mas se, pelo contrário, ele se apresentar muito enrubescido, agoira «sangue»: desavenças na fam,lia, guerras, morte violenta. Se a víscera se apresenta anevrada, é prenúncio de morte. Se a boca (a extremidade mais afunilada) estiver muito recoberta de gordura, é a nossa boca que fica tapada7isto é, prenúncio de morte, de adversidade, de insucesso. Se a boca estiver muito desembaraçadade gordura circundante, também isso é de mau agoiro. Do mesmo modo, se o ânus estiver todo envolvido em gordura, é também mau sinal. Após a leitura do bula7 feita pelo pho-gomo principal (o mais velho), este distribui por outros sete pho-gomo uma folha de bétel e um bocado de areca secaa cada um, não para mascar in loco, mas para os levar para casa. Todo este material de «masca»já se encontrava no altar b088Ok-buZ, desdeo primeiro dia da festa. Para a distribuição pelos sete phO-gomo o oficiante apenas escolhe sete folhas de bétel e sete bocadosde areca seca. Na noite do 6.0 dia, apaga-se todo o fogo velho, quer nas casas de habitação permanente, quer nas palhotas do campo e nos acampamentos à sombra das árvores. Dirigem-se então todos a caminho da ribeira, transportando consigo toda a comida, oportunamente preparada, para a ágape do 7.0 dia (o último), simulando um êxodo. Nesse mesmo dia, ao anoitecer, dirigem-se novamente para suas casas, onde ficam aguardando que desponte a bighémel (Estrela de Alva) .Nessa altura, o mesmo oficiante, que actuou durante todo este ritual, acende o fogo novo, do qual devem todos acender o seu fogo novo. Não pude descobrir qualquer fórmula ritual desta cerimónia. Pela descrição da festa bunak do fogo novo e pelas suas presumíveis afinidades com o conjunto de TUri-Sai, constituído pela casa, pela árvore Beremau (40)e pela hilia, pode, de alguma (40) No fim da descriçãoda casaTuri-Sai dâ-senoticia da árvore Beremau. 13 forma, conjecturar-se o que poderá ser o correspondente rito de Turi-Sai. «Ai-cabiuda», estaca de bambu, «hátu-máer» 17 -Outra particularidade de relevância que pude observar no espaço médio da Fad'-Culau são dois cabides bastante toscos, feitos de madeira e trabalhados à catana. Chamam-se ai-cabiWa (pau+ cabide). O segundo elemento deste composto nominal mambai acusa nitidamente a sua origem portuguesa. O vocábulo português sofreu, na sua passagem para mambai, uma metátese, encontradiça noutras palavras portuguesas,adulteradas, após a sua adopçãono dialecto mambai, como, por exemplo, serviço, transmutado em 8Urbius. Encontrei os dois cabides colocadosao fundo da parede do rl.a8centee a meia distância entre as colunas angulares do mesmo lado. Constam ambos de uma só peça e simulam chifres de búfalo, dispostos em três ordens verticais. O estilo curvilíneo dos ai-cabliuda de Turi-Sai tenta-nos a um confronto com os famosos croohets da Nova Guiné, os quais se sabe terem sido «employéspar les coupeurs de têtes comme moyen d'empaler le crâne des ennemis»(41). Será que para os antepassados dos actuais habitantes de Turi-Sai os seus ai-cabiuda tinham a mesma finalidade? ...Nesse caso, as cabeças não seriam espetadasnos ai-cabiuda, como sucede com os canibais da Nova Guiné, mas penduradas de uma corda presa aos mesmos ai-cabiuda. Das várias vezes que visitei a Fad'-Culau de Turi-Sai não vi senão umas espigas de milho penduradasde um dos cabides (o da montanha). O outro cabide (o do mar) não tinha nada. O facto de estas peças se designarem por um nome cuja composição denuncia claramente a influência portuguesa pode explicar-se perfeitamente pelo conhecido hermetismo religioso do nativo, que o leva a defender da curiosidade de estranhos coisas que na sua vida são consideradas sagradas, ou a ocultar a qualquer possível denunciante costumes bárbaros desterrados pela legislação e religião do malae. E, neste caso, o apelativo ai-cabliuda terá nascido muito perspicazmente da preciosa, embora aparente, analogia, se não das formas, ao menos de finalidades entre o vulgar cabide de parede e as peças da casa Turi-Sai. (41) .J. & P. Vllleminot, p.262. 14 La NouveUe-Guinée, 1966, Entre os dois cabides havia duas estacas de bambu, ensarilhadas uma na outra, donde pendiam relíquias dos antepassados (catanas, au-lÔ88Uou oohe-mama..respectivamente bambu e saquitel usados como recipientes do material de fumo e masca dos nativos) e oferendas que lhes eram dedicadas,como: espigas de milho, ramos de areca, etc. As duas estacas estavam atadas com filamentos de gamute,que,em muitos povos «primitivos», simboliza o cabelohumano, mais particularmente do púbis, como se verifica, por exemplo, com o Ataúro. Uma das estacas era mais comprida do que a outra e com a extremidade superior sobrepostaa esta. A linha da inclinação que ela acusava era no sentido de montanha-mar.. precisamente no sentido inverso da estaca mais curta. Ambas tinham nós, dos quais pendiam ossos, chifres e mandíbulas de animais sacrificados aos espíritos dos a'IJÓ8e aos génios tutelares. Serão as duas estacas de bambu uma versão miniaturizada das colunas airuca-maentu e ai11uca-maenZOba;'/ ... Apresenta-se, porém, talvez com mais fundamento de verdade a suposição de que se trata de uma discreta simbologia do intercâmbio sexual entre marido e mulher, não só como consorciados entre si, mas também como representantes das duas metades intervenientes no consórcio. Esta interpretação não se me afigura fora do contexto cultural de uma vasta zona que abrange povos do Sueste asiático e da Oceânia. Do aborígene da Austrália diz C. M. Bowra (4Q): Both the waistband of human hair and the coolibah tree with its sprawling roots are brought in with set intention, since both are symbols of fertility in man and nature. Hair plays a large part as a male emblem in the ritual songs of the Djanggawul and kindred rites, and roots of trees are connected with the male function in procreation. E mais adiante (43) The problem which beyond alI others obssesseshim [ o homem «primitivo» ] is that of procreation andfertility,notmerely in men but in the whole range of life. (~2) C. M. Bowra, Prim"tW6 ( 48) Idem, ibidem, p. 253. Garc'ia de Orta, Bér. Antropol" Bong, 1962, p. 252. Ljgboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge E, concluindo, acrescenta CaSa Turi-Sali A zona dos ai-cabiuda é considerada a mais sagrada de toda a casa. (44) : The symbols are chosen on a basis of association through their obvious resemblance to one another, and their relation to the central issue. Isoladas das duas primeiras estacas, de que acabo de falar, e colocadas na mesma parede, porémmais retiradas para o lado do mar..viam -se mais duas estacas de bambu, finas, atadas uma à outra, pela extremidade superior de uma e a inferior da outra. Estas duas estacas não se encontravam ensarilhadas como as duas primeiras, mas apenas atadas uma à outra e ambas fixas na parede. Ignoro a sua finalidade e simbolismo específico. Não julgo, porém, que elas apenas sirvam para descer do celeiro-sátão alguma corda de milho ou algum objecto inacessível à simples extensão da mão. Pois, para tanto, estariam encostadas à parede, e não atadas ou fixas à mesma. Servirão tão-somente para nelas se pendurarem oferendas, como sucede com as duas primeiras estacas?...Não parece improvável. 18 -Diante das estacas de bambu ensarilhadas e dos cabides havia duas pedras lisas, pequenas lajes ou aras (hátu-máer) J sobre as quais se costumam depor, para aplacar as iras dos avós, oferendas,como: arroz, milho, carne, bétel, areca, tuaca e água. Quando visitei a Fad'CulauJ em Setembro ou Outubro (mesesdedicadosa ritos de fertilidade) de 1967,os descendentesde Beremau tinham, dias antes, oferecido aos espíritos dos antepassados arroz misturado com milho pilado, tudo colocado sobre as duas lajes hátu-máerJ onde também se via um frasquinho, não sei se de sal ou de piripiri. Ao lado, 'havia uma garrafa com tuaca e uma caneca de ferro esmaltado a tapá-Ia; perto da garrafa, uma bilha de barro, com água, e ainda uma lata contendo areca e folhas de bétel. Por sobre o arroz e o milho zumbiam activas algumas abelhas, atraídas pela comida em fermentação. Perguntei pelo motivo daquelas oferendas propiciatórias ou expiatórias, e o chefe da família respondeu-meem tétum: «udalnla tau kleur 000» (já não chove há muito tempo) .Era, pois, necessáriopropiciar ou aplacar os espíritos irados dos avós, para que eles fizessem chover! ... ( 4-') c. Garcia M M. Bowra, Orla, Bér. op. clt., Anltropol., Noutros grupos mambais, esta zona localiza-se ao centro de um tabique divisório ;de toda a quadra habitacional. Assim o confirma o p .e Ezequiel E. Pascoal, que escreve ( 45): Encostam-nas [sete hastes de milho novo] ao tabique que divide a casa ao meio. No centro do tabique, metidos num bambu fenestrado, estão os chifres das cabras mortas na mesma cerimónia, nos anos anteriores. Penduram neles algumas maçarocas.Na base do tabique foram colocados, previamente, alguns lúliks, tais como uma espada,uma azagaia,uma pedra ou outros. tÊ-lhes oferecido milho novo juntamente com areca e bétel, depois de o cuco ter besuntado a testa dos circunstantes para os preservar de malefícios. A analogia, que imediatamente ressalta desta descriçãoe da que acima fizemos da zona antonomasticamente sagrada da casa Turi-Sai, insinua com legitimidade que num e noutro caso se celebram ritos cíclicos e de fertilidade, em que se rememoram os antepassados. Verifica-se, por outro lado, que no sancta sanctorum da casa Turi-Sai se mantém a preocupação paralelística ou o sentido de polaridade, na expressãode Hertz que do homem «primitivo» afirma o seguinte (4.6): Dualism, which is of the essence of primitive thought, dominates primitive socialorganization. Temos, assim: ,duaspedras de ara; dois cabides de pau simulando três ordens de chifres ou pares de chifres; duas canas ensarilhadas; duas outras canas apenas atadas; milho e arroz; garrafa e frasquinho; bilha e caneca; areca e bétel ; tuaca e água. Esta bipolaridade tem o seu eixo geográfico determinado pela montanha e pelo mar. O eixo social apoia-se nas metades fetO8á-umane. Em tudo isto se nota uma certa preocupação de «distinguir», o que nos sugere,de algum modo, (45) p.e E. E. Pascoal, o~. clt., p. 92. ( 46) R. Hertz, o~. ciiit., p. 95. p. 253 Lisboa, Um tipo d.e casa tilmore~ 2 (1-2), 1975, 1-34 15 BARROS, Jorge round and the Earth square. And a later edition of the Li-Cki describes the Ming T'ang (palace) as being round above and square below (as a commentator explains) to signify the roundness of Heaven and the squarenessof Earth. aquilo que U. Harva, citando Anokin, nos diz de certos povos altaicos (47): Les kormos [imagens representativas dos antepassados]provenant de Ia famille du mari sont placés du côté des hommes dans Ia tente, ceux de l'épouse dans Ia partie réservée aux femmes. Les Altaiens ont, en effet, Ia coutume de séparer les es. prits tutélaires des deux époux. Presumo que esta mesma bipolaridade se dá com os habitantes de Turi-Sai, no plano sócio-religioso. Assim, por exemplo, a pedra de ara do lado da montanha seria dedicadaaos espíritos dos antepassadosda metade u~neJ e a do lado do marJ aos antepassadosfet08á. Isto, porém, não invalida o profundo sentido de unidade que, entre eles, decorre do seu sistema dualista de fet08á-umaneJe que lhes impõe o regime preferencial de matrimónio dentro dessemesmo binário. Não se observam na casa quaisquer esculturas, incisos ou pinturas, que habitualmente, decoram as casas lúliks, expressamente construídas para custódia de objectos lúliks. Relativamente o Céu e a Terra, The belief that heaven is round and the earth square seernsto have been held in China at an early date. The altar to Heaven was enclosed in a circular space and that to Earth in a square, because according to the Yi-aking Heaven was (47) U. Harva, op. cit., p. 257. (48) L. Raglan, op. cit., p. 155, citando J. Rosa e Sickman & Soper. 16 casamento o mesmo cósmico autor entre (49) : In virtually alI of Indonesia the dualistic element is met with in the form of creation myths involving the marriage between Heaven {Sun) and Earth, out of which al1 life has come forth [ ...] . An example is the Fialarang myth of Timor. Men, animaIs and plants are directly or indirectly descendants of a Heaven Father and an Earth Mother . E, mais adiante, reproduzindo Frazer, acrescenta Raglan (50): In Lati and other islands there is an annual festival in honour of the Sun-God, who is believed to descendinto the sacred fig-tree to fertilize Grandmother Earth. The mystic union of Sun and Earth is dramatically represented in public, amid song and dance, by the real union of sexes under the tree. ESPAÇO SUPERIOR 19 ~O espaçosuperior, ou celeiro-sótão,tem por base seis tabuões e duas travessas) e por tecto, a cobertura cónica da casa. Este espaçocompleta o alçado da construção e demonstra claramente o seu plano, assente no duplo critério de um quadrado habitacional e um telhado cónico, ao mesmo tempo que permite detectar na casa Turi-Sai a influência de zonas culturais afins e até uma longínqua influência das grandes religiões orientais. Sabe-seque, tanto naquelas como nestas, a habitação-templo, na sua forma quadrangular e na sua cobertura cónica ou arredondada,simboliza o Céu e a Terra, bem como a união cósmica entre o Céu e a Terra. Dos Chinesesescreve L. Raglan (48): ao diz Costumes e ritos análogos são referidos, em relação às regiões costeiras de Bobonaro e do Suro, por M. King, que escreve (51): The custom, well authenticated in Java, that a married couple must have sexual intercourse in the rice paddies in order to increase the rice crop, is practised in many of the coastal areas of Bobonaro and Suro. Os ritos referidos por Frazer parecem insinuar uma certa correlação e analogia entre o Fogo e a Mulher, de um lado, e o Sol e a Terra, do outro ; o Fogo, como órgão integrante da kilia para fecundar a Mulher, e o Sol, como órgão integrante do Céu para fecundar a Terra. (49) L. Ragl:an, op. cit., p. 96, citando J. M. van der Kroef. ( 50) Idem, ibf,dem. (111)M. King, op. cit,' p. 152. Garcfía de Orla, Bér. AntropoX., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- aMa Turi-801i -Um 20- Os tabuões da base do celeiro-sótão são perpendicularesentre si. O primeiro a ser colocado é o que se apoia nos espigões das duas colunas airuca-maentu e airuca-maenlobaJ.seguidamente, os outros dois que o ladeiam e que têm as extremidades estribadas em quatro colunetas esquadriadas, t,erminadas em espigão e emergentesdos barrotes ai-8oba-lik-laun do lado da montanha e do mar. Sobrepostosa estes três primeiros tabuões lançam-se, em sentido perpendicular, outros três. Destes, os dois laterais também estribam as suas extremidades nos espigões de quatro colunetas que emergem dos barrotes ai-8oba-lik-laun do na.reente e do poente. No mesmo sentido dos três últimos tabuões são colocadasduas travessas, que se vão a:poiar apenas nos três primeiros tabuões do espaço superior. Os tabuões que formam a base deste espaço medemquaseo mesmoque as pranchas do soalho do espaçomédio. Os dois tabuões centrais ostentam, no ponto do seu cruzamento,um forame, onde se vai embeber a haste de uma peça chamada ai-manuk-rua (pau + galo + dois) , cuja descrição se dará mais adiante. Os vãos entre os tabuões são preenchidoscom painéis de cana espalmada, o conhecido fafúlu do tétum ou ul em mambai. A cana, depois de espalmada,é entrelaçada. lÊ no espaçosuperior, celeiro-sótão ou celeiro-arrecadação,que a família armazena os géneros alimentícios, como milho, em grão ou em maçaroca, mandioca seca,carne seca,etc., e também os seus pequenos haveres, metidos geralmente em cestos indígenas, e utensílios de trabalho e até de cozinha. Ê evidente que o calor e o fumo que se levantam da hilia tudo amarelecem e enegrecem no celeiro-arrecadaçãn. Galeria exterior 21- Ao nível dos barrotes ai-8oba-lik-laun ressaem,a toda a volta da casa, grossas pranchas, idênticas aos tabuões do soalho da quadra habitacional. Elas formam uma como que galeria exterior, onde costumam dormir as pessoas que, nas grandes festas da família, não cabem no espaço habitacional propriamente dito, ou jad'-lala. Esta espécie de galeria exterior faz também de celeiro ou arrecadação suplementar. As pranchas que formam a galeria exterior descansamsobre doze pilaretes forqueados ( aiGarcta de Orla, Bér. Ant1"0pol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 tipo de casa Hmorense -oe-anaJou ai-ri-anaJ ou ainda ai-uruca) , distribuídos pelos quatro lados da casa, a três e três para cada lado, os quais emergem dos barrotes ai-lik-têdi (os de baixo) do espaço médio. Os pilaretes medemcerca de 1,25cm de fuste e, a partir daí, forqueiam de modo que uma das suas ramificações progrida verticalmente e vá apoiar o barrote ai-li.k-laun (o de cima) , atrás mencionado, enquanto a outra se projecta horizontalmente para fora, como que em mísula, para sopesaras pranchas da galeria ou beliche exterior a que acima se aludiu. O acesso à galeria faz-se por dentro e por meio de simples estacas encostadas à parede da habitação propriamente dita. Como se vê, a galeria exterior, ou beliche-arrecadação suplementar, da casa Turi-Sai oferece algumas vantagens da vulgar varanda das casas do litoral. Quando é usada como beliche suplementar, os seus utentes costumam estender por cima das tábua,sesteiras feitas com material da região. As abas, muito abatidas, do telhado cónico recoberto de espessascamadas de capim e gamute defendem-nosdo frio nocturno das regiões altas, ao passo que o calor da kilia os aquece através da abertura interior da galeria. TELHADO 22-0 telhado chama-se fad'-kuku (casa+ + cimo) e é cuneiforme. A semelhança do telhado cónico com o tecto de uma tenda sugere-nos irresistivelmente o que sobre esta escreve U. Harva (112) : L'idée selon laquelle le ciel est un toit de tente est incontestablement de Ia plus haute antiquité. C'est probablement l'habitation primitive de l'homme qui a suscité cette image qui n'est pas exclusivement propre aux peuples sibériens. o mesmo autor cita, a propósito, culo 22 do capítulo XL de Isaías (.53): o versí- « [ ...] Qui extendit velut nihilum coelos et expandit eos sicut tabernaculum ad inhabitandum.» (52) U. Harva, (53) Idem, ~. op. cit.) p. 31. 17 BARROS,JOl'ge o telhado da casa Turi-Sai assenta nos seis tabuões e nas travessas da base do espaçosuperior e numa espéciede andaimes quadrangulares e interiores, sobrepostosuns aos outros, que afunilam progressivamente no sentido do fecho do cone. As abas do telhado medem cerca de 8 m de diâmetro. A altura, a partir das abas, é superior a 3 m; A estrutura do telhado cuneiforme é constituída pelas peças que a seguir se descrevem. Dos quatro ângulos da base do espaço superior partem quatro caibros (ai-fadó), que se vão encontrar no fecho do cone. Presumo serem estes caibros hine (mulher) .Em Ataúro, estas peçaschamam-sehata (mulher) .Tenha-se igualmente presente que, em tétum, se chama ai-inan (pau + mãe) ao toro deitado no chão, o qual, uma vez erguido verticalmente, deixa de assim se chamar. Os quatro caibros, de que estamos a falar, apoiam-setambém em quatro escoras de bambu ou madeira, que, por sua vez, se vão estribar na base da peça chamada ai-~nuk-rua, na linha tangencial desta com o forame praticado nos tabuões centrai.s,de que atrás se fez menção. Sobre os quatro caibros são lançados, à guisa de madre8, cinco coroamentos ou círculos concêntricos (man-lara), feitos de uma espécie de bambu .denominado au-ora, em mambai, um bambu fino e de paredes espessas,usado nas construções indígenas. As intersecçõesdos cinco coroamentos com os caibros, que os suportam, são fortemente atadas com liame de bambu (cubu8). Para completar a estrutura do cone partem da cercadura quadrangular da base do espaço superior para o vértice cerca de sessentalarazes (aid-ló=pau ou vara + direito) , à razão de quinze entre caibro e caibro.tÉ sobre eles que se lançam, à maneira de trama, aproximadamente outros dezoito coroamentos concêntricos, feitos de ripas (lára8) de bambu au-ora, atados aos larazes com fibras de bambu. O revestimento exterior do telhado e a sua impermeabilização obtêm-se pelo emprego de pequenosfeixes de capim (curbua), que se vão sobrepondo e atando às dezoito ripas circulares (láras) da segunda ordem de coroamento do telhado, em progressão ascendente,como se faz na colocaçãoda telha. O liame usado continua a ser a fibra de bambu. As diferentes camadas de capim são entremeadas de panos de gamute (nalU-hulu=tua18 queira + cabelo), isto é, de filamentos negros e rijos de tuaqueira, que as impermeabilizam. O processo de colocação dos panos de gamute consiste numa costura em que se usa uma agulha de bambu na qual se enfia a linha, feita do mesmo material. O último revestimento do telhado é exclusivamente feito com espessos panos de gamute, fortemente costurados às ripas horizontais da cobertura. Para facilitar o escoamento das águas das chuvas, o telhado acusa um ângulo bastante pronunciado, tornando o cone muito afunilado. Do telhado revestido e «impermeabilizado» ressaltam, como ponto de convergência e centro apical de toda a construção, o disco ai-ta1c-boir e uns 25 cm de colo da peça ai-fad'-huhu com o seu bolbo terminal. A casa não ostenta qualquer outro símbolo ou motivo decorativo, além do que assinalámos e pelo qual se diferencia claramente de qualquer outro tipo de casa indígena, mesmo entre os Mambais. Passamos seguidamente à descrição do conjunto de peças que representam a característica tectónica e simbológica mais relevante da casa Turi-Sai. «Ai-fad'-huhu», «bou-diu» 23 -O acima conjunto se guintes «ai-tak-boir», aludiu, «ai-manuk-rua» simbólico-decorativo, consta principalmente e a que das se- peças: a) A b) A ai-tak-boir ai-manuk-ruaJ c) A ai-fad'-huhu. ; A primeira destas peças consiste numa haste cilíndrica, de cerca 8 cm de diâmetro, que a pouco mais de 1 m do seu comprimento forqueia e atravessa o telhado, projectando, por cima do centro apical do cone, as suas duas ramificações. A segunda peça é um disco de madeira, com 55 cm de diâmetro e uma espessura de 5 cm, ostentando no centro um forame de cerca de 8 cm de diâmetro. A última peça é uma espéciede clava gigante, igualmente de madeira, terminada em bolbo; Ê constituída por uma haste esquadriada, que se introduz no forame do disco ai-tak-bair. O bolbo terminal faz aparentementede tampão do mesmo Ga.rc'ia de Vrfà) Sér. Antropol.) Lmboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge ~ Casa Turi-Sai -Um forame, como que a impedir que por este se infiltrem as águas das chuvas. A haste mede cercade 1,55cm de comprimento e 8 cm de grossura. O bolbo terminal tem cerca de 25 cm de diâmetro e 20 cm de altura. As primeiras vezesque visitei a casa Turi-Sai, a haste estava partida pela base e mantinha-se suspensacom o disco por cima do telhado, apenas apoiada nas extremidades dos dois galhos da ai-manuk-rua. Para obter um conjunto sólido, Os galhos da aí~manuk-rua..que se projectam por cima do telhado, vão abraçar e reforçar a haste, mal esquadriada,do pau de pilão ou clava aí-fad'-kuku que serve de eixo ao disco ai-tak-boir . A ligação dos galhos da aí-manuk-rua com a haste da aí-fad'-kuku faz-se por meio de duas pequenastravessas de bambu, denominadas ai-sak-su. Estas pequenas travessas de bambu introduzem-sena haste da clava ou pilão ( ai-fad'-huhu) cacuminal, que para tanto é fenestrada em dois sítios, sendo, depois, tudo fortemente atado com cordas de gamute e recoberto de panos do mesmo) ficando apenas descoberto o bolbo terminal e as extremidades das travessinhas ai-Sak-8U.. nas quais se costumam pendurar cordas de carne nas festas rituais. No interior da casa, precisamente na base do espaçosu~rior, a extremidade da wi-manuk-rua.. que, segundo se disse, é cilíndrica, atravessa os dois tabuões centrais, de que atrás de falou, pelo forame neles praticado, servindo-lhe de tampão, ao mesmotempo que recebe,por baixo dos referidostabuões,uma espéciede crescenteou chifre de búfalo, de madeira, de cerca de 50 cm de envergadura. Esta peça, crescenteou chifre de búfalo, é utilizada como cabide e como travessa ou travinca,para segurar e travar a haste da wi-manuk~ -rua..que, para o efeito, é igualmente fenestrada. A travessa ou travinca, em forma de crescente ou chifre de búfalo, chama-se bou-diu (avô + + chifre) ou simplesmente diu ou ainda 8U8sa (travessa, aldraba, cunha). Aai-manuk-rua mede, em todo o seu comprimento, cerca de 3 m. Umas décadas atrás, segundo informação directa de um dos actuais ocupantesda casa Turi-Sai, esta peça ostentava decoraçõesalegóricas e motivos míticos, gravados ao longo do seu comprimento, o que me leva a suspeitar que se trata de peça ancestral, evocativa do fundador da linhagem. 24- Se bem se atentar na distribuição e disposição das diversas peças que formam o conGar~ de Orta, Bér. .AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 tipo de casa timorense junto acabado de descrever, sem grande dificuldade se descobrirá que nelas se mantém um critério simetrizante que ora se exprime por simples correspondênciaparalelística dos elementos concorrentes, ora se apresenta em contraposições das duas metades sociais fet08á-umane ou dos dois sexosque compõemo casal. E tudo isso combinado em dois grupos ternários: um, situado na fad'-lala (interior da casa), outro, na fad'-kuku (telhado da casa), considerado,porventura, como réplica do primeiro. O ternário do interior da casa é constituído pelas seguintes peças: a) A wi;-manuk-rua; b) Os tabuões centrais da base do espaço superior, perpendiculares entre si e íoraminados no ponto do seu cruzamento; c) O OOu-diu ou 8ussa. o segundo grupo, o do telhado, a) A ai-fad'-huhu, b) O disco ai-tak-boir c) As travessinhas ai-sak-8U. ou clava consta de : gigante; J. de bambu chamadas Este jogo de ternári08 pode reduzir-se a três paralelos: a) Um paralelo formado pela ai-mánuk-rua) correspondente à ai-fad'-huhu) uma e outra peças masculinas ; b) Segundo paralelo resultante da simetria de peças fêmeas: os tabuões centrais foraminados, de um lado, e o disco ai-tak-bOIir) do outro; c) Terceiro e último paralelo que simetriza o boU'-diu e as travessinhas de bambu, chamadas ai-8ak-8U) do telhado. Estes paralelos podem apresentar-seainda em três binários de contraste: a) o primeiro contrapõe, em contraste de sexos, a ai-manuk-rua (peça masculina) aos tabuões furados (peças fêmeas); b) O segundo, também em contraste de sexos, é a contraposição da ai-fad'-huhu (peça masculina) com a ai-tak-boir (peça fêmea) ; 19 BARROS,Jorge c) o terceiro posições binário contrapõe porte) «AI-MANUK-RUA»: é de e finalidades o bou-diu (peças de coroamento mento) (54) . DA de peças (peça travessinhas ÁRVORE contraste das às Um tipo de casa tim()renS6 Ga$a Turi-Sai de e su- ai-8ak-8U e traveja- VIDA 25 -Este processo de binários e ternários é porventura uma refracção decorativa de um conceito unitário, mítico-genético, aflorado da criança na árvore da vida e de um culto clara ou vagamente itifálico. Uma e outra coisa são facilmente reconhecíveis na cultura indiana, indonésia e melanésia; é também comum a povos altaicos e aos da Mesopotâmia e ,de África. Da árvore da vida diz F. A. Wagner (55): All over the world the tree is commonly regarded as a magic or mystic symbol, as the «tree of heaven», for instance, or the «tree of life». This symbol is not only to be found in this form in Indian literature and sculpture, but the tree of life is often also used, specially on textiles, by several of the Indonesian tribes that remain unaffected by external culture influences. o autor apresenta, a p. 16 da obra de que extraímos esta citação, em foto colorida, uma secção de pano indígena de Sumba, estilizada, com dois pássaros poisados em ramos opostos. O mesmo motivo se encontra frequentemente em panos timorenses de Suai e Oecussee em trabalhos de palhinha policromada de Maubara, Ermera e Same, como, por exemplo, as conhecidas tabaqueiras e os cestos. Outro exemplo disso são os recipientes de bambu e as tatuagens. O simbolismo da árvore da vida aparecetambém noutros povos do Sueste da Ásia, como, por exemplo, entre os Ngaju de Bornéu, cuja crença na árvore da vida Schiirer descobriu sobretudo nos seus desenhos religiosos. Nestes, afirma o autor que se vê a árvore da vida coroar o tecto da casa ('1;6): In religious drawings it crowns the house. o coroamento da casa com a árvore da vida também se verifica nos desenhos dos gnungan de Java {õ7). No fim da sua obra, já aqui várias vezes citada, Schãrer dá, em apêndice,o poemado mito da Criação, texto ngaju relativamente longo, desenvolvido em 269 estrofes, nas quais se faz abundante referência à árvore da vida e às duas aves genesíacas( male and female hombill) nelas poisadas {Õ8) . 26 -Será que esta simbologia arbórea, tão espalhada em todo o Oriente, nos permite descobrir na ai-manuk-rua da casa Turi-Sai um fac-símile da árvore da vida indiana, indonésia e melanésia? ...O próprio nome da peça, fortemente sugestivo do mito da árvore da vida com as suas duas aves genesíacas,parece confirmá-lo. Com efeito, o compostosubstancial ai-manuk-ruaJ que designa a peça assim chamada,não significa outra coisa senão árvore ou pau das duas ave8Jdesignação perfeitamente coincidente com a linha mítica da árvore da Criação e as duas aves que lhe completam a narrativa da Génese. Pela sua configuração cónica, a cobertura da casa Turi-Sai sugere a tenda cónica de muitos povos orientais. Por seu turno, a ai-manuk-rua lembra a coluna central que suporta o tecto da tenda, e que é, na mitologia dessespovos, figurativa da árvore da vida ou árvore cósmica.Desta coluna central, árvore da vida ou árvore cósmica, diz Campbell (59): We note, furthermore, the surprising detail of the central pole, which in the higher Mythologies becomesinterpreted as the world-uniting and supporting Cosmic Tree, World Mountain, axis mundi7 or sacred sanctuary, to which both the social order and the meditations of the individual are to be direeted. A mesma prerrogativa unificativa atribuída por Campbell à coluna central da yurt altaica é reconhecida por Schãrer na árvore da ~ dos Ngaju de Bornéu, da qual diz (iJO): The tree of life stands between Upperworld and Underworld, as the totality of both worlds. [ the tree ] (~1) F. A. Wagner, op. cit., p. ,132. (58) Schãrer, op. cit., p. 163-203. (~9) J. Campbell, op. cit., p. 359. (60) Schãrer, op. cit., p. 33. (M) Cf. J. Campbell, op. cit.J pp. 121 e 125. (55) F. A. Wlagner, InIloneM..:-Art of the world (tradução de A. E. Keep), p. 128. (3'6) Schãrer, op. cit.J p. 32. 20 Gar~ àB ort<i, Sér. AntropoZ., Lis,boa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- Casa Turi-S<IIi -Um Parece ficar assim esclarecido qual seja a posição e função da ai-manuk-rua na cosmologia e estrutura social do grupo étnico a que pertence Turi-Sai: os dois galhos entroncados na mesma haste. .. 27- A par do sentido mítico que nela se descobre, a ai-manuk-rua) formando um todo com o cobertura cónica, simula a árvore com que frequentemente o timorense alegoriza a realeza, a chefia, o prestígio social ou, como no caso de Turi-Sai, a origem da vida ou a estirpe de uma família. As árvores típicas destes alegorismo são a hali (gondão) e o calkeu ( casuarina) . A primeira aparece nos seguintes versos de um sidón (elegia) em que se pranteia a morte de um liurai: Deho'u haZi Zeon. KiZat tá mate, KiZat Zeten tá mate HaJi leon kma1lek. tipo de casa timQT6'nSe Hei 1W!in Mau-Têtik, Obu na'in Mau-Têtik Nanoin 1.a lm, Naneo 1.a liu, Na/oU feto f,da, Feto OQ88a-Luan hauri Oádus MaMO. NafoU to'o mai, ai nafunan, NafoU to'o mai, ai nadiki: Naàiki crai raik, cahi raik d.e'it, Na!wna crai raik, ba8sa raik d.e'it; Bas8a nala ra.jk de'it, Oahi 1Wla raik Mit. Ai tá Sic<m8, Funan us8i Bau-Berek, Ussi Bere-Bauk aman, Bere-Bauk ladiki, Laculó na'in. o Leki, tu és o senhor do centro da Terra, Leki-Luk, tu és o dominador do centro da [Terra. Tombou o grande gondão. O fogo feriu de morte, O fogo do Céu feriu de morte O frondoso e esbelto gondão. Graças a ti a ârvore não foi cortada, Graças a ti é que a ârvore se não partiu. Por sua vez, o cakeu (culau em mambai) é figura predominante no seguinte dôlin (poema lírico de carácter narrativo) , em que a linha genealógica de uma casa real é simbolizada pela casuarina ou cakeu: o cakeu que estimo como oiro não será. [cortado, O cakeu de alto valor não serâ quebrado. Serâ conservado para que a ele se [a Lêki eh! Rai matan na-'in ba 6, Lêki eh! Rai matan na'in ba 6, õ ha'e ~ ai 1.a tá, ó ha;'e madadin ai 1.a 8ilu. Ai cakeu cala murak la tá, Ai cakeu cala murak la siZu. Serâ conservado para que a ele se [a Se acolha para Se acolha para Que se mantenha constituir manter a real prole, abrigue tenra real a real acolha tenra prole; família, descendência. descendência, suplica Mali~Mauk; H ela hala oa nurak rêli a há, H eila hala oa nurak rali a 00. RaZi a bá TOm tau RêU a ba Todt fut S~'a tada ba ta;da Mau-Têtik.. Mau-Têtik. Obu na'in Mau-Têtik, Hei na'in Mau-Tétik. Nafoli feto ida, Feto Títtr-Luan houri Rai Ué-Hali. Sér. Antropol., casa real, suspira o senhor avô Mau-Têtik, O velho avô Amu-Têtik, Pensa aturadamente, Medita profundamente : Apreça uma donzeta, A jovem Cassa-Luan, oriunda De Câdus Manéo. Nanoin Za liu, Nanoo Za liu. Garc'ia de Orla, a o senhor avô Mau~Têtik, O velho avô Mau-Têtik, Pensa maduramente, Reflecte seriamente : Apreça uma donzela, A jovem Titir-Luan, oriunda De terras ,de Ué-Hali. namuZak, sad.fa. bei constitua Pede-o ao avô Mau-Têtik, Suplica-o ao avô Mau-Têtik. Bárin. ôbu ba se Maull-Mauk. Bárin, Fui Bárin Mali-Mauk Tau Bárin Mali-Mauk Namulak Que LIs,boa, 2 (1-2), 1975, 1-34 21 OUSa Turi-Bai BARROS,Jorge u m ti.p() de casa t"ilmorens6 Chegada a donzela apreçada, floriu a ârvore, Chegada a donzela adquirida, deu rebentos [a ârvore: Deu rebentos dobrados com o peso, pendentes [até. baixo, Floriu até baixo, a tocar o chão, A tocar o chão, A pender junto à terra. E a estrofe termina com esta definição tica do estado conjugal : A extinta árvore de Sicone Floriu em Ussi-Bau.,Ber~k, Pai de Ussi-Bere.,Bauk, Bere-Bauk de Ladíki, Senhor de Laculó. Note-se, de passagem, a extraordinária coincidência entre a designação de Fad'-Culau (casa + casuarina) dada à casa-mãe de Turi-Sai e a alegoria do poema ora vertido, enflorando uma e outra a família de Turi-Sai com honras de linhagem enobrecida. 28 -Como se vê, a poesia oral timorense oferece um adminículo nada insignificante à interpretação até das várias peças de que se compõe a casa indígena. Recorramos uma vez mais a ela para um conhecimento interpretativo mais exacto da ai-manuk-rua. No rito do casamento gentílico timorense, os anciãos representantes das duas casas ou metades contraentes dialogam entre si nestes termos : Nahu r~, Ita rua hassa'e 0'/Ia oa feto, Ita rua hodi hatur 0'/Ia oa mane Ba fafata rohan, Ba aIi-lain tutun. Seguidamente, Nós dois já elevámos a filha, Nós dois já colocámos o filho 1-'as extremidades da fafata, No topo da estaca viçosa. Dirigindo-se o oficiante em exorta-os seguida com aos estes é'mi rua issi Balo é'mi rua ZQlo ida idn. ona, 01Ja. Fazendo-vos aos dois uma só carne, Tornando-vos a ambos um só corpo. Parece, assim, que a ai-manuk-rua é também símbolo do casal: dois galhos numa só haste. O galho-homem a nascente, o galho-mulher a poente. A menção da /a/ata (que não é outra coisa senão a tábua ou viga que remata muitas casas timorenses) apoia-se no facto de, nessas casas, aparecerem muitas vezes dois pássaros empoleirados nas extremidades desseremate da habitação nativa, simbolizando o casal progenitor já falecido. Ã imitação dos que deixaram descendência, augura-se aos nubentes igual fecundidade, identificando-os poeticamente com o símbolo vital. SIMBOLO ITIF ALICO 29- Passemos agora à interpretação da ai--fad'huhu com o respectivo ai-tak-OOir. O seu sentido simbólico está desvendado nos versos acima analisados : recém-casados, : [É sabido que a /a/ata ostenta dois pássaros empoleirados nas suas extremidades, ao passo que a ai-manuk~rua 8Up;(Yrtaa ari-tak-bO!ilr e a ai-fad'huhu) simbolizando aquela a mulher, e esta, o homem. Este simbolismo é corrente na cultura híndu, na Indonésia, na Melanésia, particularmente na Nova Guiné. A este respeito escreve Campbell (61): There have been found [ ...] a number of simple sexual symbols: cone-shaped or Durante estes dias, Ao longo deste tempo, Nós, as ,duas extremidades, Nós, as duas 'pontas, 22 HalQ poé- Para \'os eJJe~r a lambds, Para vos colocar aos dois, Nas extremidades da /a/ata, No topQ da estaca viçosa. versos lha loron hirak nele, lha uain hirak nele, Ami rohan rua, A m$ sudin rua SQuru 1n4ltu malu, Haljbur mutuk, Hodi hassa'e 00Ia émi rua, H odi hatur ona émi rua Ba /a/ata rohan, Ba ai-Zain tutun. Nos reunimos, Nos congregâmos, Para vos el~var aos dois, Para vos colocar a ambos Nas extremidades da fafata, No topo da estaca viçosa. (61) J. Campbell, op. cit., p. 437. Garcia de QrtG, Sér. AntropoZ., L\SJboo., 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- Casa Turi-Bai- Um phalic erect stones, denoting the male, and circular stones with a hollow center, representing the female. Such primitive forms (known as lingam and yani) are still the most common objects of worship in India, whether in temples, in the open country , or in the household cult. Surviving from the tradition of the neolithic, they outnumber statistically all the other types of Indian sacred images, and occur most commonly in association, specially, with Shiva and his goddess,Devi. Esta simbologia sexual deve ter-se espalhado pela Birmânia, Mal ásia e Indonésia, a partir do século VI a. C. A propósito da difusão da influência cultural indiana, observa C. A. Fisher (62): By the 6th century explorers and traders were edging their way along the coast to Bunna, the Malay peninsula and the Western islands of Indonesia, probably in search of gold and other precious metaIs. E acrescenta (63) : Indian civilization gradually spread over the greater part of the coastlands of Indonesia and the Indo-Pacific peninsula as far as western and southern Anam respectively. A influência entre os Fisher (64) : cultural séculos xn indiana e XIV, atingiu segundo Timor escreve By tbe second half of the first millenium A. D., Indian cultural influence had begun to spread farther afield, ultimately reaching eastwards to the coast of Timor and the Molucas, and inland to the highlands of western Sumatra by the 12th-14th century. Por certo que esta influência se não fez directamente, mas primeiro através da hegemonia política e consequente difusão cultural do império samatrensede Sri-Vidjaia, entre os séculos IX e xn a. D., depois através da influência polí(62) C. A. Fisher, Bouth-east (63) Fisher, op. cit., p. 84. (64) Idem, ibjdem, p. 247. Garcia; de Orla, Sér. AntropoZ., 2 (1-2), 1975, ~ 1-34 ca.sa timorense tica, económica e cultural do império javanês de Madjapahit, dos séculos xn a XVI, não obstante afirmar Fisher (65): Already by the 5th century A. D. several small Indian kingdoms had grown up along the coast of Sumatra, Java and Borneo. 30- Estas sucessivassobreposiçõesculturais parecem autorizar-nos a filiar nos rice-blocks (almofariz de pedra ou madeira, com uma ou mais bocas, para o descasquedo arroz) indonésios certos usos e costurnes timorenses e certos remates de telhado, em forma de barco, que se observam em muitas casas, sobretudo da zona do mambai. Desses rice-blocks diz Schnitger (66): The rice-block indicates the social position of the owner. The mightier he is, the more holes are to be found in his mortar [ ...] .lt is regarded a8 a boot J.there are various Javanese stories wherein is narrated how people went accross the sea <m a rice-blook. Often tke rice-blook8 are made in tke shape of a boat. o simbolismo destes rice-block8 é idêntico ao que se observa na ai-tak-boir com a respectiva ai-fad'-kuku da casa Turi-Sai: é de natureza sexual. A este propósito observa Schnitger (67) : The rice-block is regarded as a womam and the pounder [ mão do gral ou pau de pilão] as a man. The Malays use a particular saying for a woman showing coquetry: «The rice-block is seeking the pounder (lessoeng mentjari aloe) ». A versão literal do aforismo mal aio em tétum seria: lêssun buca álu (o pilão procura o pau de pilão) . O pau de pilão é olhado como coisa sagrada, da mesma forma que o falo. Com razão nota ainda Schnitger (;!8): In Timor it is not allowed to step over a pounder, becauseby doing so one gets (65) (66) (67) (68) Asia, 1964, p. 83. Lisboa, tipo Fisher, op. cito} ppo 106 e 109-117. Schnitger, op. c1!t.} p. 227. Schnitger, op. cito} po 227. Idem, ibtdemo 23 BAP.ROS, Jorge a pain in the breast; one never sits down on a rice-block. That rice-block, one says, looks like a person without a head, and if one sits down on it, one will perish in war and lose one's head. E acrescenta (69) VVhen the father has passed avvay, he is represented by a rice-pounder, the end of which is vvrapped up with a head-cloth. o tabu de que fala Schnitger só se refere, segundopresumo, ao almofariz e respectiva mão usados como emblemas, e não aos pilões de uso quotidiano. O mesmo tabu deve ter inspirado um sítio de mais recato para aquelas peças emblemáticas, para, assim, as defender melhor de possíveis desacatos.Daí o serem elas colocadas no topo da casa. Ê possível que o inato receio, profundamente ,supersticioso,do Timorense por estes símbolos se tenha tornado extensivo aos utensílios usadosno descasquedo arroz e na trituração do milho. Pelo menos é presumível que assim suceda num ou noutro caso. O facto de a posição social de um indivíduo se aferir, entre os Bataques, pelo número de bocas do seu pilão (lêssun ou nêssun em tétum) leva-nos a ver, na ai-tak-boir com a respectiva ai-fad'-huhu.. a posição privilegiada da feto bot (mulher grande, isto é, a esposa legítima) em contraposiçãocom as teta ki'ik (mulher pequena, isto é, concubina), simbolizadas porventura nas tábuas furadas da base do espaço superior. Ou será que a ali-tak-bmr é apenas indicativa do regime matrimonial monogâmico, ulteriormente adoptado pelo núcleo humano de Turi-Sai ? ... o bolbo terminal da ai-fad'-huhu deixa perceber claramente que se trata de símbolo relacionado com a mão de almofariz usado no tratamento do bétel a ser mascado pelos velhos, ou com o pau de pilão empregado na farinação do sagu ou do taro (talas em tétum e outros dialectos de Timor) cozido ou assado. O pau de pilão usado no descasquedo arroz e na trituração do milho não entume,scenas extremidades. Ora a talas ou variedade local do taro, segundo Cinatti, é planta diferenciadora do povo de Turi(69) Sehnitger, op. oit., 227. 24 -Sai e de todos os povos calades (70).Todos estes povos teriam, noutros tempos, tratado a talas com um pau de pilão do formato da ai-fad'-huhu ou clava gigante do telhado da casa Turi-Sai. É, no entanto, possível que na feitura da ai-fad'-huhu tenha havido apenas uma intenção simbolística de natureza sexual, sem qualquer preocupação de ordem prática da vida quotidiana. Os pilões domésticos apresentam, por vezes, relevos geométricos feitos à catana ou a formão. Os pilões emblemáticos eram, noutros tempos, decorados com relevos esculpidos no seu colo superior, alusivos a mitos de génese. 31 -Tanto as tábuas foraminadas como o disco ai-tak-boir se afiguram ser estilizações intencionais do pilão e do barco (ró)) sua variante. Na poesia oral timorense, a mulher é, por vezes, simbolizada por um barco, como se pode verificar no seguinte dôlin de Samoro, recolhido por Paulo Quintão, regente escolar das Missões Católicas Portuguesas de Timor: Sã dato 1'Uas oan, dato ruas own~ Sã lorQ ruas oan, loro ruas oan: Dato Loro ruas, aatQ aZin no maun àe"it, ruas, ZorQ aUn no maun àe!it. No al'in nQ marun rola r6 ida; N o alin no marun 8Q88a r6 jda. So88a ra1(l; ró ida, àludtu ba tas8í; Rola rala ró ida, ~hu ba tas8'i. Nahu Duàu r6 b(1j tas8i, ró lae bá; r6 ba tassi, ró lae bá. R6 la~ bá, leite netik r6 talin; R6 lae bá, 8ama netik ró talin. Sama netik, 8adelu n;etik r6 talin; Let6 netik, 8adem neltik r6 talin. Mussik halu canliki lar nia ba; MussW ha'u canlele lar nia ba. Ca~ Canliki lar lar e 8ouru malae;, e 8~ malM. (70) Sobre a cultura em que se situa Timor, do taro diz e do inhame Fisher, ob. cit., na área p. 70: In m~t parts of South-least Asia such root crops have been largely replaced by millets and, more recently. by dry rice and maize. though taro and yams. along with sa.go paJ1mremain very important in the eastern part of the Indonesian arc'hipelago. Veja-se também Ruy Cinatti, Ua6fu~ Planta in POTtuguese Timor. An Historical Survey. Garcia de Orla, Sér. AntropoZ., LtsOOa, 2 (1-2), 1975, 1-34 Há sudi Há souru marae, malae, CQr];i sá colti clor f sá clor f Tau malus ba atan, Atan tau ba tacan, Tacwn radi lac malae bessi Nussa haurt rai loli Lar nia mai. Tau malus ba tacan) Tacan tau ba atatn) Atan rodi loc malae bessi Nussa houri rai loli Lor nia mai. Eram dois nobres aliados, 'eram dois nobres; Eram dois príncipes aliados, eram dois prín[cipes. Os dois nobres eram irmãos, o mais novo [e o mais velho, Os dois príncipes eram irmãos, o mais novo [e o mais velho. Os dois irmãos adquirem um barco, Os dois irmãos compram um barco. Comprado o barco, 1mpelem-no para o mar, Adquirído o barco, lançam-no ao mar. Ao lançâ-lo ao mar, não se move o barco, Ao impeli-lo para o mar, o barco não se [desloca. O barco não se desloca porque tem a espia [presa por um peso, O barco não avança porque lhe prendem [a espia. Pisam, prendem com o pé a espia do barco, Prendem com um peso, retêm com o pé a es[pia do barco. -Deixa-me ir até lã baixo, Deixa-me vogar até lã baixo, Vogar ao encontro do estrangeiro, Seguir ao encontro do estrangeiro. Indo ao encontro do estrangeiro, com que [(presentes) descerei? Indo encontrar-me com o estrangeiro, com [que descerei? -Entrega o «ma1us» (folha de bétei) aos [servos, Os servos o oferecerão na tampa (do Zuhu [ou cestinha), Na tampa, para oferecer ao estrangeiro forte [(couraçado), Vindo de uma ilha de reais domínios, Lã de baixo. o sentido do dôlin é que, negociado o real consórcio, a noiva não partiu logo para os domínios do noivo, impedida pelos pais dela. E o motivo é que estes exigem maior volume do barlaque, sugerido pelo malU8 e tacan. Percebe-se, através da linha narrativa do poema, que os futuros ou possíveis fet08á são do litoral (nia lór ...) e os umane são da montanha (canlele lór, canliki lór ...). Note-se que, pela insuficiência do barlaque a pagar, os fetosá Garciade Orla, Sér. AntropoZ.,Lisboa, 2 (1-2), 1975,1-34 «<prenneurs de femme») são tratados ironicamente por estrangeiros. Igual ironia se descobre no malus oferecido aos atas e aos tacwn) metáfora alusiva ao noivo, de acordo com a fórmula ritual do casamento tétum : :Êmi rua cluni ida onaJ sassana idaJ san'-matan ida. [Vós dois sois já um só travesseiro, uma só panela com uma só tampa]. Ao fechar estas consideraçõessobre o pilão-barco)seja-melícito observar que,nas casasnativas cujo emblema cacuminal seja em forma de barco ou pilão de mais de uma boca, talvez se esteja em presença de uma alusão a uma organização social predominantemente matrilinear. Ou será o contrário ? «Sussa» ou «diun» ou «aitara» 32- O diun (chifre) ou bou-diu (avô + + chifre) é um símbolo muito espalhado em toda a Indonésia e até em civilizações mais antigas. Este símbolo era muito usado entre os Hebreus e Assírios. No 1.0 Livro dos Reis.. C. n, v. 1, lê-se: Et exaltatum meo. est cornu Comentando este versículo R. P. Médebielle (71): meum in Deo bíblico, escreve La corne est une métaphore pastorale des plus familieres pour exprimer Ia force et Ia victoire ; chez les Assyriens Ia come sur le front était un embleme réservé à Ia divinité. Dos Bataques de Samatra diz Schnitger (72): A karbou's head [...] was an ancient head dress of the Batak chiefs and is still found quite often in a different forro in the images of Nias. ( 71) W p. 355, nota Sainte Bibre-pirot et aZamer, 1955, t. lU, 3. (7~) Schnitger, op. cit., p. 139. 25 BARROS, Jorge -Casa Turi-Sai- o diu é emblema de chefia e símbolo de força, de poderio. Veja-se nestes dísticos em tétum: Ita messa maun alin Lei kuér ona. Tula dikur ba malu, Lei kuér owa. Somos todos irmãos: A lei (que nos rege) tornou-se Uma vez unidos ()8 ohiifres, A lei tornou-se aplanada. aplanada. o emblema, que, na casa Turi-Sai, se designa pelo nome de 8U88aou diu, apresenta a forma de um crescente e costuma ser de prata ou oiro, quando é usado como enfeite da cabeçapelos liurais, datos e assu-ua'in. Neste caso chama-se caibauk. Nalgumas regiões de Timor, por exemplo em Suai, este emblema da cabeça é composto por dois caibauk8 sobrepostosum ao outro e unidos entre si por uma haste comum. Cinatti reconhece nesta forma composta do caibauk o emblema da árvore da vida (73). Também se encontram, por vezes, em Timor , caibauk8 de oiro ostentando, nos bicos, dois discos do mesmo metal, como símbolos do Sol e da Lua. Estes emblemasrecordam-nos certas representaçÕesda árvore da vida dos Ngaju e de outros povos, como os povos altaicos, em que o símbolo arbóreo se apresenta ladeado pelo Sol e pela Lua (74). Igualmente se apontou já atrás na ai-1Mnuk-rua o símbolo da árvore da vida. Temos, assim, intimamente associados à árvore da vida tanto o diu como o caibauk. Neste o crescentesemelha os galhos de uma árvore, ao passo que no diu, a peça deste nome lembra, antes, um cabide ou fateixa geminada, como os famosos hook8 da região do Sepik da Nova Guiné (75). Por outro lado, não passa inteiramente despercebida uma certa semelhança entre a haste da ai-manuk-rua armada do bou-diu e os postes de sacrifício enfeitados com as armas de búfalo que se observam nas regiões montanhosas de Timor, como Maubisse. Estes postes de sacrifício podem bem considerar-se uma réplica, variante ou prolongamento da árvore da vida, na linha do mito cosmológico Um de casa timorense em que a morte é tomada como uma forma de renascimento e uma condição de retorno à vida (76). O próprio facto de o número de cabeças ou chifres de búfalos sacrificados à memória de um antepassadoser critério aferidor da sua importância social não se refere apenasao seu passado terreno, mas projecta-se além-tumba. Esta crença está implícita em todo o sacrifício fúnebre e encontra-se na base do culto dos mortos entre os nativos. Na descrição que acima se fez do diu e das travessinhas ai-8ak-8U}classificámos o diu como peça de suporte, e as ai-sak-8U, como de coroamento. Subjacente a esta afirmação está o nosso convencimento, ou pelo menos suspeita, de que o diu, na função que se lhe atribuiu na casa Turi-Sai, é um longínquo vestígio de lendas muito correntes entre vários povos, como os Altaicos, segundoos quais a Terra (considerada por Adolf Potman «tke kome o! li!e» ) (77) repoisa sobre a cabeça de um búfalo. Diz Harva (78): Quand le buffle, fatigué, fait passer la terre d'une come à l'autre, il cause un tremblement de terre, et quand il aura exécuté un nombre déterminé d'aspirations, ce sera Ia fin du monde. Na acepção de símbolo de suporte, teremos de admitir que o bou-diu suparta a ai-manuk-rua~ que é, simultaneamente, coluna central ou eixo do cosmo (19), de que é, por sua vez, imagem a habitação (80), e a «totalidade dos dois mund08~ o 8Uperi,or e o infe!riQr» (81). A cabeça de búfalo é também usada como símbolo e motivo decorativo em casas de Menangkabau (interior da ilha de Samatra) e de Toradja (Celebes). O que, a este respeito, diz Wagner não deixa de despertar a atenção para uma certa analogia de situações, costumes e mentalidades, entre aqueles povos e os de Timor (82): On the stake referred to, or on the façade a stylized head of a karabau is (711) J. Campbell, op. cit., pp. 65-67 e 176-183. (77) Apud Campbell, op. cit., p. 57. (78) U. Harva, op. clt., p. 28. ( 79) Campbell, op. cit., p. 359. (80) Schãrer, op. cit.. p. 32. (81) Idem, ibidem, p. 33. (82) Wagner, op. cit., p. 62. (73) R. Cinatti, Bre1JÍ88i1m() Tratado da Província de Timor, fotogravura na contracapa e respectiva legenda. (74) Schãrer. op. c'it., p. 33; U. Harva. op. cit., p. 52. (75) Tibor Bodrogi, op. cit., p. 97-99; J. & P. Vi1leminot, op. mt., pp. 258-263. 26 tipo Garcia de Orla, Sér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, .Jorge- Gasa Turi-8ai- Um affixed, for the East Indian buffalo plays an important part in the life of the Toradja tribe. The social status of the owner is determined by the amount of cattle he possesses.The sacrifice of these animals plays a special role in ceremonial customs, and above all in funeral rites. A characteristic feature of the particularly fine Menangkabauhouses is the saddle-backed roof, with high g8lblesat either end decorated with buffalo headsfacing downwards, probably also as symbols of protection against evil spirits. Ignoro se nalgum sítio de Timor o diu é também usado para fins mágicos. Não o julgo, porém, no caso concreto de Turi-Sai, pois em tal hipóteseo símbolo estaria colocadofora da casa, e não no interior, para afastar dela quaisquer espíritos maléficos. Esse símbolo encontramo-lo nos postes de sacrifício, que, como se sabe, são dedicados aos antepassados,cujos espíritos se procura aplacar, enriquecendo-lhesos postes com o maior número possível de chifres de búfalos abatidos à sua memória. O facto de o diun ou bou-diu se chamar também ai-tara (pau + pendurar) identifica-o como peça utilizada à maneira de cabide ou fateixa, análogosaos crochet8 da Nova Guiné. O bou-diu não ostenta qualquer figura humana, qualquer incisão antropomórfica, como as fateixas neo-guinenses.Mas, do mesmo modo que estas, relaciona-secom o avô, o que, aliás, é denunciado pelo próprio vocábulo bou-diu (avô + chifre) . A circunstância de a ai-tara estar colocadaprecisamentesobre a hilia desperta a suspeita de que seria aí que se penduravam, noutros tempos, as cabeçasdos inimigos, para as defumar, antes de os crânios serem colocados nos ai-cabiuda) de que atrás se falou. «Ai-sak-su» 33 -Vimos nos n.oS25, 26 e 27 do presente trabalho que a ai-manuk-rua é árvore simbólica. Não se afigurará, por isso, ilação gratuita afirmarmos que as travessinhas de bambu denominadasai-8ak-su são ramos dessa árvore. Na edição francesa de 1959 da obra Le8 ReprésentaticmsReligieuse8 de8 Peuple8 Alta~que8..de Uno Harva, já aqui citada, vê-se, a p. 37, um desenho representandouma estaca atravessada,na extreGarcia de Orla, 8ér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 tipo cle casa tjmorense midade superior, por quatro travessinhas. Sobre ele escreve o autor (83): La figure ci-dessousnous montre quatre bras transversaux qui correspondent, selon les données,aux branches de l'arbre à huit branches planté devant la demeure d'Ajytojon (maitre-créateur). C'est dans cet abri, habité dans le ciel par les enfants du dieu, que le chamane conduit les âmes des défunts. Elles y vivent, à ce qu'on dit, sous l'apparence de petits oiseaux. La colonne reproduite dans notre illustration, avait en réalité une hauteur de pres de deux metres. Concepção análoga da árvore da ~ se encontra nos Ngaju de Bornéu. Referindo-se ao número e formas de representações da árvore da vida dos Ngaju, diz Schãrer (84): There are many Trees of Life, represented in various forms in the religious drawings. l)e todas essas forrnas de representação destacarn-se duas, numa das quais a ároore da vida é considerada origem das crianÇM que se vêern pender dos seus rarnos. Na outra, das principais representaçõesda ároore da vida) entre os Ngaju, os rarnos apresentarn-se carregados de vários objectos, corno contas, pedras preciosas, guisos, gongos, lanças, etc. (85). Na ai-manuk-rua da casa Turi-Sai, é nas travessinhas ai-8ak-su que se penduram cordas de carne, nas festas rituais do grupo étnico local, segundo atrás se disse. Alérn dos caibauks) igualrnente sírnbolos da áT'Voreda vida) usados pelos rnernbros de linhagens nobiliárquicas, vêern-sefrequenternente ern Tirnor outros usados nos cabrestos de rnontadas de festa dos rnesrnosindivíduos. Esses caibauk8 são ornados de guisos que lernbrarn os que pendern dos rarnos da ároore da vida dos desenhos ngaju. MATERIAIS 34 -Os materiais usados na construção da casa Turi-Sai são, por exigência das tradições e (83) U. Harva, op. cit.J p. 37. (84) Schãrer, op. cit.J p. 32. (85) Idem, ib~. 27 BARROS, Jorge - mitos do grupo etno-linguístico -Mnu-I1i, os seguintes: Casa Turi-Sai- de Manu-Sae- a) Madeira de palavão preto (ai-ura)) com a particularidade de que para as peças maiores da casa é forçosamente o cerne desta Dlurtácea que se usa; b) BaDlbu delgado, chamado eDl DlaInbai au-ora) bastante resistente e flexível, usado nos dois coroamentos circulares do telhado (86); c) Capim, da espécie chamada em tétum hae ou du'ut manu-lain (não sei se em mambai se diz gur) ; d) Gamute (nau-hulu = tuaqueira + cabelo) 1empregado no revestimento e impermeabilização do telhado e também como liame para atar peças menores de construção ; e) Fibra de bambu (cubus) (87) usada como liame para as ligações de quase todas as peças principais ou maiores. Por força de um critério mítico-tradicional, é totalmente vedado na construção da casa Turi-Sai o uso de qualquer peça metálica. É, todavia, possível que, entretanto, tenha sofrido um certo abrandamentotodo este rigor. Note-se, ainda, que na construção do tipo de habitação que nos tem ocupado neste estudo não entram outros materiais que não sejam do reino vegetal. Não entra nem pedra, nem cal, nem barro. Do uso exclusivo de materiais florestais é bem elucidativa a predominância do elemento prefixal ai (árvore, pau, madeira) nos nomes das diversas peçasque integram a casa. CONSAGRAÇÃO DA CASA 35 -Construída a casa, procede-se à sua consagração,que melhor se chamaria baptismo, pois estaria mais de acordo com a expressão mambai fad-era (casa+ água), com que se designa o rito da inauguração da casa. Para a cerimónia da consagraçãosão convocados todos os membros da aliança ou sistema fet08á-umane.Os fetosá têm de contribuir para -(8~) C. A. Fisher afirma existirem mais de 250 variedades de bambu no Sueste da ÁSia (op. cit., p. 45). (87) O p.e Ezequiel dá à casca de bambu o nome de keno-tafi 28 (op. cit., p. 89). Um tipo de casa timorense a festa inaugural da fad'-lúli com um búfalo, um cabrito e, para cada membro varão casado com uma umane, quinze patacas (cerca de 100$). A contribuição dos umane terá de constar de um «mala» (nome mambai do vulgar pano timorense para homem), um porco e, por cada mulher umane casada com um fet08á, um açafate (diru em mambai e lafatik em tétum) contendo taro (bala em mambai e talas em tétum) , planta distintiva dos calades (88). Os animais com que cada metade contribui para a festa ou rito de fad'-era são todos machos. Dá-se, assim, com os descendentesde Beremau o que acontece com outros povos de culturas afins, para os quais o macho fecunda o rito e fecunda a vida. Por outro lado, a fad'-era não é, no fundo, mais do que uma variante dos ritos expressamentededicados à fertilidade. As contribuições em dinheiro e artigos ficam expostos em frente da única porta da fad'-lúli. Entretanto são abatidas as rezes prescritas pela praxe e rito inaugural e cozinham-segrandes quantidades de carne e de taro oferecidos para a festa. Seguidamentesobem ao telhado da fad'-lúli um cucu (matan-dIOkdo tétum) e um dos badaen8, responsáveis pela construção, levando um cesto grande com carne de búfalo ou cabrito, e um outro cesto com carne de porco e taro, tudo já previamente cozinhado. O primeiro cesto é dos fBt08á, o segundo, dos umane. Em baixo, postam-se, do lado do nascente, dois umane, que seguram, cada um pela sua ponta, um «mala», enquanto de cima do telhado o cucu lhes atira para o «mala», aberto e suspenso pelas extremidades, bocados de carne de búfalo ou de cabrito, que eles procuram aparar o melhor possível no pano timorense. Se assim o conseguem,será de bom agoiro: haverá saúde e fartura na sua metade (só numa metade?). Se não, terá de se admitir a ameaçade uma calamidade: doença grave ou morte de algum membro seu ou qualquer outro infortúnio ou flagelo. Realizado o rito do lado do nascente, o cucu repete-o do lado da montanha, para onde se deslocaram entretanto os dois umane com o «mala». Seguidamente, o cucu fará o mesmo com dois fetosá, que seguram também um pano timorense de homem e se colocam, primeiro do lado da porta, isto é, do poente, e depois, do lado do mar. Aos fetosá, porém, terá o cucu de deitar de cima do telhado bocados de carne de porco e de taro, do cesto oferecido pelos umane. Os dois homens (88) Veja-se GarC'i;a de Orla, Sér. nota 70. Antropol., LIs'boa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge ~ Casa Turi-8ai- em baixo procuram aparar no seu pano timorense os bocados de carne porcina e de taro, tendo o máximo cuidado em evitar que caia no chão qualquer desses bocados, pois isso seria prenúncio de calamidade futura (89). O insucessona operaçãode apararem no pano timorense os bocados lançados, do telhado da casa inaugurada, pelo cucu, além de agoirar in~ fortúnio, é passível de multa, que para os do grupo umane consistena oferta de mais um porco ou cinco patacas a favor dos fet08á,. e para estes se traduz na contribuição de mais um búfalo ou cabrito grande ou cinco patacas. Facilmente se conclui daqui que o dispositivo legal consuetudinário que prevê estas multas visa prevenir e punir possíveis distracções, incúrias e desrespeitos ensoberbados da metade que recebe as ofertas lançadas do telhado, no rito da consagração. Tais faltas e os sentimentos que as inspiram ofenderiamnão só os vivos da outra metade, mas também os seusmortos, cujos espíritos ofendidos e irados teriam de ser aplacadoscom ritos expiatários suplementares. 36- A cerimónia da inauguração ou baptismo da casa-mãe ou ca.m-lúlik.. assim como a sua erecção,costuma desenrolar-senuma sequência de fórmulas e ritos mágico-religiosos ( como o tingir com o sangue de um animal as colunas principais), com que se invoca a protecção dos espíritos dos antepassadossobre a casa e os seus ocupantese toda a parentela ligada pelo instituto de tet08á-umane. Confesso, porém, que, apesar de todos os meus esforços, não consegui dos descendentesde Beremau qualquer revelação a tal respeito, limitando-se eles a responder-meque «só os cucus (sacerdotes gentílicos entre os Mambais) é que sabiam destas coisas!...» Nem é de estranhar, uma vez que, segundo me afirmaram os próprios habitantes de Turi-Sai, não era permitido às mulheres e crianças assistirem quer à erecção, quer à consagração da casa-lúlik. Da observânciarigorosa deste tabu se conclui que, nuns e noutros casos, se trata de simbolismos e ritualismos assaz sugestivos de segredos da fertilidade e de processosgenéticos com uma notória crueza e predominância masculina. (89) Na inauguração da vasa faZuno, Pinto Correia fala de um pano timorense que simboliza «a caleira para aparar sob QS beirailS as folhias qUe se despregam da cobertura» (Gentio de Timor, 1934, p. 105). Garcia de Orla, Bér. AntrotpoZ., Lis'boa, 2 (1-2), 1975, 1-34 Um tipo de casa timorense Mais afortunado foi Pinto Correia, que descreve, em Gentio de TimQr, com espantosariqueza de pormenores, ritos que assinalam a escolha das árvores a derrubar para a construção da casa faluno (casa-lúlik) da zona do Macassai, a recepção dos troncos na povoação, a erecção e inauguração ou consagração da casa, e até ritos especiais para a colocação da escada de acesso ao interior da habitação e para a colocação e inauguração da atalia (lareira, fogão) (90). Ruy Cinatti dá-nos, na íntegra, a fórmula usada na consagraçãoda casa indígena de Fohorém, distribuída em sete fases (91). No suco de Makíli, em Ataúro, o rito usado é como segue. Quando se consagra uma casa-lúlik (casa-mãe do grupo ou linhagem) , o respectivo chefe de linhagem ou a pessoa mais idosa desta pinta, com fuligem diluída em água, a cabeça de um galo até meio corpo, na parede do poente, ao fundo da casa, e a pouca altura do chão, simbolizando esse desenho os órgãos sexuais (íssik-nhíru= corpo + nariz) do antepassado varão, chefe da linhagem. Para esta operação, o oficiante coloca,primeiro, numa pedra lisa posta em frente da parede onde há-de ficar a imagem, uma folha de bétel, tirando, depois, do saquitel da masca uma outra folha de bétel, que masca, colocando a pasta mascada sobre a primeira folha, que ficara na pedra sagrada acima aludida. Seguidamente molha o indicador da mão direita na tinta feita com fuligem da casa velha, apanhando, depois, com o dedo assim molhado, a pasta de bétel e desenha a imagem ou símbolo do avô, que fica exposto na parede durante sete dias, após o que é lavado pelo mesmo oficiante com água de coco. Durante' os dias da exposição, a imagem fica coberta com uma esteira, para que as mulheres possamentrar na casa sem correrem o risco de pôr a vista no símbolo fálico. Se alguma infeliz quebrar o tabu, fica sujeita à vingança do avô: morre nova ou tem parto infeliz. Para lhe tirar a falta, o oficiante, autor do desenho, tem de cuspir na mão, tocando, em seguida, com o dedo molhado, primeiro na imagem ofendida, depois na testa e no peito da faltosa, ao mesmo tempo que profere esta fórmula : Ma nôtu retau hali upau. Ma tea hali upau apakré malus-ed. U peik nunu. Upodok nunu. (90) Pinto Correia, op. cit.} pp. 103-108. (91) R. Cinatti, Tipos de Ca;s08 Timorenses e Uma Consagração} 1965, pp. 22-25; cf. F. de Azevedo Gomes, 08 Fataluku} 1972, pp. 212-215. 29 BARROS, Jorge Casa Turi-Sai Venho mostrar que v()lto a ter medo (respeito) a meu avô; venho novamente à presença do meu avô com o suco de bétel na testa. Por certo que a casa Turi-Sai há-de ter idênticas exigências rituais, com a mesma riqueza de gestos e fórmulas para todas as fases da sua construçãoe baptis.mo.Porquanto, não só na zona do Macassai e Ataúro, se não também na do tétum e outras ainda, se nota uma exuberante floração de ritos que sacralizam o acto da erecção e inauguração da casa-lúlik, idootificada em muitos casos com a casa do chefe da linhagem, designada em Ataúro «casa grande» (ruma pera'ik). No suco de Makí1i, em Ataúro, até a implantação das quatro colunas angulares e a colocação dos quatro travessões que fazem de frechal da casa obedecema uma ordem de precedênciae são acompanhadas de fórmulas apropriadas, dirigidas aos espíritos dos antepassados, para lhes implorar a protecção. A CASA E A SOCIEDADE TIMORENSE 37- À luz de tudo o que se expendeu já sobre a casa Turi-Sai, e que, em muitos aspectos, parece poder entender-se de toda a casa nativa de Timor , afigura-se relativamente fácil descobrirmos qual seja o tipo de relação que possa existir entre a habitação indígena e a estrutura social timorense. Efectivamente, verifica-se uma tão íntima correspondência entre estas duas realidades que uma é como que o resumo da outra: a casa, o documento factual da sociedade dualista timorense. Por outro lado, dir-se-ia que esta irradia uma virtude misteriosa que antropomorfiza a outra e a equilibra num jogo subtil de números, posiçÕes e funções das suas peças. Assim, descobrimos na casa Turi-Sai antropomorfismos como estes: fad'-ahe (casa + rosto=frente da casa) , da-mata (escada + olho = p o r t a) , a1}i-mata (fogo + olho = lareira + fogão) ; ai-oe-badaik (pau + perna + curto=pilarete) . Igualmente se nos depara o lado homem e o lado mulher J. peças machos e peças fêmeas da casa; peças e lados atribuídos aos fet08á (metade do noivo) e os atribuídos aos umane (metade da noiva) ; a par de números que simetrizam (2, 4, 6, 12) , números de convergência (1, 3, 5, 7) .De entre estes números avultam os que, por uma subtil e quase instintiva associação de valores, se consideram sagrados, no pensamento do 30 nativo, como: 1, 2, 4, e sobretudo o 3) que completa o ciclo triádico da vida: Pai, Mãe, Filho ; Semente, Terra, Fruto. O equilíbrio transplantado do cosmo para a casa mantém-se na sociedade dualista timorense e reproduz-se na habitação indígena, de modo que esta é uma convergência do cosmo e da sociedade timorense; do mundo universal, extraterreno e lendário com o mundo real, quotidiano, dos vivos. Daqui se poderá inferir qual seja a atitude interior e exterior do nativo face a este microcosmo, que é a sua habitação, onde ele encontra, como na grande Natureza, três grandes pontos de convergência e unidade: Tecto, Lareira, Leito. O Tecto, unidade estática. A Lareira e o Leito, unidades dinâmicas, exuberantes da vida que se conserva pelo alimento tomado à lareira, da vida que se transmite pela actividade procriadora exercida na intimidade do leito. «HALI BEREMAU» (CABA-ARVORE) 38- A cerca de 20 m da Fad'-Culau.. e ao fundo da reentrância do terreno onde se encontra a casa, ergue-se uma árvore esbelta e frondosa. Ê o gondão sagrado Hali Beremau..assim denominado por haver sido plantado pelo avô Beremau. Assim mo dizem os seusdescendentes. O gondão costuma assinalar, em Timor, locais sagrados, e simbolizar a nobreza de linhagem. Gondões há que são considerados morada do rai-na'in (terra + dono, senhor=génio tutelar do sítio) ou dos espíritos dos antepassados.Também os há que se identificam com personagens mais ou menos lendárias ou com antepassados ilustres, como no caso da Hali Beremau. Na poesia oral timorense, como atrás se viu, o gondão simboliza uma personagemou uma dinastia real. Por outro lado, a árvore em geral, não só o gondão, está muito relacionada, no pensamento indígena, com a casa. Pense-se,além de outros factos, na expressão tétum: «ami nia ai-hun» (a nossa árvore =tenda, barraca). Esta expressão é muito corrente entre as camadas mais modestas da população timorense. É assim que o nativo se exprime, quando modestamentealude à sua habitação, para significar que esta, de modesta que é, não passa de uma simples sombra de árvore. A expressão é, porém, usada com mais propriedade quando sinonimiza com a tenda, cabana ou coberto para abrigar quem anda em viagem e acampa em qualquer sítio: à sombra da árvore. Garcia de Orla, Sér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge -Casa Turi-Bai- o gondão sagrado de Turi-Sai identifica-se coro o antepassado de Bereroau, do qual presumo descender o próprio Culau, que deu o nome à casa umane de Turi-Sai. O largo tronco de árvore sagrada é cinzido por um altar circular, de pedra solta, de 1,10 cro de altura e 80 cro de raio. O P .e Ezequiel dá a este tipo de altar o nome mambai de bÓgU8 (92).Os Bunaks chamam-lhe bo88Ok-bulJcomo atrás ficou dito. Sobre o altar de Hali Beremau vi uma estaca miniatural de madeira e um esteio de pedra igualmente miniatural, aquela (do lado do nascente) simbolizando os antepassados umaneJ e este (do lado do poente) representando os antepassados fet08á. Não julgo que se trate de simbolizações de vivos e mort08J pois que, em tal caso, não se compreenderiam nem se justificariam sacrifícios oferecidos a vivosJ como se oferecem àqueles símbolos. O máximo que se poderia avançar era que a estaca de madeira pode simbolizar o génio tutelar do sítio, e o esteio de pedra, os espíritos dos mortos da família. Pode perguntar-se: por que motivo os mortos umane são representados por uma estaca de madeira e os fet08á por um esteio de pedra ? ... Julgo encontrar a resposta nestas palavras de Hertz (93): Naturally, it is always the «man» which strikes and the «woman» which receives the blows; the right which acts, the left which submits. Here we find intimately combined the privilege of the strong sex and that of strong side. Quer dizer: o sexo viril e o lado viril são representadOspelo material mais forte: a pedra. Ao passoque o sexo feminil, o mais fraco, e o lado correspondente são simbolizadOs por material mais frágil: a madeira. Diante da estaca de madeira e do esteio de pedra costuma colocar-se uma pedra lisa que não é mais do que uma pedra de ara para as imolações rituais usadas em certas alturas do ano ou quando se pretende alcançar dos espíritos dosavós chuva, ou saber do paradeiro de animais tresmalhadosou roubados, ou obter a cura deles, ou ainda o afastamento de uma praga. Esta pedra de ara chama--sehatu-m08Sa e distingue-se da outra existente no interior da Fad'-Oulau,a qual se chama hatu-maer, como já foi dito. (92) p.e E. E. Pascoal, op. oit., p. 91. (93) Hertz, op. mt., pp. 102 e 103. Garcia de Orla, Bér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 Um tipo d6 c~a timoren86 Os sacrifícios que se oferecem no altar da Hali Beremau consistemna imolação de um porco ou de um cabrito ou de um frango ou galo, conforme os casos.Estes animais podem ser machos ou fêmeas. Do porco e do cabrito do sacrifício examina-se o fígado (~si-ate). Do frango ou galo faz-se a leitura dos intestinos (~si-talin). Informaram-me os descendentesde Beremau de que os aruspícios (bula em mambai, urat em tétum) e sacrifícios relativos a animais (sua cura ou achado) se faziam no altar da árvore sagrada, ao passo que os sacrifícios relativos a pessoasse realizavam no interior da Fad'-Culau e também junto de esteios especiais que costumam colocar~seno começo do carreiro que conduz à casa. Os sacrifícios para implorar chuva fazem-se em qualquer dos três sítios. Presumo que, noutros tempos, se realizavam no altar da Hali Beremau sacrifícios ou ritos de fertilidade tanto para as terras e animais como para os homens,nos quais a vítima sacrifica;l era necessariamenteum suíno, como é hábito entre os Melanésios, com os quais parecem ter uma relativa afinidade os nativos de Maubisse e outros originários deles, como são os de Turi-Sai. 39 -Não deixará de ser oportuno chamar a atenção do leitor para a correspondência que, no pensamento nativo, existe entre a casa e a árvore. A casa é morada de vivos e santuário de mortos. A árvore é habitat inviolável dos rai-na'in e santuário dos antepassados que a Morte consagrou. A árvore reproduz o mistério vital do cosmo, miniaturando-o, por assim dizer. Na sua vida concorrem a Semente, a Terra, a Chuva, o Sol. Por outro lado, a casa sintetiza o movimento cósmico da vida: crescer, reproduzir-se, morrer , perenizar a vida nos descendentes. Em tudo isto a personagem central é sempre o Homem, simbolizado ou presente na árvore e actuante na casa. Parece que em tudo isto se pressente um manancial de vida que não se extingue além-tumba, mas se vai, por assim dizer, acumulando na intemporalidade para proveito dos vivos, que, por isso mesmo, constantemente recorrem aos espíritos dos seus avós. Tanto a árvore como a casa reproduzem na sua estrutura os três mundos do cosmo: o mundo inferior, o mundo intermédio e o mundo superior ; raízes, tronco e copa, na árvore, em paralelo com a leu-8ua (espaço inferior), a fad'-lala (espaço médio) e a ai-terte-lau (espaço superior) da casa Turi-Sai. 31 BARROS,Jorge aasa Turi-Bai Mas a cocrespondênciaentre a árvore e a casa não se situa unicamente na linha do paralelo. Progride, pelo contrário, até uma quase identificação das duas realidades-símbolos, no sentido de que a habitação humana é construída com materiais florestais, partes integrantes da árvore, representaçãometonímica de todo o reino vegetal. Mais, A lendária árvore da '!Jidaé facilmente reconhecível na ai-manuk-ruaJ peça de grande relevância tectónica e simbológica na Fad-'Culau de Turi-Sai. A relação árvore-casa não é correspondência estática. ~, pelo contrário, uma relação dinâmica. A árvore augura e ritualiza todo o processovital a decorrer na casa. E onde melhor se descobre esta dinâmica é nos ritos de fertilidade que parece decorrerem habitualmente à sombra de um gondão sagrado. Recorde-se aqui a informação de Raglan, atrás citada (94). No suco de Makili (Ataúro) costumava, em tempos idos, celebrar-se anualmente, por alturas do mês de Setembro, um rito de fertilidade que decorria também à sombra ou diante de um gondão sagrado (inunu-pass em ataúro) , com a intervenção de um jovem e uma donzela que ritualizavam, entre si e em público, a actividade procriadora que augurava e garantia às terras, aos animais e aos homens a fertilidade desejada. Para os homens o que se ritualiza va na árvore viria a realizar-se na casa, construída com materiais vegetais. O rito actualizava-lhes os anseios. M. lKing alude a ritos idênticos praticados noutras zonas de Timor (regiões costeiras de Bobonaro e Suro), embora se não refira ao habitual gondão (FÍCUoS' spp.), apenas devido a deficiência de informação, segundopresumo (95). A CASA E o GRANDE MISTFJRIO DA VIDA 40 -A casa Turi-Sai revela-nos o grande mistério da vida, no pensamentodo indígena, na sua economia, nos seus ritos e mitos. Um mistério que se nos apresenta definido em termos de uma dinâmica exuberante ou latente, com seus processospróprios, seus instrumentos (órgãos) de transmissão, suas vias de acesso,suas fontes. Trata-se como que de um fluxo misterioso que perpassa a Natureza inteira: o universo, as plantas, os animais, o Homem, como seu compêndio. Por isso mesmo, o homem ainda não (f}~) L. Raglan, op. cit., p. 96. Veja-se nota 49. (911)M. King, op. cit., p. 152. 32 Um tipo M casa timorense tocado pela civilização pensa que não terá senão de copiar, reproduzir em si e na sua sociedade, os processos,os métodos e os caminhos que a Natureza adopta e segue na sua dinâmica. Quer isto dizer que ele se sente identificado com a Natureza. E o fio condutor que o leva a este processo de identificação não o encontra ele senão num instinto muito profundo, uma força quase irresistivel, que ele não saberá identificar com outra coisa senão com o próprio instinto sexual, posto ao serviço da Vida, para a transmitir e perpetuar. Para o homem ainda situado neste estágio da civilização torna-se consequente que os instrumentos que transmitem o misterioso fluxo da vida e lhe garantem continuidade devem necessariamente existir tanto na grande Natureza como no Homem. Com muita razão observa Hertz (96): Primitive thought attributes a sex to alI beings in the Universe and even to inanimate objects; alI of them are divided into two immense classes according to whether they are considered as male or female. Ê assim que o Timorense distingue a aidila mane (papaeira-homem) da aidila feto (papaeira-mulher) ; hudi mane (bananeira-homem) da hudi feto (bananeira-mulher), etc. São, pois, comuns ao Homem e à Natureza os instrumentos transmissores da yida e as suas vias de acesso:o falo, a vagina, a boca. Por estas vin;spassa a Vida. tÊ evidente que, neste contexto cultural, tudo o que respeita directamente ao mistério da Vida é sagrado. Por isso se velam não só as genitaliaJ mas também (pelo menos em muitos povos em estádio arcaico) a boca, quando se come e se bebe (97). Eu próprio surpreendi timorenses velarem a boca com a palma da mão, quando, com a comida na boca, tinham de responder ou dizer alguma coisa necessária. São, por antonomásia, considerados sagrados pelo nativo os órgãos que directamente intervêm na função transmissora da vida. Por isso ele lhes chama issin-lúlik ( corpo sagrado) em tétum, e hae-lúli (rosto sagrado), em mambai. Por isso também ele cultua essesinstrumentos de transmissão da vida e ritualiza a função procriativa (96) Hertz, op. cit., p. 97. Cf. também E. Crawley-D1'ess.Drink8 anà Drum8, 1961. p. 206. (97) Cf. Raul & Laura Makarius. L'Origine d~ fexogamie et du totém'i,S'me,1961. p. 24L Garcia àe Orla.} Sér. AntropoZO} Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 faussent notre jugement. Là ou nous voyons vilanie, manque de pudeur, l'indigêne voit Ia représentation de Ia fertilité. Tout simplement. La fertilité de l'homme indispensable pour Ia prospérité de Ia tribu, Ia fertilité des jardins, Ia fertilité du fleuve, non moins indispensables. C'est tout cela que l'indigêne demande à l'ancêtre; il symbolise ses souhaits de Ia maniêre Ia plus compréensible pour tous. car Ia nature voulut que ce soit par l'homme que Ia vie continuât. que, no momento ritual, iIitemporal, é para ele sagrada. Que admira, pois, que os habitantes de Turi.Sai conservem o culto e os ritos que servem o mistério da vida ?...Reside precisamente aí a razão de ser da ai-fad'-huhu e respectivo ai-tak-boir da Fad' -Colau de Turi-Sai, como dos relevos sexuados de Hó-Ulu (Aileu) , das estátuas e ritos de Mau-Bonak (Ataúro), dos famosos hooks da Nova Guiné, das esculturas e ritos ( o do taro, por exemplo) destes povos. Dos Neo-Guineenses dizem J. & P. Villeminot (98): La plupart de ces configurations sont de sexe masculine. Le phallus est mis en évidence, ce qui choque Ia plupart des Occidentaux. Une fois encore, nos vertus (98) J. & P. Villeminot, op. cit.) pp. 260 e 261. Evidentemente que, aos nossos olhos, nada disto canoniza todos os usos e costumes e ritos deste ou daquele povo. Contribui, todavia, para uma atitude mais compreensiva perante o homem primiltivo.. ainda possuído de uma vivência muito intensa da Natureza. 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Antropolo, Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 ESTAMPA III ESTAMPA IV BARROS, Fig. 1- Fig. 2- Jorge -Oasa Turi-Sai- Um tipo de ca,~a timorense Casa de Maubisse do tipo Turi-Sai Espaço inferior da casa Culau) vendo-se em plano avançado e à direita o prumo Maentu Garcia de Orla, Sér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- Casa Turi-Sai- Um tipo de casa timorense ESTAMPA Fig. 1- Espaço inferior da casa Gulau, com uma das vigas roliças ai-suba meia caida no chão; à direita vê-se uma coluna angular Fig. 2 -Espaço inferior da casa Gulau, com os dois principais ao centro Garcia de Orta, Sér. Antropolo, Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 prumos ( maentu e maenloba ) V ESTAMPA VI BARROS, Fig. 1- Jorge- Oasa Turi-Sai- Um tipo de casa timorense Espaço inferior da casa Culau, com uma fila de três pilares à esquerda Fig. 2- Porta da CMa Culwu vista de fora; vê-se em plano avançado a extremidade de uma viga (ui-suba), onde se apoia a estaca ui-sessu Garcia de Orta, Sér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 ESTAMPA VIII BARROS, Jorge-Ca8a Fig. 1- Turi-Bai-Um tipo de casa timoren8e Ai-oabiuda, em frente da qual se vêem duas pedras de ara; à esquerda vP;-seuma cana isolada Fig. 2 -O conjunto da ai-cabiuda com as duas canas ensarilhadas; em plano frontal vê-se uma esteira Garcia de Orta, Sér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- Casa Turi-Bai- Um tipo de casa ESTAMPA timorense Fig. 1-'- Base do espaço superior, onde se vê a haste da ai-manuk-rua com o diu por baixo das tâbuas furadas Figo 2 --Galeria Garcia de Orta, Sér. Antrop()l., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 exterior IX ESTAMPA X BARROS, Fig. 1- Fig. uma 2- Altar estaca Oasa Turi-Sai- Um tipo de casa timQrense A grande árvore Hali Beremau circular miniatural Jorge- da de HaU Beremau, madeira, vendo-se, encostada ao ao fundo, tronco da ârvore Garcia de Orta, Sér, Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34 BARROS, Jorge- Casa Turi-Sai -Um Fig. 1- tipo Altar de casa timorense circular da Hali Beremau, com um esteio miniaturaJ de pedra ao fundo Fig. 2- Virgem guardiã do fogo sagrado, da aldeia de Matai (Suai). No cambatek que ela enverga pode distinguir-se um desenho arbóreo, sugestivo da árvore da vida Garcia de Orta, Sér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975. 1-34 ESTAMPA XI ESTAMPA xn BARROS, Jo,rge Ousa Turi-Sai Um tipo de casa timOren86 Fig. 1- Pano timorense de Suai. Note-se, nas três barras que resslaltam do fundo, o desenho da árvore da vida e dos dois pássaros do mito da Criação (Todas Garcia estas fotografias são de L. Lemos.) de Ortro, Bér. Antroplol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, BARRY L. University (Recebido BIANCHI o! Indiana em 15-7-1975) Caetano da Costa Alegre (1864-1890), nativo de S. Tomé, reflecte na sua obra poética o drama de um negro aculturado frente à sociedade 1is,boetado seu tempo e, consequentemente, a luta de valores a;mbivalentes que a sua personalidade comportava. Procura analisar-se a referida dicotomia e a sua resolução poética numa atitude de fidelidade aos valores ideais da sua terra natal, apesar da premente influêncIa dos valores existenciais que permeavam o seu hibridismo cultural. Caetano da Costa Alegre (1864-189Q) was bom on the island of São Tomé in the Gulf of ~inea. His poetry reflects an inner drama of a cultured black confronting a white Lisbon society by whlch hls deepest feelings were both repelled and attracted. The present essay convey8 th1s dichotomy and lts resolution, notw1thstanding the poet'8 hybrid cultuTal background, in terms of a moving, affirmative appeal to the values of hls homeland. São Tomé and Principe are two equatorial islands which constitute the smallest territorial unit of Lusophone Mrica. São Tomé lies on the equator in the Atlantic, part of the West Mrican archipelago which includes Fernando Po to the north and Anno Bom to the south. Historically, São Tomé's economic contributions to the Portuguese empire developed in cash crop cycles -from sugar, to cocoa, to coffee -followed by economic depression when the world markets !for these products fell. The superstructure of a nineteenth century agrarian economy is in evidence today on the islands (I!). (1) The study and travel fellowship which made the research for this study possible was provided by the Junta de Investigações do mtramar during the 1971-1972 academic year. I wish to express my appreciation for this valuable assistance. I am also grateful to Dr. Jon Tolman at Indiana University for his critical comments on this manuscript. At this juncture it is also necessary to indicate that I alone am responsible for the ideas presented in this stud;y. (I.U. 1973.) ( 2) For a composite history and SQciology of São Tomé see: TENREIRO, ~ancisco -A n1ur.de 8ão Tamé. Lisboa, 1961. Garcia de Orta,Bér. Antropol" Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 In Lusophone Mrica, the literature of São Tomé has received less attention than that of Angola or Cape Verde, perhaps because of the island's miniscule size and relatively low political and economic importance. It should be emphasized, however, that this fact in no way implies that a critical evaluation of São Tomé literature would constitute a merely esoteric assignment. On the contrary , São Tomé literature :presents a microcosm of the literary developmentswhich have risen within the other Portuguese African territories. Costa Alegre, the subject of this paper, is one of the earliest African poets writing in Portuguese (3). Later, in the 1940's, another São Tomé poet, Francisco Tenreiro, was the first spokesmanfor Negritude in Portuguese African writing (4). São Tomé literature contributes significantly, in this sense,to the literary spectrum of Lusophone Africa. (3) MOSER, African LitetratU1'6. Gerald University M. -Essays Park, in Portuguese Pennsylvania, 1969, p.7. (4) ANDRADE, Mârio, ed.-Poesfa pressão Portuguesa. Lisboa, 1953, p. 2. N6gra de E:x;- 35 BIANCHI, Barry L.- Caetano da Costa Alegre: This study examines the poetry of the man who signals the beginning of São Tomé literature in Portuguese: Caetano da Costa Alegre (1864-1890).In a critical study of Costa Alegre two problems must be examined from the beginning. Hopefully, a discussion of them will not only present a clearer understanding of the body of literature under consideration, but that it will also constitute background material necessaryfor an evaluation of the critical essay itself. The first problem lies in the paucity of available literature by and about Costa Alegre. Costa Alegre lived a very short life and his only published work consists of one posthumous volume of poetry. Ver8()8, the poetic legacy of this first São Tomé poet, consists of ninety-seven poems -many consisting of four or five lines -encompassing 134 pages. Two and a half pages of an unfinished crude draft of a novella complete the vol1Ulle. Ver808 remains the only primary ,published source material for the poet; thereby making the sample somewhat limited. The lack of good critical secondary source material is also evident to anyone who wishes to undertake a study of Costa Alegre, in particular , and Portuguese African literature, in general. With the possible exception of the oral and written literature of the Cape Verde islands, Portuguese African literature has not been part of African literary criticism in American or European scholarship. The language barrier, the difficulty of obtaining material, and the isolated nature of Portuguese Africa present immediate obstacles to the student of Portuguese African literature. And, in Portugal itself, Mrican literature has never been part of the curricula on the secondary or university level. Because of this, Portuguese African literature tends to circulate within small quoting circles. Poets are criticized by their poet friends and a few critics emerge as the «experts» of African literature. Articles by these spokesmen tend to be reproduced in several journals throughout Portugal and Lusophone Africa, thereby giving the impression that much criticism is being written when, in fact, little that is new is being said. The second problem area confronting the reader of Costa Alegre's poetry is in the quality of the primary and secondary source material available. As mentioned above, the complete poetic work of Costa Alegre was published posthumously in 1916- twenty-six~ 36 Poetic res(}lution of a coZor dichotomy years after the poet's death. A Portuguese friend of the author, Cruz Magalhães, edited the 97 published poems from Costa Alegre's manuscripts. An examination of these manuscripts makes it easyto underst andthe difficulties facing the editors in preparing the majority of poems for publication. The manuscripts tend to be pages of poeticfragments andunrevisedpoems. Few, if any, of the poems in the manuscri,pt were presentedin a final revised form. Thus, for the final published volume, much was deleted and much was added by the editors (5).Often, the poetic entity represents a conflation of stanzas from different pages of the manuscript. As the job of editing Costa Alegre's manuscripts was so extensive, one is justified in questioning what, if any, preconceptions and ideas of the poet's friends were incorporated into the edited body of poetry presented in the 1916 volume. Not only the editor's preconceptions,but also those of the literary critic are crucial. How does the literary critic reach into the past, with eyes and mind focused on the present, and analyse what he finds ? The difficulty of objectivity is especially evident when analysing the question of race and race relations; an inesca,pabletheme when explicating the work of Costa Alegre. As literary critics, we often tend to perceive race and other volatile sociological and/or literary questions from our own frame of reference and those of our contemporaries. Such «!presentism» is a conceptual approach to the past which attempts «to produce a story which is the ratifi(~) Costa Alegre's personal manuscripts and correspondence used for the 1916 edition were eventualJy sent by Cruz Magalhães to the poet's family in São Tomé. I owe much in this study to Mr. Norberto Costa Alegre i~ São Tomé and to Ma. Ilhâria Costa in Luanda for their assiatance in making these valuable manuscripts available to me. Although few poems in the manuscript appear to be in final publishable form, there ia strong evidence that Costa Alegre intended to publish a volume of poetry a year before bis death. I found a note, dated April 24, 1889, written by Costa Alegre to Cruz Magalhães which included the poem, «O Medico». The note reads: Ali lhe envio a poesia que lhe prometti; é uma das mais recentes, como vê pela dJ3ita,que eu estou compondo para o meu volume Em Feria-s que deve apparecer em brevé e lhe peço que annuncie no seu appreciavel jornal. [I enclose here the poem which I promised you. It is one of the most recent of the compositions, as you see by the date, which I am compj,ling for my volume, Em Ferias, which ought to appear shortly. Please announce it in your esteemed newspaper.] GOlrcia de Orla, Bér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 BIANCHI, Barry L. - Caetano da (J08ta Awgre: cation, if not the glorification, of the pressent» (6).«Presentism» is to be contrasted with «historicism» which constitutes «a commitment to the understanding of the past for its own sake» (7).An accusation of presentism is a valid one for much of the secondary source material in São Tomé litera.ture. We tend to look to the past in a way that fits the niche of our present conceptualframework. It would not be unreasonable to substitute «literary critic» for «behavioral scientist» in the following quotation to emphasize the significant difficulty facing the student who attempts to penetrate IÍearly a century of time to explicate Costa Alegre's poetry in order to understand how the poet structured his world: The approach of the professional behavioral scientist ...is likely to be «presentist» and his motivational posture «utilitariall». He may share the historian's emotional satisfaction, but he tends to demand of the past something more: that it be related to and even useful in furthering his professional activities in the ongoing present. (8) F'inally, explication of Costa Alegre's poetry necessitatesplacing the São Tomé writer into his particular historical context. It must be emphasized that perceiving the writer within his own chronological framework does not presuppose that the poet should be viewed as a mere «product» of his time; as a static entity passively absorbing and recording his experiences in the world around him. On the contrary , it is fruitful to seeart as a system of action; a way in which a writer behavesin the world (9). The emergence of self -the personal and artistic identity of the poet -arises through the role enactment of literature as a processof actively and consciously communicating with an audience. If we assume that literature represents a system of action -a recipe knowledge of how to act in the surrounding society -then the poetry of Costa Megre may be seen as a private act of structuring and communicating the exigencies of his (6) STOCKING, George-RQICe, Oulture, and Evotuticm. New York, 1968, p. 3. (7) Id., ibià., p. 5. (8) Id., ibià., p. 6. (9) DUNCAN, Hugh Dalzlel Symbo~ m Society. New York, 1968, p. 13. Garcia de Orta) 8é1'. Antropot) Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 Poetic 1'68o1ution of a coZ&t d,jchotomy existence as an African writer in a white, nineteenth century , Lisbon world. Stylistically, Costa Alegre operated within the poetic influences of the Luso-European poetry of his time. Neither his style, nor his technical competence, has evoked controversy among critics (10).However, a significant thematic question has precipitated much debate: How did the poet's perception of race appear thematicallJ. in his work ? Costa Alegre in the fragment of the novel at the end of Ver808, gives some indication of how he perceived his role as a writer. The source fbr the writer's characters is his mirror. If the characters in a piece of fiction are «morally degenerate», the writer must also be degenerate for he must live his characters, even be them, in order to write about them : O Mrói d'Umromanooi duma novela, dum c<mto, é 8empre o 8'eUa'II,tor mascarado (11).There is little doubt that the protagonist ~ a brooding melancholy poet dying of consumption- of Costa Alegre's prose fragment is the São Tomé poet himself. Costa Alegre, then, perceives his writing as a reflection of self; a soliloquy. In a concisely written passage,Hugh Duncan summarizes the conceptual framework of soliloquy within the theoretical perspective of considering literature as a system of active communication. I cite this quotation becauseit so clearly strikes the central, controversial atmosphere surrounding the poetry of Costa Alegre : SOliloquy is often an expression of ~onflict among «outer» roles, an individuaJ struggle to confront, and hopefully to resolve contradictions and incongruities. .. In soliloquy the self can speak to the general public, and the community guardians -the heros and villains who importunately demand us to choose between them, The final audiencewhose response is necessary to our sense of order drives (10) For discussions of the poetic style and traditions of Costa Alegre see: cmSAR, Amândio -Parágrafos de Litell'atura Ultramarina, Lisboa, 1967, pp. 30-33; PRETO-RODAS, Richard A.-Negritude as a Theme m the Poetry of t~ Portuguese Speaking WorZd. Gainesvi1le, Florida, 1970, pp. 43-44; RODRIGUES, Lopes- O Livro de Costa AZ6'gre: O Poeta de São Tomé e Princjpe. Lisboa, 1969, pp. 26-32. (11) ALEGRE, Caetano da Costa -Vell'Sos. Lisboa, 1916, p. 154. The hera of a novel, a novella, a short story , is always the author masked. 37 BIANCHI,Barry L. Caetano - ~ C08ta Alo6gre: Poetic Uma das desditas que mais o alanceava era 8er negro. Ouvi-lhe mesmoalgumas poesias em que esse desgosto ressal- (m) DUNCAN. Hugh Da1ziel-Ob. cit., p. 109. (lS) There is no evidence. contrary to the undocumented claims of Preto-Rodas (1970. p. 43) that CoBta Alegre was a. mulatto and tha:t «it was because of his white father that this son of an African servant woman wa.s able to attend univerBity in Portugal». An examination of Costa Alegre.s poetry as well as the preface to the 1916 edition by Cruz M8Igalhães indicates that the São Tomé poet was bom of black parentage. In 1972 Sr. A:nt6nio Ambrósd.oof São Tomé allowed me to read his unpublished article. entitled. «Costa Alegre -Poeta de S. Tomé». which was the result of research 1n the biographical history of Costa Alegre. The poet was the ilJJegitimateson of Manuel da Gloma de Costa Alegre. a black merchant of São Tomé. and Ant6nia Fernandes. the daughter of a smaU plantaltion owner. The patemity of the poet was legally established on April 3, 1880. when Costa Alegre was 16 yearB old. A biographical note which I found in Costa Alegre's manuscript confirms these names and dates. 38 of a colar dichotomy tava duma maneira tão viva que confrangia. (1') us to say in the anguished cries of soliloquy what we cannot say in open dialogue. As the individual states his dilemmas in soliloquy he asks his community to face disrelationships as he himself must face them. (12) The central theme of Costa Alegre's work, the axis of the disrelationships which the poet is asking his community audience to face, is the question of race: an African confronting the incongruities and contradictions emerging in a white nineteenth century European society (13). Any analysis of the black/white thematic framework in Costa Alegre's ~try is made more complex because the conflict between the African ~t and his white environment and the confrontation between the poet's skin and his «white poetic soul» often appear never to have been categorica;lly resolved in his poetry.This lack of resolution has often caused critics to oversimplify and in so doing distort the work of Costa Alegre. The debate over the interpretation of Costa Alegre's conceptions of race began with Cruz Magalhães' preface to the 1916 edition. The editor strongly emphasized the repulsion which Costa Alegre felt for his black skin : 1'eso~tton [ ...] a brutalidade descaroável da sorte para com êle, cobrindo-lhe a alma de Poeta, branca como as estrêlas, com a negridão requeimada da pele. (15) Cruz Magalhães emphasizes this revulsion for being black as a poetic theme in the work of Costa Alegre and there is some evidence to support such an analysis. In one poem (see page 47) Costa Alegre compareshimself unfavorably to white woman (16).The qualifiers attributed to each character in that poem indicate a juxtaposition of black and white images common to many of Costa Alegre's poems. The white woman is described as manifesting divine light, happiness, grace, and a thousand songs. She is compared to the candid happiness of a child and metaphorically she is equated with the pure brilliant dawn. In contrast, the poet states that his color merely indicates mouming and pity. He is a sad «defect» without any hope. Whereas white is the image of divine purity, the poet's blackness is represented by the hellish image of a «horrible fumace» of burning waves. In draft 1I of this poem found in the poet's manuscripts, Costa Alegre summarizes in two lines (deleted by the editor in the published edition) that the causeof his deep pain was having been bom black (17): A minha dor O horror do sem nome meu passado The poem «Quando Eu Morrer» clearly manifests the dichotomy emphasized by Cruz Magalhães: a white poetic soul on the inside and a black on the outside. The poem is loaded with irony. In the introductory stanza a white WO(14) :M:AGALHÃES, Artur da Cruz- «Saudade». VeT8O8àe Costa AlegTe, Ldsboa, 1916, p. 14. One of the misfol'tunes which most wounded him was b6flng b1(zck. I even heard some of his poems in which this grief carne forth in a way so alive that it was oppressive. (15) Id.. i~, p, 9. ...the uncharitable bruta1ity 'of his Iluck iII1 havin1g a Poet's soul. as white as the stars. coverd by a pitch-black skin. (16) ALEGRE, Caetano da Costa-Ver808. Lisboa, 1916, p. 47. (11) ALEGRE, Caetano da Costa -Unpub1ished manuscript. My pain without a name, the horror of my past. Gan'oo dJe Orta, Sér. Antr()lpoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 BIANCHI,Barry L. Caetano d,a. C08ta AZegre: man, metaphorically deseribed as the white moon, causes the poet's death : Quem manda a lava idolatrar A neve extingue a lava. (18) a neve? Costa A1egre proclaims his fear of the tomb becauseof the vermin which will attack his bOdy. His pure soul would live after the cremation of the soul's black cover which would become«transformed ashes». Such a transformation constitutes a purification of his blacknessto match his already pure poet's soul. He urges that these pure ashes be scattered over the earth so that perhaps he, made of ashes, may still be introduced into the heart of the virtuous, virginal white woman who, upon rejecting the poet, is the causeof his death : E no teu coração pequeno e forte (O goso tri!ste!) viva eu nia mk>rte Já qu!e na vida lá vii~T ~ pude. (1 PO6tk resalwti,on of a calor àIWhotomty after the publication of the 1916 edition of Ver808 and continues as a major conceptual framework for much of the recent criticism about Costa Alegre. Briefly, the argument is as follows: To concentrate, as doesCruz Magalhães,upon the repulsion which Costa Alegre may have felt toward his color debasesthe high «moral» character df the poet and reduces his work to a cheap and «vulgar» level. In the 1916 review article of Ver808.. Oscar de Pratt, obviously concentrating upon the theme Of the poet's pure poetic soul, attempts to minimize the poet's cdlor by labeling it as a mere «ethtt1iccharacteristic». He then employs this argument as an attack on the editors and others who find in Costa Alegre's work an abhorrence of his African heritage (21): A insistencia com que o Sr. Cruz Magalhães pretende pôr em evidência uma suposta repulsa de Costa Alegre pela pretidão da côr, que era nele uma caracteristica éthnica, é um producto dos estúpidos preconceitos da nossa infantilidade social, mas desagrada porque, em vez de elevar a figura moral de Costa Alegre, como o leitor a aprende a admirar nos seus adoráveis poemas, a deprime a um nivel de vulgaridade. (21) It is usual to find the disgust with his blackness juxtaposed with the white female figure, toward whom Costa Alegre addresses many of his poemsand by whom the black poet is rejected. Nowhere in his poetry is there any lasting consummation of the Platonic love ideal which he addresses to the Lisbon women. These pallid women, frozen in the ornate decor of their salons, never seemto see beyond the poet's skin to perceive what Costa Alegre calls his «expa.nsive Within this framework it is a misconception poetic soub>. Thus, the 'poet ironically poses to consider Costa Alegre as a black African the question to himself about his relationship poet. Therefore, Costa Alegz:~ ... to the pallid Lisbon women: A neve que ~ na serra Esfria tudo em redor; Quem se afoita a amar as brancas Se da neve têem a côr~ (20) The counter-attack to Crnz Magalhães' preface concerning Costa Alegre's disgust toward his color arose among Portuguese critics soon (18) ALEGRE, Caetano da Costa ~ Ver808. Lisboa, 1916, p. 42. Who orders the 1ava to Jdolize the snow? The snow extinguishes the 1ava. (19r Id., ibM., p. 42. o sad pleasure! I would live in ,death in your small strong heart. wherein I could never live in life. (20) Id.. ibid., p. 54. The snow which falls cm the mountain freezes all around. Does he. who dares to love white women, pick up their ocolor ? GaT~ de Orta,8éT. Antrapol., Lisboa, 2 (1-2), 1975,35-48 [ ...] Podia ser um poeta que nos legasse uma poesia africana. Mas não. Cantou o Amôr e a vida ao sabor da escola poética do seu tempo. (22) (rll) Pratt, Oscar de- f(;CostaAle~». A Nova Patri.a, ano I (6), 1916, p. 1. Theinsistance with which Mr. Cruz Magalhães seeks to docum~t the supposed repulsion Costa Alegre felt for the blackness of his color, which was an ethnic char~oteristic, is a product of the stupid predjudices of our social childishness. It is unfortunate because,instead of elevating the moral figure of Costa Ale~, as the reader learns to admire it in his admirable poems, it debases him to a vulgar levei. (22) «Um Poeta Negro». O Mund.o Portugué8:.vol. III (3), 1936, p. 251. [Costa Alegre] couldhavebeen a poet who bequethed us an African poetry. But he didn't. He sang of love and life in the stylre of the poo1Jicschool of his time. 39 BIANCHI, Barry L. Caetano d!J. Costa AZegre: This a theoretical position has led to several ramifications in the interpretation of the poetic themes of Costa Alegre. Perhaps, the most significant result is the minimization of race. In his discussion of Costa Alegre's work, Lopes Rodrigues attempts to place Costa Alegre in the midst of an idealized Portuguese life complete with smooth interactions and interrelationships among people of various races (22). Lopes Rodrigues extends his argument even more tenuously by attempting to negate a passage from Hygino de Sousa which claims that one finds strong evidence of racial predjudice and rejection by the white Lisbon world in Costa Alegre's poetry (24).Rejection by the white Lisbon women, contend the proponents of this viewpoint, merely symbolizes the normal theme of unrequited love and in no way indicates a prejudice toward his black skin. Additionally albeit weakly, that Costa Alegre treated it ceived his color in a nonchalant manner. Although «Eu e os Passeantes»demonstrates an awarenessof racial rejection. it might be argued, albeit weakly, that 'Costa Alegre treated it somewhat humorously. thereby minimizing its importance to him : Passa uma inglesa, E logo acode, Tudo surpresa: What black my god! Se é espanhol:a, A que me viu, Diz como rôla : Que alto, Dios mio! E se é fraJnoosa : õ queZ beau n8gre! Rindo para mim. (23) RODRIGUES, Lopes- O Livro de aO8ta Ale. gre: O Poota dJeBão Tomé e Príncipe. Lisboa, 1969, p. 33. (24) Id., ibid., p. 47. The most significant comment by Hygino de Sousa, dated May 7, 1890, reads: A cor despedaçava-lhe o peito num desgosto enorme, acabrunhava-o, era o seu pesadelo, porque ele. alma feita de amor, queria lamar tam. bém, mas via sempre erguer-se entre o seu amor e o eterno feminino o preconceito da raça. [Color tare bis breast with deep suffering. It made him despair. It was his nightmare because he, a laving spirit, ialsa wanted to lave, but racial pl'edjudice always ,carne between his love and the eterna! woma.n.] 40 Poetic re8olution of a calor dIÍChotomy Se é portuguesa, O Costa Alegre! Tens um atchim! (25) In an article in Parágrafo8 de Iil,teratura Ultramarina, Amândio César extends the argument proposed by Lopes Rodrigues and others that Costa Alegre was principally a Portuguese poet, universal in attitude and not preoccupiedwith the color of his skin (26). It is fruitful to examine Amândio César's arguments not only because they are more concisely stated than the others, but becauseAmândio César is the most prolific and knowledgable Portuguese critic of Portuguese African literature. César claims that the poetry of Costa Alegre occupied an intermediate position between the «agony» of ultra-romanticism and the analytic description of naturalism, a poetic form which is «smooth, melancholy and idealized». Costa Alegre sang of «love, sweet scenes and tender sentiments» (27). From the beginning César rejects the argument put forth by Cruz Magalhães, saying that hostility toward being black was not a dominant theme in Costa Alegre's poetry .«To be black in a world which rejected blackness»was not a preoccupation of Costa Alegre (28).César cites the 1916 preface which claims that Costa Alegre was always smiling but his smile was merely a mask to cover the 8Uprema injU8tiça de 8er negro. César finds this statement by Cruz Magalhã.es «absurd» because,so his argument goes, if the poet was smiling, then it was his w h i te Lisbon friends, i. e., Cruz Magalhães, who were preoccupiedwith race and not Costa Alegre himself (29). César then concludes that COsta Alegre, the man and the poet, belonged to a universal body of men and friends free from racial rejection. Amândio César's argument is either naive or an attempt to exemplify his present idealofahomogeneous multi-racial Portuguese world. (23) ALEGRE, Caetano da Costa-Ver8oo. Lisboa, 1916, p. 37. An EDglish woman passing by immediately exclaims il1 total surprise: ~ What black, my God! If it is a Spanish woman who sees me, she sa;ys like a; dove: -Que AZto, Dí08 mío. If it is Ia French woman: -6, queZ beau negre!, laughing at me. If it is a Portuguese woman:~ Oh, aosta Alegr6!, you'il get asneeze. ( 26) CEiSAR, Amândio -", Parágrafo8 de IÃteratura Ultramarina. Lisboa, 1967, p. 32. (27) Id., ~., p. 31. (28) Id., íbfà... p. 32. (t!9) Id., tbfà., p. 33. Garcia dei Orla, Bér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975;35-48 Nevertheless, without ful1y realizing it, César has, in fact, hinted at a significant problem in the interpretation of Costa Alegre's poetry. To what degree are the racial preconceptions of Costa Alegre's white editors manifested in the poetry published in the 1916 edition ? An examination of the poet's manuscripts and a comparison of these with the published, edited Ver8O8 leads me to believe that because the editting was so extensive, many ideas and preconceptions of the editors may be inherent in the published version. A detailed comparison of the manuscripts with the 1916 edition lies beyond the scope of this study; however, one example may demonstrate the significant thematic changes made by the editor of Costa A:legre's poetry. Ver808 contains a frequently quoted poem entitled with a question mark. (See page 47) where the complete published poem is juxtaposed with the three versions copied from the manuscript.) The title of the poem has been aparently derived from the question posed by the poet to the white ~.omanto whom the poem is addressed: Ta;l~ez, seja a manhã Innã da noilte escura! Serás tu minha innã ? (30) Presentedas such, it is obvious that the poet, almost hesitantly, questions any universal or cosmic brotherhood of white and black. The dichotomy between the black poet and the white woman describedin the poem concludeswith a question which comesacrossas an almost incredulous, impossible question: Serás tu minha irmã? However, when one examines the three versions of this poem in the poet's manuscripts, a significant difference of interpretation emerges. The last lines of the three versions are : Creio que tu, Senhora Meiga , gentil, louçã Eu noite e tu aurora Sendo tu dia 'e eu noifje Que tu és minha irmã (ao) ALEGRE, 1916, p. 47. CaJetan:o da Coota -Ver8o8. Creio que tu, Senhora Tão fresca, tãO louçã Eu noite e .tu aurora Que tu és minha irmã III No entanto eu julgo a aurora Brilhante, clara ~ pura Irmã da noite escura, Creio que tu Senhora Tão meiga, gentil, louçã Sendo tu dia e eu noite. (31) It is evident then, by the versions found in the manuscripts that the poem does not constitute a question after all. «1 believe» (creio) , manifesting a sense of affirmation and an attempt at a poetic synthesis of black and white, present in the manuscripts has been changed to the «perhaps» (talvez) of a question full of trepidation in the published version of the poem. There is no doubt that after indicating the «defects», «sadness»,«mourning» of his black skin in the poem (which might be interpreted as the poetrecording the standard preconceptionsof the ",.hite woman toward his color) , Costa Alegre, without question, integrates the black/white dichotomy into a common natural brotherhood manifested by the metaphorical relationship of night and dawn, which together form a complete universe; a cosmic whole: Creio que tu és minha irmã. Why the editor decided to substitute a question for an affirmative synthesis is, of course, unknowable. One can merely speculate,without any hope of reaching a satisfactory conclusion, whether such changes as the one presented above, constitute any racial preconceptionsof Costa Alegre's white editors. The context, however, seemsto demonstrate that the editor of the 1916 edition apparently distorted, at times, the concepts inherent in Costa Alegre's work. ( 31) ALEGRE, nuscript. Lisboa, Perhaps the moming is the sister of the dark night, Are you my sister ? Garcia d.e Ort~, Bér.Antropol., n Lisboa, 2 (1-2), 1975,35-48 Caetano da Costa -Unpublished ma- (1) You being the day and I ,the night; I the night and you the dawn. I believe that you, soft, gentle gay Senhora, are my sister. (n) I the night and you the dawn; I believe that you, Senhora -so fresh, sO gay, are my sister. (m) Meanwhile, I find thie brillant, clear pure dawn is tlhe sister of the dark n1ght. I beIieve that you, Senhora, so soft, gentle, gay, are the day and I the night. 41 BIANCHI, Barry L .-OMtano da 0O8taAlegre: Poetk; reso:lutionof a coZor(];fx;hotomy - It must be emphasized that the evidence presented above on the editorial changes in Costa Alegre's poetry is not me~t to support the simplistic thesis proposed by Amândio César , His statement concerning the «smiling poet» strikes one as naively absurd and appears to have been employed to further a «presentist» .D'uma With this in mind, Costa Alegre's profound despair over the changes within him brought on by the world around him become even more poignant : Mas hoje o feio mundo argument, The conceptual and poebc world of Costa Alegre was more complex than César would have us Tornou-me o som profundo canção obscena, ( 34) M 'd o bel ' leve. argarl . ed percelv Two opposing perspectives of Costa Alegre's use of race as a thematic argument have been discussed above. Taking one position as opposed to the other constitutes a simplistic explanation of the poetry of this São Tomé poet. Such a statement is not meant to imply that the «truth» -whatever it may mean- lies at a hypothetical midpoint between these two extremes. Such a positioR was assumed by Preto-Rodaswhen he claimed that Costa Alegre's poetry «shows color in, at best, an ambiguous light» (32).Of course, there are indications of ambiguity toward race in Costa Alegre's poetry, however, as I shall demonstrate below, there are definite consistencies inherent in Ver808 which demonstrate the poet's attempts to resolve the contradictions and incongruities which confronted an African poet in a white 19th century Lisbon world. Costa Alegre's poetry clearly Ulustrates a man structuring his world; a man remaking himself by attempting to resolve the contradictions which surrounded him. Alfredo Margarido attempts to demonstrate that Costa Alegre remade his own image as the white Lisbon world perceived it. He argues that the sociological position of the African in Lisbon at the time when slavery was abolished in the African colonies was one in which both art and the white courtesanswere desired by, but inaccessableto the African. Encountering racial predjudice everywhere the African under these conditions ... death and pity, he remade his image into the stereotypical one held by the white world which opposedhim. Such a position is ultimately un. tenable because reduces the conceptual framework of Costa Alegre's poetry to the «anathema» argument which is not contextual1y demonstrable on a consistent basis through()IUtVer808. Although his introductory essay to the poets of São Tomé is an excellent sociological commentary on the literary developments of São Tomé, Margarido seems to distort the poetic world of O>sta Alegre by minimizing its complexity. Margarido's argument is an undeniable aspect of Costa Aiegre's work ; however, to conclude the evaluation in this way does not take cognizance of the poet's attempts to transcend a white stereotyped notion of blackness. In an excellent essay comparing Costa Alegre with another São Tomé poet, Francisco Tenreiro, Manuela Margarido discu,sses Costa Alegre's work in its his,torical perspective (35).His work coincides with the formation of the large European capitalistic land holdings of cocoa and coffee plantations on São Tomé. The creole landowners lost their land to Europeans at this time and they found in Costa Alegre the affirmation of an ability to achieve in art what had not been available to other island Africans. The educated creole population of São Tomé could identify with O>sta Alegre's poetry because it represented an «authentic attempt to escapethe anathema of his black skin» (36). «Escape»here implies an active attempt by the poet to extricate himself from the pejorative stereotyped white image which he was, at times, compelled to~ ...pode ainda deixar que recomponham a sua imagem não tal como é, mas antes como o grupo branco a vê, como esse mesmo grupo deseja que ele seja. (33) ( ~ ) PRETO-RODAS, Richard A. ~ N egritua.e a.s a Thfmt6 in the Poetry Qf t~ PQTtugueseBpeaking WQTld. Gainesvil1e,I~rida, 1970, p. 44. (M) MAJRGARIDO, A1fredo-«Prefâcio». Poeta.s de B. Tvmé e PrlnotPe, LIsboa, 1963, p. 2. ...I can even permit them to remake his own image ; not as it is, but as the white group sees it, as thls same group wants him to be. 42 h lS ' argues th a t W h en Co s t a AI egre ' di catlve race as a «d ef ect » m . of ( S4) ALEGRE, Oaetano da Oosta -Unpublished manuscript. (Poetic fragment dated June 17, 1885.) But today the ugly w()rld has changed me into the deep sound of an obscene song. (S5) MARGARIDO, Maria Manuela- «De Oosta Alegre a Francisco José Tenreiro». E8tuào8 UJtramarino8, Lisboa, 1959',p. 97. (S6) Id., ibt1d.,p. 97. Garaia d6 Orla, Sér. Antropo~., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 BIANCHI, Barry L. -OaetanQ da aQ8ta AZegre: adopt. Let us now examine these active attempts at conflict resolution which are inherent in the poems of Costa Alegre. First, it is evident from Ver808 that Costa Alegre was continually surrounded by a dichotomous situation: white versus black; black is an anathema versus black is beautiful; black is inferior versus black is equa;l and/or superior. Often, the dichotomy is presented in his poetry with the poet confronting the pallid cold figure of the Lisbon woman. The dawn/night dichotomy is often employed to represent Costa Alegre's relationship with the courtesan figure or with the universe as a whole : Tu tens horror de mim, bem sei, Aurora, Tu és o dia, eu sou a noite espessa, Onde eu acabo é que o teu ser começa. Não amas! ...flôr, que esta minha alma adora. (31) o sol, astro mais belo do universo, O sol, diz a ciência, dando a aurora, Em tanta luz imerso! Só esplendor por fora, Só trevas é no centro! O sol, és meu inverso: Negro por fóra, eu tenho amor cá dentro. (38) The sun and the dawn, representative of the woman of the Lisbon salons, fear, and, are repelled by, the blackness of the poet. On the exter;. ior, they represent splendor, a quality toward which the poet is artistically drawn. Costa Alegre is a,vare of the irony -the «sad pleasure»-of being forced to love an object which fears his blackness, for even the poet himself, by perceiving his color as the white world saw it, feared his mirrored reflexion: Eu, quando em mim reparo, pasmo e admiro O bem feito que sou, nesta aparência, Com que eu até, às vezes, medo inspiro. Im uma maravilha a minha essência! ...(39) (37) ALEGRE, Caetano da COBta- Ver808. Lisboa, 1916, p. 26. I kIiow well, Aurora, I repell you. You are the day, I am the ,dark night. Where I finish you begin to be. You do not love. f1ower that my soul adores. (38) Id., ibid., p. 100. The sun, the most beautiful star in the universe. The sun, says science. creates the dawn. emmersed in such light. Pure splendor on the outside, pure darkIiess is at its center. On sun. you are my reverse: Black on the outside, I have love here inside me. (39) Id., ib1d., p. 60. I am astonished when I observe myse1f and admire how well made I a;m in my appearance with which even I, at times, inspire fear .It is the marvel of my essence. Garcia de Orta, Sér. AntropoZo, Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35.,48 Pootic re8Olwtion of a calor dichotomy Neverthe1ess, Costa Alegre also perceives his image to be a marvelous creation. In the above quotations Costa Alegre often implies his moral superiority to these objects of external splendor. Though the dawn and the sun may manifest the desired exterior beauty, they are dark, soulless, and loveless on the inside. They are the reverse of the poet for although his appearance may symbolize death to the white Lisbon world which he confronted daily, inside, his «expansivepoetic soub>is alive with love and passion. It is certain that Costa Alegre believed that the real and most significant essence of man to be found in the permanence of a ,pure indestructable soul which Itlanifested love. In this sense, the poet emerges superior to the sun and the dawn, not only because darkness (pain and suffering) brings forth this pure light (Do carvão 8ai o l1l-ilko do diamante) (.O), but also because he, unlike the sun and the dawn, is compelled to manifest a pure Christian essenceof man : A minha mente é um campo de batalha São combatentes negros pensamentos ; Minha alma como a vaga se retalha, Ondulando em contrârios movimentos. A ciência austera diz-me: «a vida é isto» E eu, que da fé preciso, eu corro a Cristo, E cuido que a ilusão do céu existe. (41) This dichotomy of pure soul/black skin versus hollow center/ white splendor is reiterated throughout Ver8Q8 in relation to the various ( 40) Id., tbià., p. 26. From the coal emerges the brillance of the diamond. This image occurs frequently in Velr808. It refers to the emergence of the dawn from the night as well as to the essenceof beauty inherent in the black women of São Tomé. That which is valuable, hard, pure and brillant can only emerge from the etiher of darkness. The act of creation. It appears that the brillant essence of the São Tomé black women and the poet's pure soul are two such entities which have emerged from the pain and suffering manifested by the incongruities confronted by their dark skin. (41) Id., ibià., p. 70. My mind is a battlefield. The combatants are black thoughts. My soul, like a wave tearing itself apart, undulates in contrary movements. Austere science tells me, «This is life». And I, who am in need of faith, run to Christ and believe that the illusion of heaven exists. 43 BIANCHI, Bari'y L. (Jae:tano d;a (Josta Alegre: Poetic resQlution of a calor dichotómy . white female figures whieh are the referents foÍ' mueh of his poetry .Those Portuguese erities who rejeet the thesis that Co8ta Alegre eoneentrated his poetry on the subjeet of raee sci1.e upon this symból as the true theme. Am,~ndioCésarargues that a minority -in quantitative terms-ofthé poettlSin Ver808deal with Afrieaand raee. The majority, he elaims, are thematically geared toward the eternal female"(4!. What Mr. César has ignor~ is that even though the pallid femme fatal may have bee~ the poetic stereotype of the period, she epitomizes the eolor dichotomy which the poet faeed. These women were inaeeessableto the passionate Costa Alegre even though, beeauseof the artistie and soeiologieal situation of his time, he felt eompelledto love them. Nowhere in Ver808 iB his passion ever consummated; his love returned and iullfilled by these pallid, cold women in their salons. His disgust toward his skin emerges as a stronger motif when eompared to these \vomen than in other poetie eireumstanees. In these situations, the thesis proposed by Alfredo Margarido appears valid in that Costa Alegre reeordedfor his own image that whieh is pereeived by the Lisbon women. These women are nearly without individual personality throughout Ver808in.thesense that they maintain an ideal eonstant: sty listically beautiful, eoy, cold, dispassionate and hotlow. The end of any relationship with these women -rejeetion -is always forshadowed at the beginning. Costa Alegre pierees the exterior splendor of these women and diseovers in them the esseneeof the eolor dichotomy. In the poem, «O Que Ês» Costa Alegre attempts to penetrate the painful contradietion whieh emergesfrom his adorationof these Lisbon female symbols. The poem is addressed to a beautiful blond \voman and it servesas a deseription of his perception of her. The woman eonstitutes an «enormouseontradietioru>whieh, at the end of the poemJno one ean understand. In a romantic tradition, the woman is both God/ Satan, Christ/ Judas, flower /thistle, gold/mud. Like the sun and the dawn, this blond woman embodies the reverse of the poet- a transient, ( 4!2 ) 44 CESAR, Ainândio Op. ctt., p. 31. yet desired, exterior beauty without substance and love at the essenceof her being: ~s oiro e Giro Tua alma Que lodo -esse teu corpo é oiro que me seduz, é lodo, lodo incompreensível, brilha como a luz. ( 43) Her soul, thbugh mud, is desired -contains light -because it is encased by her golden beauty. The lodo is incomprehensible because being morally dark, it shines like gold presenting the everpresent problem of appearance versus reality. This dichQtomous position constitutes the center of the poet's «fatal contradictioll» : How can the, blond woman, an artistic symbol of divinity a:Í1d desire. be so beautiful and yet have a filthy, loveless soul,while the African poet, perceived by the woman aJ1deven himself, at times, as being an object of fear and repulsion, has a pure soul so full of love and passion? If there is any res~lution to this contradictio!Il facing Costa Alegre, it lies in those poemswhich thematically deal with Africa and the beautiful São Tomé women. It must be emphasizedthat Costa Alegre's nostalgic look toward Africa does not imply a polemic of Negritude politics. First, I am assuming here that the literary phenomenon known as Negritude was a twentieth century movement. Second, since I do not intent to present a historical development of Negritude poetry in São Tomé literature, a lable such as «Pre-Negritude» would be meaningless even as a heuristic device. Rather, I find it more fruitful to characterize Costa Alegre!s reach toward Africa as a nostalgic search for and discovery of, constancy; an imaginative and idealistic resolution to the lonely and painful contradiction inherent in his Lisbon existence. There is little evidence in Ver808 that Costa Alegre experienced,for lack of a better word, a cultural alienation from his African home. He looked toward São Tomé with nostalgic longing, a profound saudade. São Tomé embodies an emotional and intellectual refuge. His island home is pictured as an Edenic and peaceful memory ; a tropical refuge of home, family and women who understand love. First, and perhaps (.8) ALEGRE, Oaetano da Costa~Ver8Q8. LIsboa, 1916, p. 43. YQU are gold and mud. Your body is gold, the gold which seduces me. Your soul Is mud, incomprehensible mud, which shines as a light. Ga,rOO de Ortà, 8é1'. AntropoJo, Lisboa, 2 (1-2), 1975, 3548 fonnost, São Tomé is equated with family. Costa Alegre was sent to Lisbon when he was ten years old for his educationandthe separation from his family was always a poignant reminder of his loneliness. Ver808 is dedicated to his São Tomé family. Separation from his family became more acute after the death of his father who is describedas having waited for the retum of his son even on his death bed (44).Sick with consumption, Costa A:legre wrote in 1888 of his profound grief of dying in Lisbon «withQl\ltbeing covered by the earth in which I v{as bom» (45). Being separated from the refuge of his family increased the notion that he was a foreigner exiled for life in a strange land : A! Que diga ° exJJ1ado,o forasteiro, Se pode ser a riso companheira De quem vive tão 10lIlge da familia! (46) Although a concentration upon his São Tomé family may have relieved his loneliness, it did not directly resolve the color conflict which centered around Costa Alegre's inter-relationships with the European women from whom the poot sought poetic inspiration as well as reciprocal affectiOln. The final step of actively searching, via the soliloquy of his poetry, for a resolution of this contradiction was to look for and find the constancy of love in the black and me8tiço women of São Tomé. In «Visão» an African woman is personified as a blackcap warbler which moves like an ebony statue, heavy and sorrowful as in mourning. The poet's soul is captured by an «invisible rope» and becausehe can not resist the bird's song, he follows at a slow pace until the sad ebony face disappears into the distance (47). In another poem, his black muse emerges as a specific element in the dichotomy. Her rival voice offers a means for the poet's attempt to escapethe incongruities of his poetic attachment to the pallid blond muse. In «As Duas Rivais» the black woman's melodic voice carries a (4,4)Id., ibid.> p. 78. (4,~)Id, ibM.> p. 126. ( 46) Id.. ibià.> p. 109. Ah. let the exiled. the foreigner, say whether a smile can be the companion of one who lives so far from his family. (4/1) Id, ibM.> p. 31. Garaia de Orla, Sér. Antropol., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 warning for the poet as we!ll as offering him peace and resolution : -o desespero, que minha alma traga! Dura e fatal contradição, que chega A endoidecer, e a inteligência assombra! Deixar a luz para viver na sombra! Suspira a branca, que a chorar se cala. Responde a negra de hannoolosa fala : -Mas é que a luz , ai! mu1Jta vez nos 'cega! Mas é que a sombra muita vez afaga! Branca: a iluz fere; negra: a sombra embala. (48 In his most frequently cited poem, «A Negra», the black woman appears warm and beautiful -«soft and beautiful coal from where the diamond emerges». She appears as the da.ughterof the sun, a divine star darkened by the Father. Her black satin skin absorbs light which, in turn, seducesthe poet. However, Ín the fifth stanza we discover that in «olden times» this beautiful black woman was as white as snow and loved a «pallid flower of the valley». As the poet was rejected by the pallid courtesan, so too was «A Negra» who becauseof the rejection of her white knight was «burned», i. e., made dark. Costa Alegre created his African musearoundthe image of himself. Beneath her scorched dark skin hides a pure diamond -the essence of the poet's soul- which is waitÍng for a metamorphosis to bring it forth. The means for this transformation is offered by the poet in the last stanza: Tu tens o meu amor ardente, e basta Para seres feliz; Ama a vioLeta que a violeta adora-te Esquece a flor-de-lis. (49) The hope for the metamorphosis, then, lies in the capacity for an ardent, passionate love to match that which the poet manifests in his soul. Throughout Ver808 the Lisbon women are always described as pallid, cold, snow, (48) Id., ibSd., p. 86. -Oh the despair that my soul drinks! A hard and fatal contradictlon that drives it mad and shocks the intelligenoe. To Leavethe light to live m ,the shadow! sighs the white woman who, crying, remains sil~t. The black woman responds in harm<mious speech:-But the light many times makes us blilDld. But [t Is the shade which is often soothing. White woman: -The light wounds. Black woman: -The shade iluJils us. (49) Id., ibid., 24. You have my passionate love and it is sufficient for you to be happy. Love the violet because the violet loves you and forget the heraldic lily . 45 BIANCHI,Barry L. Caetano ~ CO8ta Alegre:Poeticre8Ol-u,tion of a colord.1chotomy -- hollow on the inside, incapable of manifesting a passion equa1to that of the poet. However, when we turn to the African women which emerge from his poems on São Tomé, we find a different identificaticm. From the poet's manuscripts come the following verses about São Tomé and the «Black Venuses»,vhich inhabit his nostalgic memory for his island COW1try: Aqui as venus negras têm só gozo o mais ardente amor Alem as alVa.9,pállidas donzeH8iS Não têm nenhum amor. (50) Because the poet only too well understands the inconstancy of his relationship with the white women in the Lisbon salons, he warns the women of São Tomé never to love a white man: Nunca ames nenhum branco Que elles amam sem calor E onde o calor não existe Nunca pode haver amor A neve que cae na serra Esfria, tudo em redor Nunca Ames ~nhum branco Seu amor não tem ca)JJor.( 51) It must be emphasizedthat ardente amor does not merely signify intensive sexual passion, although the erotic motif, in the images of waves, burning furnaces, etc., certainly constitutes an important element when the poet is refering to himself or to the island women. The identification with the Black Venus of São Tomé also, and most significantly, includes the element of constancy; a permanence in the eternal love relationship. Whereas the Lisbon female sym- ( 50) ALEGRE, Caetano da Costa -Unpublished manuscript. Here the Black Venuses enjoy only the most buring love. There the white pallld maidens have no passion. ( 51) Id., tbià., p. 45. Never love any white man for they love without warmth. Where warmth does not exist, love can never be. ...The snow which falls on the mountain freezes all around. Never love any white man. Their love has no warmth. 46 bols are cold, beautiful faces coyly peering over their fans to tease and reject the poet, the women of São Tomé emerge from Ver8o8 as the poet's ideal faithful lovers. In «As Rolas» the young creole women of São Tomé, who can only inhabit the poet's memory in Lisbon, «Love only their mates who also love them». If their mate dies, as in the poetic tradition ofidealizedeternal love, they too die (52).In «Cantares Santomenses» Costa Alegre poses the rhetorical question: Branca a espuma e negra a rocha, Qual mais constante ha de sêr, A ~uma indo e V!Oltando A rocha sem se mecher? (53) Thus, for Costa A;legre,thematic Africa,as an ideal memory -a «sweet illusion» -offers the process by which he can attempt to resolve the contradictions and incongruities of his «exile». Poetically, his look toward São Tomé appears to have been the axis only around which could emerge any synthesis within his poetic soliloquies. São Tomé represented family and thus an escapefrom loneliness. São Tomé, or better , the i,deal memO'l'yof it, afforded a means to escape, by poetic resolution, the anathema which the white courtesan world felt for his black skin. More importantly, São Tomé offered the poetic and emotional impetus for the discovery of the eternal woman for whom he was constantly searching. As Costa Alegre states in his poem «Saudade»,his poetry attempts to fuse the pain (of a white 19th century world) and the exiled's nostalgic memory (of various ideaIs which were embodied in the ideal of São Tomé) : Só o exil~, ao Iler os trenos da saudade, Clama: já. te senti a extranha suavidade, Deliciosa fusão da lembrança e da Klôr! ( 54) (5'2) ALEGRE, Caetano da Costa -Ver8o8. 1916, pp. 110-111. (~3) Id., ibtà., p. 62. White, the foam, and black, be more constant, the going and rock which is undisturbed ? (54) Id., ibid., p. 77. Only the exiled, upon reading exclaim: -I have already felt in a deliclous fusion of memory and G/lIrCÍ4 ~ the rock! returning Lisboa, Which must foam or the the elegies of n~talgla you a strange softness, pa1n. Orla, Bér. Antropo'Z., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48 - ~ ~ ~ Garcla a g, "C ~ 6 ~ ~ = "!o .c ÇJ ~ ~ ~ ~ ~ ] BIANCHI, Barry L. -Caetano - da C08ta tIJ Cl>m Akgre: ~ tIJ o .,.. ~ = m ~El+::m~~~S:s CI> +"'m .tIJ "'r;; I:CI> ~m.:S ~ ~ m o,~ ~~m~ "2 ~ M od +-' ~.§ oà ~ ~ 00 §~.s ~~Im Poet'ÍC "2 "' ~ "'od> re8()ltU/tion -~ ~'Ó oà ~ 'Ó 9 ,m ~CI> a) S0 -CI> o rIl~ gj~9 :=o'Q3Q~ !:: ."' of rII"' ...oà a oolor "' O ~ Q)~Q)""~~ !i'o Q) ;j ~ ~ '3 ~ 'â ~ . 1<d oà ;j ~ 9 .~ .g d-ichotomy rI2 oàP.~'õ.~oàS ~ Q) ~ 'â bO;jod oàoà~ ~ § oà &' ~= O ~ ei2 ~ gj ~ ~ g) 'Ó '& ~ ;j ~ .s 9 p, ~ .= t 9 Q)~ <11~ :S=O S"24)~'OO O(IJdoà 2 ;j .s S ~ ~Q) ~ ~ S rIJ ."' ~ ==rJ2~..~0..~~~CI> >~o gomC~CI>&~m SS~mt)CI>~d~g.'QJE 0..tnm'Ó ~~ ~ ~~ g.s,~ Q 000+"' "2 S~CI>CI> rIf O-od~ tIJ :=8...'..'m o...OS;3t)=..CI> o +"' 'Q3 m - ~~i~2°oà=8.M § 'Iãj -~ .a .~ ~ .> S O O ~ ~ ~ ~ ~ oQ) q S rIJ ;j S a)~~=bO~ 'ÇO+"' CI>-~ ~~~0P.6°'":~ m ~~CI> O +-' "$ p,rII ~ -~ O. 'Ó &:§.a~~ .g,QCI>~mt)~gjm~.~ 'Ó tIJ ,g~gmm.gg:§~~..'<1> ~m ~ S'og ~.~~ ~CI>tIJ mmCl>~ ~~.~~:a~ Q) -8 tlJ 0 "'f:m P.~~ m ~0'<1> >.=M m m '<1>..~ °0m~ ..S <O t)!õ ~+"' .at)=~~..t).;8§=t .9mot1JbOml1J,Qt)Q o=tIJ'<1>CI>='<1>~ ~+"' ~ .-t == ~CI>=~= ~~~~~~~~aQ~~Oaa~~~~z~~U~rIl ~'-' c-1 '-'oà ~ ~ .E oà oà~~oà !i'o oà ~ ~ ~ f: oà !i'o ~ ~ ~~~'Óo.oàb'Ó~~4)Q)So p, ~Q)~=oà~ tQ ~ .tQ ~ .~t) .ti 3 r1J ~ ~~~~ 1:j' ~ :KJ ~ ~ ~ti ~ 3 ..." 35-48 ~ Q 'Q d .== = Q)d ~~ t 'gQ) ~~ ~ ;a ~8oE t ~ ~Q) C' s.. O) lcQ ~oQ)d ;j;joàq);jM;j8M~M~.~~~ t) d ~~~.~ 1 ~ ~~~~ Q) ~ d e.s.: ~ ~ ~;sQ)~~5;j;jtQ ~ t) ~ (!) tQ~4)..,.tQ(!)~ "' r/l C) &~~ =~3 so~f~,tQe88 0)~-~~'-"2 o ~ ~ ~ q:: °tQ tQ tQ Q) ~ "' ~ < .Sõ~~ <Ofzl< S~~ ~~~-o .CqC'r.> O) ~ =0).$= P.~O) -O)~ ~ r.> !12 (o ~ S r.> d 00 ~ ~ 111 ~ ~ > ~ "> ~t::3 O '&~ 9 t2 O' ~ ~ Z]~~ (d~:3~ !1) ~ '4> 0) :3:3:38 E,o40'~~ O O' 111 :a gs ...S J(d~ (de(d:3 O ~ ~ .8 ~ o S ~ ~ d=.~.WOQQ) 'â°~~ ~ 4)~-~Q)~+-',gg.~4) ~ 9 ~ 5.s ~.~ "2 s ~ g..s j ~-~~ "t ° IIJ o t ~~. ~~ 'OQ)~ ~~ -~ ;j~;3~;j~S.o.~Cf~;j~;j -a>~ S -.bO s...~ j .iio M OtQ~~dQ)g.~~1cQ M o ~ Q) ~ ~ r9J~~o ] ~?ob ~~'O ;,; J!. .§ ~ tQ b ;$0) S ?;j ô~ .q3 .c ~8& ~ O oi g) oô' -8 e 8. o. ~ ~ gSoàM~Uoà~;j4)"'iii.d'âS~.g.g.go~ .8~~~~C'Q)oà"S.8 -+-'= Q) .'õ ~,aj ~ ~ "' :a ~ (!) 2 § .~ ~ :g ~ ~ ~oQ) O ~ ~ +-' ~ ~ !:: ~ O Q)- ~ Q) ~ Q) .gj oQ) Q) "2 O oQ).~ 'Ó ~ .'õ q ~ oà-;jq~~C,)~Õ§;j,g "2M:S oà ~ ~ ~ !i'o "2 oà .E q Q) S ~ ~ ~ 2 < ~ t)! tQ s:8~.8.8~oQ)aQ)"2.g5SsQ)O+-'S.d;joà"2Q) ;jQ);j"'O;j ;jQ)O <~~«~~~~A~rI200~rI2~<O~O~~~~~~~~~~~0~~~ ~-~ S tQ ~~'t~~&~0~~-0>-0> "'d)' C)~ tQtQ .j:)~. ~~ ;jtQ§t'o~.gj.q3I1J~á.g ~(!).SC)l~~ Q) (!)~~ -o> Q)tQ .c tQtQ~Q) ~ ~Õ ~.§-0>~.~~ ~'O S S tQ'a ~~~.s:s .~ 8 <O à C)' ~ j ~ t) ~5!IJ~tQ02tQ.Q tQ "' ~ s~IIJ-0>!!1~-0>~4)t!JC):3sQ)Q)-0>O)tQ~ ..";j~~...;jQJ~~~g «~~~<~~~Q~r/lO~~~~~~~~~~0~~r/l~ ~ ..ti I 1975, ~ ~ ã.g ~ ~ !1!. 9 ~ = c.J~ ~ § 4) 9 E ~ ;,j Í)'o .~ ~=~ ~~bO~~...d"'~~'C0.;:$tt1...~4) gj- ~ 4)\!! ~s.. ~!3~4) ~.~ "'Q) -a> p. III S ..s .c ~ .~ ~ ;j ~ O > ~ :a 10 ~ § § ~ Q) ~ S..4)Odd-a> C ~ ~~ ~ t)!S..0'-d ~= <O 0 ~ ~ ~ ~ ~ bÍ) c9 'Õ 9 ~ 'õ ~ .g ~ ~ ~ .8 4) = .~ 0 ] ~s..~t)!'Q3~rn:.:1Ul Ul.9.d.3c> Uls..'4>'= ~~;j<O ~~~+JV O;j.~S ~4),Qti2~;j .~~~"~bO~!12 O' t) .e s.. t) ~ .c!)' e 9 ~ ~3=-a>~gj.:!S~O'S~~.'#, ~ ~ .§ ~ :a ;j ;j .'C 2 (1-2), (00 ~ .Q Q, ~..g Lisboa, S:aZ.a~E'Q)~~~.gQO§~~;jS;jS Antropol., <~~<~<~~~~~~~~~~~~~~!~~~ 8é2'. ~ Qrta, > de 47 BIANCHI, Barry L. -CMtano aa. Costa AZegrEI: PoEItic re8olution of a color dichotomy BIBLIOGRAPHY [Unauthored] -«Um Poeta Negro- Costa Alegre». O Mundo PQTtugues [Lisboa], 3, 30, 1936, 251-254. ALEGRE, Caetano da Costa-Ver8o8 [1." edição]. Lisboa, Livraria Ferin, 1916. AMBROSIO, António -«Costa Alegre -Poeta de S. Tomé». Unpublished manuscript, 1972. ANDRADE, Mário de -PQe8ta Negra de Expre88ão Portuguesa. Lisboa, Editória Gráfica Portuguesa, L.d., 1953. ~SAR, Amândio -«No 1.0 Centenário de Costa Alegre, Poeta de S. Tomé». 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Os manjacos utilizam nesta operação bagas de certos arbustos, que depois de moídas oferecem aspecto gomoso. Os balantas empregam a casca de certas árvores a que dão o nome de rotche.. cujo aspecto é também resinoso. Esfregam as peçaspor dentro e por fora, as quais, deixam depois secar. Entre os manjacos esta operação parece ter ainda a função de dar aos vasos certo colorido, visto que, sendo o barro recolhido em lugares semelhantesaos dos balantas, a cerâmica manjaca oferece uma cor mais avermelhada. Num trabalho mais recente (1968) (2) , F. Rogado Quintino diz-nos que «Muitas peças são ( 1) CORREIA, Bento -«A cerâmica na vida dos Balantas e Manjaoos». Bo,letm OUlturaZ 00 Guiné Portuguesa, vol. xrn, n.O50 (Abril de 1958), pp. 133 a 148. (2) QUINTINO, F. Rogado-«Olaria da Guinê». oZam, n.O1, p. 27. Galrc1a ae 01'ta, Bér. AntroPQZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 49-50 untadas, antes de serem sujeitas à cozedura,com substânciasresinosas,extraídas de caules de certas plantas ou de frutos silvestres, com o fim de se lhes dar aspectode vidrado.Oleirasfelupesconseguem avivar a cor encarnada do barro cozido com um banho, antes da cozedura, em solução obtida por decocçãode casca triturada de uma árvore que recebe o nome de bu~ane». Antes de prosseguir, note-se, de passagem, a discrepância entre os dois autores no que respeita à localização do banho no processo cerâmico: para Bento Correia o banho é posterior à cozedura; para F. Rogado Quintino, é anterior . Embora a cocção se realize a uma temperatura relativamente baixa, se o banho fosse anterior à cozedura,como escreveF. Rogado Quintino, as substâncias resinosas, ou outros produtos vegetais, não iriam entrar em combustão produzindo negro-de-fumo em vez de verniz ? Pessoalmente, poderemosacrescentar que uma oleira mansuanque que vimos trabalhar na tabanca de S. Tomé (Mansoa) aplicava o banho depois da cozedura. Como conclusão do que os autores referidos mencionam e da oleira que observámos, parece-nos que existirão dois tipos de banhos: Banho que tem por base substâncias resinosas ( extraídas de bagas ou de cascas de árvores) e que, para além de uma hipotética impermeabilização,daria aos 49 GIL, Ao M. Gomes - vasos cerâmicos um aspecto envernizado ou lhe avivaria a cor vermelha; Banho não resinoso (obtido por decocção da casca ou do lenho de árvores) e que, para além de avivar a cor vermelha do barro cozido, lhe comunicaria uma certa impermeabilização. o primeiro seria principalmente utilizado por manjacos (e também por balantas, segundoBento Correia) .O segundo seria usado por balantas e felupes. Qual o processosegundoo qual vão os banhos diminuir a permeabilidade das peças cerâmicas guineenses? Margot Dias, ao constatar que nos Macondes (Moçambique) logo após a retirada dos potes do lume estes eram borrifados «por dentro e por fora por meio de um feixe de folhas, embebidas numa água à qual adicionam cascas piladas de determinada árvore» (3), consultou dois técnicos, o Prof. Kurt Jackobson, da Faculdade de Ciências de Lisboa, e H. Schloessin,da Universidade de Witwatersrand (Johannesburg), queopinaram, respectivamente: As folhas e cascas de plantas contêm, como substâncias activas, ácidos tânicos que, facilmente solúveis em água, devem exercer uma acção coesiva sobre o barro. As cascase folhas destas árvores contêm certas resinas que, borrifadas juntamente com a água em cima do pote quase em brasa, derretem e entram nos poros do barro cozido, e fecham e prendem desta maneira fissuras ou cavidades minÚsculas. (8) DIAS JoI'ge & DIAS, Margot-O8 Mac0nde8 de Moçambique. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, II, 1964, pp. 116 e 117. 50 Poder-se-ãoutilizar estas interpretações para os dois tipos em que dividimos os banhos de impermeabilização-decoração da cerâmica guineense? Não temos nem conhecemosdados que nos permitam estabelecer uma correlação entre a hipótese de H. Schloessine o banho que tem por base substâncias resinosas. Outro tanto não sucede,felizmente, no que respeita à correlação entre a hipótese de ~urt Jackobson e o banho não resinoso da nossa divisão. Pela mesma altura em que observávamos a actividade da oleira de Mansoa, notámos no fundo de uma canoa estacionada na margem do rio Mansoa, junto à ponte velha que atravessa aquele rio na vila do mesmo nome, uma rede de pesca indígena embebida numa decocçãoque nos pareceu semelhante à usada pela oleira mansuanque. Relacionando este facto com o do emprego da água em que se ferve cascade salgueiro para «encascar» as redes, utilizado na metrópole, surgiu-nos a hipótese de o lenho da planta utilizada pela oleira referida (a árvore, de que não pudemos colher elementos que nos permitissem a sua classificação, designava-sebis8aio em mandinga, segundo informação colhida no local) ser rico em tanino. Sujeito um pedaço do lenho que a oleira usava (depois de pilado num pilão doméstico e embebido em água) a uma análise qualitativa nos laboratórios de química da Universidade de Coimbra, verificou-se que era rico em ácido tânico, o que confirma a hipótese de ~urt Jackobson. O lenho referido, que, quer antes, quer depois de pilado, se apresentava branco, adquiria uma cor vermelho-sanguínea quando na água, como se pode observar numa pequena amostra que oferecemos ao Museu de Cerâmica Popular, de Barcelos. Garcia de Orla, Bér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 49-50 Casa Turi-SaiCaetano Um tipo de casa timorense-Jorge da Costa Alegre: re8o1ution Barros of a colar dichotomy -Barry L.Bianchi 35 Breve nota sobre impermeabilização cerâmica na Guiné com 8Ubstâncias vegetai8-Albano Manuel Gomes Gil... A doutrina 1 expressa nos artigos é da responsabilidade dos autores 49