Casa Turi-Sai-Um
tipo
JORGE
(Recebido
de casa timorense
BARROS
em
15-7-1971)
Tipo de habitação timorense, característico de um grupo etno-linguistico da
região de Maubisse. Reconhece-sepelas seguintes características: 1- Uma estrutura quadrilateral assente sobre colunas; 2--' Um telhado cónico; 3 -Um
conjunto cacuminal, de madeira, constituído por: a) Uma espécie ,de clava ou pilão,
cuja extremidade superior entumesce em bolbo; b) Um disco fenestrado ao centro,
donde emerge a haste do referído pilão, cujo bolbo terminal lhe serve de tampão; 4-0
esquema dos três espaços (inferíor, habitacional, supra-habitacional);
5- Um tabuleiro-lareira, que divide o espaço habitacional em duas metades.
A casa Turi-Sai estA impregnada de um profundo simbolismo sócio-mítico-religioso. A ela estA associada a Arvore sagrada HAli Beremau.
The Turi-Sai house is a type of dwelling in Timor ;belonging to the ethno-linguistic group of the Maubisse region. Its features are: 1- A quadrilateral
structure placed on pil1ars; 2 -A
conical roof; 3 -A
top complex consisting of :
a) A kind of club-shaped implement whose upper extremity becomes bulbous;
b) A centre hollowed disc from which emerges the above implementj
4-The
vertical
divisional
scheme of three levels (inferior,
habitational,
superior) ;
5- A fire-place tray which divides the habitational
level in two halves. The
Turi-Sai house is deeply imbued in a socio, mythical and religious symbolism.
The sacred tree Hâli Beremau is associated with it.
SITUAÇÃO..
ORIGEM
E CONSTRUÇÃO
1- O exemplar de casa que me serviu de
base de investigação foi descoberto na pequena
e quase extinta povoaçãode Turi-Sai, situada na
montanha de Bessilau, como que a orlar a estrada
de Dili-Aileu, a meia distância entre estas duas
localidades. Ali se erguem, numa reentrância do
terreno, duas casas indígenas construídas exclusivamente com materiais locais.
De 1966 a 1969, visitei várias vezes o sítio,
para estudar este tipo de casa, que parece caracterizar um grupo etno-linguístico predominante
em Maubisse, donde são originários os habitantes de Turi-Sai, cuja origem próxima é, aliás,
a povoação de Mánu-Sae-Mau-Ili, situada no
monte Keo, um dos contrafortes da serra do
Ramelau.
Garc'fa de Orla,
Sér. Antropo,Z., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
o referido grupo encontra-se também disperso, em pequenos núcleos, por Hatubuilico e
Manufahi, como se pode supor pelas casas do
mesmo tipo que nestes povos se nos deparam.
2- Das duas casas de Turi-Sai a principal
e a maior é a Fad'-Cwlau (casa+casuarina), a
casa uman6 (naen-ru-ni fada, isto é, casa dos
dois tios ou sogros), que dista da estrada apenas
uns escassos metros. A outra, mais recolhida
numa prega da montanha, é Fad"-Hulcai (casa+
+ lua) , a casa fet08á (man-heu ni fada, isto é,
casa do genro).
Os nomes de Culau e Hulcai, atribuídos, respectivamente, à casa umane e à casa fet08á de
Turi-Sai, são patronímicos. O primeiro refere-se
a um antepassado varão da metade umane , e o
segundo, a um antepassado fêmea da metade
fetosá.
I
BARROS, Jorge -Oasa
Turi-Bai
Está-se perante uma tradição comum a outros
povos circunvizinhos a Timor, e até a ilhas bastante afastadas dela, como a de Tikopia, da qual
diz Raymond Firth (1) :
Many house-namesare ancestral, used
by the family groups for many generations, perhaps since their founding.
Louis Berthe, falando dos Bunaks, de Timor ,
explicita ainda mais a razão desta nominação
ancestral dada às casas de linhagem ('2):
Toute maison se définit donc elle-même,
sur ce plan, par le double rapport dissymetrique, qui Ia lie d'une part à ses donneurs, de l'autre à sespreneurs de femmes.
D'aprês Ia littérature orale, généalogique
et mythique, recueillie sur place, ces relations se sont constituées une à une, dans
le passé.Le cas le plus couramment exposé
est celui d'un ancêtre épousant, par achat,
une femme d'une autre lignée et fondant
avec elle une maison, à laquelle il donne
son nom. La maison de Ia femme devient
alors le premier malu, historiquement,
mais aussi quant au statut: c'est, pour
les temps à venir, les malu pana gomo
(malu gardien de Ia femme) , de Ia maison
nouvellement fondée; tandis que cette
derniêre vient éventuellementprendre place
à Ia suite des autres ai-00'a de Ia maison
malw. La lignée ou Ia maison du fondateur
est dite malu mone (malu gardien de
l'homme) , c'est-à-dire du fondateur lui.
-même.
Quanto às possíveis ramificações patronímicas derivadas de uma onomástica de estirpe
comum, pode bem ter-se dado com os povos de
Timor, portanto com os habitantes de Turi-Sai,
o que Raymond Firth observa a respeito dos
de Tikopia (8) :
Certain other house-names in the community are affiliated with this one [nome
patronímico inicial] , and examination of
the reasons leads to ancestral linkage,
family and clan history , and stories about
the gods.
-Um
de casa
timoren8e
A onomástica observada em tais povos radica
e ganha consistência, através de gerações, em
factos extraordinários, reais ou lendários, e até
na própria imemorialidade da sua origem, contribuindo tudo para se criar, em determinado
grupo humano, a crédula tradição ou mito de
uma genealogia divina do mesmo grupo. :É assim
que os dato-bul dos Bunaks se crêem, segundo
afirma L. Berthe, de origem divina (4).
Por outro lado, a própria situação das casas
em terrenos elevados denuncia a mesma crença
e orgulho de uma ascendêncianobre ou até diyina, ou pelo menos pretende perpetuar a memÓria do fundador da linhagem, conforme refere
dos BUnak8 o mesmo etnólogo francês (3).
Na Fad'-Culau de Turi-Sai verifica-se ainda
outra particularidade comum a outros povos, não
só de Timor. como igualmente das ilhas vizinhas,
e que vem referida por R. Firth a respeito dos
habitantes de Tikopia (8) :
On some of the most ancient sites,
though a house still stands there, it is no
longer utilized for residence, but is reserved as a temple to gods and ancestors
of the group bearing its name.
Considerada lúlik" a casa Culau" apesar ,de
reduzida a ruínas quando a visitei pela última
vez em 1969.nem por isso era tratada com menos
respeito pelos descendentesde Beremau. antepassado dos actuais habitantes do sítio. o qual teria
tido funções de chefe não só daquela família.
senão também de toda a povoação. Surpreendia-se nitidamente nos rostos e comportamentos
daqueleshomens um certo temor reverencial que
se confundia inextricavelmente com uma espécie
de culto religioso. sendo. por isso. vedada a uso
profano qualquer peça da casa. ainda que insignificante e muito danificada.
Não obstante encontrar-se em ruínas e totalmente inabitável. continuavam. mesmo assim. a
celebrar-se na Fad' -Culau diversos ritos sagrados.
3- A construção das duas casas, ou pelo
menos da Fad'-Culau) é atribuída a dois badaena
(espécie de arquitecto-engenheiro,
cumulativamente artista e artífice) de Maubisse, provavelmente da própria povoação de Manu-Sae-Mau-Di.
(1) R. Firth, We The Tikopia, 1957, p. 81.
(2) L. Berthe, «Le mari!age par '8iChatet la captation des gendres dans une société semi-féodale». Le6
Buna' àe TimiOr aentra~, p. 4.
(3) R. Firth, Oip.cit., p. 81.
2
tipo
(4) L. Berthe, op. cito, nota n.O 3.
(3) Idem, ibidem.
( 6) R. Firth, opo cito, p. 81.
Garcia
àEJ Orta,
Bér.
AntropoZ.,
LIsboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
Suspeito que esta profissão tenha sido, até
they take about
four
years
to complete,
há bem pouco tempo, hereditária, como o sacerfor
the
material
must
frequently
be
dócio gentílico, e tenha tido com este uma certa
brought
over long distances
by most priafinidade, implicando porventura que ela fosse
mitive
means.
prerrogativa exclusiva dos membros de uma
família, que facilmente se ia constituindo em
Do custo da Fad'.Culau e da enorme quanticlasse,pela sua própria proliferação e sucessivas dade e qualidade dos materiais reunidos na sua
ramificações, subordinadas ao critério preferen- construção três conclusões se podem tirar:
cial do casamento.
Uma coisa, porém, é certa: no rito da consa1.0 O prestígio social e certo índice de
gração da casa intervém um bada6n ao lado do
fortuna da família ;
cucun (sacerdote gentilico entre os Mambais).
2.0 Uma rede de parentesco de feto8áA casa Oulau custou cerca de 200 patacas
-umane bastante vasta, que, indumexicanas (moeda de prata da República do
bitavelmente, tornava mais suave a
México muito usada em Timor antes da ocupacotização entre os membros da
ção nipónica e avaliada hoje em cerca de 60$),
família para a obra e mais fácil o
além de dois búfalos.
fornecimento e carreto de materiais
Se nos lembrarmos, por um lado, de que a
necessários,cujo transporte em terconstrução data de há mais de quarenta anos e,
reno caprichosamenteravinoso terá
por outro, de que o custo de vida subiu, em
exigido, por vezes, não menos do
muitos aspectos,à razão de 30'%, podemosobter
que dezasseishomens robustos para
uma ideia aproximada do montante a que ela
uma só peça (prumos, vigas, etc.) ;
terá obrigado os membros da família ou grupo
3,0 Uma característica e finalidades relide famílias directamente relacionadas com a
giosas que adiante melhor se eviestirpe de Beremau e Culau.
denciarão e que, por outro lado,
A casa llulcai orçou apenas em 200 patacas
tornaram mais espontânea e mais
do Banco Nacional Ultramarino.
generosa a solidariedade de todos
I~oro o tempo despendidona construção de
os componentes do grupo familiar
qualquer das casas.Atento, porém, o número e as
de Turi-Sai.
dimensõesdos tabuões, colunas, pilares e barrotes e mais material empregado,como adiante se
verá, facilmente se infere que a construção não
poderá ter levado menos de três ou quatro anos, CARACTERl8TICA8
uma vez que tudo se passava em terreno assusta4- Passo a descrever a Fad'-Culau} que
doramente acidentado.
adopto
como padrão deste tipo de habitação indíAlém disso, a própria obrigatoriedade de togena
e
será apenas dela que me ocuparei no
dos Os membros das duas metades fet08á-umane
presente
trabalho. E, já que a mesma me serviu
contribuírem com a sua quota-parte para a consde
base
de
investigação e se presta a uma mais
trução deve igualmente ter protraido esta por
fácil exposição e identificação, adoptarei igualmais tempo, visto que nem todos podiam facilmente acorrer com a necessária prontidão às mente a designação-código«casa Turi-Bai» todas
tarefas assumidas, muito particularmente os as vezesque, no decurso deste estudo, me referir
parentes mais pobres e mais afastados, forçados a este tipo de habitação, considerada como casa
de chefe de linhagem e, simultaneamente, ou
a repetidas ausências de suas moradas e a tramesmo
por isso, casa lúlik (casa sagrada) dos
balhos agrlcolas situados, como a própria consmortos,
antepassados do grupo etno-linguístico
trução, nos meses secosdo ano.
de
Manu-Sae-Mau-IIi.
Quanto a verbas e tempo gastos na construção das duas casas, sobretudo da Fad'-O'Ulau,
A casa Turi-Sai
reconhece-se
com facilidade,
podeestabelecer-seo confronto como que M.King
pelas
características
seguintes:
assinala às casas de Lospalos (1) :
These structures are very expensive to
erect (costing over f 1000 sterling) and
(1) M. King, Ed6n To Paradise, 1963, p. 171.
Garcia
de
Orla,
Bér.
Awtrolpol.,
Lisboa,
2
(1-2),
1975,
1.34
1.0 Uma estrutura quadrilateral ;
2.0 Um telhado cónico;
3.0 Uma decoração cacuminal constituída
por uma haste de madeira, espécie
3
BARROS, JOI'ge --4 Oasa
Turi-8ai
Um tipo de CaBa timorense
de clava ou pilão gigante, cuja
extremidade superior entumesceem
bolbo e serve como que de tampão
a um disco de madeira, relativamente avantajado e de centro fenestrado, donde emerge aquela primeira peça;
4.0 A adopção de três espaços:
espaço térreo, florestado de seis colunas e seis
pilares e aberto de todos
os lados, onde os animais
domésticos se abrigam,
durante a noite e as horas
da canícula ou quando
chove, servindo-lhes de
tecto o soalho do espaço
médio que é o espaço
propriamente habitacional;
b) Um espaço médio, a que me
acabo de referir, e que
se pode considerar como
ponto de referência para
os outros dois espaços;
c) Um terceiro espaço, sobreposto a este último, e que
é uma espécie de celeiro-sótão.
vivos, e a parte abaixo do sobrado, o dos
espíritos da Natureza, geralmente atribuído aos animais. Ê a partir destas normas, consubstanciadas em mitos, lendas
e até formas específicas de construção e
ornato, que se torna possível investigar
as origens dos povos que a elas aderem.
O estudo cuidadoso de todos estes elementos descobre, para os Timorenses, centros de origem e dispersão, localizados em
outras ilhas do arquipélago, e, até, fora
dele, Samatra, Bornéu, Celebes e, a distâncias maiores, a Indochina e o Japão,
são nomes a fixar.
a) Um
Ao espaço médio dá-se o nome de fad'lala
(casa+dentro), ao passo que os outros dois espaços, o inferior e o superior, se denominam, respectivamente, leu-sua e ai-tete-lau.
Referindo-se às casas indígenas erguidas
sobre pilares e dimensionadas em três espaços,
escreve Ruy Cinatti (8) :
Assentam o sobrado sobre pilares, em
obediência a normas que, segundo informação directa, traduzem preocupações
antiquíssimas quanto à economia do espaço habitacional, à defesa contra inimigos e animais daninhos e ao respeito
devido a uma concepção religiosa que,
estatuindo a divisão do universo em três
partes, estabelece para a casa igual divisão. Assim, o corpo do telhado envolve
o mundo dos espíritos dos antepassados, a
residência propriamente dita, o mundo dos
(8) R. Cinatti, Ti1JO8de Oa8(1$Titmo'Yenses
e Um Rito
de OQmagroção, p. 5.
4
Esta observaçãode Ruy Cinatti é corroborada
por trabalhos de diversos autores, como Schãrer,
que, ao longo da sua bela obra N gaju Religion)
abundantemente se refere à divisão do universo
religioso em três partes (9).
Cada um dos espaçosda casa Turi-Sai mede,
aproximadamente, 6mX6m de superfície. O piso
térreo e o espaço superior acusam um pé-direito
de cerca de 2 m, devendo, todavia, notar-se que
o espaçohabitacional sofre, na sua periferia, um
pronunciado abatimento do pé-direito, condicionado pelas abas da cobertura cónica.
Às características acima apontadas acrescente-se que toda a construção assenta no critério
básico de um birnáriQconstante, quer de natureza
social (fet08á-umatne)) quer de índole sexual
(marido-mulher, varão-fêmea).
ESPAÇO INFERIOR
5- Este espaço corresponde ao piso térreo que tem como tecto o soalho do espaço
médio. Ê ricamente florestado de colunas e
pilares.
A floresta ,dessascolunas e pilares que aqui se
nos deparam subordina-se à seguinte ordem hierárquica, pela sua importância tectónica e relevância mítico-sociológica, que lhe impõe a sua
ordem de implantação no terreno:
a) As duas colunas da cumeeira, isto é, a
airuca maentu (coluna+homem+
+ grande)
e a airuca
maenloba
(coluna + homem + pequeno) ;
(9) Schãr,er, Nga;ju Religwn, 1963, pp. 18, 21, 65, 70,
73, 76, etc.
Garaia
de Orla..
Bér.
AntrQpoZ...
LIBboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
BARROS, Jorge-
aQ;8a Turi-Bai-
b) As quatro colunas angulares denominadas ai-lidwn (pau + canto) ;
c) Os seis pilares inferiores,
chamados,
ai-oé-badak
(pau+perna+curto).
a)
«Airuca
maentu»
e «airuca
maenloba»
As duas colunas mais importantes não só do
espaçoinferior mas também de toda a casa são
a airuca maootu e a airuca maenloba~as quais
sobematé cerca de 4 m de altura e medem,aproximadamente, 30 cm de diâmetro. São implantadas, uma, do lado da montanha~ e a outra, do
lado do mar~sendo «montanha» e «mar» tomados
aqui pelo nativo como pontos cardeais, relacionados com o nascente e poente. A coluna da
montanha é a airuca maentu, e a do mar, a airuca
maenloba.
Note-se que as designaçõesde maentu e maenloba não são adjectivais, no mero sentido de
fisicamente dimensionais, uma vez que as duas
colunas são absolutamente idênticas nas suas
dimensões.Trata-se, antes, de expressõesmítico-sociológicas e, quiçá, de nomes substantivais de
carácter simultaneamente etnonímico e geonímico, Nesta última acepção não deixa de ser
oportuno observar que existem no Posto Admi nistrativo de Maubisse dois sucos, dos mais
aguerridos e rebeldes, com estes nomes. São os
sucos de Mantu e Manloba. A airuca maentu e a
airuca maenlobanão seriam, pois, o símbolo etnonímico da estirpe gentílica do pequenogrupo humano de Turi-Sai ? , .,
O que não consente dúvidas é que as expressÕesmaentu e maenloba;evocam o tipo de aliança
contraída através do matrimónio, em que os
membros de uma metade passam a reconhecer
e a tratar como irmãos os da outra metade. A
expressão equivalente em tétum é Maun-álin
(irmão mais velho-irmão mais novo) , ou ali-maun~ ou ainda ali-can (irmão mais novo+
+ filho) ,
No rito da aliança ou pacto de sangue usado
no Suro, região vizinha de Maubisse, faz-se menção clara dos dois prumos .da cumeeíra, como
símbolos desta fraternidade pactual, considerando-se um, mau-cau (correspondente a maentu) ,
e o outro, mau-ali (correspondentea malenloba),
O prumo cau (irmão mais velho) é o da montanha,' o outro, o Iprumo ali (irmão mais novo) ,
é o do mar. O primeiro é atribuído aos umane
(metade da noiva) , o segundo aos feto8á (me.
tade do noivo) ou mane-fau. (homem+ novo=
=genro).
Gar~
à6 Orla) Bér. AntropoZ.) Lisboa, 2 (1-2), 197,5, 1-34
Um
tipo
ae casa
t'imorEmse
Não se me afigura ocioso dar aqui a fórmula
usada no referido rito do pacto de sangue, pois
através dele se poderá tactear melhor toda a
riqueza simbológica, oculta no paralelismo e contraste dos dois principais prumos da casa do
Suro e, por analogia, também da casa Turi-Sai.
Limitemo-nos por ora à parte que nos interessa da fórmula, uns três versos aparentemente
muitos simples, mas, na realidade, densos de
simbolismo:
Mau-cau, ~u-aliJ
Mi sulu rua..
Ai~Qe-pat.
Irmão mais velho, irmão mais novo,
Sois as duas colunas da cumeeira,
Os quatro prumos angulares.
A fórmula, desenvolvida em apódose, progride de um paralelo de contraste humano
(irmão mais velho-irmão mais novo) para o
equilíbrio alegórico das duas colunas, difundindo-se, em seguida, pelos quatro ângulos, em que os
quatro prumos completam a unidade na quadratura tectónica, símbolo da estabilidade da sociedade fundada no sistema de fet08á-umane.
O alegorismo que imediatamente se desprende
desta fórmula ritual é suficientemente esclarecedor do pensamentomítico-sociológico do nativo
da zona do Mambai ou até mesmo de todo o
Timor .
6 -Para
melhor realçar este pensamento,
profundamente imbuído do sentido de solidariedade, de aliança, fraternidade, parentesco, tentemos, por momentos, retraçar a possível origem
etimológica da expressão sulu TUa.
O Dicionário de Daiaque Litoral ( Â Dicti<mary of Sea Dayak).. da autoria de N. C. Scott,
recenceia o termo sulu com o significado de :
a) Companheiro, aliado, amigo, parente,
quase na mesma linha sinonímica
do tétum malU!k ou maun-alin, ou
do mambai mwu-cau mau-ali, ou
ainda do malaio saudara,b) Pau aguçado numa das extremidades
com que se abre uma cova para nela
se espetar um prumo ou uma estaca~ nesta última aceMão que se diz em daiaque :
«Iya ni aku sulu», que Scott verte assim: «He
took my place (used as divorced wife's husband) .» (10) ~, portanto, nesta acepção pejora(10) N. c. Scott, A Dictionary Qf Bea.Dayak} 1956.
5
BARROS,
JOI'ge-
Casa
Um tipo de CMa timorense
Turi-Sai
tiva que a expressão se aplica ao homem que se
conturbernou com a mulher repudiada pelo marido.
No mesmo dicionário se regista ainda o
vocábulo daiaque 8Ulur J com os seguintes significados (11):
2.0 O do ângulo PMt. (poente-montanha);
3.0 O do ângulo NMr. (na8cente-'n'l{l,r);
4.0 O pMlmo do ângulo PMr. (poente-mar
a) Vergôntea, rebento de uma planta;
b) Descendência,
dizendo-se,
neste sentido, que fulano deixou ou não deixou descendência.
A aceitarmos como provável esta aproximação, ou antes, identidade vocabular entre o mambai e o daiaque. sem dificuldade compreenderemos toda a importância que possam ter, na casa
Turi-Sai, a airru;camaentu e a airuca maenloba.
Quanto ao sentido etno-geonímicodas expressÕesmaentu e maenlobaJpor nós atrás insinuado,
não se ocultará, porventura, numa simples evocação deste género, um dos variadíssimos mitos
de génese,tão encontradiços em Timor e noutros
povos vizinhos, mitos que tentam, como que por
instinto, agarrar a origem esfumada deste ou
daquele povo e se exprimem frequentemente em
binários de contraste, como: homem-mulher,
irmão mais velho-irmão mais novo; irmã mais
velha-irmã mais nova; filho natural-filho adoptivo, etc? ...
No caso de Maentu e MaenlobaJtratar-se-ia
de dois irmãos que teriam sido a estirpe longínqua dos povos que, através de gerações, lhes
conservaram o nome até hoje? ...Maentu seria
então o irmão mais velho e Maenloba o mais
novo? ...
Em mitos destetipo é ao mais novo que cabem
as simpatias da narração lendária e do seu epílogo moral. O esquema usado é algo evocativo
dos paralelos bíblicos, de todos tão conhecidos:
Caim-Abel, Esaú-Jacob, os irmãos de José do
Egipto e este patriarca da história bíblica.
b) «Ai-lidu»
7-Na
ordem das colunas, seguem-se imediatamente às duas da cumeeira os quatro prumos angulares, que atingem pouco mais de 3 m
acima do solo e medem cerca de 30 cm de diâmetro. A sua ordem de importância e de implantação no terreno é a seguinte :
1.0 O prumo do ângulo NMt.
-mont~ha ) ;
(11)
6
N.
c.
Scott,
op.
oit.
( nascente-
).
Estes quatro prumos estão, por assim dizer,
instintivamente relacionados com os quatro pontos cardeais, em diversos povos. Eles traçam, na
casa Turi-Sai, as coordenadasdo espaço cósmico
e do espaçosocial, compreendidoentre montanha
e mar, nascente e poente, e repartido entre as
duas metades feto8á-umane ( ...mi ~lu rua, ai-oe-pat ...).
Os quatro ângulos da casa coincidem com os
quatro cantos da Terra, e são, como estes,pontos
igualmente sagrados. Uns e outros são assinalados pelos quatro prumos angulares (12).
Penso que os prumos angulares são apelidados com nomes patronímicos, tribais ou lendários, como sucedecom os Malgaxes e os Ataúros
e outros povos culturalmente afins, entre os quais
a evocaçãodos antepassadosnão é apenas nominal nas colunas, mas também imagística, quer
em escultura ou simples relevo, quer em pintura
polícroma, como se verifica nos povos de Samatra, Nova Guiné, etc. (13).
De tudo isto se pode sem dificuldade deduzir
qual seja a importância dos quatro prumos angulares da casa Turi-Sai.
c) «Ai-oe-badak»
Finalmente temos os seis pilares inferiores, apenas com 2 m de altura, mas, em compensação, com um diâmetro talvez ligeiramente
maior do que o dos prumos angulares.
Estes seis pilares estão dispostos em duas
linhas paralelas, no sentido de montanha-mar)
formando, assim, três pares e ocupando uma
superfície de cerca de 16 m:2,no interior de outro
quadrado delimitado pelas colunas airuca-mae'ntu
e airuca-maenloba e pelas colunas angulares.
Temos, assim, duas linhas paralelas de colunas altas, constituídas cada uma por uma das
colunas da cumeeira e duas angulares, sendouma
linha do lado montanha e outra do lado mar .
Perpendicularmentea estas duas primeiras linhas
paralelas temos outras duas, interiores àquelas
e constituídas por três pilares a nascentee outros
(12) L. RagJ:an, Th6 TempZe and The H01l.s6)1{,(J4:.
pp. 157, 160 e 164.
(18) Idem, ibiàem) p. 166; Schnitger, Forgotten
Kmgd.0m8 m Bumatra) 1964, pp. 150-153; Tibor Bodrogi,
Art m North-East New Guinea) 1961, pp. 61-62.
Garcia
àEj Orla..
Bér.
Antr()poZ...
LIsboa,
2 (1-2),
1975.
1-34
três a poente..perfazendo tudo doze suportes da
casa, número resultante dos números simbólicos
3 e 4, multiplicados entre si.
A erecçãodos seis pilares do espaço inferior
segue-seà das seis colunas maiores atrás mencionadas (da cumieira e dos ângulos da casa),
começandosempre pelo par de pilares mais próximo da coluna airuca-ma.entu (a da montanha)
e, em cada par, também sempre pelo pilar do
nascente.Este critério prioritário, expressonuma
geometria de linhas perpendiculares, acusa nitidamente a preocupaçãodas coordenadasda vida
e da sociedade mambai de Turi-Sai.
As seis colunas maiores sustentam a estrutura cupular da casa, ao passo que os pilares
inferiores suportam o soalho da estância habitacional propriamente dita. Para tanto, estes
pilares adelgaçam, a 1,50cm do solo, cerca de
50 cm do seu diâmetro e sofrem, na sua extremidade superior, uma chanfradura em que vai
descansar (no sentido de nascente-poentee relativamente a cada par de pilares) uma viga roliça
(ai-80ba).. com cerca de 6,50m de comprimento
e 30 cm de diâmetro.
As colunas wiruca-maentu e airuca-maenloba
e as quatro angulares competem,quanto à tarefa
de as aparelhar, transportar e implantar, à metade jet08á.. e os pilares inferiores, à metade
umane. Porém, no que respeita à sua representação simbólica, não se dá precisamenteo mesmo.
A ai~maentu
é umane..e a airuca-maenloba..
fetosá. Igualmente umane são as duas colunas
angulares do nascente..ao passo que as outras
duas do poente são jet08á. Quanto aos pilares
inferiores, mantém-se o mesmo critério distributivo e simbólico.
O P.e Ezequiel Pascoal, falando das casas
lúlík do suco de Mantu, refere-se a «prumos
homens» e «prumos mulheres», respectivamente
ri mane e ri kine em mambai, sendo estes últimos os mais .baixosda casa (14).
Por seu turno, também L. Berthe fala de um
«grand poteau mâle» (nulal mone ou lar) e de
um «poteau femelle» (nulal pane ou 1wto) (15).
Quanto ao número das colunas,ou prumos, da
casa lúlik.. o p .e Ezequiel Pascoal asseveraserem
oito, quatro altas e quatro baixas, respectivamente os «prumos-homens»e os «prumos-mulheres» (16).Mas não faz qualquer menção das duas
(14) p.e E. E. Pascoal, A AZma de Timo1' V#8ta na
Bua Fantooia, 1967, p. 86.
(15) L. Berthe , op. cit., p. l1.
(16) P.. E. E. Pascoa1,QP.cit., p. 86.
Garc'ia. de Orla)
Bé7'. AntrofJQl.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
colunas da cumeeira, não obstante a enorme importância tectónica e simbológica que lhes é
atribuída pelos Mambais.
ESPAÇO MÊDIO
8 -O espaçomédio ou de habitação propriamente dita (fad'lala) mede, como atrás se disse,
aproximadamente 6 m X 6 m.
Este piso assenta sobre três vigas roliças
(ai-8oba)~suportadas pelos seis pilares do espaço
inferior, acima descrito. Perpendicularmente às
referidas vigas, e sobre elas, são colocadosdois
barrotes (denominados ai-soba-lik-têdi) grosseiramente esquadriados, que ligam, um as duas
colunas angulares do nascente~e o outro, as
duas do poen-te.
Ao nível destes barrotes, e na mesma direcção deles, é lançado o soalho da quadra habitacional, constituído por grossos tabuões (airaca)
que medem,aproximadamente,6 m X 6 cm X 5 cm.
Sobrepostos às extremidades destes tabuões,
e com o objectivo de completar a cercadura quadrilateral do espaçomédio, são colocadosoutros
dois barrotes, mal esquadriados, um do lado da
montama~ o outro, do lado do mar~ os quais
vão ligar-se, por entalhe, às extremidades dos
dois primeiros barrotes. Como estes, também
aqueles barrotes que se lhes sobrepõem se chamam ai-8oba-lik-têdi (barrote da parte inferior
das paredes).
A cerca de 2 m acima desta primeira cercadura, que delimita o soalho, forma-se uma segunda, constituída por quatro barrotes, idênticos
aos de baixo e suportados pelas quatro colunas
angulares e por doze pilaretes forqueados, de que
mais adiante se fará a descrição.
Os barrotes da cercadura superior chamam.,ge
ai-8oba-lik-laun (barrote da parte superior da
parede).
As paredes (lik-lolo ) do espaçomédio são de
grossastábuas,não serradas,masapenasaparadas
a parão (espéciede catana curta, larga e grossa,
usada nos trabalhos domésticos e agrícolas) , as
quais medem, aproximadamente, 1,50m de comprimento, variando, porém, bastante a sua largura e espessura. Chamam-se airaca-lik-fada
(tábua + parede+ casa) e justapõem-se verticalmente ao longo das quatro paredes da habitação propriamente dita, encaixadas em chanfraduras praticadas nos barrotes ai-80ba-lik-têdi
(os de baixo) e ai-soba-lik-lau (os de cima) que
7
BARROS, Jorge-
aMa
Turi-Sai -Um
formam as duas cercaduras de que acima se
falou.
A base do espaço superior ou celeiro-sótão,
serve de tecto ao espaço médio.
Porta, soleira e escada
9- Em toda a quadra habitacional existe
apenas uma porta (da;mata)) colocada do lado
do poente. lÊ de um só batente e abre de fora
para dentro, rodando do mar para a montanha)
da esquerda para a direita de quem entra. O batente, por sua vez, é de uma tábua única, me~
dindo, gr0880 modo) 1 m X 60 cm X 8 cm, e girando sobre gonzos de madeira, sem qualquer
reforço metálico. Não tem fechadura, mas uma
simples tranqueta de madeira, muito sólida.
A porta forma com a soleira um todo, a que
presumo estarem ligados uma simbologia e ritos
e mitos muito peculiares, como sucede com os
demais povos de Timor e os de outras ilhas
vizinhas.
Não é inoportuno observar que a casa llulcai
tem duas portas: uma do lado da montanha) e
outra, do lado do mar) sendo esta a principal.
No vizinho povo do Suro, à porta da frente
dá-se o nome de lacu-lau-um'-ulu (porta + casa +
+ cabeça) , e à de trás (da lareira) , o nome de
lacu-lau-api-mata (porta + fogo + olho) .A
primeira é considerada masculina ( mane) ) e a segunda, feminina (hiine). lÊ por esta porta que
devem ser retirados do interior da casa a placenta e o cordão umbilical e todo o sangue menstrual. lÊ também por ela que sai o cadáver: é a
porta do pôr do Sol!
Os Bunaks adoptam idêntico simbolismo a
este respeito, havendo também entre eles porta-homem e porta-mulher (17).
O acesso de fora para a damata faz-se por
um bambu ou estaca de madeira em que, para
o efeito, se recortam estribos, intervalados 30 cm
a 40 cm uns dos outros, para neles se estribar
quem sobe.
O facto de esta peça da casa se apresentar,
mercê dos estribos nela praticados, denteada inspirou a sua designação de e8-nlifa (estaca +
+ dente) em mambai. No Suro julgo chamar-se
nifa-oo) nome sugestivo de um simples toro plantado no chão, diante da porta. O mesmo vocábulo
significa dente molar.
(17) L. Berthe, op. cit., p. 23.
8
tipo de casa timorense
A e8-nifa é peça amovível e encosta-se,não
à soleira da porta, mas obliquamente à extremidade poente da viga central (das três denominadas ai-8oba que suportam o soalho do espaço
médio).O ponto de apoio da extremidade inferior da e8-nifa fica do lado do mar" e o da sua
extremidade superior, do lado da montanha.
Por não ser escada fixa, mas apenas encostada, a e8-nifa chama-se também ai-8essa (estaca+encosto) em mambai.
Sucede, por vezes, a es-nifa ou ai-8e88a ser
substituída por uma espécie de banco estreito
e curto ou cavalete, fixo no chão, diante da porta.
É nele que, à guisa de degrau único, as pessoas
se firmam para entrar na habitação. Esta, porém,
não reveste qualquer simbolismo especial. Ê de
índole e finalidade puramente funcionais. Suspeito que ela seja um dos muitos exemplos de
aculturação sofrida pelo nativo em contacto com
uma civilização superior. Julgo que a mesmapeça
seja, não uma simples substituição funcional da
e8-nifa ou aii-8essa,mas, antes, uma evolução do
rudimentar e sólido toro espetado no chão, em
frente da porta, como degrau único de acessoao
interior da casa.
10--- Quase todos os povos primitivo8 cultivam uma simbologia própria, com um rico substrato mítico e uma forte expressividade ritual,
ligados às peças que acabamosde descrever, isto
é, a porta, a soleira e a escadaque lhe dá acesso.
Lamento, no entanto, não haver podido recolher nada sobre a casa Turi-Sai neste particular.
Julgo, porém, lícito deduzir, por analogia com o
que habitualmente se passa com outros povos,
afins ou vizinhos, o que o grupo humano de Turi-Sai possa crer, sentir e praticar, com respeito
à damata e soleira e à respectiva e8-nifa ou
ai-8e~ro.
Na mitologia dos Ngaju de Bornéu encontra-se a expressão parta dOIiradaJcomo eufemismo
«of the female pudenda» (18).
Aproximemos deste eufemismo Ngaju a expressão tétum core le88U-matan (abrir a porta,
desatando-lhe a corda que a segura), com que
se designa a segunda parte das prendas pré-nupciais, símbolo do direito de entrar em negociaçÕesrelativas às condiçõesdo conjúgio, principalmente quanto ao dote ou preço da noiva
ou também ao direito de a desflorar, verificando-se, nessa altura, simultaneamente, se ela ainda
está tómak (inteira).
(18) Schãrer, op. cit., p. 15.
Ga1'c(:a de Orla) Sér. Antropol.)
LIsboa, 2 (1~2). 1975, 1-34
Note-se que o termo tétum lê88U significa
também pilão (almofariz) , e deriva do malaio,
com igual significado. Nesta acepção, refere
Schnitger o seguinte aforismo malaio aplicado
à mulher fácil (19):
Turi-Sai se pratique o mesmo rito pré-matrimonial acima descrito.
A propósito de ritos desta índole, relacionados
com a soleira da porta, pode afirmar-se o que
perspicazmenteobserva J. Campbell (23):
Lesoeng mentjari aloe, i.e. the rice-block is seeking the pounder.
A constellation of images denoting the
plunge and dissolution of consciusnessin
the darkness of non-being must have been
employed intentionally, from an early
date, to represent the analogy of threshold
rites to the Mystery of the entry of the
child into the womb for birth.
A versão
tétum
seria:
lês8'U buca álu
(mão
procurando almofariz).
No belo mito Maori de Maui, este herói ouve
da boca de sua mãe, a divindade
Taranga,
o
seguinte vaticínio (20) :
Tu hás-de subir à soleira da porta da
tua grande avó Hine-Nui-Tepo, e, então,
nunca mais a morte terá algum domínio
sobre os homens.
Da soleira da casa afirma Lord Raglan (21):
In most parts of the world you must
not go through a doorway without observing the threshold ritual.
E
acrescenta
(22)
:
The custam by which a bride is carried
aver the threshald inta her new hame is
very widespread.
ll-E
em Timor? ...
Entre os povos de Hatubuilico, segundo informação directa, uma vez concluídas as negociaçõesrelativas ao valor do barlaque..abate-se
um dos suínos oferecidos pela família da noiva
(metade umane) e é servida uma refeição comunitária, na qual se apresentamapenasas vísceras
do animal, reservando-se o mais para um rito
ulterior, que consiste em a noiva passar por cima
da cabeçado animal morto e estendido na soleira
da porta, quando ela se despededos seus para
se dirigir para casa do noivo, onde, à entrada,
repetirá a mesma cerimônia.
Tenha-se presente que a povoação de Manu-Sae-Mau-lli, donde parece descenderemos habitantes de Turi-Sai, é praticamente fronteiriça a
Hatubuilico. Não será, pois, de admirar que em
(19)
(20)
p.23.
(21)
(00)
Garcia
Schnitger, ov. c,,;t., p. 227.
Sir George Grey, Polynesian
Mythology,
1961,
L. Raglan, op. c,,;t., p. 26.
Idem, ibi<lem:. p. 28.
de Orla,
Sér.
Por outro lado, o facto de a damata estar
orientada para o poente e abrir de fora para dentro, rodando no mar para a m<mtwnha~aliado à
circunstância de que o acesso a ela não se faz
pela vulgar escada, mas sim por um bambu ou
simples estaca, na base de um conceito ou de uma
tropologia antropomórfica, tudo isto deve ser
analisado à luz do simbolismo ambivalente que
Schãrer descobre em «man and woman, sacred
spear and sacred cloth [ ...] 1 sun and moon,
west and east, upstream and downstream [variante de m<mtankae mar] (24),
Antro2lo1.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
Esta ambivalência é indicativa do processo
genético seguido pela Natureza e pelo Homem,
no qual o macho procura a fêmea. A mesma
ambivalência é igualmente sugestiva da praxe
social adoptada em sociedades baseadas no dualismo fetosá-umane, em que os fet08á procuram
os umane.
Nem será de todo descabido aqui o que Hertz
anota dos Maoris (2~):
Among the Maori the expression tama
tane, male side, designates the most
diverse things: man's virility, descent in
the paternal line, the east, creative force
[ ...] ; while the expression tama wahine,
female side, covers everything that is the
contrary of these. This cosmic distinction
rests on a primordial religious antithesis.
Na sequência de toda esta simbologia, podemos ainda acrescentar que, no rito matrimonial
dos Ngaju, o noivo se desloca para a casa da
noiva, acompanhadode dois amigos ou parentes,
(28) J. Campbe11,The Masks of God, 1960, pp. 65 e 66.
(12.) Schãrer, op. cit., p. 19.
(Z3) Hertz, Death and the Right Hand, 1907-1960,
p.97.
9
um dos quais transporta uma lança (símbolo
viril entre os Ngaju) e o outro, uma cana (igualmente símbolo de virilidade, pelo que lhe chamam
também estaca da VIida (00).
«llilia»
12 -No interior da residência propriamente
dita ou espaçomédio, o observador depara com
um tabuleiro, comprido e largo, assente no prÓprio soalho e formado por grossos tabuões, lajeados e cobertos de terra e cinza. Esse tabuleiro
ostenta um rebordo ligeiramente alteado, com
cerca de 6 mXO,65m.
Trata-se de uma peça muito importante da
casa.E a hilia (lareira), correspondenteao lali'an
do tétum e à atalia do macassai.
A hilia é linha de contiguidade das duas metades fet08á-uman;e,traço de união entre elas.
Ê nela, consequentemente,que uns e outros se
encontram e se unem, nos grandes momentos e
nos actos solenes da comunidade classificatória.
;É por isso que nela se colocam panelas (ura),
em número de duas ou quatro ou mesmo seis,
apoiadas cada uma no vulgar trempe de três
pedras erguidas em cutelo, para a confecção da
ágape da aliança pela comunhão do fogo. Ignoro
se a distinção classificatória de fet08á-umane
se estendetambém às panelas colocadasna hilia.
Se, de facto, assim for, penso que as do grupo
umane ficam do lado da montanha, o lado mais
nobre, pois é o lado dos rai-na'in (terra + dono),
ao passo que as do grupo fet08á devem ficar do
lado do mar, o lado dos adventícios.
É ao fogo que a hilia deve o ser linha de
contiguidade e traço de união e também zona
sagrada, embora para um observador mais materialista ela não tenha mais do que uma finalidade exclusivamente culinária e de aquecimento
em regiões montanhosas e frias, como Turi -Sai.
A esta peça, simultaneamente utilitária e
sagrada, pode aplicar-se o que, sobre a lareira,
afirma de outros povos Uno Harva (~7):
Le foyer est en outre le lien visible de
la communauté familiale.
(06) Schiirer, op. cit., p. 83.
(27) U. Ha;rva, L~ Représentati0n8 Rel-igieuses à~
pe-u,ple8AltaJiq~, versão francesa de 1959, p. 166.
10
Mais
adiante
acrescenta
(28) :
Le foyer a pu devenir parfois, en tant
que lien de Ia communauté familiale, surtout chez les peuples indo-germaniques,le
sanctuaire central d'une grande famille ou
d'une tribu.
A união expressapela hilia é realçada, a nível
conjugal, pelo próprio processo primitivo (obrigatório nos ritos sagrados) de ferir lume pela
simples fricção de dois bocados de bambu com
isca de gamute ou fibra de coco,numa simbologia
que alegoriza o exercício da transmissão da vida,
como nota L. Raglan a respeito dos Africanos(~9):
The fire is then relit by means of the
two sacred firesticks. Of these the pointed
one is remarked as male and the holed
one as female, and the process of making
fire by friction of the two is compared
to the intercourse of the sexes.
o facto de a hilia se considerar centro da
casa e eixo da comunidade familiar, clânica ou
tribal, e também fonte de vida, pode explicar por
que, em certos povos de Timor, segundo afirma
o mesmo L. Raglan, havia uma espécie de sacerdotizas ou vestais que velavam continuamente
pelo fogo sagrado e não podiam ser vistas em
público (30).
Ainda não há muitos anos (foi em 1967 ou
1968) encontrei, na aldeia de Matai (Suai) , uma
dessas virgens ou vestais que durante cerca de
vinte anos não vira nunca o Sol, fechada como
estava na casa lúlikJ onde guardava o fogo
sagrado.
13 -A
kiliaJ como já se disse, é peça sagrada.
Suponho até que à mulher parturiente ou mesmo
só Dlenstruada é vedado tocar na kiliaJ embora
pareça sugerir o contrário não só a expressão
tétum tur-ahi (sentar + fogo) , como ainda a prória prática que esta expressão traduz e que consiste em a parturiente se aquecer ao calor da
lareira, onde não se deitam pequenas achas, mas
toros inteiros, que possaDl garantir UDl aquecimento permanente. N a lareira vulgar do tur-ahiJ trata-se de UD1sistema rudimentar de aque-
(28) U. Harva, op. cit., p. 171.
(29) L. Raglan, op. ctt., p. 81.
( 30) Idem, ibidem, p. 80.
Garcfa, de Orla.. Bér. AntropoZ... LiSIboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS,
Jorge
---Casa
u m
Turi-Sai
cimento com que se providencia à saúde da
parturiente, ao passoque na hilia se procura simbolizar a união dos vários membros da comunidade fe.t08á-umane.
Desconheçose existe alguma crença dos habitantes de Turi-Sai relativa a qualquer virtude
generativa do fogo da hiliaJ tornando-o capaz de
gravidar a mulher que se lhe chegue, como o
criam os Romanos da sua divindade Fogo.
Note-se, todavia, que para o nativo de muitas partes de Timor existe uma estreita relação
entre a panela que se põe ao lume e as três pedras
tradicionais que lhe formam a trempe. Para ele
a panela é mulher, e as três pedras, o símbolo
dos órgãos genitais do homem. lÊ neste simbolismo fálico que o indígena pensa, quando, ao
proferir o número 3, ele se premune com o habitual «com licença», pronunciado por vezes da
maneira mais bárbara.
A mesma relação, existente entre a panela e
as três pedras, parece poder descobrir-se entre
o lume e o que se coze.O lume é imaginado como
fecundante, ao passo que a comida que se cozeu,
contida na panela, sugere a gestação.
Não será, por certo, inteiramente alheia a este
contexto alegórico a expressão bunak «o arroz
está já cozido ou ainda não?», referida à mulher
cujo dote foi ou não totalmente pago (31).Nem
estoutra, dos Tikopias, alusiva ao rapaz já submetido ao rito da superincisão (incisão longitudinal da parte superior do prepúcio) (32):
o seu lume
já foi
aceso.
Mas a hilia não é só traço de união entre as
duas metades. E, pelo contrário, também linha
divisória, concretizaçãoda linha imaginária, projectada entre as duas principais colunas da casa,
as colunasairu;ca-maentue airuca-mal;m,lQba,
para
dividir em duas metades a quadra habitacional :
a metade de dentro (a do nascente), atribuída
aos umane, e a outra, a de fora (a do poente),
aos fet08á.
Na foto que reproduz a hilia, vê-se uma esteira de palha estendida do lado de dentro, com
a cabeceirapara a mootanha. Tenha-se presente
o sentido correlativo entre nasoente-poente,montanha-mar.
14- A hiUa pode comparar-se à 8ór-lúli das
casas do vizinho Suro, a qual não é senão uma
grossa tábua, de 40 cm a 50 cm de largura, que
( 31) L. Berthe,
(32) R. Firth,
Garcia
de OrtaJ
tipo
de
casa
Um;qren8e
serve de divisória entre o interior da casa e a
varanda, ou entre dois compartimentos da mesma
casa, para o que ela é colocada à guisa de régua
em cutelo.
Esta peça das casas do Suro é igualmente
sagrada como a hilia da casa Turi-Sai, conforme
se depreendedo próprio qualificativo lúli do composto nominal 8ár-lúli.
A tropologia unificativa da 8ár-lúli transparece, com admirável nitidez, na fórmula do rito
de aliança usado no Suro, da qual reproduzimos
apenas o primeiro dístico, quando falámos das
colunas maentu e maenloba. Damo-la agora na
íntegra:
Mau-cau, mau-aZi,
Mi 8UZUrua, ai-oe pat;
LaGU-Zau um'-uZu; Zacu-Zau api-mata;
SOR-LrJLl.
Innão
mais
veiho
I
innão
mais
novo;
o
mais
[vellio e o mais novo,
Sois as duas colunas da cumeeira, as colunas
[dos quatro cantos;
A porta da frente, a porta da lareira:
A SOR-Lt)'LI.
A fórmula está concebida em dois dísticos,
aparentementemuito siniples. Nos três primeiros
versos vazaram-se sucessivos binários conceituais, baseados no chamado «paralelismo hebraico», ou melhor, «orientab>, e desenvolvidos,
de modo sempre diferente, tanto na sua métrica
como no seu alegorismo e substrato ideológico.
O 1.0verso do 1.0 dístico simetriza, em absoluto equilíbrio, os dois hemistíquios, de que se
compõe,e os termos do contraste mau-oou (irmão
mais velho-irmão mais novo), cuja progressão se
apresenta em forma de simples repetição ideológica. O seu ritmo é 'binário, com a ar8i.9 no
primeiro membro de cada hemistíquio e a thems
no último.
O 2.0 verso desenvolveum binário conceitual
em progressão não só rítmica e silábica, mas
também simbológica, pois parte de uma simples
bilateralidade (8Ulu rua) para a perfeição da
unidade na quadratura (ai-oo pat).
A perfeição da unidade na quadratura é ideia
tão antiga e universal que já Aristóteles classificava o homem perfeito como «tetrágonos» (33).
O 1.0 verso do 2.0 dístico, mantendo embora
o processodo binário conceitual, faz, no entanto,
uma regressão ao jogo contrastativo, desenvolvendo-o em ritmo quaternário (duplicação do
op. ()Í/t., p. 9.
op. ~'t., p. 430.
Bér.
AntropQl.J
Lisboa,
(8'8)
2 (1-2),
1975,
1-34
Rhet.~
Ill,
XI,
2.
11
BARROS,JOrge,
aMa
Turi-Sai
binário) com oito membros, oferecendo, assim,
uma simbologia perfeita da proliferação do binário inicial mau-CalU..
mau-ali.
O último verso da fórmula é a expressão da
unidade perfeita em que se funde finalmente todo
o binarismo dos versos anteriores; traça uma
linha sagrada (lúli) de contiguidade, que distingue e une todos os mau-CalU,mau-ali.. para
além de todas as vicissitudes, impondo-lhes o
maior respeito pelo código da aliança.
De tudo isto se infere que a hilia une e divide,
é linha selectiva e exogâmica. Em certo modo,
pode comparar-se à «porta» : é meio de comunicação e contacto e, ao mesmo tempo, de separação, pelo qual estreitamente se relacionam o
exterior e o interiar ..o estranho e os da família,
os umane e os jetosá.. os 'Vivos e os mortos.. os
homens e o génio tutelar .
15 -Não é, pois, em vão que, em quase todos
os povos de Timor, se confundem, em linha derivativa, as expressões ahi-mata (fogo + olho =
=lareira, fogão) e estoutras: oda-matan (do
tétum), damata (do mambai), sal-mata (do mambai de Manufahi) , significando todas estas três
expressõesparta.
Como se vê, o elemento mata permanece em
todos os quatro compostos.
Vem a propósito citar aqui as palavras de
Priklonski (34):
Le feu, en tant que transmetteur de
l'offrande, n'est q'une porte par laquelle
les dieux reçoivent ce qui leur est destiné.
É por esta porta que o homem e a mulher
recém-casadosentram em contacto íntimo um
com o outro e ritualizam a sua primeira união
carnal.
A lareira ou o fogão têm, como o fogo que
os motiva, uma função e um simbolismo unificativos. Exemplifica-o, de forma admirável, a
designaçãodada, entre os Tikopias, à lareira ou
fogão com que o noivo e a noiva ritualizam a
sua primeira união marital. Chamam-lhe«te umu
tanakiarna»ou «te umu tanaki»J o que, na versão
de R. Firth, quer dizer: «The oven of joining»,
isto é, a lareira ou fogão vincular (SG)
.
O conceito básico destas expressõestikopias
está bem subjacente à sua correlativa bunak,
(84) Apuà U. HRrVIa, op. cit., p. 171.
(S~) R. Firth, op. oit., p. 146.
12
-
.u m
tipo
de
casa
tim()rense
aplicada ao divórcio: «Barut guhu» (apagar com
o sopro a chama da vela de cami) (36).
Por outro lado, as referidas expressõestikopias não deixam de ser também evocativas do
ahi-saun (fogo + aliança) do tétum, relacionado
com um tipo de parentesco classificatório, assaz
curioso e muito espalhado em Timor, com o seu
nó central localizado na ahi-matan ou api-mata
(lareira-fogão), onde tal parentesco se exprime
em ritos mais ou menos solenes, com mais ou
menos intervenientes.
Todos os que nessesritos participam são ahi-saun uns dos outros, por consanguinidadeou afinidade ou adopção ou pacto de sangue ou mera
conterraneidade.
O parentesco de ahi-saun é assim designado
não porque forçosamente o produza algum rito
de fogo, mas porque ele se exprime pela comunhão do fogo, como parecem prová-lo certos ritos
primiciais, como o do milho novo e o do fogo
novo.
Ritos pirolátricos
16 -O rito relacionado com o milho novo,
praticado em Suai, consiste no seguinte: quando
o milho já está de espiga formada, cada ahi-saun varão da comunidade leva sete espigas do
milho novo à casa-mãe e coloca-as em volta da
ahi-matan, que, nessa altura, deve ter o lume
aceso. Só depois deste rito é que se pode comer
do milho novo. Temos, assim, que é por ele que
os membros de uma e outra metade reafirmam
e reforçam a aliança existente entre uns e outros
e a renovam com os espíritos dos seus mortos
e com o ~in
(génio tutelar) .
A cerimónia que acabamosde descrever sofre
variações por todo o Timor, consoante a região
ou grupo étnico em que ela se realiza.
O p .e Ezequiel refere uma variante, rica de
pormenores,usada entre os Mambais da zona que
compreendeHatubuilico, Maubissee Aileu. É, porém, omisso quanto ao uso do fogo (81).
O rito do fogo novo também se pratica por
todo o Timor, pode dizer-se. Chama-se 8au-ahi
em tétum, oto-sau em bunak e ma88Uléem fataluco, se bem que esta última variante seja simultaneamente rito do milho novo e fogo novo (88).
(86) L. Berthe, OIfJ.cit., p. 24.
(81) p.e E. E. Pascoal, op. cit., pp. 91 e 92.
(88) p.e J. Rodrigues, O Rei de Nári, 1962, pp. 113-126.
Garcia
de Orla,
Sér.
AntropoZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
BARROS, Jorge ~
Oasa
Turi-Bai-
Este recurso ritual ao fogo não é exclusivo
dos povos de Timor. Outros povos o celebram
igualmente,com mais ou menos exuberância de
fórmulas e gestos e com mais ou menos solenidade.
Quanto a Turi-Sai, nada pude colher a este
respeito. Todavia, dada a generalização do rito
e também para se ter uma ideia de como ele
possadecorrerentre OShabitantes daquelapovoação,passoa descrevê-loconforme ele é celebrado
entre os Bunaks.
Em fins de Outubro ou princípios de Novembro, costumam os Bunaks celebrar a festa do
fogo novo, que se prolonga por sete dias.
Ao pôr do Sol do primeiro dia realiza-se o
mone itsu mit (reunião dos sete homens), que
congreganum sítio os lúlik-na'in (guardiões das
casassagradas) do suco, os quais se juntam em
volta do bos8ok-àul (fatuk-hun do tétum) , espécie de altar circular de pedra solta ( de raio e
altura variáveis) , a cingir um gondão lúlik, plantado por algum antepassado,cujo nome é hábito
dar-seà árvore por ele plantada.
Ê praxe realizar-se o mone itsu mit (homem+ sete+ sentar-se em reunião) , em torno do
bossok-bruil
do pho-gomo (guardião de casa lúlik)
mais velho do suco.
Nos dias que precedem a noite do 6,0 dia, os
umanepercorrem as casas fet08á, para angariarem mantimentos suficientes para a ágape a realizar no 7,0 dia, Os mantimentos compreendem
pevidesde abóbora, gengibre, carne seca, arroz,
milho, etc.
Na noite que precede o plenilúnio, cuja coincidêncianão é fortuita, mas de exigência ritual,
desenrola-sea segunda fase da festa do fogo
novo, a qual se denomina hul-sa'e (Lua + subir)
ou dima-dada (azagaia+ espetar no chão).Esta
última designação não significa que realmente
se crave no chão alguma azagaia das sete a que
aludeo texto lendário e ritual, Não passa de uma
expressãomeramente evocativa da lenda (89) ou,
quandomuito, de alguma cerimónia que porventura, em geraçõesmuito remotas, se celebrasse,
mas que a voragem do tempo acabou por absorver completamente.
Ê nesta fase que o pho-gomo decano do
sucoavisa os seus pares de que devem anunciar
aos seus povos a extinção de todo o fogo velho,
na noite do 6.0 dia até à noite do 7.0 dia. Ainda
( 39) Alude-se aqui à lenda que atribui a fundação
do reino dos Lamaquitos a sete irmãos ou aliados. Lama,.
quito é corruptela de lama1c-hítu (prato+sete).
Em vez
d~ Zama1c-h(tutambém se diz háne1c-hítu.
Garcia de Orla, Sér. AntrO!POl., Lisboa, 2 (1-2),
1975, 1-34
Um
tipo
de casa
t~mQrenaj
é nesta altura que se realiza um pho (aruspício) ,
que consiste no que a seguir se descreve.
Abate-se um porco preto (é sempre um macho) .O oficiante é o mesmopho-gamomais velho
do suco, que, para isso, se serve de um 8Uli-pho
(punhal + sagrado), podendo, todavia, esquartejar a vítima qualquer outro. Extraídas as vísceras do animal, só se faz a leitura (exame) do
baço (bula em bunak e urat em tétum) , que,
nestes casos, tem para os Bunaks gaga (boca)
e ghebu (ânus).O baço com aspecto são é bom
sinal. Mas se, pelo contrário, ele se apresentar
muito enrubescido, agoira «sangue»: desavenças
na fam,lia, guerras, morte violenta. Se a víscera
se apresenta anevrada, é prenúncio de morte. Se
a boca (a extremidade mais afunilada) estiver
muito recoberta de gordura, é a nossa boca que
fica tapada7isto é, prenúncio de morte, de adversidade, de insucesso. Se a boca estiver muito
desembaraçadade gordura circundante, também
isso é de mau agoiro. Do mesmo modo, se o ânus
estiver todo envolvido em gordura, é também
mau sinal.
Após a leitura do bula7 feita pelo pho-gomo
principal (o mais velho), este distribui por outros
sete pho-gomo uma folha de bétel e um bocado
de areca secaa cada um, não para mascar in loco,
mas para os levar para casa. Todo este material
de «masca»já se encontrava no altar b088Ok-buZ,
desdeo primeiro dia da festa. Para a distribuição
pelos sete phO-gomo o oficiante apenas escolhe
sete folhas de bétel e sete bocadosde areca seca.
Na noite do 6.0 dia, apaga-se todo o fogo
velho, quer nas casas de habitação permanente,
quer nas palhotas do campo e nos acampamentos
à sombra das árvores.
Dirigem-se então todos a caminho da ribeira,
transportando consigo toda a comida, oportunamente preparada, para a ágape do 7.0 dia (o último), simulando um êxodo. Nesse mesmo dia,
ao anoitecer, dirigem-se novamente para suas
casas, onde ficam aguardando que desponte a
bighémel (Estrela de Alva) .Nessa altura, o
mesmo oficiante, que actuou durante todo este
ritual, acende o fogo novo, do qual devem todos
acender o seu fogo novo.
Não pude descobrir qualquer fórmula ritual
desta cerimónia.
Pela descrição da festa bunak do fogo novo
e pelas suas presumíveis afinidades com o conjunto de TUri-Sai, constituído pela casa, pela
árvore Beremau (40)e pela hilia, pode, de alguma
(40) No fim da descriçãoda casaTuri-Sai dâ-senoticia da árvore Beremau.
13
forma, conjecturar-se o que poderá ser o correspondente rito de Turi-Sai.
«Ai-cabiuda», estaca de bambu, «hátu-máer»
17 -Outra particularidade de relevância que
pude observar no espaço médio da Fad'-Culau
são dois cabides bastante toscos, feitos de madeira e trabalhados à catana. Chamam-se ai-cabiWa (pau+ cabide). O segundo elemento
deste composto nominal mambai acusa nitidamente a sua origem portuguesa. O vocábulo português sofreu, na sua passagem para mambai,
uma metátese, encontradiça noutras palavras
portuguesas,adulteradas, após a sua adopçãono
dialecto mambai, como, por exemplo, serviço,
transmutado em 8Urbius.
Encontrei os dois cabides colocadosao fundo
da parede do rl.a8centee a meia distância entre
as colunas angulares do mesmo lado.
Constam ambos de uma só peça e simulam
chifres de búfalo, dispostos em três ordens verticais. O estilo curvilíneo dos ai-cabliuda de Turi-Sai tenta-nos a um confronto com os famosos
croohets da Nova Guiné, os quais se sabe terem
sido «employéspar les coupeurs de têtes comme
moyen d'empaler le crâne des ennemis»(41).
Será que para os antepassados dos actuais
habitantes de Turi-Sai os seus ai-cabiuda tinham
a mesma finalidade? ...Nesse caso, as cabeças
não seriam espetadasnos ai-cabiuda, como sucede
com os canibais da Nova Guiné, mas penduradas
de uma corda presa aos mesmos ai-cabiuda.
Das várias vezes que visitei a Fad'-Culau
de Turi-Sai não vi senão umas espigas de milho
penduradasde um dos cabides (o da montanha).
O outro cabide (o do mar) não tinha nada.
O facto de estas peças se designarem por um
nome cuja composição denuncia claramente a
influência portuguesa pode explicar-se perfeitamente pelo conhecido hermetismo religioso do
nativo, que o leva a defender da curiosidade de
estranhos coisas que na sua vida são consideradas sagradas, ou a ocultar a qualquer possível
denunciante costumes bárbaros desterrados pela
legislação e religião do malae. E, neste caso, o
apelativo ai-cabliuda terá nascido muito perspicazmente da preciosa, embora aparente, analogia, se não das formas, ao menos de finalidades
entre o vulgar cabide de parede e as peças da
casa Turi-Sai.
(41) .J. & P. Vllleminot,
p.262.
14
La NouveUe-Guinée,
1966,
Entre os dois cabides havia duas estacas de
bambu, ensarilhadas uma na outra, donde pendiam relíquias dos antepassados (catanas, au-lÔ88Uou oohe-mama..respectivamente bambu e
saquitel usados como recipientes do material de
fumo e masca dos nativos) e oferendas que lhes
eram dedicadas,como: espigas de milho, ramos
de areca, etc.
As duas estacas estavam atadas com filamentos de gamute,que,em muitos povos «primitivos», simboliza o cabelohumano, mais particularmente do púbis, como se verifica, por exemplo,
com o Ataúro. Uma das estacas era mais comprida do que a outra e com a extremidade superior sobrepostaa esta. A linha da inclinação que
ela acusava era no sentido de montanha-mar..
precisamente no sentido inverso da estaca mais
curta. Ambas tinham nós, dos quais pendiam
ossos, chifres e mandíbulas de animais sacrificados aos espíritos dos a'IJÓ8e aos génios tutelares.
Serão as duas estacas de bambu uma versão
miniaturizada das colunas airuca-maentu e
ai11uca-maenZOba;'/
...
Apresenta-se, porém, talvez com mais fundamento de verdade a suposição de que se trata
de uma discreta simbologia do intercâmbio sexual entre marido e mulher, não só como consorciados entre si, mas também como representantes
das duas metades intervenientes no consórcio.
Esta interpretação não se me afigura fora do
contexto cultural de uma vasta zona que abrange
povos do Sueste asiático e da Oceânia. Do aborígene da Austrália diz C. M. Bowra (4Q):
Both the waistband of human hair and
the coolibah tree with its sprawling roots
are brought in with set intention, since
both are symbols of fertility in man and
nature. Hair plays a large part as a male
emblem in the ritual songs of the Djanggawul and kindred rites, and roots of trees
are connected with the male function in
procreation.
E
mais
adiante
(43)
The problem which beyond alI others
obssesseshim [ o homem «primitivo» ] is
that of procreation andfertility,notmerely
in men but in the whole range of life.
(~2) C. M. Bowra, Prim"tW6
( 48) Idem, ibidem, p. 253.
Garc'ia de Orta, Bér. Antropol"
Bong, 1962, p. 252.
Ljgboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS,
Jorge
E, concluindo,
acrescenta
CaSa Turi-Sali
A zona dos ai-cabiuda é considerada a mais
sagrada de toda a casa.
(44) :
The symbols are chosen on a basis of
association through their obvious resemblance to one another, and their relation
to the central issue.
Isoladas das duas primeiras estacas, de que
acabo de falar, e colocadas na mesma parede,
porémmais retiradas para o lado do mar..viam -se
mais duas estacas de bambu, finas, atadas uma
à outra, pela extremidade superior de uma e a
inferior da outra. Estas duas estacas não se
encontravam ensarilhadas como as duas primeiras, mas apenas atadas uma à outra e ambas
fixas na parede.
Ignoro a sua finalidade e simbolismo específico. Não julgo, porém, que elas apenas sirvam
para descer do celeiro-sátão alguma corda de
milho ou algum objecto inacessível à simples
extensão da mão. Pois, para tanto, estariam
encostadas à parede, e não atadas ou fixas à
mesma.
Servirão tão-somente para nelas se pendurarem oferendas, como sucede com as duas primeiras estacas?...Não parece improvável.
18 -Diante das estacas de bambu ensarilhadas e dos cabides havia duas pedras lisas, pequenas lajes ou aras (hátu-máer) J sobre as quais se
costumam depor, para aplacar as iras dos avós,
oferendas,como: arroz, milho, carne, bétel, areca,
tuaca e água.
Quando visitei a Fad'CulauJ em Setembro ou
Outubro (mesesdedicadosa ritos de fertilidade)
de 1967,os descendentesde Beremau tinham, dias
antes, oferecido aos espíritos dos antepassados
arroz misturado com milho pilado, tudo colocado
sobre as duas lajes hátu-máerJ onde também se
via um frasquinho, não sei se de sal ou de piripiri. Ao lado, 'havia uma garrafa com tuaca e
uma caneca de ferro esmaltado a tapá-Ia; perto
da garrafa, uma bilha de barro, com água, e
ainda uma lata contendo areca e folhas de bétel.
Por sobre o arroz e o milho zumbiam activas
algumas abelhas, atraídas pela comida em fermentação. Perguntei pelo motivo daquelas oferendas propiciatórias ou expiatórias, e o chefe
da família respondeu-meem tétum: «udalnla tau
kleur 000» (já não chove há muito tempo) .Era,
pois, necessáriopropiciar ou aplacar os espíritos
irados dos avós, para que eles fizessem chover! ...
( 4-') c.
Garcia
M
M. Bowra,
Orla,
Bér.
op. clt.,
Anltropol.,
Noutros grupos mambais, esta zona localiza-se ao centro de um tabique divisório ;de toda a
quadra habitacional. Assim o confirma o p .e Ezequiel E. Pascoal, que escreve ( 45):
Encostam-nas [sete hastes de milho
novo] ao tabique que divide a casa ao
meio. No centro do tabique, metidos num
bambu fenestrado, estão os chifres das
cabras mortas na mesma cerimónia, nos
anos anteriores. Penduram neles algumas
maçarocas.Na base do tabique foram colocados, previamente, alguns lúliks, tais
como uma espada,uma azagaia,uma pedra
ou outros. tÊ-lhes oferecido milho novo
juntamente com areca e bétel, depois de
o cuco ter besuntado a testa dos circunstantes para os preservar de malefícios.
A analogia, que imediatamente ressalta desta
descriçãoe da que acima fizemos da zona antonomasticamente sagrada da casa Turi-Sai, insinua
com legitimidade que num e noutro caso se celebram ritos cíclicos e de fertilidade, em que se
rememoram os antepassados.
Verifica-se, por outro lado, que no sancta
sanctorum da casa Turi-Sai se mantém a preocupação paralelística ou o sentido de polaridade,
na expressãode Hertz que do homem «primitivo»
afirma o seguinte (4.6):
Dualism, which is of the essence of
primitive thought, dominates primitive
socialorganization.
Temos, assim: ,duaspedras de ara; dois cabides de pau simulando três ordens de chifres ou
pares de chifres; duas canas ensarilhadas; duas
outras canas apenas atadas; milho e arroz; garrafa e frasquinho; bilha e caneca; areca e bétel ;
tuaca e água.
Esta bipolaridade tem o seu eixo geográfico
determinado pela montanha e pelo mar. O eixo
social apoia-se nas metades fetO8á-umane.
Em tudo isto se nota uma certa preocupação
de «distinguir», o que nos sugere,de algum modo,
(45) p.e E. E. Pascoal, o~. clt., p. 92.
( 46) R. Hertz, o~. ciiit., p. 95.
p. 253
Lisboa,
Um tipo d.e casa tilmore~
2 (1-2),
1975,
1-34
15
BARROS,
Jorge
round and the Earth square. And a later
edition of the Li-Cki describes the Ming
T'ang (palace) as being round above and
square below (as a commentator explains)
to signify the roundness of Heaven and
the squarenessof Earth.
aquilo que U. Harva, citando Anokin, nos diz de
certos povos altaicos (47):
Les kormos [imagens representativas
dos antepassados]provenant de Ia famille
du mari sont placés du côté des hommes
dans Ia tente, ceux de l'épouse dans Ia
partie réservée aux femmes. Les Altaiens
ont, en effet, Ia coutume de séparer les es.
prits tutélaires des deux époux.
Presumo que esta mesma bipolaridade se dá
com os habitantes de Turi-Sai, no plano sócio-religioso. Assim, por exemplo, a pedra de ara
do lado da montanha seria dedicadaaos espíritos
dos antepassadosda metade u~neJ e a do lado
do marJ aos antepassadosfet08á. Isto, porém, não
invalida o profundo sentido de unidade que, entre
eles, decorre do seu sistema dualista de fet08á-umaneJe que lhes impõe o regime preferencial
de matrimónio dentro dessemesmo binário.
Não se observam na casa quaisquer esculturas, incisos ou pinturas, que habitualmente, decoram as casas lúliks, expressamente construídas
para custódia de objectos lúliks.
Relativamente
o Céu e a Terra,
The belief that heaven is round and
the earth square seernsto have been held
in China at an early date. The altar to
Heaven was enclosed in a circular space
and that to Earth in a square, because
according to the Yi-aking Heaven was
(47) U. Harva, op. cit., p. 257.
(48) L. Raglan, op. cit., p. 155, citando J. Rosa e
Sickman & Soper.
16
casamento
o mesmo
cósmico
autor
entre
(49) :
In virtually alI of Indonesia the dualistic element is met with in the form of
creation myths involving the marriage
between Heaven {Sun) and Earth, out of
which al1 life has come forth [ ...] .
An example is the Fialarang myth of
Timor. Men, animaIs and plants are directly or indirectly
descendants of a
Heaven Father and an Earth Mother .
E, mais adiante, reproduzindo Frazer, acrescenta Raglan (50):
In Lati and other islands there is an
annual festival in honour of the Sun-God,
who is believed to descendinto the sacred
fig-tree to fertilize Grandmother Earth.
The mystic union of Sun and Earth is
dramatically represented in public, amid
song and dance, by the real union of sexes
under the tree.
ESPAÇO SUPERIOR
19 ~O espaçosuperior, ou celeiro-sótão,tem
por base seis tabuões e duas travessas) e por
tecto, a cobertura cónica da casa.
Este espaçocompleta o alçado da construção
e demonstra claramente o seu plano, assente no
duplo critério de um quadrado habitacional e um
telhado cónico, ao mesmo tempo que permite detectar na casa Turi-Sai a influência de zonas
culturais afins e até uma longínqua influência
das grandes religiões orientais. Sabe-seque, tanto
naquelas como nestas, a habitação-templo, na
sua forma quadrangular e na sua cobertura
cónica ou arredondada,simboliza o Céu e a Terra,
bem como a união cósmica entre o Céu e a Terra.
Dos Chinesesescreve L. Raglan (48):
ao
diz
Costumes e ritos análogos são referidos, em
relação às regiões costeiras de Bobonaro e do
Suro, por M. King, que escreve (51):
The custom, well authenticated in Java,
that a married couple must have sexual
intercourse in the rice paddies in order to
increase the rice crop, is practised in many
of the coastal areas of Bobonaro and Suro.
Os ritos referidos por Frazer parecem insinuar uma certa correlação e analogia entre o
Fogo e a Mulher, de um lado, e o Sol e a Terra,
do outro ; o Fogo, como órgão integrante da kilia
para fecundar a Mulher, e o Sol, como órgão integrante do Céu para fecundar a Terra.
(49) L. Ragl:an, op. cit., p. 96, citando J. M. van der
Kroef.
( 50) Idem, ibf,dem.
(111)M. King, op. cit,' p. 152.
Garcfía
de Orla,
Bér.
AntropoX.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
BARROS, Jorge-
aMa
Turi-801i
-Um
20- Os tabuões da base do celeiro-sótão são
perpendicularesentre si. O primeiro a ser colocado é o que se apoia nos espigões das duas
colunas airuca-maentu e airuca-maenlobaJ.seguidamente, os outros dois que o ladeiam e que
têm as extremidades estribadas em quatro colunetas esquadriadas, t,erminadas em espigão e
emergentesdos barrotes ai-8oba-lik-laun do lado
da montanha e do mar. Sobrepostosa estes três
primeiros tabuões lançam-se, em sentido perpendicular, outros três. Destes, os dois laterais também estribam as suas extremidades nos espigões
de quatro colunetas que emergem dos barrotes
ai-8oba-lik-laun do na.reente e do poente. No
mesmo sentido dos três últimos tabuões são
colocadasduas travessas, que se vão a:poiar apenas nos três primeiros tabuões do espaço superior.
Os tabuões que formam a base deste espaço
medemquaseo mesmoque as pranchas do soalho
do espaçomédio.
Os dois tabuões centrais ostentam, no ponto
do seu cruzamento,um forame, onde se vai embeber a haste de uma peça chamada ai-manuk-rua
(pau + galo + dois) , cuja descrição se dará mais
adiante.
Os vãos entre os tabuões são preenchidoscom
painéis de cana espalmada, o conhecido fafúlu
do tétum ou ul em mambai. A cana, depois de
espalmada,é entrelaçada.
lÊ no espaçosuperior, celeiro-sótão ou celeiro-arrecadação,que a família armazena os géneros
alimentícios, como milho, em grão ou em maçaroca, mandioca seca,carne seca,etc., e também os
seus pequenos haveres, metidos geralmente em
cestos indígenas, e utensílios de trabalho e até
de cozinha.
Ê evidente que o calor e o fumo que se levantam da hilia tudo amarelecem e enegrecem no
celeiro-arrecadaçãn.
Galeria exterior
21- Ao nível dos barrotes ai-8oba-lik-laun
ressaem,a toda a volta da casa, grossas pranchas, idênticas aos tabuões do soalho da quadra
habitacional. Elas formam uma como que galeria exterior, onde costumam dormir as pessoas
que, nas grandes festas da família, não cabem
no espaço habitacional propriamente dito, ou
jad'-lala. Esta espécie de galeria exterior faz
também de celeiro ou arrecadação suplementar.
As pranchas que formam a galeria exterior
descansamsobre doze pilaretes forqueados ( aiGarcta
de Orla,
Bér.
Ant1"0pol.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
tipo
de casa
Hmorense
-oe-anaJou ai-ri-anaJ ou ainda ai-uruca) , distribuídos pelos quatro lados da casa, a três e três
para cada lado, os quais emergem dos barrotes
ai-lik-têdi (os de baixo) do espaço médio.
Os pilaretes medemcerca de 1,25cm de fuste
e, a partir daí, forqueiam de modo que uma das
suas ramificações progrida verticalmente e vá
apoiar o barrote ai-li.k-laun (o de cima) , atrás
mencionado, enquanto a outra se projecta horizontalmente para fora, como que em mísula, para
sopesaras pranchas da galeria ou beliche exterior
a que acima se aludiu.
O acesso à galeria faz-se por dentro e por
meio de simples estacas encostadas à parede
da habitação propriamente dita.
Como se vê, a galeria exterior, ou beliche-arrecadação suplementar, da casa Turi-Sai oferece algumas vantagens da vulgar varanda das
casas do litoral. Quando é usada como beliche
suplementar, os seus utentes costumam estender
por cima das tábua,sesteiras feitas com material
da região.
As abas, muito abatidas, do telhado cónico
recoberto de espessascamadas de capim e gamute defendem-nosdo frio nocturno das regiões
altas, ao passo que o calor da kilia os aquece
através da abertura interior da galeria.
TELHADO
22-0
telhado chama-se fad'-kuku (casa+
+ cimo) e é cuneiforme.
A semelhança do telhado cónico com o tecto
de uma tenda sugere-nos irresistivelmente o que
sobre esta escreve U. Harva (112)
:
L'idée selon laquelle le ciel est un
toit de tente est incontestablement de Ia
plus haute antiquité. C'est probablement
l'habitation primitive de l'homme qui a
suscité cette image qui n'est pas exclusivement propre aux peuples sibériens.
o mesmo autor cita, a propósito,
culo 22 do capítulo XL de Isaías (.53):
o versí-
« [ ...] Qui extendit velut nihilum coelos
et expandit
eos sicut tabernaculum
ad
inhabitandum.»
(52) U. Harva,
(53) Idem, ~.
op. cit.) p. 31.
17
BARROS,JOl'ge
o telhado da casa Turi-Sai assenta nos seis
tabuões e nas travessas da base do espaçosuperior e numa espéciede andaimes quadrangulares
e interiores, sobrepostosuns aos outros, que afunilam progressivamente no sentido do fecho do
cone.
As abas do telhado medem cerca de 8 m de
diâmetro. A altura, a partir das abas, é superior a 3 m;
A estrutura do telhado cuneiforme é constituída pelas peças que a seguir se descrevem.
Dos quatro ângulos da base do espaço superior partem quatro caibros (ai-fadó), que se
vão encontrar no fecho do cone. Presumo serem
estes caibros hine (mulher) .Em Ataúro, estas
peçaschamam-sehata (mulher) .Tenha-se igualmente presente que, em tétum, se chama ai-inan
(pau + mãe) ao toro deitado no chão, o qual,
uma vez erguido verticalmente, deixa de assim
se chamar.
Os quatro caibros, de que estamos a falar,
apoiam-setambém em quatro escoras de bambu
ou madeira, que, por sua vez, se vão estribar na
base da peça chamada ai-~nuk-rua, na linha
tangencial desta com o forame praticado nos
tabuões centrai.s,de que atrás se fez menção.
Sobre os quatro caibros são lançados, à guisa
de madre8, cinco coroamentos ou círculos concêntricos (man-lara), feitos de uma espécie de
bambu .denominado au-ora, em mambai, um
bambu fino e de paredes espessas,usado nas
construções indígenas. As intersecçõesdos cinco
coroamentos com os caibros, que os suportam,
são fortemente atadas com liame de bambu
(cubu8).
Para completar a estrutura do cone partem
da cercadura quadrangular da base do espaço
superior para o vértice cerca de sessentalarazes
(aid-ló=pau ou vara + direito) , à razão de quinze
entre caibro e caibro.tÉ sobre eles que se lançam,
à maneira de trama, aproximadamente outros
dezoito coroamentos concêntricos, feitos de ripas
(lára8) de bambu au-ora, atados aos larazes com
fibras de bambu.
O revestimento exterior do telhado e a sua
impermeabilização obtêm-se pelo emprego de
pequenosfeixes de capim (curbua), que se vão
sobrepondo e atando às dezoito ripas circulares
(láras) da segunda ordem de coroamento do
telhado, em progressão ascendente,como se faz
na colocaçãoda telha. O liame usado continua a
ser a fibra de bambu.
As diferentes camadas de capim são entremeadas de panos de gamute (nalU-hulu=tua18
queira + cabelo), isto é, de filamentos negros e
rijos de tuaqueira, que as impermeabilizam.
O processo de colocação dos panos de gamute
consiste numa costura em que se usa uma agulha de bambu na qual se enfia a linha, feita do
mesmo material.
O último revestimento do telhado é exclusivamente feito com espessos panos de gamute,
fortemente costurados às ripas horizontais da
cobertura.
Para facilitar o escoamento das águas das
chuvas, o telhado acusa um ângulo bastante pronunciado, tornando o cone muito afunilado.
Do telhado revestido e «impermeabilizado»
ressaltam, como ponto de convergência e centro
apical de toda a construção, o disco ai-ta1c-boir
e uns 25 cm de colo da peça ai-fad'-huhu com o
seu bolbo terminal.
A casa não ostenta qualquer outro símbolo ou
motivo decorativo, além do que assinalámos e
pelo qual se diferencia claramente de qualquer
outro tipo de casa indígena, mesmo entre os
Mambais.
Passamos seguidamente à descrição do conjunto de peças que representam a característica
tectónica e simbológica mais relevante da casa
Turi-Sai.
«Ai-fad'-huhu»,
«bou-diu»
23 -O
acima
conjunto
se
guintes
«ai-tak-boir»,
aludiu,
«ai-manuk-rua»
simbólico-decorativo,
consta
principalmente
e
a
que
das
se-
peças:
a)
A
b)
A ai-tak-boir
ai-manuk-ruaJ
c)
A ai-fad'-huhu.
;
A primeira destas peças consiste numa haste
cilíndrica, de cerca 8 cm de diâmetro, que a pouco
mais de 1 m do seu comprimento forqueia e
atravessa o telhado, projectando, por cima do
centro apical do cone, as suas duas ramificações.
A segunda peça é um disco de madeira, com
55 cm de diâmetro e uma espessura de 5 cm,
ostentando no centro um forame de cerca de
8 cm de diâmetro.
A última peça é uma espéciede clava gigante,
igualmente de madeira, terminada em bolbo;
Ê constituída por uma haste esquadriada, que se
introduz no forame do disco ai-tak-bair. O bolbo
terminal faz aparentementede tampão do mesmo
Ga.rc'ia
de
Vrfà)
Sér.
Antropol.)
Lmboa,
2
(1-2),
1975,
1-34
BARROS, Jorge ~
Casa
Turi-Sai
-Um
forame, como que a impedir que por este se
infiltrem as águas das chuvas. A haste mede
cercade 1,55cm de comprimento e 8 cm de grossura. O bolbo terminal tem cerca de 25 cm de
diâmetro e 20 cm de altura.
As primeiras vezesque visitei a casa Turi-Sai,
a haste estava partida pela base e mantinha-se
suspensacom o disco por cima do telhado, apenas apoiada nas extremidades dos dois galhos da
ai-manuk-rua.
Para obter um conjunto sólido, Os galhos da
aí~manuk-rua..que se projectam por cima do
telhado, vão abraçar e reforçar a haste, mal
esquadriada,do pau de pilão ou clava aí-fad'-kuku
que serve de eixo ao disco ai-tak-boir .
A ligação dos galhos da aí-manuk-rua com a
haste da aí-fad'-kuku faz-se por meio de duas
pequenastravessas de bambu, denominadas ai-sak-su. Estas pequenas travessas de bambu
introduzem-sena haste da clava ou pilão ( ai-fad'-huhu) cacuminal, que para tanto é fenestrada
em dois sítios, sendo, depois, tudo fortemente
atado com cordas de gamute e recoberto de panos
do mesmo) ficando apenas descoberto o bolbo
terminal e as extremidades das travessinhas ai-Sak-8U..
nas quais se costumam pendurar cordas
de carne nas festas rituais.
No interior da casa, precisamente na base do
espaçosu~rior, a extremidade da wi-manuk-rua..
que, segundo se disse, é cilíndrica, atravessa os
dois tabuões centrais, de que atrás de falou, pelo
forame neles praticado, servindo-lhe de tampão,
ao mesmotempo que recebe,por baixo dos referidostabuões,uma espéciede crescenteou chifre de
búfalo, de madeira, de cerca de 50 cm de envergadura. Esta peça, crescenteou chifre de búfalo,
é utilizada como cabide e como travessa ou travinca,para segurar e travar a haste da wi-manuk~
-rua..que, para o efeito, é igualmente fenestrada.
A travessa ou travinca, em forma de crescente
ou chifre de búfalo, chama-se bou-diu (avô +
+ chifre) ou simplesmente diu ou ainda 8U8sa
(travessa, aldraba, cunha).
Aai-manuk-rua mede, em todo o seu comprimento, cerca de 3 m. Umas décadas atrás, segundo informação directa de um dos actuais
ocupantesda casa Turi-Sai, esta peça ostentava
decoraçõesalegóricas e motivos míticos, gravados ao longo do seu comprimento, o que me leva
a suspeitar que se trata de peça ancestral, evocativa do fundador da linhagem.
24- Se bem se atentar na distribuição e disposição das diversas peças que formam o conGar~
de Orta,
Bér.
.AntropoZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
tipo
de casa
timorense
junto acabado de descrever, sem grande dificuldade se descobrirá que nelas se mantém um critério simetrizante que ora se exprime por simples
correspondênciaparalelística dos elementos concorrentes, ora se apresenta em contraposições
das duas metades sociais fet08á-umane ou dos
dois sexosque compõemo casal. E tudo isso combinado em dois grupos ternários: um, situado na
fad'-lala (interior da casa), outro, na fad'-kuku
(telhado da casa), considerado,porventura, como
réplica do primeiro. O ternário do interior da
casa é constituído pelas seguintes peças:
a) A wi;-manuk-rua;
b) Os tabuões
centrais
da base do espaço
superior, perpendiculares
entre si e
íoraminados
no ponto do seu cruzamento;
c) O OOu-diu ou 8ussa.
o segundo
grupo,
o do telhado,
a) A ai-fad'-huhu,
b) O disco ai-tak-boir
c) As
travessinhas
ai-sak-8U.
ou clava
consta
de :
gigante;
J.
de bambu
chamadas
Este jogo de ternári08 pode reduzir-se a três
paralelos:
a) Um paralelo formado pela ai-mánuk-rua) correspondente à ai-fad'-huhu)
uma e outra peças masculinas ;
b) Segundo paralelo resultante da simetria de peças fêmeas: os tabuões
centrais foraminados, de um lado,
e o disco ai-tak-bOIir) do outro;
c) Terceiro e último paralelo que simetriza o boU'-diu e as travessinhas de
bambu, chamadas ai-8ak-8U) do telhado.
Estes paralelos podem apresentar-seainda em
três binários de contraste:
a) o primeiro contrapõe, em contraste de
sexos, a ai-manuk-rua (peça masculina) aos tabuões furados (peças
fêmeas);
b) O segundo, também em contraste de
sexos, é a contraposição da ai-fad'-huhu (peça masculina) com a ai-tak-boir (peça fêmea) ;
19
BARROS,Jorge
c)
o
terceiro
posições
binário
contrapõe
porte)
«AI-MANUK-RUA»:
é
de
e finalidades
o
bou-diu
(peças
de
coroamento
mento)
(54) .
DA
de
peças
(peça
travessinhas
ÁRVORE
contraste
das
às
Um tipo de casa tim()renS6
Ga$a Turi-Sai
de
e
su-
ai-8ak-8U
e
traveja-
VIDA
25 -Este
processo de binários e ternários
é porventura uma refracção decorativa de um
conceito unitário, mítico-genético, aflorado da
criança na árvore da vida e de um culto clara
ou vagamente itifálico. Uma e outra coisa são
facilmente reconhecíveis na cultura indiana, indonésia e melanésia; é também comum a povos
altaicos e aos da Mesopotâmia e ,de África.
Da árvore da vida diz F. A. Wagner (55):
All over the world the tree is commonly
regarded as a magic or mystic symbol, as
the «tree of heaven», for instance, or the
«tree of life». This symbol is not only to
be found in this form in Indian literature
and sculpture, but the tree of life is often
also used, specially on textiles, by several
of the Indonesian tribes that remain
unaffected by external culture influences.
o autor apresenta, a p. 16 da obra de que
extraímos esta citação, em foto colorida, uma
secção de pano indígena de Sumba, estilizada,
com dois pássaros poisados em ramos opostos.
O mesmo motivo se encontra frequentemente
em panos timorenses de Suai e Oecussee em trabalhos de palhinha policromada de Maubara,
Ermera e Same, como, por exemplo, as conhecidas tabaqueiras e os cestos. Outro exemplo
disso são os recipientes de bambu e as tatuagens.
O simbolismo da árvore da vida aparecetambém noutros povos do Sueste da Ásia, como, por
exemplo, entre os Ngaju de Bornéu, cuja crença
na árvore da vida Schiirer descobriu sobretudo
nos seus desenhos religiosos. Nestes, afirma o
autor que se vê a árvore da vida coroar o tecto
da casa ('1;6):
In religious drawings it
crowns the house.
o coroamento da casa com a árvore da vida
também se verifica nos desenhos dos gnungan
de Java {õ7).
No fim da sua obra, já aqui várias vezes
citada, Schãrer dá, em apêndice,o poemado mito
da Criação, texto ngaju relativamente longo,
desenvolvido em 269 estrofes, nas quais se faz
abundante referência à árvore da vida e às duas
aves genesíacas( male and female hombill) nelas
poisadas {Õ8)
.
26 -Será que esta simbologia arbórea, tão
espalhada em todo o Oriente, nos permite descobrir na ai-manuk-rua da casa Turi-Sai um fac-símile da árvore da vida indiana, indonésia e
melanésia? ...O próprio nome da peça, fortemente sugestivo do mito da árvore da vida com
as suas duas aves genesíacas,parece confirmá-lo.
Com efeito, o compostosubstancial ai-manuk-ruaJ que designa a peça assim chamada,não significa outra coisa senão árvore ou pau das duas
ave8Jdesignação perfeitamente coincidente com
a linha mítica da árvore da Criação e as duas
aves que lhe completam a narrativa da Génese.
Pela sua configuração cónica, a cobertura da
casa Turi-Sai sugere a tenda cónica de muitos
povos orientais. Por seu turno, a ai-manuk-rua
lembra a coluna central que suporta o tecto da
tenda, e que é, na mitologia dessespovos, figurativa da árvore da vida ou árvore cósmica.Desta
coluna central, árvore da vida ou árvore cósmica,
diz Campbell (59):
We note, furthermore, the surprising
detail of the central pole, which in the
higher Mythologies becomesinterpreted as
the world-uniting and supporting Cosmic
Tree, World Mountain, axis mundi7 or
sacred sanctuary, to which both the social
order and the meditations of the individual
are to be direeted.
A mesma prerrogativa unificativa atribuída
por Campbell à coluna central da yurt altaica é
reconhecida por Schãrer na árvore da ~
dos
Ngaju de Bornéu, da qual diz (iJO):
The tree of life stands between Upperworld and Underworld, as the totality of
both worlds.
[ the tree ]
(~1) F. A. Wagner, op. cit., p. ,132.
(58) Schãrer, op. cit., p. 163-203.
(~9) J. Campbell, op. cit., p. 359.
(60) Schãrer, op. cit., p. 33.
(M) Cf. J. Campbell, op. cit.J pp. 121 e 125.
(55) F. A. Wlagner, InIloneM..:-Art
of the world
(tradução de A. E. Keep), p. 128.
(3'6) Schãrer, op. cit.J p. 32.
20
Gar~
àB ort<i, Sér. AntropoZ., Lis,boa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS,
Jorge-
Casa
Turi-S<IIi
-Um
Parece ficar assim esclarecido qual seja a
posição e função da ai-manuk-rua na cosmologia
e estrutura social do grupo étnico a que pertence
Turi-Sai: os dois galhos entroncados na mesma
haste. ..
27- A par do sentido mítico que nela se
descobre, a ai-manuk-rua) formando um todo
com o cobertura cónica, simula a árvore com que
frequentemente o timorense alegoriza a realeza,
a chefia, o prestígio social ou, como no caso de
Turi-Sai, a origem da vida ou a estirpe de uma
família. As árvores típicas destes alegorismo
são a hali (gondão) e o calkeu ( casuarina) .
A primeira aparece nos seguintes versos de
um sidón (elegia) em que se pranteia a morte de
um liurai:
Deho'u haZi Zeon.
KiZat tá mate,
KiZat Zeten tá mate
HaJi leon kma1lek.
tipo
de
casa
timQT6'nSe
Hei 1W!in Mau-Têtik,
Obu na'in Mau-Têtik
Nanoin 1.a lm,
Naneo 1.a liu,
Na/oU feto f,da,
Feto OQ88a-Luan hauri
Oádus MaMO.
NafoU to'o mai, ai nafunan,
NafoU to'o mai, ai nadiki:
Naàiki crai raik, cahi raik d.e'it,
Na!wna crai raik, ba8sa raik d.e'it;
Bas8a nala ra.jk de'it,
Oahi 1Wla raik Mit.
Ai tá Sic<m8,
Funan us8i Bau-Berek,
Ussi Bere-Bauk aman,
Bere-Bauk ladiki,
Laculó na'in.
o Leki, tu és o senhor do centro da Terra,
Leki-Luk,
tu és o dominador do centro da
[Terra.
Tombou o grande gondão.
O fogo feriu de morte,
O fogo do Céu feriu de morte
O frondoso e esbelto gondão.
Graças a ti a ârvore não foi cortada,
Graças a ti é que a ârvore se não partiu.
Por sua vez, o cakeu (culau em mambai) é
figura predominante no seguinte dôlin (poema
lírico de carácter narrativo) , em que a linha
genealógica de uma casa real é simbolizada pela
casuarina ou cakeu:
o cakeu que estimo como oiro não será.
[cortado,
O cakeu de alto valor não serâ quebrado.
Serâ
conservado
para
que
a
ele
se
[a
Lêki eh! Rai matan na-'in ba 6,
Lêki eh! Rai matan na'in ba 6,
õ
ha'e
~
ai
1.a tá,
ó
ha;'e
madadin
ai
1.a 8ilu.
Ai
cakeu
cala
murak
la tá,
Ai
cakeu
cala
murak
la siZu.
Serâ
conservado
para
que
a
ele
se
[a
Se acolha
para
Se acolha
para
Que
se
mantenha
constituir
manter
a
real
prole,
abrigue
tenra
real
a real
acolha
tenra
prole;
família,
descendência.
descendência,
suplica
Mali~Mauk;
H ela hala
oa nurak
rêli
a há,
H eila hala
oa nurak
rali
a 00.
RaZi a bá TOm tau
RêU a ba Todt fut
S~'a
tada
ba
ta;da
Mau-Têtik..
Mau-Têtik.
Obu na'in Mau-Têtik,
Hei na'in Mau-Tétik.
Nafoli feto ida,
Feto Títtr-Luan
houri
Rai Ué-Hali.
Sér. Antropol.,
casa
real,
suspira
o senhor avô Mau-Têtik,
O velho avô Amu-Têtik,
Pensa aturadamente,
Medita profundamente :
Apreça uma donzeta,
A jovem Cassa-Luan, oriunda
De Câdus Manéo.
Nanoin Za liu,
Nanoo Za liu.
Garc'ia de Orla,
a
o senhor avô Mau~Têtik,
O velho avô Mau-Têtik,
Pensa maduramente,
Reflecte seriamente :
Apreça uma donzela,
A jovem Titir-Luan,
oriunda
De terras ,de Ué-Hali.
namuZak,
sad.fa.
bei
constitua
Pede-o ao avô Mau-Têtik,
Suplica-o ao avô Mau-Têtik.
Bárin.
ôbu
ba
se
Maull-Mauk.
Bárin,
Fui Bárin Mali-Mauk
Tau Bárin Mali-Mauk
Namulak
Que
LIs,boa, 2 (1-2),
1975, 1-34
21
OUSa Turi-Bai
BARROS,Jorge
u m ti.p() de casa t"ilmorens6
Chegada a donzela apreçada, floriu a ârvore,
Chegada a donzela adquirida, deu rebentos
[a ârvore:
Deu rebentos dobrados com o peso, pendentes
[até. baixo,
Floriu até baixo, a tocar o chão,
A tocar o chão,
A pender junto à terra.
E a estrofe termina com esta definição
tica do estado conjugal :
A extinta árvore de Sicone
Floriu em Ussi-Bau.,Ber~k,
Pai de Ussi-Bere.,Bauk,
Bere-Bauk de Ladíki,
Senhor de Laculó.
Note-se, de passagem, a extraordinária coincidência entre a designação de Fad'-Culau
(casa + casuarina) dada à casa-mãe de Turi-Sai
e a alegoria do poema ora vertido, enflorando
uma e outra a família de Turi-Sai com honras
de linhagem enobrecida.
28 -Como se vê, a poesia oral timorense
oferece um adminículo nada insignificante à
interpretação até das várias peças de que se
compõe a casa indígena. Recorramos uma vez
mais a ela para um conhecimento interpretativo
mais exacto da ai-manuk-rua.
No rito do casamento gentílico timorense, os
anciãos representantes das duas casas ou metades contraentes dialogam entre si nestes termos :
Nahu r~,
Ita rua hassa'e 0'/Ia oa feto,
Ita rua hodi hatur 0'/Ia oa mane
Ba fafata rohan,
Ba aIi-lain tutun.
Seguidamente,
Nós dois já elevámos a filha,
Nós dois já colocámos o filho
1-'as extremidades da fafata,
No topo da estaca viçosa.
Dirigindo-se
o oficiante
em
exorta-os
seguida
com
aos
estes
é'mi
rua
issi
Balo
é'mi
rua
ZQlo ida
idn.
ona,
01Ja.
Fazendo-vos aos dois uma só carne,
Tornando-vos a ambos um só corpo.
Parece, assim, que a ai-manuk-rua é também
símbolo do casal: dois galhos numa só haste.
O galho-homem a nascente, o galho-mulher a
poente.
A menção da /a/ata (que não é outra coisa
senão a tábua ou viga que remata muitas casas
timorenses) apoia-se no facto de, nessas casas,
aparecerem muitas vezes dois pássaros empoleirados nas extremidades desseremate da habitação nativa, simbolizando o casal progenitor já
falecido. Ã imitação dos que deixaram descendência, augura-se aos nubentes igual fecundidade, identificando-os poeticamente com o símbolo vital.
SIMBOLO
ITIF ALICO
29- Passemos agora à interpretação
da
ai--fad'huhu com o respectivo ai-tak-OOir. O seu
sentido simbólico está desvendado nos versos
acima analisados :
recém-casados,
:
[É sabido que a /a/ata ostenta dois pássaros
empoleirados nas suas extremidades, ao passo
que a ai-manuk~rua 8Up;(Yrtaa ari-tak-bO!ilr e a
ai-fad'huhu) simbolizando aquela a mulher, e
esta, o homem.
Este simbolismo é corrente na cultura híndu,
na Indonésia, na Melanésia, particularmente na
Nova Guiné.
A este respeito escreve Campbell (61):
There have been found [ ...] a number
of simple sexual symbols: cone-shaped or
Durante estes dias,
Ao longo deste tempo,
Nós, as ,duas extremidades,
Nós, as duas 'pontas,
22
HalQ
poé-
Para \'os eJJe~r a lambds,
Para vos colocar aos dois,
Nas extremidades da /a/ata,
No topQ da estaca viçosa.
versos
lha loron hirak nele,
lha uain hirak nele,
Ami rohan rua,
A m$ sudin rua
SQuru 1n4ltu malu,
Haljbur mutuk,
Hodi hassa'e 00Ia émi rua,
H odi hatur ona émi rua
Ba /a/ata rohan,
Ba ai-Zain tutun.
Nos reunimos,
Nos congregâmos,
Para vos el~var aos dois,
Para vos colocar a ambos
Nas extremidades da fafata,
No topo da estaca viçosa.
(61) J. Campbell, op. cit., p. 437.
Garcia
de QrtG,
Sér.
AntropoZ.,
L\SJboo., 2 (1-2),
1975,
1-34
BARROS, Jorge-
Casa
Turi-Bai-
Um
phalic erect stones, denoting the male,
and circular stones with a hollow center,
representing the female. Such primitive
forms (known as lingam and yani) are
still the most common objects of worship
in India, whether in temples, in the open
country , or in the household cult. Surviving from the tradition of the neolithic,
they outnumber statistically all the other
types of Indian sacred images, and occur
most commonly in association, specially,
with Shiva and his goddess,Devi.
Esta simbologia sexual deve ter-se espalhado
pela Birmânia, Mal ásia e Indonésia, a partir do
século VI a. C.
A propósito da difusão da influência cultural
indiana, observa C. A. Fisher (62):
By the 6th century explorers and
traders were edging their way along the
coast to Bunna, the Malay peninsula and
the Western islands of Indonesia, probably
in search of gold and other precious
metaIs.
E
acrescenta
(63)
:
Indian civilization gradually spread
over the greater part of the coastlands of
Indonesia and the Indo-Pacific peninsula
as far as western and southern Anam
respectively.
A
influência
entre
os
Fisher
(64) :
cultural
séculos
xn
indiana
e
XIV,
atingiu
segundo
Timor
escreve
By tbe second half of the first millenium A. D., Indian cultural influence had
begun to spread farther afield, ultimately
reaching eastwards to the coast of Timor
and the Molucas, and inland to the highlands of western Sumatra by the 12th-14th
century.
Por certo que esta influência se não fez directamente, mas primeiro através da hegemonia
política e consequente difusão cultural do império samatrensede Sri-Vidjaia, entre os séculos
IX e xn a. D., depois através da influência polí(62) C. A. Fisher, Bouth-east
(63) Fisher, op. cit., p. 84.
(64) Idem, ibjdem, p. 247.
Garcia;
de
Orla,
Sér.
AntropoZ.,
2
(1-2),
1975,
~
1-34
ca.sa timorense
tica, económica e cultural do império javanês
de Madjapahit, dos séculos xn a XVI, não obstante afirmar Fisher (65):
Already by the 5th century A. D.
several small Indian kingdoms had grown
up along the coast of Sumatra, Java and
Borneo.
30- Estas sucessivassobreposiçõesculturais
parecem autorizar-nos a filiar nos rice-blocks
(almofariz de pedra ou madeira, com uma ou
mais bocas, para o descasquedo arroz) indonésios certos usos e costurnes timorenses e certos
remates de telhado, em forma de barco, que se
observam em muitas casas, sobretudo da zona
do mambai.
Desses rice-blocks diz Schnitger (66):
The rice-block indicates the social position of the owner. The mightier he is,
the more holes are to be found in his
mortar [ ...] .lt is regarded a8 a boot J.there
are various Javanese stories wherein is
narrated how people went accross the sea
<m a rice-blook. Often tke rice-blook8 are
made in tke shape of a boat.
o simbolismo destes rice-block8 é idêntico ao
que se observa na ai-tak-boir
com a respectiva
ai-fad'-kuku
da casa Turi-Sai:
é de natureza sexual. A este propósito observa Schnitger (67) :
The rice-block is regarded as a womam
and the pounder [ mão do gral ou pau de
pilão] as a man. The Malays use a particular saying for a woman showing coquetry: «The rice-block is seeking the
pounder (lessoeng mentjari aloe) ».
A versão literal do aforismo mal aio em tétum
seria: lêssun buca álu (o pilão procura o pau
de pilão) .
O pau de pilão é olhado como coisa sagrada,
da mesma forma que o falo. Com razão nota
ainda Schnitger (;!8):
In Timor it is not allowed to step over
a pounder, becauseby doing so one gets
(65)
(66)
(67)
(68)
Asia, 1964, p. 83.
Lisboa,
tipo
Fisher, op. cito} ppo 106 e 109-117.
Schnitger, op. c1!t.} p. 227.
Schnitger, op. cito} po 227.
Idem, ibtdemo
23
BAP.ROS,
Jorge
a pain in the breast; one never sits down
on a rice-block. That rice-block, one says,
looks like a person without a head, and
if one sits down on it, one will perish
in war and lose one's head.
E
acrescenta
(69)
VVhen the father has passed avvay, he
is represented by a rice-pounder, the end
of which is vvrapped up with a head-cloth.
o tabu de que fala Schnitger só se refere,
segundopresumo, ao almofariz e respectiva mão
usados como emblemas, e não aos pilões de uso
quotidiano. O mesmo tabu deve ter inspirado um
sítio de mais recato para aquelas peças emblemáticas, para, assim, as defender melhor de possíveis desacatos.Daí o serem elas colocadas no
topo da casa. Ê possível que o inato receio, profundamente ,supersticioso,do Timorense por estes símbolos se tenha tornado extensivo aos
utensílios usadosno descasquedo arroz e na trituração do milho. Pelo menos é presumível que
assim suceda num ou noutro caso.
O facto de a posição social de um indivíduo
se aferir, entre os Bataques, pelo número de
bocas do seu pilão (lêssun ou nêssun em tétum)
leva-nos a ver, na ai-tak-boir com a respectiva
ai-fad'-huhu.. a posição privilegiada da feto bot
(mulher grande, isto é, a esposa legítima) em
contraposiçãocom as teta ki'ik (mulher pequena,
isto é, concubina), simbolizadas porventura nas
tábuas furadas da base do espaço superior. Ou
será que a ali-tak-bmr é apenas indicativa do
regime matrimonial monogâmico, ulteriormente
adoptado pelo núcleo humano de Turi-Sai ? ...
o bolbo terminal da ai-fad'-huhu deixa perceber claramente que se trata de símbolo relacionado com a mão de almofariz usado no tratamento do bétel a ser mascado pelos velhos, ou
com o pau de pilão empregado na farinação do
sagu ou do taro (talas em tétum e outros dialectos de Timor) cozido ou assado. O pau de
pilão usado no descasquedo arroz e na trituração
do milho não entume,scenas extremidades. Ora
a talas ou variedade local do taro, segundo
Cinatti, é planta diferenciadora do povo de Turi(69) Sehnitger, op. oit., 227.
24
-Sai e de todos os povos calades (70).Todos estes
povos teriam, noutros tempos, tratado a talas
com um pau de pilão do formato da ai-fad'-huhu
ou clava gigante do telhado da casa Turi-Sai.
É, no entanto, possível que na feitura da ai-fad'-huhu tenha havido apenas uma intenção simbolística de natureza sexual, sem qualquer preocupação de ordem prática da vida quotidiana.
Os pilões domésticos apresentam, por vezes,
relevos geométricos feitos à catana ou a formão.
Os pilões emblemáticos eram, noutros tempos,
decorados com relevos esculpidos no seu colo
superior, alusivos a mitos de génese.
31 -Tanto
as tábuas foraminadas como o
disco ai-tak-boir se afiguram ser estilizações
intencionais do pilão e do barco (ró)) sua
variante.
Na poesia oral timorense, a mulher é, por
vezes, simbolizada por um barco, como se pode
verificar no seguinte dôlin de Samoro, recolhido
por Paulo Quintão, regente escolar das Missões
Católicas Portuguesas de Timor:
Sã dato 1'Uas oan, dato ruas own~
Sã lorQ ruas oan, loro ruas oan:
Dato
Loro
ruas, aatQ aZin no maun àe"it,
ruas, ZorQ aUn no maun àe!it.
No al'in nQ marun rola r6 ida;
N o alin no marun 8Q88a r6 jda.
So88a ra1(l; ró ida, àludtu ba tas8í;
Rola rala ró ida, ~hu ba tas8'i.
Nahu
Duàu
r6 b(1j tas8i, ró lae bá;
r6 ba tassi, ró lae bá.
R6 la~ bá, leite netik r6 talin;
R6 lae bá, 8ama netik ró talin.
Sama netik, 8adelu n;etik r6 talin;
Let6 netik, 8adem neltik r6 talin.
Mussik halu canliki lar nia ba;
MussW ha'u canlele lar nia ba.
Ca~
Canliki
lar
lar
e 8ouru
malae;,
e 8~
malM.
(70) Sobre
a cultura
em que se situa
Timor,
do taro
diz
e do inhame
Fisher,
ob. cit.,
na
área
p. 70:
In m~t parts of South-least Asia such root
crops have been largely replaced by millets and,
more recently. by dry rice and maize. though
taro and yams. along with sa.go paJ1mremain
very important in the eastern part of the
Indonesian arc'hipelago.
Veja-se também Ruy Cinatti, Ua6fu~ Planta in POTtuguese Timor. An Historical Survey.
Garcia
de
Orla,
Sér.
AntropoZ.,
LtsOOa,
2
(1-2),
1975,
1-34
Há
sudi
Há
souru
marae,
malae,
CQr];i sá
colti
clor f
sá clor f
Tau malus ba atan,
Atan tau ba tacan,
Tacwn radi lac malae bessi
Nussa haurt rai loli
Lar nia mai.
Tau malus ba tacan)
Tacan tau ba atatn)
Atan rodi loc malae bessi
Nussa houri rai loli
Lor nia mai.
Eram dois nobres aliados, 'eram dois nobres;
Eram dois príncipes aliados, eram dois prín[cipes.
Os dois nobres eram irmãos, o mais novo
[e o mais velho,
Os dois príncipes eram irmãos, o mais novo
[e o mais velho.
Os dois irmãos adquirem um barco,
Os dois irmãos compram um barco.
Comprado o barco, 1mpelem-no para o mar,
Adquirído o barco, lançam-no ao mar.
Ao lançâ-lo ao mar, não se move o barco,
Ao impeli-lo para o mar, o barco não se
[desloca.
O barco não se desloca porque tem a espia
[presa por um peso,
O barco não avança porque lhe prendem
[a espia.
Pisam, prendem com o pé a espia do barco,
Prendem com um peso, retêm com o pé a es[pia do barco.
-Deixa-me ir até lã baixo,
Deixa-me vogar até lã baixo,
Vogar ao encontro do estrangeiro,
Seguir ao encontro do estrangeiro.
Indo ao encontro do estrangeiro, com que
[(presentes) descerei?
Indo encontrar-me com o estrangeiro, com
[que descerei?
-Entrega
o «ma1us» (folha de bétei) aos
[servos,
Os servos o oferecerão na tampa (do Zuhu
[ou cestinha),
Na tampa, para oferecer ao estrangeiro forte
[(couraçado),
Vindo de uma ilha de reais domínios,
Lã de baixo.
o sentido do dôlin é que, negociado o real
consórcio, a noiva não partiu logo para os domínios do noivo, impedida pelos pais dela. E o motivo é que estes exigem maior volume do barlaque, sugerido pelo malU8 e tacan.
Percebe-se, através da linha narrativa do
poema, que os futuros ou possíveis fet08á são
do litoral (nia lór ...) e os umane são da montanha (canlele lór, canliki lór ...). Note-se que,
pela insuficiência do barlaque a pagar, os fetosá
Garciade Orla, Sér. AntropoZ.,Lisboa, 2 (1-2), 1975,1-34
«<prenneurs de femme») são tratados ironicamente por estrangeiros. Igual ironia se descobre
no malus oferecido aos atas e aos tacwn) metáfora
alusiva ao noivo, de acordo com a fórmula ritual
do casamento tétum :
:Êmi rua cluni ida onaJ sassana idaJ
san'-matan ida. [Vós dois sois já um só
travesseiro, uma só panela com uma só
tampa].
Ao fechar estas consideraçõessobre o pilão-barco)seja-melícito observar que,nas casasnativas cujo emblema cacuminal seja em forma de
barco ou pilão de mais de uma boca, talvez se
esteja em presença de uma alusão a uma organização social predominantemente matrilinear. Ou
será o contrário ?
«Sussa» ou «diun» ou «aitara»
32- O diun (chifre)
ou bou-diu (avô +
+ chifre) é um símbolo muito espalhado em
toda a Indonésia e até em civilizações mais
antigas.
Este símbolo era muito usado entre os Hebreus e Assírios. No 1.0 Livro dos Reis.. C. n,
v. 1, lê-se:
Et exaltatum
meo.
est cornu
Comentando este versículo
R. P. Médebielle (71):
meum in Deo
bíblico,
escreve
La corne est une métaphore pastorale
des plus familieres pour exprimer Ia force
et Ia victoire ; chez les Assyriens Ia come
sur le front était un embleme réservé à Ia
divinité.
Dos Bataques de Samatra diz Schnitger (72):
A karbou's head [...] was an ancient
head dress of the Batak chiefs and is
still found quite often in a different forro
in the images of Nias.
( 71) W
p. 355, nota
Sainte
Bibre-pirot
et
aZamer,
1955,
t.
lU,
3.
(7~) Schnitger,
op. cit.,
p. 139.
25
BARROS, Jorge -Casa
Turi-Sai-
o diu é emblema de chefia e símbolo de força,
de poderio. Veja-se nestes dísticos em tétum:
Ita messa maun alin
Lei kuér ona.
Tula dikur ba malu,
Lei kuér owa.
Somos todos irmãos:
A lei (que nos rege) tornou-se
Uma vez unidos ()8 ohiifres,
A lei tornou-se aplanada.
aplanada.
o emblema, que, na casa Turi-Sai, se designa
pelo nome de 8U88aou diu, apresenta a forma de
um crescente e costuma ser de prata ou oiro,
quando é usado como enfeite da cabeçapelos liurais, datos e assu-ua'in. Neste caso chama-se
caibauk.
Nalgumas regiões de Timor, por exemplo em
Suai, este emblema da cabeça é composto por
dois caibauk8 sobrepostosum ao outro e unidos
entre si por uma haste comum. Cinatti reconhece
nesta forma composta do caibauk o emblema da
árvore da vida (73).
Também se encontram, por vezes, em Timor ,
caibauk8 de oiro ostentando, nos bicos, dois discos do mesmo metal, como símbolos do Sol e da
Lua. Estes emblemasrecordam-nos certas representaçÕesda árvore da vida dos Ngaju e de
outros povos, como os povos altaicos, em que
o símbolo arbóreo se apresenta ladeado pelo Sol
e pela Lua (74).
Igualmente se apontou já atrás na ai-1Mnuk-rua o símbolo da árvore da vida. Temos, assim,
intimamente associados à árvore da vida tanto
o diu como o caibauk. Neste o crescentesemelha
os galhos de uma árvore, ao passo que no diu,
a peça deste nome lembra, antes, um cabide ou
fateixa geminada, como os famosos hook8 da
região do Sepik da Nova Guiné (75).
Por outro lado, não passa inteiramente despercebida uma certa semelhança entre a haste
da ai-manuk-rua armada do bou-diu e os postes
de sacrifício enfeitados com as armas de búfalo
que se observam nas regiões montanhosas de
Timor, como Maubisse.
Estes postes de sacrifício podem bem considerar-se uma réplica, variante ou prolongamento
da árvore da vida, na linha do mito cosmológico
Um
de casa
timorense
em que a morte é tomada como uma forma de
renascimento e uma condição de retorno à
vida (76).
O próprio facto de o número de cabeças ou
chifres de búfalos sacrificados à memória de um
antepassadoser critério aferidor da sua importância social não se refere apenasao seu passado
terreno, mas projecta-se além-tumba. Esta crença
está implícita em todo o sacrifício fúnebre e
encontra-se na base do culto dos mortos entre
os nativos.
Na descrição que acima se fez do diu e das
travessinhas ai-8ak-8U}classificámos o diu como
peça de suporte, e as ai-sak-8U, como de coroamento. Subjacente a esta afirmação está o nosso
convencimento, ou pelo menos suspeita, de que
o diu, na função que se lhe atribuiu na casa Turi-Sai, é um longínquo vestígio de lendas muito
correntes entre vários povos, como os Altaicos,
segundoos quais a Terra (considerada por Adolf
Potman «tke kome o! li!e» ) (77) repoisa sobre a
cabeça de um búfalo.
Diz Harva (78):
Quand le buffle, fatigué, fait passer
la terre d'une come à l'autre, il cause un
tremblement de terre, et quand il aura
exécuté un nombre déterminé d'aspirations, ce sera Ia fin du monde.
Na acepção de símbolo de suporte, teremos
de admitir que o bou-diu suparta a ai-manuk-rua~
que é, simultaneamente, coluna central ou eixo do
cosmo (19), de que é, por sua vez, imagem a habitação (80), e a «totalidade dos dois mund08~ o
8Uperi,or e o infe!riQr» (81).
A cabeça de búfalo é também usada como
símbolo e motivo decorativo em casas de Menangkabau (interior da ilha de Samatra) e de Toradja
(Celebes).
O que, a este respeito, diz Wagner não deixa
de despertar a atenção para uma certa analogia
de situações, costumes e mentalidades, entre
aqueles povos e os de Timor (82):
On the stake referred to, or on the
façade a stylized head of a karabau is
(711) J. Campbell, op. cit., pp. 65-67 e 176-183.
(77) Apud Campbell, op. cit., p. 57.
(78) U. Harva, op. clt., p. 28.
( 79) Campbell, op. cit., p. 359.
(80) Schãrer, op. cit.. p. 32.
(81) Idem, ibidem, p. 33.
(82) Wagner, op. cit., p. 62.
(73) R. Cinatti, Bre1JÍ88i1m()
Tratado da Província de
Timor, fotogravura na contracapa e respectiva legenda.
(74) Schãrer. op. c'it., p. 33; U. Harva. op. cit., p. 52.
(75) Tibor Bodrogi, op. cit., p. 97-99; J. & P. Vi1leminot, op. mt., pp. 258-263.
26
tipo
Garcia
de Orla,
Sér.
AntropoZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
1-34
BARROS, .Jorge-
Gasa
Turi-8ai-
Um
affixed, for the East Indian buffalo plays
an important part in the life of the Toradja tribe. The social status of the owner
is determined by the amount of cattle he
possesses.The sacrifice of these animals
plays a special role in ceremonial customs,
and above all in funeral rites. A characteristic feature of the particularly fine
Menangkabauhouses is the saddle-backed
roof, with high g8lblesat either end decorated with buffalo headsfacing downwards,
probably also as symbols of protection
against evil spirits.
Ignoro se nalgum sítio de Timor o diu é
também usado para fins mágicos. Não o julgo,
porém, no caso concreto de Turi-Sai, pois em tal
hipóteseo símbolo estaria colocadofora da casa,
e não no interior, para afastar dela quaisquer
espíritos maléficos.
Esse símbolo encontramo-lo nos postes de
sacrifício, que, como se sabe, são dedicados aos
antepassados,cujos espíritos se procura aplacar,
enriquecendo-lhesos postes com o maior número
possível de chifres de búfalos abatidos à sua
memória.
O facto de o diun ou bou-diu se chamar também ai-tara (pau + pendurar) identifica-o como
peça utilizada à maneira de cabide ou fateixa,
análogosaos crochet8 da Nova Guiné. O bou-diu
não ostenta qualquer figura humana, qualquer
incisão antropomórfica, como as fateixas neo-guinenses.Mas, do mesmo modo que estas, relaciona-secom o avô, o que, aliás, é denunciado
pelo próprio vocábulo bou-diu (avô + chifre) .
A circunstância de a ai-tara estar colocadaprecisamentesobre a hilia desperta a suspeita de que
seria aí que se penduravam, noutros tempos, as
cabeçasdos inimigos, para as defumar, antes de
os crânios serem colocados nos ai-cabiuda) de
que atrás se falou.
«Ai-sak-su»
33 -Vimos nos n.oS25, 26 e 27 do presente
trabalho que a ai-manuk-rua é árvore simbólica.
Não se afigurará, por isso, ilação gratuita afirmarmos que as travessinhas de bambu denominadasai-8ak-su são ramos dessa árvore. Na edição francesa de 1959 da obra Le8 ReprésentaticmsReligieuse8 de8 Peuple8 Alta~que8..de Uno
Harva, já aqui citada, vê-se, a p. 37, um desenho
representandouma estaca atravessada,na extreGarcia de Orla,
8ér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
tipo
cle casa
tjmorense
midade superior, por quatro travessinhas. Sobre
ele escreve o autor (83):
La figure ci-dessousnous montre quatre bras transversaux qui correspondent,
selon les données,aux branches de l'arbre
à huit branches planté devant la demeure
d'Ajytojon (maitre-créateur). C'est dans
cet abri, habité dans le ciel par les enfants
du dieu, que le chamane conduit les âmes
des défunts. Elles y vivent, à ce qu'on
dit, sous l'apparence de petits oiseaux. La
colonne reproduite dans notre illustration,
avait en réalité une hauteur de pres de
deux metres.
Concepção análoga da árvore da ~
se encontra nos Ngaju de Bornéu. Referindo-se ao
número e formas de representações da árvore
da vida dos Ngaju, diz Schãrer (84):
There are many Trees of Life, represented in various forms in the religious
drawings.
l)e todas essas forrnas de representação destacarn-se duas, numa das quais a ároore da vida
é considerada origem das crianÇM que se vêern
pender dos seus rarnos. Na outra, das principais
representaçõesda ároore da vida) entre os Ngaju,
os rarnos apresentarn-se carregados de vários
objectos, corno contas, pedras preciosas, guisos,
gongos, lanças, etc. (85).
Na ai-manuk-rua da casa Turi-Sai, é nas
travessinhas ai-8ak-su que se penduram cordas
de carne, nas festas rituais do grupo étnico local,
segundo atrás se disse.
Alérn dos caibauks) igualrnente sírnbolos da
áT'Voreda vida) usados pelos rnernbros de linhagens nobiliárquicas, vêern-sefrequenternente ern
Tirnor outros usados nos cabrestos de rnontadas
de festa dos rnesrnosindivíduos. Esses caibauk8
são ornados de guisos que lernbrarn os que pendern dos rarnos da ároore da vida dos desenhos
ngaju.
MATERIAIS
34 -Os
materiais usados na construção da
casa Turi-Sai são, por exigência das tradições e
(83) U. Harva, op. cit.J p. 37.
(84) Schãrer, op. cit.J p. 32.
(85) Idem, ib~.
27
BARROS, Jorge
-
mitos do grupo etno-linguístico
-Mnu-I1i, os seguintes:
Casa Turi-Sai-
de Manu-Sae-
a) Madeira de palavão preto (ai-ura))
com a particularidade de que para
as peças maiores da casa é forçosamente o cerne desta Dlurtácea que
se usa;
b) BaDlbu delgado, chamado eDl DlaInbai
au-ora) bastante resistente e flexível, usado nos dois coroamentos
circulares do telhado (86);
c) Capim, da espécie chamada em tétum
hae ou du'ut manu-lain (não sei se
em mambai se diz gur) ;
d) Gamute (nau-hulu = tuaqueira + cabelo) 1empregado no revestimento e
impermeabilização
do telhado e
também como liame para atar peças
menores de construção ;
e) Fibra de bambu (cubus) (87) usada
como liame para as ligações de
quase todas as peças principais ou
maiores.
Por força de um critério mítico-tradicional, é
totalmente vedado na construção da casa Turi-Sai o uso de qualquer peça metálica. É, todavia,
possível que, entretanto, tenha sofrido um certo
abrandamentotodo este rigor.
Note-se, ainda, que na construção do tipo de
habitação que nos tem ocupado neste estudo não
entram outros materiais que não sejam do reino
vegetal. Não entra nem pedra, nem cal, nem
barro. Do uso exclusivo de materiais florestais
é bem elucidativa a predominância do elemento
prefixal ai (árvore, pau, madeira) nos nomes
das diversas peçasque integram a casa.
CONSAGRAÇÃO DA CASA
35 -Construída
a casa, procede-se à sua
consagração,que melhor se chamaria baptismo,
pois estaria mais de acordo com a expressão
mambai fad-era (casa+ água), com que se designa o rito da inauguração da casa.
Para a cerimónia da consagraçãosão convocados todos os membros da aliança ou sistema
fet08á-umane.Os fetosá têm de contribuir para
-(8~) C. A. Fisher afirma existirem mais de 250 variedades de bambu no Sueste da ÁSia (op. cit., p. 45).
(87) O p.e Ezequiel dá à casca de bambu o nome de
keno-tafi
28
(op. cit., p. 89).
Um tipo de casa timorense
a festa inaugural da fad'-lúli com um búfalo, um
cabrito e, para cada membro varão casado com
uma umane, quinze patacas (cerca de 100$).
A contribuição dos umane terá de constar de um
«mala» (nome mambai do vulgar pano timorense para homem), um porco e, por cada mulher umane casada com um fet08á, um açafate
(diru em mambai e lafatik em tétum) contendo
taro (bala em mambai e talas em tétum) , planta
distintiva dos calades (88).
Os animais com que cada metade contribui
para a festa ou rito de fad'-era são todos machos.
Dá-se, assim, com os descendentesde Beremau
o que acontece com outros povos de culturas
afins, para os quais o macho fecunda o rito e
fecunda a vida. Por outro lado, a fad'-era não é,
no fundo, mais do que uma variante dos ritos
expressamentededicados à fertilidade.
As contribuições em dinheiro e artigos ficam
expostos em frente da única porta da fad'-lúli.
Entretanto são abatidas as rezes prescritas
pela praxe e rito inaugural e cozinham-segrandes quantidades de carne e de taro oferecidos
para a festa. Seguidamentesobem ao telhado da
fad'-lúli um cucu (matan-dIOkdo tétum) e um
dos badaen8, responsáveis pela construção, levando um cesto grande com carne de búfalo ou
cabrito, e um outro cesto com carne de porco e
taro, tudo já previamente cozinhado. O primeiro
cesto é dos fBt08á, o segundo, dos umane.
Em baixo, postam-se, do lado do nascente,
dois umane, que seguram, cada um pela sua
ponta, um «mala», enquanto de cima do telhado
o cucu lhes atira para o «mala», aberto e suspenso pelas extremidades, bocados de carne de
búfalo ou de cabrito, que eles procuram aparar
o melhor possível no pano timorense. Se assim
o conseguem,será de bom agoiro: haverá saúde
e fartura na sua metade (só numa metade?). Se
não, terá de se admitir a ameaçade uma calamidade: doença grave ou morte de algum membro
seu ou qualquer outro infortúnio ou flagelo.
Realizado o rito do lado do nascente, o cucu
repete-o do lado da montanha, para onde se deslocaram entretanto os dois umane com o «mala».
Seguidamente, o cucu fará o mesmo com dois
fetosá, que seguram também um pano timorense
de homem e se colocam, primeiro do lado da
porta, isto é, do poente, e depois, do lado do mar.
Aos fetosá, porém, terá o cucu de deitar de cima
do telhado bocados de carne de porco e de taro,
do cesto oferecido pelos umane. Os dois homens
(88) Veja-se
GarC'i;a de Orla,
Sér.
nota
70.
Antropol.,
LIs'boa,
2 (1-2),
1975,
1-34
BARROS, Jorge ~
Casa
Turi-8ai-
em baixo procuram aparar no seu pano timorense os bocados de carne porcina e de taro,
tendo o máximo cuidado em evitar que caia no
chão qualquer desses bocados, pois isso seria
prenúncio de calamidade futura (89).
O insucessona operaçãode apararem no pano
timorense os bocados lançados, do telhado da
casa inaugurada, pelo cucu, além de agoirar in~
fortúnio, é passível de multa, que para os do
grupo umane consistena oferta de mais um porco
ou cinco patacas a favor dos fet08á,. e para estes
se traduz na contribuição de mais um búfalo
ou cabrito grande ou cinco patacas. Facilmente
se conclui daqui que o dispositivo legal consuetudinário que prevê estas multas visa prevenir
e punir possíveis distracções, incúrias e desrespeitos ensoberbados da metade que recebe as
ofertas lançadas do telhado, no rito da consagração.
Tais faltas e os sentimentos que as inspiram
ofenderiamnão só os vivos da outra metade, mas
também os seusmortos, cujos espíritos ofendidos
e irados teriam de ser aplacadoscom ritos expiatários suplementares.
36- A cerimónia da inauguração ou baptismo da casa-mãe ou ca.m-lúlik.. assim como a
sua erecção,costuma desenrolar-senuma sequência de fórmulas e ritos mágico-religiosos ( como
o tingir com o sangue de um animal as colunas
principais), com que se invoca a protecção dos
espíritos dos antepassadossobre a casa e os seus
ocupantese toda a parentela ligada pelo instituto
de tet08á-umane. Confesso, porém, que, apesar
de todos os meus esforços, não consegui dos
descendentesde Beremau qualquer revelação a
tal respeito, limitando-se eles a responder-meque
«só os cucus (sacerdotes gentílicos entre os
Mambais) é que sabiam destas coisas!...» Nem
é de estranhar, uma vez que, segundo me afirmaram os próprios habitantes de Turi-Sai, não
era permitido às mulheres e crianças assistirem
quer à erecção, quer à consagração da casa-lúlik.
Da observânciarigorosa deste tabu se conclui
que, nuns e noutros casos, se trata de simbolismos e ritualismos assaz sugestivos de segredos
da fertilidade e de processosgenéticos com uma
notória crueza e predominância masculina.
(89) Na inauguração da vasa faZuno, Pinto Correia
fala de um pano timorense que simboliza «a caleira para
aparar sob QS beirailS as folhias qUe se despregam da
cobertura» (Gentio de Timor, 1934, p. 105).
Garcia de Orla, Bér. AntrotpoZ., Lis'boa, 2 (1-2), 1975, 1-34
Um
tipo
de casa
timorense
Mais afortunado foi Pinto Correia, que descreve, em Gentio de TimQr, com espantosariqueza
de pormenores, ritos que assinalam a escolha
das árvores a derrubar para a construção da
casa faluno (casa-lúlik) da zona do Macassai, a
recepção dos troncos na povoação, a erecção e
inauguração ou consagração da casa, e até ritos
especiais para a colocação da escada de acesso
ao interior da habitação e para a colocação e
inauguração da atalia (lareira, fogão) (90).
Ruy Cinatti dá-nos, na íntegra, a fórmula
usada na consagraçãoda casa indígena de Fohorém, distribuída em sete fases (91).
No suco de Makíli, em Ataúro, o rito usado
é como segue.
Quando se consagra uma casa-lúlik (casa-mãe
do grupo ou linhagem) , o respectivo chefe de
linhagem ou a pessoa mais idosa desta pinta,
com fuligem diluída em água, a cabeça de um
galo até meio corpo, na parede do poente, ao
fundo da casa, e a pouca altura do chão, simbolizando esse desenho os órgãos sexuais (íssik-nhíru= corpo + nariz) do antepassado varão,
chefe da linhagem. Para esta operação, o oficiante coloca,primeiro, numa pedra lisa posta em
frente da parede onde há-de ficar a imagem, uma
folha de bétel, tirando, depois, do saquitel da
masca uma outra folha de bétel, que masca, colocando a pasta mascada sobre a primeira folha,
que ficara na pedra sagrada acima aludida. Seguidamente molha o indicador da mão direita na
tinta feita com fuligem da casa velha, apanhando,
depois, com o dedo assim molhado, a pasta de
bétel e desenha a imagem ou símbolo do avô,
que fica exposto na parede durante sete dias,
após o que é lavado pelo mesmo oficiante com
água de coco. Durante' os dias da exposição, a
imagem fica coberta com uma esteira, para que
as mulheres possamentrar na casa sem correrem
o risco de pôr a vista no símbolo fálico. Se alguma
infeliz quebrar o tabu, fica sujeita à vingança do
avô: morre nova ou tem parto infeliz.
Para lhe tirar a falta, o oficiante, autor do
desenho, tem de cuspir na mão, tocando, em
seguida, com o dedo molhado, primeiro na imagem ofendida, depois na testa e no peito da faltosa, ao mesmo tempo que profere esta fórmula :
Ma nôtu retau hali upau. Ma tea hali
upau apakré malus-ed. U peik nunu. Upodok nunu.
(90) Pinto Correia, op. cit.} pp. 103-108.
(91) R. Cinatti, Tipos de Ca;s08 Timorenses e Uma
Consagração} 1965, pp. 22-25; cf. F. de Azevedo Gomes,
08 Fataluku} 1972, pp. 212-215.
29
BARROS,
Jorge
Casa Turi-Sai
Venho mostrar que v()lto a ter medo
(respeito) a meu avô; venho novamente à
presença do meu avô com o suco de bétel
na testa.
Por certo que a casa Turi-Sai há-de ter idênticas exigências rituais, com a mesma riqueza
de gestos e fórmulas para todas as fases da sua
construçãoe baptis.mo.Porquanto, não só na zona
do Macassai e Ataúro, se não também na do
tétum e outras ainda, se nota uma exuberante
floração de ritos que sacralizam o acto da erecção e inauguração da casa-lúlik, idootificada em
muitos casos com a casa do chefe da linhagem,
designada em Ataúro «casa grande» (ruma
pera'ik).
No suco de Makí1i, em Ataúro, até a implantação das quatro colunas angulares e a colocação
dos quatro travessões que fazem de frechal da
casa obedecema uma ordem de precedênciae são
acompanhadas de fórmulas apropriadas, dirigidas aos espíritos dos antepassados, para lhes
implorar a protecção.
A
CASA
E
A
SOCIEDADE
TIMORENSE
37- À luz de tudo o que se expendeu já sobre
a casa Turi-Sai, e que, em muitos aspectos, parece
poder entender-se de toda a casa nativa de Timor ,
afigura-se relativamente fácil descobrirmos qual
seja o tipo de relação que possa existir entre a
habitação indígena e a estrutura social timorense. Efectivamente, verifica-se uma tão íntima
correspondência entre estas duas realidades que
uma é como que o resumo da outra: a casa, o
documento factual da sociedade dualista timorense. Por outro lado, dir-se-ia que esta irradia
uma virtude misteriosa que antropomorfiza a outra e a equilibra num jogo subtil de números, posiçÕes e funções das suas peças. Assim, descobrimos na casa Turi-Sai antropomorfismos como
estes: fad'-ahe (casa + rosto=frente
da casa) ,
da-mata (escada + olho = p o r t a) , a1}i-mata
(fogo + olho = lareira + fogão) ; ai-oe-badaik
(pau + perna + curto=pilarete) .
Igualmente se nos depara o lado homem e o
lado mulher J. peças machos e peças fêmeas da
casa; peças e lados atribuídos aos fet08á (metade
do noivo) e os atribuídos aos umane (metade da
noiva) ; a par de números que simetrizam (2, 4,
6, 12) , números de convergência (1, 3, 5, 7) .De
entre estes números avultam os que, por uma
subtil e quase instintiva associação de valores,
se consideram sagrados, no pensamento do
30
nativo, como: 1, 2, 4, e sobretudo o 3) que completa o ciclo triádico da vida: Pai, Mãe, Filho ;
Semente, Terra, Fruto.
O equilíbrio transplantado do cosmo para a
casa mantém-se na sociedade dualista timorense
e reproduz-se na habitação indígena, de modo
que esta é uma convergência do cosmo e da sociedade timorense; do mundo universal, extraterreno e lendário com o mundo real, quotidiano,
dos vivos.
Daqui se poderá inferir qual seja a atitude
interior e exterior do nativo face a este microcosmo, que é a sua habitação, onde ele encontra,
como na grande Natureza, três grandes pontos
de convergência e unidade: Tecto, Lareira, Leito.
O Tecto, unidade estática. A Lareira e o Leito,
unidades dinâmicas, exuberantes da vida que se
conserva pelo alimento tomado à lareira, da vida
que se transmite pela actividade procriadora
exercida na intimidade do leito.
«HALI
BEREMAU»
(CABA-ARVORE)
38- A cerca de 20 m da Fad'-Culau.. e ao
fundo da reentrância do terreno onde se encontra
a casa, ergue-se uma árvore esbelta e frondosa.
Ê o gondão sagrado Hali Beremau..assim denominado por haver sido plantado pelo avô Beremau.
Assim mo dizem os seusdescendentes.
O gondão costuma assinalar, em Timor, locais sagrados, e simbolizar a nobreza de linhagem. Gondões há que são considerados morada
do rai-na'in (terra + dono, senhor=génio tutelar
do sítio) ou dos espíritos dos antepassados.Também os há que se identificam com personagens
mais ou menos lendárias ou com antepassados
ilustres, como no caso da Hali Beremau. Na poesia oral timorense, como atrás se viu, o gondão
simboliza uma personagemou uma dinastia real.
Por outro lado, a árvore em geral, não só
o gondão, está muito relacionada, no pensamento
indígena, com a casa. Pense-se,além de outros
factos, na expressão tétum: «ami nia ai-hun»
(a nossa árvore =tenda, barraca). Esta expressão é muito corrente entre as camadas mais
modestas da população timorense. É assim que
o nativo se exprime, quando modestamentealude
à sua habitação, para significar que esta, de
modesta que é, não passa de uma simples sombra de árvore. A expressão é, porém, usada com
mais propriedade quando sinonimiza com a tenda,
cabana ou coberto para abrigar quem anda em
viagem e acampa em qualquer sítio: à sombra
da árvore.
Garcia de Orla,
Sér. Antropol.,
Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS, Jorge -Casa
Turi-Bai-
o gondão sagrado de Turi-Sai identifica-se
coro o antepassado de Bereroau, do qual presumo
descender o próprio Culau, que deu o nome à
casa umane de Turi-Sai. O largo tronco de árvore
sagrada é cinzido por um altar circular, de
pedra solta, de 1,10 cro de altura e 80 cro de raio.
O P .e Ezequiel dá a este tipo de altar o nome
mambai de bÓgU8 (92).Os Bunaks chamam-lhe
bo88Ok-bulJcomo atrás ficou dito.
Sobre o altar de Hali Beremau vi uma estaca
miniatural de madeira e um esteio de pedra
igualmente miniatural, aquela (do lado do nascente) simbolizando os antepassados umaneJ e
este (do lado do poente) representando os antepassados fet08á. Não julgo que se trate de simbolizações de vivos e mort08J pois que, em tal caso,
não se compreenderiam nem se justificariam sacrifícios oferecidos a vivosJ como se oferecem
àqueles símbolos. O máximo que se poderia avançar era que a estaca de madeira pode simbolizar
o génio tutelar do sítio, e o esteio de pedra, os
espíritos dos mortos da família.
Pode perguntar-se: por que motivo os mortos
umane são representados por uma estaca de
madeira e os fet08á por um esteio de pedra ? ...
Julgo encontrar a resposta nestas palavras de
Hertz (93):
Naturally, it is always the «man»
which strikes and the «woman» which
receives the blows; the right which acts,
the left which submits. Here we find
intimately combined the privilege of the
strong sex and that of strong side.
Quer dizer: o sexo viril e o lado viril são
representadOspelo material mais forte: a pedra.
Ao passoque o sexo feminil, o mais fraco, e o lado
correspondente são simbolizadOs por material
mais frágil: a madeira.
Diante da estaca de madeira e do esteio de
pedra costuma colocar-se uma pedra lisa que
não é mais do que uma pedra de ara para as
imolações rituais usadas em certas alturas do
ano ou quando se pretende alcançar dos espíritos
dosavós chuva, ou saber do paradeiro de animais
tresmalhadosou roubados, ou obter a cura deles,
ou ainda o afastamento de uma praga.
Esta pedra de ara chama--sehatu-m08Sa e
distingue-se da outra existente no interior da
Fad'-Oulau,a qual se chama hatu-maer, como já
foi dito.
(92) p.e E. E. Pascoal, op. oit., p. 91.
(93) Hertz, op. mt., pp. 102 e 103.
Garcia de Orla, Bér. AntropoZ., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
Um
tipo
d6 c~a
timoren86
Os sacrifícios que se oferecem no altar da
Hali Beremau consistemna imolação de um porco
ou de um cabrito ou de um frango ou galo, conforme os casos.Estes animais podem ser machos
ou fêmeas.
Do porco e do cabrito do sacrifício examina-se
o fígado (~si-ate). Do frango ou galo faz-se
a leitura dos intestinos (~si-talin).
Informaram-me os descendentesde Beremau
de que os aruspícios (bula em mambai, urat em
tétum) e sacrifícios relativos a animais (sua
cura ou achado) se faziam no altar da árvore
sagrada, ao passo que os sacrifícios relativos a
pessoasse realizavam no interior da Fad'-Culau
e também junto de esteios especiais que costumam colocar~seno começo do carreiro que conduz à casa. Os sacrifícios para implorar chuva
fazem-se em qualquer dos três sítios.
Presumo que, noutros tempos, se realizavam
no altar da Hali Beremau sacrifícios ou ritos de
fertilidade tanto para as terras e animais como
para os homens,nos quais a vítima sacrifica;l era
necessariamenteum suíno, como é hábito entre
os Melanésios, com os quais parecem ter uma
relativa afinidade os nativos de Maubisse e outros originários deles, como são os de Turi-Sai.
39 -Não
deixará de ser oportuno chamar a
atenção do leitor para a correspondência que, no
pensamento nativo, existe entre a casa e a árvore.
A casa é morada de vivos e santuário de mortos.
A árvore é habitat inviolável dos rai-na'in e santuário dos antepassados que a Morte consagrou.
A árvore reproduz o mistério vital do cosmo,
miniaturando-o, por assim dizer. Na sua vida
concorrem a Semente, a Terra, a Chuva, o Sol.
Por outro lado, a casa sintetiza o movimento
cósmico da vida: crescer, reproduzir-se, morrer ,
perenizar a vida nos descendentes. Em tudo isto
a personagem central é sempre o Homem, simbolizado ou presente na árvore e actuante na
casa. Parece que em tudo isto se pressente um manancial de vida que não se extingue além-tumba,
mas se vai, por assim dizer, acumulando na
intemporalidade para proveito dos vivos, que, por
isso mesmo, constantemente recorrem aos espíritos dos seus avós.
Tanto a árvore como a casa reproduzem na
sua estrutura os três mundos do cosmo: o mundo
inferior, o mundo intermédio e o mundo superior ;
raízes, tronco e copa, na árvore, em paralelo com
a leu-8ua (espaço inferior), a fad'-lala (espaço
médio) e a ai-terte-lau (espaço superior) da casa
Turi-Sai.
31
BARROS,Jorge
aasa Turi-Bai
Mas a cocrespondênciaentre a árvore e a
casa não se situa unicamente na linha do paralelo. Progride, pelo contrário, até uma quase
identificação das duas realidades-símbolos, no
sentido de que a habitação humana é construída
com materiais florestais, partes integrantes da
árvore, representaçãometonímica de todo o reino
vegetal. Mais, A lendária árvore da '!Jidaé facilmente reconhecível na ai-manuk-ruaJ peça de
grande relevância tectónica e simbológica na
Fad-'Culau de Turi-Sai.
A relação árvore-casa não é correspondência
estática. ~, pelo contrário, uma relação dinâmica.
A árvore augura e ritualiza todo o processovital
a decorrer na casa. E onde melhor se descobre
esta dinâmica é nos ritos de fertilidade que parece decorrerem habitualmente à sombra de um
gondão sagrado. Recorde-se aqui a informação
de Raglan, atrás citada (94).
No suco de Makili (Ataúro) costumava, em
tempos idos, celebrar-se anualmente, por alturas do mês de Setembro, um rito de fertilidade
que decorria também à sombra ou diante de um
gondão sagrado (inunu-pass em ataúro) , com a
intervenção de um jovem e uma donzela que
ritualizavam, entre si e em público, a actividade
procriadora que augurava e garantia às terras,
aos animais e aos homens a fertilidade desejada.
Para os homens o que se ritualiza va na árvore
viria a realizar-se na casa, construída com materiais vegetais. O rito actualizava-lhes os anseios.
M. lKing alude a ritos idênticos praticados
noutras zonas de Timor (regiões costeiras de
Bobonaro e Suro), embora se não refira ao habitual gondão (FÍCUoS'
spp.), apenas devido a deficiência de informação, segundopresumo (95).
A
CASA
E
o
GRANDE
MISTFJRIO
DA
VIDA
40 -A
casa Turi-Sai revela-nos o grande
mistério da vida, no pensamentodo indígena, na
sua economia, nos seus ritos e mitos. Um mistério que se nos apresenta definido em termos
de uma dinâmica exuberante ou latente, com seus
processospróprios, seus instrumentos (órgãos)
de transmissão, suas vias de acesso,suas fontes.
Trata-se como que de um fluxo misterioso
que perpassa a Natureza inteira: o universo, as
plantas, os animais, o Homem, como seu compêndio. Por isso mesmo, o homem ainda não
(f}~) L. Raglan, op. cit., p. 96. Veja-se nota 49.
(911)M. King, op. cit., p. 152.
32
Um tipo
M casa timorense
tocado pela civilização pensa que não terá senão
de copiar, reproduzir em si e na sua sociedade,
os processos,os métodos e os caminhos que a
Natureza adopta e segue na sua dinâmica. Quer
isto dizer que ele se sente identificado com a
Natureza. E o fio condutor que o leva a este
processo de identificação não o encontra ele senão num instinto muito profundo, uma força
quase irresistivel, que ele não saberá identificar
com outra coisa senão com o próprio instinto
sexual, posto ao serviço da Vida, para a transmitir e perpetuar.
Para o homem ainda situado neste estágio da
civilização torna-se consequente que os instrumentos que transmitem o misterioso fluxo da
vida e lhe garantem continuidade devem necessariamente existir tanto na grande Natureza como
no Homem. Com muita razão observa Hertz (96):
Primitive thought attributes a sex to
alI beings in the Universe and even to
inanimate objects; alI of them are divided
into two immense classes according to
whether they are considered as male or
female.
Ê assim que o Timorense distingue a aidila
mane (papaeira-homem) da aidila feto (papaeira-mulher) ; hudi mane (bananeira-homem) da hudi
feto (bananeira-mulher), etc.
São, pois, comuns ao Homem e à Natureza os
instrumentos transmissores da yida e as suas
vias de acesso:o falo, a vagina, a boca. Por estas
vin;spassa a Vida. tÊ evidente que, neste contexto
cultural, tudo o que respeita directamente ao
mistério da Vida é sagrado. Por isso se velam não
só as genitaliaJ mas também (pelo menos em
muitos povos em estádio arcaico) a boca, quando
se come e se bebe (97). Eu próprio surpreendi
timorenses velarem a boca com a palma da mão,
quando, com a comida na boca, tinham de responder ou dizer alguma coisa necessária.
São, por antonomásia, considerados sagrados
pelo nativo os órgãos que directamente intervêm
na função transmissora da vida. Por isso ele
lhes chama issin-lúlik ( corpo sagrado) em tétum,
e hae-lúli (rosto sagrado), em mambai. Por isso
também ele cultua essesinstrumentos de transmissão da vida e ritualiza a função procriativa
(96) Hertz, op. cit., p. 97. Cf. também E. Crawley-D1'ess.Drink8 anà Drum8, 1961. p. 206.
(97) Cf. Raul & Laura Makarius. L'Origine d~ fexogamie et du totém'i,S'me,1961. p. 24L
Garcia
àe
Orla.}
Sér.
AntropoZO}
Lisboa,
2
(1-2),
1975,
1-34
faussent notre jugement. Là ou nous
voyons vilanie, manque de pudeur, l'indigêne voit Ia représentation de Ia fertilité. Tout simplement. La fertilité de
l'homme indispensable pour Ia prospérité
de Ia tribu, Ia fertilité des jardins, Ia fertilité du fleuve, non moins indispensables.
C'est tout cela que l'indigêne demande à
l'ancêtre; il symbolise ses souhaits de Ia
maniêre Ia plus compréensible pour tous.
car Ia nature voulut que ce soit par
l'homme que Ia vie continuât.
que, no momento ritual, iIitemporal, é para ele
sagrada.
Que admira, pois, que os habitantes de Turi.Sai conservem o culto e os ritos que servem o
mistério da vida ?...Reside
precisamente aí a
razão de ser da ai-fad'-huhu e respectivo ai-tak-boir da Fad' -Colau de Turi-Sai, como dos relevos sexuados de Hó-Ulu (Aileu) , das estátuas
e ritos de Mau-Bonak (Ataúro), dos famosos
hooks da Nova Guiné, das esculturas e ritos ( o do
taro, por exemplo) destes povos. Dos Neo-Guineenses dizem J. & P. Villeminot (98):
La plupart de ces configurations sont
de sexe masculine. Le phallus est mis en
évidence, ce qui choque Ia plupart des
Occidentaux. Une fois encore, nos vertus
(98) J. & P. Villeminot,
op. cit.) pp. 260 e 261.
Evidentemente que, aos nossos olhos, nada
disto canoniza todos os usos e costumes e ritos
deste ou daquele povo. Contribui, todavia, para
uma atitude mais compreensiva perante o homem primiltivo.. ainda possuído de uma vivência
muito intensa da Natureza.
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33
BARROS, Jorge -Casa
Turi-Sai-
Um
Fig. 1-
Figo 2-
Garcia
de Orta,
tipo
de casa
Lisboa,
ESTAMPA
Habitante de Turi-Sai, descendente de Beremau,
ostentando no braço uma tatuagem arbórea
A povoação de Turi-Sai,
Sér. Antrop()l.,
ttm()ren8e
2 (1-2),
onde se vêem as casas culau e Hulcali e, ao fundo, um
terceiro telhado
1975, 1-34
1
ESTAMPA.
II
Fig. I
BARROS, Jorge
Telhado
Fig.
2
Casa Turi-Sai
da Fad'-Culau, com os galhos da ai-manuk-rua,
haste foraminada da ai-fad'-huhu
Telhado
da casa OuLau, COm o emblema
itifâlico
Um tipo de casa t'iJmorense
o disco ai-tak-boir
e a
em evidência
Garcia de Orta, Sér. Antropol.,
Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS)
Jorge
-Oa8a
Turi-Sai-
Um
Figo 1-
tipo
de
casa
t1imoren8e
A casa Hulcai, em cujo telhado se podem ver as
travessinhas ai-sak-su
Garcia à e Orta, Sér. Antropolo, Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
ESTAMPA III
ESTAMPA
IV
BARROS,
Fig. 1-
Fig. 2-
Jorge
-Oasa
Turi-Sai-
Um
tipo
de
ca,~a
timorense
Casa de Maubisse do tipo Turi-Sai
Espaço inferior da casa Culau) vendo-se em plano
avançado e à direita o prumo Maentu
Garcia
de Orla,
Sér. Antropol.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975, 1-34
BARROS,
Jorge-
Casa
Turi-Sai-
Um
tipo
de
casa
timorense
ESTAMPA
Fig. 1- Espaço inferior da casa Gulau, com uma das vigas
roliças ai-suba meia caida no chão; à direita vê-se uma coluna
angular
Fig. 2 -Espaço
inferior
da casa Gulau, com os dois principais
ao centro
Garcia de Orta, Sér. Antropolo, Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
prumos ( maentu e maenloba )
V
ESTAMPA VI
BARROS,
Fig. 1-
Jorge-
Oasa
Turi-Sai-
Um
tipo
de
casa
timorense
Espaço inferior da casa Culau, com uma fila de três pilares à esquerda
Fig. 2- Porta da CMa Culwu vista de fora; vê-se em plano
avançado a extremidade de uma viga (ui-suba), onde se apoia
a estaca ui-sessu
Garcia de Orta, Sér. Antropol.,
Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
ESTAMPA VIII
BARROS, Jorge-Ca8a
Fig. 1-
Turi-Bai-Um
tipo
de casa
timoren8e
Ai-oabiuda, em frente da qual se vêem duas pedras
de ara; à esquerda vP;-seuma cana isolada
Fig. 2 -O
conjunto da ai-cabiuda com as duas canas ensarilhadas; em plano frontal vê-se uma esteira
Garcia de Orta, Sér. Antropol.,
Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS,
Jorge-
Casa
Turi-Bai-
Um
tipo
de
casa
ESTAMPA
timorense
Fig. 1-'- Base do espaço superior, onde se vê a haste da ai-manuk-rua com o diu por baixo
das tâbuas furadas
Figo 2 --Galeria
Garcia de Orta, Sér. Antrop()l., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
exterior
IX
ESTAMPA
X
BARROS,
Fig. 1-
Fig.
uma
2-
Altar
estaca
Oasa
Turi-Sai-
Um
tipo
de
casa
timQrense
A grande árvore Hali Beremau
circular
miniatural
Jorge-
da
de
HaU
Beremau,
madeira,
vendo-se,
encostada
ao
ao
fundo,
tronco
da
ârvore
Garcia de Orta, Sér, Antropol.,
Lisboa, 2 (1-2), 1975, 1-34
BARROS, Jorge-
Casa
Turi-Sai
-Um
Fig. 1-
tipo
Altar
de casa
timorense
circular da Hali Beremau, com um esteio
miniaturaJ de pedra ao fundo
Fig. 2- Virgem guardiã do fogo sagrado, da aldeia de
Matai (Suai). No cambatek que ela enverga pode distinguir-se um desenho arbóreo, sugestivo da árvore da vida
Garcia
de Orta,
Sér. Antropol.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975. 1-34
ESTAMPA
XI
ESTAMPA
xn
BARROS, Jo,rge
Ousa Turi-Sai
Um
tipo
de casa
timOren86
Fig. 1- Pano timorense de Suai. Note-se, nas três barras que resslaltam do
fundo, o desenho da árvore da vida e dos dois pássaros do mito da Criação
(Todas
Garcia
estas
fotografias
são de L. Lemos.)
de Ortro, Bér. Antroplol.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
BARRY
L.
University
(Recebido
BIANCHI
o! Indiana
em 15-7-1975)
Caetano da Costa Alegre (1864-1890), nativo de S. Tomé, reflecte na sua
obra poética o drama de um negro aculturado frente à sociedade 1is,boetado seu
tempo e, consequentemente, a luta de valores a;mbivalentes que a sua personalidade comportava. Procura analisar-se a referida dicotomia e a sua resolução
poética numa atitude de fidelidade aos valores ideais da sua terra natal, apesar
da premente influêncIa dos valores existenciais que permeavam o seu hibridismo
cultural.
Caetano da Costa Alegre (1864-189Q) was bom on the island of São
Tomé in the Gulf of ~inea.
His poetry reflects an inner drama of a cultured
black confronting a white Lisbon society by whlch hls deepest feelings were both
repelled and attracted. The present essay convey8 th1s dichotomy and lts resolution, notw1thstanding the poet'8 hybrid cultuTal background, in terms of
a moving, affirmative appeal to the values of hls homeland.
São Tomé and Principe are two equatorial
islands which constitute the smallest territorial
unit of Lusophone Mrica. São Tomé lies on the
equator in the Atlantic, part of the West Mrican
archipelago which includes Fernando Po to the
north and Anno Bom to the south. Historically,
São Tomé's economic contributions to the Portuguese empire developed in cash crop cycles
-from
sugar, to cocoa, to coffee -followed
by economic depression when the world markets
!for these products fell. The superstructure of
a nineteenth century agrarian economy is in
evidence today on the islands (I!).
(1) The study and travel fellowship which made the
research for this study possible was provided by the
Junta de Investigações do mtramar during the 1971-1972 academic year. I wish to express my appreciation
for this valuable assistance. I am also grateful to
Dr. Jon Tolman at Indiana University for his critical
comments on this manuscript. At this juncture it is
also necessary to indicate that I alone am responsible
for the ideas presented in this stud;y. (I.U. 1973.)
( 2) For a composite history and SQciology of São
Tomé see: TENREIRO, ~ancisco -A n1ur.de 8ão Tamé.
Lisboa, 1961.
Garcia
de Orta,Bér.
Antropol"
Lisboa,
2 (1-2),
1975, 35-48
In Lusophone Mrica, the literature of São
Tomé has received less attention than that of
Angola or Cape Verde, perhaps because of the
island's miniscule size and relatively low political
and economic importance. It should be emphasized, however, that this fact in no way implies
that a critical evaluation of São Tomé literature
would constitute a merely esoteric assignment.
On the contrary , São Tomé literature :presents
a microcosm of the literary developmentswhich
have risen within the other Portuguese African
territories. Costa Alegre, the subject of this
paper, is one of the earliest African poets writing
in Portuguese (3). Later, in the 1940's, another
São Tomé poet, Francisco Tenreiro, was the first
spokesmanfor Negritude in Portuguese African
writing (4). São Tomé literature contributes
significantly, in this sense,to the literary spectrum of Lusophone Africa.
(3) MOSER,
African
LitetratU1'6.
Gerald
University
M. -Essays
Park,
in
Portuguese
Pennsylvania,
1969,
p.7.
(4) ANDRADE, Mârio, ed.-Poesfa
pressão Portuguesa. Lisboa, 1953, p. 2.
N6gra de E:x;-
35
BIANCHI, Barry
L.-
Caetano
da Costa
Alegre:
This study examines the poetry of the
man who signals the beginning of São Tomé
literature in Portuguese: Caetano da Costa Alegre (1864-1890).In
a critical study of Costa
Alegre two problems must be examined from
the beginning. Hopefully, a discussion of them
will not only present a clearer understanding of
the body of literature under consideration, but
that it will also constitute background material
necessaryfor an evaluation of the critical essay
itself.
The first problem lies in the paucity of
available literature by and about Costa Alegre.
Costa Alegre lived a very short life and his only
published work consists of one posthumous
volume of poetry. Ver8()8, the poetic legacy
of this first São Tomé poet, consists of ninety-seven poems -many consisting of four or five
lines -encompassing
134 pages. Two and a
half pages of an unfinished
crude draft
of a novella complete the vol1Ulle. Ver808
remains the only primary ,published source material for the poet; thereby making the sample
somewhat limited.
The lack of good critical secondary source
material is also evident to anyone who wishes to
undertake a study of Costa Alegre, in particular ,
and Portuguese African literature, in general.
With the possible exception of the oral and written literature of the Cape Verde islands, Portuguese African literature has not been part of
African literary criticism in American or European scholarship. The language barrier, the
difficulty of obtaining material, and the isolated
nature of Portuguese Africa present immediate
obstacles to the student of Portuguese African
literature. And, in Portugal itself, Mrican literature has never been part of the curricula on
the secondary or university level. Because of
this, Portuguese African literature tends to circulate within small quoting circles. Poets are
criticized by their poet friends and a few critics
emerge as the «experts» of African literature.
Articles by these spokesmen tend to be reproduced in several journals throughout Portugal
and Lusophone Africa, thereby giving the impression that much criticism is being written
when, in fact, little that is new is being said.
The second problem area confronting the
reader of Costa Alegre's poetry is in the
quality of the primary and secondary source
material available. As mentioned above, the
complete poetic work of Costa Alegre was
published posthumously in 1916- twenty-six~
36
Poetic
res(}lution
of a coZor dichotomy
years after the poet's death. A Portuguese
friend of the author, Cruz Magalhães, edited
the 97 published poems from Costa Alegre's
manuscripts. An examination of these manuscripts makes it easyto underst andthe difficulties
facing the editors in preparing the majority of
poems for publication. The manuscripts tend to
be pages of poeticfragments andunrevisedpoems.
Few, if any, of the poems in the manuscri,pt
were presentedin a final revised form. Thus, for
the final published volume, much was deleted
and much was added by the editors (5).Often,
the poetic entity represents a conflation of stanzas from different pages of the manuscript. As
the job of editing Costa Alegre's manuscripts
was so extensive, one is justified in questioning
what, if any, preconceptions and ideas of the
poet's friends were incorporated into the edited
body of poetry presented in the 1916 volume.
Not only the editor's preconceptions,but also
those of the literary critic are crucial. How does
the literary critic reach into the past, with eyes
and mind focused on the present, and analyse
what he finds ? The difficulty of objectivity is
especially evident when analysing the question
of race and race relations; an inesca,pabletheme
when explicating the work of Costa Alegre. As
literary critics, we often tend to perceive race
and other volatile sociological and/or literary questions from our own frame of reference
and those of our contemporaries. Such «!presentism» is a conceptual approach to the past which
attempts «to produce a story which is the ratifi(~) Costa Alegre's personal manuscripts and correspondence used for the 1916 edition were eventualJy sent
by Cruz Magalhães to the poet's family in São Tomé.
I owe much in this study to Mr. Norberto Costa Alegre
i~ São Tomé and to Ma. Ilhâria Costa in Luanda for
their assiatance in making these valuable manuscripts
available to me. Although few poems in the manuscript
appear to be in final publishable form, there ia strong
evidence that Costa Alegre intended to publish a volume
of poetry a year before bis death. I found a note, dated
April 24, 1889, written by Costa Alegre to Cruz Magalhães which included the poem, «O Medico». The note
reads:
Ali lhe envio a poesia que lhe prometti; é
uma das mais recentes, como vê pela dJ3ita,que
eu estou compondo para o meu volume Em Feria-s que deve apparecer em brevé e lhe peço que
annuncie no seu appreciavel jornal.
[I enclose here the poem which I promised
you. It is one of the most recent of the
compositions, as you see by the date, which
I am compj,ling for my volume, Em Ferias,
which ought to appear shortly.
Please announce it in your esteemed newspaper.]
GOlrcia
de
Orla,
Bér.
Antropol.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
35-48
BIANCHI, Barry
L. -
Caetano da (J08ta Awgre:
cation, if not the glorification, of the pressent» (6).«Presentism» is to be contrasted with
«historicism» which constitutes «a commitment
to the understanding of the past for its own
sake» (7).An accusation of presentism is a
valid one for much of the secondary source
material in São Tomé litera.ture. We tend to
look to the past in a way that fits the niche of
our present conceptualframework. It would not
be unreasonable to substitute «literary critic»
for «behavioral scientist» in the following quotation to emphasize the significant difficulty
facing the student who attempts to penetrate
IÍearly a century of time to explicate Costa
Alegre's poetry in order to understand how the
poet structured his world:
The approach of the professional behavioral scientist ...is likely to be «presentist» and his motivational posture
«utilitariall». He may share the historian's
emotional satisfaction, but he tends to
demand of the past something more: that
it be related to and even useful in furthering his professional activities in the
ongoing present. (8)
F'inally, explication of Costa Alegre's poetry
necessitatesplacing the São Tomé writer into his
particular historical context. It must be emphasized that perceiving the writer within his own
chronological framework does not presuppose
that the poet should be viewed as a mere «product» of his time; as a static entity passively
absorbing and recording his experiences in the
world around him. On the contrary , it is fruitful
to seeart as a system of action; a way in which a
writer behavesin the world (9). The emergence
of self -the personal and artistic identity of the
poet -arises
through the role enactment of
literature as a processof actively and consciously
communicating with an audience. If we assume
that literature represents a system of action
-a
recipe knowledge of how to act in the
surrounding society -then
the poetry of Costa
Megre may be seen as a private act of structuring and communicating the exigencies of his
(6) STOCKING, George-RQICe, Oulture, and Evotuticm. New York, 1968, p. 3.
(7) Id., ibià., p. 5.
(8) Id., ibià., p. 6.
(9) DUNCAN, Hugh Dalzlel
Symbo~
m Society.
New York, 1968, p. 13.
Garcia
de Orta)
8é1'. Antropot)
Lisboa,
2 (1-2),
1975, 35-48
Poetic 1'68o1ution of a coZ&t d,jchotomy
existence as an African writer in a white, nineteenth century , Lisbon world.
Stylistically, Costa Alegre operated within
the poetic influences of the Luso-European
poetry of his time. Neither his style, nor his
technical competence, has evoked controversy
among critics (10).However, a significant thematic question has precipitated much debate:
How did the poet's perception of race appear
thematicallJ. in his work ?
Costa Alegre in the fragment of the novel
at the end of Ver808, gives some indication of
how he perceived his role as a writer. The
source fbr the writer's characters is his mirror.
If the characters in a piece of fiction are
«morally degenerate», the writer must also be
degenerate for he must live his characters,
even be them, in order to write about them :
O Mrói d'Umromanooi duma novela, dum c<mto,
é 8empre o 8'eUa'II,tor mascarado (11).There is
little doubt that the protagonist ~ a brooding
melancholy poet dying of consumption- of
Costa Alegre's prose fragment is the São Tomé
poet himself. Costa Alegre, then, perceives his
writing as a reflection of self; a soliloquy. In
a concisely written passage,Hugh Duncan summarizes the conceptual framework of soliloquy
within the theoretical perspective of considering
literature as a system of active communication.
I cite this quotation becauseit so clearly strikes
the central, controversial atmosphere surrounding the poetry of Costa Alegre :
SOliloquy is often an expression of
~onflict among «outer» roles, an individuaJ
struggle to confront, and hopefully to
resolve contradictions and incongruities. ..
In soliloquy the self can speak to the
general public, and the community guardians -the heros and villains who importunately demand us to choose between
them, The final audiencewhose response
is necessary to our sense of order drives
(10) For discussions of the poetic style and traditions
of Costa Alegre see: cmSAR, Amândio -Parágrafos
de
Litell'atura Ultramarina, Lisboa, 1967, pp. 30-33; PRETO-RODAS, Richard A.-Negritude
as a Theme m the
Poetry of t~ Portuguese Speaking WorZd. Gainesvi1le,
Florida, 1970, pp. 43-44; RODRIGUES, Lopes- O Livro
de Costa AZ6'gre: O Poeta de São Tomé e Princjpe. Lisboa, 1969, pp. 26-32.
(11) ALEGRE, Caetano da Costa -Vell'Sos. Lisboa,
1916, p. 154.
The hera of a novel, a novella, a short story , is always
the author masked.
37
BIANCHI,Barry L.
Caetano
-
~
C08ta
Alo6gre:
Poetic
Uma das desditas que mais o alanceava era 8er negro. Ouvi-lhe mesmoalgumas poesias em que esse desgosto ressal-
(m) DUNCAN. Hugh Da1ziel-Ob. cit., p. 109.
(lS) There is no evidence. contrary to the undocumented claims of Preto-Rodas (1970. p. 43) that CoBta
Alegre was a. mulatto and tha:t «it was because of his
white father that this son of an African servant woman
wa.s able to attend univerBity in Portugal». An examination of Costa Alegre.s poetry as well as the preface to
the 1916 edition by Cruz M8Igalhães indicates that the
São Tomé poet was bom of black parentage. In 1972
Sr. A:nt6nio Ambrósd.oof São Tomé allowed me to read
his unpublished article. entitled. «Costa Alegre -Poeta
de S. Tomé». which was the result of research 1n the
biographical history of Costa Alegre. The poet was the
ilJJegitimateson of Manuel da Gloma de Costa Alegre. a
black merchant of São Tomé. and Ant6nia Fernandes.
the daughter of a smaU plantaltion owner. The patemity
of the poet was legally established on April 3, 1880.
when Costa Alegre was 16 yearB old. A biographical
note which I found in Costa Alegre's manuscript confirms
these names and dates.
38
of a colar
dichotomy
tava duma maneira tão viva que confrangia. (1')
us to say in the anguished cries of
soliloquy what we cannot say in open
dialogue. As the individual states his
dilemmas in soliloquy he asks his community to face disrelationships as he
himself must face them. (12)
The central theme of Costa Alegre's work,
the axis of the disrelationships which the poet is
asking his community audience to face, is the
question of race: an African confronting the
incongruities and contradictions emerging in a
white nineteenth century European society (13).
Any analysis of the black/white thematic framework in Costa Alegre's ~try
is made more
complex because the conflict between the African ~t
and his white environment and the
confrontation between the poet's skin and his
«white poetic soul» often appear never to have
been categorica;lly resolved in his poetry.This
lack of resolution has often caused critics to
oversimplify and in so doing distort the work of
Costa Alegre.
The debate over the interpretation of Costa
Alegre's conceptions of race began with Cruz
Magalhães' preface to the 1916 edition. The
editor strongly emphasized the repulsion which
Costa Alegre felt for his black skin :
1'eso~tton
[ ...] a brutalidade descaroável da sorte
para com êle, cobrindo-lhe
a alma de
Poeta, branca como as estrêlas, com a
negridão
requeimada
da pele. (15)
Cruz Magalhães emphasizes this revulsion
for being black as a poetic theme in the work
of Costa Alegre and there is some evidence to
support such an analysis. In one poem (see
page 47) Costa Alegre compareshimself unfavorably to white woman (16).The
qualifiers
attributed to each character in that poem indicate a juxtaposition of black and white images
common to many of Costa Alegre's poems.
The white woman is described as manifesting
divine light, happiness, grace, and a thousand
songs. She is compared to the candid happiness
of a child and metaphorically she is equated
with the pure brilliant dawn. In contrast, the
poet states that his color merely indicates
mouming and pity. He is a sad «defect» without any hope. Whereas white is the image of
divine purity, the poet's blackness is represented
by the hellish image of a «horrible fumace»
of burning waves. In draft 1I of this poem
found in the poet's manuscripts, Costa Alegre summarizes in two lines (deleted by the editor in the published edition) that the causeof his
deep pain was having been bom black (17):
A minha
dor
O horror
do
sem nome
meu
passado
The poem «Quando Eu Morrer» clearly manifests the dichotomy
emphasized by Cruz
Magalhães: a white poetic soul on the inside and
a black on the outside. The poem is loaded with
irony. In the introductory stanza a white WO(14) :M:AGALHÃES, Artur da Cruz- «Saudade».
VeT8O8àe Costa AlegTe, Ldsboa, 1916, p. 14.
One of the misfol'tunes which most wounded him
was b6flng b1(zck. I even heard some of his poems in
which this grief carne forth in a way so alive that it
was oppressive.
(15) Id.. i~, p, 9.
...the uncharitable bruta1ity 'of his Iluck iII1 havin1g
a Poet's soul. as white as the stars. coverd by a pitch-black skin.
(16) ALEGRE, Caetano da Costa-Ver808. Lisboa,
1916, p. 47.
(11) ALEGRE, Caetano da Costa -Unpub1ished
manuscript.
My pain without a name, the horror of my past.
Gan'oo
dJe Orta,
Sér.
Antr()lpoZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
35-48
BIANCHI,Barry L.
Caetano
d,a. C08ta
AZegre:
man, metaphorically deseribed as the white moon,
causes the poet's death :
Quem manda a lava idolatrar
A neve extingue a lava. (18)
a neve?
Costa A1egre proclaims his fear of the tomb
becauseof the vermin which will attack his bOdy.
His pure soul would live after the cremation of
the soul's black cover which would become«transformed ashes». Such a transformation constitutes a purification of his blacknessto match his
already pure poet's soul. He urges that these
pure ashes be scattered over the earth so that
perhaps he, made of ashes, may still be introduced into the heart of the virtuous, virginal
white woman who, upon rejecting the poet, is
the causeof his death :
E no teu coração pequeno e forte
(O goso tri!ste!) viva eu nia mk>rte
Já qu!e na vida lá vii~T ~
pude. (1
PO6tk
resalwti,on
of a calor
àIWhotomty
after the publication of the 1916 edition of Ver808 and continues as a major conceptual framework for much of the recent criticism about
Costa Alegre. Briefly, the argument is as follows:
To concentrate, as doesCruz Magalhães,upon
the repulsion which Costa Alegre may have
felt toward his color debasesthe high «moral»
character df the poet and reduces his work to
a cheap and «vulgar» level. In the 1916 review
article of Ver808.. Oscar de Pratt, obviously
concentrating upon the theme Of the poet's pure
poetic soul, attempts to minimize the poet's
cdlor by labeling it as a mere «ethtt1iccharacteristic». He then employs this argument as
an attack on the editors and others who find
in Costa Alegre's work an abhorrence of his
African heritage (21):
A insistencia com que o Sr. Cruz Magalhães pretende pôr em evidência uma
suposta repulsa de Costa Alegre pela pretidão da côr, que era nele uma caracteristica éthnica, é um producto dos estúpidos
preconceitos da nossa infantilidade social,
mas desagrada porque, em vez de elevar a
figura moral de Costa Alegre, como o leitor a aprende a admirar nos seus adoráveis poemas, a deprime a um nivel de vulgaridade. (21)
It is usual to find the disgust with his blackness juxtaposed with the white female figure,
toward whom Costa Alegre addresses many of
his poemsand by whom the black poet is rejected.
Nowhere in his poetry is there any lasting consummation of the Platonic love ideal which he
addresses to the Lisbon women. These pallid
women, frozen in the ornate decor of their salons, never seemto see beyond the poet's skin to
perceive what Costa Alegre calls his «expa.nsive
Within this framework it is a misconception
poetic soub>. Thus, the 'poet ironically poses
to consider Costa Alegre as a black African
the question to himself about his relationship
poet. Therefore, Costa Alegz:~ ...
to the pallid Lisbon women:
A neve que ~
na serra
Esfria tudo em redor;
Quem se afoita a amar as brancas
Se da neve têem a côr~ (20)
The counter-attack to Crnz Magalhães' preface concerning Costa Alegre's disgust toward
his color arose among Portuguese critics soon
(18) ALEGRE, Caetano da Costa ~ Ver808. Lisboa,
1916, p. 42.
Who orders the 1ava to Jdolize the snow? The snow
extinguishes the 1ava.
(19r Id., ibM., p. 42.
o sad pleasure! I would live in ,death in your small
strong heart. wherein I could never live in life.
(20) Id.. ibid., p. 54.
The snow which falls cm the mountain freezes all
around. Does he. who dares to love white women, pick
up their ocolor ?
GaT~
de Orta,8éT.
Antrapol.,
Lisboa, 2 (1-2), 1975,35-48
[ ...] Podia ser um poeta que nos legasse
uma poesia africana. Mas não. Cantou o
Amôr e a vida ao sabor da escola poética
do seu tempo. (22)
(rll) Pratt, Oscar de- f(;CostaAle~». A Nova Patri.a, ano I (6), 1916, p. 1.
Theinsistance with which Mr. Cruz Magalhães seeks
to docum~t the supposed repulsion Costa Alegre felt
for the blackness of his color, which was an ethnic
char~oteristic, is a product of the stupid predjudices of
our social childishness. It is unfortunate because,instead
of elevating the moral figure of Costa Ale~,
as the
reader learns to admire it in his admirable poems, it
debases him to a vulgar levei.
(22) «Um Poeta Negro». O Mund.o Portugué8:.vol. III
(3), 1936, p. 251.
[Costa Alegre] couldhavebeen a poet who bequethed
us an African poetry. But he didn't. He sang of love
and life in the stylre of the poo1Jicschool of his time.
39
BIANCHI, Barry
L.
Caetano
d!J. Costa
AZegre:
This a theoretical position has led to several
ramifications in the interpretation of the poetic
themes of Costa Alegre. Perhaps, the most
significant result is the minimization of race.
In his discussion of Costa Alegre's work, Lopes
Rodrigues attempts to place Costa Alegre in
the midst of an idealized Portuguese life complete with smooth interactions and interrelationships among people of various races (22). Lopes
Rodrigues extends his argument even more
tenuously by attempting to negate a passage
from Hygino de Sousa which claims that one
finds strong evidence of racial predjudice and
rejection by the white Lisbon world in Costa
Alegre's poetry (24).Rejection by the white
Lisbon women, contend the proponents of this
viewpoint, merely symbolizes the normal theme
of unrequited love and in no way indicates a
prejudice toward his black skin. Additionally
albeit weakly, that Costa Alegre treated it
ceived his color in a nonchalant manner. Although «Eu e os Passeantes»demonstrates an
awarenessof racial rejection. it might be argued,
albeit weakly, that 'Costa Alegre treated it
somewhat humorously. thereby minimizing its
importance to him :
Passa uma inglesa,
E logo acode,
Tudo surpresa:
What black my god!
Se é espanhol:a,
A que me viu,
Diz como rôla :
Que alto, Dios mio!
E se é fraJnoosa :
õ queZ beau n8gre!
Rindo para mim.
(23) RODRIGUES, Lopes- O Livro de aO8ta Ale.
gre: O Poota dJeBão Tomé e Príncipe. Lisboa, 1969, p. 33.
(24) Id., ibid., p. 47.
The most significant comment by Hygino de Sousa,
dated May 7, 1890, reads:
A cor despedaçava-lhe o peito num desgosto
enorme, acabrunhava-o, era o seu pesadelo, porque ele. alma feita de amor, queria lamar tam.
bém, mas via sempre erguer-se entre o seu amor
e o eterno feminino o preconceito da raça.
[Color tare bis breast with deep suffering.
It made him despair. It was his nightmare
because he, a laving spirit, ialsa wanted to lave,
but racial pl'edjudice always ,carne between his
love and the eterna! woma.n.]
40
Poetic
re8olution
of a calor
dIÍChotomy
Se é portuguesa,
O Costa Alegre!
Tens um atchim! (25)
In an article in Parágrafo8 de Iil,teratura Ultramarina, Amândio César extends the argument
proposed by Lopes Rodrigues and others that
Costa Alegre was principally a Portuguese poet,
universal in attitude and not preoccupiedwith the
color of his skin (26). It is fruitful to examine
Amândio César's arguments not only because
they are more concisely stated than the others,
but becauseAmândio César is the most prolific
and knowledgable Portuguese critic of Portuguese African literature. César claims that the
poetry of Costa Alegre occupied an intermediate
position between the «agony» of ultra-romanticism and the analytic description of naturalism,
a poetic form which is «smooth, melancholy
and idealized». Costa Alegre sang of «love,
sweet scenes and tender sentiments» (27).
From the beginning César rejects the argument put forth by Cruz Magalhães, saying that
hostility toward being black was not a dominant
theme in Costa Alegre's poetry .«To be black in
a world which rejected blackness»was not a preoccupation of Costa Alegre (28).César cites the
1916 preface which claims that Costa Alegre was
always smiling but his smile was merely a mask
to cover the 8Uprema injU8tiça de 8er negro.
César finds this statement by Cruz Magalhã.es
«absurd» because,so his argument goes, if the
poet was smiling, then it was his w h i te
Lisbon friends, i. e., Cruz Magalhães, who were
preoccupiedwith race and not Costa Alegre himself (29). César then concludes that COsta Alegre, the man and the poet, belonged to a universal body of men and friends free from racial
rejection.
Amândio César's argument is either naive or
an attempt to exemplify his present idealofahomogeneous multi-racial Portuguese
world.
(23) ALEGRE, Caetano da Costa-Ver8oo. Lisboa,
1916, p. 37.
An EDglish woman passing by immediately exclaims
il1 total surprise: ~ What black, my God! If it is a
Spanish woman who sees me, she sa;ys like a; dove:
-Que AZto, Dí08 mío. If it is Ia French woman: -6,
queZ beau negre!, laughing at me. If it is a Portuguese
woman:~ Oh, aosta Alegr6!, you'il get asneeze.
( 26) CEiSAR, Amândio -", Parágrafo8 de IÃteratura
Ultramarina. Lisboa, 1967, p. 32.
(27) Id., ~., p. 31.
(28) Id., íbfà... p. 32.
(t!9) Id., tbfà., p. 33.
Garcia
dei Orla,
Bér. AntropoZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975;35-48
Nevertheless, without ful1y realizing it, César
has, in fact, hinted at a significant problem in
the interpretation of Costa Alegre's poetry.
To what degree are the racial preconceptions
of Costa Alegre's white editors manifested in
the poetry published in the 1916 edition ? An
examination of the poet's manuscripts and a
comparison of these with the published, edited
Ver8O8 leads me to believe that because the
editting was so extensive, many ideas and
preconceptions of the editors may be inherent
in the published version. A detailed comparison
of the manuscripts with the 1916 edition lies
beyond the scope of this study; however, one
example may demonstrate the significant thematic changes made by the editor of Costa
A:legre's poetry.
Ver808 contains a frequently quoted poem
entitled with a question mark. (See page 47)
where the complete published poem is juxtaposed
with the three versions copied from the manuscript.) The title of the poem has been aparently
derived from the question posed by the poet to
the white ~.omanto whom the poem is addressed:
Ta;l~ez, seja a manhã
Innã da noilte escura!
Serás tu minha innã ?
(30)
Presentedas such, it is obvious that the poet,
almost hesitantly, questions any universal or cosmic brotherhood of white and black. The dichotomy between the black poet and the white woman describedin the poem concludeswith a question which comesacrossas an almost incredulous,
impossible question: Serás tu minha irmã?
However, when one examines the three versions
of this poem in the poet's manuscripts, a significant difference of interpretation emerges. The
last lines of the three versions are :
Creio que tu, Senhora
Meiga , gentil, louçã
Eu noite e tu aurora
Sendo tu dia 'e eu noifje
Que tu és minha irmã
(ao) ALEGRE,
1916, p. 47.
CaJetan:o da Coota -Ver8o8.
Creio que tu, Senhora
Tão fresca, tãO louçã
Eu noite e .tu aurora
Que tu és minha irmã
III
No entanto eu julgo a aurora
Brilhante, clara ~ pura
Irmã da noite escura,
Creio que tu Senhora
Tão meiga, gentil, louçã
Sendo tu dia e eu noite. (31)
It is evident then, by the versions found in
the manuscripts that the poem does not constitute a question after all. «1 believe» (creio) ,
manifesting a sense of affirmation and an attempt at a poetic synthesis of black and white,
present in the manuscripts has been changed to
the «perhaps» (talvez) of a question full of trepidation in the published version of the poem.
There is no doubt that after indicating the «defects», «sadness»,«mourning» of his black skin
in the poem (which might be interpreted as the
poetrecording the standard preconceptionsof the
",.hite woman toward his color) , Costa Alegre,
without question, integrates the black/white dichotomy into a common natural brotherhood
manifested by the metaphorical relationship of
night and dawn, which together form a complete
universe; a cosmic whole: Creio que tu és
minha irmã.
Why the editor decided to substitute a question for an affirmative synthesis is, of course,
unknowable. One can merely speculate,without
any hope of reaching a satisfactory conclusion,
whether such changes as the one presented above, constitute any racial preconceptionsof Costa
Alegre's white editors. The context, however,
seemsto demonstrate that the editor of the 1916
edition apparently distorted, at times, the concepts inherent in Costa Alegre's work.
( 31) ALEGRE,
nuscript.
Lisboa,
Perhaps the moming is the sister of the dark night,
Are you my sister ?
Garcia d.e Ort~, Bér.Antropol.,
n
Lisboa, 2 (1-2), 1975,35-48
Caetano da Costa -Unpublished
ma-
(1) You being the day and I ,the night; I the
night and you the dawn. I believe that you, soft, gentle
gay Senhora, are my sister. (n) I the night and you
the dawn; I believe that you, Senhora -so fresh, sO gay,
are my sister. (m) Meanwhile, I find thie brillant, clear
pure dawn is tlhe sister of the dark n1ght. I beIieve
that you, Senhora, so soft, gentle, gay, are the day and
I the night.
41
BIANCHI,
Barry
L
.-OMtano da 0O8taAlegre: Poetk; reso:lutionof a coZor(];fx;hotomy
-
It must be emphasized that the evidence presented above on the editorial changes in Costa
Alegre's poetry is not me~t to support the simplistic thesis proposed by Amândio César , His
statement concerning the «smiling poet» strikes
one as naively absurd and appears to have been
employed
to
further
a «presentist»
.D'uma
With this in mind, Costa Alegre's profound
despair over the changes within him brought on
by the world around him become even more
poignant :
Mas hoje o feio mundo
argument,
The conceptual and poebc world of Costa Alegre
was more complex than César would have us
Tornou-me o som profundo
canção obscena, ( 34)
M
'd o
bel '
leve.
argarl
. ed
percelv
Two opposing perspectives of Costa Alegre's
use of race as a thematic argument have been
discussed above. Taking one position as opposed to the other constitutes a simplistic
explanation of the poetry of this São Tomé
poet. Such a statement is not meant to imply
that the «truth» -whatever it may mean- lies
at a hypothetical midpoint between these two
extremes. Such a positioR was assumed by
Preto-Rodaswhen he claimed that Costa Alegre's
poetry «shows color in, at best, an ambiguous
light» (32).Of course, there are indications of
ambiguity toward race in Costa Alegre's poetry,
however, as I shall demonstrate below, there are
definite consistencies inherent in Ver808 which
demonstrate the poet's attempts to resolve the
contradictions and incongruities which confronted an African poet in a white 19th century
Lisbon world. Costa Alegre's poetry clearly
Ulustrates a man structuring his world; a man
remaking himself by attempting to resolve the
contradictions which surrounded him.
Alfredo Margarido attempts to demonstrate
that Costa Alegre remade his own image as the
white Lisbon world perceived it. He argues
that the sociological position of the African in
Lisbon at the time when slavery was abolished
in the African colonies was one in which both
art and the white courtesanswere desired by, but
inaccessableto the African. Encountering racial
predjudice everywhere the African under these
conditions ...
death and pity, he remade his image into the
stereotypical one held by the white world which
opposedhim. Such a position is ultimately un.
tenable because reduces the conceptual framework of Costa Alegre's poetry to the «anathema»
argument which is not contextual1y demonstrable on a consistent basis through()IUtVer808.
Although his introductory essay to the poets of
São Tomé is an excellent sociological commentary on the literary developments of São Tomé,
Margarido seems to distort the poetic world of
O>sta Alegre by minimizing its complexity.
Margarido's argument is an undeniable aspect
of Costa Aiegre's work ; however, to conclude
the evaluation in this way does not take cognizance of the poet's attempts to transcend a white
stereotyped notion of blackness.
In an excellent essay comparing Costa Alegre
with another São Tomé poet, Francisco Tenreiro,
Manuela Margarido discu,sses Costa Alegre's
work in its his,torical perspective (35).His
work coincides with the formation of the large
European capitalistic land holdings of cocoa and
coffee plantations on São Tomé. The creole
landowners lost their land to Europeans at this
time and they found in Costa Alegre the affirmation of an ability to achieve in art what had
not been available to other island Africans. The
educated creole population of São Tomé could
identify with O>sta Alegre's poetry because it
represented an «authentic attempt to escapethe
anathema of his black skin» (36). «Escape»here
implies an active attempt by the poet to extricate
himself from the pejorative stereotyped white
image which he was, at times, compelled to~
...pode ainda deixar que recomponham
a sua imagem não tal como é, mas antes
como o grupo branco a vê, como esse
mesmo grupo deseja que ele seja. (33)
( ~ ) PRETO-RODAS, Richard A. ~ N egritua.e a.s a
Thfmt6 in the Poetry Qf t~ PQTtugueseBpeaking WQTld.
Gainesvil1e,I~rida, 1970, p. 44.
(M) MAJRGARIDO, A1fredo-«Prefâcio». Poeta.s de
B. Tvmé e PrlnotPe, LIsboa, 1963, p. 2.
...I can even permit them to remake his own image ;
not as it is, but as the white group sees it, as thls same
group wants him to be.
42
h lS
'
argues
th a t
W h en
Co s t a
AI egre
' di catlve
race as a «d ef ect » m
.
of
( S4) ALEGRE, Oaetano da Oosta -Unpublished
manuscript. (Poetic fragment dated June 17, 1885.)
But today the ugly w()rld has changed me into the
deep sound of an obscene song.
(S5) MARGARIDO, Maria Manuela- «De Oosta Alegre a Francisco José Tenreiro». E8tuào8 UJtramarino8,
Lisboa, 1959',p. 97.
(S6) Id., ibt1d.,p. 97.
Garaia d6 Orla, Sér. Antropo~., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48
BIANCHI,
Barry
L. -OaetanQ
da
aQ8ta
AZegre:
adopt. Let us now examine these active attempts at conflict resolution which are inherent
in the poems of Costa Alegre.
First, it is evident from Ver808 that Costa
Alegre was continually surrounded by a dichotomous situation: white versus black; black is an
anathema versus black is beautiful; black is
inferior versus black is equa;l and/or superior.
Often, the dichotomy is presented in his poetry
with the poet confronting the pallid cold figure
of the Lisbon woman. The dawn/night dichotomy is often employed to represent Costa
Alegre's relationship with the courtesan figure
or with the universe as a whole :
Tu tens horror de mim, bem sei, Aurora,
Tu és o dia, eu sou a noite espessa,
Onde eu acabo é que o teu ser começa.
Não amas! ...flôr,
que esta minha alma adora. (31)
o sol, astro mais belo do universo,
O sol, diz a ciência, dando a aurora,
Em tanta luz imerso!
Só esplendor por fora,
Só trevas é no centro!
O sol, és meu inverso:
Negro por fóra, eu tenho amor cá dentro.
(38)
The sun and the dawn, representative of the
woman of the Lisbon salons, fear, and, are repelled by, the blackness of the poet. On the exter;.
ior, they represent splendor, a quality toward which the poet is artistically drawn. Costa
Alegre is a,vare of the irony -the
«sad
pleasure»-of
being forced to love an object
which fears his blackness, for even the poet
himself, by perceiving his color as the white
world saw it, feared his mirrored reflexion:
Eu, quando em mim reparo, pasmo e admiro
O bem feito que sou, nesta aparência,
Com que eu até, às vezes, medo inspiro.
Im uma maravilha a minha essência! ...(39)
(37) ALEGRE, Caetano da COBta- Ver808. Lisboa,
1916, p. 26.
I kIiow well, Aurora, I repell you. You are the day,
I am the ,dark night. Where I finish you begin to be.
You do not love. f1ower that my soul adores.
(38) Id., ibid., p. 100.
The sun, the most beautiful star in the universe.
The sun, says science. creates the dawn. emmersed in
such light. Pure splendor on the outside, pure darkIiess
is at its center. On sun. you are my reverse: Black on
the outside, I have love here inside me.
(39) Id., ib1d., p. 60.
I am astonished when I observe myse1f and admire
how well made I a;m in my appearance with which even
I, at times, inspire fear .It
is the marvel of my essence.
Garcia
de Orta,
Sér. AntropoZo,
Lisboa,
2 (1-2),
1975, 35.,48
Pootic
re8Olwtion
of
a calor
dichotomy
Neverthe1ess, Costa Alegre
also perceives his image to be a marvelous creation. In the
above quotations Costa Alegre often implies his
moral superiority to these objects of external
splendor. Though the dawn and the sun may
manifest the desired exterior beauty, they are
dark, soulless, and loveless on the inside. They
are the reverse of the poet for although his
appearance may symbolize death to the white
Lisbon world which he confronted daily, inside,
his «expansivepoetic soub>is alive with love and
passion. It is certain that Costa Alegre believed
that the real and most significant essence
of man to be found in the permanence of a ,pure indestructable soul which Itlanifested love. In this sense, the poet emerges
superior to the sun and the dawn, not only
because darkness (pain and suffering) brings
forth this pure light (Do carvão 8ai o l1l-ilko do
diamante) (.O), but also because he, unlike the
sun and the dawn, is compelled to manifest a
pure Christian essenceof man :
A minha mente é um campo de batalha
São combatentes negros pensamentos ;
Minha alma como a vaga se retalha,
Ondulando em contrârios movimentos.
A ciência austera diz-me: «a vida é isto»
E eu, que da fé preciso, eu corro a Cristo,
E cuido que a ilusão do céu existe. (41)
This dichotomy of pure soul/black skin
versus hollow center/ white splendor is reiterated
throughout Ver8Q8 in relation to the various
( 40) Id., tbià., p. 26.
From the coal emerges the brillance of the diamond.
This image occurs frequently in Velr808. It refers to
the emergence of the dawn from the night as well as to
the essenceof beauty inherent in the black women of São
Tomé. That which is valuable, hard, pure and brillant
can only emerge from the etiher of darkness. The act
of creation. It appears that the brillant essence of the
São Tomé black women and the poet's pure soul are two
such entities which have emerged from the pain and
suffering manifested by the incongruities confronted by
their dark skin.
(41) Id., ibià., p. 70.
My mind is a battlefield. The combatants are black
thoughts. My soul, like a wave tearing itself apart,
undulates in contrary movements. Austere science tells
me, «This is life». And I, who am in need of faith, run
to Christ and believe that the illusion of heaven exists.
43
BIANCHI, Bari'y L.
(Jae:tano
d;a (Josta
Alegre:
Poetic
resQlution
of a calor
dichotómy
.
white female figures whieh are the referents
foÍ' mueh of his poetry .Those
Portuguese
erities who rejeet the thesis that Co8ta Alegre
eoneentrated his poetry on the subjeet of raee
sci1.e upon this symból as the true theme.
Am,~ndioCésarargues that a minority -in quantitative terms-ofthé
poettlSin Ver808deal with
Afrieaand raee. The majority, he elaims, are
thematically geared toward the eternal female"(4!. What Mr. César has ignor~ is that
even though the pallid femme fatal may have
bee~ the poetic stereotype of the period, she
epitomizes the eolor dichotomy which the poet
faeed.
These women were inaeeessableto the passionate Costa Alegre even though, beeauseof the
artistie and soeiologieal situation of his time, he
felt eompelledto love them. Nowhere in Ver808
iB his passion ever consummated; his love returned and iullfilled by these pallid, cold women in
their salons. His disgust toward his skin emerges as a stronger motif when eompared to these
\vomen than in other poetie eireumstanees. In
these situations, the thesis proposed by Alfredo
Margarido appears valid in that Costa Alegre reeordedfor his own image that whieh is pereeived
by the Lisbon women. These women are nearly
without individual personality throughout Ver808in.thesense that they maintain an ideal eonstant: sty listically beautiful, eoy, cold, dispassionate and hotlow. The end of any relationship with these women -rejeetion -is
always
forshadowed at the beginning. Costa Alegre
pierees the exterior splendor of these women
and diseovers in them the esseneeof the eolor
dichotomy.
In the poem, «O Que Ês» Costa Alegre attempts to penetrate the painful contradietion
whieh emergesfrom his adorationof these Lisbon
female symbols. The poem is addressed to a
beautiful blond \voman and it servesas a deseription of his perception of her. The woman eonstitutes an «enormouseontradietioru>whieh, at the
end of the poemJno one ean understand. In a
romantic tradition, the woman is both God/
Satan, Christ/ Judas, flower /thistle, gold/mud.
Like the sun and the dawn, this blond woman
embodies the reverse of the poet- a transient,
( 4!2 )
44
CESAR,
Ainândio
Op. ctt., p. 31.
yet desired, exterior beauty without substance
and love at the essenceof her being:
~s oiro e
Giro
Tua alma
Que
lodo -esse teu corpo é oiro
que me seduz,
é lodo, lodo incompreensível,
brilha como a luz. ( 43)
Her soul, thbugh mud, is desired -contains
light -because
it is encased by her golden
beauty. The lodo is incomprehensible because
being morally dark, it shines like gold presenting
the everpresent problem of appearance versus
reality. This dichQtomous position constitutes
the center of the poet's «fatal contradictioll» :
How can the, blond woman, an artistic symbol
of divinity a:Í1d desire. be so beautiful and
yet have a filthy, loveless soul,while the African
poet, perceived by the woman aJ1deven himself,
at times, as being an object of fear and repulsion,
has a pure soul so full of love and passion?
If there is any res~lution to this contradictio!Il
facing Costa Alegre, it lies in those poemswhich
thematically deal with Africa and the beautiful
São Tomé women. It must be emphasizedthat
Costa Alegre's nostalgic look toward Africa does
not imply a polemic of Negritude politics. First,
I am assuming here that the literary phenomenon known as Negritude was a twentieth
century movement. Second, since I do not
intent to present a historical development of
Negritude poetry in São Tomé literature, a lable
such as «Pre-Negritude» would be meaningless
even as a heuristic device. Rather, I find it
more fruitful to characterize Costa Alegre!s
reach toward Africa as a nostalgic search for
and discovery of, constancy; an imaginative
and idealistic resolution to the lonely and painful
contradiction inherent in his Lisbon existence.
There is little evidence in Ver808 that Costa
Alegre experienced,for lack of a better word, a
cultural alienation from his African home. He
looked toward São Tomé with nostalgic longing,
a profound saudade. São Tomé embodies an
emotional and intellectual refuge. His island
home is pictured as an Edenic and peaceful memory ; a tropical refuge of home, family and women who understand love. First, and perhaps
(.8) ALEGRE, Oaetano da Costa~Ver8Q8. LIsboa,
1916, p. 43.
YQU are gold and mud. Your body is gold, the gold
which seduces me. Your soul Is mud, incomprehensible
mud, which shines as a light.
Ga,rOO
de
Ortà,
8é1'.
AntropoJo,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
3548
fonnost, São Tomé is equated with family.
Costa Alegre was sent to Lisbon when he was
ten years old for his educationandthe separation
from his family was always a poignant reminder
of his loneliness. Ver808 is dedicated to his São
Tomé family. Separation from his family became more acute after the death of his father
who is describedas having waited for the retum
of his son even on his death bed (44).Sick with
consumption, Costa A:legre wrote in 1888 of his
profound grief of dying in Lisbon «withQl\ltbeing
covered by the earth in which I v{as bom» (45).
Being separated from the refuge of his family
increased the notion that he was a foreigner
exiled for life in a strange land :
A! Que diga ° exJJ1ado,o forasteiro,
Se pode ser a riso companheira
De quem vive tão 10lIlge da familia!
(46)
Although a concentration upon his São Tomé
family may have relieved his loneliness, it did
not directly resolve the color conflict which
centered around Costa Alegre's inter-relationships with the European women from whom
the poot sought poetic inspiration as well as reciprocal affectiOln. The final step of actively searching, via the soliloquy of his poetry, for a resolution of this contradiction was to look for and
find the constancy of love in the black and me8tiço women of São Tomé.
In «Visão» an African woman is personified
as a blackcap warbler which moves like an ebony
statue, heavy and sorrowful as in mourning.
The poet's soul is captured by an «invisible rope»
and becausehe can not resist the bird's song, he
follows at a slow pace until the sad ebony face
disappears into the distance (47). In another
poem, his black muse emerges as a specific
element in the dichotomy. Her rival voice
offers a means for the poet's attempt to
escapethe incongruities of his poetic attachment
to the pallid blond muse. In «As Duas Rivais»
the black woman's melodic voice carries a
(4,4)Id., ibid.> p. 78.
(4,~)Id, ibM.> p. 126.
( 46) Id.. ibià.> p. 109.
Ah. let the exiled. the foreigner, say whether a smile
can be the companion of one who lives so far from his
family.
(4/1) Id, ibM.> p. 31.
Garaia
de
Orla,
Sér.
Antropol.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
35-48
warning for the poet as we!ll as offering him
peace and resolution :
-o
desespero, que minha alma traga!
Dura e fatal contradição, que chega
A endoidecer, e a inteligência assombra!
Deixar a luz para viver na sombra! Suspira a branca, que a chorar se cala.
Responde a negra de hannoolosa fala :
-Mas
é que a luz , ai! mu1Jta vez nos 'cega!
Mas é que a sombra muita vez afaga!
Branca: a iluz fere; negra: a sombra embala. (48
In his most frequently cited poem, «A Negra»,
the black woman appears warm and beautiful
-«soft and beautiful coal from where the diamond emerges». She appears as the da.ughterof
the sun, a divine star darkened by the Father.
Her black satin skin absorbs light which, in turn,
seducesthe poet. However, Ín the fifth stanza
we discover that in «olden times» this beautiful
black woman was as white as snow and loved a
«pallid flower of the valley». As the poet was
rejected by the pallid courtesan, so too was
«A Negra» who becauseof the rejection of her
white knight was «burned», i. e., made dark.
Costa Alegre created his African musearoundthe
image of himself. Beneath her scorched dark
skin hides a pure diamond -the
essence of
the poet's soul- which is waitÍng for a metamorphosis to bring it forth. The means for this
transformation is offered by the poet in the last
stanza:
Tu tens o meu amor ardente, e basta
Para seres feliz;
Ama a vioLeta que a violeta adora-te
Esquece a flor-de-lis. (49)
The hope for the metamorphosis, then, lies in
the capacity for an ardent, passionate love to
match that which the poet manifests in his
soul. Throughout Ver808 the Lisbon women
are always described as pallid, cold, snow,
(48) Id., ibSd., p. 86.
-Oh the despair that my soul drinks! A hard and
fatal contradictlon that drives it mad and shocks the
intelligenoe. To Leavethe light to live m ,the shadow! sighs the white woman who, crying, remains sil~t.
The
black woman responds in harm<mious speech:-But
the
light many times makes us blilDld. But [t Is the shade
which is often soothing. White woman: -The
light
wounds. Black woman: -The
shade iluJils us.
(49) Id., ibid., 24.
You have my passionate love and it is sufficient for
you to be happy. Love the violet because the violet loves
you and forget the heraldic lily .
45
BIANCHI,Barry L.
Caetano
~ CO8ta
Alegre:Poeticre8Ol-u,tion
of a colord.1chotomy
--
hollow on the inside, incapable of manifesting
a passion equa1to that of the poet. However,
when we turn to the African women which
emerge from his poems on São Tomé, we
find a different identificaticm. From the poet's
manuscripts come the following verses about São
Tomé and the «Black Venuses»,vhich inhabit his
nostalgic memory for his island COW1try:
Aqui as venus negras têm só gozo
o mais ardente amor
Alem as alVa.9,pállidas donzeH8iS
Não têm nenhum amor. (50)
Because the poet only too well understands
the inconstancy of his relationship with the
white women in the Lisbon salons, he warns the
women of São Tomé never to love a white man:
Nunca ames nenhum branco
Que elles amam sem calor
E onde o calor não existe
Nunca pode haver amor
A neve que cae na serra
Esfria, tudo em redor
Nunca Ames ~nhum branco
Seu amor não tem ca)JJor.( 51)
It must be emphasizedthat ardente amor does
not merely signify intensive sexual passion, although the erotic motif, in the images of waves, burning furnaces, etc., certainly constitutes an important element when the poet is refering to himself or to the island women. The identification with the Black Venus of São Tomé
also, and most significantly, includes the element
of constancy; a permanence in the eternal love
relationship. Whereas the Lisbon female sym-
( 50) ALEGRE, Caetano da Costa -Unpublished
manuscript.
Here the Black Venuses enjoy only the most buring
love. There the white pallld maidens have no passion.
( 51) Id., tbià., p. 45.
Never love any white man for they love without
warmth. Where warmth does not exist, love can never
be. ...The snow which falls on the mountain freezes all
around. Never love any white man. Their love has no
warmth.
46
bols are cold, beautiful faces coyly peering over
their fans to tease and reject the poet, the
women of São Tomé emerge from Ver8o8 as the
poet's ideal faithful lovers. In «As Rolas» the
young creole women of São Tomé, who can only
inhabit the poet's memory in Lisbon, «Love only
their mates who also love them». If their mate
dies, as in the poetic tradition ofidealizedeternal
love, they too die (52).In «Cantares Santomenses» Costa Alegre poses the rhetorical question:
Branca a espuma e negra a rocha,
Qual mais constante ha de sêr,
A ~uma
indo e V!Oltando
A rocha sem se mecher? (53)
Thus, for Costa A;legre,thematic Africa,as an
ideal memory -a «sweet illusion» -offers
the
process by which he can attempt to resolve the
contradictions and incongruities of his «exile».
Poetically, his look toward São Tomé appears
to have been the axis only around which could
emerge any synthesis within his poetic soliloquies. São Tomé represented family and thus
an escapefrom loneliness. São Tomé, or better ,
the i,deal memO'l'yof it, afforded a means to escape, by poetic resolution, the anathema which
the white courtesan world felt for his black skin.
More importantly, São Tomé offered the poetic
and emotional impetus for the discovery of the
eternal woman for whom he was constantly searching. As Costa Alegre states in his poem «Saudade»,his poetry attempts to fuse the pain (of a
white 19th century world) and the exiled's nostalgic memory (of various ideaIs which were
embodied in the ideal of São Tomé) :
Só o exil~,
ao Iler os trenos da saudade,
Clama: já. te senti a extranha suavidade,
Deliciosa fusão da lembrança e da Klôr! ( 54)
(5'2) ALEGRE,
Caetano da Costa -Ver8o8.
1916, pp. 110-111.
(~3) Id., ibtà., p. 62.
White, the foam, and black,
be more constant, the going and
rock which is undisturbed ?
(54) Id., ibid., p. 77.
Only the exiled, upon reading
exclaim: -I
have already felt in
a deliclous fusion of memory and
G/lIrCÍ4 ~
the rock!
returning
Lisboa,
Which must
foam or the
the elegies of n~talgla
you a strange softness,
pa1n.
Orla, Bér. Antropo'Z., Lisboa, 2 (1-2), 1975, 35-48
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35-48
Breve
nota
sobre
impermeabilização
com
substâncias
cerâmica
na
Guiné
vegetais
ALBANO
MANUEL
GOMES
Gil,
Departamento de Mineralogia e Geologia, Universidade de Coimbra
(Recebido em 27-2-1974)
Breves considerações sobre tipos de banhos usados na impermeabilização
cerâmica na Guiné.
Brief considerations on types of baths used for ,pottery 1mpermeabilization
in Guinea.
Num parágrafo do seu trabalho sobre cerâmica da Guiné (1), refere-se Bento Correia ao
«banho envernizado». Diz este autor:
As peças a envernizar já se encontram
cozidas e esta operaçãoparece traduzir-se
na intenção de dar maior dureza à cerâmica.
Os manjacos utilizam nesta operação
bagas de certos arbustos, que depois de
moídas oferecem aspecto gomoso. Os balantas empregam a casca de certas árvores a que dão o nome de rotche.. cujo
aspecto é também resinoso. Esfregam as
peçaspor dentro e por fora, as quais, deixam depois secar.
Entre os manjacos esta operação parece ter ainda a função de dar aos vasos
certo colorido, visto que, sendo o barro
recolhido em lugares semelhantesaos dos
balantas, a cerâmica manjaca oferece uma
cor mais avermelhada.
Num trabalho mais recente (1968) (2) , F. Rogado Quintino diz-nos que «Muitas peças são
( 1) CORREIA, Bento -«A
cerâmica na vida dos
Balantas e Manjaoos». Bo,letm OUlturaZ 00 Guiné Portuguesa, vol. xrn, n.O50 (Abril de 1958), pp. 133 a 148.
(2) QUINTINO, F. Rogado-«Olaria
da Guinê».
oZam, n.O1, p. 27.
Galrc1a
ae
01'ta,
Bér.
AntroPQZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975,
49-50
untadas, antes de serem sujeitas à cozedura,com
substânciasresinosas,extraídas de caules de certas plantas ou de frutos silvestres, com o fim de
se lhes dar aspectode vidrado.Oleirasfelupesconseguem avivar a cor encarnada do barro cozido
com um banho, antes da cozedura, em solução
obtida por decocçãode casca triturada de uma
árvore que recebe o nome de bu~ane».
Antes de prosseguir, note-se, de passagem,
a discrepância entre os dois autores no que respeita à localização do banho no processo cerâmico: para Bento Correia o banho é posterior
à cozedura; para F. Rogado Quintino, é anterior .
Embora a cocção se realize a uma temperatura
relativamente baixa, se o banho fosse anterior
à cozedura,como escreveF. Rogado Quintino, as
substâncias resinosas, ou outros produtos vegetais, não iriam entrar em combustão produzindo
negro-de-fumo em vez de verniz ? Pessoalmente,
poderemosacrescentar que uma oleira mansuanque que vimos trabalhar na tabanca de S. Tomé
(Mansoa) aplicava o banho depois da cozedura.
Como conclusão do que os autores referidos
mencionam e da oleira que observámos, parece-nos que existirão dois tipos de banhos:
Banho que tem por base substâncias resinosas ( extraídas de bagas ou de cascas
de árvores) e que, para além de uma
hipotética impermeabilização,daria aos
49
GIL, Ao M. Gomes -
vasos cerâmicos um aspecto envernizado ou lhe avivaria a cor vermelha;
Banho não resinoso (obtido por decocção
da casca ou do lenho de árvores) e que,
para além de avivar a cor vermelha do
barro cozido, lhe comunicaria uma
certa impermeabilização.
o primeiro seria principalmente utilizado por
manjacos (e também por balantas, segundoBento
Correia) .O segundo seria usado por balantas e
felupes.
Qual o processosegundoo qual vão os banhos
diminuir a permeabilidade das peças cerâmicas
guineenses?
Margot Dias, ao constatar que nos Macondes
(Moçambique) logo após a retirada dos potes do
lume estes eram borrifados «por dentro e por
fora por meio de um feixe de folhas, embebidas
numa água à qual adicionam cascas piladas de
determinada árvore» (3), consultou dois técnicos,
o Prof. Kurt Jackobson, da Faculdade de Ciências de Lisboa, e H. Schloessin,da Universidade
de Witwatersrand (Johannesburg), queopinaram,
respectivamente:
As folhas e cascas de plantas contêm,
como substâncias activas, ácidos tânicos
que, facilmente solúveis em água, devem
exercer uma acção coesiva sobre o barro.
As cascase folhas destas árvores contêm certas resinas que, borrifadas juntamente com a água em cima do pote quase
em brasa, derretem e entram nos poros do
barro cozido, e fecham e prendem desta
maneira fissuras ou cavidades minÚsculas.
(8) DIAS JoI'ge & DIAS, Margot-O8
Mac0nde8
de Moçambique. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, II, 1964, pp. 116 e 117.
50
Poder-se-ãoutilizar estas interpretações para
os dois tipos em que dividimos os banhos de
impermeabilização-decoração da cerâmica guineense?
Não temos nem conhecemosdados que nos
permitam estabelecer uma correlação entre a
hipótese de H. Schloessine o banho que tem por
base substâncias resinosas. Outro tanto não
sucede,felizmente, no que respeita à correlação
entre a hipótese de ~urt Jackobson e o banho
não resinoso da nossa divisão.
Pela mesma altura em que observávamos a
actividade da oleira de Mansoa, notámos no
fundo de uma canoa estacionada na margem do
rio Mansoa, junto à ponte velha que atravessa
aquele rio na vila do mesmo nome, uma rede de
pesca indígena embebida numa decocçãoque nos
pareceu semelhante à usada pela oleira mansuanque. Relacionando este facto com o do emprego da água em que se ferve cascade salgueiro
para «encascar» as redes, utilizado na metrópole, surgiu-nos a hipótese de o lenho da planta
utilizada pela oleira referida (a árvore, de que
não pudemos colher elementos que nos permitissem a sua classificação, designava-sebis8aio em
mandinga, segundo informação colhida no local)
ser rico em tanino. Sujeito um pedaço do lenho
que a oleira usava (depois de pilado num pilão
doméstico e embebido em água) a uma análise
qualitativa nos laboratórios de química da Universidade de Coimbra, verificou-se que era rico
em ácido tânico, o que confirma a hipótese de
~urt Jackobson. O lenho referido, que, quer
antes, quer depois de pilado, se apresentava
branco, adquiria uma cor vermelho-sanguínea
quando na água, como se pode observar numa
pequena amostra que oferecemos ao Museu de
Cerâmica Popular, de Barcelos.
Garcia
de Orla,
Bér. AntropoZ.,
Lisboa,
2 (1-2),
1975, 49-50
Casa Turi-SaiCaetano
Um tipo de casa timorense-Jorge
da Costa Alegre:
re8o1ution
Barros
of a colar dichotomy
-Barry
L.Bianchi
35
Breve nota sobre impermeabilização cerâmica na Guiné com 8Ubstâncias vegetai8-Albano
Manuel Gomes Gil...
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Lisboa. - Vol.2, nº 1/2