, 1.3,,,2 O Ribeifa de lguôpe, o principôL rio dô rcgião, cortaParaná e SãoPauLo nde começa a floresta e termina a horta? Sob a sombra das árvores, Beneditoda silva,58 anos de idade, caminha pela roça com a intimidade de quem vive da teü4. "Ditão",como ele é conhecidoentre os moradoresdo Quilombo de lvaporunduva, é mais ligado a essepedaçode mata Atlântica do que se p o s s ai m a g i n a r s. o b e s s ec h ã o e s l â oe n terrudos,.junto às touceiras de bambu, os umbigos de várias genções de sua família. No passado,quando os parentesda gestante recebiam da paÍteira o cordãoumbilical cortado, eÍa preciso enterrá-1oàs pressas para gaÍantir que o bebê tivesse rumo na vida. Uma crençatão antiga quanto a labuticabeira centenária plantada pela avó de Ditão. Aos pés da árvore carregada de frutos, o homem distancia o oÌhaÍ. Depois de um siÌêncio tomado por memórias, diz: "Ela está aqui há 300anos". No quilombo, localizado no município paulista de xldorado, no vale do Ribeira, a 242 quiiômetros de São Paulo,há muito mais do que jabuticabas:bananasde diferentes tipos, milho, mandioca, taioba, chuchu. Há, também, várias espéciesde paÌmeiras,com destaque para a juçara. Nativa, e de comércio proibido, essavadedade tem seu fïuto explorado,de forma controlada,por Ditão e seuscompanheiros. Durante a coieta, os homens preseÌvam o caule (muito apreciado na culinária brasileira) para garantir a sobrevivência da própria áruore: é que, quando se extrai o palmito da juçara,a pÌanta perece. Uma variedade diferente é cuÌtivada no Quilombo de Sào Pedro,rambém em Eldorcdo,onde a comunidade planta, além de hortaÌiçase ìegumes.a paÌmeira pupunha,espèc'eexóticaadaptadaà regiào. AÌi, Joséda Guia Morato, 38, está de casa nova. Feita de alvenada, foi construída ao lado da antiga moradia de pau a pique na qual eÌe nasceu."Paratentar uma vida diferente", ÍeÌata Morato, "muita gente foi embora daqui, mas depoisvoltou."A oferta de alimento e o modo de vida tradicional parecem funcionar como um iryesistível chamado para os ílhos dessepreservado trecho de mata AtÌântica. Patrimônio da humanidade No vale do Ribeira se encontra um dos mais extensos e conservadosfragmentos da floresta original do bioma. AIém da natureza, o amontoado de morros e vales foi capaz de manter redutos usados por negros fugidos da escraüdão - comunidadesvoltadas à pesca artesanal nos estuários, manguezais, costões rochosos e restingas do trecho litoúneo. Ao percorreÍ as estradas de terra que margeiam o rio Ribeira de Iguape, o que se avista são oásis de mata nativa entre plantaçôesde bananae pupunha,hoje as pdncipais fontes da economia local. Mas agora novos atores estão pam entrar em cena e causamapreensão. o reduto de floresta verdejante é alvo de projetos de mineração e de construção de usinas hidrelétricas, perspectivasconflitantes para a área onde está concentrado o maior número de cavernas calcárias do BrasiÌ - um potencial tuïístico ainda nâo explomdo por inteiro e que, de tão importânte, rendeu à região o título de Patrimônio Natural da Humanidade,outorgadoem 1999 pela UNESCOgraças ao reconhecimento da importância do ParqueEstaduaÌ Tì.Ìístico do Alto Ribeira (Petar).Por outro lado, os 23 municípios dos arredoresapresentam alguns dos mais baixos Indices de DesenvoÌvimentoHumano (lDH)do estado de São Paulo. Faltam sewiços básicos de saneamento e infraestrutuÍa. O que não falta é contato com a floresta. Depois de discoüer sobre a impoïtância se manter intacta a vegetaçãona beiÍa /', dos rios, Ditão dá uma aula: "O jaborandi dá frutos em fevereiÍo e o quati e outros animais vêm comerJá o jatobá é alimento de aves verdes de bico redondo, como o periquito, além de macâcos, como o bugio e o mono-carvoei.o. Quando as frutas caem no chão, eles comem a massa e deixam o caroço.Aí, âs pacas, as cotias e os porcos-do-mato também matam a fome e ajudam a espalhar as sementes". Sementes apreciadas também pelos humanos. os quilombolas cultivam vanedades tradicionâis (crioulas), que constituem um traço importante da cultura do vale.Âs comunidades reaÌizam a cada ano a Feira de Sementese Mudas, com o apoio do Instituto Socioambiental (lSA), ONC atuante na Ìegião. O evento, que acontece no mês de agosto,foi criado para divulgar as variedadeslocais,como o aroz do seco. Outro cultivo bastante tradicional, como se sabe,é o da banana. A partir do ano 2000,os moradoresda comunidade Ivaporunduva conquistaram a certiflcaçâo do produto como orgânico. Eles também O quitombotô "Ditão"se of9urna de manter o cuttivo oryânico Horizonte Geoqráfico| 6t agregaram valor aos seus cuÌtivos com a produção de aÍtesanato baseado na frbra da bananeira, que é trcnsformada em bolsas,tapetese outïos objetos. As novasatiüdadeseconomicastesultaram em mudanças sociaise as mulheres g a n n d r a me s p d ç o .D e s d e1 9 9 4s o ua r' e s ã e Í a ç o p e ç a sc o m p a Ì h a d e b a n a n a, d i z 'Ajuda a gerarrenda e Amcy Pedroso,69. a descobriro nossovalor.Hoje estudamos r LULdrrluò Pcrd !uL Alem d" bananaa . c u l l u r ad o p a Ì m i to pupunha foi bastante disseminada. De l i l t oT a l l o , a c o r d oc o m o c i e n l i s l " s o c i a N coordenadordo ProgramadoVale do RibeiIa, do tSA,a pupunha tem se difundido pela a r e ap o r d ì l e r e n t e sÌ T o t 1 v o sê,n l t e e l e sa pelasatrações da fÌorestae dascavelnas lmpuLsionado rendô ìd região fonle ce o rurismoe locais, adaptaçãodessaespécieamazônica ao clima quente e úmido, o fato de se reproduzir no roçadoinúmerasvezesde um mesmo tufo e o culto cicÌo até a coÌheita, que é de até cinco anos,quasea metadedo juçara. AgoraoÌienlados,os habitanlesdascomunidades descobriramainda outra íonte d e g e Ì a ç à od e r e r d a . f Ì d l a s e d o t u r i s m o Ì u ra l o u e t n o c u l l u r a N Ì . a p r a t i c a s, a ov i quarsos \,'laJantes quilombos nas sitas aos são apÍesentadosao modo de vida local. "MostÍamoscomo é feita a farinha de mandioca aItesanal,o arroz socadono pilão e o feijão orgânico", explica Ditão. Até uma hospedarlafoi construídana vila. o conflito entÍe legislaçãoambientaÌ e sistema de roçatradicionalainda é algo o a ser resolvido. o antigo sistema de rodí z i o o e a r e a sd e r o ç a ,c h a m a d od e p o u s i o , pressupõeo desmatamentoda áÍea que lcou em repousoentre cinco e dez anos. A queima ajuda a fertiÌizar o solo.A Lei da no entarto,dêtêrminaque maLaAtla.ìiica. cortar e queimar espécimes dessebioma e crime. Taìvezsejaprecisoen<ontrar aìgum tipo de entendimento .jurídico que ainda não foi produzido",aÍgumenta obiólogo Luiz RobeftoNuma de Oliveira,diretor do Centro de ZoneamentoAmbiental da SecretaÍiaEstadual de Meio Ambiente. É Segundo Clayton Lino, presidente do ConselhoNacional da Resewada Biosfera da mata Atlântica, o vale do Ribeira tambem pode melhoraro IDH dos municlpios da região graças às diversas unidades de conservação,que geram empregos. O tudsmo, apesar de mais focado nas caveïnas do Parque EstadualTurístico do AIto Ribeira (Petar),vem sendo ampliado pâm atividadesesportivasnas águase paÍa a observaçãode aves.Com quatro núcleos, o parque abriga uma fauna típica, com catetos, harpiase gaviôes-de-penacho. O vale do Ribeira deve ter aprovado, em bÍeve,seu Planode ZoneamentoEcologlco tconómico Costeiro.que dehniráas possibilidades e as restrições dos agentes púbÌicos e privados em Íelação ao uso do soÌo,encerrandoum processoque se estende desde 1998,segundo Oliveira A pressão por novos alvarás para a extração de minérios (calcário, chumbo e ouro) em teffitórios quilombolas,e em outras áreas do vale, é o que mais causa apÍeensãoentre a populaçãolocal e os ambienLalistas. OutÌo motlvo de pÌeocupaçao são os pïojetos de construçâo de quatro usinas hidreiétricas no Vale do Ribeira: Tijuco Alto, de Funil, BatataÌ e Itaoca. Por oru,nenhuma delassaiu do papel. Existe uma moção do ConseÌhoNacional da Reservada Biosferucontra a implantação dos empreendimentos."O fubeira do Iguapedeveser avaliadopelo seuvalorhistodco,culturaÌ,sociale paisagistico. e nào como fonte geradora de energia", explica Clayton Lino. O governo estadual se posrcionou contra'io à constÍuçàodasusinas. "mas o licenciamento é federal, porque o do peÍcoffe Panná e São Paulo". Diantedo dÍÌemaenrÌe a preservaçào e a necessidadede desenvolvimento,o futuro da região mais pobre - e mais preservada do território paulista soaincerto. Uma saídapode ser apostarno conhecimento tradicional de homens como o quilombola Ditão. Quem diria: a salvação da floresta talvez esteja na horta. I A igrcjade lvôporunduva e pontode encontfopafa ë comunidade HorÌzonteGeogfáfico | 63