ISSN 1415-2762
Revista Mineira de Enfermagem
Nursing Journal of Minas Gerais
Revista de Enfermería de Minas Gerais
V O L U M E
1 3
.
N Ú M E R O
1
.
J A N
/
M A R
D E
2 0 0 9
EDITORA GERAL
Adelaide De Mattia Rocha
Universidade Federal de Minas Gerais
DIRETOR EXECUTIVO
Lúcio José Vieira
Universidade Federal de Minas Gerais
Revista Mineira de Enfermagem
EDITORES ASSOCIADOS
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REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM
Publicação da Escola de Enfermagem da UFMG
Em parceria com:
Escola de Enfermagem Wenceslau Braz – MG
Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Fundação de Ensino Superior de Passos – MG
Universidade do Vale do Sapucaí – MG
Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – MG
Universidade Federal de Juiz de Fora – MG
CONSELHO DELIBERATIVO
Marília Alves - Presidente
Universidade Federal de Minas Gerais
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Universidade Federal de Juiz de Fora
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Escola de Enfermagem Wenceslau Braz
Tânia Maria Delfraro Carmo
Fundação de Ensino Superior de Passos
Rosa Maria Nascimento
Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí
Sandra Maria Coelho Diniz Margon
Centro Universitário do Leste de Minas Gerais
Indexada em:
BDENF – Base de Dados em Enfermagem / BIREME-OPAS/OMS
CINAHL – Cumulative Index Nursing Allied Health Literature
CUIDEN – Base de Datos de Enfermería en Espanhol
LATINDEX – Fundación Index
LILACS – Centro Latino Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde
REV@ENF – Portal de Revistas de Enfermagem – Metodologia SciELO/Bireme - OPAS/OMS
REV@ENF - Portal de Revistas de Enfermagem - Metodologia SciELO/ Bireme – OPS
Formato eletrônico disponível em:
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Vanessa de Oliveira Dupin – Secretária
Geyzimara Reggiani Pereira – Bolsista da Fundação
Universitária Mendes Pimentel (FUMP)
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Universidade Federal de Minas Gerais
Revista Mineira de Enfermagem – Av. Alfredo Balena, 190 –
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Telefax: (31) 3409-9876
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Editoração
Quarto Crescente (Andréa Esteves)
Impressão
Editora e Gráfica O Lutador
Normalização Bibliográfica
Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite CRB/6-601
Revisão de texto
Maria de Lourdes Costa de Queiroz (Português)
Mônica Ybarra (Espanhol)
Mariana Ybarra (Inglês)
Assinatura
Secretaria Geral – Telefax: (31) 3409 9876
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Revista filiada à ABEC – Associação Brasileira de Editores
Cientíicos
Periodicidade: trimestral – Tiragem: 1.000 exemplares
REME – Revista Mineira de Enfermagem da Escola de Enfermagem
da Universidade Federal de Minas Gerais. - v.1, n.1, jul./dez. 1997.
Belo Horizonte: Coopmed, 1997.
Semestral, v.1, n.1, jul./dez. 1997/ v.7, n.2, jul./dez. 2003.
Trimestral, v.8, n.1, jan./mar. 2004 sob a responsabilidade Editorial
da Escola de Enfermagem da UFMG.
ISSN 1415-2762
1. Enfermagem – Periódicos. 2. Ciências da Saúde – Periódicos.
I. Universidade Federal de Minas Gerias. Escola de Enfermagem.
NLM: WY 100
CDU: 616-83
errata
Errata: O editorial do v.12, nº 4 da REME foi publicado com autoria incorreta. Está sendo reapresentado no v.13,
nº 1 com a autoria correta.
Sumário
9
Editorial
EDUCAÇÃO PERMANENTE: USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO COMO
FERRAMENTA PARA CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL
Eliane Marina Palhares Guimarães
Solange Cervinho Bicalho Godoy
11
Editorial
BVS ENFERMAGEM E AS NOVAS PERSPECTIVAS
Francisco Carlos Félix Lana
13
Pesquisas
CARACTERIZAÇÃO CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA DA CLIENTELA COM CRISE HIPERTENSIVA ATENDIDA EM
UM SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DE UM HOSPITAL MUNICIPAL DE FORTALEZA-CE
CLINICO-EPIDEMIOLOGICAL FEATURES OF PATIENTS ATTENDED DURING A HYPERTENSIVE CRISIS IN THE
EMERGENCY SERVICE OF A MUNICIPAL HOSPITAL OF FORTALEZA, CEARÁ
CARACTERIZACIÓN CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA DE LOS PACIENTES CON CRISIS HIPERTENSIVA ATENDIDOS EN
EL SERVICIO DE EMERGENCIAS DE UN HOSPITAL MUNICIPAL DE FORTALEZA-CE
Ana Célia Caetano de Souza
Thereza Maria Magalhães Moreira
José Wicto Pereira Borges
Auzilene Moreira de Andrade
Marcelo de Moraes Andrade
Paulo César de Almeida
19
TRATAMENTO DE FERIDAS CRÔNICAS COM COBERTURAS OCLUSIVAS
TREATMENT OF CHRONIC WOUNDS WITH OCCLUSIVE DRESSINGS
TRATAMIENTO DE HERIDAS CRÓNICAS CON COBERTURAS OCLUSIVAS
Flávia Sampaio Latini Gomes
Daclé Vilma Carvalho
Elenice Dias Ribeiro de Paula Lima
28
PERFIL DE FAMILIARES ACOMPANHANTES: CONTRIBUIÇÕES PARA A AÇÃO EDUCATIVA DA ENFERMAGEM
PROFILE OF FAMILY COMPANIONS: CONTRIBUTIONS TO NURSING EDUCATIONAL ACTIONS
PERFIL DE FAMILIARES ACOMPAÑANTES: CONTRIBUCIONES A LA ACCIÓN EDUCATIVA DE ENFERMERÍA
Margrid Beuter
Cecília Maria Brondani
Charline Szareski
Letice Dalla Lana
Neide Aparecida Titonelli Alvim
34
EXPRESSÃO DA CODEPENDÊNCIA EM FAMILIARES DE DEPENDENTES QUÍMICOS
EXPRESSION OF CO-DEPENDENCE AMONG RELATIVES OF CHEMICALLY DEPENDENT PATIENTS
EXPRESIÓN DE CODEPENDENCIA EN FAMILIARES DE DEPENDIENTES QUÍMICOS
Leila Memória Paiva Moraes
Violante Augusta Batista Braga
Ângela Maria Alves e Souza
Mônica Oliveira Batista Oriá
43
OFICINAS DE RECICLAGEM NO CAPS NOSSA CASA: A VISÃO DOS FAMILIARES
RECYCLING WORKSHOPS AT “NOSSA CASA” CENTER OF PSYCHOSOCIAL CARE: A VISION OF THE FAMILY
TALLERES DE RECICLAJE EN EL CAPS NOSSA CASA: VISIÓN DE LOS FAMILIARES
Luciane Prado Kantorski
André Luis Alves de Quevedo
Ariane da Cruz Guedes
Valquíria de Lourdes Machado Bielemann
Rita Maria Heck
Luana Ribeiro Borges
49
CONCEPÇÕES DE CUIDADO DOS FAMILIARES CUIDADORES DE PESSOAS COM DIABETES MELLITUS
FAMILY CAREGIVERS OF PEOPLE WITH DIABETES MELLITUS: CARE CONCEPTS
CONCEPCIONES DE CUIDADO DE LOS FAMILIARES CUIDADORES DE PERSONAS CON DIABETES MELLITUS
Ricardo Castanho Moreira
Márcia Glaciela da Cruz Scardoelli
Roselene da Cruz Baseggio
Catarina Aparecida Sales
Maria Angélica Pagliarini Waidman
56
CUIDAR A FAMÍLIA: DA CONCEPÇÃO À DOCUMENTAÇÃO DOS CUIDADOS*
FAMILY CARE: FROM CONCEPTION TO DOCUMENTATION OF CARE
CUIDAR A LA FAMILIA: DESDE LA CONCEPCIÓN HASTA LA DOCUMENTACIÓN DE LOS CUIDADOS
Maria Henriqueta de Jesus Silva Figueiredo
Sandra Maria de Jesus Moreira
65
ANÁLISE DAS BASES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DA SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA
ENFERMAGEM
ANALISYS OF PEDAGOGIC-DIDATIC BASIS TO IMPROVE THE TEACHING SYSTEMATIZATION OF NURSING
ASSISTENCE
ANÁLISIS DE LAS BASES DIDÁCTICAS PEDAGÓGICAS PARA LA ENSEÑANZA DE LA SISTEMATIZACIÓN DE LA
ASISTENCIA DE ENFERMERÍA
Oriana Deyze Correia Paiva Leadebal
Wilma Dias de Fontes
Maria Mirian Lima da Nóbrega
Galdino Toscano de Brito Filho
76
TRAÇO E ESTADO DE ANSIEDADE DE ESTUDANTES DE ENFERMAGEM NA REALIZAÇÃO DE UMA PROVA
PRÁTICA
TRAIT AND STATE OF ANXIETY AMONG NURSING STUDENTS DURING A PRACTICAL TEST
TRAZO Y ESTADO DE ANSIEDAD DE ALUMNOS DE GRADO DE ENFERMERÍA AL REALIZAR UNA PRUEBA PRÁCTICA
Mariana Deienno Luis dos Santos
Luzia Elaine Galdeano
84
A AUTONOMIA DE PESSOAS HOSPITALIZADAS EM SITUAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA
THE AUTONOMY OF HOSPITALIZED PATIENTS IN PRESURGICAL SITUATION
AUTONOMÍA DE PERSONAS INGRESADAS EN SITUACIÓN PREQUIRÚRGICA
Márcia Tonin Rigotto Carneiro
Heloisa Wey Berti
93
COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL EM ADULTOS COM TUBO OROTRAQUEAL
NONVERBAL COMMUNICATION OF ADULTS WITH OROTRACHEAL TUBE
COMUNICACIÓN NO VERBAL EN ADULTOS CON TUBO OROTRAQUEAL
Ana Lúcia De Mattia
João Paulo Aché de Freitas Filho
Cristiane da Silva Souza
Kátia Cilene Gâmbaro
Patrícia Ferreira Montassieur
99
AÇÕES DO ENFERMEIRO NA RECEPCÃO DO PACIENTE EM CENTRO CIRÚRGICO
NURSING ACTIONS IN THE ADMISSION OF PATIENTS AT A SURGICAL CENTER
ACCIONES DEL ENFERMERO EN LA RECEPCIÓN DEL PACIENTE EN EL CENTRO QUIRÚRGICO
Eniva Miladi Fernandes Stumm
Marieli Balestrin Zimmermann
Nara Marilene O. Girardon-Perlini
Rosane Maria Kirchner
107
ANALGESIA EM ACIDENTADOS DE TRANSPORTE: INDICADORES PARA UMA ATUAÇÃO SEGURA NA
EMERGÊNCIA
ANALGESIA IN VICTIMS OF TRAFFIC ACCIDENTS: INDICATORS FOR SAFETY IN EMERGENCY SERVICES
ANALGESIA EN ACCIDENTADOS DE TRÁNSITO: INDICADORES PARA LA ACTUACIÓN SEGURA EN EL SERVICIO
DE EMERGENCIAS
Ana Maria Calil Sallum
115
ADOLESCÊNCIA: UMA ANÁLISE DA DECISÃO PELA GRAVIDEZ
ADOLESCENCE: AN ANALISIS OF THE PREGNANCY DECISION
ADOLESCENCIA: UN ANALISIS SOBRE LA DECISIÓN ACERCA DEL EMBARAZO
Octavio Muniz da Costa Vargens
Celeste Ferreira Adão
Jane Márcia Progianti
123
ACIDENTES COM MATERIAL BIOLÓGICO: A REALIDADE DE UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR DO INTERIOR
PAULISTA
ACCIDENTS INVOLVING BIOLOGICAL MATERIAL: THE REALITY OF A HOSPITAL IN INNER SÃO PAULO STATE
ACCIDENTES CON MATERIAL BIOLÓGICO: LA REALIDAD DE UNA INSTITUCIÓN HOSPITALARIA DEL INTERIOR
DEL ESTADO DE SÃO PAULO
Maristela Aparecida Magri Magagnini
Jairo Aparecido Ayres
131
CORRELAÇÃO ENTRE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL, DISTRIBUIÇÃO DE GORDURA E COMPOSIÇÃO
CORPORAL EM FUNCIONÁRIOS DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO
HORIZONTE-MG
CORRELATION BETWEEN BODY MASS INDEX, BODY FAT DISTRIBUTION AND BODY COMPOSITION AMONG
EMPLOYEES OF A UNIVERSITY HOSPITAL IN THE METROPOLITAN AREA OF BELO HORIZONTE-MG
CORRELACIÓN ENTRE EL ÍNDICE DE MASA CORPORAL, DISTRIBUCIÓN DE GRASA Y COMPOSICIÓN CORPORAL
EN EMPLEADOS DE UN HOSPITAL UNIVERSITARIO DE LA ZONA METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE-MG
Carolina Ribeiro Ferreira Duarte
Lucila Pires Botelho
Marcelo Souza Machado
Aline Cristine Souza Lopes
José Divino Lopes Filho
Ann Kristine Jansen
Revisão Teórica
139
A ANTROPOLOGIA COMO FERRAMENTA PARA COMPREENDER AS PRÁTICAS DE SAÚDE NOS DIFERENTES
CONTEXTOS DA VIDA HUMANA
ANTHROPOLOGY AS AN INSTRUMENT TO ENHANCE COMPREHENSION OF HEALTH PRACTICES IN DIFFERENT
CONTEXTS OF HUMAN LIVING
LA ANTROPOLOGÍA COMO HERRAMIENTA PARA COMPRENDER LAS PRÁCTICAS DE SALUD EN DIFERENTES
CONTEXTOS DE LA VIDA
Felipa Rafaela Amadigi
Evelise Ribeiro Gonçalves
Hosanna Pattrig Fertonani
Judite Hennemann Bertoncini
Silvia Maria Azevedo dos Santos
Reflexivo
147
CONCEITO DE INTEGRALIDADE NA ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
THE CONCEPT OF INTEGRALITY IN MENTAL HEALTH CARE IN THE CONTEXT OF PSYCHIATRIC REFORM
CONCEPTO DE INTEGRALIDAD EN LA ATENCIÓN EN SALUD MENTAL DENTRO DEL CONTEXTO DE LA REFORMA
PSIQUIÁTRICA
Cíntia Nasi
Adriana Serdotte Freitas Cardoso
Jacó Fernando Schneider
Agnes Olschowsky
Christine Wetzel
153
Normas de Publicação
155
Publication Norms
157
Normas de Publicácion
8
Editorial
EDUCAÇÃO PERMANENTE: USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO COMO FERRAMENTA PARA CAPACITAÇÃO
PROFISSIONAL
Profa. Eliane Marina Palhares Guimarães1
Profa. Solange Cervinho Bicalho Godoy2
O desenvolvimento científico e tecnológico na sociedade atual vem causando transformações
constantes nos ambientes de trabalho e conseqüentemente, exigindo um profissional capaz de
adaptar-se às mudanças e motivado a continuar aprendendo ao longo da sua vida. Neste contexto,
o aparecimento de recursos interativos e de bases de formação contribuem para potencializar a
difusão do conhecimento e superar a relação tempo e espaço, oferecendo tanto oportunidades
para construção e acesso ao conhecimento, como possibilitando interações individuais e coletivas
de forma integrada e permanente.
No processo de educação dos profissionais da saúde entende-se como educação permanente
qualquer tipo de atividade de capacitação caracterizado pela relação com o processo de trabalho
institucional. Desta forma, a educação permanente objetiva a transformação da prática e adota
como pressuposto pedagógico a discussão da realidade a partir dos elementos que façam sentido
para os sujeitos envolvidos no processo de busca na melhoria da qualidade dos serviços e das
condições de trabalho. Neste processo de educação, a utilização de uma tecnologia de comunicação
de ponta deve estar sustentada numa concepção de ensino que possibilite uma aprendizagem
significativa, apoiada no pensamento reflexivo, dialógico, contextual, colaborativo e construtivo.
O uso da tecnologia como ferramenta mediatizadora desses processos educacionais tem sustentado
as iniciativas de capacitação, em especial, aquelas de educação à distância, apresentando-se como
mais uma alternativa de atualização profissional.
Na enfermagem, o uso das tecnologias de comunicação e informação é uma estratégia que está
sendo empregada com o objetivo de responder as necessidades de capacitação definidas pelo
cenário da profissão no país. É importante ressaltar a composição da força de trabalho, constituída
na sua maioria por profissionais de nível médio, a distribuição geográfica dos profissionais, que
usualmente concentram-se nos grandes centros urbanos, em especial nas regiões sudeste e sul, e
a grande diversidade de ações desenvolvidas pelos profissionais que envolvem atividades de menor
complexidade até aquelas de maior complexidade e risco para o paciente. Ressaltam-se ainda as
oportunidades de capacitação oferecidas pelos órgãos formadores concentrando-se em regiões
mais desenvolvidas do país, e utilizando-se de metodologias presenciais que exigem do profissional
o seu afastamento do serviço, bem como, investimento financeiro.
Portanto, a incorporação tecnológica vem responder à necessidade de ampliação das oportunidades
de participação dos profissionais de enfermagem em programas de capacitação, possibilitando sua
inserção em atividades de educação. Dentre as vantagens deste modelo são destacadas a utilização
da World Wide Web como ferramenta para disponibilizar as atividades de capacitação; a possibilidade
de um trabalho multiprofissional; a facilidade de acesso, especialmente, em lugares carentes de
especialistas; a relação custo/benefício favorável, uma vez que tende a ser relativamente cada vez
mais baixa; alcance de um grande número de pessoas ao mesmo tempo, em locais diferentes; a
inovação no pressuposto pedagógico, que exige do profissional uma participação ativa e coresponsabilidade no processo de aprendizagem; a discussão de temas direcionados para os problemas
do cotidiano de trabalho, na busca de soluções; a avaliação da atividade de aprendizagem e
transformação da prática ao longo do processo de educação, ressaltando as oportunidades de
retroalimentação, garantindo assim, a efetividade.
Diante deste cenário, novas abordagens do processo de educação devem ser adotadas para garantir
o acesso à formação daqueles que ainda não a possuem, como também educação permanente
daqueles que atuam em unidades formadoras de recursos humanos e prestadoras de serviços de
saúde. Acredita-se que estas tecnologias permitem visualizar novas formas de prestar a assistência,
considerando as necessidades dos profissionais e, com isso, colaborando para a transformação
das realidades práticas locais.
1
2
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.
[email protected]
Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.
[email protected]
9
10
Editorial
BVS ENFERMAGEM E AS NOVAS PERSPECTIVAS
Prof. Dr. Francisco Carlos Félix Lana
Editor Associado
A BVS Enfermagem tem como missão a construção do patrimônio informacional em enfermagem,
com fácil acesso, sem preocupações com tempo, espaço e fronteiras, impulsionando os processos
da geração de conhecimento e contribuindo para a formação e a prática da enfermagem para
atuar com compromisso ético-social na área da educação, pesquisa e atenção à saúde, bem como
para elevar a qualidade de vida da população no Brasil e na região.
Com o apoio do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Saúde, do Ministério da
Saúde (BIREME) e da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), da liderança da Escola de
Enfermagem da UFMG e de instituições parceiras, a BVS Enfermagem representa uma expansão do
modelo de cooperação técnica ao promover a produção e operação descentralizadas de fontes de
informação multimidiais, conectadas em rede, com acesso direto e universal, sem limitações
geográficas e de horário. O objetivo é responder, organizada e eficientemente, às necessidades de
produzir e operar fontes de informação em saúde integradas na internet.
Do início do processo de construção em 2003, passando pelo seu lançamento em novembro de
2005 e sua validação em junho 2006, o Projeto BVS Enfermagem teve avanços consideráveis na
sistematização das principais fontes de informação. Para tanto, foi fundamental restaurar o BDENF
e, com ele, o controle bibliográfico da literatura técnico-científica da enfermagem brasileira. Esse
movimento induziu as revistas e suas instituições mantenedoras a buscar estratégias para a redução
de um enorme passivo de fascículos e volumes não indexados no BDENF e na LILACS. Foi um passo
altamente estruturante e que permitiu aumentar a visibilidade da produção científica das revistas
nacionais de enfermagem do Brasil.
Paralelamente à intensificação do controle bibliográfico, há, ressalte-se, o esforço para a criação do
Portal de Revistas Metodologia SciELO, sob a liderança da EERP-USP e o apoio da BIREME. O impacto
mais visível é o de um movimento que começou pela decisão de aderirmos à metodologia SciELO
em junho de 2006 e participarmos de uma avaliação coletiva de nossos títulos. Como resultado,
ampliamos o número de revistas de apenas uma para cinco, que passaram a integrar a Coleção
SciELO Enfermagem. Assim, com a criação desse core nacional e a recente inclusão de mais quatro
revistas internacionais na coleção, caminhamos para a realização de outro subprojeto – a
bibliometria de nossas revistas no âmbito da SciELO/BIREME –, o que trará informações importantes
para a avaliação e a consolidação das revistas de enfermagem nos cenários nacional e internacional.
Outra fonte de informação importante também e que vem se consolidando integra o Portal de
Teses e Dissertações. Sob a liderança do CEPEN/ABEN e como substrato principal o seu acervo (mais
de 5 mil títulos), juntamente com o apoio dos Programas de Pós-Graduação, a BVS Enfermagem
tem avançado no controle bibliográfico dessa fonte. O fato de as teses e dissertações estarem
sendo indexadas em texto completo – formato eletrônico – no BDENF e LILACS, contribuirá de
forma decisiva para a difusão equânime do conhecimento produzido na pós-graduação da
enfermagem brasileira.
O indicativo aprovado na 5ª Reunião Regional da BVS, ocorrida no 8º Congresso Internacional de
Informação em Saúde, de construção de uma BVS Enfermagem Regional, que envolva todos os
países da América Latina, Caribe, Espanha, Portugal e países de língua portuguesa a partir da BVS
Enfermagem Brasil, foi uma decisão ousada e que implica definir estratégias de sustentabilidade
junto aos governos e instituições de ensino e serviço dos países envolvidos, no sentido de que a
proposta ganhe corpo em cada um dos países, para que possam definir processos próprios,
garantindo, desse modo, suas especificidades e, ao mesmo tempo, sejam capazes de aportar
contribuições à BVS ampliada. Isso significará, sem sombra de dúvida, um avanço significativo na
sistematização e disseminação do conhecimento científico da enfermagem.
A BVS Enfermagem, uma vez ampliada e consolidada, conferirá ao conhecimento produzido na
Enfermagem o imprescindível caráter contemporâneo e o inserirá no contexto globalizado, que é,
atualmente, determinante do crescimento e da visibilidade, necessários à expansão da enfermagem
do País.
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor Associado da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.
[email protected]
11
Caracterização Clínico-Epidemiológica da clientela com crise hipertensiva atendida em um serviço de emergência de um hospital municipal de Fortaleza-CE
12
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
Pesquisas
CARACTERIZAÇÃO CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA DA CLIENTELA COM CRISE
HIPERTENSIVA ATENDIDA EM UM SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DE UM HOSPITAL
MUNICIPAL DE FORTALEZA-CE*
CLINICO-EPIDEMIOLOGICAL FEATURES OF PATIENTS ATTENDED DURING A HYPERTENSIVE CRISIS IN THE
EMERGENCY SERVICE OF A MUNICIPAL HOSPITAL OF FORTALEZA, CEARÁ
CARACTERIZACIÓN CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA DE LOS PACIENTES CON CRISIS HIPERTENSIVA ATENDIDOS
EN EL SERVICIO DE EMERGENCIAS DE UN HOSPITAL MUNICIPAL DE FORTALEZA-CE
Ana Célia Caetano de Souza1
Thereza Maria Magalhães Moreira2
José Wicto Pereira Borges3
Auzilene Moreira de Andrade4
Marcelo de Moraes Andrade5
Paulo César de Almeida6
RESUMO
A crise hipertensiva é uma elevação abrupta e sintomática da pressão arterial com possibilidade de deterioração
aguda de órgãos-alvo, que pode envolver o risco de morte. Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, realizado
na emergência de um hospital municipal de Fortaleza-CE com 118 usuários que adentraram o serviço de emergência
com crise hipertensiva no período de abril a julho de 2006. Os resultados demonstraram que a prevalência da crise
hipertensiva foi de 0,3%, sendo maiores os casos de urgência hipertensiva (88,1%). A hipertensão arterial não tratada
e a existência de comorbidades aumentam a possibilidade de ocorrência das crises hipertensivas. Apesar de a
prevalência ser pequena, existe necessidade de conhecer o perfil clínico-epidemiológico da clientela que procura a
emergência do hospital com a complicação no sentido de oferecer atendimento mais adequado.
Palavras-chave: Pressão Arterial; Hipertensão; Epidemiologia.
SUMMARY
Hypertensive crisis is an abrupt and symptomatic arousal of the arterial pressure in which target-organs may suffer
acute deterioration, resulting in death. This is a quantitative and descriptive study carried out in the emergency
service of a municipal hospital of Fortaleza, Ceara. A total of 118 patients who entered the service during April and
July/2006 were evaluated. Results show that prevalence of hypertensive crisis was 0.3% and hypertensive urgencies
were 88.1% of the cases. Untreated arterial hypertension and having a clinical comorbidity increase the risk of
suffering a hypertensive crisis. Although prevalence is small, it is important to recognize the clinico-epidemiological
profile of these patients in order to offer a more adequate care.
Key words: Blood Pressure; Hypertension; Epidemiology.
RESUMEN
La crisis hipertensiva es una elevación abrupta y sintomática de la presión arterial con posibilidad de deterioro
agudo de órganos blanco, que puede incluir riesgo de muerte. Se trata de un estudio cuantitativo descriptivo realizado
en el servicio de emergencias de un hospital municipal de Fortaleza-Ceará con 118 usuarios en crisis hipertensiva
entre abril y julio de 2006. Los resultados demostraron que la prevalencia de la crisis hipertensiva fue del 0,3%, con
más casos de urgencia hipertensiva (88,1%). La hipertensión arterial no tratada y la existencia de comorbidades
aumentan las posibilidades de incidencia de las crisis hipertensivas. A pesar de la baja prevalencia es importante
conocer el perfil clínico-epidemiológico de los pacientes que acuden a emergencias del hospital para ofrecerles
atención más adecuada.
Palabras clave: Presión Sanguínea; Hipertensión; Epidemiología.
* Artigo extraído de uma pesquisa de dissertação do Curso de Mestrado Acadêmico Cuidados Clínicos em Saúde.
1 Enfermeira do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Cuidados Clínicos em Saúde (CMACCLIS) pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE)-CE. Membro do “Grupo de Pesquisa Políticas, Saberes e Práticas em Saúde Coletiva”.
2 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Mestrado Acadêmico Cuidados Clínicos em Saúde (CMACCLIS) e do curso de graduação em
enfermagem da Universidade Estadual do Ceará (UECE)-CE. Líder do “Grupo de Pesquisa Políticas, Saberes e Práticas em Saúde Coletiva”.
3 Enfermeiro graduado pela Faculdade Integrada Grande Fortaleza (FGF). Enfermeiro do Hospital Universitário Walter Cantídeo.
4 Enfermeira graduada pela Faculdade Integrada Grande Fortaleza (FGF)-CE. Enfermeira do Hospital Geral de Fortaleza (HGF).
5 Enfermeiro. Especialista em enfermagem obstétrica. Aluno do Curso de Medicina da Facultad de Medicina Orlando Gutierrez Pérez.
6 Estatístico. Doutor em Saúde Pública. Docente da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Endereço para correspondência: Ana Célia Caetano de Souza. Rua Luis Tibúrcio, nº 105, bairro Vicente Pinzon, Fortaleza-CE. CEP: 60175-551. E-mail:
[email protected].
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
13
Caracterização Clínico-Epidemiológica da clientela com crise hipertensiva atendida em um serviço de emergência de um hospital municipal de Fortaleza-CE
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um momento de
transição epidemiológica no qual o perfil de
morbimotalidade sofreu gradativamente mudanças: as
doenças infecto-contagiosas deram lugar às doenças
crônicas não transmissíveis (DCNTs). Entre essas
enfermidades encontra-se a hipertensão arterial, sério
problema de saúde pública que acomete 28,5% da
população.1
A elevada incidência da enfermidade tem levado ao
desenvolvimento de doenças cardiovasculares e ao
aumento nos índices de morbimortalidade,
promovendo a realização de estudos e a elaboração de
estratégias para prevenção e o controle, na tentativa
de reverter o atual quadro do agravo em nosso meio.
No entanto, apesar da realização de ações que visam
diminuir os índices elevados da hipertensão arterial,
estudos referem que ¾ das pessoas portadoras da
doença mantêm a pressão arterial não controlada,
mesmo utilizando terapia anti-hipertensiva. Desses, 1%
desenvolve um ou múltiplos episódios de crise
hipertensiva.2,3
A crise hipertensiva é uma elevação abrupta e
sintomática da pressão arterial com níveis de pressão
diastólica iguais ou superiores a 120 mm/Hg,
possibilitando o acometimento de lesões em órgãosalvo (coração, cérebro, rins, córneas e vasos sanguíneos)
com risco potencial ou imediato de vida.4,5
Além dos aspectos epidemiológicos da crise
hipertensiva, a abordagem clínica figura como
elemento indispensável na compreensão da
problemática, sendo importante destacar neste estudo:
valores da pressão arterial, comorbidades presentes
nessa clientela, tratamento, sintomatologia, hábitos de
vida e saúde, dentre outros.
Nesse sentido, objetivou-se com este trabalho delinear
as características clínico-epidemiológicas da clientela
com crise hipertensiva atendida em um serviço de
emergência de um hospital municipal de Fortaleza-CE.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um recorte de uma dissertação de
mestrado,6 que se configurou como uma pesquisa de
natureza quantitativa, descritiva, realizada em um
hospital público do município de Fortaleza-CE, no
período de abril a julho de 2006. A população do estudo
foi de 273 usuários e a amostra, de 118 pessoas.
Como critérios de inclusão no estudo adotaram-se:
usuários com diagnóstico médico de crise hipertensiva
ou que apresentaram elevação abrupta e sintomática
da pressão arterial; com níveis de pressão diastólica
iguais ou superiores a 120 mmHg, com idade igual ou
superior a 18 anos, e orientados quando da aplicação
do instrumento de coleta de dados.
14
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
Para a análise dos dados foi utilizado o programa
estatístico SPSS, versão 13.0, no qual foram calculadas
as medidas estatísticas médias, bem como o desviopadrão e a prevalência da crise hipertensiva no serviço.
Foi utilizado um formulário contendo questões relativas
aos dados sociodemográficos, clínico-epidemiológicos,
de conhecimento da clientela e de acesso ao serviço
de saúde.
A pesquisa respeitou os preceitos éticos definidos na
Resolução n° 196/96,7 do Conselho Nacional de Saúde,
sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual do Ceará, e todos os
participantes assinaram o termo de consentimento livre
e esclarecido.
A pesquisa foi financiada com recursos da Fundação
Cearence de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FUNCAP).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados mostraram que 44,9% da amostra era do
sexo masculino, 55,1% do sexo feminino, sendo a faixa
etária predominante de 42 a 53 anos (37,3%). O grau
de instrução da maioria foi analfabeto/fundamental
incompleto, representando 78,8% da clientela.
O estado civil de mais da metade dos pesquisados foi
de indivíduos casados (61,8%), considerados nesse item
aqueles com uma relação conjugal estável, seguidos
pelos indivíduos viúvos (12,7%).
A prevalência da crise hipertensiva no serviço em
estudo foi de 0,3%, confirmando a literatura que aponta
uma prevalência de até 1%.2,4,8
Do total de crises hipertensivas identificadas (118),
88,1% foram de urgência e 11,9% de emergências, o
que é confirmado na literatura, que refere o maior
número de casos de urgência.9
Os valores da pressão arterial encontrados foram
divididos em duas categorias. A maioria (79,7%)
apresentou pressão diastólica de 120 a 130 mmHg e
menos de um quarto (20,3%) de 131 a 160 mmHg.
Muitos autores relatam os valores da pressão arterial
diastólica na crise hipertensiva e consideram que na
urgência eles são maiores ou iguais a 120 mmHg e
na emergência hipertensiva não são menores que
130 mmHg.9,10,11,12
Segundo a tabela de classificação da obesidade (OMS),
19,6% (22) apresentaram índice de massa corporal (IMC)
menor que 25, indicando peso ideal ou normal; 40,1%
(45) demonstraram sobrepeso com variação de 25|-30
no IMC; e mais de um terço (39,4%) possuíam de
obesidade moderada a mórbida, indicando um fator de
risco importante para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares e outras complicações, pois 79,5%
encontravam-se acima do peso ideal. No entanto,
somente 15,3% demonstraram algum grau de
obesidade e somente duas pessoas, das 90 acima do
peso, disseram fazer algum tipo de tratamento.
Total de participantes N=118
* Mais de uma resposta
GRÁFICO 1 – Distribuição do número de pacientes segundo história familiar, tratamento das doenças e
doenças presentes. Hospital X, Fortaleza-CE – abril a julho de 2006
No GRAF. 1, podemos constatar que a quase totalidade
(95,8%) dos participantes relatou que era portadora de
hipertensão arterial; 15,3% (43) referiram algum grau
de obesidade; um terço (30,5%), de dislipidemia; a
doença cardíaca esteve presente em um quarto dos
participantes (25,4%); 22,9% (27) mencionaram serem
portadores de doença vascular periférica; menos de um
quarto (20,3%) teve acidente vascular cerebral; 15,3%
(18) eram portadores de diabetes mellitus; e 13,6% (16),
de doenças renais.
Observou-se que há uma relação direta entre a
ocorrência de crise hipertensiva e a presença de
hipertensão arterial na clientela do estudo. A elevação
abrupta dos níveis tensionais na hipertensão arterial,
principalmente na não tratada, pode levar ao
desenvolvimento de urgência ou emergência
hipertensiva.3,13
Um dado relevante aponta para a existência de outras
enfermidades na clientela. A associação de dois ou mais
agravos possibilita maior adoecimento, risco
aumentado para outras doenças e aumento na
ocorrência de complicações, dentre elas a crise
hipertensiva.
A presença de comorbidades, como a obesidade, a
dislipidemia, a diabetes e a hipertensão arterial,
determina a síndrome metabólica, que representa um
aumento 2,5 vezes maior no risco de doenças
cardiovasculares e 1,5 vez maior na mortalidade geral.14
A obesidade, atualmente considerada sério problema
de saúde pública, tem acometido 7% da população
mundial e o sobrepeso chega a 20% (OMS). No Brasil,
de acordo com dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde
e Nutrição (PNSN) de 1989, o excesso de peso está
presente em 27 milhões de pessoas.15 Associada a outras
condições, como o sedentarismo, a obesidade promove
o desenvolvimento de problemas de saúde,
principalmente enfermidades cardiovasculares.
Verificou-se que a existência de sobrepeso e graus
variados de obesidade na nossa clientela não difere dos
dados encontrados em outras pesquisas e que a
enfermidade está presente, principalmente, nas
populações de baixo nível de escolaridade e menor
poder aquisitivo.16
A maioria das pessoas (73,7%) faz tratamento para
algum dos problemas de saúde existentes. Quase a
totalidade (95,3%) realiza tratamento para hipertensão
arterial; 13,9% (12) tratam de diabetes mellitus; 10,5%
(9) fazem tratamento para doença cardíaca (mas 25,4%
possuem algum tipo de enfermidade do coração); 2,7%
(3) referem tratamento para dislipidemia (embora 30,5%
tenha dislipidemia); 1,8% (2) diz fazê-lo para doença
renal; 1,8% (2), para acidente vascular cerebral (embora
20,3% já tenham tido AVC); e 27,9% (24) para outros
agravos.
O tratamento é uma etapa importante nas doenças
crônico-degenerativas, especialmente nas enfermidades
cardiovasculares. O termo engloba desde a realização de
ações preventivas, quanto a utilização de fármacos
adequados e a realização de exames complementares e
tratamento cirúrgico, quando necessário.
O uso regular de medicação nas pessoas com
problemas de saúde é fundamental para sua
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
15
Caracterização Clínico-Epidemiológica da clientela com crise hipertensiva atendida em um serviço de emergência de um hospital municipal de Fortaleza-CE
recuperação e para a prevenção de complicações. Uma
vez que foi acentuada a relação entre a crise
hipertensiva e a existência anterior de hipertensão
arterial, o tratamento medicamentoso e não
medicamentoso adequado e com regularidade para
essa condição é indispensável para evitar a ocorrência
de complicações.
A dificuldade na realização do tratamento da
hipertensão arterial está relacionada com a falta de
adesão à terapêutica, seja farmacológica, seja não
farmacológica. Segundo Moreira,17 um dos fatores que
contribuem para a não adesão ao tratamento é a falta
do estabelecimento de um pacto entre paciente e
profissional de saúde que priorize preferências da
pessoa na adoção do regime terapêutico.
dor na nuca, todos ocorrendo de forma isolada ou
associada a outro sintoma; 6,7% (8), precordialgia; 1,7%
(2), epistaxe severa; e 2,5% (3), outros sintomas ou
associações de sintomas.
Os sinais e sintomas encontrados nas crises
hipertensivas na nossa pesquisa foram semelhantes aos
encontrados em outros estudos brasileiros e
estrangeiros. Estudos sobre prevalência e apresentação
clínica da crise hipertensiva encontraram sintomas de
cefaleia, tontura, náusea, vômito, precordialgia, arritmia,
dispneia, dentre outros associados à crise. A cefaleia foi
o sintoma mais comum na urgência e na emergência
hipertensiva.9,10
Vasconcellos18 afirma que as crises hipertensivas têm
como uma das causas a presença de hipertensão arterial
sem tratamento. O diagnóstico precoce e o tratamento
permanente da doença visam atingir a pressão arterial
diastólica igual ou inferior a 80 mmHg, evitando, assim,
a injúria vascular, geralmente presente na emergência
hipertensiva.
A maioria das pessoas (82,2%) relatou história familiar
de hipertensão arterial; 36,4% (43) mencionaram
diabetes mellitus em membro da família; 7,6% (9)
referiram morte súbita em algum ente familiar; 41%
apresentaram história familiar de infarto do miocárdio;
e mais de um terço (41%), de acidente vascular cerebral.
Os pais foram os familiares mais acometidos por essas
enfermidades.
Sabe-se que o fator hereditário é importante no
surgimento das doenças cardiovasculares e de outras
enfermidades, pois exercem influência no
desenvolvimento da hipertensão arterial, doença
cardíaca, diabetes mellitus e dislipidemia.19
Total de participantes N=118
GRÁFICO 3 – Distribuição do número de pacientes
segundo os hábitos de vida e saúde. Hospital X,
Fortaleza-CE – abril a julho de 2006
Do total dos participantes, quase um terço (23,7%)
possuía o hábito de fumar. Desses, 21,1% (25) fumavam
cigarros, 3,8% (1) utilizavam cachimbo e 4,4% (17)
costumavam tragar. Dentre os que fumavam cigarro,
9,3% (11) consumiam entre 1 a 5 cigarros por dia; 1,7%
(2), entre 5 a 10; 4,2% (5), entre 10 a 15, diariamente; e
6,7% (8) mais de 20 cigarros por dia.
Total de participantes N=118
GRÁFICO 2 – Distribuição da clientela segundo sinais
e sintomas da crise hipertensiva. Hospital X,
Fortaleza-CE – abril a julho de 2006
Os sinais e sintomas apresentados pelos participantes
foram: 71,1% (84), cefaleia; 9,3% (11), tontura; 2,5% (3),
parestesia; 2,5% (3), dispneia; 1,7% (2), náusea; 1,7% (2),
16
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
O tabagismo é considerado um dos principais fatores
de risco modificáveis para doenças cardiovasculares.
Juntamente com a hipertensão arterial, obesidade,
inatividade física e níveis elevados de colesterol
promovem o aparecimento da doença da artéria
coronária. Smeltzer e Bare 19 relatam que o fumo
contribui para o desenvolvimento da doença da artéria
coronária (DAC), pois diminui o oxigênio circulante,
aumenta a liberação de catecolaminas, promovendo a
vasoconstrição e pode ocasionar uma resposta deletéria
nos vasos sanguíneos, aumentando a adesão
plaquetária, responsável pela formação de trombos.
Sobre a prática de exercícios físicos, menos de um terço
(21,1%) a realizava. Desses, 16,1% (19) faziam
caminhada; 2,5% (2), ginástica; 1,7% (2) praticavam
ciclismo; 0,8% (1) jogava futebol e 0,8% (1) utilizava a
dança como atividade física. Dentre os que realizavam
exercício físico 7,6% (9) relatavam um tempo de
exercício/diário de até 30 minutos e 13,6% (16), de 30
ou mais minutos; 11,9% (14) faziam atividade física até
três vezes por semana; e 10,2% (12), de quatro a sete
vezes por semana.
Gallo Júnior et al.20 descrevem que o exercício aeróbico
(natação, corrida, caminhada, ciclismo, dança, dentre
outros) promove queda na pressão arterial pela
diminuição na resistência vascular periférica e redução
do débito cardíaco, que está associado à diminuição na
atividade do sistema nervoso simpático.
A atividade física periódica, além de proporcionar
diminuição nos níveis pressóricos, favorece a perda de
peso, a queda nos valores do colesterol, triglicerídeos e
níveis glicêmicos implicados diretamente na elevação
da pressão arterial e em suas complicações. A prática
de exercícios aeróbicos de intensidade moderada, três
a quatro vezes por semana, entre 30 a 60 minutos, é
recomendação indispensável a um estilo de vida
saudável.21
O exercício físico associado a outras medidas não
farmacológicas e ao tratamento farmacológico tornase coadjuvante no tratamento e na prevenção de
complicações cardiovasculares, necessitando, portanto,
de uma avaliação médica prévia para sua realização.22
Percebeu-se, ainda, que 89,9% (106) das pessoas
consumiam alimentos gordurosos, 85% (101) utilizavam
alimentos salgados e todos os participantes (100%)
comiam frituras em sua dieta, apesar de a maioria relatar
raro consumo dessas.
Os alimentos gordurosos ingeridos pela clientela do
estudo são carnes e vísceras, leite integral, margarina e
manteiga, frios (principalmente a mortadela) e, em
menor quantidade, as massas, consideradas alimentos
caros pelos participantes. Entre os alimentos contendo
parcela significativa de sódio e que podem elevar a
pressão arterial estão os pães e biscoitos doces e
salgados, os temperos industrializados e os alimentos
adicionados de sal durante seu preparo ou cozimento.
Observou-se que a ingestão desses alimentos e a falta
de atividade física estão, provavelmente, relacionadas
à ocorrência de sobrepeso e obesidade, favorecendo a
elevação dos níveis pressóricos na clientela do estudo.
O padrão alimentar, entendido como o perfil de
alimentos consumidos pelo indivíduo ao longo de
determinado período, deve ser considerado quando se
estabelece a relação entre os nutrientes ingeridos e o
risco de agravos à saúde.22 A alimentação da pessoa que
já teve ou está em crise hipertensiva deve considerar o
valor energético dos nutrientes, as diferenças
individuais e o seu poder aquisitivo. A diminuição na
ingestão de sal na dieta proporciona redução na pressão
arterial e no risco de desenvolvimento de agravos
cardiovasculares. A ingestão de gorduras saturadas e
açúcares simples em menor quantidade promove
diminuição no peso corporal e consequente queda na
pressão arterial.
Uma questão a ser considerada é que o desemprego e
a baixa renda familiar dos sujeitos envolvidos dificultam
a aquisição de práticas mais saudáveis, visto que os
alimentos a serem consumidos são, às vezes,
inacessíveis, restando a opção de alimentos mais
calóricos e gordurosos, que facilmente saciam e são
mais baratos. As frutas e verduras que devem ser
consumidas diariamente ficam em segundo plano e os
alimentos gordurosos, que deveriam ser evitados,
integram a alimentação cotidiana da nossa clientela.
Portanto, a prevenção de crises hipertensivas passa pela
adoção de medidas farmacológicas e não
farmacológicas cotidianas, de difícil seguimento
rotineiro pelas restrições que impõem. Os profissionais
de saúde devem adequar a abordagem desse problema
de saúde ao acometido assumindo uma postura de
maior envolvimento do paciente na manutenção de sua
saúde.
CONCLUSÃO
O estudo demonstrou que a prevalência da crise
hipertensiva no serviço de emergência do referido
hospital foi de 0,3%, sendo maior a ocorrência da
urgência (88,1%) do que de emergência hipertensiva
(11,9%). A crise hipertensiva foi maior entre as mulheres
(55,1%); em pessoas na faixa etária de 42-53 anos com
37,3%; com baixo nível de escolaridade (78,8%), sendo
mais da metade (61,8%) da clientela casada;
A hipertensão arterial é a causa mais frequente de crise
hipertensiva na clientela do estudo, uma vez que 95,8%
são portadores da enfermidade.
A existência de comorbidades (obesidade, diabetes,
dislipidemia, doença cardíaca e renal) e o tratamento
inadequado têm contribuído para ocorrência da
complicação, levando as pessoas à procura pelo serviço
de emergência.
Portanto, o conhecimento dos aspectos clínicos e
epidemiológicos do agravo é extremamente
importante e tem o intuito de oferecer maior
compreensão da clientela e dos fatores que podem
influenciar a ocorrência da crise hipertensiva,
possibilitando a utilização de estratégias mais eficazes
na abordagem das pessoas que procuram o serviço de
emergência da instituição.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
17
Caracterização Clínico-Epidemiológica da clientela com crise hipertensiva atendida em um serviço de emergência de um hospital municipal de Fortaleza-CE
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2006. 40 p.
Data de submissão: 2/6/2008
Data de aprovação: 10/7/2009
18
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18, jan./mar., 2009
TRATAMENTO DE FERIDAS CRÔNICAS COM COBERTURAS OCLUSIVAS
TREATMENT OF CHRONIC WOUNDS WITH OCCLUSIVE DRESSINGS
TRATAMIENTO DE HERIDAS CRÓNICAS CON COBERTURAS OCLUSIVAS
Flávia Sampaio Latini Gomes1
Daclé Vilma Carvalho2
Elenice Dias Ribeiro de Paula Lima2
RESUMO
Objetivo: Analisar a microbiota de feridas crônicas de membros inferiores. Método: Este estudo prospectivo foi
realizado entre os pacientes crônicos que tratavam de feridas em membros inferiores, de acordo com o protocolo
que estabelecia o uso de coberturas interativas. Para a coleta de dados, foram realizadas duas culturas swab em dois
momentos distintos: inicial, durante a primeira avaliação do paciente e, segundo, durante a 12 a troca de cobertura,
aproximadamente, 45 dias após o início do tratamento. Resultados: Todas as feridas tinham duas a quatro colônias
simultaneamente e apresentaram alterações na sua microbiota durante o tratamento. Nenhum paciente desenvolveu
infecção na ferida durante o estudo. Conclusão: Este estudo contribui para a compreensão do tema tratamento de
ferida. Os resultados sugerem que o protocolo de tratamento utilizado promoveu alterações na microbiota favoráveis
para a cicatrização de feridas. Compreender que mudanças ocorrem nas feridas durante um tratamento específico
é importante para os cuidados de saúde, especialmente quando o tratamento se revelar eficiente e de baixo custo.
Palavras-chaves: Cicatrização de Feridas; Curativos Oclusivos; Infecção dos Ferimentos.
ABSTRACT
Purpose: This study aims to analyze the microbiota of chronic wounds in lower limbs. Basic Procedures: This
prospective study was accomplished among patients who were in treatment for lower limbs chronic wounds
according to a protocol which establishes the use of interactive dressings. Data collection and swab cultures were
done in two different moments: first, during the patient’s first assessment, and second, during the 12th dressing
change, approximately 45 days after starting treatment. Findings: All wounds had two to four colonies simultaneously
and showed changes in their microbiota during the treatment. No patients developed wound infections during the
study. Conclusions: This study contributes to the comprehension of wound topic treatment. Results suggest that
the treatment protocol promotes changes in the microbiota which are favorable to the wound healing. It is important
to healthcare providers to understand which changes occur in a wound during a specific treatment, especially when
it proves to be efficient and low cost.
Key words: Wound Healing; Occlusive Dressings; Wound Infection.
RESUMEN
Objetivo: Analizar la microbiota de heridas crónicas de las extremidades inferiores. Método: Este estudio prospectivo
se llevó a cabo entre los pacientes tratados con heridas crónicas en las piernas, según el protocolo que estableció el
uso de apósitos interactivos. Para la recogida de datos fueron realizados dos cultivos swab en dos momentos: inicial,
durante la primera evaluación del paciente y, segunda, durante el 12a cambio de cobertura, aproximadamente 45
días después de iniciar el tratamiento. Resultados: Todos los pacientes tenían de dos a cuatro colonias y presentaron
alteración de la microbiota durante el tratamiento. Ningún paciente desarrolló infección en la herida durante el
estudio. Conclusiones: Este estudio contribuye a la comprensión de la cuestión del tratamiento de heridas. Los
resultados sugieren que el protocolo de tratamiento utilizado promovió cambios favorables en la microbiota para la
cicatrización de las heridas. Conocer qué cambios se producen en las heridas durante un tratamiento específico es
importante para la atención de la salud, sobre todo cuando el tratamiento ha demostrado ser eficiente y de bajo
costo.
Palabras claves: Cicatrización de Heridas; Apósitos Oclusivos; Infección de Heridas.
1
2
Enfermeira, Mestre. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.
Enfermeiras, Doutoras. Professoras do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 13-18,
19-27, jan./mar., 2009
19
Tratamento de feridas crônicas com coberturas oclusivas
INTRODUÇÃO
O tratamento de feridas vem sendo realizado desde a PréHistória. No entanto, ainda no início do século XXI, há
muitas controvérsias sobre a terapia tópica neste
tratamento.1
Pesquisas dos últimos anos demonstraram que as
soluções antissépticas utilizadas para limpeza das feridas
vêm causando mais transtornos que benefícios ao
processo de cicatrização, por serem citotóxicas para
fibroblastos, interferindo na formação do colágeno,
retardando a epitelização e diminuindo a força tensional
do tecido neoformado.2,3 Em presença de matéria
orgânica, como sangue, pus ou gordura, a ação
bactericida dos antissépticos é reduzida ou inativada.4,5
Ressalte-se que pomadas à base de iodo, além de
retardarem o processo de cicatrização, causam dor,
mancham a pele e podem causar sensibilização,
impedindo a avaliação fidedigna da lesão.
Ainda existem muitas dúvidas entre os profissionais da
saúde sobre como realizar a terapia tópica e o que utilizar
para tal fim. Dentre essas dúvidas encontram-se as
referentes à possibilidade de modificação da microbiota
do leito da ferida, o que poderia propiciar o
desenvolvimento de infecção. Tal indagação surge em
decorrência da abolição do uso das soluções antissépticas,
e da oclusão da ferida com coberturas impermeáveis ou
semipermeáveis, o que supostamente acarretaria em um
aumento do índice de infecções. Embora o uso de soluções
antissépticas seja ainda preconizado por alguns
profissionais, com o pretexto de manter o leito da ferida
livre de microrganismos, a retirada dos anti-sépticos no
tratamento de feridas significa uma quebra de paradigma
nesse tratamento.
No setor de Estomaterapia do Anexo de Dermatologia do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais (HC/UFMG), são atendidos pacientes portadores de
feridas crônicas sobre a égide de um protocolo que
preconiza, para tratamento tópico, a limpeza da ferida com
solução salina isotônica e a utilização de coberturas
oclusivas. Essas coberturas, denominadas interativas,
garantem o meio adequado para facilitar o processo
cicatricial. Esse protocolo recomenda a realização de
alguns exames na primeira avaliação do paciente portador
de ferida crônica, inclusive a cultura e antibiograma do
exsudato do leito da ferida, através de swab. Esse exame é
solicitado pelos enfermeiros do setor, independente da
presença ou não de infecção e tem por objetivo identificar
a microbiota existente na ferida e seu padrão de
sensibilidade aos antimicrobianos.
Diante do exposto, foi realizada esta pesquisa exploratória
e prospectiva, com o objetivo de analisar a variação da
microbiota de feridas crônicas em membros inferiores
tratadas conforme o protocolo descrito.
MÉTODO
Este estudo foi desenvolvido no setor de Estomaterapia
do Anexo de Dermatologia do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais. O setor atende
pacientes de ambos os sexos, portadores de feridas
20
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 19-27, jan./mar., 2009
crônicas de diversas etiologias. A assistência é realizada
em conformidade com o protocolo que norteia todo o
processo, desde a admissão até a alta do paciente. Esse
protocolo estabelece a limpeza da ferida apenas com soro
fisiológico a 0,9%, em jato, e a utilização de coberturas
oclusivas como tratamento tópico.
A amostra foi constituída por pacientes portadores de ferida
crônica em membros inferiores, de ambos os sexos,
idade variada, que iniciaram atendimento no setor de
Estomaterapia durante setembro de 2000 a abril de 2001.
Dos 15 pacientes admitidos no serviço durante esse período,
foram incluídos todos os que atenderam ao critério de
inclusão (n=12): serem admitidos no serviço durante o
período estabelecido para o estudo, para tratar de ferida
crônica em membros inferiores, segundo o protocolo do setor.
A coleta do exsudato das feridas desses pacientes, para
cultura e antibiograma, ocorreu em dois momentos
distintos: (1º) na inserção do paciente no setor de
Estomaterapia, durante a primeira avaliação; (2º) após,
aproximadamente, 12 trocas de curativos,
correspondendo a 45 dias de tratamento (período definido
aleatoriamente). Essa coleta seguiu as rotinas do serviço:
(1) limpeza da pele circunvizinha com soro fisiológico e,
em caso de haver sujidade, com água e sabão líquido; (2)
limpeza exaustiva do leito da ferida com soro fisiológico
morno, em jato; (3) deslizamento da zaragatoa ou swab
estéril sobre o leito da ferida, utilizando a técnica em “Z”,
tocando pelo menos oito pontos distintos das bordas, sem
contudo tocar na pele íntegra ao redor da ferida, na porção
mais profunda da mesma.
No caso de mais de uma ferida em um mesmo membro,
os exsudatos foram colhidos em uma mesma zaragatoa.
Feridas em membros distintos foram colhidos em
zaragatoas distintas. O material coletado foi identificado e
encaminhado ao setor de Microbiologia do Laboratório
Central do HC/UFMG, em um tempo máximo de 30
minutos após a coleta.
A opção pela cultura de exsudato colhido por swab (cultura
qualitativa) deveu-se, fundamentalmente, por ser esse o
processo utilizado no setor.
Esse procedimento é de baixo custo e não invasivo. Sabese, porém, que existem limitações, pois não se pode
quantificar por meio desse exame os microrganismos
presentes no leito da ferida, além da possibilidade de
contaminação por bactérias pertencentes à microbiota
normal da pele.
A pesquisa de bactérias anaeróbias não foi realizada, por
não ser um procedimento padronizado no protocolo.
Os dados foram analisados por meio de percentuais e
apresentados em gráficos, quadros ou tabelas, e os
resultados discutidos à luz da literatura específica.
O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da UFMG, e os participantes do estudo
assinaram termo de consentimento livre e esclarecido,
previamente à coleta de dados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A caracterização dos 12 pacientes da amostra estudada
está apresentada na TAB. 1.
TABELA 1 – Características dos pacientes portadores
de ferida crônica de membros inferiores atendidos
no Anexo de Dermatologia do HC/UFMG, Belo
Horizonte
Neste estudo predominaram pacientes portadores de
úlceras venosas (n=8) existentes há 6 anos ou mais
(n=6). O nível de escolaridade entre os participantes era
baixo, e a maioria era do sexo feminino (n=7).
Microbiota das feridas
A análise dos exsudatos das feridas dos pacientes
estudados mostrou colonização em todas as feridas,
tanto na primeira quanto na segunda cultura. Esse
resultado era esperado, uma vez que tanto as feridas
agudas quanto as crônicas possuem microrganismos no
seu leito. Vários autores afirmam que todas as feridas
crônicas estão colonizadas e que, na maioria das vezes,
uma a três espécies de microrganismos estão presentes
simultaneamente. Neste estudo, todas as feridas
estavam colonizadas por mais de duas espécies de
microrganismos, variando de duas a quatro espécies por
ferida. No entanto, nenhum paciente apresentou sinais
clínicos de infecção na ferida, no período do estudo.6-9
A TAB. 1 apresenta a microbiota isolada das feridas na
primeira cultura (antes do início do tratamento no setor
de Estomaterapia) e na segunda cultura (coleta
realizada cerca de 45 dias após iniciado o tratamento).
QUADRO 1 – Microbiota isolada na cultura do exsudato das feridas antes e após o início do
tratamento no setor de Estomaterapia do Anexo de Dermatologia do HC/UFMG, Belo Horizonte
Nota: Classificação conforme o Gram de acordo com Bier (1990), Jawetz et al. (1991) e Guimarães (1999).
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 19-27, jan./mar., 2009
21
Tratamento de feridas crônicas com coberturas oclusivas
Na primeira cultura de exsudato, foram identificadas 32
colônias de microrganismos correspondentes a 15
espécies e 10 gêneros. Os gêneros isolados com maior
frequência foram: Staphylococcus (7), Proteus (6) e
Pseudomonas (5).
Na primeira cultura, em 50% das feridas foram isoladas
duas colônias de microrganismos, em 33,3% três
colônias, e em 16,7% quatro colônias. A média de
colônias de microrganismos por ferida foi de 2,7.
Das 32 colônias de microrganismos, as de Gramnegativo foram mais frequentes (21) que as de Grampositivo (11). Encontraram-se 6 gêneros e 10 espécies
de microrganismos Gram-negativos e 4 gêneros e 5
espécies de Gram-positivos.
Na avaliação da colonização por ferida, constatou-se que
10 (83,3%) estavam colonizadas por uma microbiota
mista, ou seja, existiam microrganismos Gram-positivos
e negativos. Em apenas duas feridas foram isolados
somente microrganismos Gram-negativos.
Os gêneros Gram-negativos isolados pertencem à
microbiota normal de outras áreas anatômicas, que
não a da pele. Dentre os mais frequentes, o Proteus
pertence às microbiotas gastrintestinal e da região
perineal; a Pseudomonas está presente nas áreas
úmidas, como períneo e ouvido, mas também no trato
intestinal; e a Escherichia coloniza as mucosas
intestinal, da vagina e da porção terminal da uretra.
Os gêneros Gram-positivos isolados pertencem à
microbiota normal da pele.10
Em torno de 45 dias de implementação da terapia tópica
preconizada no setor, foi realizada a segunda cultura do
exsudato, na qual foram identificadas 34 colônias de
microrganismos correspondentes a 18 espécies e 11
gêneros. Dentre os microrganismos isolados na segunda
cultura, o gênero Staphylococcus foi novamente o mais
frequente (9), além do Streptococcus (6) e do Proteus (6).
Na segunda cultura, em 50% das feridas a colonização
foi por três colônias; em 33,3% por duas e em 16,7%
por quatro. A média encontrada foi de 2,8 colônias de
microrganismos por ferida.
Comparando esses dados com a distribuição das
colônias de microrganismos na primeira cultura,
verificou-se um discreto aumento do número de
colônias da microbiota isolada e a modificação do
número de colônias de microrganismos por ferida, pois
na primeira cultura 50% estavam colonizadas por duas
colônias, enquanto na segunda, 50% estavam
colonizadas por três.
(2a cultura) foram identificados 4 gêneros e 10 espécies
de microrganismos Gram-positivos e 7 gêneros e 8
espécies de Gram-negativos.
Os microrganismos Gram-positivos (19), na segunda
cultura, foram mais frequentes que os Gram-negativos
(15), enquanto na primeira a predominância foi de
Gram-negativos. Provavelmente, essas alterações sejam
porque as feridas eram protegidas com coberturas
permeáveis (gazes) ou totalmente desprotegidas antes
da inserção do paciente no serviço de Estomaterapia,
sendo então contaminadas por microrganismos
pertencentes à microbiota de outras regiões
anatômicas.
De todos os 12 gêneros identificados na primeira e na
segunda culturas, o mais frequente foi o Staphylococcus.
As colônias dos microrganismos pertencentes a esse
gênero foram isoladas em 16 das 24 culturas realizadas.
Resultados semelhantes foram encontrados por Bowler
e Davies7 em estudo sobre microbiota de úlceras de
membros inferiores infectadas e não infectadas. Estes
autores encontraram o Staphylococcus aureus como a
espécie mais frequente nos dois tipos de feridas.
A frequência dos gêneros Escherichia e Morganella
(Gram-negativos) diminuiu da primeira cultura para a
segunda, enquanto a frequência dos gêneros
Enterococcus, Staphylococcus e Streptococcus (Grampositivos) aumentou. O gênero Enterobacter (Gramnegativo) foi isolado somente antes do início do
tratamento no setor (1a cultura).
Os gêneros Moraxella, comumente isolado na
microbiota normal da orofaringe, e Serratia, encontrada
em vegetais, água e alimentos, foram isolados somente
na segunda cultura e faziam parte da microbiota da
ferida de um mesmo paciente. Este dado sugere
contaminação durante a realização dos curativos no
setor ou no cuidado domiciliar, realizado pelo paciente,
pois a cobertura de alginato de cálcio, utilizada por este
paciente, requer uma cobertura secundária (gazes), que,
de acordo com o volume de exsudato, pode ser trocada
diariamente pelo próprio paciente no domicílio.
Em síntese, apenas três feridas apresentaram, na
segunda cultura, microbiota totalmente diferente
daquela isolada na primeira, tendo havido alteração de
todos os gêneros iniciais, com predominância de Grampositivos.
Com a implementação da terapia tópica
preconizada, a microbiota no leito das feridas
apresentou, também, algumas modificações quanto
ao gênero, ou seja, inclusão ou exclusão de algum
gênero. Em 67% das culturas houve alteração de dois
gêneros ou mais.
Das nove feridas restantes, uma delas, na segunda
cultura, manteve o gênero (Staphylococcus) e modificou
apenas a espécie, de aureus para haemolyticus. As
demais mantiveram inclusive as espécies, sendo elas
Staphylococcus aureus, Streptococcus sp., Enterococcus
sp., Proteus mirabilis, Proteus vulgaris, Pseudomonas
aeruginosa, Escherichia coli, Morganella morganii e
Klebsiella oxytoca. Dessas espécies que se repetiram em
momentos distintos, as colônias Gram-negativas foram
predominantes.
Ao avaliar a característica da microbiota quanto à reação
ao Gram, nas 34 colônias de microrganismos isoladas
Embora o tamanho da amostra não permita conclusões,
pode-se supor que a terapia tópica preconizada no setor
22
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 19-27, jan./mar., 2009
de Estomaterapia, ou seja, apenas a utilização de soro
fisiológico a 0,9% para limpeza das feridas e uso de
apenas coberturas oclusivas, favorece alteração das
características da microbiota sem, contudo, predispor
à infecção, uma vez que nenhum paciente desenvolveu
infecção de ferida no período estipulado para a coleta
das culturas.
Alguns autores afirmam que a oclusão da ferida não
predispõe ou não aumenta os índices de infecção.8,11,12,13
Friedman e Su14, avaliando o tratamento de 31 úlceras
de membros inferiores, utilizando cobertura oclusiva,
concluíram que, embora existissem diversos
microrganismos nas feridas, inclusive bactérias
patógenas, nenhum paciente desenvolveu sinais
sistêmicos ou locais de infecção.
Coberturas utilizadas
Dentre as coberturas padronizadas no setor de
Estomaterapia para tratamento dos pacientes
portadores de feridas, três pacientes da amostra
utilizaram a cobertura de hidrocoloide e nove a de
alginato de cálcio até o momento da coleta da segunda
cultura. A indicação da cobertura, no setor de
Estomaterapia, está amparada no volume de exsudato
das feridas, no comprometimento por tecido necrótico
e na presença de sinais de infecção.
Dehaut e Maingaults15 em um estudo experimental,
concluíram que o índice de retenção de bactérias nas
coberturas de alginato de cálcio foi significativamente
superior (p < 0,001) quando comparado com a
cobertura de gaze. Isso significa que ocorreu uma
diminuição do número de microrganismos no leito da
lesão, reduzindo a possibilidade de desenvolvimento
de infecção. Na cobertura de alginato de cálcio, 60,0%
das bactérias permaneceram aderidas, enquanto que
na de gaze todas foram liberadas. Foram encontradas
as seguintes bactérias que permaneceram retidas na
primeira cobertura: Staphylococcus aureus, Streptococcus
pyogenes, Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa. A
retenção destas últimas nas fibras de alginato deveu-se,
provavelmente, à sua capacidade de produzir
polissacarídeos similares à estrutura do alginato,
facilitando assim a sua aderência.15 Os gêneros isolados
aderidos às fibras de alginato certamente faziam parte
da microbiota das feridas analisadas por esses autores
e, desta forma, são semelhantes aos gêneros isolados
nas feridas que compuseram esta amostra, tratada com
alginato de cálcio.
Na categoria “outros” estão as colônias de microrganismos
isoladas somente uma vez em ambas as culturas:
Corynebacterium, Enterococcus e Morganella. Os gêneros
isolados nas feridas antes e durante o tratamento com
hidrocoloide, estão apresentados no GRAF. 2.
No GRAF. 1, estão demonstrados os gêneros de
microrganismos isolados nas feridas antes e durante
a implementação do tratamento com alginato de
cálcio.
GRÁFICO 1 – Distribuição das colônias dos
microrganismos isoladas nas culturas de exsudato
das feridas antes e durante a implementação do
tratamento com alginato no setor de Estomaterapia
do Anexo de Dermatologia do HC/UFMG, Belo
Horizonte
Os gêneros isolados com maior frequência nas feridas
tratadas com alginato de cálcio foram Staphylococcus,
Streptococcus e Proteus.
GRÁFICO 2 – Colônias dos microrganismos isolados
nas culturas de exsudato das feridas antes e durante
a implementação do tratamento com hidrocoloide,
no setor de Estomaterapia do Anexo de Dermatologia
do HC/UFMG, Belo Horizonte
Ainda que o número de pacientes tratados com
hidrocoloide, no setor de Estomaterapia, tenha sido
reduzido (3), saliente-se que foram isolados cinco gêneros
em cada cultura, porém somente três foram comuns em
ambas as culturas. No total foram isolados quatro gêneros
Gram-positivos e três Gram-negativos e os mais frequentes
foram Enterococcus e Staphylococcus.
Para Mertz et al.16 a origem dos microrganismos Grampositivos que colonizam as feridas tratadas com
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23
Tratamento de feridas crônicas com coberturas oclusivas
hidrocoloide é da própria microbiota normal da pele
circunvizinha. Ressaltam que, em seu estudo, que
nenhum S. aureus foi isolado em feridas tratadas com
coberturas oclusivas, assim como P. aeruginosa. Este
último microrganismo também não foi isolado em
úlceras venosas crônicas, após quatro semanas de
tratamento com coberturas de hidrocoloide, em
estudo realizado por Gilchrist e Reed.17 No entanto,
outros autores11 encontraram esta espécie em ferida
tratada com cobertura de hidrocoloide e argumentaram
que a presença de P. aeruginosa, que são aeróbias
estritas, sugere que o ambiente sob a cobertura não é
anaeróbico.
No primeiro estudo supracitado, não foi isolado
Staphylococcus. No entanto, esse gênero esteve
presente em duas culturas da amostra estudada e o
24
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 19-27, jan./mar., 2009
gênero Pseudomonas não foi isolado em nenhuma
cultura dos pacientes tratados com hidrocoloide, o que
foi semelhante aos achados dos dois primeiros estudos
citados e diferente do terceiro.
Segundo a literatura, a utilização de coberturas
oclusivas modifica a microbiota, mas não predispõe à
infecção, dado o aumento da taxa das células de
defesa no local.11,13 Na amostra estudada, nenhuma
das feridas apresentou sintomas ou sinais clínicos de
infecção, com a implementação de coberturas
oclusivas, seja alginato de cálcio ou hidrocoloide.
O padrão de resistência dos microrganismos, segundo
sua espécie, aos antibióticos testados, na primeira e
na segunda cultura, está apresentado no QUADRO 2.
QUADRO 2 – Resistência da microbiota aos antibióticos de feridas de pacientes tratados no setor de
Estomaterapia do Anexo de Dermatologia do HC/UFMG, Belo Horizonte.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 19-27, jan./mar., 2009
25
Tratamento de feridas crônicas com coberturas oclusivas
As espécies Corynebacterium sp., Streptococcus sp.
hemolítico e Moraxella catarrhalis não foram testadas
aos antibióticos, pois são consideradas pelo setor de
Microbiologia do Laboratório Central do HC/UFMG
como contaminantes.
Embora não tenha sido objetivo deste trabalho analisar
resistência dos microrganismos aos antibióticos, optouse pela análise do antibiograma dos gêneros de
microrganismos que foram isolados com maior
frequência nas duas culturas: Staphylococcus, Proteus e
Pseudomonas.
A colonização de feridas por Staphylococcus é
decorrente da colonização da própria pele. Esse gênero
está relacionado às infecções de feridas, além de ser o
mais incidente em úlceras crônicas em membros
inferiores e úlceras de pressão.9
Foram isoladas 16 colônias de microrganismos do gênero
Staphylococcus, dentre elas 10 de Staphylococcus aureus,
dos quais 9 (90,0%) apresentavam resistência à penicilina.
Tal achado pode ser explicado pela frequente utilização
desse medicamento nos diversos serviços de saúde para
tratamento e prevenção de infecções das úlceras de
membros inferiores, primeira escolha nesses casos.
Segundo Kolmos,8 as feridas crônicas, em sua maioria,
estão colonizadas por Staphylococcus aureus e outras
bactérias Gram-positivas, e a microbiota dessas feridas
reflete os antibióticos administrados ao paciente em
momentos anteriores. Como exemplifica o mesmo
autor, quando o paciente é tratado com penicilinas de
espectro reduzido, a colonização da ferida poderá ser
por Escherichia coli, Klebsiella e outras bactérias fecais
que são resistentes a esses antibióticos. Quando se
administra penicilina de amplo espectro, a ferida poderá
estar colonizada por Pseudomonas aeruginosa ou outras
bactérias multirresistentes.
Contudo, nenhum dos Staphylococcus aureus isolados
foi considerado resistente às penicilinas e a todos os
outros -lactâmicos.
Outro gênero de microrganismos também frequente foi
o Proteus (11), com predominância de Proteus mirabilis.
Desse gênero, quatro não apresentaram resistência aos
antibióticos testados, enquanto sete apresentaram
resistência aos seguintes antibióticos: ampicilina,
penicilina de amplo espectro; cefalotina e cefazolina,
cefalosporinas de 1a geração; cefuroxima, cefalosporina
de segunda geração e sulfametoxazol associado ao
trimetoprim.
O gênero Pseudomonas foi constituído por uma única
espécie: Pseudomonas aeruginosa. Essa espécie
apresentou resistência ao sulfametoxazol associado ao
trimetoprim; à cefepime, cefalosporina de quarta
geração; à gentamicina, aminoglicosídeo. Um
apresentou resistência à rifampicina e outros dois à
ceftriaxona.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em decorrência da pequena amostra, não foi possível
estabelecer fatores associados ou correlacionados à
alteração da microbiota no leito das feridas, utilizando
os testes estatísticos pertinentes. Contudo, foi possível
verificar a tendência do comportamento da microbiota,
quanto à reação ao Gram, diante dos seguintes fatores
sistêmicos e locais: a etiologia da ferida, o uso de
medicamentos que poderiam comprometer o equilíbrio
microrganismo-hospedeiro, o tempo de existência das
feridas, a quantidade de tecido necrótico que lhe
comprometia o leito, tipo de cuidado da ferida durante
o banho e tipo de cobertura utilizada no setor de
Estomaterapia.
A microbiota das feridas estudadas foi discretamente
modificada com a implementação da terapia tópica
preconizada, no setor de Estomaterapia, quanto ao
número de colônias isoladas e característica dos
microrganismos ao Gram. Nenhum paciente apresentou
sinais de infecção, no período estudado. Os resultados
sugerem que a realização da limpeza da ferida apenas
com soro fisiológico a 0,9% e a utilização única de
coberturas oclusivas no tratamento de feridas não
predispõem à infecção.
As limitações do estudo são, principalmente, o pequeno
tamanho da amostra e o método de coleta de material
através de swab. Considerando a importância do tema
e as limitações do estudo, sugere-se a continuidade da
pesquisa, com as devidas correções, para a obtenção de
dados conclusivos que possibilitem o posicionamento
dos profissionais diante da terapia tópica preconizada
no setor de Estomaterapia do Anexo de Dermatologia
do Hospital das Clínicas da UFMG.
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Data de submissão: 10/7/2007
Data de aprovação: 31/7/2009
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 19-27, jan./mar., 2009
27
Perfil de familiares acompanhantes: contribuições para a ação educativa da enfermagem
PERFIL DE FAMILIARES ACOMPANHANTES: CONTRIBUIÇÕES PARA A AÇÃO
EDUCATIVA DA ENFERMAGEM
PROFILE OF FAMILY COMPANIONS: CONTRIBUTIONS TO NURSING EDUCATIONAL ACTIONS
PERFIL DE FAMILIARES ACOMPAÑANTES: CONTRIBUCIONES A LA ACCIÓN EDUCATIVA DE
ENFERMERÍA
Margrid Beuter1
Cecília Maria Brondani2
Charline Szareski3
Letice Dalla Lana4
Neide Aparecida Titonelli Alvim5
RESUMO
Trata-se uma pesquisa do tipo descritiva com abordagem quantitativa cujo objetivo foi identificar o perfil
socioeconômico de familiares acompanhantes de adultos acometidos de doenças geradoras de incapacidades
crônicas, internados em um hospital público da região Sul do Brasil. Os dados foram coletados por meio de um
formulário com questões fechadas aplicado a 23 familiares acompanhantes, no período de janeiro a fevereiro de
2006. Os resultados revelaram que o perfil do familiar acompanhante é formado, predominantemente, por esposas,
mães e filhas casadas em idade produtiva, com baixo nível de escolaridade e renda familiar entre um a três salários
mínimos. Conclui-se que a identificação do perfil socioeconômico do familiar acompanhante contribui para que a
equipe de enfermagem implemente estratégias efetivas de educação à saúde com a adoção de medidas de suporte
à família, ajudando-a a desenvolver diferentes formas de enfrentamento da doença e das incapacidades que ela
gera.
Palavras-chave: Família; Enfermagem; Hospitalização; Cuidadores; Educação.
ABSTRACT
This is a descriptive research with a quantitative approach that aims to recognize the socio-economic profile of
relatives who follow hospitalized adults with chronic handicapping diseases in a southern Brazilian public hospital.
Data were collected through a form with closed questions given to 23 family companions from January to February
2006. Results show that family companions are predominantly wives, mothers and married daughters, in working
age, with low educational level, and with a family income between one and three minimum salaries. The identification
of the socio-economic profile of the accompanying relative contributes to the implementation of nursing health
educational strategies such as measures for family support that help relatives to find ways of coping with the disease
and its limitations.
Key words: Family; Nursing; Hospitalization; Caregivers; Education.
RESUMEN
Se trata de una investigación de tipo descriptiva con enfoque cuantitativo. El objetivo del trabajo fue de identificar
el perfil socioeconómico de familiares acompañantes de adultos con enfermedades causantes de incapacidad crónica
internados en un hospital público de la región sur de Brasil. Los datos fueron recogidos por medio de un formulario
con cuestiones cerradas aplicado a 23 familiares acompañantes en el periodo de enero a febrero de 2006. Los
resultados revelaron que los familiares acompañantes son predominantemente las esposas, madres e hijas casadas,
en edad activa, con estudios secundarios incompletos e ingreso familiar entre 1 y 3 sueldos mínimos. La identificación
del perfil socioeconómico del familiar acompañante contribuye a que el equipo de enfermería implemente estrategias
efectivas de educación y salud con la adopción de medidas de respaldo a la familia, ayudándola a desarrollar diferentes
formas de cómo hacer frente a la enfermedad y a las incapacidades que ésta causa.
Palabras clave: Familia; Enfermería; Hospitalización; Cuidadores; Educación.
1
2
3
4
5
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM.
Enfermeira do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM/UFSM). Mestranda em Enfermagem na UFSM.
Enfermeira. Mestranda em Enfermagem na UFSM. Professora Substituta do Departamento de Enfermagem da UFSM.
Enfermeira.
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Fundamental da EEAN/UFRJ.
Endereço para correspondência: Rua João da Fontoura e Souza nº 512, Camobi, Santa Maria, RS. CEP 97105-210. E-mail: [email protected].
28
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 28-33, jan./mar., 2009
INTRODUÇÃO
A enfermagem, em seu cotidiano de trabalho no cenário
hospitalar, presta cuidados aos indivíduos com doenças
geradoras de incapacidades crônicas que dificultam, por
vezes, o processo de comunicação e interação entre o
doente e a equipe. Essa situação pode ser facilitada pela
presença do familiar acompanhante, auxiliando na
superação de possíveis barreiras que impedem esse
processo.1
O hospital é, normalmente, caracterizado como um
ambiente estranho e hostil, tanto ao doente quanto
à sua família que vivenciam a internação. É necessário
propor ações que facilitem a comunicação e a
interação de modo a amenizar situações que
acarretam estresse e sofrimento físico e emocional a
ambos, como as relativas ao ambiente, procedimentos
técnicos, realização de exames e o tratamento da
doença. Essas ações devem ser consideradas pela
equipe de enfermagem durante todo o período de
internação.2
Do ponto de vista do doente, uma das barreiras mais
comuns são os termos técnicos utilizados pelos
profissionais de saúde na sua abordagem, enquanto o
comprometimento físico do enfermo, relacionado à
dificuldade na fala e na audição, para esses profissionais,
são os que mais interferem na comunicação entre esses
sujeitos. 1 Os fatores de natureza psicológica que
envolvem o universo de sentimentos e as emoções de
ambos, bem como as diferenças socioeconômicas
desses sujeitos, também estão implicados nesse
processo.
A presença de um familiar acompanhante no hospital
é importante quando desejada pelo doente. Esse
acompanhante tende a proporcionar apoio, segurança,
afeto e suporte emocional, contribuindo para a
manutenção da estabilidade físico-emocional do
doente. Também, torna-se uma oportunidade para o
enfermeiro auxiliar esse familiar na sua capacitação para
o cuidado domiciliar, especialmente nos casos de
doenças crônicas que, normalmente, necessitam de
cuidados específicos por um tempo prolongado em sua
residência.3
A longa permanência dos familiares acompanhantes no
hospital resulta no seu envolvimento na dinâmica do
cuidado, tornando-se um possível aliado da
enfermagem, ajudando na detecção de sinais de
alterações do estado físico e emocional de seu familiar.4
Assim, eles auxiliam na higienização, na alternância de
decúbito e na vigilância em relação aos equipamentos
conectados ao enfermo, à permeabilidade das vias
aéreas, aos sinais de dor, ao desconforto e agitação, com
o intento de proporcionar bem-estar, conforto,
segurança física e emocional ao doente.
A equipe de enfermagem, no contexto hospitalar, tem
o cuidado ao doente como foco principal de sua
assistência, mas deve-se considerar que o processo de
doença envolve toda a família, também, merecedora
de atenção, respeito e acolhimento por parte dos
profissionais. Muitas vezes, o familiar acompanhante
apresenta-se fragilizado na sua totalidade, situação
decorrente dos longos períodos sem revezamento com
outros familiares nesse papel.5 Por conseguinte, ele é,
em geral, privado da possibilidade de desenvolver
ações em prol de seu autocuidado e de compartilhar
sentimentos de medo e de angústia em relação ao
doente com os outros membros da família,
principalmente nos casos em que este se encontra em
estado crítico de vida.
Alguns estudos confirmam que o processo de
fragilização do familiar acompanhante está
relacionado à sua sobrecarga física e psicológica em
razão do grau de dependência do doente e das
mudanças no seu comportamento.6,7 Essa sobrecarga,
além de ser resultante do acúmulo de trabalho para o
cuidador e da redução de suas atividades sociais e de
lazer, muitas vezes é agravada pelas condições
socioeconômicas e culturais da família. Uma das
situações que mais afetam a família vivendo o
processo de hospitalização de um de seus membros é
a dificuldade financeira. Isso porque, além do
significativo dispêndio orçamentário, esse processo
também pode implicar prejuízo no trabalho quando é
necessário se pensar em quem assumirá o papel de
acompanhante do doente no hospital, requerendo,
portanto, seu afastamento laboral.
Em geral, principalmente tratando-se dos países da
América Latina, o papel de cuidador familiar recai sobre
a mulher, seja ela mãe, seja filha, esposa, irmã ou tia.
Tradicionalmente ela vem assumindo o legado de
cuidadora, em parte justificado pelo fato de, por muito
tempo, a mulher não ter exercido atividades laborais
fora do lar. Entretanto, embora essa não seja mais a
realidade nas últimas décadas, tendo em vista o
aumento da inserção da mulher no mercado de
trabalho, na maioria das vezes, ela permanece
responsável pelo cuidado do acompanhante.
Afora esses aspectos, soma-se o fato de que a doença
crônica gera incapacidades residuais e alterações
patológicas irreversíveis que requerem reabilitação e
longo período de internação do doente. Essas
incapacidades abalam e desestabilizam tanto o doente
quanto a família, esta entendida como sistema ou
unidade de cuidado.8,9 À enfermagem cabe conhecer e
intervir sobre as diferentes situações imbricadas no
contexto saúde-doença, dentre as quais a complexa teia
de relacionamento que envolve o profissional, o familiar,
especialmente aquele que assume o papel de
acompanhante e cuidador, e o doente vivenciando
doença crônica. Assim, é oportuno que o enfermeiro
desenvolva uma estratégia de educação à saúde com
os familiares acompanhantes, incluindo atividades de
supervisão, observação e do cuidado em si aos doentes
por ocasião da hospitalização.5
Para tanto, é importante conhecer o perfil desses
familiares, de modo a subsidiar a efetividade dessa
estratégia, motivo pelo qual esta pesquisa teve como
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 28-33, jan./mar., 2009
29
Perfil de familiares acompanhantes: contribuições para a ação educativa da enfermagem
objetivo identificar o perfil socioeconômico de familiares
acompanhantes de adultos acometidos de doenças
geradoras de incapacidades crônicas internados em um
hospital público da região sul do Brasil.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem
quantitativa. O cenário se constituiu de duas unidades
de clínica médica de um hospital público da região Sul
do Brasil, que atendem às clínicas de oncologia,
neurologia, pneumologia, infectologia e medicina
interna. Nestas unidades, os doentes apresentam
doenças crônicas que necessitam de múltiplas e
prolongadas internações. Conforme o Censo Diário das
Unidades, 50% dos doentes inseridos nessas clínicas
possuem acompanhantes em decorrência do grau de
dependência e da gravidade das patologias. A
população diária é representada por uma média de 25
acompanhantes, somando-se as duas unidades
estudadas.
O grupo amostral foi constituído por 23 familiares
acompanhantes de adultos hospitalizados com doenças
geradoras de incapacidades crônicas que atenderam
aos seguintes critérios de inclusão: estar cuidando do
doente internado por um período de no mínimo dois
dias e aceitar participar do estudo mediante a assinatura
do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A
coleta de dados foi realizada por meio de formulário
constituído de perguntas fechadas que versavam sobre
os aspectos relacionados às condições socioeconômicas
dos familiares acompanhantes. Essa coleta ocorreu nas
próprias unidades de internação nos meses de janeiro
e fevereiro de 2006, tendo sido observadas as condições
propícias para sua realização, como silêncio e
privacidade. Para efeito de validação, as respostas às
questões do formulário foram submetidas à
confirmação pelos sujeitos do estudo.
Os dados coletados foram agrupados quanto às
seguintes características: sexo, vínculo familiar, faixa
etária, estado civil, escolaridade e renda familiar;
organizados em forma de discussões textuais e tabelas.
Os aspectos éticos referentes à pesquisa com seres
humanos foram respeitados, conforme determina a
Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
Assim, a participação dos sujeitos na pesquisa foi
voluntária, tendo cada um assinado o TCLE após ciente
dos objetivos do estudo, da garantia do anonimato e
da ausência de riscos de natureza física, psicológica ou
financeira referentes à participação deles. A pesquisa
foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Instituição em 12 de dezembro de 2005 e registrado
sob o número 120/05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 23 familiares acompanhantes que constituíram a
amostra do estudo, 16 (69,6%) eram do sexo feminino
30
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 28-33, jan./mar., 2009
e 7 (30,4%) do sexo masculino (TAB. 1). Portanto,
verifica-se que essa população caracterizou-se
predominantemente por mulheres.
TABELA 1 – Distribuição numérica e percentual dos
acompanhantes familiares das Clínicas Médica I e II
de um Hospital Público da região Sul do Brasil,
segundo sexo, vínculo familiar e faixa etária – 2006.
Os dados do estudo confirmaram que a mulher é a
principal cuidadora quando um membro da família
adoece; essa ação de cuidar ultrapassa o âmbito
domiciliar, estendendo-se ao espaço hospitalar.
Entende-se que a construção da identidade de gênero
é socialmente determinada; à mulher cabe o cuidado
com a casa, com o cônjuge e com os filhos.
O papel de cuidadora reservado à mulher foi demarcado
com a divisão sexuada do trabalho,10 uma vez que, para
garantir a sobrevivência, era preciso cuidar das crianças,
dos vivos e dos mortos. Do ponto de vista sócio-histórico,
o trabalho da mulher por muito tempo ficou restrito ao
lar; por conseguinte, coube-lhe, também, o cuidado
dispensado à família. Ela gera o ser e continua
responsável por cuidar de tudo que lhe mantém a vida.10
É a detentora desse saber, aprendendo geralmente no
convívio com outras mulheres.
Apesar de ser ainda a principal cuidadora, essa condição
vem sofrendo transformações com o crescente
engajamento da mulher no mercado de trabalho e a
queda nos índices de natalidade e fertilidade.11 Essa
mudança também se reflete nas características dos
familiares acompanhantes no contexto hospitalar, cuja
participação masculina neste estudo foi representada
por um terço do total da amostra analisada.
Na sociedade atual, a mulher passou a ser, também,
a responsável pelo sustento da família, exigindo
maior tempo destinado às atividades profissionais.
Assim, muitas vezes, necessitam delegar ou
compartilhar com o companheiro e outros membros
da família a tarefa de cuidar e acompanhar o familiar
hospitalizado.
No que tange à faixa etária dos sujeitos (TAB. 1) verificouse o predomínio entre 31 e 50 anos (60, 9%), com média
de 41,1 anos (34,8%). Na faixa de idade entre 18 e 30
anos, foram encontrados cinco acompanhantes (21,7%)
e a faixa etária compreendida entre 51 a 60 anos foi
representada por três acompanhantes (13%). Apenas um
familiar acompanhante (4,4%) possuía idade superior a
60 anos.
Os dados demonstram que a maioria dos familiares
acompanhantes encontrava-se em uma faixa etária
socialmente produtiva. Nesses casos, o acompanhante
necessita afastar-se do local de trabalho. Esse aspecto
é preocupante e, muitas vezes, causa estresse no
cuidador, uma vez que interfere no trabalho, podendo
ocasionar conflitos quanto à manutenção de seu
emprego. Isso porque eles precisam corresponder às
exigências do empregador, concomitantemente ao
envolvimento no cuidado ao seu familiar hospitalizado.
O fato de ter sido encontrado um acompanhante idoso
demonstra que idosos também assumem o papel de
cuidadores, o que nos remete à análise das condições
estruturais do ambiente hospitalar associado às
características a ele inerentes. Trata-se, em geral, de
ambiente bastante hostil, estressante, cansativo e
desprovido de acomodações que promovam conforto
e bem-estar, principalmente considerando as
necessidades da pessoa idosa.
A função de cuidador principal assumido pelo idoso é
também observada no domicílio. Destaca-se que a
predisposição ao desenvolvimento de doenças comuns
a essa fase da vida pode ser potencializada quando
associada à sobrecarga de atividades inerentes ao papel
de cuidador.12 Portanto, independentemente do cenário
em que o idoso esteja exercendo essa função, é
necessária atenção redobrada dos profissionais da
enfermagem no sentido de não negar a participação da
pessoa idosa nesse processo. Em nossa sociedade, a
presença de idosos é majoritariamente marcada como
figura de referência na família, inclusive no aspecto
financeiro, não devendo, portanto, ser alijada dos
acontecimentos no seu âmbito. Não obstante isso, o que
queremos ressaltar é a responsabilidade da enfermagem
em ter de reunir condições de entendimento e de ação
diante dos problemas que possam advir da atividade de
cuidador exercida pelos idosos.
Ao analisarmos o vínculo familiar entre os
acompanhantes e o doente hospitalizado, verifica-se que
14 mulheres cuidadoras (60,7%) são esposas, filhas e
mães. Estudos5,11,12 confirmam que a predominância da
mulher nessa tarefa está associada ao seu vínculo familiar
com o doente, estabelecida socioculturalmente. Essa
situação7,13 é motivada pela existência de vínculo afetivo,
pelo sentimento de compromisso e responsabilidade
com o seu familiar hospitalizado ou, ainda, por uma
questão de “obrigatoriedade” como forma de retribuição
pelos cuidados recebidos na infância. Nesse sentido,
cuidar dos pais ou do esposo pode representar um ato
de solidariedade ou ser a única alternativa de garantir o
cuidado ao doente.
A família tem a atribuição de cuidar de seus membros,14
tarefa que lhe é cobrada pela sociedade, e tal
responsabilidade, quando não assumida pela família, é
requerida judicialmente. Ela não tolera o abandono, o
descaso e a omissão quando um familiar adoece e a
sua família não lhe garante a assistência e o cuidado
necessários.
A presença do familiar acompanhante na figura da mãe,
esposa(o), filhos pode ser um fator positivo na ação
terapêutica dos doentes, pois esse vínculo tende a
propiciar segurança e manter a estabilidade emocional.
No entanto, ressalte-se que devem ser averiguadas as
implicações da presença do acompanhante para o
cuidado e recuperação do doente hospitalizado, uma vez
que nem sempre este a requer ou deseja; outras vezes,
pode ser motivo de preocupação do doente, seja pelo
fato de seu estado de saúde resultar em sofrimento e
dor ao acompanhante, seja pelo distanciamento deste
representar ameaça à segurança financeira ou emocional
aos outros membros da família.
Em relação ao estado civil dos familiares acompanhantes
(TAB. 2), constatou-se que 17 (74,0%) eram casados; 4
(17,4%) eram solteiros; 1 mulher (4,3%) separada e 1
(4,3%) viúva.
TABELA 2 – Distribuição numérica e percentual dos
acompanhantes familiares das Clínicas Médica I e II
de um Hospital Público da região Sul do Brasil,
segundo estado civil, escolaridade e renda familiar
– 2006.
*O salário mínimo vigente em março de 2006 era R$ 300,00.
A hospitalização de um familiar ocasiona um
desequilíbrio na organização da família, pois os
membros envolvidos, geralmente casados, dedicam
tempo que poderia ser destinado ao convívio com o
cônjuge e os filhos para acompanhar o processo de
internação do seu familiar, o que pode gerar tensão
intrafamiliar.15 Nesse processo de adaptação a essa nova
situação, o cuidador tem de administrar seu tempo
entre os cuidados pessoais, atividades com a família
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 28-33, jan./mar., 2009
31
Perfil de familiares acompanhantes: contribuições para a ação educativa da enfermagem
nuclear, como a organização da casa, dedicação aos
filhos e marido, e às destinadas ao familiar
hospitalizado.11 Isso exige que o familiar acompanhante
desenvolva a habilidade de organização do tempo para
conciliar todas essas atividades.13,16
Estudo relata o desgaste físico e emocional a que estão
expostos os familiares acompanhantes de pacientes
acometidos de AVC quando desenvolvem atividades
durante a hospitalização, sem descanso ou revezamento.5
Entretanto, outra investigação relacionada à participação
do acompanhante durante a hospitalização de idosos
aponta que, ao existir uma rede de apoio familiar
adequada, em que há rodízio hospitalar, a sobrecarga é
evitada, facilitando a participação da família no cuidado.3
No entanto, casos de sobrecarga do acompanhante
podem ser frequentes quando relacionados à atitude
relutante de alguns cuidadores em não aceitarem ajuda
de outros membros ou mesmo do serviço hospitalar,
quando se disponibiliza a fazê-lo.6
Em relação à escolaridade dos sujeitos, 19
acompanhantes familiares (82,6%) tinham ensino
fundamental incompleto; 3 (13,0%), o ensino médio
completo; e apenas 1 participante (4,4%) possuía ensino
superior completo.
Os dados demonstraram que a maioria dos familiares
acompanhantes tem baixa escolaridade, fato também
constatado em outro estudo5 com acompanhantes em
que 42% tinham ensino fundamental incompleto. Essa
baixa escolaridade, por vezes, dificulta a realização da
capacitação dos acompanhantes no intento de preparálos para assumirem a continuidade dos cuidados ao
doente no domicílio. A recuperação e a reabilitação do
doente crônico é um processo que se inicia no hospital e
se estende até o domicílio, após a alta hospitalar. É
importante que o familiar acompanhante reúna condições
de compreender e assimilar as orientações prestadas pela
equipe de enfermagem.
O contexto da prática diária da enfermagem revela a
dificuldade dos acompanhantes familiares, assim como
dos próprios doentes, em entender os termos técnicos
comumente utilizados pela equipe de enfermagem e
pela equipe médica. Tal fato é ressaltado em estudo com
familiares de doentes acometidos de AVC,
principalmente quando estes são surpreendidos com
uma primeira situação de doença na família. Nessa
análise, destacou-se que o uso de linguagem científica
por parte da equipe de saúde é fonte de angústia, pois
dificulta a compreensão do estado de saúde do doente.5
A enfermagem, no papel de educadora, ainda utiliza o
modelo tradicional de ensino, limitando-se a repetir
informações técnicas e científicas, sem valorizar os
conhecimentos dos acompanhantes. 5 Esse fato é
percebido na hospitalização, quando os profissionais da
saúde desconsideram a bagagem histórica e cultural
que cada pessoa traz consigo durante a enfermidade,
sobrepondo o saber científico ao saber popular.16,17 As
informações pertinentes aos cuidados necessários ao
doente hospitalizado devem ser compartilhadas com
32
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 28-33, jan./mar., 2009
os familiares acompanhantes, respeitando-lhes o nível
de escolaridade.
Quanto à renda familiar dos familiares acompanhantes,
constatou-se a predominância de um salário mínimo,
correspondendo a 14 acompanhantes (60,9%); 8
acompanhantes (34,7%) na faixa de dois a quatro
salários mínimos; e apenas 1 (4,4%) apresentou renda
superior a cinco salários mínimos.
Como se pode verificar, a maioria dos acompanhantes
tem uma renda familiar baixa, e com a hospitalização a
condição financeira da família se agrava, dado o
aumento dos gastos com deslocamentos, manutenção
pessoal e os adicionais referentes à condição do doente.
A permanência do familiar acompanhante no hospital
altera sua rotina diária, uma vez que ele dedica a maior
parte do seu tempo ao familiar hospitalizado, podendo
comprometer-lhe as atividades no trabalho.18
Estudos relatam que, frequentemente, familiares
cuidadores de pessoas com doenças crônicas
apresentam problemas com o emprego, ao se tornar
necessária a dedicação exclusiva ao familiar, agravando
ainda mais a situação financeira da família. Em situações
dramáticas, as famílias necessitam receber ajuda da
comunidade para sobreviver.6,13
Verifica-se que 60,9% dos acompanhantes têm renda de
um salário mínimo que, também, corresponde à condição
econômica do doente. De acordo com estudo,5 existe uma
relação entre a incidência de doenças crônicas e as
condições socioeconômicas da população brasileira, ou
seja, os indivíduos de baixa renda são mais propensos a
desenvolver tais doenças. Tal afirmação pode ter origem,
em parte, na dificuldade de acesso desse grupo de pessoas
a informações que as auxiliem na prevenção de doenças
e na adoção de hábitos saudáveis de vida. Portanto, a
equipe de saúde deve elaborar estratégias de ação eficazes
direcionadas às reais necessidades dos familiares
acompanhantes, investindo nas suas potencialidades para
superar as limitações decorrentes de suas condições
socioeconômicas.
CONCLUSÃO
No ambiente hospitalar, o foco da atenção do cuidado
é prioritariamente dirigido ao doente, no entanto
compreende-se que a enfermagem não pode ficar
indiferente ao familiar acompanhante, pois este é
coparticipante no processo de cuidado ao doente.
Desse modo, a enfermagem deve estar sensível à
presença do familiar no hospital, que busca, muitas
vezes, superar as próprias dificuldades e limitações,
compreendendo as múltiplas situações imbricadas à
hospitalização, facilitando a expressão de diferentes
sentimentos e favorecendo a troca de informações.
O perfil do familiar acompanhante quanto ao gênero é
predominantemente formado por esposas, mães e
filhas casadas, em idade produtiva, sugerindo que a
equipe de enfermagem motive essas acompanhantes
a envolver os demais membros da família no cuidado
ao doente por meio do revezamento.
O baixo nível de escolaridade identificado indica que o
enfermeiro deve buscar orientar o familiar sobre os
cuidados com o doente, utilizando uma linguagem
acessível, por meio de recursos didáticos que facilitem
o processo ensino-aprendizagem, desenvolvendo no
acompanhante o desejo de aprender, de perceber-se
como sujeito desejante do saber.
A predominância da renda familiar entre um a três
salários mínimos demonstra como possível estratégia
do enfermeiro o encaminhamento do familiar ao serviço
de assistência social, entidades assistenciais ou
associações voluntárias, para receber auxílio e
informações sobre os programas existentes, garantindolhe os direitos sociais.
Conclui-se, com este estudo, que há necessidade de
os profissionais da enfermagem conhecerem a
realidade socioeconômica e cultural dos familiares
acompanhantes, para que atuem com eles,
estabelecendo uma relação de confiança e de parceria,
auxiliando-os a lidar com a situação de doença/
hospitalização e com as diferentes dificuldades
objetivas e subjetivas relacionadas à dinâmica familiar
e aos sentimentos desencadeados tanto nos
acompanhantes quanto na totalidade da família que
vivencia o processo de hospitalização e a presença da
doença crônica em um de seus membros.
O conhecimento do perfil do familiar acompanhante
possibilita à equipe de enfermagem reunir elementos para
a adoção de medidas de suporte à família, ajudando-a a
desenvolver diferentes estratégias de enfrentamento da
doença e das incapacidades que ela gera.
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Data de submissão: 28/2/2008
Data de aprovação: 7/7/2009
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 28-33, jan./mar., 2009
33
Expressão da codependência em familiares de dependentes químicos
EXPRESSÃO DA CODEPENDÊNCIA EM FAMILIARES DE DEPENDENTES
QUÍMICOS
EXPRESSION OF CO-DEPENDENCE AMONG RELATIVES OF CHEMICALLY DEPENDENT PATIENTS
EXPRESIÓN DE CODEPENDENCIA EN FAMILIARES DE DEPENDIENTES QUÍMICOS
Leila Memória Paiva Moraes1
Violante Augusta Batista Braga2
Ângela Maria Alves e Souza3
Mônica Oliveira Batista Oriá4
RESUMO
Conviver diretamente com uso abusivo de drogas de alguns de membros da família faz com que os demais vivenciem
dificuldades ao lidar com essa problemática. Considerando que a família é importante para a rede de apoio ao
dependente químico e que o comportamento de codependência está presente na vida desses familiares, interferindo
na saúde mental, tivemos como objetivo identificar o modo como a codependência é expressa no grupo de familiares
de dependentes químicos. Estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado com familiares de dependentes
químicos assistidos em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS-ad), no período de junho/agosto de 2007. Os dados
foram produzidos por meio de entrevista individual e dez sessões grupais. Os familiares manifestaram comportamento
codependente por meio do sofrimento, dor emocional e adoecimento físico e psíquico, refletidos em respostas múltiplas,
como medo, desconfiança, culpa, excesso de cuidado/controle para com o outro, descuido para consigo e mudanças
no estilo de vida. O grupo revelou que ser um familiar codependente significa vivenciar inúmeros sofrimentos, o que
requer necessidade de assistência profissional. Este estudo nos permitiu fomentar uma reflexão sobre a prática de
intervenção de saúde em relação aos familiares dos dependentes químicos, ressaltando e valorizando o papel da família
como rede de suporte ao membro usuário de drogas, pois as práticas de intervenção ainda são muito focadas na droga
e, por conseguinte, no indivíduo que dela é dependente.
Palavras-chave: Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Relações Familiares; Prática de Grupo; Enfermagem;
Saúde Mental.
ABSTRACT
In order to deal directly with drug addiction, relatives of chemically dependent patients face many difficulties. The
family plays an important role on the patient’s support and co-dependence behavior is constantly present in their life
and may interfere on mental health. This study aims to identify how co-dependence is expressed among relatives of
chemically dependent patients. It is a descriptive study with a qualitative approach, which was carried out in a Center
of Psychosocial Attention (CAPS-ad) during June and August of 2007. Data were collected by using individual interviews
and 10 group meetings. Family members showed a co-dependent behavior by expressing suffering, emotional pain,
physical and psychological sickness, seen on answers like: fear, lack of confidence, guilt, excessive care/control over
others, lack of self care and changes in lifestyle. Group meetings showed that being a co-dependent relative involves
suffering and requires professional assistance. This study was useful to promote a reflection on health intervention
practices regarding chemically dependent family members. We highlight the importance of the family role since
intervention practices are still too focused on drug regimens and on the patient himself.
Key words: Substance-Related Disorders; Family Relations; Group Practice; Nursing; Mental Health.
RESUMEN
Convivir directamente con el uso abusivo de drogas de algunos miembros de la familia hace que los demás familiares
tengan dificultades para lidiar con tal problema. Considerando que la familia es importante para la red de apoyo al
dependiente químico y que el comportamiento de codependencia está presente en la vida de dichos familiares porque
interfiere en su salud mental, el objetivo del presente estudio ha sido de identificar el modo cómo se expresa la
codependencia en el grupo de familiares de dependientes químicos. Se trata de un estudio descriptivo con enfoque
cualitativo, llevado a cabo con la familia de los dependientes químicos asistidos en un Centro de Atención Psicosocial
(CAPS-ad) entre junio y agosto de 2007. Los datos fueron recogidos en una entrevista individual y en 10 sesiones
grupales. Las familias señalaron la codependencia por medio del sufrimiento, dolor emocional y enfermedades físicas
y psíquicas que se reflejan en múltiples respuestas como: miedo, inseguridad, culpa, exceso de atención y control para
con el otro, falta de atención consigo mismo y cambios en el modo de vida. El grupo reveló que ser familiar
codependiente significa vivir varios sufrimientos y que por ello necesitan asistencia profesional. Este estudio permitió
reflexionar sobre la práctica de intervención en salud con familias de dependientes químicos y realzar y valorar la
función de la familia como red de apoyo al miembro usuario de drogas puesto que las tales prácticas todavía están
muy centradas en las drogas y, por consiguiente, en el individuo que depende de ellas.
Palabras clave: Trastornos Relacionados con Sustancias; Relaciones Familiares; Práctica de Grupo; Enfermería; Salud
Mental.
1
2
3
4
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Faculdade Católica Rainha do Sertão (FCRS) – Quixadá-CE.
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal do Ceará (UFC)-CE.
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal do Ceará (UFC)-CE.
Enfermeira. Post-Doc. Docente da Universidade Federal do Ceará (UFC)-CE.
Endereço para correspondência: Rua Carlos Vasconcelos, 2459, ap. 301, bairro Aldeota, Fortaleza-CE. CEP: 60115-171. Fone/Fax: (85) 3246.0232. E-mail:
[email protected].
34
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
1 INTRODUÇÃO
O consumo de drogas psicoativas pode ser considerado
uma forma de percepção e expressão da pessoa em si
mesma, envolvendo relações que incluem os outros e
o ambiente em que vive.
Esse consumo de drogas é um fenômeno
essencialmente complexo e que ultrapassa fronteiras
internacionais, tornando-se um dos maiores problemas
de saúde pública mundial 1 , exacerbando-se em
consequência da globalização.2
No Brasil, o uso de drogas intensifica-se sempre mais,
tornando difícil e complexa sua abordagem,
principalmente porque as políticas públicas voltadas
para esse setor não logram acompanhar os avanços
desse fenômeno, não criando dispositivos legais e de
atenção que atendam a essa realidade, de modo que a
dinâmica da família brasileira vem sendo atingida por
mais esse fenômeno de saúde pública. A dinâmica da
família revela significativa rede de apoio nas diversas
situações da vida real, além da “grande e árdua” tarefa
de educar os filhos.3 Na elaboração de uma “rede de
apoio ou o sistema terapêutico”, são solicitados e
valorizados os recursos da própria família (nuclear e
ampliada).4
Na assistência ao dependente químico, observamos,
amiúde, a pouca atuação de profissionais de saúde em
relação aos seus familiares, incentivando-os a participar
do tratamento de seu componente usuário,
visualizando-os na qualidade de codependentes, ou
seja, como aquela pessoa que também sofre com a
dependência química.
Ao estudar os padrões de codependência e prevalência
de sintomas psicossomáticos em pessoas de famílias
com histórico de alcoolismo, um codependente pode
ser definido da seguinte forma:
[...] refere-se àquela pessoa que convive de forma
direta com algum sujeito que apresenta alguma
dependência química, e em especial, ao álcool. E por
extensão às pessoas que por qualquer outro motivo
viveram uma prolongada relação parentalizada na
família de origem, assumindo precocemente
responsabilidades inadequadas para a idade e o
contexto cultural. [...] é uma doença crônica e
progressiva.5:6
Assim como ocorre com os dependentes e
codependentes do álcool, ao visualizarmos a família
como parceira do tratamento de pessoas com outras
dependências químicas, devemos considerar as
possíveis necessidades e dificuldades desse grupo, além
de seu adoecimento, o qual pode interferir diretamente
no agravamento da problemática vivenciada pelo
núcleo familiar, notadamente do próprio dependente
químico. Trabalhando as limitações, dificuldades e
sentimentos da família codependente e, em especial,
daquele partícipe que mais interage com o dependente
químico, assumindo, muitas vezes, o papel de cuidador
e também responsável, será mais fácil ocorrer
interferência positiva no tratamento.
Consideramos imprescindível a atuação da família na
prevenção ao uso indevido de drogas psicoativas, assim
como na recuperação e reinserção social do
dependente químico. Essas dependências químicas
envolvem, pelo menos, outra pessoa além do
toxicômano, ou seja, os codependentes, que podem
tomar iniciativas para mudar, porém, por vezes, ilusórias.
Esse codependente é o parceiro indissociável do
dependente químico que, ao expressar desejo de
ajudar, deve ser chamado a participar do tratamento,
pois constitui um recurso importante pelo poder que
exerce sobre o conjunto de relações nas quais o
toxicômano é o elemento central.4
Reconhecendo a importância da família na formação
de seus membros, sendo elemento principal na
construção de uma rede social de apoio ao dependente
químico, a equipe de saúde mental precisa estar atenta
ao funcionamento dessa rede, criando laços de parceria,
fundamentais e imprescindíveis no tratamento do
dependente químico e no desenvolvimento de relações
mais sadias e/ou significativas. Dessa forma, a
integração da família na dinâmica de atenção ao adicto
pode facilitar sua recuperação, proporcionando modos
de enfrentamento que resultarão em melhor qualidade
de vida.
Assim, percebendo como imprescindíveis a presença e a
atuação da família no tratamento de dependentes
químicos, uma vez que essa vivência é influenciada e
influencia o assunto em foco, pretendemos com este
estudo responder à seguinte indagação: Como a
codependência é expressa em membros familiares de
dependentes químicos? Desse modo, temos como
objetivo identificar o modo como a codependência é
expressa no grupo de familiares de dependentes químicos.
O CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Caracterização do tipo de estudo
Desenvolvemos um estudo com familiares de
dependentes químicos em tratamento, utilizando o
grupo como dispositivo para a expressão de
sentimentos e subjetividades quanto à vivência deles
com a dependência química de seus parentes.
Realizamos um estudo do tipo qualitativo, por meio do
referencial teórico construído pela norte-americana
Maxine Loomis,6 o qual trata do desenvolvimento da
abordagem grupal para enfermeiros.
De acordo com o referencial teórico, o foco do processo
grupal está centrado nos cuidados de saúde e é
assumida a noção de que, se qualquer grupo apresentar
apoio, tarefa ou psicoterapia, terá um objetivo
terapêutico global. Para a autora, os grupos também
podem ser descritos e definidos de acordo com o
processo interno deles.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
35
Expressão da codependência em familiares de dependentes químicos
Contexto/Local do estudo
Desenvolvemos este estudo no Centro de Atenção
Psicossocial especializado no tratamento de usuários
de álcool e outras drogas (CAPS-ad) da Secretaria
Executiva Regional III (SER III) da Prefeitura Municipal
de Fortaleza, em convênio com a Universidade Federal
do Ceará (UFC)-CE.
O serviço possui uma equipe de profissionais composta
de enfermeiro, médico psiquiatra, médico clínico,
terapeuta ocupacional, psicólogo, assistente social,
técnico de enfermagem, técnico administrativo e
auxiliar de serviços gerais. Possui espaço para
atendimentos individual e grupal.
Participantes do estudo
Os participantes foram componentes familiares que se
encontravam na condição de acompanhantes dos
dependentes químicos que estavam sendo assistidos
no CAPS-ad escolhido para a realização da pesquisa.
Quanto aos princípios e aspectos legais e éticos da
pesquisa, previstos na Resolução n° 196/967, o projeto
recebeu o Protocolo n° 268/06 no Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Ceará.
Respeitando o princípio do anonimato aos participantes
do grupo, estes receberam pseudônimos com a
denominação de outros nomes próprios que não os
deles. Na apresentação dos discursos dos participantes,
esses nomes foram acompanhados do grau de
parentesco com o dependente químico em tratamento.
Formamos um grupo fechado, constituído de 11
familiares, e o tipo de vínculo entre participantes e
dependentes químicos constituiu-se de uma madrasta,
um irmão, uma esposa, duas irmãs, seis mães.
Procedimentos e instrumentos para a produção dos
dados
Realizamos um estudo grupal por meio de oficinas de
vivências, como forma de avaliar o processo grupal
ocorrido com os familiares, no qual a utilização de
recursos artísticos foi a orientação metodológica
seguida. As técnicas empregadas serviram para facilitar
a expressão de sentimentos e subjetividades, tornandose conscientes e acrescidos de significados para os
participantes do grupo. Mediante as atividades
propostas, os participantes do estudo expuseram como
a codependência é expressa na vida deles. As oficinas
vivenciais ocorreram durante os meses de junho a
agosto de 2007.
Para a produção de dados, seguimos três fases:
planejamento, intervenção e avaliação. Foram assim
denominadas para condução do grupo, adequando-se
aos quatro descritores (objetivos, estrutura, processo,
resultados) nomeados por Loomis. 6 A fase de
planejamento correspondeu à etapa dos objetivos; a
de intervenção, às etapas de estruturação e processo;
e, por último, a de avaliação, correlata aos resultados
do grupo. Essas fases estão mais bem descritas no
QUADRO 1.
QUADRO 1 – Apresentação das fases de produção de dados do estudo com o grupo de
componentes familiares de dependentes químicos. Fortaleza-CE, 2008.
FASES
DESCRITORES
SESSÕES
Fase de planejamento
Objetivos do grupo
1º encontro grupal geral
Entrevista individual
Fase de intervenção
Fase de avaliação
Estrutura do grupo
Sessão preparatória
Processo do grupo
Sessões I a VI
Resultados do grupo
Sessões VII e VIII
O horário estabelecido para o início e término da
sessão foi das 13h30 às 16h, totalizando duas horas e
meia de encontro, conforme decidido coletivamente
entre os coordenadoras e os participantes do grupo.
Todas as sessões foram divididas em três momentos:
acolhimento, destinado à exposição de assuntos
considerados importantes pelos par ticipantes,
lembretes, avisos e ao acolhimento dos participantes;
desenvolvimento, no qual foram realizadas atividades
36
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
com recursos artísticos, havendo sempre anteriormente
o momento de preparação para o tema, sendo
estimulado um relaxamento ou alongamento
corporal, no intuito de que os participantes se
concentrassem para a atividade, reflexão e
verbalização das vivências; e, por último, a avaliação
da sessão, quando realizamos uma análise prévia e
contínua do encontro e do grupo.
Interpretação e análise dos dados
Os dados utilizados para análise foram: observações
do processo grupal registradas no diário de campo;
os discursos dos participantes na entrevista individual
e nas sessões grupais, gravados em aparelho digital;
as fotos registradas em cada sessão; e o material
produzido nos momentos que envolveram as técnicas
grupais mediante os recursos artísticos.
Para a análise dos discursos dos sujeitos, utilizamos a
técnica de “análise do discurso”, empregada para se
referir a toda forma de fala e textos, seja quando
ocorria naturalmente nas conversações, seja quando
era apresentada como material de entrevistas ou tipos
outros de textos escritos.8 Após a leitura exaustiva dos
discursos, iniciou-se o processo de codificação e
categorização dos discursos, e os aspectos da
codependência foram evidenciados e analisados com
base em outros estudos sobre a temática e na
perspectiva de categorias analíticas de codependência.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Levando em consideração essas abordagens teóricas
da codependência, revelamos aspectos mais
intrínsecos da vivência dos familiares, indicativos de
codependência.
Com maior ou menor intensidade, todos os familiares
que compuseram o grupo se encontravam
emocionalmente dependentes de seus filhos, filhas,
esposos ou irmãos dependentes químicos;
desconheciam parte de sua realidade; não conseguiam
estabelecer limites, para si e para o parente dependente
químico; perderam parte, ou totalmente, de sua
identidade e autonomia, passando a viver a vida do
outro, a quem queriam controlar e conduzir os
pensamentos e o comportamento. Observamos
atitudes de “marcação cerrada” sobre o outro, o que se
revelou como a maior causa dos desentendimentos nas
relações familiares e mal-estar na vida do membro
familiar. Entendemos tais comportamentos como
prejudiciais a ambas as partes, refletindo-se em
cerceamento da liberdade, tanto do dependente
químico quanto do familiar.
Observamos inúmeros sentimentos provenientes
dessa relação indicativa de codependência, dentre os
quais: baixa autoestima, caracterizada pela falta de
amor próprio; dificuldades diversas, dentre elas, de
negação e imposição de limites; sentimentos de ilusão,
sofrimento, ansiedade, angústia, medo, impotência,
fracasso; sensação de vazio; e o desconhecimento dos
próprios sentimentos.
Com base no exposto, realizamos um recorte das
diversas categorias empíricas que emergiram do
processo de análise, tendo como categoria analítica
central o comportamento indicativo de codependência.
A seguir, destacamos os discursos do grupo de apoio
de familiares de dependentes químicos indicativas de
codependência, ilustrando com recortes do discurso
dos participantes. Pela análise das falas dos
par ticipantes foi possível categorizar cinco
expressões de codependência: medo, culpa, cuidado
e/ou controle, mudanças de estilo de vida e
desconfiança.
O medo: Eu sinto tanto medo que eu tremo. Sabe, é
triste para uma mãe ter medo do filho. (Flávia – mãe)
O medo é um dos sentimentos mais presentes e
marcantes na vida dessas pessoas e, especificamente,
na expressão do grupo, ele ficou caracterizado em
várias situações, associado à violência contra o outro
e a si próprio, ao abandono, ao medo de cometer erros,
de ter vida própria e de que aconteça algo ruim com o
dependente químico.
A violência física resulta do efeito do uso das drogas
em alguns dependentes químicos, ocasionando medo
nos familiares e em outras pessoas com as quais
convivem. Participantes como mães e esposa disseram
que sentiam medo de serem agredidas fisicamente
pelos familiares dependentes químicos.
O medo expresso pode estar associado, também, a
respostas de violência dirigida ao parente dependente,
desencadeada pela situação conflitante vivenciada no
cotidiano doméstico. Desse modo, a codependência
pode ser expressa pela sensação de ser capaz de
responder com violência àquele ou àquela situação
fora do controle do familiar. Nessa hora, entra em cena
a sensação de dúvida e desconfiança de si próprio,
geradas pela raiva, frustração ou mesmo fúria dirigida
ao dependente químico ou autodirigida. Tal situação,
não raro, termina em tragédia, conforme
acompanhamos pelos media os relatos de homicídios
ou suicídios cometidos por esses familiares. Sobre esse
mesmo comportamento do familiar, é realidade que
“muitos co-dependentes têm medo da própria
raiva”.9:64
O contato com as substâncias psicoativas leva a
diferentes tipos de violência, dentre elas a doméstica,
de rua, gênero e até institucional. Dependentes
químicos afirmam que a relação entre droga, violência
e prazer é vivenciada por eles de forma conflituosa, e
que seus familiares, quando cansados de presenciarem
essa relação, sentem medo de intensificar situações
geradoras de violência.10
O medo de fazer algo contra si foi percebido quando
um dos participantes falou sobre a possibilidade de
praticar suicídio:
[...] quase toda a minha vida, que foi de 15 anos pra
cá, pois hoje tenho 42 anos... e então, foi a minha
adolescência, entrando na fase adulta todinha nisso,
convivendo com as drogas. Então eu tenho medo de
chegar à loucura e praticar o suicídio, por causa da
impotência, do vazio e você não saber como lutar
contra isso. (Vicente – irmão)
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
37
Expressão da codependência em familiares de dependentes químicos
O familiar tem medo de ficar sozinho, da rejeição e do
abandono do outro. Passa a utilizar artifícios
inadequados e de maneira distorcida para que isso não
aconteça.
Ter medo de cometer erros é uma das características
da codependência que mais reprime, dificultando o
processo de tomada de decisão perante toda a situação
vivenciada.
Já o medo de se permitirem ser quem são, abrindo mão
da própria vida, 9 também foi observado nas
experiências vivenciadas pelos familiares pesquisados.
No grupo, observamos a participante Janete, que
expressou essa característica com maior clareza, pois
estava feliz com a mudança em seu estilo de vida, mas
tinha medo de viver essa nova vida. Um medo que nem
ela mesma sabia decifrar, pois estava se redescobrindo,
e essa redescoberta estava sendo vivenciada com muito
temor, o que podemos perceber no discurso a seguir:
Estou muito feliz com esse meu novo jeito de ser,
mas estou com medo por não estar mais sentindo
medo. Tenho medo do que pode acontecer. (Janete
– irmã).
Essa aparente contradição expressa por Janete é
vivenciada por muitos codependentes: quando passam
a experimentar outras vivências que não a
codependência, ficam com medo de que tudo volte e
de que tudo não passe de fantasia.
E, por último, o familiar está sempre com medo de que
aconteça algo de ruim com o dependente químico, que
ele saia de casa e vá em busca da droga, recaindo. O
medo da recaída culmina no constante medo do futuro,
do amanhã.
A culpa: Aqui no grupo a gente diz assim: ‘Não, você
não tem culpa!’ Mas a gente tem um pouco de culpa, sim!
(Ana – mãe)
O sentimento de culpa apreendido das falas dos
familiares se faz presente em vários momentos.
Chamou-nos a atenção, particularmente, o depoimento
de uma das participantes do grupo durante a entrevista
individual, quando expressou seu desagrado em relação
à condição de dependência química de seu filho,
exprimindo arrepender-se de tê-lo trazido ao mundo.
Diz o seguinte:
Eu me sinto desequilibrada, culpada e arrependida
de ter tido ele... (Flávia – mãe)
Nesse depoimento, encontra-se evidente um dos
mecanismos de defesa do ego identificados por Freud,11
os quais foram e continuam sendo estudados para
descrever a luta do ego contra ideias e afetos dolorosos
e insuportáveis.
Por ocasião deste estudo, os sentimentos de culpa e
arrependimento descritos pela participante foram
38
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
denominados de negação, um mecanismo de defesa
bastante utilizado pelo dependente químico e pelo
codependente. Essa negação refere-se a uma parte da
realidade externa desagradável ou indesejável, pela
fantasia de satisfação de desejos ou pelo
comportamento. O codependente nega seu desejo,
anulando parcialmente as consequências dolorosas de
lidar com este.
Em família, na vivência cotidiana do problema da
dependência de drogas, é comum as pessoas não falarem
sobre esse assunto, não manifestarem o que pensam e o
que sentem a respeito; passa a imperar a regra do não
falar sobre. Outros focos de atenção começam a surgir
como estratégia de negação ao problema da droga.
Problemas outros ganham superênfase, e a droga ganha
subênfase. Podemos dizer que a família acaba se
tornando mantenedora do problema.
Geralmente, as famílias começam a se preocupar com
o uso da droga a partir do momento em que sintomas
físicos e emocionais são manifestados pelos seus
membros. Até então, o que se observa na família é uma
ilusão de controle sobre o problema.12 A culpa é um dos
sentimentos mais perceptíveis na condição de
codependência do familiar, manifestando-se em
momentos como o início do consumo de droga de seu
ente querido e a falta de imposição de limites.
Observamos, também, que, em virtude desses
sentimentos, o familiar assume uma atitude obsessiva
para cuidar, preocupando-se e controlando
excessivamente o dependente químico. Nesse
momento, entra em cena uma das principais
características da codependência, que é o excesso de
atenção ao outro, o qual, muitas vezes, o faz esquecerse de si próprio.
Codependente é aquela pessoa que permitiu a si
mesma ser afetada por outra e por seus problemas e
que perdeu o amor próprio, a capacidade de se afirmar
e de cuidar de si mesma.13
Mesmo amando, preocupando-se, cuidando e
controlando excessivamente, o codependente carrega
um conflito, muitas vezes inconsciente, sentindo-se
culpado por algum sentimento negativo que possa
sentir, como raiva, desconforto pela dependência
psicoemocional ou financeira. Essa condição emocional
conflituosa pode favorecer a diminuição da autoestima,
do autocuidado e do interesse sobre si próprio. A
autoestima do codependente é regulada pelo que
consegue agradar ou não ao outro.5
Como o codependente tende a assumir toda a
responsabilidade para com o dependente químico, ele
passa, também, a ser a principal referência para os outros
integrantes da família quando o assunto envolve a
dependência química daquele membro usuário. Dessa
forma, passa a receber cobranças dos outros e de si
próprio. As cobranças são referentes aos problemas
causados pelo uso de drogas e, principalmente, pelas
inúmeras tentativas, muitas vezes frustradas, de busca
de solução.
A vivência desses e de outros sentimentos e conflitos
enseja insegurança e mal-estar no codependente,
resultando em outro tipo de cobrança, só que, desta vez,
quem passa a ser exigido é o dependente químico. Em
resposta a essa pressão, o dependente químico passa a
fazer falsas juras de mudanças de comportamento e
atitude, a mentir sobre vários assuntos. Dentre as respostas
mais frequentes do dependente químico, destacamos:
dizer que não está mais consumindo drogas e que não vai
mais consumir no futuro; prometer que vai mudar de
comportamento, sendo mais responsável com sua vida,
gerando, assim, falsas crenças no codependente.
Essa cascata de cobranças é permanente e enseja
dificuldades nas relações familiares, favorecendo o
isolamento do codependente e do usuário, tornando a
relação de ambos, muitas vezes, mais doentia e
conflituosa.
Cuidado e/ou controle: A pessoa tem que ter cuidado
24 horas. É só o que eu faço. Cuido do meu filho 24 horas
sem parar, só tenho folga no sábado, quando ele vai para
a casa do pai dele. (Adriana – mãe)
Ser codependente é ser alguém que ama e cuida
exageradamente, comportamento que pode ter sido
aprendido ainda quando criança, ou mais tarde, na vida
adulta, com a interpretação de alguns fatores culturais.
Amar e cuidar excessivamente pode ter sido fruto de
uma necessidade de alguém se proteger ou satisfazer
as próprias necessidades, traduzindo-se em uma forma
de sobreviver emocional, mental e fisicamente.9
Mesmo na atualidade, ainda é comum encontrarmos
mulheres que foram ensinadas que cuidar do outro é
uma qualidade feminina desejável.9 As mulheres, mais
do que os homens, são treinadas para atender os outros
e focam sua energia na capacidade de cuidar.14
Essa tendência de a mulher cuidar dos familiares ficou
evidente no grupo quando 91% (n=10) dos
participantes eram mulheres. Destacamos, entretanto,
que tanto a mulher quanto o homem sofrem com a
codependência, pois esse cuidar do familiar ao usuário
de drogas torna-se uma necessidade imperativa, e não
uma escolha. O cuidar pode traduzir-se em “uma forma
de controle, de si e do outro”.14:22
O cuidado/controle foi observado no grupo de
familiares dos usuários de drogas como característica
marcante em todos os participantes – tanto o cuidado
excessivo com o outro como a omissão do cuidado para
consigo. A expressão do cuidar excessivo manifestouse por meio de alguns comportamentos observados:
preocupação permanente com o cuidar e se relacionar
com o usuário; observação rigorosa de todos os passos,
comportamentos e atitudes; buscar soluções para o
problema, oferecendo sugestões; tendência a antecipar
as necessidades da outra pessoa; dificuldade de dizer
não ao usuário; fazer coisas que realmente não gostaria
de fazer; realizar coisas que a outra pessoa é capaz de
realizar por si mesma; procurar agradar aos outros,
principalmente o usuário de drogas, em vez de a si
mesmo.
O cuidado excessivo também está sendo expresso
quando o familiar, por inúmeras vezes, considera-se e
sente-se responsável pelos sentimentos, pensamentos,
ações, escolhas, desejos, necessidades, bem-estar e falta
de bem-estar e, inclusive, pelo destino do dependente
químico. Essas características ficaram muito evidentes
no grupo.
Observamos, também, nos depoimentos e expressões
de sentimentos dos participantes, que eles se achavam
seguros quando se colocavam à disposição para ajudar
ou fazer algo pelo seu familiar dependente químico.
Essa, contudo, foi uma das características que foi
desaparecendo em alguns participantes, à medida que
o grupo evoluía.
O grupo revelou que cuidar excessivamente e/ou
controlar o dependente químico desenvolve uma
sensação no familiar de que o drogadito o está levando
à loucura, deixando-o confuso e deprimido. Esses
sentimentos parecem contribuir para a baixa
autoestima, pois o familiar codependente não entende
por que ele faz e cuida tanto e acaba não tendo o
resultado esperado, como podemos observar nos
discursos:
Vou acabar ficando louca. De repente, tem horas que
dá vontade de eu sair correndo feito louca; fico tão
desesperada..., e eu não faço isso porque eu tenho
vergonha, sabe? Ainda bem que tem aquela coisa que
me impede. Puxo meus cabelos! É uma loucura! O
menino me obriga a dar dinheiro... É aquela loucura!
E eu acabo fazendo tudo o que ele quer. Cuido dele
tão bem, faço tudo por ele para que ele saia dessa, mas
não tem jeito... Na realidade, o que aconteceu foi que
eu não tive controle sob meu próprio filho, soltei o
menino. É uma coisa horrorosa! Mas o que eu não
admito mesmo é porque eu faço tanto por ele, cuido
tão bem dele, e ele não agradece. Diz que eu faço é
sufocar ele. Pode? (Flávia – mãe)
A codependência é apenas uma maneira de tentar
satisfazer necessidades que não se consegue realizar,
fazendo as coisas erradas pelas razões certas.9,13
Sobre o cuidado, podemos dizer do homem que cuida
que “seu bem nunca é inteiramente bom. Seu mal jamais
totalmente mau. Mesclam-se bem e mal, diabólico e
simbólico, insensatez e sabedoria, cuidado essencial e
descuido fatal... Devemos exercer a compaixão para
com nós mesmos”.15:159
O cuidado essencial ao ser humano deve ser dispensado
de forma equilibrada e natural, pois, quando em
excesso, se transforma em obsessão, tornando-se
doentio e prejudicial a ambos – dependente e
codependente. Do mesmo modo, a carência do cuidado
origina o descuido e o abandono. A busca do equilíbrio
depende de vários fatores, e, muitas vezes, as pessoas
envolvidas com a problemática de um ente querido não
sabem definir a condição mais propícia ou ideal. No
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
39
Expressão da codependência em familiares de dependentes químicos
grupo, evidenciamos o quanto a atividade grupal
favoreceu a percepção e a busca do equilíbrio, rompendo
ou mesmo tornando consciente o comportamento
codependente.
A alternativa terapêutica de terapia grupal breve com
os familiares de adictos parece ser eficaz no sentido de
adequar e orientar condutas, contribuindo para
melhorar as relações e a organização do contexto
familiar em dependência química. Constitui uma
excelente forma de suporte para essa clientela.16
O grupo revelou o cuidado, ainda, em várias situações
do cotidiano das relações familiares mediante
comportamentos, atitudes e ações, tais como: cuidado
com a administração de medicamentos, alimentação e
preocupação com o bem-estar físico e mental;
acompanhar o dependente químico para quase todos
os locais, vigiá-lo e cuidar dele para que não entre em
contato com a droga ou sofra agressões na rua,
principalmente de pessoas envolvidas com o tráfico de
drogas.
Mudanças de estilo de vida: Estou mais tranquila
porque ontem ele já não bebeu. Eu pude dormir a noite
toda e hoje de manhã eu já estou mais recuperada. (Nara
– esposa)
A codependência é expressa, também, por meio de
outras características como mudança no estilo de vida
e o consequente aparecimento de respostas físicas e
emocionais, destacando-se: cefaleias, alteração de
pressão arterial, alteração nos valores glicêmicos,
insônia, alterações de sono, ansiedade, nervosismo, choro
fácil, cansaço físico e mental, distúrbios alimentares.
Foram relatados, também, comportamento letárgico,
deprimido e pensamento suicida, notadamente em
alguns participantes no início das atividades grupais.
Os sintomas ou respostas físicas e emocionais
identificados interferem na qualidade de vida do
familiar e alteram suas condições de saúde, levando-o
a buscar ajuda médica e a consequente medicação com
uso indiscriminado de ansiolíticos e antidepressivos,
provocando, muitas vezes, mais uma dependência
química.
O codependente somatiza sua dor emocional
traduzindo-a em queixas e respostas somatoformes. Os
sintomas e doenças psicossomáticas, na visão
psicanalítica, são achados que estabelecem correlações
com ansiedade, conflito e defesas.5
Com suporte nessa afirmação, podemos dizer que os
sentimentos experimentados pelo codependente,
muitas vezes não expressos adequadamente, têm sua
expressividade em sintomas físicos e/ou emocionais,
como observado nos participantes do grupo estudado.
Em sua grande preocupação com o outro e na impotência
para efetivamente ajudá-lo, o codependente tenta
formas aparentemente inadequadas de se comunicar
com o dependente químico, seja tentando controlar e
impor sua vontade e verdade, seja simplesmente
40
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 34-42, jan./mar., 2009
adoecendo, e assim as relações familiares vão cada vez
mais se enfraquecendo. 5,14
Observamos nos participantes reações diversas de
adaptações físicas, comportamentais e emocionais
ocorridas em razão do estresse causado pela condição
de dependência química do familiar em tratamento, e o
estresse desencadeia reações de adaptação físicobioquímicas e quanto ao comportamento do organismo.
Essas reações vão desde adaptações para um estado de
alerta (comportamento do organismo) e alterações
adaptativas do tônus cardiovascular, respiração, glicose
e alimentação do sistema nervoso central e outros locais
do corpo estressado. No codependente, essas alterações
adaptativas podem levá-lo a um estado de alerta ou com
sinais orgânicos mais acentuados por todo o corpo
estressado.5:59
A mudança no estilo de vida também foi observada no
comportamento dos participantes do grupo quando,
por inúmeras vezes, verbalizam a alteração no
comportamento pessoal, como supervisionar/vigiar o
dependente químico, passando a evitar deixá-lo
sozinho em grande parte do dia. Dizemos parte dos
passos porque alguns dependentes químicos,
conscientes ou não de sua necessidade de apoio e
tratamento, não querem ou não conseguem deixar de
consumir as drogas e ficam arranjando sempre uma
forma de fugir, esconder-se e buscar situações que lhe
permitam o uso, burlando a vigilância e o controle
familiar.
Esse comportamento do familiar e do usuário de drogas
enseja uma condição de instabilidade emocional no
codependente e a eclosão de vários sentimentos,
normalmente negativos e prejudiciais a si e ao outro,
destacando-se a ansiedade. A ansiedade caracteriza-se
por uma vaga sensação de que algo desagradável pode
acontecer, decorrendo de uma situação conflituosa que
pode estar total ou parcialmente inconsciente.17
Tais conflitos podem ocorrer entre sujeito e sociedade
ou mesmo entre partes da personalidade, como
conflitos internos, em geral inconscientes, e gerados ao
longo do desenvolvimento pela assimilação das
experiências de vida. Esses são nossos conflitos internos
e podemos ressaltar que os externos são mais
patogênicos quanto mais intensificam os conflitos do
nosso mundo interno. 5,17 Dessa forma, situações
emocionalmente significativas e não resolvidas de um
mundo internalizado podem ser estimuladas por
situações atuais.
Ansiedade, insegurança, comportamento obsessivocompulsivo e medo podem estar entre os fatores
influentes na reincidência de sintomas que caracterizam
a mudança no estilo de vida experimentado pelo
codependente. Essas mudanças no estilo de vida
demonstram os últimos estádios da codependência,
em que o indivíduo pode se isolar e/ou se afastar
do dependente químico, negligenciando-o,
independentemente do parentesco, ou eximindo-se de
outras responsabilidades, perdendo, também, a
esperança na recuperação ou na possibilidade de alterar
as relações. Em resposta a isso, pode começar a planejar
o afastamento do relacionamento ao qual o
codependente se sente aprisionado.9
Com relação a planejar o afastamento da relação,
identificamos, nos discursos dos participantes, a
sensação de cansaço por se encontrarem naquela
situação de vida, sendo acompanhada do sentimento
de perda de esperanças relacionado à dependência
química:
Então, hoje eu penso assim: hoje eu estou me
preparando até para que realmente se acontecer
alguma coisa com o meu filho, ele escolheu. Não fui
eu. Ele escolheu! Eu coloco tudo isso na minha cabeça:
eu não sou culpada pelo que acontecer com ele e eu
quero viver bem, continuar dormindo. Ser firme com
ele ao ponto de mandá-lo escolher a vida que ele quer
levar. Agora eu não sei como vou fazer isso porque,
infelizmente, ainda está assim muito confuso na
minha cabeça. (Sandra – mãe)
Desconfiança: Parece que o discurso da família vai se
tornando vazio, sabe? É como se fosse uma coisa que bate,
mas não entra mais. Então se fecha, e nós começamos a
desconfiar cada vez mais. (Maria – irmã)
O codependente vive uma intensa desconfiança de
várias coisas, dentre elas a de que está sendo roubado
e enganado. Pode haver chantagens emocionais para
o dependente químico conseguir dinheiro e bens
materiais para serem trocados por drogas. O
codependente desconfia de que seu componente
familiar possa estar mentindo, começando, assim, as
inúmeras interrogações, surgindo um grande
sentimento de vazio e impotência de que tudo que ele
está fazendo não está tendo o resultado esperado.
O grupo de apoio/suporte revelou, por meio de suas
produções e verbalizações, que essa desconfiança não
é somente do codependente para com o dependente
químico, mas do codependente para com ele próprio.
Esse clima de desconfiança ocasiona incertezas no
familiar até mesmo em relação aos próprios
sentimentos ou ao conhecimento de si mesmo, e ele
passa a não confiar nas suas decisões e se sente inseguro
quando tem de tomar alguma atitude.
Essa constante desconfiança produz um sentimento de
vazio interior que pode resultar na perda, dentre outras,
da fé e da confiança em um ser superior, tão presente
nos membros desse grupo. Essa forma de expressão da
codependência resultou, inúmeras vezes, na utilização
de fatores curativos, como instilação de esperança e
altruísmo pelos participantes durante o processo
grupal.
E quando o familiar descobre que algo de que ele
desconfiava, em relação ao usuário, se concretizou, ele
passa a cobrar mais ainda, fazendo inúmeras pressões
emocionais e ameaças. Começam, então, a surgir, da
parte do dependente químico, promessas de mudança,
quase sempre não cumpridas. Não podemos nos
esquecer de citar que, com isso, a família, passa a viver
todo esse clima de desconfiança gerado, principalmente,
pela relação de ambos: familiar com atitude de
codependência e dependente químico.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, identificou-se que os familiares sofrem
com a condição de dependência química de seus entes
queridos e manifestam esse sofrimento por meio de
diversos sentimentos e mudanças no estilo de vida.
O grupo revelou que ser um familiar codependente é
ser alguém que vivencia inúmeros sofrimentos,
necessitando de ajuda e assistência profissional, pois
os familiares têm sentimentos ambivalentes entre
querer e não querer mudar seu comportamento diante
do que vivenciam ou entre querer e conseguir. Foi
possível identificar que eles sofrem e muitos querem
ajuda e a procuram. Observou-se, na prática dos
serviços de tratamento da dependência química, o fato
de o sofrimento e as necessidades dos familiares
passarem despercebidas, concentrando-se a atenção
apenas no usuário. Com essa atitude, o familiar não é
contemplado em suas necessidades nem percebido e
valorizado como rede de apoio na atenção ao
dependente químico.
Este estudo nos permitiu refletir sobre a prática de
intervenção de saúde em relação aos familiares dos
dependentes químicos, ressaltando e valorizando cada
vez mais o papel da família como rede de suporte ao
membro usuário de drogas, pois as práticas de
intervenção, ainda são muito focadas na droga e, por
conseguinte, no indivíduo que dela é dependente.
A ampliação desse olhar se faz necessária, para que ocorra
a superação da apreensão fragmentada do dependente,
na proposição de uma visão ampliada sobre o problema,
que inicialmente é a droga. Compreendemos o fenômeno
da dependência como a manifestação de um sintoma
que reflete e esconde uma intrincada rede de relações,
na qual o indivíduo se insere. Significa entender o
dependente como parte integrante de um sistema – o
familiar – do qual a dependência, como sintoma, é
resultante das interações recíprocas entre seus membros,
e, ainda, entender a família como parte de um universo
ainda mais amplo, que é a sociedade.
Finalmente, ao conhecermos os indicadores de
codependência presentes na vivência do familiar do
dependente químico que é assistido em um grupo,
certamente ficará mais fácil interferir na rede de relações
familiares e no processo de adoecimento e tratamento
dos envolvidos com a dependência química. Nessa
realidade, afirmamos a importância da família ao se
envolver na recuperação do dependente químico, mas,
para que isso ocorra, é necessário conhecermos essa
instituição, na busca de melhor apreensão de sua
dinâmica com atenção para o problema vivenciado.
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Expressão da codependência em familiares de dependentes químicos
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Data de submissão: 27/2/2009
Data de aprovação: 7/7/2009
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OFICINAS DE RECICLAGEM NO CAPS NOSSA CASA: A VISÃO DOS FAMILIARES
RECYCLING WORKSHOPS AT “NOSSA CASA” CENTER OF PSYCHOSOCIAL CARE: A VISION OF THE FAMILY
TALLERES DE RECICLAJE EN EL CAPS NOSSA CASA: VISIÓN DE LOS FAMILIARES
Luciane Prado Kantorski1
André Luis Alves de Quevedo2
Ariane da Cruz Guedes3
Valquíria de Lourdes Machado Bielemann4
Rita Maria Heck5
Luana Ribeiro Borges6
RESUMO
Este artigo versa sobre as oficinas como dispositivos de cuidado, nos Centros de Atenção Psicossocial, na concretização
das diretrizes da reforma psiquiátrica. Analisamos a relação das oficinas de reciclagem do CAPs Nossa Casa de São Lourenço
do Sul-RS como espaço terapêutico, a geração de renda, a relação com o meio ambiente e a integração dessas oficinas
com a comunidade por meio da visão do familiar. A metodologia empregada para essa análise baseia-se na abordagem
qualitativa, tendo como instrumento entrevistas semi-estruturadas, realizadas com 12 familiares do CAPs Nossa Casa, e a
observação (150 horas) com registro em diário de campo. Com base na relação entre os objetivos das oficinas propostas
e a literatura disponível sobre o tema, chegamos às seguintes conclusões: as oficinas de reciclagem, como espaço
terapêutico, têm-se mostrado eficientes para acolher os usuários no serviço, contribuindo para a terapêutica. No que se
refere à relação com a comunidade e o meio ambiente, percebe-se que as oficinas de reciclagem têm aprimorado as
relações do usuário com o seu círculo social, por meio das relações sociais, dando ênfase à preservação do meio ambiente.
Por fim, percebemos que as ações relacionadas à geração de renda, no serviço, ainda são tímidas e necessitam de apoio
maior para, assim, haver uma inclusão realística do usuário por meio do trabalho, indo ao encontro da reabilitação
psicossocial.
Palavras-chave: Psiquiatria; Reabilitação/psicologia; Serviços de Saúde Mental; Terapia Ocupacional; Relações Familiares.
ABSTRACT
This article is about the role of the workshops in the Centers for Psychosocial Care, to assure the implementation of the
psychiatric reform guidelines. We discuss the role of recycling workshop of CAPS São Lourenço do Sul - Rio Grande do Sul,
as therapeutic area and as a way to generate some income. We also discuss its relationship with the environment and its
integration with the community considering the vision of the family. The methodology was based on a qualitative approach
and included semi-structured interviews with 12 family members of the CAPS Santa Casa, and observation (150 hours)
with daily record in the field. Considering the goals of the workshops and the literature on the subject, we have come to
the following conclusions: as a therapeutic area, the recycling workshops have proven to be effective to welcome users in
the service, contributing to the therapy. Regarding the community and the environment, we realize that recycling
workshops have improved the relationship between the user and its social circle, and have emphasized the preservation
of the environment. Finally, we realize that actions which aim to generate some income in the service are still shy and
require a better support to provide a real inclusion of the user, and then lead to a psychosocial rehabilitation.
Key words: Psychiatric; Rehabilitation/psychology; Mental Health Services; Occupational Therapy; Family Relations.
RESUMEN
Este artículo trata sobre los talleres como dispositivos de cuidado dentro de los Centros de Atención Psicosocial siguiendo
las directrices de la reforma psiquiátrica. Discutimos la relación de los talleres de reciclaje del CAPS Nossa Casa de São
Lourenço do Sul, Rio Grande do Sul, como espacio terapéutico; generación de ingresos; relación con el medio ambiente e
integración con la comunidad, a través de la visión del familiar. La metodología empleada para este análisis se basa en el
enfoque cualitativo teniendo como instrumento las entrevistas semiestructuradas realizadas con 12 familiares del CAPS
Nossa Casa y la observación (150 horas) con control diario de campo. A partir de la relación entre los objetivos de los
talleres y la literatura disponible sobre el tema llegamos a las siguientes conclusiones: como espacio terapéutico los
talleres de reciclaje se han mostrado eficientes para acoger a los usuarios en el trabajo contribuyendo a la terapia. En lo
que se refiere a la relación con la comunidad y el medio ambiente, se percibe que los talleres de reciclaje han mejorado las
relaciones del usuario con su círculo social a partir de los contactos sociales y dando énfasis a la preservación del medio
ambiente. Además, percibimos que las acciones relacionadas con la generación de ingresos aún son tímidas y necesitan
más apoyo para que haya verdadera inclusión del usuario a través del trabajo, yendo al encuentro de la rehabilitación
psicosocial.
Palabras clave: Psiquiatría; Rehabilitación/psicología; Servicios de Salud Mental; Terapia Ocupacional; Relaciones
Familiares.
1
2
3
4
5
6
Enfermeira. Doutora em Enfermagem (EERP). Diretora e Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas (UFP)-RS.
Acadêmico do 5º semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas (UFP)-RS. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Acadêmica do 9º Semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas-RS. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Enfermeira. Mestre em Enfermagem (UFSC). Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia – Universidade Federal de Pelotas (UFP)-RS.
Enfermeira. Doutora em Enfermagem (UFSC). Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia – Universidade Federal de Pelotas (UFP)-RS.
Acadêmica do 9º Semestre do Curso de Enfermagem e Obstetrícia Universidade Federal de Pelotas-RS.
Endereço para correspondência: Rua: Victor Valpírio, 289, bairro Três Vendas. CEP: 96020-250, Pelotas-RS. E-mail: [email protected].
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Oficinas de reciclagem no CAPS Nossa Casa: a visão dos familiares
INTRODUÇÃO
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) são unidades
de atendimento aos portadores de sofrimento psíquico
grave, constituindo-se um modelo substitutivo àquele
centrado no hospital psiquiátrico, caracterizado por
internações de longa permanência e regime asilar. Os
CAPs, ao contrário, permitem que os usuários
permaneçam com suas famílias e comunidades.1 Suas
diretrizes abrangem uma diversidade de métodos e
técnicas terapêuticas nos vários níveis de complexidade
assistencial – em outras palavras, são serviços
comunitários cujo papel é cuidar de pessoas que sofrem
com transtornos mentais, em especial os transtornos
severos e persistentes, no seu território de
abrangência.2,3 Nesse sentido, são serviços substitutivos
estratégicos no processo de consolidação da reforma
psiquiátrica.4
Durante a participação no projeto de Avaliação dos CAPs
da região Sul do Brasil, na transcrição das entrevistas e
limpeza do banco de dados do campo qualitativo do
CAPs Nossa Casa de São Lourenço do Sul, identificou-se
a existência de oficinas de reciclagem, associadas com a
questão da reabilitação psicossocial e a geração de renda;
a proteção ao ambiente e inclusão social; e a criação de
ambiência terapêutica acolhedora no serviço, visando
incluir pacientes muito desestruturados e comprometerse com a construção dos projetos de inserção social. Essas
oficinas vão ao encontro das diretrizes da Reforma
Psiquiátrica no Brasil, cuja meta é a desinstitucionalização
e inclusão, integrando os portadores de sofrimento
psíquico aos diferentes espaços da sociedade, até mesmo
ao trabalho.5
Resgatando historicamente a trajetória do CAPs Nossa
Casa, esse centro é um dos primeiros serviços de saúde
mental reconhecido no Brasil e o primeiro no Estado
do Rio Grande do Sul, reiterando-se sua importância
como campo de observação desse estudo. Em agosto
de 1992, quando o Rio Grande do Sul aprovava sua lei
estadual de reforma psiquiátrica, a “Nossa Casa”, serviço
de atenção diária em saúde mental de São Lourenço
do Sul, já funcionava cuidando de portadores de
transtornos psíquicos graves em regime aberto desde
agosto de 1988.6 As oficinas inserem-se nesse contexto
em que se propõem cuidar de pessoas com transtornos
psíquicos graves em liberdade.
Quanto às oficinas de reciclagem utilizadas para este
estudo, temos a oficina de sabugo, onde os usuários
realizam trabalhos artesanais, como suporte para
mesas, e esses artefatos são vendidos para uma fábrica
situada na cidade de Porto Alegre. Ressalte-se que o
sabugo utilizado nessa oficina é adquirido no Caminho
Pomerano. Por conseguinte, temos a segunda oficina
proposta, a de papel machê, na qual os materiais
fabricados, como cartolinas, agendas do serviço, são
construídos e vendidos em eventos e nas visitas que o
CAPs recebe das Universidades.
Para se ter uma ideia da relevância do trabalho realizado
na Nossa Casa, destaca-se que os brasileiros produzem,
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diariamente, 125.281 mil toneladas de lixo, sendo que
30,5% são jogadas a céu aberto.7 As oficinas, como
atividades grupais de socialização, expressão e inserção
social, quando propõem a reutilização do papel e do
sabugo, e, por meio de trabalhos artesanais, revertemnos em renda para os usuários, constituem-se em
espaços terapêuticos e de proteção do ambiente. Com
base nisso, o objetivo com este trabalho apresentar uma
análise das oficinas de reciclagem como terapêutico,
geração de renda, relação com o meio ambiente e
integração com a comunidade.
DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA
A metodologia empregada para esta análise baseia-se
na abordagem qualitativa, tendo como instrumento
entrevistas semiestruturadas, realizadas com 12
familiares do CAPs Nossa Casa e observação (150 horas)
com registro em diário de campo. A coleta de dados
ocorreu nos meses de novembro e dezembro 2006, no
CAPs Nossa Casa, na cidade de São Lourenço do Sul-RS.
Foram utilizados 10 das 12 entrevistas de familiares, pois
dois entrevistados não apresentaram falas condizentes
com o foco do estudo. Os dados foram extraídos do
banco de dados qualitativos da pesquisa de Avaliação
dos CAPs da Região Sul do Brasil, contando com a
autorização prévia da coordenação do estudo.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Pelotas, pelo Ofício n° 074/2005. As oficinas
analisadas no serviço em estudo são: oficina de papel
machê e oficina de sabugo de milho. O material
coletado no campo empírico foi interpretado com base
em uma relação entre os objetivos da oficina proposta
e a literatura disponível sobre o tema.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados foram analisados com base nas seguintes
temáticas: oficina de reciclagem, como espaço
terapêutico, de geração de renda, e a relação com o
meio ambiente e a comunidade.
Trabalho e geração de renda
A reabilitação psicossocial se dá com base em um dos
eixos que consiste na inserção por meio do trabalho.
Considerando o fato de que as habilidades para o
trabalho aumentam a contratualidade do usuário e
recaem no desafio da geração de renda, as oficinas,
como dispositivos para gerar renda, maximizam o grau
de autonomia dos usuários, favorecendo, assim, o
processo de reabilitação psicossocial.
Segundo Pitta,8 entende-se por reabilitação psicossocial,
a recobrança de crédito, estima ou bom conceito perante
a sociedade, o que nos dá uma dimensão ampla de
cuidado, que vai muito além da desospitalização. É uma
união de esforços que amplia as possibilidades de viver
em liberdade ao indivíduo em sofrimento psíquico:
Olha é bom, porque eles fazem, vendem e aquela
contribuição não fica no plano da casa [CAP]. (Ent 2)
É, ele trabalhou, ele ganhou. É um serviço. [...] Ah, ele
gosta, seguido ele vem dizendo: ‘Ai porque eu fiz isso,
porque eu fiz aquilo, ah porque eu terminei meu
serviço hoje. (Ent 3)
Eu acho assim importante, além de tratar, ajudam o
paciente a melhorar, eles reabilitam o paciente, tem
uma oficina, [...] tentam uma coisa aqui, tentam no
sabugo, não deu, vai à aula de dança. Acho que isso é
positivo, para o paciente e no caso a gente fica tranquilo,
sabendo que eles vêm contentes de lá. (Ent 4)
Nesse sentido, podemos explicitar o conceito de
resiliência, pertencente ao campo da física, enfatizado
por Valentini Jr. e Vicente,9:49 o qual é traduzido como
“uma propriedade pela qual a energia armazenada em
um corpo deformado, é devolvida quando cessa a
tensão causadora da deformação elástica”,
evidenciando, assim, a troca do modelo do dano para o
do desafio. Essa afirmação traduz o real impacto que a
reabilitação psicossocial deve ter na vida do usuário,
pela proposta da reforma psiquiátrica, contemplando
a volta do indivíduo em sofrimento psíquico ao seio
social, livre de estigmas e preconceitos, construindo
relações de igualdade.
Para que haja reestruturação no viver do ser em
sofrimento psíquico, é necessário o restabelecimento
do seu poder contratual, levando em conta sua rede
social. De acordo com Dalmolin,10 compreender o
processo saúde-doença significa entender que o
sofrimento envolve uma experiência que ocorre na vida,
está relacionado com os sistemas simbólicos e tem um
significado para o sujeito que o vive, bem como para o
contexto em que está inserido.
Então, surgem como estratégia de ampliação do poder
contratual do indivíduo, no âmbito dos serviços
substitutivos ao modelo hospitalocêntrico, as oficinas
terapêuticas, evidenciadas anteriormente. A seguir há
exposição de verbalizações feitas pelos familiares em
relação a essa temática:
O local lá é bom, bem grande, bem espaçoso, tem
muitos lugares assim, para eles fazer atividades, que
eles fazem. Tem atividades manuais. Também fazem
tapetes, eu acho superlegal. (Familiar 3)
Eles incentivam bastante eles a fazer, continuar
fazendo o serviço. (Ent 6)
Não, as oficinas não têm só finalidade financeira, não,
têm a finalidade para reabilitar eles. (Ent 7)
Trabalho muito importante aquilo ali. (Ent 11)
Eu acho. Se eles aprendem direitinho, eles ensinam,
eles fazem cada trabalho mais bonito! (Familiar 12)
Rotelli e Amarante 11 afirmam que, nas atividades
desenvolvidas pelos serviços substitutivos, as oficinas
e as cooperativas de trabalho aparecem como uma
modalidade de cuidado/criação, gerando possibilidades
de produção artística, intelectual e geração de renda.
Nesse sentido, Saraceno12 afirma que a reabilitação
psicossocial deve convergir para o poder de
contratualização do usuário, envolvendo hábitat, rede
social e trabalho. Assim, as oficinas, como instrumentos
de reabilitação, devem ir ao encontro desses três
eixos:
Dão uns ‘troquinhos’ para eles lá. Eles vendem os
trabalhos deles, então, dão um ‘dinheirinho’. Ele vem
sempre faceiro com o dinheiro, tão faceiro. [...] Assim,
para incentivar também, porque eles achando que
estão ganhando o ‘dinheirinho’ deles, eles trabalham,
têm força de vontade para fazer o trabalho deles. [...]
Não, ele ganha assim, conforme ele termina o
trabalho, eles vendem e dão metade para eles. [...]
Acho que são 100 reais. (Familiar 3)
Ah é, sempre ajuda um pouquinho, os legumes da feira
sempre, sempre ajuda. (Familiar 4)
No que se refere ao trabalho, Saraceno13 ressalta que este,
ao ser entendido como “inserção laborativa”, pode
promover um processo de articulação do campo dos
interesses, das necessidades e dos desejos. Afirma que o
trabalho é um meio de sustento e representa um meio
de autorrealização, sendo essa relação associada com o
sentido e o valor que a sociedade lhe atribui; da mesma
forma que é artefato de um projeto para um indivíduo.
Por mais que gere bem-estar no usuário, constatamos,
todavia, nas entrevistas analisadas, que as oficinas de
geração de renda ainda não evoluíram suficientemente
de maneira que contemple o suprimento das necessidades
dos usuários. O rendimento financeiro por meio delas é
limitado e não gera um ganho fixo mensal, uma vez que,
em média, o valor individual não passa de 1/7 do salário
mínimo ao mês para cada usuário participante:
A renda não é muita, e a produção deles também é
pequena. As condições deles são mínimas, então quer
dizer que não é grande coisa, até porque é uma
coisinha, para o cigarro, para alguma coisinha, para
alimentação, mas é mínima [...]. Teria que ter muito
mais, produção muito maior, uma condição de
trabalho melhor [...]. A venda que eles têm é mínima.
Não dá para quase nada, não dá para eles
sobreviverem com isso. Então não é um trabalho onde
eles podem se sustentar e manter uma família.
(Familiar 7)
O rendimento é lá de vez em quando, como vou lhe
explicar. Sei lá, ela tem uma percentagem do trabalho
dela. [...] Ajuda alguma coisa que ela tem vontade de
conseguir. [...] É cada pessoa recebe um ‘trocadinho’,
cada caso é um caso. Às vezes é uma quantia bem
irrisória. (Familiar 9)
Uma vez ele veio muito contente com dois reais que
ele tinha vendido, não sei o que ele tinha feito. [...]
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Oficinas de reciclagem no CAPS Nossa Casa: a visão dos familiares
Ah é, contente sim. Ele disse assim, que vendeu não
sei o que, que alguém tinha comprado uma coisa.
(Familiar 10)
Ela sempre compra alguma coisinha pra ela. Até daqui
da Nossa Casa mesmo, ela compra também, aquelas
bolsinhas. Aquelas coisas assim que ela acha que está
utilizando, que vai utilizar. (Familiar 12)
Entretanto, um dos familiares expôs uma ideia de
aprimoramento das oficinas, afirmando a importância
de capacitar o usuário de tal maneira que este esteja
preparado para trabalhar quando obtiver alta do
serviço:
Condição de trabalhar melhor, coisas que eles possam
trabalhar, manusear, material para eles revenderem [...].
Teria que ter recurso financeiro, para poder adquirir o
recurso material, porque não adianta ter recurso
material mínimo de coisas [...] é uma coisa pequena, eles
teriam que ter muito mais. [...] Têm muitas pessoas que
têm condições de fazer isso aqui dentro. E é uma forma
deles próprios ganharem um dinheiro. É a hora de poder
sair, trabalhar diretamente com o público e abrir os seus
horizontes, vendo que têm capacidade de seguir em
frente. [...] Uma atividade onde eles se capacitam para
futuramente gerenciarem e construírem fora dali uma
coisa para eles. (Familiar 7)
Para finalizar este tópico, ressalte-se a colocação de
Lappann-Botti 14 de que as oficinas terapêuticas
promovem o exercício da cidadania, a expressão de
liberdade e a convivência dos diferentes.
Espaço terapêutico
Torna-se relevante para esse estudo a abordagem da
temática “espaço terapêutico” ancorado na reabilitação
psicossocial. O verdadeiro sentido desse espaço toma
forma a partir do momento em que proporciona ao
indivíduo o aumento do seu poder contratual, ou seja,
a ampliação de suas redes sociais e o fortalecimento de
sua autonomia, tornando-o um cidadão realmente
inserido nos cenários de relações sociais.
De acordo com Kinoshita,15 a contratualidade do usuário
vai estar determinada pela relação estabelecida pelos
profissionais que o atendem, os quais podem usar o poder
que têm para aumentar o poder do usuário ou não;
depois, pela capacidade de elaborar projetos, isto
é, ações práticas que modifiquem as condições
concretas da vida, de modo a que a subjetividade
do usuário possa enriquecer-se, assim como para
que as abordagens terapêuticas específicas possam
contextualizar-se.15:57
Porém, ainda que o serviço se esforce em fazer com que
as oficinas não sejam espaços de entretenimento, os
familiares mantêm uma percepção manicomial sobre
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esses dispositivos. De acordo com Saraceno,13:16 entreter
significa “ter dentro, passar prazerosamente o tempo”.
O usuário pode ser entretido com atividades recreativas
e criativas, em diversos âmbitos da sociedade, inclusive
nos CAPs. Podemos evidenciar isso nas observações dos
familiares a seguir:
Eu acho bom porque ajudam eles lá dentro. Eles
aprendem alguma coisa, aí eles têm alguma coisa
para se ocupar lá dentro. (Familiar 8)
Eu acho que é uma ocupação, que eles têm que ter uma
ocupação, para ocupar o tempo, porque senão vão
ficar o tempo todo parados. (Familiar 10)
Eu acho bom, porque ela se distrai fazendo. [...] Eu
acho, até para estimular, para eles não ficar assim sem
fazer nada, pode até fazer em casa. (Familiar 12)
Ainda de acordo com Saraceno, 13 a quebra do
entretenimento constitui a fonte que deve ser
conhecida e governada. Essa quebra necessita vir
agregada de ações dotadas de maior eficácia
transformadora da vida do indivíduo. Com base nisso,
há falas em que os familiares ressaltam a importância
dessas oficinas como espaços de valorização das
subjetividades, do trabalho e de outras implicações que
facilitam a formação de um espaço terapêutico
acolhedor no serviço.
É trabalho, eu acho que é trabalho e assim como é que
eu vou dizer, ajuda muito para não estar assim
preocupado com outras coisas, então tem o serviço
para fazer, tem aquilo para fazer, é uma atividade,
para mim é uma atividade muito boa. (Familiar 2)
Eu digo que cada trabalho tem o seu valor, às vezes
podem achar pouco. (Familiar 9)
Tudo isso é muito bom para mente dele, é bom.
(Familiar 11)
Relação com o meio ambiente e integração com a
comunidade
No município de São Lourenço do Sul-RS, existe uma
rede de atenção em Saúde Mental estruturada e
integrada, composta por: CAPsi, CAPsad, Unidade
Psiquiátrica em Hospital Geral, com dez leitos e
ambulatório de saúde mental integrado ao CAP, o que
corrobora para a formação de vínculos em uma
comunidade de “42.339 habitantes”.16
Observando as oficinas de reciclagem sob o ponto de
vista de relação com o ambiente, é relevante ressaltar a
integração do serviço de saúde mental de São Lourenço
do Sul com os diferentes espaços daquela sociedade.
A pesquisadora 3 pergunta como eles (partícepes das
oficinas) conseguem as ferramentas de trabalho, a
profissional apodera-se do momento, explicitando
sobre a oficina de sabugos: ‘Tem o caminho Pomerano.
Já fizemos com uma parte dos usuários. No caminho,
ganhamos os sabugos, vamos recolhendo e assim,
temos material. A oficina de papel machê, tem o papel
daqui, das gráficas, dos bancos, tudo é doação.’ (Diário
de Campo).
Situando o contexto da fala anterior, há necessidade de
explicitar que esta atividade desenvolvida pelo serviço
o Caminho Pomerano trata-se de uma visita pelos
limites do município, ou seja, um contato com as
famílias que residem nas colônias alemãs, as quais são
agregadas à área física do município de São Lourenço
do Sul. Quando falamos em inserção social, devemos
ter em mente a significação de participação ativa. Desse
ponto de vista, temos na comunidade lourenciana um
forte predomínio da cultura alemã e pomerana. Nessa
perspectiva, os usuários vão ao interior do município
para se aproximarem dessa cultura e recebem doações
de sabugo de milho dos agricultores. Essas ações
mostram, linearmente, a inserção e o aceite do usuário
nesses ambientes.
Nesse contexto ainda, ao analisarmos a relação do
usuário com a comunidade no que tange à coleta da
matéria-prima para a oficina de sabugo, evidenciamos
na fala do Familiar 2 que seu parente recebe de vizinhos
que têm sítios na zona rural alguns sabugos para a
utilização na oficina. Isso evidencia a articulação dos
usuários que transcende os limites do CAP.
Cooperam, porque ele tem muito conhecido, ele fala
com um e com outro, e eles dizem: ‘Lá em casa tem, e
eu vou trazer’. Uma senhora, parece que de Pinheiros,
foi na nossa ‘tenda’ e falou: ‘Eu vou te trazer sabugos.’
(Familiar 2).
Com base nessa explanação e no discurso antecedente,
percebe-se que as oficinas, como dispositivos
terapêuticos, cumprem seu papel, naquela
comunidade, de ampliação do espaço social aos
indivíduos em sofrimento psíquico. Percebe-se que há
trocas comunitárias, culturais e sociológicas, o que vai
ao encontro do princípio da reabilitação psicossocial,
integrando as pessoas em sofrimento psíquico nos
diferentes espaços da sociedade.5
Nesse sentido, Lappann-Botti 14 enfatiza que a
concepção de terapêutico advinda do fator convivência
está diretamente relacionada à ideia de reinserção,
voltada para recuperação de vivência cotidiana em seus
aspectos socioafetivos e geográficos, constituindo,
assim, novas relações sociais, bem como com o espaço
da cidade. A autora afirma que as atividades conjuntas
com a comunidade próxima da pessoa em sofrimento
mental podem ser um meio eficaz para a maximização
da produção e da inserção social do indivíduo.
Olha, ao meu ver, assim, que ajuda a inserção
social é mais o artesanato, a oficina de
artesanato. (Familiar 6)
Acho que a inclusão social [...] seria, no caso, eles
conviverem mais com a sociedade, oportunidade de
ter um emprego, de trabalhar. [...] Inclusão social seria
tirar eles dali e arranjar uma oficina fora dali para
aquelas pessoas que têm condições de trabalhar [...].
Deveriam procurar fazer um acordo com a
comunidade, onde eles pudessem incluir essas pessoas
com capacidade para o trabalho. [...] Eles têm contato
uns com os outros, criam laços de amizade e
afetividade. Eles mesmos se relacionam, discutem os
seus problemas, se apoiam ali. (Familiar 7)
A apresentação dos trabalhos manuais que eles fazem
[...]. Quando tem feira, eles mostram os trabalhos: os
tapetes. (Familiar 12)
Demonstraram no Mental Tchê o trabalho deles.
Começou a ter pedidos. (Familiar 4)
A última fala explicitada mostra o quanto as atividades
realizadas pelo CAP Nossa Casa estão articuladas com
aquela comunidade. Um exemplo dessa articulação é
o Mental Tchê, evento regional realizado na cidade de
São Lourenço do Sul-RS, em comemoração ao Dia da
Luta Antimanicomial (18 de maio), que reúne
anualmente trabalhadores de saúde mental, usuários,
familiares e estudantes de todo o Estado do Rio Grande
do Sul e de outros Estados. Nesse evento, discutem-se
perspectivas e rumos da reforma psiquiátrica. Reafirmase, na prática, como um espaço de horizontalização das
relações, questionamentos e rupturas com
preconceitos, gerando movimentos para a integração
do usuário com a comunidade.
Podemos refletir, diante do exposto, que a Reforma
Psiquiátrica, como movimento social, ensina que, a
partir do momento em que se conseguir mudar
mentalidades, mudar atitudes e mudar as relações
sociais, se obterá êxito nas relações do campo social e
no constructo da emancipação da real cidadania ao
indivíduo em sofrimento psíquico. Na edificação da
cidadania, não basta somente aprovar leis, uma vez que
não se determina uma pessoa como cidadã por decreto.
Nesse momento da caminhada, devem-se concretizar,
no plano subjetivo, as ações realizadas por Basaglia, ou
seja, “destruir muros” constituindo espaços e formas de
lidar com a loucura e a doença mental, extinguindo com
o manicômio do plano mental. 11,17
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebe-se que as oficinas de
reciclagem do CAP Nossa Casa encontram-se bem
estruturadas, visto que suas ações constituem-se em
terapêuticas, contribuindo para o processo de
reabilitação psicossocial, para a aceitação das
diferenças. Assim, torna-se pertinente mencionar que
a comunidade lourenciana, além de reconhecer o
serviço, atua efetivamente na viabilização das oficinas,
visto que separa e doa a matéria-prima para a realização
das atividades. Embora o objetivo de gerar recursos
financeiros seja reconhecido pelos familiares como
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 43-48, jan./mar., 2009
47
Oficinas de reciclagem no CAPS Nossa Casa: a visão dos familiares
insuficientes para a subsistência, não se pode
desconsiderar que os ganhos oriundos do artesanato
produzido em oficina, de certa forma, auxiliam no
montante financeiro da família. Como exposto, os
ganhos do usuário, embora pequenos, são utilizados
para a aquisição de bens de consumo, os quais, em
outras situações, caberiam à família adquirir. Assim, as
oficinas possibilitam o resgate do desejo pelo trabalho
por parte de usuário, pois, por meio da produção e
livre expressão unem saúde, convívio social,
reabilitação psicossocial, cultura e proteção do meio
ambiente, promovendo, assim, qualidade de vida e
inclusão, possibilitando a transformação das ações do
sujeito.
Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Nacional do Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Ministério da Saúde
pelo apoio financeiro, o qual propiciou a realização da
Pesquisa de Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial
da Região Sul do Brasil (CAPSUL), da qual os dados deste
artigo foram extraídos.
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: FGV; 2000. 296 p.
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Atenção Psicossocial da Região Sul do Brasil. Órgão Financiador CNPq, 2005. [Citado em 2007 ago. 14]. Disponível em: www.ufpel.edu.br/
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Data de submissão: 16/7/2008
Data de aprovação: 19/8/2009
48
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 43-48, jan./mar., 2009
CONCEPÇÕES DE CUIDADO DOS FAMILIARES CUIDADORES DE PESSOAS
COM DIABETES MELLITUS
FAMILY CAREGIVERS OF PEOPLE WITH DIABETES MELLITUS: CARE CONCEPTS
CONCEPCIONES DE CUIDADO DE LOS FAMILIARES CUIDADORES DE PERSONAS CON DIABETES
MELLITUS
Ricardo Castanho Moreira1
Márcia Glaciela da Cruz Scardoelli2
Roselene da Cruz Baseggio3
Catarina Aparecida Sales4
Maria Angélica Pagliarini Waidman4
RESUMO
Diante das demandas que envolvem o indivíduo com diabetes mellitus e sua família no contexto domiciliar, o objetivo
com este estudo foi identificar as concepções de cuidado expressas por familiares de pessoas com diabetes mellitus.
Trata-se de um estudo qualitativo de caráter descritivo, realizado em três municípios do Estado do Paraná
(Bandeirantes, Campina da Lagoa e Enéas Marques) no mês de setembro de 2006. Os sujeitos participantes da
pesquisa foram nove indivíduos identificados pela pessoa com diabetes mellitus como cuidador informal dela.
Obedeceu-se, neste estudo, aos preceitos éticos dispostos na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo para tratamento dos dados, de onde emergiram duas categorias:
Convivendo com o diabetes mellitus em seu lar e O processo de cuidar e o relacionamento familiar. O estudo permitiu
descrever como o cuidador familiar percebe o cuidado à pessoa com diabetes mellitus e as vivências da família e as
dificuldades diárias para o controle da doença, com vista a contribuir para o melhor conhecimento dos fatores
comportamentais e emocionais que devem ser considerados no planejamento de ações de saúde voltadas para a
assistência integral a essa população.
Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Relações Familiares; Assistência Domiciliar.
ABSTRACT
This study aims to identify the concepts of care that relatives of people with Diabetes mellitus have, considering the
demands faced by the diabetic patient and their family at home. It is a qualitative and descriptive study, which was
carried out in three cities of the State of Parana (Bandeirantes, Campina da Lagoa and Enéas Marques), in September,
2006. The participants were individuals identified by the patients as their informal caregivers. A total of nine individuals
participated. The study followed the ethical principles established by the resolution 196/96 of the National Health
Council. The content analysis technique was used for processing the data. Thus, two categories were noticed: (1)
living with Diabetes mellitus at home; and (2) the process of care and the family relationship. First, the study describes
how the family caregiver sees the care rendered to the person with Diabetes mellitus and second, it describes the
family experiences regarding the daily difficulties in controlling the disease. This study contributes for a better
understanding of behavioral and emotional features that should be taken into account when planning health actions
to grant full assistance to such population.
Key words: Diabetes Mellitus; Family Relations; Home Nursing.
RESUMEN
Este estudio fue realizado con el objetivo de identificar las concepciones de cuidado expresadas por familiares de
diabéticos ante las demandas de una persona con diabetes mellitus y su familia en el contexto domiciliario. Se trata
de un estudio cualitativo de carácter descriptivo llevado a cabo en tres municipios del Estado de Paraná (Bandeirantes,
Campina da Lagoa y Enéas Marques) en septiembre del 2006. Los sujetos participantes de la investigación fueron
individuos identificados por el enfermo como su cuidador informal, totalizando 9 participantes. El estudio obedeció
a los preceptos éticos dispuestos en la Resolución 196/96 del Consejo Nacional de Salud. Se utilizó la técnica de
análisis de contenido para manejar los datos y de ahí surgieron dos categorías: Conviviendo con la diabetes mellitus
en el hogar y El proceso de cuidar y la relación familiar. El estudio permitió describir cómo el cuidador familiar
percibe el cuidado de la persona con diabetes mellitus y describir las experiencias y las dificultades diarias de la
familia para controlar la enfermedad. El presente trabajo puede ayudar a conocer mejor los factores
comportamentales y emocionales a considerar en la planificación de acciones de salud que busquen brindar
asistencia integral a dicha población.
Palabras clave: Diabetes Mellitus; Relaciones Familiares; Atención Domiciliaria de Salud.
1
2
3
4
Enfermeiro. Mestre em Enfermagem pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Professor assistente da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Campus
Faculdades Luiz Meneghel.
Enfermeira do Serviço de Saúde da Família do município de Campina da Lagoa. Aluna do mestrado da UEM.
Enfermeira do Serviço de Saúde da Família do município de Enéas Marques.
Enfermeiras. Doutoras em Enfermagem. Professoras do Departamento de Enfermagem (Graduação e Mestrado) da Universidade Estadual de Maringá.
Endereço para correspondência: Avenida Prefeito Moacyr Castanho, 1483. Bandeirantes (PR), 86360-000. E-mail: [email protected].
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43-48, jan./mar., 2009
49
Concepções de cuidado dos familiares cuidadores de pessoas com Diabetes Mellitus
INTRODUÇÃO
Estima-se que no Brasil existam cerca de 5 milhões de
pessoas com diabetes mellitus (DM), e, segundo
levantamentos epidemiológicos, a prevalência desse
agravo na população brasileira adulta urbana é de
aproximadamente 7,6%.1 Com a mudança do perfil
epidemiológico da população brasileira, conseqüente
da retangularização da estrutura etária, há uma
expectativa crescente do aumento da prevalência da
morbidade por DM.
Concomitante a esse indicador, outra característica da
doença acentua ainda mais o risco para as complicações
crônicas, pois, como a doença não tem estigmas visíveis
nem se dá a conhecer por meio de dor ou outro sinal
alarmante, ela muitas vezes não é diagnosticada e,
ademais, é desvalorizada pela ausência de sintomas
(principalmente dor, febre e outros em geral) com os
quais a população se preocupa.
Na busca do tratamento e prevenção de complicações,
vários são os esforços das autoridades governamentais
e não governamentais para a elaboração de manuais,
guias práticos e, mais recentemente, sites para pessoas
com DM. No entanto, essas práticas têm enfocado
apenas o aspecto objetivo do ser acometido por DM,
afastando-se da individualidade do cuidado. Nesse rol
de estratégias está explícita a preocupação em inserir a
família nesse processo, considerada como cuidadora
domiciliar.
Percebemos que o DM envolve questões fundamentais
para o êxito do tratamento, as quais estão relacionadas
ao cuidado – ao autocuidado e ao cuidado, que abrange
o ambiente que o ser doente está inserido – incluindo,
especialmente, a família.
O cuidado é um fenômeno resultante do processo de
cuidar, o qual representa a forma como ocorre o
encontro ou situação de cuidar entre cuidador e ser
cuidado.2 O cuidado desenvolvido no domicílio, no
entanto, é diferente dos demais, pois leva em
consideração a realidade e contextualização do
ambiente em que o ser doente está inserido. Esse
cuidado pode ser realizado tanto por profissionais
quanto pelos familiares e/ou outras pessoas da
comunidade não preparadas formalmente para essa
realidade. Quanto ao cuidador familiar ou informal,
trata-se de uma pessoa sem formação na área da saúde
que está cuidando de seu familiar doente, podendo ou
não estar responsável por ele.3
Diante dos cuidadores domiciliares, é possível que haja
pessoas não inclinadas a desenvolver atividades
designadas de cuidado ou, pelo menos, não na sua
totalidade. Nas atividades que exigem ou incluem
comportamentos de cuidar, muitas pessoas cuidadoras
não apresentam, necessariamente, esse tipo de
comportamento.2 Não obstante ocupem a posição
familiar de cuidador em vista de determinadas
circunstâncias, nem por isso deixam de exercê-la, e é
nessas situações que os profissionais precisam conhecer
a realidade para intervir com eficiência.
50
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
Outro fator importante relacionado ao cuidado e ao
cuidador domiciliar é que nem sempre o cuidado
oferecido pode ser recíproco, pois, dependendo da
situação, a pessoa receptora de cuidado pode não
responder, quiçá, pelo fato de o cuidado não surtir
nenhum efeito, por não estar sintonizada com a
cuidador ou mesmo mostrar indiferença em relação a
um comportamento mais afetivo ou mais distante, ou
até mesmo por não aceitar ou não compreender a
doença.2 Assim, todas essas questões podem interferir
na adesão ao tratamento e na resposta à terapêutica
utilizada. Nesse sentido, o envolvimento e a
participação da família no tratamento e cuidado da
pessoa com DM é fundamental, e isso já é consenso
entre os profissionais de saúde.
Destarte, a preocupação relacionada ao envolvimento
da família é reflexo do impacto que o DM provoca na
rotina do indivíduo, modificando o funcionamento,
alterando os papéis e a estrutura familiar,
principalmente se há complicações mais graves
relacionadas à doença. Dessa forma, é imprescindível
que o serviço de saúde esteja preparado para cuidar
não somente da pessoa com DM, mas da família dela.
Vemos a família como uma unidade que se autoestima
positivamente e cujos membros convivem e se
percebem mutuamente como família, com uma
estrutura e organização para atingir objetivos comuns
e fazer uma história de vida.4 A família bem estruturada
e organizada é capaz de prover os meios para o
crescimento e o desenvolvimento da saúde e do bemestar de seus membros, e quando se encontra saudável
aceita a individualidade de cada um de seus
componentes, bem como, acima de tudo, possui a
capacidade de conhecer e usufruir seus direitos, de
enfrentar crises, conflitos e contradições.4 Por isso
acreditamos que ela possa, em momentos difíceis, como
no enfrentamento de uma doença crônica, ajudar seus
membros doentes a diminuir ou evitar as complicações
decorrentes da enfermidade.
Estudos recentes realizados com famílias de pacientes
com DM5-6 têm demonstrado que ela constitui apoio
fundamental para a adesão ao tratamento,
principalmente no que se refere ao apoio e suporte
relacionado à adesão, à dieta e a atividades físicas. Além
do mais, nossa experiência tem demonstrado que
oferecer orientações e um cuidado voltado para o
atendimento às necessidades da família, no sentido de
sanar-lhe as dúvidas e apoiá-la nos momentos de
dificuldade – por exemplo, no enfrentamento dos
problemas advindos da doença crônica –, ajuda a
controlar a doença do indivíduo, assim como a manter
a saúde da família.
A família e o paciente apresentam sentimentos de
angústia, ansiedade, conflitos e necessidades diversas
referentes ao tratamento e acompanhamento da
doença, ou seja, apresentam dificuldades – relacionadas
a fatores emocionais e metabólicos – para o controle
do DM. 7 Nesse sentido, os profissionais de saúde
precisam levar em consideração essa realidade e
desenvolver ações em curto, médio e longo prazos,
voltadas para a assistência dessas pessoas com vista à
melhoria da qualidade de vida e à diminuição de
complicações da saúde da pessoa com DM.7
Estamos cientes da importância da família para o
indivíduo com doença crônica, especialmente aquele
com DM, uma vez que ela serve como fonte de apoio
emocional nos momentos em que ele se sente
impotente diante dos desafios advindos da doença.7 Por
outro lado, alguns estudos demonstram que pacientes
que recebem apoio e ajuda da família têm maior adesão
ao tratamento e ao plano alimentar.5-6 Em face disso,
acreditamos que conhecer a concepção de cuidado dos
cuidadores familiares e algumas peculiaridades da
vivência da pessoa com DM e de seu cotidiano familiar
permitirá compreender a problemática que lhe envolve
a vivência e o cuidado informal dentro do domicílio,
para oferecer um cuidado pautado na realidade dele,
melhorando, assim, o cuidado de enfermagem
oferecido ao indivíduo e à família dele.
Com consciência da problemática que envolve a pessoa
com DM e sua família e com base em nossa experiência
profissional, de docentes e pesquisadores que atuam
com famílias de portadores de doenças crônicas há
vários anos, propomo-nos realizar este estudo, o qual
teve como objetivo identificar as concepções de
cuidado expressas por familiares de pessoas com DM.
MATERIAIS E MÉTODOS
Desenvolveu-se um estudo qualitativo do tipo
descritivo, realizado em três municípios do Estado do
Paraná – Bandeirantes, Campina da Lagoa e Enéas
Marques – no mês de setembro de 2006. A escolha dos
municípios partiu do interesse de alguns pesquisadores
de acordo com seus respectivos locais de atuação
profissional.
O município de Bandeirantes localiza-se no norte do
Paraná, na área de abrangência da 18a Regional de
Saúde, sediada em Cornélio Procópio. Possui 33.370
habitantes;8 duas instituições hospitalares, das quais
uma é filantrópica e a outra, privada; e cinco Unidades
Básicas de Saúde, das quais quatro possuem equipes
de Saúde de Família (ESF), cobrindo 66,8% da população
do município. De acordo com dados da Secretaria
Municipal de Saúde, havia, na época desta pesquisa, 902
indivíduos com DM cadastrados em um sistema de
cadastramento e acompanhamento de hipertensos e
diabéticos (HIPERDIA), e 133 destes últimos eram
pacientes insulino-necessitados.8
O município de Enéas Marques localiza-se no sudoeste
do Paraná, na área de abrangência da 8ª Regional de
Saúde, com sede em Francisco Beltrão. Segundo dados
do DATASUS,8 o município tem 5.712 habitantes. Não
dispõe de nenhum hospital, e o serviço de saúde conta
com um Centro de Saúde e duas ESFs, que cobre 100%
do município, com o auxílio do Programa Agente
Comunitário de Saúde (PACS). Conta, também, com um
pronto-atendimento, onde são realizados
procedimentos considerados de atenção básica e
encaminhamentos para unidades hospitalares de média
e alta complexidade. Segundo dados do Departamento
Municipal de Saúde, encontravam-se cadastrados no
Programa HIPERDIA 106 pessoas com DM, das quais 36
eram insulino-necessitadas.8
O município de Campina da Lagoa localiza-se no
centro-oeste do Estado, na área de abrangência da 11ª
Regional de Saúde, sediada em Campo Mourão. Possui
14.833 habitantes,8 duas instituições hospitalares, das
quais uma é filantrópica e a outra, privada. Dispõe de
quatro UBSs, que possuem cinco ESFs, que cobrem
99,1% da população do município. Havia 289 indivíduos
com DM, dos quais 78 eram insulino-necessitados e
acompanhados pelas ESFs.8
Para a seleção dos pacientes, seguimos os seguintes
critérios: estar cadastrado no Programa HIPERDIA, ser
atendido por equipe do PSF e estar com diabetes
mellitus descompensado.
Após a identificação dos indivíduos que se encaixavam
nesse perfil, elegemos algumas características para
acesso a eles: horário de disponibilidade para
atendimento da equipe de pesquisa, acesso ao local de
moradia e tempo mínimo de seis meses de
acompanhamento pela ESF. Pelo fato de os municípios
terem populações diferentes, chegamos a números de
pacientes variados; no entanto, para facilitar nosso
trabalho de pesquisa, optamos por definir o mínimo de
três pacientes por município. Assim, foram escolhidos,
em todos os municípios, mais ou menos cinco pacientes,
com os quais, após contato por telefone, foram
agendadas e realizadas visitas domiciliares com o
objetivo de apresentar a pesquisa e solicitar que eles
indicassem um familiar que considerassem seu principal
cuidador para ser entrevistado futuramente como
participante da pesquisa. A escolha de mais de três
pessoas na lista para contato se deu pelo fato de que,
se algum não apresentasse interesse em participar da
pesquisa, teríamos a possibilidade de contatar o
próximo.
Na visita domiciliar de apresentação do projeto para a
pessoa com DM, caso o cuidador familiar indicado
residisse com ele, fazia-se o primeiro contato com o
cuidador, o projeto lhe era apresentado e solicitada sua
participação na pesquisa, e somente depois era
marcada a entrevista, de acordo com a disponibilidade
do sujeito e do pesquisador.
Após contato com os familiares, chegamos a três
cuidadores familiares por município, totalizando nove
entrevistados para o estudo.
Utilizamos como técnica de coleta de dados a entrevista
semiestruturada, contendo questões relacionadas à
participação da família no controle do DM e sua
preocupação com as complicações da doença, bem
como à compreensão da família sobre cuidado na saúde
e na doença. Para maior fidedignidade, as entrevistas
foram gravadas e transcritas na íntegra, depois lidas e
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
51
Concepções de cuidado dos familiares cuidadores de pessoas com Diabetes Mellitus
relidas, até que, por meio da técnica de análise de
conteúdo temática, realizamos o tratamento dos
dados. 9 Assim, emergiram, neste estudo, duas
categorias de análise: Convivendo com o DM em seu lar
e O processo de cuidar e o relacionamento familiar.
Todos os entrevistados assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e o projeto de
pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) das Faculdades Luiz Meneghel, tendo
parecer favorável para seu desenvolvimento. Foram
levados em consideração todos os preceitos éticos que
envolvem a pesquisa com seres humanos, disciplinados
pela Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Convivendo com o diabetes mellitus no lar
A existência humana pode tornar-se objeto de
questionamento, principalmente quando o ser humano
experiencia alguma facticidade em seu cotidiano que
ele não consegue abarcar de imediato. Nesses
momentos, o ser-no-mundo se fecha em si mesmo e
não consegue entender sua condição existencial, por
isso nega a si mesmo a verdade que se descortina ao
redor dele.10
Nesse pensar, é, sobretudo, por meio das restrições
alimentares que a pessoa com DM toma consciência de
suas limitações. Por essa razão, o conflito entre o desejo
alimentar e a necessidade imperiosa de contê-lo está
sempre presente na vida cotidiana desse ser.11
Nessa perspectiva, distinguimos que os familiares, em
suas linguagens, exprimem sentimentos de temor e
preocupação ante a terapia nutricional de seus entes
queridos, sentimentos que os fazem, de certa forma,
esquecer-se de si mesmos e dedicar-se ao seu ente
querido.
Ela toma muito refrigerante e come macarrão. (S2)
Ah, eu cuido no alimento, não como para ele não
comer, cuido nas gorduras, frituras. Já a carne de
galinha eu tiro a pele para não comer o couro. Não
faço bolo, não faço nada, eu compro até cuca diet. (S4)
Ela tem que fazer uma dieta bastante rigorosa, apesar
de que a gente não faz conforme manda, mas a gente
procura manter o mais próximo possível. Por exemplo,
uma alimentação bem saudável que seja dentro dos
padrões que precisa. Agora a gente não vai seguir à
risca tudo, porque é quase impossível, é muita coisa
[...] eu entrei na dieta junto com ela porque é impossível
fazer comida para duas pessoas separada, então
aumenta um pouquinho, já faço para nós dois, aí fica
mais fácil um pouco, porque numa cozinha eu fazer
comida para duas pessoas separadas não é muito fácil.
(S5)
Evito doçura, evito comer perto dela, porque eu sei que
se a gente comer ela sente vontade, daí para gente
comer e ela não fica ruim. A alimentação é tudo junto
52
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
e o recurso é se ela não pode comer alguma coisa
diferente a gente não come, fica ruim né. (S6)
A respeito dos sentimentos narrados pelos familiares,
entendemos que mudar comportamentos em relação à
dieta de uma pessoa com DM passa, obrigatoriamente,
pela reeducação do grupo familiar. A reestruturação
alimentar é um dos atos mais difíceis de se inserir na nova
rotina. Todos estavam acostumados a ingerir todo tipo
de alimento, sem restrição, portanto a mudança na rotina
da família acaba sendo inevitável e radical. Alguns
alimentos são proibidos ou restritos, outros são
adaptados, e há também aqueles que são inseridos no
hábito alimentar, sendo necessário maior rigor nos
horários das refeições.12
A obtenção de uma dieta equilibrada e satisfatória
depende da ingestão de vários nutrientes, que são
oferecidos naturalmente por meio dos alimentos. A
liberação dos carboidratos no plano alimentar permite
manter uma oferta menor de lipídeos, de forma que
estes venham a complementar a necessidade
energética e desempenhar suas funções orgânicas mais
específicas, como transportadores de vitaminas
lipossolúveis (A, D, E, K) e fontes importantes de ácidos
graxos essenciais.13
Nessa perspectiva, percebemos nas falas a seguir que,
apesar dos esforços, os familiares demonstram certa
incipiência em relação aos alimentos adequados para
os diabéticos, pois não se preocupam em fornecer uma
dieta equilibrada. “A educação alimentar necessita ser
difundida para que todos tenham conhecimento sobre
alimentos de boa qualidade e de baixo custo”.5:314
[...] que ela não coma doçura, nem gordura, [...] aplico
a insulina todo o dia, dou o remédio.(S6)
Eu acho que é na alimentação dela, pouco doce [...]
porque se deixar ela come, ela é uma doceira de
verdade que só ela. (S8)
Dou os remédios na hora certa, a comida que não faz
mal e faço o curativo nela. É assim que eu faço todos
os dias. (S9)
Ao receber o diagnóstico de diabetes mellitus, os
membros da família compartilham com o ente
acometido as demandas impostas pela doença.
Abruptamente, eles veem a familiaridade de seu
cotidiano modificada, exigindo novas adaptações. No
entanto, os cuidadores carregam consigo algumas
dúvidas quanto ao cuidado ao familiar com DM:
[...] ela pode comer alguma doçura. Assim, por
exemplo, dietética, eu não compro nada porque eu fico
desconfiado, aquele produto, pode ou não ser
dietético, porque o papel aceita tudo, a embalagem
pode pôr em cima o que quiser, eu poço ler a
embalagem, mas confiar naquele produto [...]. Essa é
a dúvida, porque os filhos sempre dizem ‘pode
comprar isso aqui para mãe’, mas eu não acredito no
que tá escrito na embalagem. (S5)
[...] às vezes ela tem vontade de comer um pedaço de
bolo, só que ela fica com medo. Eu falo: ‘Mãe, um
pedacinho só não vai fazer mal, o que não pode é
exagerar. Eu queria saber se fazia mal ela comer um
pedacinho de bolo, um pedaço de pudim, alguma
coisa assim... (S9)
Na fala a seguir, observa-se que o familiar procura
antecipar suas próprias possibilidades, tentando
agarrar-se à sua situação não com desânimo, mas com
esperança, buscando, por meio do saber, formas de
cuidar melhor do ente querido. Dessa forma, tenta
superar sua própria angústia, manifestando o seu poder
de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo e
projetando um sentido para sua situação: [...] muito
complicado, porque nem conhecia a doença antes,
descobri com ele mesmo e daí fui aprendendo (S3).
No tocante ao controle metabólico, ou seja, à realização
de glicemias capilares, que contribui para manter os
pacientes e familiares informados sobre a taxa de
glicose no sangue, identificamos que todos consideram
o controle da glicemia uma maneira “objetiva” de avaliar
o estado de saúde da pessoa com DM. No entanto,
constatamos que, apesar de terem consciência da
importância desse procedimento, os familiares não o
realizam diariamente.
A gente tem um aparelho que mede e conforme o
resultado, aumento ou diminuo o remédio [...], meço
todo dia e quando ela está mais controlada meço um
dia sim, um dia não (S5).
Eu tenho o aparelhinho ali, daí eu faço toda a semana
o teste, para ver como tá o diabetes dela [...] (S6).
[...] ela está sempre preocupada em realizar exames
para monitorar o nível glicêmico e controlar o diabetes
[...] (S7).
A respeito do processo de educação, enfatizamos que
há a necessidade de maior acompanhamento pelas
equipes de saúde aos cuidadores familiares. A
insegurança advinda do vivenciar sentimentos
novos e dolorosos envolvidos no cuidado exige um
preparo emocional e, por vezes, técnico dos
cuidadores. O saber fazer necessita de preparo, de
treinamento e nem sempre os cuidadores recebem
essa atenção.3:532
Não obstante isso, percebe-se, também, que o cuidado
à pessoa com DM muitas vezes pode provocar
alterações na situação econômica da família, pois
implica um gasto maior, principalmente no que tange
à alimentação equilibrada e à aquisição de fitas
reagentes, utilizadas no controle diário do nível
glicêmico do doente, o que, dependendo das condições
econômicas da família, pode levá-la a não realizar
diariamente esse controle 14 isso, consciente ou
inconscientemente, implica a não adesão ao
tratamento: Nós demos um aparelho de Teste de Glicemia
Capilar para ele, mas o preço das fitas, você sabe não é?...
(S1)
Ressalte-se que o serviço público de saúde distribui
insulina Neutral Protamine Hagedorn (NPH) e
medicamentos orais para a redução da glicemia aos
pacientes, porém a quantidade de seringas e agulhas é
limitada, implicando o seu reuso, o que pode provocar
alterações nos locais de aplicação, como as
lipodistrofias, que acometem 10% a 50% dos pacientes
que necessitam de insulina.15 Atualmente, as políticas
de saúde têm contribuído para a garantia de
distribuição gratuita de medicamento – por exemplo, a
Lei n o 11.347. 16 Entretanto, constatamos que nos
municípios onde realizamos o estudo essa distribuição
é insuficiente para atender à demanda dos doentes.
O caráter impositivo no relacionamento familiar para o
controle da doença emergiu quando interrogamos
sobre as atitudes dos cuidadores na realização do
tratamento do familiar. Acreditamos que essas atitudes
expressam a vontade dos familiares de ver seus entes
queridos bem, sem complicações, mesmo que para isso
tenham que, de certa forma, controlar suas atividades
diárias:
Pego no pé dele. Brigo com ele. Acho que ele faz de
propósito! [...] Chego à casa dele e vou direto à cartela
de medicamento para ver se ele tomou tudo direitinho.
(S1)
Em sua analítica existencial, Martin Heidegger10 escreve
que uma das maneiras de o Ser-aí manifestar solicitude
é o Einspringgende Fürsorge, isto é, cuidar do outro
saltando sobre ele, ou seja, acalentando-o, colocandoo no colo, fazendo tudo por ele, retirando-lhe o cuidado
e assumindo o lugar dele nas ocupações. Não obstante,
esta forma de estar-com pode fazer com que o outro
não assuma seu existir-no-mundo. Esta relação de
solicitude foi manifestada pelo sujeito 8.
[...] agora ela não está fazendo mais nada não, agora
ela [...] eu até tava comentando com as meninas
(irmãs dela) que se eu não tiver em cima dela passa o
horário dos remédios e ela não toma os remédios.
Agora, depois que mudei perto dela, ela tá bastante
dependente, [...] porque é eu que ponho os remédios
no copinho e dou tudo pra ela. Eu tenho minha cama
aqui e às vezes eu durmo aqui [...] daí eu ponho o
relógio pra despertar no horário prescrito para dar o
remédio pra ela. (S8)
O diabetes mellitus é uma disfunção crônica de
inquestionável necessidade de controle; por outro lado,
é difícil conseguir esse controle, dada a complexidade
do tratamento e a interferência de fatores
biopsicossociais.13 Assim, notamos na fala do sujeito 1
que cuidar de uma pessoa com DM desperta no
cuidador a consciência das dificuldades enfrentadas em
seu existir-no-mundo com DM, as quais consistem em
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
53
Concepções de cuidado dos familiares cuidadores de pessoas com Diabetes Mellitus
compreender o comportamento de outros seres com o
mesmo agravo em seu cotidiano profissional, pois ele sabe
que não é fácil seguir todas as demandas que a doença
exige na vida da pessoa.
Quando eu atendo pessoas diabéticas aqui no prontosocorro e vejo que não se cuidam eu nem brigo, porque
tenho um em casa e sei como é. (S1)
Dos depoimentos a seguir, depreendemos que os
familiares atribuem a causa da hiperglicemia ao
nervosismo. Sobre essa questão, os estudiosos afirmam
que o estado de ansiedade não é, necessariamente, a causa
da doença. Na verdade, as emoções e os traumas podem
precipitar o aparecimento da doença em pessoas que já
tenham características genéticas para desenvolvê-la, e é
possível que, após emoções, sustos, estresse e
contrariedades, a glicemia aumente.17-18
Em um estudo norte-americano, indivíduos com baixo
nível de suporte emocional tiveram um incremento de
risco para diabetes mellitus quando da presença de evento
estressante não desejado, quando comparados com
aqueles com alto nível de suporte emocional.19
[...] ela controlando o nervosismo o diabetes sempre fica
controlado. Quando ela fica nervosa a diabete vai numa
altura. Ela fica nervosa com muita coisa e assim do nada
ela começa a estralar os dedos, aí pode ter certeza que a
diabete tá alta (S7).
E se ela ficar nervosa a diabete sobe. Ela tá até tomando
diazepam meio seguido para controlar ela; ela é nervosa
por natureza, então é só ela ficar nervosa que sobe a
diabete e a pressão (S8).
O DM acarreta mudanças emocionais e físicas significativas
na relação que o doente estabelece com o mundo que o
cerca. A pessoa acometida por complicações crônicas
advindas da doença, como nefropatia, retinopatia ou pé
diabético, podem sofrer ainda mais discriminações. Nesse
sentido, percebemos tristeza no tom de voz de uma
cuidadora, tristeza ao relatar a discriminação que o marido
sofreu em seu ambiente de trabalho:
Ele era caminhoneiro, e já aconteceu dele dormir duas
vezes ao volante e entrar no meio do mato. Dá última
vez deu crise convulsiva nele, acho que era pela
hiperglicemia. Após isso, o pessoal da empresa
afastou-o. Hoje ele pega a foto do caminhão e começa
a chorar. (S1)
Nesse momento, lágrimas rolaram dos olhos da cuidadora
que, com um brilho intenso no olhar e um sorriso discreto,
em silêncio, expressava a certeza de que o retorno ao
trabalho é a possibilidade de ele se encontrar com a
satisfação pessoal e o bem-estar dele.
Quanto à discriminação, seja na escola, seja no trabalho,
percebemos que os governantes estão tomando
providências, pois já existem leis favoráveis ao indivíduo
54
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
com DM. A Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso
IV, prevê o direito ao bem-estar para todo cidadão, sem
distinção de sexo, raça, cor, origem e quaisquer outras
formas de discriminação, e prevê, no inciso XLI do mesmo
artigo, punição para qualquer discriminação atentatória
aos direitos e liberdades fundamentais. Assim, a Lei nº
9.029/95 veda qualquer medida discriminatória e limitativa
para fins de acesso e manutenção da relação de emprego,
não importando se o cidadão tem ou não diabetes. Já no
Estado de São Paulo, há duas leis estaduais, a Lei nº 11.369
e a Lei nº 11.370, ambas de 28/3/2003, que passaram a
vigorar no estado no ano passado. A primeira veda
qualquer forma de discriminação e a segunda assegura o
ingresso no serviço público de pessoas portadoras de
diabetes.20
No entanto, outras formas de discriminação também estão
presentes na vida da pessoa com DM, mesmo que ela não
seja intencional. Vejamos no depoimento a seguir:
Ah [...] a gente muda a comida dela, muda açúcar, nada
de açúcar [...] não come nada doce. Ela [...] eu não deixo
ela comer, entendeu? A gente come. Eu, meu pai e meu
irmão, mas ela, daí [...], daí eu não deixo ela comer.
Quando vou fazer comida faço separado [...] controlo o
sal. Não que eu falo: “Mãe, não come isso!’, mas ela é que
já não come mesmo. (S9)
Na linguagem da entrevistada 9, observamos que, na
ânsia de cuidar do familiar, acaba, mesmo que
inconscientemente, discriminando-a em seu próprio
ambiente familiar. Assim, o mundo da doença muitas vezes
vai sendo permeado pela discriminação na sociedade e
até mesmo na forma de expressar o cuidado:
Infelizmente, em nossa sociedade, o indivíduo diabético
ainda sofre discriminação: a criança, o jovem e o adulto,
são, muitas vezes, apenas vistos como doentes. O
próprio diabético, freqüentemente, também não aceita
sua própria condição, bem como seus familiares [...]. É
fundamental que o diabético e sua família, mesmo com
dificuldades de aceitação, trabalhem a doença
internamente, para que efetivamente se faça, na
sociedade, a participação do diabético como pessoa
inteira.21:23
O processo de cuidar e o relacionamento familiar
A preocupação desperta no ser humano atitudes que
ajudam o outro a assumir os próprios caminhos, ou seja, o
autocuidado. Essas atitudes imbricam características da
paciência e da preocupação. A paciência se refere a tudo
o que está por vir, como as dúvidas, as revoltas e as
dificuldades que a pessoa com DM pode ter. Já a
consideração se manifesta diante de tudo o que já foi
vivido pelo ente como um membro da unidade familiar,
que é considerado na estética do seu cuidado atual:
Eu cuido e ele cuida também, porque eu já pergunto ‘Tu
tomaste a insulina? [...] Não? Então vem tomar!’ Eu já
pego o algodão com álcool, já pego a insulina e já levo
em cima da mesa. Coloco os óculos pra ele vir fazer e ele
mesmo faz. Ele fazia ginástica ali na pracinha com a
gente, mas agora ele parou. Eu estou aconselhando ele
para voltar às atividades físicas [...]. Eu tenho prazer em
cuidar dele, estou há 43 anos casada, mas graças a Deus,
se precisar começar, começo tudo de novo. Um
casamento feliz, tenho quatro filhos, graças a Deus. Só
assim [...] eu me sinto feliz. (S4)
necessidades levantadas por ele no decorrer do tempo.
No entanto, os familiares demonstram viver uma situação
ambígua, pois, se de um lado desejam apoiar seu ente
querido, de outro, sentem-se confusos ao constatarem que
as complicações da doença afetam o próprio viver. Diante
do diagnóstico de alguma doença crônica, tanto o
portador quanto seus familiares costumam reagir
utilizando algumas atitudes para defender-se contra a
realidade imposta até poder aceitá-la4:
O cuidar envolve uma verdadeira ação interativa, que está
calcada em valores e conhecimentos do ser que cuida em
relação ao ser que é cuidado e passa também a ser
cuidador. Na linguagem do entrevistado 5 observamos
que os valores de um relacionamento íntimo, em que a
consideração e a paciência perduram há anos, fazem com
que o casal vivencie seu cotidiano com a doença sem que
esta comprometa o relacionamento deles. Aliás, ao invés
disso, esta condição os une ainda mais, através da
demonstração de afeto e amor.
Ele fica preocupado com os problemas domésticos,
faltam as coisas, a mulher é depressiva e acho que ele
fica depressivo também. (S1)
[...] o que é diferente na nossa alimentação é o meu
café. O meu eu adoço com açúcar e o dela com
adoçante, então a única diferença. O pão dela é o
de centeio e o meu eu compro separado, mas esse é
mais fácil de separar. A boia de panela é a mesma,
compro arroz integral, é pra nós dois, o feijão é
caseiro e outra boia é difícil, por exemplo, a
batatinha, porque diz que não faz muito bem [...]. A
gente casou [...]. Quando casamos ninguém tinha
problema, os problemas vieram depois, então agora
já que vieram, tem que cuidar um do outro até o fim,
não tem que sair fora assim fácil, não. (S5)
Nessa mensagem, fica explícito que eles têm uma
concepção de cuidado que envolve a empatia, ou seja, se
colocam no lugar do outro, percebem suas necessidades,
tanto fisiológicas como emocionais, oferecem conforto e
segurança para que passem pelos momentos difíceis de
forma mais amena e tranquila.
O cuidado faz parte do conhecimento estético da
enfermagem. Uma experiência estética envolve a criação
e/ou apreciação de uma expressão singular, particular,
subjetiva, de possibilidades imaginadas ou realidades
equivalentes, a qual resiste à projeção na forma discursiva
da linguagem. Assim, a empatia é um importante
elemento do padrão estético do saber, pois envolve a
subjetividade da relação entre os seres envolvidos no ato
de cuidar. Assim, a arte está tão bem estabelecida como
qualquer fato de todo o campo estético.22 O cuidado,
mesmo no silêncio, é interativo e promove crescimento,
pois ajuda o indivíduo com DM a crescer; envolve ajudálo a enfrentar momentos difíceis, mantendo-se presente
e solidário e ajudando-o a extrair um significado da
experiência vivida. O cuidado auxilia no processo de cura,
acelerando-o e tornando-o menos traumático.
A família, frequentemente, é a unidade primária provedora
de cuidado ao ente com diabetes mellitus, representando
importante papel na resolução da maioria das
[...] das outras vezes que falava pra ela não tomar
refrigerante, ela brigava comigo, agora não quero que
ela brigue mais comigo (S2).
Só tem horas que eu fico meio aborrecida, porque têm
coisas que ele não pode mais manter, como o sexo, não
sei se posso falar... [...] Pra fazer sexo, daí a gente sente
falta, porque a gente também ainda é nova (S4).
Ao mesmo tempo, exprime que é algo que a incomoda,
isto é, uma necessidade humana aflorada em seu ser que
a angustia de tal modo que ela se abre para entes não
vinculados a seu mundo.
Nesta última fala, percebemos a abertura da cuidadora
para compartilhar suas angústias vividas em decorrência
do diabetes mellitus que afetam a sexualidade do casal.
Acreditamos que essa dimensão é pouco abordada nos
cuidados às pessoas com DM nas UBS, pois nota-se na
linguagem dela certo constrangimento ao falar do assunto,
demonstrando que o sexo ainda é um tabu para
determinadas famílias. Quanto a essa questão,
mencionamos que a disfunção erétil (DE) é definida como
uma incapacidade persistente em atingir e manter uma
ereção suficiente para a atividade sexual satisfatória. No
Brasil, um estudo mostrou a prevalência de 49%,
representando 25 milhões de homens. O diabetes
mellitus é um fator de risco para DE, tendo associações
encontradas frequentemente em inquéritos
epidemiológicos, até em estudos prospectivos.1
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu descrever como o cuidador familiar
percebe o cuidado à pessoa com DM, bem como as
dificuldades diárias para o controle da doença,
contribuindo para melhor conhecimento dos fatores
comportamentais e emocionais que devem ser
considerados no planejamento de ações de saúde voltadas
para a assistência integral a essa população.
Assim, ao iniciar a orientação específica sobre o diabetes
mellitus, é necessário conhecer os padrões individuais de
cada cuidador familiar, principalmente em relação aos seus
sentimentos, angústias, ansiedades, conflitos e
necessidades, para que, por meio do vínculo estabelecido,
o cuidador e a pessoa cuidada possam, em conjunto, traçar
estratégias direcionadas a alcançar o controle metabólico.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
55
Concepções de cuidado dos familiares cuidadores de pessoas com Diabetes Mellitus
Dessa forma, ao trabalhar com famílias, é necessário nos
prepararmos para ouvi-la, aceitá-la e compreendê-la em
sua singularidade, pois somente será possível conhecer e
ajudá-la se nos dispusermos a entender a realidade. Apesar
de muitos problemas vivenciados nas famílias serem
comuns, cada família possui sua individualidade e
peculiaridade na forma de (des)conhecer, perceber, sentir
e (re)agir diante das situações (in)esperadas.
Observamos que as principais dificuldades enfrentadas
pelos cuidadores familiares estão relacionadas à
intensidade e à gravidade dos sinais e sintomas e aos
cuidados diários e constantes, que sobrecarregam esses
familiares cuidadores. Por isso, é necessário conhecer as
dificuldades com que se defrontam essas famílias
juntamente com a pessoa que tem diabetes mellitus, para
que, junto com elas, estratégias de cuidado possam ser
construídas diante da percepção de cada membro da
família de acordo com suas particularidades e
especificidades. É preciso, igualmente, desenvolver
trabalhos de apoio direcionados a esses familiares
inseridos em cada contexto familiar, para que se possa
alcançar um planejamento de ações de saúde voltadas
para a assistência integral capazes de atender às
necessidades dessa clientela.
Assim, ao oferecer o cuidado às famílias, o profissional
precisa estar atento à unicidade e à individualidade de cada
uma delas e considerar que o cuidado precisa ser
personalizado; que pode ter alguns pressupostos ou
direcionamentos, mas deve estar, fundamentalmente,
alicerçado nas necessidades e realidade da família. Ele
precisa, ainda, reconhecer que o cuidado cotidiano
oferecido pela família aos seus membros no domicílio é
carregado de emoções e características peculiares,
resultantes das condições culturais, sociais e econômicas.
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Data de submissão: 19/11/2007
Data de aprovação: 29/1/2009
56
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 49-56, jan./mar., 2009
CUIDAR A FAMÍLIA: DA CONCEPÇÃO À DOCUMENTAÇÃO DOS CUIDADOS*
FAMILY CARE: FROM CONCEPTION TO DOCUMENTATION OF CARE
CUIDAR A LA FAMILIA: DESDE LA CONCEPCIÓN HASTA LA DOCUMENTACIÓN DE LOS CUIDADOS
Maria Henriqueta de Jesus Silva Figueiredo1
Sandra Maria de Jesus Moreira2
RESUMO
O desenvolvimento da enfermagem está associado ao progresso da tecnologia. A continuidade de cuidados e a
visibilidade consentânea à utilização dos sistemas de informação contribuem, dentre outros fatores, para o
desenvolvimento da investigação em enfermagem, paralelamente com a evolução das práticas em todos os contextos
onde é exercida. O sistema de saúde assenta-se nos cuidados de saúde primários, sendo os enfermeiros detentores
de papel social relevante na promoção da saúde das famílias e da comunidade. Nesse contexto, emergiu a necessidade
de desenvolver modelos de enfermagem de cuidados à família passíveis de operacionalizar no sentido de adequálos aos sistemas de informação em uso. Este estudo insere-se num processo de investigação de doutoramento com
o objetivo de fazer uma reflexão sobre os padrões de documentação integrados no Sistema de Apoio à Prática de
Enfermagem e discuti-los no contexto dos cuidados de enfermagem de saúde familiar. Utilizando a metodologia de
investigação-ação, a amostra foi constituída pelos enfermeiros de um Centro de Saúde da zona norte de Portugal,
utilizando-se a técnica de debates em grupos. A incorporação dos padrões de documentação na aplicação informática
do sistema de informação foi realizada pelas autoras, a primeira como investigadora e a segunda como coordenadora
do Grupo “Reflectir Enfermagem nos Cuidados de Saúde Primários”. Os resultados expressam o conhecimento prático
resultante da discussão dos modelos de cuidados. Cremos que uma estrutura de documentação que expresse o
modelo (re)construído se constituirá como uma mais-valia na melhoria efetiva dos cuidados de enfermagem
centrados na família.
Palavras-chave: Enfermagem de Família; Modelos de Enfermagem; Documentação.
ABSTRACT
Nursing development is mostly connected to technological progress. Gradual care and adequate view on the use of
information systems contribute to the development of nursing investigation, in parallel to the praxis evolution
wherever they are performed. The Health System is based on primary health care, so nurses have an important
social role in promoting health among families and communities. In this context emerged a need to develop nursing
models of family care that were able to operate according to the current information systems. This study is part of a
PhD project, and intents to reflect over the documentation patterns integrated in the Supportive System of Nursing
Praxis as well as to discuss those in the context of the family health care nursing. Using the Investigation-Action
method, the representative sample was composed by nurses of a Portuguese Northern Health Centre. The debate
technique was applied. The integration of documentation patterns in the computer operation was directed by
the authors, the first one as an investigator and the second one as a coordinator of the group “Reflecting over
Nursing in Primary Health Care”. The results express the practical knowledge acquired from the healthcare models
discussion. We believe that a documentation structure, which expresses the re (composed) model, may be an
effective and worthy improvement for the family health care nursing.
Key words: Family Nursing; Models, Nursing; Documentation.
*
1
2
Este trabalho insere-se na investigação de Doutoramento em Ciências de Enfermagem Enfermagem de Família: um contexto do cuidar, da autora Maria
Henriqueta de Jesus Silva Figueiredo.
Doutoranda em Ciências de Enfermagem. Mestre em Psicologia Social. Enfermeira especialista em Enfermagem Comunitária. Curso de Terapia Familiar da
Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem do Porto/Portugal.
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. Coordenadora do Grupo “Reflectir Enfermagem nos Cuidados de Saúde Primários”.
Elemento de referência nos Sistemas de Informação em Enfermagem no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários. Enfermeira na Unidade Local de Saúde de
Matosinhos – Centro de Saúde de São Mamede de Infesta.
Endereço para correspondência: Rua Cruz Malpique, 115, 2º dto. 4460-203, Senhora da Hora, Portugal. E-mail: [email protected].
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64,
49-56, jan./mar., 2009
57
Cuidar a família: da concepção à documentação dos cuidados
RESUMEN
El progreso de la enfermería está asociado al de la tecnología. La continuidad de cuidados y la visibilidad adecuada
a la utilización de los sistemas de información contribuyen, entre otros factores, al desarrollo de la investigación en
enfermería, en paralelismo a la evolución de las prácticas en todos los contextos donde ésta se ejerce. El sistema de
salud se asienta en los cuidados de salud primarios y los enfermeros desempeñan un rol social relevante en la
promoción de la salud de las familias y de la comunidad. En este contexto surgió la necesidad de desarrollar modelos
de enfermería de atención a la familia factibles en el sentido de su adecuación a los sistemas de información en uso.
Este estudio se inserta en un proceso de investigación de doctoramiento, pretendiéndose hacer una reflexión de
los patrones de documentación integrados en el Sistema de Apoyo a la Práctica de Enfermería y la discusión de los
mismos en el contexto de la atención de enfermería en salud familiar. Utilizando la metodología de investigación
acción, la muestra fue constituida por los enfermeros de un Centro de Salud de la Zona Norte de Portugal, utilizándose
la técnica de debates en grupo. La incorporación de los patrones de documentación en la aplicación informática del
sistema de información fue realizada por las autoras, la primera como investigadora y la segunda como coordinadora
del Grupo “Reflejar Enfermería en los Cuidados de Salud Primarios “. Los resultados expresan el conocimiento práctico
resultante de la discusión de los modelos de cuidados. Creemos que una estructura de documentación que exprese
el modelos (re)construido podría significar un aporte para la mejora efectiva de los cuidados de enfermería centrados
en la familia.
Palabras clave: Enfermería de la Familia; Modelos de Enfermería; Documentación.
INTRODUÇÃO
A enfermagem é exercida numa ampla variedade de
contextos, quer no âmbito de cuidados diferenciados, quer
no de cuidados de saúde primários. Independentemente
do local onde os cuidados de enfermagem são realizados,
os fenômenos de interesse particular para os enfermeiros
as respostas de indivíduos, famílias e comunidades a
problemas de saúde reais e potenciais.1
Nesse contexto, os cuidados prestados a indivíduos,
famílias e comunidades reportam à profissão de
enfermagem a adotar uma metodologia assistencial e,
portanto, ao Processo de Enfermagem. Essa metodologia
é compreendida como um instrumento ou modelo
metodológico tanto para favorecer o cuidado quanto para
organizar as condições necessárias para que o cuidado seja
realizado.2 A sua aplicação de modo sistemático, planejado
e dinâmico possibilita aos enfermeiros, por um lado,
identificar, compreender, descrever, explicar e predizer
como os indivíduos/famílias/comunidades, alvo dos seus
cuidados, respondem aos problemas de saúde ou aos
processos vitais; e, por outro, permite-lhes determinar que
aspectos dessas respostas necessitam de cuidados
profissionais específicos e de qualidade para alcançar
resultados pelos quais, como profissionais na área de
saúde, são responsáveis.
intervenções e dos resultados de enfermagem,
constituiu-se como uma mais-valia na valorização da
profissão de enfermagem.
No contexto das sociedades atuais, a informação
assume uma grande importância pelo que, no âmbito
da saúde, denota-se uma preocupação crescente com
o desenvolvimento de Sistemas de Informação (SIs)
eficientes que permitam a maximização da gestão dos
serviços e promovam a melhoria da qualidade dos
cuidados de saúde.4 Nessa perspectiva, os Sistemas de
Informação em Enfermagem (SIEs) poder dar resposta
ao aumento da quantidade e da complexidade da
informação resultante dos cuidados de enfermagem.
O Processo de Enfermagem determina a existência de
alguns elementos que são inerentes à prática dos
enfermeiros: o que fazem (ações e intervenções de
enfermagem), tendo como base o julgamento sobre
fenômenos humanos específicos (diagnóstico de
enfermagem) para alcançar os resultados esperados
(resultados sensíveis à ação ou à intervenção de
enfermagem).3
A informação, essencial no processo dos cuidados de
enfermagem, desde a concepção à documentação
deles, implica que os SIs afetem a própria prática de
enfermagem.4 Parece-nos que existe nos profissionais
de saúde crescente sensibilização, valorização,
começando a tornar-se fundamental para estes a
utilização dos SIs, contudo, ainda continua a subsistir
uma grande necessidade de avanço, no sentido de
promover adequadamente a integração dos SIs e o uso
da informática para a melhoria da produtividade,
qualidade da gestão e dos cuidados de enfermagem.
Os enfermeiros, permanentemente, recolhem dados,
estabelecem objetivos, definem ações e avaliam o
impacto dessas ações sobre a saúde das pessoas.
Nessa perspectiva, o contexto da prática depende da
aquisição, da análise e da interpretação de
informação, havendo necessidade de documentar
dados relativos ao processo de tomada de decisão, que,
inevitavelmente, condiciona a continuidade de
cuidados.
O desenvolvimento dos sistemas de classificação dos
conceitos da linguagem profissional no âmbito dos
diagnósticos de enfermagem e, posteriormente, das
Torna-se essencial que os enfermeiros adquiram a
capacidade de aceder, analisar e apresentar a
informação necessária para a gestão dos cuidados de
58
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64, jan./mar., 2009
saúde e, por outro lado, consigam manter a influência que
a enfermagem tem tido e deverá continuar a ter no
contexto dos cuidados de saúde.4
A enfermagem, como qualquer outra disciplina, necessita
de produção e de renovação do seu próprio corpo de
conhecimentos, o que pode também passar pela utilização
de SI, que respondam às necessidades dos profissionais e
que deem visibilidade aos cuidados prestados. Nesse
sentido, os SIs, associados às novas tecnologias, são
imprescindíveis para o desenvolvimento da Investigação
em Enfermagem e a Investigação sobre os focos de
atenção, intervenções e resultados de enfermagem que
permitem sustentar o desenvolvimento da disciplina. Por
outro lado, a Ordem dos Enfermeiros5 recomenda que
sejam criados SIs para apoio a uma prática de enfermagem
científica. Promove a definição de um conjunto mínimo
de dados de enfermagem e a normalização dos SIEs e
apoia a promoção de estudos sobre a Classificação
Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) como
a terminologia de referência para os SIEs.
A CIPE tem o início do seu desenvolvimento em 1989,
com várias versões publicadas até a data (versões alfa,
beta, beta 2 e 1.0). Essa classificação é, sem dúvida, uma
ferramenta que contribui para a concretização da missão
do International Council of Nurses (ICN), no sentido do
desenvolver a profissão de enfermagem, permitindo aos
enfermeiros descrever, analisar e comparar práticas de
cuidados/enfermagem nos níveis local, regional, nacional
e internacional. A CIPE 6 foi definida como uma
terminologia combinatória para a prática de enfermagem
que facilitará o cruzamento de termos usados localmente
com as classificações e vocabulários existentes; para além
disso foi definida como uma classificação de fenômenos,
ações e resultados de enfermagem que descrevem a
prática desse grupo profissional. A utilização da CIPE
permite, segundo o ICN,6 a concretização de objetivos
específicos que visam, no seu conjunto, ao
desenvolvimento da profissão, nomeadamente:
estabelecer uma linguagem comum para descrever a
prática de enfermagem; descrever os cuidados de
enfermagem prestados às pessoas (indivíduos, famílias
e comunidades) em nível mundial; comparar dados de
enfermagem entre populações de clientes, contextos,
áreas geográficas e tempo; estimular a investigação em
enfermagem mediante a relação com os dados
disponíveis nos SIEs e da saúde; fornecer dados sobre a
prática de enfermagem de forma a influenciar a formação
de enfermeiros e a política de saúde; projetar tendências
sobre as necessidades dos clientes, prestação de
cuidados de enfermagem, utilização de recursos e
resultados dos cuidados de enfermagem.
Nesse contexto, a recomendação da Ordem dos
Enfermeiros sobre a utilização da CIPE como terminologia
de referência nos SIEs vem ao encontro do referido por
Silva 7:42 sobre a vantagem da utilização dos meios
informáticos na documentação dos cuidados de
enfermagem:
A utilização das ferramentas informáticas parece
anunciar uma nova oportunidade para, em fracções
de segundos, se responder a perguntas colocadas aos
registos de enfermagem, permitindo a organização,
tratamento e gestão dos dados, informação e
conhecimento processados na documentação dos
cuidados. No entanto, as respostas positivas às
perguntas dependem dos dados que residem nos
registos de enfermagem e da estruturação dos dados
alojados no sistema. O modelo que estrutura os dados
no sistema, necessita ser concebido. E só os
enfermeiros podem apresentar os modelos de dados
que melhor servem as práticas e o desenvolvimento
dessas mesmas práticas.
A Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), criada
por meio do Decreto-Lei nº 207/99, de 9 de junho, do
Ministério da Saúde, desenvolveu e implementou o seu
SIE a partir de 2003, designado como Sistema de Apoio à
Prática de Enfermagem (SAPE), com base na investigação
realizada por Sousa4:“O sistema de partilha de informação
de enfermagem entre contextos de cuidados de saúde –
um modelo explicativo”. Com a utilização dessa aplicação
informática, emergiu a necessidade de os próprios
enfermeiros assumirem a responsabilidade pelo
desenvolvimento do SI e documentação de enfermagem
que, para além de contributos para as áreas da gestão,
funcionam como promotores reais e efetivos da qualidade
dos cuidados de enfermagem. Para tal, foram criados
grupos de trabalho que promovem o desenvolvimento
dos SIs em uso: “Grupo de Reflexão e Apoio à Prática de
Enfermagem” (GRAPE) e “Grupo Refletir Enfermagem nos
Cuidados de Saúde Primários” (GRECSP).
Foi nesse contexto organizacional que se iniciou, em 2005,
um estudo no âmbito das práticas de enfermagem
centradas na família como cliente. Esse estudo
desenvolvido pela primeira autora, integrado do processo
de desenvolvimento de Doutoramento em Ciências de
Enfermagem, tem como principal finalidade contribuir
para a definição do corpo de conhecimentos de
enfermagem na área da enfermagem de família.
A enfermagem de família constitui-se, assim, como uma
área específica no contexto geral da enfermagem,
desenvolvida com base nas teorias da terapia familiar,
teorias das ciências sociais da família e de modelos de
enfermagem8, dando ênfase às interações dos elementos
da família, numa perspectiva sistêmica dos cuidados. Nessa
perspectiva, os cuidados de enfermagem são centrados
na unidade familiar, enfatizando as respostas da família
aos problemas de saúde reais ou potenciais.9
Em Portugal, a família é a unidade de análise privilegiada
nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), sendo os seus
princípios e objetivos direcionados essencialmente para
a saúde familiar. A regulamentação dos Centros de
Saúde em 1983 introduziu uma filosofia orientada
essencialmente para a saúde familiar, tendo sido
normalizados suportes de registro direcionados para a
unidade familiar.1 Com o enquadramento legislativo dos
CSPs por meio do Decreto-Lei n° 88/2005,12 de 3 de junho,
estamos perante um modelo de CSP associado aos
cuidados de proximidade, efetivados pelas Unidades de
Saúde Familiar (USFs). A formação de equipes de saúde
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64, jan./mar., 2009
59
Cuidar a família: da concepção à documentação dos cuidados
multidisciplinares (enfermeiro, médico, administrativo,
psicólogo, nutricionista, etc.) permitirá a melhoria da
qualidade dos cuidados prestados às famílias,
acompanhadas ao longo do seu ciclo vital. Surge, então, a
importância de desenvolver o conceito de enfermeiro de
família, baseado num paradigma sistêmico que permita a
efetivação da enfermagem de família. A importância do
contributo dos enfermeiros no contexto dos CSPs surge
evidenciado em vários documentos em nível internacional,
como a Saúde 2112 e a Declaração de Munique.13
Contudo, apesar da evolução a nível dos cuidados de
enfermagem centrados na família, esta ainda é
conceitualizada de forma fragmentada, uma unidade
divisível em partes, em que os cuidados de enfermagem
continuam dirigidos ao indivíduo.8,14,15
Considerando a pertinência do desenvolvimento prático
nessa área e tendo como pressuposto a importância dos
SIEs, a investigação em desenvolvimento, de natureza
qualitativa, enquadra-se na metodologia de investigação
ação.
O contexto da investigação é um Centro de Saúde da
ULSM, pela sua evolução no nível dos SIEs, conforme
descrito.
Após a etapa de diagnóstico relativa às representações,
descrição dos cuidados de enfermagem focados na família
e análise da documentação produzida pelos enfermeiros,
foi possível constatar lacunas no processo de cuidar as
famílias, desde a concepção à execução deles. Para o
planejamento da mudança, definiram-se estratégias no
sentido de adotar um modelo de cuidados no âmbito da
enfermagem de família e reconstruí-lo de acordo com as
características locais. Adotando-se o Modelo de Calgary
de Avaliação da Família, 9 a reconstrução e a
operacionalização do Modelo de Cuidados à Família
ocorreram de janeiro a setembro de 2007, com a interação
constante entre os agentes da investigação (os
enfermeiros) e a investigadora. Para a definição de
subconjuntos diagnósticos, diagnósticos e intervenções,
foi utilizada a CIPE, sendo definidas como fundamentais
as seguintes áreas de atenção nos cuidados de
enfermagem às famílias: Rendimento familiar; Edifício
residencial; Precaução de segurança; Abastecimento de
água; Animal doméstico; Satisfação conjugal;
Planejamento familiar; Adaptação à gravidez; Papel
parental; Papel de prestador de cuidados; e Processo
familiar.
METODOLOGIA
O estudo apresentado, integrado numa das etapas da
investigação ação Enfermagem de Família: um contexto do
cuidar, planejamento da ação, é de natureza qualitativa,
centrando-se no modo como os seres humanos
interpretam e atribuem sentido à realidade objetiva.16
Utilizou-se a metodologia de investigação-ação visando à
implementação de novas práticas nos cuidados à família
por meio de um conhecimento prático e o
desenvolvimento da teoria.
A população deste estudo foi constituída pelos
enfermeiros de família de um Centro de Saúde da ULSM,
do distrito do Porto, Portugal, sendo obtida a concordância
de todos em participarem no estudo.
Para a adequação dos padrões de documentação à
estrutura do Modelo de Cuidados de Enfermagem à
Família, utilizou-se a técnica de debates em grupos.17
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme referenciado, os padrões de documentação
relativos à Avaliação inicial da família foram definidos
tendo como base o Modelo Calgary de Avaliação da
Família.9 Dessa forma, o menu inicial da estrutura de
documentação informática permite visualizar as três
dimensões do Modelo (FIG. 1), integradas também no
Modelo de Cuidados (re)construído. Se a gestão da
informação é “tanto mais eficaz e eficiente se contemplar
a globalidade de cuidados”,19:1.006 julgamos ser facilitador
da tomada de decisão das prioridades de avaliação da
familiar a integração inicial de todas as dimensões do
sistema. A inclusão do item “Outras Situações” permitirá
registar informações que os enfermeiros considerem
pertinente no contexto familiar e que não se enquadrem
em nenhum dos itens anteriores.
A última fase de preparação para a mudança correspondeu
à adequação do modelo (re)construído à estrutura
informática do modelo de documentação. A integração
dos padrões de documentação na estrutura foi realizada
pelas autoras, a primeira na qualidade de investigadora e
a segunda, como coordenadora do GRECSP desta Unidade
Local de Saúde.
Temos como objetivo a apresentação dos padrões de
documentação integrados no SAPE e a discussão deles no
contexto dos cuidados de enfermagem centrados no
sistema familiar.
60
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64, jan./mar., 2009
FIGURA 1 – As quatro dimensões da Avaliação familiar
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
Para cada uma das dimensões de avaliação foram definidas áreas centrais, estruturadas sequencialmente na
aplicação informática, permitindo a sua visualização de
forma rápida e clara. Apresentamos como exemplo os
ícones e subícones da dimensão estrutural (FIG. 2).
Adotando-se uma filosofia interativa no registro de
informação decorrente dos cuidados produzidos,
elaborou-se um manual de instruções com o objetivo de
permitir aos enfermeiros a visualização de todo o processo
conceitual, desde a documentação dos dados diagnósticos
à avaliação dos resultados produzidos. Dessa forma, os
dados documentados nos ícones referentes ao Edifício
residencial (FIG. 2) permitem a opinião clínica dos
enfermeiros sobre o estado de um fenômeno de
enfermagem, 18 especificamente a Precaução de
segurança. Essa interação Avaliação/Diagnósticos e
intervenções expressa-se em todas as dimensões
constituintes dos padrões de documentação integrados
na aplicação informática. Assim, por exemplo, no caso de
ser documentada a existência de barreiras arquitetônicas
e/ou abastecimento de gás e/ou utilização de
aquecimento no edifício residencial, os enfermeiros têm
como indicação a ativação do fenômeno “Precaução de
segurança”. 18 Essa ligação dinâmica permitirá a
concretização fundamentada do diagnóstico, que será
documentado noutra plataforma da aplicação, designada
de Processo de Enfermagem.
Os dados diagnósticos que suportam a tomada de decisão
sobre a higiene da habitação estão associados à
organização e limpeza dela. Quando o enfermeiro
considera, pela sua opinião clínica, que a higiene da
habitação é deficitária na perspectiva do seu impacto para
a saúde da família, ativa o fenômeno “Edifício residencial”18
e, de acordo com o mesmo princípio metodológico,
ajuizará sobre esse fenômeno e planejará intervenções
adequadas para dar resposta ao diagnóstico formulado.
Relativamente a esse fenômeno, adaptou-se “Habitação”,
considerado o termo semântico preferido.
No decorrer do processo de investigação desenvolvido pela
primeira autora, foram definidas as seguintes áreas de atenção
com maior relevância para a prática de enfermagem familiar:
Precaução de segurança; Rendimentos; Habitação;
Abastecimento de água; Animal doméstico; Papel
parental; Satisfação conjugal; Planejamento familiar;
Papel de prestador de cuidados; e Processo familiar. A
integração dessas áreas de atenção como os fenômenos mais
frequentes na implementação do Processo de Enfermagem
à Família implicou a incorporação deles no programa Saúde
Familiar no sistema de informação (FIG. 3).
FIGURA 2 – Avaliação familiar: Dimensão estrutural
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
A dimensão estrutural integra as áreas centrais: Tipo de
família, Família extensa, Sistemas mais amplos, Classe
social, Sistema de abastecimento e Ambiente biológico.
FIGURA 3 – Os focos de atenção do programa Saúde
Familiar
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64, jan./mar., 2009
61
Cuidar a família: da concepção à documentação dos cuidados
Reportando-nos ao exemplo anterior referente ao foco
de atenção “Habitação”, poderemos visualizar (FIG. 4) a
agregação da dimensão Conhecimento e os juízos
Segurança e Negligência.18 Ao conjunto desses itens
designamos de status, pela sua função qualificadora do
fenômeno que possibilita a formulação do enunciado
diagnóstico. A documentação desses status decorre dos
dados diagnósticos obtidos na avaliação inicial, e a sua
análise é feita de acordo com indicadores e critérios
previamente definidos.
– Coping familiar, que integra a dimensão avaliativa
“Solução de problemas”, descrita como a capacidade
da família de solucionar eficazmente os problemas
que identifica.9
– Papéis familiares, que agrupam um conjunto de
papéis que os membros exercem no contexto
familiar, como o de provedor, de gestão financeira,
de cuidado doméstico, dentre outros. Quando os
enfermeiros se centram na avaliação do
desempenho e fatores de tensão do papel, o sistema
de informação ainda lhes permite documentar
situações de conflito ou saturação do papel.8
– Crenças familiares, que englobam um conjunto de
categorias de crenças, consensualizadas pelos
grupos de debate como as de maior influência nos
comportamentos expressos pela família nas suas
práticas de saúde, de interacção e relação com o
meio.
FIGURA 4 – Processo de Enfermagem: status do foco
de atenção Habitação
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
Talvez o mais inovador e simultaneamente com maior
grau de dificuldade tenha sido a discussão processada
nos debates de grupo, respeitante à Dimensão funcional
expressiva. Esta integra os padrões de interacção
familiar, que segundo o MCAF9 engloba as seguintes
categorias: comunicação emocional, comunicação
verbal, comunicação não verbal, solução de problemas,
papéis, influência e poder; crenças; alianças e uniões. A
partir da discussão desses conceitos e articulando-os
com os focos da prática de enfermagem definidos no
ICNP/CIPE, 18 foi possível a sistematização e o
reenquadramento de áreas de atenção nessa dimensão,
com a respectiva incorporação no sistema informático
(FIG. 5). Os utilizadores do programa SAPE visualizam,
no momento da documentação, os seguintes ícones:
– Escala de readaptação social HR, que corresponde à
Escala de readaptação social de Holmes e Rahe. Essa
escala possibilita, de acordo com o valor obtido,
encontrar uma relação entre os níveis de estresse
decorrentes de transições familiares e a
probabilidade de surgirem doenças psicossomáticas
num ou em vários membros da família.20 A utilização
dessa escala permite a identificação de situações
geradoras de estresse na família, resultando no
planejamento e na implementação de intervenções
que visem à capacitação evolutiva do sistema.
– Comunicação familiar, que se subdivide nos itens:
Comunicação emocional, Comunicação verbal/ não
verbal e Comunicação circular.
62
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64, jan./mar., 2009
– Relação dinâmica familiar, que aglomera um
conjunto de dados diagnósticos inseridos em
categorias: Influência e poder; Alianças e uniões;
Coesão e adaptabilidade da família; Funcionalidade
da família – Percepção dos membros. A avaliação
da Relação dinâmica, área de atenção de
enfermagem associada à liberdade de expressar
emoções, afeição aberta entre as pessoas e
flexibilidade interaccional, 18 contribui para o
conhecimento aprofundado de aspectos específicos
do contexto familiar, direcionados para a
identificação das suas forças e dos seus recursos.
FIGURA 5 – Avaliação familiar: Dimensão funcional
expressiva
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
Julgamos pertinente a discussão sobre a organização
da informação diagnóstica relativa ao “Coping familiar”
(FIG. 6). O Coping constitui-se como a disposição
cognitiva, afetiva e comportamental para gerir o
estresse que se sucede às exigências e pressões do
quotidiano, no sentido da mudança que permita a
gestão dos fatores que sobrecarregam ou excedem os
recursos familiares.8,18 Tendo como pressupostos os
conceitos sistêmicos na abordagem da família, os
debates de grupo assumiram-se nitidamente como
espaços reflexivos sobre a tomada de decisão dos
enfermeiros no que concerne à identificação da
capacidade da família de definir estratégias
direcionadas à solução de problemas. A capacidade na
gestão dessas estratégias de solução de problemas
permitirá que o sistema familiar evolua positivamente
na sua trajetória. Nesse contexto e recorrendo à
visualização dos padrões de documentação (FIG. 6),
incorporados no sistema de informação, os enfermeiros
podem documentar objetivamente: quem na família
habitualmente identifica os problemas; quem tem a
iniciativa para resolvê-los; se existe discussão sobre os
problemas identificados; se todos os membros da
família demonstram satisfação com as estratégias
adotadas no sentido da discussão e resolução dos
problemas; recursos externos para resolução de
problemas; e, ainda, a percepção da família sobre as
estratégias adotadas ao longo da sua história como
família.
problemas e toma iniciativa para solucioná-los e se em
todos os itens referenciados, como dados de avaliação,
a resposta da família é positiva. Por sua vez, caso em
algum desses itens se obtenha uma resposta negativa,
indiciadora de coping não eficaz, o “Processo familiar”,
como área de atenção central, será qualificado como
disfuncional. O enfermeiro poderá, então, planejar com
a família estratégias de intervenção que visem à
capacitação desta na definição e gestão de estratégias
adequadas na resolução de problemas. A avaliação de
resultados, numa etapa posterior, possibilitará o registro
de informação que fundamente a mudança do status
de “não eficaz” para eficaz”. Esse processo documental
permite a continuidade de cuidados centrada na família.
FIGURA 7 – Processo de Enfermagem: status do foco
de atenção “Processo familiar”
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
Para todas as áreas de atenção englobadas como
dimensões da área de atenção central “Processo
familiar”, utilizaram-se os mesmos princípios, tendo
como base os indicadores e critérios definidos no
percurso da investigação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FIGURA 6 – Avaliação familiar: Dimensão funcional
expressiva
Fonte: SAPE: Centro de Saúde S. Mamede Infesta (ULS Matosinhos)
Mantendo a sequência conceitual no âmbito da
avaliação da categoria Coping familiar, visualizamos no
menu informático do Processo de Enfermagem do
programa de Saúde da Família os status definidores
dessa área de atenção (FIG. 7). O Coping familiar
constitui uma das dimensões avaliativas do “Processo
familiar”, tendo como critério predefinido para a sua
qualificação: Coping familiar eficaz se, pelo menos, um
membro da família identifica habitualmente os
Em Portugal, os Cuidados de Saúde Primários mantêmse como a base do sistema de saúde. Os enfermeiros,
integrados em equipes multidisciplinares, necessitam
cada vez mais de desenvolver competências na gestão
da informação para que consigam manter a influência
da enfermagem no contexto dos cuidados de saúde.
Situando-se a investigação na etapa de implementação
das mudanças da prática, decorrentes da (re)construção
do Modelo de Cuidados de Enfermagem centrado na
família, a adequação desse ao Sistema de Informação
em uso na instituição emergirão os ganhos em saúde
sensíveis aos cuidados de enfermagem. Reflete-se nos
padrões apresentados a metodologia do Processo de
Enfermagem, que se constitui como pedra basilar dos
cuidados que os enfermeiros desenvolvem no âmbito
da enfermagem de família, uma vez que, como
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63
Cuidar a família: da concepção à documentação dos cuidados
instrumento tecnológico ou modelo metodológico,
orienta a prática profissional assumindo as
características de uma prática reflexiva. Por meio desses
três elementos – diagnóstico, intervenção e resultados
–, os enfermeiros conseguem refletir os cuidados que
executam, constituindo esses elementos um modo de
fazer e um modo de pensar a prática da Enfermagem
que buscam, habilidades e capacidades cognitivas
(pensamento, memória, raciocínio), psicomotoras
(físicas) e afetivas (emoções, sentimentos, crenças e
valores), além de conhecimento e perícia no uso das
técnicas de resolução de problemas e de liderança na
implantação e execução do plano de intervenção. Essas
habilidades, capacidades, conhecimento e perícia
ajudam a determinar o que deve ser feito, por que deve
ser feito, por quem deve ser feito, como deve ser feito e
que resultados são esperados com a execução da ação/
intervenção de enfermagem (para que deve ser feito).
Se a definição das áreas de intervenção na família
permitiu o desenvolvimento de estratégias que
conduzissem à produção de resultados, a
documentação da informação produzida nos cuidados
às famílias constitui contributo valioso para a melhoria
da qualidade dos cuidados de enfermagem de família.
Há uma crescente sensibilização e valorização dos
enfermeiros no que se refere à documentação de dados
que tornem visíveis todo o processo de avaliação e
intervenção familiar. A preocupação da ULSM em
aperfeiçoar os sistemas de informação por meio da
discussão das práticas e da informação documentada
permitiu a concretização da fase correspondente à
integração dos padrões de documentação, que
emergirão da investigação na aplicação informática.
Sendo o processo de investigação de natureza
complexa, baseado na construção de um modelo de
cuidados com a implicação dos destinatários, os
resultados apresentados evidenciam, desde, já o
conhecimento prático construído.
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Data de submissão: 9/6/2008
Data de aprovação: 9/12/2008
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remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 57-64, jan./mar., 2009
ANÁLISE DAS BASES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DA
SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ENFERMAGEM
ANALISYS OF PEDAGOGIC-DIDATIC BASIS TO IMPROVE THE TEACHING SYSTEMATIZATION OF NURSING
ASSISTENCE
ANÁLISIS DE LAS BASES DIDÁCTICAS PEDAGÓGICAS PARA LA ENSEÑANZA DE LA SISTEMATIZACIÓN DE
LA ASISTENCIA DE ENFERMERÍA
Oriana Deyze Correia Paiva Leadebal1
Wilma Dias de Fontes2
Maria Mirian Lima da Nóbrega3
Galdino Toscano de Brito Filho4
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva de abordagem qualitativa cujo objetivo é analisar os métodos de
ensino e as abordagens pedagógicas que fundamentam o processo ensino-aprendizagem na disciplina Metodologia
da Assistência de Enfermagem em três instituições de Ensino Superior em uma capital do Nordeste brasileiro, com
base na técnica de análise de conteúdo de Bardin. Os resultados evidenciaram que o processo de enfermagem tem
sido trabalhado por meio dos fundamentos pedagógicos tradicionais e cognitivistas, com a expressividade acentuada
da abordagem construtivista, embora tenham sido identificados indícios da abordagem comportamentalista. Quanto
aos métodos de ensino, evidenciaram-se métodos comuns instrumentalizando o ensino no contexto da disciplina,
cujas expressões demonstram a utilização sendo efetivada em momentos variados, quanto às etapas do processo
de enfermagem, e com fins distintos. Conclui-se que o trabalho educativo exige dos docentes não apenas o domínio
dos conteúdos que serão matéria do processo de ensino-aprendizagem, mas também as competências pedagógicas
necessárias para conduzir tal processo em consonância com o novo paradigma pedagógico do ensino superior;
além da importância de os docentes reconhecerem que qualquer abordagem pedagógica e suas respectivas
estratégias e métodos de ensino são voltadas para o aprendizado dos discentes, porém costumam ser responsáveis
pela construção de outras capacidades individuais e coletivas que devem ser ponderadas na perspectiva do que
preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Enfermagem e as exigências do
mundo contemporâneo.
Palavras-chave: Processos de Enfermagem; Ensino; Enfermagem; Instituições de Ensino Superior.
ABSTRACT
This is an exploratory and descriptive study with a qualitative approach that aims to analyze the teaching methods
and the pedagogical approaches that support the process of teaching-learning regarding the Methodology of nursing
assistance. It was carried out in three higher education institutions located in a principal city in northeast Brazil. The
Bardin´s content analysis technique was applied. The results show that the process of nursing has been based on
traditional and cognitive pedagogical ground, with an expressive constructivist approach and evidences of a
behavioral approach. In relation to the teaching methods, results show that common methods usually guide teaching
in the subject content, and these expressions seem to be effective in several occasions, even in different moments
of the nursing process, and with different goals. We conclude that the educative work demands not only the domain
of the content that will be taught, but also the pedagogic competence to run the process according to the new
pedagogic paradigm of higher education. It is also important that professors recognize that any pedagogic approach,
as well as its respective strategies and teaching methods aim at the student’s learning process. Nevertheless, they
are usually responsible for the construction of other individual and collectives skills that must be taken into
consideration in the prospects established by the national curricular guidelines for the nursing graduation courses
and for the demands of our contemporary world.
Key words: Nursing Process; Teaching; Nursing; Higher Education Institutions.
1
2
3
4
Mestre em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e Administração do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal da Paraíba-PB. E-mail: [email protected].
Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação, nível Mestrado, e do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e Administração
do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba-PB. E-mail: [email protected].
Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação, nível Mestrado, e do Departamento de Enfermagem em Saúde Pública e Psiquiatria do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba-PB. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
E-mail: [email protected].
Doutor em Educação. Docente do Departamento de Habilitações Pedagógicas (DPH). Presidente do Sindicato dos Docentes da UFPB. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência: Oriana Deyze Correia Paiva Leadebal: Rua Luiz de França Pontes, n° 48, Jardim Oceania, Bessa, João Pessoa-PB. CEP: 58.037730.
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Análise das bases didático-pedagógicas para o ensino da sistematização da assistência enfermagem
RESUMEN
Se trata de una investigación exploratoria descriptiva de enfoque cualitativo con el objetivo de analizar los métodos
de enseñanza y los aportes pedagógicos que fundamentan el proceso enseñanza- aprendizaje en la asignatura
Metodología de la Asistencia de Enfermería en tres instituciones de Enseñanza Superior de una capital del Noreste
brasileño, a partir de la técnica de análisis de contenido de Bardin. Los resultados evidenciaron que el proceso de
enfermería ha sido trabajado por medio de los fundamentos pedagógicos tradicionales y cognitivistas, con la
expresividad acentuada del enfoque constructivista, habiendo sido identificados indicios del enfoque
comportamentalista. En cuanto a los métodos de enseñanza se observaron métodos comunes como instrumentos
para la enseñanza de la asignatura, con expresiones que demuestran que su uso se concreta en distintos momentos
y con distintos fines de las etapas del proceso de enfermería. Se concluye que la tarea educativa exige de los
docentes no sólo dominio de los contenidos que serán materia del proceso de enseñanza y aprendizaje, sino también
competencias pedagógicas para conducir dicho proceso en consonancia con el nuevo paradigma pedagógico de
la enseñanza superior. Es importante, además, que los docentes reconozcan que cualquier enfoque pedagógico, así
como sus respectivas estrategias y métodos de enseñanza dirigidos hacia el aprendizaje de los aprendices suelen,
sin embargo, ser responsables de la construcción de otras capacidades individuales y colectivas que han de ser
ponderadas dentro de la perspectiva de las recomendaciones de las Directrices Curriculares Nacionales para los
Cursos de Licenciatura en Enfermería y las exigencias del mundo contemporáneo.
Palabras clave: Procesos de Enfermería; Enseñanza; Enfermería; Instituciones de Enseñanza Superior.
INTRODUÇÃO
A enfermagem é uma profissão milenar que despontou
a partir de 1950 – no Brasil, mais precisamente na década
de 1970 – com o objetivo de se libertar do paradigma
dominante que até então a subjugava, caracterizando-a
como profissão auxiliar das práticas médicas. Em
decorrência disso, ela busca, a partir dessa década,
estabelecer-se como uma profissão com bases científicas,
delimitando seu objeto de estudo e sua metodologia de
trabalho, com vista à definição de sua autonomia e de seu
reconhecimento no campo das ciências da saúde.
Respaldada por um acervo científico crescente, a
enfermagem contemporânea se faz presente em todas as
áreas do cuidado à saúde, desde a sua promoção, com
forte atuação no processo educativo, até nos serviços de
tratamento e reabilitação. Nessa trajetória, o uso do
processo de enfermagem tem sido uma ferramenta
importante como instrumento do cuidar, cujo objetivo
consiste no favorecimento da prática de enfermagem, uma
vez que fornece subsídios metodológicos para que o
cuidado ocorra.1 Nesse sentido, consiste num método que
proporciona organização e direcionamento às atividades
de enfermagem.
Impulsionado pelo reconhecimento da necessidade de
um processo de cuidar crítico, reflexivo e alicerçado em
preceitos científicos, o processo de enfermagem
apresenta-se, nesse sentido, como um instrumento
fundamental para a execução de uma prática
profissional sistemática e comprovadamente mais
eficaz. É com base nesse instrumento que se busca
investigar (coletar dados), diagnosticar, planejar,
implementar ações e avaliar-lhes os resultados, para
atender aos problemas individuais da clientela, alvo
dos seus cuidados, considerando-a como elemento
único e constituído por esferas ou áreas de
necessidades distintas, cuja relação resulta no sujeito
biopsicossocioespiritual.
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Diante do exposto e considerando o processo de
enfermagem como essência e instrumento da profissão,
é notória a necessidade de que os estudantes de
enfermagem se familiarizem e o adotem como base para
sua prática profissional2, o que requer esforços das
instituições formadoras na articulação desse referencial
metodológico com a construção das competências saber,
fazer e ser da profissão.
As referidas competências têm caracterizado os discursos
nas reformas dos projetos pedagógicos das instituições
de ensino e dos cursos de graduação em enfermagem,
respaldados pela Lei n° 9.394/96, das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), e de forma mais incisiva por
meio das Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pelo
Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação
Superior (CNE/CES) por meio da Resolução nº 3, de 7 de
novembro de 2001, nas quais o termo “competência” deve
ser compreendido como a capacidade de mobilizar
conhecimentos teóricos e experiências profissionais e
pessoais para atuar diante das diversas demandas das
situações de trabalho.3
As Diretrizes Curriculares definem os princípios,
fundamentos, condições e procedimentos na formação
educacional que devem ser considerados pelas
instituições do sistema de educação brasileiro, com
especificações para cada área de ensino. Essa iniciativa
flexibilizou a construção das matrizes curriculares dos
cursos de graduação mediante a valorização do aprender
a aprender, do aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a ser e aprender a viver juntos.
Uma leitura das competências e habilidades específicas
necessárias à formação do enfermeiro, expressas pelas
Diretrizes Curriculares, revela alguns aspectos que
respaldam o exercício de uma assistência de qualidade.
Dentre esses aspectos, está o reconhecimento do
indivíduo em suas dimensões e particularidades relativas
à fase evolutiva que experiência; a consideração do
contexto social como influenciador do estado de saúde-
doença, bem como da importância de se reconhecer a
saúde em seu aspecto amplo; a valorização da
integralidade da assistência à saúde, da preparação do
profissional para atender às demandas de saúde, expressas
pelo perfil epidemiológico local; a valorização do trabalho
multiprofissional e da assistência sustentada por
fundamentos científicos, organizada, humanizada e
individual, no sentido de responder às necessidades da
clientela.3
Nesse contexto, urge a necessidade de considerar o ato
de ensinar não como a transferência de saberes, mas como
a percepção de um processo de ensino-aprendizagem que
é construído por seus participantes,7 os quais devem ser
respeitados na complexidade de suas diferenças já no
planejamento do ensino, utilizando estratégias que
otimizem o raciocínio crítico-reflexivo dos discentes e
considerem, no planejamento da formação profissional,
as demandas sociopolíticas.
A leitura das Diretrizes explicita os ideais da educação
voltados para a construção de competências e habilidades,
cujas referências incidem sobre as capacidades necessárias
ao desempenho prático que se espera do profissional. Um
processo contínuo de construção que não se limita à
formação acadêmica e responde pelas demandas de ações
experienciadas no exercício profissional.4
Este é o momento que vivenciamos: o da demanda de
inovações no âmbito da formação profissional, permeada
por questionamentos sobre os métodos de ensino mais
adequados ao paradigma emergente que permitam “[...]
reservar ao cérebro humano o que lhe é particular, a
capacidade de pensar, em vez de desenvolver a memória”.8
Ressalte-se que o emprego do termo “competências” na
Resolução n° 03/2001 CNE/SES reflete as capacidades de
fazer (o fazer profissional) com base em conhecimentos
(saberes) necessários, os quais, no conjunto, permitem ao
enfermeiro atuar com competência, agora compreendida
como um conjunto de saberes e fazeres de boa qualidade.5
Considerando o caráter polissêmico do termo em
discussão, é oportuna a preocupação de que esse não seja,
no contexto do planejamento do ensino superior,
associado unicamente ao desenvolvimento de
capacidades técnicas (do saber fazer), vinculadas ao
exercício profissional e a importância de se estender sua
compreensão às esferas psicossocioculturais inerentes ao
processo saúde-doença. Destaque-se que a compreensão
do termo “competência” na complexidade das instâncias
mencionadas só se materializa quando os indivíduos são
colocados a serviço de situações complexas. Os dois
aspectos abordados levam, então, autores nacionais à
adoção das expressões “competência profissional” e
“competência técnica” no intuito de levar à primeira o
entendimento complexo diferenciado do simples
tecnicismo atrelado à segunda, haja vista que o fazer exige
mobilização do saber e do pensar.6
A instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais aponta
para a necessária reformulação dos projetos pedagógicos,
os quais devem valorizar o aprendizado em detrimento
do ensino; a necessidade do reconhecimento do discente
como sujeito da aprendizagem e participante importante
na construção do conhecimento, uma exigência também
da repercussão atual da globalização sobre o construto
teórico das ciências da saúde e da rapidez com a qual as
informações tecnológicas e científicas desenvolveram-se
e difundiram-se nessa área, tornando inviável o domínio
e, muitas vezes, a apreensão de tantos conhecimentos.
Nesse sentido, o ritmo acelerado da produção científica e
a crescente exigência de profissionais crítico-reflexivos
(expressos na Lei n° 9.394/96 como uma finalidade da
educação superior) somam-se para justificar os
questionamentos atuais sobre a ineficácia do ensino
academicista com o saber centrado no professor.
Questionam-se os benefícios da ênfase nos conteúdos e
na valorização dos resultados de um aprendizado
homogeinizador.
Diante do exposto e cientes das exigências legais para o
exercício da profissão, bem como da importância do
processo de enfermagem na prática da enfermagem
contemporânea como instrumento racionalizador da
assistência e valorização profissional e, também, por
consideramos o processo de enfermagem como elemento
essencial à prática de enfermagem, fomos instigados a
refletir sobre a seguinte questão norteadora: quais são as
bases pedagógicas e metodológicas que subjaz ao ensino
do processo de enfermagem nas instituições de ensino
superior de graduação da área no contexto da disciplina
Metodologia da Assistência de Enfermagem ou disciplina
correlata?
Este artigo tem como objetivo analisar os métodos de
ensino que instrumentalizam o ensino na disciplina
Metodologia da Assistência de Enfermagem e as
abordagens pedagógicas que fundamentam o processo
ensino-aprendizagem na referida disciplina.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva de
abordagem qualitativa, tendo como cenário três
instituições de ensino superior situadas no município de
João Pessoa-PB, sendo uma pública e duas privadas, onde
são ministrados cursos de graduação em Enfermagem,
reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC). Todas
atenderam ao critério de contar com turmas cursando o
último período letivo curricular.
Compuseram a população deste estudo seis docentes que
lecionavam a disciplina Metodologia da Assistência de
Enfermagem. Para a seleção da amostra, foram
adotados os seguintes critérios de inclusão: docentes
com experiência de pelo menos um período de ensino
na disciplina e que aceitaram colaborar com o estudo
por meio da assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido; e como critérios de exclusão da
referida amostra o envolvimento direto ou indireto na
construção do presente estudo e o fato de terem
lecionado na disciplina há mais de cinco anos.
Considerando os referidos critérios, compuseram o
grupo amostral três docentes das três instituições de
ensino, identificadas, respectivamente, como docente da
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Análise das bases didático-pedagógicas para o ensino da sistematização da assistência enfermagem
Instituição A (DA), docente da Instituição B (DB) e docente
da Instituição C (DC).
Para a coleta do material, foi utilizada a técnica da entrevista
gravada e estruturada, utilizando-se um roteiro de
entrevista, que contemplava determinados aspectos de
interesse do estudo. As entrevistas foram coletadas em
abril de 2007, em dias, locais e horários escolhidos pelos
docentes colaboradores, tendo sido utilizados na ocasião,
um gravador, fitas e baterias previamente testadas.
O material produzido foi, em seguida, submetido ao
procedimento de edição, que consistiu na transcrição das
narrativas para textos escritos, os quais foram submetidos
aos procedimentos metodológicos da análise temática
de conteúdo proposta por Bardin. 9 Seguindo as
orientações do referencial metodológico citado,
procedeu-se à exploração do material com a codificação
das mensagens e à construção das unidades temáticas
(por recorte), ou seja, procedeu-se à descoberta dos
núcleos de sentido de cada narrativa, os quais foram
enumerados utilizando-se regras como presença,
frequência e co-ocorrência dos núcleos de sentidos. Esses
sentidos foram, em seguida, clarificados com vista aos
objetivos propostos e agregados, resultando na
construção de duas categorias e oito subcategorias
fundamentadas por autores brasileiros.
O estudo foi desenvolvido em consonância com a
Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde,10
com o Protocolo nº 1004/07 no Comitê de Ética em
Pesquisa do CCS/UFPB.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O primeiro foco de análise incidiu sobre os métodos de
ensino, definidos por Libâneo11 como os processos e ações
desenvolvidas pelos docentes e discentes, na perspectiva
do trabalho com os conteúdos (bases conceituais) a fim
de alcançarem os objetivos do ensino. A classificação
utilizada embasou-se na perspectiva da relação professoraluno, subsidiando a construção da categoria MÉTODO
DE ENSINO, constituída por sua vez, por quatro
subcategorias, designadas Método de exposição pelo
professor, Método de trabalho independente, Método de
elaboração conjunta e Método de trabalho em grupo
(QUADRO 1).
QUADRO 1 – Subcategorias e respectivas unidades temáticas pertinentes à categoria “Métodos de ensino”.
João Pessoa, 2007
CATEGORIA – Métodos de ensino
SUBCATEGORIAS
Método de exposição
pelo professor
Método de elaboração
conjunta
Método de trabalho em
grupo
Método de trabalho
independente
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UNIDADES TEMÁTICAS
O conteúdo era sempre exposto... em todas as etapas do processo... utilizamos aulas
expositivas... (DA)Apresento todas as etapas... mostrando instrumentos utilizados por vários
serviços... detalho duas teorias... mais utilizadas na prática... apresento as taxonomias... aí
vou explicar para eles... eu trabalho então com aulas expositivas... e trago textos... é uma
exposição dialogada... (DB)
As aulas teóricas, a maioria delas é expositiva porque é um assunto muito novo para os
alunos... mostramos todas as classificações. (DC)
Eu começava a chamar os alunos pelos nomes e fazia com que cada um concordasse ou
discordasse com o que eu estava falando para que houvesse uma discussão em sala de
aula... (DA)
Fizemos uma simulação... depois, nós utilizávamos textos para discussões em sala de aula...
(DA)Eu trago cinco textos que são distribuídos entre cinco grupos, os quais fazem um debate
entre os componentes, apresentam um resumo daquilo que foi discutido... Inicialmente um
membro do grupo faz uma narração... em seguida eles apresentam uma dramatização...
(DB)Solicitamos do aluno que ele, em grupo, estude uma teoria... eles trazem... para que
possamos fazer um debate... trazemos casos de papel que são distribuídos entre duplas... e
em cima desses casos eles vão destacar os problemas... depois... vão agrupar... e vão tentar
elaborar um diagnóstico de enfermagem. (DC)
Foi feita uma história... para que cada aluno traçasse, diagnóstico e planejamento, incluindo
os resultados esperados e as intervenções. (DA)
Faço alguns exercícios... trazendo pequenos casos e em cima desses, os alunos extraem os
problemas... identificam os diagnósticos e daí montam o plano... a partir do momento em
que concluímos cada etapa, vou apresentando exercícios... inicialmente alguns estudos
dirigidos... (DB)
Então cada um com um instrumento de coleta de dados em mãos... vai simular... uma coleta
de dados... cada um elabora um histórico de enfermagem... eles vão destacar os problemas
que eles encontram, depois vão agrupar esses problemas e elaborar um diagnóstico de
enfermagem... (DC)
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 64-75, jan./mar., 2009
Identificou-se no discurso das três docentes das
unidades temáticas pertinentes à categoria “Método de
exposição pelo professor”, caracterizado pela ênfase do
protagonismo docente no processo de ensino,
mediante a exposição, pelo professor, das bases
conceituais que, em sua maioria, são reconhecidas
como novas para os discentes, os quais assumem, então,
o papel de espectadores.11
Ressalte-se o fato de o referido método ser reconhecido
como um importante subsídio para a obtenção de
conhecimentos, principalmente aqueles poucos
experienciados pelos discentes, mas que requerem, para
a obtenção de bons resultados, a mobilização interna
destes últimos, suficiente para instigá-los a se
concentrarem e a pensar. Daí a importância de o docente
buscar a articulação da exposição dos conteúdos às
estratégias dos demais métodos de ensino.
É importante destacar que, se é objetivo comum a todos
os docentes é a construção de significados pelos
discentes com base nos conteúdos (bases conceituais)
ensinados, 12 a adoção exagerada de métodos de
exposição pelo professor, característica da educação
bancária,7 tende a ser responsável pelo desinteresse dos
discentes pelos conteúdos ensinados, o que afeta, em
graus variados, a sua disposição para aprender e
construir significados. Afinal conforme explicam as
autoras, tal construção é um fenômeno de criação
interna, resultante da convergência de inúmeros fatores
de natureza particular e interpessoal. Cabe ao docente,
em seu planejamento de ensino, selecionar métodos
variados que respeitem os discentes como sujeitos, para
que possam ser obtidos resultados eficazes.
Outra unidade temática, identificada somente com base
na narrativa da DA, comprova, ainda, a utilização do
Método de elaboração conjunta, no qual o cenário do
processo de ensino é partilhado pela atuação
simultânea do docente e do discente, e cujos benefícios
derivam da sinergia da atuação desses dois atores na
construção do conhecimento, que, por sua vez, carrega
o potencial de ser assimilado ativamente ao suscitar a
atividade mental dos discentes em vez de simplesmente
instigar-lhes as atitudes receptivas.
O referido método pode ser aplicado em vários
momentos no processo de ensino, desde que seja
respeitado um conjunto de condições prévias que
inclui: a incorporação, pelos discentes, dos objetivos a
atingir e o domínio de conhecimentos básicos ou a
disponibilidade de conhecimentos e/ou experiências
formais ou informais deles, os quais servem de ponto
de partida para o trabalho conjunto.1.
As unidades presentes no discurso das três docentes
revelaram a categoria Método de trabalho em grupo,
caracterizado pelo emprego de instrumentos e/ou
estratégias que instigam o trabalho coletivo, seja ele
cognitivo ou psicomotor, cujas contribuições perpassam
pelo estímulo ao “aprender a conviver”. Esta última, uma
competência expressa nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de graduação em enfermagem,
é considerada, pela Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI, como um dos quatro pilares
sobre os quais deve ser construída a educação dos
indivíduos no século em que vivenciamos.3,13
Identificou-se, ainda, na narrativa das três docentes a
utilização do Método de trabalho independente. Tal
método efetiva-se por meio de atividades dirigidas e
orientadas pelo docente, mas implementadas pelos
discentes de modo relativamente independente e
criativo, sendo empregado quando se busca estimular
a atividade mental dos discentes, para que estes
apliquem os conhecimentos trabalhados e as
habilidades desenvolvidas sem a participação direta da
figura do docente.11
As unidades temáticas que auxiliaram na identificação
da subcategoria acima referida constituem atividades
denominadas “tarefas de assimilação do conteúdo”, as
quais representam atividades de aprofundamento e
aplicação dos temas trabalhados em momentos
anteriores ao de sua utilização. Tais atividades podem
contribuir para o ensino do processo de enfermagem,
uma vez que permitem, dentro do possível, a
construção de habilidades no contexto de algumas
etapas do processo de enfermagem, como a de
levantamento de dados, diagnósticos de enfermagem
e a de planejamento.11
Reitera-se, oportunamente, o caráter predominantemente
teórico da disciplina de Metodologia de Assistência de
Enfermagem, o que vem dificultar, e por vezes
inviabilizar, a construção de habilidades que requerem
oportunidades práticas de aprendizado. Nesse sentido,
ao propor aos discentes a construção de um histórico
de enfermagem, a identificação de diagnósticos de
enfermagem e a construção de um plano de cuidados
coerente com os problemas identificados, utilizando
casos hipotéticos, o docente deve buscar representar
para eles situações de demanda de cuidados de
enfermagem sobre as quais possam aplicar o
conhecimento trabalhado em aulas anteriores e, dentro
do possível, pleitear a construção de habilidades
vinculadas a tais conhecimentos.
Tendo em vista que as bases pedagógicas da prática
educativa se verificam como ação consciente,
intencional e planejada no processo de formação
humana,11 buscou-se, ainda, identificar os fundamentos
ideológicos que permeiam o processo de ensinoaprendizagem na disciplina em estudo com base nos
próprios discursos das docentes, mediante a
investigação da natureza das finalidades da educação,
sob as quais fomentavam a construção de
competências com os discentes, futuros enfermeiros,
na perspectiva de prepará-los para desempenhar certos
papéis na vida social. Esse fato subsidiou a construção
da categoria “Abordagens Pedagógicas”, da qual fizeram
parte quatro subcategorias, designadas Pedagogia
tradicional, Pedagogia comportamentalista, Pedagogia
cognitivista e Pedagogia construtivista (QUADRO 2).
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Análise das bases didático-pedagógicas para o ensino da sistematização da assistência enfermagem
QUADRO 2 – Subcategorias e respectivas unidades temáticas pertinentes à categoria denominada
abordagens pedagógicas. João Pessoa, 2007
SUBCATEGORIAS
• Pedagogia tradicional
• Pedagogia
comportamentalista
• Pedagogia
cognitivista
• Pedagogia
construtivista
CATEGORIA – abordagens pedagógicas
UNIDADES TEMÁTICAS
Eles não conhecem... então buscamos dar uma aula, e na aula seguinte estar sempre buscando
a anterior... o conhecimento deles não é absorvido totalmente... eu levei todos os impressos
para o histórico de enfermagem... coloquei alguns dados importantes... utilizamos aulas
expositivas... porque existe a dificuldade de conhecimento dos alunos... é um conteúdo do que
eles não têm uma boa noção... o que eles traziam verdadeiramente pra nós de aprendizagem?
Pouca coisa!... não havia conteúdo produtivo... nós (professores) estabelecíamos os critérios de
como os exercícios deveriam ser realizados... imaginei que seriam muitas notas baixas em relação
ao conhecimento deles... foram realizadas 5 atividades, a outra foi só para ajudá-los... (DA)
Sessenta a setenta por cento da turma tem um bom aproveitamento... há aqueles que sentam
mais na frente... participam mais da aula... são mais assíduos, há aqueles que ficam mais na
retaguarda... chegam atrasados... perdem exercícios... e por natureza são desmotivados... isso
prejudica um pouco a avaliação deles e consequentemente o aprendizado... sou apaixonada
pela metodologia da assistência... busco passar isso para eles ... a maioria das minhas turmas
tem tido um bom resultado... (DB)
Tentamos passar para o aluno como é que ele vai coletar os dados junto ao paciente... dizemos
que é muito importante ele usar os instrumentos básicos para o cuidar... então passamos
algumas técnicas para os alunos... (DC)
Fui memorizando cada aluno... e fazia com que cada um concordasse com o que eu estava
falando, ou discordasse disto... chamava outra pessoa que estava menos interessada para dizer
se concordava ou não com aquele outro colega... e a partir do momento em que eles tinham o
receio de serem chamados passavam a prestar mais atenção à aula para que quando eu fizesse
a pergunta eles soubessem responder... (DA)
Foram trabalhadas as histórias, a partir de onde eles levantavam e identificavam os problemas
e traçavam os diagnósticos de enfermagem... (DA)
Trago uma síntese grande... eles trazem... a história de um paciente... vão montar um plano
e apresentar em sala de aula como eles chegaram àqueles problemas... aos diagnósticos, e
apresentam os planos de cuidados contendo diagnósticos resultados esperados e
intervenções... (DB)
Utilizamos... o raciocínio diagnóstico... onde buscamos que o aluno raciocine a partir de algum
problema que levamos para ele, para que eles elaborem os diagnósticos de enfermagem... nas
atividades práticas... o professor está próximo do aluno, tirando dúvidas..., identificando o que
ele realmente está compreendendo e o que é que ele está sentindo de dificuldade, então eu
considero esta nota... a mais importante... (DC)
Sempre procuro atrelar a disciplina às demais disciplinas que fazem uso do processo... aí eles
vão construindo gradativamente... eles estão em contato com os pacientes do hospital, já tiveram
este primeiro encontro, e já começam a fazer determinadas reflexões. Trabalhamos muito... de
modo discursivo e reflexivo... é uma atividade muito rica onde eles conseguem associar ... como
utilizar aquele instrumento na prática; e muitos deles apresentam... a forma correta de utilizar
aquele instrumento e a forma incorreta; e aí eles mesmos fazem o paralelo... (DB)
Fazemos ... debates... utilizamos aulas problematizadoras, onde buscamos do aluno o que é
que ele tem de conhecimento para irmos completando com os conteúdos trazidos pela
disciplina... quando eles vão para o hospital é quando iremos ver... o que é que eles aprenderam
... é muito diferente quando os alunos se deparam com o problema (real) e não com o problema
que lhe trouxeram (fictício)... o que colabora com a aplicação dos conteúdos que eles aprendem
em Metodologia da Assistência de Enfermagem é o fato de ... aproveitarmos o estágio das outras
disciplinas ... onde eu tenho a oportunidade de cobrar o processo de enfermagem... (DC)
Nesse contexto de análise, foram evidenciadas a ênfase
e a frequência do uso de aulas expositivas, da
verbalização dos conteúdos de ensino (bases
conceituais), o trabalho centrado no docente, a postura
receptiva do discente e o ensino homogeinizador como
aspectos emergentes, em proporções distintas, nos
discursos das três docentes participantes do estudo,
fato que comprovou o uso da pedagogia tradicional14
embasando o ensino do processo de enfermagem.
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remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 64-75, jan./mar., 2009
A pedagogia tradicional, também denominada
pedagogia da transmissão15 e educação bancária7, é
caracterizada pela ênfase no intelecto e na transmissão
de conteúdos como objetivos centrais da educação e
pelo destaque na atuação do professor, responsável
supremo pela exposição e reflexão dos conteúdos.14 Tais
características podem ser observadas nos discursos de
DB e DC (QUADRO 2).
Trata-se de uma concepção pedagógica caracterizada
por uma relação professor-aluno verticalizada, por
valorizar objetivos educacionais que almejam o
cumprimento de uma sequência lógica dos conteúdos
e por fomentar o desenvolvimento de atividades
excessivamente expositivas e informativas que
objetivam, principalmente, o disciplinamento das
mentes dos indivíduos. 14 Nessa perspectiva, a
aprendizagem é compreendida como produto da
retenção dos excessivos conteúdos ensinados e
garantida pela repetição de exercícios e recapitulação
desses conteúdos.11,14,16 O referido aspecto está evidente
no discurso de DA ao descrever suas experiências de
ensino na disciplina (QUADRO 2).
Os processos, avaliativos, por sua vez, buscam a exatidão
da reprodução, pelos alunos, dos conteúdos
apresentados por meio do professor, dos livros didáticos
ou outros veículos, o que ficou evidente no seguinte
trecho do discurso de DA (QUADRO 2).
A pedagogia tradicional é uma das mais antigas
concepções pedagógicas que têm resistido
consideravelmente ao tempo e à evolução no contexto
da educação, já que é possível identificar seus indícios,
ainda hoje, em grande parte das escolas.11 Não obstante,
no ensino em enfermagem, as abordagens tradicionais
ainda são bastante comuns, apresentando-se por vezes
como majoritárias.17 Tal aspecto pode ser considerado
como reflexo do modelo vocacional nigtingaleano,
utilizado na formação dos enfermeiros desde a Escola
Ana Néri, em 1923, cujos preceitos centrais consistiam
na valorizavam da formação moral e na rigidez
disciplinar, aspectos requeridos pela formação do
enfermeiro à época.16
É oportuno enfatizar que as consequências individuais
da pedagogia tradicional, também conhecida como
“pedagogia da transmissão”, é a formação de sujeitos
receptivos, passivos e com elevado potencial para
memorizar conteúdos; sujeitos de atitudes acríticas,
com fragilidades no tocante à originalidade e à
criatividade, e desinteressados pela realidade que os
cerca,15 como evidencia o discurso de DB (QUADRO 2).
Em síntese, a referida abordagem pedagógica tende a
instigar a construção de competências distante das
almejadas pela formação do enfermeiro moderno, não
condizendo com a construção de uma postura reflexiva
diante dos problemas que venham a surgir, como
orientam as Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Graduação em Enfermagem. 3 Esse fato
corrobora a concepção de que as instituições de ensino
superior em enfermagem têm avançado na concepção
crítico-reflexiva em relação à sociedade, revelando-se,
entretanto, conservadoras na maneira como trabalham
os conteúdos.18
Há de se considerar, contudo, que apontar as
repercussões negativas da pedagogia tradicional ou
não-construtivista na formação educacional dos
indivíduos não significa condenar o uso da linguagem
no processo de ensino aprendizagem pelo fato de esta
consistir no instrumento mais valorizado na referida
pedagogia, pois a linguagem configura-se, por vezes,
como o único meio para se dispor de certas
informações.19 Nesse sentido, é imperativo que os
docentes busquem utilizá-la em momentos
estritamente oportunos, tendo sempre, de modo
consciente, as limitações e as possibilidades de cada
estratégia de ensino no contexto da produção de
conhecimentos.
Partindo dessa compreensão, urge a importância de se
admitir que muito dos resultados negativos atribuídos
à pedagogia tradicional são, propriamente, fruto do
mau emprego de suas estratégias, resultando no
empobrecimento dos objetivos finais da referida
pedagogia, os quais permeiam, essencialmente, o
estímulo ao raciocínio, o treino da mente e da vontade
dos indivíduos em formação.19
Nesse sentido, é importante que a abordagem
tradicional não seja a única concepção que norteie o
processo de ensino na disciplina em foco, para que se
possa desfrutar, sem exageros, aqueles instrumentos
otimizadores do ensino do processo de enfermagem,
caracterizados como tradicionais. Ressaltem-se, a título
de exemplificação, os benefícios do uso da exposição
dialogada dos conteúdos (bases conceituais), comum
nessa pedagogia, no contexto da disciplina foco de
análise, tendo em vista a novidade que as bases
conceituais por ela trabalhadas podem apresentar aos
discentes, que, na maioria das vezes, não têm
experiência clínica anterior.
Há, contudo, a necessidade da compreensão de que a
exposição dos conteúdos não implica, necessariamente,
a passividade dos discentes, os quais devem ter suas
experiências de vida, carregadas de aprendizados
informais, consideradas e valorizadas durante as aulas.
Afinal, o processo de enfermagem envolve, conforme
já explicitado, um método de resolução de problemas,
e métodos de trabalho e/ou organização de atividades
são utilizados e necessários ao processo de trabalho de
todas as profissões e atividades exercidas pelo
homem. 20 Para tanto, cabe ao educador buscar
estratégias que mantenham o respeito pelos saberes
dos educandos, tornando os conteúdos a serem
trabalhados mais significativos para eles.7
O QUADRO 3 revela, ainda, unidades temáticas
identificadas no discurso de DA que orientaram a
identificação de outra concepção pedagógica alicerçando
a prática de ensino em Metodologia da Assistência
de Enfermagem: Pedagogia comportamentalista.14
Nessa pedagogia, também conhecida pela literatura
como behaviorista ou pedagogia do condicionamento,
os objetivos centrais da educação são a produção de
comportamentos, reconhecidos como manifestações
empíricas e operacionais da aquisição de conhecimentos,
atitudes e destrezas.15 Em síntese, a referida pedagogia
concentra-se no empreendimento de um modelo de
conduta por meio de um jogo eficiente de estímulos e
recompensas capaz de condicionar o aluno a emitir
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 64-75, jan./mar., 2009
71
Análise das bases didático-pedagógicas para o ensino da sistematização da assistência enfermagem
respostas desejadas ao professor, atitudes evidentes no
discurso de DA (QUADRO 2).
A situação descrita permite inferir que o fato de a docente
chamar à discussão os alunos que estivessem conversando
inoportunamente pode ser compreendido como um ato
punitivo para os discentes que assim procediam, os quais
estavam sendo condicionados a não mais manter
“conversas paralelas” durante as aulas. Além disso, o
discurso reforça a possibilidade de condicionamento dos
discentes, uma vez que tal estratégia era utilizada para
estimular a atenção durante as aulas, bem como o estudo
prévio dos conteúdos. A atenção às aulas e o estudo prévio
dos conteúdos tornava-se, na ocasião, fato importante para
que o discente pudesse eximir-se perante os demais
colegas de suas falhas, evitando qualquer tipo de
constrangimento.
Fica notório que, nessa concepção, o discente é
condicionado a emitir respostas com base no
mecanismo estímulo-resposta-reforço, de modo que,
por fim, é condicionado a apresentar comportamentos
almejados sem a necessidade de um estímulo contínuo,
ou seja, tal abordagem apresenta como objetivo
fundamental a construção do aprendizado por meio,
também, de condicionamento subconsciente.15 Nesse
sentido, destaque-se que a ocorrência de tal fato, no
contexto do ensino superior, significa que os indivíduos
são estimulados a aprender por temerem uma nota
baixa ou diante do risco de serem constrangidos
perante os colegas, e não pelo prazer de aprender ou
por reconhecerem a importância do aprendizado para
sua formação profissional.
Admite-se, ainda, como consequência do uso da
pedagogia comportamentalista, a formação de sujeitos
ativos, com alta eficiência no aprendizado de dados e
processos, porém, individualistas, competitivos, pouco
originais e criativos, acríticos, dependentes de rotinas
impostas e com dificuldades de pensar holística e
dialeticamente.15
No contexto dos benefícios para o ensino do processo
de enfermagem, o emprego da pedagogia em discussão
é útil, no sentido de investir nas capacidades técnicas
associadas à aplicação do processo – um método
sistemático de ações que envolvem o trabalho
investigativo e interpretativo de dados e informações
com vista ao planejamento e à implementação de uma
assistência de enfermagem voltada para as
necessidades da clientela. Não obstante, tal pedagogia
torna-se oportuna perante o ensino dos procedimentos
e das técnicas, os quais, em geral, são estruturados
numa sequência de ações para que os discentes
memorizem e demonstrem habilidades programadas.17
Contudo, ressalte-se, como consequência negativa do
comportamentalismo no ensino dessa disciplina, o
tecnicismo atrelado ao emprego do processo de
enfermagem, o que, por vezes, tem seu potencial
racional, científico, criativo e individualizador da
assistência ofuscado pelo desenvolvimento da técnica
pela técnica.
72
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 64-75, jan./mar., 2009
As repercussões negativas mencionadas resguardam
importantes prejuízos para a aplicação do processo de
enfermagem, por não permitir ao acadêmico a
apropriação dos reais objetivos e benefícios de sua
aplicação. Esse fato pode estar contribuindo para a
construção de concepções que configuram esse valioso
instrumento como uma metodologia mecanicista e
objetiva, que fragmenta, rotula e despersonaliza o
cuidado ao cliente.20 Para evitar o mecanicismo e
garantir a prestação de cuidados individualizados,
recomenda-se que o processo de enfermagem esteja
alicerçado em um referencial teórico coerente com o
ambiente de cuidado, clientela atendida e perspectiva
da enfermagem.22
Outra subcategoria identificada no contexto das
abordagens pedagógicas utilizadas na disciplina
analisada consistiu na Pedagogia cognitivista, uma
abordagem que se caracteriza pela valorização das
atividades cognitivas no processo do ensinoaprendizagem e pela busca constante de um
aprendizado ativo, com vista à independência
intelectual do discente. Ressalte-se, ainda, que tal
abordagem busca um ensino baseado no ensaio e no
erro, utilizando como estratégias a pesquisa, a
investigação e a solução de problemas pelos discentes.14
Tais atitudes são evidenciadas nos discursos das
docentes das três instituições de ensino.
A abordagem cognitivista se expressa nas experiências
das docentes colaboradoras do estudo no momento
em que se propõem identificar os diagnósticos de
enfermagem utilizando histórias clínicas ou
problemas. A atividade proposta envolve a ativação
dos processos cognitivos dos discentes, os quais,
para identificar os referidos diagnósticos, recorrem,
necessariamente, ao uso dos conhecimentos
trabalhados para levantar os dados relevantes no
contexto da história ou problema, interpretá-los,
agrupá-los e, em seguida, denominar o diagnóstico de
enfermagem utilizando uma taxonomia.
Destaque-se, ainda, que a referida pedagogia traz como
concepção de aprendizagem um estado atingido pelo
discente por meio do exercício operacional da
inteligência que, por sua vez, só se efetiva quando ele
próprio elabora seus conhecimentos. Nessa perspectiva,
evidencia-se a valorização não apenas dos resultados
obtidos, mas, sobretudo, dos processos cognitivos
experienciados pelos discentes durante a resolução dos
problemas. Afinal, na abordagem em questão, consiste
em objetivo central do ensino o processo, e não o
resultado da aprendizagem.14 O trecho da narrativa de
DB (QUADRO 2) exemplifica o comentário.
A avaliação busca, nessa perspectiva, verificar, por meio
da observação em situações variadas, se o discente
adquiriu noções, se é capaz de realizar operações e
relações entre os elementos identificados ou propostos.
Afinal, a ênfase do processo avaliativo consiste na
capacidade do aluno de integrar informações e processálas,14 fato comprovado por meio da narrativa de DC
(QUADRO 2).
Quanto à repercussão desta abordagem para o ensino
em enfermagem, dois aspectos merecem ser
comentados: o primeiro refere-se à contribuição da
referida pedagogia na formação de enfermeiros mais
críticos, profissionais mais aptos a planejar e
desenvolver suas ações na perspectiva da focalização
de objetivos específicos para cada cliente, o que tende
a conferir maior qualidade resolutiva à assistência de
enfermagem; o segundo remete ao fomento do
pensamento crítico, conforme preconiza as Diretrizes
Curriculares, no contexto das competências gerais
necessárias à formação do enfermeiro, contidas no
artigo 4º, incisos I e II, os quais descrevem,
respectivamente, as competências no contexto da
atenção à saúde e da tomada de decisões.3
No contexto do ensino da disciplina Metodologia da
Assistência de Enfermagem, que envolve a construção
de competências e habilidades para a aplicação do
processo de enfermagem, o uso de estratégias que
instigam o raciocínio é condição sine qua non. Afinal, os
três elementos inerentes à prática de enfermagem, que
envolvem diagnóstico, intervenção e resultados,
constituem um modo de pensar e de fazer a prática da
enfermagem que demandam capacidades cognitivas,
além das capacidades técnicas e interpessoais.23,24
Por fim, identificou-se, ainda, na conjuntura dos
fundamentos ideológicos da práxis do ensino em
Metodologia da Assistência, a pedagogia sociocultural,
a qual se estabelece sob a concepção de que ensinar
não é transmitir conhecimento, mas criar possibilidades
para a sua produção ou a sua construção.7 Nesse
sentido, optou-se por denominar a subcategoria de
Pedagogia construtivista em vez de denominá-la
sociocultural.
O homem é concebido, na categoria mencionada, como
sujeito de sua própria educação e, integrado ao seu
contexto, é estimulado a não somente refletir sobre ele,
mas a se comprometer com ele (transformá-lo). Para
tanto, as atividades são desenvolvidas com o objetivo
de instigar os indivíduos na formação da consciência
de sua historicidade com base na reflexão da realidade
que o cerca. Nesse sentido, a educação é compreendida
como um fenômeno inacabado, ocorrendo enquanto
processo, cujo contexto deve necessariamente ser
levado em consideração. 14 Essa perspectiva de
construção da aprendizagem como um processo
contínuo é valorizada no discurso de DB (QUADRO 2).
Consiste, portanto, preceito fundamental desta
abordagem o conhecimento construído a partir da
relação dialógica entre os sujeitos envolvidos no
processo – educador e educando – numa relação
recíproca. Nessa perspectiva, valorizam-se as
experiências dos educandos no processo de ensino,
cujo foco permeia não a transferência de informações
e conhecimentos prontos, como ocorre na pedagogia
tradicional, denominada bancária 7 , mas suscita
questionamentos, cujas finalidades buscam não
necessariamente respostas certas, mas originais.14,15 Tais
interesses são expressos nos discursos de DB e DC
(QUADRO 2).
Quanto às estratégias compatíveis com a abordagem
pedagógica em questão, destacam-se as atividades
problematizadoras, utilizadas, na perspectiva do
estímulo à reflexão sobre a realidade, à superação da
relação opressor-oprimido, do respeito à autonomia do
educando e do fomento do diálogo.14 Os indícios das
atividades que induzem à reflexão dos conteúdos pelos
discentes estão expressos na narrativa de DB e DC
(QUADRO 2).
Em torno desse movimento dinâmico e dialético entre
o fazer, o pensar e o pensar o fazer é que incidem os
benefícios do uso da referida pedagogia na formação
do enfermeiro e, em especial, no ensino do processo
de enfermagem. Afinal, o uso do referido instrumento
ou modelo metodológico, quando aplicado com vista
à orientação da prática profissional da enfermagem
assume, por si, as características de uma prática
reflexiva, uma vez que sua execução implica a
elaboração constante e interativa de questionamentos
importantes como: o que estou observando aqui e o
que isso significa? Que julgamentos estou fazendo e por
meio de que critérios? O que estou fazendo ou o que
estou propondo que seja feito e por quê? Há alguma
ação alternativa além dessa que estou realizando ou
que estou propondo que seja feita?23
É na perspectiva da realização desses questionamentos
que o processo de enfermagem configura-se como um
modo de pensar e de agir dinâmicos e que ocorre em
espiral ascendente e recorrente, levando a mudanças
na prática a que se propõe a nova geração do processo
de enfermagem.23
CONSIDERACÕES FINAIS
Diante do exposto, pode-se inferir que o processo de
enfermagem tem sido trabalhado, na maioria absoluta
das instituições envolvidas no estudo, por meio dos
fundamentos pedagógicos tradicionais e cognitivistas
(DA, DB, DC), com a expressividade acentuada da
abordagem construtivista (DB e DC), tendo sido
identificados indícios da abordagem comportamentalista
(DA) que, apesar de estar evidente na narrativa de apenas
uma docente, apresenta grande influência sobre a prática
de ensino dela.
É oportuno destacar que, nas instituições B e C, a
sinergia das abordagens tradicional, cognitivista e
construtivista, tendo em vista seus respectivos
resultados para a formação de adultos, representa um
fato importante que pode estar contribuindo
positivamente para o ensino do processo de
enfermagem nos cursos de graduação ministrados
pelas instituições de ensino participantes do estudo. Tais
abordagens, desde que utilizadas sem exageros,
suscitam a construção de competências importantes
para o processo de enfermagem, uma área que envolve
a avaliação e o diagnóstico de respostas humanas, bem
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 64-75, jan./mar., 2009
73
Análise das bases didático-pedagógicas para o ensino da sistematização da assistência enfermagem
como a avaliação das ações de enfermagem. Tais ações
são consideradas complexas ao requerer conhecimento
teórico, experiência prática e habilidade intelectual,
técnica e de interação interpessoal.23
Nesse sentido, fica evidente, além da compreensão de
que a formação do profissional de enfermagem
transcende os conteúdos estudados e sobrevive às
transformações constantes nos cenários dos
equipamentos e da produção material, a certeza da
necessidade da seleção de metodologias pedagógicas
críticas que possibilitem o questionamento da
realidade, capazes de estimular a construção de sujeitos
críticos, reflexivos, interpretativos e dinâmicos no seu
meio; capazes, portanto, de desenvolver uma prática
cuidativa que expressem os modos de fazer – padrões
do conhecimento – em sua inteireza e amplitude, em
concordância com o que recomenda a Resolução nº 3
do CNE/SES.
Para tanto, torna-se imperativo investir em modelos de
ensino baseados em competências, nos quais são
estabelecidos objetivos que devem ser alcançados
pelos discentes, com possibilidades de avaliação das
competências durante todo o processo do alcance de
tais objetivos, o que requer atenção individualizada por
parte do docente no acompanhamento de cada um,
respeitando-se as particularidades quanto ao tempo
requerido no alcance dos objetivos previstos, conforme
orientam a LDBEN e, mais especificamente, as Diretrizes
Curriculares Nacionais.
É oportuno acrescentar que o cenário mencionado só
será possível com investimentos que contemplem mais
do que reformismos; revoluções ideológicas e
normativas, desde os projetos políticos pedagógicos até
as práticas instituídas e utilizadas cotidianamente pelos
docentes devem ser repensadas.
Quanto aos aspectos normativos mencionados,
julgamos que o primeiro passo foi dado, uma vez que
instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais e a
consequente autonomia relativa das instituições de
ensino superior na construção de suas matrizes
curriculares. Cabe, então, aos sujeitos que pensam e
fazem as referidas instituições, ousadia e
responsabilidade no empreendimento da citada
revolução, fomentados por suas escolhas ideológicas.
Quanto às responsabilidades dos docentes, é
imprescindível que estes possam refletir sobre as
concepções pedagógicas, para tornar consciente a
teoria educacional que orientará sua práxis, utilizando
como parâmetro o perfil do enfermeiro a ser formado,
a natureza da disciplina e sua posição no contexto
curricular, os objetivos educacionais da disciplina, suas
próprias concepções pessoais e as características dos
discentes com os quais partilharão as responsabilidades
na construção de aprendizados.
Cabe enfatizar a importância de os docentes se
engajarem em modelos educacionais que valorizam
a construção e a adequada avaliação dos aspectos
científicos, éticos, pessoais e estéticos vinculados à
essência da profissão, o que aponta para o fato de
que o trabalho educativo exige dos docentes não
apenas o domínio dos conteúdos que serão matéria do
processo de ensino-aprendizagem, mas também as
competências pedagógicas necessárias para conduzir
tal processo em consonância com o novo paradigma
pedagógico do ensino superior.
Destaque-se, com base nos resultados revelados e na
sua respectiva discussão, que qualquer abordagem
pedagógica, assim como suas estratégias e métodos de
ensino, é voltada para o aprendizado dos discentes. No
entanto, os docentes devem atentar para o fato de que,
além desse resultado, elas costumam ser responsáveis
pela construção de outras capacidades individuais e
coletivas que devem ser ponderadas na perspectiva do
que preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os Cursos de Graduação em Enfermagem e as
exigências do mundo contemporâneo.
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Data de submissão: 13/4/2009
Data de aprovação: 3/6/2009
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 64-75, jan./mar., 2009
75
Traço e estado de ansiedade de estudantes de enfermagem na realização de uma prova prática
TRAÇO E ESTADO DE ANSIEDADE DE ESTUDANTES DE ENFERMAGEM NA
REALIZAÇÃO DE UMA PROVA PRÁTICA
TRAIT AND STATE OF ANXIETY AMONG NURSING STUDENTS DURING A PRACTICAL TEST
TRAZO Y ESTADO DE ANSIEDAD DE ALUMNOS DE GRADO DE ENFERMERÍA AL REALIZAR UNA
PRUEBA PRÁCTICA
Mariana Deienno Luis dos Santos1
Luzia Elaine Galdeano2
RESUMO
Neste estudo, teve-se como objetivo identificar o nível de traço e de estado de ansiedade, bem como os sentimentos
dos alunos de graduação em enfermagem antes da prova prática da disciplina Semiologia e Semiotécnica, e
correlacionar o nível de ansiedade encontrado com o desempenho na prova. O estudo foi desenvolvido em uma
instituição particular de ensino superior do município de São Paulo. A amostra foi constituída por 45 alunos da 2ª
série do Curso de Graduação de Enfermagem. Para a coleta de dados foi utilizado o Inventário de Ansiedade TraçoEstado de Spielberg, Gorsuch e Lushene (1970). Os resultados desse estudo foram: a maioria dos alunos apresentou
médio nível de traço (89%) e de estado (64%) de ansiedade; os sentimentos relatados com maior frequência pelos
alunos foram ansiedade (44,2%) e medo (17,4%). O teste de correlação de Pearson não mostrou relação significativa
entre a nota da prova prática e o nível do estado de ansiedade dos alunos. Os alunos demonstraram preocupação e
ansiedade diante das técnicas que poderiam ser exigidas na prova prática, porém foram capazes de lidar com seus
sentimentos e criar mecanismos de enfrentamento apropriados de forma a amenizar os efeitos negativos da
ansiedade e da tensão vivenciadas.
Palavras-chave: Estudantes de Enfermagem; Ansiedade; Avaliação Educacional.
ABSTRACT
This study aims to identify the state-trait anxiety level and the different feelings of nursing students before a practical
test of semiology and semiotechnic and to compare the level of anxiety with the performance in the test. The study
took place at a private nursing faculty of Sao Paulo, SP, Brazil. Forty five students from the 2nd year of the Nursing
Faculty of the Israeli Hospital Albert Einstein were evaluated. Data was accessed by the Spielberg, Gorsuch and
Lushene’s (1970) State-Trait Anxiety Inventory. Results showed that most pupils presented average level of anxietytraces (89%) and state (64%). The most frequent reported feelings were anxiety (44.2%) and fear (17.4%). Pearson’s
correlation test did not show significant relation between the anxiety-state of the students and their grades on
practical test. We conclude that students were worried and anxious about the imminent evaluation of their practical
skills. However, they were able to deal with these feelings and to create efficient confrontation mechanisms to avoid
the potential negative effects of excessive anxiety and nervousness.
Key words: Students Nursing; Anxiety; Educational Measurement.
RESUMEN
Con este trabajo se ha buscado identificar el nivel de trazo y de estado de ansiedad y los sentimientos de los alumnos
de grado en Enfermería antes de la prueba práctica de la materia semiología y semiotecnia y compararlo con el nivel
de la prueba. El estudio fue desarrollado en un instituto particular de educación superior del municipio de São
Paulo. La muestra estuvo constituida por 45 alumnos de 2o. año de Enfermería. Para la recogida de datos fueron
utilizados el Inventario Trazo-Estado de Ansiedad de Spielberger, Gorsuch y Lushene (1970). Los resultados indicaron
que la mayoría de los alumnos presentaban nivel medio del trazo de ansiedad (89%) y estado (64%); los sentimientos
relatados con mayor frecuencia por los alumnos fueron ansiedad (44%) y miedo (17,4%); la prueba de correlación de
Pearson no mostró relación significativa entre la calificación de la prueba práctica y el nivel del estado de ansiedad
de los alumnos. A pesar de estar preocupados y ansiosos con las técnicas que podían exigirse en la prueba práctica,
los alumnos fueron capaces de controlar sus sentimientos y construir mecanismos para enfrentarlos de forma
adecuada y minimizar los efectos negativos de ansiedad y tensión.
Palabras clave: Estudiantes de Enfermería; Ansiedad; Evaluación Educacional.
1
2
Enfermeira formada pela Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein (FEHIAE).
Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/Escola de Enfermagem da USP. Docente da FEHIAE. E-mail:[email protected].
76
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
INTRODUÇÃO
O ingresso à faculdade constitui uma fase marcante para
os jovens, uma vez que exige ajustes e adaptações para
que haja um bom desempenho acadêmico. 1 As
mudanças exigidas nessa nova fase, acrescidas do
estresse e da ansiedade vivenciada pelos alunos,
principalmente por causa das provas, podem interferir
no sucesso escolar.
A ansiedade pode ser descrita como reação natural que
impulsiona o ser humano a alcançar seus objetivos. Esse
estado emocional pode tornar-se patológico e
repercutir de forma negativa se vivenciado
excessivamente e por longos períodos. A ansiedade
patológica, ao invés de contribuir para o confronto da
situação, limita, dificulta e, muitas vezes, impossibilita
a capacidade de adaptação e de enfrentamento.2,3
Spielberg et al.4 descreveram e diferenciaram dois tipos
de ansiedade: o estado de ansiedade e o traço de
ansiedade. Segundo esses autores, estado de ansiedade
refere-se a estado momentâneo, transitório,
caracterizado por tensão, apreensão e por elevação das
atividades do sistema nervoso autônomo, dependendo
da percepção da situação, sendo mais alto o nível de
estado de ansiedade quando a situação é percebida
como ameaçadora.4
O traço de ansiedade está relacionado à personalidade
da pessoa e refere-se às diferenças de reação diante das
situações percebidas como ameaçadoras com aumento
do estado de ansiedade. Assim, pessoas que possuem
alto traço de ansiedade tendem a perceber maior
número de situações como perigosas ou ameaçadoras
e, consequentemente, a responder com frequente
aumento do estado de ansiedade.4
A relação de eventos estressantes com o desenvolvimento
de transtornos, como a ansiedade e a depressão, vem
sendo estudada.5 Sabe-se a realização de provas ou
exames e a apresentação de trabalhos constituem
situações estressantes para os alunos, sendo muitas
vezes fatores de risco para o desenvolvimento da
ansiedade.
Vários pesquisadores têm se preocupado em identificar
a ansiedade de alunos em diferentes situações, bem
como a interferência desse estado emocional no
desempenho escolar deles. 1,6-10 Tendo como base
teórica a psicologia cognitiva fundamentada na teoria
do processamento da informação, Costa e Boruchovith6
verificaram as relações entre o uso de estratégias de
aprendizagem e a ansiedade de alunos do ensino
fundamental de uma escola pública de Campinas.
Carvalho et al.7 identificaram o traço e o estado de
ansiedade de estudantes de enfermagem adiante da
primeira instrumentação cirúrgica. Farah9 utilizou o
Inventário da Ansiedade Traço-Estado (IDATE) para
medir a ansiedade dos alunos durante o preparo de
medicamento para administração por via parenteral.
A ansiedade é um sentimento muito frequente entre
os alunos do ensino superior. Segundo Melo, 11 os
melhores alunos são os que mais apresentam crises de
ansiedade, uma vez que possuem grandes expectativas
e são mais exigentes em relação ao desempenho
escolar. No estudo de Pereira et al.,1 os distúrbios de
ansiedade (fobia social, ansiedade aos exames,
ansiedade generalizada e outras perturbações de
ansiedade) foram os diagnósticos mais frequentes nas
consultas de psicologia realizadas nos serviços de apoio
psicopedagógico para os alunos de todas as faculdades
da Universidade de Coimbra.
Em estudo realizado por Carvalho et al.,7 no qual foi
investigada a ansiedade dos alunos ao iniciar a prática
de administração de medicamento, verificou-se que
90% dos alunos apresentaram esse estado emocional,
que interferiu de forma negativa no desempenho deles.
Identificou-se que os fatores que geraram a ansiedade
foram: o medo de errar, a falta de experiência e de
destreza manual e o desconhecimento da droga.
Segundo os autores,7 a ansiedade, ao mesmo tempo
em que acarreta tensão, estresse e desconforto físico e
mental, faz com que o aluno tenha mais interesse em
aprender e a estudar.
A grade curricular do Curso de Graduação em
Enfermagem da Faculdade de Enfermagem do Hospital
Israelita Albert Einstein inclui disciplinas básicas e
disciplinas profissionalizantes. A disciplina Semiologia
e Semiotécnica é a primeira disciplina profissionalizante,
ministrada no primeiro semestre do segundo ano e tem
como objetivos ensinar ao aluno os conceitos e as
habilidades fundamentais para o atendimento às
necessidades humanas básicas do homem adulto,
incentivar o raciocínio clínico e desenvolver habilidades
psicomotoras, mediante o ensino e o treinamento das
técnicas para o atendimento de enfermagem às
necessidades físicas e emocionais do paciente. Para
tanto, exige como pré-requisitos as disciplinas básicas
como Anatomia, Fisiologia, Bioquímica, dentre outras.
Levando em consideração as evidências científicas da
interferência da ansiedade no desempenho dos alunos
em diferentes tarefas, bem como o relato de muitos
alunos quanto ao nervosismo e à ansiedade, que
atrapalham o raciocínio e a memória no momento de
uma prova, realizou-se este estudo, com a finalidade
de identificar o nível de ansiedade e o sentimento do
aluno ao realizar a prova prática de Semiologia e
Semiotécnica. Optou-se por estudar esse fenômeno
nessa disciplina porque ela inicia a aproximação do
aluno com a sua realidade profissional e também por
apresentar alto percentual de reprovação.
OBJETIVOS
• Identificar o nível do traço e do estado de ansiedade
e os sentimentos manifestados por alunos de
graduação em Enfermagem antes da prova prática da
disciplina de Semiologia e Semiotécnica.
• Correlacionar o nível de ansiedade do aluno com o
desempenho na prova prática.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
77
Traço e estado de ansiedade de estudantes de enfermagem na realização de uma prova prática
CASUÍSTICA E MÉTODO
Delineamento do estudo
Trata-se de um estudo prospectivo, transversal,
descritivo-exploratório, com abordagem quantitativa.
Local de estudo e amostra
O estudo foi realizado na Faculdade de Enfermagem do
Hospital Israelita Albert Einstein (FEHIAE), uma
instituição particular situada no município de São Paulo.
A amostra foi constituída por 45 alunos matriculados
na 2a série do Curso de Graduação de Enfermagem da
FEHIAE em 2007.
Foram excluídos da amostra os alunos reprovados na
disciplina de Semiologia e Semiotécnica em 2006, por
já terem vivenciado a experiência da prova prática.
Instrumentos de coleta de dados
Para a coleta de dados, foi utilizada a versão em
português do Inventário de Ansiedade Traço-Estado
(IDATE) de Spielberger et al.4, traduzido por Biaggio e
Natalício.3 As autoras elaboraram uma questão aberta
para a identificação do sentimento do aluno antes de
realização da prova prática.
O IDATE possui duas escalas distintas: uma para
identificar o traço e a outra, o estado de ansiedade. Cada
uma dessas escalas é constituída por 20 questões. As
possibilidades de respostas variam de 1 a 4, sendo: 1 =
quase nunca; 2 = às vezes; 3 = frequentemente; e 4 =
quase sempre.
Para cada uma das escalas o sujeito é instruído a ler cada
um dos itens e assinalar a resposta que melhor
corresponde ao estado dele.
A somatória dos valores obtidos em cada resposta
(escore final) varia de 20 a 80 pontos e corresponde ao
nível de ansiedade, sendo que de 20 a 40 pontos
equivalem a baixo nível de ansiedade; 41 a 60 pontos, a
médio nível de ansiedade; e 60 a 80 pontos, a alto nível
de ansiedade.
Proteção aos sujeitos do estudo
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein
sob o Processo n° 07/546. Os sujeitos assinaram
voluntariamente duas vias do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido e foram esclarecidos que poderiam
abandonar a qualquer momento o estudo sem nenhum
prejuízo, bem como que os resultados encontrados
seriam mantidos em sigilo e sem qualquer interferência
nas atividades acadêmicas deles.
78
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
Procedimento de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada em maio de 2007, após
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
instituição na qual o estudo foi realizado, mediante o
seguinte procedimento: as pesquisadoras abordaram
os alunos na sala de aula em um período anterior ao
início da disciplina de Semiologia e Semiotécnica e os
indagaram sobre o desejo de participar voluntariamente
do estudo. Mediante resposta positiva, foi entregue ao
aluno a primeira parte do instrumento de coleta de
dados. A pesquisadora forneceu as instruções
necessárias para o preenchimento do instrumento e
aguardou para recolhê-lo. Essa primeira etapa teve
como objetivos caracterizar a amostra e identificar os
níveis de traço de ansiedade.
Em um segundo momento, minutos antes da realização
da prova prática da disciplina de Semiologia e
Semiotécnica, as pesquisadoras aplicaram a segunda
parte do instrumento de coleta de dados aos alunos
que consentiram previamente em participar do estudo.
O objetivo dessa etapa foi identificar os níveis do estado
de ansiedade.
Análise dos dados
Os dados obtidos foram analisados seguindo o
referencial metodológico de Spielberg et al.4
Os dados referentes aos sentimentos dos alunos foram
analisados, categorizados e apresentados em
frequências absolutas e relativas.
Para análise comparativa entre o desempenho do aluno
na prova prática e o nível de ansiedade estado dele, foi
realizado o teste de correlação de Pearson.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram do estudo 45 alunos, sendo 40 (88,8%) do
sexo feminino e 5 (11,2%) do sexo masculino, com idade
média de 23 anos.
A versão traduzida do Inventário de Traço de Ansiedade3
foi aplicada por Andrade et al. 12 em estudantes
brasileiros para avaliação de suas propriedades
psicométricas. O estudo de Andrade et al.12 mostrou que
o inventário constitui um instrumento consistente e que
o nível de traço de ansiedade foi mais alto em
estudantes do sexo feminino, solteiras e com mais de
30 anos de idade.
A TAB. 1 mostra a distribuição dos alunos que
participaram do estudo, segundo os diferentes níveis
de traço e de estado de ansiedade.
TABELA 1 – Níveis de traço e de estado de ansiedade de alunos – maio, 2007
De acordo com a TAB. 1, observa-se que 40 (89,0%)
alunos apresentavam médio nível de traço de
ansiedade. Considerando a definição de traço de
ansiedade, pode-se dizer que a maioria dos alunos tem
tendência moderada de apresentar elevações dos níveis
de ansiedade em situações ameaçadoras.
O estado de ansiedade, mensurado minutos antes da
realização da prova prática da disciplina de Semiologia
e Semiotécnica, apresentou variação entre baixo
(identificado em 16 alunos) e médio nível (identificado
em 29). Apesar da tensão e da apreensão normalmente
relatadas por parte dos alunos que realizam essa prova
prática, não foram identificados, no estudo, o estado
de alto nível de ansiedade.
No estudo realizado por Carvalho et al., 7 algumas
hipóteses foram apresentadas para justificar a ausência
de alunos com estado de alto nível de ansiedade.
Segundo essas autoras, alguns aspectos auxiliam o
aluno a enfrentar as situações reconhecidas como
ameaçadoras, como no caso da execução de uma prova
prática ou o início de um estágio. Dentre esses aspectos,
destacam-se: o treinamento em laboratório com
supervisão de docente experiente, a atenção
individualizada, a construção de um ambiente que
favoreça o ensino individualizado e o estreitamento do
relacionamento entre o docente e o aluno, o reforço
positivo e a existência de um serviço de apoio
psicológico ao aluno.7
Para o ensino das técnicas/procedimentos de
enfermagem, é necessário que o aluno desenvolva
habilidades motoras. O processo de ensinoaprendizagem das habilidades psicomotoras ocorre
mediante aulas expositivas, nas quais as técnicas são
demonstradas em sala de aula pelo professor e, em
seguida, os alunos as executam na presença do
professor no laboratório de procedimentos de
enfermagem.8 O momento de devolução da técnica em
laboratório constitui um excelente campo de
aprendizado, uma vez que “os alunos têm a
oportunidade de iniciar e de desenvolver as habilidades
manuais sem a presença do paciente”8 e, assim, adquirir
confiança e segurança para a prova prática e para o
estágio supervisionado.
A TAB. 2 que mostra a estatística descritiva das variáveis
investigadas.
TABELA 2 – Estatística descritiva das variáveis – maio, 2007
O desempenho na prova prática poderia variar de 0 a 4
pontos (nota máxima). Observa-se, na TAB. 2, que a média
de pontos alcançada pelos alunos foi 3,3 (DP=0,8) e a
mediana 3,5. Em relação ao nível de ansiedade, observase, na TAB. 2, que os valores médios, identificados para
traço e para estado de ansiedade, foram 44,9 (DP=4,6) e
42,7 (DP=5,7), com mediana 44,0 e 42,0, respectivamente.
Resultados semelhantes foram encontrados por Farah,9
cujo objetivo foi verificar o nível de ansiedade dos alunos
durante o aprendizado da técnica de preparo de
medicamento parenteral. Farah9 identificou alunos que
apresentavam altos níveis de ansiedade no início do
estágio curricular, mas que, no entanto, apresentavam bom
desempenho prático.
O nível de ansiedade dos alunos verificado neste estudo
apresentou variação entre 37 a 40, escore que classifica
a ansiedade como normal em adultos, de acordo com
o IDATE. Uma possível justificativa para esse escore
poderia ser o fato de os alunos estarem preparados para
a prova prática, por terem estudado, treinado e por
terem recebido acompanhamento de docentes, o que
os tornou mais tranquilos e confiantes.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
79
Traço e estado de ansiedade de estudantes de enfermagem na realização de uma prova prática
O teste de correlação de Pearson mostrou que não há
relação significativa entre a nota da prova prática e o
nível de estado de ansiedade.
Nesse momento, emoções das mais diversas podem
emergir, independentemente do grau de preparação do
indivíduo.
A prova prática da disciplina de Semiologia e
Semiotécnica é realizada na presença do professor e
avalia a capacidade do aluno em expor de maneira clara
e correta o conhecimento e a habilidade adquiridos.
A TAB. 3 mostra a relação dos sentimentos apresentados
pelos alunos minutos antes de realizar a prova prática
da disciplina.
TABELA 3 – Sentimentos relatados pelos alunos minutos antes da prova prática da disciplina de Semiologia
e Semiotécnica em Enfermagem – maio, 2007
Sentimentos
n (%)
Ansiedade
Medo
Segurança/Confiança
Tensão/Preocupação
Nervoso
Preocupação
Insegurança
Angústia
23 (44,2%)
9 (17,4%)
4 (7,7%)
4 (7,7%)
4 (7,7%)
4 (7,7%)
2 (3,8%)
2 (3,8%)
Total
52 (100%)
Dentre as emoções citadas pelos alunos, a ansiedade
foi o sentimento mais frequente, relatado por 23 (44,2%)
alunos, conforme apresentado na TAB. 3.
A ansiedade pode ser considerada positiva, propulsora,
estimulante e motivadora, no entanto, a habilidade de
controlar essa emoção varia de indivíduo para
indivíduo. 13
Os resultados deste estudo levam à reflexão sobre a
importância da atuação do professor no sentido de criar
estratégias eficazes de aprendizagem e de auxiliar os
alunos a enfrentar situações reconhecidas como
ameaçadoras.
A preocupação do aluno com os próprios objetivos, o
domínio do conteúdo e a autoconfiança são fatores que
podem favorecer a redução da ansiedade, pois
permitem que o aluno reflita e desmistifique a avaliação.
Os professores necessitam saber como lidar e prevenir
a ansiedade de alunos em seu dia a dia de trabalho, de
forma a ajudá-los a controlar emoções e sentimentos
como tensão, medo e ansiedade e, assim, tentar
minimizar os efeitos negativos desses sentimentos na
aprendizagem e no desempenho acadêmico.
É importante que o professor oriente o aluno a estudar
de forma correta, esclareça o objetivo das provas e evite
manter pressões sobre o tempo. O professor e o uso
adequado de estratégias de aprendizagem podem
motivar o aluno no processo de aprendizagem e no
controle da ansiedade, favorecendo-lhe o desempenho
escolar.
Este estudo possui importante relevância prática, uma
vez que investiga e discute um sentimento comum no
processo de ensino-apredizagem: a ansiedade. Todos
os enfermeiros que trabalham com formação ou
treinamento de profissionais são responsáveis por
conhecer e mensurar fatores que possam interferir
nesse processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a maioria dos alunos apresentou médio
nível de traço e de estado de ansiedade. Os alunos
demonstraram preocupação e ansiedade diante das
técnicas que poderiam ser exigidas na prova prática,
porém foram capazes de lidar com os sentimentos e
criar mecanismos de enfrentamento apropriados de
forma a amenizar os efeitos negativos da ansiedade e
da tensão vivenciados.
80
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
Foram discutidos, neste estudo, os aspectos positivos
do treinamento em laboratório e da atenção
individualizada voltada para as necessidades do
aluno. Assim, os resultados encontrados poderão
subsidiar professores na elaboração ou reformulação
de planos de ensino e programas de disciplinas
profissionalizantes, tendo como foco estratégias de
ensino dinâmicas, criativas e individualizadas que
contribuam para a autoestima, a autoconfiança e o
desempenho acadêmico.
REFERÊNCIAS
1. Pereira MAS, Motta ED, Vaz AL, Pinto C, Bernardino O, Melo AC, et al. Sucesso e desenvolvimento psicológico no ensino superior. Análise
Psicológica. 2006; 1(24):51-9.
2. Andrade LHSG, Gorenstein C. Aspectos gerais das escalas de avaliação da ansiedade. Rev Psiquiatr Clín (São Paulo). 1998; 25(6):285-90.
3. Spielberger CD. Manual do IDATE. Rio de Janeiro: CEPA; 1979.
4. Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. Manual for the state-trait anxiety inventory. Palo Alto: Consulting Psychologist Press; 1970.
5. Margis R, Picon P, Cosner AF, Silveira RO. Relação entre estressores, estresse e ansiedade. Rev Psiquiátr. 2003 abr; 25(supl.1):65-74.
6. Costa ER, Boruchovith E. Compreendendo relações entre estratégias de aprendizagem e a ansiedade de alunos do ensino fundamental
de Campinal. Psicologia: Reflexão Crít. 2004; 17(1):15-24.
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Enferm. 2004 nov-dez; 12(6):918-23.
8. Carvalho MDB, Valsecchi EASS, Pelloso SM. Administração de medicamentos: a vivência dos alunos em seu primeiro estágio. Acta Sci
Health Sci. 2003 jan-jun; 25(1):13-7.
9. Farah OGD. A ansiedade e a prática no processo ensino-aprendizagem de habilidades psicomotoras: técnica de preparo de medicação
parenteral [dissertação]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem/USP; 1996.
10. Salada MLA. Estudo da ansiedade como variável no relacionamento aluno-paciente. Rev Latinoam Enferm. 1994 jul; 2(2):21-35.
11. Melo A. Ansiedade e depressão nos melhores alunos. 2004. [Citado em 2006 nov. 25]. Disponível em: http://www.netprof.pt/netprof/
servlet/getDocumento? id_versao=12506.
12. Andrade L, Gorenstein C, Vieira Filho AH, Tung TC, Artes R. Psychometric properties of the Portuguese version of the State-Trait Anxiety
Inventory applied to college students: factor analysis and relation to the Beck Depression Inventory. Braz J Med Biol Res. 2001 Mar; 34(3):36774.
13. Farah OGD. Stress e coping no estudante de graduação em enfermagem: investigação e atuação [tese]. São Paulo (SP): Escola de
enfermagem da USP; 2001.
Data de submissão: 8/7/2008
Data de aprovação: 29/6/2009
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
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Traço e estado de ansiedade de estudantes de enfermagem na realização de uma prova prática
ANEXO A
1ª Parte – Dados de identificação
Sexo: (
) masculino
(
) feminino
Idade: _________
Questionário de autoavaliação para traço de ansiedade
Por favor, leia cada um dos itens abaixo e assinale o número que melhor indica como você geralmente se sente.
Não gaste muito tempo em um único item.
————————————————————————————————————————————————
Quase nunca – 1
Às vezes – 2
Frequentemente – 3
Quase sempre – 4
————————————————————————————————————————————————
1. Sinto-me bem ................................................................................................................................................ 1
2
3
4
2. Canso-me com facilidade .......................................................................................................................... 1
2
3
4
3. Tenho vontade de chorar .......................................................................................................................... 1
2
3
4
4. Gostaria de ser tão feliz como os outros parecem ser ................................................................... 1
2
3
4
5. Perco oportunidades porque não consigo tomar decisões rapidamente ............................. 1
2
3
4
6. Sinto-me descansada .................................................................................................................................. 1
2
3
4
7. Sou calma, ponderada e senhora de mim mesma .......................................................................... 1
2
3
4
não consigo resolvê-las .................................................................................................................................. 1
2
3
4
9. Preocupo-me demais com coisas sem importância ....................................................................... 1
2
3
4
10. Sou feliz .......................................................................................................................................................... 1
2
3
4
11. Deixo-me afetar muito pelas coisas .................................................................................................... 1
2
3
4
12. Não tenho confiança em mim mesma .............................................................................................. 1
2
3
4
13. Sinto-me segura ......................................................................................................................................... 1
2
3
4
14. Evito ter que enfrentar crises ou problemas ................................................................................... 1
2
3
4
15. Sinto-me deprimida .................................................................................................................................. 1
2
3
4
16. Estou satisfeita ............................................................................................................................................ 1
2
3
4
17. Ideias sem importância me entram na cabeça e ficam me pressionando. ......................... 1
2
3
4
18. Levo os desapontamentos tão a sério que não consigo tirá-los da cabeça ....................... 1
2
3
4
19. Sou uma pessoa estável .......................................................................................................................... 1
2
3
4
20. Fico tensa e perturbada quando penso em meus problemas do momento ..................... 1
2
3
4
8. Sinto que as dificuldades estão se acumulando de tal forma que
82
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
2ª Parte – Questionário de autoavaliação para estado de ansiedade
Por favor, leia cada um dos itens abaixo e assinale o número que melhor indica como você se sente.
Não gaste muito tempo em um único item.
————————————————————————————————————————————————
Absolutamente não – 1
Um pouco – 2
Bastante – 3
Muitíssimo - 4
————————————————————————————————————————————————
1. Sinto-me calma ............................................................................................................................................. 1
2
3
4
2. Sinto-me seguro ............................................................................................................................................ 1
2
3
4
3. Estou tensa ...................................................................................................................................................... 1
2
3
4
4. Estou arrependida ........................................................................................................................................ 1
2
3
4
5. Sinto-me à vontade ..................................................................................................................................... 1
2
3
4
6. Sinto-me perturbada .................................................................................................................................. 1
2
3
4
7. Estou preocupada com possíveis infortúnios ................................................................................... 1
2
3
4
8. Sinto-me descansada .................................................................................................................................. 1
2
3
4
9. Sinto-me ansiosa .......................................................................................................................................... 1
2
3
4
10. Sinto me “em casa” ..................................................................................................................................... 1
2
3
4
11. Sinto-me confiante .................................................................................................................................... 1
2
3
4
12. Sinto-me nervosa ....................................................................................................................................... 1
2
3
4
13. Estou agitada ............................................................................................................................................... 1
2
3
4
14. Sinto-me “uma pilha de nervos” ........................................................................................................... 1
2
3
4
15. Estou descontraída .................................................................................................................................... 1
2
3
4
16. Sinto-me satisfeita ..................................................................................................................................... 1
2
3
4
17. Estou preocupada ...................................................................................................................................... 1
2
3
4
18. Sinto-me superexcitada e confusa ...................................................................................................... 1
2
3
4
19. Sinto-me alegre .......................................................................................................................................... 1
2
3
4
20. Sinto-me bem .............................................................................................................................................. 1
2
3
4
3a Parte
Descreva como você se sente neste exato momento.
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 76-83, jan./mar., 2009
83
A autonomia de pessoas hospitalizadas em situação pré-cirúrgica
A AUTONOMIA DE PESSOAS HOSPITALIZADAS EM SITUAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA*
THE AUTONOMY OF HOSPITALIZED PATIENTS IN PRESURGICAL SITUATION
AUTONOMÍA DE PERSONAS INGRESADAS EN SITUACIÓN PREQUIRÚRGICA
Márcia Tonin Rigotto Carneiro1
Heloisa Wey Berti2
RESUMO
O objetivo com esta pesquisa foi analisar a percepção de doentes sobre sua autonomia no período pré-operatório,
durante sua internação em enfermarias cirúrgicas de um hospital universitário. Utilizou-se o recurso metodológico
do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e a bioética, com ênfase no princípio da autonomia, como referencial teórico
para a análise dos discursos. Foram entrevistados 20 doentes, maiores de 18 anos, internados há mais de três dias,
em situação pré-operatória, nas diferentes áreas cirúrgicas do hospital. Observou-se certa fragilidade da autonomia
das pessoas, uma vez que os conhecimentos delas sobre os procedimentos aos quais seriam submetidas mostraramse bastante incipientes. Entendendo que a autonomia só é possível em uma sociedade na qual as pessoas tenham
seus direitos de cidadania respeitados e acesso igualitário à educação, informação e saúde, conclui-se que essas
condições são necessárias para que as relações entre profissionais de saúde e doentes sejam mais simétricas,
podendo, desse modo, ser possível a superação do modelo paternalista e autoritário vigente.
Palavras-chave: Assistência Hospitalar; Bioética; Autonomia Pessoal.
ABSTRACT
This study aims to analyze the patients’ perception of his autonomy in the preoperative period during hospitalization
in the surgery wards of a university hospital. The Collective Subject’s Discourse was used as a methodological resource,
and Bioethics with emphasis on the autonomy principle was employed for discourse analysis. Twenty patients aged
more than 18 years old who had been hospitalized under preoperative conditions for longer than three days were
interviewed. Some fragility was observed in the individuals’ autonomy, once their knowledge on the procedures to
which they would be submitted showed to be rather incipient. Considering that autonomy is only possible in a
society where people’s rights and citizenship are respected, and where equal access to education, information and
healthcare is provided, we conclude that such conditions are necessary for a more symmetrical relationship between
healthcare professionals and patients. This would make it possible to overcome the paternal and authoritarian existing
model.
Key words: Hospital Care; Bioethics; Personal Autonomy.
RESUMEN
El objetivo de la presente investigación fue el de analizar la percepción de enfermos sobre su autonomía en el
período preoperatorio, durante internación en enfermerías quirúrgicas de un hospital universitario. Se utilizó el
recurso metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo, y como referente teórico para análisis de los discursos, la
Bioética con énfasis en el principio de la autonomía. Fueron entrevistados veinte enfermos mayores de 18 años, en
situación preoperatoria, internados hacía más de tres días en distintas áreas quirúrgicas del hospital. Se observó
cierta fragilidad en la autonomía de los individuos una vez que quedó evidente que su conocimiento sobre los
procedimientos a los que iban a ser sometidos era bastante incipiente. Entendiendo que la autonomía sólo ocurre
en una sociedad donde se respetan los derechos de ciudadanía y existe acceso igualitario a la educación, información
y salud, se concluye que son necesarias estas condiciones para que las relaciones entre los profesionales de salud y
los enfermos sean más simétricas y para poder superar el modelo paternalista y autoritario vigente.
Palabras clave: Atención Hospitalaria; Bioética; Autonomía Personal.
*
1
2
Parte da dissertação de mestrado concluída em junho de 2008 – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Mestrado Profissional.
Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Diretora Técnica de serviços de Unidades Especiais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu
(UNESP.) E-mail: [email protected]
Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora assistente do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
E-mail: [email protected]
84
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 84-92, jan./mar., 2009
INTRODUÇÃO
Os profissionais de saúde, ao prestarem assistência aos
doentes, especialmente aqueles hospitalizados, nem
sempre consideram sua autonomia e privacidade. Ignorase, frequentemente, o entendimento que os doentes
hospitalizados têm sobre sua autodeterminação e seus
direitos.
Sabe-se que a dependência, a insegurança e a perda
de controle sobre si mesmos podem surgir em
decorrência da própria condição de enfermidade, mas,
também, que tais condições podem ser desencadeadas
ou exacerbadas por ações que despersonalizam os
indivíduos.1
Com frequência, observam-se relações assimétricas
entre profissionais de saúde e doentes: de um lado, o
poder; de outro, a submissão.
Muitas vezes, os profissionais assumem posturas de
poder sobre o corpo do doente, e este, em sua
fragilidade, não se percebe um ser com autonomia para
fazer questionamentos, aceitando passivamente o que
lhe é imposto por sentir-se, em muitas situações,
envergonhado e constrangido.
A bioética, mediante estudo e reflexão dos referenciais
de autonomia, beneficência e justiça, vem dando
importante contribuição ao aprofundamento das
análises sobre questões relativas às atividades na área
da saúde e, em especial, ao cuidado.2
Autonomia significa a capacidade que os seres
humanos têm de fazer leis para si mesmos, de se
autogovernarem, de fazer escolhas livres de coações e
assumir os riscos dessas escolhas.3,4
Na relação profissional entre pessoal da saúde e
pacientes, a autonomia pressupõe competência e
liberdade para se proceder às escolhas conscientes
entre as opções possíveis. Assim, é dever do profissional
de saúde fornecer aos pacientes todas as explicações
necessárias sobre a situação e riscos envolvidos nas
diferentes alternativas da escolha deles, para que todas
as possibilidades sejam reconhecidas, favorecendo-lhes
a escolha que melhor lhes atenda as necessidades.5
No entanto, o doente hospitalizado nem sempre
participa das decisões sobre sua vida e até mesmo nem
sempre é comunicado a respeito dessas decisões de
modo a compreendê-las.
O profissional de saúde, imbuído do poder de curar, tem
status e prestígio que, quando negados ou
questionados, podem desencadear abuso de poder, por
sentir-se ameaçado. Por essa razão, muitas vezes são
tomadas decisões unilaterais sobre o que se considera
melhor para o doente, sem um diálogo mais amplo
sobre as condições e as possibilidades dele.
O doente capaz conhece a si mesmo e suas
necessidades, e o profissional tem os conhecimentos
que possibilitam a identificação de problemas e a
seleção dos procedimentos para resolvê-los. A
autonomia de um não deve bloquear a do outro; antes,
ambos devem participar do processo de decisão.6
Sabe-se que o atendimento à saúde é reflexo das
condições econômicas, culturais, sociais e políticas do
país. As desigualdades sociais, a cultura da competição,
o individualismo e o autoritarismo são reproduzidos,
particularmente, no contexto da assistência hospitalar.
Observa-se, ainda, que os profissionais raramente se
sensibilizam com a precariedade das condições de vida
dos seus pacientes e, com frequência, estão alheios aos
determinantes sociais da doença de que esses são
portadores.
Por sua vez, os usuários dos serviços públicos de saúde
deste país, em sua maioria excluídos dos seus direitos
de cidadãos autônomos, nas situações que os fragilizam
ainda mais, como nas enfermidades que os obrigam à
internação hospitalar, tornam-se despersonalizados e
perdem sua condição de sujeito para a de objeto de
manipulação.
Os profissionais de enfermagem mantêm uma
proximidade com os doentes internados, dadas as
peculiaridades do seu trabalho, e, desse modo,
compartilham as necessidades e os anseios desses
doentes, estabelecendo vínculos afetivos. Isso confere
a esses profissionais um poder paralelo de influência,
que faz com que a enfermagem contribua para que o
doente exerça sua autonomia, incentivando-o a
conhecer e a exercer seus direitos.6
Com este estudo, teve-se como finalidades: contribuir
com a gestão, no sentido de reverter situações da
prática profissional e buscar subsídios para o
desenvolvimento de programas de educação
continuada, visando problematizar, no espaço
educativo, situações que, muitas vezes, se “naturalizam”.
A questão a ser respondida nesta pesquisa foi a
seguinte: Como as pessoas internadas nas diversas
enfermarias cirúrgicas de um hospital universitário
estão exercendo sua autonomia durante o período préoperatório?
OBJETIVO
Analisar a percepção de doentes sobre sua autonomia,
durante internação em enfermarias cirúrgicas de um
hospital universitário, no período pré-operatório.
MÉTODO
Estudo qualitativo, realizado mediante entrevistas com
pessoas hospitalizadas, durante o período préoperatório, utilizando a abordagem metodológica
desenvolvida por Lefèvre et al. 7 , que permite a
construção do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC),
mediante a identificação das ideias centrais e
expressões-chave. Como referencial teórico para análise
dos discursos, recorreu-se à bioética, com ênfase no
princípio da autonomia.
Local do estudo – O estudo foi desenvolvido em um
hospital universitário do interior do Estado de São Paulo.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 84-92, jan./mar., 2009
85
A autonomia de pessoas hospitalizadas em situação pré-cirúrgica
Esse hospital integra o Sistema Único de Saúde (SUS),
sendo referência terciária para 68 municípios do Estado,
tendo como missão o ensino, a pesquisa e a assistência.
Sujeitos participantes do estudo – A pesquisa foi
desenvolvida nas enfermarias cirúrgicas de cardiotórax,
ginecologia, gastrocirurgia, neurocirurgia, ortopedia e
plástica, urologia e cirurgia vascular, mediante entrevista
com pessoas com, no mínimo, três dias de internação, as
quais aguardavam por cirurgia; portanto, encontravamse no período denominado pré-operatório. Segundo esse
critério, foram selecionadas pessoas maiores de 18 anos,
de ambos os sexos e conscientes. Para atingir os objetivos
propostos, contou-se com a participação de 20 pacientes.
Coleta de dados – Foram realizadas 20 entrevistas
semiestruturadas, no período de janeiro a julho de 2007.
Os entrevistados foram escolhidos aleatoriamente entre
os que se encontravam internados em situação préoperatória nas diversas enfermarias cirúrgicas do hospital.
As entrevistas foram gravadas em fitas magnéticas,
transcritas e destruídas. Optou-se por adotar a
abordagem metodológica do DSC, que possibilita melhor
visualização sobre a representação de atores sociais com
quesitos básicos em comum: doentes internados, em
período pré-operatório, em enfermarias cirúrgicas de um
hospital universitário.
Com o material coletado, para cada questão analisada,
foram destacadas as ideias centrais – “formulas sintéticas
que descrevem o(s) sentido(s) presentes nos
depoimentos de cada resposta” – e expressões-chave –
“trechos selecionados do material que melhor descrevem
seu conteúdo”. 8:22
O DSC foi elaborado reunindo-se as expressões-chave
presentes nos depoimentos, cujas ideias centrais
apresentavam sentido semelhante ou complementar.8
Considerando que as perguntas propostas aos
entrevistados poderiam propiciar a identificação dos
modos pelos quais essas pessoas tomam decisões sobre
a situação de enfermidade e o tratamento delas,
procedeu-se à análise do DSC fundamentada em
referenciais bioéticos.
Procedimentos éticos – 1. Encaminhamento do projeto
de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade
de Medicina de Botucatu – UNESP, conforme Resolução
n° 196/96-CNS –, provado em 2 de outubro de 2006. 2.
Solicitação de assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido dos sujeitos que aceitaram participar
do estudo, concedendo entrevista gravada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Questão analisada: Quem você considera que deve
decidir sobre seu bem-estar, sua vida e seu
tratamento?
Síntese das ideias centrais
A) São os médicos, enfermeiros e pessoas que trabalham
no hospital.
86
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 84-92, jan./mar., 2009
B) Acho que sou eu mesmo.
C) Minha esposa deve decidir; ela convive comigo.
Discurso do Sujeito Coletivo
A) São os médicos, enfermeiros e pessoas que
trabalham no hospital. (E1, E2, E3, E5, E6, E9, E11,
E12, E13, E14, E15, E18)
Acho que são os médicos, todo mundo do hospital,
porque os médicos e os enfermeiros estudaram para
isso e sabem o que fazem. O que o médico manda fazer
é para o meu bem, os enfermeiros devem decidir, pois
eles que cuidam da gente o tempo todo; precisa fazer
as coisas que eles falam para resolver logo os
problemas e ir embora para casa, só que eu esperava
que resolvesse com remédios. Recusar um tratamento
a gente não faz, mas, às vezes tenho vontade de
recusar. Endoscopia é ruim; se pudesse, se não fosse
para o nosso bem, eu não queria fazer, mas não pode.
A gente não gosta de tomar injeção, só quando está
com dor, mas não me recuso porque acho que precisa
... É o médico que tem que decidir, não é mesmo? Eles
que sabem o que fazer, eu não sei nada, só o que eles
falam, mas eu espero que tudo se resolva desta vez. Se
estou no hospital, tenho que seguir as regras do
hospital. Primeiramente eu estou na mão de Deus,
depois na mão deles. Até questionei o doutor que disse
que eu iria fazer outra chapa e perguntei por quê. E ele
disse que não achava a chapa e depois mais tarde veio
até aqui e disse que não precisava mais, porque já
tinha achado. Agora, eu acho que a gente não tem que
se recusar, porque se ele pediu é porque ele tem
dúvidas; eu acho que internamente quem sabe é ele,
não conheço meu organismo por dentro, ele conhece;
quem sabe o que tem que fazer, tomar, os exames, é
ele... Quem tá medicando, quem estudou, quem tem a
sabedoria que Deus deu é o médico. Em primeiro lugar,
os médicos e, em segundo, tem que ser eu, né? Se é
para a gente ficar bom, mesmo que seja ruim, eu vou
em frente, enfio o remédio, mesmo que ele volte depois,
pela minha saúde, eu vou em frente.
Discussão
Neste DSC, com relação ao tratamento, ao bem-estar e
à vida, verifica-se o entendimento de que as decisões a
serem tomadas são de competência dos médicos, dos
enfermeiros, enfim, de quem trabalha no hospital, com
a justificativa de que estes detêm o conhecimento, uma
vez que estudaram para isso.
É obvio que se deve buscar profissionais preparados
para a solução de problemas cujos meios para
solucioná-los não são da própria competência.
Entretanto, esse entendimento de entrega
incondicional da vida a outrem evidencia certa
fragilidade da autodeterminação.
O doente entende que o médico tem o conhecimento,
portanto, é mais competente para julgar o que é melhor
para o tratamento dele. Por essa razão, não faz
questionamentos, não procura esclarecer-se e, por
conseguinte, não participa do processo de tomada de
decisões. Essa crença e confiança o leva a delegar ao
médico a decisão sobre o tratamento dele.
Por outro lado, convém considerar, também, que há
pessoas que preferem ser tratadas paternalisticamente,
delegando aos médicos a responsabilidade integral de
todas as medidas terapêuticas a serem tomadas. Neste
estudo, porém, foi possível identificar que os doentes
não dispunham de informações necessárias para opinar
sobre o tratamento para, eventualmente, solicitar
alguma conduta alternativa. Logo, seria mais coerente
concluir que o detentor de todas as informações tivesse
em melhores condições para decidir. Isso pode explicar
as razões apontadas no DSC.
Muito se tem falado e escrito sobre o cuidado com a
saúde no Brasil. Além da literatura especializada sobre
o tema, praticamente todos os dias deparamos com
matérias em jornais, revistas, rádio e televisão, e, mesmo
em conversas de nosso cotidiano, com a realidade dos
hospitais públicos, seus déficits de recursos, greves, filas,
conflitos nas relações interpessoais, que provocam
prejuízos aos usuários dos serviços.
Nesse panorama, conseguir uma vaga para internação
num hospital público para a realização de um
procedimento anestésico/cirúrgico é algo muito
complexo, difícil e, na maioria das vezes, lento.
Nesse contexto, quais as possibilidades de um
doente recusar um procedimento? Ou de desistir de
uma cirurgia? Assim, como falar de autonomia?
Frequentemente, na prática hospitalar, ocorrem cirurgias
suspensas por motivos variados, mesmo após os
preparativos técnicos, físicos e emocionais que o
procedimento anestésico/cirúrgico requeria. E o doente,
foi informado da possibilidade de suspensão da cirurgia?
Teve o direito e a liberdade de opção? Em geral, não.
Alguns trabalhos evidenciam que a autonomia médica
tem sofrido profundas modificações na relação médicopaciente, em decorrência do avanço tecnológico, da
organização empresarial da assistência médica, dentre
outros fatores. O cenário em que o médico não era
contestado em suas ações vem se modificando,
favorecendo a autonomia do paciente, reconhecida e
consignada nos códigos de ética médica., em todo o
mundo.9
Atualmente, a relação médico-paciente é mais franca e
democrática que no passado, permitindo a clareza das
ações e o compartilhamento da responsabilidade no
processo de tomada de decisões.
Embora esse tempo no qual o médico decidia sozinho
sobre aquilo que considerava como o melhor para si e
para o paciente sem informá-lo ou consultá-lo, já esteja
distante, ainda se percebem condutas paternalistas nas
suas relações com os doentes. Não apenas nas relações
médico/paciente, mas, também, nas relações dos
demais profissionais de saúde e usuários das
instituições de saúde.
Pelo DSC, nota-se passividade e/ou submissão da
pessoa em relação aos profissionais que lhe prestam
assistência.
Sabe-se que o fortalecimento das relações entre
usuários, profissionais da saúde e seus familiares supera
a dimensão autoritária ou paternalista, sendo
fundamental para o cuidado. Doentes, profissionais e
familiares têm conquistado espaço e voz no processo
terapêutico, respeitando as diferenças de valores,
expectativas, demandas e objetivos de cada um,
prevalecendo a mutualidade.
Sabe-se que, muitas vezes, há por parte dos
profissionais de saúde dificuldades em aceitar a decisão
do doente, especialmente quando esta difere da que
planejaram ou tomariam. Tais fatos suscitam reflexões
sobre a prática profissional, especificamente sobre
questões concernentes à cultura, à crença e aos valores
das pessoas.
Não se pode ignorar que as crenças religiosas estão
entre as mais fortes convicções do ser humano. Neste
estudo, quando foi expressa a crença de que a vida e o
tratamento primeiramente estão nas mãos de Deus e
posteriormente nas dos médicos, verificou-se a
presença da fé e dos valores religiosos. Especialmente
em momentos difíceis da vida, permeados pela
insegurança do amanhã, as pessoas ficam mais
propensas a se apegarem à religião, com a esperança
de receberem proteção durante esse período.
É interessante essa reflexão sobre como os profissionais
de saúde lidam com esses valores éticos, culturais e
religiosos envolvidos no processo de cuidar. Na prática,
reconhecemos as dificuldades de ação em certas
situações de confrontos entre crenças religiosas e
necessidades de tratamentos. Nesse sentido, a
existência de um núcleo de bioética, em situações
clínicas, subsidiando o trabalho dos profissionais de
saúde nas instituições favoreceria reflexões mais
fundamentadas nos referenciais da bioética.10
B) Acho que sou eu mesmo. (E4, E7, E8, E10, E17, E19,
E20)
Ah! Eu acho que sou eu mesmo. Se for fazer alguma
coisa que eu acho que não deve, eu falo, porque quem
mais poderia ser? Acho que só eu posso saber o que
fazer comigo, mais ninguém, porque quem sabe sobre
mim sou eu. Todas as coisas que foram combinadas,
se eu não fizer, eu sei que será pior para mim. Eu topo
fazer tudo, eu sei que tenho que fazer, porque também
se eu fosse esperar pelos outros... você já viu o que ia
dar. Veio aí um médico e disse que precisava de uma
pessoa da família para assinar. Eu falei: ‘Olha, eu não
tenho ninguém aqui da minha família, mas eu acho
que eu tenho a consciência boa, tô lúcido graças a
Deus, sei o que estou falando, sei o que estou fazendo,
eu vou assinar.’ Ele me deu a opinião, me deixou a par
da situação, e eu decidi. Eu penso que ele (o médico)
tem que falar, mas quem tem que tomar a decisão sou
eu. No meu caso, ele já sabia o resultado, que teria que
fazer uma cirurgia que podia dar certo, ou não.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 84-92, jan./mar., 2009
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A autonomia de pessoas hospitalizadas em situação pré-cirúrgica
Discussão
Discurso do Sujeito Coletivo
Este DSC revela percepção do conceito de autonomia e
da necessidade de seu exercício, como sujeito autônomo
que faz escolhas sobre o que considera melhor para a
saúde e para a vida dele, assumindo, ao mesmo tempo,
o risco dessas escolhas.
A) Não, porque ninguém falou sobre isso (E1, E2, E3,
E4, E5, E6, E7, E8, E10, E11, E13, E16, E17, E18).
O Código dos Direitos do Consumidor, a lei sobre os
direitos dos usuários dos serviços de saúde, o Programa
de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH),
criado em 2001 pelo Ministério da Saúde, propiciam a
todos, usuários e profissionais, a democratização do
processo terapêutico.
Constatamos, diariamente, que muitos dos direitos dos
usuários dos serviços de saúde, previstos em lei,
precisam ser observados no cotidiano dos profissionais
de saúde, destacando-se os relativos à informação e
autonomia.
C) Minha esposa deve decidir, ela convive comigo.
(E16)
Eu acho que é a minha esposa, né? É ela que convive
comigo, então eu acho que é ela que deve resolver
nestes momentos mais difíceis.
Discussão
Embora neste discurso haja menção de que quem deve
tomar decisões seja a esposa, não foi verificada, nesta
pesquisa, a participação de familiares no processo
decisório sobre o tratamento proposto.
A internação hospitalar é um evento que mobiliza a vida
da pessoa doente e também a dos familiares dela. No
dia a dia, percebe-se que a maioria das famílias está
presente durante o processo de doença do seu familiar
e, muitas vezes, opinando sobre o tratamento dele. Com
certa frequência, familiares tentam influenciar o médico
sobre o tipo de informação que deve ser dada ao
doente. Embora o contrato estabelecido seja entre
médico e doente, uma relação adequada com os
familiares poderá indicar condutas mais apropriadas no
sentido de atentar-se para as informações provenientes
de pessoas que melhor o conheçam, até porque com
ele convivem.
Questão analisada: Você poderia me falar sobre como
será a sua anestesia e a cirurgia?
Síntese das ideias centrais
A) Não, porque ninguém falou sobre isso.
B) O médico explicou a cirurgia, e o anestesista falou qual
a anestesia vai ser.
C) Uma pessoa conhecida me explicou como vai ser a
cirurgia.
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remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 84-92, jan./mar., 2009
Não, porque os médicos disseram que fariam o resto
dos exames e depois, se precisasse, faria a cirurgia.
Ninguém falou nada sobre isto. Não sei como
funciona. Não tenho ideia como é esse negócio, como
vai ser, onde vai cortar, nada. Só me ligaram no
sábado, falaram para eu internar para fazer a cirurgia.
Hoje eu fiquei de jejum, avisaram que eu ia operar lá
no centro cirúrgico, mas ninguém explicou nada.
Agora à tarde passaram aqui e falaram que hoje não
tem mais vaga para operar, então não sei quando vai
ser, como vai ser; eles ficam aqui numa porção de
médicos comentando, e a gente fica prestando
atenção para tentar entender, mas eu também não
perguntei. Da anestesia não sei nada, ninguém
explicou nada; sei que antes de operar vem o
anestesista aqui e ele pergunta um monte de coisas,
se sou alérgico e fala como vai ser a anestesia, mas
até agora não sei. O médico não falou que dia eu irei
operar e não explicou o que vai fazer. Só sei que a
cirurgia é num lugar complicado, agora como o
médico vai fazer isto eu já não sei e nem pergunto, que
é para não esquentar minha cabeça mais do que ela
já está. Quanto à cirurgia, eles vão abrir e dar uma
olhada para ver como está, não sabem o que vão
colocar, não sabem como vai ser ainda, vão abrir para
ver... Ele não falou assim bem a verdade, mas nem ele
e nem ninguém falou nada, e eu estou com medo,
muito medo da anestesia, mas eu não falei nada ainda
pra ele, só com os enfermeiros que vêm aqui e a gente
conversa... A gente ainda não conversou sobre isso
com o médico, porque sei que é com o anestesista que
a gente tem que conversar, mas eu ouvi o comentário
do médico e eu acho que é o anestesista que estava
junto, e, como a gente não é muito bobo, eu catei no
alto, ele perguntou: ‘E este aqui?’ ele disse: ‘Este aqui
vai a zero’, e eu sei que o meu batimento cardíaco é
muito fraco... Discutiram bastante sobre que tipo de
cirurgia que eu vou fazer, mas eu não entendi muito
bem. Espero que eu não veja nada e não sinta dor.
Discussão
Este DSC evidencia a necessidade que o paciente em
situação pré-operatória requer em termos de cuidados,
atenção e de esclarecimentos a fim de que adquira
condições ideais de segurança e tranquilidade para o
enfrentamento da cirurgia.
O direito à clara informação sobre quem o assiste e o
que poderá lhe acontecer é fundamental para a garantia
de sua autonomia. Esse direito está expresso na Lei n°
10.241, de 17 de março de 1999, que dispõe sobre os
direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde
no Estado de São Paulo, em seu artigo 2°, incisos VI, XXI
e XXII.
O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem
esclarece, no Capítulo I, Seção 1, artigo 17, que é dever
“prestar adequadas informações à pessoa, família e
coletividade a respeito dos direitos, riscos, benefícios e
intercorrências acerca da Assistência de Enfermagem”.11
No Código de Ética Médica, Capítulo V, artigo 59, está
explícito: “Não deixar de informar ao paciente o
diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do
tratamento. Salvo quando a comunicação direta ao
mesmo possa provocar-lhe dano, esta deve ser feita ao
seu responsável legal”.12
Tanto o paciente quanto os familiares têm o direito às
orientações claras e precisas, devendo a família atuar
com a equipe, oferecendo orientação e apoio à pessoa
hospitalizada.
Neste estudo, as informações fornecidas restringiramse àquelas que os profissionais julgaram ser necessárias
e suficientes, contemplando apenas os aspectos
administrativos, as rotinas e o mínimo necessário para
que entendessem que necessitavam realizar uma
cirurgia para resolver-lhes o problema de saúde.
Percebeu-se que a informação foi inadequada,
insuficiente para o entendimento e esclarecimento dos
sujeitos do estudo, não valorizando o que estes
consideravam importante saber. Não queremos dizer
que os profissionais agiram por má-fé, mas
identificamos posturas paternalistas, as quais persistem
e prevalecem na instituição.
Defendemos, aqui, a ideia de que tão importante
quanto prestar assistência é fornecer informação
compatível com o grau de compreensão da pessoa
assistida, lembrando que a qualidade desta depende,
fundamentalmente, da postura compreensiva do
profissional.
Aceitar que essas pessoas se submetam a
procedimentos anestésicos/cirúrgicos sem a
informação necessária para uma tomada de decisão é
anular-lhes o exercício de autonomia.
O consentimento informado, fundamentado na
informação inteligível esclarecedora, não foi verificado
no DSC. O que se percebeu foi que essa ausência de
informação foi prejudicial ao paciente, por perpetuar
suas angústias e preocupações.
A vulnerabilidade desses doentes relaciona-se à
embrionária autonomia deles. Acresce-se a isso a
impossibilidade de fazer escolhas. Não veem outra
opção senão a de aceitar as condições que lhes são
apresentadas, por medo de perder a vaga, ter a cirurgia
suspensa ou ter outros dissabores, além de ter o
entendimento de ser a única possibilidade de cura.
Observamos que o cirurgião, por vezes, falou da cirurgia
apenas como modo de sanar a doença, porém não
esclareceu tudo o que o doente precisaria e/ou queria
saber. Os enfermeiros, dos quais se espera melhor
comunicação pela sua proximidade com os doentes,
também não o fizeram.
informar aos doentes e aos familiares os procedimentos
terapêuticos, porém, não conseguem alcançar essa
meta por causa da escassez de pessoal, da sobrecarga
de trabalho, das longas jornadas, dentre outras
dificuldades.13,14
Desse modo, não se dá o compartilhamento do saber.
A sensibilidade para a escuta e para o diálogo tornouse deficiente.
Não houve indagações por parte dos sujeitos sobre o
desejo deles de receber informação. Cabe destacar que
o doente pode não querer saber detalhes sobre o
estado deles e/ou procedimentos terapêuticos. Essa
posição deve ser entendida e respeitada, porém,
sempre se certificando de que a pessoa, com tal atitude,
esteja exercendo seu direito. O princípio da autonomia
requer respeito à vontade do cliente ou, quando isso
não for possível, à de seu representante, de acordo
com seus valores morais e crenças, por parte dos
profissionais da saúde.15 Desse modo, entende-se
que as pessoas possam estar exercendo sua
autodeterminação até mesmo quando decidem se
submeter às exigências de autoridades de uma
instituição. Porém, havendo impossibilidades para o
exercício da autonomia, deve predominar o princípio
da beneficência.16
Em nosso estudo, algumas pessoas foram entrevistadas
poucas horas antes do horário agendado para o
procedimento cirúrgico, e, no entanto, várias delas
referiram nada saber sobre isso, pois ninguém lhes havia
falado a respeito.
A falta de esclarecimento é uma realidade presente em
nossa prática diária, gerando, assim, desrespeito ao
doente.
Acredita-se que com a implantação do Sistematização
da Assistência de Enfermagem (SAEP), essa realidade
possa ser modificada.
A SAEP é uma estratégia que preconiza a avaliação préoperatória do paciente pelo enfermeiro do centrocirúrgico e cujos princípios/objetivos são: o respeito à
individualidade, aos direitos e à dignidade do paciente;
a integralidade do cuidado prestado na unidade de
internação e no centro-cirúrgico; a promoção,
recuperação e/ou manutenção do estado de saúde do
indivíduo; o estabelecimento de diagnóstico e
planejamento da assistência; o esclarecimento e o
reforço das orientações sobre a cirurgia e a anestesia; o
esclarecimento de rotinas; a interação e a comunicação
enfermeiro-paciente, tendo como finalidade amenizar
a ansiedade e os medos.17 O SAEP é operacionalizado
por meio de: consulta de enfermagem, histórico, exame
físico, diagnóstico de enfermagem, prescrição e
evolução da assistência de enfermagem. Isso é de
grande auxílio ao doente e à família dele para a
compreensão dos aspectos envolvidos no tratamento
anestésico-cirúrgico proposto.18
Estudos mostram que os profissionais de saúde têm
conhecimento da necessidade e da importância de
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A autonomia de pessoas hospitalizadas em situação pré-cirúrgica
B) O médico explicou a cirurgia e o anestesista falou
qual a anestesia vai ser. (E9, E12, E14, E19, E20)
O médico falou para mim que ele vai cortar e que eu
vou operar amanhã lá pelo meio-dia. Não consigo me
lembrar de como o médico se chama e se ele vai fazer
a cirurgia ou só vai acompanhar, se tem mais alguém
junto dele. O anestesista passou aqui agora há pouco
e falou qual vai ser a anestesia... Ele disse para eu não
me preocupar que depois que acabar ele dá um
remedinho.
sido realizada por um amigo, provavelmente leigo,
permitindo-lhe algum conhecimento sobre o que iria
se passar na cirurgia. Também nos sugere clareza e
simplicidade da informação, levando-nos a deduzir que
não deve ter consumido tanto tempo do comunicador
para se fazer entender.
Essa constatação nos inquieta, pois indica que as razões
apontadas pelos profissionais de saúde para a falta de
esclarecimentos aos doentes, tais como elevada carga
de trabalho, déficits de pessoal, podem ser apenas
subterfúgios para encobrir a primazia da dimensão
técnica do trabalho sobre as de natureza ética ou moral.
Discussão
Juridicamente, a informação é o pressuposto para que
a pessoa realize suas escolhas no contexto de uma
existência equilibrada em sociedade. A essência da
legislação que disciplina o relacionamento entre o
consumidor e o fornecedor é, sem dúvida, a informação.
Quando essa é clara, com uma linguagem acessível,
enseja a reação do sujeito que, singularmente, na sua
autodeterminação, exercerá seu direito à autonomia,
como parece ter ocorrido neste DSC.
A informação fundamenta decisões autônomas dos
doentes, necessária para que possam consentir ou
recusar procedimentos, diagnósticos, preventivos ou
terapêuticos; deve ser fornecida em linguagem simples,
inteligível, aproximativa, leal e respeitosa, segundo
padrões acessíveis à compreensão intelectual e
cultural.19
É importante ressaltar, porém, que a percepção do
doente sobre o que lhe é transmitido pode sofrer
interferência da ansiedade, do estresse, do momento
da abordagem, da forma da comunicação, da
linguagem utilizada, os quais podem dificultar a
assimilação e a compreensão. Assim, é necessário que
os profissionais avaliem se houve entendimento da
informação e valorizem a necessidade de sua
compreensão pelos pacientes de forma que possam
minimizar suas tensões emocionais.
C) Uma pessoa conhecida me explicou como vai ser a
cirurgia. (E15)
Eu não fui informado pelo médico, ainda, como vai ser,
mas, conversando com uma pessoa conhecida, eu sei
mais ou menos como vai ser o processo, vai ser uma
cirurgia; parece que eles usam um laser em cima da
mão, e isto aí deixa o médico enxergar todos os ossos
lá dentro e com isto ele faz uma amarração com fio de
náilon em todos os ossos que estão trincados, vai
amarrando e depois finaliza a cirurgia.
Discussão
Este DSC possibilita inferir que a comunicação ao
paciente sobre o procedimento cirúrgico, pode ter
90
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, no qual se propôs analisar a percepção
de pessoas hospitalizadas sobre sua autonomia durante
o período pré-operatório, foi possível evidenciar
influências da tradição do autoritarismo e do
paternalismo em saúde no conceito que as pessoas têm
sobre autodeterminação. Especialmente quando em
situação de vulnerabilidade, provocada por doença que
requer internação e tratamento cirúrgico, observa-se
delegação incondicional do poder decisório sobre o
tratamento aos profissionais de saúde.
Nesta pesquisa, a referência sobre a responsabilidade
pelo tratamento recaiu, em maior grau, sobre os
médicos, com a justificativa de que eles estudaram para
isso. Foi também perceptível que o tratamento dos
doentes foi decidido pelo médico, fortalecido pela
“concordância” dos pacientes, estes, mal esclarecidos.
Percebe-se, assim, uma relação assimétrica na qual
ficou evidenciada a superioridade de um sobre o outro.
O médico tem, de fato, o preparo técnico e científico
que o capacita a resolver o problema de saúde do
doente, porém esse saber não pode ser usado como
instrumento de dominação. Ao não compartilhar com
o doente os aspectos observados no seu exame físico,
nos exames subsidiários realizados, nos materiais
coletados do corpo dele, além de outras indicações
que possibilitaram a formulação do diagnóstico e da
terapêutica, o proprietário de todos esses dados, ou
seja, o doente, não terá parâmetros para tomar uma
decisão consciente. Desse modo, permanecerá
alienado de si mesmo e entregue aos profissionais de
saúde.
O cuidado deve ser entendido como um ato de
interação composto de ações dirigidas ao doente e
compartilhadas, o que envolve diálogo, ajuda, apoio,
troca, conforto, além do esclarecimento de dúvidas.
Atualmente, os profissionais de saúde têm se
preocupado com a influência do estado emocional das
pessoas em sua recuperação pós-cirúrgica e com as
consequentes variações dos parâmetros clínicos
ocorridas no período pós-operatório. São parâmetros
clínico-biológicos indicadores de necessidades de
suporte emocional.
Pelos DSCs ainda foi possível perceber que a relação
entre profissionais de saúde e doentes, durante os
cuidados pré-cirúrgicos, não foi compartilhada com
familiares que eventualmente participavam desse
processo ou, quando houve alguma comunicação, esta
se deu de modo bastante incipiente.
Os dados desta pesquisa mostram a importância de que
as profissões da saúde privilegiem sentimentos e
valores das pessoas e de seus familiares. Isso não
significa desconsiderar sentimentos e saberes dos
profissionais de saúde, uma vez que todos estão
envolvidos no tratamento e na cura. Mas a reflexão
conjunta para a tomada de decisão que democratize as
relações entre profissionais, doentes e familiares resgata
a autonomia do doente, fragilizada e vulnerável,
propiciando-lhe o controle da própria vida de modo
autêntico.
Usuários e familiares têm o desejo de que os
profissionais sejam responsáveis pela diminuição do
sofrimento, da angústia, da dor, assim como esperam
ser acolhidos, amparados e não responsabilizados pela
situação em que se encontram.
Os profissionais, também, têm dificuldades para lidar
com as próprias limitações, sentimentos conflitantes
que surgem diante de cada situação, temores e
angústias desencadeados pelos dilemas de difícil
resolução com os quais deparam cotidianamente e para
os quais nem sempre contam com infraestrutura que
ofereça suporte técnico, emocional e ético para suas
decisões.
Por outro lado, há que se considerar que existem
profissionais interessados em perpetuar relações de
subalternidade, que não procuram olhar para o paciente
de maneira holística, que não cumprem seu dever de
fornecer informações que favoreçam o entendimento,
de modo a possibilitar a participação do doente, da
família dele e dos demais profissionais envolvidos com
a assistência nas decisões sobre o tratamento.
Entendemos que são necessárias mudanças de postura
da equipe de saúde. Esperamos que as transformações
ocorridas no cenário político mundial, a difusão
de novas tecnologias e a socialização dos meios
de comunicação possam contribuir para o
desenvolvimento da consciência moral das pessoas,
promovendo mudanças de comportamentos que se
fundamentem na justiça, na beneficência, no respeito
mútuo e na solidariedade.
Do mesmo modo, faz-se necessária uma adaptação das
instituições hospitalares a esse novo paradigma,
incorporando estratégias que possibilitem atender às
necessidades e expectativas dos usuários, de modo
acolhedor, eficiente e eficaz, norteadas por
pressupostos éticos.
Concluindo, cabe questionar nossa responsabilidade
diante das evidências aqui apresentadas. É necessário
trabalhar ampla e ativamente para que os profissionais
de saúde e os pacientes ajam de forma autônoma.
A comunicação que envolve o ouvir, principalmente nos
períodos perioperatório (período que abrange 24 horas
antes da cirurgia) e intraoperatório (24 horas após a
cirurgia), poderá ser melhorada com a implantação da
SAEP.
É preciso que essas preocupações sejam incorporadas
na formação ética dos profissionais de saúde para que
a postura deles seja fundamentada na moral e na ética,
e não apenas nos aspectos técnicos e legais da prática
assistencial.
Entretanto, reconhecemos que a autonomia das pessoas
só é possível de ser exercida em uma sociedade nas quais
seus direitos de cidadania sejam respeitados, o que
significa acesso igualitário à educação, à saúde e à
informação. Essas condições, certamente, promoverão
relações mais simétricas entre as pessoas, particularmente
entre profissionais de saúde e usuários, rompendo-se com
o modelo autoritário e paternalista vigente.
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remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 84-92, jan./mar., 2009
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Data de submissão: 19/6/2008
Data de aprovação: 23/6/2009
92
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COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL EM ADULTOS COM TUBO OROTRAQUEAL*
NONVERBAL COMMUNICATION OF ADULTS WITH OROTRACHEAL TUBE
COMUNICACIÓN NO VERBAL EN ADULTOS CON TUBO OROTRAQUEAL
Ana Lúcia De Mattia1
João Paulo Aché de Freitas Filho2
Cristiane da Silva Souza3
Kátia Cilene Gâmbaro3
Patrícia Ferreira Montassieur3
RESUMO
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, desenvolvido com o objetivo de identificar a forma de estabelecimento de
comunicação não verbal entre o paciente com tubo orotraqueal (TOT) e a equipe multidisciplinar de saúde, realizado em
uma Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca de um hospital da rede filantrópica e privada da cidade de Santos, SP.
A amostra foi constituída por 30 pacientes adultos, com tubo orotraqueal, conscientes, em pós-operatório de cirurgia
cardíaca. Foi realizada uma observação estruturada, por meio de um instrumento com dados de identificação da amostra,
motivos da internação e da comunicação não verbal. Quanto aos resultados, a maior frequência foi de pacientes do sexo
masculino, com idade entre 50 e 60 anos. O diagnóstico médico mais frequente foi insuficiência coronariana em pósoperatório de revascularização do miocárdio e o tempo de permanência com o tubo orotraqueal de um dia. No que se
refere à comunicação não verbal, o motivo foi a dor. Os tipos de comunicação mais utilizados foram a cinésica, com 26
(86,6%) pacientes, e a tacêsica, com 14 (46,6%). Conclui-se, neste estudo, que há um grande esforço por parte da equipe
de saúde para o estabelecimento da comunicação com paciente com tubo orotraqueal. Acreditamos que tais dificuldades
poderiam ser minimizadas com a realização de reuniões com profissionais da saúde e o paciente, em períodos préoperatórios, para orientações e simulações de comunicação não verbal; em motivos de maior frequência como dor,
poderiam ser simulados em pré-operatório e aplicados no pós-operatório.
Palavras-chave: Comunicação; Enfermagem; Intubação Intratraqueal.
ABSTRACT
This is a descriptive, exploratory study that aims to recognize forms of non-verbal communication between adults with
orotracheal tube and the health team. The study was carried out in a cardiac intensive care unit of a hospital at the city of
Santos, São Paulo. The sample was composed of 30 conscious adult patients with orotracheal tube in postoperative cardiac
surgery. We performed a structured observation to obtain data regarding the patients, the surgery and the reason of the
nonverbal communication. Results show that patients were mostly males aged 50 to 60 years old in postoperative bypass
surgery. The most common medical diagnosis was coronary failure. Mean time of orotracheal intubation was one day. The
main reason for nonverbal communication was pain and the mostly used forms of communication were kinesics (86.6%)
and tacesics (46.6%). We conclude that the health team makes a great effort to establish communication with these
patients and we believe that these difficulties could be minimized with preoperative meetings in which patients would
advise and simulate nonverbal communication in specific situations.
Key words: Communication; Nursing; Intubation; Intratracheal.
RESUMEN
El presente trabajo es un estudio exploratorio descriptivo realizado según el método cuantitativo con análisis absoluto y
relativo de datos, presentación de gráficos y tablas. Su objetivo ha sido de identificar cómo se establece la comunicación
no verbal entre los pacientes con tubo orotraqueal y el equipo multidisciplinario de salud. El estudio fue llevado a cabo en
un importante hospital filantrópico privado de atención general de la ciudad de Santos. La Unidad de Terapia Intensiva
Cardíaca, que cuenta con 10 camas, fue su campo de investigación. La muestra estuvo constituida por 30 pacientes
adultos con tubo orotraqueal, conscientes, en postoperatorio de cirugía cardíaca. Fue realizada observación estructurada
por medio de un instrumento con datos de identificación de la muestra, motivos de la internación y de la comunicación
no verbal. Los resultados indicaron mayor frecuencia de pacientes varones entre 50 y 60 años, diagnóstico médico de
insuficiencia coronaria en posoperatorio de revascularización del miocardio y un día de tiempo de permanencia con
tubo orotraqueal. Lo que más motivo la comunicación no verbal fue el dolor; los tipos de comunicación más utilizados
fueron la kinésica con 26 (86,6%) y la táctica con 14 (46,6%). Este estudio concluye que el equipo de salud dedica muchos
esfuerzos para establecer la comunicación con el paciente con tubo orotraqueal. Estas dificultades podrían atenuarse con
reuniones de profesionales de la salud y el paciente, en períodos preoperatorios, para orientar y simular la comunicación
no verbal en motivos de mayor frecuencia como dolor: podrían simularse en el preoperatorio y aplicarse en el posoperatorio.
Palabras clave: Comunicación; Enfermería; Intubación Intratraqueal.
*
1
2
3
Trabalho de Conclusão de Curso, do Curso de Graduação em Enfermagem, da Universidade Católica de Santos, 2005.
Enfermeira. Doutora pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2002. Professora Adjunta da EE/UFMG desde janeiro de 2009. Orientadora do
Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Católica de Santos, 2005. E-mail:[email protected].
Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto da Universidade Paulista, convidado da
Universidade Católica de Santos. E-mail: [email protected].
Graduadas em enfermagem pela Universidade Católica de Santos, 2005. Enfermeiras da Santa Casa de Misericórdia de Santos.
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84-92, jan./mar., 2009
93
Comunicação não verbal em adultos com tubo orotraqueal
INTRODUÇÃO
Os serviços de terapia intensiva hospitalares destinamse a pacientes em estado crítico, que necessitam de
cuidados altamente complexos e restritos. Na Unidade
de Terapia Intensiva (UTI), objetiva-se observar e manter
as funções básicas da vida. É uma área onde os pacientes
em estado grave podem ser tratados por uma equipe
qualificada sob as melhores condições possíveis.1
Recentemente, há avanços nas técnicas cirúrgicas,
anestésicas e na circulação extracorpórea que
diminuem a morbimortalidade dos pacientes
submetidos a cirurgia cardíaca. O perfil desses pacientes
tem mudado nos últimos anos. Cada vez mais, são
encaminhados a cirurgias pacientes idosos, submetidos
a cirurgia prévia, com disfunção sistólica ventricular,
com patologias graves associadas, bem como pacientes
com insucesso de angioplastias encaminhados em
caráter de emergência. A esse fato adiciona-se que a
circulação extracorpórea ocasiona alterações
inflamatórias, metabólicas, de distribuição de líquidos
e na coagulação sanguínea que repercutirão no pósoperatório imediato, sendo evidente a necessidade de
uma atuação intensiva e programada de toda a equipe
especificamente treinada para cuidar desse paciente.
A anestesia geral pode reduzir em até 20% a capacidade
residual funcional pulmonar no pós-operatório,
enquanto a circulação extracorpórea reduz a
complacência pulmonar e as alterações gradiente
alvéolo arterial que podem não retornar ao normal
mesmo por alguns dias, havendo, assim, necessidade
de suporte ventilatório com tubo orotraqueal (TOT)
além de 48 horas após a cirurgia.2
Os objetivos da assistência respiratória são assegurar
uma via aérea permeável, fornecer oxigênio
suplementar e instituir ventilação com pressão positiva,
quando a respiração espontânea for inadequada ou
ausente. A intubação orotraqueal é o método ideal para
o controle avançado de vias aéreas.3
A intubação endotraqueal refere-se à passagem de um
tubo endotraqueal através da boca ou nariz, para dentro
da traqueia. Pode ser utilizada por mais de três semanas
quando, então, uma traqueostomia deve ser
considerada para diminuir a irritação e o trauma ao
revestimento traqueal, reduzir a incidência de paralisia
das cordas vocais e do espaço morto mecânico.4
pelo paciente durante o período pós-operatório em que
este esteja parcialmente privado da comunicação verbal
usual.
A forma de classificar os tipos de comunicação varia;
entretanto, deve-se considerar que esta não ocorre
somente pela articulação de palavras, sendo possível
expressar e ser compreendido, também, por meio de
outros sinais denominados não verbais e que podem
ser observados em todos os padrões de resposta
humana, como “relacionar”, “perceber” e mesmo
naqueles com características mais biológicas (cansaço,
ansiedade, impaciência).
Nesse sentido, Horta5 afirma que a enfermagem assiste
o ser humano no atendimento de suas necessidades
básicas e “a enfermagem como parte integrante da
equipe de saúde implementa estados de equilíbrio,
previne estados de desequilíbrio e reverte
desequilíbrios em equilíbrio”. Para que isso seja viável,
é necessário um processo de interação entre quem
cuida e quem é cuidado, bem como a troca de
informações em um processo de relação interpessoal
profissional. Refletindo sobre essa afirmação e
transpondo-a para a realidade de uma UTI, onde
muitos pacientes necessitam de auxílio mecânico
para a respiração, na maioria das vezes utilizando
tubo orotraqueal, além de apresentarem alterações
na comunicação verbal decorrente da perturbação da
fala presença do tubo, chega-se aos seguintes
questionamentos: Qual será a forma de comunicação
entre a equipe multidisciplinar e o paciente com
tubo orotraqueal? Será que a comunicação é
frequentemente observada é eficiente?
Para este estudo, tem-se como hipótese que o paciente
se expressa por quaisquer sinais da linguagem não
verbal, como: olhar, mímica, sorriso, gestos, sendo que
a eficiência da linguagem não verbal serve-se de outros
veículos com a mesma finalidade.
Considerações gerais sobre comunicação e a
comunicação interpessoal não verbal
Comunicar é uma necessidade vital. Pode-se até afirmar
que a qualidade de vida do indivíduo depende, em
grande parte, da sua capacidade de comunicação.6
As implicações para a comunicação verbal-oral para
esse paciente estão intimamente relacionadas à
expressão de suas respostas às intervenções realizadas
e às necessidades apresentadas no pós-operatório. As
informações fornecidas pelo paciente nesse período
constituem dados fundamentais para o planejamento
e a implementação da assistência em saúde.
A palavra “comunicar” origina-se do latim communicare,
que significa pôr em conexão. A comunicação
interpessoal pode ser definida como um conjunto de
movimentos integrados, que calibra, regula, mantém
e, por isso, torna possível a relação entre os homens.
Para se estabelecer a comunicação, deve ocorrer um
conjunto de elementos constituídos por um emissor (ou
destinador), que produz e emite determinada
mensagem, dirigida a um receptor (ou destinatário).7
A importância de desenvolver estudos nesse sentido
para a equipe de saúde e em especial para a
enfermagem se refere à habilidade profissional em
identificar com exatidão as respostas humanas emitidas
Mas para que a comunicação se processe efetivamente
entre dois elementos, deve a mensagem ser realmente
recebida e decodificada pelo receptor, por isso é
necessário que ambos estejam no mesmo contexto
94
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 93-98, jan./mar., 2009
(devem ambos conhecer os referentes situacionais),
devem utilizar um mesmo código (conjunto estruturado
de signos) e estabelecer efetivo contato por meio de
um canal de comunicação. Se qualquer desses
elementos ou fatores falhar, ocorre uma situação de
ruído na comunicação, entendido como todo fenômeno
que perturba de alguma forma a transmissão da
mensagem e a sua perfeita recepção ou decodificação
por parte do receptor.
A comunicação verbal refere-se às palavras expressas por
meio da fala ou da escrita. A consciência de que aquilo
que expressa é escutado e compreendido dá ao sujeito
a certeza de que aquilo que comunica é acolhido.
Aquele que não se sente acolhido e escutado pensa que
ele próprio não é importante para os outros. A
comunicação não verbal, por sua vez, não está associada
às palavras e ocorre por meio de gestos, silêncio,
expressões faciais, postura corporal, dentre outros
sinais.7
A comunicação não verbal pode resgatar a capacidade
do profissional de saúde de perceber com maior
precisão os sentimentos do paciente, suas dúvidas e
dificuldades de verbalização. Ajuda, ainda, a
potencializar sua própria comunicação, como elemento
transmissor de mensagens.7
• sinais estáticos: não mudam ou mudam pouco
durante a vida da pessoa;
• sinais lentos: estão relacionados com a idade, como
rugas, pelos, manchas, queda e coloração dos
cabelos;
• sinais rápidos: mudanças que ocorrem rapidamente
no rosto, às vezes em questão de segundos, e são
mais sutis, como o movimento e o tônus muscular,
temperatura e coloração da pele, suor e dilatação da
pupila;
• sinais artificiais: são assim chamados por interferir nos
veículos dos sinais estáticos e lentos. Executando-se
os óculos de grau, a maioria desses sinais é utilizada
para aumentar a beleza ou combater as marcas da
idade.
As configurações faciais podem ser descritas com base
na divisão da face em três áreas: testa, olhos e boca.
Ekman (apud Silva8) descreve sete emoções chamadas
de puras:
• alegria: pálpebras levantadas, sorriso, olhar brilhante,
levantamento das bochechas com fechamento do
olho e levantamento da boca;
Outro tipo de comunicação a ser destacado é a fisiológica,
decorrente do relacionamento entre as diferentes partes
do nosso corpo e a sua manifestação externa.
• raiva: testa enrugada verticalmente pela junção das
sobrancelhas, olhos fechados e tensos ou abertos e
firmes, boca tensa, mandíbula cerrada e pupila
contraída;
Os sinais da comunicação não verbal, conforme
mencionado por Silva8, são classificados em:
• nojo: lábio superior levantado com acompanhamento
ou não do lábio inferior, sobrancelha acentuada;
• Paralinguagem: é qualquer som produzido pelo
aparelho fonador que não faça parte do sistema
sonoro da língua usada. Independentemente dos
fonemas que compõem as palavras, os sinais
paralinguísticos demonstram sentimentos,
características da personalidade, atitudes, formas de
relacionamento interpessoal e autoconceito.
• medo: testa levantada com rugas horizontais,
pálpebras fechando rapidamente ou abrindo-se
excessivamente, rigidez, lábios finos e tensos com
boca aberta ou não;
• Cinésica: é a linguagem do corpo, ou seja, os seus
movimentos, desde os gestos manuais, movimentos
dos membros, meneios de cabeça, até as expressões
mais sutis, como as faciais.
• Proxêmica: é o uso que o homem faz do espaço como
produto cultural específico, como a distância mantida
entre os participantes de uma interação. O espaço
entre os comunicadores pode indicar o tipo de relação
que existe entre eles.
• Tacêsica: é tudo que envolve a comunicação tátil:
pressões exercidas, locais onde se toca, idade e sexo
dos comunicadores. Está relacionada, também, com
o espaço pessoal, a cultura dos comunicadores e as
expectativas de relacionamento.
Na comunicação cinésica, o rosto é tido como o melhor
“mentiroso” não verbal. Do corpo todo, é a zona da qual
as pessoas têm maior consciência e em que as tentativas
de controle são mais frequentes. Os sinais faciais podem
ser classificados em quatro tipos8:
• tristeza: comissura labial voltada para baixo,
sobrancelha oblíqua e choro;
. surpresa: abertura da boca e dos olhos, sobrancelhas
erguidas e afastadas;
• desprezo: lábio superior com um dos cantos
levantados e olhar de cima para baixo.
Outras emoções frequentes:
• ansiedade: suor na região frontal, palidez, rugas na
fronte, mordiscar os lábios ou a cutícula;
• dor/incômodo: olhos fechados, ruga na testa, lábios
comprimidos, rigidez facial, comissura labial voltada
para baixo, suor, frio e choro;
• dúvida: lábios em bico, inclinação lateral da cabeça,
sobrancelhas erguidas;
• interesse: olhar em direção do objeto ou da pessoa,
sorriso, meneio positivo da cabeça;
• vergonha: rubor na face, abaixar os olhos, mudança
do foco do olhar, leve protrusão da língua,
observação através dos cílios.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 93-98, jan./mar., 2009
95
Comunicação não verbal em adultos com tubo orotraqueal
OBJETIVO
Este estudo tem como objetivo identificar a forma de
estabelecimento de comunicação não verbal entre o
paciente com tubo orotraqueal e a equipe
multidisciplinar de saúde.
MATERIAL E MÉTODO
Tipo de estudo
Esta pesquisa é de natureza descritiva, exploratória.
Utilizou-se o método quantitativo, não experimental,
transversal, com análise de frequência absoluta e
relativa dos dados e apresentação de gráficos e tabelas.
Local do estudo
O estudo foi realizado em uma instituição de saúde,
hospitalar, da rede filantrópica e privada da cidade de
Santos. O hospital é de grande porte, com atendimento
geral. Foi campo de pesquisa a Unidade de Terapia
Intensiva Cardiológica, a qual conta com dez leitos, para
atendimento do paciente adulto e criança, no estado
crítico.
População e amostra
A amostra foi composta por 30 pacientes adultos,
portadores de tubo orotraqueal, conscientes e, em pósoperatório de cirurgia cardíaca.
Coleta de dados
Após o aceite da instituição, foi feito contato com a
enfermeira responsável pela UTI cardiológica para
consentimento e esclarecimentos, ocasião em que foi
assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Em seguida, iniciou-se a coleta de dados com os
pacientes ou familiares que assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme Resolução
n° 196/96.
A coleta de dados foi realizada por três estudantes de
enfermagem do 7º período de uma universidade da
rede privada da cidade de Santos, nos meses de maio e
junho de 2005, nos períodos da manhã, tarde e noite.
Foi elaborado um instrumento de coleta de dados
(Apêndice) contendo duas partes: a parte I contendo
dados extraídos do prontuário médico do paciente,
referente à identificação como sexo, idade, diagnóstico
médico, cirurgia realizada e tempo com o tubo
orotraqueal; a parte II contendo dados coletados por
meio de observação estruturada. Na observação,
buscou-se o motivo da comunicação e o profissional
envolvido, bem como o tipo de comunicação não verbal
utilizada pelo paciente (paralinguagem, cinésica,
proxêmica ou tacêcisa).
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remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 93-98, jan./mar., 2009
CATEGORIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Identificação da amostra e permanência com TOT
Os resultados demonstraram que, na identificação da
amostra, a maioria (66,6%) era do sexo masculino, na
faixa etária entre 50 e 60 anos de idade, com diagnóstico
médico de insuficiência coronariana em 22 (80,0%), os
quais foram submetidos a revascularização do
miocárdio.
Quanto ao tempo de permanência com o TOT, a maior
frequência foi de um dia, com 18 (60,0%) dos pacientes,
seguidas de dois dias, com 6 (20,0%) pacientes.
Motivos e tipos da comunicação não verbal
O motivo de maior frequência apresentado pelos
pacientes foi a dor, que levou a uma comunicação não
verbal do tipo cinésica.
TABELA 1 – Distribuição da frequência dos pacientes
em pós-operatório de cirurgia cardíaca, com TOT,
segundo motivos que os levaram à comunicação não
verbal – Santos, 2005
Motivos da comunicação
Nº
%
Dor
12
40,0
Sede
6
20,0
Necessidade de afeto
5
16,6
Necessidade de orientação
7
23,3
Agitação
3
10,0
Total
33
-
Os motivos que levaram os pacientes a utilizar a
comunicação não verbal estão representados na TAB.
1, na qual demonstra-se que a dor teve a maior
frequência com 12 (40,0%) dos pacientes, seguida de
necessidade de orientação, sede e necessidade de afeto.
Estudos de psicologia social mostram que a expressão
do pensamento se faz 7% com palavras, 38% com sinais
paraliguísticos e 55% por meio dos sinais do corpo.7
TABELA 2 – Distribuição da frequência dos pacientes
em pós-operatório de cirurgia cardíaca, com TOT,
segundo o tipo de comunicação não verbal – Santos,
2005.
de vida”.9 Sendo que pacientes críticos, em pós-operatório
de cirurgia cardíaca, a maioria dos atendimentos foi feita
por auxiliares de enfermagem, havendo divergência com
relação à legislação da enfermagem.
Tipos da comunicação
Nº
%
CONCLUSÃO
Paralinguagem
-
-
Cinésica
26
86,6
Proxêmica
-
-
Tacêsica
14
46,6
Total
40
-
A TAB. 2 demonstra que cada paciente apresentou mais
de um tipo de comunicação não verbal. O tipo mais
utilizado foi a cinésica, utilizada por 26 (86,6%)
pacientes. A cinésica é a linguagem do corpo, ou seja,
dos movimentos, desde os gestos manuais,
movimentos dos membros, meneios de cabeça até as
expressões mais sutis, como as faciais.7,8
No que se refere ao profissional que atendeu o paciente
em sua necessidade, estabelecendo uma comunicação,
obtivemos que em 25 (83,3%) vezes o atendimento foi
realizado por auxiliares de enfermagem, 7 (23,3%) por
enfermeiros e 1 (3,3%) pelo fisioterapeuta.
Segundo o Conselho Regional de Enfermagem (COREN),
Resolução nº 7.498, de 25 de junho de 1986, artigo 11,
“o enfermeiro exerce todas as atividades de
Enfermagem, cabendo-lhe privativamente: cuidados
diretos de enfermagem a pacientes graves com risco
Demonstrou-se, nesta pesquisa, que a maioria dos
pacientes com diagnóstico médico de insuficiência
coronariana era do sexo masculino, com idade entre 50
e 60 anos, e estavam em pós-operatório imediato de
revascularização do miocárdio, sendo o tempo de
permanência médio com o TOT um dia.
A comunicação não verbal foi motivada, na maioria das
vezes, pela dor, estabelecida pela cinésica, seguida por
tacêsica, com o profissional auxiliar de enfermagem.
Os pacientes não utilizaram outros recursos não verbais
como a paralinguagem ou mesmo a comunicação
escrita. Os gestos do corpo e o “toque” foram as formas
encontradas para o estabelecimento da comunicação
não verbal.
Observou-se grande dificuldade dos profissionais da
saúde em se comunicarem com pacientes portadores
de TOT; assim, sentiu-se a necessidade da participação
de profissionais como terapeuta ocupacional e
fonoaudiólogo para a realização de grupos de discussão
para o restabelecimento da melhor forma de
comunicação com os pacientes com TOT e o
aperfeiçoamento de toda a equipe multidisciplinar.
Conclui-se, neste estudo, que há um grande esforço por
parte da equipe de saúde para o estabelecimento da
comunicação não verbal com paciente com TOT. Essas
dificuldades poderiam ser minimizadas com a
realização de educação em serviço com profissionais
da saúde e o paciente, em período pré-operatório, para
orientação e simulação de comunicação não verbal e
aplicação no pós-operatório.
REFERÊNCIAS
1. Gomes AM. Enfermagem na unidade de terapia intensiva. São Paulo: EPU; 1988.
2. Pitrez FAB, Pioner SR. Pré e pós-operatório: em cirurgia geral e especializada. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
3. Paiva EF. Suporte avançado de vida em cardiologia. Dallas: Fundação Interamericana Del Corazon; 1999.
4. Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de enfermagem médico-cirúrgica. 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
5. Horta WA. Processo de enfermagem. São Paulo: EPU; 1979.
6. Finkle P. Comunicar e dialogar: ou a arte de entender os outros sem mentir para si mesmo. Petrópolis: Vozes; 1996.
7. Weil P, Tompakow R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal. 42ª ed. Petrópolis: Vozes; 1998.
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exercício profissional de Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem. São Paulo: Coren; 2001.
Data de submissão: 5/12/2007
Data de aprovação: 12/6/2009
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 93-98, jan./mar., 2009
97
Comunicação não verbal em adultos com tubo orotraqueal
APÊNDICE
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
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AÇÕES DO ENFERMEIRO NA RECEPCÃO DO PACIENTE EM CENTRO CIRÚRGICO*
NURSING ACTIONS IN THE ADMISSION OF PATIENTS AT A SURGICAL CENTER
ACCIONES DEL ENFERMERO EN LA RECEPCIÓN DEL PACIENTE EN EL CENTRO QUIRÚRGICO
Eniva Miladi Fernandes Stumm1
Marieli Balestrin Zimmermann2
Nara Marilene O. Girardon-Perlini3
Rosane Maria Kirchner4
RESUMO
Neste estudo, foram identificadas ações do enfermeiro na recepção de pacientes no centro cirúrgico de três hospitais
da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, com estudo de
caso. Os instrumentos de coleta de dados foram entrevista aberta e diário de campo. Participaram seis enfermeiras
que atuam nos respectivos centros cirúrgicos. Da análise dos dados emergem três categorias que denotam as ações
dos enfermeiros que atuam nesta unidade: Avaliando as condições físicas e emocionais do paciente no centro cirúrgico,
Familiarizando o paciente com o ambiente do centro cirúrgico e não o deixando sozinho e Destacando a formação
acadêmica como base do cuidar. Os resultados podem auxiliar enfermeiros e acadêmicos de enfermagem no sentido
de qualificar a assistência prestada ao paciente em centro cirúrgico.
Palavras-chave: Relações Enfermeiro-Paciente; Centro Cirúrgico Hospitalar; Cuidados de Enfermagem.
ABSTRACT
This study identifies nursing actions in the admission of patients at a surgical centre of three hospitals of the northwest
region of Rio Grande do Sul, Brazil. It is a qualitative, descriptive and case study research. Open interview and field
diary were used to collect data. Six nurses from the surgical centers took part in the study. Analysis of the data show
three major nursing actions: to evaluate the physical and the emotional condition of the patient at the surgical
center, to familiarize the patient with the environment of the surgical center, and to accompany the patient,
highlighting the academic background as a base of the care. These results may help nurses and nursing students to
qualify the assistance given to the patient at the surgical center.
Key words: Nurse-Patient Relations; Surgery Department Hospital; Nursing Care.
RESUMEN
Este estudio identifica acciones del enfermero en la recepción de pacientes en el centro quirúrgico de tres hospitales
de la región noroeste del Estado de Rio Grande do Sul. Se trata de una investigación cualitativa, descriptiva, con
estudio de caso. Los instrumentos de recogida de datos fueron la encuesta abierta y el diario de campo. Participaron
seis enfermeras que trabajaban en los respectivos centros quirúrgicos. Del análisis de los datos surgieron tres
categorías que muestran las acciones de los enfermeros que actúan en esta unidad: evaluando las condiciones
físicas y emocionales del paciente en el centro quirúrgico, haciendo que el paciente se familiarice con el ambiente
no dejándolo solo y destacando la formación académica como base del cuidar. Los resultados pueden auxiliar
enfermeros, académicos y enfermería a cualificar la asistencia brindada al paciente en el centro quirúrgico.
Palabras clave: Relaciones Enfermero-Paciente; Servicio de Cirugía en Hospital; Atención de Enfermería.
*
1
2
3
4
Artigo produzido com base em resultados de um trabalho de conclusão de curso de graduação em Enfermagem, da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Enfermeira. Mestre em Administração – Recursos Humanos pela UFRGS. Docente da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(Unijuí)
Enfermeira. Egressa da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Doutora em Engenharia Elétrica – Métodos de Apoio à Decisão. Professora de Estatística do Centro de Ciências Rurais de São Gabriel (CRSG) da Universidade
Federal do Pampa (Unipampa).
Endereço para correspondência: Rua 20 de setembro, nº 902, Centro – Ijuí/RS. CEP: 98700-000. E-mail: [email protected].
rem
remE E- Rev.
- Rev.Min.
Min.Enferm.;13(1):
Enferm.;13(1):99-106,
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Ações do enfermeiro na recepção do paciente em centro cirúrgico
INTRODUÇÃO
O centro cirúrgico (CC) é uma unidade fechada onde,
na maioria das vezes, o paciente é submetido a
procedimentos invasivos que, independentemente da
complexidade, podem gerar sentimentos de ansiedade,
além de envolver risco, resultando na necessidade de o
enfermeiro oferecer atenção especial na recepção e
durante sua permanência na respectiva unidade.
O ato anestésico-cirúrgico predispõe o paciente a uma
condição de medo, de insegurança e de instabilidade.1
É compreensível que ele se sinta atemorizado
momentos antes de ser submetido a um procedimento
cirúrgico, não somente pelo ambiente, equipamentos,
pessoas estranhas, mas, também, pela forma como é
recebido pela equipe, considerando que cada pessoa
reage de maneira única às situações que vivencia.
Durante a atuação em CC, percebeu-se que os
pacientes, na sua maioria, ficavam sozinhos no corredor,
alguns por longos períodos, às vezes horas, aguardando
a liberação de uma sala cirúrgica e/ou a chegada do
cirurgião. Esse fato provocou vários questionamentos,
pois percebia-se na fisionomia daquelas pessoas um
misto de apreensão, medo, ansiedade, alguns até
mesmo choravam em silêncio. O fato de se sentirem
vulneráveis, desprotegidos e, até mesmo, ameaçados,
pode estar relacionado a informações prévias e a tudo
o que veem e escutam nesse local e pode contribuir
para exacerbar sentimentos de ameaça, ansiedade e
insegurança. Daí a relevância do cuidado do enfermeiro
iniciar-se, de fato, na admissão do paciente no centro
cirúrgico e a importância de humanizar as relações no
referido ambiente, com repercussão positiva no
desempenho e na assistência ao paciente em CC.2
No cotidiano de um centro cirúrgico, o enfermeiro é
responsável pela recepção do paciente, mas, na maioria
das vezes, não é ele quem desempenha essa função.
Quando o paciente é orientado em relação aos
procedimentos a que será submetido e como estes
transcorrerão, os níveis de ansiedade, insegurança e
medo serão menores do que naqueles que não tiveram
acesso a qualquer informação.3,4
Nesse sentido, destaca-se a relevância de compreender
a complexidade que envolve a atuação do enfermeiro
nesta unidade, em especial no que tange à recepção
do paciente. Nessa perspectiva, é consenso na literatura
que, dentre as várias funções do enfermeiro no centro
cirúrgico (CC), destaca-se receber o paciente, avaliar
suas condições físicas e emocionais, visando à resolução
dos problemas identificados.1 Importante ressaltar que,
na assistência de enfermagem perioperatória, o
enfermeiro tem como foco o paciente cirúrgico,
buscando ajudá-lo a compreender seu problema de
saúde, prepará-lo para o procedimento anestésico/
cirúrgico a que será submetido, bem como a utilizar
mecanismos de defesa fisiológicos e psicológicos
durante esse período.5
Uma pesquisa envolvendo enfermeiros de um centro
cirúrgico de um hospital da região central do Rio Grande
100
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 99-106, jan./mar., 2009
do Sul, que buscou identificar as dificuldades
enfrentadas por eles em seu cotidiano, concluiu que
uma delas está relacionada à demanda excessiva de
atividades burocráticas, fator que pode ter relação com
a não recepção do paciente. 6 Por outro lado, em
decorrência dos avanços tecnológicos, científicos e da
modernização de procedimentos, o enfermeiro passou
a se deter em encargos administrativos e afastou-se,
gradativamente, do cuidado ao paciente, o que pode
contribuir para gerar ansiedade e medo nos pacientes
no pré-operatório.7
Com base nas considerações dos autores, destaca-se o
papel da enfermagem e, em especial, do enfermeiro na
assistência ao paciente no CC, pois, a partir do momento
em que lhe é propiciado um espaço de expressão de
temores, sentimentos, percepções e de respostas às
suas inquietações, ele, provavelmente, terá uma
experiência cirúrgica mais tranquila e menos
estressante.
O objetivo com este estudo é identificar ações direcionadas
à recepção de pacientes realizadas por enfermeiras que
atuam em centro cirúrgico.
CAMINHO METODOLÓGICO
Este estudo caracteriza-se como pesquisa qualitativa,
descritiva e exploratória, tipo estudo de caso,
desenvolvida em uma cidade da região noroeste do
Rio Grande do Sul, em três hospitais, dois de grande
porte e um de médio porte, mais especificamente no
centro cirúrgico. Participaram todas as enfermeiras
(seis) que atuam nos centros cirúrgicos dos respectivos
hospitais.
Os instrumentos de coleta de dados consistiram em
entrevista aberta, gravada em áudio-tape e
observações em diário de campo. A questão
norteadora da entrevista foi: Diga-me o que você faz
no momento em que o paciente chega ao centro
cirúrgico. A coleta de dados ocorreu em setembro e
outubro de 2006. As entrevistas foram agendadas
previamente, sendo realizadas, conforme opção das
enfermeiras, durante o horário de trabalho. A análise
dos dados foi realizada seguindo os preceitos da
análise temática e compreendeu a ordenação,
classificação dos dados e análise final.8
Foram observados os aspectos éticos contidos na
Resolução n° 196/96, instituída pelo Conselho Nacional
de Saúde.9 O projeto de pesquisa, inicialmente, foi
registrado no Sistema Nacional de Informação sobre
Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (SISNEP),
encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí,
juntamente com a autorização da direção dos três
hospitais pesquisados. Após a aprovação do projeto,
sob o Parecer consubstanciado nº 124/2006, procedeuse a coleta de dados. Para garantir o anonimato dos
sujeitos, eles foram identificados pela letra E
(entrevistado) seguida do número relativo à ordem em
que as entrevistas foram realizadas.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Considera-se importante, inicialmente, uma breve
caracterização dos sujeitos que integraram a pesquisa.
São todas (seis) mulheres, três solteiras, uma divorciada
e as demais, casadas. A faixa etária variou de 22 a 47
anos de idade e duas possuem filhos. Quanto ao grau
de instrução, duas são especialistas e as demais,
graduadas e atuam em CC de 8 meses a 25 anos.
Analisando o perfil das mulheres, pode-se considerar
que elas, antigamente, dedicavam-se à família, muitas
vezes, abrindo mão da própria satisfação em prol dos
filhos e companheiros,10 sendo que, atualmente, cada
vez mais elas estão se inserindo no mercado de
trabalho, delimitando novos horizontes e,
progressivamente, conquistando seus espaços e
buscando o equilíbrio entre sucesso profissional e vida
pessoal.
Quanto à formação, esta é primordial para qualificar a
assistência e para o sucesso profissional, além de
garantir o desenvolvimento dos trabalhadores e,
consequentemente, das organizações em que atuam.11
Essa necessidade vai ao encontro das mudanças no
mundo do trabalho e, particularmente, no da
enfermagem, no qual o enfermeiro tem buscado as
especializações como forma de abrir espaço para atuar
em diferentes organizações de saúde.
Quanto ao tempo de atuação em centro cirúrgico,
somente uma delas atua a menos de um ano nessa
unidade, enquanto as demais estão há mais tempo,
variando de um a mais de dez anos. Esse resultado
indica que elas possuem experiência nessa área,
condição que as torna aptas a atuar nas respectivas
unidades.
A análise dos depoimentos das enfermeiras resultou na
estruturação de três categorias de análise: Primeira
categoria – Avaliando as condições físicas e emocionais
do paciente no centro cirúrgico; Segunda categoria:
Familiarizando o paciente com o ambiente do centro
cirúrgico e não o deixando sozinho; Terceira categoria:
Destacando a formação acadêmica como base do
cuidar.
Primeira categoria – Avaliando as condições físicas e
emocionais do paciente no centro cirúrgico
A assistência de enfermagem é fundamental ao
paciente que será submetido a um procedimento
cirúrgico, podendo iniciar-se a partir do agendamento
do procedimento. A visita pré-operatória pelo
enfermeiro possibilita identificar, além das condições
físicas, sentimentos como ansiedade, medo,
preocupação, dor e insegurança, dentre outros.
Também favorece que o enfermeiro, ao conhecer e
interagir com o paciente, possa cuidar dele melhor no
decorrer do processo cirúrgico. A visita pré-operatória
representa o início da sistematização da assistência de
enfermagem.12
O fato de o enfermeiro conhecer o paciente antes da
realização do procedimento cirúrgico aproxima ambos,
facilita a interação e, por conseguinte, favorece a
avaliação das condições de saúde e o planejamento da
assistência. Para que isso ocorra, efetivamente, é
necessário que os enfermeiros estejam aptos a
identificar as necessidades dos pacientes, possibilitando
a prevenção de complicações, bem como a detecção
precoce de intercorrências no perioperatório.13
Ao vivenciar situações envolvendo a recepção de
pacientes no centro cirúrgico, percebe-se a diferença
entre aqueles que não recebem a visita do enfermeiro
antes da cirurgia e os demais. Quando a visita préoperatória não é possível, a recepção do paciente no
momento da cirurgia reveste-se de importância. Uma
das participantes do estudo destaca a importância de
o enfermeiro admitir o paciente no CC:
Procuro conversar com ele, se já fez outras cirurgias,
histórico, alergia, aquela entrevista rápida: tricotomia,
estado geral, punção. A avaliação vai desde o uso de
prótese dentária, joias [...]. Gosto de receber para ter
certeza das condições do paciente. (E4)
Analisando o depoimento, percebe-se que ações
aparentemente simples, tais como a verificação de
prótese dentária, são fundamentais e influenciam nos
cuidados que vão ser prestados. Dentre os cuidados que
o enfermeiro deve realizar ao receber o paciente, incluise verificar o prontuário, conferir se as medicações préanestésicas foram administradas, avaliar níveis de
consciência, verificar sinais vitais, confirmar retirada de
próteses, esmaltes e adornos e investigar se o paciente
tem algum problema alérgico.1
Além da avaliação física, existem condições emocionais
que também precisam ser incluídas nessa avaliação,
pois sentimentos como medo da anestesia e de
alterações corporais14 podem interferir no processo
cirúrgico. Nesse sentido, as enfermeiras pesquisadas
buscam captar as necessidades do paciente para, a
partir delas, realizar o cuidado.
Conversar com o paciente, acolher ele, explicar,
interagir, proporcionar um vínculo com ele. (E3)
Se a enfermeira sabe ouvir o paciente, a percepção
dele vai ser melhor e o nível de estresse menor [...].
Procuro explicar, e a primeira coisa é tudo o que nós
vamos realizar com ele. (E1)
Eu recebo o paciente, converso com ele, ajudo a sanar
algumas dúvidas, medos, saber a expectativa dele
para poder avaliar um pouquinho o estado emocional
também, proporcionar conforto. (E4)
Nos depoimentos, evidencia-se a preocupação das
enfermeiras em ouvir e acolher os pacientes,
transmitindo tranquilidade e contribuindo para a
redução dos níveis de estresse, os quais podem interferir
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 99-106, jan./mar., 2009
101
Ações do enfermeiro na recepção do paciente em centro cirúrgico
no processo cirúrgico. O “estresse é um estado de
tensão, ansiedade ou pressão experenciado pela
pessoa. Pode ser descrito como estado de apreensão,
agitação, frustração, irritação, medo, desconforto
mental, infelicidade etc.”15:90 Esses sentimentos são
facilmente identificados no paciente cirúrgico e
mencionados pelos sujeitos deste estudo.
No decorrer da coleta de dados, observou-se a recepção
de vários pacientes no CC e, no momento em que eram
encaminhados à sala cirúrgica, posicionados na mesa
cirúrgica e, principalmente, na indução anestésica, era
visivel a expressão facial de medo, insegurança e
nervosismo. As mãos ficavam frias e, muitas vezes,
trêmulas, demonstrando o que estavam sentindo e
reforçando a importância da presença e do
acompanhamento do enfermeiro nesse período,
explicando-lhes o procedimento, segurando-lhes a
mão, transmitindo segurança e um pouco de
tranquilidade. Nesse sentido, Bedin, Ribeiro e Barreto
destacam que “as atividades de enfermagem no centro
cirúrgico, muitas vezes, podem ser limitadas a segurar
a mão do paciente na indução anestésica, confortá-lo e
posicioná-lo na mesa cirúrgica”.7:401
Uma das entrevistadas destaca a importância de o
enfermeiro estar ao lado do paciente durante a indução
anestésica. Menciona, porém, que a finalidade
primordial é auxiliar o anestesista, principalmente
diante de alguma intercorrência:
O enfermeiro tem que estar presente na hora da
indução de uma anestesia geral, no momento de uma
entubação para auxiliar o anestesista em alguma
intercorrência. (E1)
É importante que a atenção do enfermeiro para com o
paciente ocorra durante todo o processo,
independentemente da presença e da atuação dos
demais profissionais. O período que antecede a cirurgia,
em especial o período anestésico, constitui um
momento crítico, que merece cuidados e atenção
contínuos, visando minimizar os riscos, prevenir e
detectar intercorrências como forma de favorecer e
qualificar a assistência de enfermagem 3 e, por
conseguinte, a recuperação do paciente.
Evidenciam-se, no esforço de apreender o conteúdo
existente nos depoimentos das enfermeiras, sujeitos do
estudo, a preocupação e o cuidado para diminuir a
ansiedade, o estresse, as dúvidas, o medo e,
principalmente, os riscos inerentes aos procedimentos
anestésico-cirúrgicos a que os pacientes são
submetidos.
Segunda categoria – Familiarizando o paciente com o
ambiente do centro cirúrgico e não o deixando sozinho
Ao chegar ao CC, a maioria dos pacientes depara com
um ambiente estranho, com pessoas vestidas
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remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 99-106, jan./mar., 2009
igualmente de forma diferente das outras unidades,
com máscara, gorro, touca, o que pode contribuir para
exacerbar sentimentos e percepções relacionados à
anestesia e ao procedimento cirúrgico a que serão
submetidos. Nesse sentido, o cuidado da enfermeira em
familiarizar o paciente com relação ao ambiente antes
da cirurgia e, principalmente, de permanecer ao lado
dele quando no centro cirúrgico são fundamentais.
O centro cirúrgico é caracterizado como um ambiente
frio, diferente dos demais setores do hospital, com
equipamentos especiais e roupas diferenciadas das
demais unidades, enfim, é um ambiente estranho para
quem não o conhece, mas familiar para quem trabalha
nele.4 A equipe que atua nessa unidade deve ter
cuidado especial, por exemplo, com palavras e atitudes,
que para ela são habituais, mas podem amedrontar o
paciente. Contribuindo nessa reflexão, tudo o que o
paciente vê e escuta no CC pode gerar sentimento de
ameaça e contribuir para aumentar-lhe a ansiedade e a
insegurança. No momento em que o paciente se insere
no CC, cabe ao enfermeiro familiarizá-lo no ambiente.
Explicar o ambiente, o local de entrada, a sala onde
ele vai ficar, a sala cirúrgica, se identificar, tentar
tranquilizá-lo, dizer que tem familiar na porta e que a
gente vai cuidar bem dele. (E2)
Como o CC é pequeno, a gente consegue mostrar a
sala cirúrgica, a gente procura conversar com esse
paciente. Essa acolhida é fundamental. Há pacientes
que já fizeram cirurgia, outros não, é a primeira
intervenção. (E3)
Diante do exposto, percebe-se que as enfermeiras se
preocupam em acolher o paciente no CC,
proporcionando-lhe uma assistência humanizada. Essas
ações são realizadas tanto para pacientes com
experiência cirúrgica prévias quanto para os que estão
vivenciando pela primeira vez uma anestesia e/ou
cirurgia. No depoimento a seguir, observa-se que a
entrevistada reconhece as especificidades do CC e, com
base nisso, busca familiarizar o paciente no ambiente,
explicando os procedimentos a que será submetido, os
equipamentos utilizados... Um aspecto importante
relaciona-se à forma de abordagem clara e simples ao
paciente, para que ele possa compreender o que está
sendo comunicado:
Eu procuro explicar ao paciente tudo o que vamos
realizar com ele [...]. No momento em que você recebe
o paciente, tem que ser bem clara, objetiva, explicar
de forma simples o que você vai realizar com ele. (E1)
Diante desse ambiente diferenciado, que é o CC, cabe
ao enfermeiro criar e manter um espaço de
acolhimento, contribuindo para a recuperação do
paciente. Dentre as ações do enfermeiro referentes a
esses aspectos,
para o trabalho se tornar humanizado no CC, é
conveniente que a enfermeira demonstre, em suas
ações, que o progresso da tecnologia e da ciência
não impede a humanização da unidade, um
elemento indispensável nas relações enfermeiro e
paciente, que tanto enobrece, dignifica e eleva os
ideais de Enfermagem.16:9
Nesse sentido, a humanização deve permear cada uma
das atividades desenvolvidas pelos enfermeiros, mesmo
que equipamentos estejam presentes no procedimento
cirúrgico, embora haja, no CC, momentos em que o
paciente é esquecido em detrimento de questões
burocráticas, ambientais e até por falta de respeito.7
Os depoimentos a seguir denotam a preocupação em
não deixar o paciente sozinho no corredor do CC.
Todavia, as participantes admitem que não conseguem
realizar a recepção de todos os pacientes, delegando
essa função a outros profissionais:
Tem a secretária e a escrituraria; se eu não posso e se
outro funcionário não pode, eu peço a elas para não
deixá-lo sozinho; nem que seja a moça da
higienização. Dificilmente o paciente fica sozinho. (E5)
Se, normalmente, eu não posso, se estou puncionando
ou passando uma sonda, chega o paciente, não tem
como eu largar e sair correndo para recebê-lo. Ela (a
secretária) tem treinamento, ela vem e faz as mesmas
coisas que eu. (E6)
No decorrer da observação em um dos centros
cirúrgicos pesquisados, em várias situações foi possível
constatar que pacientes permaneciam sozinhos no
corredor, com expressão facial de medo, angústia,
ansiedade, até mesmo alguns choravam baixinho.
Muitas vezes eles estavam conscientes, mesmo tendo
recebido pré-anestésicos.
A justificativa apresentada para a impossibilidade de
recepcionar todos os pacientes no CC relaciona-se à
demanda de atividades de cunho assistencial. Embora
não mencionado, sabe-se que, num dos CCs estudados,
há somente um enfermeiro e, sendo assim, é
compreensível a dificuldades no desempenho de todas
as atribuições específicas desse profissional, o que pode
vir a repercutir na assistência ao paciente. Estudo
referente às dificuldades que o enfermeiro enfrenta em
centro cirúrgico aponta que o número reduzido de
enfermeiros nessas unidades tem dificultado a
sistematização da assistência de enfermagem no
perioperatório.6
A enfermagem, pelo fato de atuar o maior tempo junto
do paciente, representa o elo entre ele e o ambiente de
centro cirúrgico.17 Em estudo envolvendo o trabalho da
enfermagem no CC constatou-se que muitas vezes, na
prática do cuidar, assiste-se a um afastamento entre
enfermeira e paciente. A enfermeira não tem
oportunidade de ver o paciente e delega o cuidar aos
ocupacionais de enfermagem que não estão
preparados para assisti-los, com o argumento de não
ter tempo para prestar-lhe cuidados.18
O enfermeiro que atua em centro cirúrgico é
responsável pelo gerenciamento e pela assistência,
enfrenta sobrecarga de trabalho, o que pode resultar
em lacunas, tanto na assistência aos pacientes quanto
na parte administrativa. Contribuindo nessa reflexão, o
enfermeiro sofre sobrecarga, mas também os demais
integrantes da equipe de enfermagem, pelo número
insuficiente de profissionais que, muitas vezes, não
consegue desempenhar todas as atividades no seu
respectivo turno de trabalho.19
Analisando o depoimento das enfermeiras relacionado
à familiarização do paciente no centro cirúrgico, bem
como ao cuidado em não deixá-los só, percebe-se que
estas, na medida do possível, têm explicado ao paciente
sobre o funcionamento do CC, mostrado alguns
equipamentos e, até mesmo, a sala de cirurgia onde será
realizado o procedimento cirúrgico. Essa forma de agir
contribui para que o paciente se sinta menos ansioso e
sua experiência se torne menos traumática.
Percebe-se que há preocupação das enfermeiras com
a recepção dos pacientes no CC e o cuidado em não
deixá-los sozinhos. Chama atenção, porém, o fato de
algumas delegarem essa atribuição às secretárias e
escriturárias, justificando a atitude pela demanda
assistencial do CC e que essas profissionais estão aptas
a recepcionar os pacientes, uma vez que foram treinadas
para isso e que são capazes de avaliar os pacientes como
o enfermeiro faz, o que parece, de algum modo,
descaracterizar o papel do enfermeiro nessa função,
desvinculando-o da necessidade de conhecimento
científico e tornando-o uma formalidade administrativa,
sem importância clínica.
Terceira categoria – Destacando a formação acadêmica como base do cuidar
No que tange às ações do enfermeiro na recepção do
paciente no CC, evidencia-se que a formação
acadêmica, cujo foco principal é direcionado para a
concepção do cuidado integral ao paciente e integrativo
da assistência com o gerenciamento, parece haver
dificuldade em formar enfermeiros que consigam
desenvolver, na prática, essa integração. O ensino de
enfermagem enfrenta um desafio: o de preparar
indivíduos que sejam capazes de cuidar, pensar
criticamente, tomar decisões, liderar, planejar,
administrar e gerenciar os serviços de enfermagem.20
No decorrer da atuação em CC, várias situações
contribuíram para uma visão critica de como trabalhar
em uma unidade complexa e que exige do enfermeiro,
além de capacitação técnica, conhecimento científico
e habilidades nas relações interpessoais. Analisando a
fala de uma das enfermeiras, sujeitos da pesquisa, ela
destaca sua formação acadêmica, os valores que
apreendeu na graduação, enfatizando que são
importantes e que permeiam sua prática em CC.
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Ações do enfermeiro na recepção do paciente em centro cirúrgico
A minha formação acadêmica foi muito importante,
me ajudou muito e hoje, na prática mesmo, vejo a
importância dos valores que tu adquire... nunca
esquece essa formação. (E5)
Independentemente do tempo de atuação no espaço
de um CC, a experiência adquirida durante a graduação
constitui-se em referência e amparo para o
direcionamento das ações, a postura e o desempenho
do profissional no cotidiano de sua práxis. Nesse
sentido, uma das entrevistadas refere ser fundamental
que o enfermeiro se coloque no lugar do paciente para
prestar uma assistência humanizada:
Porque uma coisa que eu sempre tive em toda a
graduação é a importância da empatia, de me colocar
no lugar desses pacientes, de imaginar como eu
gostaria de estar sendo cuidada. (E3)
As ações do enfermeiro, de certo modo, principalmente
no início das atividades como profissional, são
embasadas na experiência e nos conhecimentos
técnicos e científicos apreendidos no decorrer da
formação. Assim, quando as atividades propostas no
decorrer do curso e as discussões e reflexões realizadas
permitem ampliar a visão do centro cirúrgico como
estrutura física e a dimensão do fazer para além do
específico, a atenção do enfermeiro nesse setor pode
tornar-se mais integralizadora e complementar o que
se reflete na qualidade do cuidado direcionado ao
paciente e também na dinâmica e organização da
unidade como um todo:
Preocupo-me com a família dos pacientes, busco
atendê-las com atenção e cuidado. Sendo assim,
quando eu vou colocar um soro, explico desde coisas
mais óbvias, que para nós acaba sendo óbvias, mas
que para o paciente e a família não o são. (E3)
O enfermeiro também assume responsabilidades com
a família do paciente, dando respostas aos diversos
questionamentos, mantendo-a informada, pois ela,
normalmente, fica apreensiva, preocupada e desejando
notícias do andamento da cirurgia. Nesse contexto, o
enfermeiro assume papel de mensageiro, mantendo um
elo com a família da pessoa que está sendo submetida
ao procedimento cirúrgico, até sua saída desse setor,14
explicando-lhe que o fato de uma longa espera não
significa que o paciente esteja o tempo todo na sala
cirúrgica, pois a preparação da anestesia e a indução
consomem tempo; e que o cirurgião fará contato ao
término do procedimento; dentre outros. Isso trará
tranquilidade aos familiares que aguardam na sala de
espera.21
Outro aspecto abordado na literatura como parte das
ações do enfermeiro no cuidado no CC é a comunicação
com o paciente, sendo destacado, nessa perspectiva, a
104
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 99-106, jan./mar., 2009
importância de explicar-lhe os procedimentos que
estão sendo realizados. Nesse sentido, a comunicação
verbal (linguagem falada ou escrita) e a não verbal
(gestos e atitudes) precisam ser vistas como
inseparáveis e inter-relacionáveis; ambas se
complementam.22
A constante qualificação profissional está presente em
todas as áreas de trabalho, exigindo crescimento
contínuo. Atualmente, o ensino médio favorece a
inserção do trabalhador no mercado de trabalho, porém
a busca por maior qualificação se faz presente no
depoimento de uma das pesquisadas. Uma das
enfermeiras entrevistadas era auxiliar de enfermagem
antes de cursar a graduação e destaca que ambas as
formações foram e são importantes na sua atuação
profissional.
Eu já trabalhava como auxiliar, eu já tinha a prática...
ajudou muito, com a teoria e a prática a gente sabe
cada vez mais... Cada dia tu cresce mais, o que tu
aprende na faculdade ajuda e muito. (E6)
A entrevistada relata que a formação acadêmica lhe
proporcionou aporte teórico, o qual foi aliado à
experiência como auxiliar de enfermagem. Ela
reconhece a necessidade de conhecimentos e que estar
no CC lhe propicia crescimento contínuo. Em relação
ao aporte teórico, este possibilita a reflexão no âmbito
do aparelho formador, oferecendo subsídios para definir
as exigências do espaço prático.23
Em busca de identificar o conteúdo imerso nas falas das
enfermeiras, sujeitos da pesquisa, no que tange à
formação acadêmica como elemento integrador das
ações de cuidado do enfermeiro na recepção do
paciente no CC, percebe-se que tanto o aporte teórico
quanto prático são importantes para a atuação como
profissionais de saúde. As entrevistadas se reportam ao
cuidado como elemento fundamental, razão de ser da
enfermagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo possibilitou apreender ações desenvolvidas
por enfermeiras que atuam em três hospitais de uma
cidade localizada no noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul, mais especificamente em centro cirúrgico,
direcionadas à recepção de pacientes.
Dentre as ações identificadas, ressalte-se a importância
atribuída pelos participantes do estudo ao fato de o
enfermeiro realizar a visita ao paciente no préoperatório. O fato de conhecer o paciente antes da
realização do procedimento cirúrgico aproxima ambos,
favorece a interação, a avaliação e a assistência. As
enfermeiras, nesse contexto, se preocupam em avaliar
o estado físico e emocional do paciente no momento
em que ele se insere no CC, e essa ação tem
possibilitado detectar precocemente fatores que
podem contribuir para intercorrências durante o
procedimento cirúrgico. Elas buscam ouvir e acolher os
pacientes, transmitir tranquilidade e contribuir para a
redução dos níveis de estresse, os quais podem,
sobremaneira, interferir no processo cirúrgico.
Em relação à familiarização do paciente no ambiente
do CC, identifica-se o esforço em explicar sobre o
ambiente, os procedimentos que serão realizados,
incluindo informações referentes aos aparelhos e
equipamentos diferentes que poderão ser utilizados,
buscando, dessa forma, tornar a experiência cirúrgica
menos traumática.
Uma inquietação que surgiu antes mesmo da realização
desse estudo, que está presente na literatura e que se
encontra nos resultados obtidos, refere-se ao fato de a
recepção dos pacientes no CC ser, muitas vezes, uma
função delegada ao pessoal administrativo,
escriturárias, secretárias e, até mesmo, à funcionária que
atua na higienização, nas ocasiões em que não é feita
pela enfermeira. Diante de situações dessa natureza
emerge como ponto de questionamento e reflexão a
qualificação dos profissionais a quem a enfermeira
delega essa função tão importante de acolher os
pacientes, explicar-lhes e avaliar-lhes as condições. O
enfermeiro, no decorrer de sua formação, apropria-se
de aportes teóricos e práticos que, ao longo do curso, o
habilitam e o tornam capacitado para a práxis
profissional e a atuação em CC. Dentre essas
habilidades, está o preparo técnico e científico para
avaliar o paciente nas mais diversas situações, o que,
em nossa opinião, não pode ser delegado.
Observa-se, nos depoimentos dos sujeitos pesquisados,
que eles têm constante sobrecarga de trabalho,
burocrática e assistencial, sendo que, muitas vezes,
utilizam essa demanda como justificativa para a não
admissão de todos os pacientes na respectiva unidade.
Nesse sentido, considerando a afirmativa apresentada,
pode-se inferir que o número de enfermeiros é
inadequado à demanda dos centros cirúrgicos
pesquisados, especialmente dos dois hospitais maiores.
As informações contidas neste estudo, igualmente,
evidenciam o papel importante do processo de
formação do enfermeiro, do quanto o aporte teórico e
prático são indispensáveis e indissociáveis, favorecendo
o crescimento e o aprimoramento desses profissionais
e, por conseguinte, qualificando a assistência ao
paciente no centro cirúrgico.
Os resultados deste estudo podem contribuir com os
profissionais de enfermagem e aqueles em formação, no
sentido de que reflitam sobre a importância de ações
direcionadas à recepção do paciente no centro cirúrgico,
incluindo o acolhimento, a atenção, favorecendo e
qualificando a assistência de enfermagem. Podem ainda,
constituir indicadores importantes para repensar o
processo de trabalho em CC e instigar profissionais e
pesquisadores para o desenvolvimento de outras
pesquisas envolvendo esta temática.
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Data de submissão: 29/10/2008
Data de aprovação: 5/8/2009
106
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ANALGESIA EM ACIDENTADOS DE TRANSPORTE: INDICADORES PARA UMA
ATUAÇÃO SEGURA NA EMERGÊNCIA*
ANALGESIA IN VICTIMS OF TRAFFIC ACCIDENTS: INDICATORS FOR SAFETY IN EMERGENCY SERVICES
ANALGESIA EN ACCIDENTADOS DE TRÁNSITO: INDICADORES PARA LA ACTUACIÓN SEGURA EN EL
SERVICIO DE EMERGENCIAS
Ana Maria Calil Sallum1
RESUMO
Conhecer indicadores a serem utilizados na prática clínica para a avaliação e tratamento analgésico em acidentados
de transporte e pontuar a frequência e a gravidade das lesões nessa população foram os objetivos com esta pesquisa.
Utilizou-se o método retrospectivo, com uma amostra de 200 prontuários de pacientes internados no pronto-socorro
de um hospital referência para o atendimento ao trauma. A gravidade das lesões foram caracterizadas por índices
de gravidade anatômicos e a terapêutica analgésica com base na escada analgésica da Organização Mundial de
Saúde (OMS). Identificou-se relação de significância entre o grupo com analgesia e o grupo sem analgesia em relação
ao número de lesões. As lesões em membros, cabeça, face e superfície externa foram as mais frequentes, e em 85%
dos casos com gravidade menor ou igual a 3. Quanto à gravidade, destacaram-se as lesões cerebrais. O número
médio de lesões influiu na decisão de analgesiar, mas não a gravidade do trauma, o sexo ou a idade. A maioria das
lesões foi de gravidade igual ou menor a 3, localizadas, principalmente, em três regiões corpóreas, excluindo-se as
lesões na cabeça/pescoço.
Palavras-chave: Dor; Avaliação; Causas Externas; Analgesia.
ABSTRACT
This study aims to recognize indicators which can be used in clinical practice to evaluate and treat pain in victims
of traffic accident, as well as to score the frequency and lesion severity in such population. This is an original and
retrospective study with a sample of 200 records of patients admitted in the emergency room of a reference
trauma center. The lesion severity was characterized according to anatomic severity indexes and the analgesic
therapy was based on the World Health Organization analgesic ladder. There was a significant relationship between
analgesia and number of lesions. The most frequent lesions were those of the limbs, head, face and external
surface. Severity was less or equal to 3 in 85% of the cases and cerebral lesions were the most severe ones. The
average number of lesions affects the decision to provide analgesia, to the detriment of trauma severity, gender
and age. Injuries were mostly located in three body parts, except those on the head/neck. Lesions´ severity was
mainly less or equal to 3.
Key words: Pain; Evaluation; External Causes; Analgesia.
RESUMEN
Conocer indicadores a utilizar en la práctica clínica para la evaluación y tratamiento analgésico en accidentados de
tránsito e indicar la frecuencia y gravedad de las lesiones en dicha población. Se trata de un estudio retrospectivo,
inédito en nuestro medio, realizado con una muestra de 200 historias clínicas de pacientes internados en el servicio
de emergencias de un hospital de referencia para atención del trauma. La gravedad de las lesiones fue caracterizada
por índices de gravedad anatómicos y la terapéutica analgésica en base a la escala analgésica de la Organización
Mundial de Salud. Se identificó una relación de significancia entre el grupo con y sin analgesia en relación al número
de lesiones. Las lesiones en miembros, cabeza, rostro y superficie externa fueron las más frecuentes y, en el 85% de
los casos, con gravedad menor o igual a 3; en cuanto a la gravedad, se destacaron las lesiones cerebrales. Se identificó
que el número promedio de lesiones influyó en la decisión de analgesiar pero no la gravedad del trauma, sexo o
edad. La mayoría de las lesiones fueron de gravedad igual o menor a 3, localizadas principalmente en 3 regiones
corporales, excluyéndose las lesiones en la cabeza/cuello.
Palabras clave: Dolor; Evaluación; Causas Externas; Analgesia.
*
1
Parte da tese de Doutorado intitulada: Dor e analgesia em vítimas de acidentes de transporte atendidas em pronto-socorro, defendida em 2003, na EEUSP. Ganhadora
do prêmio Simbidor-2007 (Simpósio Internacional de Dor) de melhor trabalho na área de tratamento da dor no Brasil. Bolsa CNPq – Processo n. 87.0261/1997-5.
Enfermeira. Mestre e Doutora pela EEUSP. Professora colaboradora do Centro Universitário São Camilo na especialização de emergência.
Endereço para correspondência: Alameda Fernão Cardim, 140, apto 61, JD Paulista, SP, capital – CEP 01403-020. Telefone: 3289-1893. Fax: 32893343.
E-mail: [email protected].
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Analgesia em acidentados de transporte: indicadores para uma atuação segura na emergência
INTRODUÇÃO
As principais causas de morbidade e mortalidade ao redor
do mundo estão entre as externas e o número de mortes
por acidentes de trânsito, em 2005, no Brasil, foi de 35.763,
o que corresponde à média de 98 mortes por dia.1
Quanto às vítimas que chegaram a ser internadas, os
números são alarmantes, quase 120 mil hospitalizações
em 2005, com taxa de 64 internações pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) para cada 100 mil habitantes.1
O número de acidentes com vítimas em 2005 foi de
383.371 e mostra um número de acidentados igual a
513.510, o que projeta, em média, 1.406 acidentes/dia e
1.369 vítimas/dia (1,30 vítima por acidente). Em
decorrência desse evento, totalizaram-se 117.155
internações hospitalares, significando 15,5% das
hospitalizações por lesões, o que mostra o impacto desses
ferimentos.2
A dor é reconhecida como uma das principais
consequências do trauma e a repercussão dela é
identificada como potencialmente prejudicial ao
organismo. Embora frequente, pouca atenção tem sido
concedida ao traumatizado no que se refere ao controle
álgico. Essa situação de proporções pouco investigadas em
nosso meio no setor de emergência é evidenciada por
estudos oriundos de outros países.3
Os principais motivos apontados na literatura como causas
do desvio da atenção para as prioridades imediatas,
visando proteger o paciente e preserva-lhe as funções
vitais, transferem, muitas vezes de modo injustificado, o
problema da dor para um plano secundário ou inexistente.
A repercussão orgânica do processo álgico intenso é,
geralmente, subestimada ou mesmo ignorada por
médicos e enfermeiros. Além disso, constata-se
desinformação sobre a farmacologia das drogas
analgésicas e sobre as técnicas disponíveis, e ainda alegase, com frequência, que a administração precoce de
analgésicos pode mascarar um indício valioso para o
diagnóstico etiológico, situação não mais aceita na
literatura há anos.3
A dor é uma experiência sensorial e emocional
desagradável, associada a uma lesão tissular real ou
potencial e descrita em termos de tal dano. A dor aguda
surge como um alerta de que algo no organismo não está
bem. No setor de emergência, esse tipo de dor é muito
frequente, pois está relacionada aos agravos traumáticos,
queimaduras, infecções e processos inflamatórios.4
A persistência de processos reacionais em razão da
permanência da dor aguda resulta na formação de círculos
viciosos com progressivo aumento das disfunções
orgânicas e dos efeitos prejudiciais ao paciente
traumatizado, como hipoventilação, aumento do trabalho
cardíaco, diminuição da perfusão sanguínea periférica e
contração muscular reflexa. Nos quadros hemorrágicos,
os estímulos nociceptivos agravam o estado de choque
em decorrência da deterioração do desempenho
mecânico do ventrículo esquerdo pela redução da oferta
de oxigênio e pelo aumento da perda plasmática.5
108
Melhorar a perfusão tissular, minimizar a lesão celular e as
alterações fisiológicas relacionadas com a hipóxia,
controlar o quadro hemorrágico, manter parâmetros vitais
estáveis e a estabilidade da coluna cervical são os objetivos
prioritários do atendimento ao traumatizado.5
Parece claro, portanto, que a adequada avaliação, o
controle e o alívio da dor, além do aspecto humanitário,
deveriam constituir partes vitais do atendimento ao
traumatizado, visando contribuir para a manutenção de
funções fisiológicas básicas e evitar os efeitos colaterais
nocivos advindos da permanência da dor. Além disso, o
conhecimento sobre a gravidade das lesões decorrentes
do trauma pode servir de base para a criação de protocolos
de analgesia.
Entre as dores agudas, a dor na emergência é a menos
investigada em nosso meio, sendo este estudo o primeiro
em nosso país; tal fato é preocupante, visto o grande
número de vítimas atendidas e que permanecem
diariamente nesse setor.3 Além disso, não existe, nos
manuais de atendimento às vítimas de trauma, um
capítulo específico dedicado ao tema dor, bem como à
analgesia e à utilização de instrumentos de avaliação para
aferir o quadro álgico.5
Diante dessa realidade, optou-se por desenvolver um
estudo para identificar qual(is) indicador(es)
determinaria(m) a analgesia e pontuar as regiões
corpóreas mais frequentes e gravemente atingidas em
acidentes de transporte.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com
abordagem quantitativa. Foi aprovado pela Comissão de
Ética do Hospital de Coleta, recebendo o número de
Protocolo n° 074/02.
O estudo foi realizado em um hospital geral
governamental de nível terciário, considerado no sistema
de atendimento hierarquizado ao trauma do município
como referência universitária para a região oeste da grande
São Paulo e municípios vizinhos.
Em levantamento prévio, realizado na Divisão de Arquivo
Medico (DAM) da instituição deste estudo, constatou-se
que a média anual de pacientes admitidos para tratamento
em decorrência de acidentes de transporte girava em
torno de 1.500 e, desses, aproximadamente 640
permaneciam internados. Após orientação estatística,
propôs-se realizar a análise de uma amostra dessa
população com precisão desejada de 5%, prevalência
esperada de 50% e risco de 1%, o que resultou em 200
prontuários a serem analisados, representando quase um
terço da população total de internados.
A seleção de eventos considerados acidentes de
transporte baseou-se nos critérios preconizados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), expressa na
Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde (CID 10), sob os códigos
alfa numéricos V01 a V099.6
Tendo em vista a análise proposta, foram estabelecidos
os seguintes critérios de inclusão: vítimas de acidente de
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transporte provenientes diretamente da cena do evento,
admitidas via pronto-socorro; eventos classificados pela
DAM como acidentes de transporte; não terem evoluído
para óbito nas primeiras 24 horas e terem idade maior que
16 anos.
serviram de base para as análises dessa etapa do estudo.
São eles: grupo I: Analgésico simples e/ou antiinflamatório
não hormonal (AINH); grupo II: Analgésico simples + AINH
+ Opioide(s); grupo III: Analgésico simples + Opioide(s) +
Midazolan.
As fontes de dados incluíram listas computadorizadas da
Companhia de Processamento de Dados do Estado de São
Paulo (PRODESP), listas de pacientes internados em
decorrência de acidentes de transporte fornecidas pela
DAM e prontuários dos pacientes internados no prontosocorro.
O grupo I corresponde ao primeiro degrau da Escada
Analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS)7 e o
grupo II, ao segundo e terceiro degraus. Organizou-se o
grupo III, pois considerou-se que o acréscimo de midazolan
pareceu indicar um objetivo terapêutico diferente dos
grupos I e III.
Baseando-se na relação dos pacientes de interesse,
a pesquisadora dividiu-os em quatro grupos de
acordo com a causa externa: acidentes automobilísticos,
atropelamentos, acidentes de moto e outros. Do total de
634 pacientes internados em 2002, 250 foram por acidente
de auto, 234 por atropelamento, 137 por acidente de moto
e 13 por outras classificações. Cada prontuário, dentro de
cada grupo, recebeu um número específico, em ordem
crescente. Com base no estabelecido por orientação
estatística, foram sorteados 80 prontuários de vítimas de
acidente de automóvel, 70 de atropelamento e 50 vítimas
de moto, os quais constituíram a amostra de 200
prontuários. A solicitação dos prontuários foi feita por
grupos e, na eventualidade do extravio de um prontuário
selecionado, foi sorteado outro “reserva”, pertencente ao
mesmo grupo.
Nessa categorização não foram levadas em consideração
o medicamento, a dose, o intervalo e a via de
administração. Tal decisão deveu-se ao fato de terem sido
encontradas tantas configurações que, se não organizadas
de modo mais abrangente, tornariam impossível qualquer
análise estatística.
A coleta de dados foi iniciada após a autorização da
Comissão de Ética para Análise de Projeto de Pesquisa
(CAP-Pesq.), da Diretoria Clínica do Hospital.
Para cada paciente foi aberta uma ficha de coleta de dados,
e as informações pertinentes ao estudo foram registradas
desde o momento da entrada do paciente no hospital até
um período aproximado de 24 horas. O horário de registro
na ficha de admissão foi considerado o ponto inicial e o
horário dos medicamentos na ficha de admissão e/ou
prontuário o marco final.
Após a análise dos 200 prontuários, foram identificados
17 tipos distintos de prescrições analgésicas, os quais
foram reagrupados em três padrões de analgesia, que
Para aferir a gravidade das lesões utilizou-se o índice
Abbreviated Injury Scale (AIS) de base anatômica,
apresentado sob a forma de um manual, no qual centenas
de lesões são listadas de acordo com o seu tipo, localização
e gravidade. É um instrumento aceito mundialmente para
o estudo da natureza das lesões apresentadas por
pacientes de trauma.
A gravidade de cada lesão contida na AIS varia de
gravidade mínima=1 a gravidade máxima=6; por
definição, as lesões de escore igual ou inferior a 3 são
aquelas que, isoladas, não ameaçam a vida e as iguais ou
maiores que 4 são consideradas, progressivamente, graves,
críticas e fatais.
Os dados coletados foram organizados em planilhas do
programa Excell e realizada análise estatística utilizando o
programa SAS versão 6.12 (SAS Institute, Cary, Estados
Unidos). Foram realizadas análises de frequência absoluta
e relativa e medidas de posicionamento: média e mediana,
e dispersão por meio de desvio-padrão, bem como teste
de qui-quadrado para a avaliação de homogeneidade das
frequências ou Fisher e Teste t de Student para comparação
múltipla entre as médias. Considerou-se significante os
testes cujo valor de p foi menor do que 0,05.
RESULTADOS
TABELA 1 – Distribuição do total de lesões anatômicas registradas nos prontuários dos pacientes (n = 570)
segundo região corpórea e escores AIS d” 3 e AIS e” 4 – São Paulo, 2003
.
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109
Analgesia em acidentados de transporte: indicadores para uma atuação segura na emergência
Observa-se, na TAB. 1, que 486 (85,2%) do total de 570
lesões tinham gravidade AIS d” 3 e 84 (14,8%) gravidade
AIS e” 4. Houve predominância de lesões AIS d” 3 para
todas as regiões corpóreas, à exceção de cabeça/
pescoço, onde ocorreu distribuição equitativa entre
lesões de gravidade AIS d” 3, 60 (50,8%) e AIS e” 4, 58
(49,2%).
A análise das lesões AIS e” 4, isoladamente, mostra que
quase metade delas (49,2%) ocorreram na região
corpórea de cabeça/pescoço.
GRÁFICO 1 – Distribuição do percentual de lesão única e lesões múltiplas por região corpórea – São Paulo, 2003
Verifica-se, no GRAF. 1, que a presença de uma única
lesão por região corpórea ocorreu em todas as regiões,
exceto nas regiões de membros superiores, inferiores e
cintura pélvica, nas quais a presença de lesões múltiplas
obteve percentual superior (53,3%). Destacam-se as
regiões corpóreas de superfície externa (77,0%) e tórax
(72,5%) com lesões únicas. As demais regiões corpóreas
obtiveram um percentual em torno de 40,0% para as
lesões múltiplas.
TABELA 2 – Distribuição dos pacientes (n= 199) segundo
a gravidade do trauma (NISS) – São Paulo, 2003
A TAB. 2 mostra que, em relação à gravidade do trauma
(NISS) os pacientes situaram-se, fundamentalmente, nas
faixas de gravidade 1 – 8 (36,2%), 9 – 15 (22,1%) e 16 –
24 (23,1%). Do total de pacientes, 58,3% apresentaram
NISS d” 15 e 41,7% NISS e” 16, indicativo de trauma
importante.
Dos 200 pacientes estudados, ressalte-se que 179
receberam analgesia e 21 não foram analgesiados.
TABELA 3 – Distribuição da média, desvio-padrão e
mediana (das lesões) entre os grupos com analgesia
e sem analgesia - São Paulo, 2003
“Teste t de student” p = 0,013
*Uma vítima não apresentou lesão.
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No grupo de pacientes com analgesia, verificam-se 527
lesões com média de 2,9 lesões por paciente, desviopadrão de 1,37 lesão e mediana de 3 lesões. No grupo
sem analgesia, notam-se 43 lesões, com média de 2,1
lesões por paciente, desvio-padrão de 1,3 lesão e
mediana de 2 lesões. O “Teste t de Student” mostrou
que o grupo com analgesia apresentou número médio
de lesões significativamente maior que o do grupo sem
analgesia (p = 0,013).
TABELA 4 – Análise das relações entre as variáveis sexo e idade nos grupos com analgesia e sem analgesia –
São Paulo, 2003
Observa-se, na TAB. 4, que não houve diferença
significativa entre as variáveis sexo (Fisher p = 1,000) e
idade (“Teste t de Student” p = 0,7985) nos grupos com
e sem analgesia.
DISCUSSÃO
Dor é um sintoma frequente em vítimas de trauma. Sua
ocorrência e intensidade podem estar relacionadas ao
tipo e à localização da lesão. É citada na literatura como
mais frequente em membros inferiores e superiores,
tórax e cabeça.3,5
Inúmeros são os estudos que relatam que a dor na
emergência, especialmente no trauma, é subavaliada,
subtratada, advindo dessa situação o termo
“oligoanalgesia”.3,8-9
A dor, muitas vezes intensa, vivenciada por esses
pacientes pode perdurar horas, sem que qualquer tipo
de conduta analgésica seja proposta.10 A situação dessas
pessoas é duplamente custosa, uma vez que associados
à dor existem os sentimentos de culpa, perda, dano, que
frequentemente acompanham uma situação violenta
e inesperada.11
Autores enfatizam a importância da abordagem
sistematizada na sala de emergência, o que já é
realizado no hospital em estudo, mas apontam como
fundamental que a sistematização da assistência
prossiga após o primeiro atendimento como uma
estratégia indispensável para obter alta acurácia
diagnóstica, redução de custo, otimização de leitos e
de recursos humanos.12
Autores reforçam a importância da padronização de
condutas analgésicas no atendimento inicial às vítimas
de trauma e apontam como iatrogenia o não alívio da
dor, os efeitos colaterais advindos dela e a possibilidade
de novas lesões resultantes da agitação causada pela
dor.3,5,13
Em estudo nacional avaliando aspectos da dor e
analgesia no atendimento pré-hospitalar nas vítimas de
causas externas, constatou-se que 40% de 139 vítimas
estudadas avaliaram a dor como intensa e 19% como
insuportável. Os locais mais frequentes de queixa álgica
foram membros inferiores e superiores, cabeça e face.
Analgésicos só foram utilizados em 4,3% das remoções,
embora houvesse analgésicos em 14,5% das viaturas,
médico em 15,1% dos veículos e lesões potencialmente
muito dolorosas, como fraturas, em 28,1% dos casos.14
Pesquisadores americanos, avaliando a satisfação do
paciente de trauma com a analgesia recebida no setor
de emergência, identificaram que 70% permaneciam
com dor, 25% relataram alívio e 5% estavam incertos.15
O desconhecimento do tratamento farmacológico, a
carência de educação específica na área de dor na
graduação e pós-graduação para profissionais de saúde
e o medo de medicar são apontados como os principais
obstáculos para a adequada avaliação e alívio da dor.15
Neste estudo, a opção por analisar a dor em vítimas de
trauma em um hospital geral público e de ensino deveuse à importância desse hospital nos meios científico e
educacional no Brasil, pois atua como órgão formador
de recursos humanos nas áreas de saúde para todo o
País e é visto como modelo de assistência em trauma.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 107-114, jan./mar., 2009
111
Analgesia em acidentados de transporte: indicadores para uma atuação segura na emergência
O serviço mostrou-se adequado para o desenvolvimento
da pesquisa dado o grande número de vítimas de
acidentes de transporte assistidos no setor de
emergência, por ser um centro de referência para o
atendimento ao trauma e pela possibilidade de encontro
com profissionais que atuam no setor de emergência, e
que, portanto, determinam as condutas analgésicas.
A decisão de analisar prontuários deveu-se à
possibilidade de que isso resultasse em uma visão mais
ampla e representativa da prática clínica e dos
paradigmas que envolvem o tema dor e analgesia no
setor de emergência, somada à carência de informação
sobre o tema em nosso meio.
Foram diagnosticadas 570 lesões anatômicas nos 200
pacientes (TAB. 1). Considerando cada região corpórea,
os membros superiores, inferiores e a cintura pélvica
aparecem como as regiões mais atingidas, sendo
responsáveis por 152 (26,7%) lesões, seguidas pela
região de cabeça/pescoço com 118 (20,7%) lesões.
Em estudo analisando a distribuição de lesões por
região corpórea em vítimas de acidente de transporte,
constatou-se a mesma distribuição acima citada, com
inversão na posição entre os postos. Na análise por
categoria de vítimas, porém, os ocupantes de moto
apresentaram um número significativamente maior de
lesões em membros superiores, inferiores e na cintura
pélvica em relação às demais vítimas, enquanto os
atropelamentos e acidentes de auto, um número maior
de lesões em cabeça/pescoço e face.16,17
A observação de lesões em 3.594 admissões
hospitalares em 28 centros de trauma também apontou
os membros superiores, inferiores e cintura pélvica
como as primeiras regiões corpóreas atingidas (51% dos
casos).18
Em outro estudo analisando a localização de lesões em
6.099 vítimas desse evento no Brasil, observou-se os
membros inferiores e superiores (69,7%), cabeça
(49,6%) e tórax (19,9%) foram as regiões corpóreas mais
atingidas.19
A distribuição encontrada neste estudo e confirmada
na literatura aponta, com frequência, as regiões de
membros superiores, inferiores, cintura pélvica e
cabeça/pescoço como as duas regiões corpóreas mais
atingidas em acidentes de transporte, com variação para
as demais áreas atingidas.
Em relação à região corpórea mais gravemente atingida,
a cabeça/pescoço aparece com percentual bastante
superior às demais regiões, com 58 (49,1%) das lesões
com AIS e” 4. Esse achado revela-se de extrema
importância dado o alto valor prognóstico determinado
por lesões nesse segmento corpóreo (TAB. 2). O TCE em
vítimas de acidente de transporte é a lesão isolada mais
frequentemente encontrada em casos graves e
fatais.16,20
A região torácica, segunda mais gravemente atingida,
embora com 12,5% de lesões AIS e” 4, é identificada,
112
em estudos recentes sobre dor e analgesia no trauma,
como um segmento corpóreo de alto risco para o
paciente, uma vez que a permanência da dor e seus
efeitos deletérios podem levar a uma falência
respiratória irreversível.20
As lesões na região de membros superiores, inferiores
e na cintura pélvica merecem ser destacadas, pois,
apesar de baixa letalidade, implicam longos períodos
de internação, grande número de cirurgias plásticas e
corretivas, imobilização no leito, infecções, escaras e,
principalmente, dor.3,17
Conforme apresentado no GRAF. 1, aproximadamente
40,0% das lesões foram múltiplas nas regiões corpóreas
de cabeça/pescoço, face, abdome/conteúdos pélvicos
e superior a 50,0% em membros superiores, inferiores
e cintura pélvica. As vítimas de acidente de transporte
são caracterizadas, frequentemente, como pacientes
politraumatizados ou com múltiplas lesões no mesmo
segmento corpóreo, o que reforça a importância do
alívio da dor nessa população.10,16
Das 199 vítimas nas quais foi possível identificar a
gravidade do trauma (NISS), 58,3% ficaram em faixas
de gravidade inferior a 16% e 41,7% com gravidade de
trauma e” 16, indicativo de trauma importante (TAB. 2).
Inúmeras pesquisas mostram resultados semelhantes
aos citados acima, porém um percentual importante de
vítimas de acidente de transporte apresenta gravidade
do trauma ISS e” 16.22-23
Pela caracterização deste estudo, percebe-se que
grande parte dos pacientes apresentou lesões múltiplas
e trauma importante, condições potencialmente muito
dolorosas. Tal situação é propícia para estudos sobre dor
e analgesia.
Inicialmente, indagou-se sobre quais fatores
influenciariam na decisão de analgesiar. Para
responder a tal questionamento, analisaram-se os
pacientes que receberam e os que não receberam
analgesia quanto às variáveis gravidade do trauma,
número médio de lesões, idade e sexo. Observou-se
que o número médio de lesões influiu na decisão de
analgesiar, mas não a gravidade do trauma (NISS), o
sexo e a idade (TAB. 3 e 4).
Esse achado é novo na literatura, e guiar-se por tal
parâmetro parece adequado, visto que, quando há
múltiplas lesões em uma ou mais regiões corpóreas, o
quadro doloroso poderá estar acentuado. Gravidade do
trauma não indica, necessariamente, processos
dolorosos intensos, uma vez que muitos pacientes
podem estar inconscientes. No entanto, o uso conjunto
dos dois parâmetros (número de lesões e gravidade do
trauma) parece o mais indicado.
Outro aspecto que merece destaque é a confusão, na
prática clínica, em relação aos conceitos de sedação e
analgesia, uma vez que se espera, no primeiro caso, que
ocorra a diminuição do nível de consciência e, no
segundo, a diminuição da dor. Não raro, observa-se
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pacientes sedados por causa de uma lesão neurológica
com alterações neurovegetativas importantes,
advindas, provavelmente, da dor não aliviada.3
Os resultados deste estudo indicaram que a decisão de
prescrever antiálgicos esteve diretamente relacionada
ao número médio de lesões apresentadas, como
mostram os dados da TAB. 3. Esse achado, inédito em
nossa literatura, indica que a relação entre analgesia e
número de lesões é um fator considerado na prática
médica. Parece evidente, embora não identificado na
literatura, que lesões múltiplas causariam dor de maior
intensidade, gerando a necessidade de analgesia ou
tornando a dor mais evidente. Desse modo, constatouse que o primeiro aspecto observado para a indicação
analgésica reside no número de lesões apresentadas
pelo paciente.
Espera-se que esses dados sirvam de orientação para
as equipes médicas e de enfermagem nos cenários de
pré- e intra-hospitalar na avaliação e tratamento álgico
de vítimas de trauma que superlotam os serviços de
emergência e chamem a atenção para a necessidade
de novos estudos ainda incipientes em nosso meio em
relação à temática abordada.
O avanço na avaliação e no tratamento do paciente
traumatizado foi muito grande nos últimos vinte anos,
no entanto, estudos relacionados à dor e à analgesia
ainda são incipientes em nosso meio, gerando
sofrimento a milhares de vítimas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
embriagados das madrugadas, carentes de iniciativa e,
sobretudo, vítimas de nosso egoísmo e da nossa falta
de coragem ou de nossa miopia diante dos problemas
alheios e facilmente ou felizmente esquecidos ao
chegarmos em nossos lares tão protegidos.
Algo deve ser feito quando uma criança é atropelada,
torna-se paraplégica ou tetraplégica e os seus infratores
alcoolizados são inocentados por bandidos de gravata.
Algo precisa ser feito quando um adolescente chega
espancado com graves lesões cerebrais e não se
encontram os seus malfeitores. Algo precisa ser feito
quando tiros perdidos atingem trabalhadores, e assim
segue a nossa vida diante das causas externas...
Acreditando, ainda, que algo precisa ser realizado em
prol dessas vítimas, não podemos concordar que após
sofrerem uma situação aguda, a qual, muitas vezes,
modifica-lhes definitivamente a vida e a de seus
familiares, não tenham sua dor física aliviada. Para
ilustrar essa situação, transcreve-se a frase de um
paciente, no setor de emergência, aguardando por
cuidados após quatro horas de sua admissão por
atropelamento: Moça, por que tanta gente passa, olha,
mexe na gente e não faz nada? Minha perna tá quebrada,
meu braço e minhas costas doem, e ninguém me ajuda.
Será que eles não estão me vendo?
Sonha-se e espera-se que em um futuro próximo essa
frase possa ser substituída por agradecimentos à equipe
de saúde pelo controle ou, ao menos, alívio da dor.
CONCLUSÃO
Após vinte anos atuando com vítimas de trauma, sabese que o limite entre a vida e a morte é muito tênue e
que a morte, por vezes, não é o pior a ser enfrentado.
Alguns teóricos criticam a utilização do termo “vítima”
quando se fala em causas externas, mas essa palavra
reflete, em grande parte dos casos, a realidade. Em
nossa sociedade, há décadas, somos vítimas da
impunidade, do desmando, do pouco caso com relação
à saúde e à saúde publica, da falta de educação, dos
Identificou-se, neste estudo, relação de significância
entre o grupo com analgesia e o grupo sem analgesia,
em relação ao número médio de lesões. A região mais
frequentemente acometida foi a de membros inferiores/
superiores e a de maior gravidade, a de cabeça/pescoço.
Espera-se que esses achados sejam úteis para as equipes
de saúde nos cenários de pré- e intra-hospitalar e
contribuam para o controle e/ou alívio da dor nos
pacientes de trauma.
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Data de submissão: 30/12/2008
Data de aprovação: 9/6/2009
114
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 107-114, jan./mar., 2009
ADOLESCÊNCIA: UMA ANÁLISE DA DECISÃO PELA GRAVIDEZ
ADOLESCENCE: AN ANALISIS OF THE PREGNANCY DECISION
ADOLESCENCIA: UN ANALISIS SOBRE LA DECISIÓN ACERCA DEL EMBARAZO
Octavio Muniz da Costa Vargens1
Celeste Ferreira Adão2
Jane Márcia Progianti3
RESUMO
Neste estudo, o objetivo foi analisar a decisão da adolescente pela gravidez, com base no significado que ela atribuiu ao
fenômeno. Trata-se de pesquisa descritiva com abordagem qualitativa baseada nos pressupostos teórico-metodológicos
do Interacionismo Simbólico e da Grounded Theory. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas,
realizadas com 16 adolescentes dos 12 aos 16 anos, atendidas no ambulatório de pré-natal de uma instituição pública
federal na cidade do Rio de Janeiro. O estudo ocorreu no período de janeiro a outubro de 2005. Os resultados evidenciaram
duas categorias que descrevem os significados para as adolescentes dessa sua decisão: 1. Descobrindo-se grávida, cujas
subcategorias expressaram o querer e o não querer engravidar, o planejamento ou não da gravidez; 2. Optando pela
gravidez, cujas subcategorias expressaram a descoberta do poder e a experiência de autonomia, advindos com a gravidez.
Da integração dessas categorias emergiu a categoria central representativa do processo social básico: Buscando autonomia
e poder. Concluiu-se que respeitar essa decisão, reconhecendo-a como um direito das adolescentes, representa o ponto
de partida para um cuidado de enfermagem sensível, pautado nos princípios da bioética e da humanização. Isso implica
a necessidade de profissionais treinados e cientes do que representam os direitos reprodutivos e de que as adolescentes
têm o direito de exercer sua sexualidade com segurança e liberdade de escolha, com direito à informação sobre meios,
possibilidades, estratégias, riscos e vantagens, para que possa decidir sobre a sua prole.
Palavras-chave: Bioética; Direitos Humanos; Enfermagem Obstétrica; Gravidez na Adolescência; Saúde da Mulher.
ABSTRACT
This study aims to analyze the adolescents’ decision for pregnancy considering the significance that such patients attribute
to the phenomenon. It is a descriptive study with a qualitative approach, based on the theoretical and methodological
principles of Symbolic Interactionism and Grounded Theory. To obtain data, sixteen teenagers aged twelve to sixteen
years old underwent a semi-structured interview. All patients were attending a prenatal clinic of a Federal Institution in
Rio de Janeiro, Brazil. Approval from the Ethics Research Committee was acquired. All women were informed about
confidentiality, patient selection and aim of the study and an informed consent was obtained. Results showed two main
categories that describe the meaning of such decision: 1) “Finding yourself pregnant”, whose subcategories express the
desire of getting pregnant and the planning of the pregnancy; and 2) “Choosing for pregnancy”, whose subcategories
express the feelings of power and autonomy that follow pregnancy. By integrating these categories, we reached a
representative core category of the social process: Searching for Autonomy and Power. We conclude that to honor this
decision and to recognize it as a teenager’s right, represent the starting point of a nursing care based on the principles of
bioethics and humanization. This implies the need of trained professionals, conscious of what reproductive rights represent
and who understand that these patients have the right to practice their sexuality with safety and freedom.
Key words: Bioethics; Human Rights; Obstetrical nursing; Pregnancy in Adolescence; Women’s Health.
RESUMEN
Estudio realizado con el objetivo de analizar la decisión de las adolescentes sobre su embarazo a partir del significado que
le atribuyen al fenómeno Se trata de una investigación descriptiva cualitativa basado en los principios teóricometodológicos del Interacionismo Simbólico y de la Grounded Theory. Los datos fueron obtenidos en entrevistas semiestructuradas con dieciséis adolescentes de doce a dieciséis años atendidos en una clínica prenatal de una Institución
Gubernamental Federal de Río de Janeiro – Brasil, con la aprobación del Comité de Ética de Investigación. Se les presentó
a las mujeres una solicitación para participar en el estudio; se les avisó sobre la confidencialidad, cómo habían sido
seleccionadas y el objetivo del estudio y después firmaron el respectivo consentimiento informado. Los resultados
evidenciaron dos categorías que describen los significados de esta decisión: 1) “Descubriendo que está embarazada”
cuyas subcategories expresaron el deseo de quedarse o no quedarse embarazada, la planificación o no del embarazo; 2)
“Optando por el embarazo” cuyas subcategories expresan el descubrimiento del poder y la experiencia de autonomía que
resultan del embarazo. De la integración de estas categorías surgió la categoría central representativa del proceso social:
“Buscando Autonomía y Poder”. Se concluye que respetar esta decisión, al reconocerla como un derecho de las adolescentes,
representa el punto de partida para una atención de enfermería basada en los principios de la bioética y de la humanización.
Implica la necesidad de que haya profesionales especializados, conscientes de lo que representan los derechos
reproductivos y que entiendan que los adolescentes tienen el derecho de practicar su sexualidad con seguridad y libertad
con derecho a adquirir información sobre medios, posibilidades, estrategias, riesgos y ventajas para decidir sobre su prole.
Palabras clave: Bioética; Derechos humanos; Enfermería obstétrica; Embarazo en Adolescencia; Salud de la mujer.
1
2
3
Enfermeiro obstetra. Doutor em Enfermagem e professor titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Enfermagem, Mulher, Saúde e Sociedade (Nepen-Musas). E-mail: [email protected].
Enfermeira. Mestre pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na área de Saúde da Mulher. Especialista em Docência Superior. Tecnologista do
Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz). Professora Assistente da Universidade Severino Sombra.
Enfermeira obstetra. Doutora em Enfermagem e professora adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Vice-coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Enfermagem, Mulher, Saúde e Sociedade (Nepen-Musas).
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115
Adolescência: uma análise da decisão pela gravidez
INTRODUÇÃO
A gravidez na adolescência vem se tornando um
problema de saúde pública em todo o mundo em
decorrência não somente da alta incidência, como
também da idade cada vez menor com que as meninas
engravidam.1 Fato é que seu aumento relativo constitui
motivo de preocupação, principalmente dadas as
características desse grupo. A série analisada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1,
referente ao período entre 1991 e 2002, mostra o
crescimento desse fenômeno com destaque para as
regiões Norte, com 25%, e Nordeste e Centro-Oeste, que
evoluíram para proporções em torno de 23%. No Estado
do Rio de Janeiro, verificou-se que, em 2002, 19,1% dos
nascimentos eram de mães menores de 20 anos.1
A análise desse problema pelos profissionais de saúde
é, mormente, feita sob a ótica da obstetrícia clínica,
segundo a qual os riscos biológicos são os mais
importantes e a preocupação predominante é com a
vida biológica das mulheres.2 Nesse sentido, os aspectos
relacionados com a ética, os direitos reprodutivos e os
direitos de cidadania, geralmente, não são levados em
conta. Isso se dá, principalmente, por se considerar as
adolescentes, em geral, destituídas da capacidade de
optar ou de decidir,3,4 um comportamento típico do
paradigma tecnocrático.5
A prática de enfermeiras, quando norteada pelo
paradigma biomédico, não pondera a possibilidade de
que cada adolescente poderia ter escolhido e decidido
engravidar para atender aos próprios anseios, sem
pensar a gravidez como uma situação de risco biológico
ou social.6 Assim, com este estudo, buscou-se trazer esta
discussão com base no discurso da adolescente e, com
isso, oferecer às enfermeiras diferentes significados
atribuídos ao fenômeno para que possam reorientar a
prática, bem como analisar a decisão da adolescente
pela gravidez com base no significado que ela atribuiu
ao fenômeno.
Na discussão sobre o significado da decisão da
adolescente pela gravidez, alvo deste estudo, os
conceitos fundamentais dos direitos reprodutivos e da
bioética foram tomados como base.
METODOLOGIA
Trata-se de estudo qualitativo, com base nos princípios
da Grounded Theory. Por meio desse método, é
necessário que o pesquisador compreenda, pela
perspectiva do sujeito, o que ele entende e diz de si e
de outros, respeitando seu mundo e as interpretações
que ele faz nessas interações compartilhando suas
definições.7,8
Os dados foram obtidos e analisados no período de
janeiro a dezembro de 2005. Os sujeitos pesquisados
foram adolescentes grávidas com idade entre 12 e 16
anos, independentemente da idade gestacional em que
se encontravam à época da entrevista, inscritos para
116
atendimento no serviço de pré-natal de uma instituição
governamental de referência para atendimento a esse
grupo populacional, no município de Rio de Janeiro,
Brasil. A escolha dessa faixa etária deveu-se ao fato de
que essa instituição prioriza o atendimento de
adolescentes nessa faixa etária.
Inicialmente, duas adolescentes foram entrevistadas
com o propósito de dar início ao processo de análise
comparativa constante. De acordo com a análise desses
dados, foram incluídos mais três grupos amostrais,
totalizando 16 adolescentes, constituídos:
1. por quatro adolescentes que haviam desejado e
planejado a gravidez;
2. por seis adolescentes que desejavam engravidar, mas
não tinham planejado engravidar no momento;
3. por quatro adolescentes que não desejavam e nem
haviam planejado uma gravidez.
O número total de entrevistas (16), cujo teor foi alvo da
análise comparativa constante, foi determinado pela
saturação dos dados. Concomitantemente, foram feitas
entrevistas informais cujos dados foram utilizados tãosomente para a validação das categorias emergentes
da análise.
A primeira etapa do processo constou da transcrição
das entrevistas com a subsequente distribuição vertical
e sequencial dos discursos, o que permitiu o
procedimento da codificação aberta ou substantiva; a
segunda consistiu do agrupamento de códigos afins,
dando origem à categorização provisória. A terceira
consistiu na codificação nível II ou codificação teórica,
da qual emergiram as categorias que, analisadas
comparativamente, permitiram a identificação da
categoria central e a descrição do processo social básico.
Em atendimento ao disposto na Resolução nº 196/96
do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre
normas e procedimentos éticos em pesquisas
envolvendo seres humanos, o estudo foi submetido e
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUPE/
UERJ, sendo que todas as participantes foram
devidamente esclarecidas sobre a pesquisa e assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
A análise dos dados levou à construção de duas
categorias principais: Descobrindo-se grávida e Optando
pela gravidez.
Descobrindo-se grávida
O descobrir-se grávida apareceu nos discursos em três
diferentes dimensões que se constituíram em
subcategorias, as quais foram identificadas como
querendo e planejando a gravidez; querendo, mas não
planejando engravidar neste momento; e nem
querendo nem planejando, mas vivendo a gravidez.
Essas três dimensões são marcadas pela surpresa. Na
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 115-122, jan./mar., 2009
situação em que a gravidez foi desejada e planejada,
essa surpresa foi percebida como algo de que as
adolescentes gostaram:
É, não sei, eu fiquei surpreendida, mas aí fazer o quê?
Depois eu gostei da ideia.
Quando a gravidez não foi planejada, mesmo que
desejada, a surpresa foi marcadamente um susto para
as adolescentes, mas não as impediu a decisão de levar
a gravidez adiante:
Eu fiquei muito assustada no começo... Agora que eu
estou me acostumando [...].
Agora estou curtindo muito. No começo eu não tinha
me acostumado, fiquei muito assustada.
Ao mesmo tempo em que a adolescente se
surpreendeu com a gravidez, ela percebeu a reação
desfavorável de seus familiares e de seu grupo social
mais próximo, que a condenaram pelo fato de estar
grávida:
Ih, minha mãe deu princípio de enfarte e tudo... deu.
Ela me olhou assim assustada.
É... no começo ficaram muito assustados, dizendo:
Nossa! Mas você é muito nova.
eu sou nova, mas eu quero assim. Aí achei que estava
na hora!
Essa escolha veio com a convicção efetiva, mesmo
diante dos comentários ouvidos por parte de pessoas
do convívio social próximo, incitando-as a não tomar a
decisão pela manutenção da gravidez. Sendo uma
escolha pensada, não admitiram sequer a possibilidade
do aborto:
Foi uma escolha minha, né? Muita gente disse, não faz
isso, mas eu pensei... e eu penso: ‘Eu quero’! Escolha
minha porque eu fiquei grávida. Vou tirar uma
criança? Pensei nisso. Foi escolha minha mesmo.
Querendo engravidar, mas não planejando esta
gravidez
As entrevistadas disseram que gostariam de vivenciar
algo novo e diferente, o que lhes seria proporcionado
pela gravidez. Ao começarem a namorar, solicitaram à
mãe que as deixassem à vontade nessa procura pelo
“novo”. Por terem desejado, não se arrependiam.
Então quando eu comecei a namorar, engravidei. Eu
falei: ‘Ah mãe, me deixa à vontade’. Nunca que eu me
arrependi. Eu queria fazer uma coisa nova.
Não querendo engravidar nem planejando esta
gravidez
Querendo engravidar e planejando a gravidez
Essa subcategoria aponta que as adolescentes
engravidaram por escolha própria, optando por não
usar métodos contraceptivos. Para algumas
entrevistadas, o fato de já estarem morando com o
namorado constituiu fator preponderante para que
desejassem a gravidez. Assim, quando se decidiram pela
gravidez, abandonaram o uso de contraceptivos, de
comum acordo com o companheiro:
Eu resolvi ficar grávida porque eu já morava com o
rapaz. Antes eu já usava pílula, entendeu? Antes de
conhecer ele, eu usava, mas usava camisinha também.
Aí, depois eu conheci ele, teve um dia que nós não
usamos e resolvemos não usar mais.
Outras entrevistadas quiseram e escolheram engravidar,
apesar de se acharem jovens. Consideraram que o
momento era ideal, pois já haviam passado por diversas
experiências na vida, faltando apenas a concretização
de terem um filho:
Eu resolvi ter um filho agora. Era só o que faltava
porque, para mim, eu já fiz tudo o que eu tinha que
fazer… já vi tudo o que eu tinha que ver… Eu sei que
Na situação em que não queriam nem planejaram a
gravidez, mesmo tendo sido surpreendidas, as
adolescentes relataram que passaram a querer, apesar
da negação inicial:
Bom, quando eu recebi o meu primeiro, deu negativo:
maravilha! Não estava grávida e foi maravilhoso! Mas
no segundo exame deu positivo… Horrível… Eu olhei
assim… para o nome, para ver se era meu exame
mesmo… eu falei: ’Grávida! Não acredito!’ Chorei…
Eu não me conformei, mas hoje eu já estou até
conformada. Estou até querendo, né? Peguei até o
resultado, é menino!
Optando pela gravidez
A opção pela gravidez apareceu nos discursos,
fundamentalmente, a partir de duas experiências aqui
descritas como A descoberta do poder adquirido com a
gravidez e Experiência de autonomia advinda com a
gravidez.
Na categoria Optando pela gravidez observa-se que as
adolescentes descobrem o poder adquirido com a
gravidez e que percebem a aceitação do pai do bebê,
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117
Adolescência: uma análise da decisão pela gravidez
corroborando, assim, a decisão delas. Ao optarem pela
gravidez, as entrevistadas passaram a valorizar a família
e a mãe.
Não posso mais pensar só em mim, tenho que pensar
nela.
Relataram o sentido da responsabilidade, ao
procurarem aprender a cuidar do bebê que estava a
caminho; reconheceram a repercussão do fato no seu
cotidiano, advindo da gravidez e viam a si mesmas
acompanhando melhor o crescimento do filho por
serem jovens. Assim, essa experiência é relatada por elas
como uma experiência de autonomia.
Com a gravidez, a mudança na vida das adolescentes
acontece quando se veem prestes a ser mães e que,
portanto, devem deixar de ser crianças e passar a pensar
com mais responsabilidade. Agora, existe uma criança
em jogo, por isso entendem que devem começar a se
comportar como mulheres e como mães:
Ah, eu acho que sim, porque a partir de agora eu vou
ter que ter mais responsabilidade, entendeu? Tem uma
criança em jogo, e... pra mim mudou. Antes eu já não
tinha, era mais brincalhona e agora eu já tenho que
me comportar como mãe, entendeu? Eu acho que
mudou nesse sentido.
Descobrindo o poder adquirido com a gravidez
As adolescentes referem-se ao poder quando passam
a ter a própria casa e, por considerarem-se donas de
casa, têm o poder de decidir sobre as próprias coisas.
Com a gravidez, as adolescentes tomam para si o poder
sobre a própria vida. Sentem-se, finalmente, mulheres
capazes de tomadas de decisão efetivas e não querem
mais ser vistas como crianças na comunidade em que
vivem, mas como mulheres e mães:
Aí, a mãe dele fica em cima, né?, no apartamento de
cima, e a gente embaixo. Aí fica lá, eu dona de casa...
Ah, porque eu pensei dessa forma: a partir de agora
eu vou ser mãe, entendeu, então eu tenho que mudar
a forma de pensar, não pode pensar como uma
garotinha como era antes, entendeu? Pensar agora
como mulher, mãe de filho, entendeu?
Ah, porque eu pensei dessa forma, a partir de agora
eu vou ser mãe, entendeu, então eu tenho que mudar
a forma de pensar, não pode pensar como uma
garotinha como era antes, entendeu? Pensar agora
como mulher, mãe de filho, entendeu?
A responsabilidade perpassa pela recusa em realizarem
um aborto, assumindo a gravidez. Ao engravidarem,
alcançam um grau de amadurecimento que não tinham
antes, o que as fazem entender as pessoas mais velhas.
Reforçam para si a ideia de que o filho é delas,
reconhecendo o aumento das responsabilidades na
vida delas:
Experimentando a autonomia advinda com a
gravidez
Se aconteceu é porque Deus quer. Eu não posso tirar
uma coisa que Deus quer. Então eu vou ter esse neném,
nem que eu tenha que passar por cima de todo mundo
ou que minha mãe não aceite. Mas eu vou ter porque
é meu, né? Eu já estou gostando desde já, imagine
depois!
Os relatos das adolescentes apontaram para o fato de
que com a gravidez experimentaram a ideia de
autonomia, marcada ou sentida quando elas
apreenderam o sentido da responsabilidade, quando
reconheceram a repercussão no cotidiano e mesmo assim
decidiram pela gravidez, e também quando, por
consequência, buscaram aprender a cuidar do bebê.
Estou conquistando um pouquinho de juízo, que eu
não tinha. Eu estou ficando uma pessoa mais
responsável, que eu era muito assim desligada, sabe?
Mas também... é, bastante coisa, sabe? Eu estou
começando a entender a cabeça das pessoas mais
velhas…
Aprendendo o sentido da responsabilidade
As adolescentes referem que com a gravidez estão
aprendendo a encarar a realidade e que na vida delas,
agora, vai existir o filho que está a caminho. Dessa forma,
as atividades que antes eram praticadas apenas para si
mesmas, como os afazeres domésticos, estarão sendo
realizadas em prol dos seus filhos e, assim, a
responsabilidade agora será dobrada:
Ah, está sendo legal, né? Assim, eu estou aprendendo
muito, assim... A realidade da vida, que não é uma
brincadeira, que é dois... que tudo... assim, o que eu
tenho que fazer pra mim eu tenho que fazer pra ele
[...] tudo assim, uma responsabilidade em dobro...
Reconhecendo a repercussão no cotidiano
Quanto à escola, as adolescentes dizem que pararam de
estudar pelo incômodo que sentiam quando as pessoas
as olhavam muito por estarem grávidas, apesar do apelo
de suas mães para que não parassem. Apesar da
interrupção dos estudos, elas relatam que é momentânea
e que retornarão, pois vão se virar para que haja essa
continuidade, fazendo planos para essa volta de acordo
com a data do nascimento do filho:
Ah, agora para mim é tudo na minha vida, né? Tudo o
que eu fizer agora, eu tenho que pensar nela (filha)...
118
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 115-122, jan./mar., 2009
Eu só parei de estudar, porque o pessoal fica olhando
assim... e incomoda... Sei lá, eu sou muito tímida, aí as
pessoas ficavam assim me olhando... Eu falei assim:
‘Ah não, mãe, eu vou parar de estudar’. Não sei o que...
eu falei assim, mãe, ano que vem eu continuo a
estudar.
Estudo. Estudo sim, mais ou menos, assim, resolvi sair
porque eu tava me sentindo muito mal nessa escola,
não tava aguentando estudar ali, minha mãe ficou
insistindo pra mim não parar, pra mim não parar, mas
eu parei.
Aí depois eu vou me virar, né? Vou me virar sozinha e
eu vou continuar estudando...
Eu vou ter em dezembro, as aulas só começam por
volta de fevereiro, março, aí já dá pra mim ir pra escola.
Ao comentarem sobre as críticas que ouviram, disseram
que era muito chato ficar escutando sempre a mesma
opinião: a de que são muito novas, muito jovens, de
serem crianças tendo outras crianças:
É a mesma coisa, todo mundo fala a mesma coisa: ‘Ah
tá novinha’, que não sei o quê’ ’É muito jovem, criança,
vai ter outra criança’.,,
Ah, é chato, né?, ficar ouvindo a mesma coisa toda
hora da maioria das pessoas.
Aí uns falaram, algumas pessoas criticou, né?, porque
sempre tem aqueles pessoas que criticam, falam mal...
As principais mudanças relatadas pelas adolescentes
referem-se à vida social que tinham antes de engravidar,
como sair de casa para se divertirem, ir a baile, viajar.
Veem-se agora sem ânimo, com preguiça, pelo fato de
estarem perto de ganhar o bebê. Admitem que a vida
está diferente com a gravidez e, embora tenham
desejado, agora percebem que não poderão sair por
terem de ficar com o bebê por algum tempo, que terão
de crescer, adiando o sonho de terminar os estudos:
Eu saía bastante, agora eu não saio mais, me divertia
muito com as minhas amigas, viajava bastante
também, porque o meu irmão mora na região dos
lagos, e eu saía bastante. Hoje em dia, não. Ah, porque
eu não tenho mais pique pra sair, não consigo, a
preguiça não deixa, e também porque com o sétimo
não dá mais pra mim sair agora. Não tenho mais a
mesma vida que eu tinha antes porque já está perto
de eu ganhar, entendeu? Aí eu vou ficar saindo? Eu ia
muito pra baile, como é que eu vou pra baile?
Aprendendo a cuidar do bebê
As entrevistadas apresentaram a forma como
procuravam se apropriar de um saber, que é o cuidar
de um filho que ainda não fazia parte do cotidiano
delas. Para que isso acontecesse, buscavam esse
conhecimento com pessoas de idade próxima às delas,
trazendo a reflexão de que em pouco tempo estariam
com uma criança no colo.
Recordaram o que as mães lhes diziam que cuidar de
um bebê requer muita responsabilidade:
Bom, tem um colega meu lá, que ele também foi pai,
aí de vez em quando eu vou lá na casa dele, fico
olhando, pego... assim... mas... é muito mole, muito,
sei lá... é muito estranho.
Eu... eu não sei nem pegar numa criança... e eu vou ser
mãe!
A minha mãe fala: “C., você vai ter muita
responsabilidade, você que vai ter que cuidar”.
Integrando categorias
Após a descrição e a integração das categorias
identificadas e suas dimensões, foi possível a descoberta
da categoria central, aqui designada como a busca pela
autonomia e poder.
Assim, as adolescentes podem querer engravidar ou
engravidam fortuitamente. Essa gravidez pode resultar
da vontade delas, estando ou não associada ao que
planejaram. Nessas circunstâncias, descobrir-se grávida
causa impactos que se desdobram no cotidiano,
ressaltando a surpresa das próprias adolescentes e das
pessoas com quem elas convivem. Isso implica uma
decisão que deve ser tomada imediatamente. E a
decisão é pela gravidez.
Optar pela gravidez, portanto, envolve influências e
consequências para as adolescentes. A primeira
consequência referida foi a descoberta do poder que
obtêm com a gravidez. Poder sobre a vida, sobre as
coisas delas e sobre o filho.
A opção pela gravidez fez com que as adolescentes
apreendessem o sentido da responsabilidade,
reconhecessem a repercussão no cotidiano e
procurassem aprender a cuidar do bebê, o que denota
busca pela autonomia.
Esta síntese integrativa está representada na FIG. 1:
Eu quis, mas agora tá diferente, né? Eu fico pensando
que eu não vou poder mais sair, que minha mãe não
vai poder ficar! Quem vai ficar? Quem vai ficar? Vai ter
que ser eu mesma. Estudar, nem pensar, então eu vou
crescer. Porque eu tava querendo estudar, sabe? Fiquei
arrependida porque eu já tava na oitava série... Meu
sonho era terminar pelo menos o primeiro grau, mas
aí resolvi parar e agora eu tô arrependida, eu queria
estudar, né? E não posso...
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119
Adolescência: uma análise da decisão pela gravidez
FIGURA 1 – Esquema representativo do processo social Buscando autonomia e poder: a decisão da adolescente pela gravidez. Rio de Janeiro, 2006.
DISCUSSÃO
Como preâmbulo, reforçamos a ideia de que a gravidez,
quando na adolescência, é entendida como um evento
que acontece em um período de transição e de
transformações físicas e biológicas inerentes à idade.
Por período de transição entende-se, aqui, o deixar de
ser criança sem ainda ser visto como um adulto. A
adolescente está no meio desse caminho e à procura
da identidade dela.4
A gravidez na adolescência é referida como um
fenômeno que não surge isoladamente, mas está, sim,
relacionada a componentes sociais, familiares e pessoais
pela vivência de relações com os pais e companheiros.3
Existe, nesse processo, a transição desenvolvimental e
a situacional. Na transição desenvolvimental, a
adolescente grávida ainda não compreende
nitidamente as modificações e alterações acarretadas
com a gravidez, mas adquire, de forma não previsível
ou determinada, mudanças em seu modo de ser e estarno-mundo, em seus relacionamentos com-os-outros
e nos novos papéis. Ainda segundo a autora, há uma
simultaneidade entre as transições desenvolvimental
e a situacional, pois ao mesmo tempo em que a
120
gravidez, nessa fase adolescente, impõe sentimentos
e comportamentos ambivalentes, como o associado
ao abandono dos estudos, há por par te da
adolescente a sensibilização e o prazer por estar
gerando outro ser.
Assim, podemos perceber que os dois papéis, antes
distintos, se fundem num só: a dependência infantil é
substituída pela autonomia, o que, sem a gravidez, só
seria possível na fase adulta. Ao mesmo tempo, pela
responsabilidade advinda com a gravidez, essa mulher
deixa de se sentir uma adolescente, embora continue
sendo adolescente. Do ponto de vista da Interação
Simbólica, é nesse momento que a adolescente redefine
para si os objetos sociais presentes na situação e o
próprio papel nessa situação.9-10 Com isso, permite-se
adotar uma nova estratégia e ação social: a busca pela
autonomia e pelo poder.
No campo da bioética, a defesa e o respeito à autonomia
constituem ponto-chave. O princípio da autonomia nas
relações humanas é passível de ocorrer, se houver
liberdade de opção diante de um conflito.11 Desse
modo, quando optam pela gravidez, as adolescentes
estão autodeterminando-se na questão bioética da
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 115-122, jan./mar., 2009
autonomia. Essa autodeterminação 11 pode ser
analisada, também, relacionada à questão reprodutiva.
A livre escolha pela maternidade configura-se entre os
direitos humanos concernentes aos interesses da saúde
reprodutiva e sexual.12
Por outro lado, tomando por princípio que a bioética
tem a autonomia como um de seus princípios
fundamentais, a decisão pela gravidez e pela
maternidade, embora represente autonomia de
comportamento para as adolescentes, ainda as mantém
dependentes em relação à família. 13-14 Há que se
considerar, ainda, a possibilidade de que, além do
choque pela notícia, impotência quanto à prevenção
da gravidez, conformismo, alegria e melhora no
relacionamento familiar pela chegada do bebê, haja
frustração, dada a interrupção/mudança no projeto de
vida familiar em relação à adolescente sem um
relacionamento estável com o pai da criança. Assim, ao
experimentarem a autonomia pela própria opção que
tiveram, iniciam um processo de tomada de decisões
como alternativa à repercussão que reconhecem no
cotidiano delas. Aprendem, também, o sentido da
responsabilidade, já que agora querem ser
reconhecidas como mães e mulheres, e não como
crianças.
Passando à percepção de que algumas situações lhes
conferem poder, fica evidente que, na fase da
adolescência, a gravidez reforça a definição da
identidade feminina e da divisão de papéis sexuais.15 A
identidade feminina reforça, assim, o “ser” mulher na
comunidade, e adolescente passa a ser vista como
esposa ou mãe. E é nessas condições – esposa e mãe –
que se percebe detentora de poderes.
Da mesma forma, ao experienciar a autonomia, as
adolescentes se dão conta do poder adquirido com a
gravidez. A gravidez faz com que se sintam poderosas.6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com as discussões e interpretações do estudo teve-se
como objetivo analisar a decisão das adolescentes pela
gravidez com base no significado que elas atribuíram
ao fenômeno da vida delas à luz dos direitos
reprodutivos e da bioética.
Levando em conta a percepção das adolescentes
quando da não valorização do que pensam a respeito
delas as pessoas que fazem ou não parte da família e
do grupo de amigos, quando engravidam, observouse, no estudo, que elas querem ser reconhecidas, com
a gravidez, como seres humanos responsáveis por seus
atos e decisões. O impacto causado pela gravidez, que
pode ser considerado pela sociedade como negativo
quando ocorre na adolescência, deve ser revisto em sua
essência pelos profissionais da saúde em relação ao
atendimento e entendimento dessas nuanças por que
passam. Os profissionais devem reconsiderar o préjulgamento de que a gravidez na adolescência é,
sempre, um problema para quem a vivencia.
O aumento da taxa de adolescentes grávidas
identificado nas pesquisas nacionais pode denotar a
procura dessas pela autonomia e poder. Cabe, dessa
forma, um aprofundamento desse aumento em
pesquisas mais abrangentes, com a abordagem dos
direitos reprodutivos e da bioética como referenciais.
O processo decisório da adolescente pela gravidez tem
o significado de uma busca por autonomia e poder, no
qual elas procuram o fortalecimento delas e o
reconhecimento social da decisão que tomaram. Mas,
para que isso aconteça, há que se ter profissionais
treinados e cientes do que representam os direitos
reprodutivos e a bioética nas relações, quando em
atendimento a esse segmento, e que sejam sensíveis
no cuidado que lhes será dispensado.
A gravidez na adolescência, com o olhar voltado para
os direitos reprodutivos e para a bioética, mostrou que
as adolescentes não se tornaram adultas pelo fato de
serem mães ou de terem optado pela gravidez, mas que,
mesmo continuando adolescentes, adquiriram poder
e autonomia, condições só pensadas anteriormente
para as pessoas adultas. Elas são adolescentes,
continuam adolescentes, mas conquistaram autonomia
e poder.
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Data de submissão: 22/8/2007
Data de aprovação: 29/5/2009
122
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 115-122, jan./mar., 2009
ACIDENTES COM MATERIAL BIOLÓGICO: A REALIDADE DE UMA INSTITUIÇÃO
HOSPITALAR DO INTERIOR PAULISTA*
ACCIDENTS INVOLVING BIOLOGICAL MATERIAL: THE REALITY OF A HOSPITAL IN INNER SÃO PAULO STATE
ACCIDENTES CON MATERIAL BIOLÓGICO: LA REALIDAD DE UNA INSTITUCIÓN HOSPITALARIA DEL
INTERIOR DEL ESTADO DE SÃO PAULO
Maristela Aparecida Magri Magagnini1
Jairo Aparecido Ayres2
RESUMO
Com este estudo, teve-se como objetivos caracterizar os profissionais da equipe de enfermagem que sofreram acidentes
com material biológico no período de 2001 a 2006 e verificar a ocorrência de soroconversão pelos vírus da hepatite B e C
e HIV por meio de exames comprobatórios. Trata-se de um estudo exploratório e descritivo de caráter retrospectivo, com
abordagem quantitativa. No período estudado, ocorreram 87 acidentes com material biológico entre os profissionais da
equipe de enfermagem. Verificou-se a maior ocorrência de acidentes em 2003, 2005 e 2006, nas unidades de clínica
médico-cirúrgica e pronto-socorro. Quanto ao sexo, o feminino foi o predominante, mas, com relação aos acidentes
proporcionalmente ao número total de trabalhadores na instituição, o masculino destacou-se. A lesão percutânea
envolvendo o sangue predominou nos acidentes. Em relação aos EPIs, a maioria dos profissionais faziam uso no momento
da exposição. Das 87 exposições, ocorreram oito acidentes com pacientes, comprovados para hepatite B e C e HIV. Após o
seguimento por meio de exames laboratoriais, não houve soroconversão dos acometidos. Essa realidade permitiu sugerir
que intervenções sistemáticas devem ser incorporadas às políticas institucionais, o que poderá levar à maior adesão de
medidas preventivas existentes, assim como as inovações tecnológicas relacionadas a esse tipo de agravo, priorizando a
promoção da saúde no ambiente de trabalho, uma vez que se verificou que esse tipo de acidente causa prejuízos à vida do
acidentado e da instituição.
Palavras-chave: Enfermagem; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador.
ABSTRACT
This study aims to characterize the professionals of a nursing team who suffered accidents involving biological material
between 2001 and 2006, as well as to verify the occurrence of seroconversion for hepatitis-B, C and HIV through corroborative
tests. It is an exploratory and descriptive study with a quantitative approach. In the mentioned period, 87 accidents were
reported. Most accidents occurred in 2003, 2005 and 2006 at the clinical surgery and emergency units. Females were most
frequently victimized, and according to the proportional gender analysis of staff members, the number of victimized
males was noteworthy. Percutaneous lesions involving blood were predominant. Most professionals were using IPE at the
moment of exposure. Of the 87 exposure instances, eight accidents involving hepatitis B-, C- or HIV-positive patients
occurred. After follow-up with laboratory tests, no seroconversion was observed. The mentioned facts show that systematic
interventions should be incorporated to institutional policies in order to promote higher adherence to preventive measures
and technological innovations related to this type of aggravation. Since this kind of accident causes loss to the victimized
individuals, health promotion in the work environment should be considered a priority.
Key words: Nursing; Occupational Risks; Occupational Health.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio fue de caracterizar profesionales de equipos de enfermería que sufrieron accidentes con
material biológico entre 2001 y 2006 y verificar, mediante análisis comprobatorios, si hubo seroconversión por virus de
hepatitis B y C y VIH. Se trata de un estudio exploratorio descriptivo de carácter retrospectivo con enfoque cuantitativo. En
el período estudiado ocurrieron 87 accidentes con material biológico entre los profesionales del equipo de enfermería.
Hubo mayor incidencia de accidentes en 2003, 2005 y 2006, en las unidades de la Clínica Médico-Quirúrgica y Urgencias.
El sexo femenino fue el más afectado; por el análisis proporcional al número total de trabajadores se destacó el masculino.
Predominó la lesión percutánea en los accidentes con sangre. En el momento de la exposición la mayoría de los accidentados
estaba usando equipo de protección de accidentes. De las 87 exposiciones hubo ocho accidentes con pacientes
comprobados para hepatitis B y C y VIH. Tras el seguimiento, por medio de exámenes de laboratorio, se observó que no
hubo seroconversión de los afectados. Esta realidad permite sugerir que se incorporen intervenciones sistemáticas a las
políticas institucionales para lograr más adhesión de medidas preventivas existentes e innovaciones tecnológicas
relacionadas con este tipo de agravio. De esta forma, al verificar que estos accidentes perjudican tanto al individuo como
a la institución, la promoción de la salud en el ambiente de trabajo sería asunto prioritario.
Palabras clave: Enfermería; Riesgos Laborales; Salud Laboral.
*
1
2
Este estudo é parte da dissertação de mestrado intitulada Acidentes de trabalho com material biológico e o seu significado para os profissionais envolvidos,
defendida na Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP.
Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP.
Professor Doutor do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP.
Endereço para correspondência: Rua Terra Roxa nº 275, Parque Iracema, Catanduva-SP – CEP 15809 055. E-mail: [email protected].
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130,
115-122, jan./mar., 2009
123
Acidentes com material biológico: a realidade de uma instituição hospitalar do interior paulista
INTRODUÇÃO
A preocupação com os riscos de acidentes com material
biológico surgiu na década de 1980, a partir da
epidemia da HIV/AIDS, quando foram estabelecidas
normas para as questões de segurança no ambiente do
trabalho. Até aquela década, os profissionais da área da
saúde não eram considerados como categoria de risco
para acidentes de trabalho.1
O ambiente de trabalho na área de saúde oferece
múltiplos e variados riscos aos profissionais, tais como
os causados por agentes químicos, físicos, biológicos,
psicossociais e ergonômicos.2 Diante disso, constata-se
que o cenário hospitalar é ambiente complexo e
apresenta grau elevado de riscos ocupacionais para os
profissionais que ali atuam.
ocupacional dos vírus da hepatite C (HCV), da hepatite B
(HBV ) e do HIV, causador da Síndrome da
Imunodeficiência Humana Adquirida (AIDS).6
Muito embora a AIDS ocupacional seja um fato
concreto, seu risco de contaminação acidental após
exposição percutânea é de aproximadamente 0,3%,
enquanto a probabilidade de se adquirir hepatite B é
significativamente maior, podendo atingir até 40% dos
casos. Para o vírus da hepatite C, o risco varia entre 2%
e 18%.7
Essas doenças merecem uma atenção especial,
principalmente nos seus mecanismos de transmissão,
para que possam ser adotadas medidas que evitem a
contaminação, quando se trata de acidentes com
material perfurocortante.
O trabalho da equipe de enfermagem na instituição
hospitalar caracteriza-se pela prestação do cuidado nas
24 horas do dia, permitindo a continuidade da
assistência aos pacientes.3 Isso implica permanecer
grande parte da jornada de trabalho em contato direto
com o paciente, além de executar procedimentos que
apresentam graus variados de complexidade.4
Conforme estimativas da Organização Mundial de
Saúde (OMS), existem 325 milhões de portadores
crônicos da hepatite B e 170 milhões da hepatite C no
mundo. No Brasil, são cerca de 2 a 3 milhões. A maioria
das pessoas desconhece sua condição sorológica,
agravando ainda mais a cadeia de transmissão da
infecção.8
Dessa forma, verifica-se que há elevado grau de risco
ocupacional aos profissionais diretamente envolvidos
com a assistência, atribuído grandemente aos agentes
biológicos, os quais se encontram amplamente
distribuídos na estrutura de uma unidade de saúde.5
Com o advento da AIDS, porém, foram introduzidas e
intensificadas algumas medidas no ambiente hospitalar,
a fim de aumentar a proteção dos profissionais da área
da saúde e diminuir os riscos de contaminação
acidental. Essas medidas, antes conhecidas como
precauções universais 9 e hoje denominadas
“precauções-padrão” (PP), devem ser rigorosamente
utilizadas no atendimento aos pacientes.
Portanto, o perigo de contaminação por esses agentes
encontra-se nos materiais perfurocortantes, que se
encontram diretamente em contato com substâncias
contaminadas e podem facilmente provocar lesão na
pele de uma pessoa sadia.
Assim, os acidentes de trabalho com materiais
perfurocortantes, com o envolvimento dos profissionais
de enfermagem, representam um grave problema não
somente pela frequência com que ocorrem, mas
também pela grave repercussão na saúde desses
trabalhadores.3
A exposição dos trabalhadores de saúde aos fluidos
biológicos se deve, em parte, às formas de organização
do trabalho. Frequentemente, os trabalhadores de
saúde realizam trabalho em turnos, manipulam
instrumentos inseguros, bem como não utilizam
equipamento de proteção individual (EPI) adequado.
Assim, fica evidente que, apesar de as instituições de
saúde se constituírem como entidades que visam à
assistência, ao tratamento e à cura dos enfermos, elas
também podem ser responsáveis pelo adoecimento
dos profissionais da equipe de enfermagem.
Esses profissionais estão expostos aos riscos de infecções
veiculadas por sangue, ferimentos provocados por
agulhas, corte com objeto pontiagudo, contato com
mucosa, por descontinuidade da pele, com sangue e
outros fluidos corpóreos potencialmente infectados.1
Dentre os fluidos corporais, tem-se reconhecido que o
sangue é o mais importante veículo de transmissão
124
As Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) representam os dispositivos
legais orientadores da atenção em saúde ocupacional
no sistema público do País. Segundo a portaria
instituída pelo Ministério do Trabalho em 11 de
novembro de 2005, que estabeleceu a Norma
Regulamentadora (NR-32), sua finalidade é oferecer
diretrizes básicas para a implantação de medidas de
proteção à segurança dos trabalhadores em
estabelecimento de assistência à saúde, bem como
daqueles que exercem atividades de promoção e
assistência à saúde em geral.10
Embora haja um trabalho intensificado para que os
profissionais adotem essas normas como regra em suas
atividades, os acidentes ainda acontecem em número
considerável, causando alterações na vida dos
acidentados e elevados custos gerados com as medidas
profiláticas.
Atualmente, a grande problemática da exposição a
fluidos biológicos entre os trabalhadores de saúde
despertou o desenvolvimento de novas tecnologias e
de novos equipamentos com dispositivos de segurança
que dificultam a exposição biológica. No entanto, o que
se observa na realidade brasileira é a falta de aquisição
desse tipo de material, justificada pelo seu alto custo.11
Diante do tema apresentado, observa-se que acidentes
com material biológico configuram sério problema no
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130, jan./mar., 2009
ambiente hospitalar envolvendo a equipe de
enfermagem. Portanto, é necessária uma investigação
para detectar fatores que contribuem para a ocorrência
desse tipo de acidente. Além disso, é preciso identificar
meios que diminuam as ocorrências, contribuindo para
restringir os custos do atendimento profilático. Tratase de um tipo de acidente que pode acarretar um
trauma psicológico a esses profissionais pela
possibilidade de contaminação e de soroconversão.
Com este estudo, teve-se como objetivos caracterizar
os profissionais da equipe de enfermagem que sofreram
acidentes com material biológico no período entre 2001
e 2006 e verificar a ocorrência de soroconversão pelos
vírus das hepatites B e C e HIV, por meio de exames
comprobatórios.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de caráter exploratório, descritivo
e retrospectivo com abordagem quantitativa.
Campo de estudo – O estudo foi desenvolvido em uma
instituição hospitalar do interior paulista. Trata-se de um
hospital de grande porte e alta complexidade, com 244
leitos, dos quais 79,9% são destinados ao Sistema Único
de Saúde (SUS).
Sujeitos do estudo – Os sujeitos do estudo foram
profissionais da equipe de enfermagem envolvendo
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem,
acometidos por acidentes de trabalho com material
biológico, no período entre 2001 e 2006.
Coleta de dados – Os dados foram coletados da Ficha
de Notificação de Acidentes Biológicos com
Profissionais de Saúde (FNABPS). Essas fichas continham
dados relacionados à instituição, à identificação dos
acidentados e às características do acidente.
Procedimentos éticos – O projeto de pesquisa foi
encaminhado ao Comitê de Ética da Faculdade de
Medicina de Catanduva (FAMECA), o qual foi aprovado
e registrado sob o n° 48/06, em 27 de novembro de
2006.
Procedimentos para a análise dos dados – Os dados
referentes à caracterização dos acidentes foram
coletados durante os meses de março e abril de 2007,
utilizando informações de interesse contidas na
FNABPS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observou-se que dos 87 acidentes com material
biológico ocorridos no período entre 2001 e 2006, o
maior número se deu em 2003, 2005 e 2006, com
redução em 2004. Em 2001 e 2002, não houve variação
no número de notificações de acidentes com material
biológico, o que pode estar associado à subnotificação.
Por outro lado, em 2003, 2005 e 2006 houve aumento
considerável no número de notificações, podendo
inferir que houve maior conscientização da importância
desse ato. A notificação do acidente torna-se
importante para planejar estratégias preventivas, além
de assegurar ao trabalhador o direito de receber
avaliação médica especializada, tratamento adequado
e benefícios trabalhistas.2
Em relação à unidade a frequência dos acidentes, foi
maior nas unidades de clínica médico-cirúrgica (31,0%),
pronto-socorro (21,0%) e clínica pediátrica (9,2%). Em
hospitais da região de Ribeirão Preto-SP, constatou-se,
também, que 30% dos acidentes com profissionais de
enfermagem ocorreram nas unidades de clínica
médico-cirúrgica,6 dados semelhantes aos encontrados
na pesquisa. Por outro lado, o pronto-socorro é uma
unidade hospitalar em que se trabalha com o
inesperado. A maior exposição do profissional de
enfermagem se dá em situações de emergência e na
assistência a pacientes críticos, pois as unidades de
emergência, pelas suas especificidades e sobrecarga de
trabalho, contribuem, em grande parte, para o aumento
desse tipo de exposição.3
A maioria dos acidentes (71,2%) ocorreu com
trabalhadores do sexo feminino e apenas 28,7% com o
masculino. Dados da literatura analisada demonstram
que as mulheres têm sido acometidas em maior número
de acidentes. A explicação dessa ocorrência está
associada ao fato de o número de mulheres ser
consideravelmente maior nas instituições de saúde.4 E
não é diferente na enfermagem, que é marcada por
conteúdos fortemente ideológicos, atribuindo à mulher
uma aptidão maior ao cuidado.4 A média no período
estudado foi de 318 funcionários, sendo 264 do sexo
feminino e 54 do masculino. Ao se analisar a frequência
de acidentes segundo sexo, o masculino foi o que mais
se acidentou: 46,30% contra 23,50% do feminino.
Quanto ao número total de trabalhadores, o sexo
masculino se acidentou mais que o feminino.12
Segundo a categoria profissional, foram acidentados 51
(58,6%) auxiliares de enfermagem, 28 (32,2%) técnicos
de enfermagem e 8 (9,2%) enfermeiros. De acordo com
alguns autores, essa maior ocorrência de acidentes com
auxiliares de enfermagem deve-se ao fato de que esse
profissional acaba assumindo grande parte dos
cuidados diretos e também por representar maior
número nessa categoria profissional.3,13
Quanto ao material biológico envolvido, o sangue
contribuiu em 80,5% (70) e o sangue com fluido em
19,5% (17). O trabalho da enfermagem tem relação
direta com o cuidado ao paciente, com procedimentos
invasivos que, em sua maioria, envolvem sangue e
fluidos orgânicos.14
Em relação ao tipo de exposição, a lesão percutânea foi
a que predominou nos acidentes (82,8%), seguida do
envolvimento de mucosas por meio de exposição a
fluidos (16,0%), distribuído da seguinte forma: ocular
(12,6%), oral (2,3%), nasal (1,1%) e pele íntegra (1,1%),
conforme demonstra a TAB. 1.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130, jan./mar., 2009
125
Acidentes com material biológico: a realidade de uma instituição hospitalar do interior paulista
TABELA 1 – Distribuição numérica e percentual dos
acidentes com material biológico segundo o tipo de
exposição – 2001-2006
Tipo de exposição
Nº
%
Percutânea
72
82,8
Mucosa ocular
11
12,6
Mucosa oral
2
2,3
Mucosa nasal
1
1,1
Pele íntegra
1
1,1
87
100,0
Total
Segundo o Ministério da Saúde (MS), as exposições
percutâneas são lesões provocadas por instrumentos
perfurantes e/ou cortantes.15 Os acidentes de trabalho
ocasionados por material perfurocortante entre
profissionais da equipe de enfermagem são frequentes
em decorrência da manipulação de agulhas, lâminas e
objetos que perfuram e cortam.6,16 Isso se deve ao
grande número de procedimentos invasivos executados
pelo pessoal de enfermagem em suas atividades.
Quanto aos dados referentes ao agente causador dos
acidentes, como demonstrado na TAB. 2, verificou-se
maior porcentagem envolvendo agulha com lúmen
(67,8%). Quanto à exposição de mucosa e pele íntegra
a fluidos com sangue, foram 17,2% e outros, como
vidraria, lâmina de bisturi e agulha sem lúmen, 15%.
TABELA 2 – Distribuição numérica e percentual dos
acidentes com material biológico segundo o agente
causador – 2001-2006
Agente causador
Nº
%
Agulha com lúmen
59
67,8
Exposição a fluidos
15
17,2
Outros (vidraria, lâmina
bisturi, agulha sem lúmen)
13
15,0
Total
87
100,0
As agulhas são os instrumentos que mais contribuem
para os acidentes percutâneos.10 O hospital em estudo
está se adequando à NR-32. A finalidade dessa norma é
estabelecer as diretrizes básicas para a implementação
de medidas de proteção à segurança e à saúde dos
trabalhadores dos serviços de saúde.10 Segundo essa
norma, deve ser assegurado ao trabalhador o uso de
materiais perfurocortantes com dispositivo de
segurança. A exposição a fluidos com sangue
acometendo mucosas e pele íntegra esteve presente
126
em 15 (17,2%) dos acidentes. Evidencia-se, na literatura,
que a face e as mucosas, tanto oculares quanto orais,
são as mais atingidas nesse tipo de acidente com
material biológico.1,14 Os estudos sobre a exposição
ocupacional aos fluidos biológicos por respingos em
mucosas mostram o grave comprometimento com a
saúde do trabalhador, evidenciando a possibilidade de
soroconversão tanto para hepatite B quanto para vírus
da AIDS.1
Quanto ao uso de EPI, 66 (75,9%) dos profissionais
acidentados utilizavam-no e 21 (1) não o faziam. Pelos
dados da TAB. 3, as luvas são os equipamentos mais
utilizados nos procedimentos realizados por esses
profissionais.
TABELA 3 – Distribuição numérica e percentual dos
acidentes com material biológico segundo a utilização
de equipamento de proteção individual (EPI)
EPI
Sim
%
Não
%
Luvas procedimento
63
72,4
24
27,6
Avental
8
9,2
79
90,8
Óculos
4
4,6
83
95,4
Máscara
6
6,9
81
93,1
EPI é todo dispositivo de uso individual destinado a
proteger a integridade física do trabalhador, incluindo
luvas, protetores oculares ou faciais, protetores
respiratórios, aventais e proteção para os membros
inferiores.17 Os empregadores são obrigados a fornecer
os EPIs adequados ao risco a que o profissional está
exposto. A adequação desses equipamentos deve levar
em consideração não somente a eficiência necessária
para o controle do risco da exposição, mas também o
conforto oferecido ao profissional.10 Pelos resultados
encontrados na pesquisa, constatou-se que 75,9% dos
acidentados estavam usando o EPI no momento do
acidente; desses, alguns utilizavam mais de um
equipamento, sendo que 72,4% dos trabalhadores
acidentados utilizavam luvas de procedimentos. O uso
de EPI não evita acidentes e, embora venha a se
constituir barreira protetora para o trabalhador, não
reduz efetivamente o risco de exposição ocupacional,
apesar de ajudar a diminuir a exposição do trabalhador
ao risco.4
Segundo as circunstâncias do acidente com lesão
percutânea envolvendo material perfurocortante, 18
(24,7%) ocorreram na administração de medicamento
endovenoso, 12 (16,5%) na punção venosa para coleta
de sangue, 12 (16,5%) no descarte inadequado de
material e 42,26% estão relacionados a outras
atividades.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130, jan./mar., 2009
TABELA 4 – Distribuição numérica e percentual dos
acidentes com material biológico que causaram
lesão percutânea segundo as circunstâncias em que
ocorreram – 2001-2006
Acidentes percutâneos
Nº
%
Administração de medicação endovenosa
18
24.7
Coleta de sangue periférico
12
16.5
Descarte inadequado de material
12
16.5
Retirada de acesso venoso periférico
7
9.60
Quebra na oclusão de frasco de vidro
5
6.70
Realização de glicemia capilar
3
4.10
Devolvendo material contaminado para CME
3
4.10
Manipulação de caixa de descarte
2
2.80
Administração de medicamento intramuscular
1
1.36
Auxílio na anestesia
1
1.36
Auxiliando na punção venosa
1
1.36
Auxílio inserção de cateter central
1
1.36
Coleta de sangue arterial
1
1.36
Manipulação de lâmina de bisturi
1
1.36
Manipulação de pinça Bakaus
1
1.36
Retirada da lâmina da faca de Blair
1
1.36
Descarte de escalpe
1
1.36
Perfuração de caixa de descarte
1
1.36
Transporte de agulha em bandeja
1
1.36
Total
73
100
de trabalho são de competência dos profissionais da
equipe de enfermagem, e em todas havia o risco de
exposição ao material biológico, principalmente o
sangue.
O material perfurocortante está presente em grande
parte das atividades assistenciais que o profissional de
enfermagem desempenha, sejam as de sua
competência, como também ao auxiliar outros
profissionais de saúde.
Nos acidentes envolvendo o procedimento de
administração de medicamento por via endovenosa, o
profissional de enfermagem está exposto ao material
perfurocortante, pois este, na maioria das vezes, pode
conter sangue, dado o acesso venoso, tornando esse
tipo de ocorrência extremamente preocupante.
Dados encontrados na literatura demonstram que a
maioria dos acidentes envolvendo a equipe de
enfermagem ocorreu quando o profissional estava
administrando medicamentos.13
Dos 15 acidentes ocorridos com a equipe de
enfermagem envolvendo material biológico com
exposição de mucosas e pele íntegra, em quatro
dessas exposições o profissional estava manipulando
material perfurocortante na troca de dispositivo
venoso e transferência de sangue para tubo de ensaio
de vidro. Nessas situações, não ocorreu lesão
percutânea, mas respingos de fluidos na face do
profissional, atingindo as mucosas. Nos demais
procedimentos realizados, como banho, cateterismo
vesical, dentre outros, não houve envolvimento de
material que perfura ou corta.
Pelos dados da TAB. 4, das 73 circunstâncias em que
ocorreram os acidentes neste estudo, observa-se que a
lesão percutânea foi a mais frequente, com 18 casos
(24,7%) envolvendo a administração de medicamentos
por via endovenosa. As demais lesões foram
ocasionadas durante a coleta de sangue periférico 12
(16,5%) e o mesmo percentual foi atribuído ao descarte
inadequado de material perfurocortante. Por esses
resultados, verifica-se que o número de acidentes com
essa atividade é relativamente alto. Assim, torna-se mais
preocupante, ainda, dado o risco de transmissão de
infecção, uma vez que os acidentes com agulha são
responsáveis por 80% a 90% das transmissões de
doenças infecciosas, como as hepatites B e C e o HIV,
entre profissionais de enfermagem. Conforme dados
estatísticos do CDC, a taxa de infecção por meio de
acidentes perfurocortantes com participação de
agulhas está em torno de 6% a 30% para o vírus da
hepatite B, 1,8% a 3% para a hepatite C e 0,3% para o
HIV.18 As atividades exercidas no momento do acidente
Esse fato é relevante, pois comprova que os profissionais
da equipe de enfermagem, ao realizarem
procedimentos que tenham possibilidade de contato
com fluidos corporais, devem utilizar os EPIs. Esses
equipamentos têm a finalidade de reduzir e até de
eliminar a exposição dos trabalhadores da equipe de
enfermagem aos agentes biológicos ocasionada por
respingos.4
Dos 87 acidentes de trabalho com a equipe de
enfermagem envolvendo material biológico, 8
pacientes eram portadores de patologias como HIV,
hepatite B e C, conforme demonstra o QUADRO 1.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130, jan./mar., 2009
127
Acidentes com material biológico: a realidade de uma instituição hospitalar do interior paulista
QUADRO 1 – Características de oito acidentes e situação do paciente fonte em relação ao HIV, Hepatite B e C
Ano
Setor
S
CP
PR
TE
EPI
MB
AC
HIV
HBV
HCV
2003
PS
M
TE
P1
P
Não
S
AL
+
-
+
2003
CMC
M
AE
P2
P
Sim
S
AL
+
-
-
2003
CTIA
F
TE
P3
M
Sim
FS
RF
-
-
+
2004
CTN
F
TE
P4
P
Sim
S
AL
+
-
-
2004
CTII
F
AE
P5
P
Sim
S
AL
+
-
-
2005
CMC
F
E
P6
M
Não
FS
RF
+
-
-
2005
CMC
M
AE
P1
P
Sim
FS
AL
-
+
-
2006
PS
M
TE
P7
P
Sim
S
V
+
-
-
S = Sexo
CP = Categoria profissional
PR = Procedimento realizado: P1 – Administração de medicamento endovenoso; P2 – Transporte de agulha em bandeja; P3 – Troca de
dispositivo venoso; P4 – Punção venosa; P5 – Descarte inadequado de material; P6 – Higiene oral, P7 – Quebra na oclusão de frasco
de vidro
TE = Tipo exposição: P – Percutânea; M – Mucosa
MB = Material biológico: S – Sangue; FS – Fluido com sangue
AC = Agente causador: AL – Agulha com lúmen; RF – Respingo de fluídos; V – Vidraria
Em dois casos houve exposição de mucosa ocular,
sendo que um paciente era portador de hepatite C e
outro HIV. Os profissionais envolvidos nesses
acidentes não estavam fazendo uso de proteção
ocular. As luvas representam o equipamento mais
utilizado pelos profissionais de enfermagem durante
os procedimentos, assim como a máscara e o avental,
porém, o percentual com óculos de proteção é baixo.
Um dos motivos pelos quais os trabalhadores de
enfermagem não aderem ao uso dos óculos de proteção
pode estar associado à falta de hábito ou por alguns
usarem óculos de grau.19
Os outros seis acidentes foram causados por lesão
cutânea. Entre os pacientes, um era portador do HBV e
cinco eram portadores do HIV, sendo que um era
coinfectado com HIV e HCV.
O principal objetivo do uso de EPI é evitar a exposição
a sangue e outros fluidos corpóreos potencialmente
contaminados. É representativo o número de acidentes
com lesão percutânea em procedimentos com objetos
pontiagudos como agulha, escalpe e lanceta para
punção digital.19
Neste estudo, entre os acidentes com lesão percutânea,
um envolveu um paciente portador da hepatite C.
Quanto à hepatite C, não existe nenhuma medida
específica para a redução do risco de transmissão pósexposição ao vírus HCV. 6 Constatou-se que tem
aumentado o número de casos de hepatite C, portanto,
deve-se enfatizar a necessidade de medidas mais
eficazes de proteção, reforçando o uso de luvas e de
outras barreiras. As luvas protegem a pele do contato
com sangue e outros fluidos corporais, mas exige do
128
profissional maior atenção nos procedimentos que
utilizam instrumentos perfurocortantes.
Em relação à hepatite B, o trabalhador acidentado
encontrava-se com esquema completo de imunização
em relação a esse vírus. No Brasil, a vacina contra a
hepatite B, na década de 1980, era de difícil acesso e de
alto custo, portanto o esquema de imunoprofilaxia era
realizado por poucos. A partir da década de 1990, alguns
hospitais públicos começaram a oferecer a vacina para
trabalhadores das áreas críticas, 20 considerando-a
essencial para trabalhadores da saúde.
Outros estudos demonstraram a não adesão ao
esquema vacinal completo.11, 6 Em um deles, constatouse que 14,4% dos profissionais da equipe de
enfermagem não possuíam o esquema vacinal
completo para hepatite B. 11 Desse modo, ainda se
verifica que profissionais da área da saúde não veem a
importância dessa medida profilática.
Dos oito acidentes ocorridos, seis profissionais da
equipe de enfermagem se acidentaram com pacientes
portadores do HIV. O risco de transmissão ocupacional
do HIV é 0,3% para a exposição percutânea e 0,09% para
mucosas. 21 Desses, quatro funcionários foram
encaminhados para consulta com o médico
infectologista, submetidos a exames laboratoriais e
quimioprofilaxia antirretroviral. Um dos profissionais,
uma enfermeira, passou pela consulta, mas recusou a
quimioprofilaxia antirretroviral para HIV. Outro
funcionário não deu seguimento médico ao acidente,
recusando-se a ser atendido pelo médico infectologista,
e, portanto, não recebeu a quimioprofilaxia
antirretroviral para o HIV.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130, jan./mar., 2009
A não adesão ao fluxograma e à quimioprofilaxia
antirretroviral para o HIV talvez se justifique dada a
necessidade de locomoção para o atendimento, o que
acarreta mudanças na rotina diária, podendo ser esse
um fator para o não acompanhamento.22
Embora os acidentes percutâneos possuam um risco de
soroconversão para o HIV relativamente baixo (0,3%,) a
vulnerabilidade existe.6
Pelos dados obtidos, não foi constatado nenhum caso
de soroconversão pelos vírus HIV, hepatite B e C, nos
acidentes de trabalho envolvendo materiais
perfurocortantes e fluidos biológicos com profissionais
da equipe de enfermagem, na instituição hospitalar em
que o estudo foi realizado.
CONCLUSÃO
No período entre 2001 e 2006 ocorreram 87 acidentes
com material biológico entre os profissionais da equipe
de enfermagem. Observou-se que houve maior número
de registros em 2003, 2005 e 2006, provavelmente em
decorrências conscientização da importância da
notificação desse agravo. Entre as unidades
hospitalares, destacou-se em número maior de
acidentes a clínica médico-cirúrgica e o pronto-socorro,
dado o ritmo acelerado de trabalho.
Quanto ao sexo, o feminino foi o predominante, mas,
quando foram analisados os acidentes proporcionalmente
ao número total de trabalhadores na instituição,
verificou-se que o masculino foi o mais atingido. Em
relação à categoria profissional, os auxiliares de
enfermagem foram os que mais se acidentaram.
A lesão percutânea foi a que predominou, em
decorrência da administração de medicamentos por via
parenteral, da coleta de sangue periférico, do descarte
inadequado de material, da retirada de acesso venoso
e da realização de glicemia capilar, sendo o sangue o
material biológico de maior frequência nas exposições.
As agulhas com lúmen representaram a maioria como
agente causador dos acidentes, e os EPIs foram
utilizados pelos profissionais de enfermagem em
proporções consideráveis no momento do acidente.
Dos 87 acidentes, 8 ocorreram com pacientes
portadores de hepatite B e C, e HIV; nesses casos, diante
do acompanhamento dos profissionais acidentados e
de exames comprobatórios, não ocorreu soroconversão.
Os acidentes de trabalho envolvendo material biológico
constituem um sério problema para os estabelecimentos
de saúde, principalmente pela característica de trabalho;
contudo, vê-se uma possibilidade longínqua de solução.
Quando houver, porém, envolvimento tanto da equipe
técnica quanto da administrativa no processo de
atendimento à saúde, haverá soluções viáveis aos riscos
ocupacionais, o que permitirá maior segurança e
estabilidade de trabalho.
Essa realidade permitiu sugerir que intervenções
sistemáticas devem ser intensivamente adequadas às
políticas institucionais, o que poderá levar à maior
adesão de medidas preventivas existentes, assim como
a incorporação de inovações tecnológicas relacionadas
a esse tipo de agravo, priorizando a promoção da saúde
no ambiente de trabalho, uma vez que se verificou que
esse tipo de acidente causa prejuízos à vida do
acidentado e da instituição.
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Data de submissão: 18/8/2008
Data de aprovação: 29/06/2009
130
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 123-130, jan./mar., 2009
CORRELAÇÃO ENTRE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL, DISTRIBUIÇÃO DE
GORDURA E COMPOSIÇÃO CORPORAL EM FUNCIONÁRIOS DE UM HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE-MG*
CORRELATION BETWEEN BODY MASS INDEX, BODY FAT DISTRIBUTION AND BODY COMPOSITION AMONG
EMPLOYEES OF A UNIVERSITY HOSPITAL IN THE METROPOLITAN AREA OF BELO HORIZONTE-MG
CORRELACIÓN ENTRE EL ÍNDICE DE MASA CORPORAL, DISTRIBUCIÓN DE GRASA Y COMPOSICIÓN
CORPORAL EN EMPLEADOS DE UN HOSPITAL UNIVERSITARIO DE LA ZONA METROPOLITANA DE BELO
HORIZONTE-MG
Carolina Ribeiro Ferreira Duarte1
Lucila Pires Botelho1
Marcelo Souza Machado1
Aline Cristine Souza Lopes2
José Divino Lopes Filho3
Ann Kristine Jansen4
RESUMO
O objetivo com esta pesquisa foi avaliar a correlação entre o índice de massa corporal, a relação cintura-quadril, a
circunferência de cintura e o percentual de gordura em adultos. Trata-se de um estudo transversal, realizado em um
hospital da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em 2007, com adultos de idade entre 20 e 59 anos,
funcionários técnico-administrativos. Foram aferidos peso, altura, circunferência de cintura, quadril, braço e dobras
cutâneas. Com base nessas medidas, foram calculados o índice de massa corporal, a relação cintura-quadril, o
percentual de gordura e a área muscular do braço. A análise estatística foi feita com base no programa SPSS v.12.0.
Foram realizados testes de Qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher, com o nível de 5% de significância. Dos
indivíduos avaliados (n=193), 66,3 % eram do sexo feminino, com média etária de 34,0 ± 8,4 anos. O índice de massa
corporal médio encontrado foi igual em ambos os sexos, correspondendo a 26,4 kg/m². Verificou-se que a relação
cintura-quadril e o percentual de gordura tiveram coeficientes de menor magnitude com o índice de massa corporal
(r=0,413 e r=0,502, respectivamente) quando comparada à circunferência de cintura (r=0,88). Comparando-se os
indicadores de distribuição de gordura, percebeu-se que, para ambos os sexos, a circunferência de cintura foi o
melhor indicador de excesso de peso.
Palavras-chave: Antropometria; Índice de Massa Corporal; Gordura Abdominal; Composição Corporal; Adulto.
ABSTRACT
The aim of this study is to evaluate the correlation between body mass index, waist to hip ratio, waist circumference
and fat percentage in adults.This is cross-sectional study which was performed in a hospital in the metropolitan
area of Belo Horizonte. During 2007, 193 adults from technical and administrative staff aged 20 to 59 years were
evaluated. We first measured weight, height, waist, hip and neck circumferences and skin folds and then calculated
the body mass index, the waist to hip ratio, the fat percentage and the muscle area of the arm. Statistical analysis
was performed using SPSS v.12.0 program. Pearson’s chi-square test and Fisher exact test were applied considering
a 5% significance level. From a total of 193 patients evaluated, 66.3% were female. The mean age was 34.0 ± 8.4
years. The body mass index average was similar in both sexes, corresponding to 26.4 kg / m². The waist to hip ratio
and the fat percentage had lower coefficients of magnitude with body mass index (r = 0413 r = 0502, respectively)
when compared to the waist circumference (r = 0.88).After comparing the indicators of fat distribution, we noticed
that the measure of the waist circumference is the best indicator of excessive weight in both sexes.
Key words: Anthropometry; Body Mass Index; Abdominal Fat; Body Composition; Adult.
*
1
1
1
2
3
4
Projeto Financiado pelo Programa de Auxilio à Pesquisa de Doutores Recém-Contratados, Pró-Reitoria de Pesquisa / UFMG, Edital número 02/2007.
Graduanda em nutrição – UFMG.
Graduanda em nutrição – UFMG.
Graduando em nutrição – UFMG.
Nutricionista. Professora adjunta da Escola de Enfermagem, Departamento Materno-Infantil, UFMG. Doutora em Epidemiologia.
Nutricionista. Professor adjunto da Escola de Enfermagem, Departamento Materno-Infantil, UFMG. Doutor em Saúde Pública.
Nutricionista. Professora adjunta Escola de Enfermagem, Departamento Enfermagem Básica, UFMG. Doutora em Ciências.
Endereço correspondência: Carolina Ribeiro Ferreira Duarte: Av. Bernardo Vasconcelos nº 2600, apto. 203, bairro Ipiranga, CEP: 31160-440.
E-mail: [email protected].
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138,
123-130, jan./mar., 2009
131
Correlação entre índice de massa corporal, distribuição de gordura e composição corporal em funcionários de um hospital universitário...
RESUMEN
Evaluar la correlación entre el índice de masa corporal, cintura-cadera, circunferencia de cintura y porcentaje de
grasa en adultos. Se trata de un estudio transversal realizado en un hospital de la zona metropolitana de Belo Horizonte
en 2007 con adultos de 20 a 59 años, personal técnico y administrativo. Se midió peso, talla, circunferencia de cintura,
cadera y cuello y pliegues cutáneos. A partir de allí se calculó el índice de masa corporal, cintura-cadera, porcentaje
de grasa y área muscular del brazo. El análisis estadístico se realizó con el programa SPSS v.12.0. Se llevaron a cabo
las pruebas chi-cuadrado de Pearson y exacta de Fisher con nivel de significación del 5%. El 66,3% (n = 193) de los
individuos evaluados eran mujeres, edad promedio de 34,0 ± 8,4 años. El índice promedio de masa corporal fue el
mismo para los dos sexos, es decir, 26,4 kg / m². Se constató que en la relación cintura-cadera y en el porcentaje de
grasa había un coeficiente de menor magnitud con el índice de masa corporal (r = 0,413 r = 0,502, respectivamente)
en comparación con la circunferencia de la cintura (r = 0,88).Comparando los indicadores de distribución de grasa
se observa que, para ambos sexos, la circunferencia de la cintura es el mejor indicador del exceso de peso.
Palabras clave: Antropometría; Índice de Masa Corporal; Grasa Abdominal; Composición Corporal; Adultos.
INTRODUÇÃO
A jornada dupla de trabalho e o esquema de plantões,
comuns entre os trabalhadores da área da saúde,
influenciam a alimentação e atividade física, assim como
outros hábitos de vida relacionados à saúde dos
indivíduos.¹ O estabelecimento de estilos de vida
inadequados pode favorecer o desenvolvimento de
doenças crônicas não transmissíveis,¹ dentre elas a
obesidade e suas comorbidades, que podem estar
presentes até mesmo em indivíduos aparentemente
saudáveis.2
A obesidade é uma doença crônica de elevada
prevalência em todo o mundo. Ela é atribuída,
principalmente, às mudanças nos hábitos alimentares
e de atividade física da população. 3 Segundo a
Pesquisa de Orçamento Familiar, a prevalência (20022003) de obesidade da população brasileira é de
11,1%, enquanto a de sobrepeso é de 29,5%.
Estratificando-se por sexo, percebe-se que a
prevalência de obesidade é maior nas mulheres,
enquanto a de sobrepeso é maior nos homens.4 Em
Belo Horizonte-MG, de acordo com o sistema de
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças
Crônicas por Inquérito Telefônico 2006 (Vigitel), a
prevalência de sobrepeso é de 28,4%, tendendo maior
frequência entre os homens, enquanto a de obesidade
é de 8,7%, sem apresentar tendências claras de
frequência mais elevada no sexo masculino.5
Para a avaliação da obesidade, o indicador
antropométrico mais utilizado é o índice de massa
corporal (IMC), sendo também um preditor de
morbidade e mortalidade para diversas doenças
crônicas relacionadas ao excesso de peso. No entanto,
resultados controversos relacionando o IMC com risco
cardiovascular têm sido encontrados, já que no IMC não
se avalia a localização da gordura nem se discrimina o
tecido adiposo da massa muscular.6,7
A circunferência de cintura é outro indicador
antropométrico amplamente utilizado em estudos
epidemiológicos, pois é de fácil aferição, baixo custo,
132
além de ser considerado o melhor indicador da massa
adiposa visceral, estando, dessa forma, fortemente
associada à predição de doenças cardiovasculares.6,8 A
preocupação com a obesidade deve ser focada,
principalmente, na localização do tecido adiposo, e não
somente na gordura corporal total. A deposição
excessiva de gordura localizada na região do abdômen,
conhecida como gordura visceral, possui grande
impacto sobre alterações metabólicas, por associar-se
com grande frequência a condições tais como
dislipidemias, hipertensão arterial, resistência à insulina
e diabetes mellitus tipo 2, acidentes vasculares cerebrais,
doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.6, 8-13
Acredita-se que esse aumento no risco reside no fato
de que o adipócito visceral possui propriedades
metabólicas diferenciadas dos adipócitos do tecido
subcutâneo, além de sua localização anatômica
favorecer a mobilização dos ácidos graxos para a
circulação portal.10,14 Entretanto, o IMC associado à CC
prediz melhor o risco à saúde do que o IMC
isoladamente, já que avalia a deposição de gordura na
região abdominal.10-12,15 O IMC, como método isolado,
pode subestimar ou superestimar a prevalência de risco
nutricional se não for levada em consideração a CC.16
Koster et al. 6, avaliando uma amostra representativa da
população norte-americana, da base de dados de um
estudo prospectivo (n = 245.533), composta por
homens e mulheres com idade entre 51 e 72 anos,
demonstrou que mesmo os indivíduos com valores de
IMC na faixa de eutrofia, porém com CC acima do nível
aceitável, apresentaram importante aumento no risco
de mortalidade.6,10-12
O percentual de gordura (PG) e a relação cintura quadril
(RCQ) também são bons indicadores relacionados ao
risco para o desenvolvimento de doenças associadas à
obesidade e são bastante utilizados em estudos
epidemiológicos.12,17
Dessa forma, com este estudo objetiva-se avaliar
a correlação entre o IMC e as demais medidas
antropométricas dos funcionários técnicoadministrativos de um hospital universitário.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138, jan./mar., 2009
MÉTODOS
População de estudo
Os dados utilizados neste trabalho provêm de um
estudo transversal realizado em um hospital
universitário da Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH)-MG, de julho a outubro de 2007. A população
constituiu-se de indivíduos adultos, com idade entre 20
e 59 anos, funcionários técnico-administrativos, da qual
foi selecionada uma amostra representativa de 235
indivíduos. A amostra foi calculada com o auxílio do
programa EPIInfo v3.4, considerando-se a população
total de 800 funcionários e 20% de perdas, tendo como
base a prevalência de 40% a 46% de excesso de peso.4
Utilizou-se um intervalo de confiança de 95%. Dos 235
funcionários selecionados, foram excluídos 23, por
estarem de licença, férias, afastamento ou demitidos no
período do estudo; 11, por não consentirem em
participar; 2 gestantes; 2 deficientes físicos; e 1 idoso,
totalizando 39 excluídos.
Coleta de dados
As medidas antropométricas foram aferidas por
membros da pesquisa treinados, sendo os
procedimentos padronizados de acordo com as
recomendações da Organização Mundial da Saúde
(OMS).18 A medida de peso foi obtida por uma única
tomada em balança digital da marca Soehnle
(Alemanha) com capacidade para 130 quilogramas e
precisão de 100 gramas. A estatura foi verificada com
uma única tomada com estadiômetro portátil, marca
Alturexata (Brasil). Com essas medidas, calculou-se o
índice de massa corporal (IMC), que foi classificado
segundo a OMS.18
A verificação da circunferência de cintura foi realizada
na menor circunferência com uso de fita métrica retrátil
de 150 centímetros de extensão e avaliada de acordo
com pontos de corte estabelecidos pela OMS.18 Para a
circunferência de quadril, a fita métrica foi colocada na
maior protuberância glútea e, com base nesses valores,
analisou-se a relação cintura quadril (RCQ) segundo a
classificação de Lohman et al.,19 1988.
A composição corporal foi avaliada mediante a aferição
das medidas de dobras cutâneas segundo Lohman et al.,
198819 utilizando um adipômetro da marca Lange
(Cambridge Scientific Industries, EUA). O percentual de
gordura foi calculado por meio do protocolo de Durnin
e Womersley20 e classificado segundo Lohman.21 Avaliouse a massa magra por meio da estimativa de área
muscular do braço (AMB), obtida da circunferência do
braço e da dobra cutânea tricipital, segundo Frisancho.22
análise descritiva das variáveis. Testou-se a normalidade
das variáveis contínuas por meio do teste de
Kolmogorov-Smirnov. A partir da não normalidade das
variáveis, foram utilizados testes não paramétricos nas
análises. Avaliou-se a correlação entre o IMC e as demais
medidas antropométricas por meio do coeficiente de
correlação de Spearmam. Para isso, o IMC foi
categorizado em eutrofia e excesso de peso (sobrepeso
e obesidade). Para as variáveis categóricas, foi utilizado
o teste qui-quadrado de Pearson ou teste exato de
Fisher. Para as variáveis contínuas, foi utilizado o teste
de Mann-Whitney. Para todos os testes foi considerado
o nível de 5% de significância.
Aspectos éticos
Anteriormente à coleta, os sujeitos da pesquisa foram
colocados a par dos objetivos e métodos da pesquisa
por meio de uma Carta de Informação, assinando, em
seguida, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O protocolo da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da UFMG e pelo Núcleo de Ensino,
Pesquisa e Extensão do Hospital estudado.
Os sujeitos identificados como potenciais indivíduos de
risco para o desenvolvimento de doenças associadas
ao aumento de adiposidade corporal foram
encaminhados para atendimento individual no
Ambulatório de Nutrição do Curso de Nutrição da
UFMG.
RESULTADOS
Dos 196 funcionários avaliados, 91 apresentaram
eutrofia (46,4%), 102 (52,04%) excesso de peso e 3
desnutrição (1,56%). Com base na baixa prevalência de
desnutrição, excluíram-se os desnutridos da análise de
dados, resultando numa amostra de 193 indivíduos.
Desses, 66,3 % eram do sexo feminino, com média etária
de 34,0 ± 8,4 anos (20-57 anos).
Dos indivíduos com excesso de peso, 21,8% foram
classificados como obesos. Estratificando-se por gênero,
observou-se que os homens apresentaram maior
prevalência de sobrepeso e as mulheres, maior
prevalência de obesidade, sem diferença estatística
entre os gêneros (p=0,08) ( TAB. 1). O IMC médio
encontrado foi igual em ambos os sexos,
correspondendo a 26,4 kg/m2.
Análise estatística
Para a análise dos dados encontrados, utilizou-se o
programa SPSS v.12.0. Inicialmente foi realizada uma
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138, jan./mar., 2009
133
Correlação entre índice de massa corporal, distribuição de gordura e composição corporal em funcionários de um hospital universitário...
TABELA 1 – Classificação do IMC estratificado por gênero dos funcionários de um hospital universitário de
Belo Horizonte
.
A circunferência de cintura apresentou média de 80,6
± 11,0 cm e 88,5 ± 10,1 cm para mulheres e homens,
respectivamente, enquanto a média da RCQ foi de 0,8
± 0,1 e 0,9 ± 0,1 nas mulheres e homens,
respectivamente (p<0,001 em ambos).
Verificou-se que a RCQ teve uma correlação de menor
magnitude com o IMC (r = 0,413) quando comparada à
CC (GRAF. 1 e 2, respectivamente). O mesmo foi
observado entre o PG e o IMC (r = 0,502), o que pode
ser demonstrado no GRAF. 3. Em relação à AMB, a
associação com o IMC foi de maior magnitude nos
indivíduos do sexo feminino (r=0,72), enquanto no
masculino foi menos intensa (r=0,41) (GRAF. 4).
GRÁFICO 1 – Correlação entre IMC e relação cintura-quadril dos funcionários de um hospital universitário
de Belo Horizonte
134
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138, jan./mar., 2009
GRÁFICO 2 – Correlação entre IMC e circunferência de cintura dos funcionários de um hospital
universitário de Belo Horizonte
GRÁFICO 3 – Correlação entre IMC e percentual de gordura dos funcionários de um hospital
universitário de Belo Horizonte
GRÁFICO 4 – Correlação entre IMC e área muscular do braço dos funcionários de um hospital
universitário de Belo Horizonte
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138, jan./mar., 2009
135
Correlação entre índice de massa corporal, distribuição de gordura e composição corporal em funcionários de um hospital universitário...
DISCUSSÃO
O trabalho de enfermagem é, geralmente, caracterizado
pela maior exposição a fatores de riscos à saúde. Tais
fatores, associados a situações de estresse, podem
favorecer o surgimento precoce de doenças, em
especial as crônicas não transmissíveis,1,2 o que poderia
explicar a elevada prevalência de obesidade encontrada
neste estudo.
Percebe-se que não há diferença entre os valores
médios de IMC entre os sexos. Esse resultado difere dos
achados de outros estudos,3,16 como o de Sampaio e
Figueiredo,23 no qual foi encontrado um IMC médio
superior para as mulheres, independentemente da faixa
etária.
Contudo, nota-se que, mesmo não havendo diferença
entre os valores médios de IMC, as mulheres
apresentam maior prevalência de obesidade, enquanto
nos homens há maior prevalência de sobrepeso.
Resultado semelhante ao encontrado em estudo
populacional realizado no Brasil4 também sem diferença
significativa entre os sexos. Apesar disso, de acordo com
o Vigitel 2006, para a população de Belo Horizonte, tanto
a prevalência de sobrepeso quanto a de obesidade
foram maiores entre os homens.5
A circunferência de cintura, a RCQ e o percentual de
gordura, quando associados ao IMC, predizem melhor
os riscos à saúde do que o IMC isoladamente. Isso
porque o IMC não reflete a localização da gordura
corporal, tampouco considera a quantidade de massa
magra. Tal fato é demonstrado em vários estudos,6,10-12
como o realizado por Martins e Marinho, 8 que
encontrou associação entre CC e RCQ com doenças
vasculares, dislipidemias e síndrome metabólica.
A adiposidade visceral, avaliada pela circunferência de
cintura, está diretamente associada a essas doenças.6,812
Existem diversos protocolos para aferição da
circunferência de cintura, como na menor
circunferência, no ponto médio entre a última costela e
a crista ilíaca, logo abaixo da última costela e logo acima
da crista ilíaca.24 A OMS recomenda que a aferição da
circunferência de cintura seja realizada no ponto médio
entre a última costela e a crista ilíaca.18 Contudo, neste
estudo optou-se por utilizar a menor circunferência.
Essa escolha se deve ao fato de que a população
estudada apresentou grande prevalência de indivíduos
com excesso de peso, sendo difícil determinar tais
pontos anatômicos, uma vez que comprometeria a
medida. Ainda de acordo com a meta-análise realizada
por Ross et al.,25 que avaliou uma população de mais de
5 mil indivíduos, não foi encontrada uma influência
significativa do protocolo de aferição da CC e a
associação desta com doenças crônicas não
transmissíveis.
Em relação à CC, é importante ressaltar que não há
um consenso da comunidade científica de que os
pontos de corte recomendados pela OMS sejam
adequados para todos os grupos étnicos, incluindo a
136
população brasileira. Em dois estudos realizados com a
população brasileira,11,12 foram encontrados valores de
circunferência de cintura menores que os preconizados
pela OMS, quando foram analisados os melhores pontos
de corte que predizem o risco relacionado à morbidade.
Segundo a Federação Internacional de Diabetes,26 os
pontos de corte mais adequados para a região da
América do Sul são inferiores e, portanto, mais sensíveis
e menos específicos aos recomendados pela OMS.
Dessa forma, neste estudo, um número maior de
indivíduos seria classificado com gordura abdominal
aumentada se esses pontos de corte fossem utilizados.
Analisando o percentual de gordura, percebeu-se que
maior quantidade de mulheres encontrava-se na faixa
de risco para o desenvolvimento de DCV em
comparação com os homens. Esse achado corrobora o
fato de as mulheres apresentarem maior prevalência de
obesidade, de acordo com o IMC. Ademais, muitos
indivíduos classificados como eutróficos apresentaram
elevado percentual de gordura corporal. Esses
indivíduos podem apresentar alterações metabólicas,
o que pode levar a um risco de desenvolvimento de
doenças semelhantes à dos obesos, pois, além de
apresentarem excesso de adiposidade, podem,
também, apresentar perda de massa magra.27,28 Quando
isso ocorre, são conhecidos como magros
dismetabólicos. Esse achado é semelhante aos de
Deurenberg-Yap et al.,17 em estudo com a população
de Singapura, China, o que reforça a necessidade de
utilizar medidas antropométricas que discriminam a
adiposidade associada ao IMC.
Estratificando-se por sexo, nota-se que o IMC foi
fortemente correlacionado com todas as outras
medidas antropométricas analisadas. Entre os homens,
o maior coeficiente foi para CC e o menor para área
muscular do braço (AMB). Entre as mulheres, os maiores
coeficientes foram para circunferência do braço e da
cintura, e o menor, para RCQ. Isso significa que nos
homens encontra-se elevada AMB também em
indivíduos eutróficos e, nas mulheres, elevada RCQ nas
eutróficas.
Neste estudo, evidenciou-se uma forte correlação entre
IMC e CC e uma fraca correlação entre IMC e RCQ, o que
também foi observado em outros estudos. Picon et al.,10
em um estudo transversal multicêntrico com 820
pacientes com DM2, encontrou forte correlação da CC
com o IMC tanto em homens quanto em mulheres (r=
0,814; P< 0,05 e r= 0,770; P< 0,05, respectivamente). Já
a correlação da RCQ com o IMC foi fraca (homens: r=
0,263, P< 0,05; mulheres: r= 0,092, P< 0,05). Sampaio e
Figueiredo,23 avaliando, em um estudo transversal, uma
amostra constituída por 634 indivíduos (316 adultos
e 318 idosos) de ambos os sexos encontrou forte
correlação entre o IMC e a CC nos indivíduos adultos
de ambos os gêneros (r = 0,93; p<0,001 para ambos). Já
a correlação entre o IMC e a RCQ foi menor, mas
estatisticamente significante, nos dois sexos (r = 0,64;
p<0,001 para homens e r = 0,66; p<0,001 mulheres).
Neste estudo, a RCQ foi elevada tanto nas mulheres
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138, jan./mar., 2009
eutróficas quanto nas com excesso de peso,
influenciando a magnitude da relação entre a RCQ e o
IMC.
Estudos têm demonstrado que a circunferência de
cintura isolada tem sido considerada mais sensível em
relação à RCQ para determinar a obesidade central, visto
que a CC parece ser menos afetada pelo sexo, enquanto
a RCQ pode refletir o tamanho e massa muscular do
quadril.13,29 Esse tipo de deposição de gordura possui
menor relação com enfermidades relacionadas ao
excesso peso.14
Observou-se que a correlação entre o IMC e a AMB foi
mais forte entre as mulheres, indicando que as mulheres
com excesso de peso possuíam maior massa muscular.
Ao mesmo tempo, neste estudo, demonstrou-se que
esses indivíduos com maior AMB são, em sua maioria,
auxiliares e técnicos de enfermagem que, geralmente,
executam atividades laborais mais intensas. Entretanto,
é importante salientar que a AMB reflete a massa
muscular na região do braço e, por isso, deve ser
avaliada com cautela. Além disso, a dobra cutânea
triciptal, utilizada no cálculo da AMB, é de difícil aferição
nos indivíduos com excesso de peso.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o IMC correlacionou-se de forma positiva
com todas as variáveis antropométricas, sendo que a
correlação com a circunferência de cintura apresentou
maior magnitude, enquanto com a RCQ essa correlação
foi mais fraca. Em relação à AMB, a correlação foi mais
forte entre as mulheres em comparação com a dos
homens. Já o percentual de gordura não teve uma
correlação de elevada magnitude com o IMC dado o
número considerável de indivíduos com o IMC de eutrofia
que apresentam percentual de gordura elevado.
Dessa forma, comparando os indicadores
antropométricos, percebeu-se que, para ambos os
sexos, a CC foi a melhor medida para avaliar o excesso
de peso.
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Data de submissão: 18/2/2009
Data de aprovação: 7/7/2009
138
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 131-138, jan./mar., 2009
Revisão Teórica
A ANTROPOLOGIA COMO FERRAMENTA PARA COMPREENDER AS PRÁTICAS
DE SAÚDE NOS DIFERENTES CONTEXTOS DA VIDA HUMANA*
ANTHROPOLOGY AS AN INSTRUMENT TO ENHANCE COMPREHENSION OF HEALTH PRACTICES IN
DIFFERENT CONTEXTS OF HUMAN LIVING
LA ANTROPOLOGÍA COMO HERRAMIENTA PARA COMPRENDER LAS PRÁCTICAS DE SALUD EN DIFERENTES
CONTEXTOS DE LA VIDA
Felipa Rafaela Amadigi1
Evelise Ribeiro Gonçalves2
Hosanna Pattrig Fertonani3
Judite Hennemann Bertoncini4
Silvia Maria Azevedo dos Santos5
RESUMO
Tradicionalmente, o modelo biomédico costuma tratar as doenças dos indivíduos com base na explicação biológica
para suas causas e mecanismos de tratamento. Em geral, o significado que a doença assume para cada sujeito é
pouco considerado e compreendido pelos profissionais da saúde que atuam embasados, prioritariamente, na
biomedicina, fato que tem gerado conflitos e dificuldades na relação profissional-paciente. Neste artigo analisa-se
a produção teórica sobre o uso do suporte conceitual da antropologia como ferramenta para melhor compreender
as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana, utilizando como fonte teses, dissertações e livros
produzidos no período entre 1990 e 2003. Observou-se um crescente, debate nos últimos dez anos, sobre os aspectos
positivos do olhar da antropologia para a saúde, resultando em diversas produções teóricas interessadas em ampliar
a compreensão do complexo processo de adoecimento e sofrimento das pessoas. Conclui-se que o estabelecimento
do diálogo entre os atores sociais envolvidos nas práticas de saúde faz com que não fiquem caracterizadas como um
espaço de exercício do poder, de um sujeito sobre outro, mas, sim, que se legitimem como processos promotores de
saúde.
Palavras-chave: Prática Profissional; Antropologia; Relação Profissional-Paciente.
ABSTRACT
The biomedical model traditionally treats people according to their diseases, taking into consideration a biological
explanation of its causes and treatment mechanisms. In general, the significance that a certain disease has to the
assisted patient is not well considered or comprehended by the health worker and this fact has brought up conflicts
and difficulties to the professional-patient relationship. This article examines the theoretical production regarding
the use of the conceptual support of Anthropology as an instrument to enhance comprehension of health practices
in different contexts of human living. Theses, dissertations and books produced between 1990 and 2003 were
assessed. Over the past ten years there has been a growing debate on the positive aspects of an anthropological
point of view regarding health. This has resulted in several productions interested in expanding the theoretical
comprehension of the complex process of illness and suffering. We conclude that establishing a dialog among the
social actors involved in health practices legitimates the process of health promotion.
Key words: Professional Practice; Anthropology; Professional-Patient Relations.
*
1
2
3
4
5
Artigo elaborado como requisito parcial à conclusão da Disciplina NFR 4208 Processo de Viver e a Saúde Humana do Curso de Doutorado em Filosofia, Saúde
e Sociedade do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina-SC.
Enfermeira, Mestre em Saúde Pública, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, Docente do
Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Vale do Itajaí – Campus Biguaçu-SC.
Cirurgiã-Dentista. Mestre em Saúde Pública, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina-SC.
Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, Docente do
Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá-PR.
Enfermeira, Mestre em Saúde Pública, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, Docente do
Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional de Blumenau-SC.
Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Catarina-SC.
Endereço para correspondência: Caixa Postal 5116, CEP 88040-970 Florianópolis/SC. E-mail: [email protected].
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131-138, jan./mar., 2009
139
A antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
RESUMEN
Tradicionalmente, el modelo biomédico suele tratar a las personas a partir de sus enfermedades basado en la
explicación biológica para sus causas y mecanismos de tratamiento. En general, los profesionales de salud no tienen
muy en cuenta el significado que las personas le atribuye a la enfermedad porque actúan siguiendo los principios
de la biomedicina, hecho que ha generado más de una vez conflictos y complicaciones entre las relaciones
profesional-paciente. Este artículo analiza la producción teórica sobre el uso del respaldo conceptual de la
antropología como herramienta para comprender mejor las prácticas de salud en diferentes contextos de la vida,
utilizando como fuente tesis, disertaciones y libros elaborados entre 1990 y 2003. En los últimos diez años ha habido
creciente debate acerca de los aspectos positivos del la mirada de la antropología a la salud, lo cual ha resultado en
producciones interesadas en ampliar la comprensión teórica del complejo proceso de enfermedad y l sufrimiento.
Se concluye que cuando se establece el diálogo entre los actores sociables involucrados en las prácticas de salud
éstas no se caracterizan como espacio para ejercer el poder sino que hace que se legitimicen como verdaderos
procesos promotores de la salud.
Palabras clave: Práctica Profesional; Antropología; Relaciones Profesional-Paciente.
INTRODUÇÃO
A importância e o significado dados ao adoecer estão,
normalmente, relacionados às experiências e vivências
de cada um dos atores sociais envolvidos no processo
saúde-doença, dentre os quais destacamos: o indivíduo,
a família e o profissional da saúde. Assim, tanto os
modos de entender saúde como as práticas adotadas
variam de indivíduo para indivíduo.
Conviver nesse espaço de interação profissionalusuário/cliente nos faz refletir e discutir, como
profissionais de saúde, sobre as lacunas observadas na
prática e vivenciadas cotidianamente. Essas lacunas
dizem respeito à distância entre o significado do
processo saúde-doença para os indivíduos, as ações de
saúde promovidas e a assistência recebida.
Um dos ângulos desse debate centra-se no modelo
assistencial hegemônico da saúde – modelo biomédico –,
que se caracteriza por uma abordagem clínica centrada
no cuidado individual e na figura do médico. Vários
estudos desenvolvidos no Brasil sobre esse modelo
mostram essa realidade e apontam para a necessidade
de superação de alguns problemas que dele se
originam.1-8 O objetivo é buscar, principalmente, uma
articulação entre as intervenções de diferentes
naturezas para que possamos dar conta das
multidimensionalidades do ser humano. Compreender
como as pessoas consideram sua condição de saúde e
doença e, com base nisso, como lidam com a situação.
Isto é, quais são suas práticas de cuidado e promoção
da saúde? Que itinerário terapêutico percorrem em
busca da cura e/ou tratamento?
Os significados do adoecer e a percepção da doença
para as pessoas atendidas são frequentemente pouco
considerados, compreendidos e apreendidos pelos
profissionais da saúde. Dessa forma, ao fazerem
orientações ou desenvolverem ações educativas o
fazem apenas segundo suas crenças, o que nem sempre
está em consonância com o usuário. Esse fato é gerador
de diversos dilemas e dificuldades na relação
profissional-usuário-cliente e uma das causas da baixa
adesão à terapêutica recomendada.8-12
140
Podemos apontar como uma das causas dessas
dificuldades o processo de formação profissional, que
ainda se faz pautado, prioritariamente, pela lógica
biomédica, que tem como base do raciocínio clínico
disciplinas como a Biologia, a Anatomia, a Fisiologia, a
Fisiopatologia, etc. Indiscutivelmente, as ações
propostas com base no modelo biomédico trazem o
alívio do sofrimento, da dor e, frequentemente, a cura
das doenças, contribuindo para a melhor qualidade de
vida do ser humano.
Por outro lado, esse modelo também apresenta limites,
em especial na esfera da subjetividade humana, como
a compreensão particular da doença e a vivência do
processo de adoecimento e sofrimento. Esse processo
é bastante complexo e envolve várias dimensões, como
a psicológica, a social, a cultural ou a transcendental.
Assim, compreender o processo de adoecer, nos moldes
do modelo biomédico, é apenas um dentre tantos
outros modos de explicar o adoecer, o tratar, o curar e o
cuidar, enfatizando-se que ele não contempla a
integralidade do ser humano.
Nesse sentido, podemos inferir que a ação de saúde
inicia-se no encontro de subjetividades, objetivadas em
ações concretas, em palavras que concordam ou
discordam, manifestadas pelo silêncio ou por
orientações, que podem ser seguidas ou não e, às vezes,
transformadas. Verifica-se que o olhar sobre o processo
saúde-doença e as escolhas no processo de cuidar
ocorrem em macros e microcontextos determinados
socialmente e sob a égide de dimensões subjetivas e
culturais.
Portanto, a relação do profissional de saúde com
o cliente/usuário também é um encontro de
culturas, com valores, saberes e fazeres diversos. Uma
intervenção que pode ampliar o olhar para além dos
limites das ações do modelo biomédico e que vêm
sendo discutida amplamente na literatura refere-se
à abordagem antropológica, cuja preocupação com
as questões da saúde e da doença tem estado
presente em estudos etnográficos há bastante
tempo.13
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
A discussão do ponto de vista da antropologia faz-se
necessária, tendo em vista que o processo de viver nos
diferentes contextos da vida humana resulta em
diferentes percepções sobre a vida, a sociedade e as
práticas/cuidados de saúde. Assim, o domicílio, o
cotidiano familiar e os diferentes sistemas de cuidado
são fatores que precisam ser compreendidos pelos
profissionais de saúde, como forma de fazer com que
os significados ou as práticas/cuidados das pessoas com
relação ao seu corpo, ao fenômeno da doença, ao
cuidado e à cura sejam considerados pelo processo
terapêutico.
METODOLOGIA
Neste artigo, desenvolvemos um estudo exploratóriodescritivo cujo objetivo foi investigar a produção teórica
de teses e livros que utilizaram o suporte conceitual da
antropologia como ferramenta para melhor
compreender as práticas de saúde nas diferentes
realidades e fases do processo de viver humano.
Utilizamos como fonte teses e livros produzidos no
período de 2000 a 2005. Dentre as teses de doutorado
pesquisadas, encontramos oito produções,9,12,19-24 sendo
sete do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
de uma universidade federal da região Sul e uma da
universidade estadual da região Centro-Oeste do Brasil,
além de dois livros publicados. Utilizamos a análise
temática com a leitura flutuante de cada estudo,
buscando uma visão e imersão no conjunto dos dados.
Após a leitura transversal das principais ideias
encontradas nos estudos, emergiram três categorias, a
saber: experiências/significados do viver/adoecer/
cuidar, relações equipe de saúde/cliente/família e
relações familiares no processo viver/adoecer.
O OLHAR DA ANTROPOLOGIA PARA AS PRÁTICAS
DE SAÚDE
científica, que, por sua vez, era caracterizada como o
único sistema universal e eficaz.14
A abordagem aplicada foi utilizada para a implantação
de projetos na área da saúde, após a Segunda Guerra
Mundial, em países do Terceiro Mundo. Com base nessa
utilização, Helman16 destaca como vantagem o fato de
esses projetos levarem em conta as crenças da
comunidade sobre saúde e doença, além de
considerarem o contexto político e econômico em sua
implantação.
A abordagem ecológica trabalha com base em um
modelo sistêmico, que considera as múltiplas causas das
doenças e sua interação com a cultura, a sociedade e a
natureza na determinação do estado de saúde de um
grupo, porém não relativiza a biomedicina e considera
a doença uma entidade e não um processo de
experiência.
A abordagem interpretativa surge com o propósito de
apresentar propostas alternativas à biomedicina sobre
o conceito de doença, incorporando a cultura como um
sistema diverso, aberto, dinâmico e subjetivo, e, por isso,
heterogêneo e singular. Considera que há um sistema
de significados, constituído e constituinte na
experiência, que emerge da interação dos atores que
estão agindo concretamente juntos para entender os
eventos e procurar soluções.
A compreensão da doença é dada como um processo
sociocultural e de experiência vivida. Isso quer dizer que
a doença é uma sequência de eventos que vão
ganhando significado à medida que a pessoa age para
buscar alívio do seu sofrimento. Esse processo é
caracterizado pelo reconhecimento dos sintomas do
distúrbio como doença, pelo diagnóstico, pela escolha
e avaliação do tratamento. Assim, entende-se que a
experiência corporal é mediada pela cultura e as
sensações do corpo não são separadas do significado
da percepção de todo o processo.15
De acordo com Langdon,14 a história da antropologia
da saúde é marcada por quatro abordagens: a
tradicional, a aplicada, a ecológica e a interpretativa.
A construção da doença como realidade humana é,
portanto, um processo que requer interpretação e ação
no meio sociocultural, o que implica uma negociação
de significados na busca pela cura. Assim, é na realidade
social, mutante e dinâmica, que são construídas as
doenças e seus processos de tratamento. As pessoas
interpretam o mundo e agem sobre ele usando seu
sistema simbólico e, ao agir, reconstroem a realidade.13-17
Essa abordagem possibilita diálogo e negociação
entre culturas e sistemas de cuidados diversos,
contextualizados entre profissional de saúde, usuários
e famílias.
Os primeiros estudos antropológicos com relação à
abordagem tradicional sobre medicina primitiva foram
realizados por Rivers, Clements e Ackernecht, a partir
de 1920. O método adotado nesses estudos era o
mesmo utilizado na medicina científica, ou seja, iniciavase pela etiologia, para se entender o diagnóstico e
determinar o tratamento em povos considerados
primitivos. Entretanto, a medicina primitiva era
considerada inferior qualitativamente à medicina
No entanto, o que parece que tem acontecido com
frequência, no encontro entre profissional de saúde e
usuário/cliente, é muito mais o enfrentamento entre
culturas do que o estabelecimento de um diálogo entre
dois atores sociais. Isso, normalmente, ocorre porque, de
maneira geral, os profissionais não reconhecem que o
usuário/cliente possui um conhecimento sobre o seu
problema de saúde, além de, também, desenvolver
práticas de cuidado que nem sempre são reconhecidas
Em meados do século passado, alguns antropólogos,
como Rivers, Clements, Malinowski e outros,
começaram a examinar a medicina entre outras culturas.
Com base nesses estudos, foram se firmando, nas
ciências sociais, o campo da antropologia médica e o
da antropologia da doença, atualmente conhecidas
como antropologia em saúde.14
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
141
A antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
pela biomedicina. Caso se configure dessa forma, essa
relação caracteriza-se como assimétrica, pois confere uma
valoração diferente aos saberes e fazeres de cada um.
Kleinman 16 sugere que na análise de qualquer
sociedade complexa identificam-se três subsistemas de
cuidado à saúde: o informal, o popular e o profissional.
São subsistemas amplamente utilizados pelas pessoas
de forma sobreposta e não excludente, interagindo
mediante a passagem dos indivíduos por eles. Esses
sistemas fornecem à pessoa os caminhos para efetuar
a interpretação de sua condição de saúde-doença e
buscar as ações possíveis que proporcionem o cuidado
e/ou a cura.
O subsistema familiar é a expressão da cultura popular,
do senso comum, não profissional, não especialista e
no qual as manifestações das doenças são
primeiramente identificadas e enfrentadas. Aqui, a
doença é vista como uma desordem na vida cotidiana
para a qual é necessário encontrar um significado. Inclui
o indivíduo, a família, a rede social e os membros da
comunidade próxima. Os cuidados podem ser adotados
pela pessoa que se sente doente e/ou pela família e
incluem: remédios caseiros, repouso, suporte
emocional, práticas religiosas, mudança na dieta
alimentar, massagens, etc.16
O subsistema profissional é formado pelas profissões de
cura organizadas e com aprendizado formal, além de
serem legalmente reconhecidas, representadas pela
biomedicina nas sociedades ocidentais.
O subsistema popular é formado por especialistas de
cura não profissionais, não reconhecidos legalmente,
tais como curandeiros, benzedeiras e outros, os quais,
no entanto, são amplamente aceitos pela sociedade e,
geralmente, fortemente ligados ao subsistema familiar.
Assim, de acordo com o Sistema de Cuidado de
Kleinman,16 as alternativas terapêuticas são escolhidas
tanto de acordo com a acessibilidade ao processo
terapêutico como em relação ao entendimento dos
indivíduos de determinada sociedade sobre as doenças,
a cura e sobre os tratamentos que funcionam e que tem
resolutividade. O autor sugere, ainda, a discussão de
alguns conceitos como patologia, enfermidade e
doença, os quais devem, necessariamente, ser
considerados pelos profissionais de saúde para que
consigam melhor compreender o processo de vivência
no adoecimento.
Há, portanto, uma diferença entre illness (doença),
disease (patologia) e sickness (enfermidade). A doença
(illness) representa a forma usada para perceber,
expressar, avaliar e responder aos sinais e sintomas.
Além disso, se refere, também, aos significados que as
pessoas e famílias atribuem ao que vivenciam, incluindo
comunicação e interação interpessoal; patologia
(disease) é apenas o mau funcionamento dos processos
biológicos e psicológicos sob parâmetros biomédicos;
e enfermidade (sickness) é um mal-estar em sentido
mais genérico, quando a doença está relacionada com
condições sociais, políticas e econômicas. 16
142
Verifica-se, ainda, uma dicotomia entre doença/illness
e patologia/disease. Enquanto a doença se refere à
experiência psicossocial e seu significado, a patologia
diz respeito a disfunções anatômicas ou fisiológicas.
Assim, uma pessoa pode ter uma patologia e não se
sentir doente, ou se sentir doente sem ter uma
patologia, ou ainda continuar se sentindo doente após
um diagnóstico médico de cura.16 Dessa forma, alguns
autores pontuam que, para entendermos o significado
da doença e dos cuidados prestados, é necessário
acompanhar o itinerário terapêutico (percurso feito na
busca de tratamento e cura da doença, que pode incluir
outras soluções além daquelas oferecidas pela
biomedicina) e os discursos dos atores envolvidos nos
aspectos específicos de cada experiência.15-17
Segundo Alves e Souza18, as pesquisas sobre o itinerário
terapêutico iniciaram-se com o estudo do
comportamento do enfermo (illness behaviour), tendo,
até hoje, como objetivo interpretar como as pessoas
escolhem, aderem ou não e avaliam os resultados de
um sistema de tratamento, cuidado e cura. Assim,
considera-se reducionista a perspectiva que submete a
interpretação da experiência/ação das pessoas com o
sofrimento a um modelo meramente explicativo, uma
vez que a lógica explicativa não contempla a
complexidade das ações sociais e do contexto em que
são construídas.
A lógica interpretativa vai além e procura compreender
o significado das ações humanas como expressão de
uma intenção. O itinerário terapêutico se refere a um
conjunto articulado de ações e estratégias que, por
meio da interpretação, buscam modificar a situação de
sofrimento e doença levando em consideração que as
alternativas de tratamento disponíveis são construídas
no âmbito das redes de relações sociais, continuamente
negociadas, confirmadas ou questionadas. O estudo do
itinerário terapêutico permite, portanto, que
profissional e usuário-cliente se encontrem numa arena
de negociação e produção de sentido para construir
projetos terapêuticos pertinentes à singularidade de
cada pessoa.18
REVISITANDO ALGUMAS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS
DA ANTROPOLOGIA APLICADA À INVESTIGAÇÃO
EM SAÚDE
A produção científica utilizando referenciais da
antropologia da saúde tem crescido nas últimas
décadas e assinala a importância do uso dessa
ferramenta para compreender as práticas de saúde,
ampliando os horizontes dos profissionais envolvidos.
Alguns antropólogos, como Langdon, Helman e
Kleinman, têm ampliado essa discussão.13-17
Relações equipe de saúde/cliente/famílias
Alonso9 fez um estudo sobre os sistemas de cuidado
familiar e profissional cujo objetivo foi interpretar as
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
relações construídas no encontro entre equipe de saúde
e família. A sustentação teórica do estudo foi baseada
em Canguilhem, Hanna Arendt, Giddens, Sennet,
Foucault, Deleuze, Goffman e Da Matta, que utilizaram
o método de observação participante, sugerido por
Spradley, para a coleta e análise dos dados. Os autores
observaram encontros assistenciais domiciliares entre
os integrantes de uma equipe de saúde da família e um
grupo de famílias integrado à Unidade Assistencial,
realizaram entrevistas individuais com os profissionais
da equipe de saúde e determinados membros das
famílias e verificaram que para a equipe de saúde havia
conflitos éticos nas relações assistenciais, tanto
profissionais/institucionais e pessoais/sociais, como
entre a resolutividade dos problemas de saúde e os
laços de confiança e solidariedade. A voz das famílias
atendidas no domicílio pela equipe de saúde da família
revelou o desejo de obter da equipe maior valorização
do seu saber e fazer no cuidado de si. A equipe apontou
uma prática assistencial que ressignificasse os encontros
entre profissional e família no âmbito domiciliar,
constituindo-se em uma experiência existencial para
ambos.
Boehs21 analisou os movimentos de aproximação e
distanciamento entre os sistemas de cuidado familiar e
profissional, com base em Kleinman e na teoria de
Enfermagem de Madeleine Leininger.27 O autor realizou
uma pesquisa qualitativa etnográfica, com observação
participante, em uma unidade de internação pediátrica,
durante seis meses, e verificou que a equipe de
enfermagem percebia as necessidades básicas do
familiar acompanhante de forma ambivalente, ora
reconhecendo-as e integrando o familiar ao cuidado,
ora entendendo que deve assistir somente a criança. O
tema cultural que permeou os domínios foi o
movimento de aproximação e afastamento do hospital
e da unidade de internação em relação à família. Na
relação entre os sistemas hospitalar e familiar,
evidenciou-se a assimetria de poder em favor da equipe
de enfermagem e a dificuldade para a negociação entre
os dois sistemas de cuidado, com possibilidade de
acomodá-los na implementação do cuidado proposto
pela teoria de Leininger.
Monticelli23 realizou uma etnografia de alojamento
conjunto para compreender as relações entre
trabalhadoras de enfermagem e famílias que vivenciam o
período pós-parto, bem como para identificar as
referências que adotam ao interagir com as famílias
durante a hospitalização. Para tal, utilizou a
“etnoenfermagem” de Madeleine Leininger; os conceitos
de illness, disease e sickness; a realidade clínica como o
“lugar de onde se fala”; a narrativa na prática clínica; e o
conhecimento autoritativo relacionado ao nascimento.
O autor realizou observação participante e entrevista
etnográfica como guia complementar no levantamento
de dados em uma Unidade de Alojamento Conjunto de
uma maternidade pública. Participaram do estudo 19
trabalhadoras (5 técnicas, 8 auxiliares, 5 atendentes e 1
enfermeira) e 42 membros das famílias, incluindo
puérperas, homens-pais, avós, bisavós, além de duplas
puérperas-companheiros, mães-filhas e genros-sogras.
Os temas que surgiram foram: “Entre o leito e o berço:
a vivência do processo de cuidar de dois”, como um
modelo de cuidado específico e singular na
enfermagem hospitalar; “Aqui a autoridade sou eu: o
status do conhecimento biomédico”, referido pelo
modelo biomédico, aprendido durante a formação e a
prática profissional cotidiana; “Há coisas que são do
conhecimento da gente: o status do conhecimento
das famílias”, que apresenta a posição hierárquica do
saber-fazer a partir da experiência das famílias;
“Conhecimentos que se constroem em narrativas
terapêuticas: possibilidades de vitalização do pós-parto”,
identificados como saberes construídos interativamente
entre trabalhadores de enfermagem e famílias, sem que
fossem desconfigurados os conhecimentos advindos de
seus sistemas culturais de origem.
As relações entre as trabalhadoras de enfermagem, as
famílias e as referências utilizadas para cuidar das
puérperas e dos recém-nascidos apareceram complexas
e exercidas por diferentes poderes e conhecimentos
autoritativos que, às vezes, beneficiavam e às vezes
enfraqueciam a ambos.
Experiências/significados do viver/adoecer/cuidar
Silva12, por meio de narrativas pessoais e culturais,
abordou os diferentes modos pelos quais as pessoas
constroem a experiência de viver com o diabetes
mellitus. A pesquisa foi embasada no pensamento
interpretativista de Clifford Geertz e Arthur Kleinman.
Da interpretação das narrativas emergiram cinco
diferentes modos, por meio dos quais as pessoas
constroem a experiência de viver com o diabetes: viver
sem prazeres; viver mantendo o diabetes sob controle;
viver na esperança de uma vida melhor; viver em
conflito e viver como se não tivesse diabetes. Os
resultados mostraram que os significados da doença são
elaborados pelas pessoas no percurso do seu processo
de viver e são diversificados segundo suas experiências
pessoais e culturais.
Heck19 realizou um estudo etnográfico com o objetivo
de compreender a construção sociocultural dos
suicídios de colonos, predominantemente de
descendência alemã e católica, e contribuir no trabalho
dos profissionais de saúde nesse contexto. Com base
na antropologia da saúde, privilegiou-se a ação dos
colonos no cotidiano, como construção coletiva da
realidade, contrapondo-se ao modelo biomédico, que
compreende saúde/doença de forma linear e causal
desvinculando a pessoa de sua história e cultura. Os
colonos representaram os significados de vida e morte
de maneira contraditória e complexa. O suicídio, que é
uma das formas de morte, expressou a fragilidade do
papel dos homens e se apresentou como símbolo de
sofrimento, que era presente na realidade vivida por
esse grupo, onde comportamentos sociais fundados em
autoridade e princípios morais rígidos eram exigidos.
A pesquisa etnográfica permitiu compreender a
construção sociocultural dos suicídios como expressão
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
143
A antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
da identidade daquela comunidade e contribuiu com
a prática profissional a partir da perspectiva
interdisciplinar e compreensão da cosmologia como
parte da experiência da doença.
Santos24, em sua tese de doutorado defendida na
Unicamp, investigou como se instituiu o papel de
cuidador de idosos dementados no contexto domiciliar
e quais os significados dessa experiência para esses
cuidadores. Tal objetivo esteve fundamentado na tese
de que a construção do papel de cuidador e a
ressignificação do familiar como demente transcorrem
ao longo do processo de convivência, segundo as
experiências pessoais e as práticas socioculturais das
famílias. A abordagem metodológica escolhida foi a
pesquisa qualitativa, utilizando a estratégia da etnografia.
O referencial teórico foi o da antropologia, sendo que
foram usados como referências estudos de Geertz,25,26
Malinnowski; Douglas; Kleinman, 16,17 Langdon 14 e
Leininger27. O campo escolhido para coleta dos dados
foi o de famílias que proporcionavam cuidados a adultos
e idosos que apresentavam uma síndrome demencial
associada ou não a diferentes patologias.
Nessa pesquisa, procurou-se maior aproximação com as
experiências vivenciadas pelos sujeitos cuidadores,
considerando que “tornar-se um cuidador familiar” é um
processo dinâmico e envolve múltiplos aspectos, tais
como: a história pregressa das relações familiares; a idade;
o gênero, o grau de parentesco dos cuidadores em
potencial; o significado dos vínculos afetivos; as
condições de saúde física e emocional dos cuidadores; o
sentimento de dever ou obrigação e reciprocidade; as
relações de poder no contexto familiar; as experiências
e características pessoais dos cuidadores e as práticas
socioculturais das famílias.
Relações familiares no processo de viver/adoecer
Althoff,20 com base na teoria fundamentada nos dados
e no interacionismo simbólico, estudou como o
ambiente familiar é construído pelas famílias,
elaborando sobre ele uma formulação teórica.
Trabalhou com quatro grupos amostrais formados por
dez famílias em diferentes etapas da trajetória de vida
familiar. Realizou entrevistas com as famílias em seus
domicílios e procedeu a análise comparativa dos dados.
Formulou um modelo teórico focado no fenômeno
“Convivendo em Família”, que revelou a inter-relação
dos elementos que constituem este processo: querendo
viver em família; criando o espaço de moradia da família;
vivendo os tempos da família; fazendo parte da teia
social; estabelecendo maneiras de se relacionar em
família; construindo valores; governando a vida
cotidiana; cultivando as ligações familiares e tomando
consciência do viver em família. Na pesquisa, mostrouse que a convivência familiar é construída com base nas
ações e interações entre os membros da família que
compartilham símbolos e significados.
Schwartz22 fundamentou-se na abordagem ecológica
de Bronfenbrenner para compreender o viver, o adoecer
144
e o cuidar das famílias de uma comunidade rural.
Realizou um estudo qualitativo com observação
participante em uma comunidade rural do Rio Grande
do Sul durante nove meses. A coleta de dados foi
realizada por meio de estratégias como visita
domiciliar, consulta de enfermagem na unidade de
saúde, consulta a documentos e participação em
campanhas de vacinação. A comunidade rural se
encontrava isolada cultural e geograficamente, com
riscos e potencialidades, na qual o trabalho era a
atividade que dava identidade ao colono/família. O
adoecimento nas famílias rurais estava relacionado à
falta de comunicação/informação entre os ambientes
e o trabalho. O estudo possibilitou a compreensão de
como a articulação dos diferentes ambientes promove
ou fragiliza a saúde dos colonos, podendo surgir o
(des)cuidado. O trabalho confere identidade ao colono,
mas necessita de políticas sociais e agrárias adequadas
para apoiar o desenvolvimento de indivíduos, famílias
e comunidade.
Há, ainda, outros estudos publicados em livros que
também explicitam a importância do uso da visão
antropológica como ferramenta para compreender as
práticas de saúde. Silveira28 estudou a questão dos
“nervos” de mulheres de uma comunidade de um
município da região Sul do Brasil, de colonização e
tradição açorianas. A autora constatou que o que as
mulheres consideravam como problema de “nervos” era,
na verdade, problemas que existiam nas suas relações
sociais. Esses problemas estavam normalmente ligados
aos relacionamentos conjugais, mas também a outras
questões, como a pobreza material, os conflitos de
gerações e de gênero e outras dificuldades da vida
cotidiana. Assim, tornou-se claro que, para tratar os
“nervos” dessas mulheres, era necessário colocá-las em
um contexto social e cultural único, levando em
consideração todos os fatores que lhes influenciavam
a vida e, por consequência, os “nervos”.
Freitas29 considera que a cárie dentária é uma doença
que deve ser abordada de acordo com um processo
biológico e social. Ele demonstra que os trabalhos
científicos que têm utilizado apenas micro-organismos
e/ou hábitos dietéticos, na tentativa de estabelecer
padrões de risco para adoecer, têm encontrado baixos
coeficientes de correlação. A valorização excessiva dos
fatores relacionados aos micro-organismos e à dieta e
a pouca importância dada às dimensões sociais e
culturais dos indivíduos sugerem um paradoxo na
prática da odontologia. Assim, tornou-se necessário
tentar entender e explicar a doença de outra forma, ou
seja, não apenas como resultante do consumo de
açúcar e da ação de micro-organismos, mas, também,
como resultante de um contexto sociocultural no qual
aquele sujeito (hospedeiro) está inserido.
Observa-se, assim, que os profissionais de saúde têm
estudado e utilizado de forma crescente, em algumas
pesquisas, a antropologia da saúde. A abordagem
interpretativa proposta por alguns autores que
trabalham com a antropologia da saúde tem se mostrado
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
adequada para ampliar a compreensão do complexo
processo de adoecimento e sofrimento.11,15-17,24,26,27 Além
das pesquisas citadas acima, também observa-se o
crescente estudo e a utilização do itinerário terapêutico
em nosso meio para tentar compreender as trajetórias
percorridas pelos sujeitos em busca de possíveis
tratamentos ou cura para os sofrimentos. Conhecer o
significado dos eventos relacionados ao processo de
viver e adoecer das pessoas pode possibilitar a
reconstrução de práticas profissionais mais efetivas e
gratificantes, tanto para o trabalhador da saúde quanto
para a população. A leitura desses estudos orientou
nossa reflexão para a importância de incorporarmos a
abordagem antropológica no cotidiano das relações
entre profissional/pessoa/família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tradicionalmente, o modelo biomédico trata as pessoas
com base em suas doenças e na explicação biológica
para suas causas e mecanismos de tratamento.
Acreditamos, no entanto, que o processo saúde-doença
deve ser entendido sob o olhar psicobiológico e
sociocultural, numa construção permanente e
contextualizada de negociações que vão ao encontro
das multidimensionalidades e subjetividades do ser
humano.
A análise dos estudos abordados neste artigo, os quais
utilizaram o referencial teórico da Antropologia da
Saúde, permitiu compreender que os cuidados com a
saúde constituem um sistema inserido em um contexto
cultural por meio de seus significados simbólicos e se
apoiam em modelos de interações interpessoais e em
instituições sociais. Assim, os modelos e as crenças
explicativos da doença definem a escolha, e a avaliação
do tratamento, o status, as relações de poder, a interação
e as instituições fazem parte dos sistemas de saúde,
assim como os pacientes, os curadores, a doença e o
processo de cura. Antropólogos como Kleinman,
Helman e Langdon contribuíram para ampliar a visão
sobre esses aspectos.
Todavia, as relações entre as experiências subjetivas das
pessoas nem sempre guardam coerência com os
modelos explicativos dos sistemas terapêuticos. Os
indivíduos, quando adoecem, possuem uma percepção
individual e particular sobre a doença e respondem a
essa situação com base em suas experiências subjetivas
e nas da família. Ambos atribuem a ela significados
particulares que são influenciados pela cultura, pela
personalidade e pelo contexto social e econômico onde
vivem e convivem.15
por exemplo, houve um aumento de 30% para 55% das
consultas pagas no sistema de saúde na área de
medicina alternativa, nos últimos dez anos, publicado
na revista médica JAMA. Segundo Minayo, 31 a
descrença de muitas famílias e grupos nas relações
com o sistema médico tradicional é fruto de “uma
experiência prática em que se sentem anônimas,
impotentes e discriminadas”.
Ao realizar a aproximação entre as concepções
biomédica e cultural, a antropologia deixa claro que os
homens que atuam nas dimensões biopsicossocial e
econômico-política do processo saúde/doença o fazem
por meio de processos ideológicos baseados na
experiência pessoal e grupal, em crenças, percepções,
atitudes e práticas, dadas social e historicamente. Dessa
forma, reconhece-se que o que cada indivíduo sente é
percebido e valorizado de acordo com a sociedade da
qual faz parte. A antropologia amplia o olhar,
permitindo mudanças na relação profissional-usuário/
cliente, e esse novo olhar pode resultar em cuidados e
práticas como uma escuta atenta, com interesse pelo
outro (usuário) e a disponibilidade para, juntos,
buscarem formas singulares para enfrentar a situação
vivenciada.
Portanto, as pessoas com problemas de saúde escolhem
não apenas entre tipos diferentes de curandeiros
(informal, profissional ou popular), mas também entre
os diagnósticos e as recomendações que fazem sentido
para elas, sendo que o desfecho pode ser o da “não
adesão” ao tratamento ou a transferência a outro
segmento da rede terapêutica.16 Mas a interpretação das
ações e escolhas é de natureza conjuntural, histórica,
que expressa e produz os sentidos que podem ser
reformulados com base nas ações dos indivíduos nos
diferentes contextos da sua vida.
O importante é que se crie um espaço para novas
práticas e cuidados, tanto para profissionais da saúde
quanto para usuários/clientes, na construção de
projetos terapêuticos mais abrangentes que possam
superar a dicotomia do modelo biomédico
hegemônico. As práticas/cuidados redimensionariam
seus limites incluindo o usuário/cliente como sujeito
ativo no seu cuidado e como protagonista no seu
processo de adoecimento.
Esse espaço nada mais é do que o estabelecimento do
diálogo entre os atores sociais envolvidos no processo
terapêutico, diálogo que, uma vez aberto, faz com que
as práticas de saúde não fiquem caracterizadas como
um espaço de exercício do poder de um sujeito sobre
outro, mas, sim, que se legitimem como verdadeiros
processos promotores de saúde.
Há que se considerar que, além do sistema oficial de
assistência à saúde, normalmente existem, em muitos
países ocidentais, sistemas como a homeopatia, o
herbalismo e a cura espiritual (pluralismo médico) que
podem ser chamados de subculturas de assistência à
saúde. Essas subculturas têm crescido de importância,
principalmente em decorrência da descrença nos
sistemas de saúde tradicionais.15,30 Nos Estados Unidos,
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
145
A antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
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Data de submissão: 30/6/2008
Data de aprovação: 15/09/2009
146
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 139-146, jan./mar., 2009
Reflexivo
CONCEITO DE INTEGRALIDADE NA ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL NO
CONTEXTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
THE CONCEPT OF INTEGRALITY IN MENTAL HEALTH CARE IN THE CONTEXT OF PSYCHIATRIC REFORM
CONCEPTO DE INTEGRALIDAD EN LA ATENCIÓN EN SALUD MENTAL DENTRO DEL CONTEXTO DE LA
REFORMA PSIQUIÁTRICA
Cíntia Nasi1
Adriana Serdotte Freitas Cardoso2
Jacó Fernando Schneider3
Agnes Olschowsky4
Christine Wetzel5
RESUMO
A integralidade, no campo da saúde mental, visa permitir o contato e o acolhimento do sujeito em sofrimento
psíquico, com destaque na vertente assistencial, para a construção de redes de atenção integral em saúde mental.
O objetivo com este estudo é refletir sobre o princípio da integralidade e sua inserção na área da saúde mental.
Também se discute sobre esse princípio na rede de serviços substitutivos em saúde mental como dispositivo indicador
de uma nova maneira de pensar e de atenção em saúde mental. Para tanto, faz-se necessário que os profissionais
dos serviços de saúde desenvolvam um atendimento integral aos seus usuários, compartilhando experiências, com
a participação da família e da comunidade.
Palavras-chave: Saúde Mental; Assistência Integral à Saúde; Serviços de Saúde Mental.
ABSTRACT
In mental health care, integrality aims to enable an initial contact of patients with mental suffering. It emphasizes
the assistential service and the construction of full attention networks in mental health. This article aims to reflect
about the concept of integrality and its application in mental health care. It also discusses the importance of integrality
in the network of substitute mental health services as a means of promoting new ways of thinking about mental
health. With this goal, it is necessary that healthcare professionals provide an integral assistance to the patients by
sharing their experiences and stimulating the participation of the family and the community.
Key words: Mental Health; Comprehensive Health Care ; Mental Health Services.
RESUMEN
La integralidad, dentro del campo de la salud mental, tiene por finalidad permitir el contacto y la acogida al sujeto
en sufrimiento psíquico, sobre todo en el aspecto asistencial, para construir redes de atención integral en salud
mental. Este estudio tiene por objetivo reflexionar sobre el principio de la integralidad y su inserción en el ámbito
de la salud mental. Se debate también este principio en la red de servicios sustitutivos en salud mental como
dispositivos indicadores de una nueva forma de pensar y de asistencia en salud mental. Es necesario que los
profesionales de los servicios de salud dispensen atención integral a sus usuarios, compartiendo experiencias con
participación de la familia y de la comunidad.
Palabras clave: Salud Mental; Atención Integral de Salud; Servicios de Salud Mental.
1
2
3
4
5
Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: [email protected].
Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: [email protected].
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected].
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: [email protected].
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Assistência e Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected].
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 147-152,
139-146, jan./mar., 2009
147
A Antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
INTRODUÇÃO
A integralidade, como um dos princípios que norteiam
o Sistema Único de Saúde (SUS), vem ganhando
destaque no campo da saúde mental, especialmente a
partir do Movimento da Reforma Psiquiátrica, que se
desdobra na sua vertente assistencial em uma proposta
de construção de redes de atenção integral na saúde
mental.
A integralidade assume posição importante nas
discussões presentes desde a década de 1970, com as
manifestações pela redemocratização do País e pelo
Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, ganhando
destaque como uma das diretrizes do Sistema Único
de Saúde (SUS), sob a denominação de “atendimento
integral”. Tal diretriz tem sua relevância, já que vai contra
a formação médica de base flexneriana, reducionista,
que privilegia a especialização.1
Nesse sentido, esse conceito passa a ser um dos
princípios que direcionam e ampliam as ações de saúde
na busca de uma transformação no modelo de atenção,
e sua incorporação possibilita o questionamento do
paradigma biomédico, bem como uma crítica das
práticas de saúde.
Vários autores têm discutido e desenvolvido esse
conceito, evidenciando a importância dele no
desenvolvimento de saberes e práticas articulados com
a proposta do SUS.1-4
Não se propõe, aqui, discutir a integralidade como um
conceito único, mas, sim, como articulador de diferentes
olhares que permitem a (re)invenção da saúde numa
ótica mais flexível, criativa, que agrega diferentes
saberes e modos de intervenção.
Assim, a integralidade é entendida em várias dimensões,
que não são estanques ou lineares, mas se entrelaçam
e se complementam tendo em vista a complexidade
do objeto da saúde.
Com base nesse fato, uma das dimensões do conceito
de integralidade remete à necessidade da identificação
do sujeito em sua totalidade, preconizando que o
cuidado de pessoas, grupos e coletividade consiste em
compreender o indivíduo nos contextos social, político
e histórico, relacionando-o à família, ao meio ambiente
e à sociedade da qual ele faz parte.5
A ideia de que o indivíduo é um “ser humano completo”
e que aspectos do seu contexto devem ser considerados
é uma reflexão que estabelece uma crítica à visão
reducionista e fragmentária dos sujeitos. Essa visão tem
suas origens na incapacidade de estabelecer uma
relação com o outro, a não ser transformando-o em um
objeto.6
Esse aspecto da atenção integral está relacionado à
dimensão das práticas, cabendo quase que
exclusivamente ao profissional realizá-la. Refere-se a
atributos ligados ao que se pode considerar uma boa
prática. Mas, mesmo que a postura dos profissionais seja
algo fundamental para a integralidade, em muitas
situações ela só se realizará com a incorporação ou
148
redefinição mais radical da equipe de saúde e seus
processos de trabalho.1
Desse modo, a atenção integral em saúde pressupõe
que, além das ações curativas, tenha-se um enfoque
especial nas ações de promoção, de prevenção e de
reabilitação, bem como que a organização dos serviços
e das práticas de saúde deve relacionar as ações em
saúde coletiva com a atenção individual, sendo
necessário, para tanto, a horizontalização dos
programas.7
A noção de integralidade não admite conceber a ideia
de que um usuário com várias enfermidades necessite
encaminhar-se a pontos distintos do sistema de saúde
para a resolução de seus problemas. As práticas das
equipes de saúde devem ser pensadas vislumbrando o
horizonte da população atendida, e não este ou aquele
programa do Ministério da Saúde. Assim, os serviços de
saúde não podem estar organizados exclusivamente
para atender às doenças de uma comunidade, mas é
indispensável que sejam capazes de apreender
amplamente as necessidades da sua população, mesmo
aquelas não contempladas ou que venham a surgir ao
longo do processo de trabalho.1
Outro aspecto é que o conceito de integralidade
também se aplica às respostas governamentais aos
problemas de saúde. Também nas políticas é
fundamental a busca de uma visão mais abrangente
daqueles que serão alvo das políticas de saúde e a
recusa em aceitar um recorte do problema que o reduza
a algumas das suas dimensões, o que configura a
integralidade.1
Com base nessas delimitações, busca-se refletir sobre
o princípio da integralidade e sua inserção na área da
saúde mental. Para tanto, pensamos que o conceito da
integralidade pode ser discutido tomando por base três
sentidos propostos para o conceito integralidade como
norteador de práticas, de organizações de serviços e
de políticas de saúde.1
A INTEGRALIDADE NA ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
Para discutirmos o princípio da integralidade na atenção
em saúde mental, faz-se necessária a contextualização
da transformação do modelo assistencial nesse campo
que, gradativamente, passa de uma lógica manicomial,
hospitalocêntrica, para o modo psicossocial, com a
valorização do sujeito em sofrimento psíquico.
Tal transformação passou a ocorrer com o Movimento
da Reforma Psiquiátrica Brasileira, em um contexto de
redemocratização do País, e do projeto da Reforma
Sanitária. Esse movimento, de contestação da
psiquiatria vigente, foi influenciado, principalmente,
pela psiquiatria democrática italiana, por volta do final
da década de 1970, que buscou operar uma mudança
da psiquiatria tradicional para o modo psicossocial.
Costa-Rosa 8 considera a subjetividade do doente
mental, valorizando-o como cidadão e singularizandolhe a existência. A luta é a favor da desospitalização e
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 147-152, jan./mar., 2009
da desmedicalização, recolocando o usuário como
sujeito de sua vida. A interdisciplinaridade aparece
objetivando a integralidade da atenção, considerando
a liberdade do usuário, sua circulação nos serviços e na
comunidade e a territorialização do atendimento como
modos de intervenção.
Atribui-se, então, no modo psicossocial, importância ao
sujeito, considerando-o como participante principal do
tratamento. Esse sujeito é visto como um ser inserido
em um grupo familiar e social, que deve ser considerado
como agente das mudanças buscadas e incluídas no
tratamento.8
Na saúde mental, a integralidade da atenção objetiva
permitir o contato e o acolhimento do sofrimento
psíquico, apresentando respostas diferentes daquelas
orientadas pelo modelo biomédico, que tem a doença
como foco de intervenção. O desafio que se coloca é
romper como a visão linear para ações de saúde e
abarcar uma gama plural de outros profissionais para
uma prática clínica que exige individualização do sujeito
para que sua subjetividade seja escutada.9
A noção de integralidade pode ser considerada,
também, como um eixo norteador de práticas e saberes
que não estão restritos à organização de serviços ou à
criação de modelos ideais, sendo essa noção
compreendida como acesso e equidade. Para tanto, não
basta a criação de novas unidades assistenciais, mas,
sim, a ruptura com os valores segregadores de uma
cultura psiquiátrica centrada no manicômio.10
Nesse sentido, concordamos que não é suficiente
apenas a criação de novos serviços de saúde mental
para a busca do princípio da integralidade, mas é
necessário articular propostas que considerem as
dimensões políticas, sociais, técnicas e científicas para
a construção de modos de atenção orientadas pelo
paradigma psicossocial, procurando garantir uma
ruptura com o atendimento prestado no modelo
biomédico.
Essa transformação na saúde mental pressupõe a
inclusão de outros paradigmas na atenção aos sujeitos
em sofrimento psíquico, substituindo a palavra “tratar”,
que leva a uma nomeação diagnóstica, por “cuidar”,
termo que inclui várias dimensões a serem superadas
no cuidado ao sujeito, uma vez que a pessoa em
sofrimento psíquico não pode ser reduzida a um
conjunto de sintomas e causas.4
A noção de cuidado não é vista como nível de atenção
do sistema de saúde ou como um procedimento técnico
simplificado, mas como uma ação integral, que é tratar,
respeitar, acolher, atender o ser humano em seu
sofrimento.11
A atitude de cuidar se apresenta quando alguém tem
importância para nós, recolocando para a saúde a
importância da subjetividade, pois o cuidado constitui
o meio e o fim das ações desenvolvidas pelos
profissionais, servindo para interrogar os modos como
são produzidas as intervenções, bem como a
organização delas. O cuidado ganha materialidade na
atitude dos profissionais, nas tecnologias priorizadas,
caracterizando-se como uma unidade nucleadora de
saberes e práticas sobre a integralidade, pois revela-se
como um fio condutor para a construção de saúde.12
Assim, o cuidado pressupoõe capacidade de escuta e
disponibilidade para acolher e interagir com os sujeitos
que demandam atenção em saúde. O cuidado também
deve ser orientado para a busca da reabilitação
psicossocial dos sujeitos e da reinserção social deles na
comunidade.
Na saúde mental, podemos entender a integralidade
como uma ação compromissada para romper
barreiras, desmontando o ideal de hospitalização,
medicalização, isolamento e perda da autonomia
como a melhor forma de intervenção. O que se procura
é resgatar um conceito mais positivo sobre a loucura,
exigindo que o cuidado ocorra em diferentes espaços
e uma prática assistencial que considere a
subjetividade e a singularidade do sujeito em
sofrimento psíquico, na qual a inclusão, a cidadania, a
autonomia e a solidariedade aparecem como
conceitos norteadores para ações integrais.13
Ainda contrapondo-se à lógica manicomial, surgem
questões relativas à natureza ideológica e técnica, no
que diz respeito à condenação da segregação e ao
isolamento como método terapêutico. Nesse sentido,
a negação do papel do isolamento em hospitais
psiquiátricos e a compreensão de que o que deve ser
cuidado é o indivíduo e seus problemas, e não somente
o seu diagnóstico, é que determinam um olhar integral
no atendimento em saúde mental.4
As Portarias SNAS n° 189, de 19 de novembro de 1991,
e a SNASn° 224, de 29 de janeiro de 1992, que
regulamentaram a Política Nacional de Saúde Mental
no País, são contribuições importantes para a
substituição da lógica manicomial para a psicossocial,
incentivando a integralidade da atenção em saúde
mental.14
Além do mais, a Lei Federal nº 10.216, de abril de 2001,
redireciona o modelo assistencial em saúde mental e
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais. Destaque-se que nessa
lei está previsto o atendimento integral ao sujeito em
sofrimento psíquico com serviços médicos, psicológicos,
ocupacionais, de assistência social e de lazer.14
Nossa posição vai ao encontro de que esse novo modo
de cuidar em saúde mental preconiza a necessidade de
uma Rede de Atenção Integral em Saúde Mental que
ofereça um cuidado não excludente, de escuta, e
possibilite a inserção social dos sujeitos em sua
comunidade, em articulação com sua família.
Assim, a Rede de Atenção Integral em Saúde Mental
deliberada na Segunda Conferência Nacional de Saúde
Mental é definida como “um conjunto de dispositivos
sanitários e socioculturais que partam de uma visão
integrada de várias dimensões da vida do indivíduo, em
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 147-152, jan./mar., 2009
149
A Antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
diferentes e múltiplos âmbitos de intervenção:
educativo, assistencial e reabilitação”.15
Entendemos que essa rede deve ser formada por
diversos dispositivos, substitutivos à lógica manicomial,
como CAPs, ambulatório especializado, internação em
hospital geral, residenciais terapêuticos, atenção nas
unidades básicas de saúde. Além do mais, essa rede de
atenção deve buscar articulação com serviços de outras
áreas, como o serviço social, a cultura, a justiça, a
habitação, dentre outros. Corroborando, Alves 4
considera a intersetorialidade e a diversificação como
componentes indissociáveis da integralidade, já que
para lidar com problemas complexos há que diversificar
ofertas de maneira integrada e buscar articulação em
outros setores.
Identificamos a riqueza de articulações em nível setorial
para a área da saúde mental, já que nesse campo não
basta somente o oferecimento de dispositivos ligados
à saúde, mas, também, de setores de cultura, lazer, de
moradia, que possibilitem maior circulação dos sujeitos
em sofrimento psíquico no espaço da cidade,
promovendo a reinserção social e o resgate da
autonomia.
Para a construção da rede integral de atenção em saúde
mental, alguns conceitos e referências devem ser
debatidos e incorporados, como a universalidade e a
integralidade da atenção, a equidade, o sistema de
referência e contrarreferência, a participação popular,
as mediações sociais, a inserção social nas relações de
trocas sociais, a horizontalidade do sistema, a
habilitação social e a perspectiva da convivência dos
diferentes.16
A noção de integralidade da atenção ocorre pelo
reconhecimento no cotidiano dos serviços de que cada
pessoa é um todo indivisível e social, que as ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde não
podem ser fragmentadas e que as unidades prestadoras
de serviço, em seus diversos graus de complexidade,
configuram-se como um sistema indissociável, capaz de
oferecer atenção em saúde mental.
Para promover a integralidade nas ações de saúde
mental aos usuários em sofrimento psíquico, é
necessário o envolvimento de todos os níveis de
atenção em saúde, desde os serviços da rede básica de
saúde, como os serviços especializados, como os CAPs,
até a internação em hospital geral. Destaque-se que
nessa Rede de Atenção em Saúde Mental, os CAPs
deveriam ter a função de articulação, possibilitando
melhor fluxo e atendimento.
Os CAPs compreendem unidades de atendimento em
saúde mental que oferecem aos usuários um programa
de cuidados intensivos elaborado por uma equipe
multidisciplinar. 17 São dispositivos estratégicos,
concebidos, inicialmente, como alternativa terapêutica
em substituição ao modelo centrado no hospital
psiquiátrico. Por serem comunitários, inserem-se em
determinada cultura, em território definido, com seus
150
problemas e suas potencialidades, e constituem locais
em que as crises devem ser enfrentadas, resultado que
são, geralmente, de fatores do indivíduo, de sua família,
eventualmente de seu trabalho e, seguramente, de seu
meio social.4
Nessa posição de articulação e construção da Rede de
Saúde Mental, os CAPs devem cumprir sua função na
assistência direta e na regulação da rede de serviços de
saúde, com um trabalho em conjunto com as equipes
de saúde da família e agentes comunitários, bem como
trabalhar na promoção da vida comunitária e da
autonomia dos usuários, articulando os recursos
existentes em outras redes sociossanitárias, jurídicas,
cooperativas de trabalho, escolas, empresas, etc.18
Desse modo, a integralidade da atenção na Rede
Integral de Saúde Mental deve considerar o modo
singular das pessoas com transtornos mentais, ou seja,
sua relação consigo e com o mundo, remetendo-nos a
uma noção de clínica ampliada que organiza o cuidado
com a ideia de encontro do serviço com a comunidade
e com o sofrimento psíquico apresentado pelo usuário.
O dia a dia dos serviços e seu contexto são elementos
fundamentais, pois é nesse lugar que a vida acontece e
o cuidado é oferecido.
Além disso, é fundamental que o trabalho dos serviços
da Rede de Saúde Mental seja desenvolvido por uma
equipe interdisciplinar de profissionais que busque a
interação interdisciplinar, com troca e produção de
saberes, visando à integralidade no atendimento dos
usuários. Entretanto, identificou-se que tal atendimento
interdisciplinar ainda é um desafio que necessita ser
enfrentando pelas equipes de saúde mental, já que
muitas vezes o atendimento tem sido prestado por
profissionais atuando em uma mesma disciplina, em
conformidade com o modelo biomédico, sem haver
complementaridade entre os saberes.
Especificamente sobre o cuidado em Saúde Mental na
Atenção Básica, as equipes de saúde da família devem
ser preparadas na concepção geral da reforma
psiquiátrica e da reforma sanitária, considerando ambas
como processos sociais complexos cujo objetivo é a
melhoria da assistência médica quanto à promoção da
saúde e à construção de consciência sanitária nas
comunidades.19
Saliente-se que, para a efetivação de uma Rede de
Saúde Mental que promova a autonomia, o respeito, a
liberdade, a reinserção social dos seus usuários e a
almejada consolidação da Reforma Psiquiátrica
Brasileira, é necessário muito mais que portarias e
legislações, embora se reconheça a extrema
importância que elas representam para a saúde mental.
Para que tais parâmetros se efetivem, é fundamental a
criação de serviços de base territorial que fortaleçam a
rede de atenção à saúde mental, além do envolvimento
dos atores que fazem parte dela, ou seja, profissionais,
usuários, familiares e comunidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, a compreensão da integralidade da atenção está
permeada pelo entendimento de que o sujeito é um
ser de amplas e diferentes necessidades que não podem
ser abordadas de forma isolada e, por vezes,
descontínua. Ao contrário, para que se possa planejar e
garantir a promoção e o exercício da saúde como
qualidade de vida, é fundamental gerar o máximo de
interfaces possíveis, sejam entre as diferentes pastas e
serviços do campo da saúde, sejam entre outros
campos.20
Entretanto, a integralidade talvez só se realize com o
estabelecimento de uma relação sujeito-sujeito, quer
nas práticas nos serviços de saúde, quer nos debates
sobre a organização dos serviços, quer nas discussões
sobre as políticas.1
Há necessidade de investimento na rede de serviços de
saúde mental tanto em relação a criação de serviços
que se contraponham à lógica manicomial como na
consolidação desses, para que atuem possibilitando
diversas ofertas para uma diversidade de demandas dos
sujeitos em sofrimento psíquico.
Dessa forma, deve-se ter atenção para que os
profissionais dos serviços de saúde prestem um
atendimento integral, compartilhando experiências,
com o envolvimento de familiares e da comunidade. É
preciso disponibilizar um cuidado com o ser e não
somente com a doença, levando em consideração as
experiências dos sujeitos, especialmente em serviços
substitutivos ao modelo manicomial.
Torna-se necessário assumir a integralidade como um
eixo norteador de novas formas de agir social em saúde,
de uma nova forma de gestão de cuidados nas
instituições de saúde, permitindo o surgimento de
experiências inovadoras na incorporação e no
desenvolvimento de novas tecnologias assistenciais. É
preciso exercitar a prática de compartilhar saberes e
olhar os problemas em conjunto para, assim, cuidar de
forma integral.
REFERÊNCIAS
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In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 6ª ed. Rio de Janeiro: IMS/UERJ/
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Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. 6ª ed. Rio de Janeiro: IMS/UERJ/
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151
A Antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana
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da Família. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 2000. Coleção Saúde & Loucura, n. 7.
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Data de submissão: 24/6/2008
Data de aprovação: 2/6/2009
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Normas de Publicação
REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
1 SOBRE A MISSÃO DA REME
A REME - Revista Mineira de Enfermagem é uma publicação da Escola de Enfermagem da UFMG em parceria com Faculdades,
Escolas e Cursos de Graduação em Enfermagem de Minas Gerais: Escola de Enfermagem Wenceslau Braz; Fundação de Ensino
Superior do Vale do Sapucaí; Fundação de Ensino Superior de Passos; Centro Universitário do Leste de Minas Gerais; Faculdade de
Enfermagem da UFJF- Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui periodicidade trimestral e tem por finalidade contribuir para a
produção, divulgação e utiliz ação do conhecimento produzido na enfermagem e áreas correlatas, abrangendo a educação, a
pesquisa e a atenção à saúde.
2 SOBRE AS SEÇÕES DA REME
Cada fascículo, editado trimestralmente, terá a seguinte estrutura:
Editorial: refere-se a temas de relevância do contexto científico, acadêmico e político-social;
Pesquisas: incluem artigos com abordagem metodológicas qualitativas e quantitativas, originais e inéditas que contribuem para a
construção do conhecimento em enfermagem e áreas correlatas;
Revisão Teórica: avaliações críticas e ordenadas da literatura em relação a temas de importância para a enfermagem e áreas correlatas;
Relatos de Experiência: descrições de intervenções e experiências abrangendo a atenção em saúde e educação;
Artigos Reflexivos: textos de especial relevância que trazem contribuições ao pensamento em Enfermagem e Saúde;
Normas de publicação: são as instruções aos autores referentes a apresentação física dos manuscritos, nos idiomas: português,
inglês e espanhol.
3 SOBRE O JULGAMENTO DOS MANUSCRITOS
Os manuscritos recebidos serão analisados pelo Conselho Editorial da REME, que se reserva o direito de aceitar ou recusar os
trabalhos submetidos. O processo de revisão –peer review – consta das etapas a seguir, nas quais os manuscritos serão:
a) protocolados, registrados em base de dados para controle;
b) avaliados quanto à apresentação física - revisão inicial quanto aos padrões mínimos de exigências da REME - (folha de rosto com
identificação dos autores e títulos do trabalho) e a documentação; podendo ser devolvido ao autor para adequação às normas,
antes do encaminhamento aos consultores;
c) encaminhados ao Editor Geral que indica o Editor Associado que ficará responsável por indicar dois consultores em conformidade
com as áreas de atuação e qualificação;
d) remetidos a dois consultores especialistas na área pertinente, mantidos em anonimato, selecionados de um cadastro de revisores,
sem identificação dos autores e o local de origem do manuscrito. Os revisores serão sempre de instituições diferentes da instituição
de origem do autor do manuscrito.
e) Após recebimento dos pareceres, o Editor Associado avalia e emite parecer final e este, é encaminhado ao Editor Geral que
decide pela aceitação do artigo sem modificações, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações.
Cada versão é sempre analisada pelo Editor Geral, responsável pela aprovação final.
4 SOBRE A APRESENTAÇÃO DOS MANUSCRITOS
4.1 Apresentação gráfica
Os manuscritos devem ser encaminhados pelo correio, gravados em disquete ou CD-ROM, utilizando programa “Word for Windows”,
versão 6.0 ou superior, fonte “Times New Roman”, estilo normal, tamanho 12, digitados em espaço 1,5 entre linhas, em duas vias
impressas em papel padrão ISO A4 (212 x 297mm), com margens de 2,5mm, padrão A4, limitando-se a 20 laudas, incluindo as
páginas preliminares, texto, agradecimentos, referências e ilustrações.
4.2 As partes dos manuscritos
Todo manuscrito deverá apresentar a seguinte estrutura e ordem, quando pertinente:
a) páginas preliminares:
Página 1: Título e subtítulo- nos idiomas: português, inglês, espanhol; Autor(es) – nome completo acompanhado da profissão,
titulação, cargo, função e instituição, endereço postal e eletrônico do autor responsável para correspondência; Indicação da
Categoria do artigo: Pesquisa, Revisão Teórica , Relato de Experiência, Artigo Reflexivo/Ensaio.
Página 2: Título do artigo em português; Resumo e Palavras-chave; Abstract e Key words; Resumen e Palabras clave. As Palavraschave (de três a seis), devem ser indicadas de acordo com o DECS – Descritores em Ciências da Saúde/BIREME), disponível em:
<http://decs.bvs.br/>. O resumo deve conter até 250 palavras, com espaçamento simples em fonte com tamanho 10.
rem
rem
E - ERev.
- Rev.
Min.
Min.
Enferm.;13(1):
Enferm.;13(1):
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Página 3: a partir desta página apresenta-se o conteúdo do manuscrito precedido pelo título em português, que inclui:
b) Texto: - introdução;
- desenvolvimento (material e método ou descrição da metodologia, resultados,
discussão e/ou comentários);
- conclusões ou considerações finais;
c) Agradecimentos (opcional);
d) Referências como especificado no item 4.3;
e) Anexos, se necessário.
4.3 Sobre a normalização dos manuscritos:
Para efeito de normalização, serão adotados os Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de
Vancouver). Esta norma poderá ser encontrada na íntegra nos endereços:
em português: <http://www.bu.ufsc.br/bsccsm/vancouver.html>
em espanhol: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm>
em inglês: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html>
As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas pela primeira vez no texto.
As citações no texto devem ser indicadas mediante número arábico, sobrescrito, correspondendo às referências no final do artigo.
Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o “Journals Database”- Medline/Pubmed, disponível em: <http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> ou com o CCN – Catálogo Coletivo Nacional, do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecologia (IBICT), disponível em: <http://www.ibict.br.>
As ilustrações devem ser apresentadas em preto & branco imediatamente após a referência a elas, em conformidade com a
Norma de apresentação tabular do IBGE, 3ª ed. de 1993 . Em cada categoria deverão ser numeradas seqüencialmente durante o
texto. Exemplo: (TAB. 1, FIG. 1, GRÁF. 1). Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas
devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto
deverão ser mencionadas entre parênteses, indicando a categoria e o número da ilustração. Ex. (TAB. 1).
As abreviaturas, grandezas, símbolos e unidades devem observar as Normas Internacionais de Publicação. Ao empregar pela
primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou expressão completos, salvo quando se tratar de uma unidade
de medida comum.
As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro,
quilo, litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas, em graus Celsius. Os valores de pressão arterial, em milímetros de
mercúrio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais.
Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado antes das referências.
5 SOBRE O ENCAMINHAMENTO DOS MANUSCRITOS
Os manuscritos devem vir acompanhados de ofício de encaminhamento contendo nome do(s) autor(es), endereço para
correspondência, e-mail, telefone, declaração de colaboração na realização do trabalho e declaração de responsabilidade e
transferência de direitos autorais para a REME (modelo disponível no site).
Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhada uma cópia de aprovação emitida
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Os manuscritos devem ser enviados para:
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6 SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO EDITORIAL
Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Editorial.
A REME não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nos artigos.
Versão de setembro de 2007
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Publication Norms
REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM
INSTRUCTIONS TO AUTHORS
1. THE MISSION OF THE MINAS GERAIS NURSING MAGAZINE – REME
REME is a journal of the School of Nursing of the Federal University of Minas Gerais in partnership with schools and
undergraduate courses in Nursing in the State of Minas Gerais, Brazil: Wenceslau Braz School of Nursing, Higher Education
Foundation of Vale do Sapucaí, Higher Education Foundation of Passos, University Center of East Minas Gerais, Nursing College
of the Federal University of Juiz de Fora. It is a quarterly publication intended to contribute to the production, dissemination
and use of knowledge produced in nursing and similar fields covering education, research and healthcare.
2. REME SECTIONS
Each quarterly edition is structured as follows:
Editorial: raises relevant issues from the scientific, academic, political and social setting.
Research: articles with qualitative and quantitative approaches, original and unpublished, contributing to build knowledge
in nursing and associated fields.
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Critical reflection: texts with special relevance bringing contributions to nursing and health thinking.
Publication norms: instructions to authors on the layout of manuscripts in the languages: Portuguese, English and Spanish.
3. EVALUATION OF MANUSCRIPTS
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The peer review has the following stages:
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and titles of the paper) and documentation. They may be sent back to the author for adaptation to the norms before forwarding
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name of the authors or origin of the manuscript. The reviewers are always from institutions other than those of the authors.
e) After receiving both opinions, the General Editor and the Executive Director evaluate and decide to accept the article
without alterations, refuse or return to the authors, suggesting alterations. Each copy is always reviewed by the General
Editor or the Executive Director who are responsible for final approval.
4. LAYOUT OF MANUSCRIPTS
4.1 Graphical layout
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4.2 Parts of the manuscripts
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- 3 to 6 – should agree with the Health Science Descriptors/BIREME, available at http://decs.bvs.br/ .
The abstract should have up to 250 words with simple space, font size 10.
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b) Text:
- Introduction;
- Main body (material and method or description of methodology, results, discussion and/or comments);
- Conclusions or final comments.
c) Acknowledgements (optional);
d) References as specified in item 4.3
e) Appendices, if necessary.
4.3 Requirements for manuscripts:
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Spanish: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm>
English: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html>
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Quotations in the text should be numbered, in brackets, corresponding to the references at the end of the article.
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REME – REVISTA DE ENFERMERÍA DEL ESTADO DE MINAS GERAIS
INSTRUCCIONES A LOS AUTORES
1 – SOBRE LA MISIÓN DE LA REVISTA REME
REME - Revista de Enfermería de Minas Gerais - es una publicación trimestral de la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal
de Minas Gerais - UFMG - conjuntamente con Facultades, Escuelas y Cursos de Graduación en Enfermería del Estado de Minas
Gerais: Escuela de Enfermería Wenceslao Braz; Fundación de Enseñanza Superior de Passos; Centro Universitario del Este de Minas
Gerais; Facultad de Enfermería de la Universidad Federal de Juiz de Fora - UFJF. Su publicación trimestral tiene la finalidad de
contribuir a la producción, divulgación y utilización del conocimiento generado en enfermería y áreas correlacionadas, incluyendo
también temas de educación, investigación y atención a la salud.
2 - SOBRE LAS SECCIONES DE REME
Cada fascículo, editado trimestralmente, tiene la siguiente estructura:
Editorial: considera temas de relevancia del contexto científico, académico y político social;
Investigación: incluye artículos con enfoque metodológico cualitativo y cuantitativo, originales e inéditos que contribuyan a la
construcción del conocimiento en enfermería y áreas correlacionadas;
Revisión teórica: evaluaciones críticas y ordenadas de la literatura sobre temas de importancia para enfermería y áreas
correlacionadas;
Relatos de experiencias: descripciones de intervenciones que incluyen atención en salud y educación;
Artículos reflexivos: textos de especial relevancia que aportan al pensamiento en Enfermería y Salud;
Normas de publicación: instrucciones a los autores sobre la presentación física de los manuscritos en los idiomas portugués,
inglés y español.
3 - SOBRE CÓMO SE JUZGAN LOS MANUSCRITOS
Los manuscritos recibidos son analizados por el Cuerpo Editorial de la REME, que se reserva el derecho de aceptar o rechazar los
trabajos sometidos. El proceso de revisión – paper review – consta de las siguientes etapas en las cuales los manuscritos son:
a) protocolados, registrados en base de datos para control;
b) evaluados según su presentación física – revisión inicial en cuanto a estándares mínimos de exigencias de la R.E.M.E ( cubierta
con identificación de los autores y títulos del trabajo) y documentación ; el manuscrito puede devolverse al autor para que lo adapte
a las normas antes de enviarlo a los consultores;
c) enviados al Editor General que indica el Editor Asociado que será el responsable por designar dos consultores de conformidad
con el área.
d) remitidos a dos revisores especialistas en el área pertinente, mantenidos en anonimato, seleccionados de un registro de revisores,
sin identificación de los autores ni del lugar de origen del manuscrito. Los revisores siempre pertenecen a instituciones diferentes
de aquélla de origen del autor del manuscrito;
e) después de recibir los dos pareceres, el Editor General y el Director Ejecutivo los evalúan y optan por la aceptación del artículo sin
modificaciones, por su rechazo o por su devolución a los autores con sugerencias de modificaciones. El Editor General y/o el Director
Ejecutivo, a cargo de la aprobación final, siempre analizan todas las versiones.
4 - SOBRE LA PRESENTACIÓN DE LOS MANUSCRITOS
4.1 Presentación gráfica
Los manuscritos deberán enviarse grabados en disquete o CD-ROM, programa “Word for Windows”, versión 6.0 ó superior, letra
“Times New Roman”, estilo normal, tamaño 12, digitalizados en espacio 1,5 entre líneas, en dos copias impresas en papel estándar
ISO A4 (212x 297mm), con márgenes de 25mm, modelo A4, limitándose a 20 carillas incluyendo páginas preliminares, texto,
agradecimientos, referencias, tablas, notas e ilustraciones. – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 106
4.2 Las partes de los manuscritos
Los manuscritos deberán tener la siguiente estructura y orden, cuando fuere pertinente:
a) páginas preliminares:
Página 1: Título y subtítulo en idiomas portugués, inglés y español; Autor(es)- nombre completo, profesión, título, cargo, función
e institución; dirección postal y electrónica del autor responsable para correspondencia; Indicación de la categoría del artículo:
investigación, revisión teórica, relato de experiencia, artículo reflexivo/ensayo.
Página 2: Título del artículo en portugués; Resumen y palabras clave. Las palabras clave (de tres a seis) deberán indicarse en
conformidad con el DECS – Descriptores en ciencias de la salud /BIREME), disponible en: http://decs.bvs.br/.
El resumen deberá constar de hasta 250 palabras, con espacio simple en letra de tamaño 10.
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 1-158, jan./mar., 2009
157
Página 3: a partir de esta página se presentará el contenido del manuscrito precedido del título en portugués que incluye:
b) Texto: - introducción;
- desarrollo (material y método o descripción de la metodología, resultados, discusión y/o comentarios);
- conclusiones o consideraciones finales;
c) Agradecimientos (opcional);
d) Referencias como se especifica en el punto 4.3;
e) Anexos, si fuere necesario.
4.3 Sobre la normalización de los manuscritos:
Para efectos de normalización se adoptarán los Requisitos del Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de
Vancouver). Esta norma se encuentra de forma integral en las siguientes direcciones:
En portugués: http://www.bu.ufsc.br/bsccsm/vancouver.html>
En español: http://www.enfermeriaencardiologia.com/formación/vancouver.htm
En inglés: http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html >
Las referencias deberán enumerarse consecutivamente siguiendo el orden en el que se mencionan por primera vez en el texto.
Las citaciones en el texto deberán indicarse con numero arábico, entre paréntesis, sobrescrito, correspondiente a las referencias al
final del articulo.
Los títulos de las revistas deberán abreviarse de acuerdo al “Journals Database” Medline/Pubmed, disponible en: <http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> o al CCN – Catálogo Colectivo Nacional, del IBICT- Instituto Brasileño de
Información en Ciencia y Tocología, disponible en: <http://www.ibict.br.>
Las ilustraciones deberán presentarse en blanco y negro luego después de su referencia, en conformidad con la norma de
presentación tabular del IBGE , 3ª ed. , 1993. Dentro de cada categoría deberán enumerarse en secuencia durante el texto. Por ej.:
(TAB.1, FIG.1, GRAF.1). Cada ilustración deberá tener un titulo e indicar la fuente de donde procede. Encabezamientos y leyendas
deberán ser lo suficientemente claros y comprensibles a fin de que no haya necesidad de recurrir al texto. Las referencias e ilustraciones
en el texto deberán mencionarse entre paréntesis, con indicación de categoría y número de la ilustración. Por ej.: (TAB.1).
Las abreviaturas, cantidades, símbolos y unidades deberán seguir las Normas Internacionales de Publicación. Al emplear por
primera vez una abreviatura ésta debe estar precedida del término o expresión completos, salvo cuando se trate de una unidad de
medida común.
Las medidas de longitud, altura, peso y volumen deberán expresarse en unidades del sistema métrico decimal (metro, kilo, litro)
o sus múltiplos y submúltiplos; las temperaturas en grados Celsius; los valores de presión arterial en milímetros de mercurio. Las
abreviaturas y símbolos deberán seguir los estándares internacionales.
Los agradecimientos deberán figurar en un párrafo separado, antes de las referencias.
5 - SOBRE EL ENVÍO DE LOS MANUSCRITOS
Los manuscritos deberán enviarse juntamente con el oficio de envío, nombre de los autores, dirección postal, dirección electrónica
y fax así como de la declaración de colaboración en la realización del trabajo y autorización de transferencia de los derechos de
autor para la revista REME (Modelo disponible en: www.enf.ufmg.br/reme.php)
Para los manuscritos resultados de trabajos de investigación que involucren seres humanos deberá enviarse una copia de aprobación
emitida por el Comité de Ética reconocido por la Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) - Comisión Nacional de Ética en
Investigación, en conformidad con las normas de la resolución del Consejo Nacional de Salud – CNS 196/96. - REME – Rev. Min.
Enf.;11(1):99-107, jan/mar,2007 - 107
Para los manuscritos resultantes de trabajos de investigación que hubieran recibido algún tipo de apoyo financiero, el mismo
deberá constar, claramente identificado, en el propio manuscrito. El autor o los autores también deberán declarar, juntamente con
la autorización de transferencia del derecho de autor, no tener interés personal, comercial, académico, político o financiero en
dicho manuscrito.
Los manuscritos deberán enviarse a:
At/REME – Revista Mineira de Enfermagem
Escola de Enfermagem da UFMG
Av. Alfredo Balena, 190, Sala 104, Bloco Norte
CEP 30130- 100 - Belo Horizonte/ MG – Brasil
6 - SOBRE LA RESPONSABILIDAD EDITORIAL
Los casos omisos serán resueltos por el Consejo Editorial.
REME no se hace responsable de las opiniones emitidas en los artículos.
(Versión del 12 de septiembre de 2007)
158
remE - Rev. Min. Enferm.;13(1): 1-158, jan./mar., 2009
Revista Mineira de Enfermagem
Nursing Journal of Minas Gerais
Revista de Enfermería de Minas Gerais
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