UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA O programa municipal Alegra Centro (Santos-SP): alegria para poucos e exclusão para muitos Paula Dagnone Malavski São Paulo 2011 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA O programa municipal Alegra Centro (Santos-SP): alegria para poucos e exclusão para muitos Paula Dagnone Malavski Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, do departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre sob a orientação da profª Drª Glória da Anunciação Alves São Paulo 2011 2 Quem me dera Ao menos uma vez Explicar o que ninguém Consegue entender Que o que aconteceu Ainda está por vir E o futuro não é mais Como era antigamente. Quem me dera Ao menos uma vez Provar que quem tem mais Do que precisa ter Quase sempre se convence Que não tem o bastante Fala demais Por não ter nada a dizer. Quem me dera Ao menos uma vez Que o mais simples fosse visto Como o mais importante Mas nos deram espelhos E vimos um mundo doente. Letra de Índios – Legião Urbana (1986) 3 AGRADECIMENTOS Esta é uma tarefa muito difícil para mim, pois, eu gostaria de poder me lembrar de cada pessoa que me deu uma palavra de confiança, um abraço, um sorriso ou mesma uma crítica ao longo desta grande caminhada. Primeiramente eu quero agradecer a Deus pela minha vida e pela minha saúde, o que foi fundamental para a realização deste trabalho. Quero agradecê-lo também pelos meus amados pais, que sempre me apoiaram muito, meus avós Leonilda e Atílio (in memoriam) que também sempre me apoiaram e me incentivaram para a realização deste trabalho, que é a realização de um sonho, acima de tudo, e ao meu noivo Ricardo que também sempre esteve ao meu lado, foi amigo, companheiro e “assistente”de trabalhos de campo, o seu amor e sua presença foram fundamentais. E claro, é difícil expressar em palavras o quanto, eu gostaria de agradecer a minha orientadora e amiga Glória pela dedicação, pela amizade, pelo carinho, pelo apoio, pela oportunidade e pelo reconhecimento. Agradeço a CNPq pela concessão da bolsa de estudos ao longo deste trabalho. Também quero deixar este registro de agradecimento aos meus amigos pessoais: Joca, Aya, Elvis, Júnior, Eliane, Ricardo, Marcinha, Karlinha, Iarinha, e todos os colegas de Salvador. Não posso deixar de agradecer aos colegas e professores da USP que sempre estiveram presente ao longo destes anos: Gil, Lívia, Danilo, Sandra, Alberto, Fernanda, Emiliano, Aislan (in memoriam), colegas do LABUR e aos professores Ana Fani Alessandri Carlos, Isabel Alvarez e Simone Scifoni. Agradeço aos colegas santistas da Associação do Centro (Santos), Rafael Ambrósio (ONG Ambienta), Paula Andrade e Carina Pedro. E também agradeço aos colegas da Universidade de Guarulhos e do Museu Paulista da USP. 4 RESUMO O programa municipal Alegra Centro (Santos-SP): alegria para poucos e exclusão para muitos A cidade litorânea de Santos (SP), atualmente, passa por uma profunda transformação de seu espaço histórico e central por meio de políticas públicas, em níveis de poder diferenciados (municipal, estadual e federal), para a sua revalorização, entendida aqui no sentido de um enobrecimento deste fragmento de espaço, enfocando a reabilitação de sua infraestrutura urbana, a readequação do seu patrimônio histórico edificado e a tentativa fazer retornar em seu espaço central investimentos econômicos e comerciais. Esta profunda transformação se dá, neste fragmento a partir da produção de um espaço turístico na área de interface porto-cidade (antiga área portuária abandonada), enobrecimento das atividades comerciais e turísticas na área e também pela tentativa de solucionar diversos problemas de infraestrutura e moradia de grande da população trabalhadora local. Palavras-chave: (re)valorização do espaço urbano, centro histórico, patrimônio historio, arquitetônico e cultural; turismo, políticas públicas urbanas. 5 ABSTRACT The city program Alegra Centro (Santos-SP): joy for the few and exclusion for many The coastal city of Santos (SP) is currently undergoing a profound transformation of its historical and central area due to public policies in different power levels (municipal, state and federal), for its revitalization, understood here as an ennoblement of a fragment of this space, focusing on the rehabilitation of its urban infrastructure, the upgrading of its historical buildings and the economic attempt to return to its central investments and trade. This profound transformation occurred place in in this fragment due to the production of a touristic space in the area of the interface cityharbour (the old abandoned harbour area ), ennoblement of business and touristic activities in the area and also by trying to solve several problems of infrastructure and housing from most of the working population. Keywords: (re) valorization of urban space, historic center, historical heritage ,architectural and cultural; tourism, urban public policies. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES GRÁFICOS Gráfico 1 – Atividade principal dos comerciantes entrevistados...............................p.105 Gráfico 2 – Números de restaurantes abertos no centro santista............................... p.106 Gráfico 3 – Número de cafés abertos no centro santista............................................p.107 FOTOS, IMAGENS e MAPAS Figura 1 – A localização de Santos (SP)......................................................................p.16 Figura 2 – Mapa dos bairros de Santos (SP)................................................................p.17 Figura 3 – Expansão urbana de Santos e São Vicente..................................................p.22 Figura 4 - Santos: Áreas Funcionais do “Grande Centro Comercial”..........................p.23 Figura 5 - Primeira área de abrangência do programa Alegra Centro (2003)..............p.31 Figura 6 - Planos de ação integrada: criação de ZEIS e CPC (corredores de proteção cultural).........................................................................................................................p.32 Figura 7 - A reurbanização da rua XV de Novembro...................................................p.36 Figura 8 - Show noturno promovido pela prefeitura na rua XV de Novembro, esquina com a rua do Comércio às sextas-feiras (Happy hour na XV).....................................p.37 7 Figura 9 – Casarões abandonados na rua do Comércio, próximo ao Museu da Bolsa do Café...............................................................................................................................p.42 Figura 10 – A linha turística do Bonde Histórico.........................................................p.45 Figura 11 - O “Carnabonde” 2011................................................................................p.46 Figura 12 - O atual porto santista no Valongo e o projeto do novo porto....................p.49 Figura 13 - As ruas do centro histórico santista (século XIX e o presente).................p.55 Figura 14 - Fotos de imagens publicitárias feitas no centro histórico santista.............p.58 Figura 15 - A tendência de homogeneização material dos centros históricos: ruas de diferentes centros históricos (Montevidéu – Uruguai, Santos e Ilhéus, respectivamente)...................................................................................................p.59 e 60 Figura 16 – Área de abrangência do Alegra Centro após 2008....................................p.67 Figura 17 - Futuro Centro de Negócios de Produção e Exploração da Petrobrás........p.70 Figura 18 - Área de abrangência do Parque Tecnológico juntamente com a Futura Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás..............................................p.73 Figura 19 - Área de construção do “Tribuna Square”..................................................p.74 Figura 20 - Projeto do túnel “Mergulhão” e da nova área de interface porto/cidade..................................................................................................................p.76 Figura 21 – Rodoanel Mario Covas (SP – 21)..............................................................p.81 Figura 22 - A ponte ligando Santos e Guarujá.............................................................p.82 Figura 23 - O Bairro do Paquetá (próximo ao terminal de passageiros do porto)........p.84 8 Figura 24 – Os projetos de instalação do Museu Pelé..................................................p.92 Figura 25 – Os casarões do Valongo no século XIX....................................................p.93 Figura 26 - Situação atual das moradias na região do Valongo (destaque à direita das ruínas do edifício que irá abrigar o Museu Pelé)..........................................................p.93 Figura 27 - Vista atual do porto (Valongo)..................................................................p.96 Figura 28 - Armazém número 4 – Porto de Santos......................................................p.96 Figura 29 - Imagens do projeto Porto Valongo............................................................p.97 Figura 30 - Área de pesquisa sobre os novos comerciantes do centro.......................p.105 Figura 31 - Foto de cardápios com opções de almoço na Rua XV de Novembro, próximo ao Museu da Bolsa do Café..........................................................................p.108 Figura 32 - O preço do cafezinho no centro histórico santista (à direita, a cafeteria do Museu da Bolsa do Café e, à esquerda, uma lanchonete na rua João Pessoa, próxima à Rodoviária).................................................................................................................p.109 Figura 33 - Os imóveis para alugar na rua XV de Novembro (imóveis restaurados que já comportaram algum tipo de atividade desde a implantação do Alegra Centro – 2003)...........................................................................................................................p.112 Figura 34 – Índice Paulista de Vulneirabilidade Social de Santos (EMPLASA).......p.122 Figura 35 - Os condomínios “Vitória” e “Jardim Paquetá”, respectivamente............p.131 Figura 36 - O abandono dos imóveis e a invasão de empresas no local.....................p.132 Figura 37 – As maquetes dos edifícios Vanguarda I e II............................................p.138 9 Figura 38 – A construção do playground com recursos do Prêmio Caixas - Melhores Práticas em Gestão Local...........................................................................................p.139 Figura 39 – O comércio popular no Bairro do Paquetá..............................................p.142 Figura 40 - Patrocínio da Petrobrás/RPBC (Baixada Santista) nos programas comunitários da ACC. Oficina de bijuterias em Chita e Biblioteca Comunitária......p.143 Figura 41 – A Padaria “Um só coração” e seu projeto de readequação do imóvel.........................................................................................................................p.144 Figura 42 – Cortiços existentes na cidade de Santos entre 1880 e 1889............................................................................................................................p.152 Figura 43 – Situação habitacional da área próxima ao porto de Santos (2002)..........................................................................................................................p.153 Figura 44 – Localização dos terrenos analisados na área de abrangência do Programa Alegra Centro 2007)...................................................................................................p.160 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Investimentos do governo federal para o porto de Santos (Plano de Aceleração do Crescimento – PAC 2)..........................................................................p.88 Tabela 2 - Comerciantes entrevistados.......................................................................p.110 Tabela 3 – Quadro das obras concluídas na cidade, segundo distritos.......................p.133 Tabela 4 – Valorização dos terrenos na área de abrangência do programa Alegra Centro.........................................................................................................................p.161 10 LISTA DE ABREVIATURAS AGEM – Agência Metropolitana da Baixada Santista APC – Área de Proteção Cultural BNH – Banco Nacional da Habitação CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CDMU – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano CDRU – Corredores de Desenvolvimento e Renovação Urbana CMH – Conselho Municipal de Habitação COHAB-ST – Companhia de Habitação da Baixada Santista CONDEPASA – Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado. CODESP – Cia. Das Docas do Estado de São Paulo COPLAN – Conselho Consultivo do Plano Diretor CONDESB – Conselho de Desenvolvimento da Região da Baixada Santista COREFUR – Coordenação de Regularização Fundiária CPC – Corredores de Proteção Cultural DEPLA – Departamento de Planejamento Urbano FINCOHAP – Fundo de Incentivo à Construção de Habitação Popular FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional NESE – Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos da Baixada Santista PAC – Plano de Aceleração do Crescimento PDZPS – Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos PEMAS – Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais PNH – Plano Nacional de Habitação SEP – Secretaria Especial de Portos SEPLAN – Secretaria de Planejamento SFH – Sistema de Financiamento Habitação SNHIS – Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social 11 ZEIS – Zona Especial de Interesse Social 12 SUMÁRIO Introdução...................................................................................................................p.15 Capítulo 1 – A (re)produção do espaço central santista por meio das políticas públicas........................................................................................................................p.27 1.1 O Plano Diretor de 1998 e o Programa Alegra Centro (2003)..............................p.30 1.2 O processo de “resgate” do centro histórico santista.............................................p.39 1.3 O patrimônio arquitetônico, histórico e cultural santista e o processo de revalorização do centro histórico..................................................................................p.51 Capítulo 2 – A (re)produção do espaço central santista e os agentes hegemônicos deste processo (a importância econômica de (re)valorização do centro histórico santista.........................................................................................................................p.66 2.1. O Programa Alegra Centro Tecnologia, o Parque Tecnológico de Santos e a reestruturação urbana do centro histórico santista........................................................p.71 2.2. O porto santista e o Programa Porto Valongo.......................................................p.82 2.3. Os outros agentes deste processo de (re)valorização do centro histórico santista..........................................................................................................................p.98 Capítulo 3 – O espaço central e histórico santista como lugar da reprodução da vida.............................................................................................................................p.118 3.1. Os problemas habitacionais no centro histórico santista e as “tentativas de solução” destes por parte do poder público...............................................................................p.119 3.2. As estratégias do poder público local para (re)valorizar o centro histórico santista e intensificar um processo de segregação socioespacial na cidade...............................p.146 Considerações Finais................................................................................................p.165 Referências Bibliográficas.......................................................................................p.174 13 ANEXOS ANEXO I – Dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE (2000)..................p.183 14 Introdução Santos – “cidade canteiro de obras”: esta é a primeira impressão, e talvez uma primeira definição também, da paisagem da cidade santista (SP) (FIGURAS 1 e 2) nestes últimos anos deste século. De acordo com o setor de Inteligência de Mercado da Imobiliária Lopes, em 2007, o número de unidades residenciais lançadas cresceu 310% em relação ao ano anterior. Neste mesmo ano, foram 3.554 unidades lançadas, com metragem média de 126m² e preço médio de R$3.4571 o m² (no início dos anos 2000, o m² custava, em média, R$ 1.337). Estes lançamentos mais recentes se concentram nas áreas mais nobres da cidade como os bairros da Ponta da Praia, onde ainda havia terrenos maiores, bem como José Menino, em áreas de antigos clubes, também na Vila Rica e no bairro do Gonzaga. Com a entrada de grandes incorporadoras da Capital como Tecnisa, Agre, Lopes, Helbor Gafisa, Camargo Corrêa, além das tradicionais construtoras locais, como o grupo Mendes (responsável pela construção do mais badalado shopping da cidade – o Praia Mar Shopping, do Mendes Covention Center, do Riviera Residence Service – um dos edifícios mais alto da cidade e o primeiro com o sistema pay-per-use2 e o do Riviera Hotel no Gonzaga) no mercado imobiliário de Santos, o perfil dos empreendimentos imobiliários da cidade mudou nos últimos anos. Ao lado de edifícios antigos, com, no máximo dez andares e instalações ultrapassadas em frente à orla, aparecem arranha-céus a três ou quatro quarteirões da praia. Figura 1 – A localização de Santos (SP) 1 Valor equivalente à USD 2.144, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 2 Este tipo de empreendimento possibilita que os locatários das salas comerciais poderão fazer uso temporário (locação) dos quartos para moradia temporaria e dos serviços do hotel pelo sistema pay-peruse. Tambem há a possibilidade de compra de quartos neste hotel como investimento em unidades hoteleiras. 15 Fonte: <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Nov., 2009. Figura 2 – Mapa dos bairros de Santos (SP) 16 1-Valongo 11- Campo Grande 21- Chico de Paula 2-Centro 12- José Menino 22- Jd. Santa Maria 3-Paquetá 13- Pompéia 23- Caneleira 4-Vila Nova 14- Gonzaga 24- Vila São Jorge 5-Vila Mathias 15- Boqueirão 25- Areia Branca 6-Jabaquara 16- Embaré 26- Jardim Castelo 7-Marapé 17- Aparecida 27- Jd. Rádio Clube 8-Vila Belmiro 18- Ponta da Praia 28- Bom Retiro 9-Encruzilhada 19- Estuário 29- Jd. São Manoel 10- Macuco 20- Saboó 30- Alemoa 31- Jd. Piratininga Fonte: <http://www.vivacentro.com.br>. Acesso em Nov., 2009. A paisagem da cidade santista também se transforma por meio de ações do poder público e seus parceiros da iniciativa privada, de acordo com o atual momento de reprodução do capitalismo contemporâneo, o qual impõe novas lógicas que interferem diretamente na produção do espaço urbano santista, modificando a lógica da circulação e da acumulação do capital de ordem local, articulado aos espaços da cidade em diferentes escalas regionais e nacionais (HARVEY, 1996). Neste atual momento, o conteúdo da urbanização santista estaria subordinado ao momento da reprodução, em que novas possibilidades/necessidades de realizar a acumulação despontam no horizonte, produzindo um “novo espaço”, mais moderno, recolocando a urbanização da 17 cidade santista em outros termos. Se a cidade santista, com centro e seus bairros, tem precedência histórica em relação à sua condição de metrópole regional e de sua proximidade com a metrópole paulistana, é esta última que confirma a espacialidade própria do capitalismo, o fenômeno urbano por grandes contingentes, a conhecida sociedade de massas e, pela fragmentação sistêmica das formas de uso do espaço e do tempo, sempre implicadas em rentabilidade econômica e racionalidade técnica (SEABRA, 2004). Para o caso santista, portanto, cabe destacar também, o processo de metropolização do espaço paulista, o qual também permite compreender o novo fundamento do urbano em solo santista. No caso específico do Estado de São Paulo (território com elevadas taxas de urbanização – taxa de 96%, a mais alta do país – e de intensa capitalização das atividades econômicas – intensificação do capital nas atividades agrárias a partir dos anos sessenta do século XX e diante do processo de industrialização do interior paulista, ocorrido a partir dos anos setenta do século XX), este processo de metropolização imprime ao território paulista, e à Região Metropolitana da Baixada Santista, subordinada à Região Metropolitana de São Paulo, além urbanização, características e códigos metropolitanos, como, por exemplo: a tendência de homogeneização material do espaço santista pela construção de arranha-céus, reestruturação espacial da área portuária para permitir o aumento da velocidade de fluxos entre o porto e o interior paulista, o aumento das descontinuidades espaciais no espaço urbano santista – intensificação de investimentos na área insular da cidade e não na área continental e na reafirmação do centro histórico na hierarquia espacial da cidade. Estas lógicas e sua intensificação no processo de produção do espaço santista transformam, significativamente, as práticas sociais na cidade (LENCIONI, 2003). Uma leitura crítica da atual paisagem da cidade de Santos, a paisagem como uma categoria do espaço geográfico e todos os seus desdobramentos, enquanto forma de manifestação do urbano, tende a revelar uma dimensão necessária da produção espacial local, o que implica ir além de sua aparência. Esta leitura também possibilita uma possível compreensão do movimento que envolve diferentes agentes sociais (Estado, agentes capitalistas e moradores) neste processo de transformação e valorização do solo urbano e moradia. 18 A paisagem atual da cidade de Santos guarda momentos diversos do processo de sua produção espacial, os quais fornecem elementos para uma discussão de sua evolução da produção espacial, e do modo pelo qual foi produzida (CARLOS, 1997). Também, segundo Neil Smith (2007), este ambiente urbano, construído, expressa uma organização específica da produção, do consumo e da circulação de sua época. Assim, conforme esta organização se modifica, também se modifica a configuração do ambiente construído, por isso a importância de uma leitura crítica de sua paisagem. Portanto, este momento de reprodução do capital sob os paradigmas e ordens globais, em solo urbano santista, há um reforço de sobreposições de arranjos das Regiões Metropolitanas (da Baixada Santista articulada com a Região Metropolitana de São Paulo), as quais tornam complexa esta configuração que adquiriu uma expressão geográfica bastante acentuada em diferentes áreas da cidade, como o centro histórico da cidade, objeto de estudo deste trabalho. A reconstrução da paisagem do centro histórico santista e a (re)produção de seu espaço, por meio de planos e projetos econômicos (de serviços portuários, turísticos e de lazer, de pesquisa tecnológica, de exploração de petróleo), são empreendimentos pontuais que visam melhorias das condições econômicas desta localidade, como também em toda região metropolitana da Baixada Santista, os quais podem não garantir necessariamente a melhoria das condições de vida da sociedade santista. Esta leitura crítica da paisagem do centro histórico santista, da (re)produção deste fragmento de espaço, em seus diversos conteúdos, aqui proposta, deve ser compreendida pela própria complexidade de expressão do fenômeno urbano, e a tentativa de compreendê-lo, ultrapassando as representações que envolvem a sua produção, como fragmento de espaço do espaço urbano moderno. Parte desta complexidade do atual processo de (re)produção do centro histórico santista, envolve o processo de metropolização sob o qual o espaço urbano santista se encontra e se submete, representando um momento crítico que potencializa a “automatização da cidade”, esta exterior às relações sociais ali estabelecidas e interferindo diretamente no cotidiano local. A concretização desta inserção da cidade santista, de sua economia, no atual processo de reprodução capitalista, em escala local, pode ser melhor compreendida 19 a partir da análise crítica do movimento e das ações do poder público local e dos agentes privados para a reprodução do espaço histórico e central santista. As políticas públicas locais são moldadas sob o atual paradigma do gerenciamento empresarial, pois visam produzir um “novo espaço”, apoiado no trabalho acumulado no tempo e controlado, como uma mercadoria propagada e financiada nos pressupostos empresariais, requerendo uma gestão urbana local, concentrada na rentabilidade mercantil e política de suas realizações. Trata-se de difundir e promover as qualidades, as disponibilidades, as vantagens comparativas da cidade santista frente a outras cidades, na escala regional e nacional, por meio de ações políticas veiculadas na mídia, de um “marketing urbano” – a propaganda da cidade para atrair investimentos visando “vender” a cidade santista como mercadoria no mundo da troca, na busca de uma tentativa de equilíbrio financeiro deste espaço. Os programas municipais santistas visam otimizar as áreas já estruturadas do centro histórico, reforçando sua infraestrutura urbana existente (e o acúmulo de trabalho existente – energia elétrica, saneamento, acesso a transporte e serviços públicos, equipamentos culturais) e acentuando um processo de diferenciação socioespacial nos locais com os melhores equipamentos urbanos para atrair novos investidores e usuários para o local. Nesse contexto, o papel do prefeito, além do político, é do empresário que deve gerenciar a cidade produtiva, requalificar, normatizar, funcionalizar o seu espaço pela técnica com uma ideologia de valorização de determinados espaços urbanos (CARLOS, 2010). Este processo de (re)produção do centro histórico visa adequá-lo para uma cidade santista mais moderna, inserida nos “processos globais”, a qual atenda as demandas impostas pelo atual processo de reprodução capitalista. Neste movimento, o centro histórico passa a ser reafirmado pelo poder público local e seus agentes como também local da acumulação, condição necessária para a manutenção do sistema capitalista em escala local. Assim, o espaço se apresenta como condição, meio e produto dos processos históricos que garantem a reprodução do processo capitalista local na atualidade (CARLOS, 2004), por meio de um processo de (re)valorização econômica. Em especial, este fragmento de espaço, o centro histórico da cidade, passa a ser entendido como uma mercadoria no circuito multiescalar da economia nacional. Nele se realiza um processo de (re)valorização, a partir de ações políticas e econômicas que 20 visam garantir a inserção, “a venda”, deste espaço pelos setores de negócios, de turismo e de lazer, por meio de suas qualidades, particularidades, capazes de gerar um consumo produtivo pautado em suas infraestruturas existentes e no reforço de um processo de higienização do espaço. Isso implica na expulsão de pessoas e atividades não-desejadas (não produtivas) para áreas menos estruturadas da cidade, pela imposição de políticas públicas ordenadoras do espaço urbano para tentar garantir esta inserção da cidade neste novo arranjo espacial regional e nacional, imposto pelas atuais demandas do processo capitalista. As transformações impostas por este processo de (re)valorização do centro histórico santista apresentam-se de forma dialética, pois, este fragmento de espaço é lócus de práticas sociais, inclusive de uso da população, graças ao seu atributo de centralidade (concentração de serviços públicos, de comércio popular, de terminais de ônibus e rodoviária intermunicipal e interestadual, de concentração do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural), bem como local de moradia insalubre (cortiços) de parte da população pobre da cidade. O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir a atual problemática do processo de (re)produção do espaço central e histórico santista e sua revalorização sob a égide dos novos paradigmas impostos pelo capitalismo contemporâneo, enfocando as ações do poder público local e seus parceiros por meio da implantação e desenvolvimento do programa de revitalização urbana municipal denominado “programa Alegra Centro, bem como analisar os processos socioespaciais presentes (FIGURAS 3 e 4). 21 Figura 3 – Expansão urbana de Santos e São Vicente Fonte: Araújo Fillho, J. “Santos, o porto do café” Figura 4 - Santos: Áreas Funcionais do “Grande Centro Comercial” 22 Fonte: Araújo Fillho, J. “Santos, o porto do café” O programa Alegra Centro, como um programa do poder público municipal, propiciou transformações da paisagem urbana santista em seu centro histórico, a partir 23 de ações pontuais da prefeitura santista em melhorias da infraestrutura e de equipamentos urbanos visando o desenvolvimento econômico da cidade deste fragmento de espaço da cidade. Este programa deve ser entendido como um complemento ao Plano Diretor Municipal de 1998, o qual, por meio de parcerias público-privada, efetivou o “resgate do centro histórico” e seu enobrecimento, reabilitando o patrimônio arquitetônico, histórico e cultural edificado desta área. O programa “Alegra Centro” busca resgatar economicamente a área central e histórica da cidade por meio de três estratégias principais: 1. Melhoria da paisagem urbana, reabilitação, refuncionalização e promoção do patrimônio edificado para uso cultural e turístico (museus, teatros, escolas de artes etc) e a criação de uma rede comercial diferenciada no centro histórico (cafés, restaurantes, livrarias, galerias de arte, serviços turísticos, entre outros)3; 2. Soluções habitacionais por meio da reabilitação do uso residencial na região central histórica, com apoio de leis estaduais e federais, por meio do programa de Reabilitação do Uso Residencial na Região Central Histórica de Santos – Alegra Centro Habitação4; 3. Pelo projeto Porto Valongo, assim como o “Alegra Tecnologia”, o Poder Público municipal propõe a transformação de antigos armazéns portuários, desativados da área central, em complexo turístico, náutico, cultural e empresarial (com o aval da Secretaria Especial dos Portos – governo federal), juntamente com a construção de um polo tecnológico adjunto à Unidade de Negócios e Exploração da Petrobrás, em fase de construção no bairro do Valongo. Este Programa municipal envolve estratégias diversas para o desenvolvimento econômico do centro histórico, em articulação com diferentes níveis de intervenção da 3 Para a reabilitação do conjunto da área central santista, o programa “Alegra Centro” prevê incentivos fiscais a empreendimentos residenciais na área central, além de assistência técnica e jurídica a quem se integrar ao programa pela prefeitura. Estão previstas ainda grandes obras de revitalização de antigos armazéns portuários e grandes obras viárias pelo governo estadual paulista, investimentos do governo federal na construção e reabilitação de grandes centros culturais na área e, por último, linhas de crédito do governo estadual e federal para financiamento de moradia popular para a população local com renda até dez salários mínimos. 4 Lei municipal 668/2010 sancionada pelo prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa em 29 de Julho de 2010. 24 esfera pública (estadual e federal), por meio de políticas públicas de ordenamento do uso e da ocupação do solo. Além destes Programas municipais, para uma compreensão destas transformações no centro histórico santista, cabe também destacar o processo de modernização do porto santista, para atender a demanda da indústria paulista e brasileira, transformando a paisagem da cidade. Este porto, o qual escoou 26,7% de toda a produção brasileira em 2009, movimentando uma carga de 83,1 milhões de toneladas neste mesmo ano (2,6% a mais que em 2008)5, as ações de modernização envolvem obras de melhorias em infraestrutura e a construção do terminal oficial de passageiros para atender os atuais passageiros, que, na temporada 2010, atingiram a casa de um milhão de passageiros e também para atender a demanda de turistas nacionais e estrangeiros para a Copa de 2014, os quais procurarão, provavelmente, a cidade em busca de atrações turísticas como, por exemplo, o futuro “Museu Pelé” na área de “revitalização” do centro histórico. Este trabalho visa compreender o “movimento de volta ao centro” como um processo de (re)valorização do centro histórico santista, uma tentativa de viabilizar a (re)produção do capital local, articulado, em outras escalas geográficas, por meio da criação de um espaço turístico pautado no “resgate” da história santista por meio de seu patrimônio arquitetônico, histórico e cultural, além do retorno dos investidores econômicos para a área (desenvolvimento dos setores portuários, tecnológico, de serviços avançados e petrolíferos) por meio dos programas “Alegra Centro e Porto Valongo”. É o interesse dos agentes capitalistas locais (dos poderes públicos e privados), articulados em diversas escalas da economia, em reconstruir uma paisagem e uma imagem “nobre” para esta área, assim como para a cidade santista, a qual tem espaço urbano limitado (área insular) e encontra sérios problemas de infraestrutura urbana, circulação interna e impossibilidade de expansão territorial junto ao porto. Portanto, a problemática deste trabalho discute as transformações que vêm ocorrendo na área central e histórica santista como um processo de (re)valorização da 5 Dados disponíveis no site da Companhia das Docas do Estado de São Paulo, responsável pela administração do porto de Santos. Disponível em: <http://www.portodesantos.com.br>. Acesso em Agosto de 2010. 25 área, em que a “revitalização”, ou a reabilitação, do patrimônio edificado, histórico, arquitetônico e cultural da cidade, é a estratégia ou álibi maior: de uma reestruturação do espaço urbano da cidade a fim de atender as novas demandas e garantia de reprodução do capital local, regional (Região Metropolitana da Baixada Santista), nacional. O discurso estatal visa a busca de um consenso da população para permitir toda esta transformação deste espaço, onde o patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, como traço da história, legitima a produção de um espaço turístico e a modernização econômica. Pretende-se, neste trabalho, avaliar o movimento contraditório da (re)produção do espaço central santista, seus limites, tentando, se possível, tangenciar algum momento crítico de todo este processo de intervenção no espaço, a fim de apontar, mesmo como tendência, alguma virtualidade6, uma possibilidade de subversão da realidade, das formas dadas. No primeiro capítulo deste trabalho, procuramos discutir o contexto histórico local de implementação do programa Alegra Centro (2003), enfatizando a imposição de normas de Uso e Ocupação do Solo Urbano santista, resgatando o movimento de desvalorização econômica do centro histórico e o início de seu processo de (re)valorização a partir da reabilitação e refuncionalização do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da cidade – o programa Alegra Centro Patrimônio. No segundo capítulo, procuramos abordar o papel dos principais agentes privados deste processo de (re)valorização do centro, da modernização do porto santista e o desdobramento do programa municipal Alegra Centro em sua ênfase econômica, o programa Alegra Centro Tecnologia e programa Porto Valongo (a partir de 2008). No terceiro e último capítulo, apresentamos e discutimos o programa Alegra Centro Habitação (2008), além de outras ações do poder público, em diversas esferas, para tentar solucionar os problemas habitacionais no centro histórico e apontar tendências quanto ao uso e apropriação futura do mesmo, as consequências sociais destas ações pontuais do poder público em tentar (re)valorizar economicamente este fragmento de espaço da cidade santista. 6 Segundo Henri Lefebvre, a virtualidade é a possibilidade posta naquele momento histórico, é a possibilidade de realização. 26 Capítulo 1 – A (re)produção do espaço central santista por meio das políticas públicas. A cidade de Santos (SP) tem se destacado nos noticiários locais e regionais, de um modo geral, nos últimos anos, devido às grandes transformações que a cidade tem vivido atualmente, como por exemplo, a descoberta da camada de pré-sal na Bacia de Tupi e de Lula, a transferência da Sede de Negócios e de Exploração da Petrobrás para o bairro do Valongo, a construção do Museu Pelé e o grande número de construções de arranha-céus na orla. A prefeitura do Município orgulha-se de apresentar bons7 índices socioeconômicos em relação à realidade brasileira. No ranking de qualidade de vida e de empregos formais na região Sudeste, do nível de escolaridade, de menor grau de pobreza e melhor índice de rendimento médio dos trabalhadores no Estado de São Paulo, a cidade aparece no topo, e é a 4ª cidade com o menor índice de exclusão social do Brasil. Das 50 cidades brasileiras que registraram o melhor desempenho na geração de emprego formal em agosto, sendo 23 capitais, Santos 7 Com uma população 419.757 (Censo, 2010), esta apresenta bons índices sociais, em relação ao nível nacional: • Baixa taxa de analfabetismo: 3,56% - 3ª melhor cidade do estado Selo Cidade Livre do Analfabetismo (Ministério da Educação); • 65% das escolas municipais de 1º ao 9º ano têm avaliação superior à média nacional do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) - (Mec 2010); • Aleitamento materno: 71,93% dos bebês com até quatro meses de vida são amamentados exclusivamente com leite materno - (Projeto Amamentação & Municípios - Amamunic 2008) • Taxa de homicídios caiu de 10,32 por grupo de 100 mil habitantes, em 2004, para 5,88 em 2009 - (Secretaria de Estado de Segurança Pública); • Grau de urbanização: 99,93% - (IBGE/Seade 2010); • Abastecimento de água: 100% (crescimento de 4.76% em relação a 2005) - (Sabesp 2010); • Coleta e tratamento de esgoto: 100% (crescimento de 5.47% em relação a 2005) - (Sabesp 2010); • Consumidores residenciais de energia elétrica: 178.356 - 7ª cidade do estado - (CPFL 2009); • Renda per capita mensal: 4,8 salários mínimos - 4ª cidade do estado - (IBGE/Seade 2000); • Município Verde Azul, reconhecido como exemplo ambiental - (Secretaria Estadual do Meio Ambiente 2010); • 2º lugar no Ranking Nacional de Gestão Municipal de Cultura - (Ipea 2009). 27 na apareceu relação com a criação de 1070 postos de trabalho gerados8. Segundo o prefeito atual João Paulo Tavares Papa (gestão 2005-2008, reeleito em 2009)9: A importância de Santos no cenário nacional se consolidou em 2010. Porto, logística, turismo, energia (petróleo e gás), desenvolvimento urbano, meio ambiente e tecnologia, eixos do plano estratégico da administração municipal, agora ocupam lugar definitivo nas agendas federal e estadual. Polo da região metropolitana, o município se preparou para este momento, interagindo com as demais esferas de governo, setor privado e organizações não governamentais que exercem liderança nos setores estratégicos da economia. (...). É uma cidade merecedora da admiração e confiança dos brasileiros e do orgulho daqueles que nela sempre acreditaram”. . Segundo o poder público local, importantes passos foram dados para garantir o desenvolvimento econômico da cidade nas últimas décadas, como, por exemplo, a revisão do Plano Diretor de 1998 e de leis complementares do uso e ocupação do solo das áreas insular e continental. As diretrizes de crescimento econômico impõem como prioridade para o município as questões ambientais, de desenvolvimento urbano, de turismo, de pesquisa e desenvolvimento, de energia, do porto, retroporto e logística, da pesca e aquicultura. Apesar de ter havido 61 reuniões abertas ao público de modo que, ao menos em teoria, pudessem ser propostas possibilidades de mudanças propostas para o novo plano diretor municipal, a partir de nosso campo, observamos que as reuniões foram para apresentação das políticas e ações da municipalidade e na participação na mesma teve predominância a fala de empresários locais, quase não havendo moradores na região10. No Plano Diretor, em fase de conclusão 11, as propostas existentes até o momento dão ênfase para questões pontuais da cidade, como por exemplo, novas regras para 8 Dados disponibilizados pelo Cadastro Geral de Empregos e desempregos (Caged). Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Janeiro de 2011. 9 Entrevista disponível no encarte do Diário Oficial da cidade de 26 de Janeiro de 2011. Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Fevereiro de 2011. 10 Ficamos em dúvida se houve ampla divulgação dessas audiências públicas. No site, essa informação é de difícil acesso. 11 A última audiência pública foi marcada para 30 de maio de 2011. Após essa audiência, é que será concluído o Novo Plano Diretor do Município de Santos. 28 construção de prédios de grande porte na cidade do ponto de vista do impacto urbanístico. Há pouca discussão com as demandas sociais da cidade, como por exemplo, a questão de moradia para a população encortiçada no centro histórico, mesmo este estando no foco do discurso político por meio do Programa Alegra Centro desde 2003. O programa Alegra Centro, em nossa análise, está composto de ações que visam reforçar e reestruturar a economia produtiva da cidade. Pressupõe que sua realização garantirá a geração de empregos, aumento na arrecadação de impostos, pelo desenvolvimento do turismo (com a construção/recuperação de equipamentos culturais12), além de complexos13 empresariais e multissetoriais no centro histórico. Para esse centro, vislumbra-se uma apropriação quase privada deste espaço urbano por meio de seu consumo cultural por classes sociais mais abastadas financeiramente, sob um paradigma atual de gestão de cidades que visa inseri-las em um mercado nacional e internacional dos centros e bairros antigos para atividades de turismo e de lazer, bem como para atração de investimentos em outros setores produtivos. As mudanças propostas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo das Áreas Insular e Continental pela prefeitura e aprovadas pelo CMDU (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano), em 23 de Novembro de 2010, reforçam este ajuste da cidade ao processo de crescimento econômico, expansão imobiliária e às necessidades do sistema viário local. Ela ainda prevê a criação do bairro Chinês, junto ao Valongo, como uma nova atração turística para a consolidação da requalificação desta área. Na área continental da cidade, a qual 90% de sua área é definida como Área de Proteção Ambiental, a lei de Uso e Ocupação do Solo visa à expansão portuária e retroportuária. 1.1. O Plano Diretor de 1998 e o Programa Alegra Centro (2003). 12 Criação do Museu Pelé, Marina esportiva, Museu da Bolsa do Café, passeio de bonde histórico, e outros. 13 Sede da Petrobrás, Tribuna Square, conjuntos de prédios residenciais e de escritório. 29 Estas alterações na lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano, de 2010, e a revisão do plano diretor de 1998, juntamente ao instrumento legal, Programa Alegra Centro (2003) (FIGURA 5), o qual, em 2007, obteve reforço com a instituição do Pró-Urbe – programa estadual para recuperação de áreas urbanas degradadas, já reestruturou, parcialmente, equipamentos urbanos e promoveu a tombamento e preservação do patrimônio edificado do centro histórico. O Alegra Centro ainda prevê soluções habitacionais na área central, a construção de uma marina esportiva e o desenvolvimento de um polo cultural e tecnológico para abarcar as atividades portuárias e de serviços, juntamente com a futura Sede de negócios da Petrobrás no Valongo. O Alegra Centro foi criado a partir de uma lei complementar municipal santista (470/2003) ao Plano Diretor do Município de 1998, e, em complementação à lei nº 53 de 15 de maio de 1992, a qual inseriu na legislação uma lei de Uso e Ocupação do Solo de Santos, além da criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) 14, como uma estratégia do poder público municipal santista de reordenar o uso do solo urbano e sua função social, incentivando empreendimentos que denotassem de algum tipo de interesse social15, o que, efetivamente, não ocorreu na prática, pois o centro, neste período, manteve os mesmos problemas sociais de encortiçamento da população pobre e abandono dos imóveis por seus proprietários. As áreas de atuação do programa Alegra Centro estão inseridas nas Áreas de Proteção Cultural (APC)16 criadas pela Lei Complementar nº 448/2001 (em ampliação aos Corredores de Proteção Cultural – CPC (FIGURA 6), definidos pela Lei Complementar 312/1998), que integram as Zonas Centrais I (centro histórico da cidade, a área do grande comércio do café e bancário) e II (Valongo, Paquetá, Vila Nova, sopé 14 Determinadas porções de território com destinação específica e as seguintes normas próprias de uso e ocupação do solo, destinadas à regularização fundiária e urbanística, produção e manutenção de habitação de interesse social, obedecendo à seguinte classificação. 15 Plano Diretor da cidade de Santos (1998) As Áreas de Proteção Cultural (APC) são áreas especificas de proteção a imóveis tombados municipalmente (CONDEPASA) e enquadrados em um dos quatro níveis de proteção especificados pela Lei do Alegra Centro. E somente os imóveis que possuem Nível de Proteção 1 ou Nível de Proteção 2 serão contemplados com os benefícios fiscais (Lei Complementar de criação do Programa Alegra Centro – Título I – disposições preliminares - artigo nº 4). 16 30 do Morro Mont Serrat e partes da Vila Mathias) e a Zona Portuária no trecho compreendido entre o armazém nº 1 e o armazém nº 8. O processo inicial de implementação do Programa Alegra Centro, em 2003, implicou na modificação dos índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas de edificação, considerado o impacto ambiental delas decorrente. Também gerou tombamentos de alguns imóveis de interesse arquitetônico, histórico e cultural (1266 imóveis inseridos na Área de Proteção Cultural 1). Figura 5 - Primeira área de abrangência do programa Alegra Centro (2003) Fonte: <http//www.alegracentro.com.br>. Site acessado em nov., 2009. 31 Figura 6 - Planos de ação integrada: criação de ZEIS e CPC (corredores de proteção cultural) 32 Croqui sem escala. Fonte: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Nov., 2009. Este processo de alteração de leis de Uso e Ocupação do Solo e a instituição de Zonas Especiais de Interesse Social para a cidade impuseram um disciplinamento do parcelamento, do uso e da ocupação do solo, elaborando planos de desenvolvimento econômico e social. O poder público local reformulou o cálculo do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU e criou programas de incentivos e benefícios fiscais e financeiros. No plano jurídico, essas mudanças deveriam atender a função social do solo urbano (desapropriações, concessão de direito real de uso, concessão de uso especial para fins de moradia, usucapião especial de imóvel urbano, transferência do direito de construir, regularização fundiária), conforme o Estatuto da Cidade17, entretanto, não foi isso que ocorreu (conforme discutiremos no capítulo 3). 17 As leis contidas no Estatuto da Cidade, também conhecido como Estatuto das Cidades, lei 10.257 de 10 de julho de 2001, regulamentam o capítulo “Política urbana" da Constituição brasileira de 1988, são marcos de uma conquista para a participação política na gestão das cidades naquele momento. O Estatuto atribuiu aos municípios a implementação de planos diretores participativos, definiu uma série de instrumentos urbanísticos no combate à especulação imobiliária e na regularização fundiária dos imóveis urbanos seus principais objetivos. Ele prevê: • • • • • • • Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios - Sanção imposta aos imóveis considerados subutilizados nos termos do Plano Diretor ou em legislação decorrente. O critério da subutilização aplica-se a glebas passíveis de parcelamento para fins de moradia e lotes com construções para diferentes usos. IPTU progressivo no tempo - Punição com o aumento do IPTU, ano a ano, da propriedade que está ociosa ou mal aproveitada, acarretando prejuízos à população. Aplica-se aos proprietários que não atenderem à notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública - Decorridos cinco anos da cobrança do IPTU progressivo no tempo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o poder público poderá desapropriar o imóvel, pagando a indenização com títulos da dívida pública, mediante autorização do Senado. Usucapião especial de imóvel urbano - É a aquisição de domínio de imóvel urbano para aquele que possuir área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família. Direito de superfície - Permite que o proprietário de terreno urbano conceda, a outro particular, o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo de seu terreno, em termos estabelecidos no contrato. Visa estimular a utilização de terrenos urbanos ociosos. Direito de preempção - É o instrumento que confere, ao poder público municipal, preferência para a compra de imóvel urbano, respeitado o seu valor de mercado imobiliário, e antes que o imóvel de interesse do Município seja comercializado entre particulares. Outorga onerosa do direito de construir - Consiste na possibilidade de o Município estabelecer relação entre a área edificável e a área do terreno, para maior utilização pelo proprietário. Em outras palavras, o proprietário poderá construir além da relação estabelecida em lei, pagando ao poder público por este direito concedido. 33 As ações do poder público municipal santista, por meio de imposição de leis reguladoras do uso do solo e programas, principalmente na área central da cidade, como o Alegra Centro, por exemplo, representam o poder do Estado como organizador do espaço, o qual exerce seu poder a partir da representação da vontade dos seus agentes políticos. Estes detêm uma estratégia política que visa fazer aumentar os investimentos privados na cidade, e o Alegra Centro, para o centro, visa (re)valorizá-lo economicamente por meio de atração de novos investidores e atividades econômicas. Estes agentes dispõem de instrumentos ideológicos e científicos sob lógica de classe, em especial o urbanismo − como uma política do espaço, instrumento e técnica que devem modificar a distribuição dos rendimentos em áreas pontuais, fragmentos de espaço, para fazer retornar os elementos catalisadores de recursos a fim para aumentar, a mais-valia18 (LEFEBVRE, 2005). O programa Alegra Centro, no período de 2003 a 2010, teve sua ênfase na melhoria da paisagem urbana, reabilitação, refuncionalização e promoção do patrimônio edificado para uso cultural e turístico (museus, teatros, escolas de artes, passeio de bonde etc) e para a criação de uma rede comercial sofisticada e diferenciada no centro histórico (cafés, restaurantes, livrarias, galerias de arte etc) (FIGURAS 7 e 8). O programa também visou estimular o crescimento econômico do centro histórico, desde então, com a restauração de cerca de 400 imóveis e investimento de mais de R$ 150 milhões19 pela prefeitura (63% oriundos do poder público municipal, estadual e federal, 31% da iniciativa privada e 6% de parcerias público-privadas)20, destacando-se: a reurbanização das principais ruas do centro (rua XV de Novembro, rua do Comércio, • Transferência do direito de construir - Instrumento que compreende a faculdade conferida, por lei municipal, ao proprietário de imóvel, de exercer em outro local o direito de construir previsto nas normas urbanísticas e ainda não exercido. • Operações urbanas consorciadas - É a possibilidade de parceria entre o proprietário do terreno e empresários para a realização de intervenções urbanas para preservar, recuperar ou transformar áreas urbanas, mediante coordenação pelo poder público municipal. • Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) - Determina que os empreendimentos e atividades privadas ou públicas em área urbana devem apresentar, previamente, estudo que demonstre o impacto na vizinhança para obter as licenças e autorizações de construção, ampliação ou funcionamento. 18 Mais-valia é o sobretrabalho, o trabalho não pago ao trabalhador durante o processo produtivo (LEFEBVRE, 1972). 19 Valor equivalente à USD 93.000.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 34 Rua Tuyuti e rua São Bento), a ampliação da linha turística do bonde, a restauração do Pantheon dos Andradas, a restauração do Teatro Coliseu, a compra do armazém da CEAGESP para construção do Poupatempo, a compra e restauração do teatro Guarany (recursos oriundos da Lei Rouanet21), a restauração da Estação do Valongo, a restauração da casa da Frontaria Azulejada, Outeiro de Santa Catarina e a restauração da casa do Trem Bélico22. 20 Diário Oficial da Cidade de Santos nº 5136, de 07 de abril de 2010. Disponível em: <http://ww.santos.sp.gov.br>. Acesso em Fevereiro de 2011. 21 LEI ROUANET (Lei Federal 8.313) - lei federal assinada em 1991, permite às empresas patrocinadoras um abatimento de até 4% no imposto de renda, desde que já disponha de 20% do total já pleiteado. Para ser enquadrado na lei, o projeto precisa passar pela aprovação do ministério da Cultura, sendo apresentado à Coordenação Geral do Mecenato e Aprovado pela comissão Nacional de Incentivo à Cultura. 22 No total, foram tombados os seguintes imóveis na área envoltória do programa Alegra Centro: • • • Pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): Casa com frontaria azulejada (livro histórico – 1973), Casa do Trem (livro histórico e livro de belas artes – 1940), Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo e todo o seu acervo (livro histórico e de belas artes – 1941), Retábulo da Capela da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (livro de belas artes – 2003) e Casa de Câmara e Cadeia (livro de belas artes – 1959). Pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), nível estadual: Bolsa Oficial do Café (1981), Casa com frontaria azulejada (1982), Casa de Câmara e Cadeia de Santos (1974), Casa do trem (1980), Casarão do Valongo (1983), Conjunto de Santo Antônio do Valongo (1995), Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1981), Outeiro de Santa Catarina (1986) e Teatro Coliseu (1989). Pelo Conselho de defesa do patrimônio cultural de Santos (CONDEPASA), nível municipal, a proteção total (imóveis a serem preservados integralmente): antiga casa de Câmara e Cadeia (1990), casa com Frontaria Azulejada (1990), casa do Trem (1990), Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1990), Igreja e Mosteiro de São Bento (1990), Teatro Coliseu (1990), Bolsa Oficial de Café (1990), o sítio remanescente do Outeiro de Santa Catarina (1990), edifício situado no Largo Marquês de Monte Alegre – Casarão do Valongo (1990), ruínas do antigo Teatro Guarany (1992), Capela do Monte Serrat (1993), Igreja de Santo Antônio do Valongo (1993), Igreja da Ordem Primeira do Carmo (1993), Pantheon dos Andradas (1993), imóvel da Estação Ferroviária (1993), imóvel onde está implantado o edifício de dois pavimentos (atual Agência da Caixa Econômica Federal) (1995), Monumento a Brás Cubas (1997), edifício do antigo Banco do Comércio e Indústria de São Paulo e passeio fronteiriço em tesselas (1997), Cemitério do Paquetá (1998), edifício denominado "Hospedaria dos Imigrantes" (1998), corpo principal do edifício da antiga Estrada de Ferro Sorocabana - incluindo o largo a ela fronteiro (1999), imóvel situado à Rua da Constituição n.º 278 - bairro do Paquetá (2004), imóvel situado à Av. Conselheiro Nébias n.º 361 - no bairro de Vila Mathias (2004), edificação remanescente do "SISTEMA COLETOR DE ESGOTO SANITÁRIO", idealizados pelo Eng. Francisco Saturnino de Brito, representada pela estação elevatória de esgoto localizada na Av. Conselheiro Nébias, esquina com a Rua Campos Sales - Vila Nova, Imóvel situado à Rua Amador Bueno n.º 188 - Centro, edifício onde está localizada a sede 35 Figura 7 - A reurbanização da rua XV de Novembro Fonte: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Janeiro de 2009. do “Centro Português de Santos” (2005), imóvel situado à Avenida Conselheiro Nébias n.º 184 - Vila Nova (2008) e edificação principal e o muro frontal (inclusive portões) de fechamento do imóvel (limitado à proteção das fachadas, volumetria e telhados, excluindose do tombamento os compartimentos internos do edifício e as edificações secundárias implantadas ao fundo) situado à Avenida Conselheiro Nébias n.º 188 e 190 - Vila Nova (2008). Sob o nível de proteção parcial (incluindo as fachadas, volumetria e o telhado): imóvel situado à Rua da Constituição nº 551- antiga fábrica “A Leoneza” (2008), imóvel situado à avenida Conselheiro Nébias nº 124/126 (2007-08), imóveis situados à avenida São Francisco nº 339, 345 e 351, e esquina com a avenida Conselheiro Nébias nº 128 (2007-8) e imóvel do "4º DISTRITO POLICIAL", situado à avenida Conselheiro Nébias nº 258 (2007). 36 Figura 8 - Show noturno promovido pela prefeitura na rua XV de Novembro, esquina com a rua do Comércio às sextas-feiras (Happy hour na XV) Fonte: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Janeiro de 2009. 37 A implementação das leis de Uso e Ocupação do Solo de Santos (1992) criou as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), as Áreas de Proteção Cultural (APC), os Corredores de Desenvolvimento e Proteção Cultural (CPC), como foi fundamental na elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana de 1998 (Lei Complementar nº 311/1998), o qual estabeleceu Diretrizes, Planos de Ação Integrada e Normas Disciplinadoras de Uso e Ocupação do Solo Urbano. Posteriormente, houve a criação do programa Alegra Centro (2003), que marcou o início de um processo de “resgate” do centro histórico da cidade. O Programa Alegra Centro foi a âncora de consolidação deste “resgate” por meio da restauração, reabilitação e refuncionalização do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural do centro e seu uso turístico e cultural. A importância de revitalizar e refuncionalizar este conjunto arquitetônico para o poder público local é a estratégia de produção de um espaço turístico na área, por meio de um consumo cultural da área, reafirmando esta antiga centralidade como memória coletiva social, e, consequentemente, gerando novos fluxos de pessoas, novos pólos comerciais, orientados pelo consumo do desenvolvimento da informação e do marketing iniciando um processo de revalorização da área. As ações do Estado, aliado ao poder econômico, por meio de parcerias público-privado propostas pelo plano diretor de 1998, neste processo de revalorização do espaço, são marcadas pela tendência do público a se identificar com o privado, em que a função social da propriedade urbana, por meio de um processo de revitalização urbana, é a capitalização das propriedades dentro de um processo de revalorização espacial, em um sentido mais fortemente econômico (CARLOS, 2009)23. 1.2. O processo de “resgate” do centro histórico santista 23 Palestra concedida pela autora no evento XI Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB) em Setembro de 2009 – Brasília (DF). 38 Nas apresentações institucionais da prefeitura santista sobre o programa Alegra Centro, são reforçadas algumas características (“potencialidades”24, segundo estes agentes) do centro histórico: localização estratégica (centro econômico da Baixada Santista), a infraestrutura instalada (o trabalho produzido e acumulado na área), polo atrativo de turismo de lazer e esportivo, as pequenas distâncias entre os serviços disponíveis, a facilidade de acesso ao transporte público e a grande concentração de pessoas na área, enfim, destacam a sua importância como um lugar de concentração material, de fluxos e de pessoas. Esta importância do centro, como área estratégica para a cidade, remonta os tempos de fundação do povoado. A disponibilidade das águas calmas e abrigadas, os terrenos secos da planície costeira e a proximidade deste sítio em relação ao ponto de subida da serra – Cubatão, facilitava o comércio com a vila de São Paulo e outros povoamentos do planalto, fazendo com que, por volta de 1534, nascesse o povoado de Santos, juntamente com o seu porto. Até 1850, observou-se uma grande interação entre os rudimentares espaços destinados ao porto e os espaços do núcleo original da cidade, porém, quando a atividade cafeeira suplanta a do açúcar na pauta do comércio de exportação, propiciando uma maior movimentação comercial, a construção de “pontes” articuladas a um armazém alfandegado (trapiches) − primeiros “aparelhos” portuários (1857), e a inauguração da Estação do Valongo − linha férrea da São Paulo Railway (1867), provocaram uma profunda transformação na cidade, em toda sua infraestrutura (SALES, 1999). Esta primeira grande modernização do porto trouxe melhorias em infraestrutura urbana, principalmente no centro: foram obras de saneamento para erradicar as epidemias (febre amarela, malária e varíola) que assolavam a região no século XIX, e que, a partir dos anos de 1890, começavam a “subir a serra”, por meio da ferrovia, invadindo a capital e o interior do estado, ameaçando a prosperidade gerada pela cafeicultura. Reformar o porto e a acabar com as epidemias também incluiu alterar o sistema de transportes, a rede de serviços, a rede de moradia e a ocupação urbana. E com o novo ritmo imposto pela ferrovia e pela modernização do porto, as elites, grande parte dos moradores do centro, em teoria, podiam cuidar de seus negócios em Santos e 24 Apresentação institucional disponível em: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Janeiro de 2011. 39 morar em São Paulo, longe das epidemias e dos imigrantes recém-chegados que faziam da cidade um lugar de passagem para o planalto. Este processo de afastamento das elites locais das atividades portuárias repercutiu na apropriação das áreas adjacentes, onde se pode observar um contínuo abandono na área do Valongo em direção às novas áreas da cidade em expansão, e a São Paulo. Nesta região do Valongo, de características coloniais e com diversos problemas sanitários, consolidou-se como lugar para habitação de trabalhadores ligados ao porto e à ferrovia, como também aos inúmeros armazéns e depósitos instalados na região, iniciando um processo de “abandono”, por parte das elites e da municipalidade, deste fragmento de espaço da cidade. Este “abandono” do centro foi contínuo desde as primeiras décadas do século XX, quando as elites abandonam o centro em busca de terrenos mais amplos para a construção de palacetes ajardinados e longe do porto e seus problemas. Posteriormente, o “abandono”, na segunda metade do século XX, pode também ser atribuído ao grande parcelamento em lotes no centro em pequenas dimensões, além da proximidade com o porto, que representou um obstáculo aos interesses dos investidores imobiliários que encontraram na orla santista a exclusividade da paisagem (vista para o mar), a acessibilidade possibilitada pela urbanização da zona leste da cidade e pela abertura da Rodovia Anchieta (1947), como também a implantação de um polo de serviços no bairro do Gonzaga. A implementação de um plano diretor municipal, em 1968, propiciou ao mercado imobiliário o mecanismo de ajuste à ocupação de uso e ocupação do solo, o uso possível e interessante na orla marítima, a oportunidade de realização do lucro máximo a partir da verticalização das propriedades junto à orla para os milhões de paulistas que poderiam passar fins-de-semana à beira mar (SEABRA, 1979). O plano diretor de 1968 vetou o uso habitacional do centro (Zona Comercial Central), que contribui, juntamente com as excludentes políticas habitacionais, para aprofundar a ocupação irregular de antigos casarões abandonados próximos ao porto, fazendo do centro, então, local de moradia da população trabalhadora e ainda lugar dos serviços públicos (pois continuou a acomodar as principais instituições públicas municipais, sobretudo a prefeitura) e do serviço bancário. Portanto, este “abandono” se deve à perda da importância do centro como área de moradia das classes mais abastadas, e de lazer e de comércio sofisticado da cidade. Houve a construção de 40 shoppings-centers na orla – Shopping Parque Balneário (1977) e Shopping Miramar (1987) pelo Grupo Mendes, próximos à orla e das zonas mais ricas da cidade, surgindo uma nova centralidade (de lazer e de comércio sofisticado) para a cidade. Importância “perdida” do centro histórico também foi ocasionada pelo fechamento da Bolsa do Café (1986) e a transferência dos negócios relativos ao café para a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&F e BOVESPA) em São Paulo. Este “abandono do centro” foi produto de uma estratégia de apropriação do espaço e do solo urbano santista, o qual culminou em uma perda parcial das funções do centro histórico e que direcionou investimentos públicos e privados para outras áreas da cidade, criando uma nova centralidade a fim de atender um público diferenciado e o crescente fluxo de turistas na cidade. A atual deterioração e degradação do centro histórico santista, sobretudo a perda de investimentos neste espaço, ao longo do século XX, é assim resultado de um instrumento urbanístico, o plano diretor, em um processo de reprodução espacial capitalista local, já que se trata de um abandono “planejado” pelos agentes capitalistas por meio de ações e políticas municipais aliadas ao interesse do capital privado, direcionando os investimentos públicos para outras áreas da cidade, sobretudo em direção à orla marítima. As atividades comerciais diversas e de lazer oferecidas pelos shoppings, o medo da violência, medo do “centro” e seus moradores indesejados acabou por gerar um processo de desvalorização econômica. Este processo de desvalorização econômica e social do centro teve como consequência o abandono dos equipamentos urbanos e da infraestrutura desta área centro por parte do poder público, como também o abandono de muitos imóveis por seus proprietários, gerando ruínas e demolições destes antigos imóveis que passaram a abrigar contêineres, estacionamentos ou cortiços (FIGURA 9). 41 Figura 9 – Casarões abandonados na rua do Comércio, próximo ao Museu da Bolsa do Café Autoria: Paula Dagnone Malavski – 12/10/2010 A partir dos anos 90 do século XX, este processo de “resgate”, de (re)valorização do centro histórico, foi uma nova oportunidade de reprodução do capital nestas áreas “livres e abandonadas”, por meio de novas leis de Uso e Ocupação do Solo Urbano na cidade, visando fazer retornar os investimentos para o local. Este processo de (re)valorização do centro histórico, além de possibilitar a reprodução do capital local, representa o interesse de reconstruir uma paisagem e uma imagem “nobre” para esta área, assim como para a cidade santista, buscando atrair investidores para estes espaços para a reprodução do capital em diversos setores (do comércio, do turismo e lazer, de serviços e da construção civil) em uma cidade que tem 42 seu espaço urbano limitado em sua área urbana na parte insular. Portanto, este processo de (re)valorização do espaço do centro histórico santista, para o poder público local e seus parceiros da iniciativa privada, é a tentativa de resolver um grande problema para a parte insular da cidade, a qual não possuiu grandes áreas livres disponíveis para o mercado, onde poder público garante a infraestrutura local e os serviços públicos, além de subsídios fiscais, para possibilitar a reprodução do capital dos agentes investidores nesta área. O Estado investe recursos públicos no espaço central, visando realçar uma “vocação” do centro, o local do patrimônio e da história da cidade. O centro histórico, como produto de um processo de crescimento, da concentração e de seus múltiplos papéis originários da própria divisão social do trabalho local, é o lócus da cidade santista onde o capital e o trabalho se concentraram, ao longo do tempo, e permitiram a especialização e a concentração desta área, sobretudo devido à localização próxima do porto e de suas atividades. Mesmo com a sua intensa fragmentação do solo, consequentemente da propriedade privada e da grande divisão das propriedades, durante longo período, superior a qualquer outro lugar da cidade, ele ainda é o ponto de concentração e dispersão de pessoas e mercadorias na cidade. Tal local concentra os principais serviços públicos da cidade, como a sede da Prefeitura, a Câmara Municipal, o Poupa-Tempo, o Porto, a Alfândega, a Rodoviária. Para solucionar os problemas gerados pela grande divisão das propriedades herdadas por muitas gerações, do ponto de vista jurídico, como também do ponto de vista espacial e construtivo, coube ao poder do Estado, regular esta situação para ajustar este espaço conforme os interesses dos investidores. Assim, por meio da imposição de normas e leis, ou mesmo a “negociação” com os numerosos proprietários, o Estado é o grande agente destas ações de (re)valorização econômica, pois, é o único capaz de regularizar a situação, como, por exemplo, institucionalizar o tombamento do imóvel. Esta reportagem editada pelo jornal A Tribuna pode elucidar o poder de ação do Estado, mesmo contra a vontade da população envolvida. 43 Patrimônio Surpresa e revolta Donos dos imóveis relacionados no processo de tombamento aberto pelo Condepasa reclamam por não terem sido comunicados com antecedência. queixam-se também das restrições causadas pela medida Da Reportagem25 Surpresa, indignação e revolta. Foram algumas das reações dos proprietários dos 12 imóveis que, na última segunda-feira, foram incluídos no processo de tombamento, aberto pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa). A maioria prefere aguardar a comunicação oficial para se manifestar sobre o assunto. No entanto, é quase unânime a opinião de que o tombamento vai trazer limitações ao uso dos prédios. "Como vão tombar o meu imóvel? Não estou sabendo de nada. Isso é um absurdo", desabafou o aposentado João Carlos de Souza, ao ser avisado por A Tribuna que a sua moradia (número 680 da Avenida Conselheiro Nébias) está na lista dos imóveis em processo de tombamento. Construído em 1929, o casarão pertence à família da esposa do aposentado desde 29 de março de 1950. O prédio precisa de reformas, pois apresenta sinais visíveis da falta de conservação. "Se a Prefeitura vai realmente tombar o meu imóvel, então que custeie as despesas da conservação", reclama Edna Gomes Henriques, que ficou "chateada" com o possível tombamento. "Ninguém nos consultou antes". Depois de comunicados oficialmente pelo Condepasa, por meio de carta registrada, os proprietários terão 15 dias para contestar o pedido de tombamento, conforme prevê a Lei nº 753/91. A decisão deverá sair em um prazo de até um ano. A consolidação do programa Alegra Centro, em sua primeira fase, desde 2003 até o presente, com ênfase na reabilitação, refuncionalização e promoção do patrimônio 25 Reportagem da edição de 21 de Abril de 2004, jornal A tribuna. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0230u2.htm>. Acesso em Janeiro de 2011. 44 histórico, artístico e cultural do centro histórico, deu-se por meio de ações pontuais, como a restauração de edifícios públicos de caráter cultural e por iniciativas de caráter mais provisório, como a requalificação de equipamentos urbanos. Um exemplo, destas ações é o Bonde Turístico (FIGURA 10), o qual se tornou uma das principais atrações turísticas da cidade e de fato contribuiu para a construção dessa nova imagem desejada por meio do Programa Alegra Centro. Figura 10 – A linha turística do Bonde Histórico Fonte: Bilhete de embarque do Bonde Histórico. 45 Figura 11 - O “Carnabonde” 2011 Fonte: http://www.santos.sp.gov.br/carnaval/page.php?20. Acesso em março de 2011. As ações impostas pelo programa Alegra Centro, assim como a promulgação dos planos diretores (1968 e 1998), podem revelar uma contradição do Estado, o qual, é um genuíno “guardião” do direito à propriedade do solo − a base do modo de produção capitalista, mas, quando se há necessidade de expandir este sistema em solo urbano, quando esta propriedade está superdividida, só ele, o poder público, pode resolver este problema da grande divisão do solo por meio de atributos legais, por meio do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios instituídos pelo Estatuto da Cidade. Nesta perspectiva, o poder público santista usa de seu poder de Estado para efetivar suas ações, nos denominados Corredores de Proteção Cultural (CPC), tombando imóveis, incentivando ou mesmo patrocinando a restauração destes imóveis para atrair investimentos para a área, como também arrecadando tributos e garantindo a reprodução do capital para si. As atuais ações do poder público santista se enquadram na perspectiva de um movimento do capital em direção a áreas centrais, enfatizando as funções de lazer e cultura pautadas pela preservação do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural como uma resposta conjuntural à crise nos modos tradicionais do 46 mercado imobiliário e do desenvolvimento de uma fronteira econômica e uma segregação socioespacial, em nível local (SMITH, 2007). Também, estas ações políticas públicas santistas, por meio do Alegra Centro, assim como o próprio discurso sobre o centro “revitalizado” pelo poder público local, são influenciados diretamente por uma reorientação das políticas públicas na administração urbana ocorrida a partir dos anos 80 do século XX nos países capitalistas avançados e, mais recentemente, nas periferias do sistema capitalista global (HARVEY, 1996). Segundo David Harvey (1996), a abordagem do gerenciamento (anos 70 do século passado) transformou-se em formas de ação de empresariamento, em que o poder público local assume um comportamento empresarial em relação ao econômico para a produção do espaço urbano. Esta mudança está relacionada às dificuldades que atingiram as economias capitalistas centrais, desde a recessão de 1973, gerando: desindustrialização, desemprego, estrutural e generalizado, austeridade fiscal, tanto em nível federal quanto local. Esta postura do Estado está também relacionada com um maior apelo (mais frequente na teoria do que na prática) à racionalidade do mercado e à privatização dos serviços públicos sob um discurso de melhorias de atendimento à população. Estas ações do empresariamento urbano também foram influenciadas pelo “declínio” dos poderes do Estado-Nação nos países capitalistas centrais, no controle dos fluxos monetário internacional, de maneira que os investimentos tomam cada vez mais a forma de uma negociação entre o capital financeiro internacional e os poderes locais, os quais fazem o melhor possível para maximizar a atratividade local para o desenvolvimento capitalista. Pelas mesmas razões, o crescimento do empresariamento urbano pode ter tido um papel importante numa transição geral na dinâmica do regime de acumulação de capital (fordista-keynesiano) para um regime de “acumulação flexível”. Portanto, a mudança da gestão urbana em direção ao empresariamento deve, então, ser analisada em diferentes escalas espaciais: a do lugar, da cidade, da região metropolitana, da região, do estado nacional e assim por diante. O poder de organizar o espaço pelo Estado advém de todo um complexo de forças mobilizadas por diversos agentes sociais (câmaras de comércio local, convênio de financistas locais, de industriais e comerciantes locais, lideranças empresariais e incorporadores imobiliários, 47 instituições religiosas, educacionais, de pesquisa, de cultura, organizações trabalhistas locais, partidos políticos, movimentos sociais e organismos locais). É um processo complexo. Outra característica importante da gestão pública santista é a presença do Neodirigismo urbano para este processo de (re)produção de seu espaço central e histórico, pois, a transformação do centro histórico santista é acentuada pela planificação, no domínio urbano, favorecendo a intervenção dos especialistas e dos tecnocratas do capitalismo, pelos agentes políticos locais, os quais se unem ao “setor privado” (por meio de parcerias público-privada). Isto pode levar a uma privatização dos espaços públicos do centro a partir de usos elitistas destinados aos equipamentos públicos e privados. O poder público santista, ao se projetar por meio de uma acentuada planificação e ordenação do espaço, reforça a substituição de um espaço concreto (produzido e vivido) do uso cotidiano, por um espaço abstrato, do urbanismo, por meio do projeto de construção de um espaço turístico e de serviços altamente especializados nesta área por meio de programas, normas e leis de uso e ocupação do solo (LEFEBVRE, 2004) (FIGURA 12). 48 Figura 12 - O atual porto santista no Valongo e o projeto do novo porto Foto de autoria de Paula Dagnone Malasvki (12/10/2010). Imagem disponível em <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Dezembro de 2010. 49 As políticas públicas locais, por estarem pautadas no gerenciamento urbano e no neodirigismo, indicam que o processo de transformação do espaço urbano santista visa a (re)valorização econômica do centro histórico, por meio da criação de um espaço turístico no centro histórico pautado em sua monumentalidade. Esta tentativa de “resgatar” o centro por meio de seu patrimônio arquitetônico, histórico e cultural já esteve nos projetos municipais, quando, em 1951, a prefeitura promulgou o Plano Regulador da Extensão e Desenvolvimento da Cidade de Santos (Lei nº 1.316). Este plano, elaborado e coordenado por Francisco Prestes Maia, a exemplo dos trabalhos do urbanista na cidade de São Paulo, quando então prefeito, inspirado em diretrizes urbanísticas típicas do final do século XIX, na Europa, preconizava o embelezamento do centro, a abertura e alargamento de grandes avenidas preparando a cidade para o crescimento com uso do automóvel. Este plano previa um uso turístico cultural dos bairros do Valongo e do Paquetá por meio da contemplação passiva dos edifícios históricos e monumentos do centro, em alternativa ao turismo balneário da orla marítima. Porém, a particularidade atual deste processo de (re)valorização do centro histórico santista, por meio de um apelo ao patrimônio e sofisticação de um comércio já existente, diferencia-se por revelar e resgatar este fragmento de espaço (o centro histórico santista), como fragmento importante neste momento de reprodução capitalista local e regional (região metropolitana da Baixada Santista), de modo a torná-lo competitivo na economia nacional e global, marcada pela financeirização, prestação de serviços e mercado imobiliário, como possibilidade viável para resolver a crise de rentabilidade do capital local e regional. Além de concentrar a infraestrutura, grande volume de equipamentos urbanos, de diversos fluxos, sobretudo de pessoas, como sede da Região Metropolitana da Baixada Santista, o centro histórico santista comporta estruturas de decisão, centros de poder, ou seja, pontos onde concentram maciçamente os elementos da riqueza e do poder, e também espaços “livres” que agora podem servir à lógica do capital. Estes espaços são “liberados” pelo poder público porque os danos e as ruínas das estruturas físicas dos conjuntos arquitetônicos propiciaram um rebaixamento do valor das transações imobiliárias e econômicas na área. Assim, por meio deste movimento de 50 (re)valorização coordenado pelo Estado, tais espaços são readaptados, refuncionalizados, pelo poder público local, em grande parte, com parcerias públicoprivadas, para servir de equipamentos turísticos e de lazer, atraindo novos investimentos, além de possibilitar o incremento de atividades econômicas locais (prestação de serviços e instituições financeiras e jurídicas). O próprio uso da palavra “revitalização urbana”, proposto pelo programa Alegra Centro, como sinônimo de cirurgia urbana, pressupõe que estas ações visam recuperar sua “saúde” do centro histórico santista, retirando atividades e usos populacionais indesejados pelo poder público e os investidores (CASTILHO & VARGAS, 2006). 1.3. O patrimônio arquitetônico, histórico e cultural santista e o processo de revalorização do centro histórico. Este processo de (re)valorização do centro histórico santista, pautado no patrimônio, sob os novos paradigmas da atual gestão pública do espaço urbano, pode ser compreendido como uma estratégia e álibi do poder público local para os outros agentes hegemônicos utilizarem a cultura local como elemento de construção de uma estratégia maior: a transformação deste espaço, graças a construção de consenso social, onde o patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, aparece no discurso para legitimar o uso deste espaço, a transformação de seu uso atual, por meio da produção de um espaço turístico. Este processo de (re)valorização do centro histórico, a transformação de seu uso, o uso turístico e de lazer, a fim de torná-lo mais produtivo, visa também reforçar a centralidade santista na economia regional e nacional e no âmbito da divisão territorial do trabalho.Tais ações do poder público, em grandes investimentos em equipamentos culturais ou preservação do patrimônio, constituem uma estratégia que associa estes investimentos como “isca” ou imagem publicitária para a cidade (ARANTES, 2002) e sua inserção econômica como um novo destino turístico e de lazer em diversas escalas geográficas. Assim, as ações da municipalidade santista por meio do Alegra Centro, e o novo uso destinado ao patrimônio local, como um novo negócio para os agentes 51 hegemônicos locais, visam à venda deste patrimônio, assim como da cidade, para um mercado turístico por meio de um programa de city marketing. A transformação do patrimônio, de símbolo (traço de um passado histórico reconhecido pelos cidadãos) em um sinal, um objeto solto na paisagem, reconhecido, ou melhor, percebido apenas por seus traços materiais, pode ser resgatada no próprio sentido do conceito de patrimônio26 (LEFEBVRE, 1972 a). Inicialmente, o patrimônio estava ligado às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade, mas, ao longo da história das civilizações ocidentais, o patrimônio foi sendo requalificado por diversos adjetivos – genético, natural, histórico etc (CHOAY, 2001) e, portanto seu sentido também sendo transformado. O patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da cidade santista, alvo das políticas públicas de tombamento do poder público, é adotado, pelo menos como discurso do poder público, no sentido de “monumento” 27, como objeto produzido pela população santista com a capacidade para fazer lembrar acontecimentos e momentos singulares da história santista. Segundo Françoise Choay (2006:11): O monumento trabalha e mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente, mas esse passado invocado, convocado, de forma encantada, não é um passado qualquer: ele é focalizado e selecionado para fins vitais, na medida em que pode diretamente contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica, religiosa, nacional, tribal ou familiar. Para aqueles que o identificam, assim como para os destinatários das lembranças que o veiculam, o monumento é uma defesa contra o traumatismo da existência, um dispositivo de segurança. O monumento assegura, acalma, tranquiliza, 26 “Bem de herança de família que é transmitido, segundo as leis, dos pais e das mães aos filhos”, Dictionnaire de la langue française de É.Littré In CHOAY, F. p. 11 27 Sob a forma de zonas isoladas, de fragmentos, de núcleos, os centros históricos podem recuperar uma atualidade: sua própria escala indica que estão aptos a desempenhar a função dessa nova entidade espacial. Com a condição de que recebem o tratamento conveniente, isto é, desde que neles não se implantem atividades incompatíveis com a sua morfologia, essas malhas urbanas antigas ganham dois novos privilégios: elas são, da mesma forma que os monumentos históricos, portadores de valores artísticos e históricos, bem como de valor pedagógico e de estímulos e verdadeiros catalisadores no processo de invenção de novas configurações espaciais. Estas malhas antigas também têm, na cidade contemporânea, um novo papel, o papel de constituírem em si mesmos um monumento, mas em um tecido vivo (CHOAY, 2006). 52 conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos. A especificidade do monumento, portanto, deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória. E quanto ao centro histórico, um patrimônio urbano, assim nomeado pela primeira vez por G. Giovannoni (1873-1943)28, tem um valor simultaneamente de uso e valor museal, pois, estes não perdem sua importância na (re)produção do espaço urbano, mas o seu uso museal transforma o uso cotidiano destes espaços, transformando o centro em um objeto, com valor mercadológico, segundo a autora Françoise Choay (2006:11): “Monumento” denota, a partir daí (do século XIX), o poder, a grandeza, a beleza, cabendo a estes, explicitamente, afirmar os grandes desígnios públicos, promover estilos e falar à sensibilidade estética. A autora afirma que, neste novo modo de pensar, o monumento também estava presente na arquitetura urbana, no final do século XIX e início do século XX, por meio da linguagem eclética. O ecletismo, que simbolizava o predomínio da técnica e da racionalidade industrial na produção do espaço urbano, teve suas repercussões também no modo de fruição da paisagem urbana e no monumento, valorizando uma contemplação rápida, passiva e parcial, demasiadamente visual e estética. Trajetória irreversível, o patrimônio urbano, o próprio centro histórico, face ao desenvolvimento das atividades turísticas e pela “falência” dos recursos públicos dos países capitalistas centrais, deve ter um uso produtivo para o Estado. A autora Otília Arantes (2002) associa esta orientação direta quanto aos usos econômicos do patrimônio nos países centrais, e posteriormente aos outros países, a partir dos anos sessenta do século passado, ao culturalismo de mercado, nascido na perspectiva do “tudo é cultura”. O modo de contemplação do monumento, da paisagem 28 Apontamentos feitos em sua obra: “Vecchie città ed edilizia nuova”, Turim, Unione tipográficoeditrice, 1931, p.113, tradução francesa das Éditions du Seuil, 1997. 53 urbana, faz apelo ao uso da imagem (representação e sua respectiva interpretação) como forma de apropriação deste, e da cidade como um todo, por meio de uma estratégia pública que reforça o espetáculo, a contemplação passiva pelo marketing urbano. Esta espetacularização do patrimônio é a ancora identitária da nova urbanística mundial por meio de um planejamento estratégico embasado na comunicação e promoção. No caso santista, as ações estratégicas do Programa Alegra Centro, com ênfase nas ações do poder público de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico do centro histórico santista, usam o patrimônio como “âncora” de um processo de (re)valorização cultural da área – a partir da tentativa de construção de um consenso social da importância do patrimônio e o do uso estabelecido para este, de consenso social frente às transformações promovidas pelo poder público e sua importância no processo de (re)produção do espaço central da cidade. O centro histórico santista, como o seu patrimônio arquitetônico, histórico e cultural, está concentrado, sobretudo, nas proximidades da antiga estação ferroviária do Valongo (Estação da estrada de ferro Santos-Jundiaí), onde predominam os armazéns portuários e as antigas casas comissárias responsáveis pelo financiamento da lavoura de café e os bancos. A morfologia urbana deste centro histórico mescla traços do período colonial, final do século XIX, e período atual, apresentando um aspecto mais ou menos uniforme, com as casas construídas sobre o alinhamento das vias públicas e as paredes laterais sobre os limites do terreno29 (FIGURA 13). As ruas também mantêm as suas características coloniais, são ruas estreitas e tortuosas. O Dicionário Geográphico do Brasil descreve as características desta área no final do século XIX e primeiras décadas do XX, citado em Barbosa (2000); Ruas estreitas, tortuosas e planas, calçadas a paralelepípedo, iluminadas a gás e percorridas a todo instante por bondes e numerosos veículos que conduzem sacas de café e outros gêneros da estação da estrada de ferro para as casas comissárias e dessas para a alfândega e para as Docas que embarcarão nos vapores... A rua principal é pouco extensa e estreita, mas tem mais de cem casas comerciais, inclusive bancos. A parte suburbana compõe-se de ruas largas e extensas e retas, com 29 Rocha Filho, G. “Santos-levantamento sistemático destinado a inventariar bens culturais do Estado de São Paulo”. 54 passeios e belas praças. São as ruas São Francisco, Rosário, Armador Bueno, General Câmara e Conselheiro Nébias. Figura 13 - As ruas do centro histórico santista (século XIX e o presente) 55 Fonte: Primeira foto – disponível em <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em Fevereiro de 2011. Segunda foto – autoria de Paula Dagnone Malavski (Fevereiro de 2010). A grande transformação ocorrida na morfologia urbana do centro, a partir da segunda metade do século XIX, é diretamente influenciada pela instalação da ferrovia São Paulo Railway − fundação da Estação Ferroviária do Valongo (1867) e pela cafeicultura voltada para a exportação. Esta ampliou consideravelmente a influência na economia local, e na nacional, e também influenciou indiretamente a arquitetura que deveria traduzir esta inserção econômica, o desenvolvimento e a modernização da cidade, assim como do país, por meio da linguagem do ecletismo. Este resgate pelo poder público local, e seus parceiros, dos “tempos áureos do café” e seus traços na paisagem urbana, a preservação do patrimônio edificado do centro por meio da cultura do café como riqueza que transformou a cidade, no século passado, hoje é o álibi de uma estratégia de criação, ou um reforço, de uma imagem da cidade, de um passado glorioso, e, portanto, com um futuro promissor. É uma peça fundamental na economia regional e nacional, pois o seu passado glorioso reforça a sua importância, de seu porto, por exemplo, na economia nacional, frente às novas demandas do capitalismo global. Existem estratégias para promover um uso turístico do centro histórico santista. O poder público local santista, em seus documentos, afirma que a prestação de serviços na área (a instalação do Poupatempo em um antigo armazém portuário, por exemplo) e as atividades culturais instaladas serão capazes de devolver aos seus moradores um exercício cívico do centro. Entretanto, este processo de (re)valorização do centro histórico, como um produto, uma mercadoria, pode “realçar”os cidadãos santistas como consumidores-potenciais, assim como os próprios turistas, por meio de um consumo do espaço sob apelo à importância do patrimônio. Nesse sentido, teríamos a constituição dos consumidores mais que perfeitos, nos termos do geógrafo Milton Santos (SANTOS, 1987), ao invés de cidadãos. Portanto, a melhoria da imagem urbana do centro histórico, originada da visão que entende a cultura na perspectiva dos resultados 56 econômicos e a cidade como empresa, pode levar a uma profunda transformação do uso do centro histórico e ao afastamento das atividades e pessoas não-desejadas desta área. O apelo para o visual, para a contemplação estética do centro histórico, foi marcado, inicialmente, pela modificação do mobiliário urbano das ruas XV de Novembro e rua do Comércio (principais eixos de requalificação urbana do centro histórico) com postes de luz, bancos, luminárias e lixeiras “típicas do século XIX”, objetos que deveriam idealizar um “cenário” do século XIX para atrair curiosos e depois turistas e consumidores do nascente comércio diferenciado e sofisticado (cafeteria do Museu do Café, por exemplo). Estas ações de “resgate” do patrimônio, da criação de um cenário idealizado do século XIX, para a fruição visual do patrimônio e do centro histórico, apontam para a criação de um lugar homogeneizado materialmente, um “simulacro” (a simulação de um espaço-tempo diferente daquele da reprodução do espaço atual), o qual possa responder cada vez mais às necessidades de acumulação capitalista em detrimento a um uso da população local por meio de suas atividades cotidianas. Atualmente, as ações do programa Alegra Centro aumentaram a visibilidade do centro histórico e suas adjacências, que passaram a servir de cenário para gravação de filmes, novelas, minisséries, clipes e peças publicitárias. Este fomento às obras audiovisuais é produto e trabalho da Santos Film Comission, comissão municipal criada em 2008, responsável por um mercado audiovisual local (FIGURA 14). 57 Figura 14 - Fotos de imagens publicitárias feitas no centro histórico santista 58 Fonte: <http://www.santos.sp.gov.br/santosfilmcomission>. Acesso em Abril de 2011. A problemática que envolve a criação de simulacros espaciais, consumidos enquanto espaços de turismo e de lazer, como produtos do processo de comercialização e especulação em torno do espaço, é sua influência direta no processo de (re)reprodução espacial, (re)produção, tendencialmente, repetitiva, simulação de um espaço novo, ocultando sua fragmentação, redução e limitação, pois, estes simulacros atendem diretamente à reprodução do capital, reduzindo o processo de produção espacial a uma dimensão aparente (um mundo de imagens, formas, aparências) levando à homogeneização espacial, de tipologias de formas, de arquitetura (CARLOS, 1999). As fotos abaixo evidenciam este processo de “repetição” da imagem desejável dos centros históricos (FIGURA 15). Figura 15 - A tendência de homogeneização material dos centros históricos: ruas de diferentes centros históricos (Montevidéu – Uruguai, Santos e Ilhéus, respectivamente). 59 60 Autoria: 1ª. Paula Dagnone Malavski – 04/04/2009; 2ª. Paula Dagnone Malavski – 25/03/2009; 3ª. Gilsélia Moreira Lemos – 16/10/2005. Portanto, as consequências deste processo de transformação dos centros históricos e (re)valorização destas áreas por meio de um uso turístico e de lazer, utilizando-se do patrimônio como uma modalidade de turismo, o “turismo cultural”, 61 destina, sem questionamento da população local, o uso do patrimônio como mercadoria cultural ressaltando o seu valor de troca, a partir da ampliação do enfoque econômico, em detrimento aos seus valores de uso do patrimônio e de seu espaço. A problemática desta questão está em uma redução dramática para a própria relação entre o patrimônio e a sociedade. Para o historiador Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes (2000,34): O problema central dessa perspectiva não é a existência de uma dimensão econômica da cultura, mas a redução do valor cultural ao valor econômico, que poderia incluir a natureza propriamente cultural do patrimônio, resultando numa espécie de “fetichização” da cultura. Os chamados “bens culturais” retêm um conjunto de diversos valores, são frutos das práticas sociais e não das relações diretas dos homens isolados com os objetos, deslocar tais atributos, das práticas sociais para os objetos é que o pode ser definido por fetichização, a fonte de alienação permanente. Enfim, as estratégias de (re)valorização da área central santista pelo poder público local articulado à iniciativa privada tendem a negar um processo de reprodução espacial no plano de reprodução da vida ao criar um “cenário turístico”, ao valorizar exacerbadamente um único momento da historia história da cidade, tentando expulsar as práticas locais existentes (“indesejadas”). Segundo Henri Lefebvre (2005), o patrimônio ainda é o lugar onde a vida coletiva (social) pode conceber-se e imaginar-se. O patrimônio, assim como os monumentos, representa e proclama o poder, o saber, a alegria e a esperança: é uma representação da dimensão simbólica, que se refere às ideologias e instituições presentes ou passadas para o habitante, para quem o espaço se reproduz enquanto lugar onde se desenrola a vida em todas as dimensões (LEFEBVRE, 2005). O programa Alegra Centro, nesta ênfase na requalificação do patrimônio do centro histórico, está consolidado e continua com ações pontuais para consolidar a produção de um espaço turístico no centro histórico. No início em 2010, o poder público iniciou a construção do museu Pelé, no Casarão do Valongo, com o aval de Pelé 30, com previsão de entrega em 2012. Essa obra visa consolidar definitivamente a requalificação do centro histórico e colocar a cidade no roteiro internacional de turismo, atraindo os 30 Edson Arantes do Nascimento, grande jogador de futebol brasileiro. 62 turistas que vêm ao Brasil para acompanhar a Copa do Mundo em 2014. Com o apoio do governo do Estado, Ministério da Cultura, iniciativa privada e das esferas de proteção ao patrimônio, o empreendimento, orçado em R$ 20 milhões 31, tem projetada, como atrativo, uma escultura do arquiteto Oscar Niemeyer em homenagem a Pelé. Segundo o Ministro do Turismo, Luiz Barreto, a Baixada Santista será vendida como um dos principais destinos turísticos do Estado na Copa do Mundo 201432. No entanto, precisa correr contra o tempo para preparar a população para receber os estrangeiros e, principalmente, melhorar sua infraestrutura, sendo o principal desafio a melhoraria de acessibilidade ao planalto. O poder público, interessado em fazer de Santos uma das subsedes da Copa do Mundo de 2014, instituiu um comitê com este objetivo, reunindo representantes do setor público, autoridades, empresariado e sociedade civil. A cidade de Santos está entre as 37 cidades paulistas aptas a ser sede de treinamento de uma das seleções, o prefeito ao anunciar o comitê, do qual é o presidente, destacou a importância da mobilização dos santistas em torno desta causa 33. Neste momento, estamos fazendo uma grande convocação ao povo de Santos para unir forças e energia. Além do moderno CT do Santos FC, nossa cidade, por ser portuária, está acostumada a receber bem todos os povos”, disse Papa. E acrescentou: ‘Não podemos perder a oportunidade de investir na infraestrutura e de tornar o município conhecido mundialmente como pólo turístico e esportivo. Santos é a cidade mais esportiva do país e quer continuar merecendo este título. No bairro de Vila Mathias, área de expansão atual do Alegra Centro, foi construída a Arena Santos, com arquibancadas para 5 mil pessoas: possui salas 31 Valor equivalente à USD 12.400.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 32 http://www.atribuna.com.br/noticias.asp?idnoticia=56219&idDepartamento=5&idCategoria=0 33 O comitê terá como secretário-executivo Luiz Dias Guimarães, presidente do Santos e Região Convention & Visitors Bureau, sendo integrado ainda por Luiz Álvaro de Oliveira Ribeiro, presidente do SFC; Clodoaldo Tavares Santana (campeão mundial no México em 1970); Marcelo Pirilo Teixeira, empresário e representante da Fifa, e os empresários Marcos Clemente Santini, Pepe Astult e Armênio Mendes. Pelo Poder Público, fazem parte o diretor-presidente da Fupes (Fundação Pró-Esportes), Rogério Sampaio, e os secretários municipais Bechara Abdala Neves (Planejamento), Wânia Seixas (Turismo), Paulo Musa (Esportes) e Rosana Major (Comunicação Social). Os investimentos no setor esportivo estão presentes na área do programa Alegra Centro. 63 climatizadas para diversas modalidades, na segunda fase das obras, prevê-se a inclusão da área externa para eventos. A terceira etapa prevê a recuperação do conjunto de casas e armazéns antigos e sua adaptação para uso do segundo cais portuário abandonado (Centro de Atividades Integradas de Santos). O Alegra Centro visa à consolidação do turismo de cruzeiros marítimos na cidade e, principalmente na inclusão da cidade para os turistas que passam por ela para embarcarem no porto. A cidade santista já ocupa lugar de destaque entre as principais cidades turísticas no Brasil, o turismo de cruzeiros marítimos viveu o melhor no verão de 2011, com a escala de 22 navios, e aproximadamente um milhão de passageiros e investimento de R$ 247 milhões 34 na economia local. A análise das estratégias do poder público, principalmente as ações, normas e diretrizes impostas pelos planos diretores (1968 e 1998) e pelo programa Alegra Centro, são fundamentais para a compreensão da problemática atual de (re)produção 35 da cidade santista. Neste fragmento de espaço, o centro histórico e seu processo de (re)valorização, é possível, a partir da análise, reconhecer a estratégia que visa um crescimento econômico da cidade e não necessariamente melhorias para a população, sobretudo as pessoas em situação de encortiçamento que não estão sendo beneficiadas, até o presente, com programas habitacionais. O poder público santista, em suas diversas articulações com outras esferas de poder e de parcerias com agentes privados, é o grande articulador deste processo de (re)valorização do centro histórico santista. O poder público local é o maior organizador e concentrador de capitais e de ações representando a vontade e interesses dos agentes hegemônicos locais, portanto, legitimando uma estratégia de classe e política de acordo com os interesses destes agentes. A compreensão do movimento de (re)produção do espaço central santista, e de seu processo de (re)valorização, enquanto “mercadoria” em um circuito de troca em 34 Valor equivalente à USD 153.130.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 35 O termo produção é entendido numa acepção mais ampla do que a econômica, mas sim de toda a filosofia: produção de coisas (produtos) e de obras, de ideias e de ideologias, de consciência, de ilusões e de verdade (LEFEBVRE, 1972). 64 diferentes escalas geográficas, pelos seus agentes hegemônicos, permite revelar a importância do centro histórico como um lócus de acumulação e concentração de trabalho, de infraestrutura, de capitais e de fluxo. Se antes aparecia como “degradado”, agora, com os projetos de transformação, possibilita a reprodução do capital, sobretudo local, devido à acumulação de trabalho no espaço (HARVEY, 2009). O centro histórico, localizado na área insular36, é totalmente urbanizado, e apresenta-se como uma oportunidade para tentar resolver a crise de expansão e acumulação do capital na cidade. Esta, por sua vez, está articulada produtivamente com a região metropolitana de São Paulo, principalmente pelos serviços portuários e futuramente pela exploração petrolífera. David Harvey37 aponta que existe uma condição básica para o novo modelo de gestão urbana: a tentativa de inserção da cidade na competição no quadro da divisão nacional (ou internacional) do trabalho, significando a exploração de vantagens específicas para a produção de bens e de serviços. As ações do poder público santista são focadas em modernização e desenvolvimento de serviços voltados à exploração de petróleo e em serviços de logística portuária (a localização do maior porto da América Latina para a região industrial paulista e seu mercado consumidor). Neste processo de inserção e ajuste da cidade santista neste circuito econômico e político (de poder de comando), em diferentes escalas, implica em profundas transformações da cidade, principalmente do seu centro histórico para o reforço desta centralidade (infraestrutura e porto), por meio da criação de outras vantagens. Tais investimentos públicos apresentam-se sob a forma de infraestruturas físicas: reabilitação do centro histórico como um novo produto turístico (programa Alegra Centro e Porto Valongo); a localização de um setor terciário avançado, e de mão-de-obra qualificada, por meio da criação de um Parque Tecnológico e do desenvolvimento do programa Alegra Centro Tecnologia aliado ao programa de Incubadora de Empresas, incluindo o centro de negócios da Petrobrás que deverá iniciar suas atividades no próximo ano; a instalação de centros de pesquisa e institutos da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade 36 A parte insular de Santos abriga 99% da população santista. A liberdade da cidade. Tradução de Anselmo Alfredo, Tatiana Schor e Cássio Arruda Boechat. Revista GEOUSP – Espaço e Tempo, São Paulo, nº 26, 2009, pp.9-16. 37 65 Federal de São Paulo (UNIFESP - Baixada Santista), que oferecerão cursos universitários especializados em exploração petrolífera e em tecnologia. A importância do centro histórico santista, neste atual processo de inserção da economia regional da Baixada Santista, pode ser relacionado com o agrupamento de diversas atividades econômicas em um espaço de interação restrito O centro histórico revalorizado e suas adjacências (os bairros do Valongo, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias) reforçam o papel de comando do centro, pois, este, com sua infraestrutura e concentração de fluxos e pessoas, facilita os sistemas produtivos de maneira eficiente e interativa, devido a sua concentração material e de pessoas. E pode responder às necessidades da fluidez da produção de informações e produtos, em diversos níveis, realizando-se através dos setores de serviço, financeiro e de turismo e lazer, e, é claro, sem menosprezar o produtivo tradicional e a circulação dos produtos. Estes setores produtivos localizados no centro histórico tendem a se realizar, portanto, pela prestação de serviços especializados (sobretudo serviços portuários e petrolífero) e pelo turismo e lazer, realizando a “venda” do centro histórico, e da cidade santista, como também por meio do setor imobiliário – investindo na compra da terra urbana para a promoção imobiliária de moradias e a produção de edifícios corporativos, efetivando o consumo produtivo da cidade em contradição às necessidades e demandas sociais, como também produzindo um novo espaço em contradição com o espaço de vivência para sua população local (CARLOS, 2005). Capítulo 2 - A (re)produção do espaço central santista e os agentes hegemônicos deste processo (a importância econômica de (re)valorização do centro histórico santista. Em 2008, iniciou-se o processo de revisão do Plano Diretor de 1998 (ainda em fase de revisão), que propõe investimentos, em parceira, públicos e privados em oito 66 vetores de desenvolvimento, destacando-se o setor petrolífero, de serviços, de comércio e portuário, o programa Alegra Centro. Este último tem sua ênfase na reabilitação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural e desdobrou-se no “Alegra Centro Tecnologia”. Este tem como objetivo principal atrair empresas do setor de tecnologia avançada e de serviços portuários para a região central, adjacente ao porto. O Alegra Centro Tecnologia, além disso, é uma ampliação do programa municipal denominado “Incubadoras de Empresas”, iniciado em 2003. Localizado em um casarão restaurado do centro histórico, abriga micro e pequenas empresas recém-criadas do setor de serviços, como uma forma de incentivo para fazer retornar estes pequenos investidores para o centro histórico. Tal programa foi o primeiro passo do poder público santista na tentativa de investimento em mão-de-obra qualificada como fator de atração de um novo desenvolvimento econômico para o centro histórico, onde o agrupamento de diversas atividades num espaço de interação restrito (um casarão) visa facilitar os sistemas produtivos altamente eficientes e interativos. As 30 micros e pequenas empresas, reunidas na Incubadora de Empresas de Santos, registraram o faturamento total de R$ 6, 041 milhões, arrecadando mais de R$ 1 milhão em impostos federais, estaduais e municipais (2009). São 156 postos de trabalho gerados, entre trabalhadores, pesquisadores e bolsistas. Os benefícios fiscais para as micros e pequenas empresas são basicamente: desconto e isenções de taxas de licença e de abertura. Estas micros e pequenas empresas instaladas, ou que venham se instalar na área de abrangência do Alegra Centro, com os Níveis de Proteção 1 (preservação ou recuperação total do imóvel) e 2 (preservação ou recuperação apenas da fachada e do telhado) também receberão os seguintes incentivos fiscais: isenção total de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), isenção total de Imposto sobre Obras (ISS), isenção total dos Imposto sobre a Transmissão "inter vivos" de Bens Imóveis e direitos a eles relativos (IBTI), no caso de compra ou venda do imóvel; isenção de Taxa de Licença por 5 anos, Venda do Potencial Construtivo (para investimentos na área de Operação Urbana Consorciada) e possibilidade de patrocínio de empresas localizadas em Santos, com isenção para estas de 50% de ISS ou IPTU. O próprio programa Alegra Centro, com ênfase no patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, fez algumas alterações em relação ao projeto inicial (2003): foi 67 ampliada a área inicial do programa com a inclusão dos bairros de Vila e Nova e Vila Mathias, houve a instituição de uma área de operação urbana38 nos bairros do Valongo e Paquetá (para a inclusão de um pólo tecnológico e a construção de torres multiuso), foi proposta a requalificação urbana de imóveis em situação de encortiçamento e a construção de um Parque Residencial e universitário no bairro de Vila Matias (FIGURA 16). Figura 16 – Área de abrangência do Alegra Centro após 2008 Fonte: <http:// siteresources.worldbank.org/.../Joao_Tavares_Papa_Presentation.pdf>. Acesso em Maio de 2011. O desenvolvimento do Parque Tecnológico é o objetivo principal do programa Alegra Centro Tecnologia, além da reestruturação urbana do bairro do Valongo por meio de incentivos às empresas de tecnologia que se instalarem nessa região. O objetivo é o desenvolvimento econômico do centro histórico santista e sua (re)valorização. A grande âncora deste processo é a instalação da Sede de Negócios e de Exploração da Petrobrás, já em construção. A instalação da Sede de Negócios de Produção e de 38 Segundo o Estatuto da Cidade: operação urbana é o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar, em uma área, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. 68 Exploração da Petrobrás, no centro histórico santista, foi impulsionada pelo desenvolvimento de pesquisas e exploração de petróleo e de gás natural descobertos na camada de pré-sal. No ano de 2004, foram divulgados os primeiros estudos sobre a existência da camada do pré-sal na Bacia de Santos (campo petrolífero de Tupi). Em 2006, também no campo de Tupi, foi descoberto o campo de Lula. Este campo de Tupi já vinha produzindo produtos derivados do petróleo por meio de um projeto piloto e, atualmente, com a autorização do IBAMA, a Petrobrás poderá iniciar a produção a partir de testes de longa duração a ser feito pela plataforma FPSO Cidade de São Vicente, navio-plataforma que produz, estoca e escoa petróleo e gás. A produção servirá para a continuidade da avaliação dos reservatórios do pré-sal também. Em 2009, com a confirmação da camada de pré-sal na Bacia de Santos, a empresa anunciou a construção de seu centro de negócios no bairro do Valongo, em Santos. No anúncio da instalação da Sede da Petrobrás, quando foi assinado o registro de desenvolvimento do projeto arquitetônico, o prefeito João Paulo Tavares Papa lembrou o empenho da administração municipal para trazer a sede da Petrobrás para o Valongo: Em 1999, a prefeitura começou a luta para conseguir que o terreno de 42 mil m², pertencente à Rede Ferroviária Federal, ficasse com a cidade, o que acabou ocorrendo em 2006, como forma de quitação de débitos fiscais com o município e a instalação desta unidade reforça nosso esforço de anos para a revitalização do Centro Histórico. Será importante indutor de desenvolvimento, trazendo novos investimentos privados e públicos. Teremos uma transformação muito positiva, com adequações necessárias em segurança, iluminação, urbanização, transporte público e soluções viárias39. Por 15 milhões de reais40, a Petrobrás comprou da prefeitura o terreno de 25.000 metros quadrados, e construirá um complexo de três torres com capacidade para empregar 2 mil trabalhadores cada (FIGURA 17). A construção da primeira, com 17 pavimentos, tem previsão de entrega no primeiro semestre de 2012, sua execução vai gerar, de acordo com a empresa, 1.200 empregos. Este empreendimento também 39 Diário Oficial da cidade de Santos, edição de 24 de Julho de 2009. Disponível em <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Outubro de 2010. 40 Este valor equivale, aproximadamente, à USD 9.300.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 69 abrigará o Museu do Petróleo e do Desenvolvimento da Bacia de Santos, somando-se aos equipamentos turísticos e históricos existentes no bairro e outros a serem implementados, como por exemplo, o Museu Pelé, o complexo náutico por meio da requalificação dos antigos armazéns portuários e a fundação do Parque Tecnológico. As duas outras torres da Sede da Petrobrás têm previsão de entrega para 2015 e 2017, respectivamente. A empresa também vai instalar em Santos um Núcleo do Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Melo (CENPES) para atuar na área de desenvolvimento de pesquisa e logística na região do pré-sal. O principal objetivo é atrair a participação das universidades e prefeituras da região, de forma integrada à Petrobrás, e orientar a área de ensino visando formar profissionais para atuar nas áreas técnicas, pesquisa científica e de engenharia para trabalhar pelos próximos 50 anos nas atividades de petróleo e gás, na região. Figura 17 - Futuro Centro de Negócios de Produção e Exploração da Petrobrás 70 Fonte:<http://www.skyscrapercity.com>. Acesso em Março de 2011. 2.1. O Programa Alegra Centro Tecnologia, o Parque Tecnológico de Santos e a reestruturação urbana do centro histórico santista. 71 O Alegra Centro Tecnologia, impulsionado pela instalação da futura Sede da Petrobrás, também está pautado na construção do Parque Tecnológico de Santos (FIGURA 18), projetado para ser instalado nas áreas reestruturadas do Valongo, na Vila Mathias e nos centros universitários da cidade, o que inclui também o bairro Vila Nova, onde o município possui uma escola técnica. A instalação do centro de pesquisas CENPES (Petrobrás) também completa o objetivo de promover e desenvolver projetos de pesquisa e inovação, de tecnologia da informação, de meio ambiente e de logística na área central da cidade, visando o crescimento econômico da cidade. Os parques tecnológicos começaram a se expandir na década de 60 do século passado, nos países centrais, a partir da experiência pioneira, e provavelmente a de maior sucesso, que ocorreu no final da década de 40 envolvendo a Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA) e acabou gerando alguns empreendimentos, especialmente no setor da microeletrônica, dando início ao “Vale do Silício” (EUA). Posteriormente, países como o Japão, Coréia do Sul e União Soviética também criaram parques tecnológicos, criando cidades científicas. No Brasil, o primeiro parque tecnológico foi fundado em 1984, em São Carlos (SP). E, em 2006, foi criado o Sistema de Parques Tecnológicos do Estado. O governo do Estado de São Paulo reconheceu como área tecnológica e de produção de conhecimento as instalações já constituídas pelas universidades privadas locais em Santos, formando o primeiro Parque Tecnológico Urbano do país por meio da lei complementar estadual 648/2009. Além disso, a Universidade Federal de São Paulo, e as que serão construídas, um campus da Universidade de São Paulo, por exemplo, também farão parte do complexo. A FUSP (Fundação Universidade de São Paulo) formalizou parceria com o Parque visando à elaboração dos planos de ciência, tecnologia e inovação, de marketing e de atração de empresas. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano da Baixada Santista já aprovou, em 2010, uma área na área continental para a construção da segunda etapa do parque tecnológico, somando as empresas Petrobrás, Usiminas, Codesp, Associação Comercial de Santos, FIESP, SEBRAE, SENAI e universidades. A primeira etapa, a qual abrange a área urbana, contando com a estrutura física das universidades locais, soma uma área de 220 mil m². 72 O Parque Tecnológico de Santos tem como objetivo, além da viabilização, inovação e pesquisas para bens, serviços e métodos voltados às empresas, o fortalecimento e enobrecimento da imagem de Santos, como cidade de tecnologia e conhecimento. A instalação do parque tecnológico de Santos contará com recursos do orçamento municipal e do governo estadual. Serão liberados R$ 260 mil do governo estadual para a administração municipal, gerenciadora do projeto. Deste total, R$ 110 mil custearão um projeto de ciência, tecnologia e inovação, que vai detalhar o perfil do parque, e R$ 150 mil serão destinados ao plano de atração de empresas e de comunicação, com identificação de oferta de serviços em tecnologia. O poder público municipal tem um projeto de lei, já enviado à Câmara Municipal, para liberação de recursos municipais à fundação, para incentivar seu crescimento na fase inicial. A FUSP (Fundação Universidade de São Paulo) será a responsável pelo início da elaboração dos Planos de Ciência, Tecnologia e Inovação, de Marketing e Atração de Empresas para o Parque Tecnológico de Santos. Este plano visa diagnosticar instalações e identificar as oportunidades de pesquisa que promovam inovação para empresas da Baixa Santista. O Plano de Marketing e Atração de novas Empresas vai possibilitar identificar as atividades que utilizam tecnologia em Santos e elaborar projetos e ações para viabilizar o marketing do parque. 73 Figura 18 - Área de abrangência do Parque Tecnológico juntamente com a Futura Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=445296>. Acesso em Abril de 2011. Mas além deste grande empreendimento, o Parque Tecnológico, já começam a surgir na região central santista outros complexos empresariais, de menor porte, visando apoiar as operações da Petrobrás e do Parque Tecnológico santista, como, por exemplo, o caso do “Tribuna Square” (FIGURA 19). Este empreendimento contará com um prédio comercial de 21 pavimentos, além de abrigar a nova sede da TV Tribuna, afiliada da Rede Globo. O prédio será erguido em um terreno de 5.200 metros quadrados na Rua João Pessoa, e ocupará grande parte da quadra entre a Rua da Constituição e a Avenida Conselheiro Nébias, até a Rua Amador Bueno. Este contará com 250 salas comerciais, postos bancários e área de conveniência, com restaurantes, cafés e lojas. Na cobertura do edifício, funcionará um heliponto. A garagem terá capacidade para 600 vagas, além de um bicicletário. A obra deve estar finalizada em 2014. 74 Figura 19 - Área de construção do “Tribuna Square” Fonte: <http://www.google.com>. Acesso em Abril de 2011. Segundo o sócio-diretor da AMC Holding, André Canoilas, parceiro neste empreendimento, o terreno, que estava abandonado há alguns anos, tem localização estratégica por estar localizado em uma avenida larga (João Pessoa), fica perto do Fórum, da Alfândega, da Prefeitura e do Porto, e está na principal via de acesso a São Paulo. Para André Canoilas, a procura de empresas para instalação de escritórios no prédio já é satisfatória desde o pré-lançamento do empreendimento, pois, cerca de 60% a 70% das salas já estão reservadas. Para o prefeito João Paulo Tavares Papa, a construção de um empreendimento desse porte na área do Paquetá é um marco no processo de “revitalização” do centro histórico de Santos. Segundo ele, o Tribuna 75 Square terá o mesmo peso das torres da Petrobrás, porque são marcos da consolidação deste processo de “resgate” do centro histórico: No processo de revitalização do Centro Histórico, a maior preocupação eram os dois extremos (Paquetá e Valongo) pelo estado de degradação e pelo uso das empresas portuárias. A qualidade que o Tribuna Square vai oferecer irá atrair empresas de fora da Cidade, de São Paulo, e até mesmo do exterior41. Esta declaração do prefeito, em nome do poder público local, ilumina o processo de retomada de áreas e terrenos abandonados na área central da cidade, áreas antigamente desvalorizadas pelo processo de produção do espaço urbano santista. Estes espaços aparecem como a possibilidade de fazer retornar os investimentos para esta área e garantir a reprodução do capital, além do aumento de arrecadação de impostos para a prefeitura, por meio da ocupação e valorização do preço do solo em uma área central em uma cidade que tem seu espaço urbano limitado (área insular) e que encontra poucos espaços para se expandir. A reestruturação urbana do centro histórico santista, espaço que vai abrigar o Parque Tecnológico, passa pelas primeiras intervenções físicas que inclui a modernização das vias portuárias terrestres, o ordenamento do tráfego de caminhões na área. A construção da avenida Perimetral da Margem Direita (paralela da margem direita do porto) se fez como uma necessidade inicial neste processo, como também no processo de modernização do porto, face às recentes modernizações que envolvem a malha ferroviária de São Paulo, da conclusão da segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, a qual ajudou a aumentar o fluxo de caminhões e automóveis para a Baixada Santista (bem como a construção parcial do Rodoanel de São Paulo). Sua função primordial é o atendimento do volume de tráfego no porto, em apoio à logística marterra, por meio de um reordenamento do fluxo de caminhões e do uso do solo urbano41 Entrevista concedida ao jornal A tribuna, <http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Maio de 2011. Disponível em A tribuna on-line: 76 portuário nas adjacências da área portuária, atendendo aos usos dos terrenos já consolidados, bem como as interferências urbanas existentes. Essa avenida perimetral estender-se-á desde o viaduto da Via Anchieta, no bairro da Alemoa (entrada para a cidade de Santos), até a Ponta da Praia, num total de 8 km para a margem direita e 4 km para margem esquerda no distrito de Vicente de Carvalho. Para a Margem Direita, em face às dificuldades de licenciamento ambiental, é composto por duas pistas de 10 metros de largura cada e um viaduto, estando assim, acessível pelo “retão da Alemoa”. Para a próxima fase do projeto, iniciaram-se as obras do túnel “Mergulhão” (FIGURA 20), passagem inferior da rodovia sob o acesso rodoviário ligando as duas avenidas perimetrais (direita e esquerda). Figura 20 - Projeto do túnel “Mergulhão” e da nova área de interface porto/cidade Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=445296>. Acesso em nov., 2009. O autor Neil Smith (2007) aborda a importância atual de reestruturação das áreas centrais urbanas ao assumir esta forma corporativa/profissional. Para os gestores de empresas, o ritmo temporal da administração superior da economia e das diversas unidades corporativas não é estável e nem regular (alterações nas taxas de juros e nos 77 preços das ações, acordos financeiros, negociações trabalhistas, transações internacionais, contratos comerciais, o comportamento imprevisível dos governos e dos competidores, por exemplo) e exige um contato próximo e imediato com uma série de sistemas de apoio profissional e administrativo, assim como com empresas concorrentes. A proximidade espacial, proporcionada pela Sede da Petrobrás do Parque Tecnológico da Incubadora de Empresas e outros empreendimentos empresariais no centro, reduz os tempos de decisão, porque este sistema de decisão é suficientemente irregular a ponto de não poder ser reduzido à lógica de rotina do computador, do contato online. Assim, o regime temporal da tomada de decisões financeiras na sociedade capitalista requer uma centralização espacial. Quanto mais a economia mostra-se propensa a crises, e, portanto, à administração de crises de curto prazo, mais se pode esperar das sedes de empresas uma busca por segurança espacial. A modernização e crescimento do setor de serviços portuários, de logística e de tecnologia, dão ênfase ao capital investido no ambiente construído como resposta espacial à irregularidade temporal e financeira, como no caso da metrópole santista. Um exemplo é a busca atual de empresas ligadas às atividades portuárias no centro histórico santista: Setor de petróleo e gás atrai empresas e gera empregos42 A cidade já está ganhando com os investimentos da exploração do petróleo e gás na Bacia de Santos. Segundo a Sefin (Secretaria de Finanças), nove empresas do setor foram abertas entre 2005 e 2009, sendo cinco de extração e quatro de atividades de apoio. Um exemplo é a francesa Schlumberger Serviços de Petróleo Ltda, que inaugurou, no mês passado, escritório de apoio e suporte técnico no Centro Histórico. “Seguimos os passos da Petrobras, prestando serviços na área de petróleo. Escolhemos o Centro porque é um corredor cultural e está próximo à construção que a Petrobras fará (sede da Unidade de Negócios, no Valongo)”, resume o gerente do escritório santista da empresa, Paulo Guiro Pacheco. Empresas abertas, empregos gerados. De acordo com a Sedes (Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Estratégicos), quando se trata do segmento de petróleo e gás, cada vaga aberta é multiplicada por cinco. Desde 2006, foram criados 1.100 42 Reportagem disponível no site da prefeitura de Santos em 03/03/2010. Acesso: <http://www.santos.sp.gov.br>. 78 empregos diretos. Com a inclusão de empresas de prestação de serviços terceirizados, no entanto, esse número salta para 5.500. Isso porque a cadeia envolve áreas técnica e operacional, como equipamentos industriais, produtos químicos, combustíveis e lubrificantes. Soma-se ainda a necessidade de consultoria, construção e montagem, manutenção, inspeção e apoio fora do mar. Os trabalhos de François Ascher (1995) sobre as cidades francesas, ajudam a elucidar como as obras viárias no Valongo e a reestruturação de todo sistema viário além de atenderem, primeiramente, a demanda portuária e seus fluxos, também servem à reestruturação urbana, a sua organização, a centralização e dispersão dos fluxos, se traduzindo por uma nova organização e reafirmação da hierarquia urbana da Baixada Santista (Santos, a sede e seu centro, local de concentração e centro de decisão). Um exemplo é a construção do túnel “Mergulhão”, configurando o “efeito túnel”, o desligamento do porto e de suas vias de acesso ao centro da cidade, o porto “dando as costas para a cidade” por meio da ligação do porto diretamente com o sistema AncheitaImigrantes e o fim do tráfego de caminhões para o porto no centro da cidade, reestruturando, assim, o antigo modelo urbano, onde as principais vias do centro serviam para atender o porto e seus fluxos rodoviários. Esta necessidade de modernização e ampliação das atividades do porto, segundo os agentes políticos locais, estaduais e nacionais, aliados aos agentes hegemônicos, para a inserção competitiva do porto na economia mundial, assim como o interesse de inserção da Baixada Santista nos roteiros turísticos nacionais, faz necessária a construção de um aeroporto formando um complexo “Porto-Indústria-Aeroporto”. Esta proposta surgiu a partir de um estudo de viabilidade para a implantação de um aeroporto civil na região metropolitana da Baixada Santista, de modo a responder e impulsionar as atividades socioeconômicas da região. A atual base aérea de Santos está localizada muito próxima da área portuária sem, contudo, manter uma relação direta de vizinhança, e a junção das modalidades portuárias e aeroportuárias poderá criar uma nova facilidade e um novo conceito de logística, agilizando os escoamentos de produtos industriais, além de atender ao 79 transporte de passageiros como uma alternativa aos “sobrecarregados aeroportos” da capital paulista. Outra obra de grande impacto para a região é a construção do Rodoanel Mário Covas (SP - 21) (FIGURA 21). Esta obra reforça a dinâmica metropolitana entre São Paulo e Santos pelo sistema Anchieta-Imigrantes de rodovias, e integra a Região Metropolitana da Baixada Santista com rodovias estaduais e federais (Régis Bittencourt, Sistema Anhanguera-Bandeirantes, Castelo Branco, Raposo Tavares). O rodoanel reafirma e intensifica a articulação entre o planalto e baixada (litoral sul paulista), que já é muito antiga, surgida pelos primeiros grupos indígenas e colonos da Capitania de São Vicente, os quais já utilizavam trilhas e caminhos para ligar estas duas áreas do território paulista, assim como a construção da estrada do Caminho do Mar, ou “estrada da maioridade” (1844), a construção da ferrovia Santos-Jundiaí (1867), a construção rodovia Anchieta (primeira pista entregue em 1947) e a construção da rodovia dos Imigrantes (primeira pista entregue em 1974). O rápido crescimento e a expansão da Região Metropolitana de São Paulo (cidade de São Paulo, principalmente em sua região sul, passando pelas importantes cidades de São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano do Sul) geraram problemas de tráfego e de transporte nas principais vias de circulação da Grande São Paulo fazendo-se necessária, portanto, a busca de uma solução rodoviária para agilizar o acesso ao porto santista. A solução encontrada, inspirada em outros exemplos de metrópoles mundiais, foi a construção de um anel viário em torno da grande mancha urbana, o rodoanel, articulando grandes sistemas rodoviários estaduais paulistas, articulando, portanto, a Região Metropolitana da Baixada Santista (principalmente o porto santista) com a Região Metropolitana de Campinas: articulação entre as rodovias do sistema Anhanguera-Bandeirantes (SP-330 e SP-348), além dos estados da Região Sul do Brasil, por meio da articulação da rodovia Régis Bittencourt (BR-116), do estado de Mato Grosso do Sul, por meio da rodovia Raposo Tavares (SP-270) com o rodoanel. Portanto, a construção do rodoanel viabiliza e intensifica o fluxo de mercadorias e de pessoas entre planalto e o litoral, reafirmando o litoral paulista e seu porto como um lócus privilegiado de um processo de metropolização do espaço paulista, potencialmente capaz de revelar como esta nova rede de relações entre os espaços 80 paulistano e santista. Tal rede continua servindo à expansão e crescimento do planalto paulista sob os novos paradigmas da acumulação capitalista global (LENCIONI, 2003). Assim, a articulação entre estas duas diferentes regiões metropolitanas paulistas, tendo como estudo de caso a cidade santista, pode-se evidenciar a subordinação desta frente à lógica de reprodução e expansão do capital concentrado na cidade de São Paulo, a mesma capital que subordina outras regiões metropolitanas paulistas (Grande Campinas e Grande São José dos Campos), por meio de sua especificidade, o porto, a exploração petrolífera, e de seus derivados, e o turismo de balneário. O Rodoanel implica, portanto, em uma redução das barreiras espaciais entre o planalto e o litoral, por meio da diminuição do custo do transporte e a consequente redução nas barreiras espaciais à circulação de bens, pessoas, dinheiro e informação, reforçando a importância da qualidade do espaço santista no desenvolvimento capitalista na região sudeste brasileira (serviços portuários, exploração petrolífera e turismo). Com o poder de escolha, os agentes hegemônicos podem buscar as vantagens locacionais para seus investimentos. Estas vantagens são: diferenças na oferta de mãode-obra (quantitativa e qualitativa – altamente especializada no setor petrolífero), em infraestrutura e recursos (o centro como local concentrador de atividades e investimentos), na regulação governamental e taxação (incentivos fiscais para investir na área central). Estas “vantagens” assumem importância nesta fase de desenvolvimento capitalista nacional, em que a administração urbana santista orienta-se mais no sentido de prover um “bom clima de negócios” e oferecer todos os tipos de atrativos para trazer capitais para a cidade. O prefeito de Santos, João Paulo Papa Tavares, espera uma “invasão” principalmente de pessoas do interior, como Campinas e Sorocaba – mesma avaliação das autoridades de Praia Grande43. Segundo o prefeito Papa, as áreas continentais de Santos e São Vicente serão atrativas para novos negócios, impulsionados pelo Trecho Sul do Rodoanel. 43 Reportagem do jornal A Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano de 28 de março de 2010. Disponível em: <http://www.folha.com.br>. Acesso em Março de 2010. 81 O ganho maior em eficiência é para o Porto e a região da Baixada Santista. Isso vai estimular, certamente, muitos novos negócios nas áreas continentais de Santos e São Vicente, que são as nossas atuais reservas territoriais para desenvolvimento. Figura 21 – Rodoanel Mario Covas (SP – 21) Fonte: Jornal A Tribuna, Especial Rodoanel, 30/03/2010. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Março de 2010. Há também o projeto de construção de uma ponte ligando as cidades de Santos e Guarujá, em substituição à travessia por balsa, juntamente com a construção de um "arco rodoviário" para ligar as duas margens do Porto de Santos e agilizar o fluxo e o tráfego de mercadorias e pessoas na Região Metropolitana da Baixada Santista (FIGURA 22). Conforme a proposta, a ponte terá uma ligação seca de 4,8 km de extensão, sendo 1 km de ponte estaiada, com duas faixas em ambos os sentidos. O 82 projeto dessa ponte está em fase de licenciamento ambiental. Orçada em R$ 700 milhões44, a obra tem previsão de duração de 30 meses após a assinatura do contrato. Os custos serão arcados pelo Governo do Estado, que não prevê a cobrança de pedágio. Figura 22 - A ponte ligando Santos e Guarujá Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=445296>. Acesso em nov., 2009. 2.2. O porto santista e o Programa Porto Valongo. Para a compreensão deste processo de “resgate” do espaço central santista e sua (re)valorização pelo poder público local e seus parceiros da iniciativa privada torna-se necessário entender as principais estratégias e objetivos de modernização do porto e de sua área adjacente ao centro histórico santista. O porto, em grande medida, devido à sua natureza técnica, gerencial e sua infraestrutura portuária, ao longo da história santista, incidiu nos modelos de crescimento urbano da cidade criando efeitos persistentes e duradouros (SALES, 1999). A modernização do porto santista, além daquelas 44 Valor equivalente à USD 430.000.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 83 envolvidas diretamente na infraestrutura de acesso a este, inspira-se em outras cidades portuárias mundiais, principalmente no modelo do porto da cidade de Barcelona, sendo este o “modelo” mais difundido e conhecido, principalmente nos países latinoamericanos. Este modelo pressupõe a existência de um porto “concentrador”, o qual “alimenta” a cidade à distância através de um terminal com capacidade de controle dos fluxos e estabelece uma nova centralidade sobre os antigos espaços portuários abandonados e obsoletos por meio de programas de revitalização urbana produzindo um novo espaço turístico nesta área de interface porto/cidade com vista para o mar, waterfront (ORNELAS, 2008). O Porto de Santos é "A Grande Porta de Saída do Comércio Exterior Brasileiro", onde praticamente todos os Estados brasileiros, em maior ou menor grau, utilizam-no para viabilizar suas transações comerciais internacionais. Estando situado em uma das regiões do país cujo mercado corresponde a 55% do PIB nacional, 45% do mercado consumidor e 49% da população do país, constitui-se assim num porto estratégico para o desenvolvimento do comércio exterior nacional, ou seja, exige que este, por ser o mais próximo do centro econômico do país, possua melhor acessibilidade do que outros portos brasileiros, garantindo aos seus usuários eficiência em tempo, segurança, e produtividade. Fatores estes que são importantes na composição dos custos dos produtos que são comercializados nesta região (EMPLASA, 2005). O porto santista moderno, até pelo menos os anos 50 do século XX, traduziu-se, como além de uma consolidação de uma área comercial cafeeira, também no assentamento dos trabalhadores no cais na implantação de plantas industriais na periferia e no atendimento de infraestrutura (saneamento e energia elétrica) que resultou em alguns benefícios para a população local. Após este período, com o início da industrialização de Cubatão, do aumento das exportações e importação (via porto) e a melhoria de acessibilidade ao porto, propiciada pelas ligações rodoviárias com o planalto (Via Anchieta e Rodovia dos Imigrantes), provocaram um grande aumento do fluxo de mercadorias e de caminhões, fazendo-se necessária uma nova modernização do porto. Neste período, o porto desenvolveu-se na margem esquerda do estuário (ilha de Barnabé) para atender o pólo industrial de Cubatão (SALES, 1999). O aumento da 84 capacidade e das dimensões dos navios e a crescente especialização industrial impuseram ao porto santista a necessidade de implantar novas áreas para a recepção dos navios, refino de petróleo e a introdução de mudanças tecnológicas (particularmente a conteinirização iniciada nos anos 50), as quais levariam à aceleração da separação dos usos e funções portuárias e urbanas. Por outro lado, estas pesadas infraestruturas viárias de acesso ao porto e o abandono planejado do centro, por meio de direcionamento de investimentos públicos e privados para a orla, acabaram por expulsar algumas atividades do centro, como local de lazer e de encontro. Assim, as áreas limítrofes ao porto foram invadidas pelo tráfego e pelas instalações portuárias e de transporte, fazendo estas parecer desligadas do espaço urbano e seu “funcionamento”, como por exemplo, a intensificação das atividades retroportuárias transformou a paisagem dos bairros do Paquetá e da Vila Nova, os quais passaram a abrigar galpões, estacionamentos e empresas de serviços portuários (FIGURA 23). Figura 23 - O Bairro do Paquetá (próximo ao terminal de passageiros do porto) Autoria: Paula Dagnone Malavski (19/11/2007) 85 O Ministério dos Transportes (Governo Federal) criou, por meio do Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais45, em 23 de janeiro de 2007, um Grupo Executivo composto pela prefeitura de Santos, pela Companhia das Docas do Estado de São Paulo (CODESP) e pelo Ministério das Cidades para supervisionar, elaborar e executar projetos de revitalização da área portuária santista, e também a revitalização das instalações não operacionais do Porto de Santos. Na primeira reunião, realizada em 8 de março de 2007, a prefeitura, juntamente com a CODESP, acordou a destinação da área histórica do porto (armazéns de número um ao oito) para atividades econômicas, políticas e culturais, bem como o arrendamento não oneroso à Prefeitura de Santos da área. Assim, este programa do governo federal passou a colaborar com os projetos do programa Alegra Centro (Prefeitura de Santos) e do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos” (PDZPS). O PDZPS, elaborado pela CODESP, busca assegurar a efetiva “integração do porto com a cidade” neste processo de “resgate do centro” por meio da reabilitação desta área portuária antiga e abandonada. Em 2006, a CODESP revisou o PDZPS de fevereiro de 2000, estabelecendo novas estratégias para a modernização e o desenvolvimento do porto. Seus principais objetivos são: • Elevar o espaço público como fator de recuperação do meio ambiente; • Estimular a recuperação dos espaços verdes na área Portuária; • Fomentar a plantação de árvores ou arbustos nativos; • Trocar gradativamente os pisos inadequados por revestimentos mais favoráveis 45 O Programa Nacional de Reabilitação visa promover a habitação social nas áreas centrais favorecendo, segundo os documentos, a melhoria da qualidade de vida da população e democratizando o acesso à cidade. Segundo o programa, nas grandes cidades brasileiras, os centros geralmente se caracterizam por um núcleo tradicional envolto por bairros vizinhos, servidos de infra-estrutura urbana consolidada: equipamentos, transporte, comércio, prestação de serviços. Como consequência, nessas regiões, é ofertada uma maior quantidade e diversidade de oportunidades, trabalho, serviços etc. Essas áreas, sobretudo nas maiores cidades e capitais metropolitanas, têm frequentemente passado por um processo de esvaziamento ou perda de diversidade populacional e econômica. Em teoria, o objetivo seria promover o uso e a ocupação democrática dos centros urbanos, propiciando o acesso à habitação com a permanência e a atração de população de diversas classes sociais, principalmente as de baixa renda, além do estímulo à diversidade funcional recuperando atividades econômicas e buscando a complementaridade de funções e a preservação do patrimônio cultural e ambiental, o que geralmente não ocorre. Fonte disponível em: <http://www.cidades.gov.br>. Acesso em Novembro de 2010. . 86 à limpeza; • Cadastrar e fiscalizar a presença de ambulantes na área portuária; • Exigir que a comercialização de produtos alimentícios se fizesse apenas em locais devidamente autorizados pela vigilância sanitária; • Aumentar a vigilância nestas áreas; • Buscar parcerias junto à iniciativa privada; • Fiscalizar a ocupação desordenada e ilegal destas áreas; • Prever a integração dos espaços públicos com seu entorno. Segundo a CODESP, o objetivo fundamental no planejamento portuário é: Ajuda para a melhoria e estabilização da qualidade de vida das pessoas na sua região de abrangência, e assim contribuindo para a paz e prosperidade da nação e para ao resto do mundo. O Plano deve considerar o significado do desenvolvimento do porto, deve conter um plano para utilização das suas áreas e medidas e procedimentos para a sua promoção comercial. Assim, de acordo com as análises e comentários apresentados, para o melhor planejamento do atendimento da demanda no Porto de Santos com a implantação de Modernos Terminais devem ser ponderadas as condicionantes da região. (grifos meu) As ações da CODESP, aliadas ao poder público local santista, em um primeiro momento, visam integrar e modernizar as operações do porto comercial, como também de incluir o porto (adjacente ao centro histórico) aos roteiros turísticos municipais por meio do da reabilitação do patrimônio histórico para atividades de lazer e culturais, tendo como público-alvo os passageiros de Cruzeiros atracados no porto, e, posteriormente, a inserção da cidade nos roteiros turísticos nacionais e internacionais, principalmente a partir da realização da Copa do Mundo de 2014. O projeto inclui a construção de um novo terminal de passageiros, com um cais exclusivo para esse tipo de embarcação. Outros quatro terminais privados estão sendo construídos e um está em ampliação. Duas dragas importadas da China já trabalham no aprofundamento de todo o canal de navegação para 15 metros (atualmente, são 12,40 metros). Assim, o porto ficará apto a receber navios de grande porte e se tornará mais competitivo no cenário 87 internacional. O PDZPS prevê que grande parte das instalações existentes na margem direita do porto, da Ponta da Praia ao Saboó, deverá ser destinada à movimentação de carga geral diversificada, e revitalização dos antigos armazéns, do cais do Valongo ao Paquetá, na região do centro da cidade da Santos, para atividades culturais, de lazer e de turismo. Entre dezembro (2010) e fevereiro (2011), segundo dados da Secretaria de Turismo46, o balneário recebeu 5,3 milhões de visitantes, a maioria procedente de São Paulo. E, nesta temporada, passaram pelo terminal de passageiros do Porto de Santos 47, aproximadamente, um milhão de pessoas, 14% a mais do que no mesmo período do ano anterior. Segundo José Roberto Serra, presidente da Codesp: Essencialmente comercial, o porto precisou se adaptar aos cruzeiros”, afirma José Roberto Serra, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). “Agora, é imprescindível viabilizar uma estrutura oficial. Fonte indicar 46 Reportagem do site da Imprensa Oficial de <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Abril de 2011. 47 Reportagem do site da Imprensa Oficial de <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Abril de 2011. Santos (20/04/2011). Disponível em: Santos (25/04/2011). Disponível em: 88 Tabela 1 - Investimentos do governo federal para o porto de Santos (Plano de Aceleração do Crescimento – PAC 2) Porto de Santos PAC 2 Avenida Perimetral da Margem Direita – Trecho Alemoa Saboó Total (R$ mi) 60 Avenida Perimetral da Margem Esquerda – 2ª Fase 303 Passagem inferior na região do Valongo (Mergulhão) 300 Avenida Perimetral da Margem Direita – Trecho Bacia do Macuco e Ponta da Praia 50 Construção de dois píeres de atracação e ponte de acesso, no Terminal da Alemoa 72 Construção de três píeres de atracação e respectivas pontes de acesso na Ilha de Barnabé 150 Reforço do píer de acostagem na Alemoa 52 Reforço nos berços de atracação da Ilha de Barnabé 52 Reforço de cais para aprofundamento dos berços entre os Armazéns 12 ao 23 200 Aprofundamento do canal de acesso externo e interno de 15/15m para 17/16m 193 Alinhamento do cais de passageiros 120 Total Codesp 1.552 Fonte: Assessoria de Comunicação Social (CODESP – Porto de Santos). Disponível em: <http://www.portodesantos.com.br>. Acesso em Fevereiro de2011. Este modelo de “revitalização” portuária proposto pelo PDZPS (CODESP), apoiado pelo programa de Reabilitação de Áreas Centrais do Ministério das Cidades, é inspirado no modelo Barcelona, e em modelos de outros países que hoje renovam, ou que já renovaram suas antigas áreas portuárias consideradas obsoletas (Porto Madero Argentina, Docas de Londres, portos de Copenhagen, Gênova, Duisburg - Alemanha, Chelsea Pier e Long Island - Nova York e Docas do Pará - Belém). Nessa direção, 89 pautados em uma ideologia global, os responsáveis pela modernização do porto santista não estão preocupados somente com a movimentação de carga, mas também com a área central da cidade, onde o objetivo principal é incrementar e desenvolver uma variedade de atividades, que podem (re)valorizar simbólica e economicamente todo o seu entorno. A concepção de revitalização elaborada pelo PDZPS, com base nestes “modelos inspiradores” globais e nacionais, consiste em “resgatar” e explorar o valor histórico do patrimônio local, considerando ainda a recuperação do ambiente por meio de um empreendimento para a região, aliado ao setor tecnológico e aos interesses privados. Os principais objetivos desta “revitalização” incluem, portanto: • Gerar oportunidade de uso de parte da área do porto para uso misto portuário-urbano; • Fomentar a recuperação da atividade comercial da região; • Reconversão de área; • Fortalecimento da relação porto-cidade; • Criação de pólo de turismo e de áreas de desenvolvimento social; • Contribuição para a preservação da memória histórica; • Reabilitação e valorização econômica; • Inclusão de Santos em roteiros turísticos nacionais. Uma das características marcantes deste projeto é a profunda transformação deste espaço urbano, da tipologia das construções e da arquitetura local. Tem uma inspiração na arquitetônica moderna e global, na qual o patrimônio histórico edificado se mistura com uma arquitetura pós-moderna, visando a transformação simbólica deste fragmento do espaço urbano, antes degradado e agora moderno e “global” em sua aparência material, global em relação também a outras áreas da cidade. A problemática quanto ao uso deste patrimônio arquitetônico, histórico e cultural do centro histórico, sua junção aparentemente desordenada de suas formas passadas às novas, superpostas umas às outras, uma “colagem” de usos correntes, podem vir a gerar um processo de estranhamento do espaço para a população local (CARLOS, 2008). O autor David Harvey (1992) também sinaliza que esta tipologia de projeto urbano, mesclando estilos 90 distintos, junção do passado com o moderno, sensível somente à história local do porto e aos desejos e necessidades particulares de uma elite, geram formas arquitetônicas especializadas ao esplendor do espetáculo somente. Isso significa que a restauração deste fragmento de espaço mais antigo da cidade santista e a sua reabilitação para novos usos requer a criação de um novo espaço que exprima a visão tradicional com todo o avanço que as tecnologias e materiais modernos permitem. Para ele, esta imposição de projetos de revitalização urbana para a produção deste espaço urbano, no contexto da globalização e sob paradigmas únicos de construção do espaço urbano, tende para um processo de “esquizofrenia” quanto ao espaço, uma característica geral da mentalidade pós-moderna na arquitetura (1992:83): É o seu dever de personificar uma dupla codificação, “uma tradicional popular” - que tal como a língua falada, muda aos poucos, está cheia de clichês e se enraíza na vida familiar, e uma moderna, cujas raízes estão numa “sociedade em rápida mudança, com suas novas tarefas funcionais, seus novos materiais, suas novas tecnologias e ideologias”, bem como uma arte e uma moda que não param de mudar, como a formulação de Baudelaire, mas com uma nova aparência historicista. Na reabilitação desta área antiga portuária cabe destacar, como um exemplo deste uso do espaço produtivo, do consumo cultural, do espetáculo, contraditório ao uso deste para a reprodução da vida da população local, o projeto de criação do Museu Pelé (FIGURA 24), que será instalado nos escombros dos casarões do Valongo, no Largo Marquês de Monte Alegre (FIGURA 25). Após muitos anos em disputa judicial, em agosto de 2010, o governo do estado de São Paulo se apropriou do imóvel em questão e doou o imóvel para a prefeitura santista, e, em maio de 2011, o projeto de construção do museu foi autorizado pelo Condepasa (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos), Condephaat (órgão estadual) e pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Os Casarões do Valongo ficaram muitos anos abandonados desde a ocorrência dois incêndios: um em 1985, dois anos após o tombamento do Condephaat (órgão de preservação estadual), e outro, em 1992, dois anos após o tombamento pelo Condepasa (órgão de preservação municipal). A posse do imóvel pelo poder público, desde os 91 tombamentos, estava em juízo. A “conquista” do imóvel pelo poder público ocorreu por parte de desapropriação do imóvel pelo Governo do Estado (FIGURA 26). Com conclusão prevista para 2012 e estimado em R$ 20 milhões, o Museu Pelé será financiado pela iniciativa privada, por meio de captação de recursos com base na Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura), investimentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e das empresas Vivo, Gerdau, Ambev, Fosfértil Mitsubishi e MRS Logística. A Oscip (Organização Social de Interesse Público) e a Ama-Brasil serão as responsáveis pela captação dos recursos. Recursos tecnológicos para interatividade será uma das novidades do museu, que vai expor objetos e documentos conservados por Pelé ao longo de sua carreira. Serão três blocos interligados, com espaços para o acervo, exposições temporárias, auditório, lojas, café e sanitários. O governo estadual cedeu os imóveis e o Ministério da Cultura aprovou a inclusão do projeto na Lei Rouanet. 92 Figura 24 – Os projetos de instalação do Museu Pelé Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=920600>. Acesso em Março de 2011. 93 Figura 25 – Os casarões do Valongo no século XIX Fonte: <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0124b.htm>. Acesso em Abril de 2011. Figura 26 - Situação atual das moradias na região do Valongo (destaque à direita das ruínas do edifício que irá abrigar o Museu Pelé) Autoria: Paula Dagnone Malavski – 26/10/2010. A importância da construção do Museu Pelé neste processo de (re)valorização do centro histórico santista é fazer deste uma âncora para a consolidação deste processo 94 e, consequetemente, “conquista” deste espaço pelo poder público local e seus parceiros. A produção de um espaço turístico, nesta área central de interface com o porto, visa a inserção da cidade em um circuito turístico nacional e internacional, sobretudo a partir da realização da Copa de 2014 no Brasil, onde a cidade santista será uma cidade subsede (a princípio será cidade onde se realizarão os treinos de equipes) deste grande evento. A importância da participação da iniciativa privada neste processo de (re)valorização espacial do centro histórico, na construção desta âncora cultural − o museu Pelé − interessante para ambos agentes deste processo; pois, para o poder público, é uma possibilidade de consolidação deste “resgate” do centro. E, para a iniciativa privada, a participação neste projeto de grande envergadura, aliada a um city marketing, pode levar o público a identificar parte deste processo de “resgate” do centro e de seu patrimônio com a “marca” destes parceiros investidores. Portanto, não há como negar que o poder público local visa (re)valorizar este fragmento de espaço da cidade por meio de uma readequação de seu centro histórico para os investidores do setor portuário, de serviços e do mercado turístico, onde as ações de city marketing visam realçar os aspectos mercadológicos do patrimônio, e, consequentemente, alterando o sentido público e político dos cidadãos neste espaço urbano. Estas ações pontuais, como por exemplo, o museu Pelé, o passeio de bonde histórico, a refuncionalização do patrimônio edificado, revitalização de equipamentos urbanos para produção de um espaço turístico, e outros, são inspiradas no modelo Barcelona, mesmo com suas particularidades locais, pois a cidade, em sua área central, tem uma população, por volta de 1200 famílias, em situação de encortiçamento. A autora Otília Arantes (2002) aponta a problemática que envolve este modelo Barcelona, implementado, mundialmente, como um pensamento único de cidades48 − em que se casam o interesse econômico da cultura e as alegações culturais do comando econômico, reforçando a entrada de cidades em um circuito turístico e econômico de diferentes escalas geográficas, enfatizando o apelo da contemplação visual do patrimônio e do waterfront. Assim, estas ações do poder público local santista, 48 A autora Otília Arantes vem recorrendo a esta fórmula desde sua comunicação no Simpósio Internacional sobre Espaços urbanos e exclusão socioespacial. Práticas de inclusão. Promovido pela FAUUSP, de 4 a 6 de novembro de 1998. 95 articulado, em outras esferas, com o governo federal e estadual, além da parceria com a iniciativa privada, almejam uma “forma” de urbanismo global em contradição a produção deste espaço como prática social, visando melhorias de infraestrutura, ampliação da oferta de serviços especializados no porto. Tal instalação de equipamentos portuários de alto nível buscam, precisamente no sentido de afirmar, em escalas nacionais e globais, as vantagens locacionais da cidade santista na competição dos poderes municipais na pesquisa de investimentos em diversas escalas geográficas, do local ao global, sem necessariamente garantir melhoria da qualidade de vida da população (FIGURA 27). Desde a implantação do programa Alegra Centro (2003), bem como a criação de um plano diretor (1998) que já visava uma preocupação em crescimento e desenvolvimento das atividades turísticas na cidade, a produção do espaço central santista está subjugada, pelo poder público, para a produção de um espaço turístico e empresarial. Tais ações do poder público local para a produção de um complexo portuário-urbano se centraram, sobretudo, a partir de 2008, na criação do programa de revitalização “Porto Valongo Santos”49 (FIGURAS 28 e 29). O poder público municipal, apoiado pela Secretaria de Assuntos Portuários (governo federal) e pela CODESP, por meio de licitação internacional, contratou o grupo Ove Arup & Partners, sediado em Londres (Inglaterra), para o projeto que visa a integração da infraestrutura, o planejamento global, a “sustentabilidade” e “soluções” articuladas relativas à comunidade local para viabilizar o empreendimento “Porto Valongo”. O grupo Ove Arup & Partners, localizado em diversos países, existe há 65 anos e já atuou em projetos de revitalização na Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Austrália e Coréia do Sul. Este preparará os estudos de caráter técnico 50, 49 Como já indicamos em páginas anteriores, esse programa prevê: a contraparte da prefeitura para construção de complexo turístico, empresarial, cultural e náutico em antigos armazéns portuários (1 ao 8), integrando a obra do Mergulhão (recursos do governo federal e da Codesp), um terminal de passageiros para cruzeiros marítimos, uma marina pública, restaurantes, lojas, escritórios, um museu do porto, a construção de base oceanográfica da USP (Universidade de São Paulo) no armazém oito, a criação na cidade do Instituto de Ciências do Mar e Meio Ambiente e de cinco novos cursos superiores públicos voltados para as áreas de engenharia portuária, pesca e ambiental, oceanografia e economia, com ênfase em políticas públicas e ciência e tecnologia por meio do convênio firmado entre Codesp e Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), além da inclusão das atividades offshore neste local, previstas pelo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto que visa preparar a cidade para gerar novas vagas de trabalho em apoio à Petrobrás. 50 Dados do Projeto Porto Valongo, segundo os estudos da Ove Arup & Partners e prefeitura de Santos: • Construção do Centro Oceanográfico: US$ 3 milhões. 96 econômico, ambiental e social, e posteriormente, cabe ao poder público santista validar o plano final de ocupação, a partir do qual serão promovidas audiências públicas e preparadas as licitações para a realização do empreendimento. Figura 27 - Vista atual do porto (Valongo) Autoria: Paula Dagnone Malavski (14/10/2010). Figura 28 - Armazém número 4 – Porto de Santos Fonte: <www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Março de 2010. Figura 29 - Imagens do projeto Porto Valongo 97 Fonte: <http://www.investsantos.com.br>. Acesso em nov., 2009. Este processo de “resgate” desta antiga área portuária santista por meio do programa “Porto Valongo” representa a ação e o poder do Estado como um agente no processo de produção do espaço da cidade santista, revalorizando esta centralidade histórica e, como tendência, expulsando as pessoas e as atividades “indesejadas” para a periferia da cidade, criando também um espaço de dominação e “redutor das 98 contradições”, mesmo que somente no plano das aparências 51, caracterizado por servir aos interesses do Estado e de seus parceiros investidores. Este exercício do poder do Estado e seus parceiros da iniciativa privada para o controle do espaço santista (o poder no espaço) pauta-se, portanto, no poder deste para impor e modificar as normativas legais de uso e ocupação do solo para a área central e portuária, as definições sobre política tributária, a implementação e reestruturação de infraestrutura, de serviços e de investimentos. Esse controle do espaço deve ser entendido como um controle da sociedade com vistas à dominação política, pois, o uso deste espaço será controlado pelos interesses do Estado e da iniciativa privada para atração de investimentos e capitais e pessoas consumidoras deste espaço. Assim, este processo de (re)valorização do espaço central e histórico santista, do antigo porto, confirma-se como a produção, também, de um espaço de poder, o qual procura manter, no plano das aparências e das formas, um aspecto de unidade e homogeneidade, apesar da heterogeneidade e das contradições (LEFEBVRE, 1974) da produção do espaço santista e seus agentes. A (re)valorização deste fragmento de espaço, como uma nova estratégia produtiva de superação da crise de acumulação do capital local, por meio destas ações locais, visam a produção de um espaço para o turismo, a realização e negócios e a (re)produção do espaço central por meio de ordenação e “modernização”. Deste modo, a atração de investimentos é, sobretudo, uma tentativa de valorização econômica da área, e não uma melhoria de vida para a população local e usuária do centro histórico. 2.3. Os outros agentes deste processo de (re)valorização do centro histórico santista Este processo de modernização competitiva do porto e de produção de um espaço turístico/empresarial, nesta área de interface porto e centro histórico, revelam, portanto, o momento atual no qual o capital tende a se realizar, em solo santista, por meio da produção de “um novo espaço” – um espaço-mercadoria− voltado aos serviços de prestação de serviços, de atividades portuárias e de logística e de turismo e lazer, gerando um aumento dos preços do solo urbano nesta área, o que, como tendência, pode 51 Neste exemplo, é importante ressaltar que a redução das contradições dá-se somente no plano das aparências (CARLOS, 2001). 99 transformá-lo também em um “produto imobiliário”. Com a implantação do Programa Porto Valongo, houve a atração de grandes investidores do mercado imobiliário principalmente para os bairros de Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias (Zona Central). Estes bairros, desvalorizados no passado, devido aos seus problemas de infraestrutura, falta de equipamentos urbanos (ruas estreitas, quadras pequenas para receber grandes edifícios) e a presença de uma população pobre, hoje é alvo de incorporadoras imobiliárias, devido à falta de áreas na cidade para novos empreendimentos. Segundo matéria do jornal, A Tribuna52, a área é de interesse de grandes construtoras devido aos investimentos do poder público na área de atuação do programa Alegra Centro. Pelas degradadas vias do bairro, já passaram executivos, por exemplo, da Adolpho Lindenberg, construtora paulistana cujas obras na Faria Lima e na Berrini estão entre os endereços comerciais mais caros da Capital. Há alguns meses, a empresa confirmou seu interesse no Paquetá a A Tribuna, assinalando, contudo, que localidade só se tornará viável a partir de uma intervenção do poder público. Otimista, Ricardo Beschizza, diretor regional do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), acredita que melhorias pontuais em outros pontos do Centro de Santos contribuirão para tornar irreversível o projeto do “Novo Paquetá”. Os grandes investimentos atuais no solo santista (a descoberta do pré-sal, a transferência da Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás, por exemplo, além dos investimentos do poder público) já influenciam diretamente no crescimento do mercado imobiliário da cidade. Segundo registros da Prefeitura Municipal de Santos, nos últimos três anos, aproximadamente, mais de 50 projetos arquitetônicos de grande porte foram autorizados, e, de acordo com o Departamento de Imprensa da Prefeitura Municipal de Santos, em 2005, foram aprovados 16 projetos, totalizando 142.103,84 m2 de área construída. As áreas mais afetadas são Gonzaga, 52 Reportagem de 28 de Novembro de 2010. Disponível em:<http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Novembro de 2010. 100 Ponta da Praia, Embaré e José Menino. Mas os terrenos da área central da cidade também já são alvo de interesse e compra dos investidores para um futuro próximo, caso o programa Alegra Centro, assim como o Programa Porto Valongo, venham a se consolidar, estas áreas serão (re)valorizadas e poderão ser edificadas para empreendimentos comerciais e residenciais. Em 2006, a Prefeitura autorizou 20 empreendimentos, que equivalem a mais 293.401.56 m2. Apenas nos seis primeiros meses de 2007, foram aprovadas 19 grandes obras, o que significa um acréscimo de 449.077,41 m2 de área construída. Neste mesmo ano, o bairro Ponta da Praia foi o segundo recordista de novos empreendimentos imobiliários, com 179.041,86 m2 de área construída em seis grandes empreendimentos. O bairro Gonzaga ficou em primeiro lugar, com 13 projetos aprovados, com o equivalente a 184.565,43 m2 de área construída. O José Menino teve dois projetos com 93.547,46 m2 edificados; e o bairro Boqueirão, sete, medindo 79.559,66 m 2 edificados. Na orla de Santos a verticalização é radical (MOREIRA, 2009). De acordo com a Inteligência de Mercado da Imobiliária Lopes, em 2007, o número de unidades lançadas cresceu 310% com relação ao ano anterior, aproveitando o “bom momento so setor”. Foram 3.554 unidades lançadas neste ano, com metragem média de 126m² e preço médio de R$3.457 o m². Portanto, a cidade santista é alvo de grandes incorporadoras da Capital como os grupos Tecnisa, Agre, Lopes, Helbor Gafisa, Camargo Corrêa, além das tradicionais construtoras locais, como o grupo Mendes (responsável pela construção do Praia Mar Shopping, do Mendes Covention Center, do Riviera Residence Service − um dos edifícios mais alto da cidade e o primeiro com o sistema pey-per-use53 e o do Riviera Hotel no Gonzaga. Ao lado de edifícios antigos, com no máximo dez andares e instalações ultrapassadas em frente à orla, aparecem prédios maiores, a três ou quatro quarteirões da praia. Segundo Fábio Romano, diretor de incorporação da Yuni, muitas pessoas buscam em Santos um lugar mais tranquilo sem perder o clima urbano, com infraestrutura. 53 Este tipo de empreendimento possibilita que os locatários das salas comerciais poderão fazer uso temporário (locação) dos quartos para moradia temporária e dos serviços do hotel pelo sistema pay-peruse. Também há a possibilidade de compra de quartos neste hotel como investimento em unidades hoteleiras. 101 Obras como praias mais limpas, ruas arborizadas e intervenções em avenidas e corredores comerciais valorizam a região”. Em 2002, estima, não havia lançamentos por mais de R$3,5 mil o m². Hoje, esse preço pode chegar a R$ 6 mil o m². A tarefa difícil para investir na cidade, segundo os investidores, agora, é encontrar terrenos disponíveis, por isso mesmo, o centro é um área de interesse para estes investidores se o poder público consolidar o processo de (re)valorização e “resgate” do centro. Um exemplo é o empresário português Armênio Mendes, do Grupo Mendes, dono de construtoras, shoppings e hotéis, que já investe em terrenos na área central da cidade e garante ter nas mãos os melhores terrenos, apesar de não ser o grande o investidor do mercado imobiliário da cidade, representando 40% dos empreendimentos locais (MOREIRA, 2009). O grupo Mendes, apesar de não ser o grande investidor, tem parcela significativa deste perfil de investimento na cidade. Pertence ao grupo o Prime Plaza Residence, por exemplo, um condomínio de luxo em construção na orla do Gonzaga, com preços a partir de dois milhões de reais e apenas 40% das 54 unidades ainda estão disponíveis. Por 12 milhões de reais, a cobertura com vista para o mar já foi vendida. O grupo Mendes também é proprietário do Riviera Group, um grupo de capital brasileiro e português. Com mais de 30 anos de experiência, o grupo detém posições relevantes em Portugal atuando nas áreas do Imobiliário, Turismo e Hotelaria, Shopping Centers e Geração e Distribuição de Energia. Hoje, as áreas de atividades do grupo no Brasil incluem: Desenvolvimento Imobiliário, Mineração, Turismo, Comunicação, Energia e Indústria Naval. Também pertencem ao grupo o fundo de investimento imobiliário Promovest, administrado pela Fundimo (CGD) de Portugal. O fundo Promovest foi designado como o de maior rentabilidade do mundo em 2008, ultrapassando 197%, segundo dados da Morningstar, empresa especializada no monitoramente de fundos. O Promovest possui ativos imobiliários expressivos em Portugal, notadamente em Cascais e Coimbra, região que vem apresentando alto desenvolvimento. O ‘Promovest’ está muito perto de superar a rentabilidade de 200% e de consolidar o seu lugar no topo dos melhores fundos do mundo, na lista composta, na sua grande maioria, por fundos do 102 Luxemburgo e EUA54. Outra construtora do grupo Mendes, e grande investidora na região, é a construtora Miramar, atuando há mais de 30 anos no ramo da construção e comercialização de imóveis no litoral paulista. Em 2000, construiu o Praiamar Shopping – o primeiro com cinemas e hipermercado de Santos. Em 2001, implantou o Mendes Convention Center – um dos mais completos centros de eventos do Brasil. Em 2006, foi inaugurado o Residencial Jardins da Grécia, um marco na história dos empreendimentos imobiliários da cidade, como o primeiro residencial fechado da região. Este conta com cinco torres, condomínio fechado e uma enorme área de lazer composta por jardins. Em 2009, foi responsável pelo primeiro shopping de São Vicente, o Brisamar. O grupo Mendes mantém uma parceria estratégica com a Helbor Empreendimentos S.A. em empreendimentos locais. Portanto, a tarefa da administração urbana santista consiste em promover, divulgar e “negociar” seu espaço, e suas vantagens, para captar fluxos financeiros e de consumo altamente móveis e flexíveis do modo de produção capitalista atual, visando produzir um espaço turístico e funcional para consolidar este consumo produtivo do espaço central santista por meio de investidores de diversos setores da economia. A problemática deste novo tipo de administração e gestão dos espaços da cidade, neste caso, o espaço central e histórico santista, destes investimentos do poder público, em diferentes escalas, são de caráter especulativo neste momento, já que não se pode, pois, existe a impossibilidade de prever exatamente se os projetos de desenvolvimento turístico “pacote turístico”, principalmente, e imobiliário, terão êxito em um mundo de considerável instabilidade e volatilidade econômica. As respostas inovadoras e competitivas das alianças das classes dominantes locais e do poder público santista ainda são tendências, as quais engendram muitas incertezas, pois, este grande investimento de recursos públicos visa responder às transformações rápidas do desenvolvimento do capitalismo atual, além destes estarem sendo utilizados para atender as demandas de uma elite local. Portanto, este “pacote” de grandes transformações urbanas implantadas por meio do programa Alegra Centro, articulado em diferentes escalas geográficas, do local, do nacional e visando o global, um mercado 54 Dados informados no próprio no site do grupo <http://www.grupomendes.com.br>. Acesso em Dezembro de 2010. Mendes. Disponível em: 103 turístico, têm um futuro incerto. Um exemplo brasileiro do “risco” deste tipo de investimento é o caso do Pelourinho (centro histórico de Salvador – Bahia)55. Portanto, as ações em espaços centrais e históricos representam uma tendência geral do mundo globalizado, caracterizado pela circulação acelerada de fluxos de todos os tipos, onde as políticas urbanas locais parecem “inspiradas” por uma necessidade inevitável que buscar capacitar os espaços para atrair mais fluxos, sejam de investimentos ligados ao turismo, ou, em geral, relacionados a qualquer atividade suscetível de gerar movimento econômico, adaptando estas áreas urbanas aos potenciais consumidores, dotá-lo de elementos que o transformarão de forma rápida e, provavelmente, passageira, para convertê-lo em uma mercadoria pronta para ser comprada e utilizada56 (ROVIRA, 2006). O caso do Pelourinho pode exemplificar a problemática desta política urbana pautada na atração de grandes investidores para a consolidação destes “novos espaços turísticos”, como o caso da área central e histórica santista, pois não há garantias que este cenário será consolidado, apenas é uma tendência para o futuro. O programa Alegra Centro, em sua primeira fase, com ênfase na reabilitação do patrimônio histórico e edificado e algumas requalificações pontuais dos equipamentos urbanos da área central, desde 2003, atraiu, por enquanto, pequenos comerciantes para o centro. Em uma pesquisa sobre os “novos investidores do centro” 57, as atividades mais destacadas deste atual “resgate” do centro histórico foram os bares, restaurantes e casas 55 Em 1991, o governo estadual da Bahia, ciente do potencial turístico da área (patrimônio da humanidade pela UNESCO - 1985), começou um plano de “revitalização” do Pelourinho promovendo a reabilitação do patrimônio, reestruturação dos equipamentos urbanos locais e “desenvolvimento sustentável” da área por meio do desenvolvimento econômico propiciado pelas atividades de turismo e de lazer (restaurantes, lojas, hotéis, bares, casas de show e cultura etc). Com aproximadamente 3.000 casarões dos séculos XVI, XVII e XVIII, foram restaurados pelo poder público local e estadual (com apoio e recursos nacionais e internacionais) cerca de 700 imóveis, de museus, a criação de redes elétricas subterrâneas e a instalação de esgotamento sanitário, que transformaram o centro histórico no local mais visitado de Salvador. Porém, nos últimos anos, a falta de manutenção do patrimônio, a ausência de investimentos do setor privado e a falta de uma constância de investimentos do poder público em segurança e limpeza de ruas e ladeiras centenárias afugentaram os turistas da área e, consequentemente, os comerciantes locais. Desde 2005, 170 estabelecimentos comerciais fecharam. De acordo com uma pesquisa realizada recentemente pela Acopelô (Associação dos Comerciantes do Pelourinho), mostram que o centro histórico de Salvador deixou de ser um espaço interessante para os comerciantes. Fonte: “Abandonado, Pelourinho (BA) vê comércio local em crise e fuga de turistas” no site UOL em 04/09/2010. Disponível em <HTTP://www.uol.com.br>. Acesso em Dezembro de 2010. 56 O caso do Pelourinho pode exemplificar a problemática desta política urbana pautada na atração de grandes investidores para a consolidação destes “novos espaços turísticos”, como o caso da área central e histórica santista, pois não há garantias que este cenário será consolidado, apenas é uma tendência para o futuro. 104 noturnas58. Segundo a autora da pesquisa, a arquiteta Paula Rodrigues de Andrade, foi notado aumento no número de restaurantes, casas que servem lanches rápidos, assim como, da transferência em curto espaço de tempo, da vida noturna da orla para o centro. Este estudo aplicou entrevistas aos proprietários ou gerentes dos estabelecimentos abertos após 2003, no núcleo de ações do programa Alegra Centro Patrimônio: rua XV de Novembro e rua do Comércio (área que concentra o maior número de edifícios restaurados e equipamentos da prefeitura, o paço municipal, o prédio dos Correios, a Bolsa do Café); Praça da República (concentração das empresas e instituições ligadas à atividade portuária e grande circulação de pedestres e veículos); ruas Frei Gaspar, Amador Bueno, João Pessoa, Frei Caneca e rua do Itororó. Dentro de um universo de 1266 imóveis inseridos nesta área foram objeto do levantamento 152 estabelecimentos 59 (FIGURA 30). Figura 30 - Área de pesquisa sobre os novos comerciantes do centro 57 Segundo a autora Paula Rodrigues de Andrade, a respectiva pesquisa é produto de uma pesquisa realizada pela equipe do Escritório Técnico Alegra Centro, sob sua coordenação, no período entre 2003 e 2009, a qual incluiu levantamento de campo atual e a observação participante. 58 As categorias foram caracterizadas da seguinte maneira: 1. Bar e boteco: o tradicional ‘boteco de esquina’, que serve bebidas, prato feito, salgados, que não possui um diferencial de comida ou bebida em específico, nem tem como alvo principal o almoço, e serve no balcão. 2. Café: aquele estabelecimento que tem como principal produto o café e seus acompanhantes: o chocolate, o pão de queijo, o salgado etc. Caracteriza-se pela dimensão pequena, ausência de mesas para refeição e pela característica de passagem. 3. Lanches Rápidos: essa categoria inclui os estabelecimentos que vendem lanches rápidos, que não têm o intuito do almoço, não servem comida como atividade principal e que, de certa forma, apresentam produto diferencial para atrair o público. Foram identificados e incluímos nessa categoria: casas de vitamina, pastel, sanduíches, açaí etc. Essa categoria foi identificada como a mais complexa, pois poderia se desdobrar. O fato foi percebido após o levantamento, quando se identificou, por exemplo, a grande quantidade de estabelecimentos que vendem pastel (15) e que tem como proprietários famílias chinesas ou coreanas que poderiam estar em separado. 4. Restaurante/ almoço: incluímos nessa categoria todos os estabelecimentos que vendem almoço e que não possuem outra atividade principal associada. Foram identificadas as seguintes formas de venda: à la carte, self-service, quilo e prato feito. 5. Casa noturna: incluímos nessa categoria todas as casas noturnas e excluímos as boates de prostituição. 59 Este número não representa o total de estabelecimentos existentes, em levantamento feito pela CDL Câmara dos Dirigentes Lojistas de Santos − em novembro de 2009 foram identificados 170 ‘bares e restaurantes’. 105 Fonte: <http://www.google.com>. Acesso em Abril de 2011. Gráfico 1 – Atividade principal dos comerciantes entrevistados atividade principal bar/boteco café lanches rápidos restaurante casa noturna Fonte: ANDRADE, 2010. Neste período, destaca-se a abertura das seis franquias existentes no centro e a existência de 15 estabelecimentos tipo “pastel chinês”, a maioria aberta há mais de 10 anos. O aumento mais significativo observado foi o de restaurantes abertos neste período, foram 42 abertos nos últimos sete anos, sendo que destes, 35, tem o almoço como atividade principal. No total foram levantados 80 restaurantes, portanto, estes 42 novos estabelecimentos representam 53% deste total. Destes abertos recentemente, nove abriram entre 2003 e 2005, 19 entre 2006 e 2008 e só em 2009, foram 14 restaurantes. Gráfico 2 – Números de restaurantes abertos no centro santista 106 nºrestaurantes abertos 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Fonte: ANDRADE, 2010. Outro número significativo foi o aumento do número de cafés. Dos 37 identificados, 23 deles abriram nos últimos 10 anos, o que representa 62% do total. As casas noturnas surgiram somente nos últimos quatro anos, das 12 existentes, seis abriram entre 2006 e 2008 e as outras 6 abriram em 2009. Gráfico 3 – Número de cafés abertos no centro santista 107 nºcafés abertos 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 8 6 4 2 0 Fonte: ANDRADE, 2010. As pesquisas de campo, realizadas no período de 2007 a maio de 2011, procuraram fazer um levantamento sobre os preços e as opções para almoçar ou lanchar no centro histórico santista e descobrir o quanto se paga por isso em média. Elas puderam revelar que os restaurantes e cafés mais caros são os mais novos e se concentram na região da rua XV de Novembro, área revitalizada pelo programa Alegra Centro (FIGURA 31). Por exemplo, um café expresso pequeno no museu da Bolsa do Café custa, no mínimo, R$ 3,00, enquanto em um bar, nas ruas próximas ao museu, este mesmo café expresso custa R$ 1,50 (FIGURA 32). 108 Figura 31 - Foto de cardápios com opções de almoço na Rua XV de Novembro, próximo ao Museu da Bolsa do Café 109 110 Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). Figura 32 - O preço do cafezinho no centro histórico santista (à direita, a cafeteria do Museu da Bolsa do Café e, à esquerda, uma lanchonete na rua João Pessoa, próxima à Rodoviária). 111 Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). A pesquisa sobre “os novos investidores do centro” também buscou identificar estes comerciantes, o porquê de investir no centro, onde eles se instalaram, assim como suas expectativas e os problemas encontrados. Tabela 2 - Comerciantes entrevistados Total de entrevistados Donos de café Donos de lanches rápidos Donos de restaurante Donos de casa noturna Fonte: ANDRADE, 2010. 23 1 3 15 4 De um universo de 23 entrevistados, a faixa etária, variou de 27 a 59 anos, sendo que são 13 homens e nove mulheres à frente do negócio. Dos entrevistados, 50% não têm experiência no ramo e somente seis deles possuem outra atividade. Todos eles moram na cidade ou em outras cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista. Destes, 72% estão associados familiares, seja para o trabalho do dia, seja no 112 investimento. Apenas três compraram o imóvel e o valor dos investimentos variou bastante. Exatos 50% apostaram na decoração e sofisticação do espaço. Os principais motivos que os levaram a investir no centro foi o “futuro promissor” e a “alta demanda”, em seguida, a “propaganda na mídia” e a “baixa concorrência”. Em relação à “baixa concorrência” como motivo, a autora aponta que os comerciantes investiram em um “produto que não existia”, como por exemplo, o ramo de comida natural, restaurante japonês etc. Para estes investidores entrevistados, o que contribui para o sucesso do empreendimento, quando há, é a grande demanda diária, dos trabalhadores do centro. Apenas, os proprietários instalados no caminho do bonde histórico apontaram que houve um aumento na frequência por turistas. Ainda de acordo com o levantamento feito pelas entrevistas, o turismo foi pouco citado como motivo de investimento no centro. A maior parte dos entrevistados atribui o fluxo turístico somente pelas transformações existentes na região da rua XV de novembro, núcleo do programa Alegra Centro, e na linha do Bonde Histórico, reclamando por não serem atingidos pelos projetos da prefeitura, como exemplo, que não tem uma política de divulgação de seus estabelecimentos para os turistas que frequentam o centro histórico. Os problemas mais apontados pelos entrevistados são: a falta de segurança, a presença de moradores de rua, as calçadas esburacadas e a falta de estacionamento foram alvo de 50% das reclamações. Dos 22 entrevistados, oito já sofreram assalto e muitos reclamam da falta de policiais na região. Muitos reclamaram da sujeira nas ruas e nas calçadas, que representou 40% da amostra, assim como a coleta de lixo, cuja principal reclamação é o horário da coleta. Uma estratégia encontrada pelos comerciantes locais, atualmente, foi a criação de uma parceria formada entre o Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e do Vale do Ribeira (SinHores) e a Associação de Catadores e Trabalhadores de Materiais Recicláveis da Baixada Santista que farão a coleta seletiva diária do lixo, e não semanalmente como faz a prefeitura. A ideia é institucionalizar a coleta seletiva diária, por volta das 16 horas, em restaurantes e bares instalados no centro. As coletas devem ser iniciadas no mês de maio deste ano por 20 catadores uniformizados, que deverão 113 coletar quatro toneladas de lixo reciclável por mês, uma tonelada a mais do que é recolhido habitualmente60. As pesquisas de campo, realizadas ao longo de desenvolvimento desta pesquisa, evidenciaram que muitos comércios na rua XV de Novembro e rua do Comércio abriram como também fecharam neste período (FIGURA 33). Figura 33 - Os imóveis para alugar na rua XV de Novembro (imóveis restaurados que já comportaram algum tipo de atividade desde a implantação do Alegra Centro – 2003) 60 Matéria disponibilizada no jornal A tribuna online no dia 7 de Abril de 2011. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Abril de 2011. 114 Autoria: Paula Dagnone Malavski (14/10/2010 e 16/05/2011, respectivamente). As ações do poder público local santista, pautadas nos novos paradigmas de gestão urbana e empresariamento local, têm como característica a parceria públicoprivada, na qual as tradicionais reivindicações pelas elites locais são integradas aos poderes públicos locais para tentar atrair fontes externas de financiamento, novos investimentos diretos. Estas parcerias público-privadas são empresariais precisamente porque ela tem uma execução e uma percepção especulativas e, para o pequeno investidor como, por exemplo, estes, os comerciantes entrevistados, estão sujeitos a todas as dificuldades e perigos inerentes aos empreendimentos comerciais especulativos. O interesse do poder público, em firmar parcerias com a iniciativa privada é com os agentes hegemônicos locais, onde o setor público assume primeiramente os investimentos em infraestrutura e reestruturação do espaço central e a iniciativa privada, os grandes investidores, fica com os benefícios, portanto, este processo de (re)valorização do centro histórico santista é a retomada do controle econômico deste espaço pelas elites locais e seus interesses. Um exemplo deste interesse pelos agentes hegemônicos por parte do poder público pode ser explicitado nesta reportagem do site da Imprensa Oficial da cidade: 115 Cidade atrai primeira grande empresa de callcenter61 A lei municipal que institui incentivo fiscal a grandes empresas de callcenter atraiu para a cidade a primeira firma do gênero. Instalada na Vila Mathias, área central do município, desde dezembro de 2010, a empresa TIVIT inaugurou, nesta quarta (6), oficialmente em Santos, sua 18ª unidade no Brasil. O empreendimento, no ramo da tecnologia da informação, já oferece mil empregos, tendo capacidade para 4.500 funcionários diretos e 600 indiretos. Durante a solenidade de inauguração, à Avenida Senador Feijó, 340, o presidente da TIVIT, Luiz Mattar, destacou os motivos que definiram a escolha do município para instalação da filial do grupo: “A TIVIT hoje está em 14 países, e nossa vinda para Santos foi muito acertada, pois a cidade dispõe de mão-de-obra qualificada e fácil acesso a diversas regiões. Nossas instalações estão próximas das universidades, o que contribui para a formação de profissionais que possam trabalhar conosco”. A empresa pretende preencher as 4.500 vagas de emprego até o final deste ano. A maioria dos funcionários já contratados realiza o sonho do primeiro emprego. “Soube que estavam recrutando pessoal pelo Diário Oficial de Santos. Fiz minha inscrição no Centro Público de Empregos, e logo fui chamado. Aqui terei a chance de agregar conhecimento e crescer profissionalmente”, disse o santista Matheus Henrique Souza, de 19 anos, que atua como operador. (grifos meu) O centro histórico santista, portanto, sofreu um “aparente” esvaziamento de atividades produtivas, mas nunca deixou de ser o lugar do comércio popular da cidade e dos serviços públicos, ele foi “abandonado” pelas classes sociais mais abastadas enquanto opção de lazer e de turismo e pelos investimentos públicos e privados que buscaram outros espaços da cidade. Assim, a estratégia de (re)valorizá-lo, sob o paradigma do novo modelo de gestão urbana, é ajustá-lo e alinhá-lo à disciplina e à lógica do desenvolvimento capitalista atual, enfocando mais os investimentos locais do que do território, por meio de ações pontuais de reestruturação deste fragmento de espaço e suas vantagens locacionais. As ações do poder público local, por meio do 61 Imprensa oficial de Santos. Reportagem de 06/04/2011. Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Abril, 2011. 116 programa Alegra Centro, são ações pontuais ou melhorias das condições desta localidade envolvida, visando um efeito econômico benéfico em toda a Região Metropolitana da Baixada Santista, mas não garantem necessariamente a melhoria das condições gerais e coletivas da sociedade local. Portanto, as ações do poder público local, em suas diversas articulações com outras esferas do poder público, é buscar tornar este fragmento de espaço um grande ponto de concentração espacial, onde poderá estar também o poder técnico-políticofinanceiro, em uma escala geográfica mais ampla, do local ao nacional, para tornar possível a sua sobrevivência e consequente reprodução. Como o centro histórico santista comporta os serviços públicos e centros decisórios, a tendência é uma contínua centralização espacial destes centros decisórios mais importantes, sobretudo com a vinda da Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás, empresa nacional que explora e produz petróleo e gás em oito países, dentre os quais Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela. O poder público santista aposta na vinda da Sede da Petrobrás, que é uma empresa de capital global, por exemplo, no mercado de Nova York (Nyse). A empresa negocia diariamente outros US$ 340 milhões, seus títulos também são negociados nas bolsas de Madri e Buenos Aires62. Em outubro de 2010, 39,9% de suas ações eram do Estado ou do BNDES, enquanto 28,3% estavam nas mãos de investidores brasileiros na Bolsa de São Paulo. A Petrobrás é a empresa de maior liquidez na Bolsa de São Paulo, com um movimento financeiro diário de US$ 334 milhões em média. A participação total de estrangeiros na Petrobrás aumentou significativamente em comparação com julho de 2000, quando os ADR (American Depositary Receipts) representavam 9,5%, e as ações de estrangeiros na Bovespa, 10,9%. A empresa tem mais de 500 mil acionistas e com 60% do seu valor em mãos de investidores privados, dentre os quais 38,9% de propriedade de estrangeiros. Ou seja, pouco mais de um terço das ações da empresa brasileira pertencem a investidores privados internacionais, que têm ADRs (American Depositary Receipts) negociados principalmente nos mercados de Nova York, outros 8% são de estrangeiros que operam na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)63. 62 As ações da Petrobrás são negociadas também no mercado de Nova York (Nyse), nas bolsas de Madri e Buenos Aires. 117 Portanto, a produção de um espaço turístico e de serviços neste fragmento de espaço da cidade de Santos, por meio de ações do poder público e de agentes hegemônicos está inserida nesta nova lógica de produção do espaço urbano, em que o processo de “resgate” da antiga área portuária “degradada” e seu enobrecimento visam impor uma nova leitura de seu patrimônio material (como “documento material”), enfocando a gênese de urbanização (sua localização no núcleo original do sítio urbano) e reorganização de territórios (o desenvolvimento e crescimento da cidade a partir do porto)64. Buscam, também criar um novo “universo simbólico” entre o porto e a cidade por meio de atividades culturais (museus, galerias, centros culturais etc.) e de serviços altamente especializados (serviços portuários, de exploração petrolífera, de alta tecnologia). A estratégia do poder público santista é também a produção de um espaço turístico moderno, extraordinário e exótico de consumo, resumindo este espaço a um local de consumo em detrimento ao uso espontâneo deste, o qual é local do comércio popular, de terminal de ônibus e de vida de uma população de baixa renda. O poder público local, aliado à outras prefeituras da Região Metropolitana da Baixada Santista, busca aumentar sua situação de competitividade, de seus territórios, a partir de uma produção de um espaço turístico e empresarial que atenda à divisão espacial do consumo da Baixada Santista, de serviço portuário e do setor de turismo e de lazer. A estratégia do poder público santista, por meio de um programa de city marketing, é mais do que simplesmente tentar atrair dinheiro por meio de investimentos em no setor portuário, de serviços e de turismo e de lazer, é também transformar a cidade santista na capital metropolitana, simbolicamente, como um lugar inovador, excitante, criativo, memorial e seguro para visitar ou morar e consumir. A “competição” da cidade santista com outras cidades se dá na medida em que os investidores e os consumidores têm a oportunidade de ser muito mais seletivos, que, se por um lado, cresce a recessão, o desemprego, os altos custos dos financiamentos, as regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas concentram uma população com grande poder de consumo (mesmo que, em grande parte, alimentado pelo crédito). 63 Reportagem disponível pelo site do Universo Online (UOL): <http://noticias.uol.com.br/ultnot/2006/12/11/ult1767u82101.jhtm>. Acesso em Julho de 2010. 64 A autora Françoise Choay (2006:220) aponta para uma tendência mundial dos projetos de reconversão portuária baseadas nestes preceitos. 118 O city marketing do poder público santista para atrair os consumidores, assim como potenciais moradores, concentram-se na qualidade de vida (a cidade como “líder nos rankings do IBGE”), na valorização do espaço central, na inovação cultural e na elevação da qualidade do meio urbano (a adoção de “estilos” pós-modernistas de arquitetura e de desenho urbano por meio do programa Porto Valongo), nos atrativos de consumo (a construção de uma marina esportiva, praças de alimentação e shoppings, criação do Museu Pelé nos escombros dos antigos Casarões do Valongo, roteiro de passeio nos bondes turísticos, revitalização e instalação do Museu do Café na antiga Bolsa do Café de Santos etc.), entretenimento (revitalização do teatro Coliseu, reconstrução do teatro Guarany, o qual hoje abriga todos os eventos gratuitos do município, revitalização da antiga estação ferroviária do Valongo, implantação do Carnaval do centro histórico (Carnabonde), organização de shows musicais nas ruas centrais da cidade às sextas-feiras, após às dezoito horas – projeto “Show na XV”. Estes equipamentos e eventos culturais deste processo de (re)valorização do centro histórico fazem um apelo para esta “herança marítima” do centro histórico santista, e da memória coletivo dos santistas, e visam criar um clima de otimismo na população local a partir de criações de símbolos da sociedade santista de que é “dinâmica” e que busca suas origens no porto para reverter a estagnação econômica local do centro “degradado e abandonado”. Assim, este programa de city marketing realizado pela imprensa oficial da cidade (portal da cidade na Internet e Diário Oficial) e um dos seus principais parceiros, o jornal local “A Tribuna”, vende a cidade para atrair grandes investidores no centro histórico parcialmente revitalizado, como também para os empreendedores para um crescente e frenético mercado imobiliário alimentado por uma elite local, bem como para as elites paulistanas que buscam a “qualidade de vida” proporcionada pela cidade balneária fortemente articulada pelo sistema Anchieta-Imigrantes de rodovias, e mais recentemente ainda mais articulada com outras áreas da região metropolitana de São Paulo (e também rodovias estaduais e federais que passam pela grande São Paulo) pela construção do rodoanel Mário Covas. O discurso sobre a cidade é uma estratégia importante deste city marketing, cujo objetivo é colocar o centro histórico no mercado regional, nacional e mundial, posteriormente a Copa do Mundo de 2014, e, por sua vez, 119 proporcionar uma leitura hegemônica das mudanças que ocorrem em grande velocidade. A problemática destas ações do poder público e seus parceiros é questionar que a cidade santista, com sua historicidade, é vendida como “discurso”, sendo que esta é, antes de tudo, produto da interação entre os sujeitos sociais (BONELLO, 1996). Segundo Alves (1992), a cidade pode ser definida por seu território e pelo comportamento da sua população, sendo fundamental o entendimento de seu sítio, na sua gênese e na disposição morfológica dos seus equipamentos, é assim o ambiente indissociável do modo de vida, definido como urbano, sendo a cidade o lugar privilegiado deste. A cidade reproduz-se constantemente por meio de suas relações sócio-culturais e cotidianas65, não podendo ser definida apenas por sua materialidade, muito menos por sua imagem vendida, pois estas não são capazes de revelar sua complexidade e suas teias de relações sociais que a constituem. Capítulo 3 – O espaço central e histórico santista como lugar da reprodução da vida. O programa Alegra Centro, em suas diversas articulações com outras esferas do poder público, visa consolidar o processo de (re)valorização do centro histórico santista, envolvendo também a produção de um espaço turístico na antiga área portuária abandonada por meio do enobrecimento das atividades comerciais e turísticas, bem como visa também solucionar diversos problemas de infraestrutura (circulação local e acesso ao porto comercial) e, ao menos no discurso, problemas habitacionais de grande parte da população trabalhadora local, a qual se encontra em situação de encortiçamento. O trabalho da geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos (2004) aponta a problemática que envolve este tipo de ação do poder público local, por meio destes programas de “resgate” de centros históricos, os quais tendem a intensificar as contradições quanto ao uso do espaço, ao tentar transformá-lo em um espaçomercadoria, tornado “produto turístico”, mercadoria voltada essencialmente ao “consumo produtivo”. Isto é, este fragmento de espaço como lugar da reprodução do 65 “... não se faz tabula rasa das maneiras de viver, dos costumes, dos simbolismos de um povo de forma absoluta, por mais rigorosos que sejam os processos reprodutores envolvendo empresas e estratégias políticas. Podem-se definir como relações sociais não redutíveis às relações de produção nem às superestruturas políticas. São relações de solidariedade, de associação, no sentido de autogestão”. ... DAMIANI, A. In: Novos Caminhos da Geografia, p. 162. 120 capital pela mediação do poder público, o qual aplica o investimento produtivo no espaço, sobrepõem-se ao investimento improdutivo, regulando a repartição das atividades e usos, inclusive o uso do espaço para a reprodução da vida destas pessoas que moram no centro. Portanto, estas ações do poder público local e de seus parceiros, pautadas em políticas públicas de ordenamento de uso do solo urbano visando a (re)produção do espaço central santista enquanto uma “mercadoria”, tendem a reforçar as trocas econômicas locais, a dinâmica do consumo do espaço em contradição à produção espacial, no plano de articulação do vivido. Assim, a problemática apresentada funda-se na ideia da produção contraditória do espaço, contradição entre a produção socializada e a apropriação individual do solo urbano, ou seja, no uso e na apropriação do solo urbano enquanto substrato para o desenrolar da vida (CARLOS, 2008: 22). Na sociedade capitalista, o acesso à cidade e ao solo urbano se dá pela mediação do mercado em função da existência da propriedade privada. Esta existência de um “monopólio do espaço”, por meio da existência da propriedade privada, separa as condições de meio de produção ou moradia, a qual passa a ser fonte de lucro na medida em que entra, no circuito econômico, como realização (econômica) do processo de valorização que a propriedade confere ao proprietário (SEABRA, 2004). Porém, o espaço é também condição de existência do ser humano, mesmo que condicionada pela predominância do capital, também no comércio e na indústria. O espaço contém, em seu atributo de lugares apropriados, as relações sociais de reprodução, as relações sociais (entre as pessoas, com a organização específica da família) e também as relações de produção, a divisão do trabalho e sua organização, portanto, as funções sociais hierarquizadas. Para uma tentativa de compreensão do movimento de (re)valorização do espaço central urbano em Santos, no plano social, há que abarcar uma dialética entre o valor de uso − a cidade e a vida urbana, o tempo urbano, e valor de troca − o seu espaço central comprado e vendido, o consumo dos produtos, dos bens, dos lugares e dos signos urbanos na cidade (LEFEBVRE, 2005). 3.1. Os problemas habitacionais no centro histórico santista e as “tentativas de solução” destes por parte do poder público. 121 De acordo com uma pesquisa realizada por técnicos da Secretaria Municipal de Planejamento, em parceria com a Companhia de Habitação da Baixada Santista, o déficit habitacional em Santos era, em 2002, de 15.166 moradias. No total, 46.018 pessoas viviam em favelas, cortiços, loteamentos clandestinos e em situação de famílias coabitantes. Segundo a SEADE, em pesquisa realizada em 2001, a pedido da CDHU do Governo do Estado de São Paulo, a maior proporção desses moradores (30.150) morava em favelas próximas a lixões e áreas alagadas e os outros 14.500 habitantes viviam em cortiços, dos quais cerca de 400 cortiços no Centro, Vila Nova e Paquetá. O Censo Demográfico realizado pelo IBGE (ANEXO I), em 2000, apontou que 99,5% da população santista vivia na área insular, a qual representa apenas 14,6 % do território da cidade, e, nesta área, segundo estudos da secretaria de Planejamento da Prefeitura de Santos (2009), notam-se nítidos contornos socioeconômicos, com a divisão clara da cidade por renda. Nesta divisão, destacam-se a Zona Noroeste, a Zona dos Morros e o centro da cidade enquanto lugar de concentração da população de baixa renda. A região da orla, por outro lado, apresenta grande concentração da população com renda superior a 10 salários mínimos. Também a Secretaria de Planejamento, com base nos dados do IBGE, apontou, neste estudo, a necessidade de 12.115 novas moradias para esta área do município de Santos — esta demanda é denominada pela Fundação de Déficit Habitacional Básico - DHB. Portanto, o perfil da população desta área delimitada pelo programa Alegra Centro (Centro, Valongo, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias) é predominantemente de pessoas de baixa renda em situação de encortiçamento. São muitos jovens, mais da metade possui até 29 anos, com significativa concentração de crianças (21,3%). É elevada a proporção de chefes de família fora do mercado de trabalho (10,4% estão desempregados e 21,5% não trabalham por outros motivos). O rendimento per capita desta população varia de meio até um salário mínimo (32,5%) e mais de um, até dois salários mínimos (31,6%). É também relevante o número de pessoas sem rendimentos (18,4%). 122 Segundo dados da SEADE para a CDHU, em 2001, a maioria das famílias possui até três pessoas (68%) e estas são naturais do Estado de São Paulo. Foi contabilizado que 23% das famílias têm apenas um filho e aquelas que possuem mais de quatro filhos não ultrapassam 8%. Segundo a SEADE, a baixa renda familiar predominante pode ser explicada pela baixa escolaridade dos chefes de família: 10% são analfabetos e 67% possuem apenas o Ensino Fundamental completo. Em relação aos aspectos econômicos, conclui-se que 93% destes chefes de família estão economicamente ativos, porém apenas 47% têm atividade profissional registrada em carteira. Segundo dados da Associação dos Cortiços do centro (ACC), em 2005, no centro histórico da cidade e nos bairros da Vila Nova e Paquetá, havia 328 cortiços nestas áreas. Os dados socioeconômicos levantados pela ACC apontam a fragilidade de condição destas pessoas: • 41% dos habitantes têm até 21 anos; • 51% das famílias têm mulheres como chefes de família; • 40% dos moradores da região ganham até R$ 300,00 reais por mês; • 46% sobrevivem do mercado informal e subempregos; • 7% não possuem nenhuma renda; • 74% não são atendidos por nenhum projeto. No que se refere às condições físicas dos cortiços, 86% das famílias vivem em apenas um cômodo, e cada cortiço abriga, em média, de uma a seis famílias (55%) e os banheiros e os tanques são de uso coletivo (91 e 94%, respectivamente). Quanto aos vínculos urbanos (permanência na cidade), o estudo revelou que grande parte dos habitantes dos cortiços vive na cidade há mais de 15 anos (46%) e 26% permanecem no mesmo bairro há mais de 15 anos também. O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), criado pela Fundação Seade, é calculado a partir da identificação dos fatores socioeconômicos e demográficos, potencialmente capazes de afetar a vida dos adolescentes e jovens residentes, conclui que, nos bairros centrais santistas, a população encontra-se nos grupos de maior risco (índices 3, 4 e 5) (FIGURA 34). 123 Figura 34 – Índice Paulista de Vulneirabilidade Social de Santos (EMPLASA) 124 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br>. Acesso em Maio de 2010. Para tentar resolver os problemas habitacionais no centro histórico e consolidar o processo de (re)valorização desta área, atraindo novos investidores, com um novo desdobramento do programa Alegra Centro (2003), em 2010, foi criado o Programa Alegra Centro Habitação (2010), o qual, segundo o poder político local, visa melhorar as condições de habitabilidade dos imóveis encortiçados e subutilizados na área central, 125 fixando normas, padrões e incentivos fiscais específicos para seus proprietários. O objetivo é66: Promover a melhoria da qualidade de vida da comunidade por meio da viabilização da requalificacão das condições de moradia dos imóveis de uso residencial subnormal da Região Central Histórica de Santos; incentivo à reabilitação dos imóveis de uso residencial plurihabitacional subnormal aos parâmetros mínimos de habitabilidade contidos nesta lei, a partir de um Projeto Replicável de Ação visando à permanência da população local e melhoria de sua qualidade de vida. Segundo o prefeito, João Paulo Tavares Papa, o diferencial deste programa é a revitalização de área completamente estruturada, com 100% de saneamento básico, energia elétrica, rede de telefonia, calçamento, escolas e unidades de saúde. “As pessoas querem continuar vivendo ali e a falta de infraestrutura se restringe às moradias” 67. O programa seria aplicado inicialmente no centro e nos bairros do Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias, com a reabilitação de 221 imóveis. A legislação define os tipos de habitações coletivas permitidas: aluguel (tipo 1, até 20m²), condomínio (2, de 20m² a 40m²) e habitação de interesse social (3, até 60m²). Para cada tipo de moradia, são especificadas as normas e adaptações que devem ser executadas pelos proprietários, como o número de habitantes permitidos, quantidade de cômodos e medidas necessárias, além de regras sobre ventilação e iluminação entre outras. De acordo com o programa, os empresários que construírem residências na região e donos de imóveis, que recuperarem as moradias, receberão até oito incentivos fiscais, com isenção parcial ou total de impostos (ITBI, ISS, IPTU, entre outros) e de taxas municipais. Já os proprietários de moradias precárias, que não cumprirem as exigências, estariam sujeitos à multa de R$ 2 mil até R$ 8 mil, que pode chegar até 50% do valor venal do imóvel para quem não aderir ao programa. A prefeitura também encaminhou ao CMDU (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano) a proposta 66 Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br/planejamento/habitacao/downloads/plano.pdf>. Acesso em dez., 2009. 67 Entrevista do prefeito santista João Paulo Tavares Papa à Agência Estado Online em 02/06/2008. Disponível em <http//www.cidades.gov.br>. Acesso em Março de 2009. 126 de projeto de lei que regulamenta, no município, os instrumentos previstos pelo Estatuto das Cidades, a exemplo da cobrança progressiva de IPTU dos proprietários que não conservarem seus imóveis. O programa também visa à preservação e recuperação do meio urbano e das relações de cidadania, o incentivo à geração de trabalho e renda, priorizando o recrutamento de mão de obra local. Visa também fomentar ao fortalecimento do comércio e à prestação de serviços em extensão natural das residências. Como garantia de investimento à parceria privada, o poder público municipal propõe a ampliação, a melhoria de rede de serviços públicos na área de abrangência do programa, especialmente os de caráter social – educação, saúde, cultura, esportes, transportes públicos e assistência social, além de incentivos fiscais aos proprietários para executarem ações de melhoria nos imóveis e incentivos fiscais para novas habitações. O estabelecimento de incentivos fiscais para investidores privados e proprietários na reabilitação dos cortiços, ou na implantação de novas construções de uso residencial unihabitacional ou plurihabitacional na área, visa garantir as isenções tributárias se os proprietários se comprometerem em manter valores de aluguel acessíveis aos locatários originais, a fim de que esses permaneçam no imóvel, salvo os casos de desadensamento dos edifícios já habitados. O poder público local teria a incumbência de fiscalizar o mercado de aluguéis na área. Desde 2007, de acordo com dados da genérica da cidade houve a valorização de grande parte destes terrenos do Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias. O poder público local é o grande agente deste processo de “resgate” do centro, o qual aponta como tendência um encarecimento do comércio local por meio de um uso turístico e de empresários, bem como local de possível moradia para estudantes universitários nesta região futuramente. Segundo o poder público local, o Alegra Centro Habitação deverá articular e integrar-se a outros diferentes Programas Habitacionais municipais, articulados à esfera estadual e federal, como por exemplo, o Plano Local Integrado de Requalificação Habitacional da Área Central, o programa de Locação Social 68, o Programa de Atuação 68 Para o poder público santista, tendo em vista a forte presença de cortiços, de parque imobiliário degradado, de patrimônio edificado de valor arquitetônico, artístico e histórico na área central de Santos e a reivindicação da população de baixa renda por essa modalidade de atendimento habitacional, tornou-se fundamental articular a locação social às políticas urbanas e sociais, visando garantir a permanência dos moradores nas áreas reabilitadas e, neste sentido, enquanto programa de habitação de interesse social, a 127 em Cortiços (PAC)69 e o programa de Reabilitação de Imóveis Vazios para Uso Habitacional70. Como parte do Plano de Habitação Municipal 71, o programa Alegra Centro Habitação ainda prevê a revisão a lei de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), quanto à faixa de renda e delimitação das áreas, privilegiando a aplicação dos instrumentos de Parcelamento do Solo, normas de Edificação e Utilização Compulsória Locação Social deverá articula-se ao programa de recuperação da área central da cidade Alegra Centro, destinando-se à população moradora de cortiços, estudantes, trabalhadores informais e transitórios e outros segmentos da população de baixa renda. Em linhas gerais, as ações estratégicas para o desenvolvimento do plano preveem a constituição e ampliação do parque/estoque imobiliário habitacional público a ser destinado para locação social, por meio da reabilitação do estoque de imóveis vazios existentes (reforma/reciclagem com transformação de uso), da aquisição, da produção de imóveis para locação social e utilização de imóveis vazios e subutilizados. 69 O Programa de Atuação em Cortiços tem suas ações voltadas à garantia da relação formal de locação, reconhecendo os direitos dos inquilinos e garantindo a permanência dos mesmos no imóvel, bem como voltadas à melhoria das instalações sanitárias/requalifição domiciliar, a fim de garantir condições de segurança e de salubridade da habitação nos bairros do Centro, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias. Em se tratando de uma relação privada entre o proprietário do imóvel, o locador do imóvel e os moradores encortiçados, o poder público poderá atuar como mediador e facilitador do diálogo entre as partes, assim como nos casos de irregularidade fundiária dos assentamentos, por meio de uma Comissão Mediadora de Conflitos. 70 Segundo o poder público santista, a cidade apresenta 16.896 domicílios vagos na área urbana, portanto, o Programa de Reabilitação de Imóveis vazios para Uso Habitacional visa incentivar e apoiar a iniciativa de agentes privados para aquisição, reforma ou reciclagem de imóveis/prédios vazios para ofertarem novas unidades habitacionais de interesse social para a população de baixa renda, bem como promover a reabilitação de imóveis vazios pelo poder público. Assim, os beneficiários diretos do programa serão aqueles das demandas do Programa de Locação Social e do Programa de Atuação em Cortiços e da demanda por unidades habitacionais de interesse social em geral. 71 O Plano Municipal de Habitação (PMH) de Santos é a síntese do Planejamento Habitacional Nacional em âmbito local, e trata não só a questão prioritária de Habitação de Interesse Social, como também a questão da Habitação de Mercado Popular. Este plano é fruto do contrato n° 421/2008, dentro do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS. O SNHIS, juntamente com Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS, Lei n.° 11.124/2005, foi aprovado, em 2005, pelo Congresso Nacional, e como projeto de lei de iniciativa popular, o seu principio básico é a garantia ao direito universal à moradia como direito e vetor de inclusão social garantindo padrão mínimo de habitabilidade, infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos, serviços urbanos e sociais). Este também prevê o cumprimento da função social da propriedade urbana (buscar e implementar instrumentos de reforma urbana a fim de possibilitar melhor ordenamento e maior controle do uso do solo, de forma a combater a retenção especulativa e garantir acesso a terra urbanizada), a gestão democrática e participativa da política habitacional (participação dos diferentes segmentos da sociedade, possibilitando controle social e transparência) e articulação das ações de habitação à política urbana (considerando, de modo integrado, as demais políticas sociais e ambientais). As ações para efetivação do plano na área central baseiam-se em: identificar os imóveis vazios ou subutilizados para aplicação dos instrumentos disponíveis a indução da ocupação dessas áreas, desenvolver ações junto aos Cartórios de Registros de Imóveis − visando solucionar pendências contratuais e de regularização de registros imobiliários, criar mecanismos de simplificação e agilização dos procedimentos de aprovação de novos 128 e IPTU Progressivo no Tempo, previstos no Estatuto da Cidade, assim que a lei for promulgada. Quanto aos problemas voltados ao saneamento e habitação, até o presente momento, cabe destacar somente as ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – “Programa Santos Novos Tempos”, do governo federal em parceria com o poder público municipal, que, no período entre 2007 a 2010, foi responsável pela construção de 56 casas sobrepostas, além de obras de construção de galerias de drenagem, troca do solo do canal e aterro sanitário em um Dique na Zona Noroeste da cidade. A solução dos problemas de moradia em Santos cabe à Companhia de Habitação da Baixada Santista COHAB-ST, órgão deliberativo sobre as prioridades de ações e aplicação dos fundos voltados à moradia (de diferentes níveis do poder público) e pelo Conselho Municipal de Habitação – CMH, o órgão deliberativo, em algumas competências. Este Conselho Municipal de Habitação – CMH 72 é composto por vinte e quatro conselheiros titulares e respectivos suplentes, sendo seis representantes de órgãos públicos, seis da sociedade civil e doze representantes da população, ou seja, pode haver um equilíbrio de forças entre o Estado e a iniciativa privada (sociedade civil) e os interesses sociais representados pela população, dependendo de suas vinculações institucionais. A competência do Conselho, mais relevante, neste caso, é em relação às empreendimentos habitacionais pelo mercado imobiliário de habitação de interesse social ou de mercado popular e, por fim, articular as ações da política habitacional a programas dirigidos à inclusão social, através da geração de renda, emprego e capacitação dos grupos excluídos ou vulneráveis. A curto prazo (2009-2012), o Plano de Habitação Municipal prevê a revisão da lei de ZEIS de maneira a incorporar as questões indicadas, prioritariamente quanto à faixa de renda e delimitação das áreas, sendo imediata a articulação e a aprovação da lei que institui o Programa Alegra Centro Habitação, no âmbito dessa privilegiar a aplicação dos instrumentos de parcelamento do solo, normas de edificação, utilização Compulsória e IPTU Progressivo no Tempo. No âmbito estadual, a política habitacional santista está concentrada na atuação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU, no Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal, no Fundo Paulista de Habitação de Interesse Social, da Companhia de Habitação da Baixada Santista – COHAB SANTISTA, pelo Programa Alegra Centro Habitação e pelo Programa Santos Novos Tempos, além do Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais – PEMAS (especificamente, o programa de Atuação em Cortiços), do Programa de Locação Social e do programa de Reabilitação de Imóveis Vazios para Uso Habitacional, importantes para a consolidação do Alegra Centro Habitação. 72 Criado e disciplinado pela Lei n° 1.776/1999, como um órgão de caráter consultivo e de assessoramento ao Prefeito e gestor do Fundo de Desenvolvimento Urbano, ainda não regulamentado. 129 prioridades de investimentos decididas por seus membros com o suporte do poder público. Portanto, estes são os principais agentes para a execução do Plano Municipal de Habitação de Santos (2009), cujo o programa Alegra Centro Habitação é um instrumento deste PMH. O PMH insere-se em um contexto nacional de rearranjo institucional da política habitacional e do desenvolvimento urbano integrado conforme definição da Política Nacional de Habitação – (PNH), aprovada em 2004 pelo Conselho das Cidades. A PNH é uma das políticas setoriais que compõem a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU e tem como objetivo a retomada do processo de planejamento no setor habitacional, propiciando condições institucionais para garantir acesso à moradia. Para consolidação da PNH, foi estabelecida uma estratégia de implementação gradual de seus instrumentos, recursos e programas. O Sistema Nacional de Habitação, principal instrumento da Política Nacional de Habitação, inclui a criação de dois subsistemas: o de Habitação de Interesse Social e o de Habitação de Mercado. Definidos por estratégias diferenciadas, os subsistemas visam promover que o mercado privado responda por parcela da demanda com alcance da oferta de mercado, enquanto que a promoção pública concentre-se no atendimento à demanda por habitação das camadas de menor renda, especialmente na faixa de zero (sem rendimentos) a três salários mínimos, que necessita de investimentos subsidiados, perfil econômico da grande parte da população moradora do centro histórico e bairros adjacentes. Portanto, para a compreensão do Alegra Centro Habitação, como também para a sua consolidação, a base de ação do poder público santista é o PMH, que está pautado nas normas do setor urbanístico e habitacional municipais do Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana (lei complementar nº 311/1998), o qual inseriu Planos de Ação Integrada, priorizando o desenvolvimento turístico, a integração do Porto/Município, a otimização de trânsito e transporte. Também devem ser consideradas as leis complementares nº 387/2000, nº 448/2001, nº 484/2003, nº 514/2004, nº 559/2005, nº 589/2006 e a nº 643/2008, as quais preveem a aplicação da outorga onerosa e não onerosa do direito de construir e a transferência do direito de construir, entre outros, como instrumentos urbanísticos de incentivo. A outorga onerosa do direito 130 de construir é permitida aos investimentos nos imóveis localizados nos Corredores de Desenvolvimento e Renovação Urbana – CDRU73, principal área da ação de renovação urbana da cidade. E, principalmente, pela instituição de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), lei complementar nº 53 de 15 de maio de 1992. As ZEIS santistas estão subdividas em diferentes categorias: 1. Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS-1) são áreas públicas ou privadas ocupadas espontaneamente, parcelamentos ou loteamentos irregulares e/ou clandestinos, incluindo casos de aluguel de chão, habitados por população de baixa renda familiar, destinados exclusivamente à regularização jurídica da posse, à legalização do parcelamento do solo e sua integração à estrutura urbana e à legalização das edificações salubres por meio de projeto que preveja, obrigatoriamente, o atendimento da população registrada no cadastro físico e social da respectiva ZEIS existente no órgão de planejamento ou de habitação da Prefeitura, podendo ocorrer à regularização urbanística de áreas ocupadas por população de baixa renda (sempre que possível com o aproveitamento das edificações existentes ou em novas edificações em áreas parceladas de fato) com a possibilidade de remanejamento para novas unidades habitacionais, preferencialmente na mesma ZEIS-1; 73 Pode o adicional oneroso de Coeficiente de Aproveitamento ser concedido por lote até 2 (duas) vezes a área do lote, chegando a um coeficiente de aproveitamento máximo 7 (sete) para os corredores nas Zonas da Orla- ZO, Intermediaria - ZI e Central II – ZCII. O coeficiente de aproveitamento máximo das ZC I é de 6 (seis) vezes a área do lote e da ZC II e 5 e 6 (seis) na Zona Noroeste I - ZNI. O Coeficiente de Aproveitamento permitido para essas zonas, sem outorga onerosa, é de 5 (cinco) e 4 (quatro) vezes a área do lote respectivamente. O instrumento é utilizado para empreendimentos em que a área construída extrapole esse coeficiente. A Transferência do Direito de Construir será aplicada aos imóveis de interesse cultural e os situados nos Corredores de Proteção Cultural considerados de nível de proteção 1, 2 e 3, onde estes imóveis de interesse cultural e os situados nos Corredores de Proteção Cultural, em decorrência de sua representatividade, do seu estado de conservação e da sua localização, enquadrados em 4 diferentes níveis de proteção. Nesses imóveis o coeficiente de aproveitamento da Zona somente será utilizado para o cálculo da transferência do potencial construtivo. Disponível em: < http://www.santos.sp.gov.br/planejamento/habitacao/downloads/plano.pdf>. Acesso em dez., 2009. 131 2. As Zonas Especiais de Interesse Social 2 (ZEIS-2) são compostas por terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados, que, por sua localização e características, sejam destinados exclusivamente à implantação de programas habitacionais de interesse social; 3. AS Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS-3) são áreas com concentração de habitação coletiva precária de aluguel (cortiços), principalmente nos bairros de concentração do Programa Alegra Centro Habitação, nas quais serão desenvolvidos programas e projetos habitacionais destinados, obrigatoriamente, ao atendimento da população de baixa renda familiar, moradora da área, conforme cadastro existente no órgão de planejamento ou de habitação da Prefeitura, visando o uso comercial e de serviços compatíveis com o uso residencial através de uma melhoria de condições de habitabilidade nos cortiços existentes, podendo, em alguns casos, haver um remanejamento de moradores para novas unidades habitacionais na mesma ZEIS-3. Nestas áreas de ZEIS, encontra-se parte significativa dos aglomerados precários de Santos identificados pela Prefeitura. Suas áreas foram demarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social. A revisão das ZEIS, desde sua implantação em 1992, pouco resolveu os problemas de habitação no centro e suas adjacências. Formalmente, propõem-se soluções habitacionais para a população das áreas de ZEIS 1 e 3, principalmente nas áreas próximas ao antigo porto. Nestas áreas, o PMH visa aplicar o Plano Local Integrado de Requalificação Habitacional da Área Central, cujas diretrizes são: • Integração com o Programa de Revitalização e desenvolvimento da Região Central Histórica de Santos – Alegra Centro; • Integração com o Programa Alegra Centro Habitação; • Planejamento da atuação dos programas habitacionais de Locação Social, Atuação em Cortiços e Reabilitação de Imóveis Vazios para Uso Habitacional. 132 Esta problemática, que envolve a tentativa de solucionar os problemas habitacionais no centro e suas adjacências, na cidade, por parte do poder público local, é discutida no trabalho de José Marques Carriço, Legislação urbanística e segregação nos municípios centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista (2002), quando este relata o processo de instituição de ZEIS em Santos pelo Conselho de Planejamento da cidade santista, o COPLAN, criado em 1964 (Lei nº 2.852). Naquele momento, tinha uma composição bastante representativa das elites e agentes capitalistas locais, e sua representação foi fortalecida e consolidada pela implementação do plano diretor de 1998. Segundo Carriço, o COPLAN criou obstáculos para a aprovação de ZEIS na cidade, que incentivava a implantação de projetos habitacionais destinados às classes de baixa renda. Somente após muita discussão com os representantes dos movimentos sociais por habitação da cidade, foi aprovada a instituição de ZEIS, desde que não fossem localizadas próximas à orla, devido ao crescente mercado imobiliário desta área. A instituição de ZEIS na área central da cidade, apesar de representar uma vitória para os movimentos sociais por moradia na cidade, pouco mudou a realidade da população moradora do local Para a implementação destas ZEIS, o poder público local promoveu diversas desapropriações de imóveis e de comércios populares caracterizados pela prefeitura como “insalubres”, com baixas condições de habitabilidade, muitas clandestinas, sem alvará da prefeitura ou mesmo com problemas de arrecadação tributária de IPTU. Deslocou também parte da população para outros locais da cidade por meio de alguns projetos habitacionais, como os imóveis entregues pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), por exemplo. Na área central, no bairro do Paquetá, mesmo com a instituição de ZEIS desde 1992, até o momento só foram entregues 113 apartamentos pela CDHU, num processo articulado com o poder público local por meio do Programa de Atuação em Cortiços. São os conjuntos habitacionais “Vitória”, na rua João Pessoa, com 60 unidades e o “Jardim Paquetá”, rua Amador Bueno, com 53 unidades (FIGURA 35). Os outros 133 moradores expulsos do centro foram para áreas periféricas da cidade, alguns contemplados por projetos habitacionais no distrito de Vicente de Carvalho, na área continental e no município vizinho de São Vicente, enquanto aqueles não contemplados foram às áreas de morro ou voltaram para os cortiços do centro. Figura 35 - Os condomínios “Vitória” e “Jardim Paquetá”, respectivamente Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). Os imóveis fechados pela prefeitura, para abrigarem conjuntos habitacionais e que ficaram abandonados, aos poucos, foram sendo ocupados pela população que voltou para o centro e pelos moradores de rua, como também foram invadidos ilegalmente por ferros-velhos, galpões para contêineres, comércios e empresas para atender as demandas do porto (FIGURA 36). 134 Figura 36 - O abandono dos imóveis e a invasão de empresas no local Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). Atualmente, a prefeitura, por meio do Programa de Atuação em Cortiços, pretende entregar mais 250 unidades habitacionais no centro. Os investimentos da prefeitura com a Caixa Econômica Federal (CEF) 74 somam mais de R$ 29 milhões 75 na construção dos núcleos do Estradão e no Programa de Atuação em Cortiços. A prefeitura e a CEF também assinaram um convênio que prevê a liberação de apoio a planos habitacionais (R$ 60 mil76) para empreendimentos já realizados e para os previstos, que incluem o empreendimento “SANTOS l”, na Rua São Francisco (bairro do Paquetá), por meio do Programa de Atuação em Cortiços. No total, os investimentos previstos para a cidade santista, nos próximos cinco anos, são de R$ 93.389.489,57 (prefeitura), R$ 37.300.000,00 (CDHU) e R$ 132.825.688,00 (Ministério das Cidades)77. 74 Empreendimento realizado em parceria com o município, por meio da Modalidade de Carta de Crédito aos futuros proprietários dos imóveis. 75 Valor equivalente à USD 18.000.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 76 Valor equivalente à USD 37.198,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 77 Valor equivalente à USD 57.650.000,00 pelos investimentos previstos pela prefeitura, USD 23.125.000,00 (CDHU) e USD 82.400.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 135 Portanto, ainda não está claro como o poder público local pretende resolver efetivamente o problema dos 328 cortiços na área central, e sua população de 14.000 pessoas, e quais serão os recursos investidos na área, pois, para esta área, atualmente, há apenas o comprometimento de construção, pela CDHU, de 250 imóveis, um valor irrisório frente à demanda. Tabela 3 – Quadro das obras concluídas na cidade, segundo distritos OBRAS CONCLUÍDAS - 2008 ZONA LESTE PLURITOTAL DISTR. BAIRRO QT. RESIDENCIAL COMERCIAL MISTO OUTROS HAB. M2 25 VILA NOVA 1 1 412,19 26 PAQUETÁ 2 1 1 5.268,79 27 CENTRO 1 1 404,58 28 VALONGO 0 Fonte:<http://www.investsantos.com.br>. Acesso em nov., 2009. Portanto, a produção de imóveis para a habitação popular no centro histórico santista, por meio de diferentes agentes do poder público, apesar de incluir ZEIS, foram insuficientes frente à demanda. E, no quadro acima, verifica-se que poucas obras foram concluídas na região de aplicação do programa Alegra Centro, destas, destacam-se as obras comerciais, sendo apenas uma relacionada à melhoria das unidades plurihabitacionais. Assim, a população local, que conseguiu permanecer ou que voltou para seus antigos cortiços no centro, tentou buscar outras estratégias de sobrevivência nesta área. O exemplo mais bem sucedido é a presença e atuação da Associação dos Cortiços do Centro (ACC). A ACC foi fundada em 1996 como uma forma de reivindicação à demora das políticas públicas frente às necessidades dos moradores do centro, pois, as negociações com a COHAB-ST e CDHU foram iniciadas no governo Mário Covas (1995 - 2001), PSDB, e, até 2008, só os dois empreendimentos das CDHU (edifícios Vitória e Jardim Paquetá) haviam sido construídos. Portanto, esta demora do poder público, além de 136 atitudes “duvidosas” do presidente78, que abandonou a associação, esta foi assumida, pela atual presidente, Samara Margareth Conceição Faustino, em 2000. Associada desde 1998, ela assumiu a presidência da Associação por ser uma antiga moradora do bairro e por conhecer bem as necessidades da população local. Samara é uma antiga moradora da região central santista e contou que chegou à Santos ainda bebê. Passou toda sua infância ali, na rua Dr. Crochrane, depois passou uma parte de sua juventude em um cortiço na área central de São Paulo, mudou-se para o Rio de Janeiro, mas retornou para esta área santista devido aos seus laços com a cidade onde ela foi batizada, cresceu e estudou. Ela contou que a maioria dos associados da ACC tem uma história de vida parecida com a sua: muitos nasceram ali ou estão lá há muitos anos, e alguns acabaram vindo por influência de parentes que moram na região. São trabalhadores, donas de casa, vendedores ambulantes, prostitutas. Atualmente, Samara mora em um cortiço na rua São Francisco com mais 16 pessoas da família. É cabeleireira autônoma, quando não está na militância, mas não recebe salário para presidir a ACC. Ela tem por volta de 50 anos e disse que, na sua infância, a vida era mais fácil ali: sua família tinha uma condição de vida melhor, tanto que ela pode estudar em colégio particular e o centro não era um lugar abandonado, sujo e violento. Ela relatou que, naquela época, era possível fazer um lanche entre as principais refeições do dia, e que hoje é praticamente impossível fazer todas refeições do dia, pois o que eles ganham, permite só comer o “básico”. A ACC luta pela permanência deles ali na área central, apesar das dificuldades, das péssimas condições de vida no cortiço e do alto valor dos aluguéis. Ali eles ainda têm emprego, os serviços públicos (as escolas, as creches, os postos de saúde, mesmo que precários), além da facilidade de deslocamento na cidade pelo transporte público, o que não ocorre já na área continental, onde o poder público constrói algumas habitações populares. Samara enfatizou que a população local passa por muitas dificuldades financeiras e que pagar o aluguel de um cômodo no cortiço é muito difícil: um cômodo custa, em média, R$ 400,00, e existe uma diminuição da oferta desde 1992, coincidindo com a instituição da 78 Este tinha envolvimento com partidos políticos e vereadores da cidade e não respondia aos questionamentos dos associados. 137 ZEIS que expulsou parte da população para a construção de habitações populares, o que não ocorreu e ainda serviu para encarecer os aluguéis. As ações do Alegra Centro serviram para desapropriar imóveis por meio dos tombamentos promovidos pelo poder público, sobretudo o poder público local por meio do Condepasa (Conselho de Defesa do Patrimônio de Santos). Grande parte dos proprietários não tem condições financeiras de restaurar os imóveis tombados de acordo com as especificações determinadas pela prefeitura, mesmo com os incentivos fiscais de isenção do IPTU, logo acabam fechando, abandonando, ou alugando os imóveis para estacionamento, guardar contêineres e servir de ferros-velhos. Em 2008, a ACC conquistou um terreno abandonado (área dos antigos Armazéns Gerais da Bolsa do Café) com mais de seis mil metros quadrados da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para a construção de 113 apartamentos. A área está avaliada em R$ 2,3 milhões79 e foi cedida à associação sem ônus. Emocionada, Samara, relatou o embate político travado com a prefeitura naquele momento para a liberação do alvará de construção do conjunto habitacional, pois este terreno deveria estar incluído na Zona Especial de Interesse Social. A prefeitura afirmava que a doação de um terreno como este era mais um “um projeto mentiroso” do governo federal, e que eles não conseguiriam definitivamente o terreno da SPU, portanto, a prefeitura não o incluiria na área de ZEIS. Quando o projeto de doação foi anunciado formalmente pela SPU, a prefeitura passou a pleitear, junto à mesma, este terreno, porque ele deveria cumprir sua função social, por estar abandonado há muitos anos, e que este seria fundamental para a prefeitura em seus projetos sociais no centro, como, por exemplo, a construção de um ambulatório de atendimento médico. Depois, mesmo derrotada, a prefeitura ofereceu à ACC um terreno com o dobro do tamanho, no bairro do Alemoa, próximo à entrada da cidade nas margens da rodovia Anchieta, além de recursos financeiros e apoio técnico da empresa Hipercon 80. Nesta ocasião, a ACC 79 Valor equivalente à USD 1.426.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 80 Empresa especializada em operações em Terminais de Cargas na área de comércio internacional, localizada em várias cidades brasileiras, e é a maior operadora no setor de logística do porto de Santos, principalmente por sua grande capacidade de transporte e armazenagem e que teria grande interesse neste 138 recusou prontamente a proposta, pois eles não têm interesse em sair do centro, ali é o local de suas vidas e trabalho. Neste terreno doado pela SPU, a ACC está construindo 181 apartamentos divididos em dois blocos, o edifício “Vanguarda I” (103 apartamentos) e o edifício “Vanguarda II” (78 apartamentos), contemplando os atuais 181 associados que trabalham em sistema de mutirão com carga horária semanal de 8 horas (salão livre) a 16 horas (apartamentos de três quartos) 81 (FIGURAS 37 e 38). Para a construção dos apartamentos, a ACC conseguiu um empréstimo de R$ 3,4 milhões82 concedido pela Caixa Econômica Federal (CEF), sendo que o crédito para a construção do edifício Vanguarda I foi obtido por meio do Fundo Solidário do Ministério das Cidades, que financia moradia para famílias com renda inferior a três salários mínimos mensais a juros zero, enquanto o financiamento para a construção do edifício Vanguarda II foi obtido pelo programa federal Minha Casa Minha Vida 83. O edifício Vanguarda I, que deveria ser entregue em três meses, poderá ser financiado em até 20 anos sem a cobrança de juros, enquanto o edifício Vanguarda II, que deveria ficar pronto em 12 meses, poderá ser parcelado em até 10 anos, também sem juros. Ainda há o comprometimento do Governo Estadual em arcar com as mensalidades por até dois anos em caso do inquilino ficar desempregado. As obras estão atrasadas devido à demora para liberação da última parcela do crédito da CEF devido a problemas técnicos na planta dos imóveis, segundo Samara. Seriam 15 meses, mas as obras já contam com dois anos e três meses (era para ser 15 meses, mas a demora para a liberação de credito atrasou). A previsão agora é de mais terreno também por sua proximidade ao porto. 81 O trabalho dos mutirantes está dividido em cotas semanais estipuladas pela ACC. O trabalho é feito pelo próprio associado, com ajuda de familiares, se necessário. Conforme o tamanho do apartamento, são determinadas as horas semanais necessárias para a construção. 82 Valor equivalente à USD 2.108.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 83 O objetivo do “Programa Minha Casa, Minha Vida” é criar uma série de mecanismos para produção, aquisição e reforma de unidades habitacionais de interesse social destinado a famílias que recebem até dez salários mínimos, com subsídios de quase 100% para famílias que ganham até três salários mínimos por mês. A lei trata, também, de estabelecer conceitos e procedimentos de âmbito federal para a promoção da regularização fundiária de assentamentos urbanos, introduzindo novos instrumentos para a legalização de moradias urbanas.) 139 sete meses, se a CEF liberar uma parte do empréstimo devido problemas técnicos na planta dos imóveis. A ACC também espera a liberação de outros R$ 869 mil 84 que deverão ser repassados pela Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo, mas ainda se encontram em poder da prefeitura, que é contra o projeto, pois, segundo Samara, eles também teriam conseguido mais R$ 1.300 milhão 85 na câmara municipal, mas o prefeito João Paulo Tavares Papa não quis assinar a liberação porque o projeto contava com alguns apartamentos com três quartos. Ele disse que nem os conjuntos da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) tinham três quartos e, portanto, teríamos que abrir mão desta tipologia, conta Samara, revoltada com a justificativa do prefeito. Para a prefeitura, que prevê a instalação de um parque residencial e universitário nesta área (especialmente nos bairros de Vila Nova e Vila Mathias), esta tipologia de imóveis certamente não atenderá a demanda por pequenos apartamentos para o público de trabalhadores do pólo tecnológico e estudantes universitários. As obras têm supervisão da organização não-governamental Ambienta, que atua na área de habitação e é parceira da ACC desde 2005, e contribuiu tanto para a mobilização dos moradores e como no assessoramento técnico para obtenção do financiamento. A ACC, como um movimento social importante para a elaboração de políticas públicas da cidade, foi chamada só na primeira reunião sobre a criação do Programa Alegra Centro Habitação. Muitos dos acordos firmados nessa reunião não foram incluídos no programa, mas, ainda assim, o programa, pelo menos no discurso, visa algumas medidas para a inclusão social (trabalho, renda) para a população local condição imposta pela ACC durante a reunião. 84 Valor equivalente à USD 539.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 85 Valor equivalente à USD 806.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 140 Figura 37 – As maquetes dos edifícios Vanguarda I e II Fonte: <http://www.caixamelhorespraticas.com.br/praticas/top-100/vanguarda/>. Acesso em Março de 2011. 141 Figura 38 - A construção do playground com recursos do Prêmio Caixa - Melhores Práticas em Gestão Local – 2009 Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). Além dos problemas financeiros e políticos enfrentados pela ACC, há a própria problemática que envolve o sonho da casa própria para a classe trabalhadora, sonho iniciado com a tomada de empréstimos e o comprometimento do pagamento do imóvel a longo prazo. A socióloga Sharon Zukin (1993:11) aponta o ato de compra da casa própria como, provavelmente, o momento mais significativo do consumo, e certamente o gasto mais importante na vida da maioria das pessoas, mas o comprador é cercado pelo contraditório aspecto de autonomia e dependência ao mesmo tempo, pois, por um lado, comprar um teto e um pouco de terra ao redor significa libertação do senhorio ou senhoria, e da proximidade com a família, enquanto, por outro lado, o despejo se torna tão próximo quanto nas mãos do banco ou do proprietário da hipoteca, pois o pagamento em intervalos regulares obriga ao emprego estável e poupança, realidade adversa desta população pobre e trabalhadora. Assim, a ampliação do crédito conta com 142 um agenciamento e organização do tempo futuro dos tomadores de empréstimos, ou ainda, conta com o comprometimento do trabalho futuro dos trabalhadores para a sua realização (MARTINS, 2009). Portanto, uma questão muito relevante, para questionar estas ações e o modelo imposto de acesso à moradia para estas pessoas em situação de encortiçamento na área, é destacar a frágil situação financeira que elas vivem (desemprego, falta de emprego fixo), o que pode vir a impossibilitar o pagamento das prestações dos imóveis, independemente do valor simbólico. Um exemplo de descaso dos agentes políticos frente aos problemas habitacionais da cidade: Câmara de Santos passa a ocupar o prédio do Castelinho no dia 1586 O novo e definitivo prédio do Legislativo santista será inaugurado no próximo dia 15, às 10 horas, em cerimônia no local escolhido para abrigar a Câmara: o Castelinho, centenário edifício que abrigava o Corpo de Bombeiros, na Avenida Senador Feijó, na Vila Mathias. “É a realização do sonho da casa própria”, brincou o presidente da Casa, Marcus De Rosis (PMDB), que esteve nesta segundafeira em A Tribuna, acompanhado do 1º-vice-presidente, Antônio Carlos Banha Joaquim (PMDB), e do 2º-secretário, Benedito Furtado (PSB). O investimento nas obras de reforma do local, que duraram três anos, foi em torno de R$ 20 milhões 87 - mais de 50% acima da previsão inicial. O imóvel abrigará os gabinetes dos vereadores, terá sala para a realização das sessões, auditório para 150 pessoas, plenário para audiências públicas com 130 lugares, sistema de ar condicionado a gás, elevadores e espaço para exposição de memórias dos 91 anos em que os Bombeiros ocuparam o Castelinho. (grifos meus). 86 Matéria do jornal a Tribuna online de 06/12/2010. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Janeiro de 2011. 87 Valor equivalente à USD 12.400.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 143 As ações do programa Alegra Centro, em seus três focos de ações, “patrimôniotecnologia-habitação”, interferem na reprodução da vida urbana e, a nosso ver, não buscam melhorias efetivas nas demandas e condições de vida da população, inclusive em planos que demarcam a vida privada. A atuação do Estado, no sentido de potencializar os negócios urbanos por meio de um programa de (re)valorização da área central da cidade santista, já se apresentava no plano diretor de 1998. E manifesta-se, agora, em sua atual revisão, a partir das ações políticas que possibilitam o desdobramento e ou reagrupamento de propriedades de negociação dos potenciais de construção, como o caso de proprietários santistas que restaurarem seus imóveis. Estes gravados com níveis de proteção 88, localizados nos Corredores de Desenvolvimento e Renovação Urbana ou em áreas de operação urbana consorciadas, tem potencial construtivo transferido para outras áreas da cidade (Zona da Orla, Zona Intermediária e Central II em sete vezes a área do lote, a seis vezes a área do lote na Zona Noroeste I e a quatro vezes a área do lote na Zona dos Morros III). Portanto, a problemática que envolve a função social da propriedade urbana, por meio de um processo de reestruturação urbana, como o caso do programa Alegra Centro, é a capitalização das propriedades dentro de um processo de revalorização espacial (CARLOS, 2009)89. Cabe elucidar que a tendência é um aumento do valor dos aluguéis dos imóveis no futuro por meio de uma valorização econômica da área e sofisticação do seu comércio, mesmo que a municipalidade tente, a partir de mecanismos legais, criar meios para inibir tais ações dos proprietários. Tendo em vista a atração de um novo público para a área − turistas, pesquisadores e funcionários ligados ao serviço portuário, assim como os jovens estudantes de classes sociais mais abastadas que frequentarão os cursos universitários do pólo tecnológico do Valongo. A presença desses possíveis novos usuários propiciará uma elevação dos preços dos aluguéis e imóveis nesta área (re)valorizada, como opção de moradia para estes grupos sociais mais elitizados. 88 Para imóveis de nível de proteção 1 e 2. O direito à outorga onerosa do direito de construir será concedida desde que os imóveis sejam efetivamente restaurados e preservados, cabendo à unidade competente da Prefeitura, ouvido o CONDEPASA, a aprovação, a fiscalização e a emissão de certidão de restauração do imóvel. 89 Palestra concedida pela autora no evento XI Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB) em Setembro de 2009 – Brasília (DF). 144 Portanto, um aumento do custo de vida nesta área poderá ser um fator de expulsão induzida da população local. A comunidade local e a ACC, cientes do que Samara chama de “efeito Pelourinho”, temem que a revitalização da área seja fator de expulsão da população pobre local (FIGURA 39). Frente a esse risco, a ACC já busca alternativas e estratégias para se incluir, resistindo, neste futuro que se espelha para o centro histórico santista, além de divulgar suas ações para outros movimentos sociais da Baixada Santista. Figura 39 – O comércio popular no Bairro do Paquetá Autoria: Paula Dagnone Malavski – 26/10/2007. A criação de boxes comerciais, no andar térreo dos edifícios Vanguarda I e II, será uma opção de inclusão e renda para estas famílias da ACC, quando esta área da cidade estiver “revitalizada”, abrigando o futuro terminal de passageiros do porto. Hoje, com o apoio da Petrobrás, já foi criada a padaria comunitária “Um Só Coração”, que tem as mulheres da comunidade como funcionárias e administradoras, em um total de 20 famílias, atendendo ao comércio local, além de visar atender aos turistas que frequentarão a área. Há também o projeto “Raízes Corticeiras”, que envolve a produção 145 de bijuterias de couro e chita. Haverá também, no local, em um prédio anexo à padaria, a creche “Um Só Coração”, que funcionará 24 horas e terá o apoio de profissionais capacitados (FIGURAS 40 e 41). Esta área da cidade, o centro histórico santista e suas adjacências, apesar da degradação dos equipamentos urbanos e das edificações, não é uma área “fantasma” da cidade, como costumam falar os políticos da cidade nos eventos políticos que visam atrair potenciais investidores para esta área da cidade. É o lugar da vida cotidiana com seus significados, simbolismos e identidade para a população local. Figura 40 - Patrocínio da Petrobrás/RPBC (Baixada Santista) nos programas comunitários da ACC. Oficina de bijuterias em Chita e Biblioteca Comunitária Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). 146 Figura 41 – A Padaria “Um só coração” e seu projeto de readequação do imóvel Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011). 147 O conceito de lugar, definido a partir da tríade habitante-identidade-lugar, como a porção do espaço apropriável para a vida, por meio do corpo, dos sentidos, dos passos de seus moradores, está diretamente relacionado ao cotidiano das pessoas. São locais apropriados pelo uso, espaços do vivido, carregados de significados, que criam a identidade. São também articulados com a totalidade espacial, considerando as suas relações com o caráter social e histórico da produção do espaço geográfico global (CARLOS, 1996). Segundo Lefebvre, a produção do espaço, em seu vivido90, com seus traços distintos e sua presença, não sendo visível e nem legível como tal na materialidade deste espaço urbano, dá-se por meio da vida que se reproduz para aquele que faz uso do espaço. Para este autor, os turistas, por exemplo, são capazes de fazer apenas uma contemplação passiva das formas do espaço urbano, de sua arquitetura, diferentemente daqueles ali vivem e criam sua identidade. Como esta população da área central santista, que vive este espaço, mesmo que esta população possa estar condicionada por uma programação do seu cotidiano pela predominância do capital, impondo ao conhecimento, aos signos, aos códigos, simbolismos complexos locais, ordens e regras. Mas, mesmo a vida destas pessoas estando condicionada a uma programação do cotidiano, não se não excluem e não extinguem as práticas locais ligadas ao uso do espaço. Este espaço também é (re)produzido por um lado “clandestino” e “subterrâneo” da vida social que foge à “ordem”, à racionalidade tecnicoburocrática, revelando insurgências de verdadeiras demandas sociais para esta área, como a necessidade de habitação (LEFEBVRE, 1974). Quanto às ações implementadas pelo Alegra Centro, há que se questionar que a transformação deste espaço e a produção de um espaço turístico podem levar a uma supressão do cotidiano da população local, das relações entre os indivíduos e grupos (o vivido, a subjetividade, as emoções, os hábitos e os comportamentos) pela expulsão dessa população para outras localidades. O centro histórico, (re)produzido pelo Estado e seus aliados sob a ótica do mercado, tende a levar à expulsão ou ao isolamento desta população local , privilegiando os futuros usuários (empresários, turistas) neste espaço, 90 O plano do vivido, tendo como referência as obras de Henri Lefebvre, baseia-se no uso do espaço, no plano da reprodução da vida, suas práticas e simbolismos atribuídos. 148 assim como pode negar este cotidiano como potencialidade de conscientização e luta frente às condições sociais impostas. A nosso ver, o cotidiano desta população envolvida no programa Alegra Centro não pode ser compreendido somente como aceitação, repetição de normas e regras instituídas por um poder público. As estratégias de sobrevivência desta população, como, por exemplo, a construção dos apartamentos pela ACC, é potencial e virtualmente transformador da difícil realidade imposta, mesmo de forma lenta. Os conflitos sociais gerados nesta área, pelas necessidades de reprodução cotidiana destes sujeitos sociais incluem a satisfação dos serviços públicos, os sonhos, o imaginário, os sentimentos, cuja a produção de um espaço turístico na área central da cidade tende a anular ou inibir o uso deste espaço público, das praças, das ruas e dos espaços abertos, enquanto espaços de apropriação que podem iluminar e explorar a riqueza deste “viver”, enquanto constituição de uma multiplicidade de relações sociais e como prática espacial que está na base do processo de constituição de identidade com o lugar (CARLOS, 2001: 182) em que o “viver” pode fugir às racionalidades impostas pela poder público e pelo capital privado já que, mesmo as imagens, como construção da própria cidade, são capturadas e percebidas diferentemente pelos diversos agentes sociais envolvidos. Por mais dramático que este processo de (re)valorização espacial se desenrole neste local, não há como negar e apagar as potencialidades e as resistências da população local que enfrenta cotidianamente as imposições do poder público que pode vir a inaugurar um projeto de um espaço que, mesmo (re)valorizado, amenize as contradições e as segregações sociais, incluindo estas pessoas neste processo de transformação do espaço central santista 3.2. As estratégias do poder público local para (re)valorizar o centro histórico santista e intensificar um processo de segregação socioespacial na cidade. Existe uma estratégia do poder público de capturar o imaginário social, criando uma imagem do centro como área “fantasma, degradada, marginal a fim de canalizá-lo na direção de que esta área necessita inevitavelmente ser “revitalizada”, reconstruindo a imagem do centro histórico, mas nem tudo consegue ser capturado, pois, quando o 149 poder público santista tentar impor novos usos espaciais no centro histórico, conteúdos muito diferenciados da prática social vivida pelo cotidiano desta população, poderão ser verificados diversos conflitos e possíveis subversões através das adaptações e usos realizados no cotidiano (ALVES, 1992). As ações do poder público, por meio do city marketing, buscam gerar um consenso na população santista que esta área espaço central (os bairros do Valongo, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias) é uma área “marginal”, “sem controle” e que deve ser retomada para os seus cidadãos sob os termos de uma “criminalização espacial”, como aponta Mike Davis (2004). Apresentam a (re)valorização econômica desta área como a única saída, assim como seu crescimento econômico com a vinda de grandes investidores, a reestruturação urbana pautada na arquitetura contemporânea e dos novos empreendimentos a serem instalados. A tendência é concretização das ações do poder público buscando a homogeneização econômica, de consumidores elitizados para um consumo dirigido, colocando barreiras arquitetônicas e semióticas que inibem e filtram os “indesejáveis”− aqueles que não podem ou não são desejados naquele espaço, controlando os movimentos e ditando os ritmos da contemplação passiva do patrimônio e das vitrines do comércio local, instituindo o “tempo da mercadoria” para um público consumidor elitizado (LEFEBVRE, 2004). Um exemplo deste discurso da necessidade inevitável de retomada do centro é a matéria do jornal A Tribuna91, sobre o consumo de drogas no centro. 91 Jornal a Tribuna, matéria de 28 de Julho de 2010. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Julho de 2010. 150 Números são incompatíveis com a quantidade de usuários de drogas Não há como passar despercebido. Entre os carros estacionados no Largo Sete de Setembro e junto a algumas portas na Rua Andrade Neves, na Vila Nova, os usuários de crack são vistos dia e noite. Cotidianamente. Bastou pouco mais de uma hora para a Reportagem de A Tribuna flagrar cerca de dez homens, mulheres, adultos e adolescentes fissurados, na última sexta-feira. Os números são incompatíveis. Apesar da quantidade de usuários perambulando e consumindo a droga nas proximidades do Castelinho (onde está sendo construída a nova sede da Câmara Municipal), em seis meses a Polícia Militar registrou apenas seis ocorrências de porte de entorpecente (incluindo crack) na região que compreende as ruas Senador Feijó e Tiro Naval, parte da São Francisco e o caminho Monsenhor Pereira. No primeiro semestre do ano, houve ainda 13 casos de tráfico (contando dois atos infracionais), e 1,2 quilos de crack foi apreendido. As modestas estatísticas não refletem a realidade mostrada em matéria publicada por A Tribuna no primeiro dia do ano e flagrada novamente na sexta-feira. Pior: mostram que, na guerra entre traficantes e sociedade, é o crime que está vencendo. Basta uma conversa com pessoas que trabalham nesse trecho da Cidade e que preferem não se identificar para entender a movimentação. "Isso é igual formiga. Cada hora aparece um", explica o funcionário de um comércio próximo. 151 Às segundas-feiras, garante outro funcionário, é possível encontrar pessoas de perfil diferente dos que vivem na região. "É gente que vai para a balada no fim de semana e fica aí uns dias. Dá para notar que é gente que tem dinheiro". Segundo o major Flávio de Brito Júnior, comandante interino do 6º Batalhão de Polícia Militar do Interior, a baixa quantidade de ocorrências, principalmente de porte de entorpecente, tem explicação. "Muitas vezes, com a aproximação da polícia, eles jogam em algum canto (a droga e o cachimbo)". Quando a polícia encontra um usuário com droga, ele é encaminhado para a delegacia mas não fica preso, já que a posse para consumo não é considerada crime. Considerando os casos de tráfico confirmados pela PM no primeiro semestre nesse trecho do Município, houve 16 detenções, incluindo dois menores. (grifos meus). Neil Smith (2000), em seu trabalho intitulado, Contornos de uma política espacializada: veículos dos sem-teto e a produção da escala geográfica, ilumina esta reflexão quando busca explorar uma relação contraditória entre apropriação, cotidiano, espaço público e subversão por meio da produção de uma escala geográfica, pois, a apropriação do espaço pode ser entendida como uma instância de salto escalar que permite sair da escala do privado para outras escalas, como o bairro e a cidade, criando e reforçando laços de reconhecimento e identidade os quais podem levar a uma consciência que possibilite a transformação da realidade vivida. Este imaginário social coletivo, não capturado neste espaço, como um “resíduo”92, pode abrir-se como possibilidade para novas apropriações e usos “indesejados” pelo poder público, pois mesmo a cidade sendo instituída pelo poder público e pelas elites locais, como local de aceitação e de imposição, o centro histórico é um lugar simbólico e político para manifestações sociais e lugares de exercício de cidadania. A tentativa de compreensão do movimento de (re)valorização do espaço central urbano em Santos aponta que a (re)produção do espaço santista caminha em detrimento do espaço como o valor de uso − a cidade e a vida urbana, o tempo urbano, para se 92 Segundo o autor Henri Lefebvre, o estudo do cotidiano na pesquisa social pode revelar práticas sociais e espaciais locais que fogem e subvertem as lógicas impostas pelo poder, estes resíduos se apresentam como uma possibilidade de negação da realidade dada e um salto, uma proposição, para o novo. 152 afirmar o valor de troca − o seu espaço central comprado e vendido, o consumo dos produtos, dos bens, dos lugares e dos signos urbanos na cidade, por meio das políticas públicas e as elites locais (LEFEBVRE, 2005). A prefeitura santista, por meio do programa Alegra Centro, reconhece e usa de seu poder no espaço, o qual cumpre um papel central entre as forças de produção, apresentando-se politicamente instrumental, facilitando o controle da sociedade (LEFEBVRE, 1992). A nova ordem de produção do espaço central santista, imposto pelo poder público em seus programas de reestruturação urbana, e sua aliança com o capital privado, tende a aprofundar a segregação socioespacial em solo urbano santista. Este processo não é novo, já que a expulsão da população para os espaços desvalorizados da cidade vem ocorrendo desde o século XIX. Porém, o que se apresenta, neste momento atual, segundo os apontamentos de Neil Smith (2007), é a velocidade com que as demandas do “processo de reprodução do capitalismo global” se impõem e se articulam com as demandas locais para a realização do capital, em diversas escalas, em um movimento de complementação e exclusão no plano do conteúdo do espaço. Assim, a tendência para uma mudança de um tipo de uso deste espaço (a consolidação de espaçomercadoria) é a efetivação de um processo de (re)valorização por meio do movimento do capital para o centro histórico da cidade. Segundo este autor, determinado ambiente construído expressa uma organização específica da produção, do consumo e da circulação de sua época e, conforme esta organização modifica-se, também se modifica a configuração do ambiente construído. Esta linha de fronteira, de expansão do capital com intervenção do Estado, possuiu uma definição essencialmente econômica – como a fronteira da lucratividade, a qual adquiriu uma expressão geográfica bastante acentuada em diferentes áreas das cidades, durante o final do século XIX e por todo século XX, o que pode ser notado no processo de produção do espaço santista, a partir do século XIX. Neste século, a presença de uma população trabalhadora e pobre na área central da cidade já apresentava uma barreira à reprodução do capital face à desvalorização econômica da área. No final do século XIX, com a implantação da ferrovia (1867) e a modernização do porto (1898), pela primeira vez desde a sua fundação, o povoado santista teve seus limites expandidos, transformados e com novos usos, como por exemplo, a saída das 153 elites locais para as áreas mais “saudáveis”, ajardinadas, longe do porto e do comércio central, onde as antigas ruas e suas casas térreas espaçosas abrigariam o crescente número de habitantes da cidade. Este rápido crescimento da população93, entre o final do século XIX e o início do século XX, e o fluxo imigratório, sobretudo de origem europeia, atraído pelo porto e pelo plantio de café no planalto, demandou um aumento na oferta de moradias. Muitas das antigas casas da área central são abandonadas pelo medo da febre amarela. Esta demanda por moradia fez destes antigos casarões abandonados a possibilidade de moradia para a população pobre e imigrante. Muitos desses casarões tornaram-se cortiços, abrigando estivadores, portuários, imigrantes e empregados do pequeno comércio do porto e da cidade. Conforme estes cortiços (FIGURAS 42 e 43) nasciam, logo eram diagnosticados pelas Comissões Sanitárias do governo e por toda a sociedade, como foco de doenças, tanto do ponto de vista físico quanto moral: era o “local da promiscuidade”. Enfim, este padrão de moradia era considerado nefasto para os poderes instituídos em todos os sentidos: a doença, a promiscuidade, a não separação entre a casa e a rua, enfim, um uso da cidade muito distante daquilo que se pretendia implementar com a modernidade e prosperidade econômica da cidade. Para Lanna (1996: 48): Se os cortiços eram a forma característica de habitação popular nas grandes cidades brasileiras deste período, em Santos eles primavam pela abundância e precariedade constituindo a forma de alguns, os precários meios de sobrevivência de outros e a causa das péssimas condições de vida da imensa maioria da classe trabalhadora, negra ou branca. Neste período, a Comissão de Vigilância Sanitária de Santos (1889), em conjunto com a Comissão de Saneamento do Estado (1894), articulando diferentes esferas do poder público, temiam uma queda da produção cafeeira e um estanque das atividades portuárias pelas epidemias. Frente a isso, iniciou-se um grande movimento de demolição dos barracos e cortiços do centro, o que despertou uma grande revolta na população pobre que não tinha para onde ir. Embora o principal foco de disseminação das doenças, como se verificou mais tarde, fosse a falta de saneamento básico na cidade, 93 No trabalho de LANNA (1996:51) a autora mostra que a população santista entre o período de 1886 a 1900 passou de 15.605 pessoas para 50.389. 154 a população trabalhadora e pobre, com suas habitações precárias, foi vista, em seu conjunto, como corpos doentes, e suas casas, como berço do crime e do vício. A população encortiçada era vista como politicamente perigosa por ser pobre e por não ter bons costumes. Para as elites, eles eram a razão dos problemas e infortúnio da cidade (BONDUKI, 1998). Por mais que fossem despejados, esta população pobre não aceitou passivamente as imposições da Comissão de Vigilância Sanitária, usando diferentes estratégias, resistiam: permaneceram nas ruas ou se instalaram longe dos “olhos dos inspetores”, indo para as áreas de expansão da cidade, construindo clandestinamente seus chalés (LANNA, 1996). Outra consequência da expulsão desta população para fora dos limites da cidade foi, por exemplo, o surgimento de assentamentos do outro lado do estuário, na ilha de Santo Amaro, atual município do Guarujá, principalmente o assentamento de Conceiçãozinha (1907), provavelmente a primeira favela da Baixada Santista, que deverá ser removida para a ampliação do porto nos próximos anos (CARRIÇO, 2002). Figura 42 – Cortiços existentes na cidade de Santos entre 1880 e 1889 Fonte: LANNA (1996:122 e 123). 155 Figura 43 – Situação habitacional da área próxima ao porto de Santos (2002) Fonte: CARRIÇO, J. “Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista”. p. 73. A construção de chalés de madeira, como uma forma de sobrevivência dos pobres na cidade, ainda que precários para os padrões desejáveis da época, foi uma forma da população trabalhadora realizar o sonho da casa própria. Estes chalés eram, em geral, construídos em esquema de mutirão em terrenos comprados ou alugados, em áreas de expansão da cidade como a Vila Macuco, Campo Grande e nos morros, longe das áreas centrais e nobres da cidade. A prefeitura tentava impedir este tipo de construção alegando sua precariedade e insalubridade. Segundo Andrade (1989), estes chalés eram construídos com madeira das mais diversas origens, mas a principal fonte estava nas caixas abandonadas nos depósitos e armazéns próximos ao porto, ainda local de trabalho destas pessoas. A estratégia municipal para conter a construção de chalés foi a imposição de normas para suas construções, quando, em 1926, houve uma lei municipal específica para os chalés por meio de expedição de cartas de habitação fora dos perímetros urbanos. E, a partir de 1932, houve a legalização dos chalés clandestinos, para aumentar a arrecadação municipal via cobrança de impostos. A fim de garantir o afastamento da população pobre da área urbana da cidade e favorecer o acesso ao solo urbano para os investidores do setor imobiliário, foi instituído o “termo de precariedade”: para legalizar os chalés, seus donos eram obrigados a assinar este termo que dava plenos direitos ao poder municipal de demolição para os chalés construídos há mais de cinco anos da data 156 de licença de construção, sem qualquer tipo de indenização. Portanto, a legalização dos chalés era de caráter transitório e móvel, pois o poder público poderia agir sobre esta porção do território de acordo com os seus interesses. Neste momento, esta foi a “saída” do poder público local para evitar uma grande revolta e não contrariar os interesses do setor da construção civil que, naquele momento, tinha interesse nas áreas mais valorizadas da cidade, como a orla marítima que já começava a ser ocupada. Também houve outras estratégias de afastamento dos pobres da área central da cidade, ainda no século XIX, por meio do planejamento dos primeiros loteamentos previstos para a classe trabalhadora que, no entanto, não ocorreram. A proposta do poder público municipal era a construção de loteamentos pela iniciativa privada em áreas de expansão da rede de transportes urbanos, mas nunca se efetivou porque a população dos cortiços raramente tinha condições financeiras de adquirir estes lotes, que acabaram sendo comprados por servidores públicos e empregados qualificados do porto (LANNA, 1996). Portanto, estes bairros da área central da cidade, ao longo da história santista, são marcos de um longo processo de segregação socioespacial na cidade, em que as tentativas de solução habitacional do poder público sempre foram mais no sentido de expulsar a população pobre de áreas de interesse deste poder público do que, efetivamente, solucionar problemas de habitação para a população local. Estas áreas abrangidas pelo programa Alegra Centro Habitação, principalmente os bairros do Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias, foram áreas da cidade que, somente no final do século XIX, como bairros periféricos ao centro, passaram a ser ocupadas, marcando a primeira grande expansão dos limites da cidade de Santos. Eram bairros da habitação das elites, bairros planejados para atender aos padrões ideais higienistas do século XIX. A partir deste momento, o planejamento urbano, pautado em padrões modernos e higienistas, procurou aprofundar e detalhar a instituição de um zoneamento de uso e ocupação do solo urbano. O apogeu, segundo Carriço (2002), destes novos direcionamentos para a política urbana santista ocorreu com a sanção do Novo Código de Obras do Município (Decreto-Lei nº 403), em 1945, e posteriormente com o Plano Regulador da Expansão e Desenvolvimento da Cidade (Lei nº 1.316 – 1951), que deram origem ao Plano Diretor Físico do Município (lei nº 3.529), em 1968, e suas posteriores 157 alterações como o novo zoneamento dado pela lei nº 209 do mesmo ano, por exemplo 94. Este novo zoneamento detalhava um pouco mais as zonas criadas pelo Código de Posturas de 1922, incorporando as novas zonas residenciais introduzidas (Decreto-Lei nº 306 de 1941), enquanto estes dois bairros do Paquetá e da Vila Nova, já “degradados” pelas atividades portuárias, foram incorporados à Zona Central. A Zona Central, criada pelo Código de Posturas de 1922, continha a Zona Comercial Central (ZCC) − núcleo colonial remodelado no século XIX, para onde eram destinados os estabelecimentos comerciais, escritórios, consultórios, bancos, sedes de companhias ou empresas, laboratórios, restaurantes, confeitarias, hotéis, habitações, casas de diversões, tipografias, cafés e similares. Passou a incorporar os bairros do Valongo, Paquetá, Vila Nova, sopé do Morro Mont Serrat e parte da Vila Mathias, constituindo a Zona Comercial Secundária (ZCS), onde eram admitidos os seguintes usos: garagens, postos de abastecimento de automóveis e depósitos de materiais e mercadorias. Posteriormente, no Plano Diretor de 1968, a Zona Comercial Central foi transformada em ZCI com a função comercial e de serviços (como área de comércio popular, em função da competição com as áreas comerciais da orla e com o comércio mais sofisticados nos shopping centres), enquanto a ZCS foi transformada em ZCII, neste momento já era considerada uma área “degradada” por abrigar um espaço de interface com o porto e também por ser área de moradia de trabalhadores portuários, de prostituição e de muitas moradias clandestinas. Portanto, para as Zonas Centrais foram prevalecidos os mesmos usos, mas com uma diferença substancial para o entendimento do abandono do centro santista, segundo José Marques Carriço: a proibição do uso habitacional na Zona Comercial Central, o que contribuiu e aprofundou a ocupação e a formação de cortiços nos antigos casarões abandonados próximos ao porto, principalmente no Valongo e Paquetá. Para Carriço, a falha de aplicação de políticas públicas para a habitação da população trabalhadora, o movimento do capital do setor de construção civil e imobiliário para a orla marítima, apoiado pelas políticas públicas, 94 O autor ressalta a importância de um conjunto de normas, códigos e leis sancionadas que apontam esta mudança de direcionamento das políticas públicas do município visando o zoneamento da cidade (páginas 128 e 129). 158 como por exemplo, a criação de uma nova centralidade na cidade, no bairro do Gonzaga, e o próprio Plano Diretor de 196895 propiciaram a ocupação clandestina de antigos casarões abandonados próximos ao porto. O processo de “resgate” da área central da cidade, a partir do Plano Diretor de 1998, e mais enfaticamente, a partir da criação do programa Alegra Centro em 2003, na tentativa de expulsão de atividades e pessoas indesejadas do centro para atrair novos investidores para o local, (re)valoriza economicamente o centro santista por meio de ações de reestruturação dos equipamentos urbanos, o que também possibilita aumentar o valor venal do solo urbano na área, bem como sua receita por meio da cobrança de impostos (IPTU), propiciando a venda dos imóveis da área por seus antigos moradores para os novos agentes investidores da área. A matéria do jornal A Tribuna, evidencia esta realidade. Correção do IPTU aumenta receita de Santos em 17,87%96 A correção da base de cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em Santos engordou os cofres da Prefeitura. Em janeiro e fevereiro deste ano, a receita com o tributo foi de R$ 61 milhões 893 mil, ante R$ 52 milhões 511 mil no primeiro bimestre de 201097 – mais R$ 9,3 milhões, alta de 17,87%. O aumento, informado nesta segunda-feira para A Tribuna pela Secretaria Municipal de Economia e Finanças (Sefin), superou as expectativas apresentadas, há quatro meses, pela titular da pasta, Mírian Cajazeira Diniz. Ela previu recolhimento de R$ 245 milhões em IPTU neste ano, 13,4% acima do previsto de janeiro a dezembro últimos. O salto na arrecadação é resultado das mudanças propostas pelo prefeito João Paulo Papa (PMDB) na Planta Genérica de Valores, aprovadas pela Câmara. Esse instrumento fixa o valor venal dos imóveis, e o IPTU equivale a 1% dessa cifra (para 95 Este Plano vedou o uso habitacional do centro, na tentativa de ordenar e direcionar o processo de valorização da área insular da cidade, visando estimular a construção de moradias econômicas destinadas a pessoas de baixa renda somente na área de Zona de Expansão Urbana (distrito de Bertioga, naquele momento), e na área intermediária entre a orla marítima e o Parque Estadual da Serra do Mar, 96 Matéria da edição online de 21 de Março de 2011. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Março de 2011. 97 Valor equivalente à USD 37.900.000,00. O montante acumulado no período entre 2009 e 2010 foi de USD 5.766.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>. 159 casas e apartamentos com valor acima de R$ 30 mil). Um detalhe: a Planta não foi atualizada na íntegra, mas corrigida pela metade. Estudos de uma consultoria particular contratada pela Prefeitura indicavam que, em 2008, o valor venal de alguns imóveis (e, consequentemente, do IPTU) teria de ser triplicado para se ajustar aos preços de mercado. E a elevação na receita esperada por Mírian incluía a hipótese de a Prefeitura receber IPTU de imóveis em áreas portuárias. A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) não paga o imposto sob o argumento de que a Constituição Federal impede uma esfera de governo de tributar patrimônio, renda ou serviços de outra. Perto de São Paulo A revisão da Planta Genérica de Valores fez com que o valor oficial do metro quadrado (metro quadrado) de imóveis, em Santos, atingisse até R$ 3.599,00. Trata-se do estipulado no triângulo formado pelas avenidas Vicente de Carvalho (orla) e Washington Luís (Canal 3) e a Rua Pindorama, no Boqueirão. Nesse ponto, está o Clube XV Hotel. Tal preço, porém, é igual ou inferior ao mínimo cobrado, no mercado, até mesmo para residenciais usados na Cidade. Conforme o delegado subregional de Santos do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), Carlos Manoel Ferreira, o metro quadrado oscila de R$ 4,5 mil a R$ 12 mil na Vila Rica (Boqueirão). Quanto mais perto do Tênis Clube, mais caro. No condomínio Parques de Morar, na Areia Branca (Zona Noroeste), vendem-se apartamentos de dois quartos e 53 metros quadrados a partir de R$ 181,9 mil. Ou cerca de R$ 3,4 mil o metro quadrado, quase nove vezes acima do indicado na Planta Genérica de Valores, naquela região, para a Avenida Nossa Senhora de Fátima. Na Capital, o preço médio do metro quadrado era de R$ 4.954,00 em fevereiro, segundo o índice FipeZap, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O menor valor por metro quadrado em Santos, ainda conforme a Planta Genérica, é de R$ 39,00 para áreas como o Monte Serrat e o Morro do José Menino. 160 O trabalho de José Marques Carriço (2002) aponta que, já no início do século XX, a prefeitura possuía um sistema de cadastro imobiliário, a partir do Relatório da Diretoria de Obras e Viação, apresentado à Câmara Municipal em dezembro de 1919, que se pode considerar um embrião das plantas genéricas produzidas posteriormente. Ele analisou as plantas genéricas da cidade desde 1966 e produziu uma tabela, expressa em Reais98, a qual pode revelar que, desde as primeiras décadas do século passado, as áreas de maior potencial comercial eram as mais valorizadas da cidade, seguidas das áreas onde as classes sociais mais abastadas se deslocavam para “fugir” dos transtornos causados pelas atividades portuárias e comerciais do centro, como, por exemplo, a orla marítima e os bairros da Zona Leste. Este autor afirma que o centro histórico e sua periferia imediata tiveram evolução inferior de valorização frente às demais áreas analisadas, como, por exemplo, a Ponta da Praia, Zonas Leste e Noroeste. Mas, mesmo assim, os terrenos mais bem localizados do centro histórico, como a Praça Mauá, centro cívico da cidade, por exemplo, e outros terrenos com melhor infraestrutura e oferta em serviços no centro eram os mais valorizados. Para ele, os motivos desta menor valorização de porções do centro histórico e suas adjacências, estão atribuídos às leis municipais, como o plano diretor de 1968, por exemplo, e aos investimentos públicos em outras áreas da cidade (Zona Leste e a orla marítima), como, por exemplo, a criação de um polo comercial sofisticado no Gonzaga, fazendo do centro o lugar do comércio popular e dos serviços públicos. A partir da divulgação da “Atualizacão monetária do valor venal dos imóveis para fins de lançamento e cobrança do imposto predial e territorial urbano e respectivo desconto para pagamento em cota única no exercício de 2008, publicada no Diário Oficial da Prefeitura de Santos, em 21/12/2007, pode-se localizar alguns terrenos apontados no trabalho de José Marques Carriço (2002), e que hoje estão na área de abrangência do Programa Alegra Centro, além de possibilitar a atualização de 98 Segundo José Marques Carriço (2002:208): Até 1942, circulava o Real. Com a continuidade da inflação, o real passou a não ter poder de compra, sendo substituído, na prática, pelos seus múltiplos, ou seja, pelos reais, que o povo denominava de “réis”. 161 valores para tentar iluminar o processo de (re)valorização econômica do centro, por meio da desvalorização do preço do metro quadrado na área do programa. Figura 44 – Localização dos terrenos analisados na área de abrangência do Programa Alegra Centro (2007) 162 Autoria: Paula Dagnone Malavski Tabela 4 - Valorização dos terrenos na área de abrangência atual do Programa Alegra Centro 163 TESTADA TRECHO DE SETOR/ REFERÊNCIA DO R. Costa B - Pça.da Pestana Alfândega República C - Av. R. Senador Pestana Feijó D - R. Av. Rangel Rangel São VALOR VALOR EM QUADRA IMÓVEL A - Av.Ana VALOR 1966* EM EM 1973** 1978*** VALOR VARIAÇÃO EM 2007 % ENTRE 1978-2007 35/12 64,19 55,15 282,42 577,38 104,44% 26/11 125,60 124,18 372,32 437,05 17,38% 36/32 69,78 69,03 288,79 429,55 48,74% 36/1 139,56 136,08 485,29 429,75 -0,13% Itororó E - Av. João Francisco Av. Senador 26/16 153,51 220,61 632,47 548,45 -0,15% Pessoa F - R. São Feijó Av. Visconde de 25/11 50,24 43,83 241,05 303,15 25,76% Bento G - Pça. São Leopoldo R. General 25/23 558,25 360,62 1385,87 1.066,92 -29% Mauá H - R. Câmara R. Dr. Cochrane 26/20 44,66 43,83 178,21 278,51 56,28% Mercado 36/22 50,24 49,67 186,16 224,95 31,58% Av. Cons. Nébias 36/44 53,03 46,38 207,64 311,72 50,12% General Câmara I - Pça. Iguatemi Martins J Av. Campos Sales Autoria: Paula Dagnone Malavski (adaptado de CARRIÇO, 2002 e Diário Oficial da Prefeitura de Santos, ano XIX, edição nº 4586 de 21/12/2007). Os terrenos que sofreram maior valorização no período de 1978 a 2007, segundo os valores do metro quadrado divulgados pela prefeitura, em 2007, são aqueles localizados próximos na área do programa Alegra Centro ou próximo à sua área de abrangência, em sua primeira fase, a qual incluía os bairros do Valongo, do Paquetá e Vila Nova (os terrenos localizados pelos números 1, 3, 6, 8, 9 e 10). O que pode ter 164 justificado a expansão do programa Alegra Centro para mais áreas do Paquetá e da Vila Nova e a inclusão do bairro da Vila Mathias. Enquanto aqueles localizados no “centro” do programa, onde abriga grande parte do patrimônio edificado e tombado da cidade, sofreram desvalorização (terrenos 4, 5 e 7), o que pode apresentar uma estratégia do poder público municipal para reduzir o valor venal destes terrenos e, consequentemente, uma diminuição do valor do IPTU, que pode ser isento para os proprietários destes terrenos interessados em restaurar seus imóveis e utilizar esta forma de subsídio, pois o alto valor de custos para a restauração do imóvel pode ser um fator de inibição e mesmo abandono ou venda do imóvel para os novos investidores. Também pode ser uma tática para o poder público local se apropriar do imóvel, para colocá-lo novamente no mercado, por meio do recurso de desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública por meio da cobrança do IPTU progressivo no tempo, decorridos cinco anos de inadimplência do proprietário, sem que este tenha cumprido a função social do solo urbano, de acordo com o plano diretor da cidade, pautado no Estatuto da Cidade. Portanto, conforme aponta Neil Smith (2007), este processo geral de “retomada dos antigos centros” originou-se, nos países centrais do capitalismo, em um período anterior à crise econômica mundial e agora estes espaços – os centros históricos e seu patrimônio arquitetônico, histórico e cultural, os quais foram abandonados no passado. São uma reserva de uma parte do substrato geográfico que, atualmente, devem atender às demandas da reprodução do capital, e ali podem reverter seus investimentos através do mercado imobiliário e de turismo. Hoje, tal processo de “resgate” do centro histórico santista deve ser entendido neste contexto. A desvalorização e o abandono planejado da área central santista, no passado, criou a oportunidade para a sua atual (re)valorização desta parte “decadente” do espaço urbano como oportunidade de afastar a crise para os agentes hegemônicos locais do espaço, ao menos temporariamente. É a oportunidade, por exemplo, de aplicar o capital neste novo espaço de um consumo produtivo por meio do turismo, nos empreendimentos comerciais e no mercado de imóveis. Ao Estado, em sua aliança com estes agentes hegemônicos, cabe expulsar atividades e população indesejadas, o que 165 intensifica a segregação socioespacial na cidade. O Alegra Centro, a nosso ver, é um programa de (re)valorização urbana, cujas ações do Estado visam redefinir as novas fronteiras econômicas e geográficas da cidade, reestruturando a área central para possibilitar o retorno dos investimentos privados nesta área. Portanto, o movimento de parte do capital, para além das zonas residências e turísticas da cidade (áreas valorizadas economicamente), retornando para esta área “degradada” da cidade, o centro, como fragmento de espaço, representa uma nova “fronteira” urbana na medida em que se faz por meio de ações pontuais, incluindo e excluindo as áreas da cidade, de acordo com os interesses econômicos, criando, portanto, uma nova fronteira econômica não só na cidade, mas no próprio centro histórico nas áreas abrangidas (valorizadas) e excluídas (desvalorizadas) pelo programa Alegra Centro. Como, por exemplo, as ruas do Comércio e XV de Novembro, que abrigam o Museu do Café, receberam novos equipamentos urbanos, enquanto as outras ruas, no entorno, ainda aguardam as ações do programa. As consequências destas ações pontuais do poder público e de seus aliados neste processo de (re)valorização do centro histórico, por meio de uma(re)valorização de determinas porções do espaço urbano, de elevação do preço do metro quadrado, sob os paradigmas de uma conjuntura internacional que tem como modelo, de inserção dos espaços centrais históricos, a criação de waterfronts para os mercado turísticos, é redefinição da divisão espacial do centro histórico, e da segregação socioespacial na cidade santista. Esta tendência de (re)valorização do solo urbano na área central santista, tende dar continuidade a uma segregação socioespacial, por meio do acesso ao solo urbano pela mediação do mercado imobiliário. A (re)valorização do centro busca atrair novos tipos de empreendimentos comerciais e imobiliários desejados, bem como a reestruturação do setor da construção no circuito de produção e acumulação do capital para a resolução do capital excedente em escala local (HARVEY, 2009), tendo como produto empreendimentos de alta e média gama, principalmente no domínio do chamado imobiliário comercial e de habitação. Como afirma SEABRA (1979:82): O solo tem um preço. Esse preço é a medida concreta de sua valorização. O valor da terra varia com o tempo, geralmente de maneira crescente, conferindo ao seu proprietário uma renda, 166 que é o “tributo que se paga ao direito de propriedade”. Esta variação do preço do solo varia com o tempo, “em função da produção social, a qual de alguma forma está articulada com a terra”. Essa variação seria também espacial, pois é afetada por certos aspectos peculiares de cada localização. Assim pode-se dizer que há, na formação do valor imobiliário do solo, dois componentes básicos: um de ordem física, por exemplo, a vista para o mar, o relevo do terreno; outro de ordem social, como a existência de determinados equipamentos urbanos, maior ou menos acessibilidade etc. A problemática deste processo de (re)valorização do centro histórico santista, em seus fragmentos, quanto ao uso do espaço, ilumina que este espaço tende a transformarse em um espaço-mercadoria, negociado pelo poder público local e seus aliados em um mercado nacional de “venda de cidades”, acentuando a contradição entre o valor de uso (pelo uso e acesso ao solo urbano) como espaço da vida. Esse processo dá continuidade à “higienização social”, em que aqueles que não podem pagar o aluguel, restaurar os imóveis ou mesmo usufruir dos serviços neste espaço (re)valorizado, devem desocupálo e utilizar outras áreas menos valorizadas na cidade. Assim, este espaço da vida para a população local, como lugar de apropriação, tende a diminuir até quase desaparecer, bem como os espaços públicos dessa área central santista, pois, o programa Alegra Centro representa mudanças que redefinem os usos e funções do centro histórico, além da redefinição dos preços do solo urbano, provocando a valorização/desvalorização de diferentes lugares do centro histórico, gerando novos fluxos de usuários e moradores para a área. 4. Considerações Finais 167 Esta pesquisa buscou compreender o atual processo de (re)valorização do centro histórico de Santos por meio do Programa Alegra Centro, assim como a reestruturação urbana do centro santista, apontando os novos conteúdos e lógicas de produção deste espaço urbano sob o comando do poder público local, como também das outras esferas de poder público e seus parceiros da iniciativa privada. A produção do espaço santista foi abordada a partir de três principais níveis de compreensão para a produção do espaço santista: a dominação política, a acumulação do capital no solo urbano do centro e a realização da vida humana da população diretamente envolvida pelas ações do poder público. A dominação política foi discutida a partir da análise das ações do poder municipal, principalmente e em parceria com os agentes hegemônicos na (re)produção deste fragmento de espaço da cidade santista, onde o objetivo destes agentes visa intensificar a acumulação de capital local pela atração de novos tipos de empreendimentos comerciais na área (empresas, comércios sofisticados, serviços), e pela criação de um espaço turístico e de lazer pautado no patrimônio histórico, permitindo a reprodução e a circulação do capital, reestruturando a obsolescência de antigas formas e conteúdos deste espaço urbano. A realização da vida humana, envolvida pelas ações do Alegra Centro, acontece nesta porção do espaço apropriável para a reprodução da vida por meio do corpo, dos sentidos, dos passos de seus moradores. É o lugar do cotidiano destas pessoas, um local apropriado pelo uso, o espaço do vivido, carregado de significados que criam a identidade. A imposição de ações do poder público e dos agentes hegemônicos implica num conflito entre um modelo cultural e de comportamento imposto e normatizado, ligado ao consumo e ao mundo da mercadoria e o rompimento de uma rotina organizada da vida cotidiana local, transformando radicalmente a sociabilidade, os usos e as formas de relacionamento significando a redefinição da prática socioespacial (CARLOS, 1996). 168 Para Nestor García Canclini (2002), os lugares não são áreas delimitadas e homogêneas, são espaços de interação nos quais as identidades e os sentimentos de pertencimento se formam com recursos materiais e simbólicos de origem local, nacional e transnacional. O renascimento do urbano, na atualidade, é feito, prioritariamente, pelo urbanismo globalizador, por meio de fortes avanços econômicos e grandes projetos renovadores, como o Alegra Centro, por exemplo, em que há um “resgate” econômico e cultural desta área por meio de obras públicas de infraestrutura. A modernização desse espaço aparece como um espetáculo para os que estão do lado de fora, e se legitima configurando um novo imaginário de integração e memória. Quanto à população local, sobretudo a classe trabalhadora de menor poder aquisitivo, não resta muitas alternativas a não ser tentar se adaptar a este espaço novo ou deixá-lo para viver em outras áreas menos valorizadas da cidade. Assim, o Programa Alegra Centro intensifica o processo de segregação socioespacial da cidade e a higienização social do centro santista. A estratégia utilizada pelo poder público municipal para “resgatar” e (re)valorizar o centro santista, por meio do marketing urbano, é apresentar e “vender” a cidade, o centro, com um novo produto moderno e funcional a ser comprado e/ou consumido, sob uma “etiqueta” de Santos: “cidade global, informacional, corporativa”. Este processo de (re) valorização se efetiva pela captura do fragmento de espaço reserva, no caso, o centro histórico, fazendo parte de um projeto maior para solução/minimização da crise de expansão e acumulação capitalista que se apresenta nessa escala, mas que se articula a outras escalas geográficas. Entendido como território adormecido (TELLO ROVIRA, 2005), o espaço central e histórico santista, com suas particularidades e estruturas econômicas e sociais, é produto de um processo de acumulação territorial. Esse espaço, aparentemente abandonado, invalidado, no processo de acumulação capitalista, passa a ser, agora, “(re)valorizado” por meio de grandes e sucessivas transformações de sua paisagem, como um ajuste às necessidades do capital. O Programa Alegra Centro, em suas diversas frentes de ação (Patrimônio, Tecnologia e Habitação), possibilita ações que implicam no processo da produção de um espaço da dominação, como um espaço abstrato, instrumental à reprodução capitalista, por meio de ações do poder público local 169 em consonância com os interesses do governo federal, estadual e com o capital local. O marketing urbano anuncia as obras do poder público local e seus investimentos públicos (em parceria com a iniciativa privada) no centro da cidade. Tais obras reestruturam as configurações e os equipamentos urbanos a fim de (re)valorizar economicamente esta área da cidade, juntamente com as atividades do porto, confirmando e intensificando as lógicas de produção, circulação e consumo deste centro, “resgatando” os investimentos produtivos para tentar garantir e resolver a crise de expansão e acumulação do sistema territorial urbano santista, da Região Metropolitana da Baixada Santista, articulada com a região metropolitana de São Paulo. A problemática, abordada por esta pesquisa, buscou apontar como o programa Alegra Centro tende a transformar o cotidiano da população local, por meio destas novas formas espaciais, instaurando um cotidiano normatizado, empobrecido e estranho (CARLOS, 2005). Fizeram parte desse processo, as ações do poder público local envolvendo o patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da cidade que, de uma forma ou de outra, constituem parte do cotidiano dos habitantes locais que, ai, tem sua memória, sua identidade. As ações do Alegra Centro apresentam-se como uma estratégia do poder público que pretende capturar o imaginário social local, a fim de canalizá-lo em outras direções e criações de novas imagens e de um consenso social, em que este patrimônio, com testemunho da história, deve ser reabilitado, resgatado de um espaço marginal, violento sem controle, onde vive a população pobre que o destrói. Qual é o consenso? Que esse centro "histórico degradado e violento" deve ser revitalizado ou reabilitado de modo a preservá-lo historicamente. Portanto, as ações do campo preservacionista do patrimônio cultural, realizadas pelo poder público santista, não são ações neutras. Trata-se de uma prática social que acrescenta novos bens, valores e processos culturais à experiência da comunidade envolvida (FONSECA, 2005). Nesse sentido, a preservação é sempre uma forma de intervenção (ARANTES, 1987). Outro exemplo aqui apresentado, quanto à temática do patrimônio, foi a tentativa de revelar e reconhecer que as práticas patrimoniais do poder público santista geram uma tensão constante entre diferentes valores dos agentes sociais envolvidos neste processo, por meio da questão entre as esferas públicas e privadas e a contradição entre 170 ambos. É o caso, por exemplo, dos proprietários dos imóveis tombados pelo poder público, sem uma consulta a estes proprietários, negando-lhes o direito em dispor livremente de seus bens (o direito da propriedade privada). A única alternativa que muitos têm, principalmente os proprietários sem muitos recursos, é abandonar os seus imóveis, visto que é, financeiramente, impossível restaurá-los de acordo com uma legislação imposta que afirma privilegiar o interesse público. Portanto, o poder público santista é o grande agente centralizador neste processo de (re)valorização do centro histórico santista, sob o programa Alegra Centro, com um discurso de “interesse público” para realizar os seus interesses e de seus parceiros da iniciativa privada intensificando os conflitos existentes na cidade. Este trabalho buscou apontar como as políticas públicas de Santos são fortemente marcadas pelo poder público local, que impõe leis e normas, visando criar um consenso social para um destino “certo” deste patrimônio e do centro histórico, sem uma participação popular neste processo. A prefeitura visa “resgatar” o centro, em nome de um patrimônio público, por meio deste processo de (re)valorização desta área da cidade, pautada na produção de um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural remetido a uma instituição (a prefeitura como defensora de um “bem público”) e à dinamização econômica, a partir da produção de um espaço turístico sob um modelo padrão, o “modelo global Barcelona”, o qual desenvolve uma imagem forte e positiva de cidade, explorando, ao máximo, o seu capital simbólico, de forma a reconquistar sua inserção privilegiada da cidade nos circuitos culturais nacionais e internacionais. Estas ações e práticas do poder público local fazem parte de uma nascente “indústria patrimonial” envolvendo técnicos, políticos, proprietários e cidadãos em uma disputa que envolve memória coletiva e rendimentos, na qual o seu resultado costuma pender a favor dos dois primeiros grupos, em detrimento das práticas sociais. A realidade da prática de salvaguarda patrimonial santista ainda pode revelar como as políticas públicas, que envolvem o patrimônio coletivo no Brasil, ostentam a marca clássica, que representam os espécimes característicos de uma fração de uma classe dirigente brasileira, a oligarquia cafeeira paulista, em seus ramos público e privado, leigo e eclesiástico (FONSECA, 2005). O reverso disto é uma amnésia dos grupos populares locais, os 171 encortiçados, as prostitutas e os estivadores do porto, que também produziram este espaço. Nesta pesquisa, buscamos apontar como a produção deste patrimônio histórico, arquitetônico e cultural santista pelo poder público santista e seus parceiros, não se apresenta como uma obra coletiva, a qual deve propiciar saber e satisfação a toda comunidade. Seu destino é ser consumido99 por aqueles que possuem acesso financeiro e cultural, sobretudo na futura área turística produzida pelo programa Porto Valongo. Tal programa tende a ser um espaço onde as relações sociais passarão a ser mediadas por normas e organizadas em função do consumo, que representam práticas de exclusão da comunidade local, sobretudo daquelas populações indesejadas (encortiçados, ambulantes, prostitutas), pois serão espaços vigiados e controlados. A produção deste espaço turístico, como um produto de interesses públicos e privados, como afirma Carlos (2001), pode revelar-se como um instrumento político intencionalmente organizado, manipulado pelo Estado e nas mãos de uma classe dominante, que dispõe de um duplo poder sobre o espaço: em primeiro lugar, através da propriedade privada do solo e, em segundo lugar, por meio da ação do Estado, representante de seus interesses. Assim, transformando o centro histórico santista em um espaço-mercadoria, voltado para o turismo e para o lazer produtivo, um centro de consumo renovado, negando ou ocultando suas diferenças e os conflitos existentes no centro histórico santista, como também o caráter público deste espaço central da cidade que ainda possibilita o acontecer do imprevisto, da improvisação, do espontâneo, da convivência, dos encontros, dos conflitos, das rotinas e dos desacordos, um espaço de uso da população local. O centro histórico santista, apesar da decadência econômica verificada a partir dos anos cinquenta do século passado, sobretudo ao desenvolvimento residencial e turístico na orla marítima, continuou sendo um local de intensa vida urbana (bancos, sedes de instituições e serviços públicos) bem como espaço de concentração de monumentos e patrimônio edificado. A tendência, hoje, é que ele, após os projetos de 99 “Nosso patrimônio deve ser vendido e promovido com os mesmos argumentos e as mesmas técnicas que fizeram o sucesso dos parques de diversões”. Discurso do Ministro do Turismo francês em 09 de setembro de 1986, secundado por um de seus colaboradores: “Passar do centro antigo como pretexto ao centro antigo como produto”. 172 requalificação, entre de modo mais completo no circuito da reprodução, privilegiando o espaço enquanto valor de troca, não sem continuar a ser valor de uso, em razão do seu poder de centralidade (metonímia da “cidade santista”) e de seu porto. O centro histórico santista é (re)produzido por vários agentes sociais, a saber: os empresários e comerciantes do porto, os empresários ligados ao setor petrolífero, as elites locais e a população local, sobretudo aquela que mora neste espaço em péssimas condições de habitação (a população encortiçada). Para os agentes hegemônicos deste espaço, esta complexidade de práticas sociais, principalmente as indesejadas (os pobres, os pequenos proprietários e comerciantes) neste fragmento de espaço, perfila-se como inimigos principais do capital (imobiliário, público, privado) na sua dimensão espacial. É fundamental questionar a produção do espaço turístico e “tecnológico” santista. Ela se dá, a partir de nossa análise, pela negação e afastamento dos atuais usuários do centro, aqueles que têm uma relação mais ligada ao valor de uso deste espaço (LEFEBVRE, 1997), onde o cotidiano e sua maneiras de se apropriar do espaço constituem uma potencialidade para a superação da racionalidade planejada e dominante que tenta se impor na cidade. Para Henri Lefebvre, a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso, pois, a imposição do valor de troca para o espaço urbano, como mercadoria, tende a destruir as relações sociais ali estabelecidas, possibilitando o surgimento de um espaço segregado, um espaço esvaziado de suas funções mais nobres, aquelas que articulavam a vida civil e a política no espaço público. Assim, as intervenções do poder público, em diferentes esferas de poder por meio de um planejamento estratégico da cidade e obras públicas monumentais, visam mobilizar este fragmento de espaço como uma força produtiva, que opera como instrumento de desenvolvimento geográfico desigual, pois seu objetivo é reorganizar as relações sociais para manter a coesão social e impor uma diferenciação funcional no espaço. O espaço central santista cumpre um papel central entre as forças de produção e apresenta-se politicamente instrumental, facilitando o controle da sociedade local. As relações sociais, existentes neste fragmento de espaço, o cotidiano, o “viver” local, revelaram-se múltiplos e as práticas espaciais presentes são importantes no processo de constituição de identidade com o lugar (CARLOS, 2001: 182), onde este “viver” se apresenta como uma possibilidade de fugir à racionalidade imposta pelo 173 poder público e pelo capital privado, como, por exemplo, as ações da ACC. Para Carlos (1996), o cotidiano100 é um campo e uma renovação simultânea, uma etapa, um momento composto de momentos (necessidades, trabalho, diversão, produtos e obras, passividade e criatividade, meios e finalidades). É uma interação dialética, em que as coações existem juntamente com as possibilidades de insurreições; é a possibilidade de superação e do novo, como por exemplo, a experiência da ACC, como experiência da militância, pode redefinir os sujeitos envolvidos e lhes tirar o peso da sujeição admitida, consentida, para além das reivindicações específicas, sobretudo o acesso à moradia. A possibilidade de ruptura desta sujeição, imposta pelo poder público, não é só séria, dramática, mas alegre, cheia de risos e festa. O tempo do movimento é o tempo da luta, mas também da festa, da festa popular. É a outra sociabilidade que se conquista. Por outro lado, o cotidiano dos dias comuns, e fora do movimento, reconduz às práticas consentidas, reproduz a mesmice, a indiferença recíproca. Assim, diz Damiani que, do ponto de vista da vida cotidiana, os movimentos são momentos ou situações que “demarcam a História, têm formação e memória, têm estrutura, mas são criações que dão no tempo e no espaço, são acontecimentos” 101. O 100 Segundo Seabra, a partir da noção de gênero de vida, passou-se da noção de modo de vida à noção de cotidiano, mesmo sem ter sido possível tirar, à época, as derivações que agora se tornam possíveis. Com Paul Vidal de La Blache, Príncipes de Géographie Urbaine, foi incorporado ao conhecimento geográfico a noção de gênero de vida. Geógrafos como J. Brunhes (1920), Max Sorre (1952) e mais tarde Pierre George (1969), ora mais, ora menos concordes com o conhecimento de suas épocas, não puderam negligenciar que a Geografia Humana integrava, como conhecimento, as experiências do cotidiano. O gênero de vida identificava uma estrutura circular que correspondia à forma com que cada grupo humano desenvolvia sua maneira de ser, de viver. Cada grupo compõe um conjunto de atitudes que tira sua significação do interior do próprio grupo, seja pela maneira de se vestir, de falar, de habitar, em suma, por sua maneira de ser. Os gêneros de vida revelam os meios de que dispõem uma coletividade para a sua sobrevivência. Jean Brunhes (1920), em sua Geografia Humana, ainda enredado no determinismo ambiental, não pôde ignorar a magnitude, a profundidade e a extensão do processo de urbanização porque os anos vinte coincidiam com a belle époque do capitalismo. Max Sorre estendeu a noção de gênero de vida às formas de existências ligadas às atividades profissionais, próprias do meio industrial, como, por exemplo, o gênero de vida dos ferroviários. Essa extensão foi contestada, afinal, as premissas, que serviram de fundamento e suporte ao conceito de gênero de vida, não estavam presentes nas sociedades sujeitas à divisão do trabalho e à integração numa sociedade global. O salto na compreensão do cotidiano como unidade de espaço e tempo, em geral, viria de Pierre George, ao afirmar que “o ambiente urbano abrange o conjunto das formas de contato dos homens com o meio da vida cotidiana” (GEORGE, P. Geografia Urbana -1983. In SEABRA, O. Territórios do uso: cotidiano e modo de vida” in Cidades, vol. 1, n˚2, Presidente Prudente: GEU, 2004, p. 205). 101 In DAMIANI, A. Urbanização crítica e a situação geográfica a partir da metrópole de São Paulo in CARLOS, A. e OLIVEIRA, A. (orgs). Geografias de São Paulo, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2004, p.34. 174 acontecimento deve ser lido no plano do possível, como “virtualidade” já em marcha, uma possibilidade tendente a se realizar, envolvendo uma certa consciência histórica. Seu significado, na consciência e na cultura, portanto, é ambíguo, isto é, rico de sentidos, complexo102. Este cotidiano local pode revelar a problemática que envolve as ações do Alegra Centro Habitação. Por mais que as políticas públicas, voltadas à moradia no centro, atenuem os problemas de habitação do centro histórico e garantam a permanência de parte desta população em situação de encortiçamento, este espaço turístico e o centro (re)valorizado e sua apropriação tendem a negar os usos para essas pessoas. Elas terão dificuldades de usufruir os equipamentos e comércios locais que serão destinados às elites locais e para os turistas, portanto, cabendo a estas pessoas, quando muito, uma inclusão marginal, um subemprego, um pequeno comércio familiar da vida. O cotidiano das pessoas, envolvidas nestas intervenções do Alegra Centro, não pode ser compreendido somente como repetição, pois é potencial e virtualmente transformador desta área da cidade santista. Mesmo que este cotidiano seja manifestado de forma lenta e imperceptível, através dos conflitos sociais dos diferentes classes, pelas necessidades de reprodução cotidiana dos sujeitos sociais que incluem a satisfação dos serviços públicos, os sonhos, o imaginário, os sentimentos, sendo o espaço, e então, um produto social e histórico, articulado no plano de reprodução da vida. Neil Smith (2000) reflete sobre a importância do acesso pelo corpo como meio de saltar escalas no uso dos espaços públicos através da apropriação e subversão da ordem impostas, pois, os usuários, ao se apropriarem dos lugares, podem conquistar diferentes âmbitos de luta, como um primeiro estágio da articulação, escalar com vistas à geração de processos de transformação e mudança social da cidade, conecta o corpo, a casa, o bairro, e a cidade. Neste sentido, por exemplo, é fundamental enfocar como a apropriação do centro santista pela população local, como o exemplo os associados da ACC, tem o centro como “bairro”, uma experiência coletiva criadora do pertencimento – nossa rua, nosso bairro, nosso lugar, como agentes que podem reivindicar a garantia do uso público e da apropriação do patrimônio da cidade. Esta apropriação deste espaço 102 LEFEBVRE, H. O Fim da História. Lisboa: Dom Quixote, 1971. In DAMIANI, A. Urbanização crítica e a situação geográfica a partir da metrópole de São Paulo in CARLOS, A. e OLIVEIRA, A. (orgs). Geografias de São Paulo, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2004, pp. 19-58. 175 da cidade permite fazer uma leitura do outro, daquilo que é diferente. Tal a apropriação permite que o reconhecimento, que não se esgota no fato de se reconhecer diferente, mas a partir disso ser capaz de perceber a injustiça dessa diferença, como, por exemplo, os encontros inusitados de diferentes classes sociais nas ruas centrais da cidade, as manifestações sindicais realizadas na Praça Mauá (praça da sede da prefeitura santista, localizada no “coração” do centro histórico), das festas populares. Henri Lefebvre (2001) aponta que o valor de uso, mesmo subordinado ao valor de troca, é a experiência que ainda resiste pelos “usuários” que se apropriam do espaço, mas que resiste aos especuladores, aos turistas, aos promotores capitalistas, aos planos dos técnicos, que fazem leituras parcelares e fragmentadas do espaço visando, muitas vezes, destruir ou transformar o imaginário social pela ideologia e pela publicidade. Assim como criar novas tipologias de “hobbies” e “criatividade”, como, por exemplo, o consumo do centro histórico como lugar do patrimônio e da cultura. Uma tentativa de compreensão deste imaginário social coletivo não capturado deste espaço, como um “resíduo”103, por meio das práticas sociais existentes, pode abrir-se como possibilidade para novas apropriações e usos “indesejados” pelo poder público. Esta pesquisa procurou revelar as contradições do processo de (re)produção da área central santista, sobretudo do centro histórico e seu processo de (re)valorização imposto pelo poder público e seus parceiros, e a riqueza deste “viver” da população local atingida por estas ações, enquanto constituição de uma multiplicidade de relações sociais e como prática espacial, que também pode fugir à racionalidade de (re)valorização econômica do centro imposta pela poder público e pelo capital privado. 5. Referências Bibliográficas 103 Segundo o autor Henri Lefebvre o estudo do cotidiano, na pesquisa social, pode revelar práticas sociais e espaciais locais que fogem e subvertem as lógicas impostas pelo poder, estes resíduos se apresentam como uma possibilidade de negação da realidade dada e um salto, uma proposição, para o novo. 176 ALVES, G. São Paulo: São Paulo e o processo de diferenciação sócio-espacial: um caso latino-americano. Trabalho livre apresentado no XII Encontro de Geógrafos da América Latina. Montevidéu: 2009. ________. São Paulo: uma cidade global. In: Carlos, A. & CARRERAS, C. (Org.). Urbanização e Mundialização: estudos sobre a metrópole. São Paulo: Editora Contexto, 2005. ________. O uso do centro de São Paulo e sua possibilidade de apropriação. Tese de doutorado (Geografia Humana). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. ANDRADE, C. O Plano de Saturnino de Brito. In Revista Espaço e Debates nº 34. São Paulo: NERU, 1991. p. 55-63. ANDRADE, P. 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ANEXO I Pessoas residentes (Censo 2000 – IBGE) 185 Bairro Total Domicílios Domicilio particulares particulares permanentes improvisados Centro 996 927 11 Paquetá 1368 1298 10 Valongo 217 214 3 Vila Nova 4401 4253 18 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. Domicílios coletivos 58 60 0 130 Relação com a pessoa responsável pelo domicílio (Censo 2000 – IBGE) Bairro Principal Cônjuge Filho(a) Pai ou Neto(a) Irmão Responsável ou Mãe ou (ã) enteado Bisneto(a) (a) Centro 356 169 306 6 41 21 Paquetá 504 173 442 18 47 20 Valongo 61 35 76 6 14 4 Vila 1389 718 1513 46 199 86 Nova Continuação – Bairro 37 47 14 188 Empregado(a) Parente do Indivíduo doméstico(a) empregado(a) em domicilio doméstico(a) coletivo Centro 10 27 2 0 21 Paquetá 15 42 0 0 60 Valongo 7 0 0 0 0 Vila Nova 35 99 7 0 121 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. Bairro Centro Paquetá Valongo Vila Nova Agregado (a) Outro Pensionista População (Censo 2000 – IBGE) Crianças e Adultos Idosos Adolescentes 272 627 97 473 787 108 79 113 25 1421 2577 403 Total 996 1368 217 4401 186 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. Pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes – curso mais elevado que freqüentou (Censo 2000 – IBGE) Bairro Alfabetização Antigo Antigo Antigo Ensino de adultos primário ginásio clássico / fundamental científico Centro 2 97 39 3 101 Paquetá 8 117 19 2 227 Valongo 1 13 5 3 19 Vila Nova 15 324 125 32 523 Continuação – bairro Centro Paquetá Valongo Vila Nova Ensino médio 38 50 9 141 Superior 13 11 1 24 Mestrado ou doutorado 2 0 0 0 Nenhum total 41 65 9 194 336 499 60 1378 Pessoas responsáveis pelos domicílios permanentes – rendimento nominal mensal (salário mínimo - SM) (Censo 2000 – IBGE) Bairro Até ½ + de ½ a 1 + de 1 a 2 + de 2 a 3 + de 3 a 5 Centro 0 29 58 47 89 Paquetá 0 106 136 49 81 Valongo 0 3 12 11 15 Vila Nova 5 132 319 257 269 Continuação + de 5 a 10 + de 10 a 15 + de 15 a 20 + de 20 – Bairro Centro 59 9 4 2 Paquetá 42 12 2 1 Valongo 9 1 0 0 Vila Nova 176 19 11 4 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. Sem rendimento 39 70 9 186 Número de domicílios (Censo 2000 – IBGE) Bairro Domicílios Domicílios particulares Centro Paquetá 377 564 342 504 Domicílios particulares permanentes 336 499 Domicílios particulares improvisados 6 5 Unidades em domicílios coletivos 35 60 187 Valongo 61 61 60 Vila Nova 1510 1385 1378 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. 1 7 0 125 Domicílios particulares permanentes (Censo 2000 – IBGE) Bairro Tipo casa Tipo Tipo cômodo apartamento Centro 62 179 95 Paquetá 102 86 311 Valongo 50 7 3 Vila Nova 275 366 737 Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. Total 336 499 60 1378 Domicílios particulares permanentes – condição de ocupação (Censo 2000 – IBGE) Bairro Próprio Próprio Alugado Cedido por Cedido Outra Total quitado em empregador de outra condição aquisição forma Centro 66 7 195 61 6 1 336 Paquetá 20 3 458 8 7 3 499 Valongo 13 0 38 8 1 0 60 Vila 128 26 1149 43 31 1 1378 Nova Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010. 188