UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
O programa municipal Alegra Centro (Santos-SP):
alegria para poucos e exclusão para muitos
Paula Dagnone Malavski
São Paulo
2011
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
O programa municipal Alegra Centro (Santos-SP):
alegria para poucos e exclusão para muitos
Paula Dagnone Malavski
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia Humana,
do departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo
para obtenção do título de mestre sob a
orientação da profª Drª Glória da
Anunciação Alves
São Paulo
2011
2
Quem me dera
Ao menos uma vez
Explicar o que ninguém
Consegue entender
Que o que aconteceu
Ainda está por vir
E o futuro não é mais
Como era antigamente.
Quem me dera
Ao menos uma vez
Provar que quem tem mais
Do que precisa ter
Quase sempre se convence
Que não tem o bastante
Fala demais
Por não ter nada a dizer.
Quem me dera
Ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.
Letra de Índios – Legião Urbana (1986)
3
AGRADECIMENTOS
Esta é uma tarefa muito difícil para mim, pois, eu gostaria de poder me lembrar de
cada pessoa que me deu uma palavra de confiança, um abraço, um sorriso ou mesma
uma crítica ao longo desta grande caminhada.
Primeiramente eu quero agradecer a Deus pela minha vida e pela minha saúde, o
que foi fundamental para a realização deste trabalho. Quero agradecê-lo também pelos
meus amados pais, que sempre me apoiaram muito, meus avós Leonilda e Atílio (in
memoriam) que também sempre me apoiaram e me incentivaram para a realização deste
trabalho, que é a realização de um sonho, acima de tudo, e ao meu noivo Ricardo que
também sempre esteve ao meu lado, foi amigo, companheiro e “assistente”de trabalhos
de campo, o seu amor e sua presença foram fundamentais. E claro, é difícil expressar
em palavras o quanto, eu gostaria de agradecer a minha orientadora e amiga Glória pela
dedicação, pela amizade, pelo carinho, pelo apoio, pela oportunidade e pelo
reconhecimento.
Agradeço a CNPq pela concessão da bolsa de estudos ao longo deste trabalho.
Também quero deixar este registro de agradecimento aos meus amigos pessoais:
Joca, Aya, Elvis, Júnior, Eliane, Ricardo, Marcinha, Karlinha, Iarinha, e todos os
colegas de Salvador.
Não posso deixar de agradecer aos colegas e professores da USP que sempre
estiveram presente ao longo destes anos: Gil, Lívia, Danilo, Sandra, Alberto, Fernanda,
Emiliano, Aislan (in memoriam), colegas do LABUR e aos professores Ana Fani
Alessandri Carlos, Isabel Alvarez e Simone Scifoni. Agradeço aos colegas santistas da
Associação do Centro (Santos), Rafael Ambrósio (ONG Ambienta), Paula Andrade e
Carina Pedro. E também agradeço aos colegas da Universidade de Guarulhos e do
Museu Paulista da USP.
4
RESUMO
O programa municipal Alegra Centro (Santos-SP): alegria para poucos e exclusão
para muitos
A cidade litorânea de Santos (SP), atualmente, passa por uma profunda
transformação de seu espaço histórico e central por meio de políticas públicas, em
níveis de poder diferenciados (municipal, estadual e federal), para a sua revalorização,
entendida aqui no sentido de um enobrecimento deste fragmento de espaço, enfocando a
reabilitação de sua infraestrutura urbana, a readequação do seu patrimônio histórico
edificado e a tentativa fazer retornar em seu espaço central investimentos econômicos e
comerciais. Esta profunda transformação se dá, neste fragmento a partir da produção de
um espaço turístico na área de interface porto-cidade (antiga área portuária
abandonada), enobrecimento das atividades comerciais e turísticas na área e também
pela tentativa de solucionar diversos problemas de infraestrutura e moradia de grande da
população trabalhadora local.
Palavras-chave: (re)valorização do espaço urbano, centro histórico, patrimônio
historio, arquitetônico e cultural; turismo, políticas públicas urbanas.
5
ABSTRACT
The city program Alegra Centro (Santos-SP): joy for the few and exclusion for
many
The coastal city of Santos (SP) is currently undergoing a profound transformation of its
historical and central area due to public policies in different power levels (municipal,
state and federal),
for its
revitalization, understood here as
an ennoblement of a
fragment of this space, focusing on the rehabilitation of its urban infrastructure, the
upgrading of its historical buildings and the
economic
attempt to return to its central
investments and trade. This profound transformation occurred
place in
in
this fragment due to the production of a touristic space in the area of the interface cityharbour (the old
abandoned harbour area ), ennoblement of business and touristic
activities in the area and also by trying to solve several problems of infrastructure
and housing from most of the working population.
Keywords:
(re) valorization of urban
space, historic center, historical
heritage ,architectural and cultural; tourism, urban public policies.
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICOS
Gráfico 1 – Atividade principal dos comerciantes entrevistados...............................p.105
Gráfico 2 – Números de restaurantes abertos no centro santista............................... p.106
Gráfico 3 – Número de cafés abertos no centro santista............................................p.107
FOTOS, IMAGENS e MAPAS
Figura 1 – A localização de Santos (SP)......................................................................p.16
Figura 2 – Mapa dos bairros de Santos (SP)................................................................p.17
Figura 3 – Expansão urbana de Santos e São Vicente..................................................p.22
Figura 4 - Santos: Áreas Funcionais do “Grande Centro Comercial”..........................p.23
Figura 5 - Primeira área de abrangência do programa Alegra Centro (2003)..............p.31
Figura 6 - Planos de ação integrada: criação de ZEIS e CPC (corredores de proteção
cultural).........................................................................................................................p.32
Figura 7 - A reurbanização da rua XV de Novembro...................................................p.36
Figura 8 - Show noturno promovido pela prefeitura na rua XV de Novembro, esquina
com a rua do Comércio às sextas-feiras (Happy hour na XV).....................................p.37
7
Figura 9 – Casarões abandonados na rua do Comércio, próximo ao Museu da Bolsa do
Café...............................................................................................................................p.42
Figura 10 – A linha turística do Bonde Histórico.........................................................p.45
Figura 11 - O “Carnabonde” 2011................................................................................p.46
Figura 12 - O atual porto santista no Valongo e o projeto do novo porto....................p.49
Figura 13 - As ruas do centro histórico santista (século XIX e o presente).................p.55
Figura 14 - Fotos de imagens publicitárias feitas no centro histórico santista.............p.58
Figura 15 - A tendência de homogeneização material dos centros históricos: ruas de
diferentes
centros
históricos
(Montevidéu
–
Uruguai,
Santos
e
Ilhéus,
respectivamente)...................................................................................................p.59 e 60
Figura 16 – Área de abrangência do Alegra Centro após 2008....................................p.67
Figura 17 - Futuro Centro de Negócios de Produção e Exploração da Petrobrás........p.70
Figura 18 - Área de abrangência do Parque Tecnológico juntamente com a Futura Sede
de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás..............................................p.73
Figura 19 - Área de construção do “Tribuna Square”..................................................p.74
Figura 20 - Projeto do túnel “Mergulhão” e da nova área de interface
porto/cidade..................................................................................................................p.76
Figura 21 – Rodoanel Mario Covas (SP – 21)..............................................................p.81
Figura 22 - A ponte ligando Santos e Guarujá.............................................................p.82
Figura 23 - O Bairro do Paquetá (próximo ao terminal de passageiros do porto)........p.84
8
Figura 24 – Os projetos de instalação do Museu Pelé..................................................p.92
Figura 25 – Os casarões do Valongo no século XIX....................................................p.93
Figura 26 - Situação atual das moradias na região do Valongo (destaque à direita das
ruínas do edifício que irá abrigar o Museu Pelé)..........................................................p.93
Figura 27 - Vista atual do porto (Valongo)..................................................................p.96
Figura 28 - Armazém número 4 – Porto de Santos......................................................p.96
Figura 29 - Imagens do projeto Porto Valongo............................................................p.97
Figura 30 - Área de pesquisa sobre os novos comerciantes do centro.......................p.105
Figura 31 - Foto de cardápios com opções de almoço na Rua XV de Novembro,
próximo ao Museu da Bolsa do Café..........................................................................p.108
Figura 32 - O preço do cafezinho no centro histórico santista (à direita, a cafeteria do
Museu da Bolsa do Café e, à esquerda, uma lanchonete na rua João Pessoa, próxima à
Rodoviária).................................................................................................................p.109
Figura 33 - Os imóveis para alugar na rua XV de Novembro (imóveis restaurados que já
comportaram algum tipo de atividade desde a implantação do Alegra Centro –
2003)...........................................................................................................................p.112
Figura 34 – Índice Paulista de Vulneirabilidade Social de Santos (EMPLASA).......p.122
Figura 35 - Os condomínios “Vitória” e “Jardim Paquetá”, respectivamente............p.131
Figura 36 - O abandono dos imóveis e a invasão de empresas no local.....................p.132
Figura 37 – As maquetes dos edifícios Vanguarda I e II............................................p.138
9
Figura 38 – A construção do playground com recursos do Prêmio Caixas - Melhores
Práticas em Gestão Local...........................................................................................p.139
Figura 39 – O comércio popular no Bairro do Paquetá..............................................p.142
Figura 40 - Patrocínio da Petrobrás/RPBC (Baixada Santista) nos programas
comunitários da ACC. Oficina de bijuterias em Chita e Biblioteca Comunitária......p.143
Figura 41 – A Padaria “Um só coração” e seu projeto de readequação do
imóvel.........................................................................................................................p.144
Figura
42
–
Cortiços
existentes
na
cidade
de
Santos
entre
1880
e
1889............................................................................................................................p.152
Figura 43 – Situação habitacional da área próxima ao porto de Santos
(2002)..........................................................................................................................p.153
Figura 44 – Localização dos terrenos analisados na área de abrangência do Programa
Alegra Centro 2007)...................................................................................................p.160
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Investimentos do governo federal para o porto de Santos (Plano de
Aceleração do Crescimento – PAC 2)..........................................................................p.88
Tabela 2 - Comerciantes entrevistados.......................................................................p.110
Tabela 3 – Quadro das obras concluídas na cidade, segundo distritos.......................p.133
Tabela 4 – Valorização dos terrenos na área de abrangência do programa Alegra
Centro.........................................................................................................................p.161
10
LISTA DE ABREVIATURAS
AGEM – Agência Metropolitana da Baixada Santista
APC – Área de Proteção Cultural
BNH – Banco Nacional da Habitação
CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
CDMU – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano
CDRU – Corredores de Desenvolvimento e Renovação Urbana
CMH – Conselho Municipal de Habitação
COHAB-ST – Companhia de Habitação da Baixada Santista
CONDEPASA – Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos
CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado.
CODESP – Cia. Das Docas do Estado de São Paulo
COPLAN – Conselho Consultivo do Plano Diretor
CONDESB – Conselho de Desenvolvimento da Região da Baixada Santista
COREFUR – Coordenação de Regularização Fundiária
CPC – Corredores de Proteção Cultural
DEPLA – Departamento de Planejamento Urbano
FINCOHAP – Fundo de Incentivo à Construção de Habitação Popular
FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
NESE – Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos da Baixada Santista
PAC – Plano de Aceleração do Crescimento
PDZPS – Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos
PEMAS – Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais
PNH – Plano Nacional de Habitação
SEP – Secretaria Especial de Portos
SEPLAN – Secretaria de Planejamento
SFH – Sistema de Financiamento Habitação
SNHIS – Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
11
ZEIS – Zona Especial de Interesse Social
12
SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................................p.15
Capítulo 1 – A (re)produção do espaço central santista por meio das políticas
públicas........................................................................................................................p.27
1.1 O Plano Diretor de 1998 e o Programa Alegra Centro (2003)..............................p.30
1.2 O processo de “resgate” do centro histórico santista.............................................p.39
1.3 O patrimônio arquitetônico, histórico e cultural santista e o processo de
revalorização do centro histórico..................................................................................p.51
Capítulo 2 – A (re)produção do espaço central santista e os agentes hegemônicos
deste processo (a importância econômica de (re)valorização do centro histórico
santista.........................................................................................................................p.66
2.1. O Programa Alegra Centro Tecnologia, o Parque Tecnológico de Santos e a
reestruturação urbana do centro histórico santista........................................................p.71
2.2. O porto santista e o Programa Porto Valongo.......................................................p.82
2.3. Os outros agentes deste processo de (re)valorização do centro histórico
santista..........................................................................................................................p.98
Capítulo 3 – O espaço central e histórico santista como lugar da reprodução da
vida.............................................................................................................................p.118
3.1. Os problemas habitacionais no centro histórico santista e as “tentativas de solução”
destes por parte do poder público...............................................................................p.119
3.2. As estratégias do poder público local para (re)valorizar o centro histórico santista e
intensificar um processo de segregação socioespacial na cidade...............................p.146
Considerações Finais................................................................................................p.165
Referências Bibliográficas.......................................................................................p.174
13
ANEXOS
ANEXO I – Dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE (2000)..................p.183
14
Introdução
Santos – “cidade canteiro de obras”: esta é a primeira impressão, e talvez uma
primeira definição também, da paisagem da cidade santista (SP) (FIGURAS 1 e 2)
nestes últimos anos deste século. De acordo com o setor de Inteligência de Mercado da
Imobiliária Lopes, em 2007, o número de unidades residenciais lançadas cresceu 310%
em relação ao ano anterior. Neste mesmo ano, foram 3.554 unidades lançadas, com
metragem média de 126m² e preço médio de R$3.4571 o m² (no início dos anos 2000, o
m² custava, em média, R$ 1.337). Estes lançamentos mais recentes se concentram nas
áreas mais nobres da cidade como os bairros da Ponta da Praia, onde ainda havia
terrenos maiores, bem como José Menino, em áreas de antigos clubes, também na Vila
Rica e no bairro do Gonzaga. Com a entrada de grandes incorporadoras da Capital como
Tecnisa, Agre, Lopes, Helbor Gafisa, Camargo Corrêa, além das tradicionais
construtoras locais, como o grupo Mendes (responsável pela construção do mais
badalado shopping da cidade – o Praia Mar Shopping, do Mendes Covention Center, do
Riviera Residence Service – um dos edifícios mais alto da cidade e o primeiro com o
sistema pay-per-use2 e o do Riviera Hotel no Gonzaga) no mercado imobiliário de
Santos, o perfil dos empreendimentos imobiliários da cidade mudou nos últimos anos.
Ao lado de edifícios antigos, com, no máximo dez andares e instalações ultrapassadas
em frente à orla, aparecem arranha-céus a três ou quatro quarteirões da praia.
Figura 1 – A localização de Santos (SP)
1
Valor equivalente à USD 2.144, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
2
Este tipo de empreendimento possibilita que os locatários das salas comerciais poderão fazer uso
temporário (locação) dos quartos para moradia temporaria e dos serviços do hotel pelo sistema pay-peruse. Tambem há a possibilidade de compra de quartos neste hotel como investimento em unidades
hoteleiras.
15
Fonte: <http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Nov., 2009.
Figura 2 – Mapa dos bairros de Santos (SP)
16
1-Valongo
11- Campo Grande
21- Chico de Paula
2-Centro
12- José Menino
22- Jd. Santa Maria
3-Paquetá
13- Pompéia
23- Caneleira
4-Vila Nova
14- Gonzaga
24- Vila São Jorge
5-Vila Mathias
15- Boqueirão
25- Areia Branca
6-Jabaquara
16- Embaré
26- Jardim Castelo
7-Marapé
17- Aparecida
27- Jd. Rádio Clube
8-Vila Belmiro
18- Ponta da Praia
28- Bom Retiro
9-Encruzilhada
19- Estuário
29- Jd. São Manoel
10- Macuco
20- Saboó
30- Alemoa
31- Jd. Piratininga
Fonte: <http://www.vivacentro.com.br>. Acesso em Nov., 2009.
A paisagem da cidade santista também se transforma por meio de ações do poder
público e seus parceiros da iniciativa privada, de acordo com o atual momento de
reprodução do capitalismo contemporâneo, o qual impõe novas lógicas que interferem
diretamente na produção do espaço urbano santista, modificando a lógica da circulação
e da acumulação do capital de ordem local, articulado aos espaços da cidade em
diferentes escalas regionais e nacionais (HARVEY, 1996). Neste atual momento, o
conteúdo da urbanização santista estaria subordinado ao momento da reprodução, em
que novas possibilidades/necessidades de realizar a acumulação despontam no
horizonte, produzindo um “novo espaço”, mais moderno, recolocando a urbanização da
17
cidade santista em outros termos. Se a cidade santista, com centro e seus bairros, tem
precedência histórica em relação à sua condição de metrópole regional e de sua
proximidade com a metrópole paulistana, é esta última que confirma a espacialidade
própria do capitalismo, o fenômeno urbano por grandes contingentes, a conhecida
sociedade de massas e, pela fragmentação sistêmica das formas de uso do espaço e do
tempo, sempre implicadas em rentabilidade econômica e racionalidade técnica
(SEABRA, 2004). Para o caso santista, portanto, cabe destacar também, o processo de
metropolização do espaço paulista, o qual também permite compreender o novo
fundamento do urbano em solo santista.
No caso específico do Estado de São Paulo (território com elevadas taxas de
urbanização – taxa de 96%, a mais alta do país – e de intensa capitalização das
atividades econômicas – intensificação do capital nas atividades agrárias a partir dos
anos sessenta do século XX e diante do processo de industrialização do interior paulista,
ocorrido a partir dos anos setenta do século XX), este processo de metropolização
imprime ao território paulista, e à Região Metropolitana da Baixada Santista,
subordinada à Região Metropolitana de São Paulo, além urbanização, características e
códigos metropolitanos, como, por exemplo: a tendência de homogeneização material
do espaço santista pela construção de arranha-céus, reestruturação espacial da área
portuária para permitir o aumento da velocidade de fluxos entre o porto e o interior
paulista, o aumento das descontinuidades espaciais no espaço urbano santista –
intensificação de investimentos na área insular da cidade e não na área continental e na
reafirmação do centro histórico na hierarquia espacial da cidade. Estas lógicas e sua
intensificação
no
processo
de
produção
do
espaço
santista
transformam,
significativamente, as práticas sociais na cidade (LENCIONI, 2003).
Uma leitura crítica da atual paisagem da cidade de Santos, a paisagem como
uma categoria do espaço geográfico e todos os seus desdobramentos, enquanto forma de
manifestação do urbano, tende a revelar uma dimensão necessária da produção espacial
local, o que implica ir além de sua aparência. Esta leitura também possibilita uma
possível compreensão do movimento que envolve diferentes agentes sociais (Estado,
agentes capitalistas e moradores) neste processo de transformação e valorização do solo
urbano e moradia.
18
A paisagem atual da cidade de Santos guarda momentos diversos do processo de
sua produção espacial, os quais fornecem elementos para uma discussão de sua
evolução da produção espacial, e do modo pelo qual foi produzida (CARLOS, 1997).
Também, segundo Neil Smith (2007), este ambiente urbano, construído, expressa uma
organização específica da produção, do consumo e da circulação de sua época. Assim,
conforme esta organização se modifica, também se modifica a configuração do
ambiente construído, por isso a importância de uma leitura crítica de sua paisagem.
Portanto, este momento de reprodução do capital sob os paradigmas e ordens globais,
em solo urbano santista, há um reforço de sobreposições de arranjos das Regiões
Metropolitanas (da Baixada Santista articulada com a Região Metropolitana de São
Paulo), as quais tornam complexa esta configuração que adquiriu uma expressão
geográfica bastante acentuada em diferentes áreas da cidade, como o centro histórico da
cidade, objeto de estudo deste trabalho.
A reconstrução da paisagem do centro histórico santista e a (re)produção de seu
espaço, por meio de planos e projetos econômicos (de serviços portuários, turísticos e
de lazer, de pesquisa tecnológica, de exploração de petróleo), são empreendimentos
pontuais que visam melhorias das condições econômicas desta localidade, como
também em toda região metropolitana da Baixada Santista, os quais podem não garantir
necessariamente a melhoria das condições de vida da sociedade santista.
Esta leitura crítica da paisagem do centro histórico santista, da (re)produção
deste fragmento de espaço, em seus diversos conteúdos, aqui proposta, deve ser
compreendida pela própria complexidade de expressão do fenômeno urbano, e a
tentativa de compreendê-lo, ultrapassando as representações que envolvem a sua
produção, como fragmento de espaço do espaço urbano moderno. Parte desta
complexidade do atual processo de (re)produção do centro histórico santista, envolve o
processo de metropolização sob o qual o espaço urbano santista se encontra e se
submete, representando um momento crítico que potencializa a “automatização da
cidade”, esta exterior às relações sociais ali estabelecidas e interferindo diretamente no
cotidiano local. A concretização desta inserção da cidade santista, de sua economia, no
atual processo de reprodução capitalista, em escala local, pode ser melhor compreendida
19
a partir da análise crítica do movimento e das ações do poder público local e dos
agentes privados para a reprodução do espaço histórico e central santista.
As políticas públicas locais são moldadas sob o atual paradigma do
gerenciamento empresarial, pois visam produzir um “novo espaço”, apoiado no trabalho
acumulado no tempo e controlado, como uma mercadoria propagada e financiada nos
pressupostos empresariais, requerendo uma gestão urbana local, concentrada na
rentabilidade mercantil e política de suas realizações. Trata-se de difundir e promover as
qualidades, as disponibilidades, as vantagens comparativas da cidade santista frente a
outras cidades, na escala regional e nacional, por meio de ações políticas veiculadas na
mídia, de um “marketing urbano” – a propaganda da cidade para atrair investimentos
visando “vender” a cidade santista como mercadoria no mundo da troca, na busca de
uma tentativa de equilíbrio financeiro deste espaço. Os programas municipais santistas
visam otimizar as áreas já estruturadas do centro histórico, reforçando sua infraestrutura
urbana existente (e o acúmulo de trabalho existente – energia elétrica, saneamento,
acesso a transporte e serviços públicos, equipamentos culturais) e acentuando um
processo de diferenciação socioespacial nos locais com os melhores equipamentos
urbanos para atrair novos investidores e usuários para o local. Nesse contexto, o papel
do prefeito, além do político, é do empresário que deve gerenciar a cidade produtiva,
requalificar, normatizar, funcionalizar o seu espaço pela técnica com uma ideologia de
valorização de determinados espaços urbanos (CARLOS, 2010). Este processo de
(re)produção do centro histórico visa adequá-lo para uma cidade santista mais moderna,
inserida nos “processos globais”, a qual atenda as demandas impostas pelo atual
processo de reprodução capitalista. Neste movimento, o centro histórico passa a ser
reafirmado pelo poder público local e seus agentes como também local da acumulação,
condição necessária para a manutenção do sistema capitalista em escala local. Assim, o
espaço se apresenta como condição, meio e produto dos processos históricos que
garantem a reprodução do processo capitalista local na atualidade (CARLOS, 2004), por
meio de um processo de (re)valorização econômica.
Em especial, este fragmento de espaço, o centro histórico da cidade, passa a ser
entendido como uma mercadoria no circuito multiescalar da economia nacional. Nele se
realiza um processo de (re)valorização, a partir de ações políticas e econômicas que
20
visam garantir a inserção, “a venda”, deste espaço pelos setores de negócios, de turismo
e de lazer, por meio de suas qualidades, particularidades, capazes de gerar um consumo
produtivo pautado em suas infraestruturas existentes e no reforço de um processo de
higienização do espaço. Isso implica na expulsão de pessoas e atividades não-desejadas
(não produtivas) para áreas menos estruturadas da cidade, pela imposição de políticas
públicas ordenadoras do espaço urbano para tentar garantir esta inserção da cidade neste
novo arranjo espacial regional e nacional, imposto pelas atuais demandas do processo
capitalista.
As transformações impostas por este processo de (re)valorização do centro
histórico santista apresentam-se de forma dialética, pois, este fragmento de espaço é
lócus de práticas sociais, inclusive de uso da população, graças ao seu atributo de
centralidade (concentração de serviços públicos, de comércio popular, de terminais de
ônibus e rodoviária intermunicipal e interestadual, de concentração do patrimônio
histórico, arquitetônico e cultural), bem como local de moradia insalubre (cortiços) de
parte da população pobre da cidade.
O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir a atual problemática do processo
de (re)produção do espaço central e histórico santista e sua revalorização sob a égide
dos novos paradigmas impostos pelo capitalismo contemporâneo, enfocando as ações
do poder público local e seus parceiros por meio da implantação e desenvolvimento do
programa de revitalização urbana municipal denominado “programa Alegra Centro,
bem como analisar os processos socioespaciais presentes (FIGURAS 3 e 4).
21
Figura 3 – Expansão urbana de Santos e São Vicente
Fonte: Araújo Fillho, J. “Santos, o porto do café”
Figura 4 - Santos: Áreas Funcionais do “Grande Centro Comercial”
22
Fonte: Araújo Fillho, J. “Santos, o porto do café”
O programa Alegra Centro, como um programa do poder público municipal,
propiciou transformações da paisagem urbana santista em seu centro histórico, a partir
23
de ações pontuais da prefeitura santista em melhorias da infraestrutura e de
equipamentos urbanos visando o desenvolvimento econômico da cidade deste
fragmento de espaço da cidade. Este programa deve ser entendido como um
complemento ao Plano Diretor Municipal de 1998, o qual, por meio de parcerias
público-privada, efetivou o “resgate do centro histórico” e seu enobrecimento,
reabilitando o patrimônio arquitetônico, histórico e cultural edificado desta área. O
programa “Alegra Centro” busca resgatar economicamente a área central e histórica da
cidade por meio de três estratégias principais:
1. Melhoria da paisagem urbana, reabilitação, refuncionalização e promoção do
patrimônio edificado para uso cultural e turístico (museus, teatros, escolas de artes etc) e
a criação de uma rede comercial diferenciada no centro histórico (cafés, restaurantes,
livrarias, galerias de arte, serviços turísticos, entre outros)3;
2. Soluções habitacionais por meio da reabilitação do uso residencial na região
central histórica, com apoio de leis estaduais e federais, por meio do programa de
Reabilitação do Uso Residencial na Região Central Histórica de Santos – Alegra Centro
Habitação4;
3. Pelo projeto Porto Valongo, assim como o “Alegra Tecnologia”, o Poder
Público municipal propõe a transformação de antigos armazéns portuários, desativados
da área central, em complexo turístico, náutico, cultural e empresarial (com o aval da
Secretaria Especial dos Portos – governo federal), juntamente com a construção de um
polo tecnológico adjunto à Unidade de Negócios e Exploração da Petrobrás, em fase de
construção no bairro do Valongo.
Este Programa municipal envolve estratégias diversas para o desenvolvimento
econômico do centro histórico, em articulação com diferentes níveis de intervenção da
3
Para a reabilitação do conjunto da área central santista, o programa “Alegra Centro” prevê incentivos
fiscais a empreendimentos residenciais na área central, além de assistência técnica e jurídica a quem se
integrar ao programa pela prefeitura. Estão previstas ainda grandes obras de revitalização de antigos
armazéns portuários e grandes obras viárias pelo governo estadual paulista, investimentos do governo
federal na construção e reabilitação de grandes centros culturais na área e, por último, linhas de crédito do
governo estadual e federal para financiamento de moradia popular para a população local com renda até
dez salários mínimos.
4
Lei municipal 668/2010 sancionada pelo prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa em 29 de Julho de
2010.
24
esfera pública (estadual e federal), por meio de políticas públicas de ordenamento do
uso e da ocupação do solo.
Além
destes
Programas
municipais,
para
uma
compreensão
destas
transformações no centro histórico santista, cabe também destacar o processo de
modernização do porto santista, para atender a demanda da indústria paulista e
brasileira, transformando a paisagem da cidade. Este porto, o qual escoou 26,7% de toda
a produção brasileira em 2009, movimentando uma carga de 83,1 milhões de toneladas
neste mesmo ano (2,6% a mais que em 2008)5, as ações de modernização envolvem
obras de melhorias em infraestrutura e a construção do terminal oficial de passageiros
para atender os atuais passageiros, que, na temporada 2010, atingiram a casa de um
milhão de passageiros e também para atender a demanda de turistas nacionais e
estrangeiros para a Copa de 2014, os quais procurarão, provavelmente, a cidade em
busca de atrações turísticas como, por exemplo, o futuro “Museu Pelé” na área de
“revitalização” do centro histórico.
Este trabalho visa compreender o “movimento de volta ao centro” como um
processo de (re)valorização do centro histórico santista, uma tentativa de viabilizar a
(re)produção do capital local, articulado, em outras escalas geográficas, por meio da
criação de um espaço turístico pautado no “resgate” da história santista por meio de seu
patrimônio arquitetônico, histórico e cultural, além do retorno dos investidores
econômicos para a área (desenvolvimento dos setores portuários, tecnológico, de
serviços avançados e petrolíferos) por meio dos programas “Alegra Centro e Porto
Valongo”.
É o interesse dos agentes capitalistas locais (dos poderes públicos e
privados), articulados em diversas escalas da economia, em reconstruir uma paisagem e
uma imagem “nobre” para esta área, assim como para a cidade santista, a qual tem
espaço urbano limitado (área insular) e encontra sérios problemas de infraestrutura
urbana, circulação interna e impossibilidade de expansão territorial junto ao porto.
Portanto, a problemática deste trabalho discute as transformações que vêm
ocorrendo na área central e histórica santista como um processo de (re)valorização da
5
Dados disponíveis no site da Companhia das Docas do Estado de São Paulo, responsável pela
administração do porto de Santos. Disponível em: <http://www.portodesantos.com.br>. Acesso em
Agosto de 2010.
25
área, em que a “revitalização”, ou a reabilitação, do patrimônio edificado, histórico,
arquitetônico e cultural da cidade, é a estratégia ou álibi maior: de uma reestruturação
do espaço urbano da cidade a fim de atender as novas demandas e garantia de
reprodução do capital local, regional (Região Metropolitana da Baixada Santista),
nacional. O discurso estatal visa a busca de um consenso da população para permitir
toda esta transformação deste espaço, onde o patrimônio histórico, arquitetônico e
cultural, como traço da história, legitima a produção de um espaço turístico e a
modernização econômica.
Pretende-se, neste trabalho, avaliar o movimento contraditório da (re)produção
do espaço central santista, seus limites, tentando, se possível, tangenciar algum
momento crítico de todo este processo de intervenção no espaço, a fim de apontar,
mesmo como tendência, alguma virtualidade6, uma possibilidade de subversão da
realidade, das formas dadas.
No primeiro capítulo deste trabalho, procuramos discutir o contexto histórico
local de implementação do programa Alegra Centro (2003), enfatizando a imposição de
normas de Uso e Ocupação do Solo Urbano santista, resgatando o movimento de
desvalorização econômica do centro histórico e o início de seu processo de
(re)valorização a partir da reabilitação e refuncionalização do patrimônio histórico,
arquitetônico e cultural da cidade – o programa Alegra Centro Patrimônio.
No segundo capítulo, procuramos abordar o papel dos principais agentes
privados deste processo de (re)valorização do centro, da modernização do porto santista
e o desdobramento do programa municipal Alegra Centro em sua ênfase econômica, o
programa Alegra Centro Tecnologia e programa Porto Valongo (a partir de 2008).
No terceiro e último capítulo, apresentamos e discutimos o programa Alegra
Centro Habitação (2008), além de outras ações do poder público, em diversas esferas,
para tentar solucionar os problemas habitacionais no centro histórico e apontar
tendências quanto ao uso e apropriação futura do mesmo, as consequências sociais
destas ações pontuais do poder público em tentar (re)valorizar economicamente este
fragmento de espaço da cidade santista.
6
Segundo Henri Lefebvre, a virtualidade é a possibilidade posta naquele momento histórico, é a
possibilidade de realização.
26
Capítulo 1 – A (re)produção do espaço central santista por meio das políticas
públicas.
A cidade de Santos (SP) tem se destacado nos noticiários locais e regionais, de um
modo geral, nos últimos anos, devido às grandes transformações que a cidade tem
vivido atualmente, como por exemplo, a descoberta da camada de pré-sal na Bacia de
Tupi e de Lula, a transferência da Sede de Negócios e de Exploração da Petrobrás para
o bairro do Valongo, a construção do Museu Pelé e o grande número de construções de
arranha-céus na orla.
A prefeitura do Município orgulha-se de apresentar bons7 índices socioeconômicos
em relação à realidade brasileira.
No ranking de qualidade de vida e de empregos formais na região Sudeste, do nível
de escolaridade, de menor grau de pobreza e melhor índice de rendimento médio dos
trabalhadores no Estado de São Paulo, a cidade aparece no topo, e é a 4ª cidade com o
menor índice de exclusão social do Brasil. Das 50 cidades brasileiras que registraram o
melhor desempenho na geração de emprego formal em agosto, sendo 23 capitais, Santos
7
Com uma população 419.757 (Censo, 2010), esta apresenta bons índices sociais, em relação ao nível
nacional:
• Baixa taxa de analfabetismo: 3,56% - 3ª melhor cidade do estado Selo Cidade Livre do
Analfabetismo (Ministério da Educação);
• 65% das escolas municipais de 1º ao 9º ano têm avaliação superior à média nacional do Ideb
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) - (Mec 2010);
• Aleitamento materno: 71,93% dos bebês com até quatro meses de vida são amamentados
exclusivamente com leite materno - (Projeto Amamentação & Municípios - Amamunic 2008)
• Taxa de homicídios caiu de 10,32 por grupo de 100 mil habitantes, em 2004, para 5,88 em 2009
- (Secretaria de Estado de Segurança Pública);
• Grau de urbanização: 99,93% - (IBGE/Seade 2010);
• Abastecimento de água: 100% (crescimento de 4.76% em relação a 2005) - (Sabesp 2010);
• Coleta e tratamento de esgoto: 100% (crescimento de 5.47% em relação a 2005) - (Sabesp
2010);
• Consumidores residenciais de energia elétrica: 178.356 - 7ª cidade do estado - (CPFL 2009);
• Renda per capita mensal: 4,8 salários mínimos - 4ª cidade do estado - (IBGE/Seade 2000);
• Município Verde Azul, reconhecido como exemplo ambiental - (Secretaria Estadual do Meio
Ambiente 2010);
• 2º lugar no Ranking Nacional de Gestão Municipal de Cultura - (Ipea 2009).
27
na apareceu relação com a criação de 1070 postos de trabalho gerados8. Segundo o
prefeito atual João Paulo Tavares Papa (gestão 2005-2008, reeleito em 2009)9:
A importância de Santos no cenário nacional se consolidou em
2010. Porto, logística, turismo, energia (petróleo e gás),
desenvolvimento urbano, meio ambiente e tecnologia, eixos do
plano estratégico da administração municipal, agora ocupam
lugar definitivo nas agendas federal e estadual. Polo da região
metropolitana, o município se preparou para este momento,
interagindo com as demais esferas de governo, setor privado e
organizações não governamentais que exercem liderança nos
setores estratégicos da economia. (...). É uma cidade merecedora
da admiração e confiança dos brasileiros e do orgulho daqueles
que nela sempre acreditaram”.
.
Segundo o poder público local, importantes passos foram dados para garantir o
desenvolvimento econômico da cidade nas últimas décadas, como, por exemplo, a
revisão do Plano Diretor de 1998 e de leis complementares do uso e ocupação do solo
das áreas insular e continental. As diretrizes de crescimento econômico impõem como
prioridade para o município as questões ambientais, de desenvolvimento urbano, de
turismo, de pesquisa e desenvolvimento, de energia, do porto, retroporto e logística, da
pesca e aquicultura.
Apesar de ter havido 61 reuniões abertas ao público de modo que, ao menos em
teoria, pudessem ser propostas possibilidades de mudanças propostas para o novo plano
diretor municipal, a partir de nosso campo, observamos que as reuniões foram para
apresentação das políticas e ações da municipalidade e na participação na mesma teve
predominância a fala de empresários locais, quase não havendo moradores na região10.
No Plano Diretor, em fase de conclusão 11, as propostas existentes até o momento
dão ênfase para questões pontuais da cidade, como por exemplo, novas regras para
8
Dados disponibilizados pelo Cadastro Geral de Empregos e desempregos (Caged). Disponível em:
<http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Janeiro de 2011.
9
Entrevista disponível no encarte do Diário Oficial da cidade de 26 de Janeiro de 2011. Disponível em:
<http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Fevereiro de 2011.
10
Ficamos em dúvida se houve ampla divulgação dessas audiências públicas. No site, essa informação é
de difícil acesso.
11
A última audiência pública foi marcada para 30 de maio de 2011. Após essa audiência, é que será
concluído o Novo Plano Diretor do Município de Santos.
28
construção de prédios de grande porte na cidade do ponto de vista do impacto
urbanístico. Há pouca discussão com as demandas sociais da cidade, como por exemplo,
a questão de moradia para a população encortiçada no centro histórico, mesmo este
estando no foco do discurso político por meio do Programa Alegra Centro desde 2003.
O programa Alegra Centro, em nossa análise, está composto de ações que visam
reforçar e reestruturar a economia produtiva da cidade. Pressupõe que sua realização
garantirá a geração de empregos, aumento na arrecadação de impostos, pelo
desenvolvimento do turismo (com a construção/recuperação de equipamentos
culturais12), além de complexos13 empresariais e multissetoriais no centro histórico. Para
esse centro, vislumbra-se uma apropriação quase privada deste espaço urbano por meio
de seu consumo cultural por classes sociais mais abastadas financeiramente, sob um
paradigma atual de gestão de cidades que visa inseri-las em um mercado nacional e
internacional dos centros e bairros antigos para atividades de turismo e de lazer, bem
como para atração de investimentos em outros setores produtivos.
As mudanças propostas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo das Áreas Insular e
Continental pela prefeitura e aprovadas pelo CMDU (Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano), em 23 de Novembro de 2010, reforçam este ajuste da cidade
ao processo de crescimento econômico, expansão imobiliária e às necessidades do
sistema viário local. Ela ainda prevê a criação do bairro Chinês, junto ao Valongo, como
uma nova atração turística para a consolidação da requalificação desta área. Na área
continental da cidade, a qual 90% de sua área é definida como Área de Proteção
Ambiental, a lei de Uso e Ocupação do Solo visa à expansão portuária e retroportuária.
1.1. O Plano Diretor de 1998 e o Programa Alegra Centro (2003).
12
Criação do Museu Pelé, Marina esportiva, Museu da Bolsa do Café, passeio de bonde histórico, e
outros.
13
Sede da Petrobrás, Tribuna Square, conjuntos de prédios residenciais e de escritório.
29
Estas alterações na lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano, de 2010, e a revisão
do plano diretor de 1998, juntamente ao instrumento legal, Programa Alegra Centro
(2003) (FIGURA 5), o qual, em 2007, obteve reforço com a instituição do Pró-Urbe –
programa estadual para recuperação de áreas urbanas degradadas, já reestruturou,
parcialmente, equipamentos urbanos e promoveu a tombamento e preservação do
patrimônio edificado do centro histórico. O Alegra Centro ainda prevê soluções
habitacionais na área central, a construção de uma marina esportiva e o
desenvolvimento de um polo cultural e tecnológico para abarcar as atividades portuárias
e de serviços, juntamente com a futura Sede de negócios da Petrobrás no Valongo.
O Alegra Centro foi criado a partir de uma lei complementar municipal santista
(470/2003) ao Plano Diretor do Município de 1998, e, em complementação à lei nº 53
de 15 de maio de 1992, a qual inseriu na legislação uma lei de Uso e Ocupação do Solo
de Santos, além da criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) 14, como uma
estratégia do poder público municipal santista de reordenar o uso do solo urbano e sua
função social, incentivando empreendimentos que denotassem de algum tipo de
interesse social15, o que, efetivamente, não ocorreu na prática, pois o centro, neste
período, manteve os mesmos problemas sociais de encortiçamento da população pobre e
abandono dos imóveis por seus proprietários.
As áreas de atuação do programa Alegra Centro estão inseridas nas Áreas de
Proteção Cultural (APC)16 criadas pela Lei Complementar nº 448/2001 (em ampliação
aos Corredores de Proteção Cultural – CPC (FIGURA 6), definidos pela Lei
Complementar 312/1998), que integram as Zonas Centrais I (centro histórico da cidade,
a área do grande comércio do café e bancário) e II (Valongo, Paquetá, Vila Nova, sopé
14
Determinadas porções de território com destinação específica e as seguintes normas próprias de uso e
ocupação do solo, destinadas à regularização fundiária e urbanística, produção e manutenção de habitação
de interesse social, obedecendo à seguinte classificação.
15
Plano Diretor da cidade de Santos (1998)
As Áreas de Proteção Cultural (APC) são áreas especificas de proteção a imóveis tombados
municipalmente (CONDEPASA) e enquadrados em um dos quatro níveis de proteção especificados pela
Lei do Alegra Centro. E somente os imóveis que possuem Nível de Proteção 1 ou Nível de Proteção 2
serão contemplados com os benefícios fiscais (Lei Complementar de criação do Programa Alegra Centro
– Título I – disposições preliminares - artigo nº 4).
16
30
do Morro Mont Serrat e partes da Vila Mathias) e a Zona Portuária no trecho
compreendido entre o armazém nº 1 e o armazém nº 8.
O processo inicial de implementação do Programa Alegra Centro, em 2003,
implicou na modificação dos índices e características de parcelamento, uso e ocupação
do solo e subsolo, bem como alterações das normas de edificação, considerado o
impacto ambiental delas decorrente. Também gerou tombamentos de alguns imóveis de
interesse arquitetônico, histórico e cultural (1266 imóveis inseridos na Área de Proteção
Cultural 1).
Figura 5 - Primeira área de abrangência do programa Alegra Centro (2003)
Fonte: <http//www.alegracentro.com.br>. Site acessado em nov., 2009.
31
Figura 6 - Planos de ação integrada: criação de ZEIS e CPC (corredores de
proteção cultural)
32
Croqui sem escala. Fonte: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Nov.,
2009.
Este processo de alteração de leis de Uso e Ocupação do Solo e a instituição de
Zonas Especiais de Interesse Social para a cidade impuseram um disciplinamento do
parcelamento, do uso e da ocupação do solo, elaborando planos de desenvolvimento
econômico e social. O poder público local reformulou o cálculo do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana – IPTU e criou programas de incentivos e
benefícios fiscais e financeiros. No plano jurídico, essas mudanças deveriam atender a
função social do solo urbano (desapropriações, concessão de direito real de uso,
concessão de uso especial para fins de moradia, usucapião especial de imóvel urbano,
transferência do direito de construir, regularização fundiária), conforme o Estatuto da
Cidade17, entretanto, não foi isso que ocorreu (conforme discutiremos no capítulo 3).
17
As leis contidas no Estatuto da Cidade, também conhecido como Estatuto das Cidades, lei 10.257 de 10
de julho de 2001, regulamentam o capítulo “Política urbana" da Constituição brasileira de 1988, são
marcos de uma conquista para a participação política na gestão das cidades naquele momento. O Estatuto
atribuiu aos municípios a implementação de planos diretores participativos, definiu uma série de
instrumentos urbanísticos no combate à especulação imobiliária e na regularização fundiária dos imóveis
urbanos seus principais objetivos. Ele prevê:
•
•
•
•
•
•
•
Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios - Sanção imposta aos imóveis
considerados subutilizados nos termos do Plano Diretor ou em legislação decorrente. O critério
da subutilização aplica-se a glebas passíveis de parcelamento para fins de moradia e lotes com
construções para diferentes usos.
IPTU progressivo no tempo - Punição com o aumento do IPTU, ano a ano, da
propriedade que está ociosa ou mal aproveitada, acarretando prejuízos à população. Aplica-se
aos proprietários que não atenderem à notificação para parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios.
Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública - Decorridos cinco anos da
cobrança do IPTU progressivo no tempo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de
parcelamento, edificação ou utilização, o poder público poderá desapropriar o imóvel, pagando a
indenização com títulos da dívida pública, mediante autorização do Senado.
Usucapião especial de imóvel urbano - É a aquisição de domínio de imóvel urbano para
aquele que possuir área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família.
Direito de superfície - Permite que o proprietário de terreno urbano conceda, a outro
particular, o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo de seu terreno, em termos
estabelecidos no contrato. Visa estimular a utilização de terrenos urbanos ociosos.
Direito de preempção - É o instrumento que confere, ao poder público municipal,
preferência para a compra de imóvel urbano, respeitado o seu valor de mercado imobiliário, e
antes que o imóvel de interesse do Município seja comercializado entre particulares.
Outorga onerosa do direito de construir - Consiste na possibilidade de o Município
estabelecer relação entre a área edificável e a área do terreno, para maior utilização pelo
proprietário. Em outras palavras, o proprietário poderá construir além da relação estabelecida em
lei, pagando ao poder público por este direito concedido.
33
As ações do poder público municipal santista, por meio de imposição de leis
reguladoras do uso do solo e programas, principalmente na área central da cidade, como
o Alegra Centro, por exemplo, representam o poder do Estado como organizador do
espaço, o qual exerce seu poder a partir da representação da vontade dos seus agentes
políticos. Estes detêm uma estratégia política que visa fazer aumentar os investimentos
privados na cidade, e o Alegra Centro, para o centro, visa (re)valorizá-lo
economicamente por meio de atração de novos investidores e atividades econômicas.
Estes agentes dispõem de instrumentos ideológicos e científicos sob lógica de classe,
em especial o urbanismo − como uma política do espaço, instrumento e técnica que
devem modificar a distribuição dos rendimentos em áreas pontuais, fragmentos de
espaço, para fazer retornar os elementos catalisadores de recursos a fim para aumentar,
a mais-valia18 (LEFEBVRE, 2005).
O programa Alegra Centro, no período de 2003 a 2010, teve sua ênfase na
melhoria da paisagem urbana, reabilitação, refuncionalização e promoção do patrimônio
edificado para uso cultural e turístico (museus, teatros, escolas de artes, passeio de
bonde etc) e para a criação de uma rede comercial sofisticada e diferenciada no centro
histórico (cafés, restaurantes, livrarias, galerias de arte etc) (FIGURAS 7 e 8). O
programa também visou estimular o crescimento econômico do centro histórico, desde
então, com a restauração de cerca de 400 imóveis e investimento de mais de R$ 150
milhões19 pela prefeitura (63% oriundos do poder público municipal, estadual e federal,
31% da iniciativa privada e 6% de parcerias público-privadas)20, destacando-se: a
reurbanização das principais ruas do centro (rua XV de Novembro, rua do Comércio,
•
Transferência do direito de construir - Instrumento que compreende a faculdade
conferida, por lei municipal, ao proprietário de imóvel, de exercer em outro local o direito de
construir previsto nas normas urbanísticas e ainda não exercido.
•
Operações urbanas consorciadas - É a possibilidade de parceria entre o proprietário do
terreno e empresários para a realização de intervenções urbanas para preservar, recuperar ou
transformar áreas urbanas, mediante coordenação pelo poder público municipal.
•
Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) - Determina que os empreendimentos e
atividades privadas ou públicas em área urbana devem apresentar, previamente, estudo que
demonstre o impacto na vizinhança para obter as licenças e autorizações de construção,
ampliação ou funcionamento.
18
Mais-valia é o sobretrabalho, o trabalho não pago ao trabalhador durante o processo produtivo
(LEFEBVRE, 1972).
19
Valor equivalente à USD 93.000.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
34
Rua Tuyuti e rua São Bento), a ampliação da linha turística do bonde, a restauração do
Pantheon dos Andradas, a restauração do Teatro Coliseu, a compra do armazém da
CEAGESP para construção do Poupatempo, a compra e restauração do teatro Guarany
(recursos oriundos da Lei Rouanet21), a restauração da Estação do Valongo, a
restauração da casa da Frontaria Azulejada, Outeiro de Santa Catarina e a restauração da
casa do Trem Bélico22.
20
Diário Oficial da Cidade de Santos nº 5136, de 07 de abril de 2010. Disponível em:
<http://ww.santos.sp.gov.br>. Acesso em Fevereiro de 2011.
21
LEI ROUANET (Lei Federal 8.313) - lei federal assinada em 1991, permite às empresas patrocinadoras
um abatimento de até 4% no imposto de renda, desde que já disponha de 20% do total já pleiteado. Para
ser enquadrado na lei, o projeto precisa passar pela aprovação do ministério da Cultura, sendo
apresentado à Coordenação Geral do Mecenato e Aprovado pela comissão Nacional de Incentivo
à Cultura.
22
No total, foram tombados os seguintes imóveis na área envoltória do programa Alegra Centro:
•
•
•
Pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): Casa com
frontaria azulejada (livro histórico – 1973), Casa do Trem (livro histórico e livro de belas
artes – 1940), Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo e todo o seu
acervo (livro histórico e de belas artes – 1941), Retábulo da Capela da Venerável Ordem
Terceira de São Francisco da Penitência (livro de belas artes – 2003) e Casa de Câmara e
Cadeia (livro de belas artes – 1959).
Pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico
(CONDEPHAAT), nível estadual: Bolsa Oficial do Café (1981), Casa com frontaria
azulejada (1982), Casa de Câmara e Cadeia de Santos (1974), Casa do trem (1980),
Casarão do Valongo (1983), Conjunto de Santo Antônio do Valongo (1995), Igreja da
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1981), Outeiro de Santa Catarina (1986) e
Teatro Coliseu (1989).
Pelo Conselho de defesa do patrimônio cultural de Santos (CONDEPASA), nível
municipal, a proteção total (imóveis a serem preservados integralmente): antiga casa de
Câmara e Cadeia (1990), casa com Frontaria Azulejada (1990), casa do Trem (1990),
Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo (1990), Igreja e Mosteiro de São
Bento (1990), Teatro Coliseu (1990), Bolsa Oficial de Café (1990), o sítio remanescente do
Outeiro de Santa Catarina (1990), edifício situado no Largo Marquês de Monte Alegre –
Casarão do Valongo (1990), ruínas do antigo Teatro Guarany (1992), Capela do Monte
Serrat (1993), Igreja de Santo Antônio do Valongo (1993), Igreja da Ordem Primeira do
Carmo (1993), Pantheon dos Andradas (1993), imóvel da Estação Ferroviária (1993),
imóvel onde está implantado o edifício de dois pavimentos (atual Agência da Caixa
Econômica Federal) (1995), Monumento a Brás Cubas (1997), edifício do antigo Banco do
Comércio e Indústria de São Paulo e passeio fronteiriço em tesselas (1997), Cemitério do
Paquetá (1998), edifício denominado "Hospedaria dos Imigrantes" (1998), corpo principal
do edifício da antiga Estrada de Ferro Sorocabana - incluindo o largo a ela fronteiro (1999),
imóvel situado à Rua da Constituição n.º 278 - bairro do Paquetá (2004), imóvel situado à
Av. Conselheiro Nébias n.º 361 - no bairro de Vila Mathias (2004), edificação
remanescente do "SISTEMA COLETOR DE ESGOTO SANITÁRIO", idealizados pelo
Eng. Francisco Saturnino de Brito, representada pela estação elevatória de esgoto
localizada na Av. Conselheiro Nébias, esquina com a Rua Campos Sales - Vila Nova,
Imóvel situado à Rua Amador Bueno n.º 188 - Centro, edifício onde está localizada a sede
35
Figura 7 - A reurbanização da rua XV de Novembro
Fonte: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Janeiro de 2009.
do “Centro Português de Santos” (2005), imóvel situado à Avenida Conselheiro Nébias n.º
184 - Vila Nova (2008) e edificação principal e o muro frontal (inclusive portões) de
fechamento do imóvel (limitado à proteção das fachadas, volumetria e telhados, excluindose do tombamento os compartimentos internos do edifício e as edificações secundárias
implantadas ao fundo) situado à Avenida Conselheiro Nébias n.º 188 e 190 - Vila Nova
(2008). Sob o nível de proteção parcial (incluindo as fachadas, volumetria e o telhado):
imóvel situado à Rua da Constituição nº 551- antiga fábrica “A Leoneza” (2008), imóvel
situado à avenida Conselheiro Nébias nº 124/126 (2007-08), imóveis situados à avenida
São Francisco nº 339, 345 e 351, e esquina com a avenida Conselheiro Nébias nº 128
(2007-8) e imóvel do "4º DISTRITO POLICIAL", situado à avenida Conselheiro Nébias nº
258 (2007).
36
Figura 8 - Show noturno promovido pela prefeitura na rua XV de Novembro,
esquina com a rua do Comércio às sextas-feiras (Happy hour na XV)
Fonte: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Janeiro de 2009.
37
A implementação das leis de Uso e Ocupação do Solo de Santos (1992) criou as
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), as Áreas de Proteção Cultural (APC), os
Corredores de Desenvolvimento e Proteção Cultural (CPC), como foi fundamental na
elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana de 1998 (Lei
Complementar nº 311/1998), o qual estabeleceu Diretrizes, Planos de Ação Integrada e
Normas Disciplinadoras de Uso e Ocupação do Solo Urbano. Posteriormente, houve a
criação do programa Alegra Centro (2003), que marcou o início de um processo de
“resgate” do centro histórico da cidade. O Programa Alegra Centro foi a âncora de
consolidação deste “resgate” por meio da restauração, reabilitação e refuncionalização
do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural do centro e seu uso turístico e cultural.
A importância de revitalizar e refuncionalizar este conjunto arquitetônico para o poder
público local é a estratégia de produção de um espaço turístico na área, por meio de um
consumo cultural da área, reafirmando esta antiga centralidade como memória coletiva
social, e, consequentemente, gerando novos fluxos de pessoas, novos pólos comerciais,
orientados pelo consumo do desenvolvimento da informação e do marketing iniciando
um processo de revalorização da área. As ações do Estado, aliado ao poder econômico,
por meio de parcerias público-privado propostas pelo plano diretor de 1998, neste
processo de revalorização do espaço, são marcadas pela tendência do público a se
identificar com o privado, em que a função social da propriedade urbana, por meio de
um processo de revitalização urbana, é a capitalização das propriedades dentro de um
processo de revalorização espacial, em um sentido mais fortemente econômico
(CARLOS, 2009)23.
1.2. O processo de “resgate” do centro histórico santista
23
Palestra concedida pela autora no evento XI Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB) em
Setembro de 2009 – Brasília (DF).
38
Nas apresentações institucionais da prefeitura santista sobre o programa Alegra
Centro, são reforçadas algumas características (“potencialidades”24, segundo estes
agentes) do centro histórico: localização estratégica (centro econômico da Baixada
Santista), a infraestrutura instalada (o trabalho produzido e acumulado na área), polo
atrativo de turismo de lazer e esportivo, as pequenas distâncias entre os serviços
disponíveis, a facilidade de acesso ao transporte público e a grande concentração de
pessoas na área, enfim, destacam a sua importância como um lugar de concentração
material, de fluxos e de pessoas. Esta importância do centro, como área estratégica para
a cidade, remonta os tempos de fundação do povoado. A disponibilidade das águas
calmas e abrigadas, os terrenos secos da planície costeira e a proximidade deste sítio em
relação ao ponto de subida da serra – Cubatão, facilitava o comércio com a vila de São
Paulo e outros povoamentos do planalto, fazendo com que, por volta de 1534, nascesse
o povoado de Santos, juntamente com o seu porto.
Até 1850, observou-se uma grande interação entre os rudimentares espaços
destinados ao porto e os espaços do núcleo original da cidade, porém, quando a
atividade cafeeira suplanta a do açúcar na pauta do comércio de exportação, propiciando
uma maior movimentação comercial, a construção de “pontes” articuladas a um
armazém alfandegado (trapiches) − primeiros “aparelhos” portuários (1857), e a
inauguração da Estação do Valongo − linha férrea da São Paulo Railway (1867),
provocaram uma profunda transformação na cidade, em toda sua infraestrutura (SALES,
1999). Esta primeira grande modernização do porto trouxe melhorias em infraestrutura
urbana, principalmente no centro: foram obras de saneamento para erradicar as
epidemias (febre amarela, malária e varíola) que assolavam a região no século XIX, e
que, a partir dos anos de 1890, começavam a “subir a serra”, por meio da ferrovia,
invadindo a capital e o interior do estado, ameaçando a prosperidade gerada pela
cafeicultura. Reformar o porto e a acabar com as epidemias também incluiu alterar o
sistema de transportes, a rede de serviços, a rede de moradia e a ocupação urbana. E
com o novo ritmo imposto pela ferrovia e pela modernização do porto, as elites, grande
parte dos moradores do centro, em teoria, podiam cuidar de seus negócios em Santos e
24
Apresentação institucional disponível em: <http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Janeiro de
2011.
39
morar em São Paulo, longe das epidemias e dos imigrantes recém-chegados que faziam
da cidade um lugar de passagem para o planalto. Este processo de afastamento das elites
locais das atividades portuárias repercutiu na apropriação das áreas adjacentes, onde se
pode observar um contínuo abandono na área do Valongo em direção às novas áreas da
cidade em expansão, e a São Paulo. Nesta região do Valongo, de características
coloniais e com diversos problemas sanitários, consolidou-se como lugar para habitação
de trabalhadores ligados ao porto e à ferrovia, como também aos inúmeros armazéns e
depósitos instalados na região, iniciando um processo de “abandono”, por parte das
elites e da municipalidade, deste fragmento de espaço da cidade.
Este “abandono” do centro foi contínuo desde as primeiras décadas do século
XX, quando as elites abandonam o centro em busca de terrenos mais amplos para a
construção de palacetes ajardinados e longe do porto e seus problemas. Posteriormente,
o “abandono”, na segunda metade do século XX, pode também ser atribuído ao grande
parcelamento em lotes no centro em pequenas dimensões, além da proximidade com o
porto, que representou um obstáculo aos interesses dos investidores imobiliários que
encontraram na orla santista a exclusividade da paisagem (vista para o mar), a
acessibilidade possibilitada pela urbanização da zona leste da cidade e pela abertura da
Rodovia Anchieta (1947), como também a implantação de um polo de serviços no
bairro do Gonzaga. A implementação de um plano diretor municipal, em 1968,
propiciou ao mercado imobiliário o mecanismo de ajuste à ocupação de uso e ocupação
do solo, o uso possível e interessante na orla marítima, a oportunidade de realização do
lucro máximo a partir da verticalização das propriedades junto à orla para os milhões de
paulistas que poderiam passar fins-de-semana à beira mar (SEABRA, 1979).
O plano diretor de 1968 vetou o uso habitacional do centro (Zona Comercial
Central), que contribui, juntamente com as excludentes políticas habitacionais, para
aprofundar a ocupação irregular de antigos casarões abandonados próximos ao porto,
fazendo do centro, então, local de moradia da população trabalhadora e ainda lugar dos
serviços públicos (pois continuou a acomodar as principais instituições públicas
municipais, sobretudo a prefeitura) e do serviço bancário. Portanto, este “abandono” se
deve à perda da importância do centro como área de moradia das classes mais
abastadas, e de lazer e de comércio sofisticado da cidade. Houve a construção de
40
shoppings-centers na orla – Shopping Parque Balneário (1977) e Shopping Miramar
(1987) pelo Grupo Mendes, próximos à orla e das zonas mais ricas da cidade, surgindo
uma nova centralidade (de lazer e de comércio sofisticado) para a cidade. Importância
“perdida” do centro histórico também foi ocasionada pelo fechamento da Bolsa do Café
(1986) e a transferência dos negócios relativos ao café para a Bolsa de Valores,
Mercadorias e Futuros (BM&F e BOVESPA) em São Paulo.
Este “abandono do centro” foi produto de uma estratégia de apropriação do
espaço e do solo urbano santista, o qual culminou em uma perda parcial das funções do
centro histórico e que direcionou investimentos públicos e privados para outras áreas da
cidade, criando uma nova centralidade a fim de atender um público diferenciado e o
crescente fluxo de turistas na cidade. A atual deterioração e degradação do centro
histórico santista, sobretudo a perda de investimentos neste espaço, ao longo do século
XX, é assim resultado de um instrumento urbanístico, o plano diretor, em um processo
de reprodução espacial capitalista local, já que se trata de um abandono “planejado”
pelos agentes capitalistas por meio de ações e políticas municipais aliadas ao interesse
do capital privado, direcionando os investimentos públicos para outras áreas da cidade,
sobretudo em direção à orla marítima. As atividades comerciais diversas e de lazer
oferecidas pelos shoppings, o medo da violência, medo do “centro” e seus moradores
indesejados acabou por gerar um processo de desvalorização econômica.
Este processo de desvalorização econômica e social do centro teve como
consequência o abandono dos equipamentos urbanos e da infraestrutura desta área
centro por parte do poder público, como também o abandono de muitos imóveis por
seus proprietários, gerando ruínas e demolições destes antigos imóveis que passaram a
abrigar contêineres, estacionamentos ou cortiços (FIGURA 9).
41
Figura 9 – Casarões abandonados na rua do Comércio, próximo ao Museu da
Bolsa do Café
Autoria: Paula Dagnone Malavski – 12/10/2010
A partir dos anos 90 do século XX, este processo de “resgate”, de
(re)valorização do centro histórico, foi uma nova oportunidade de reprodução do capital
nestas áreas “livres e abandonadas”, por meio de novas leis de Uso e Ocupação do Solo
Urbano na cidade, visando fazer retornar os investimentos para o local.
Este processo de (re)valorização do centro histórico, além de possibilitar a
reprodução do capital local, representa o interesse de reconstruir uma paisagem e uma
imagem “nobre” para esta área, assim como para a cidade santista, buscando atrair
investidores para estes espaços para a reprodução do capital em diversos setores (do
comércio, do turismo e lazer, de serviços e da construção civil) em uma cidade que tem
42
seu espaço urbano limitado em sua área urbana na parte insular. Portanto, este processo
de (re)valorização do espaço do centro histórico santista, para o poder público local e
seus parceiros da iniciativa privada, é a tentativa de resolver um grande problema para a
parte insular da cidade, a qual não possuiu grandes áreas livres disponíveis para o
mercado, onde poder público garante a infraestrutura local e os serviços públicos, além
de subsídios fiscais, para possibilitar a reprodução do capital dos agentes investidores
nesta área. O Estado investe recursos públicos no espaço central, visando realçar uma
“vocação” do centro, o local do patrimônio e da história da cidade.
O centro histórico, como produto de um processo de crescimento, da
concentração e de seus múltiplos papéis originários da própria divisão social do trabalho
local, é o lócus da cidade santista onde o capital e o trabalho se concentraram, ao longo
do tempo, e permitiram a especialização e a concentração desta área, sobretudo devido à
localização próxima do porto e de suas atividades. Mesmo com a sua intensa
fragmentação do solo, consequentemente da propriedade privada e da grande divisão
das propriedades, durante longo período, superior a qualquer outro lugar da cidade, ele
ainda é o ponto de concentração e dispersão de pessoas e mercadorias na cidade. Tal
local concentra os principais serviços públicos da cidade, como a sede da Prefeitura, a
Câmara Municipal, o Poupa-Tempo, o Porto, a Alfândega, a Rodoviária.
Para solucionar os problemas gerados pela grande divisão das propriedades
herdadas por muitas gerações, do ponto de vista jurídico, como também do ponto de
vista espacial e construtivo, coube ao poder do Estado, regular esta situação para ajustar
este espaço conforme os interesses dos investidores. Assim, por meio da imposição de
normas e leis, ou mesmo a “negociação” com os numerosos proprietários, o Estado é o
grande agente destas ações de (re)valorização econômica, pois, é o único capaz de
regularizar a situação, como, por exemplo, institucionalizar o tombamento do imóvel.
Esta reportagem editada pelo jornal A Tribuna pode elucidar o poder de ação do Estado,
mesmo contra a vontade da população envolvida.
43
Patrimônio
Surpresa e revolta
Donos dos imóveis relacionados no processo de tombamento
aberto pelo Condepasa reclamam por não terem sido
comunicados com antecedência. queixam-se também das
restrições causadas pela medida
Da Reportagem25
Surpresa, indignação e revolta. Foram algumas das reações dos
proprietários dos 12 imóveis que, na última segunda-feira, foram
incluídos no processo de tombamento, aberto pelo Conselho
Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos
(Condepasa).
A maioria prefere aguardar a comunicação oficial para se
manifestar sobre o assunto. No entanto, é quase unânime a
opinião de que o tombamento vai trazer limitações ao uso dos
prédios.
"Como vão tombar o meu imóvel? Não estou sabendo de nada.
Isso é um absurdo", desabafou o aposentado João Carlos de
Souza, ao ser avisado por A Tribuna que a sua moradia (número
680 da Avenida Conselheiro Nébias) está na lista dos imóveis
em processo de tombamento.
Construído em 1929, o casarão pertence à família da esposa do
aposentado desde 29 de março de 1950. O prédio precisa de
reformas, pois apresenta sinais visíveis da falta de conservação.
"Se a Prefeitura vai realmente tombar o meu imóvel, então que
custeie as despesas da conservação", reclama Edna Gomes
Henriques, que ficou "chateada" com o possível tombamento.
"Ninguém nos consultou antes".
Depois de comunicados oficialmente pelo Condepasa, por meio
de carta registrada, os proprietários terão 15 dias para contestar
o pedido de tombamento, conforme prevê a Lei nº 753/91. A
decisão deverá sair em um prazo de até um ano.
A consolidação do programa Alegra Centro, em sua primeira fase, desde 2003 até o
presente, com ênfase na reabilitação, refuncionalização e promoção do patrimônio
25
Reportagem da edição de 21 de Abril de 2004, jornal A tribuna. Disponível em:
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0230u2.htm>. Acesso em Janeiro de 2011.
44
histórico, artístico e cultural do centro histórico, deu-se por meio de ações pontuais,
como a restauração de edifícios públicos de caráter cultural e por iniciativas de caráter
mais provisório, como a requalificação de equipamentos urbanos. Um exemplo, destas
ações é o Bonde Turístico (FIGURA 10), o qual se tornou uma das principais atrações
turísticas da cidade e de fato contribuiu para a construção dessa nova imagem desejada
por meio do Programa Alegra Centro.
Figura 10 – A linha turística do Bonde Histórico
Fonte: Bilhete de embarque do Bonde Histórico.
45
Figura 11 - O “Carnabonde” 2011
Fonte: http://www.santos.sp.gov.br/carnaval/page.php?20. Acesso em março de 2011.
As ações impostas pelo programa Alegra Centro, assim como a promulgação dos
planos diretores (1968 e 1998), podem revelar uma contradição do Estado, o qual, é um
genuíno “guardião” do direito à propriedade do solo − a base do modo de produção
capitalista, mas, quando se há necessidade de expandir este sistema em solo urbano,
quando esta propriedade está superdividida, só ele, o poder público, pode resolver este
problema da grande divisão do solo por meio de atributos legais, por meio do
Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios instituídos pelo Estatuto da
Cidade. Nesta perspectiva, o poder público santista usa de seu poder de Estado para
efetivar suas ações, nos denominados Corredores de Proteção Cultural (CPC),
tombando imóveis, incentivando ou mesmo patrocinando a restauração destes imóveis
para atrair investimentos para a área, como também arrecadando tributos e garantindo a
reprodução do capital para si. As atuais ações do poder público santista se enquadram
na perspectiva de um movimento do capital em direção a áreas centrais, enfatizando as
funções de lazer e cultura pautadas pela preservação do patrimônio arquitetônico,
histórico e cultural como uma resposta conjuntural à crise nos modos tradicionais do
46
mercado imobiliário e do desenvolvimento de uma fronteira econômica e uma
segregação socioespacial, em nível local (SMITH, 2007). Também, estas ações políticas
públicas santistas, por meio do Alegra Centro, assim como o próprio discurso sobre o
centro “revitalizado” pelo poder público local, são influenciados diretamente por uma
reorientação das políticas públicas na administração urbana ocorrida a partir dos anos 80
do século XX nos países capitalistas avançados e, mais recentemente, nas periferias do
sistema capitalista global (HARVEY, 1996).
Segundo David Harvey (1996), a abordagem do gerenciamento (anos 70 do século
passado) transformou-se em formas de ação de empresariamento, em que o poder
público local assume um comportamento empresarial em relação ao econômico para a
produção do espaço urbano. Esta mudança está relacionada às dificuldades que
atingiram as economias capitalistas centrais, desde a recessão de 1973, gerando:
desindustrialização, desemprego, estrutural e generalizado, austeridade fiscal, tanto em
nível federal quanto local. Esta postura do Estado está também relacionada com um
maior apelo (mais frequente na teoria do que na prática) à racionalidade do mercado e à
privatização dos serviços públicos sob um discurso de melhorias de atendimento à
população.
Estas ações do empresariamento urbano também foram influenciadas pelo
“declínio” dos poderes do Estado-Nação nos países capitalistas centrais, no controle dos
fluxos monetário internacional, de maneira que os investimentos tomam cada vez mais a
forma de uma negociação entre o capital financeiro internacional e os poderes locais, os
quais fazem o melhor possível para maximizar a atratividade local para o
desenvolvimento capitalista. Pelas mesmas razões, o crescimento do empresariamento
urbano pode ter tido um papel importante numa transição geral na dinâmica do regime
de acumulação de capital (fordista-keynesiano) para um regime de “acumulação
flexível”. Portanto, a mudança da gestão urbana em direção ao empresariamento deve,
então, ser analisada em diferentes escalas espaciais: a do lugar, da cidade, da região
metropolitana, da região, do estado nacional e assim por diante. O poder de organizar o
espaço pelo Estado advém de todo um complexo de forças mobilizadas por diversos
agentes sociais (câmaras de comércio local, convênio de financistas locais, de
industriais e comerciantes locais, lideranças empresariais e incorporadores imobiliários,
47
instituições religiosas, educacionais, de pesquisa, de cultura, organizações trabalhistas
locais, partidos políticos, movimentos sociais e organismos locais). É um processo
complexo.
Outra característica importante da gestão pública santista é a presença do
Neodirigismo urbano para este processo de (re)produção de seu espaço central e
histórico, pois, a transformação do centro histórico santista é acentuada pela
planificação, no domínio urbano, favorecendo a intervenção dos especialistas e dos
tecnocratas do capitalismo, pelos agentes políticos locais, os quais se unem ao “setor
privado” (por meio de parcerias público-privada). Isto pode levar a uma privatização
dos espaços públicos do centro a partir de usos elitistas destinados aos equipamentos
públicos e privados. O poder público santista, ao se projetar por meio de uma acentuada
planificação e ordenação do espaço, reforça a substituição de um espaço concreto
(produzido e vivido) do uso cotidiano, por um espaço abstrato, do urbanismo, por meio
do projeto de construção de um espaço turístico e de serviços altamente especializados
nesta área por meio de programas, normas e leis de uso e ocupação do solo
(LEFEBVRE, 2004) (FIGURA 12).
48
Figura 12 - O atual porto santista no Valongo e o projeto do novo porto
Foto de autoria de Paula Dagnone Malasvki (12/10/2010). Imagem disponível em
<http://www.alegracentro.com.br>. Acesso em Dezembro de 2010.
49
As políticas públicas locais, por estarem pautadas no gerenciamento urbano e no
neodirigismo, indicam que o processo de transformação do espaço urbano santista visa a
(re)valorização econômica do centro histórico, por meio da criação de um espaço
turístico no centro histórico pautado em sua monumentalidade.
Esta tentativa de “resgatar” o centro por meio de seu patrimônio arquitetônico,
histórico e cultural já esteve nos projetos municipais, quando, em 1951, a prefeitura
promulgou o Plano Regulador da Extensão e Desenvolvimento da Cidade de Santos
(Lei nº 1.316). Este plano, elaborado e coordenado por Francisco Prestes Maia, a
exemplo dos trabalhos do urbanista na cidade de São Paulo, quando então prefeito,
inspirado em diretrizes urbanísticas típicas do final do século XIX, na Europa,
preconizava o embelezamento do centro, a abertura e alargamento de grandes avenidas
preparando a cidade para o crescimento com uso do automóvel. Este plano previa um
uso turístico cultural dos bairros do Valongo e do Paquetá por meio da contemplação
passiva dos edifícios históricos e monumentos do centro, em alternativa ao turismo
balneário da orla marítima. Porém, a particularidade atual deste processo de
(re)valorização do centro histórico santista, por meio de um apelo ao patrimônio e
sofisticação de um comércio já existente, diferencia-se por revelar e resgatar este
fragmento de espaço (o centro histórico santista), como fragmento importante neste
momento de reprodução capitalista local e regional (região metropolitana da Baixada
Santista), de modo a torná-lo competitivo na economia nacional e global, marcada pela
financeirização, prestação de serviços e mercado imobiliário, como possibilidade viável
para resolver a crise de rentabilidade do capital local e regional.
Além de concentrar a infraestrutura, grande volume de equipamentos urbanos,
de diversos fluxos, sobretudo de pessoas, como sede da Região Metropolitana da
Baixada Santista, o centro histórico santista comporta estruturas de decisão, centros de
poder, ou seja, pontos onde concentram maciçamente os elementos da riqueza e do
poder, e também espaços “livres” que agora podem servir à lógica do capital. Estes
espaços são “liberados” pelo poder público porque os danos e as ruínas das estruturas
físicas dos conjuntos arquitetônicos propiciaram um rebaixamento do valor das
transações imobiliárias e econômicas na área. Assim, por meio deste movimento de
50
(re)valorização
coordenado
pelo
Estado,
tais
espaços
são
readaptados,
refuncionalizados, pelo poder público local, em grande parte, com parcerias públicoprivadas, para servir de equipamentos turísticos e de lazer, atraindo novos
investimentos, além de possibilitar o incremento de atividades econômicas locais
(prestação de serviços e instituições financeiras e jurídicas). O próprio uso da palavra
“revitalização urbana”, proposto pelo programa Alegra Centro, como sinônimo de
cirurgia urbana, pressupõe que estas ações visam recuperar sua “saúde” do centro
histórico santista, retirando atividades e usos populacionais indesejados pelo poder
público e os investidores (CASTILHO & VARGAS, 2006).
1.3. O patrimônio arquitetônico, histórico e cultural santista e o processo de
revalorização do centro histórico.
Este processo de (re)valorização do centro histórico santista, pautado no
patrimônio, sob os novos paradigmas da atual gestão pública do espaço urbano, pode ser
compreendido como uma estratégia e álibi do poder público local para os outros agentes
hegemônicos utilizarem a cultura local como elemento de construção de uma estratégia
maior: a transformação deste espaço, graças a construção de consenso social, onde o
patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, aparece no discurso para legitimar o uso
deste espaço, a transformação de seu uso atual, por meio da produção de um espaço
turístico. Este processo de (re)valorização do centro histórico, a transformação de seu
uso, o uso turístico e de lazer, a fim de torná-lo mais produtivo, visa também reforçar a
centralidade santista na economia regional e nacional e no âmbito da divisão territorial
do trabalho.Tais ações do poder público, em grandes investimentos em equipamentos
culturais ou preservação do patrimônio, constituem uma estratégia que associa estes
investimentos como “isca” ou imagem publicitária para a cidade (ARANTES, 2002) e
sua inserção econômica como um novo destino turístico e de lazer em diversas escalas
geográficas. Assim, as ações da municipalidade santista por meio do Alegra Centro, e o
novo uso destinado ao patrimônio local, como um novo negócio para os agentes
51
hegemônicos locais, visam à venda deste patrimônio, assim como da cidade, para um
mercado turístico por meio de um programa de city marketing.
A transformação do patrimônio, de símbolo (traço de um passado histórico
reconhecido pelos cidadãos) em um sinal, um objeto solto na paisagem, reconhecido, ou
melhor, percebido apenas por seus traços materiais, pode ser resgatada no próprio
sentido do conceito de patrimônio26 (LEFEBVRE, 1972 a). Inicialmente, o patrimônio
estava ligado às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade, mas, ao
longo da história das civilizações ocidentais, o patrimônio foi sendo requalificado por
diversos adjetivos – genético, natural, histórico etc (CHOAY, 2001) e, portanto seu
sentido também sendo transformado. O patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da
cidade santista, alvo das políticas públicas de tombamento do poder público, é adotado,
pelo menos como discurso do poder público, no sentido de “monumento” 27, como
objeto produzido pela população santista com a capacidade para fazer lembrar
acontecimentos e momentos singulares da história santista. Segundo Françoise Choay
(2006:11):
O monumento trabalha e mobiliza pela mediação da
afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar
como se fosse presente, mas esse passado invocado, convocado,
de forma encantada, não é um passado qualquer: ele é
focalizado e selecionado para fins vitais, na medida em que
pode diretamente contribuir para manter e preservar a
identidade de uma comunidade étnica, religiosa, nacional, tribal
ou familiar. Para aqueles que o identificam, assim como para os
destinatários das lembranças que o veiculam, o monumento é
uma defesa contra o traumatismo da existência, um dispositivo
de segurança. O monumento assegura, acalma, tranquiliza,
26
“Bem de herança de família que é transmitido, segundo as leis, dos pais e das mães aos filhos”,
Dictionnaire de la langue française de É.Littré In CHOAY, F. p. 11
27
Sob a forma de zonas isoladas, de fragmentos, de núcleos, os centros históricos podem recuperar uma
atualidade: sua própria escala indica que estão aptos a desempenhar a função dessa nova entidade
espacial. Com a condição de que recebem o tratamento conveniente, isto é, desde que neles não se
implantem atividades incompatíveis com a sua morfologia, essas malhas urbanas antigas ganham dois
novos privilégios: elas são, da mesma forma que os monumentos históricos, portadores de valores
artísticos e históricos, bem como de valor pedagógico e de estímulos e verdadeiros catalisadores no
processo de invenção de novas configurações espaciais. Estas malhas antigas também têm, na cidade
contemporânea, um novo papel, o papel de constituírem em si mesmos um monumento, mas em um
tecido vivo (CHOAY, 2006).
52
conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das
origens e dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos
começos.
A especificidade do monumento, portanto, deve-se precisamente ao seu modo de
atuação sobre a memória. E quanto ao centro histórico, um patrimônio urbano, assim
nomeado pela primeira vez por G. Giovannoni (1873-1943)28, tem um valor
simultaneamente de uso e valor museal, pois, estes não perdem sua importância na
(re)produção do espaço urbano, mas o seu uso museal transforma o uso cotidiano destes
espaços, transformando o centro em um objeto, com valor mercadológico, segundo a
autora Françoise Choay (2006:11):
“Monumento” denota, a partir daí (do século XIX), o poder, a
grandeza, a beleza, cabendo a estes, explicitamente, afirmar os
grandes desígnios públicos, promover estilos e falar à
sensibilidade estética.
A autora afirma que, neste novo modo de pensar, o monumento também estava
presente na arquitetura urbana, no final do século XIX e início do século XX, por meio
da linguagem eclética. O ecletismo, que simbolizava o predomínio da técnica e da
racionalidade industrial na produção do espaço urbano, teve suas repercussões também
no modo de fruição da paisagem urbana e no monumento, valorizando uma
contemplação rápida, passiva e parcial, demasiadamente visual e estética. Trajetória
irreversível, o patrimônio urbano, o próprio centro histórico, face ao desenvolvimento
das atividades turísticas e pela “falência” dos recursos públicos dos países capitalistas
centrais, deve ter um uso produtivo para o Estado.
A autora Otília Arantes (2002) associa esta orientação direta quanto aos usos
econômicos do patrimônio nos países centrais, e posteriormente aos outros países, a
partir dos anos sessenta do século passado, ao culturalismo de mercado, nascido na
perspectiva do “tudo é cultura”. O modo de contemplação do monumento, da paisagem
28
Apontamentos feitos em sua obra: “Vecchie città ed edilizia nuova”, Turim, Unione tipográficoeditrice, 1931, p.113, tradução francesa das Éditions du Seuil, 1997.
53
urbana, faz apelo ao uso da imagem (representação e sua respectiva interpretação) como
forma de apropriação deste, e da cidade como um todo, por meio de uma estratégia
pública que reforça o espetáculo, a contemplação passiva pelo marketing urbano. Esta
espetacularização do patrimônio é a ancora identitária da nova urbanística mundial por
meio de um planejamento estratégico embasado na comunicação e promoção. No caso
santista, as ações estratégicas do Programa Alegra Centro, com ênfase nas ações do
poder público de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico do centro histórico
santista, usam o patrimônio como “âncora” de um processo de (re)valorização cultural
da área – a partir da tentativa de construção de um consenso social da importância do
patrimônio e o do uso estabelecido para este, de consenso social frente às
transformações promovidas pelo poder público e sua importância no processo de
(re)produção do espaço central da cidade.
O centro histórico santista, como o seu patrimônio arquitetônico, histórico e
cultural, está concentrado, sobretudo, nas proximidades da antiga estação ferroviária do
Valongo (Estação da estrada de ferro Santos-Jundiaí), onde predominam os armazéns
portuários e as antigas casas comissárias responsáveis pelo financiamento da lavoura de
café e os bancos. A morfologia urbana deste centro histórico mescla traços do período
colonial, final do século XIX, e período atual, apresentando um aspecto mais ou menos
uniforme, com as casas construídas sobre o alinhamento das vias públicas e as paredes
laterais sobre os limites do terreno29 (FIGURA 13). As ruas também mantêm as suas
características coloniais, são ruas estreitas e tortuosas. O Dicionário Geográphico do
Brasil descreve as características desta área no final do século XIX e primeiras décadas
do XX, citado em Barbosa (2000);
Ruas estreitas, tortuosas e planas, calçadas a paralelepípedo,
iluminadas a gás e percorridas a todo instante por bondes e
numerosos veículos que conduzem sacas de café e outros
gêneros da estação da estrada de ferro para as casas comissárias
e dessas para a alfândega e para as Docas que embarcarão nos
vapores... A rua principal é pouco extensa e estreita, mas tem
mais de cem casas comerciais, inclusive bancos. A parte
suburbana compõe-se de ruas largas e extensas e retas, com
29
Rocha Filho, G. “Santos-levantamento sistemático destinado a inventariar bens culturais do Estado de
São Paulo”.
54
passeios e belas praças. São as ruas São Francisco, Rosário,
Armador Bueno, General Câmara e Conselheiro Nébias.
Figura 13 - As ruas do centro histórico santista (século XIX e o presente)
55
Fonte: Primeira foto – disponível em <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em Fevereiro de 2011.
Segunda foto – autoria de Paula Dagnone Malavski (Fevereiro de 2010).
A grande transformação ocorrida na morfologia urbana do centro, a partir da
segunda metade do século XIX, é diretamente influenciada pela instalação da ferrovia
São Paulo Railway − fundação da Estação Ferroviária do Valongo (1867) e pela
cafeicultura voltada para a exportação. Esta ampliou consideravelmente a influência na
economia local, e na nacional, e também influenciou indiretamente a arquitetura que
deveria traduzir esta inserção econômica, o desenvolvimento e a modernização da
cidade, assim como do país, por meio da linguagem do ecletismo. Este resgate pelo
poder público local, e seus parceiros, dos “tempos áureos do café” e seus traços na
paisagem urbana, a preservação do patrimônio edificado do centro por meio da cultura
do café como riqueza que transformou a cidade, no século passado, hoje é o álibi de
uma estratégia de criação, ou um reforço, de uma imagem da cidade, de um passado
glorioso, e, portanto, com um futuro promissor. É uma peça fundamental na economia
regional e nacional, pois o seu passado glorioso reforça a sua importância, de seu porto,
por exemplo, na economia nacional, frente às novas demandas do capitalismo global.
Existem estratégias para promover um uso turístico do centro histórico santista.
O poder público local santista, em seus documentos, afirma que a prestação de serviços
na área (a instalação do Poupatempo em um antigo armazém portuário, por exemplo) e
as atividades culturais instaladas serão capazes de devolver aos seus moradores um
exercício cívico do centro. Entretanto, este processo de (re)valorização do centro
histórico, como um produto, uma mercadoria, pode “realçar”os cidadãos santistas como
consumidores-potenciais, assim como os próprios turistas, por meio de um consumo do
espaço sob apelo à importância do patrimônio. Nesse sentido, teríamos a constituição
dos consumidores mais que perfeitos, nos termos do geógrafo Milton Santos (SANTOS,
1987), ao invés de cidadãos.
Portanto, a melhoria da imagem urbana do centro
histórico, originada da visão que entende a cultura na perspectiva dos resultados
56
econômicos e a cidade como empresa, pode levar a uma profunda transformação do uso
do centro histórico e ao afastamento das atividades e pessoas não-desejadas desta área.
O apelo para o visual, para a contemplação estética do centro histórico, foi
marcado, inicialmente, pela modificação do mobiliário urbano das ruas XV de
Novembro e rua do Comércio (principais eixos de requalificação urbana do centro
histórico) com postes de luz, bancos, luminárias e lixeiras “típicas do século XIX”,
objetos que deveriam idealizar um “cenário” do século XIX para atrair curiosos e depois
turistas e consumidores do nascente comércio diferenciado e sofisticado (cafeteria do
Museu do Café, por exemplo).
Estas ações de “resgate” do patrimônio, da criação de um cenário idealizado do
século XIX, para a fruição visual do patrimônio e do centro histórico, apontam para a
criação de um lugar homogeneizado materialmente, um “simulacro” (a simulação de um
espaço-tempo diferente daquele da reprodução do espaço atual), o qual possa responder
cada vez mais às necessidades de acumulação capitalista em detrimento a um uso da
população local por meio de suas atividades cotidianas. Atualmente, as ações do
programa Alegra Centro aumentaram a visibilidade do centro histórico e suas
adjacências, que passaram a servir de cenário para gravação de filmes, novelas,
minisséries, clipes e peças publicitárias. Este fomento às obras audiovisuais é produto e
trabalho da Santos Film Comission, comissão municipal criada em 2008, responsável
por um mercado audiovisual local (FIGURA 14).
57
Figura 14 - Fotos de imagens publicitárias feitas no centro histórico santista
58
Fonte: <http://www.santos.sp.gov.br/santosfilmcomission>. Acesso em Abril de 2011.
A problemática que envolve a criação de simulacros espaciais, consumidos
enquanto espaços de turismo e de lazer, como produtos do processo de comercialização
e especulação em torno do espaço, é sua influência direta no processo de (re)reprodução
espacial, (re)produção, tendencialmente, repetitiva, simulação de um espaço novo,
ocultando sua fragmentação, redução e limitação, pois, estes simulacros atendem
diretamente à reprodução do capital, reduzindo o processo de produção espacial a uma
dimensão aparente (um mundo de imagens, formas, aparências) levando à
homogeneização espacial, de tipologias de formas, de arquitetura (CARLOS, 1999). As
fotos abaixo evidenciam este processo de “repetição” da imagem desejável dos centros
históricos (FIGURA 15).
Figura 15 - A tendência de homogeneização material dos centros históricos: ruas
de diferentes centros históricos (Montevidéu – Uruguai, Santos e Ilhéus,
respectivamente).
59
60
Autoria: 1ª. Paula Dagnone Malavski – 04/04/2009; 2ª. Paula Dagnone Malavski – 25/03/2009;
3ª. Gilsélia Moreira Lemos – 16/10/2005.
Portanto, as consequências deste processo de transformação dos centros
históricos e (re)valorização destas áreas por meio de um uso turístico e de lazer,
utilizando-se do patrimônio como uma modalidade de turismo, o “turismo cultural”,
61
destina, sem questionamento da população local, o uso do patrimônio como mercadoria
cultural ressaltando o seu valor de troca, a partir da ampliação do enfoque econômico,
em detrimento aos seus valores de uso do patrimônio e de seu espaço. A problemática
desta questão está em uma redução dramática para a própria relação entre o patrimônio
e a sociedade. Para o historiador Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes (2000,34):
O problema central dessa perspectiva não é a existência de uma
dimensão econômica da cultura, mas a redução do valor
cultural ao valor econômico, que poderia incluir a natureza
propriamente cultural do patrimônio, resultando numa espécie
de “fetichização” da cultura. Os chamados “bens culturais”
retêm um conjunto de diversos valores, são frutos das práticas
sociais e não das relações diretas dos homens isolados com os
objetos, deslocar tais atributos, das práticas sociais para os
objetos é que o pode ser definido por fetichização, a fonte de
alienação permanente.
Enfim, as estratégias de (re)valorização da área central santista pelo poder público
local articulado à iniciativa privada tendem a negar um processo de reprodução espacial
no plano de reprodução da vida ao criar um “cenário turístico”, ao valorizar
exacerbadamente um único momento da historia história da cidade, tentando expulsar
as práticas locais existentes (“indesejadas”). Segundo Henri Lefebvre (2005), o
patrimônio ainda é o lugar onde a vida coletiva (social) pode conceber-se e imaginar-se.
O patrimônio, assim como os monumentos, representa e proclama o poder, o saber, a
alegria e a esperança: é uma representação da dimensão simbólica, que se refere às
ideologias e instituições presentes ou passadas para o habitante, para quem o espaço se
reproduz enquanto lugar onde se desenrola a vida em todas as dimensões (LEFEBVRE,
2005).
O programa Alegra Centro, nesta ênfase na requalificação do patrimônio do centro
histórico, está consolidado e continua com ações pontuais para consolidar a produção de
um espaço turístico no centro histórico. No início em 2010, o poder público iniciou a
construção do museu Pelé, no Casarão do Valongo, com o aval de Pelé 30, com previsão
de entrega em 2012. Essa obra visa consolidar definitivamente a requalificação do
centro histórico e colocar a cidade no roteiro internacional de turismo, atraindo os
30
Edson Arantes do Nascimento, grande jogador de futebol brasileiro.
62
turistas que vêm ao Brasil para acompanhar a Copa do Mundo em 2014. Com o apoio
do governo do Estado, Ministério da Cultura, iniciativa privada e das esferas de
proteção ao patrimônio, o empreendimento, orçado em R$ 20 milhões 31, tem projetada,
como atrativo, uma escultura do arquiteto Oscar Niemeyer em homenagem a Pelé.
Segundo o Ministro do Turismo, Luiz Barreto, a Baixada Santista será vendida
como um dos principais destinos turísticos do Estado na Copa do Mundo 201432. No
entanto, precisa correr contra o tempo para preparar a população para receber os
estrangeiros e, principalmente, melhorar sua infraestrutura, sendo o principal desafio a
melhoraria de acessibilidade ao planalto. O poder público, interessado em fazer de
Santos uma das subsedes da Copa do Mundo de 2014, instituiu um comitê com este
objetivo, reunindo representantes do setor público, autoridades, empresariado e
sociedade civil. A cidade de Santos está entre as 37 cidades paulistas aptas a ser sede de
treinamento de uma das seleções, o prefeito ao anunciar o comitê, do qual é o
presidente, destacou a importância da mobilização dos santistas em torno desta causa 33.
Neste momento, estamos fazendo uma grande convocação ao
povo de Santos para unir forças e energia. Além do moderno CT
do Santos FC, nossa cidade, por ser portuária, está acostumada a
receber bem todos os povos”, disse Papa. E acrescentou: ‘Não
podemos perder a oportunidade de investir na infraestrutura e de
tornar o município conhecido mundialmente como pólo turístico
e esportivo. Santos é a cidade mais esportiva do país e quer
continuar merecendo este título.
No bairro de Vila Mathias, área de expansão atual do Alegra Centro, foi
construída a Arena Santos, com arquibancadas para 5 mil pessoas: possui salas
31
Valor equivalente à USD 12.400.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
32
http://www.atribuna.com.br/noticias.asp?idnoticia=56219&idDepartamento=5&idCategoria=0
33
O comitê terá como secretário-executivo Luiz Dias Guimarães, presidente do Santos e Região
Convention & Visitors Bureau, sendo integrado ainda por Luiz Álvaro de Oliveira Ribeiro, presidente do
SFC; Clodoaldo Tavares Santana (campeão mundial no México em 1970); Marcelo Pirilo Teixeira,
empresário e representante da Fifa, e os empresários Marcos Clemente Santini, Pepe Astult e Armênio
Mendes. Pelo Poder Público, fazem parte o diretor-presidente da Fupes (Fundação Pró-Esportes), Rogério
Sampaio, e os secretários municipais Bechara Abdala Neves (Planejamento), Wânia Seixas (Turismo),
Paulo Musa (Esportes) e Rosana Major (Comunicação Social). Os investimentos no setor esportivo estão
presentes na área do programa Alegra Centro.
63
climatizadas para diversas modalidades, na segunda fase das obras, prevê-se a inclusão
da área externa para eventos. A terceira etapa prevê a recuperação do conjunto de casas
e armazéns antigos e sua adaptação para uso do segundo cais portuário abandonado
(Centro de Atividades Integradas de Santos).
O Alegra Centro visa à consolidação do turismo de cruzeiros marítimos na
cidade e, principalmente na inclusão da cidade para os turistas que passam por ela para
embarcarem no porto. A cidade santista já ocupa lugar de destaque entre as principais
cidades turísticas no Brasil, o turismo de cruzeiros marítimos viveu o melhor no verão
de 2011, com a escala de 22 navios, e aproximadamente um milhão de passageiros e
investimento de R$ 247 milhões 34 na economia local.
A análise das estratégias do poder público, principalmente as ações, normas e
diretrizes impostas pelos planos diretores (1968 e 1998) e pelo programa Alegra Centro,
são fundamentais para a compreensão da problemática atual de (re)produção 35 da cidade
santista. Neste fragmento de espaço, o centro histórico e seu processo de
(re)valorização, é possível, a partir da análise, reconhecer a estratégia que visa um
crescimento econômico da cidade e não necessariamente melhorias para a população,
sobretudo as pessoas em situação de encortiçamento que não estão sendo beneficiadas,
até o presente, com programas habitacionais. O poder público santista, em suas diversas
articulações com outras esferas de poder e de parcerias com agentes privados, é o
grande articulador deste processo de (re)valorização do centro histórico santista. O
poder público local é o maior organizador e concentrador de capitais e de ações
representando a vontade e interesses dos agentes hegemônicos locais, portanto,
legitimando uma estratégia de classe e política de acordo com os interesses destes
agentes. A compreensão do movimento de (re)produção do espaço central santista, e de
seu processo de (re)valorização, enquanto “mercadoria” em um circuito de troca em
34
Valor equivalente à USD 153.130.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
35
O termo produção é entendido numa acepção mais ampla do que a econômica, mas sim de toda a
filosofia: produção de coisas (produtos) e de obras, de ideias e de ideologias, de consciência, de ilusões e
de verdade (LEFEBVRE, 1972).
64
diferentes escalas geográficas, pelos seus agentes hegemônicos, permite revelar a
importância do centro histórico como um lócus de acumulação e concentração de
trabalho, de infraestrutura, de capitais e de fluxo. Se antes aparecia como “degradado”,
agora, com os projetos de transformação, possibilita a reprodução do capital, sobretudo
local, devido à acumulação de trabalho no espaço (HARVEY, 2009). O centro histórico,
localizado na área insular36, é totalmente urbanizado, e apresenta-se como uma
oportunidade para tentar resolver a crise de expansão e acumulação do capital na
cidade. Esta, por sua vez, está articulada produtivamente com a região metropolitana de
São Paulo, principalmente pelos serviços portuários e futuramente pela exploração
petrolífera.
David Harvey37 aponta que existe uma condição básica para o novo modelo de
gestão urbana: a tentativa de inserção da cidade na competição no quadro da divisão
nacional (ou internacional) do trabalho, significando a exploração de vantagens
específicas para a produção de bens e de serviços. As ações do poder público santista
são focadas em modernização e desenvolvimento de serviços voltados à exploração de
petróleo e em serviços de logística portuária (a localização do maior porto da América
Latina para a região industrial paulista e seu mercado consumidor). Neste processo de
inserção e ajuste da cidade santista neste circuito econômico e político (de poder de
comando), em diferentes escalas, implica em profundas transformações da cidade,
principalmente do seu centro histórico para o reforço desta centralidade (infraestrutura e
porto), por meio da criação de outras vantagens. Tais investimentos públicos
apresentam-se sob a forma de infraestruturas físicas: reabilitação do centro histórico
como um novo produto turístico (programa Alegra Centro e Porto Valongo); a
localização de um setor terciário avançado, e de mão-de-obra qualificada, por meio da
criação de um Parque Tecnológico e do desenvolvimento do programa Alegra Centro
Tecnologia aliado ao programa de Incubadora de Empresas, incluindo o centro de
negócios da Petrobrás que deverá iniciar suas atividades no próximo ano; a instalação
de centros de pesquisa e institutos da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade
36
A parte insular de Santos abriga 99% da população santista.
A liberdade da cidade. Tradução de Anselmo Alfredo, Tatiana Schor e Cássio Arruda Boechat. Revista
GEOUSP – Espaço e Tempo, São Paulo, nº 26, 2009, pp.9-16.
37
65
Federal de São Paulo (UNIFESP - Baixada Santista), que oferecerão cursos
universitários especializados em exploração petrolífera e em tecnologia.
A importância do centro histórico santista, neste atual processo de inserção da
economia regional da Baixada Santista, pode ser relacionado com o agrupamento de
diversas atividades econômicas em um espaço de interação restrito O centro histórico
revalorizado e suas adjacências (os bairros do Valongo, Paquetá, Vila Nova e Vila
Mathias) reforçam o papel de comando do centro, pois, este, com sua infraestrutura e
concentração de fluxos e pessoas, facilita os sistemas produtivos de maneira eficiente e
interativa, devido a sua concentração material e de pessoas. E pode responder às
necessidades da fluidez da produção de informações e produtos, em diversos níveis,
realizando-se através dos setores de serviço, financeiro e de turismo e lazer, e, é claro,
sem menosprezar o produtivo tradicional e a circulação dos produtos.
Estes setores produtivos localizados no centro histórico tendem a se realizar,
portanto, pela prestação de serviços especializados (sobretudo serviços portuários e
petrolífero) e pelo turismo e lazer, realizando a “venda” do centro histórico, e da cidade
santista, como também por meio do setor imobiliário – investindo na compra da terra
urbana para a promoção imobiliária de moradias e a produção de edifícios corporativos,
efetivando o consumo produtivo da cidade em contradição às necessidades e demandas
sociais, como também produzindo um novo espaço em contradição com o espaço de
vivência para sua população local (CARLOS, 2005).
Capítulo 2 - A (re)produção do espaço central santista e os agentes hegemônicos
deste processo (a importância econômica de (re)valorização do centro histórico
santista.
Em 2008, iniciou-se o processo de revisão do Plano Diretor de 1998 (ainda em
fase de revisão), que propõe investimentos, em parceira, públicos e privados em oito
66
vetores de desenvolvimento, destacando-se o setor petrolífero, de serviços, de comércio
e portuário, o programa Alegra Centro. Este último tem sua ênfase na reabilitação do
patrimônio histórico, arquitetônico e cultural e desdobrou-se no “Alegra Centro
Tecnologia”. Este tem como objetivo principal atrair empresas do setor de tecnologia
avançada e de serviços portuários para a região central, adjacente ao porto. O Alegra
Centro Tecnologia, além disso, é uma ampliação do programa municipal denominado
“Incubadoras de Empresas”, iniciado em 2003. Localizado em um casarão restaurado do
centro histórico, abriga micro e pequenas empresas recém-criadas do setor de serviços,
como uma forma de incentivo para fazer retornar estes pequenos investidores para o
centro histórico. Tal programa foi o primeiro passo do poder público santista na
tentativa de investimento em mão-de-obra qualificada como fator de atração de um
novo desenvolvimento econômico para o centro histórico, onde o agrupamento de
diversas atividades num espaço de interação restrito (um casarão) visa facilitar os
sistemas produtivos altamente eficientes e interativos.
As 30 micros e pequenas empresas, reunidas na Incubadora de Empresas de
Santos, registraram o faturamento total de R$ 6, 041 milhões, arrecadando mais de R$ 1
milhão em impostos federais, estaduais e municipais (2009). São 156 postos de trabalho
gerados, entre trabalhadores, pesquisadores e bolsistas. Os benefícios fiscais para as
micros e pequenas empresas são basicamente: desconto e isenções de taxas de licença e
de abertura. Estas micros e pequenas empresas instaladas, ou que venham se instalar na
área de abrangência do Alegra Centro, com os Níveis de Proteção 1 (preservação ou
recuperação total do imóvel) e 2 (preservação ou recuperação apenas da fachada e do
telhado) também receberão os seguintes incentivos fiscais: isenção total de Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU), isenção total de Imposto sobre Obras (ISS),
isenção total dos Imposto sobre a Transmissão "inter vivos" de Bens Imóveis e direitos
a eles relativos (IBTI), no caso de compra ou venda do imóvel; isenção de Taxa de
Licença por 5 anos, Venda do Potencial Construtivo (para investimentos na área de
Operação Urbana Consorciada) e possibilidade de patrocínio de empresas localizadas
em Santos, com isenção para estas de 50% de ISS ou IPTU.
O próprio programa Alegra Centro, com ênfase no patrimônio histórico,
arquitetônico e cultural, fez algumas alterações em relação ao projeto inicial (2003): foi
67
ampliada a área inicial do programa com a inclusão dos bairros de Vila e Nova e Vila
Mathias, houve a instituição de uma área de operação urbana38 nos bairros do Valongo e
Paquetá (para a inclusão de um pólo tecnológico e a construção de torres multiuso), foi
proposta a requalificação urbana de imóveis em situação de encortiçamento e a
construção de um Parque Residencial e universitário no bairro de Vila Matias (FIGURA
16).
Figura 16 – Área de abrangência do Alegra Centro após 2008
Fonte: <http:// siteresources.worldbank.org/.../Joao_Tavares_Papa_Presentation.pdf>. Acesso em Maio
de 2011.
O desenvolvimento do Parque Tecnológico é o objetivo principal do programa
Alegra Centro Tecnologia, além da reestruturação urbana do bairro do Valongo por
meio de incentivos às empresas de tecnologia que se instalarem nessa região. O objetivo
é o desenvolvimento econômico do centro histórico santista e sua (re)valorização. A
grande âncora deste processo é a instalação da Sede de Negócios e de Exploração da
Petrobrás, já em construção. A instalação da Sede de Negócios de Produção e de
38
Segundo o Estatuto da Cidade: operação urbana é o conjunto de intervenções e medidas coordenadas
pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e
investidores privados, com o objetivo de alcançar, em uma área, transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais e a valorização ambiental.
68
Exploração da Petrobrás, no centro histórico santista, foi impulsionada pelo
desenvolvimento de pesquisas e exploração de petróleo e de gás natural descobertos na
camada de pré-sal. No ano de 2004, foram divulgados os primeiros estudos sobre a
existência da camada do pré-sal na Bacia de Santos (campo petrolífero de Tupi). Em
2006, também no campo de Tupi, foi descoberto o campo de Lula. Este campo de Tupi
já vinha produzindo produtos derivados do petróleo por meio de um projeto piloto e,
atualmente, com a autorização do IBAMA, a Petrobrás poderá iniciar a produção a
partir de testes de longa duração a ser feito pela plataforma FPSO Cidade de São
Vicente, navio-plataforma que produz, estoca e escoa petróleo e gás. A produção servirá
para a continuidade da avaliação dos reservatórios do pré-sal também.
Em 2009, com a confirmação da camada de pré-sal na Bacia de Santos, a
empresa anunciou a construção de seu centro de negócios no bairro do Valongo, em
Santos. No anúncio da instalação da Sede da Petrobrás, quando foi assinado o registro
de desenvolvimento do projeto arquitetônico, o prefeito João Paulo Tavares Papa
lembrou o empenho da administração municipal para trazer a sede da Petrobrás para o
Valongo:
Em 1999, a prefeitura começou a luta para conseguir que o
terreno de 42 mil m², pertencente à Rede Ferroviária Federal,
ficasse com a cidade, o que acabou ocorrendo em 2006, como
forma de quitação de débitos fiscais com o município e a
instalação desta unidade reforça nosso esforço de anos para a
revitalização do Centro Histórico. Será importante indutor de
desenvolvimento, trazendo novos investimentos privados e
públicos. Teremos uma transformação muito positiva, com
adequações necessárias em segurança, iluminação, urbanização,
transporte público e soluções viárias39.
Por 15 milhões de reais40, a Petrobrás comprou da prefeitura o terreno de 25.000
metros quadrados, e construirá um complexo de três torres com capacidade para
empregar 2 mil trabalhadores cada (FIGURA 17). A construção da primeira, com 17
pavimentos, tem previsão de entrega no primeiro semestre de 2012, sua execução vai
gerar, de acordo com a empresa, 1.200 empregos. Este empreendimento também
39
Diário Oficial da cidade de Santos, edição de 24 de Julho de 2009. Disponível em
<http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Outubro de 2010.
40
Este valor equivale, aproximadamente, à USD 9.300.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011,
disponível em: < http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
69
abrigará o Museu do Petróleo e do Desenvolvimento da Bacia de Santos, somando-se
aos equipamentos turísticos e históricos existentes no bairro e outros a serem
implementados, como por exemplo, o Museu Pelé, o complexo náutico por meio da
requalificação dos antigos armazéns portuários e a fundação do Parque Tecnológico. As
duas outras torres da Sede da Petrobrás têm previsão de entrega para 2015 e 2017,
respectivamente. A empresa também vai instalar em Santos um Núcleo do Centro de
Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Melo (CENPES) para atuar na área de
desenvolvimento de pesquisa e logística na região do pré-sal. O principal objetivo é
atrair a participação das universidades e prefeituras da região, de forma integrada à
Petrobrás, e orientar a área de ensino visando formar profissionais para atuar nas áreas
técnicas, pesquisa científica e de engenharia para trabalhar pelos próximos 50 anos nas
atividades
de
petróleo
e
gás,
na
região.
Figura 17 - Futuro Centro de Negócios de Produção e Exploração da Petrobrás
70
Fonte:<http://www.skyscrapercity.com>. Acesso em Março de 2011.
2.1. O Programa Alegra Centro Tecnologia, o Parque Tecnológico de Santos e a
reestruturação urbana do centro histórico santista.
71
O Alegra Centro Tecnologia, impulsionado pela instalação da futura Sede da
Petrobrás, também está pautado na construção do Parque Tecnológico de Santos
(FIGURA 18), projetado para ser instalado nas áreas reestruturadas do Valongo, na Vila
Mathias e nos centros universitários da cidade, o que inclui também o bairro Vila Nova,
onde o município possui uma escola técnica. A instalação do centro de pesquisas
CENPES (Petrobrás) também completa o objetivo de promover e desenvolver projetos
de pesquisa e inovação, de tecnologia da informação, de meio ambiente e de logística na
área central da cidade, visando o crescimento econômico da cidade.
Os parques tecnológicos começaram a se expandir na década de 60 do século
passado, nos países centrais, a partir da experiência pioneira, e provavelmente a de
maior sucesso, que ocorreu no final da década de 40 envolvendo a Universidade de
Stanford, na Califórnia (EUA) e acabou gerando alguns empreendimentos,
especialmente no setor da microeletrônica, dando início ao “Vale do Silício” (EUA).
Posteriormente, países como o Japão, Coréia do Sul e União Soviética também criaram
parques tecnológicos, criando cidades científicas. No Brasil, o primeiro parque
tecnológico foi fundado em 1984, em São Carlos (SP). E, em 2006, foi criado o Sistema
de Parques Tecnológicos do Estado.
O governo do Estado de São Paulo reconheceu como área tecnológica e de produção
de conhecimento as instalações já constituídas pelas universidades privadas locais em
Santos, formando o primeiro Parque Tecnológico Urbano do país por meio da lei
complementar estadual 648/2009. Além disso, a Universidade Federal de São Paulo, e
as que serão construídas, um campus da Universidade de São Paulo, por exemplo,
também farão parte do complexo. A FUSP (Fundação Universidade de São Paulo)
formalizou parceria com o Parque visando à elaboração dos planos de ciência,
tecnologia e inovação, de marketing e de atração de empresas. O Conselho Municipal
de Desenvolvimento Urbano da Baixada Santista já aprovou, em 2010, uma área na área
continental para a construção da segunda etapa do parque tecnológico, somando as
empresas Petrobrás, Usiminas, Codesp, Associação Comercial de Santos, FIESP,
SEBRAE, SENAI e universidades. A primeira etapa, a qual abrange a área urbana,
contando com a estrutura física das universidades locais, soma uma área de 220 mil m².
72
O Parque Tecnológico de Santos tem como objetivo, além da viabilização, inovação e
pesquisas para bens, serviços e métodos voltados às empresas, o fortalecimento e
enobrecimento da imagem de Santos, como cidade de tecnologia e conhecimento.
A instalação do parque tecnológico de Santos contará com recursos do orçamento
municipal e do governo estadual. Serão liberados R$ 260 mil do governo estadual para a
administração municipal, gerenciadora do projeto. Deste total, R$ 110 mil custearão um
projeto de ciência, tecnologia e inovação, que vai detalhar o perfil do parque, e R$ 150
mil serão destinados ao plano de atração de empresas e de comunicação, com
identificação de oferta de serviços em tecnologia. O poder público municipal tem um
projeto de lei, já enviado à Câmara Municipal, para liberação de recursos municipais à
fundação, para incentivar seu crescimento na fase inicial. A FUSP (Fundação
Universidade de São Paulo) será a responsável pelo início da elaboração dos Planos de
Ciência, Tecnologia e Inovação, de Marketing e Atração de Empresas para o Parque
Tecnológico
de
Santos.
Este plano visa diagnosticar instalações e identificar as oportunidades de pesquisa que
promovam inovação para empresas da Baixa Santista. O Plano de Marketing e Atração
de novas Empresas vai possibilitar identificar as atividades que utilizam tecnologia em
Santos e elaborar projetos e ações para viabilizar o marketing do parque.
73
Figura 18 - Área de abrangência do Parque Tecnológico juntamente com a Futura
Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás
Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=445296>. Acesso em Abril de
2011.
Mas além deste grande empreendimento, o Parque Tecnológico, já começam a
surgir na região central santista outros complexos empresariais, de menor porte, visando
apoiar as operações da Petrobrás e do Parque Tecnológico santista, como, por exemplo,
o caso do “Tribuna Square” (FIGURA 19). Este empreendimento contará com um
prédio comercial de 21 pavimentos, além de abrigar a nova sede da TV Tribuna, afiliada
da Rede Globo. O prédio será erguido em um terreno de 5.200 metros quadrados na Rua
João Pessoa, e ocupará grande parte da quadra entre a Rua da Constituição e a Avenida
Conselheiro Nébias, até a Rua Amador Bueno. Este contará com 250 salas comerciais,
postos bancários e área de conveniência, com restaurantes, cafés e lojas. Na cobertura
do edifício, funcionará um heliponto. A garagem terá capacidade para 600 vagas, além
de um bicicletário. A obra deve estar finalizada em 2014.
74
Figura 19 - Área de construção do “Tribuna Square”
Fonte: <http://www.google.com>. Acesso em Abril de 2011.
Segundo o sócio-diretor da AMC Holding, André Canoilas, parceiro neste
empreendimento, o terreno, que estava abandonado há alguns anos, tem localização
estratégica por estar localizado em uma avenida larga (João Pessoa), fica perto do
Fórum, da Alfândega, da Prefeitura e do Porto, e está na principal via de acesso a São
Paulo. Para André Canoilas, a procura de empresas para instalação de escritórios no
prédio já é satisfatória desde o pré-lançamento do empreendimento, pois, cerca de 60%
a 70% das salas já estão reservadas. Para o prefeito João Paulo Tavares Papa, a
construção de um empreendimento desse porte na área do Paquetá é um marco no
processo de “revitalização” do centro histórico de Santos. Segundo ele, o Tribuna
75
Square terá o mesmo peso das torres da Petrobrás, porque são marcos da consolidação
deste processo de “resgate” do centro histórico:
No processo de revitalização do Centro Histórico, a maior
preocupação eram os dois extremos (Paquetá e Valongo) pelo
estado de degradação e pelo uso das empresas portuárias. A
qualidade que o Tribuna Square vai oferecer irá atrair empresas
de fora da Cidade, de São Paulo, e até mesmo do exterior41.
Esta declaração do prefeito, em nome do poder público local, ilumina o processo
de retomada de áreas e terrenos abandonados na área central da cidade, áreas
antigamente desvalorizadas pelo processo de produção do espaço urbano santista. Estes
espaços aparecem como a possibilidade de fazer retornar os investimentos para esta área
e garantir a reprodução do capital, além do aumento de arrecadação de impostos para a
prefeitura, por meio da ocupação e valorização do preço do solo em uma área central em
uma cidade que tem seu espaço urbano limitado (área insular) e que encontra poucos
espaços para se expandir.
A reestruturação urbana do centro histórico santista, espaço que vai abrigar o
Parque Tecnológico, passa pelas primeiras intervenções físicas que inclui a
modernização das vias portuárias terrestres, o ordenamento do tráfego de caminhões na
área. A construção da avenida Perimetral da Margem Direita (paralela da margem
direita do porto) se fez como uma necessidade inicial neste processo, como também no
processo de modernização do porto, face às recentes modernizações que envolvem a
malha ferroviária de São Paulo, da conclusão da segunda pista da Rodovia dos
Imigrantes, a qual ajudou a aumentar o fluxo de caminhões e automóveis para a Baixada
Santista (bem como a construção parcial do Rodoanel de São Paulo). Sua função
primordial é o atendimento do volume de tráfego no porto, em apoio à logística marterra, por meio de um reordenamento do fluxo de caminhões e do uso do solo urbano41
Entrevista concedida ao jornal A tribuna,
<http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Maio de 2011.
Disponível
em
A
tribuna
on-line:
76
portuário nas adjacências da área portuária, atendendo aos usos dos terrenos já
consolidados, bem como as interferências urbanas existentes. Essa avenida perimetral
estender-se-á desde o viaduto da Via Anchieta, no bairro da Alemoa (entrada para a
cidade de Santos), até a Ponta da Praia, num total de 8 km para a margem direita e 4 km
para margem esquerda no distrito de Vicente de Carvalho. Para a Margem Direita, em
face às dificuldades de licenciamento ambiental, é composto por duas pistas de 10
metros de largura cada e um viaduto, estando assim, acessível pelo “retão da Alemoa”.
Para a próxima fase do projeto, iniciaram-se as obras do túnel “Mergulhão” (FIGURA
20), passagem inferior da rodovia sob o acesso rodoviário ligando as duas avenidas
perimetrais (direita e esquerda).
Figura 20 - Projeto do túnel “Mergulhão” e da nova área de interface porto/cidade
Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=445296>. Acesso em nov., 2009.
O autor Neil Smith (2007) aborda a importância atual de reestruturação das áreas
centrais urbanas ao assumir esta forma corporativa/profissional. Para os gestores de
empresas, o ritmo temporal da administração superior da economia e das diversas
unidades corporativas não é estável e nem regular (alterações nas taxas de juros e nos
77
preços
das
ações,
acordos
financeiros,
negociações
trabalhistas,
transações
internacionais, contratos comerciais, o comportamento imprevisível dos governos e dos
competidores, por exemplo) e exige um contato próximo e imediato com uma série de
sistemas de apoio profissional e administrativo, assim como com empresas
concorrentes. A proximidade espacial, proporcionada pela Sede da Petrobrás do Parque
Tecnológico da Incubadora de Empresas e outros empreendimentos empresariais no
centro, reduz os tempos de decisão, porque este sistema de decisão é suficientemente
irregular a ponto de não poder ser reduzido à lógica de rotina do computador, do contato
online. Assim, o regime temporal da tomada de decisões financeiras na sociedade
capitalista requer uma centralização espacial. Quanto mais a economia mostra-se
propensa a crises, e, portanto, à administração de crises de curto prazo, mais se pode
esperar das sedes de empresas uma busca por segurança espacial. A modernização e
crescimento do setor de serviços portuários, de logística e de tecnologia, dão ênfase ao
capital investido no ambiente construído como resposta espacial à irregularidade
temporal e financeira, como no caso da metrópole santista. Um exemplo é a busca atual
de empresas ligadas às atividades portuárias no centro histórico santista:
Setor de petróleo e gás atrai empresas e gera empregos42
A cidade já está ganhando com os investimentos da exploração
do petróleo e gás na Bacia de Santos. Segundo a Sefin
(Secretaria de Finanças), nove empresas do setor foram abertas
entre 2005 e 2009, sendo cinco de extração e quatro de
atividades de apoio. Um exemplo é a francesa Schlumberger
Serviços de Petróleo Ltda, que inaugurou, no mês passado,
escritório de apoio e suporte técnico no Centro Histórico.
“Seguimos os passos da Petrobras, prestando serviços na área de
petróleo. Escolhemos o Centro porque é um corredor cultural e
está próximo à construção que a Petrobras fará (sede da Unidade
de Negócios, no Valongo)”, resume o gerente do escritório
santista
da
empresa,
Paulo
Guiro
Pacheco.
Empresas abertas, empregos gerados. De acordo com a Sedes
(Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Estratégicos),
quando se trata do segmento de petróleo e gás, cada vaga aberta
é multiplicada por cinco. Desde 2006, foram criados 1.100
42
Reportagem disponível no site da prefeitura de Santos em 03/03/2010. Acesso:
<http://www.santos.sp.gov.br>.
78
empregos
diretos.
Com a inclusão de empresas de prestação de serviços
terceirizados, no entanto, esse número salta para 5.500. Isso
porque a cadeia envolve áreas técnica e operacional, como
equipamentos industriais, produtos químicos, combustíveis e
lubrificantes. Soma-se ainda a necessidade de consultoria,
construção e montagem, manutenção, inspeção e apoio fora do
mar.
Os trabalhos de François Ascher (1995) sobre as cidades francesas, ajudam a
elucidar como as obras viárias no Valongo e a reestruturação de todo sistema viário
além de atenderem, primeiramente, a demanda portuária e seus fluxos, também servem
à reestruturação urbana, a sua organização, a centralização e dispersão dos fluxos, se
traduzindo por uma nova organização e reafirmação da hierarquia urbana da Baixada
Santista (Santos, a sede e seu centro, local de concentração e centro de decisão). Um
exemplo é a construção do túnel “Mergulhão”, configurando o “efeito túnel”, o
desligamento do porto e de suas vias de acesso ao centro da cidade, o porto “dando as
costas para a cidade” por meio da ligação do porto diretamente com o sistema AncheitaImigrantes e o fim do tráfego de caminhões para o porto no centro da cidade,
reestruturando, assim, o antigo modelo urbano, onde as principais vias do centro
serviam para atender o porto e seus fluxos rodoviários. Esta necessidade de
modernização e ampliação das atividades do porto, segundo os agentes políticos locais,
estaduais e nacionais, aliados aos agentes hegemônicos, para a inserção competitiva do
porto na economia mundial, assim como o interesse de inserção da Baixada Santista nos
roteiros turísticos nacionais, faz necessária a construção de um aeroporto formando um
complexo “Porto-Indústria-Aeroporto”. Esta proposta surgiu a partir de um estudo de
viabilidade para a implantação de um aeroporto civil na região metropolitana da
Baixada Santista, de modo a responder e impulsionar as atividades socioeconômicas da
região. A atual base aérea de Santos está localizada muito próxima da área portuária
sem, contudo, manter uma relação direta de vizinhança, e a junção das modalidades
portuárias e aeroportuárias poderá criar uma nova facilidade e um novo conceito de
logística, agilizando os escoamentos de produtos industriais, além de atender ao
79
transporte de passageiros como uma alternativa aos “sobrecarregados aeroportos” da
capital paulista.
Outra obra de grande impacto para a região é a construção do Rodoanel Mário
Covas (SP - 21) (FIGURA 21). Esta obra reforça a dinâmica metropolitana entre São
Paulo e Santos pelo sistema Anchieta-Imigrantes de rodovias, e integra a Região
Metropolitana da Baixada Santista com rodovias estaduais e federais (Régis Bittencourt,
Sistema Anhanguera-Bandeirantes, Castelo Branco, Raposo Tavares). O rodoanel
reafirma e intensifica a articulação entre o planalto e baixada (litoral sul paulista), que já
é muito antiga, surgida pelos primeiros grupos indígenas e colonos da Capitania de São
Vicente, os quais já utilizavam trilhas e caminhos para ligar estas duas áreas do
território paulista, assim como a construção da estrada do Caminho do Mar, ou “estrada
da maioridade” (1844), a construção da ferrovia Santos-Jundiaí (1867), a construção
rodovia Anchieta (primeira pista entregue em 1947) e a construção da rodovia dos
Imigrantes (primeira pista entregue em 1974).
O rápido crescimento e a expansão da Região Metropolitana de São Paulo
(cidade de São Paulo, principalmente em sua região sul, passando pelas importantes
cidades de São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano do Sul) geraram
problemas de tráfego e de transporte nas principais vias de circulação da Grande São
Paulo fazendo-se necessária, portanto, a busca de uma solução rodoviária para agilizar o
acesso ao porto santista. A solução encontrada, inspirada em outros exemplos de
metrópoles mundiais, foi a construção de um anel viário em torno da grande mancha
urbana, o rodoanel, articulando grandes sistemas rodoviários estaduais paulistas,
articulando, portanto, a Região Metropolitana da Baixada Santista (principalmente o
porto santista) com a Região Metropolitana de Campinas: articulação entre as rodovias
do sistema Anhanguera-Bandeirantes (SP-330 e SP-348), além dos estados da Região
Sul do Brasil, por meio da articulação da rodovia Régis Bittencourt (BR-116), do estado
de Mato Grosso do Sul, por meio da rodovia Raposo Tavares (SP-270) com o rodoanel.
Portanto, a construção do rodoanel viabiliza e intensifica o fluxo de mercadorias e de
pessoas entre planalto e o litoral, reafirmando o litoral paulista e seu porto como um
lócus privilegiado de um processo de metropolização do espaço paulista,
potencialmente capaz de revelar como esta nova rede de relações entre os espaços
80
paulistano e santista. Tal rede continua servindo à expansão e crescimento do planalto
paulista sob os novos paradigmas da acumulação capitalista global (LENCIONI, 2003).
Assim, a articulação entre estas duas diferentes regiões metropolitanas paulistas, tendo
como estudo de caso a cidade santista, pode-se evidenciar a subordinação desta frente à
lógica de reprodução e expansão do capital concentrado na cidade de São Paulo, a
mesma capital que subordina outras regiões metropolitanas paulistas (Grande Campinas
e Grande São José dos Campos), por meio de sua especificidade, o porto, a exploração
petrolífera, e de seus derivados, e o turismo de balneário.
O Rodoanel implica, portanto, em uma redução das barreiras espaciais entre o
planalto e o litoral, por meio da diminuição do custo do transporte e a consequente
redução nas barreiras espaciais à circulação de bens, pessoas, dinheiro e informação,
reforçando a importância da qualidade do espaço santista no desenvolvimento
capitalista na região sudeste brasileira (serviços portuários, exploração petrolífera e
turismo). Com o poder de escolha, os agentes hegemônicos podem buscar as vantagens
locacionais para seus investimentos. Estas vantagens são: diferenças na oferta de mãode-obra (quantitativa e qualitativa – altamente especializada no setor petrolífero), em
infraestrutura e recursos (o centro como local concentrador de atividades e
investimentos), na regulação governamental e taxação (incentivos fiscais para investir
na área central). Estas “vantagens” assumem importância nesta fase de desenvolvimento
capitalista nacional, em que a administração urbana santista orienta-se mais no sentido
de prover um “bom clima de negócios” e oferecer todos os tipos de atrativos para trazer
capitais para a cidade. O prefeito de Santos, João Paulo Papa Tavares, espera uma
“invasão” principalmente de pessoas do interior, como Campinas e Sorocaba – mesma
avaliação das autoridades de Praia Grande43. Segundo o prefeito Papa, as áreas
continentais de Santos e São Vicente serão atrativas para novos negócios,
impulsionados pelo Trecho Sul do Rodoanel.
43
Reportagem do jornal A Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano de 28 de março de 2010. Disponível
em: <http://www.folha.com.br>. Acesso em Março de 2010.
81
O ganho maior em eficiência é para o Porto e a região da
Baixada Santista. Isso vai estimular, certamente, muitos novos
negócios nas áreas continentais de Santos e São Vicente, que são
as nossas atuais reservas territoriais para desenvolvimento.
Figura 21 – Rodoanel Mario Covas (SP – 21)
Fonte: Jornal A Tribuna, Especial Rodoanel, 30/03/2010. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>.
Acesso em Março de 2010.
Há também o projeto de construção de uma ponte ligando as cidades de Santos e
Guarujá, em substituição à travessia por balsa, juntamente com a construção de um
"arco rodoviário" para ligar as duas margens do Porto de Santos e agilizar o fluxo e o
tráfego de mercadorias e pessoas na Região Metropolitana da Baixada Santista
(FIGURA 22). Conforme a proposta, a ponte terá uma ligação seca de 4,8 km de
extensão, sendo 1 km de ponte estaiada, com duas faixas em ambos os sentidos. O
82
projeto dessa ponte está em fase de licenciamento ambiental. Orçada em R$ 700
milhões44, a obra tem previsão de duração de 30 meses após a assinatura do contrato. Os
custos serão arcados pelo Governo do Estado, que não prevê a cobrança de pedágio.
Figura 22 - A ponte ligando Santos e Guarujá
Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=445296>. Acesso em nov., 2009.
2.2. O porto santista e o Programa Porto Valongo.
Para a compreensão deste processo de “resgate” do espaço central santista e sua
(re)valorização pelo poder público local e seus parceiros da iniciativa privada torna-se
necessário entender as principais estratégias e objetivos de modernização do porto e de
sua área adjacente ao centro histórico santista. O porto, em grande medida, devido à sua
natureza técnica, gerencial e sua infraestrutura portuária, ao longo da história santista,
incidiu nos modelos de crescimento urbano da cidade criando efeitos persistentes e
duradouros (SALES, 1999). A modernização do porto santista, além daquelas
44
Valor equivalente à USD 430.000.000, 00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
83
envolvidas diretamente na infraestrutura de acesso a este, inspira-se em outras cidades
portuárias mundiais, principalmente no modelo do porto da cidade de Barcelona, sendo
este o “modelo” mais difundido e conhecido, principalmente nos países latinoamericanos. Este modelo pressupõe a existência de um porto “concentrador”, o qual
“alimenta” a cidade à distância através de um terminal com capacidade de controle dos
fluxos e estabelece uma nova centralidade sobre os antigos espaços portuários
abandonados e obsoletos por meio de programas de revitalização urbana produzindo um
novo espaço turístico nesta área de interface porto/cidade com vista para o mar,
waterfront (ORNELAS, 2008).
O Porto de Santos é "A Grande Porta de Saída do Comércio Exterior Brasileiro",
onde praticamente todos os Estados brasileiros, em maior ou menor grau, utilizam-no
para viabilizar suas transações comerciais internacionais. Estando situado em uma das
regiões do país cujo mercado corresponde a 55% do PIB nacional, 45% do mercado
consumidor e 49% da população do país, constitui-se assim num porto estratégico para
o desenvolvimento do comércio exterior nacional, ou seja, exige que este, por ser o mais
próximo do centro econômico do país, possua melhor acessibilidade do que outros
portos brasileiros, garantindo aos seus usuários eficiência em tempo, segurança, e
produtividade. Fatores estes que são importantes na composição dos custos dos
produtos que são comercializados nesta região (EMPLASA, 2005).
O porto santista moderno, até pelo menos os anos 50 do século XX, traduziu-se,
como além de uma consolidação de uma área comercial cafeeira, também no
assentamento dos trabalhadores no cais na implantação de plantas industriais na
periferia e no atendimento de infraestrutura (saneamento e energia elétrica) que resultou
em alguns benefícios para a população local. Após este período, com o início da
industrialização de Cubatão, do aumento das exportações e importação (via porto) e a
melhoria de acessibilidade ao porto, propiciada pelas ligações rodoviárias com o
planalto (Via Anchieta e Rodovia dos Imigrantes), provocaram um grande aumento do
fluxo de mercadorias e de caminhões, fazendo-se necessária uma nova modernização do
porto. Neste período, o porto desenvolveu-se na margem esquerda do estuário (ilha de
Barnabé) para atender o pólo industrial de Cubatão (SALES, 1999). O aumento da
84
capacidade e das dimensões dos navios e a crescente especialização industrial
impuseram ao porto santista a necessidade de implantar novas áreas para a recepção dos
navios, refino de petróleo e a introdução de mudanças tecnológicas (particularmente a
conteinirização iniciada nos anos 50), as quais levariam à aceleração da separação dos
usos e funções portuárias e urbanas. Por outro lado, estas pesadas infraestruturas viárias
de acesso ao porto e o abandono planejado do centro, por meio de direcionamento de
investimentos públicos e privados para a orla, acabaram por expulsar algumas
atividades do centro, como local de lazer e de encontro. Assim, as áreas limítrofes ao
porto foram invadidas pelo tráfego e pelas instalações portuárias e de transporte,
fazendo estas parecer desligadas do espaço urbano e seu “funcionamento”, como por
exemplo, a intensificação das atividades retroportuárias transformou a paisagem dos
bairros do Paquetá e da Vila Nova, os quais passaram a abrigar galpões,
estacionamentos e empresas de serviços portuários (FIGURA 23).
Figura 23 - O Bairro do Paquetá (próximo ao terminal de passageiros do porto)
Autoria: Paula Dagnone Malavski (19/11/2007)
85
O Ministério dos Transportes (Governo Federal) criou, por meio do Programa de
Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais45, em 23 de janeiro de 2007, um Grupo
Executivo composto pela prefeitura de Santos, pela Companhia das Docas do Estado de
São Paulo (CODESP) e pelo Ministério das Cidades para supervisionar, elaborar e
executar projetos de revitalização da área portuária santista, e também a revitalização
das instalações não operacionais do Porto de Santos. Na primeira reunião, realizada em
8 de março de 2007, a prefeitura, juntamente com a CODESP, acordou a destinação da
área histórica do porto (armazéns de número um ao oito) para atividades econômicas,
políticas e culturais, bem como o arrendamento não oneroso à Prefeitura de Santos da
área. Assim, este programa do governo federal passou a colaborar com os projetos do
programa Alegra Centro (Prefeitura de Santos) e do Plano de Desenvolvimento e
Zoneamento do Porto de Santos” (PDZPS). O PDZPS, elaborado pela CODESP, busca
assegurar a efetiva “integração do porto com a cidade” neste processo de “resgate do
centro” por meio da reabilitação desta área portuária antiga e abandonada. Em 2006, a
CODESP revisou o PDZPS de fevereiro de 2000, estabelecendo novas estratégias para a
modernização e o desenvolvimento do porto. Seus principais objetivos são:
•
Elevar o espaço público como fator de recuperação do meio ambiente;
•
Estimular a recuperação dos espaços verdes na área Portuária;
•
Fomentar a plantação de árvores ou arbustos nativos;
•
Trocar gradativamente os pisos inadequados por revestimentos mais favoráveis
45
O Programa Nacional de Reabilitação visa promover a habitação social nas áreas centrais favorecendo,
segundo os documentos, a melhoria da qualidade de vida da população e democratizando o acesso à
cidade. Segundo o programa, nas grandes cidades brasileiras, os centros geralmente se caracterizam por
um núcleo tradicional envolto por bairros vizinhos, servidos de infra-estrutura urbana consolidada:
equipamentos, transporte, comércio, prestação de serviços. Como consequência, nessas regiões, é ofertada
uma maior quantidade e diversidade de oportunidades, trabalho, serviços etc. Essas áreas, sobretudo nas
maiores cidades e capitais metropolitanas, têm frequentemente passado por um processo de esvaziamento
ou perda de diversidade populacional e econômica. Em teoria, o objetivo seria promover o uso e a
ocupação democrática dos centros urbanos, propiciando o acesso à habitação com a permanência e a
atração de população de diversas classes sociais, principalmente as de baixa renda, além do estímulo à
diversidade funcional recuperando atividades econômicas e buscando a complementaridade de funções e
a preservação do patrimônio cultural e ambiental, o que geralmente não ocorre. Fonte disponível em:
<http://www.cidades.gov.br>. Acesso em Novembro de 2010.
.
86
à limpeza;
•
Cadastrar e fiscalizar a presença de ambulantes na área portuária;
•
Exigir que a comercialização de produtos alimentícios se fizesse apenas em
locais devidamente autorizados pela vigilância sanitária;
•
Aumentar a vigilância nestas áreas;
•
Buscar parcerias junto à iniciativa privada;
•
Fiscalizar a ocupação desordenada e ilegal destas áreas;
•
Prever a integração dos espaços públicos com seu entorno.
Segundo a CODESP, o objetivo fundamental no planejamento portuário é:
Ajuda para a melhoria e estabilização da qualidade de vida das
pessoas na sua região de abrangência, e assim contribuindo para
a paz e prosperidade da nação e para ao resto do mundo. O
Plano deve considerar o significado do desenvolvimento do
porto, deve conter um plano para utilização das suas áreas e
medidas e procedimentos para a sua promoção comercial.
Assim, de acordo com as análises e comentários apresentados,
para o melhor planejamento do atendimento da demanda no
Porto de Santos com a implantação de Modernos Terminais
devem ser ponderadas as condicionantes da região.
(grifos meu)
As ações da CODESP, aliadas ao poder público local santista, em um primeiro
momento, visam integrar e modernizar as operações do porto comercial, como também
de incluir o porto (adjacente ao centro histórico) aos roteiros turísticos municipais por
meio do da reabilitação do patrimônio histórico para atividades de lazer e culturais,
tendo como público-alvo os passageiros de Cruzeiros atracados no porto, e,
posteriormente, a inserção da cidade nos roteiros turísticos nacionais e internacionais,
principalmente a partir da realização da Copa do Mundo de 2014. O projeto inclui a
construção de um novo terminal de passageiros, com um cais exclusivo para esse tipo
de embarcação. Outros quatro terminais privados estão sendo construídos e um está em
ampliação. Duas dragas importadas da China já trabalham no aprofundamento de todo o
canal de navegação para 15 metros (atualmente, são 12,40 metros). Assim, o porto
ficará apto a receber navios de grande porte e se tornará mais competitivo no cenário
87
internacional. O PDZPS prevê que grande parte das instalações existentes na margem
direita do porto, da Ponta da Praia ao Saboó, deverá ser destinada à movimentação de
carga geral diversificada, e revitalização dos antigos armazéns, do cais do Valongo ao
Paquetá, na região do centro da cidade da Santos, para atividades culturais, de lazer e de
turismo.
Entre dezembro (2010) e fevereiro (2011), segundo dados da Secretaria de
Turismo46, o balneário recebeu 5,3 milhões de visitantes, a maioria procedente de São
Paulo. E, nesta temporada, passaram pelo terminal de passageiros do Porto de Santos 47,
aproximadamente, um milhão de pessoas, 14% a mais do que no mesmo período do ano
anterior. Segundo José Roberto Serra, presidente da Codesp:
Essencialmente comercial, o porto precisou se adaptar aos
cruzeiros”, afirma José Roberto Serra, presidente da Companhia
Docas do Estado de São Paulo (Codesp). “Agora, é
imprescindível viabilizar uma estrutura oficial. Fonte indicar
46
Reportagem do site da Imprensa Oficial de
<http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Abril de 2011.
47
Reportagem do site da Imprensa Oficial de
<http://www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Abril de 2011.
Santos
(20/04/2011).
Disponível
em:
Santos
(25/04/2011).
Disponível
em:
88
Tabela 1 - Investimentos do governo federal para o porto de Santos (Plano de
Aceleração do Crescimento – PAC 2)
Porto de Santos PAC 2
Avenida Perimetral da Margem Direita – Trecho Alemoa Saboó
Total (R$ mi)
60
Avenida Perimetral da Margem Esquerda – 2ª Fase
303
Passagem inferior na região do Valongo (Mergulhão)
300
Avenida Perimetral da Margem Direita – Trecho Bacia do
Macuco e Ponta da Praia
50
Construção de dois píeres de atracação e ponte de acesso, no
Terminal da Alemoa
72
Construção de três píeres de atracação e respectivas pontes de
acesso na Ilha de Barnabé
150
Reforço do píer de acostagem na Alemoa
52
Reforço nos berços de atracação da Ilha de Barnabé
52
Reforço de cais para aprofundamento dos berços entre os
Armazéns 12 ao 23
200
Aprofundamento do canal de acesso externo e interno de
15/15m para 17/16m
193
Alinhamento do cais de passageiros
120
Total Codesp
1.552
Fonte: Assessoria de Comunicação Social (CODESP – Porto de Santos). Disponível
em: <http://www.portodesantos.com.br>. Acesso em Fevereiro de2011.
Este modelo de “revitalização” portuária proposto pelo PDZPS (CODESP), apoiado
pelo programa de Reabilitação de Áreas Centrais do Ministério das Cidades, é inspirado
no modelo Barcelona, e em modelos de outros países que hoje renovam, ou que já
renovaram suas antigas áreas portuárias consideradas obsoletas (Porto Madero Argentina, Docas de Londres, portos de Copenhagen, Gênova, Duisburg - Alemanha,
Chelsea Pier e Long Island - Nova York e Docas do Pará - Belém). Nessa direção,
89
pautados em uma ideologia global, os responsáveis pela modernização do porto santista
não estão preocupados somente com a movimentação de carga, mas também com a área
central da cidade, onde o objetivo principal é incrementar e desenvolver uma variedade
de atividades, que podem (re)valorizar simbólica e economicamente todo o seu entorno.
A concepção de revitalização elaborada pelo PDZPS, com base nestes “modelos
inspiradores” globais e nacionais, consiste em “resgatar” e explorar o valor histórico do
patrimônio local, considerando ainda a recuperação do ambiente por meio de um
empreendimento para a região, aliado ao setor tecnológico e aos interesses privados. Os
principais objetivos desta “revitalização” incluem, portanto:
•
Gerar oportunidade de uso de parte da área do porto para uso misto
portuário-urbano;
•
Fomentar a recuperação da atividade comercial da região;
•
Reconversão de área;
•
Fortalecimento da relação porto-cidade;
•
Criação de pólo de turismo e de áreas de desenvolvimento social;
•
Contribuição para a preservação da memória histórica;
•
Reabilitação e valorização econômica;
•
Inclusão de Santos em roteiros turísticos nacionais.
Uma das características marcantes deste projeto é a profunda transformação
deste espaço urbano, da tipologia das construções e da arquitetura local. Tem uma
inspiração na arquitetônica moderna e global, na qual o patrimônio histórico edificado
se mistura com uma arquitetura pós-moderna, visando a transformação simbólica deste
fragmento do espaço urbano, antes degradado e agora moderno e “global” em sua
aparência material, global em relação também a outras áreas da cidade. A problemática
quanto ao uso deste patrimônio arquitetônico, histórico e cultural do centro histórico,
sua junção aparentemente desordenada de suas formas passadas às novas, superpostas
umas às outras, uma “colagem” de usos correntes, podem vir a gerar um processo de
estranhamento do espaço para a população local (CARLOS, 2008). O autor David
Harvey (1992) também sinaliza que esta tipologia de projeto urbano, mesclando estilos
90
distintos, junção do passado com o moderno, sensível somente à história local do porto
e aos desejos e necessidades particulares de uma elite, geram formas arquitetônicas
especializadas ao esplendor do espetáculo somente. Isso significa que a restauração
deste fragmento de espaço mais antigo da cidade santista e a sua reabilitação para novos
usos requer a criação de um novo espaço que exprima a visão tradicional com todo o
avanço que as tecnologias e materiais modernos permitem. Para ele, esta imposição de
projetos de revitalização urbana para a produção deste espaço urbano, no contexto da
globalização e sob paradigmas únicos de construção do espaço urbano, tende para um
processo de “esquizofrenia” quanto ao espaço, uma característica geral da mentalidade
pós-moderna na arquitetura (1992:83):
É o seu dever de personificar uma dupla codificação, “uma
tradicional popular” - que tal como a língua falada, muda aos
poucos, está cheia de clichês e se enraíza na vida familiar, e uma
moderna, cujas raízes estão numa “sociedade em rápida
mudança, com suas novas tarefas funcionais, seus novos
materiais, suas novas tecnologias e ideologias”, bem como uma
arte e uma moda que não param de mudar, como a formulação
de Baudelaire, mas com uma nova aparência historicista.
Na reabilitação desta área antiga portuária cabe destacar, como um exemplo
deste uso do espaço produtivo, do consumo cultural, do espetáculo, contraditório ao uso
deste para a reprodução da vida da população local, o projeto de criação do Museu Pelé
(FIGURA 24), que será instalado nos escombros dos casarões do Valongo, no Largo
Marquês de Monte Alegre (FIGURA 25).
Após muitos anos em disputa judicial, em agosto de 2010, o governo do estado
de São Paulo se apropriou do imóvel em questão e doou o imóvel para a prefeitura
santista, e, em maio de 2011, o projeto de construção do museu foi autorizado pelo
Condepasa (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos), Condephaat (órgão
estadual) e pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Os Casarões do Valongo ficaram muitos anos abandonados desde a ocorrência
dois incêndios: um em 1985, dois anos após o tombamento do Condephaat (órgão de
preservação estadual), e outro, em 1992, dois anos após o tombamento pelo Condepasa
(órgão de preservação municipal). A posse do imóvel pelo poder público, desde os
91
tombamentos, estava em juízo. A “conquista” do imóvel pelo poder público ocorreu por
parte de desapropriação do imóvel pelo Governo do Estado (FIGURA 26).
Com conclusão prevista para 2012 e estimado em R$ 20 milhões, o Museu Pelé
será financiado pela iniciativa privada, por meio de captação de recursos com base na
Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura), investimentos do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) e das empresas Vivo, Gerdau, Ambev, Fosfértil
Mitsubishi e MRS Logística. A Oscip (Organização Social de Interesse Público) e a
Ama-Brasil serão as responsáveis pela captação dos recursos. Recursos tecnológicos
para interatividade será uma das novidades do museu, que vai expor objetos e
documentos conservados por Pelé ao longo de sua carreira. Serão três blocos
interligados, com espaços para o acervo, exposições temporárias, auditório, lojas, café e
sanitários. O governo estadual cedeu os imóveis e o Ministério da Cultura aprovou a
inclusão do projeto na Lei Rouanet.
92
Figura 24 – Os projetos de instalação do Museu Pelé
Fonte: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=920600>. Acesso em Março
de 2011.
93
Figura 25 – Os casarões do Valongo no século XIX
Fonte: <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0124b.htm>. Acesso em Abril de 2011.
Figura 26 - Situação atual das moradias na região do Valongo (destaque à direita
das ruínas do edifício que irá abrigar o Museu Pelé)
Autoria: Paula Dagnone Malavski – 26/10/2010.
A importância da construção do Museu Pelé neste processo de (re)valorização
do centro histórico santista é fazer deste uma âncora para a consolidação deste processo
94
e, consequetemente, “conquista” deste espaço pelo poder público local e seus parceiros.
A produção de um espaço turístico, nesta área central de interface com o porto, visa a
inserção da cidade em um circuito turístico nacional e internacional, sobretudo a partir
da realização da Copa de 2014 no Brasil, onde a cidade santista será uma cidade
subsede (a princípio será cidade onde se realizarão os treinos de equipes) deste grande
evento. A importância da participação da iniciativa privada neste processo de
(re)valorização espacial do centro histórico, na construção desta âncora cultural − o
museu Pelé − interessante para ambos agentes deste processo; pois, para o poder
público, é uma possibilidade de consolidação deste “resgate” do centro. E, para a
iniciativa privada, a participação neste projeto de grande envergadura, aliada a um city
marketing, pode levar o público a identificar parte deste processo de “resgate” do centro
e de seu patrimônio com a “marca” destes parceiros investidores. Portanto, não há como
negar que o poder público local visa (re)valorizar este fragmento de espaço da cidade
por meio de uma readequação de seu centro histórico para os investidores do setor
portuário, de serviços e do mercado turístico, onde as ações de city marketing visam
realçar os aspectos mercadológicos do patrimônio, e, consequentemente, alterando o
sentido público e político dos cidadãos neste espaço urbano.
Estas ações pontuais, como por exemplo, o museu Pelé, o passeio de bonde
histórico, a refuncionalização do patrimônio edificado, revitalização de equipamentos
urbanos para produção de um espaço turístico, e outros, são inspiradas no modelo
Barcelona, mesmo com suas particularidades locais, pois a cidade, em sua área central,
tem uma população, por volta de 1200 famílias, em situação de encortiçamento. A
autora Otília Arantes (2002) aponta a problemática que envolve este modelo Barcelona,
implementado, mundialmente, como um pensamento único de cidades48 − em que se
casam o interesse econômico da cultura e as alegações culturais do comando
econômico, reforçando a entrada de cidades em um circuito turístico e econômico de
diferentes escalas geográficas, enfatizando o apelo da contemplação visual do
patrimônio e do waterfront. Assim, estas ações do poder público local santista,
48
A autora Otília Arantes vem recorrendo a esta fórmula desde sua comunicação no Simpósio
Internacional sobre Espaços urbanos e exclusão socioespacial. Práticas de inclusão. Promovido pela
FAUUSP, de 4 a 6 de novembro de 1998.
95
articulado, em outras esferas, com o governo federal e estadual, além da parceria com a
iniciativa privada, almejam uma “forma” de urbanismo global em contradição a
produção deste espaço como prática social, visando melhorias de infraestrutura,
ampliação da oferta de serviços especializados no porto. Tal instalação de equipamentos
portuários de alto nível buscam, precisamente no sentido de afirmar, em escalas
nacionais e globais, as vantagens locacionais da cidade santista na competição dos
poderes municipais na pesquisa de investimentos em diversas escalas geográficas, do
local ao global, sem necessariamente garantir melhoria da qualidade de vida da
população (FIGURA 27). Desde a implantação do programa Alegra Centro (2003), bem
como a criação de um plano diretor (1998) que já visava uma preocupação em
crescimento e desenvolvimento das atividades turísticas na cidade, a produção do
espaço central santista está subjugada, pelo poder público, para a produção de um
espaço turístico e empresarial. Tais ações do poder público local para a produção de um
complexo portuário-urbano se centraram, sobretudo, a partir de 2008, na criação do
programa de revitalização “Porto Valongo Santos”49 (FIGURAS 28 e 29).
O poder público municipal, apoiado pela Secretaria de Assuntos Portuários
(governo federal) e pela CODESP, por meio de licitação internacional, contratou o
grupo Ove Arup & Partners, sediado em Londres (Inglaterra), para o projeto que visa a
integração da infraestrutura, o planejamento global, a “sustentabilidade” e “soluções”
articuladas relativas à comunidade local para viabilizar o empreendimento “Porto
Valongo”. O grupo Ove Arup & Partners, localizado em diversos países, existe há 65
anos e já atuou em projetos de revitalização na Espanha, Estados Unidos, Inglaterra,
Itália, Austrália e Coréia do Sul. Este preparará os estudos de caráter técnico 50,
49
Como já indicamos em páginas anteriores, esse programa prevê: a contraparte da prefeitura para
construção de complexo turístico, empresarial, cultural e náutico em antigos armazéns portuários (1 ao 8),
integrando a obra do Mergulhão (recursos do governo federal e da Codesp), um terminal de passageiros
para cruzeiros marítimos, uma marina pública, restaurantes, lojas, escritórios, um museu do porto, a
construção de base oceanográfica da USP (Universidade de São Paulo) no armazém oito, a criação na
cidade do Instituto de Ciências do Mar e Meio Ambiente e de cinco novos cursos superiores públicos
voltados para as áreas de engenharia portuária, pesca e ambiental, oceanografia e economia, com ênfase
em políticas públicas e ciência e tecnologia por meio do convênio firmado entre Codesp e Unifesp
(Universidade Federal do Estado de São Paulo), além da inclusão das atividades offshore neste local,
previstas pelo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto que visa preparar a cidade para gerar
novas vagas de trabalho em apoio à Petrobrás.
50
Dados do Projeto Porto Valongo, segundo os estudos da Ove Arup & Partners e prefeitura de Santos:
• Construção do Centro Oceanográfico: US$ 3 milhões.
96
econômico, ambiental e social, e posteriormente, cabe ao poder público santista validar
o plano final de ocupação, a partir do qual serão promovidas audiências públicas e
preparadas as licitações para a realização do empreendimento.
Figura 27 - Vista atual do porto (Valongo)
Autoria: Paula Dagnone Malavski (14/10/2010).
Figura 28 - Armazém número 4 – Porto de Santos
Fonte: <www.santos.sp.gov.br>. Acesso em Março de 2010.
Figura 29 - Imagens do projeto Porto Valongo
97
Fonte: <http://www.investsantos.com.br>. Acesso em nov., 2009.
Este processo de “resgate” desta antiga área portuária santista por meio do
programa “Porto Valongo” representa a ação e o poder do Estado como um agente no
processo de produção do espaço da cidade santista, revalorizando esta centralidade
histórica e, como tendência, expulsando as pessoas e as atividades “indesejadas” para a
periferia da cidade, criando também um espaço de dominação e “redutor das
98
contradições”, mesmo que somente no plano das aparências 51, caracterizado por servir
aos interesses do Estado e de seus parceiros investidores.
Este exercício do poder do Estado e seus parceiros da iniciativa privada para o
controle do espaço santista (o poder no espaço) pauta-se, portanto, no poder deste para
impor e modificar as normativas legais de uso e ocupação do solo para a área central e
portuária, as definições sobre política tributária, a implementação e reestruturação de
infraestrutura, de serviços e de investimentos. Esse controle do espaço deve ser
entendido como um controle da sociedade com vistas à dominação política, pois, o uso
deste espaço será controlado pelos interesses do Estado e da iniciativa privada para
atração de investimentos e capitais e pessoas consumidoras deste espaço. Assim, este
processo de (re)valorização do espaço central e histórico santista, do antigo porto,
confirma-se como a produção, também, de um espaço de poder, o qual procura manter,
no plano das aparências e das formas, um aspecto de unidade e homogeneidade, apesar
da heterogeneidade e das contradições (LEFEBVRE, 1974) da produção do espaço
santista e seus agentes. A (re)valorização deste fragmento de espaço, como uma nova
estratégia produtiva de superação da crise de acumulação do capital local, por meio
destas ações locais, visam a produção de um espaço para o turismo, a realização e
negócios e a (re)produção do espaço central por meio de ordenação e “modernização”.
Deste modo, a atração de investimentos é, sobretudo, uma tentativa de valorização
econômica da área, e não uma melhoria de vida para a população local e usuária do
centro histórico.
2.3. Os outros agentes deste processo de (re)valorização do centro histórico santista
Este processo de modernização competitiva do porto e de produção de um espaço
turístico/empresarial, nesta área de interface porto e centro histórico, revelam, portanto,
o momento atual no qual o capital tende a se realizar, em solo santista, por meio da
produção de “um novo espaço” – um espaço-mercadoria− voltado aos serviços de
prestação de serviços, de atividades portuárias e de logística e de turismo e lazer,
gerando um aumento dos preços do solo urbano nesta área, o que, como tendência, pode
51
Neste exemplo, é importante ressaltar que a redução das contradições dá-se somente no plano das
aparências (CARLOS, 2001).
99
transformá-lo também em um “produto imobiliário”. Com a implantação do Programa
Porto Valongo, houve a atração de grandes investidores do mercado imobiliário
principalmente para os bairros de Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias (Zona Central).
Estes bairros, desvalorizados no passado, devido aos seus problemas de infraestrutura,
falta de equipamentos urbanos (ruas estreitas, quadras pequenas para receber grandes
edifícios) e a presença de uma população pobre, hoje é alvo de incorporadoras
imobiliárias, devido à falta de áreas na cidade para novos empreendimentos. Segundo
matéria do jornal, A Tribuna52, a área é de interesse de grandes construtoras devido aos
investimentos do poder público na área de atuação do programa Alegra Centro.
Pelas degradadas vias do bairro, já passaram executivos, por
exemplo, da Adolpho Lindenberg, construtora paulistana cujas
obras na Faria Lima e na Berrini estão entre os endereços
comerciais mais caros da Capital. Há alguns meses, a empresa
confirmou seu interesse no Paquetá a A Tribuna, assinalando,
contudo, que localidade só se tornará viável a partir de uma
intervenção
do
poder
público.
Otimista, Ricardo Beschizza, diretor regional do Sindicato da
Indústria da Construção Civil (Sinduscon), acredita que
melhorias pontuais em outros pontos do Centro de Santos
contribuirão para tornar irreversível o projeto do “Novo
Paquetá”.
Os grandes investimentos atuais no solo santista (a descoberta do pré-sal, a
transferência da Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás, por
exemplo, além dos investimentos do poder público) já influenciam diretamente no
crescimento do mercado imobiliário da cidade. Segundo registros da Prefeitura
Municipal de Santos, nos últimos três anos, aproximadamente, mais de 50 projetos
arquitetônicos de grande porte foram autorizados, e, de acordo com o Departamento de
Imprensa da Prefeitura Municipal de Santos, em 2005, foram aprovados 16 projetos,
totalizando 142.103,84 m2 de área construída. As áreas mais afetadas são Gonzaga,
52
Reportagem de 28 de Novembro de 2010. Disponível em:<http://www.atribuna.com.br>. Acesso em
Novembro de 2010.
100
Ponta da Praia, Embaré e José Menino. Mas os terrenos da área central da cidade
também já são alvo de interesse e compra dos investidores para um futuro próximo,
caso o programa Alegra Centro, assim como o Programa Porto Valongo, venham a se
consolidar, estas áreas serão (re)valorizadas e poderão ser edificadas para
empreendimentos comerciais e residenciais.
Em 2006, a Prefeitura autorizou 20 empreendimentos, que equivalem a mais
293.401.56 m2. Apenas nos seis primeiros meses de 2007, foram aprovadas 19 grandes
obras, o que significa um acréscimo de 449.077,41 m2 de área construída. Neste mesmo
ano, o bairro Ponta da Praia foi o segundo recordista de novos empreendimentos
imobiliários, com 179.041,86 m2 de área construída em seis grandes empreendimentos.
O bairro Gonzaga ficou em primeiro lugar, com 13 projetos aprovados, com o
equivalente a 184.565,43 m2 de área construída. O José Menino teve dois projetos com
93.547,46 m2 edificados; e o bairro Boqueirão, sete, medindo 79.559,66 m 2 edificados.
Na orla de Santos a verticalização é radical (MOREIRA, 2009). De acordo com a
Inteligência de Mercado da Imobiliária Lopes, em 2007, o número de unidades lançadas
cresceu 310% com relação ao ano anterior, aproveitando o “bom momento so setor”.
Foram 3.554 unidades lançadas neste ano, com metragem média de 126m² e preço
médio de R$3.457 o m². Portanto, a cidade santista é alvo de grandes incorporadoras da
Capital como os grupos Tecnisa, Agre, Lopes, Helbor Gafisa, Camargo Corrêa, além
das tradicionais construtoras locais, como o grupo Mendes (responsável pela construção
do Praia Mar Shopping, do Mendes Covention Center, do Riviera Residence Service −
um dos edifícios mais alto da cidade e o primeiro com o sistema pey-per-use53 e o do
Riviera Hotel no Gonzaga. Ao lado de edifícios antigos, com no máximo dez andares e
instalações ultrapassadas em frente à orla, aparecem prédios maiores, a três ou quatro
quarteirões da praia. Segundo Fábio Romano, diretor de incorporação da Yuni, muitas
pessoas buscam em Santos um lugar mais tranquilo sem perder o clima urbano, com
infraestrutura.
53
Este tipo de empreendimento possibilita que os locatários das salas comerciais poderão fazer uso
temporário (locação) dos quartos para moradia temporária e dos serviços do hotel pelo sistema pay-peruse. Também há a possibilidade de compra de quartos neste hotel como investimento em unidades
hoteleiras.
101
Obras como praias mais limpas, ruas arborizadas e intervenções
em avenidas e corredores comerciais valorizam a região”. Em
2002, estima, não havia lançamentos por mais de R$3,5 mil o
m². Hoje, esse preço pode chegar a R$ 6 mil o m².
A tarefa difícil para investir na cidade, segundo os investidores, agora, é encontrar
terrenos disponíveis, por isso mesmo, o centro é um área de interesse para estes
investidores se o poder público consolidar o processo de (re)valorização e “resgate” do
centro. Um exemplo é o empresário português Armênio Mendes, do Grupo Mendes,
dono de construtoras, shoppings e hotéis, que já investe em terrenos na área central da
cidade e garante ter nas mãos os melhores terrenos, apesar de não ser o grande o
investidor do mercado imobiliário da cidade, representando 40% dos empreendimentos
locais (MOREIRA, 2009). O grupo Mendes, apesar de não ser o grande investidor, tem
parcela significativa deste perfil de investimento na cidade. Pertence ao grupo o Prime
Plaza Residence, por exemplo, um condomínio de luxo em construção na orla do
Gonzaga, com preços a partir de dois milhões de reais e apenas 40% das 54 unidades
ainda estão disponíveis. Por 12 milhões de reais, a cobertura com vista para o mar já foi
vendida.
O grupo Mendes também é proprietário do Riviera Group, um grupo de capital
brasileiro e português. Com mais de 30 anos de experiência, o grupo detém posições
relevantes em Portugal atuando nas áreas do Imobiliário, Turismo e Hotelaria, Shopping
Centers e Geração e Distribuição de Energia. Hoje, as áreas de atividades do grupo no
Brasil incluem: Desenvolvimento Imobiliário, Mineração, Turismo, Comunicação,
Energia e Indústria Naval. Também pertencem ao grupo o fundo de investimento
imobiliário Promovest, administrado pela Fundimo (CGD) de Portugal. O fundo
Promovest foi designado como o de maior rentabilidade do mundo em 2008,
ultrapassando 197%, segundo dados da Morningstar, empresa especializada no
monitoramente
de
fundos.
O Promovest possui ativos imobiliários expressivos em Portugal, notadamente em
Cascais e Coimbra, região que vem apresentando alto desenvolvimento. O ‘Promovest’
está muito perto de superar a rentabilidade de 200% e de consolidar o seu lugar no topo
dos melhores fundos do mundo, na lista composta, na sua grande maioria, por fundos do
102
Luxemburgo e EUA54. Outra construtora do grupo Mendes, e grande investidora na
região, é a construtora Miramar, atuando há mais de 30 anos no ramo da construção e
comercialização de imóveis no litoral paulista. Em 2000, construiu o Praiamar Shopping
– o primeiro com cinemas e hipermercado de Santos. Em 2001, implantou o Mendes
Convention Center – um dos mais completos centros de eventos do Brasil. Em 2006, foi
inaugurado o Residencial Jardins da Grécia, um marco na história dos empreendimentos
imobiliários da cidade, como o primeiro residencial fechado da região. Este conta com
cinco torres, condomínio fechado e uma enorme área de lazer composta por jardins. Em
2009, foi responsável pelo primeiro shopping de São Vicente, o Brisamar. O grupo
Mendes mantém uma parceria estratégica com a Helbor Empreendimentos S.A. em
empreendimentos locais.
Portanto, a tarefa da administração urbana santista consiste em promover, divulgar
e “negociar” seu espaço, e suas vantagens, para captar fluxos financeiros e de consumo
altamente móveis e flexíveis do modo de produção capitalista atual, visando produzir
um espaço turístico e funcional para consolidar este consumo produtivo do espaço
central santista por meio de investidores de diversos setores da economia. A
problemática deste novo tipo de administração e gestão dos espaços da cidade, neste
caso, o espaço central e histórico santista, destes investimentos do poder público, em
diferentes escalas, são de caráter especulativo neste momento, já que não se pode, pois,
existe a impossibilidade de prever exatamente se os projetos de desenvolvimento
turístico “pacote turístico”, principalmente, e imobiliário, terão êxito em um mundo de
considerável instabilidade e volatilidade econômica. As respostas inovadoras e
competitivas das alianças das classes dominantes locais e do poder público santista
ainda são tendências, as quais engendram muitas incertezas, pois, este grande
investimento de recursos públicos visa responder às transformações rápidas do
desenvolvimento do capitalismo atual, além destes estarem sendo utilizados para
atender as demandas de uma elite local. Portanto, este “pacote” de grandes
transformações urbanas implantadas por meio do programa Alegra Centro, articulado
em diferentes escalas geográficas, do local, do nacional e visando o global, um mercado
54
Dados informados no próprio no site do grupo
<http://www.grupomendes.com.br>. Acesso em Dezembro de 2010.
Mendes.
Disponível
em:
103
turístico, têm um futuro incerto. Um exemplo brasileiro do “risco” deste tipo de
investimento é o caso do Pelourinho (centro histórico de Salvador – Bahia)55.
Portanto, as ações em espaços centrais e históricos representam uma tendência
geral do mundo globalizado, caracterizado pela circulação acelerada de fluxos de todos
os tipos, onde as políticas urbanas locais parecem “inspiradas” por uma necessidade
inevitável que buscar capacitar os espaços para atrair mais fluxos, sejam de
investimentos ligados ao turismo, ou, em geral, relacionados a qualquer atividade
suscetível de gerar movimento econômico, adaptando estas áreas urbanas aos potenciais
consumidores, dotá-lo de elementos que o transformarão de forma rápida e,
provavelmente, passageira, para convertê-lo em uma mercadoria pronta para ser
comprada e utilizada56 (ROVIRA, 2006). O caso do Pelourinho pode exemplificar a
problemática desta política urbana pautada na atração de grandes investidores para a
consolidação destes “novos espaços turísticos”, como o caso da área central e histórica
santista, pois não há garantias que este cenário será consolidado, apenas é uma
tendência para o futuro. O programa Alegra Centro, em sua primeira fase, com ênfase
na reabilitação do patrimônio histórico e edificado e algumas requalificações pontuais
dos equipamentos urbanos da área central, desde 2003, atraiu, por enquanto, pequenos
comerciantes para o centro.
Em uma pesquisa sobre os “novos investidores do centro” 57, as atividades mais
destacadas deste atual “resgate” do centro histórico foram os bares, restaurantes e casas
55
Em 1991, o governo estadual da Bahia, ciente do potencial turístico da área (patrimônio da humanidade
pela UNESCO - 1985), começou um plano de “revitalização” do Pelourinho promovendo a reabilitação
do patrimônio, reestruturação dos equipamentos urbanos locais e “desenvolvimento sustentável” da área
por meio do desenvolvimento econômico propiciado pelas atividades de turismo e de lazer (restaurantes,
lojas, hotéis, bares, casas de show e cultura etc). Com aproximadamente 3.000 casarões dos séculos XVI,
XVII e XVIII, foram restaurados pelo poder público local e estadual (com apoio e recursos nacionais e
internacionais) cerca de 700 imóveis, de museus, a criação de redes elétricas subterrâneas e a instalação
de esgotamento sanitário, que transformaram o centro histórico no local mais visitado de Salvador.
Porém, nos últimos anos, a falta de manutenção do patrimônio, a ausência de investimentos do setor
privado e a falta de uma constância de investimentos do poder público em segurança e limpeza de ruas e
ladeiras centenárias afugentaram os turistas da área e, consequentemente, os comerciantes locais. Desde
2005, 170 estabelecimentos comerciais fecharam. De acordo com uma pesquisa realizada recentemente
pela Acopelô (Associação dos Comerciantes do Pelourinho), mostram que o centro histórico de Salvador
deixou de ser um espaço interessante para os comerciantes. Fonte: “Abandonado, Pelourinho (BA) vê
comércio local em crise e fuga de turistas” no site UOL em 04/09/2010. Disponível em
<HTTP://www.uol.com.br>. Acesso em Dezembro de 2010.
56
O caso do Pelourinho pode exemplificar a problemática desta política urbana pautada na atração de
grandes investidores para a consolidação destes “novos espaços turísticos”, como o caso da área central e
histórica santista, pois não há garantias que este cenário será consolidado, apenas é uma tendência para o
futuro.
104
noturnas58. Segundo a autora da pesquisa, a arquiteta Paula Rodrigues de Andrade, foi
notado aumento no número de restaurantes, casas que servem lanches rápidos, assim
como, da transferência em curto espaço de tempo, da vida noturna da orla para o centro.
Este estudo aplicou entrevistas aos proprietários ou gerentes dos estabelecimentos
abertos após 2003, no núcleo de ações do programa Alegra Centro Patrimônio: rua XV
de Novembro e rua do Comércio (área que concentra o maior número de edifícios
restaurados e equipamentos da prefeitura, o paço municipal, o prédio dos Correios, a
Bolsa do Café); Praça da República (concentração das empresas e instituições ligadas à
atividade portuária e grande circulação de pedestres e veículos); ruas Frei Gaspar,
Amador Bueno, João Pessoa, Frei Caneca e rua do Itororó. Dentro de um universo de
1266 imóveis inseridos nesta área foram objeto do levantamento 152 estabelecimentos 59
(FIGURA 30).
Figura 30 - Área de pesquisa sobre os novos comerciantes do centro
57
Segundo a autora Paula Rodrigues de Andrade, a respectiva pesquisa é produto de uma pesquisa
realizada pela equipe do Escritório Técnico Alegra Centro, sob sua coordenação, no período entre 2003 e
2009, a qual incluiu levantamento de campo atual e a observação participante.
58
As categorias foram caracterizadas da seguinte maneira:
1. Bar e boteco: o tradicional ‘boteco de esquina’, que serve bebidas, prato feito, salgados, que
não possui um diferencial de comida ou bebida em específico, nem tem como alvo principal o almoço, e
serve no balcão.
2. Café: aquele estabelecimento que tem como principal produto o café e seus acompanhantes: o
chocolate, o pão de queijo, o salgado etc. Caracteriza-se pela dimensão pequena, ausência de mesas para
refeição e pela característica de passagem.
3. Lanches Rápidos: essa categoria inclui os estabelecimentos que vendem lanches rápidos, que
não têm o intuito do almoço, não servem comida como atividade principal e que, de certa forma,
apresentam produto diferencial para atrair o público. Foram identificados e incluímos nessa categoria:
casas de vitamina, pastel, sanduíches, açaí etc. Essa categoria foi identificada como a mais complexa, pois
poderia se desdobrar. O fato foi percebido após o levantamento, quando se identificou, por exemplo, a
grande quantidade de estabelecimentos que vendem pastel (15) e que tem como proprietários famílias
chinesas ou coreanas que poderiam estar em separado.
4. Restaurante/ almoço: incluímos nessa categoria todos os estabelecimentos que vendem
almoço e que não possuem outra atividade principal associada. Foram identificadas as seguintes formas
de venda: à la carte, self-service, quilo e prato feito.
5. Casa noturna: incluímos nessa categoria todas as casas noturnas e excluímos as boates de
prostituição.
59
Este número não representa o total de estabelecimentos existentes, em levantamento feito pela CDL Câmara dos Dirigentes Lojistas de Santos − em novembro de 2009 foram identificados 170 ‘bares e
restaurantes’.
105
Fonte: <http://www.google.com>. Acesso em Abril de 2011.
Gráfico 1 – Atividade principal dos comerciantes entrevistados
atividade principal
bar/boteco
café
lanches rápidos
restaurante
casa noturna
Fonte: ANDRADE, 2010.
Neste período, destaca-se a abertura das seis franquias existentes no centro e a
existência de 15 estabelecimentos tipo “pastel chinês”, a maioria aberta há mais de 10
anos. O aumento mais significativo observado foi o de restaurantes abertos neste
período, foram 42 abertos nos últimos sete anos, sendo que destes, 35, tem o almoço
como atividade principal. No total foram levantados 80 restaurantes, portanto, estes 42
novos estabelecimentos representam 53% deste total. Destes abertos recentemente, nove
abriram entre 2003 e 2005, 19 entre 2006 e 2008 e só em 2009, foram 14 restaurantes.
Gráfico 2 – Números de restaurantes abertos no centro santista
106
nºrestaurantes abertos
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Fonte: ANDRADE, 2010.
Outro número significativo foi o aumento do número de cafés. Dos 37
identificados, 23 deles abriram nos últimos 10 anos, o que representa 62% do total. As
casas noturnas surgiram somente nos últimos quatro anos, das 12 existentes, seis
abriram entre 2006 e 2008 e as outras 6 abriram em 2009.
Gráfico 3 – Número de cafés abertos no centro santista
107
nºcafés abertos
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
8
6
4
2
0
Fonte: ANDRADE, 2010.
As pesquisas de campo, realizadas no período de 2007 a maio de 2011,
procuraram fazer um levantamento sobre os preços e as opções para almoçar ou lanchar
no centro histórico santista e descobrir o quanto se paga por isso em média. Elas
puderam revelar que os restaurantes e cafés mais caros são os mais novos e se
concentram na região da rua XV de Novembro, área revitalizada pelo programa Alegra
Centro (FIGURA 31). Por exemplo, um café expresso pequeno no museu da Bolsa do
Café custa, no mínimo, R$ 3,00, enquanto em um bar, nas ruas próximas ao museu, este
mesmo café expresso custa R$ 1,50 (FIGURA 32).
108
Figura 31 - Foto de cardápios com opções de almoço na Rua XV de Novembro,
próximo ao Museu da Bolsa do Café
109
110
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
Figura 32 - O preço do cafezinho no centro histórico santista (à direita, a cafeteria
do Museu da Bolsa do Café e, à esquerda, uma lanchonete na rua João Pessoa,
próxima à Rodoviária).
111
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
A pesquisa sobre “os novos investidores do centro” também buscou identificar
estes comerciantes, o porquê de investir no centro, onde eles se instalaram, assim como
suas expectativas e os problemas encontrados.
Tabela 2 - Comerciantes entrevistados
Total de
entrevistados
Donos de café
Donos de lanches
rápidos
Donos de
restaurante
Donos de casa
noturna
Fonte: ANDRADE, 2010.
23
1
3
15
4
De um universo de 23 entrevistados, a faixa etária, variou de 27 a 59 anos, sendo
que são 13 homens e nove mulheres à frente do negócio. Dos entrevistados, 50% não
têm experiência no ramo e somente seis deles possuem outra atividade. Todos eles
moram na cidade ou em outras cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista.
Destes, 72% estão associados familiares, seja para o trabalho do dia, seja no
112
investimento. Apenas três compraram o imóvel e o valor dos investimentos variou
bastante. Exatos 50% apostaram na decoração e sofisticação do espaço. Os principais
motivos que os levaram a investir no centro foi o “futuro promissor” e a “alta
demanda”, em seguida, a “propaganda na mídia” e a “baixa concorrência”. Em relação à
“baixa concorrência” como motivo, a autora aponta que os comerciantes investiram em
um “produto que não existia”, como por exemplo, o ramo de comida natural, restaurante
japonês etc. Para estes investidores entrevistados, o que contribui para o sucesso do
empreendimento, quando há, é a grande demanda diária, dos trabalhadores do centro.
Apenas, os proprietários instalados no caminho do bonde histórico apontaram que
houve um aumento na frequência por turistas.
Ainda de acordo com o levantamento feito pelas entrevistas, o turismo foi pouco
citado como motivo de investimento no centro. A maior parte dos entrevistados atribui
o fluxo turístico somente pelas transformações existentes na região da rua XV de
novembro, núcleo do programa Alegra Centro, e na linha do Bonde Histórico,
reclamando por não serem atingidos pelos projetos da prefeitura, como exemplo, que
não tem uma política de divulgação de seus estabelecimentos para os turistas que
frequentam o centro histórico. Os problemas mais apontados pelos entrevistados são: a
falta de segurança, a presença de moradores de rua, as calçadas esburacadas e a falta de
estacionamento foram alvo de 50% das reclamações. Dos 22 entrevistados, oito já
sofreram assalto e muitos reclamam da falta de policiais na região. Muitos reclamaram
da sujeira nas ruas e nas calçadas, que representou 40% da amostra, assim como a coleta
de lixo, cuja principal reclamação é o horário da coleta. Uma estratégia encontrada
pelos comerciantes locais, atualmente, foi a criação de uma parceria formada entre o
Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e do Vale do
Ribeira (SinHores) e a Associação de Catadores e Trabalhadores de Materiais
Recicláveis da Baixada Santista que farão a coleta seletiva diária do lixo, e não
semanalmente como faz a prefeitura. A ideia é institucionalizar a coleta seletiva diária,
por volta das 16 horas, em restaurantes e bares instalados no centro. As coletas devem
ser iniciadas no mês de maio deste ano por 20 catadores uniformizados, que deverão
113
coletar quatro toneladas de lixo reciclável por mês, uma tonelada a mais do que é
recolhido habitualmente60.
As pesquisas de campo, realizadas ao longo de desenvolvimento desta pesquisa,
evidenciaram que muitos comércios na rua XV de Novembro e rua do Comércio
abriram como também fecharam neste período (FIGURA 33).
Figura 33 - Os imóveis para alugar na rua XV de Novembro (imóveis restaurados
que já comportaram algum tipo de atividade desde a implantação do Alegra
Centro – 2003)
60
Matéria disponibilizada no jornal A tribuna online no dia 7 de Abril de 2011. Disponível em:
<http://www.atribuna.com.br>. Acesso em Abril de 2011.
114
Autoria:
Paula
Dagnone
Malavski
(14/10/2010
e
16/05/2011,
respectivamente).
As ações do poder público local santista, pautadas nos novos paradigmas de
gestão urbana e empresariamento local, têm como característica a parceria públicoprivada, na qual as tradicionais reivindicações pelas elites locais são integradas aos
poderes públicos locais para tentar atrair fontes externas de financiamento, novos
investimentos diretos. Estas parcerias público-privadas são empresariais precisamente
porque ela tem uma execução e uma percepção especulativas e, para o pequeno
investidor como, por exemplo, estes, os comerciantes entrevistados, estão sujeitos a
todas as dificuldades e perigos inerentes aos empreendimentos comerciais
especulativos. O interesse do poder público, em firmar parcerias com a iniciativa
privada é com os agentes hegemônicos locais, onde o setor público assume
primeiramente os investimentos em infraestrutura e reestruturação do espaço central e a
iniciativa privada, os grandes investidores, fica com os benefícios, portanto, este
processo de (re)valorização do centro histórico santista é a retomada do controle
econômico deste espaço pelas elites locais e seus interesses.
Um exemplo deste
interesse pelos agentes hegemônicos por parte do poder público pode ser explicitado
nesta reportagem do site da Imprensa Oficial da cidade:
115
Cidade atrai primeira grande empresa de callcenter61
A lei municipal que institui incentivo fiscal a grandes empresas
de callcenter atraiu para a cidade a primeira firma do gênero.
Instalada na Vila Mathias, área central do município, desde
dezembro de 2010, a empresa TIVIT inaugurou, nesta quarta
(6), oficialmente em Santos, sua 18ª unidade no Brasil.
O empreendimento, no ramo da tecnologia da informação, já
oferece mil empregos, tendo capacidade para 4.500 funcionários
diretos
e
600
indiretos.
Durante a solenidade de inauguração, à Avenida Senador Feijó,
340, o presidente da TIVIT, Luiz Mattar, destacou os motivos
que definiram a escolha do município para instalação da filial do
grupo: “A TIVIT hoje está em 14 países, e nossa vinda para
Santos foi muito acertada, pois a cidade dispõe de mão-de-obra
qualificada e fácil acesso a diversas regiões. Nossas instalações
estão próximas das universidades, o que contribui para a
formação de profissionais que possam trabalhar conosco”. A
empresa pretende preencher as 4.500 vagas de emprego até o
final
deste
ano.
A maioria dos funcionários já contratados realiza o sonho do
primeiro emprego. “Soube que estavam recrutando pessoal pelo
Diário Oficial de Santos. Fiz minha inscrição no Centro Público
de Empregos, e logo fui chamado. Aqui terei a chance de
agregar conhecimento e crescer profissionalmente”, disse o
santista Matheus Henrique Souza, de 19 anos, que atua como
operador. (grifos meu)
O centro histórico santista, portanto, sofreu um “aparente” esvaziamento de
atividades produtivas, mas nunca deixou de ser o lugar do comércio popular da cidade e
dos serviços públicos, ele foi “abandonado” pelas classes sociais mais abastadas
enquanto opção de lazer e de turismo e pelos investimentos públicos e privados que
buscaram outros espaços da cidade. Assim, a estratégia de (re)valorizá-lo, sob o
paradigma do novo modelo de gestão urbana, é ajustá-lo e alinhá-lo à disciplina e à
lógica do desenvolvimento capitalista atual, enfocando mais os investimentos locais do
que do território, por meio de ações pontuais de reestruturação deste fragmento de
espaço e suas vantagens locacionais. As ações do poder público local, por meio do
61
Imprensa oficial de Santos. Reportagem de 06/04/2011. Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br>.
Acesso em Abril, 2011.
116
programa Alegra Centro, são ações pontuais ou melhorias das condições desta
localidade envolvida, visando um efeito econômico benéfico em toda a Região
Metropolitana da Baixada Santista, mas não garantem necessariamente a melhoria das
condições gerais e coletivas da sociedade local.
Portanto, as ações do poder público local, em suas diversas articulações com
outras esferas do poder público, é buscar tornar este fragmento de espaço um grande
ponto de concentração espacial, onde poderá estar também o poder técnico-políticofinanceiro, em uma escala geográfica mais ampla, do local ao nacional, para tornar
possível a sua sobrevivência e consequente reprodução. Como o centro histórico santista
comporta os serviços públicos e centros decisórios, a tendência é uma contínua
centralização espacial destes centros decisórios mais importantes, sobretudo com a
vinda da Sede de Negócios de Produção e de Exploração da Petrobrás, empresa nacional
que explora e produz petróleo e gás em oito países, dentre os quais Argentina, Bolívia,
Equador e Venezuela.
O poder público santista aposta na vinda da Sede da Petrobrás, que é uma
empresa de capital global, por exemplo, no mercado de Nova York (Nyse). A empresa
negocia diariamente outros US$ 340 milhões, seus títulos também são negociados nas
bolsas de Madri e Buenos Aires62. Em outubro de 2010, 39,9% de suas ações eram do
Estado ou do BNDES, enquanto 28,3% estavam nas mãos de investidores brasileiros na
Bolsa de São Paulo. A Petrobrás é a empresa de maior liquidez na Bolsa de São Paulo,
com um movimento financeiro diário de US$ 334 milhões em média. A participação
total de estrangeiros na Petrobrás aumentou significativamente em comparação com
julho de 2000, quando os ADR (American Depositary Receipts) representavam 9,5%, e
as ações de estrangeiros na Bovespa, 10,9%. A empresa tem mais de 500 mil acionistas
e com 60% do seu valor em mãos de investidores privados, dentre os quais 38,9% de
propriedade de estrangeiros. Ou seja, pouco mais de um terço das ações da empresa
brasileira pertencem a investidores privados internacionais, que têm ADRs (American
Depositary Receipts) negociados principalmente nos mercados de Nova York, outros
8% são de estrangeiros que operam na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)63.
62
As ações da Petrobrás são negociadas também no mercado de Nova York (Nyse), nas bolsas de Madri e
Buenos Aires.
117
Portanto, a produção de um espaço turístico e de serviços neste fragmento de
espaço da cidade de Santos, por meio de ações do poder público e de agentes
hegemônicos está inserida nesta nova lógica de produção do espaço urbano, em que o
processo de “resgate” da antiga área portuária “degradada” e seu enobrecimento visam
impor uma nova leitura de seu patrimônio material (como “documento material”),
enfocando a gênese de urbanização (sua localização no núcleo original do sítio urbano)
e reorganização de territórios (o desenvolvimento e crescimento da cidade a partir do
porto)64. Buscam, também criar um novo “universo simbólico” entre o porto e a cidade
por meio de atividades culturais (museus, galerias, centros culturais etc.) e de serviços
altamente especializados (serviços portuários, de exploração petrolífera, de alta
tecnologia). A estratégia do poder público santista é também a produção de um espaço
turístico moderno, extraordinário e exótico de consumo, resumindo este espaço a um
local de consumo em detrimento ao uso espontâneo deste, o qual é local do comércio
popular, de terminal de ônibus e de vida de uma população de baixa renda. O poder
público local, aliado à outras prefeituras da Região Metropolitana da Baixada Santista,
busca aumentar sua situação de competitividade, de seus territórios, a partir de uma
produção de um espaço turístico e empresarial que atenda à divisão espacial do
consumo da Baixada Santista, de serviço portuário e do setor de turismo e de lazer. A
estratégia do poder público santista, por meio de um programa de city marketing, é mais
do que simplesmente tentar atrair dinheiro por meio de investimentos em no setor
portuário, de serviços e de turismo e de lazer, é também transformar a cidade santista na
capital metropolitana, simbolicamente, como um lugar inovador, excitante, criativo,
memorial e seguro para visitar ou morar e consumir. A “competição” da cidade santista
com outras cidades se dá na medida em que os investidores e os consumidores têm a
oportunidade de ser muito mais seletivos, que, se por um lado, cresce a recessão, o
desemprego, os altos custos dos financiamentos, as regiões metropolitanas de São Paulo
e de Campinas concentram uma população com grande poder de consumo (mesmo que,
em grande parte, alimentado pelo crédito).
63
Reportagem
disponível
pelo
site
do
Universo
Online
(UOL):
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/2006/12/11/ult1767u82101.jhtm>. Acesso em Julho de 2010.
64
A autora Françoise Choay (2006:220) aponta para uma tendência mundial dos projetos de reconversão
portuária baseadas nestes preceitos.
118
O city marketing do poder público santista para atrair os consumidores, assim
como potenciais moradores, concentram-se na qualidade de vida (a cidade como “líder
nos rankings do IBGE”), na valorização do espaço central, na inovação cultural e na
elevação da qualidade do meio urbano (a adoção de “estilos” pós-modernistas de
arquitetura e de desenho urbano por meio do programa Porto Valongo), nos atrativos de
consumo (a construção de uma marina esportiva, praças de alimentação e shoppings,
criação do Museu Pelé nos escombros dos antigos Casarões do Valongo, roteiro de
passeio nos bondes turísticos, revitalização e instalação do Museu do Café na antiga
Bolsa do Café de Santos etc.), entretenimento (revitalização do teatro Coliseu,
reconstrução do teatro Guarany, o qual hoje abriga todos os eventos gratuitos do
município, revitalização da antiga estação ferroviária do Valongo, implantação do
Carnaval do centro histórico (Carnabonde), organização de shows musicais nas ruas
centrais da cidade às sextas-feiras, após às dezoito horas – projeto “Show na XV”. Estes
equipamentos e eventos culturais deste processo de (re)valorização do centro histórico
fazem um apelo para esta “herança marítima” do centro histórico santista, e da memória
coletivo dos santistas, e visam criar um clima de otimismo na população local a partir
de criações de símbolos da sociedade santista de que é “dinâmica” e que busca suas
origens no porto para reverter a estagnação econômica local do centro “degradado e
abandonado”.
Assim, este programa de city marketing realizado pela imprensa oficial da
cidade (portal da cidade na Internet e Diário Oficial) e um dos seus principais parceiros,
o jornal local “A Tribuna”, vende a cidade para atrair grandes investidores no centro
histórico parcialmente revitalizado, como também para os empreendedores para um
crescente e frenético mercado imobiliário alimentado por uma elite local, bem como
para as elites paulistanas que buscam a “qualidade de vida” proporcionada pela cidade
balneária fortemente articulada pelo sistema Anchieta-Imigrantes de rodovias, e mais
recentemente ainda mais articulada com outras áreas da região metropolitana de São
Paulo (e também rodovias estaduais e federais que passam pela grande São Paulo) pela
construção do rodoanel Mário Covas. O discurso sobre a cidade é uma estratégia
importante deste city marketing, cujo objetivo é colocar o centro histórico no mercado
regional, nacional e mundial, posteriormente a Copa do Mundo de 2014, e, por sua vez,
119
proporcionar uma leitura hegemônica das mudanças que ocorrem em grande velocidade.
A problemática destas ações do poder público e seus parceiros é questionar que a cidade
santista, com sua historicidade, é vendida como “discurso”, sendo que esta é, antes de
tudo, produto da interação entre os sujeitos sociais (BONELLO, 1996). Segundo Alves
(1992), a cidade pode ser definida por seu território e pelo comportamento da sua
população, sendo fundamental o entendimento de seu sítio, na sua gênese e na
disposição morfológica dos seus equipamentos, é assim o ambiente indissociável do
modo de vida, definido como urbano, sendo a cidade o lugar privilegiado deste. A
cidade reproduz-se constantemente por meio de suas relações sócio-culturais e
cotidianas65, não podendo ser definida apenas por sua materialidade, muito menos por
sua imagem vendida, pois estas não são capazes de revelar sua complexidade e suas
teias de relações sociais que a constituem.
Capítulo 3 – O espaço central e histórico santista como lugar da reprodução da
vida.
O programa Alegra Centro, em suas diversas articulações com outras esferas do
poder público, visa consolidar o processo de (re)valorização do centro histórico santista,
envolvendo também a produção de um espaço turístico na antiga área portuária
abandonada por meio do enobrecimento das atividades comerciais e turísticas, bem
como visa também solucionar diversos problemas de infraestrutura (circulação local e
acesso ao porto comercial) e, ao menos no discurso, problemas habitacionais de grande
parte da população trabalhadora local, a qual se encontra em situação de
encortiçamento.
O trabalho da geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos (2004) aponta a
problemática que envolve este tipo de ação do poder público local, por meio destes
programas de “resgate” de centros históricos, os quais tendem a intensificar as
contradições quanto ao uso do espaço, ao tentar transformá-lo em um espaçomercadoria, tornado “produto turístico”, mercadoria voltada essencialmente ao
“consumo produtivo”. Isto é, este fragmento de espaço como lugar da reprodução do
65
“... não se faz tabula rasa das maneiras de viver, dos costumes, dos simbolismos de um povo de forma
absoluta, por mais rigorosos que sejam os processos reprodutores envolvendo empresas e estratégias
políticas. Podem-se definir como relações sociais não redutíveis às relações de produção nem às
superestruturas políticas. São relações de solidariedade, de associação, no sentido de autogestão”. ...
DAMIANI, A. In: Novos Caminhos da Geografia, p. 162.
120
capital pela mediação do poder público, o qual aplica o investimento produtivo no
espaço, sobrepõem-se ao investimento improdutivo, regulando a repartição das
atividades e usos, inclusive o uso do espaço para a reprodução da vida destas pessoas
que moram no centro. Portanto, estas ações do poder público local e de seus parceiros,
pautadas em políticas públicas de ordenamento de uso do solo urbano visando a
(re)produção do espaço central santista enquanto uma “mercadoria”, tendem a reforçar
as trocas econômicas locais, a dinâmica do consumo do espaço em contradição à
produção espacial, no plano de articulação do vivido.
Assim, a problemática apresentada funda-se na ideia da produção contraditória
do espaço, contradição entre a produção socializada e a apropriação individual do solo
urbano, ou seja, no uso e na apropriação do solo urbano enquanto substrato para o
desenrolar da vida (CARLOS, 2008: 22). Na sociedade capitalista, o acesso à cidade e
ao solo urbano se dá pela mediação do mercado em função da existência da propriedade
privada. Esta existência de um “monopólio do espaço”, por meio da existência da
propriedade privada, separa as condições de meio de produção ou moradia, a qual passa
a ser fonte de lucro na medida em que entra, no circuito econômico, como realização
(econômica) do processo de valorização que a propriedade confere ao proprietário
(SEABRA, 2004). Porém, o espaço é também condição de existência do ser humano,
mesmo que condicionada pela predominância do capital, também no comércio e na
indústria. O espaço contém, em seu atributo de lugares apropriados, as relações sociais
de reprodução, as relações sociais (entre as pessoas, com a organização específica da
família) e também as relações de produção, a divisão do trabalho e sua organização,
portanto, as funções sociais hierarquizadas.
Para uma tentativa de compreensão do movimento de (re)valorização do espaço
central urbano em Santos, no plano social, há que abarcar uma dialética entre o valor de
uso − a cidade e a vida urbana, o tempo urbano, e valor de troca − o seu espaço central
comprado e vendido, o consumo dos produtos, dos bens, dos lugares e dos signos
urbanos na cidade (LEFEBVRE, 2005).
3.1. Os problemas habitacionais no centro histórico santista e as “tentativas de
solução” destes por parte do poder público.
121
De acordo com uma pesquisa realizada por técnicos da Secretaria Municipal de
Planejamento, em parceria com a Companhia de Habitação da Baixada Santista, o
déficit habitacional em Santos era, em 2002, de 15.166 moradias. No total, 46.018
pessoas viviam em favelas, cortiços, loteamentos clandestinos e em situação de famílias
coabitantes. Segundo a SEADE, em pesquisa realizada em 2001, a pedido da CDHU do
Governo do Estado de São Paulo, a maior proporção desses moradores (30.150) morava
em favelas próximas a lixões e áreas alagadas e os outros 14.500 habitantes viviam em
cortiços, dos quais cerca de 400 cortiços no Centro, Vila Nova e Paquetá.
O Censo Demográfico realizado pelo IBGE (ANEXO I), em 2000, apontou que
99,5% da população santista vivia na área insular, a qual representa apenas 14,6 % do
território da cidade, e, nesta área, segundo estudos da secretaria de Planejamento da
Prefeitura de Santos (2009),
notam-se nítidos contornos socioeconômicos, com a
divisão clara da cidade por renda. Nesta divisão, destacam-se a Zona Noroeste, a Zona
dos Morros e o centro da cidade enquanto lugar de concentração da população de baixa
renda. A região da orla, por outro lado, apresenta grande concentração da população
com renda superior a 10 salários mínimos. Também a Secretaria de Planejamento, com
base nos dados do IBGE, apontou, neste estudo, a necessidade de 12.115 novas
moradias para esta área do município de Santos — esta demanda é denominada pela
Fundação de Déficit Habitacional Básico - DHB. Portanto, o perfil da população desta
área delimitada pelo programa Alegra Centro (Centro, Valongo, Paquetá, Vila Nova e
Vila Mathias) é predominantemente de pessoas de baixa renda em situação de
encortiçamento. São muitos jovens, mais da metade possui até 29 anos, com
significativa concentração de crianças (21,3%). É elevada a proporção de chefes de
família fora do mercado de trabalho (10,4% estão desempregados e 21,5% não
trabalham por outros motivos). O rendimento per capita desta população varia de meio
até um salário mínimo (32,5%) e mais de um, até dois salários mínimos (31,6%). É
também relevante o número de pessoas sem rendimentos (18,4%).
122
Segundo dados da SEADE para a CDHU, em 2001, a maioria das famílias possui
até três pessoas (68%) e estas são naturais do Estado de São Paulo. Foi contabilizado
que 23% das famílias têm apenas um filho e aquelas que possuem mais de quatro filhos
não ultrapassam 8%. Segundo a SEADE, a baixa renda familiar predominante pode ser
explicada pela baixa escolaridade dos chefes de família: 10% são analfabetos e 67%
possuem apenas o Ensino Fundamental completo. Em relação aos aspectos econômicos,
conclui-se que 93% destes chefes de família estão economicamente ativos, porém
apenas 47% têm atividade profissional registrada em carteira.
Segundo dados da Associação dos Cortiços do centro (ACC), em 2005, no centro
histórico da cidade e nos bairros da Vila Nova e Paquetá, havia 328 cortiços nestas
áreas. Os dados socioeconômicos levantados pela ACC apontam a fragilidade de
condição destas pessoas:
•
41% dos habitantes têm até 21 anos;
•
51% das famílias têm mulheres como chefes de família;
•
40% dos moradores da região ganham até R$ 300,00 reais por mês;
•
46% sobrevivem do mercado informal e subempregos;
•
7% não possuem nenhuma renda;
•
74% não são atendidos por nenhum projeto.
No que se refere às condições físicas dos cortiços, 86% das famílias vivem em
apenas um cômodo, e cada cortiço abriga, em média, de uma a seis famílias (55%) e os
banheiros e os tanques são de uso coletivo (91 e 94%, respectivamente). Quanto aos
vínculos urbanos (permanência na cidade), o estudo revelou que grande parte dos
habitantes dos cortiços vive na cidade há mais de 15 anos (46%) e 26% permanecem no
mesmo bairro há mais de 15 anos também. O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social
(IPVS), criado pela Fundação Seade, é calculado a partir da identificação dos fatores
socioeconômicos e demográficos, potencialmente capazes de afetar a vida dos
adolescentes e jovens residentes, conclui que, nos bairros centrais santistas, a população
encontra-se nos grupos de maior risco (índices 3, 4 e 5) (FIGURA 34).
123
Figura 34 – Índice Paulista de Vulneirabilidade Social de Santos (EMPLASA)
124
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE). <www.nese.unisanta.br>. Acesso
em Maio de 2010.
Para tentar resolver os problemas habitacionais no centro histórico e consolidar o
processo de (re)valorização desta área, atraindo novos investidores, com um novo
desdobramento do programa Alegra Centro (2003), em 2010, foi criado o Programa
Alegra Centro Habitação (2010), o qual, segundo o poder político local, visa melhorar
as condições de habitabilidade dos imóveis encortiçados e subutilizados na área central,
125
fixando normas, padrões e incentivos fiscais específicos para seus proprietários. O
objetivo é66:
Promover a melhoria da qualidade de vida da comunidade por
meio da viabilização da requalificacão das condições de
moradia dos imóveis de uso residencial subnormal da Região
Central Histórica de Santos; incentivo à reabilitação dos
imóveis de uso residencial plurihabitacional subnormal aos
parâmetros mínimos de habitabilidade contidos nesta lei, a
partir de um Projeto Replicável de Ação visando à permanência
da população local e melhoria de sua qualidade de vida.
Segundo o prefeito, João Paulo Tavares Papa, o diferencial deste programa é a
revitalização de área completamente estruturada, com 100% de saneamento básico,
energia elétrica, rede de telefonia, calçamento, escolas e unidades de saúde. “As pessoas
querem continuar vivendo ali e a falta de infraestrutura se restringe às moradias” 67. O
programa seria aplicado inicialmente no centro e nos bairros do Paquetá, Vila Nova e
Vila Mathias, com a reabilitação de 221 imóveis. A legislação define os tipos de
habitações coletivas permitidas: aluguel (tipo 1, até 20m²), condomínio (2, de 20m² a
40m²) e habitação de interesse social (3, até 60m²). Para cada tipo de moradia, são
especificadas as normas e adaptações que devem ser executadas pelos proprietários,
como o número de habitantes permitidos, quantidade de cômodos e medidas
necessárias, além de regras sobre ventilação e iluminação entre outras.
De acordo com o programa, os empresários que construírem residências na
região e donos de imóveis, que recuperarem as moradias, receberão até oito incentivos
fiscais, com isenção parcial ou total de impostos (ITBI, ISS, IPTU, entre outros) e de
taxas municipais. Já os proprietários de moradias precárias, que não cumprirem as
exigências, estariam sujeitos à multa de R$ 2 mil até R$ 8 mil, que pode chegar até 50%
do valor venal do imóvel para quem não aderir ao programa. A prefeitura também
encaminhou ao CMDU (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano) a proposta
66
Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br/planejamento/habitacao/downloads/plano.pdf>. Acesso
em dez., 2009.
67
Entrevista do prefeito santista João Paulo Tavares Papa à Agência Estado Online em 02/06/2008.
Disponível em <http//www.cidades.gov.br>. Acesso em Março de 2009.
126
de projeto de lei que regulamenta, no município, os instrumentos previstos pelo Estatuto
das Cidades, a exemplo da cobrança progressiva de IPTU dos proprietários que não
conservarem seus imóveis. O programa também visa à preservação e recuperação do
meio urbano e das relações de cidadania, o incentivo à geração de trabalho e renda,
priorizando o recrutamento de mão de obra local. Visa também fomentar ao
fortalecimento do comércio e à prestação de serviços em extensão natural das
residências. Como garantia de investimento à parceria privada, o poder público
municipal propõe a ampliação, a melhoria de rede de serviços públicos na área de
abrangência do programa, especialmente os de caráter social – educação, saúde, cultura,
esportes, transportes públicos e assistência social, além de incentivos fiscais aos
proprietários para executarem ações de melhoria nos imóveis e incentivos fiscais para
novas habitações.
O estabelecimento de incentivos fiscais para investidores privados e
proprietários na reabilitação dos cortiços, ou na implantação de novas construções de
uso residencial unihabitacional ou plurihabitacional na área, visa garantir as isenções
tributárias se os proprietários se comprometerem em manter valores de aluguel
acessíveis aos locatários originais, a fim de que esses permaneçam no imóvel, salvo os
casos de desadensamento dos edifícios já habitados. O poder público local teria a
incumbência de fiscalizar o mercado de aluguéis na área. Desde 2007, de acordo com
dados da genérica da cidade houve a valorização de grande parte destes terrenos do
Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias. O poder público local é o grande agente deste
processo de “resgate” do centro, o qual aponta como tendência um encarecimento do
comércio local por meio de um uso turístico e de empresários, bem como local de
possível moradia para estudantes universitários nesta região futuramente.
Segundo o poder público local, o Alegra Centro Habitação deverá articular e
integrar-se a outros diferentes Programas Habitacionais municipais, articulados à esfera
estadual e federal, como por exemplo, o Plano Local Integrado de Requalificação
Habitacional da Área Central, o programa de Locação Social 68, o Programa de Atuação
68
Para o poder público santista, tendo em vista a forte presença de cortiços, de parque imobiliário
degradado, de patrimônio edificado de valor arquitetônico, artístico e histórico na área central de Santos e
a reivindicação da população de baixa renda por essa modalidade de atendimento habitacional, tornou-se
fundamental articular a locação social às políticas urbanas e sociais, visando garantir a permanência dos
moradores nas áreas reabilitadas e, neste sentido, enquanto programa de habitação de interesse social, a
127
em Cortiços (PAC)69 e o programa de Reabilitação de Imóveis Vazios para Uso
Habitacional70. Como parte do Plano de Habitação Municipal 71, o programa Alegra
Centro Habitação ainda prevê a revisão a lei de Zonas Especiais de Interesse Social
(ZEIS), quanto à faixa de renda e delimitação das áreas, privilegiando a aplicação dos
instrumentos de Parcelamento do Solo, normas de Edificação e Utilização Compulsória
Locação Social deverá articula-se ao programa de recuperação da área central da cidade Alegra Centro,
destinando-se à população moradora de cortiços, estudantes, trabalhadores informais e transitórios e
outros segmentos da população de baixa renda. Em linhas gerais, as ações estratégicas para o
desenvolvimento do plano preveem a constituição e ampliação do parque/estoque imobiliário habitacional
público a ser destinado para locação social, por meio da reabilitação do estoque de imóveis vazios
existentes (reforma/reciclagem com transformação de uso), da aquisição, da produção de imóveis para
locação social e utilização de imóveis vazios e subutilizados.
69
O Programa de Atuação em Cortiços tem suas ações voltadas à garantia da relação formal de locação,
reconhecendo os direitos dos inquilinos e garantindo a permanência dos mesmos no imóvel, bem como
voltadas à melhoria das instalações sanitárias/requalifição domiciliar, a fim de garantir condições de
segurança e de salubridade da habitação nos bairros do Centro, Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias. Em se
tratando de uma relação privada entre o proprietário do imóvel, o locador do imóvel e os moradores
encortiçados, o poder público poderá atuar como mediador e facilitador do diálogo entre as partes, assim
como nos casos de irregularidade fundiária dos assentamentos, por meio de uma Comissão Mediadora de
Conflitos.
70
Segundo o poder público santista, a cidade apresenta 16.896 domicílios vagos na área urbana, portanto,
o Programa de Reabilitação de Imóveis vazios para Uso Habitacional visa incentivar e apoiar a iniciativa
de agentes privados para aquisição, reforma ou reciclagem de imóveis/prédios vazios para ofertarem
novas unidades habitacionais de interesse social para a população de baixa renda, bem como promover a
reabilitação de imóveis vazios pelo poder público. Assim, os beneficiários diretos do programa serão
aqueles das demandas do Programa de Locação Social e do Programa de Atuação em Cortiços e da
demanda por unidades habitacionais de interesse social em geral.
71
O Plano Municipal de Habitação (PMH) de Santos é a síntese do Planejamento Habitacional Nacional
em âmbito local, e trata não só a questão prioritária de Habitação de Interesse Social, como também a
questão da Habitação de Mercado Popular. Este plano é fruto do contrato n° 421/2008, dentro do Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS. O SNHIS, juntamente com Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social - FNHIS, Lei n.° 11.124/2005, foi aprovado, em 2005, pelo Congresso
Nacional, e como projeto de lei de iniciativa popular, o seu principio básico é a garantia ao direito
universal à moradia como direito e vetor de inclusão social garantindo padrão mínimo de habitabilidade,
infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos, serviços urbanos e
sociais). Este também prevê o cumprimento da função social da propriedade urbana (buscar e
implementar instrumentos de reforma urbana a fim de possibilitar melhor ordenamento e maior controle
do uso do solo, de forma a combater a retenção especulativa e garantir acesso a terra urbanizada), a gestão
democrática e participativa da política habitacional (participação dos diferentes segmentos da sociedade,
possibilitando controle social e transparência) e articulação das ações de habitação à política urbana
(considerando, de modo integrado, as demais políticas sociais e ambientais). As ações para efetivação do
plano na área central baseiam-se em: identificar os imóveis vazios ou subutilizados para aplicação dos
instrumentos disponíveis a indução da ocupação dessas áreas, desenvolver ações junto aos Cartórios de
Registros de Imóveis − visando solucionar pendências contratuais e de regularização de registros
imobiliários, criar mecanismos de simplificação e agilização dos procedimentos de aprovação de novos
128
e IPTU Progressivo no Tempo, previstos no Estatuto da Cidade, assim que a lei for
promulgada.
Quanto aos problemas voltados ao saneamento e habitação, até o presente
momento, cabe destacar somente as ações do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) – “Programa Santos Novos Tempos”, do governo federal em parceria com o
poder público municipal, que, no período entre 2007 a 2010, foi responsável pela
construção de 56 casas sobrepostas, além de obras de construção de galerias de
drenagem, troca do solo do canal e aterro sanitário em um Dique na Zona Noroeste da
cidade.
A solução dos problemas de moradia em Santos cabe à Companhia de Habitação
da Baixada Santista COHAB-ST, órgão deliberativo sobre as prioridades de ações e
aplicação dos fundos voltados à moradia (de diferentes níveis do poder público) e pelo
Conselho Municipal de Habitação – CMH, o órgão deliberativo, em algumas
competências. Este Conselho Municipal de Habitação – CMH 72 é composto por vinte e
quatro conselheiros titulares e respectivos suplentes, sendo seis representantes de órgãos
públicos, seis da sociedade civil e doze representantes da população, ou seja, pode haver
um equilíbrio de forças entre o Estado e a iniciativa privada (sociedade civil) e os
interesses sociais representados pela população, dependendo de suas vinculações
institucionais. A competência do Conselho, mais relevante, neste caso, é em relação às
empreendimentos habitacionais pelo mercado imobiliário de habitação de interesse social ou de mercado
popular e, por fim, articular as ações da política habitacional a programas dirigidos à inclusão social,
através da geração de renda, emprego e capacitação dos grupos excluídos ou vulneráveis. A curto prazo
(2009-2012), o Plano de Habitação Municipal prevê a revisão da lei de ZEIS de maneira a incorporar as
questões indicadas, prioritariamente quanto à faixa de renda e delimitação das áreas, sendo imediata a
articulação e a aprovação da lei que institui o Programa Alegra Centro Habitação, no âmbito dessa
privilegiar a aplicação dos instrumentos de parcelamento do solo, normas de edificação, utilização
Compulsória e IPTU Progressivo no Tempo. No âmbito estadual, a política habitacional santista está
concentrada na atuação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São
Paulo – CDHU, no Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal, no
Fundo Paulista de Habitação de Interesse Social, da Companhia de Habitação da Baixada Santista –
COHAB SANTISTA, pelo Programa Alegra Centro Habitação e pelo Programa Santos Novos Tempos,
além do Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais – PEMAS (especificamente, o
programa de Atuação em Cortiços), do Programa de Locação Social e do programa de Reabilitação de
Imóveis Vazios para Uso Habitacional, importantes para a consolidação do Alegra Centro Habitação.
72
Criado e disciplinado pela Lei n° 1.776/1999, como um órgão de caráter consultivo e de
assessoramento ao Prefeito e gestor do Fundo de Desenvolvimento Urbano, ainda não regulamentado.
129
prioridades de investimentos decididas por seus membros com o suporte do poder
público. Portanto, estes são os principais agentes para a execução do Plano Municipal
de Habitação de Santos (2009), cujo o programa Alegra Centro Habitação é um
instrumento deste PMH. O PMH insere-se em um contexto nacional de rearranjo
institucional da política habitacional e do desenvolvimento urbano integrado conforme
definição da Política Nacional de Habitação – (PNH), aprovada em 2004 pelo Conselho
das Cidades.
A PNH é uma das políticas setoriais que compõem a Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano – PNDU e tem como objetivo a retomada do processo de
planejamento no setor habitacional, propiciando condições institucionais para garantir
acesso à moradia. Para consolidação da PNH, foi estabelecida uma estratégia de
implementação gradual de seus instrumentos, recursos e programas. O Sistema Nacional
de Habitação, principal instrumento da Política Nacional de Habitação, inclui a criação
de dois subsistemas: o de Habitação de Interesse Social e o de Habitação de Mercado.
Definidos por estratégias diferenciadas, os subsistemas visam promover que o mercado
privado responda por parcela da demanda com alcance da oferta de mercado, enquanto
que a promoção pública concentre-se no atendimento à demanda por habitação das
camadas de menor renda, especialmente na faixa de zero (sem rendimentos) a três
salários mínimos, que necessita de investimentos subsidiados, perfil econômico da
grande parte da população moradora do centro histórico e bairros adjacentes.
Portanto, para a compreensão do Alegra Centro Habitação, como também para a
sua consolidação, a base de ação do poder público santista é o PMH, que está pautado
nas normas do setor urbanístico e habitacional municipais do Plano Diretor de
Desenvolvimento e Expansão Urbana (lei complementar nº 311/1998), o qual inseriu
Planos de Ação Integrada, priorizando o desenvolvimento turístico, a integração do
Porto/Município, a otimização de trânsito e transporte. Também devem ser consideradas
as leis complementares nº 387/2000, nº 448/2001, nº 484/2003, nº 514/2004, nº
559/2005, nº 589/2006 e a nº 643/2008, as quais preveem a aplicação da outorga
onerosa e não onerosa do direito de construir e a transferência do direito de construir,
entre outros, como instrumentos urbanísticos de incentivo. A outorga onerosa do direito
130
de construir é permitida aos investimentos nos imóveis localizados nos Corredores de
Desenvolvimento e Renovação Urbana – CDRU73, principal área da ação de renovação
urbana da cidade. E, principalmente, pela instituição de Zonas Especiais de Interesse
Social (ZEIS), lei complementar nº 53 de 15 de maio de 1992. As ZEIS santistas estão
subdividas em diferentes categorias:
1. Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS-1) são áreas públicas ou
privadas ocupadas espontaneamente, parcelamentos ou loteamentos
irregulares e/ou clandestinos, incluindo casos de aluguel de chão,
habitados
por
população
de
baixa
renda
familiar,
destinados
exclusivamente à regularização jurídica da posse, à legalização do
parcelamento do solo e sua integração à estrutura urbana e à legalização
das
edificações
salubres
por
meio
de
projeto
que
preveja,
obrigatoriamente, o atendimento da população registrada no cadastro
físico e social da respectiva ZEIS existente no órgão de planejamento ou
de habitação da Prefeitura, podendo ocorrer à regularização urbanística
de áreas ocupadas por população de baixa renda (sempre que possível
com o aproveitamento das edificações existentes ou em novas
edificações em áreas parceladas de fato) com a possibilidade de
remanejamento para novas unidades habitacionais, preferencialmente na
mesma ZEIS-1;
73
Pode o adicional oneroso de Coeficiente de Aproveitamento ser concedido por lote até 2 (duas) vezes a
área do lote, chegando a um coeficiente de aproveitamento máximo 7 (sete) para os corredores nas Zonas
da Orla- ZO, Intermediaria - ZI e Central II – ZCII. O coeficiente de aproveitamento máximo das ZC I é
de 6 (seis) vezes a área do lote e da ZC II e 5 e 6 (seis) na Zona Noroeste I - ZNI. O Coeficiente de
Aproveitamento permitido para essas zonas, sem outorga onerosa, é de 5 (cinco) e 4 (quatro) vezes a área
do lote respectivamente. O instrumento é utilizado para empreendimentos em que a área construída
extrapole esse coeficiente. A Transferência do Direito de Construir será aplicada aos imóveis de interesse
cultural e os situados nos Corredores de Proteção Cultural considerados de nível de proteção 1, 2 e 3,
onde estes imóveis de interesse cultural e os situados nos Corredores de Proteção Cultural, em
decorrência de sua representatividade, do seu estado de conservação e da sua localização, enquadrados
em 4 diferentes níveis de proteção. Nesses imóveis o coeficiente de aproveitamento da Zona somente será
utilizado para o cálculo da transferência do potencial construtivo. Disponível em: <
http://www.santos.sp.gov.br/planejamento/habitacao/downloads/plano.pdf>. Acesso em
dez., 2009.
131
2. As Zonas Especiais de Interesse Social 2 (ZEIS-2) são compostas por
terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados, que, por sua
localização e características, sejam destinados exclusivamente à
implantação de programas habitacionais de interesse social;
3.
AS Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS-3) são áreas com
concentração de habitação coletiva precária de aluguel (cortiços),
principalmente nos bairros de concentração do Programa Alegra Centro
Habitação, nas quais serão desenvolvidos programas e projetos
habitacionais destinados, obrigatoriamente, ao atendimento da população
de baixa renda familiar, moradora da área, conforme cadastro existente
no órgão de planejamento ou de habitação da Prefeitura, visando o uso
comercial e de serviços compatíveis com o uso residencial através de
uma melhoria de condições de habitabilidade nos cortiços existentes,
podendo, em alguns casos, haver um remanejamento de moradores para
novas unidades habitacionais na mesma ZEIS-3.
Nestas áreas de ZEIS, encontra-se parte significativa dos aglomerados precários
de Santos identificados pela Prefeitura. Suas áreas foram demarcadas como Zonas
Especiais de Interesse Social. A revisão das ZEIS, desde sua implantação em 1992,
pouco resolveu os problemas de habitação no centro e suas adjacências. Formalmente,
propõem-se soluções habitacionais para a população das áreas de ZEIS 1 e 3,
principalmente nas áreas próximas ao antigo porto. Nestas áreas, o PMH visa aplicar o
Plano Local Integrado de Requalificação Habitacional da Área Central, cujas diretrizes
são:
•
Integração com o Programa de Revitalização e desenvolvimento da
Região Central Histórica de Santos – Alegra Centro;
•
Integração com o Programa Alegra Centro Habitação;
•
Planejamento da atuação dos programas habitacionais de Locação Social,
Atuação em Cortiços e Reabilitação de Imóveis Vazios para Uso
Habitacional.
132
Esta problemática, que envolve a tentativa de solucionar os problemas
habitacionais no centro e suas adjacências, na cidade, por parte do poder público local, é
discutida no trabalho de José Marques Carriço, Legislação urbanística e segregação
nos municípios centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista (2002), quando
este relata o processo de instituição de ZEIS em Santos pelo Conselho de Planejamento
da cidade santista, o COPLAN, criado em 1964 (Lei nº 2.852). Naquele momento, tinha
uma composição bastante representativa das elites e agentes capitalistas locais, e sua
representação foi fortalecida e consolidada pela implementação do plano diretor de
1998. Segundo Carriço, o COPLAN criou obstáculos para a aprovação de ZEIS na
cidade, que incentivava a implantação de projetos habitacionais destinados às classes de
baixa renda. Somente após muita discussão com os representantes dos movimentos
sociais por habitação da cidade, foi aprovada a instituição de ZEIS, desde que não
fossem localizadas próximas à orla, devido ao crescente mercado imobiliário desta área.
A instituição de ZEIS na área central da cidade, apesar de representar uma vitória para
os movimentos sociais por moradia na cidade, pouco mudou a realidade da população
moradora do local
Para a implementação destas ZEIS, o poder público local promoveu diversas
desapropriações de imóveis e de comércios populares caracterizados pela prefeitura
como “insalubres”, com baixas condições de habitabilidade, muitas clandestinas, sem
alvará da prefeitura ou mesmo com problemas de arrecadação tributária de IPTU.
Deslocou também parte da população para outros locais da cidade por meio de alguns
projetos habitacionais, como os imóveis entregues pela Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano (CDHU), por exemplo.
Na área central, no bairro do Paquetá, mesmo com a instituição de ZEIS desde
1992, até o momento só foram entregues 113 apartamentos pela CDHU, num processo
articulado com o poder público local por meio do Programa de Atuação em Cortiços.
São os conjuntos habitacionais “Vitória”, na rua João Pessoa, com 60 unidades e o
“Jardim Paquetá”, rua Amador Bueno, com 53 unidades (FIGURA 35). Os outros
133
moradores expulsos do centro foram para áreas periféricas da cidade, alguns
contemplados por projetos habitacionais no distrito de Vicente de Carvalho, na área
continental e no município vizinho de São Vicente, enquanto aqueles não contemplados
foram às áreas de morro ou voltaram para os cortiços do centro.
Figura 35 - Os condomínios “Vitória” e “Jardim Paquetá”, respectivamente
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
Os imóveis fechados pela prefeitura, para abrigarem conjuntos habitacionais e
que ficaram abandonados, aos poucos, foram sendo ocupados pela população que voltou
para o centro e pelos moradores de rua, como também foram invadidos ilegalmente por
ferros-velhos, galpões para contêineres, comércios e empresas para atender as demandas
do porto (FIGURA 36).
134
Figura 36 - O abandono dos imóveis e a invasão de empresas no local
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
Atualmente, a prefeitura, por meio do Programa de Atuação em Cortiços,
pretende entregar mais 250 unidades habitacionais no centro. Os investimentos da
prefeitura com a Caixa Econômica Federal (CEF) 74 somam mais de R$ 29 milhões 75 na
construção dos núcleos do Estradão e no Programa de Atuação em Cortiços. A
prefeitura e a CEF também assinaram um convênio que prevê a liberação de apoio a
planos habitacionais (R$ 60 mil76) para empreendimentos já realizados e para os
previstos, que incluem o empreendimento “SANTOS l”, na Rua São Francisco (bairro
do Paquetá), por meio do Programa de Atuação em Cortiços. No total, os investimentos
previstos para a cidade santista, nos próximos cinco anos, são de R$ 93.389.489,57
(prefeitura), R$ 37.300.000,00 (CDHU) e R$ 132.825.688,00 (Ministério das
Cidades)77.
74
Empreendimento realizado em parceria com o município, por meio da Modalidade de Carta de Crédito
aos futuros proprietários dos imóveis.
75
Valor equivalente à USD 18.000.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
76
Valor equivalente à USD 37.198,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
77
Valor equivalente à USD 57.650.000,00 pelos investimentos previstos pela prefeitura, USD
23.125.000,00 (CDHU) e USD 82.400.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
135
Portanto, ainda não está claro como o poder público local pretende resolver
efetivamente o problema dos 328 cortiços na área central, e sua população de 14.000
pessoas, e quais serão os recursos investidos na área, pois, para esta área, atualmente, há
apenas o comprometimento de construção, pela CDHU, de 250 imóveis, um valor
irrisório frente à demanda.
Tabela 3 – Quadro das obras concluídas na cidade, segundo distritos
OBRAS CONCLUÍDAS - 2008
ZONA LESTE
PLURITOTAL
DISTR.
BAIRRO
QT. RESIDENCIAL
COMERCIAL MISTO OUTROS
HAB.
M2
25
VILA NOVA
1
1
412,19
26
PAQUETÁ
2
1
1
5.268,79
27
CENTRO
1
1
404,58
28
VALONGO
0
Fonte:<http://www.investsantos.com.br>. Acesso em nov., 2009.
Portanto, a produção de imóveis para a habitação popular no centro histórico
santista, por meio de diferentes agentes do poder público, apesar de incluir ZEIS, foram
insuficientes frente à demanda. E, no quadro acima, verifica-se que poucas obras foram
concluídas na região de aplicação do programa Alegra Centro, destas, destacam-se as
obras comerciais, sendo apenas uma relacionada à melhoria das unidades
plurihabitacionais. Assim, a população local, que conseguiu permanecer ou que voltou
para seus antigos cortiços no centro, tentou buscar outras estratégias de sobrevivência
nesta área. O exemplo mais bem sucedido é a presença e atuação da Associação dos
Cortiços do Centro (ACC).
A ACC foi fundada em 1996 como uma forma de reivindicação à demora das
políticas públicas frente às necessidades dos moradores do centro, pois, as negociações
com a COHAB-ST e CDHU foram iniciadas no governo Mário Covas (1995 - 2001),
PSDB, e, até 2008, só os dois empreendimentos das CDHU (edifícios Vitória e Jardim
Paquetá) haviam sido construídos. Portanto, esta demora do poder público, além de
136
atitudes “duvidosas” do presidente78, que abandonou a associação, esta foi assumida,
pela atual presidente, Samara Margareth Conceição Faustino, em 2000. Associada desde
1998, ela assumiu a presidência da Associação por ser uma antiga moradora do bairro e
por conhecer bem as necessidades da população local.
Samara é uma antiga moradora da região central santista e contou que chegou à
Santos ainda bebê. Passou toda sua infância ali, na rua Dr. Crochrane, depois passou
uma parte de sua juventude em um cortiço na área central de São Paulo, mudou-se para
o Rio de Janeiro, mas retornou para esta área santista devido aos seus laços com a
cidade onde ela foi batizada, cresceu e estudou. Ela contou que a maioria dos associados
da ACC tem uma história de vida parecida com a sua: muitos nasceram ali ou estão lá
há muitos anos, e alguns acabaram vindo por influência de parentes que moram na
região. São trabalhadores, donas de casa, vendedores ambulantes, prostitutas.
Atualmente, Samara mora em um cortiço na rua São Francisco com mais 16
pessoas da família. É cabeleireira autônoma, quando não está na militância, mas não
recebe salário para presidir a ACC. Ela tem por volta de 50 anos e disse que, na sua
infância, a vida era mais fácil ali: sua família tinha uma condição de vida melhor, tanto
que ela pode estudar em colégio particular e o centro não era um lugar abandonado, sujo
e violento. Ela relatou que, naquela época, era possível fazer um lanche entre as
principais refeições do dia, e que hoje é praticamente impossível fazer todas refeições
do dia, pois o que eles ganham, permite só comer o “básico”. A ACC luta pela
permanência deles ali na área central, apesar das dificuldades, das péssimas condições
de vida no cortiço e do alto valor dos aluguéis. Ali eles ainda têm emprego, os serviços
públicos (as escolas, as creches, os postos de saúde, mesmo que precários), além da
facilidade de deslocamento na cidade pelo transporte público, o que não ocorre já na
área continental, onde o poder público constrói algumas habitações populares. Samara
enfatizou que a população local passa por muitas dificuldades financeiras e que pagar o
aluguel de um cômodo no cortiço é muito difícil: um cômodo custa, em média, R$
400,00, e existe uma diminuição da oferta desde 1992, coincidindo com a instituição da
78
Este tinha envolvimento com partidos políticos e vereadores da cidade e não respondia aos
questionamentos dos associados.
137
ZEIS que expulsou parte da população para a construção de habitações populares, o que
não ocorreu e ainda serviu para encarecer os aluguéis.
As ações do Alegra Centro serviram para desapropriar imóveis por meio dos
tombamentos promovidos pelo poder público, sobretudo o poder público local por meio
do Condepasa (Conselho de Defesa do Patrimônio de Santos). Grande parte dos
proprietários não tem condições financeiras de restaurar os imóveis tombados de acordo
com as especificações determinadas pela prefeitura, mesmo com os incentivos fiscais de
isenção do IPTU, logo acabam fechando, abandonando, ou alugando os imóveis para
estacionamento, guardar contêineres e servir de ferros-velhos.
Em 2008, a ACC conquistou um terreno abandonado (área dos antigos
Armazéns Gerais da Bolsa do Café) com mais de seis mil metros quadrados da
Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para a construção de 113 apartamentos. A
área está avaliada em R$ 2,3 milhões79 e foi cedida à associação sem ônus.
Emocionada, Samara, relatou o embate político travado com a prefeitura naquele
momento para a liberação do alvará de construção do conjunto habitacional, pois este
terreno deveria estar incluído na Zona Especial de Interesse Social. A prefeitura
afirmava que a doação de um terreno como este era mais um “um projeto mentiroso” do
governo federal, e que eles não conseguiriam definitivamente o terreno da SPU,
portanto, a prefeitura não o incluiria na área de ZEIS. Quando o projeto de doação foi
anunciado formalmente pela SPU, a prefeitura passou a pleitear, junto à mesma, este
terreno, porque ele deveria cumprir sua função social, por estar abandonado há muitos
anos, e que este seria fundamental para a prefeitura em seus projetos sociais no centro,
como, por exemplo, a construção de um ambulatório de atendimento médico. Depois,
mesmo derrotada, a prefeitura ofereceu à ACC um terreno com o dobro do tamanho, no
bairro do Alemoa, próximo à entrada da cidade nas margens da rodovia Anchieta, além
de recursos financeiros e apoio técnico da empresa Hipercon 80. Nesta ocasião, a ACC
79
Valor equivalente à USD 1.426.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
80
Empresa especializada em operações em Terminais de Cargas na área de comércio internacional,
localizada em várias cidades brasileiras, e é a maior operadora no setor de logística do porto de Santos,
principalmente por sua grande capacidade de transporte e armazenagem e que teria grande interesse neste
138
recusou prontamente a proposta, pois eles não têm interesse em sair do centro, ali é o
local de suas vidas e trabalho.
Neste terreno doado pela SPU, a ACC está construindo 181 apartamentos
divididos em dois blocos, o edifício “Vanguarda I” (103 apartamentos) e o edifício
“Vanguarda II” (78 apartamentos), contemplando os atuais 181 associados que
trabalham em sistema de mutirão com carga horária semanal de 8 horas (salão livre) a
16 horas (apartamentos de três quartos) 81 (FIGURAS 37 e 38).
Para a construção dos apartamentos, a ACC conseguiu um empréstimo de R$ 3,4
milhões82 concedido pela Caixa Econômica Federal (CEF), sendo que o crédito para a
construção do edifício Vanguarda I foi obtido por meio do Fundo Solidário do
Ministério das Cidades, que financia moradia para famílias com renda inferior a três
salários mínimos mensais a juros zero, enquanto o financiamento para a construção do
edifício Vanguarda II foi obtido pelo programa federal Minha Casa Minha Vida 83. O
edifício Vanguarda I, que deveria ser entregue em três meses, poderá ser financiado em
até 20 anos sem a cobrança de juros, enquanto o edifício Vanguarda II, que deveria ficar
pronto em 12 meses, poderá ser parcelado em até 10 anos, também sem juros. Ainda há
o comprometimento do Governo Estadual em arcar com as mensalidades por até dois
anos em caso do inquilino ficar desempregado.
As obras estão atrasadas devido à demora para liberação da última parcela do
crédito da CEF devido a problemas técnicos na planta dos imóveis, segundo Samara.
Seriam 15 meses, mas as obras já contam com dois anos e três meses (era para ser 15
meses, mas a demora para a liberação de credito atrasou). A previsão agora é de mais
terreno também por sua proximidade ao porto.
81
O trabalho dos mutirantes está dividido em cotas semanais estipuladas pela ACC. O trabalho é feito
pelo próprio associado, com ajuda de familiares, se necessário. Conforme o tamanho do apartamento, são
determinadas as horas semanais necessárias para a construção.
82
Valor equivalente à USD 2.108.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
83
O objetivo do “Programa Minha Casa, Minha Vida” é criar uma série de mecanismos para produção,
aquisição e reforma de unidades habitacionais de interesse social destinado a famílias que recebem até
dez salários mínimos, com subsídios de quase 100% para famílias que ganham até três salários mínimos
por mês. A lei trata, também, de estabelecer conceitos e procedimentos de âmbito federal para a
promoção da regularização fundiária de assentamentos urbanos, introduzindo novos instrumentos para a
legalização de moradias urbanas.)
139
sete meses, se a CEF liberar uma parte do empréstimo devido problemas técnicos na
planta dos imóveis. A ACC também espera a liberação de outros R$ 869 mil
84
que
deverão ser repassados pela Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo, mas ainda
se encontram em poder da prefeitura, que é contra o projeto, pois, segundo Samara, eles
também teriam conseguido mais R$ 1.300 milhão 85 na câmara municipal, mas o prefeito
João Paulo Tavares Papa não quis assinar a liberação porque o projeto contava com
alguns apartamentos com três quartos. Ele disse que nem os conjuntos da CDHU
(Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) tinham três quartos e,
portanto, teríamos que abrir mão desta tipologia, conta Samara, revoltada com a
justificativa do prefeito. Para a prefeitura, que prevê a instalação de um parque
residencial e universitário nesta área (especialmente nos bairros de Vila Nova e Vila
Mathias), esta tipologia de imóveis certamente não atenderá a demanda por pequenos
apartamentos para o público de trabalhadores do pólo tecnológico e estudantes
universitários.
As obras têm supervisão da organização não-governamental Ambienta, que atua
na área de habitação e é parceira da ACC desde 2005, e contribuiu tanto para a
mobilização dos moradores e como no assessoramento técnico para obtenção do
financiamento.
A ACC, como um movimento social importante para a elaboração de políticas
públicas da cidade, foi chamada só na primeira reunião sobre a criação do Programa
Alegra Centro Habitação. Muitos dos acordos firmados nessa reunião não foram
incluídos no programa, mas, ainda assim, o programa, pelo menos no discurso, visa
algumas medidas para a inclusão social (trabalho, renda) para a população local
condição imposta pela ACC durante a reunião.
84
Valor equivalente à USD 539.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
85
Valor equivalente à USD 806.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
140
Figura 37 – As maquetes dos edifícios Vanguarda I e II
Fonte: <http://www.caixamelhorespraticas.com.br/praticas/top-100/vanguarda/>. Acesso em Março de
2011.
141
Figura 38 - A construção do playground com recursos do Prêmio Caixa - Melhores
Práticas em Gestão Local – 2009
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
Além dos problemas financeiros e políticos enfrentados pela ACC, há a própria
problemática que envolve o sonho da casa própria para a classe trabalhadora, sonho
iniciado com a tomada de empréstimos e o comprometimento do pagamento do imóvel
a longo prazo. A socióloga Sharon Zukin (1993:11) aponta o ato de compra da casa
própria como, provavelmente, o momento mais significativo do consumo, e certamente
o gasto mais importante na vida da maioria das pessoas, mas o comprador é cercado
pelo contraditório aspecto de autonomia e dependência ao mesmo tempo, pois, por um
lado, comprar um teto e um pouco de terra ao redor significa libertação do senhorio ou
senhoria, e da proximidade com a família, enquanto, por outro lado, o despejo se torna
tão próximo quanto nas mãos do banco ou do proprietário da hipoteca, pois o
pagamento em intervalos regulares obriga ao emprego estável e poupança, realidade
adversa desta população pobre e trabalhadora. Assim, a ampliação do crédito conta com
142
um agenciamento e organização do tempo futuro dos tomadores de empréstimos, ou
ainda, conta com o comprometimento do trabalho futuro dos trabalhadores para a sua
realização (MARTINS, 2009). Portanto, uma questão muito relevante, para questionar
estas ações e o modelo imposto de acesso à moradia para estas pessoas em situação de
encortiçamento na área, é destacar a frágil situação financeira que elas vivem
(desemprego, falta de emprego fixo), o que pode vir a impossibilitar o pagamento das
prestações dos imóveis, independemente do valor simbólico.
Um exemplo de descaso dos agentes políticos frente aos problemas habitacionais
da cidade:
Câmara de Santos passa a ocupar o prédio do Castelinho no dia
1586
O novo e definitivo prédio do Legislativo santista será
inaugurado no próximo dia 15, às 10 horas, em cerimônia no
local escolhido para abrigar a Câmara: o Castelinho, centenário
edifício que abrigava o Corpo de Bombeiros, na Avenida
Senador
Feijó,
na
Vila
Mathias.
“É a realização do sonho da casa própria”, brincou o presidente
da Casa, Marcus De Rosis (PMDB), que esteve nesta segundafeira em A Tribuna, acompanhado do 1º-vice-presidente,
Antônio Carlos Banha Joaquim (PMDB), e do 2º-secretário,
Benedito
Furtado
(PSB).
O investimento nas obras de reforma do local, que duraram três
anos, foi em torno de R$ 20 milhões 87 - mais de 50% acima da
previsão
inicial.
O imóvel abrigará os gabinetes dos vereadores, terá sala para a
realização das sessões, auditório para 150 pessoas, plenário para
audiências públicas com 130 lugares, sistema de ar
condicionado a gás, elevadores e espaço para exposição de
memórias dos 91 anos em que os Bombeiros ocuparam o
Castelinho. (grifos meus).
86
Matéria do jornal a Tribuna online de 06/12/2010. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>.
Acesso em Janeiro de 2011.
87
Valor equivalente à USD 12.400.000,00, segundo a cotação de 20/05/2011, disponível em: <
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
143
As ações do programa Alegra Centro, em seus três focos de ações, “patrimôniotecnologia-habitação”, interferem na reprodução da vida urbana e, a nosso ver, não
buscam melhorias efetivas nas demandas e condições de vida da população, inclusive
em planos que demarcam a vida privada.
A atuação do Estado, no sentido de potencializar os negócios urbanos por meio de
um programa de (re)valorização da área central da cidade santista, já se apresentava no
plano diretor de 1998. E manifesta-se, agora, em sua atual revisão, a partir das ações
políticas que possibilitam o desdobramento e ou reagrupamento de propriedades de
negociação dos potenciais de construção, como o caso de proprietários santistas que
restaurarem seus imóveis. Estes gravados com níveis de proteção 88, localizados nos
Corredores de Desenvolvimento e Renovação Urbana ou em áreas de operação urbana
consorciadas, tem potencial construtivo transferido para outras áreas da cidade (Zona da
Orla, Zona Intermediária e Central II em sete vezes a área do lote, a seis vezes a área do
lote na Zona Noroeste I e a quatro vezes a área do lote na Zona dos Morros III).
Portanto, a problemática que envolve a função social da propriedade urbana, por meio
de um processo de reestruturação urbana, como o caso do programa Alegra Centro, é a
capitalização das propriedades dentro de um processo de revalorização espacial
(CARLOS, 2009)89.
Cabe elucidar que a tendência é um aumento do valor dos aluguéis dos imóveis no
futuro por meio de uma valorização econômica da área e sofisticação do seu comércio,
mesmo que a municipalidade tente, a partir de mecanismos legais, criar meios para
inibir tais ações dos proprietários. Tendo em vista a atração de um novo público para a
área − turistas, pesquisadores e funcionários ligados ao serviço portuário, assim como
os jovens estudantes de classes sociais mais abastadas que frequentarão os cursos
universitários do pólo tecnológico do Valongo. A presença desses possíveis novos
usuários propiciará uma elevação dos preços dos aluguéis e imóveis nesta área
(re)valorizada, como opção de moradia para estes grupos sociais mais elitizados.
88
Para imóveis de nível de proteção 1 e 2. O direito à outorga onerosa do direito de construir será
concedida desde que os imóveis sejam efetivamente restaurados e preservados, cabendo à unidade
competente da Prefeitura, ouvido o CONDEPASA, a aprovação, a fiscalização e a emissão de certidão de
restauração do imóvel.
89
Palestra concedida pela autora no evento XI Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB) em
Setembro de 2009 – Brasília (DF).
144
Portanto, um aumento do custo de vida nesta área poderá ser um fator de expulsão
induzida da população local. A comunidade local e a ACC, cientes do que Samara
chama de “efeito Pelourinho”, temem que a revitalização da área seja fator de expulsão
da população pobre local (FIGURA 39). Frente a esse risco, a ACC já busca alternativas
e estratégias para se incluir, resistindo, neste futuro que se espelha para o centro
histórico santista, além de divulgar suas ações para outros movimentos sociais da
Baixada Santista.
Figura 39 – O comércio popular no Bairro do Paquetá
Autoria: Paula Dagnone Malavski – 26/10/2007.
A criação de boxes comerciais, no andar térreo dos edifícios Vanguarda I e II, será
uma opção de inclusão e renda para estas famílias da ACC, quando esta área da cidade
estiver “revitalizada”, abrigando o futuro terminal de passageiros do porto. Hoje, com o
apoio da Petrobrás, já foi criada a padaria comunitária “Um Só Coração”, que tem as
mulheres da comunidade como funcionárias e administradoras, em um total de 20
famílias, atendendo ao comércio local, além de visar atender aos turistas que
frequentarão a área. Há também o projeto “Raízes Corticeiras”, que envolve a produção
145
de bijuterias de couro e chita. Haverá também, no local, em um prédio anexo à padaria,
a creche “Um Só Coração”, que funcionará 24 horas e terá o apoio de profissionais
capacitados (FIGURAS 40 e 41).
Esta área da cidade, o centro histórico santista e suas adjacências, apesar da
degradação dos equipamentos urbanos e das edificações, não é uma área “fantasma” da
cidade, como costumam falar os políticos da cidade nos eventos políticos que visam
atrair potenciais investidores para esta área da cidade. É o lugar da vida cotidiana com
seus significados, simbolismos e identidade para a população local.
Figura 40 - Patrocínio da Petrobrás/RPBC (Baixada Santista) nos programas
comunitários da ACC. Oficina de bijuterias em Chita e Biblioteca Comunitária
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
146
Figura 41 – A Padaria “Um só coração” e seu projeto de readequação do imóvel
Autoria: Paula Dagnone Malavski (16/05/2011).
147
O conceito de lugar, definido a partir da tríade habitante-identidade-lugar, como
a porção do espaço apropriável para a vida, por meio do corpo, dos sentidos, dos passos
de seus moradores, está diretamente relacionado ao cotidiano das pessoas. São locais
apropriados pelo uso, espaços do vivido, carregados de significados, que criam a
identidade. São também articulados com a totalidade espacial, considerando as suas
relações com o caráter social e histórico da produção do espaço geográfico global
(CARLOS, 1996).
Segundo Lefebvre, a produção do espaço, em seu vivido90, com seus traços
distintos e sua presença, não sendo visível e nem legível como tal na materialidade deste
espaço urbano, dá-se por meio da vida que se reproduz para aquele que faz uso do
espaço. Para este autor, os turistas, por exemplo, são capazes de fazer apenas uma
contemplação passiva das formas do espaço urbano, de sua arquitetura, diferentemente
daqueles ali vivem e criam sua identidade. Como esta população da área central santista,
que vive este espaço, mesmo que esta população possa estar condicionada por uma
programação do seu cotidiano pela predominância do capital, impondo ao
conhecimento, aos signos, aos códigos, simbolismos complexos locais, ordens e regras.
Mas, mesmo a vida destas pessoas estando condicionada a uma programação do
cotidiano, não se não excluem e não extinguem as práticas locais ligadas ao uso do
espaço. Este espaço também é (re)produzido por um lado “clandestino” e “subterrâneo”
da vida social que foge à “ordem”, à racionalidade tecnicoburocrática, revelando
insurgências de verdadeiras demandas sociais para esta área, como a necessidade de
habitação (LEFEBVRE, 1974).
Quanto às ações implementadas pelo Alegra Centro, há que se questionar que a
transformação deste espaço e a produção de um espaço turístico podem levar a uma
supressão do cotidiano da população local, das relações entre os indivíduos e grupos (o
vivido, a subjetividade, as emoções, os hábitos e os comportamentos) pela expulsão
dessa população para outras localidades. O centro histórico, (re)produzido pelo Estado e
seus aliados sob a ótica do mercado, tende a levar à expulsão ou ao isolamento desta
população local , privilegiando os futuros usuários (empresários, turistas) neste espaço,
90
O plano do vivido, tendo como referência as obras de Henri Lefebvre, baseia-se no uso do espaço, no
plano da reprodução da vida, suas práticas e simbolismos atribuídos.
148
assim como pode negar este cotidiano como potencialidade de conscientização e luta
frente às condições sociais impostas.
A nosso ver, o cotidiano desta população envolvida no programa Alegra Centro
não pode ser compreendido somente como aceitação, repetição de normas e regras
instituídas por um poder público. As estratégias de sobrevivência desta população,
como, por exemplo, a construção dos apartamentos pela ACC, é potencial e
virtualmente transformador da difícil realidade imposta, mesmo de forma lenta. Os
conflitos sociais gerados nesta área, pelas necessidades de reprodução cotidiana destes
sujeitos sociais incluem a satisfação dos serviços públicos, os sonhos, o imaginário, os
sentimentos, cuja a produção de um espaço turístico na área central da cidade tende a
anular ou inibir o uso deste espaço público, das praças, das ruas e dos espaços abertos,
enquanto espaços de apropriação que podem iluminar e explorar a riqueza deste “viver”,
enquanto constituição de uma multiplicidade de relações sociais e como prática espacial
que está na base do processo de constituição de identidade com o lugar (CARLOS,
2001: 182) em que o “viver” pode fugir às racionalidades impostas pela poder público e
pelo capital privado já que, mesmo as imagens, como construção da própria cidade, são
capturadas e percebidas diferentemente pelos diversos agentes sociais envolvidos.
Por mais dramático que este processo de (re)valorização espacial se desenrole
neste local, não há como negar e apagar as potencialidades e as resistências da
população local que enfrenta cotidianamente as imposições do poder público que pode
vir a inaugurar um projeto de um espaço que, mesmo (re)valorizado, amenize as
contradições e as segregações sociais, incluindo estas pessoas neste processo de
transformação do espaço central santista
3.2. As estratégias do poder público local para (re)valorizar o centro histórico
santista e intensificar um processo de segregação socioespacial na cidade.
Existe uma estratégia do poder público de capturar o imaginário social, criando
uma imagem do centro como área “fantasma, degradada, marginal a fim de canalizá-lo
na direção de que esta área necessita inevitavelmente ser “revitalizada”, reconstruindo a
imagem do centro histórico, mas nem tudo consegue ser capturado, pois, quando o
149
poder público santista tentar impor novos usos espaciais no centro histórico, conteúdos
muito diferenciados da prática social vivida pelo cotidiano desta população, poderão ser
verificados diversos conflitos e possíveis subversões através das adaptações e usos
realizados no cotidiano (ALVES, 1992).
As ações do poder público, por meio do city marketing, buscam gerar um consenso
na população santista que esta área espaço central (os bairros do Valongo, Paquetá, Vila
Nova e Vila Mathias) é uma área “marginal”, “sem controle” e que deve ser retomada
para os seus cidadãos sob os termos de uma “criminalização espacial”, como aponta
Mike Davis (2004). Apresentam a (re)valorização econômica desta área como a única
saída, assim como seu crescimento econômico com a vinda de grandes investidores, a
reestruturação
urbana
pautada
na
arquitetura
contemporânea
e
dos
novos
empreendimentos a serem instalados. A tendência é concretização das ações do poder
público buscando a homogeneização econômica, de consumidores elitizados para um
consumo dirigido, colocando barreiras arquitetônicas e semióticas que inibem e filtram
os “indesejáveis”− aqueles que não podem ou não são desejados naquele espaço,
controlando os movimentos e ditando os ritmos da contemplação passiva do patrimônio
e das vitrines do comércio local, instituindo o “tempo da mercadoria” para um público
consumidor elitizado (LEFEBVRE, 2004). Um exemplo deste discurso da necessidade
inevitável de retomada do centro é a matéria do jornal A Tribuna91, sobre o consumo de
drogas no centro.
91
Jornal a Tribuna, matéria de 28 de Julho de 2010. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>.
Acesso em Julho de 2010.
150
Números são incompatíveis com a quantidade de usuários de
drogas
Não há como passar despercebido. Entre os carros estacionados
no Largo Sete de Setembro e junto a algumas portas na Rua
Andrade Neves, na Vila Nova, os usuários de crack são vistos
dia
e
noite.
Cotidianamente.
Bastou pouco mais de uma hora para a Reportagem de A
Tribuna flagrar cerca de dez homens, mulheres, adultos e
adolescentes
fissurados,
na
última
sexta-feira.
Os números são incompatíveis. Apesar da quantidade de
usuários perambulando e consumindo a droga nas proximidades
do Castelinho (onde está sendo construída a nova sede da
Câmara Municipal), em seis meses a Polícia Militar registrou
apenas seis ocorrências de porte de entorpecente (incluindo
crack) na região que compreende as ruas Senador Feijó e Tiro
Naval, parte da São Francisco e o caminho Monsenhor Pereira.
No primeiro semestre do ano, houve ainda 13 casos de tráfico
(contando dois atos infracionais), e 1,2 quilos de crack foi
apreendido.
As modestas estatísticas não refletem a realidade mostrada em
matéria publicada por A Tribuna no primeiro dia do ano e
flagrada
novamente
na
sexta-feira.
Pior: mostram que, na guerra entre traficantes e sociedade, é o
crime
que
está
vencendo.
Basta uma conversa com pessoas que trabalham nesse trecho da
Cidade e que preferem não se identificar para entender a
movimentação. "Isso é igual formiga. Cada hora aparece um",
explica o funcionário de um comércio próximo.
151
Às segundas-feiras, garante outro funcionário, é possível
encontrar pessoas de perfil diferente dos que vivem na região.
"É gente que vai para a balada no fim de semana e fica aí uns
dias. Dá para notar que é gente que tem dinheiro". Segundo o
major Flávio de Brito Júnior, comandante interino do 6º
Batalhão de Polícia Militar do Interior, a baixa quantidade de
ocorrências, principalmente de porte de entorpecente, tem
explicação. "Muitas vezes, com a aproximação da polícia, eles
jogam em algum canto (a droga e o cachimbo)".
Quando a polícia encontra um usuário com droga, ele é
encaminhado para a delegacia mas não fica preso, já que a
posse para consumo não é considerada crime.
Considerando os casos de tráfico confirmados pela PM no
primeiro semestre nesse trecho do Município, houve 16
detenções, incluindo dois menores. (grifos meus).
Neil Smith (2000), em seu trabalho intitulado, Contornos de uma política
espacializada: veículos dos sem-teto e a produção da escala geográfica, ilumina esta
reflexão quando busca explorar uma relação contraditória entre apropriação, cotidiano,
espaço público e subversão por meio da produção de uma escala geográfica, pois, a
apropriação do espaço pode ser entendida como uma instância de salto escalar que
permite sair da escala do privado para outras escalas, como o bairro e a cidade, criando
e reforçando laços de reconhecimento e identidade os quais podem levar a uma
consciência que possibilite a transformação da realidade vivida. Este imaginário social
coletivo, não capturado neste espaço, como um “resíduo”92, pode abrir-se como
possibilidade para novas apropriações e usos “indesejados” pelo poder público, pois
mesmo a cidade sendo instituída pelo poder público e pelas elites locais, como local de
aceitação e de imposição, o centro histórico é um lugar simbólico e político para
manifestações sociais e lugares de exercício de cidadania.
A tentativa de compreensão do movimento de (re)valorização do espaço central
urbano em Santos aponta que a (re)produção do espaço santista caminha em detrimento
do espaço como o valor de uso − a cidade e a vida urbana, o tempo urbano, para se
92
Segundo o autor Henri Lefebvre, o estudo do cotidiano na pesquisa social pode revelar práticas sociais
e espaciais locais que fogem e subvertem as lógicas impostas pelo poder, estes resíduos se apresentam
como uma possibilidade de negação da realidade dada e um salto, uma proposição, para o novo.
152
afirmar o valor de troca − o seu espaço central comprado e vendido, o consumo dos
produtos, dos bens, dos lugares e dos signos urbanos na cidade, por meio das políticas
públicas e as elites locais (LEFEBVRE, 2005). A prefeitura santista, por meio do
programa Alegra Centro, reconhece e usa de seu poder no espaço, o qual cumpre um
papel central entre as forças de produção, apresentando-se politicamente instrumental,
facilitando o controle da sociedade (LEFEBVRE, 1992).
A nova ordem de produção do espaço central santista, imposto pelo poder
público em seus programas de reestruturação urbana, e sua aliança com o capital
privado, tende a aprofundar a segregação socioespacial em solo urbano santista. Este
processo não é novo, já que a expulsão da população para os espaços desvalorizados da
cidade vem ocorrendo desde o século XIX. Porém, o que se apresenta, neste momento
atual, segundo os apontamentos de Neil Smith (2007), é a velocidade com que as
demandas do “processo de reprodução do capitalismo global” se impõem e se articulam
com as demandas locais para a realização do capital, em diversas escalas, em um
movimento de complementação e exclusão no plano do conteúdo do espaço. Assim, a
tendência para uma mudança de um tipo de uso deste espaço (a consolidação de espaçomercadoria) é a efetivação de um processo de (re)valorização por meio do movimento
do capital para o centro histórico da cidade. Segundo este autor, determinado ambiente
construído expressa uma organização específica da produção, do consumo e da
circulação de sua época e, conforme esta organização modifica-se, também se modifica
a configuração do ambiente construído. Esta linha de fronteira, de expansão do capital
com intervenção do Estado, possuiu uma definição essencialmente econômica – como a
fronteira da lucratividade, a qual adquiriu uma expressão geográfica bastante acentuada
em diferentes áreas das cidades, durante o final do século XIX e por todo século XX, o
que pode ser notado no processo de produção do espaço santista, a partir do século XIX.
Neste século, a presença de uma população trabalhadora e pobre na área central da
cidade já apresentava uma barreira à reprodução do capital face à desvalorização
econômica da área.
No final do século XIX, com a implantação da ferrovia (1867) e a modernização
do porto (1898), pela primeira vez desde a sua fundação, o povoado santista teve seus
limites expandidos, transformados e com novos usos, como por exemplo, a saída das
153
elites locais para as áreas mais “saudáveis”, ajardinadas, longe do porto e do comércio
central, onde as antigas ruas e suas casas térreas espaçosas abrigariam o crescente
número de habitantes da cidade. Este rápido crescimento da população93, entre o final do
século XIX e o início do século XX, e o fluxo imigratório, sobretudo de origem
europeia, atraído pelo porto e pelo plantio de café no planalto, demandou um aumento
na oferta de moradias. Muitas das antigas casas da área central são abandonadas pelo
medo da febre amarela. Esta demanda por moradia fez destes antigos casarões
abandonados a possibilidade de moradia para a população pobre e imigrante. Muitos
desses casarões tornaram-se cortiços, abrigando estivadores, portuários, imigrantes e
empregados do pequeno comércio do porto e da cidade. Conforme estes cortiços
(FIGURAS 42 e 43) nasciam, logo eram diagnosticados pelas Comissões Sanitárias do
governo e por toda a sociedade, como foco de doenças, tanto do ponto de vista físico
quanto moral: era o “local da promiscuidade”. Enfim, este padrão de moradia era
considerado nefasto para os poderes instituídos em todos os sentidos: a doença, a
promiscuidade, a não separação entre a casa e a rua, enfim, um uso da cidade muito
distante daquilo que se pretendia implementar com a modernidade e prosperidade
econômica da cidade. Para Lanna (1996: 48):
Se os cortiços eram a forma característica de habitação popular
nas grandes cidades brasileiras deste período, em Santos eles
primavam pela abundância e precariedade constituindo a forma
de alguns, os precários meios de sobrevivência de outros e a
causa das péssimas condições de vida da imensa maioria da
classe trabalhadora, negra ou branca.
Neste período, a Comissão de Vigilância Sanitária de Santos (1889), em
conjunto com a Comissão de Saneamento do Estado (1894), articulando diferentes
esferas do poder público, temiam uma queda da produção cafeeira e um estanque das
atividades portuárias pelas epidemias. Frente a isso, iniciou-se um grande movimento de
demolição dos barracos e cortiços do centro, o que despertou uma grande revolta na
população pobre que não tinha para onde ir. Embora o principal foco de disseminação
das doenças, como se verificou mais tarde, fosse a falta de saneamento básico na cidade,
93
No trabalho de LANNA (1996:51) a autora mostra que a população santista entre o período de 1886 a
1900 passou de 15.605 pessoas para 50.389.
154
a população trabalhadora e pobre, com suas habitações precárias, foi vista, em seu
conjunto, como corpos doentes, e suas casas, como berço do crime e do vício.
A população encortiçada era vista como politicamente perigosa por ser pobre e
por não ter bons costumes. Para as elites, eles eram a razão dos problemas e infortúnio
da cidade (BONDUKI, 1998). Por mais que fossem despejados, esta população pobre
não aceitou passivamente as imposições da Comissão de Vigilância Sanitária, usando
diferentes estratégias, resistiam: permaneceram nas ruas ou se instalaram longe dos
“olhos dos inspetores”, indo para as áreas de expansão da cidade, construindo
clandestinamente seus chalés (LANNA, 1996). Outra consequência da expulsão desta
população para fora dos limites da cidade foi, por exemplo, o surgimento de
assentamentos do outro lado do estuário, na ilha de Santo Amaro, atual município do
Guarujá, principalmente o assentamento de Conceiçãozinha (1907), provavelmente a
primeira favela da Baixada Santista, que deverá ser removida para a ampliação do porto
nos próximos anos (CARRIÇO, 2002).
Figura 42 – Cortiços existentes na cidade de Santos entre 1880 e 1889
Fonte: LANNA (1996:122 e 123).
155
Figura 43 – Situação habitacional da área próxima ao porto de Santos (2002)
Fonte: CARRIÇO, J. “Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da Região
Metropolitana da Baixada Santista”. p. 73.
A construção de chalés de madeira, como uma forma de sobrevivência dos
pobres na cidade, ainda que precários para os padrões desejáveis da época, foi uma
forma da população trabalhadora realizar o sonho da casa própria. Estes chalés eram,
em geral, construídos em esquema de mutirão em terrenos comprados ou alugados, em
áreas de expansão da cidade como a Vila Macuco, Campo Grande e nos morros, longe
das áreas centrais e nobres da cidade. A prefeitura tentava impedir este tipo de
construção alegando sua precariedade e insalubridade. Segundo Andrade (1989), estes
chalés eram construídos com madeira das mais diversas origens, mas a principal fonte
estava nas caixas abandonadas nos depósitos e armazéns próximos ao porto, ainda local
de trabalho destas pessoas.
A estratégia municipal para conter a construção de chalés foi a imposição de
normas para suas construções, quando, em 1926, houve uma lei municipal específica
para os chalés por meio de expedição de cartas de habitação fora dos perímetros
urbanos. E, a partir de 1932, houve a legalização dos chalés clandestinos, para aumentar
a arrecadação municipal via cobrança de impostos. A fim de garantir o afastamento da
população pobre da área urbana da cidade e favorecer o acesso ao solo urbano para os
investidores do setor imobiliário, foi instituído o “termo de precariedade”: para legalizar
os chalés, seus donos eram obrigados a assinar este termo que dava plenos direitos ao
poder municipal de demolição para os chalés construídos há mais de cinco anos da data
156
de licença de construção, sem qualquer tipo de indenização. Portanto, a legalização dos
chalés era de caráter transitório e móvel, pois o poder público poderia agir sobre esta
porção do território de acordo com os seus interesses. Neste momento, esta foi a “saída”
do poder público local para evitar uma grande revolta e não contrariar os interesses do
setor da construção civil que, naquele momento, tinha interesse nas áreas mais
valorizadas da cidade, como a orla marítima que já começava a ser ocupada.
Também houve outras estratégias de afastamento dos pobres da área central da
cidade, ainda no século XIX, por meio do planejamento dos primeiros loteamentos
previstos para a classe trabalhadora que, no entanto, não ocorreram. A proposta do
poder público municipal era a construção de loteamentos pela iniciativa privada em
áreas de expansão da rede de transportes urbanos, mas nunca se efetivou porque a
população dos cortiços raramente tinha condições financeiras de adquirir estes lotes, que
acabaram sendo comprados por servidores públicos e empregados qualificados do porto
(LANNA, 1996). Portanto, estes bairros da área central da cidade, ao longo da história
santista, são marcos de um longo processo de segregação socioespacial na cidade, em
que as tentativas de solução habitacional do poder público sempre foram mais no
sentido de expulsar a população pobre de áreas de interesse deste poder público do que,
efetivamente, solucionar problemas de habitação para a população local.
Estas áreas abrangidas pelo programa Alegra Centro Habitação, principalmente
os bairros do Paquetá, Vila Nova e Vila Mathias, foram áreas da cidade que, somente no
final do século XIX, como bairros periféricos ao centro, passaram a ser ocupadas,
marcando a primeira grande expansão dos limites da cidade de Santos. Eram bairros da
habitação das elites, bairros planejados para atender aos padrões ideais higienistas do
século XIX. A partir deste momento, o planejamento urbano, pautado em padrões
modernos e higienistas, procurou aprofundar e detalhar a instituição de um zoneamento
de uso e ocupação do solo urbano. O apogeu, segundo Carriço (2002), destes novos
direcionamentos para a política urbana santista ocorreu com a sanção do Novo Código
de Obras do Município (Decreto-Lei nº 403), em 1945, e posteriormente com o Plano
Regulador da Expansão e Desenvolvimento da Cidade (Lei nº 1.316 – 1951), que deram
origem ao Plano Diretor Físico do Município (lei nº 3.529), em 1968, e suas posteriores
157
alterações como o novo zoneamento dado pela lei nº 209 do mesmo ano, por exemplo 94.
Este novo zoneamento detalhava um pouco mais as zonas criadas pelo Código de
Posturas de 1922, incorporando as novas zonas residenciais introduzidas (Decreto-Lei
nº 306 de 1941), enquanto estes dois bairros do Paquetá e da Vila Nova, já
“degradados” pelas atividades portuárias, foram incorporados à Zona Central.
A Zona Central, criada pelo Código de Posturas de 1922, continha a Zona
Comercial Central (ZCC) − núcleo colonial remodelado no século XIX, para onde eram
destinados os estabelecimentos comerciais, escritórios, consultórios, bancos, sedes de
companhias ou empresas, laboratórios, restaurantes, confeitarias, hotéis, habitações,
casas de diversões, tipografias, cafés e similares. Passou a incorporar os bairros do
Valongo, Paquetá, Vila Nova, sopé do Morro Mont Serrat e parte da Vila Mathias,
constituindo a Zona Comercial Secundária (ZCS), onde eram admitidos os seguintes
usos: garagens, postos de abastecimento de automóveis e depósitos de materiais e
mercadorias.
Posteriormente, no Plano Diretor de 1968, a Zona Comercial Central foi
transformada em ZCI com a função comercial e de serviços (como área de comércio
popular, em função da competição com as áreas comerciais da orla e com o comércio
mais sofisticados nos shopping centres), enquanto a ZCS foi transformada em ZCII,
neste momento já era considerada uma área “degradada” por abrigar um espaço de
interface com o porto e também por ser área de moradia de trabalhadores portuários, de
prostituição e de muitas moradias clandestinas. Portanto, para as Zonas Centrais foram
prevalecidos os mesmos usos, mas com uma diferença substancial para o entendimento
do abandono do centro santista, segundo José Marques Carriço: a proibição do uso
habitacional na Zona Comercial Central, o que contribuiu e aprofundou a ocupação e a
formação de cortiços nos antigos casarões abandonados próximos ao porto,
principalmente no Valongo e Paquetá. Para Carriço, a falha de aplicação de políticas
públicas para a habitação da população trabalhadora, o movimento do capital do setor
de construção civil e imobiliário para a orla marítima, apoiado pelas políticas públicas,
94
O autor ressalta a importância de um conjunto de normas, códigos e leis sancionadas que apontam esta
mudança de direcionamento das políticas públicas do município visando o zoneamento da cidade (páginas
128 e 129).
158
como por exemplo, a criação de uma nova centralidade na cidade, no bairro do
Gonzaga, e o próprio Plano Diretor de 196895 propiciaram a ocupação clandestina de
antigos casarões abandonados próximos ao porto.
O processo de “resgate” da área central da cidade, a partir do Plano Diretor de
1998, e mais enfaticamente, a partir da criação do programa Alegra Centro em 2003, na
tentativa de expulsão de atividades e pessoas indesejadas do centro para atrair novos
investidores para o local, (re)valoriza economicamente o centro santista por meio de
ações de reestruturação dos equipamentos urbanos, o que também possibilita aumentar o
valor venal do solo urbano na área, bem como sua receita por meio da cobrança de
impostos (IPTU), propiciando a venda dos imóveis da área por seus antigos moradores
para os novos agentes investidores da área. A matéria do jornal A Tribuna, evidencia
esta realidade.
Correção do IPTU aumenta receita de Santos em 17,87%96
A correção da base de cobrança do Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU) em Santos engordou os cofres da Prefeitura. Em
janeiro e fevereiro deste ano, a receita com o tributo foi de R$
61 milhões 893 mil, ante R$ 52 milhões 511 mil no primeiro
bimestre de 201097 – mais R$ 9,3 milhões, alta de 17,87%.
O aumento, informado nesta segunda-feira para A Tribuna pela
Secretaria Municipal de Economia e Finanças (Sefin), superou
as expectativas apresentadas, há quatro meses, pela titular da
pasta, Mírian Cajazeira Diniz. Ela previu recolhimento de R$
245 milhões em IPTU neste ano, 13,4% acima do previsto de
janeiro
a
dezembro
últimos.
O salto na arrecadação é resultado das mudanças propostas pelo
prefeito João Paulo Papa (PMDB) na Planta Genérica de
Valores, aprovadas pela Câmara. Esse instrumento fixa o valor
venal dos imóveis, e o IPTU equivale a 1% dessa cifra (para
95
Este Plano vedou o uso habitacional do centro, na tentativa de ordenar e direcionar o processo de
valorização da área insular da cidade, visando estimular a construção de moradias econômicas destinadas
a pessoas de baixa renda somente na área de Zona de Expansão Urbana (distrito de Bertioga, naquele
momento), e na área intermediária entre a orla marítima e o Parque Estadual da Serra do Mar,
96
Matéria da edição online de 21 de Março de 2011. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br>.
Acesso em Março de 2011.
97
Valor equivalente à USD 37.900.000,00. O montante acumulado no período entre 2009 e 2010 foi de
USD
5.766.000,00,
segundo
a
cotação
de
20/05/2011,
disponível
em:
<
http://economia.uol.com.br/cotacoes/>.
159
casas e apartamentos com valor acima de R$ 30 mil).
Um detalhe: a Planta não foi atualizada na íntegra, mas corrigida
pela metade. Estudos de uma consultoria particular contratada
pela Prefeitura indicavam que, em 2008, o valor venal de alguns
imóveis (e, consequentemente, do IPTU) teria de ser triplicado
para se ajustar aos preços de mercado.
E a elevação na receita esperada por Mírian incluía a hipótese de
a Prefeitura receber IPTU de imóveis em áreas portuárias. A
Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) não paga o
imposto sob o argumento de que a Constituição Federal impede
uma esfera de governo de tributar patrimônio, renda ou serviços
de
outra.
Perto
de
São
Paulo
A revisão da Planta Genérica de Valores fez com que o valor
oficial do metro quadrado (metro quadrado) de imóveis, em
Santos, atingisse até R$ 3.599,00. Trata-se do estipulado no
triângulo formado pelas avenidas Vicente de Carvalho (orla) e
Washington Luís (Canal 3) e a Rua Pindorama, no Boqueirão.
Nesse
ponto,
está
o
Clube
XV
Hotel.
Tal preço, porém, é igual ou inferior ao mínimo cobrado, no
mercado, até mesmo para residenciais usados na Cidade.
Conforme o delegado subregional de Santos do Conselho
Regional de Corretores de Imóveis (Creci), Carlos Manoel
Ferreira, o metro quadrado oscila de R$ 4,5 mil a R$ 12 mil na
Vila Rica (Boqueirão). Quanto mais perto do Tênis Clube, mais
caro.
No condomínio Parques de Morar, na Areia Branca (Zona
Noroeste), vendem-se apartamentos de dois quartos e 53 metros
quadrados a partir de R$ 181,9 mil. Ou cerca de R$ 3,4 mil o
metro quadrado, quase nove vezes acima do indicado na Planta
Genérica de Valores, naquela região, para a Avenida Nossa
Senhora
de
Fátima.
Na Capital, o preço médio do metro quadrado era de R$
4.954,00 em fevereiro, segundo o índice FipeZap, da Fundação
Instituto
de
Pesquisas
Econômicas
(Fipe).
O menor valor por metro quadrado em Santos, ainda conforme a
Planta Genérica, é de R$ 39,00 para áreas como o Monte Serrat
e o Morro do José Menino.
160
O trabalho de José Marques Carriço (2002) aponta que, já no início do século
XX, a prefeitura possuía um sistema de cadastro imobiliário, a partir do Relatório da
Diretoria de Obras e Viação, apresentado à Câmara Municipal em dezembro de 1919,
que se pode considerar um embrião das plantas genéricas produzidas posteriormente.
Ele analisou as plantas genéricas da cidade desde 1966 e produziu uma tabela, expressa
em Reais98, a qual pode revelar que, desde as primeiras décadas do século passado, as
áreas de maior potencial comercial eram as mais valorizadas da cidade, seguidas das
áreas onde as classes sociais mais abastadas se deslocavam para “fugir” dos transtornos
causados pelas atividades portuárias e comerciais do centro, como, por exemplo, a orla
marítima e os bairros da Zona Leste.
Este autor afirma que o centro histórico e sua periferia imediata tiveram
evolução inferior de valorização frente às demais áreas analisadas, como, por exemplo,
a Ponta da Praia, Zonas Leste e Noroeste. Mas, mesmo assim, os terrenos mais bem
localizados do centro histórico, como a Praça Mauá, centro cívico da cidade, por
exemplo, e outros terrenos com melhor infraestrutura e oferta em serviços no centro
eram os mais valorizados. Para ele, os motivos desta menor valorização de porções do
centro histórico e suas adjacências, estão atribuídos às leis municipais, como o plano
diretor de 1968, por exemplo, e aos investimentos públicos em outras áreas da cidade
(Zona Leste e a orla marítima), como, por exemplo, a criação de um polo comercial
sofisticado no Gonzaga, fazendo do centro o lugar do comércio popular e dos serviços
públicos.
A partir da divulgação da “Atualizacão monetária do valor venal dos imóveis
para fins de lançamento e cobrança do imposto predial e territorial urbano e
respectivo desconto para pagamento em cota única no exercício de 2008, publicada
no Diário Oficial da Prefeitura de Santos, em 21/12/2007, pode-se localizar alguns
terrenos apontados no trabalho de José Marques Carriço (2002), e que hoje estão na área
de abrangência do Programa Alegra Centro, além de possibilitar a atualização de
98
Segundo José Marques Carriço (2002:208): Até 1942, circulava o Real. Com a continuidade da
inflação, o real passou a não ter poder de compra, sendo substituído, na prática, pelos seus múltiplos, ou
seja, pelos reais, que o povo denominava de “réis”.
161
valores para tentar iluminar o processo de (re)valorização econômica do centro, por
meio da desvalorização do preço do metro quadrado na área do programa.
Figura 44 – Localização dos terrenos analisados na área de abrangência do
Programa Alegra Centro (2007)
162
Autoria: Paula Dagnone Malavski
Tabela 4 - Valorização dos terrenos na área de abrangência atual do Programa
Alegra Centro
163
TESTADA
TRECHO
DE
SETOR/
REFERÊNCIA
DO
R.
Costa
B - Pça.da
Pestana
Alfândega
República
C - Av.
R.
Senador
Pestana
Feijó
D
-
R.
Av.
Rangel
Rangel
São
VALOR
VALOR
EM
QUADRA
IMÓVEL
A - Av.Ana
VALOR
1966*
EM
EM
1973**
1978***
VALOR
VARIAÇÃO
EM 2007
%
ENTRE
1978-2007
35/12
64,19
55,15
282,42
577,38
104,44%
26/11
125,60
124,18
372,32
437,05
17,38%
36/32
69,78
69,03
288,79
429,55
48,74%
36/1
139,56
136,08
485,29
429,75
-0,13%
Itororó
E - Av. João
Francisco
Av.
Senador
26/16
153,51
220,61
632,47
548,45
-0,15%
Pessoa
F - R. São
Feijó
Av. Visconde de
25/11
50,24
43,83
241,05
303,15
25,76%
Bento
G -
Pça.
São Leopoldo
R.
General
25/23
558,25
360,62
1385,87
1.066,92
-29%
Mauá
H
-
R.
Câmara
R. Dr. Cochrane
26/20
44,66
43,83
178,21
278,51
56,28%
Mercado
36/22
50,24
49,67
186,16
224,95
31,58%
Av. Cons. Nébias
36/44
53,03
46,38
207,64
311,72
50,12%
General
Câmara
I - Pça.
Iguatemi
Martins
J
Av.
Campos
Sales
Autoria: Paula Dagnone Malavski (adaptado de CARRIÇO, 2002 e Diário Oficial da Prefeitura de Santos,
ano XIX, edição nº 4586 de 21/12/2007).
Os terrenos que sofreram maior valorização no período de 1978 a 2007, segundo
os valores do metro quadrado divulgados pela prefeitura, em 2007, são aqueles
localizados próximos na área do programa Alegra Centro ou próximo à sua área de
abrangência, em sua primeira fase, a qual incluía os bairros do Valongo, do Paquetá e
Vila Nova (os terrenos localizados pelos números 1, 3, 6, 8, 9 e 10). O que pode ter
164
justificado a expansão do programa Alegra Centro para mais áreas do Paquetá e da Vila
Nova e a inclusão do bairro da Vila Mathias.
Enquanto aqueles localizados no “centro” do programa, onde abriga grande parte
do patrimônio edificado e tombado da cidade, sofreram desvalorização (terrenos 4, 5 e
7), o que pode apresentar uma estratégia do poder público municipal para reduzir o
valor venal destes terrenos e, consequentemente, uma diminuição do valor do IPTU, que
pode ser isento para os proprietários destes terrenos interessados em restaurar seus
imóveis e utilizar esta forma de subsídio, pois o alto valor de custos para a restauração
do imóvel pode ser um fator de inibição e mesmo abandono ou venda do imóvel para os
novos investidores. Também pode ser uma tática para o poder público local se apropriar
do imóvel, para colocá-lo novamente no mercado, por meio do recurso de
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública por meio da cobrança do
IPTU progressivo no tempo, decorridos cinco anos de inadimplência do proprietário,
sem que este tenha cumprido a função social do solo urbano, de acordo com o plano
diretor da cidade, pautado no Estatuto da Cidade.
Portanto, conforme aponta Neil Smith (2007), este processo geral de “retomada
dos antigos centros” originou-se, nos países centrais do capitalismo, em um período
anterior à crise econômica mundial e agora estes espaços – os centros históricos e seu
patrimônio arquitetônico, histórico e cultural, os quais foram abandonados no passado.
São uma reserva de uma parte do substrato geográfico que, atualmente, devem atender
às demandas da reprodução do capital, e ali podem reverter seus investimentos através
do mercado imobiliário e de turismo. Hoje, tal processo de “resgate” do centro histórico
santista deve ser entendido neste contexto.
A desvalorização e o abandono planejado da área central santista, no passado,
criou a oportunidade para a sua atual (re)valorização desta parte “decadente” do espaço
urbano como oportunidade de afastar a crise para os agentes hegemônicos locais do
espaço, ao menos temporariamente. É a oportunidade, por exemplo, de aplicar o capital
neste novo espaço de um consumo produtivo por meio do turismo, nos
empreendimentos comerciais e no mercado de imóveis. Ao Estado, em sua aliança com
estes agentes hegemônicos, cabe expulsar atividades e população indesejadas, o que
165
intensifica a segregação socioespacial na cidade. O Alegra Centro, a nosso ver, é um
programa de (re)valorização urbana, cujas ações do Estado visam redefinir as novas
fronteiras econômicas e geográficas da cidade, reestruturando a área central para
possibilitar o retorno dos investimentos privados nesta área. Portanto, o movimento de
parte do capital, para além das zonas residências e turísticas da cidade (áreas
valorizadas economicamente), retornando para esta área “degradada” da cidade, o
centro, como fragmento de espaço, representa uma nova “fronteira” urbana na medida
em que se faz por meio de ações pontuais, incluindo e excluindo as áreas da cidade, de
acordo com os interesses econômicos, criando, portanto, uma nova fronteira econômica
não só na cidade, mas no próprio centro histórico nas áreas abrangidas (valorizadas) e
excluídas (desvalorizadas) pelo programa Alegra Centro. Como, por exemplo, as ruas
do Comércio e XV de Novembro, que abrigam o Museu do Café, receberam novos
equipamentos urbanos, enquanto as outras ruas, no entorno, ainda aguardam as ações do
programa.
As consequências destas ações pontuais do poder público e de seus aliados neste
processo de (re)valorização do centro histórico, por meio de uma(re)valorização de
determinas porções do espaço urbano, de elevação do preço do metro quadrado, sob os
paradigmas de uma conjuntura internacional que tem como modelo, de inserção dos
espaços centrais históricos, a criação de waterfronts para os mercado turísticos, é
redefinição da divisão espacial do centro histórico, e da segregação socioespacial na
cidade santista. Esta tendência de (re)valorização do solo urbano na área central
santista, tende dar continuidade a uma segregação socioespacial, por meio do acesso ao
solo urbano pela mediação do mercado imobiliário.
A (re)valorização do centro busca atrair novos tipos de empreendimentos
comerciais e imobiliários desejados, bem como a reestruturação do setor da construção
no circuito de produção e acumulação do capital para a resolução do capital excedente
em escala local (HARVEY, 2009), tendo como produto empreendimentos de alta e
média gama, principalmente no domínio do chamado imobiliário comercial e de
habitação. Como afirma SEABRA (1979:82):
O solo tem um preço. Esse preço é a medida concreta de sua
valorização. O valor da terra varia com o tempo, geralmente de
maneira crescente, conferindo ao seu proprietário uma renda,
166
que é o “tributo que se paga ao direito de propriedade”. Esta
variação do preço do solo varia com o tempo, “em função da
produção social, a qual de alguma forma está articulada com a
terra”. Essa variação seria também espacial, pois é afetada por
certos aspectos peculiares de cada localização. Assim pode-se
dizer que há, na formação do valor imobiliário do solo, dois
componentes básicos: um de ordem física, por exemplo, a vista
para o mar, o relevo do terreno; outro de ordem social, como a
existência de determinados equipamentos urbanos, maior ou
menos acessibilidade etc.
A problemática deste processo de (re)valorização do centro histórico santista, em
seus fragmentos, quanto ao uso do espaço, ilumina que este espaço tende a transformarse em um espaço-mercadoria, negociado pelo poder público local e seus aliados em um
mercado nacional de “venda de cidades”, acentuando a contradição entre o valor de uso
(pelo uso e acesso ao solo urbano) como espaço da vida. Esse processo dá continuidade
à “higienização social”, em que aqueles que não podem pagar o aluguel, restaurar os
imóveis ou mesmo usufruir dos serviços neste espaço (re)valorizado, devem desocupálo e utilizar outras áreas menos valorizadas na cidade.
Assim, este espaço da vida para a população local, como lugar de apropriação,
tende a diminuir até quase desaparecer, bem como os espaços públicos dessa área
central santista, pois, o programa Alegra Centro representa mudanças que redefinem os
usos e funções do centro histórico, além da redefinição dos preços do solo urbano,
provocando a valorização/desvalorização de diferentes lugares do centro histórico,
gerando novos fluxos de usuários e moradores para a área.
4. Considerações Finais
167
Esta pesquisa buscou compreender o atual processo de (re)valorização do centro
histórico de Santos por meio do Programa Alegra Centro, assim como a reestruturação
urbana do centro santista, apontando os novos conteúdos e lógicas de produção deste
espaço urbano sob o comando do poder público local, como também das outras esferas
de poder público e seus parceiros da iniciativa privada.
A produção do espaço santista foi abordada a partir de três principais níveis de
compreensão para a produção do espaço santista: a dominação política, a acumulação
do capital no solo urbano do centro e a realização da vida humana da população
diretamente envolvida pelas ações do poder público.
A dominação política foi discutida a partir da análise das ações do poder
municipal, principalmente e em parceria com os agentes hegemônicos na (re)produção
deste fragmento de espaço da cidade santista, onde o objetivo destes agentes visa
intensificar a acumulação de capital local pela atração de novos tipos de
empreendimentos comerciais na área (empresas, comércios sofisticados, serviços), e
pela criação de um espaço turístico e de lazer pautado no patrimônio histórico,
permitindo a reprodução e a circulação do capital, reestruturando a obsolescência de
antigas formas e conteúdos deste espaço urbano.
A realização da vida humana, envolvida pelas ações do Alegra Centro, acontece
nesta porção do espaço apropriável para a reprodução da vida por meio do corpo, dos
sentidos, dos passos de seus moradores. É o lugar do cotidiano destas pessoas, um local
apropriado pelo uso, o espaço do vivido, carregado de significados que criam a
identidade. A imposição de ações do poder público e dos agentes hegemônicos implica
num conflito entre um modelo cultural e de comportamento imposto e normatizado,
ligado ao consumo e ao mundo da mercadoria e o rompimento de uma rotina organizada
da vida cotidiana local, transformando radicalmente a sociabilidade, os usos e as formas
de relacionamento significando a redefinição da prática socioespacial (CARLOS, 1996).
168
Para Nestor García Canclini (2002), os lugares não são áreas delimitadas e
homogêneas, são espaços de interação nos quais as identidades e os sentimentos de
pertencimento se formam com recursos materiais e simbólicos de origem local, nacional
e transnacional. O renascimento do urbano, na atualidade, é feito, prioritariamente, pelo
urbanismo globalizador, por meio de fortes avanços econômicos e grandes projetos
renovadores, como o Alegra Centro, por exemplo, em que há um “resgate” econômico e
cultural desta área por meio de obras públicas de infraestrutura. A modernização desse
espaço aparece como um espetáculo para os que estão do lado de fora, e se legitima
configurando um novo imaginário de integração e memória. Quanto à população local,
sobretudo a classe trabalhadora de menor poder aquisitivo, não resta muitas alternativas
a não ser tentar se adaptar a este espaço novo ou deixá-lo para viver em outras áreas
menos valorizadas da cidade. Assim, o Programa Alegra Centro intensifica o processo
de segregação socioespacial da cidade e a higienização social do centro santista.
A estratégia utilizada pelo poder público municipal para “resgatar” e
(re)valorizar o centro santista, por meio do marketing urbano, é apresentar e “vender” a
cidade, o centro, com um novo produto moderno e funcional a ser comprado e/ou
consumido, sob uma “etiqueta” de Santos: “cidade global, informacional, corporativa”.
Este processo de (re) valorização se efetiva pela captura do fragmento de espaço
reserva, no caso, o centro histórico, fazendo parte de um projeto maior para
solução/minimização da crise de expansão e acumulação capitalista que se apresenta
nessa escala, mas que se articula a outras escalas geográficas.
Entendido como território adormecido (TELLO ROVIRA, 2005), o espaço central
e histórico santista, com suas particularidades e estruturas econômicas e sociais, é
produto de um processo de acumulação territorial. Esse espaço, aparentemente
abandonado, invalidado, no processo de acumulação capitalista, passa a ser, agora,
“(re)valorizado” por meio de grandes e sucessivas transformações de sua paisagem,
como um ajuste às necessidades do capital. O Programa Alegra Centro, em suas
diversas frentes de ação (Patrimônio, Tecnologia e Habitação), possibilita ações que
implicam no processo da produção de um espaço da dominação, como um espaço
abstrato, instrumental à reprodução capitalista, por meio de ações do poder público local
169
em consonância com os interesses do governo federal, estadual e com o capital local. O
marketing urbano anuncia as obras do poder público local e seus investimentos públicos
(em parceria com a iniciativa privada) no centro da cidade. Tais obras reestruturam as
configurações e os equipamentos urbanos a fim de (re)valorizar economicamente esta
área da cidade, juntamente com as atividades do porto, confirmando e intensificando as
lógicas de produção, circulação e consumo deste centro, “resgatando” os investimentos
produtivos para tentar garantir e resolver a crise de expansão e acumulação do sistema
territorial urbano santista, da Região Metropolitana da Baixada Santista, articulada com
a região metropolitana de São Paulo.
A problemática, abordada por esta pesquisa, buscou apontar como o programa
Alegra Centro tende a transformar o cotidiano da população local, por meio destas
novas formas espaciais, instaurando um cotidiano normatizado, empobrecido e estranho
(CARLOS, 2005). Fizeram parte desse processo, as ações do poder público local
envolvendo o patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da cidade que, de uma forma
ou de outra, constituem parte do cotidiano dos habitantes locais que, ai, tem sua
memória, sua identidade. As ações do Alegra Centro apresentam-se como uma
estratégia do poder público que pretende capturar o imaginário social local, a fim de
canalizá-lo em outras direções e criações de novas imagens e de um consenso social, em
que este patrimônio, com testemunho da história, deve ser reabilitado, resgatado de um
espaço marginal, violento sem controle, onde vive a população pobre que o destrói.
Qual é o consenso?
Que esse centro "histórico degradado e violento" deve ser
revitalizado ou reabilitado de modo a preservá-lo historicamente. Portanto, as ações do
campo preservacionista do patrimônio cultural, realizadas pelo poder público santista,
não são ações neutras. Trata-se de uma prática social que acrescenta novos bens, valores
e processos culturais à experiência da comunidade envolvida (FONSECA, 2005). Nesse
sentido, a preservação é sempre uma forma de intervenção (ARANTES, 1987).
Outro exemplo aqui apresentado, quanto à temática do patrimônio, foi a tentativa
de revelar e reconhecer que as práticas patrimoniais do poder público santista geram
uma tensão constante entre diferentes valores dos agentes sociais envolvidos neste
processo, por meio da questão entre as esferas públicas e privadas e a contradição entre
170
ambos. É o caso, por exemplo, dos proprietários dos imóveis tombados pelo poder
público, sem uma consulta a estes proprietários, negando-lhes o direito em dispor
livremente de seus bens (o direito da propriedade privada). A única alternativa que
muitos têm, principalmente os proprietários sem muitos recursos, é abandonar os seus
imóveis, visto que é, financeiramente, impossível restaurá-los de acordo com uma
legislação imposta que afirma privilegiar o interesse público. Portanto, o poder público
santista é o grande agente centralizador neste processo de (re)valorização do centro
histórico santista, sob o programa Alegra Centro, com um discurso de “interesse
público” para realizar os seus interesses e de seus parceiros da iniciativa privada
intensificando os conflitos existentes na cidade.
Este trabalho buscou apontar como as políticas públicas de Santos são fortemente
marcadas pelo poder público local, que impõe leis e normas, visando criar um consenso
social para um destino “certo” deste patrimônio e do centro histórico, sem uma
participação popular neste processo. A prefeitura visa “resgatar” o centro, em nome de
um patrimônio público, por meio deste processo de (re)valorização desta área da cidade,
pautada na produção de um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural remetido a
uma instituição (a prefeitura como defensora de um “bem público”) e à dinamização
econômica, a partir da produção de um espaço turístico sob um modelo padrão, o
“modelo global Barcelona”, o qual desenvolve uma imagem forte e positiva de cidade,
explorando, ao máximo, o seu capital simbólico, de forma a reconquistar sua inserção
privilegiada da cidade nos circuitos culturais nacionais e internacionais. Estas ações e
práticas do poder público local fazem parte de uma nascente “indústria patrimonial”
envolvendo técnicos, políticos, proprietários e cidadãos em uma disputa que envolve
memória coletiva e rendimentos, na qual o seu resultado costuma pender a favor dos
dois primeiros grupos, em detrimento das práticas sociais. A realidade da prática de
salvaguarda patrimonial santista ainda pode revelar como as políticas públicas, que
envolvem o patrimônio coletivo no Brasil, ostentam a marca clássica, que representam
os espécimes característicos de uma fração de uma classe dirigente brasileira, a
oligarquia cafeeira paulista, em seus ramos público e privado, leigo e eclesiástico
(FONSECA, 2005). O reverso disto é uma amnésia dos grupos populares locais, os
171
encortiçados, as prostitutas e os estivadores do porto, que também produziram este
espaço.
Nesta pesquisa, buscamos apontar como a produção deste patrimônio histórico,
arquitetônico e cultural santista pelo poder público santista e seus parceiros, não se
apresenta como uma obra coletiva, a qual deve propiciar saber e satisfação a toda
comunidade. Seu destino é ser consumido99 por aqueles que possuem acesso financeiro
e cultural, sobretudo na futura área turística produzida pelo programa Porto Valongo.
Tal programa tende a ser um espaço onde as relações sociais passarão a ser mediadas
por normas e organizadas em função do consumo, que representam práticas de exclusão
da comunidade local, sobretudo daquelas populações indesejadas (encortiçados,
ambulantes, prostitutas), pois serão espaços vigiados e controlados.
A produção deste espaço turístico, como um produto de interesses públicos e
privados, como afirma Carlos (2001), pode revelar-se como um instrumento político
intencionalmente organizado, manipulado pelo Estado e nas mãos de uma classe
dominante, que dispõe de um duplo poder sobre o espaço: em primeiro lugar, através da
propriedade privada do solo e, em segundo lugar, por meio da ação do Estado,
representante de seus interesses. Assim, transformando o centro histórico santista em
um espaço-mercadoria, voltado para o turismo e para o lazer produtivo, um centro de
consumo renovado, negando ou ocultando suas diferenças e os conflitos existentes no
centro histórico santista, como também o caráter público deste espaço central da cidade
que ainda possibilita o acontecer do imprevisto, da improvisação, do espontâneo, da
convivência, dos encontros, dos conflitos, das rotinas e dos desacordos, um espaço de
uso da população local.
O centro histórico santista, apesar da decadência econômica verificada a partir
dos anos cinquenta do século passado, sobretudo ao desenvolvimento residencial e
turístico na orla marítima, continuou sendo um local de intensa vida urbana (bancos,
sedes de instituições e serviços públicos) bem como espaço de concentração de
monumentos e patrimônio edificado. A tendência, hoje, é que ele, após os projetos de
99
“Nosso patrimônio deve ser vendido e promovido com os mesmos argumentos e as mesmas técnicas
que fizeram o sucesso dos parques de diversões”. Discurso do Ministro do Turismo francês em 09 de
setembro de 1986, secundado por um de seus colaboradores: “Passar do centro antigo como pretexto ao
centro antigo como produto”.
172
requalificação, entre de modo mais completo no circuito da reprodução, privilegiando o
espaço enquanto valor de troca, não sem continuar a ser valor de uso, em razão do seu
poder de centralidade (metonímia da “cidade santista”) e de seu porto. O centro
histórico santista é (re)produzido por vários agentes sociais, a saber: os empresários e
comerciantes do porto, os empresários ligados ao setor petrolífero, as elites locais e a
população local, sobretudo aquela que mora neste espaço em péssimas condições de
habitação (a população encortiçada). Para os agentes hegemônicos deste espaço, esta
complexidade de práticas sociais, principalmente as indesejadas (os pobres, os pequenos
proprietários e comerciantes) neste fragmento de espaço, perfila-se como inimigos
principais do capital (imobiliário, público, privado) na sua dimensão espacial.
É fundamental questionar a produção do espaço turístico e “tecnológico”
santista. Ela se dá, a partir de nossa análise, pela negação e afastamento dos atuais
usuários do centro, aqueles que têm uma relação mais ligada ao valor de uso deste
espaço (LEFEBVRE, 1997), onde o cotidiano e sua maneiras de se apropriar do espaço
constituem uma potencialidade para a superação da racionalidade planejada e dominante
que tenta se impor na cidade. Para Henri Lefebvre, a cidade e a realidade urbana
dependem do valor de uso, pois, a imposição do valor de troca para o espaço urbano,
como mercadoria, tende a destruir as relações sociais ali estabelecidas, possibilitando o
surgimento de um espaço segregado, um espaço esvaziado de suas funções mais nobres,
aquelas que articulavam a vida civil e a política no espaço público.
Assim, as intervenções do poder público, em diferentes esferas de poder por
meio de um planejamento estratégico da cidade e obras públicas monumentais, visam
mobilizar este fragmento de espaço como uma força produtiva, que opera como
instrumento de desenvolvimento geográfico desigual, pois seu objetivo é reorganizar as
relações sociais para manter a coesão social e impor uma diferenciação funcional no
espaço. O espaço central santista cumpre um papel central entre as forças de produção e
apresenta-se politicamente instrumental, facilitando o controle da sociedade local.
As relações sociais, existentes neste fragmento de espaço, o cotidiano, o “viver”
local, revelaram-se múltiplos e as práticas espaciais presentes são importantes no
processo de constituição de identidade com o lugar (CARLOS, 2001: 182), onde este
“viver” se apresenta como uma possibilidade de fugir à racionalidade imposta pelo
173
poder público e pelo capital privado, como, por exemplo, as ações da ACC. Para Carlos
(1996), o cotidiano100 é um campo e uma renovação simultânea, uma etapa, um
momento composto de momentos (necessidades, trabalho, diversão, produtos e obras,
passividade e criatividade, meios e finalidades). É uma interação dialética, em que as
coações existem juntamente com as possibilidades de insurreições; é a possibilidade de
superação e do novo, como por exemplo, a experiência da ACC, como experiência da
militância, pode redefinir os sujeitos envolvidos e lhes tirar o peso da sujeição admitida,
consentida, para além das reivindicações específicas, sobretudo o acesso à moradia. A
possibilidade de ruptura desta sujeição, imposta pelo poder público, não é só séria,
dramática, mas alegre, cheia de risos e festa. O tempo do movimento é o tempo da luta,
mas também da festa, da festa popular. É a outra sociabilidade que se conquista. Por
outro lado, o cotidiano dos dias comuns, e fora do movimento, reconduz às práticas
consentidas, reproduz a mesmice, a indiferença recíproca.
Assim, diz Damiani que, do ponto de vista da vida cotidiana, os movimentos são
momentos ou situações que “demarcam a História, têm formação e memória, têm
estrutura, mas são criações que dão no tempo e no espaço, são acontecimentos” 101. O
100
Segundo Seabra, a partir da noção de gênero de vida, passou-se da noção de modo de vida à noção de
cotidiano, mesmo sem ter sido possível tirar, à época, as derivações que agora se tornam possíveis.
Com Paul Vidal de La Blache, Príncipes de Géographie Urbaine, foi incorporado ao
conhecimento geográfico a noção de gênero de vida. Geógrafos como J. Brunhes (1920), Max Sorre
(1952) e mais tarde Pierre George (1969), ora mais, ora menos concordes com o conhecimento de suas
épocas, não puderam negligenciar que a Geografia Humana integrava, como conhecimento, as
experiências do cotidiano.
O gênero de vida identificava uma estrutura circular que correspondia à forma com que cada
grupo humano desenvolvia sua maneira de ser, de viver. Cada grupo compõe um conjunto de atitudes que
tira sua significação do interior do próprio grupo, seja pela maneira de se vestir, de falar, de habitar, em
suma, por sua
maneira de ser. Os gêneros de vida revelam os meios de que dispõem uma coletividade para a
sua sobrevivência. Jean Brunhes (1920), em sua Geografia Humana, ainda enredado no determinismo
ambiental, não pôde ignorar a magnitude, a profundidade e a extensão do processo de urbanização porque
os anos vinte coincidiam com a belle époque do capitalismo.
Max Sorre estendeu a noção de gênero de vida às formas de existências ligadas às atividades
profissionais, próprias do meio industrial, como, por exemplo, o gênero de vida dos ferroviários. Essa
extensão foi contestada, afinal, as premissas, que serviram de fundamento e suporte ao conceito de gênero
de vida, não estavam presentes nas sociedades sujeitas à divisão do trabalho e à integração numa
sociedade global.
O salto na compreensão do cotidiano como unidade de espaço e tempo, em geral, viria de Pierre
George, ao afirmar que “o ambiente urbano abrange o conjunto das formas de contato dos homens com o
meio da vida cotidiana” (GEORGE, P. Geografia Urbana -1983. In SEABRA, O. Territórios do uso:
cotidiano e modo de vida” in Cidades, vol. 1, n˚2, Presidente Prudente: GEU, 2004, p. 205).
101
In DAMIANI, A. Urbanização crítica e a situação geográfica a partir da metrópole de São Paulo in
CARLOS, A. e OLIVEIRA, A. (orgs). Geografias de São Paulo, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2004, p.34.
174
acontecimento deve ser lido no plano do possível, como “virtualidade” já em marcha,
uma possibilidade tendente a se realizar, envolvendo uma certa consciência histórica.
Seu significado, na consciência e na cultura, portanto, é ambíguo, isto é, rico de
sentidos, complexo102.
Este cotidiano local pode revelar a problemática que envolve as ações do Alegra
Centro Habitação. Por mais que as políticas públicas, voltadas à moradia no centro,
atenuem os problemas de habitação do centro histórico e garantam a permanência de
parte desta população em situação de encortiçamento, este espaço turístico e o centro
(re)valorizado e sua apropriação tendem a negar os usos para essas pessoas. Elas terão
dificuldades de usufruir os equipamentos e comércios locais que serão destinados às
elites locais e para os turistas, portanto, cabendo a estas pessoas, quando muito, uma
inclusão marginal, um subemprego, um pequeno comércio familiar da vida.
O cotidiano das pessoas, envolvidas nestas intervenções do Alegra Centro, não
pode ser compreendido somente como repetição, pois é potencial e virtualmente
transformador desta área da cidade santista. Mesmo que este cotidiano seja manifestado
de forma lenta e imperceptível, através dos conflitos sociais dos diferentes classes, pelas
necessidades de reprodução cotidiana dos sujeitos sociais que incluem a satisfação dos
serviços públicos, os sonhos, o imaginário, os sentimentos, sendo o espaço, e então, um
produto social e histórico, articulado no plano de reprodução da vida.
Neil Smith (2000) reflete sobre a importância do acesso pelo corpo como meio
de saltar escalas no uso dos espaços públicos através da apropriação e subversão da
ordem impostas, pois, os usuários, ao se apropriarem dos lugares, podem conquistar
diferentes âmbitos de luta, como um primeiro estágio da articulação, escalar com vistas
à geração de processos de transformação e mudança social da cidade, conecta o corpo, a
casa, o bairro, e a cidade. Neste sentido, por exemplo, é fundamental enfocar como a
apropriação do centro santista pela população local, como o exemplo os associados da
ACC, tem o centro como “bairro”, uma experiência coletiva criadora do pertencimento
– nossa rua, nosso bairro, nosso lugar, como agentes que podem reivindicar a garantia
do uso público e da apropriação do patrimônio da cidade. Esta apropriação deste espaço
102
LEFEBVRE, H. O Fim da História. Lisboa: Dom Quixote, 1971. In DAMIANI, A. Urbanização
crítica e a situação geográfica a partir da metrópole de São Paulo in CARLOS, A. e OLIVEIRA, A.
(orgs). Geografias de São Paulo, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2004, pp. 19-58.
175
da cidade permite fazer uma leitura do outro, daquilo que é diferente. Tal a apropriação
permite que o reconhecimento, que não se esgota no fato de se reconhecer diferente,
mas a partir disso ser capaz de perceber a injustiça dessa diferença, como, por exemplo,
os encontros inusitados de diferentes classes sociais nas ruas centrais da cidade, as
manifestações sindicais realizadas na Praça Mauá (praça da sede da prefeitura santista,
localizada no “coração” do centro histórico), das festas populares.
Henri Lefebvre (2001) aponta que o valor de uso, mesmo subordinado ao valor
de troca, é a experiência que ainda resiste pelos “usuários” que se apropriam do espaço,
mas que resiste aos especuladores, aos turistas, aos promotores capitalistas, aos planos
dos técnicos, que fazem leituras parcelares e fragmentadas do espaço visando, muitas
vezes, destruir ou transformar o imaginário social pela ideologia e pela publicidade.
Assim como criar novas tipologias de “hobbies” e “criatividade”, como, por exemplo, o
consumo do centro histórico como lugar do patrimônio e da cultura. Uma tentativa de
compreensão deste imaginário social coletivo não capturado deste espaço, como um
“resíduo”103, por meio das práticas sociais existentes, pode abrir-se como possibilidade
para novas apropriações e usos “indesejados” pelo poder público.
Esta pesquisa procurou revelar as contradições do processo de (re)produção da
área central santista, sobretudo do centro histórico e seu processo de (re)valorização
imposto pelo poder público e seus parceiros, e a riqueza deste “viver” da população
local atingida por estas ações, enquanto constituição de uma multiplicidade de relações
sociais e como prática espacial, que também pode fugir à racionalidade de
(re)valorização econômica do centro imposta pela poder público e pelo capital privado.
5. Referências Bibliográficas
103
Segundo o autor Henri Lefebvre o estudo do cotidiano, na pesquisa social, pode revelar práticas sociais
e espaciais locais que fogem e subvertem as lógicas impostas pelo poder, estes resíduos se apresentam
como uma possibilidade de negação da realidade dada e um salto, uma proposição, para o novo.
176
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ANEXO I
Pessoas residentes (Censo 2000 – IBGE)
185
Bairro
Total
Domicílios
Domicilio
particulares
particulares
permanentes
improvisados
Centro
996
927
11
Paquetá
1368
1298
10
Valongo
217
214
3
Vila Nova
4401
4253
18
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
Domicílios
coletivos
58
60
0
130
Relação com a pessoa responsável pelo domicílio (Censo 2000 – IBGE)
Bairro
Principal
Cônjuge Filho(a)
Pai ou
Neto(a)
Irmão
Responsável
ou
Mãe
ou
(ã)
enteado
Bisneto(a)
(a)
Centro
356
169
306
6
41
21
Paquetá
504
173
442
18
47
20
Valongo
61
35
76
6
14
4
Vila
1389
718
1513
46
199
86
Nova
Continuação
– Bairro
37
47
14
188
Empregado(a)
Parente do
Indivíduo
doméstico(a) empregado(a) em domicilio
doméstico(a)
coletivo
Centro
10
27
2
0
21
Paquetá
15
42
0
0
60
Valongo
7
0
0
0
0
Vila Nova
35
99
7
0
121
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
Bairro
Centro
Paquetá
Valongo
Vila Nova
Agregado
(a)
Outro
Pensionista
População (Censo 2000 – IBGE)
Crianças e
Adultos
Idosos
Adolescentes
272
627
97
473
787
108
79
113
25
1421
2577
403
Total
996
1368
217
4401
186
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
Pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes – curso mais
elevado que freqüentou (Censo 2000 – IBGE)
Bairro
Alfabetização
Antigo
Antigo
Antigo
Ensino
de adultos
primário
ginásio
clássico /
fundamental
científico
Centro
2
97
39
3
101
Paquetá
8
117
19
2
227
Valongo
1
13
5
3
19
Vila Nova
15
324
125
32
523
Continuação
– bairro
Centro
Paquetá
Valongo
Vila Nova
Ensino
médio
38
50
9
141
Superior
13
11
1
24
Mestrado ou
doutorado
2
0
0
0
Nenhum
total
41
65
9
194
336
499
60
1378
Pessoas responsáveis pelos domicílios permanentes – rendimento nominal mensal
(salário mínimo - SM) (Censo 2000 – IBGE)
Bairro
Até ½
+ de ½ a 1
+ de 1 a 2
+ de 2 a 3
+ de 3 a 5
Centro
0
29
58
47
89
Paquetá
0
106
136
49
81
Valongo
0
3
12
11
15
Vila Nova
5
132
319
257
269
Continuação + de 5 a 10
+ de 10 a 15 + de 15 a 20
+ de 20
– Bairro
Centro
59
9
4
2
Paquetá
42
12
2
1
Valongo
9
1
0
0
Vila Nova
176
19
11
4
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
Sem
rendimento
39
70
9
186
Número de domicílios (Censo 2000 – IBGE)
Bairro
Domicílios
Domicílios
particulares
Centro
Paquetá
377
564
342
504
Domicílios
particulares
permanentes
336
499
Domicílios
particulares
improvisados
6
5
Unidades em
domicílios
coletivos
35
60
187
Valongo
61
61
60
Vila Nova
1510
1385
1378
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
1
7
0
125
Domicílios particulares permanentes (Censo 2000 – IBGE)
Bairro
Tipo casa
Tipo
Tipo cômodo
apartamento
Centro
62
179
95
Paquetá
102
86
311
Valongo
50
7
3
Vila Nova
275
366
737
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
Total
336
499
60
1378
Domicílios particulares permanentes – condição de ocupação (Censo 2000 – IBGE)
Bairro
Próprio
Próprio Alugado Cedido por Cedido
Outra
Total
quitado
em
empregador de outra condição
aquisição
forma
Centro
66
7
195
61
6
1
336
Paquetá
20
3
458
8
7
3
499
Valongo
13
0
38
8
1
0
60
Vila
128
26
1149
43
31
1
1378
Nova
Fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (NESE).
<www.nese.unisanta.br> . Acesso em Maio de 2010.
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O programa municipal Alegra Centro (Santos