A comunidade indígena e o mundo tecnológico:
reflexões sobre os impactos das mídias sociais na
vida dos Aikewára
Alda Cristina Costa1
Resumo:
O presente artigo objetiva propor algumas reflexões sobre os impactos das
mídias sociais na vida da comunidade indígena Suruí-Aikewára, localizada
no município de São Domingos do Araguaia, na região sudeste do Estado do
Pará, analisando as relações de sociabilidade estabelecida com a
sociedade. Os índios convivem hoje entre as tradições de suas origens e os
artefatos da tecnologia de informação e comunicação.
Palavras-chave: Suruí-Aikewára, mídias sociais, tradições.
Abstract:
This article proposes some reflections on the impact of social media in the
life of the indigenous community Suruí-Aikewára, located in
São Domingos do Araguaia, in the southeast of the state of Pará, analyzing
social relationships established with the society. The Indians live today
between the traditions of their origins and the artifacts of the information
and communication technology.
Key-words: Suruí-Aikewára, social media, traditions.
Introdução
A proximidade das comunidades indígenas aos centros urbanos faz com que
os índios acessem os instrumentos disponíveis das tecnologias de informação e
comunicação, trazendo esses recursos e os incluindo no seu dia a dia e nas suas
relações de sociabilidade. Essas mídias são adaptadas não levando em conta o fazer
dessa comunidade, ou seja, a formação do povo. Muitas crianças e jovens são
expostas desde cedo à televisão e à internet, o que pode ser considerado natural
para quem vive nas fronteiras culturais. O problema é que grande parte destas
crianças só tem acesso às produções culturais do ocidente. O conhecimento
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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará, coordenadora e professora do curso de Comunicação Social
da Universidade da Amazônia
Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação
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produzido pelos povos indígenas, nestes espaços que se constituem com as novas
tecnologias, fica do lado de fora. Por outro lado, essas mídias tem servido para dar
visibilidade e ‘guardar’ a história e a memória da comunidade indígena, dentro de
recursos tecnológicos que atraem o olhar do índio e também que fazem com que os
mesmos sintam-se incluídos no mundo, pois a cultura deles também é difundida
para a sociedade.
O presente artigo objetiva refletir preliminarmente sobre os impactos do
mundo tecnológico na vida dos Suruí-Aikewára e o ressignificado dado pelos índios
nas suas relações de sociabilidade. Como escopo teórico recorre-se aos Estudos
Culturais, considerando as observações pessoais e vozes indígenas
registradas
durante participação em oficinas na comunidade ao longo de nove meses de
pesquisa.
Os Suruí-Aikewára
O contato desta pesquisadora com a comunidade Aikewára pode ser
considerado recente, pois ele será concretizado a partir do projeto “Crianças SuruíAikewára: entre a tradição e as novas tecnologias”, financiado pelo Criança
Esperança, da Rede Globo / UNESCO e Universidade da Amazônia, iniciado em
janeiro de 2010 e com previsão de término para janeiro de 2011.
O projeto tem a finalidade, pois ainda encontra-se em andamento, de
construir junto com os índios Suruí, metodologias de ensino que conciliem a
tradição cultural com a elaboração de materiais didáticos de diferentes linguagens,
livros, CD-Rom e DVDs que sirvam de apoio e de utilização na escola.
Ao longo desse período, cerca de nove meses, tem sido possível conhecer e
conviver com a história desse povo, ouvindo os mais velhos e observando o
comportamento dos mais novos diante de sua inserção no mundo digital, ou seja, a
partir da produção de ferramentas que tem possibilitado construir instrumentos de
pertença à sociedade. Como bem escreve Canclini os recursos tecnológicos não são
neutros, nem tampouco onipotentes. “Sua simples inovação formal implica
mudanças culturais, mas o significado final depende dos usos que lhes atribuem os
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agentes” (CANCLINI, 2000, p. 307). Isso é muito bem representado pela fala da
jovem Aikewára Wiratinga, de 18 anos, quando indagada a respeito da realização
de filmes, blogs e matérias televisas sobre o seu povo, “é importante guardar
porque nunca ninguém vai esquecer nós e as histórias dos nossos avós”. Ou
seja, constata-se na fala da jovem indigena um medo da história do seu povo se
perder, então, as midias passam na sua concepção, guardar as histórias de origem
do povo Suruí-Aikewára.
As atividades desenvolvidas pelo projeto nesse período foram de pesquisar as
tradições Suruí, a partir dos seus conhecimentos, rituais, manifestações artísticas e
culturais. A diretriz seguida na condução das oficinas obedeceu as narrativas orais
Suruí, manifestas pelos pajés e pelos poucos índios mais velhos. Os conteúdos
programáticos e as ações estratégicas foram realizadas a partir das necessidades e
dos interesses dos Suruí, com a participação direta dos índios mais velhos.
Na avaliação da coordenadora do projeto, antropóloga e lingüista Ivânia
Neves, a oralidade é uma das principais características das tradições indígenas. É
através da fala que a tradição e o conhecimento indígena há milênios, vêm
passando de geração para geração. Mas que equivocadamente, muitos estudiosos
tentaram simplesmente transcrever estas narrativas como se elas fossem limitadas
apenas à palavra falada, desconsiderando todas as outras manifestações que
compõem o ritual dessa fala, isto é, os gestos, as danças e pinturas.
É nessa fronteira cultural que se move grande parte das culturas indígenas,
buscando quase sempre, negociar seus significados tradicionais frente ao
surgimento das tecnologias digitais e as práticas da cultura envolvente. Como
ressalta Martín-Barbero “se diante do índio a tendência mais forte é pensá-lo como
primitivo e, portanto, como um outro, fora da história, diante do popular urbano a
concepção mais frequente é negar pura e simplesmente sua existência cultural”
(2003, p. 277).
Até pouco tempo a comunidade Suruí-Aikewára, localizada, no município de
São Domingos do Araguaia, na região sudeste do Estado do Pará, região Norte, era
considerada quase inexistente, pois as notícias que chegavam à sociedade davam
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conta que os mesmos tinham sido extintos. Os índios Suruí passaram a ser
reconhecidos na história da antropologia brasileira como castanheiros, por suas
terras serem ricas em produção de castanha. Na década de 1960, quando
efetivamente foi possível manter contato com a comunidade foi constatado uma
grande depopulação dos Suruí-Aikewára, chegando os mesmos a apenas 33 índios. A
partir dessa realidade, alguns pesquisadores anunciaram o fim deste povo, mas os
Suruí sobreviveram e ainda hoje continuam passando por um processo de
reestruturação social (NEVES, 2009).
Neste novo momento histórico, algumas regras matrimoniais precisaram ser
adaptadas com a finalidade de manter e fortalecer a existência dos índios. O
número reduzido de índios impediu a realização de alguns rituais religiosos e a
própria relação com a memória e o conhecimento tradicional do grupo sofreu
algumas transformações.
Hoje, conforme dados e levantamentos feitos junto à comunidade Aikewára,
existem cerca de 315 índios, desses mais de 200 são crianças e jovens. Os índios
mais novos, que já nasceram em contato com a sociedade envolvente, ficaram mais
distantes da tradição Suruí.
Esse é apenas um pequeno diagnóstico que traçamos com objetivo de refletir
sobre a inserção das mídias na vida dos Aikewára, com a possibilidade de resgatar,
guardar e reproduzir a história e memória desse povo que tenta sobreviver nas
terras amazônicas e nas fronteiras culturais.
Os índios e a tecnologia
Guardadas as devidas proporções, assim como nas outras regiões do mundo,
do Brasil e da Amazônia, as tecnologias invadiram o dia a dia das pessoas, seja pela
mera cópia de um cd pirata, seja pelos aparelhos sofisticados que passaram a fazer
parte da vida pessoal e profissional dos indivíduos na contemporaneidade. Da
mesma maneira, os índios foram atraídos pelos encantos desses aparatos
tecnológicos, levado pela proximidade de suas aldeias, assim como sua inserção no
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convívio com as cidades urbanas. Esse contato com as mídias foi incorporado à
cultura indigena. Hoje é comum encontrar nas comunidades Indígenas aparelhos de
TV, filmadoras, DVDs, rádios, telefones celulares, câmeras e computadores.
Algumas populações indígenas passaram a utilizar e consumir produtos dessa
sociedade informacional. Não que isso seja um crime, pelo contrário, pode
representar uma oportunidade de “capturar” as informações, os relatos e socializálos de vez os conhecimentos e a cultura indígena não somente para os índios mais
jovens, mas com toda a sociedade que desconhecem a riqueza dos primeiros
habitantes do Brasil. O jovem Suruí transita por outros espaços e se constitui
também em outras identidades, já que ele pode ser um eleitor, um estudante,
pode receber uma bolsa assistencial do governo, ter um número de celular, possuir
um MP3, conviver com jovens da sociedade envolvente.
Portato, se essa tecnologia é uma realidade e adentrou a vida dos índios
Suruí, é preciso conciliar sua utilização com as tradições do povo, do mesmo modo
que deve ser aplicada como recurso didático na educação, levando em conta a
memória e história do povo indígena.
Novamente é a jovem Wiratinga que se manifesta sobre a importância da
utilização dos recursos tecnológicos: “Acho bom porque a gente mostra a cultura
da gente e as crianças aprendem mais. Os adultos contam as histórias e as
crianças aprendem”.
Durante muito tempo acreditou-se que os meios de comunicação eliminariam
os vestígios das tradições populares, que a sociedade seria toda homogênea em
uma única e grande cultura.
Nem sequer pode-se atribuir aos meios eletrônicos a origem da massificação
das culturas populares. Esse equivoco foi apropriado pelos primeiros estudos
sobre a comunicação, segundo os quais a cultura massiva substituiria o culto
e o popular tradicionais (CANCLINI, 2000, p. 255).
É interessante destacar que a noção de popular é reforçada nas mídias ainda
levando em conta uma lógica de mercado, ou seja,
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popular é o que vende maciçamente, o que agrada a multidões. A rigor, não
interessa ao mercado e à mídia o popular e sim a popularidade. Não se
preocupam em preservar o popular como cultura ou tradição; mais que a
formação da memória histórica, interessa à indústria cultural, construir e
renovar o contato simultâneo entre emissores e receptores (CANCLINI, 2000,
p. 260).
A mídia tem um papel central já que as pessoas necessitam do seu discurso
para que possam construir o sentido social da realidade. E não é diferente com a
comunidade ìndigena Suruí que passa compreender como importante ter sua
história e tradições serem narradas pelos diversos meios de comunicação. A mídia,
neste sentido, não é apenas um suporte tecnológico, mas uma instituição
responsável por criar uma lógica de mundo, muitas vezes, não muita clara, mas que
exerce sentido na vida humana, pois influencia as relações sociais ou até cria novas
formas de sociabilidade (COSTA, 2010). Hoje, a imagem midiática começa na
primeira idade das crianças e vai até o fim
da sua vida, ditando as intenções
daqueles que trabalham para construir esses sentidos, sejam produtores anônimos
ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e
profissionais do adolescente, nas escolhas tipológicas (a aparência) de cada pessoa,
até nos usos e costumes públicos ou privados, às vezes como “informação”, às
vezes velando a ideologia de uma escolha ou persuadindo os comportamentos. As
crianças começam a desenvolver algumas lógicas de pensamento a partir de uma
programação televisiva.
Na avaliação do psicólogo Moscovici (1969), a mídia, de uma forma geral,
cria as condições de nascimento, circulação e penetração das representações
sociais,
dos sistemas cognitivos com uma linguagem e uma língua próprias (...)
sistemas de valor, idéias e práticas com uma dupla função: estabelecer uma
ordem para capacitar os indivíduos a se orientar em seu mundo material e
social e controlá-lo; possibilitar a comunicação entre os membros de uma
comunidade (MOSCOVICI, 1969, p.13)
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As práticas identitárias que constituem as sociedades indígenas na
contemporaneidade nos obrigam a pensar em sujeitos constituídos por múltiplas
identidades. Atualmente, um jovem Suruí se constitui com uma identidade
indígena: cresceu ouvindo as histórias contadas pelos pajés, ele se alimentou com a
comida tradicional de seu grupo, vive as dificuldades com a demarcação das terras
indígenas (NEVES, 2009).
Muitas crianças indígenas, mesmo vivendo com suas famílias, bem cedo são
expostas à escola ocidental, à televisão e até mesmo à internet, o que é natural
para quem vive nas fronteiras culturais. O problema é que grande parte destas
crianças só tem acesso às produções culturais do ocidente. O conhecimento
produzido pelos povos indígenas, nestes espaços que se constituem com as novas
tecnologias, fica do lado de fora.
Ainda que existam sociedades isoladas dentro da Amazônia, no Brasil, lembra
a antrópologa Ivânia Neves, a maioria dos povos indígenas mantém relações
efetivas com a sociedade envolvente. Já estabelecem, portanto, uma fronteira
cultural com as instituições ocidentais (igreja, escola, televisão, rádio, secretarias
públicas, ONGs, entre outras). Nascidas dentro deste cenário, a grande maioria das
crianças indígenas vive hoje nestas fronteiras.
Historicamente, o início do contato entre as sociedades indígenas e as
instituições ocidentais, além de terem resultado na morte de milhares de índios,
quer seja por processos de violência, quer seja por questões de saúde, representa
quase sempre uma grande desestruturação política e cultural para estas
sociedades.
Este contato, no entanto, uma vez realizado estabelece uma nova e
irreversível ordem para as sociedades indígenas. Se as gerações mais velhas não
dominavam a língua portuguesa, hoje, na realidade de muitas sociedades, o que se
observa é o fato de que as crianças falam apenas a língua portuguesa. Não podemos
perder de vista que existem grupos indígenas que não falam mais uma língua
tradicional.
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É neste sentido que defendemos a utilização dos recursos tecnológicos, como
forma de garantir que os jovens indigenas tenham acesso à cultura ocidental, mas
que também possam recorrer aos avanços para se fazer visível e pertencentes à
sociedade. O índio não pode ser tratado como um mero espectador, mas deve ser
também protagonista de suas histórias.
Antes do projeto “Crianças Suruí-Aikewára: entre a tradição e as novas
tecnologias”, os índios Suruí só tinham acesso as mídias apenas como
especatadores, ou seja, consumiam os artefatos tecnologicos que compravam nos
centros urbanos, sem contudo terem nenhuma participação de suas histórias de
vida narradas pelas mídias. A única vez que a comunidade apareceu na TV foi
quando jogaram um cadáver nas terras Sororó e os índios se revoltaram
interditando a estrada que leva à aldeia. A partir desse fato passaramm a ser
conhecidos como índios selvagens.
Os Suruí-Aikewára e o mundo digital
A experiência dos Suruí-Aikewára com o mundo tecnológico começou a partir
do projeto acima mencionado, em janeiro de 2010, quando as pesquisadoras2
iniciaram as oficinas de discussões com os índios para saber o que de fato eles
gostariam de mostrar e ter na comunidade com relação as mídias. Esse foi o
primeiro passo para vários que foram construídos ao longo do projeto para colocar
os índios na Internet.
Antes, quase
nenhuma informação sobre esse povo indigena podia ser
acessada, até pelo histórico de sua sobrevivência, nos quais constavam a sua
extinção. Hoje já é possível acessar ou encontrar através dos e-mail criados para
alguns Suruí, por parte dos textos produzidos por três Suruí (Murué, Tiapé e Mairá )
para o aikewara.blogspot.com, por 04 filmes postados sobre esta sociedade no
2
O projeto “Crianças Suruí-Aikewára: entre a tradição e as novas tecnologias na escola”, financiado pela UNESCO / Criança
Esperança/ UNAMA, é coordenado pelas doutoras Ivânia Neves e Alda Cristina Costa (http:// aikewara.blogspot.com).
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YouTube, as fotos da comunidade no Flick ou encontrar Murué e Tiapé Suruí como
usuários do twitter.
As oficinas realizadas nas terras dos Sororó, a partir do projeto, possibilitaram
a elaboração de 04 (quatro) filmes curtas-metragens, versando sobre os vários
aspectos da cultura indigena. Pode parecer que essa visibilidade seja insuficiente,
mas tem uma representação no imaginário do povo Suruí, que considera que dessa
forma eles estão sendo lembrados e valorizados. Foi essa a manifestação de Tiapé
Suruí
ao receber os primeiros filmes sobre a cultura do seu povo: “A nossa
preocupação é arquivar, através dos DVDs, as nossas histórias, as nossas
comidas típicas, o canto, a nossa língua, principalmente a preservação do nosso
meio-ambiente, que é o mais importante para nós”.
Ao se trabalhar a questão da tecnologia deve-se levar em conta que seus
avanços produzem transformações na experiência cotidiana, estabelecendo novas
relações de sociabilidade. Ou seja, os Suruí também vivem essa experiência.
Martín-Barbero (2003) destaca que a técnica não é apenas um instrumental, mas é
constitutiva da estrutura do conhecimento e da vida cotidiana.
Evidentemente que tudo é muito recente, mas a intenção é fazer com que os
Suruí possam protagonizar suas próprias informações. Atualmente eles ainda
necessitam da ajuda dos pesquisadores e bolsistas para realizar as tarefas na
Internet. Mas o certo é que não se pode negar sua participação nesse mundo
digital.
Pensar o indígena é levar em consideração a sua inserção na sociedade ou
como bem afirma Martín-Barbero,
as culturas indígenas como parte integrada à estrutura produtiva do
capitalismo, mas sem que sua verdade se esgote nisso. Desconhecer o
primeiro equivale a remeter a identidade cultural a um tempo mitico, a uma
continuidade a-histórica que impossibilita a compreensão das mudanças
sofridas por essa identidade. Desconehcer o segundo, contudo, seria fazer o
jogo da lógica do capitalismo, cair na cilada de lhe atribuir a capacidade de
esgotar a realidade do atual, que é o que fazemos ao negar ao índio sua
capacidade de desenvolver-se em suas culturas, capacidade que é
inaceitável tanto para a explicação economicita quanto para a politização
imediatista (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 273)
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É interessante destacar que algumas experiências já vem sendo realizadas
com resultados positivos com relação a inserção dos índios no mundo digital. Desde
1987 vem sendo realizado o projeto denominado Vídeo nas Aldeias, na área de
produção audiovisual indígena no Brasil, com o objetivo de apoiar as lutas dos
povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e
culturais, por meio de recursos audiovisuais (www.videonasaldeias.org.br).
O uso do vídeo permite que as comunidades indígenas selecionem e
fortaleçam manifestações culturais que elas desejam tanto conservar para
as futuras gerações quanto apresentar como parte de sua identidade. Ele é
um instrumento adaptado a formas tradicionais de produção e transmissão
cultural apoiado na força da palavra e na memória oral
(www.videonasaldeias.org.br).
O Vídeo nas Aldeias surgiu como proposta das atividades da ONG Centro de
Trabalho Indigenista, como um experimento realizado por Vincent Carelli entre os
índios Nambiquara, depois abrangendo outras aldeias brasileiras. Hoje o projeto
criou um importante acervo com mais de 70 filmes sobre os povos indigenas no
Brasil.
No caso da comunidade Suruí, os quatro primeiros filmes produzidos, surgiram
inicialmente, para serem utilizados como recursos didáticos na escola da Aldeia.
Mas a produção foi além das expectativas dos índios que solicitaram também que
eles fossem distribuidos para as outras escolas, televisão e colocado na internet
para que a sociedade saiba da sua existência. “Gostaria que mostrasse nossa
cultura para o povo de fora. Quero que eles (a sociedade) saibam sobre nossa
cultura”, afirmou Wiratinga.
Deixa a marca de nós na TV
Num misto de surpresa e interesse os índios Aikewára reunidos na Casona
participam da sessão para assisitr o primeiro filme produzido pelo projeto“Crianças
Suruí Aikewára: entre a tradição e as novas tecnologias na escola”, no mês de
junho. Durante trinta minutos os índios ficaram vidrados olhando a tela da TV
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mostrando os Suruí nos seus afazeres do dia a dia, assim como os mais velhos
narrando as histórias do povo. Ainda maravilhados com suas imagens na tela, a
jovem Wiratinga desabafa com alegria: “Deixa a marca de nós na TV. A gente via
só dos outros índios, nós não aparecia, agora não, o nosso povo também pode
ser visto”.
A utilização das mídias também passa na concepção dos índios como
instituições importantes de divulgação de identidades e de visibilidades. É
interessante destacar que os indivíduos e as formas de relação entre eles são
alimentadas pela mídia porque a maior parte dos conhecimentos acerca do mundo,
dos modelos de papel, dos valores e dos estilos de comportamento chega à mente
humana não pela experiência direta do mundo físico e das relações com os outros,
mas cada vez mais pela mediação dos meios de comunicação. E diversas questões
passam a habitar a mente humana, a partir da discussão por esses meios. Esses
meios se tornam fundamentais como suportes de inclusão e exclusão sociais e de
controle das coisas que acontecem no mundo(COSTA, 2010, p. 62).
Figura 01 – Suruí assistindo os vídeos 2010
Foto: Mauricio Neves
Com o surgimento da Internet e seus adventos, o homem se deparou com um
espaço que antes era difícil de imaginar: um lugar onde pudesse exprimir suas
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idéias, pensamentos, opiniões, sua vida cotidiana, e ao mesmo tempo, um lugar
onde tudo isso poderia ser visto. Neste sentido, surgiu a necessidade de criar um
blog para a comunidade Suruí-Aikewára (aikewara.blogspot.com) com a finalide de
contar um pouco da história desse povo. O blog se constitui como uma ferramenta
de comunicação que dá suporte à interação de pequenos grupos por meio de
sistema simples e fácil de troca de mensagens, podendo ser realizado pelas mais
diversas organizações ou pessoas. Ou seja, os blogs seriam um espaço democrático,
de fácil acesso e com rápida velocidade, onde qualquer pessoa poderia expressarse, ou informar-se. Ou por outro lado, porque as mídias sociais propiciam as
particularidades dos grupos ou comunidades, uma vez que mesmo utilizando os
recursos tecnológicos, cada um nesse imenso universo midiático, pode ser
protagonista de suas ações ou informações.
Hoje, mesmo na comunidade Suruí não ter ainda acesso a Internet, os índios
se deslocam até o município mais próximo para acessar o blog e colocar
informações sobre o seu povo. Da mesma forma o índio Tiapé começa a utilizar o
Twitter para postar informações sobre os Suruí-Aikewára.
Figura 02 – Índio Tiapé usando o Twitter 2010
Foto: Ivânia Neves
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A priori é muito cedo para falar dos impactos das mídias sociais na vida dos
Suruí-Aikewára, mas numa reflexão preliminar podem ser constatados ganhos
positivos para a comunidade, uma vez que se abre a possibilidade de conhecer a
realidade desse povo e, então quem sabe, colaborar para fazer com que a história
deles sobreviva entre as fronteiras culturais vividas pelos indigenas na amazônia.
Considerações finais
A partir dessa pesquisa várias possibilidades e fronteiras se abriram, pois foi
possível conviver, observar e perceber que os Aikewára negociam suas relações
levando em conta suas origens e a cultura ocidental. Se as fronteiras de limites
entre essas culturas são tênues, pesando de uma perspectiva onde a cultura
ocidental ainda se sobrepõe sobre a indígena, é possível hoje utilizar os recursos
tecnológicos em beneficio da comunidade, pois eles abrem novas possibilidades,
principalmente no sentido de que podem servir também para atrair e seduzir o
mundo indígena, ou seja, contando a história e memória do povo nos artefatos. Não
é possível excluir esses recursos, mas é possível adaptá-los para que sejam
utilizados como instrumentos para comunidade, já que eles podem produzir o
mundo deles e divulgá-los para sociedade como um todo. É importante que as
tecnologias de informação e comunicação não reeditem a prática colonialista,
perpetuada na história de contato das sociedades indígenas.
O índio não pode ser tratado como um mero espectador, mas deve ser
também protagonista de suas histórias.
Referências Bibliográficas
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Hibrídas: estratégias para entrar e sair da
Modernidade.3ª. Edição. São Paulo: Edusp, 2000. 385.
MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. 369.
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MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image ET son public. Paris: Presses
Universitaries de France, 1961.
Teses
COSTA, Alda Cristina. O embate entre o visível e o invisível: a construção social
da violência no jornalismo e na política. 2010. 346 f. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) – Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do
Pará, Belém, 31/08/2010.
NEVES, Ivânia Correia. Interseções de Saberes nos céus Suruí. 2004. Dissertação (Mestrado
em Antropologia) – Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal
do Pará.
Documentos eletrônicos online
Apresentação. Disponível em: http://www.videonasaldeias.org.br/2009/. Data do
acesso: 08/11/2010.
Blog Aikewára. Disponível em: http://aikewara.blogspot.com/. Data dos acessos:
01, 05,07 e 08 de novembro de 2011.
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