A ESCOLA E O
MUNDO DO ALUNO
Conselho Editorial
Bertha K. Becker (in memoriam)
Candido Mendes
Cristovam Buarque
Ignacy Sachs
Jurandir Freire Costa
Ladislau Dowbor
Pierre Salama
Marcelo Baumann Burgos (coord.)
A ESCOLA E O MUNDO DO ALUNO
Estudos sobre a construção social do aluno
e o papel institucional da escola
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Editoração Eletrônica
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Capa
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meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.
Sumário
Introdução – Afirmação institucional da escola democrática
e o mundo do aluno...................................................................................................9
Marcelo Baumann Burgos
Primeira parte
DIMENSÕES EMPÍRICAS DA RELAÇÃO DA
ESCOLA COM O MUNDO DO ALUNO
Primeira seção – A Escola e o Mundo do Aluno
Preâmbulo............................................................................................................ 39
Marcelo Baumann Burgos
Capítulo 1 – Dados básicos sobre o aluno e sua família ............................... 41
Francicleo Castro Ramos & Vanusa Queiroz
Capítulo 2 – O valor da educação escolar para as famílias:
confronto entre a percepção dos responsáveis e o
senso comum escolar.......................................................................................... 50
Laura Rossi, Marcelo Baumann Burgos
Capítulo 3 – Observação da reunião de pais:
evidências da ausência de diálogo.................................................................... 72
Bernardo Trigueiro, Mariana Junqueira Camasmie
Capítulo 4 –Recreio escolar: curto-circuito entre a
cultura escolar e o mundo do Aluno............................................................... 83
Fernanda Lopes, Francicleo Castro Ramos,
Laura Rossi, Sarah Laurindo
Capítulo 5 – Região Escolar e Mundo do Aluno:
os casos da Rocinha e da Maré........................................................................122
Julia Ventura, Francicleo Castro Ramos, Marcelo Baumann Burgos
Segunda seção – Entre a escola, a família e a vizinhança:
O papel do Conselho Tutelar
Preâmbulo.......................................................................................................... 149
Marcelo Baumann Burgos
Capítulo 6 - Conselho Tutelar: histórico,
características e atribuições.............................................................................. 153
Aristóteles Vandelli Carneiro
Capítulo 7 – Conselho Tutelar: visibilidade, cidadania e escola................. 174
José Antonio Ribas Soares
Capítulo 8 – Perfil da atuação do Conselho Tutelar e a
importância do direito à educação..................................................................197
Aristóteles Vandelli Carneiro, José Antonio Ribas Soares,
Sarah Laurindo Monteiro, Tadeu Nascimento Pedro
Capítulo 9 – Conselho Tutelar, um mediador
da relação escola-família...................................................................................217
Ana Carolina Canegal, Sarah Laurindo
Capítulo 10 – Entre a escola, a família e o Conselho Tutelar:
estudo do vazio institucional a partir do
trágico caso do menino Alan
Ana Carolina Canegal, Maria Larissa Martins de Lima.............................239
Terceira Seção – Relatos de experiências de extensão da
PUC-Rio junto às escolas públicas e ao conselho tutelar
Preâmbulo
Marcelo Baumann Burgos................................................................................ 263
Capítulo 11 – Gestão da Informação sobre o aluno:
relato de uma experiência de extensão.......................................................... 267
Francicleo Castro Ramos, Julia Ventura,
Marcelo Baumann Burgos, Vanusa Queiroz
Capítulo 12 – Relato do desenvolvimento de ferramentas
de gestão da informação para o Conselho Tutelar....................................... 282
Maria Larissa Lima, Mariana Junqueira Camasmie, Sarah Laurindo
Capítulo 13 – Festival PUC das Escolas da Gávea e da Rocinha:
integração urbana, educação escolar e responsabilidade social.................301
Ana Carolina Canegal, Marcelo Baumann Burgo
Capítulo 14 – Por uma cidade a favor da educação e da
educabilidade: a proposta de reforma urbana das
praças públicas da Gávea.............................................................................324
Ana Carolina Canegal, Fernanda Antunes Lopes,
Marcelo Baumann Burgos
Capítulo 15 – Conversa com os profissionais da escola: ensaio de um
debate sobre a relação da escola com o mundo do aluno.......................344
Fernanda Antunes Lopes, Laura Rossi
Capítulo 16 – Reflexões de um professor de ensino
fundamental na pele de um pesquisador, ou vice-versa......................... 383
Rafael Dutton
Segunda Parte
DIMENSÕES TEÓRICAS DA RELAÇÃO DA
ESCOLA COM O MUNDO DO ALUNO
Preâmbulo...................................................................................................... 397
Ralph Bannell
Capítulo 17 – Escolas, Meios Populares e Mediação Sociocultural.......... 403
Pedro Silva
Capítulo 18 – Exigências acadêmicas, tédio e agressão:
algumas questões sobre o fenômeno da conflituosidade escolar
Daniel Míguez................................................................................................450
Capítulo 19 – A escola e o território: um
acordo democrático improvável?...............................................................480
Benjamin Moignard
Capítulo 20 – O Estado, a democracia e a educação:
ou o buraco é muito mais em baixo.......................................................... 498
Ralph Ings Bannell
Sobre os autores..............................................................................................531
7
Introdução
Afirmação institucional da escola
democrática e o mundo do aluno
Marcelo Baumann Burgos
Este livro nasceu da preocupação em estudar a relação da escola
com o mundo do aluno, isto é, seu universo subjetivo, associado ao
lugar e às condições em que ele vive, sua família e sua relação com
a escola, em suma, do sujeito que há por trás do aluno. Com isso,
pretende trazer para a reflexão os bastidores do trabalho escolar, em
que se dá a construção social do aluno: esse lugar intersticial situado
entre a escola, a família e a vizinhança. O trabalho foi desenvolvido
a partir de um amplo esforço coletivo de pesquisa, realizado ao longo
de intensos quatro anos, com o intuito de iluminar esse lugar que,
apesar de pouco visível, talvez seja o mais importante do ponto de
vista do direito da criança/adolescente, bem como no tocante ao papel
institucional desempenhado pela escola.
A construção social do aluno: da perspectiva
do direito da criança/adolescente
Pensar a escola a partir da construção social do aluno oferece um
ângulo particularmente interessante para a reflexão em perspectiva
comparada da experiência da massificação da escola brasileira. Como
se sabe, na Europa ocidental, em países como a França, por exemplo, a
história da construção social do aluno se confunde com a da afirmação
da república ao longo do século XIX. O aluno, com seu anonimato e
impessoalidade, passa a corporificar a ideia de igualdade republicana, e
passa a ser papel da escola neutralizar ao máximo as diferenças externas
oriundas da vida fora da escola, ao mesmo tempo em que forjar em cada
9
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criança uma individualidade abstrata, que diferencia ao mesmo tempo
em que iguala. Como ensinam os conhecidos textos de Durkheim, na
sociedade moderna está em jogo a produção de um duplo processo,
o que iguala, na medida em que insere as novas gerações em valores
comuns – pretensamente universais –, e o que diferencia, forjando em
cada novo ser a individualidade e a busca de autonomia em face da
própria sociedade.
Nos Estados Unidos da América, onde o individualismo seria de
outro tipo se comparado ao francês, a escolarização também é dominada por razões sociais e de governabilidade voltando-se, como advertem
Popkewitz & Bloch (2000: 35), para a construção de vínculos entre o
“indivíduo e um sentido coletivo de missão e de progresso”. É por isso
que a “pedagogia não consistia no ensino de disciplinas escolares mas
antes numa luta que procurava reconstituir a criança”, e que para Dewey,
principal liderança da educação progressista nos EUA, a escola devia ser
considerada como uma “comunidade miniatura a qual deveria iniciar a
criança numa pertença social efetiva através da autodisciplina do sujeito”
(Idem: 48).
A construção do aluno, portanto, está no centro das utopias democráticas do século XIX, associada à busca do “homem novo”, capaz de
desenvolver, ainda segundo Popkewitz & Bloch, “uma disciplina interior
que permitiria aos indivíduos controlar a sua existência mundana”
(Idem: 35). Outrossim, estará no centro do socialismo democrático, do
início do XX, do que é exemplar a defesa feita por Gramsci da escola
unitária, uma “escola criadora”, capaz de “expandir a personalidade,
tornada autônoma e responsável, mas com uma consciência moral e
social sólida e homogênea” (1991: 124).
Mas o legado concreto dessa história, que remete aos ideais das
revoluções democráticas, da igualdade e da liberdade, está em xeque,
e o motivo principal reside exatamente na necessidade de se recuperar o sujeito por trás do aluno, como bem demonstra Alain Touraine
(2003), em seu esforço de pensar o que denomina “a escola do sujeito”;
uma escola, talvez, mais fiel ao que Condorcet defendia, em 1792, na
Assembleia dos Representantes do Povo, quando postulava que deveria
11
se esperar da escola a “emancipação e autonomia de pensamento dos
cidadãos e trabalhadores”1.
O caso da massificação escolar brasileira, de outra maneira, foi
presidido por dois paradigmas que ainda estão em conflito e contradição.
De um lado, quando se considera que a massificação (no sentido da generalização do acesso à escola) começa para valer em pleno regime militar
(a partir dos anos de 1970) e, em meio a seu projeto de modernização
autoritária, fica evidente que suas razões de fundo são basicamente econômicas, orientadas pela lógica da acumulação, e nesse sentido o aluno é
de algum modo chamado a se assumir como projeto de força de trabalho
mais ou menos qualificada para o esforço de modernização da economia;
mas já nos anos de 1980, em especial com a Carta de 88 e com Estatuto
da Criança (1990), entra em cena uma profunda mudança na concepção
do papel da criança na ordem jurídica do país. Esse novo paradigma,
que se convencionou denominar como “doutrina da proteção integral da
criança” substitui a “doutrina da situação irregular do menor”, “que ao
longo de nossa evolução histórica, acabou gerando duas infâncias: (i) a
infância escola-família-comunidade e (ii) a infância trabalho-rua-delito”,
reservando para a segunda “uma legislação de menores caracterizada
pelo emprego sistemático dos dispositivos típicos do controle social do
delito (polícia, justiça e institutos de internação)” (BRASIL, 2006: 18)
Enquanto “a Doutrina da Situação Irregular só se preocupa com
a proteção – para os carentes e abandonados – e a vigilância – para os
inadaptados e infratores” (Idem: 19), a doutrina da proteção integral
da criança não se dirige a um determinado segmento da população
infanto-juvenil, mas a todas as crianças e adolescentes, sem exceção
alguma. Essa mudança do lugar da criança/adolescente tem repercussão
decisiva sobre o processo de construção do aluno entre nós, entrando
em choque com a rota definida no regime militar, e se reencontrando
com movimentos sociais como o dos pioneiros da educação, liderado por
1
Choukri Ben Ayed (2010) enfatiza que as Leis Ferry – que, entre 1881 e 1882, tornam o ensino
primário gratuito e obrigatório na França – distorcem a aspiração democrática defendida em 1792 por Condorcet (na Assembleia dos Representantes do Povo), de uma escola
voltada para a “emancipação e autonomia de pensamento dos cidadãos e trabalhadores”.
Diversamente, as Leis Ferry afirmam que a função da escola pública e laica é a de “impor
uma norma cultural e um pertencimento à pátria e ao Estado nação” (p. 21).
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Anísio Teixeira, em defesa de uma escola pública e laica, e o da luta por
uma pedagogia popular, liderado por Paulo Freire, entre outros. Com
a mudança do lugar da criança/adolescente, a educação escolar passa
a ser um direito de todas as crianças e adolescentes, e uma dimensão
inalienável da formação de um sujeito de direitos. Agora, a escola se
converte em via incontornável do processo de socialização das novas
gerações, e o ingresso precoce no mundo do trabalho, caminho até
então inevitável para boa parte dos filhos das famílias populares, passa
a ser criminalizado: a massificação da escola avança ao mesmo tempo
em que o trabalho infantil diminui.
Assim, em contextos de democracia mais longeva, o grande desafio
ora colocado é o de permitir que o sujeito por trás do aluno seja levado
em conta pela escola, isso ganha contornos dramáticos quando se lembra a questão do multiculturalismo e a necessidade de se reconhecer as
diferenças externas aos muros da escola; no Brasil, o quadro é diverso,
estando em jogo o desafio de se transformar a criança/adolescente em
aluno. Esse ponto foi muito bem capturado por Benjamin Moignard
(2008), no estudo comparado que realizou a partir de etnografia em
uma escola brasileira situada às margens de uma grande favela do Rio de
Janeiro, e em uma escola localizada em um subúrbio de Paris (Moignard,
2008). No caso francês, o ambiente escolar é de “barricada”, sendo sempre
iminente o conflito decorrente de uma escola que insiste em ignorar as
singularidades de seu público. O resultado é uma escola cada vez mais
punitiva e excludente (Moignard, 2014)2. Já no caso brasileiro, Moignard
identifica um ambiente escolar curiosamente amistoso, exatamente
porque o padrão de relação social existente não chega a demarcar bem
os papéis sociais do professor e do aluno, estando sempre permeado por
formas personalistas e assimétricas de relações entre adultos e crianças/
adolescentes. O custo disso, notado pelo pesquisador francês, é a prevalência de um certo paternalismo que acaba por imprimir outras formas
de exclusão e de violência, seja porque priva uma parcela significativa
dos alunos do acesso à aprendizagem, seja porque deixa o aluno exposto
às idiossincrasias dos profissionais da escola.
2
Sobre esse ponto, ver também o texto de Benjamin Moignard, capítulo 19 deste livro.
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Outras pesquisas têm identificado a dificuldade encontrada pela
escola brasileira para fazer com que em alguma medida seus muros
delimitem uma fronteira real com a rua e com o mundo do sujeito por
trás do aluno. Disso se segue uma grande dificuldade para demarcar
um ambiente de igualdade no qual o acesso à aprendizagem se imponha
para além das diferenças de origem social e familiar, das identidades
religiosas e do local de moradia (Guimarães, 2003; Burgos & Paiva,
2009; Ribeiro & Kaztman, 2008). Desses estudos conclui-se que, para a
escola se afirmar institucionalmente, ela precisa ser capaz de articular,
de um lado, medidas voltadas para a busca por resultados escolares
mais igualitários, e de outro, ações voltadas para fazer com que ela
entre para valer no jogo da disputa de identidades, criando um clima
escolar capaz de produzir sentimento de pertencimento e confiança no
projeto escolar. Ou seja, fazendo com que a escola passe de fato a fazer
parte do mundo do sujeito do aluno.
Mas também é verdade que a situação brasileira em face dos
efeitos sempre perturbadores da massificação pode contar com uma
vantagem: o fato da afirmação institucional da escola ter que levar em
conta o direito da criança e do adolescente, e não apenas as razões do
Estado, da sociedade ou do mercado, e mais especificamente o direito
à educação escolar. Tal trunfo pode criar condições favoráveis para
que esse processo de afirmação institucional da escola e de construção
social do aluno não venha a ter como custo a supressão do sujeito mas,
ao contrário, a sua valorização.
A noção de educabilidade
Nossa pesquisa teve como campo privilegiado de estudo as escolas públicas situadas no entorno da PUC-Rio, mais especificamente
no bairro da Gávea e na favela da Rocinha. Essas escolas atendem
basicamente moradores dessa favela (local de moradia de 85% a 95%
de seus alunos), por essa razão o objetivo de tratar do mundo de seus
alunos nos levou a considerar o peso do efeito desse território sobre o
processo de construção desse aluno. A perspectiva adotada neste livro
fica muito bem sintetizada nas imagens abaixo, produzidas da varanda
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