Revista Adusp
Outubro 2004
VIGILÂNCIA
SOBRE TUDO
E SOBRE TODOS, COM
A COLABORAÇÃO DAS
AUTORIDADES DA USP
Marcy Picanço
Jornalista
A repressão política exercia minucioso e asfixiante controle da
vida da Universidade, que incluia a obtenção ilegal de dados
acadêmicos dos alunos. O Dops chegava a produzir até três
relatórios diários sobre a USP. Na documentação analisada
pela Revista Adusp há diversas referências a estudantes que se
tornaram militantes de organizações clandestinas e não chegaram a
concluir seus estudos. Muitos deles foram mortos pela Ditadura
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“V
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ocê
não de Ordem Política do Dops, da- bém há observações oriundas de
podia es- tado de 25 de fevereiro de 1962, outros órgãos da repressão. Por
quecer em informa o resultado das eleições exemplo: em 9 de junho de 1965,
m o m e n t o para o Centro Acadêmico XI de o Quartel General da 4ª Zona
algum que Agosto, da Faculdade de Direito Aérea envia à Delegacia informe
estava sen- (FD), e lista os nomes dos direto- sobre uma assembléia realizada
do vigiado. Nunca! Você chegava res eleitos.
na FD. O relato informa que dena universidade e tinha que lembrar
O monitoramento só parece ve-se atentar para as “ameaças”
disso. O porteiro podia ser um cara haver terminado com o fim do feitas pelo então presidente do
do Dops. Aquele sujeito na carteira Dops, em 1984. Ainda em 1983, XI de Agosto, Hélio Navarro, pois
ali ao lado, com um jeito meio es- foram produzidos informes di- este teria dito que “o movimento
tranho e que você nunca viu antes, ários, de 3 de janeiro a 29 de grevista irá até as últimas conseprovavelmente é da polícia”.
dezembro, sobre as atividades es- qüências, se o Conselho UniverFranklin Leopoldo, hoje pro- tudantis na Cidade Universitária. sitário não resolver a questão da
fessor de Filosofia da FFLCH, Em alguns dias, há relatórios por intervenção militar no Crusp”.
descreve assim a angústia vivida turno: manhã, tarde e noite.
Em 26 de maio de 1969, a Sepelos estudantes da USP
cretaria de Segurança Públidurante os anos do regime
ca envia ao delegado Ítalo
militar. Ele estudou na USP
Ferrigno o “Relatório sobre
Fornecer dados escolares
de 1968 a 1972, durante a
subversão da FDUSP”. No
de
membros
de
centros
mudança do curso de Filosodocumento há uma lista de
fia da rua Maria Antônia, na
alunos da faculdade que
acadêmicos devia ser
Vila Buarque, para a Cidade
seriam ligados à Dissidência
rotineiro durante
Universitária (vide p. 72).
do Partido Comunista Brao regime militar,
“A gente tinha que conviver
sileiro (PCB) e distribuiam
com a situação. Com o fim
panfletos. O relatório sugepois há inúmeros papéis
da Ditadura, soubemos dos
re que houve delação: “os
com este tipo de informação
relatórios diários sobre a
nomes foram colhidos por
USP, geralmente de conalunos que, sabendo que a
teúdo inócuo”, completa o
panfletagem começa às 6h,
professor.
Os relatos dos agentes descre- chegaram antes”. Entre os noOs documentos do Dops con- vem detalhadamente tudo: aulas; mes da Dissidência listados pelo
firmam a declaração de Leopol- cursos de férias, com transcrições Dops figuram os de Belisário dos
do, além de atestarem a ampla de palestras; conteúdo dos car- Santos Júnior (que em 1995 seria
colaboração dos dirigentes da tazes, desde os que falavam de nomeado secretário de Estado
universidade com os órgãos de estudantes assassinados até os que em São Paulo), Leonel Itaussu
repressão, que perseguiram, mostravam os preços dos produtos de Almeida Mello (hoje professor
prenderam, torturaram e mata- nas lanchonetes; colações de grau; da FFLCH) e Adolfo Rosário de
ram estudantes da USP e muitos reuniões de centro acadêmico; as- Carvalho.
outros cidadãos brasileiros du- sembléias e inclusive um acidente
“Para que o Dops queria esse
rante os anos da Ditadura.
de trânsito. “Os informantes tam- documento?”, surpreende-se o enOs registros de vigilância do bém tinham que mostrar serviço”, genheiro Frederico Moreira Busmovimento estudantil na USP, lembra o professor Leopoldo.
singer ao saber que há uma cópia
entretanto, são anteriores a 1964.
Agentes do Dops produziam a de seu comprovante de inscrição
Um comunicado da Sub-Chefia maioria dos relatórios, mas tam- no vestibular da Faculdade de Eco-
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Frederico Bussinger, engenheiro
nomia e Administração nos arquivos da polícia política. Bussinger
foi presidente da Liga Atlética
Acadêmica (LAA-USP) entre 1972
e 1975, enquanto cursava Economia. Além disso foi diretor do Grêmio Politécnico, quando estudou
engenharia, entre 1963 e 1969.
“Os eventos da LAA reuniam
muitos estudantes e muitas vezes
fazíamos algumas manifestações
políticas, em shows com cantores
de MPB, por exemplo. Eu tive
vários entreveros com policiais
do Dops por causa dos eventos,
mas nunca fui preso. Talvez o
documento também tenha a ver
com a prisão do meu irmão,
Gustavo Bussinger. Ele ficou
preso por quatro dias, em 1974,
por que era editor de uma revista cultural na FEA”, esclarece o
engenheiro.
Fornecer dados escolares dos
integrantes de centros acadêmicos devia ser algo rotineiro na
USP durante a Ditadura, pois há
muitos documentos com este tipo
de informação. Por exemplo, em
outubro de 1974 o Centro Acadêmico de História (Cahis) enviou
um ofício ao diretor da FFLCH
com os nomes dos eleitos para
a gestão de 1975. Nos arquivos
do Dops, junto à cópia da carta,
estão os históricos escolares dos
estudantes listados.
Os dados também eram solicitados por questões específicas.
Em 15 de junho de 1971, a 2ª Divisão de Infantaria do II Exército
envia ao Dops um relatório de
uma reunião entre os alunos de
Ciências Sociais que discutiram
as eleições para representante discente. O documento encaminhou
como anexo um panfleto onde
apareciam os nomes dos candidatos: Marlinda Sônia Itô e Aragão
Fonseca de Almeida. Em 18 de junho, o Dops determina que sejam
investigadas “as reais intenções
dos candidatos”. Em seguida,
aparece uma ficha dos estudantes
com fotografias e os históricos escolares de ambos.
Além dos estudantes ligados às
entidades estudantis, o Dops recebia dados escolares sobre estudantes investigados ou procurados.
Em um papel sem timbre e data,
mas arquivado próximo aos documentos de 1969, aparece uma lista
de estudantes da USP. Ao lado de
cada nome, constam as disciplinas
cursadas desde a entrada do aluno
na universidade, informando se
ele havia sido aprovado ou não.
Entre os estudantes citados estão
Luiz Fogaça Balboni, Caetana
Maria Damasceno e outros. No
fim do documento há uma nota:
“Takao Amano não é discente da
faculdade”.
“A polícia cercava de todo jeito, queria todo tipo de informação
sobre você. A universidade era
do Estado, por isso passava as
informações. Não estranho terem
meus dados escolares”, diz Takao
Amano. Ele entrou na Filosofia
da USP em 1970 ou 1971, “mas
naquela época a gente não estudava mesmo. Estávamos envolvidos
com a luta contra o regime e a
perseguição não deixava.” Amano
passou à clandestinidade e participou de ações armadas na Ação Libertadora Nacional (ALN). “Tive
que sair do país e só quando voltei
fui estudar”, explica.
Amano exerce hoje a profissão
de advogado. Como ele, durante
a Ditadura muitos estudantes da
USP não concluíram o curso que
faziam. Bernardino Figueiredo,
estudante de Geologia e presidente do Grêmio da Faculdade de
Filosofia em 1969, foi um deles.
Militante da Dissidência do PCB,
Figueiredo ficou preso de julho a
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outubro de 1968. Conseguiu um
habeas corpus e foi liberado. Em
18 de março de 1969, o Conselho
Permanente de Justiça Militar, da
2ª Auditoria de Guerra, decretou
sua prisão e informou que ele estava foragido.
Nessa época Figueiredo estava
vivendo como clandestino. No
fim do mesmo ano foi para o Chile. Quando houve o golpe militar
que derrubou Salvador Allende,
passou alguns dias preso no Estádio Nacional, com sua esposa
e seu filho com menos de um ano
de idade. Posto em liberdade, foi
Bernardino Figueiredo, professor da Unicamp
para o exílio na Suécia,
onde ficou até 1980.
ça Balboni. Também há
O
geólogo
Bernardino
Figueiredo,
Por sua ação políum papel com o timbre da
tica e pelos processos
Secretaria de Segurança
que não conseguiu concluir seu
em que foi indiciado,
Pública (SSP) informando
curso
na
USP
e
hoje
dá
aulas
Figueiredo, que atualque Jeová de Assis Gomes
mente é professor no
foi expulso do Crusp e da
na Unicamp, surpreendeu-se
Instituto de GeociênUSP por liderar “atividaao
descobrir
que
seu
histórico
cias da Unicamp, sabe
des subversivas”.
que seu nome aparece
Outro
documento
escolar está entre os documentos
em vários documentos
encontrado é um certiarquivados no Dops
do Dops, e já procurou
ficado original, datado
seus registros no Arquide 1966, de um curso da
vo do Estado. Entretanto, espanNos arquivos, o histórico de Associação Universitária de Estudos
tou-se ao descobrir que seu histó- Figueiredo aparece junto ao de Psíquicos, com a assinatura de Iara
rico escolar está entre os papéis Antônio Benetazzo, próximo aos Iavelberg. O mandado de prisão de
ali colecionados: “Meu histórico! documentos de 1975. “Isso. Foi na Helenira Rezende de Souza NazareMas éramos perseguidos pela po- época em que o Benetazzo morreu. th, expedido em abril de 1971, tamlícia, não pela universidade.”
O Arantes [José Roberto Arantes, bém aparece na pasta sobre os estu“Os professores e funcionários presidente do Grêmio da Filosofia dantes da FLLCH. Na pasta sobre a
se mobilizaram quando fui preso em 1968] também foi assassinado FD, os nomes de Arno Preiss e João
em 1968. Quando pedi minha por esse tempo. O [histórico] do Leonardo da Silva Rocha constam
transferência para concluir meus Arantes também está lá?”, pergun- em um “relatório sobre subversão”,
estudos no Chile, fui prontamen- ta o professor da Unicamp.
redigido pela SSP em 1967.
te atendido. Não sabia que a USP
O histórico de José Arantes, poOs nomes de todos esses exenviava documentos de alunos rém, não está nas pastas pesquisadas estudantes da USP aparecem na
para o Dops. A USP sempre teve no arquivo do Dops. Lá está o de lista de mortos e desaparecidos
um espírito contra as ditaduras”, Ishiro Nagami e as informações sobre políticos elaborada pelo grupo
argumenta o geólogo.
o desempenho escolar de Luiz Foga- Tortura Nunca Mais.
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PERSEGUIÇÃO
NA ESALQ
PARTIU DE DIRIGENTES
Beatriz Elias
Jornalista
çã
Reprodu
o Daniel
Garcia
Quatro professores da Escola
Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz (Esalq) foram
denunciados ao Dops, em
1975, pelo professor Salim
Simão, então diretor da
unidade, e pelo professor
Joaquim de Camargo
Engler, então chefe de
departamento. O caso
veio à luz em 1997, em
razão de reportagem
publicada no jornal
A Província, de
Piracicaba, e foi levado
à Congregação da
Esalq pelo professor
Oriowaldo Queda
Em 21/11/74, a polícia descobre
“subversão” na Esalq
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