REVISTA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA ULBRA 2007 Reitor Ruben Eugen Becker Vice-Reitor Leandro Eugênio Becker Pró-Reitor de Administração Pedro Menegat Pró-Reitor de Graduação da Unidade Canoas Nestor Luiz João Beck Pró-Reitor de Graduação das Unidades Externas Osmar Rufatto Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Edmundo Kanan Marques DIRETORIA DE PESQUISA Nádia T. Schröder (Dir.) Ana Maria Pujol Vieira dos Santos Marilena França Sarmento Barata Márcia Viana das Dores Juliana da Silva Lemos COMISSÃO EDITORIAL Ana Maria Pujol Vieira dos Santos Marilena França Sarmento Barata Nádia T. Schröder INDEXADOR LATINDEX EDITORA DA ULBRA Diretor Valter Kuchenbecker Capa Juliano Dall’Agnol Projeto Gráfico Isabel Kubaski Editoração Humberto Gustavo Schwert Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 29 - Sala 202 - Bairro São José CEP: 92425-900 - Canoas/RS Fone: (51) 3477.9118 - Fax: (51) 3477.9115 www.editoradaulbra.com.br E-mail: [email protected] Imagem da capa: Representação esquemática da proteína anticoagulante nitroforina - 2, presente na saliva do inseto Barbeiro (Rhodinus prolixus). Autoria: Laboratório de Bioinformática Estrutural R454 Revista de Iniciação Científica / Universidade Luterana do Brasil. Vol. 1, n. 1 (2002)- . - Canoas: Ed. ULBRA, 2002. v. ; 23 cm. Anual. ISSN 1806-8642 Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero – ULBRA/Canoas REVISTA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA ULBRA 2007 Índice APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 7 CIÊNCIAS AGRÁRIAS Análise dos polimorfismos da proteína priônica (PRNP) em ovinos crioulos do Rio Grande do Sul Éverton Eilert Rodrigues, Diego Hepp, Luís Alberto Oliveira Ribeiro, Norma Centeno Rodrigues, Daniel Thompsen Passos, Tania de Azevedo Weimer ...................................................................................................................................................... 11 Avaliação do desempenho em confinamento de novilhos abatidos aos 15 ou 27 meses de idade Leonardo Canali Canellas, Pedro Rocha Marques, Carlos Santos Gottschall, Hélio Radke Bittencourt ...................................... 19 Identificação da microbiota da orofaringe e cloaca em filhotes de arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) de vida livre do Pantanal-MS Márcia Regina Loiko, Fernanda de Souza Abilheira, Neiva Robaldo Guedes, Daniel Thompsen Passos, Tania de Azevedo Weimer, Sérgio José de Oliveira, Mariangela da Costa Allgayer ............................................................................................................ 29 CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Avaliação da atividade genotóxica/antigenotóxica de Arrabidaea chica Shandale Emanuele Cappelari, Cândida Lüdtke, Juliane Garcia Semedo, Vivian Francília Silva Kahl, Thais Basso Longo, Marc François Richter, Patrícia Pereira, Alexandre de Barros Falcão Ferraz, Jaqueline Nascimento Picada ............................... 39 Avaliação da eficiência do tratamento de esgoto na remoção de ovos de helmintos Samanta Anunciato Zynich, Ana Marisa de Oliveira Alves, Márcia Regina Thewes ............................................................... 51 Caracterização de fatores de virulência presentes em isolados de Escherichia coli provenientes da região Sul do Brasil Fernanda Kieling Moreira, Yara Silva Casanova, Fabrício Alves Cerveira, Priscilla Karina Vitor Koerich, André Salvador Kazantzi Fonseca, Vagner Ricardo Lunge, Ana Paula Wobeto e Nilo Ikuta .............................................................................. 63 Genotoxicidade associada a adesivos dentários de uso odontológico Stela Maris da Silva Cariati, Guilherme Anziliero Arossi, Heloisa Helena Rodrigues de Andrade ............................................ 75 CIÊNCIAS DA SAÚDE Análise comparativa entre o endo ptc original e leve como substâncias auxiliares no preparo de canais radiculares pelo método manual e mecanizado Ketherine P. Polidoro, Elias P. Motcy de Oliveira , Tiago André Fontoura de Melo, Graziele Borin ........................................... 85 Audição de idosos do bairro São Luís, Canoas, RS: presença de deficiência auditiva Aline Ferreira Vieira, Cristiane Martins, Eduardo Farias, Adriane Ribeiro Teixeira, Cíntia de La Rocha Freitas, Benno Becker Júnior, Luzia Fernandes Millão ........................................................................................................................ 97 Avaliação do nível de satisfação dos usuários na atenção básica de saúde em um municìpio da região metropolitana de Porto Alegre: programa de saúde da família x tradicionais Roberto Carvalho Silva, Luzia Fernandes Millão, Maria Renita Burg Figueiredo, Mitiyo Shoji Araújo, Rosa Maria Freitas Groenwald ............................................................................................................................................. 105 Detecção de DNA de papilomavírus humano (HPV) em mulheres grávidas utilizando a urina Suelen Angeli, Tiago Dalpiaz, Laura Gerber, Regina Bones Barcellos, Márcia Susana Nunes Silva, Maria Lucia Rosa Rossetti ... 115 Papel do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) como biomarcador de desfecho primário noTCE grave em adultos Greizy Modesto Gomes, Fabiana da Silva Carvalho, Fábio Alves dos Santos Kespers, Alan Knolsseisen Cambrussi , Édison Oliveira, Andrea Pereira Regner ......................................................................................................................................... 121 CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA Extração de voláteis de broto e casca de fruto do pessegueiro e avaliação das respostas eletroantenográficas sobre Grapholita molesta (LEP.: TORTRICIDAE) Fabrício Fredo Naciuk, Josué Sant’Ana, Luiz Antonio Mazzini Fontoura .............................................................................. 133 CIÊNCIAS HUMANAS A educação para a saúde e o ensino de ciências: estudando as zoonoses – estudo preliminar Joana Kliemann da Cruz, Mariana Proença, Rosana Maria Paris, Ricardo Luiz Ramos, Rossano André Dal-Farra, Edson Roberto Oaigen .... 147 Cultura e processos de socialização na produção das infâncias de classes populares Fernanda Nogueira, João Paulo Pooli, Márcia Rosa da Costa ................................................................................................. 157 O professor como objeto de poder e de saber: problematizações sobre a formação docente Larisse Katiele Vargas da Costa, Luís Henrique Sommer ....................................................................................................... 167 Pesquisa arqueológica na casa Gomes Jardim, município de Guaíba/RS Priscila Pedroso Dias, Gislene Monticelli ............................................................................................................................. 173 Universidade e permanência – promovendo gestão acolhedora Maristela Rissi Ferla, Bianca Daniete Chimello Goulart, Dorilda Grolli, Lauraci Dondé da Silva, Tania Maria Scuro Mendes ..... 181 CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Disciplinando os corpos: como a mídia nos ensina sobre o prolongamento da vida na sociedade atual Fernanda Izidro Balestro, Sue Ellen Tatsch da Silva, Cristianne Maria Famer Rocha .............................................................. 193 Energia de ondas: uma proposta de inserção tecnológica e econômica no Brasil Willian Mattes Gonçalves, Flávio Tosi Feijó, Patrízia Raggi Abdallah .................................................................................... 207 O dever do estado de fornecimento do interferon peguilado a pacientes portadores de hepatite c1 Eliziani Vedoy da Silva, Paula Pellizzer Dal’Pizzol, Germano Schwartz ................................................................................. 217 ENGENHARIAS Desenvolvimento de um sistema de controle de movimento baseado em atuadores de ligas flexíveis com memória Fábio Bairros, André L. Bianchi, João C. Vernetti dos Santos, Valner, J. Brusamarello ............................................................ 229 O efeito da corrosão do aço no concreto aparente com cimento portland branco: um problema que se apresenta quando da concepção do projeto arquitetônico Amilton Sangoi Antunes, Carlos Fernando Guimarãoes Seffrin, Luciano Milesi Maciel, Ronaldo Tomazi, Marcos Alberto Oss Vaghetti .. 237 Polímeros biodegradáveis: relação entre cristalinidade e propriedades biológicas Daniele Faccin Hubner, Ana Paula de Freitas, Martha Fogliato Santos Lima ......................................................................... 251 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS .......................................................................... 261 ÍNDICE DE AUTORES ..................................................................................................................... 265 Apresentação A Revista de Iniciação Científica da ULBRA que apresentamos, revela o crescimento qualitativo dos trabalhos de iniciação científica selecionados no XIII Salão de Iniciação Científica da ULBRA de 2007 que se constitui num espaço de convergência e irradiação do saber. A iniciação científica é um instrumento básico de formação de recursos humanos qualificados que possibilita introduzir os alunos de graduação em contato direto com a atividade científica e tecnológica e engajá-los na pesquisa. Nesta perspectiva, esta atividade caracteriza-se como instrumento de apoio teórico e metodológico à execução de uma pesquisa. Também garante, aos estudantes, uma maior visão do mundo permitindo com que imprevistos possam ser solucionados. Nesta atividade de pesquisa há estímulo para o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade. O Programa de Iniciação Científica e Tecnológica (PROICT/ULBRA) foi aprovado com o objetivo de efetivar este processo consistente de capacitação de recursos humanos visando estabelecer mecanismos adequados de auxílio para a formação de uma nova mentalidade no aluno, desenvolvendo nele a atitude científica, tornando-o um indivíduo preparado para ser o profissional diferenciado no mercado de trabalho. Além do programa institucional próprio contamos com o auxílio do CNPq por meio do PIBIC que tem por finalidade o despertar da vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de graduação universitária, mediante participação em projeto de pesquisa, orientados por pesquisador qualificado. O Salão de Iniciação Científica da ULBRA, mais do que a difusão de conhecimentos é a ampliação das relações da Universidade com a comunidade em que está inserida e aberta a outras Instituições de Ensino Superior, constituindo-se numa oportunidade única para que o estudante possa perceber o sentido do fazer científico dentro da Universidade. Além disso, é uma oportunidade para estudantes participarem de eventos onde há trocas de experiências, de informações entre os participantes e avanço do conhecimento com a exposição dos resultados das pesquisas desenvolvidas por estes alunos. Ciências Agrárias 10 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Análise dos polimorfismos da proteína priônica (PRNP) em ovinos crioulos do Rio Grande do Sul ÉVERTON EILERT RODRIGUES1 DIEGO HEPP1 LUÍS ALBERTO OLIVEIRA RIBEIRO2 NORMA CENTENO RODRIGUES3 DANIEL THOMPSEN PASSOS4 TANIA DE AZEVEDO WEIMER5 RESUMO Scrapie é uma encefalopatia espongiforme transmissível, de ovinos e caprinos. Polimorfismos no gene da proteina priônica (PRNP) estão associados com a suscetibilidade à scrapie. Este trabalho determinou o polimorfismo do codon 171 do PRNP em duas variedades [Serrana (n=58) e Fronteira (n=51)] de ovinos da raça nativa Crioula. O DNA foi amplificado por PCR; os produtos foram clivados com Bsl I e analisados em gel em poliacrilamida não-desnaturante a 10,5%. A freqüência do alelo de resistência (R) foi de 0,30 na população Serrana e 0,39 na Fronteira. Apesar da alto ocorrência do alelo de suscetibilidade (Q), a população Fronteira apresentou a mais alta freqüência, já descrita, do alelo R, em ovinos brasileiros. Palavras-chave: Ovinos crioulo, scrapie, encefalopatia espongiforme transmissível, polimorfismos no gene PRNP. 1 Curso de Medicina Veterinária, Laboratório de Biotecnologia Veterinária, ULBRA, Canoas. 4 Professor do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA e do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA. 2 Departamento de Medicina Animal, Faculdade de Veterinária, UFRGS, Porto Alegre. 5 3 Professora do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA. Professora/orientadora do Curso de Medicina Veterinária/ ULBRA e PPG em Genética e Toxicologia Aplicada e PPG Diagnóstico Genético Molecular. ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 11 ABSTRACT Scrapie is a sheep and goat transmissible spongiform encephalopathy. Polymorphisms at the prionic protein gene (PRNP) are associated to scrapie susceptibility. This paper analyzed the codon 171 PRNP polymorphism at in two morphological varieties [Serrana (n=58) and Fronteira (n=51)] of Crioula indigenous sheep. Genomic DNA was PCR amplified; PCR products were submitted to Bsl I cleavage and analyzed in 10.5% non-denaturing polyacrylamide gel electrophoresis. The frequency of the resistant allele (R) was of 0.30 in Serrana breed and 0.39 in Fronteira. Although susceptibility allele (Q) had high frequency, Fronteira breed presents the highest frequency of R allele so far described, in Brazilian sheep. Keywords: Ovinos crioulo, scrapie, encefalopatia espongiforme transmissível, polimorfismos no gene PRNP. INTRODUÇÃO Scrapie é uma enfermidade pertencente ao grupo das encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) que acomete ovinos e caprinos. É uma doença neurodegenerativa fatal causada por uma proteína infecciosa (prion, PrPSc), resultante de mudanças conformacionais da proteína priônica (PrPC). A proteína anormal (PrPSc) acumula-se no tecido cerebral e sistema linforeticular, causando distúrbios comportamentais, de locomoção, perda de peso, intenso prurido. As EETs também afetam humanos (Kuru e Doença de Creutzfeld-Jakob, CJD, por exemplo), bovinos (BSE: encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como “doença da Vaca Louca”) além de outras espécies de mamíferos (COSTA e BORGES, 2000), podendo ocorrer transmissão entre espécies. Na Europa e no Reino Unido, casos vêm sendo relatados há mais de 200 anos (HUNTER, 2003; CHESEBRO, 2003). Na década de 80 a importância da scrapie aumentou depois que surgiram, no Reino Unido, casos da doença da vaca louca (RIBEIRO e RODRIGUES, 2001). Os sintomas da BSE são semelhantes aos da scrapie, sendo sugerido, por alguns autores, que 12 a origem da doença, nos bovinos, seria a ingestão, por estes, de ração para ruminantes (farinha de carne e osso) produzida a partir de proteína de ovinos infectados com scrapie (BRUCE et al., 2002; NONO et al., 2003; THURING et al., 2004). Neste mesmo período no Reino Unido, a BSE foi associada a uma nova variante da CJD, em humanos, de manifestação precoce, (vCJD) gerando medo nos consumidores britânicos e enormes prejuízos financeiros. Desde 1996, o Ministério da Agricultura proibiu, no Brasil, o uso de farinha de carne e osso na alimentação de bovinos (RIBEIRO e RODRIGUES, 2001). No Brasil, o primeiro caso de scrapie ocorreu em 1978, em uma fêmea Hampshire Down, proveniente do Reino Unido (FERNANDES et al., 1978). Até 2001 mais quatro surtos foram registrados no país, nas regiões do Rio Grande do Sul e Paraná, sendo que a origem dos animais infectados era sempre de ovinos importados e de raças produtoras de carne (RIBEIRO e RODRIGUES, 2001). De 2003 até 2006 ocorreram mais cinco surtos no Brasil no Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. A origem desses animais também era importada Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 ou com ascendentes importados do Canadá ou Estados Unidos (GUIMARÃES, 2006). A transmissão da doença depende da predisposição genética dos hospedeiros e da exposição ao prion infeccioso. No momento da parição ou aborto, as ovelhas portadoras do agente podem contaminar o ambiente com o prion infeccioso que está presente nos restos placentários. (PATTISON et al., 1974). Com isso, existe o risco de infecção da prole durante o período compreendido entre o nascimento e o desmame e de outros ovinos e caprinos que consomem alimentos que entraram em contato com as membranas fetais eliminadas pelas fêmeas portadoras. Adicionalmente, ocorre um longo período de sobrevivência da prion no ambiente. Os machos que se contaminam podem adquirir os sintomas, mas não transmitem a doença (GUIMARÃES, 2006). A forma infecciosa da proteína decorre de modificações conformacionais na estrutura da PrPC cuja forma normal rica em α-hélice alterase em maior proporção para β-pregueada, tornando-se insolúvel e resistente à digestão de proteases (HUNTER, 1999) acarretando o acúmulo de PrP Sc, no cérebro e no sistema linforeticular dos animais infectados (HARRIS, 1999; BUJDOSO et al., 2005; PONZ et al., 2005). Em ovinos o gene que codifica a PrPC apresenta três importantes polimorfismos, nos códons 136, 154 e 171, que influenciam a alteração conformacional da PrPC para PrPSc e estão associados com maior ou menor suscetibilidade à scrapie (GOLDMANN et al., 1990; BOSSERS et al., 1996; BILLINIS et al., 2004). O códon 171 codifica os aminoácidos Glutamina (Q), Arginina (R), Lisina (K) ou Histidina (H). Os alelos Q e R estão associados com a suscetibilidade à scrapie. Os animais portadores do alelo 171Q possuem maior suscetibilidade enquanto que os portadores do alelo 171R são mais resistentes à manifestação clínica da doença. Os alelos K e H para o códon 171 apresentam uma freqüência muito baixa e têm sido considerados equivalentes ao alelo Q quanto à suscetibilidade (ACUTIS et al., 2004; BILLINIS et al., 2004). Segundo Dawnson et al. (1998), o controle da scrapie nos ovinos das raças Down (Hampshire e Suffolk) vem sendo feito, em vários países, com base na análise molecular, através de programas de erradicação dos portadores do alelo Q do códon 171, que é considerado o principal determinante para a suscetibilidade à doença. Já o códon 136 codifica os aminoácidos Valina (V) ou Alanina (A), sendo considerado importante em alguns tipos de scrapie e em determinadas raças de ovinos, como Texel, Shetland, Poll Dorset. O códon 154 codifica os aminoácidos Histidina (H) ou Arginina (R) e não é considerado em programas de erradicação, nos EUA, por ser o códon de menor expressão na determinação da suscetibilidade genética à scrapie (HUNTER et al., 2002). De acordo com Dawnson et al. (1998), genotipando os animais é possível classificá-los quanto ao risco de suscetibilidade. Animais com genótipo QQ são considerados altamente suscetíveis, se expostos ao agente prion alterado, animais QR possuem risco médio de suscetibilidade e animais RR possuem risco mínimo de desenvolver os sintomas da doença. No Brasil as freqüências dos alelos de suscetibilidade à scrapie foram descritas apenas em rebanhos Down, do Rio Grande do Sul (PASSOS et al., 2008). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 13 OBJETIVOS Geral: Verificar as freqüências dos alelos de resistencia à scrapie em ovinos do Rio Grande do Sul, visando reduzir a probabilidade de disseminação da Scrapie nos rebanhos do Brasil. Específico: Verificar as freqüências dos alelos R e Q do códon 171 do gene PRNP na raça ovina Crioula e compará-las com os resultados já obtidos nas raças Down (Hampshire e Suffolk), do Rio Grande do Sul. MATERIAL E MÉTODOS População e amostra Os ovinos Crioulos são animais rústicos, que sobrevivem bem em campos pobres, de pequeno porte e têm na lã, naturalmente colorida, um de seus grandes diferenciais, característica que começa a chamar a atenção do mercado artesanal. Possuem maior resistência a parasitas e maior habilidade materna, resultando em melhor sobrevivência de cordeiro. Apresentam velos ralos, mostrando fibras longas e lisas, em mechas longas e pontiagudas, de cor variando entre branca, marrom e preta, alguns apresentando manchas coloridas sobre fundo branco. A carne é bem aceita por ser magra, macia e com sabor diferenciado. Seu melhoramento por seleção é demorado e difícil, e cruzamento com outra raça é perigoso, pois sua rusticidade pode desaparecer se a raça cruzante for mal escolhida. A ovelha crioula lanada tem desempenhado um importante papel na manutenção do homem no campo, pois se adapta a diferentes condições de clima, solo e vegetação, inclusive em ambientes adversos para a criação de outros ovinos. 14 Acredita-se que a ovelha Crioula teve origem na Churra, trazida para a América do Sul pelos colonizadores ibéricos. Todavia, é difícil caracterizar os diversos tipos de ovinos “crioulos” existentes em diferentes regiões da América, embora apresentem semelhanças em seus traços gerais. No Brasil, parece ter surgido no século XVII, do cruzamento entre os rebanhos trazidos pelos padres jesuítas e outras raças também importadas. De acordo com a classificação internacional, o rebanho de Ovelha Crioula é considerado como população rara, pois conserva traços dos ovinos primitivos que lhe deram origem. Existem duas variedades morfológicas, Serrana e Fronteira, desconhecendo-se o grau de diferenciação genética entre as mesmas. Foram obtidas 109 amostras de sangue ( 59 Serrana e 51 Fronteira), por punção da veia jugular, com anti-coagulante. O material foi mantido sob refrigeração e enviado ao laboratório de Biotecnologia do hospital veterinário ULBRA, para a extração do DNA. Métodos laboratoriais O DNA genômico foi isolado a partir de sangue total de acordo com o método de Miller et al. (1988) e o gene PRNP foi amplificado utilizando a técnica da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). Os produtos das amplificações foram clivados com a enzima de restrição Bsl I para possibilitar a diferenciação dos alelos, e conseqüente identificação dos genótipos. As análises dos produtos de clivagem foram feitas por eletroforese vertical em gel de poliacrilamida não-desnaturante a 10,5% e corado com nitrato de prata (SAMBROOK & RUSSEL, 2001). Os primers, as condições da PCR e de clivagem são as mesmas descritas por YuzbasiyanGurkan et al. (1999). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 RESULTADOS As freqüências genotípicas e alélicas obtidas para o códon 171 do gene do gene PRNP, em ovinos Crioulos estão apresentadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. As tabelas apresentam também os dados previamente descritos por Passos et al., 2008, para ovinos Down, para efeitos de comparação. Pode-se observar que foram observados 60% de indivíduos QQ na população serrana e 41%, na fronteira, correspondendo a frequencias alélicas de 0,7(Q) e 0,3(R), na população serrana e 0,61(Q) e 0,39 (R), na fronteira. A frequencia do alelo R na amostra Serrana foi similar à descrita para Hampshire Down (Tabela 2), enquanto a da Fronteira foi a mais alta já verificada em ovinos do Rio Grande do Sul e mais alta que a de outras populações mundiais. Tabela 1 - Freqüências genotípicas do códon 171 do gene da PrP Tabela 2: Freqüências alélicas do códon 171 do gene da PrP Essa é a primeira descrição das freqüências do genótipo de PRNP em ovinos da raça Crioula. DISCUSSÃO A avaliação dos polimorfismos no gene PRNP tem sido utilizada em diferentes países como forma de controle das encefalopatias espongiformes transmissíveis, visando a diminuição do risco de contaminação de animais e humanos. Nas duas populações analisadas foi observada uma alta freqüência do alelo Q, relacionado à maior suscetibilidade. Estes dados são compatíveis com estudos anteriores (YUZBASIYAN-GURKAN et al., 1999) em Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 15 rebanhos que não sofreram seleção para o alelo de resistência à scrapie. É importante salientar que não há relatos da ocorrência de scrapie em ovinos Crioulos; no entanto a alta frequencia do alelo de susceptibilidade sugere o risco de contaminação desses rebanhos caso os mesmos venham a ter contato com animais infectados. Comparando com as outras populações ovinas do Rio Grande do Sul, já investigadas (Tabelas 1 e 2), observa-se que os animais da raça Crioula, da população Fronteira, apresentaram a mais alta freqüência do alelo de resistência (R), sugerindo a importância deste rebanho como fonte de resistência à EET. Considerando que os machos não transmitem o prion infeccioso e sim os alelos de suscetibilidade ou de resistência é importante genotipar e identificar os machos portadores de pelo menos um alelo R. Com isso, é possível utilizar estes animais em cruzamentos dirigidos para aumentar a freqüência dos alelos de resistência nos rebanhos ovinos brasileiros, sem que haja o risco de contaminação das fêmeas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através dos resultados obtidos, pretendese informar aos criadores a importância da genotipagem e identificação de machos portadores de pelo menos um alelo R, pois as análises deste polimorfismo poderão servir aos criadores brasileiros como ferramenta útil na seleção de rebanhos ovinos através da realização de cruzamentos dirigidos. Adotando esta metodologia é possível estabelecer um programa de seleção eficiente e assim, redu- 16 zir o risco de disseminação da doença, obtendo um rebanho resistente e de maior valor comercial. REFERÊNCIAS ACUTIS, P.L. et al. Low frequency of the scrapie resistance associated allele and presence of lysine-171 allele of the prion protein gene in Italian Biellese ovine breed. Journal of General Virology, v. 85, p. 31653172, 2004. BILLINIS, C. et al. Prion protein gene polymorphisms in healthy and scrapieaffected sheep in Greece. Journal of General Virology, v. 85, p. 547-554, 2004. BOSSERS, A. et al. PrP genotype contributes to determining survival times of sheep with natural scrapie. Journal of General Virology, v. 77, p. 2669-2673, 1996. BRUCE, M.E. et al. Strain characterization of natural sheep scrapie and comparison with BSE. Journal of General Virology, v. 83, p. 695-704, 2002. BUJDOSO, R.; BURKE, D.F.; THACKRAY, A.M. Structural differences between allelic variants of the ovine prion protein revealed by molecular dynamics simulations. Proteins: Structure, Function, and Bioinformatics, v. 61, p. 840-849, 2005. CHESEBRO, B. Introduction to the transmissible spongiform encephalopathies or prion diseases. British Medical Bulletin, v. 66, p. 1-20, 2003. COSTA, L.M.C.; BORGES, J.R.J. Encefalopatia Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Espongiforme Bovina (“Doença da Vaca Louca”). Revista CFMV, v. 21, p. 8-15, 2000. DAWNSON, M. et al. Guidance on the use of PrP genotyping as an aid to the control of clinical scrapie. Scrapie Information Group. Veterinary Record, v. 142, p. 623-625, 1998. FERNANDES, R.E.; REAL, C.M.; FERNANDES, J.C.T. Scrapie em ovinos no Rio Grande do Sul. Arquivos da Faculdade de Veterinária - UFRGS, v. 6, p. 139-146, 1978. GOLDMANN, W. et al. Two alleles of a neural protein gene linked to scrapie in sheep. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 87, p. 2476-2480, 1990. GUIMARÃES, E.B. Scrapie. In: ENCONTRO NACIONAL DO PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DA RAIVA DOS HERBÍVOROS E OUTRAS ENCEFALOPATIAS – PNCRH, 3., 2006, Cuiabá. Anais... Cuiabá, 2006. HARRIS, D.A. Cellular biology of prion diseases. Clinical Microbiology Reviews, v. 2, p. 429-444, 1999. HUNTER, N. Molecular biology and genetics of bovine spongiform encephalopathy. In: FRIES, R.; RUVINSKY, A. The genetics of Cattle. New York: CABI Publishing, 1999. HUNTER, N. et al. Transmission of prion diseases by blood transfusion. Journal of General Virology, v. 83, p. 2897-2905, 2002. HUNTER, N. Scrapie and experimental BSE in sheep. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Avaliação do desempenho em confinamento de novilhos abatidos aos 15 ou 27 meses de idade LEONARDO CANALI CANELLAS1 PEDRO ROCHA MARQUES2 CARLOS SANTOS GOTTSCHALL3 HÉLIO RADKE BITTENCOURT4 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo avaliar o desempenho bio-econômico de novilhos de corte submetidos a um modelo de produção baseado na utilização de pastagem cultivada e confinamento, visando à produção de novilhos superprecoces e precoces. Foram utilizados 432 novilhos com base racial britânica, sendo 267 novilhos superprecoces, abatidos em média aos 15 meses (grupo NSP), e 165 novilhos precoces, abatidos em média aos 27 meses (grupo NP). Os NSP e os NP foram alocados em pastagem de azevém (Lolium multiflorum) aos 7 e 22 meses, com peso médio inicial (PIPAST) de 185,06 e 314,36 kg, permanecendo em pastejo por 145 e 55 dias respectivamente. Posteriormente os animais foram colocados em regime de confinamento, iniciando com peso médio (PICONF) de 296,98 e 352,04 kg, respectivamente para NSP e NP (p<0,01) e foram terminados até que atingissem o grau de terminação adequado, sendo vendidos de forma escalonada. Novilhos superprecoces apresentaram melhor retorno econômico no modelo de produção proposto, sendo a diferença de preço compra/venda o principal fator responsável por esse resultado. Palavras-chave: Novilhos precoces, confinamento, pastagem, desempenho econômico. 1 Acadêmico de Medicina Veterinária/ULBRA. Bolsista de Iniciação Científica PROICT/ULBRA. 3 2 Acadêmico de Medicina Veterinária/ULBRA. Aluno de Iniciação Científica voluntário PROICT/ULBRA. 4 Professor/orientador do Curso de Medicina Veterinária/ ULBRA. ([email protected]) Estatístico, Faculdade de Matemática, PUCRS. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 19 ABSTRACT The main objective of this research was to evaluate the bio-economic performance of young and younger beef steers from a production system based on the utilization of pasture and feedlot. Four hundred and thirty two steers were divided in two groups: 267 younger steers (YY), slaughtered at 15 months old; and 165 young steers (YS), slaughtered at 27 months of age. YY and YS were allocated on Lolium multiflorum pasture at 7 and 22 months age, with 185.06 and 314.36 kg (beginning weight, BWPAST) for 145 and 55 days, respectively. After that, YY and YS were confined with 296.98 and 352.04 kg (BWCONF) (p<0.01) and sold as long as it reached a minimum visible fat rate. YY reached better economic performance. The difference between purchase/sale was the main variable affecting the results. Keywords: Young steers, days on feed, weight gain, feedlot INTRODUÇÃO A terminação intensiva de bovinos de corte tem se destacado nos últimos anos como alternativa para o aumento dos índices produtivos e econômicos dos sistemas de produção de gado de corte. Esse quadro pode ser explicado, em parte, devido à necessidade de melhoria dos índices produtivos apresentados atualmente, que se encontram abaixo do potencial de produção do setor (PACHECO et al., 2006), gerando um baixo retorno econômico. Nesse contexto, alguns sistemas de produção têm utilizado recursos como as pastagens cultivadas e o confinamento, tendo como objetivo um melhor desempenho biológico e um maior retorno econômico. No Rio Grande do Sul, a utilização de pastagens cultivadas de crescimento hibernal permite um desenvolvimento adequado dos animais durante o inverno, período no qual o campo nativo apresenta baixa disponibilidade e qualidade de forragem (ROCHA et al., 2003). O confinamento, por sua vez, proporciona segurança ao sistema quando se deseja atingir determinados índices 20 produtivos, pois permite o controle da dieta e o monitoramento do desempenho dos animais (COSTA et al., 2002). A utilização desses recursos, de maneira isolada ou integrada permite a produção de novilhos precoces (abatidos aos 2430 meses) e superprecoces (abatidos aos 14-17 meses), antecipando receitas e proporcionando giro rápido do capital investido (GOTTSCHALL et al. 2007a; EUCLIDES FILHO et al. 2003). O desempenho biológico do animal durante a fase de terminação, representado principalmente pela taxa de ganho de peso, afeta diretamente a eficiência econômica do sistema de produção (ALBRIGHT et al., 1994). Além disso, outros fatores também afetam o desempenho econômico da atividade, tais como custo de compra dos animais, qualidade nutricional, custo de alimentação e categoria animal utilizada (GOTTSCHALL, CANELLAS e FERREIRA, 2006). O objetivo do presente trabalho foi avaliar o desempenho bioeconômico de novilhos de corte submetidos a um modelo de produção baseado na utilização de pastagem cultivada e confinamento, visando à produção de novilhos superprecoces e precoces. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi realizado em uma propriedade particular situada no município de Carazinho, Rio Grande do Sul, entre maio de 2006 e fevereiro de 2007. Foram utilizados 432 novilhos de corte, sendo 267 novilhos manejados para abate em média aos 15 meses de idade, denominados superprecoces (grupo NSP) e 165 novilhos manejados para abate em média aos 27 meses, denominados precoces (grupo NP). Os NSP foram comprados em 01/05/2006 aos 7 meses de idade, com peso médio de 185,06 kg (PIPAST), ao valor de R$ 1,71/kg. Após a compra os animais foram alocados em pastagem de azevém (Lolium multiflorum) durante 145 dias até serem confinados em 25/9/2006, aos 12 meses, com peso médio de 296,98 kg (PICONF). Os NP foram comprados em 01/08/2006, aos 22 meses de idade, com peso médio de 314,36 kg (PIPAST), ao valor de R$ 2,03/kg. Após a compra os animais também foram alocados em pastagem de azevém durante 55 dias até serem confinados em 25/9/2006, aos 24 meses, pesando 352,04 kg. A carga animal utilizada na pastagem foi de 330 kg de peso vivo/ha para os NSP e de 690 kg de peso vivo/ha para os NP, sob pastejo contínuo. Os animais foram mantidos em confinamento até que atingissem o grau de terminação adequado, expresso por visualização de gordura subcutânea, não tendo peso nem data pré-determinados para o abate. Durante os 12 primeiros dias de confinamento, os animais foram submetidos a uma adaptação à dieta, ajustada conforme NRC (1996), para GMD de 1,1 kg/dia. O volumoso utilizado era composto de quantidades variáveis de silagens de milho, girassol, laranja e aveia, e o concentrado continha farelos de soja e girassol, resíduos de soja e trigo, grãos de milho e sorgo, calcário calcítico e monensina sódica (1,5 gramas por animal/dia), na relação volumoso:concentrado de 54:46. A dieta era fornecida na base de 3,0 % do peso vivo e continha valores médios de 70% de nutrientes digestíveis totais (NDT) e 12,5% de proteína bruta (PB). O controle sanitário seguiu o calendário normal da propriedade, visando o controle de endoparasitas e ectoparasitas. A análise estatística consistiu da utilização do Modelo Linear para comparação do ganho médio diário de peso em confinamento (GMDCONF) entre NSP e NP, utilizando o PICONF e o tempo médio de permanência (TPCONF) como co-variáveis. Segundo o Modelo linear para comparação do GMDCONF entre NSP e NP, verificou-se que o tempo de permanência e a categoria exercem influência significativa sobre o GMDCONF. Na análise econômica do modelo de produção foram considerados apenas os custos variáveis de produção (custo de compra dos animais e custo de alimentação). Os custos fixos não foram considerados por estarem diluídos em outros setores da propriedade, dificultando um cálculo preciso. O custo da pastagem foi calculado conforme a lotação e o período de ocupação da mesma. Como base, foi considerado um custo/ha de R$ 75,00 e um período de ocupação de 150 dias. Os indicadores utilizados para a análise econômica das fases de pastagem e confinamento foram: custo da alimentação/animal/dia; tempo médio de permanência em pastagem/confinamento (TPPAST /TPCONF); custo da alimentação/animal; ganho de peso/animal na pastagem/confinamento (GPPAST /GPCONF); e custo/kg produzido. Para análise econômica do modelo de produção (pastagem e confinamento) foram considerados: custo de compra/kg; custo de compra/ animal; custo total/animal; receita bruta/kg; recita bruta/animal; margem bruta/animal; lucratividade no período; e diferença de preço compra/venda. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 21 RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Figura 1 pode-se visualizar um fluxograma do modelo de produção adotado, desde a compra dos animais até o abate dos mesmos. Na Tabela 1 estão dispostos os dados referentes ao desempenho biológico médio dos NSP e NP durante a fase de pastagem. O PIPAST observado nos diferentes grupos é facilmente explicado pela idade com a qual os animais foram comprados. Os NSP foram comprados no mês de maio, em média com 7 meses, ou seja, se tratavam de animais recém desmamados e com um peso compatível com sua idade. Já os NP foram comprados no mês de agosto, época do ano em que os preços tendem se elevar, principalmente devido à escassez de oferta por conta dos meses de inverno. Os NP foram comprados em média aos 22 meses, o que explica o maior peso vivo em relação aos NSP. Dentro do planejamento da propriedade visando à produção de novilhos superprecoces e precoces e considerando a necessidade de liberação das áreas de pastagem para o preparo e plantio de lavoura de verão, foram organizadas as datas de compra e ajustado o tempo de permanência de cada categoria no pasto. Quanto maior o ganho de peso na fase de pastagem, que apresenta baixo custo na propriedade em questão (tabela 3), menor é o tempo de permanência e o ganho de peso necessário no confinamento para atingir o grau de terminação adequado, sistema que apresenta custos mais elevados e maior risco em relação às pastagens. Conforme RESTLE et al. (2007), na busca por maior lucratividade nos sistemas intensivos de terminação de bovinos de corte, o enfoque deve basear-se na redução do custo com a alimentação. Além disso, segundo GOTTSCHALL (2005) através da manipulação da dieta, é possível atingir uma maior deposição de gordura nos novilhos mais jovens, permitindo a antecipação do abate desses animais, o que não seria possível até o término do ciclo da pastagem. O TMPPAST foi maior para os NSP, atingindo um elevado GPPAST em relação aos NP, o que permitiu com que os dois grupos obtivessem pesos satisfatórios ao início do confinamento. Os dados referentes ao desempenho biológico dos NSP e NP no confinamento são apresentados na Tabela 2. Tabela 1 - Peso médio inicial (PIPAST) em kg, peso médio final (PICONF) em kg, tempo médio de permanência (TPPAST) em dias, ganho médio diário de peso (GMDPAST) em kg/dia e ganho de peso vivo (GPPAST) em kg, de novilhos superprecoces (NSP) e precoces (NP) na fase de pastagem. 22 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 1 - Fluxograma do modelo de produção de novilhos superprecoces (NSP) e precoces (NP) em pastagem e confinamento. Tabela 2 - Peso médio inicial (PICONF) em kg, peso médio ao abate (PA) em kg, tempo médio de permanência (TPCONF) em dias, ganho médio diário de peso (GMDCONF) em kg/dia e ganho de peso vivo (GPCONF) em kg, de novilhos superprecoces (NSP) e precoces (NP) na fase de confinamento. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 23 Novilhos precoces apresentaram maior (p<0,01) PICONF do que os superprecoces, o que era esperado em virtude da diferença de idade entre os animais dos diferentes grupos. O PA foi superior para os NP (p<0,01) em relação aos NSP. O TPCONF foi maior para os NSP, enquanto o GMDCONF foi superior para os NP (p<0,01). O GPCONF foi semelhante (p>0,05) para os dois grupos, em função da relação existente entre o TPCONF e GMDCONF, pois o resultado é conseqüência da combinação de maior TP e menor GMDCONF para os NSP e a combinação de menor TP e maior GMDCONF para os NP. Esses resultados (tabela 2) ressaltam que o PICONF obtido com auxílio da pastagem, foi coerente com a necessidade de ganho de peso de cada categoria na fase de confinamento. Diversos autores afirmam que o peso de terminação diminui com o aumento do plano nutricional (COLEMAN, EVANS e GUENTHER, 1993; DI MARCO, BARCELLOS e COSTA, 2006). Esse maior aporte de nutrientes, por sua vez, deve ocorrer sempre que o objetivo for o abate de novilhos com até 14 meses de idade, visto que, em um curto período, a necessidade de ganho de peso dessa categoria animal é elevada, aumentando também sua exigência nutricional. Desse modo, terneiros submetidos a dietas que proporcionem altas taxas de ganho de peso tendem a atingir o ponto de terminação precocemente e com menores pesos em relação a novilhos mais velhos. Gottschall et al. (2007) relatam resultado semelhante, onde novilhos superprecoces com maior peso inicial obtiveram maior peso ao abate, obtendo também ganhos de peso vivo semelhantes. Observa-se, que o GMDPAST foi superior para os NSP, o que pode ser explicado pela lotação utilizada na pastagem, que foi duas vezes maior 24 para os NP em relação aos NSP, o que proporcionou maior oferta de forragem para os novilhos mais jovens. O GMDCONF se comportou de maneira oposta, sendo maior (p<0,01) para os NP, o que possivelmente ocorreu devido ao menor ganho de peso na pastagem e à maior estrutura corporal desses animais em relação aos superprecoces por ocasião do início do confinamento, resultando em um maior ganho compensatório para esses animais. Conforme HERSOM et al. (2004) animais que sofreram algum tipo de restrição alimentar prévia tendem a fazer um ganho ou crescimento compensatório quando passam a receber dietas de melhor qualidade. A maior manifestação de ganho compensatório em novilhos mais velhos é explicada por Gottschall (2005), que ressalta que para a produção de novilhos precoces existe uma grande flexibilidade quanto ao momento e à intensidade do ganho de peso. Esse autor afirma que novilhos abatidos entre 24-30 meses exigem GMD moderado (em torno de 0,500 kg/dia), devendo este ser mais intenso na fase final de terminação, que muitas vezes coincide com o confinamento. Desse modo, esses novilhos acabam sendo submetidos a períodos de restrição alimentar de curta a média duração, geralmente seguidos pelo período final de terminação, onde recebem um aporte nutricional elevado, resultando na manifestação de um ganho compensatório para esses animais. O TPCONF foi de 94,20 e 68,87 dias para NSP e NP, respectivamente (p<0,01). Esses períodos de confinamento estão de acordo com os relatados por Lanna e Almeida (2005) para condições brasileiras (70 a 80 dias). Períodos de confinamento superiores tendem a apresentar queda na eficiência e conseqüentemente maiores custos. Novilhos precoces permaneceram con- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 finados por um menor (p<0,01) período de tempo em relação aos superprecoces (tabela 2). Apesar de ambos os grupos terem apresentado GPCONF semelhantes, o GMDCONF foi superior para os NP, o que contribuiu para que esses novilhos atingissem mais rapidamente seu peso de terminação (PA), acarretando na antecipação do abate desses animais. Esses resultados estão de acordo com Di Marco (1998) e Hersom et al. (2004), que afirmam que o ganho diário de peso apresenta uma correlação negativa com o tempo de permanência dos animais em confinamento, ou seja, o aumento na taxa de ganho de peso gera redução no número de dias de confinamento. Os custos variáveis de produção, obtidos durante as fases de pastagem e confinamento podem ser visualizados nas tabelas 3 e 4. Durante a fase de pastagem (Tabela 3) o custo de alimentação/animal/dia foi um pouco superior para os NSP, o que pode ser explicado pela menor lotação utilizada, havendo, portanto, uma me- nor diluição do custo da pastagem por unidade animal. O custo de alimentação/animal também foi superior para os NSP, pelo fato de que o tempo de permanência em pastagem foi bem superior aos NP. Além disso, a carga animal utilizada por hectare de pastagem foi menor para os NSP, o que colaborou para aumentar o custo com a alimentação. Contudo, o custo/kg produzido foi praticamente o mesmo, visto que o GMDPAST e o GPPAST foram maiores para os NSP. Apesar de terem apresentado um menor custo/animal/dia durante o confinamento (Tabela 4), resultado de um menor consumo absoluto de alimento, os NSP apresentaram maior custo de alimentação/ animal e maior custo/kg produzido. Para cada kg produzido no confinamento, foram necessários R$ 1,46 para os NSP contra R$ 1,23 para os NP. Isso ocorreu pelo maior ganho de peso apresentado pelos NP nessa fase, o que levou a uma maior diluição do custo de alimentação, ressaltando a influência exercida pelo desempenho biológico sobre o custo de produção. Tabela 3 - Custos variáveis de produção, em Reais (R$), obtidos durante a fase de pastagem por novilhos superprecoces (NSP) e precoces (NP). Tabela 4 - Custos variáveis de produção, em Reais (R$), obtidos durante a fase de confinamento por novilhos superprecoces (NSP) e precoces (NP). Na Tabela 5 podem ser visualizados dados referentes aos custos variáveis de produção, receitas e análise econômica do modelo de produção de novilhos superprecoces e precoces em pasta- gem cultivada e confinamento. Observa-se que o custo de compra/kg foi superior para os NP em relação aos NSP, contrariando uma característica de mercado, que normalmente valoriza mais o Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 25 kg do terneiro (NSP) em relação ao kg do novilho magro (NP). Essa diferença de preço representa uma flutuação de mercado que ocorreu dentro daquele ano, havendo uma diminuição na oferta de animais no mercado no mês de agosto em relação à oferta que havia no mês de maio. Gottschall, Canellas e Ferreira (2006) afirmam que o comportamento do mercado deve sempre ser analisado com atenção, caso contrário, eventuais flutuações podem prejudicar o resultado econômico do processo. O custo de compra/animal também foi superior para os NP, que além de terem custado R$ 0,32/kg a mais na compra, foram adquiridos com cerca de 130 kg a mais em relação aos terneiros, o que gerou um maior desembolso. O custo de alimentação/animal foi superior para os NSP, principalmente devido ao maior tempo de permanência em pastagem e no confinamento e à necessidade de um maior número de kg até o abate. Em trabalho realizado com novilhos precoces e superprecoces, Pacheco et al. (2006) afirmaram que a redução do tempo de permanência em confinamento promoveu aumento na lucratividade do sistema de terminação. Apesar do maior custo com alimentação, o custo total/animal foi inferior para os NSP, visto que o desembolso para a compra desses animais havia sido menor. Tabela 5 - Custos de produção, receitas e análise econômica do modelo de produção de novilhos superprecoces (NSP) e precoces (NP) em pastagem e confinamento. A receita bruta/kg foi praticamente a mesma para os dois grupos, o que mostra que não houve uma remuneração superior para os NSP, o que normalmente ocorre por se tratarem de animais mais jovens e com maior qualidade de carne. Segundo Gottschall, Canellas e Ferreira (2006), o valor de venda/kg é um fator determinado pelo mercado, estando sujeito a variações. A receita bruta/animal foi superior para os NP, devido ao maior peso ao abate alcançado por esses animais. Entretanto, essa maior receita não foi suficiente 26 para compensar o maior custo total/animal apresentado pelos NP, visto que a margem bruta/animal foi maior para os NSP, gerando uma lucratividade no período e ao mês também superior para esses animais. Observa-se que mesmo o custo de alimentação/animal sendo R$ 53,00 superior para os NSP, esses animais apresentaram maior margem bruta/animal, o que está diretamente associado ao menor valor de compra/animal, apresentado pelos NSP. Em sistemas de confinamento o custo de compra bem como o cus- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 to de alimentação variam conforme a idade, o sexo e o peso corporal dos animais. O custo de alimentação tende a ser maior para novilhos mais jovens, devido ao maior tempo de permanência desses animais no cocho. Por outro lado, o custo de compra/animal é mais alto quando se trata de novilhos de 2 anos (NP), comparados a terneiros (NSP), devido ao maior peso corporal desses animais (GOTTSCHALL, CANELLAS e FERREIRA, 2006). O principal fator responsável pelo melhor desempenho econômico dos NSP nesse modelo de produção é representado pela diferença entre o preço de compra e o de venda, que foi de 12,76% e - 4,10%, respectivamente para NSP e NP. Nesse caso, o preço de venda foi praticamente o mesmo para os dois grupos, não servindo como parâmetro de comparação. Entretanto, o preço de compra foi determinante. Para cada kg de peso vendido em relação ao comprado, foram R$ 0,08 a menos para os NP, o que em 314,36 kg (peso de compra), representam R$ 25,15. Nessa mesma linha de raciocínio, os NSP obtiveram, para cada kg de peso, um acréscimo de R$ 0,25, o que representa R$ 46,27 a mais em 185,06 kg comprados. Supondo que a diferença de R$ 0,25/kg fosse aplicada aos NP, o retorno econômico seria ainda maior, devido ao maior peso de compra (314 kg), o que proporcionaria um acréscimo de R$ 78,50, superior ao retorno obtido a partir do peso de compra dos NSP. Gottschall, Canellas e Ferreira (2006), afirmam que, para um maior retorno econômico, animais mais jovens devem ser biologicamente eficientes (elevado ganho de peso e menor conversão alimentar), enquanto em animais mais velhos o ponto central deve ser a exploração da diferença de preço compra/venda, devido ao seu maior peso corporal. Os resultados apresentados e discutidos acima demonstram que um retorno econômico superior depende de uma relação compra/venda favorável, caso contrário, a margem obtida será proveniente exclusivamente do ganho na engorda, o que aumenta o risco do processo, principalmente na fase de confinamento. CONCLUSÕES Novilhos superprecoces apresentaram melhor retorno econômico no modelo de produção proposto, obtendo maior margem bruta, lucratividade no período e ao mês. A diferença de preço compra/venda foi determinante para esse resultado, sendo o custo de compra/kg o principal fator responsável por esse quadro. O uso de pastagem cultivada apresentou menor custo/kg produzido e permitiu uma redução no tempo de permanência dos animais em confinamento. O melhor desempenho biológico dos NP resultou em um menor custo/kg produzido para esse grupo na fase de confinamento. REFERÊNCIAS ALBRIGHT, M.L. et al. Factors affecting cattle feeding profitability and cost of gain. Beef cattle handbook, 8050, 4p, 1994. COLEMAN, S. W.; EVANS, B. C.; GUENTHER, J. J. Body and carcass composition of Angus and Charolais steers as affected by age and nutrition. Journal of Animal Science, v.71, n.86, 1993. COSTA, E. C. et al. Desempenho de novilhos Red Angus superprecoces, confinados e Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 27 abatidos com diferentes pesos. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v.31, n.1, 2002. DI MARCO, O. N. Crecimiento de vacunos para carne. Mar Del Plata, Uruguay, 1998. 246p. DI MARCO, O.; BARCELLOS, J.O.J.; COSTA, E. N. Crescimento de bovinos de corte. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Identificação da microbiota da orofaringe e cloaca em filhotes de arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) de vida livre do Pantanal-MS MÁRCIA REGINA LOIKO1 FERNANDA DE SOUZA ABILHEIRA2 NEIVA ROBALDO GUEDES3 DANIEL THOMPSEN PASSOS4 TANIA DE AZEVEDO WEIMER5 SÉRGIO JOSÉ DE OLIVEIRA6 MARIÂNGELA DA COSTA ALLGAYER7 RESUMO Estudos relacionados com sanidade estão sendo realizados para a conservação da arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) em vida livre. Amostras de cloaca e orofaringe de 14 filhotes foram analisadas através de métodos microbiológicos padronizados. Bactérias Gram negativas e leveduras estão presentes na microbiota dos filhotes sadios desta espécie, sendo os microrganismos Staphylococcus sp., Escherichia coli , Enterococcus sp., Klebsiella sp., Enterobacter sp., Pseudomonas sp. e leveduras presentes na cloaca e orofaringe, enquanto Proteus sp. ocorreu apenas em orofaringe e Salmonella sp. em cloaca. Palavras-chave: arara-azul-grande, Anodorhynchus hyacinthinus, microbiota, cloaca, orofaringe. 1 Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA – Aluna de Iniciação Científica voluntária PROICT/ULBRA 5 Professora do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA, do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA 2 Aluna da Residência Médico Veterinária/ULBRA 6 Professor do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA 3 Professora do Curso de Biologia/UNIDERP, Presidente do Instituto Arara Azul 7 4 Professor do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA e do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA Professora - Orientadora do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA e Doutoranda em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 29 ABSTRACT Investigations about the health status of wildlife Hyacinth Macaw (Anodorhynchus hyacinthinus) have being performed in order to contribute to conservation program of this species. Cloaca and oropharynx samples were obtained from 14 nestlings and analyzed with standard microbiological methods. Gram negative bacteria and yeasts occurred in normal nestling of this species, the isolated microorganisms being Staphylococcus sp., Escherichia coli, Enterococcus sp., Klebsiella sp., Enterobacter sp., Pseudomonas sp., and yeasts from cloaca and oropharynx, while Proteus sp. occurred only in oropharynx and Salmonella sp. only in cloaca. Keywords: Hyacinth Macaw, Anodorhynchus hyacinthinus, microbiota, cloaca, oropharynx. INTRODUÇÃO Uma das questões mais relevantes no contexto atual é a conservação do meio ambiente, em especial a biodiversidade e o patrimônio natural. Uma das ferramentas crescentes em importância para a conservação desta biodiversidade é a “Medicina da Conservação”, em outras palavras, o trabalho médico-veterinário aplicado aos conceitos e necessidades conservacionistas. Neste contexto, o estudo das enfermidades infecciosas afetando animais selvagens ganha especial destaque, devido às doenças exercerem importante e crescente impacto sobre as populações nativas e mantidas em cativeiro. A determinação da prevalência e da distribuição de patógenos, especialmente os transmissíveis nas populações selvagens é tarefa urgente e prioritária (OTTO, 1998). Ballou et al. (2000) ressaltaram que a qualificação e quantificação do risco da ocorrência de uma determinada enfermidade, e conseqüentemente de seu impacto sobre a biodiversidade, estão subordinadas ao conhecimento das informações epidemiológicas dos agentes mórbidos e de suas relações com os hospedeiros potenciais. 30 Segundo Catão-Dias (2003) no Brasil, em virtude de sua magnífica biodiversidade e do estado delicado em que muitas espécies animais se encontram, é urgente o desenvolvimento de pesquisas, além do apoio às já existentes, que investiguem a ocorrência natural de patógenos e suas correspondentes enfermidades. Atualmente, com a constante ação antrópica sobre o meio ambiente e a conseqüente degradação da natureza, a compreensão dos processos naturais das doenças nos animais, suas dinâmicas e impactos nas populações selvagens, é uma ferramenta valiosa em prol da conservação de nossa riquíssima biodiversidade. No Brasil, cerca de 20 % dos psitacídeos encontram-se na lista dos animais ameaçados de extinção. A arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) é o maior exemplar da família Psittacidae (SICK, 1997) e encontra-se nesta lista, mas sua situação começou a mudar com as atividades do Projeto Arara Azul no PantanalMS. Vários estudos foram e estão sendo realizados com esta arara e uma série de conhecimentos sendo adquiridos sobre a espécie em vida livre. Dentro destes estudos vale a pena ressaltar a necessidade de aquisição de dados relacionados à sanidade desta espécie, pois durante os 17 anos Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 do projeto poucas pesquisas foram direcionadas ao monitoramento sanitário. Dentre elas podemos citar os relatos associados à infestação por larvas de Philornis sp. (GUEDES et al., 2000), pesquisa de endoparasitos (ARAÚJO et al., 2000; ALLGAYER et al., 2004a), detecção de Salmonella Bredney em vísceras (VILELA et al., 2001), epidemiologia da Chlamydophila psittaci (RASO et al., 2006) e pesquisa de hemoparasitos (ALLGAYER et al., 2004b). Dados microbiológicos de populações naturais ainda são escassos na literatura científica, mas podem vir a contribuir para a conservação in situ e ex situ das espécies ameaçadas de extinção uma vez que permitirá o monitoramento da saúde dos animais e ajustes no manejo em cativeiro ou em ambiente natural alterado. Os neonatos de aves, teoricamente, deverão ser estéreis no momento da eclosão, sendo colonizados a partir das bactérias presentes na alimentação e no seu ambiente (CLUBB, 1997; RUPLEY, 1999). Dessa forma, as culturas bacterianas e fúngicas são de extrema importância, pois propiciam o monitoramento do filhote e do ambiente. A determinação e avaliação da microbiota gastrintestinal e do trato respiratório superior dos filhotes saudáveis e a detecção de infecções podem ser realizadas através de colorações de Gram e culturas de cloaca e orofaringe (FLAMMER & CLUBB, 1994; OGLESBEE & BISHOP, 1998). Dentro desse contexto ecológico de saúde, este trabalho realizou o monitoramento sanitário dos filhotes de vida livre da arara-azul-grande do Pantanal (Anodorhynchus hyacinthinus), através da determinação da microbiota associada à orofaringe e cloaca, visando à conservação da espécie. MATERIAL E MÉTODOS Foram avaliados 14 filhotes de arara-azulgrande do Pantanal (Anodorhynchus hyacinthinus), nascidos durante a estação reprodutiva 2006 no Pantanal de Miranda - Mato Grosso do Sul. As coletas foram realizadas no momento em que os filhotes foram retirados do ninho, para os procedimentos de biometria e identificação, realizados rotineiramente pelo Projeto Arara Azul. Foram coletados 1 “swab” de cloaca e 1 “swab” de orofaringe de cada ninhego, estas amostras foram mantidas em meios de transporte StuartMR, sob refrigeração e enviados ao Laboratório de Microbiologia do Hospital Veterinário da ULBRA-RS. Os “swabs” foram semeados em placas de Ágar sangue e Ágar Mac Conkey, incubadas em aerobiose por 24hs a 37°C e em placas com meio Dermasel incubadas a 25°C em aerobiose por 4 dias segundo a técnica citada por Hirsch & Zee (2003) e Barrow & Felthan (1993). Placas do material inoculado em Ágar sangue foram incubadas em anaerobiose por 48hs à 37ºC, visando à identificação de bactérias anaeróbias (OLIVEIRA, 2000). As colônias bacterianas foram classificadas pelo crescimento nos meios sólidos, ocorrência de hemólise, coloração por Gram, testes bioquímicos de Indol, vermelho metila (VM), Voges Proskauer (VP), utilização de citrato, utilização de uréia, formação de H2S, utilização de glicose, prova de catalase e prova de oxidase (OLIVEIRA, 2000). Algumas bactérias isoladas foram enviadas à Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) para certificação. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 31 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos através das culturas das 14 amostras coletadas da cloaca e orofaringe dos filhotes estão apresentados na Tabela 1. Podese verificar que, em geral, os microrganismos foram mais freqüentes em orofaringe que em cloaca, sendo os mais comuns, E. coli (86% na orofaringe e 43% na cloaca), Enterobacter sp. (64% em orofaringe, 21% em cloaca) e levedura (93% em cloaca e 86 % em orofaringe). A microbiota aeróbica cloacal nos filhotes saudáveis de psitacídeos mantidos em cativeiro está constituída quase que exclusivamente por bactérias Gram positivas dos gêneros Lactobacillus spp., Bacillus spp., Corynebacterium spp., Streptococcus não -hemolítico, Staphylococcus spp., Micrococcus spp. (CLUBB, 1997; FLAMMER & CLUBB, 1994; RUPLEY, 1999), Streptomyces spp. (OGLESBEE & BISHOP, 1998), Corynebacterium spp. e Gaffkya spp. (FLAMMER & DREWES, 1988; HOEFER, 1997). Nesta pesquisa foram isoladas um maior percentual de bactérias Gram negativas em filhotes de vida livre da arara-azul-grande do Pantanal clinicamente sadias. Este resultado está de acordo com Clubb (1997) e Oglesbee & Bishop (1998) que relataram que as bactérias E. coli, Klebsiella spp. e Enterobacter spp. podem estar presentes na microbiota de filhotes clinicamente sadios, e seu isolamento não requer necessariamente tratamento. No entanto vale ressaltar que as bactérias Escherichia coli, Klebsiella spp., Enterobacter spp., Pseudomonas spp., Proteus spp., Salmonella spp., Campylobacter spp.,. e leveduras em brotamento são consideradas patógenos primários ou potencialmente oportunistas (CLUBB, 1997; FLAMMER & CLUBB, 1994; OGLESBEE & BISHOP, 1998). As leveduras e fungos fazem parte da microbiota natural das aves, sendo consideradas comensais no trato gastrintestinal e na pele (GODOY, 2006). Tabela 1 - Bactérias isoladas da cloaca e orofaringe de 14 filhotes de vida livre de arara-azul-grande do Pantanal-MS na estação reprodutiva de 2006. 32 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Na avaliação da microbiota cloacal normal de 19 filhotes de vida livre de papagaios-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) Serafini et al. (2005) isolaram Escherichia coli, Pseudomonas spp., Proteus vulgaris, Enterobacter spp., Enterobacter aglomerans, Enterobacter aerogenes Enterobacter cloacae, Providencia spp., Citrobacter diversus, Citrobacter amalonaticus, Staphylococcus spp., Streptomyces spp. e Candida spp. Os resultados estão de acordo com os obtidos no presente trabalho, evidenciando a presença de bactérias Gram negativas além das Gram positivas. As bactérias detectadas na orofaringe dos filhotes não diferiram das bactérias isoladas da cloaca com exceção da presença de Proteus sp. e ausência de Salmonella sp. Esta constatação se deve ao fato do ambiente do ninho estar contaminado com fezes e dessa forma promover a ocorrência de contaminação da orofaringe por estas enterobactérias. Pesquisas realizadas em vida livre têm demonstrado que a presença de bactérias Gram negativas parece ser normal na microbiota de aves saudáveis. Estes achados discordam dos autores Flammer & Drewes (1988) e Hoefer (1997) que consideraram a colonização do trato gastrintestinal com bactérias Gram negativas como um sinal de doença e recomendam a terapia com drogas antimicrobianas. No entanto, Clubb (1997) ressalta que a decisão da necessidade de instituir uma terapia deve ser realizada através de uma análise criteriosa entre avaliação clínica, outros testes diagnósticos, parâmetros ambientais e experiência clínica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os filhotes avaliados neste estudo tiveram seus parâmetros de desenvolvimento dentro do normal e abandonaram o ninho na idade esperada (100-110 dias) não ocorrendo morbidade e mortalidade de nenhuma arara até esta data. Estes resultados evidenciam que a presença de bactérias Gram negativas é normal na microbiota de filhotes de vida livre de arara-azul-grande do Pantanal. O estudo da ecologia desta espécie associada às pesquisas direcionadas ao monitoramento sanitário é vital para sua conservação, pois possibilita um conhecimento do estado sanitário da população de vida livre da arara-azul-grande do Pantanal. Permitindo verificar quais microrganismos estão naturalmente presentes na sua microbiota e estabelecer seu potencial patogênico que possa vir a afetar a saúde de indivíduos e populações mediante alterações ambientais. REFERÊNCIAS ALLGAYER, M.C. et al. Parasitológico de fezes em filhotes de arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) no Pantanal. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE DE ZOOLÓGICOS DO BRASIL, 28., 2004, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade de Zoológicos do Brasil, 2004. ALLGAYER, M.C. et al. Pesquisa de hemoparasitos em filhotes de arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) no Pantanal. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE DE ZOOLÓGICOS DO BRASIL, 28., 2004, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Sociedade de Zoológicos do Brasil, 2004. ARAÚJO, C.P. et al. Pesquisa de parasitos Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 33 em fezes de filhotes de arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus). In: ENCONTRO DE BIÓLOGOS DO CRB-1 (SP, MT, MS), 11., 2000, São Pedro-SP. Anais... São Paulo: CRB-1 (SP, MT, MS), 2000. BALLOU, J.D. Infectious disease risk assessment in captive propagation, reintroduction and wildlife conservation. Proceedings of the 7th World Conference on Breeding Endangered Species, p.63-76, 1999. BARROW, G.I.; FELTHAM, R.K.A. Manual for the identification of Medical Bacteria. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p.90-137. CATÃO-DIAS, J.L. Doenças e seus impactos sobre a biodiversidade. Ciência e Cultura, v.55, n.3, p. 32-34, 2003. CLUBB, S.L. Psittacine pediatric husbandry and medicine. In: ALTMAN, R.B. et al. Avian medicine and surgery. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1997. FLAMMER, K.; CLUBB, S.L. Neonatology. 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Neste trabalho foram avaliadas as atividades genotóxicas e antigenotóxicas do extrato bruto (500, 1000 e 2000 mg/Kg/dia) e frações aquosa, butanólica e clorofórmica (1000 mg/kg/dia), obtidos das partes aéreas de A. chica, através do teste cometa em camundongos CF-1. Não houve indução de danos ao DNA pelo extrato bruto ou frações de A chica, tanto no sangue periférico quanto no fígado dos animais tratados. O extrato bruto e a fração clorofórmica Acadêmica do Curso de Biomedicina/ULBRA – Bolsista FAPERGS 4 Aluna de Pós Graduação em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA. Acadêmica do Curso de Biomedicina/ULBRA – Bolsista PIBIC/ CNPq 5 Professor(a) do Curso de Farmácia e Biomedicina/ULBRA e do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA. Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA 6 Professora-Orientadora do Curso de Farmácia e Biomedicina e do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada ([email protected]) 1 2 3 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 39 protegeram o DNA contra danos oxidativos induzidos pelo peróxido de hidrogênio, sugerindo efeito antigenotóxico por mecanismos antioxidantes. Palavras-chave: Arrabidaea chica, genotoxicidade, antigenotoxicidade. ABSTRACT The plant Arrabidaea chica is used in popular medicine as analgesic, anti-inflamatory, astringent agent and to treat skin diseases. In this study, genotoxic and antigenotoxic activities of crude extract (500, 1000 and 2000 mg/kg/day) and water, butanolic and chloroformic fractions (1000mg/kg/day), obtained from the aerial parts of A.chica, were evaluated by comet assay in CF-1 mice. There was not DNA damage induction by crude extract or A. chica fractions in the peripheral blood and in the liver of the treated animals. The crude extract and the chloroformic fraction protected DNA against oxidative damages induced by hydrogen peroxide, suggesting antigenotoxic effect by antioxidant mechanisms. Keywords: Arrabidaea chica, genotoxicity, antigenotoxicity. INTRODUÇÃO Arrabidaea chica pertence à família Bignoniaceae (sin: Bignonia chica (Bonpl.)) que consiste em aproximadamente 120 gêneros e 800 espécies de plantas arbustivas, arbóreas e trepadeiras. A família Bignoniaceae é conhecida por conter uma grande variedade de plantas com ocorrência no cerrado brasileiro. A espécie Arrabidaea chica ocorre no Brasil desde a Amazônia até o Rio Grande do Sul (TAKEMURA et al., 1995). Alguns representantes deste gênero como a Arrabidaea samydoides, A. brachypoda e A. triplinervia demonstraram efeito antioxidante (PAULETTI et al., 2003b), atividade antifúngica (ALCERITO et al., 2002) e atividade contra doença de Chagas (LEITE et al., 2006), respectivamente. Arrabidaea chica é popularmente chamada de carajuru, chica, pariri ou cajiru, sendo amplamente utilizada na medicina popular, principal- 40 mente na região Amazônica (REITZ, 1974; TAKEMURA et al., 1995; ZORN et al., 2001). Suas folhas apresentam atividades analgésica, antiinflamatória e adstringente (SILVA et al., 2007) e são utilizadas em cólicas intestinais, diarréia sanguinolenta, leucorréia, anemia e leucemia. Também é utilizada topicamente para combater as enfermidades da pele (TAKEMURA et al., 1995; ZORN et al., 2001). Com base na literatura científica, verificase que existem poucos relatos de estudos químicos do gênero Arrabidaea, sendo A. chica a espécie mais estudada. A partir desta espécie foram isolados fitoesteróis (TAKEMURA, 1993), taninos e principalmente flavonóides (TAKEMURA et al., 1995; ALCERITO et al., 2002; PAULETTI et al., 2003a). CHAPMAN et al. (1927) identificaram o primeiro composto de A. chica, denominado carajurina. Posteriormente, os trabalhos de Harbone (1967) e Scogin (1980) relataram que a presença de um raro pig- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 mento vegetal em Bignoniaceae era restrito à espécie A. chica. Em estudo realizado por Zorn et al. (2001), a partir do extrato éter etílico das folhas de A. chica, foram isoladas e identificadas quatro antocianidinas, entre elas a carajurina e carajurona. Outro composto chamado carajuflavona foi obtido a partir da fração acetato de etila do extrato metanólico das folhas de A. chica (TAKEMURA et al., 1995). As folhas de A. chica fornecem um corante vermelho-escuro ou vermelho tijolo (vermelho carajuru), insolúvel na água e solúvel no álcool e no óleo (REITZ, 1974). Uma das substâncias presentes neste corante avermelhado foi identificada como sendo carajurina (6,7-dihidroxi-5,4´dimetoxi-flavilium) (ZORN et al., 2001; PAULETTI et al., 2003a). No norte do Brasil, o corante das folhas é utilizado em tatuagens pelos índios (PAULETTI et al., 2003b). Alguns estudos como de Magalhães (UNICAMP), avaliam a possibilidade do desenvolvimento do batom de A. chica. O pigmento vermelho produzido por esta planta é estável, possuindo vantagens sobre corantes como o urucum, pelo fato de resistir à degradação, sendo potencialmente interessante para compor formulações de cosméticos em geral (www.inova.unicamp.br). Outro estudo da planta A. chica realizado por Barata e colaboradores (UNICAMP, 2006) avalia a possibilidade do emprego de A. chica na forma de extrato fitoterápico para uso como antifúngico e antibacteriano (www.inova.unicamp.br). Tendo em vista que A. chica é utilizada popularmente e não há relatos de estudos avaliando as propriedades biológicas ou a toxicidade desta planta, este trabalho se propôs a avaliar a atividade genotóxica/antigenotóxica do extrato bruto e frações das partes aéreas de A. chica. MATERIAL E MÉTODOS Material vegetal As partes aéreas de A. chica (Bignoniaceae) foram coletadas no município de Taquari no Estado do Rio Grande do Sul. O material, imediatamente após a coleta, foi selecionado, e seco em ambiente arejado e ao abrigo de luz direta e triturado em moinhos de facas. Extração e fracionamento As partes aéreas (100 gramas) de A. chica foram submetidas à decocção em água destilada (1000ml), obtendo-se o extrato bruto, onde parte deste extrato foi submetido à secura no aparelho de rotavapor e denominado extrato bruto (EB). A seguir, utilizando o restante da solução do EB, foi realizado o fracionamento utilizando solventes em polaridade crescente (clorofórmio, butanol e água). Os extratos obtidos foram concentrados à secura em aparelho de rotavapor e denominados, fração clorofórmica (FC), fração butanólica (FB) e fração aquosa (FA). Para administração nos animais os extratos secos foram diluídos posteriormente em solução salina (NaCl 0,9%). Animais Experimentais Foram utilizados 70 camundongos CF-1 machos e fêmeas oriundos do Biotério da Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, Canoas, RS. Os animais foram mantidos a 22ºC, com ciclo claro 12h/escuro 12h, durante todo o período experimental, com alimentação e água a vontade. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 41 Tratamento dos animais Os animais foram divididos em 7 grupos de 10 animais, sendo 5 machos e 5 fêmeas por grupo, tratados por 3 dias consecutivos e sacrificados no 4º. Dia. Os grupos foram: controle negativo: solução salina (NaCl 0,9%); extrato bruto a 500, 1000 e 2000 mg/Kg/dia; fração butanólica a 1000 mg/Kg/dia; fração clorofórmica a 1000 mg/Kg/dia e fração aquosa a 1000 mg/Kg/dia. As administrações foram feitas pela via oral (gavagem) e ajustadas ao peso de cada animal sendo de 0,1ml/ 10g de peso do camundongo. Amostras Foram coletadas amostras de sangue total da cauda dos animais após 3h e 24h da primeira administração (1º.dia), através da veia caudal. O sangue foi colocado em tubos tipo Eppendorf contendo heparina (12 μL para cada 50 μL de sangue total). No 4ºdia, os animais foram sacrificados por decapitação para coleta de amostras de sangue e fígado. Teste cometa Utilizou-se a versão alcalina (pH>13) do teste cometa conforme descrito em Tice et al. (2000). Uma alíquota de 5 microlitros de sangue ou de suspensão de fígado (em PBS) foi misturada com 95 microlitros de agarose “low melting” 0,75% e a mistura foi colocada sobre lâminas pré-cobertas com agarose normal a 1,5%. Para avaliação da atividade antigenotóxica, as lâminas foram tratadas com solução de peróxido de hidrogênio (H 2 O 2 ) 0,20 mM em PBS, por 5 minutos a 4°C, e após lavadas três vezes com solução salina (NaCl 0,9%), conforme o procedimento ex vivo des- 42 crito em Pereira et al. (2005). Em seguida, todas as lâminas foram mergulhadas em uma solução de lise (2,5 M NaCl, 100 mM EDTA e 10 mM Tris, pH 10 com adição de 1% Triton X-100 e 10% DMSO na hora do uso), por no mínimo 1 hora até no máximo 72 horas a 4oC, para o rompimento das membranas celulares. Posteriormente, as lâminas foram incubadas em tampão alcalino (300 mM NaOH e 1 mM EDTA, pH > 13) por 20 minutos para permitir a desnaturação do DNA. E após este período foi realizada a eletroforese com aplicação de corrente elétrica de 300 mA e 25 V (0,90 V/cm) por 15 minutos. As lâminas foram neutralizadas com tampão Tris 0,4 M, pH 7,5, coradas com nitrato de prata, conforme descrito em Nadin et al. (2001) e analisadas ao microscópio ótico. Os resultados foram expressos em índice de danos (ID) e freqüência de danos (FD). O ID foi obtido pela avaliação visual das classes de dano (de 0, sem dano aparente a 4, com máximo dano), em 100 células analisadas por tratamento. Foram classificados como sendo de classe zero os núcleos intactos, que apareceram redondos. Já nas células lesadas, o DNA livre que migrou do núcleo em direção ao ânodo, durante a eletroforese, foi visualizado como uma “cauda” de fragmentos sedimentados, semelhante a um cometa e foram classificadas em classes 1 (dano mínimo) a 4 (dano máximo). Assim o ID pode variar de 0 (todas as células da classe zero: 0 X 100) a 400 (todas as células com classe quatro: 4 X 100). FD foi calculada baseada no número de células com dano versus aquelas sem dano (TICE et al., 2000; NADIN et al., 2001; HARTMANN et al.,2003). Os dados da avaliação do potencial antigenotóxico foram também expressos como Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 percentuais de inibição do índice de dano (ID) de acordo com a expressão: (I%): porcentagem de inibição do ID = [ ID do H2O2 – ID do extrato com H2O2 ] / [ ID do H2O2 – ID do controle negativo] x 100 (KAPISZEWSKA et al. 2005). Análise Estatística A análise estatística foi conduzida utilizando análise de variância (ANOVA) com o teste Post Hoc de Dunnett. Foram considerados genotóxicos os tratamentos que aumentaram significativamente ID ou FD em relação ao tratamento com o controle negativo, com valores de P ≤ 0,05 e antigenotóxicos os tratamentos que diminuíram significativamente os danos induzidos pelo peróxido de hidrogênio, com valores de P ≤ 0,05 e de forma dose-dependente. RESULTADOS E DISCUSSÃO A versão alcalina do teste cometa, utilizada neste trabalho, detecta quebras de fita simples e dupla no DNA, sítios alcali-lábeis e crosslinks (TICE et al., 2000). Como mostra a Tabela 1, o extrato bruto e frações de A. chica não induziram danos ao DNA em sangue periférico após 3 h e 24 h da aplicação da primeira dose dos extratos e frações de A chica, em nenhum dos grupos experimentais. Mesmo com o tratamento por três dias consecutivos (3 x 2000 mg/Kg), o extrato bruto não induziu danos ao DNA em sangue e fígado (Tabela 2). As frações (3 x 1000 mg/Kg) também não induziram danos (Tabela 2). Apenas foi observada uma redução significativa da FD no tecido hepático, em comparação com o controle negativo, pelo extrato bruto na dose de 500 mg/Kg/dia e 2000 mg/Kg/dia, somente em camundongos machos (Tabela 2). Tabela 1 - Avaliação da atividade genotóxica em camundongos tratados com dose única de extratos de Arrabidaea chica. Controle EB : controle extrato bruto – solução salina 0,9% (solvente dos extratos). Controle FR: controle frações – solução salina 0,9% (solvente dos extratos). a a Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 43 b EB 500 (extrato bruto na dose de 500 mg/Kg);cEB 1000 (extrato bruto na dose de 1000 mg/Kg); dEB 2000 (extrato bruto na dose de 2000 mg/Kg); eFB 1000 (fração butanólica na dose de 1000 mg/Kg); fFC 1000 (fração clorofórmica na dose de 1000 mg/Kg); gFA 1000 (fração aquosa na dose de 1000 mg/Kg) (Resultados – média ± desvio padrão). Amostras de sangue periférico 3 horas, 24 horas após aplicação da dose em camundongos machos e fêmeas. Índice de dano – de zero (sem dano, 100 células X 0) a 400 (com máximo de dano, 100 X 4). Freqüência de dano – calculada baseada no número de células com dano versos aquelas sem dano. *p≤0,05 ; **p≤0,01 Tabela 2 - Avaliação da atividade genotóxica em camundongos tratados por 3 dias consecutivos com os extratos de Arrabidaea chica. Controle EB : controle extrato bruto – solução salina 0,9% administrada por 3 dias consecutivos(solvente dos extratos). Controle FR: controle frações – solução salina 0,9% administrada por 3 dias consecutivos (solvente dos extratos). b EB 3x 500 (extrato bruto na dose de 500 mg/Kg/dia por 3 dias);cEB 3x 1000 (extrato bruto na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias); dEB 3x 2000 (extrato bruto na dose de 2000 mg/Kg/dia por 3 dias); eFB 3x 1000 (fração butanólica na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias); f FC 3x 1000 (fração clorofórmica na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias); gFA 3x 1000 (fração aquosa na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias) (Resultados – média ± desvio padrão). Amostras de sangue e de fígado no sacrifício (24 horas após aplicação da última dose dos extratos) em camundongos machos e fêmeas. Índice de dano – de zero (sem dano, 100 células X 0) a 400 (com máximo de dano, 100 X 4). Freqüência de dano – calculada baseada no número de células com dano versos aquelas sem dano. *p≤0,05 ; **p≤0,01 a a No procedimento para avaliação do efeito antigenotóxico, após o tratamento dos animais com o extrato bruto ou frações de A chica, as amostras de tecidos foram tratadas com peróxido de hidrogênio. Este método, chamado de ex vivo, é utilizado na determinação da antigenotoxicidade de substâncias com poten- 44 cial antioxidante, que podem proteger as células dos efeitos genotóxicos induzidos por lesões oxidativas ao DNA (PEREIRA et al., 2005). O DNA é especialmente sensível à ação do peróxido de hidrogênio, que induz danos mediados por íons metálicos como ferro e cobre através da reação de Fenton para formação do Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 radical HO· (KARIHTALA e SOINI, 2007). Após geração do radical HO·, que é extremamente reativo, ocorrem lesões ao DNA que incluem modificações de bases nitrogenadas, quebras simples e duplas de fita (BARBOUTI et al., 2001). Como mostra a tabela 3, as frações não apresentaram atividade antigenotóxica após 3 horas da administração de 1000 mg/Kg. Entretanto, com o tratamento de 2000 mg/Kg de extrato bruto houve aumento do ID e FD em sangue periférico de fêmeas. Porém, após três dias consecutivos de tratamento com extrato bruto, houve redução significativa do ID e FD de forma dose-dependente, em sangue de camundongos machos, sugerindo proteção contra danos oxidativos induzidos pelo peróxido de hidrogênio (Tabela 4). Este efeito não foi tão pronunciado em camundongos fêmeas, pois somente a dose máxima de EB foi estatisticamente significante, alcançando I% de 66,6%. A ação antigenotóxica do EB pode estar ligada à presença de flavonóides, já relatada por Takemura et al., (1995), no extrato metanólico das folhas de A. chica. Tendo em vista que os flavonóides possuem a habilidade de seqüestrar radicais livres como o ânion superóxido, o radical hidroxil e peroxil (RICE-EVANS et al., 1996), pode-se sugerir que a presença desta classe de compostos no extrato bruto esteja relacionada com a atividade antigenotóxica deste extrato. Em adição aos resultados de EB, a FC, no tratamento por 3 dias consecutivos, conferiu proteção contra danos oxidativos em amostras de sangue dos camundongos machos, com I% de 79,2%, porém esta fração não apresentou efeito nas fêmeas. As frações aquosa (FA) e butanólica (FB) não reduziram ID e FD, em relação ao controle positivo. No tecido hepático, tanto o extrato bruto quanto as frações não apresentaram atividades antigenotóxicas (Tabela 4). É possível que o efeito antigenotóxico da fração clorofórmica seja devido à presença de antocianidinas, anteriormente isoladas do extrato éter etílico das folhas de A. chica (ZORN et al., 2001). Pool-Zobel et al. (1999) demonstraram que algumas antocianidinas apresentam potencial antioxidante. Outros estudos indicaram que as antocianidinas podem ser responsáveis pela proteção contra radicais peroxil (WANG et al., 1999; AZEVEDO et al., 2007). A proteção conferida pelos EB e FC ao DNA, verificada pela ação antigenotóxica ex vivo (Tabela 4), pode ter ocorrido devido ao seqüestro de radicais livres por compostos antioxidantes presentes nesses extratos, ativação de enzimas antioxidantes durante o tratamento dos animais e/ou ligação de componentes dos extratos com o íon ferro, dificultando a reação de Fenton (SZETO et al., 2002). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 45 Tabela 3 - Avaliação da atividade antigenotóxica em camundongos tratados com dose única de extratos de Arrabidaea chica. Controle EB:controle extrato bruto–solução salina 0,9% (solvente dos extratos) + H2O2 (0,20 mM). Controle FR: controle frações – solução salina 0,9% (solvente dos extratos) + H2O2 (0,20 mM). b EB 500 (extrato bruto na dose de 500 mg/Kg);cEB 1000 (extrato bruto na dose de 1000 mg/Kg); dEB 2000 (extrato bruto na dose de 2000 mg/Kg); eFB 1000 (fração butanólica na dose de 1000 mg/Kg); fFC 1000 (fração clorofórmica na dose de 1000 mg/Kg); gFA 1000 (fração aquosa na dose de 1000 mg/Kg) (Resultados – média ± desvio padrão). Amostras de sangue periférico 3 horas, 24 horas após aplicação da dose em camundongos machos e fêmeas. Índice de dano – de zero (sem dano, 100 células X 0) a 400 (com máximo de dano, 100 X 4). Freqüência de dano – calculada baseada no número de células com cauda versos aquelas sem cauda. *Valor significante = p<0,05; **Valor significante= p<0,01 a a CONCLUSÕES AGRADECIMENTOS O conjunto dos resultados indica que o extrato bruto e frações butanólica, clorofórmica e aquosa de partes aéreas de A. chica não apresentam atividade genotóxica em camundongos pelo teste cometa. O extrato bruto e a fração clorofórmica protegeram o DNA contra danos oxidativos induzidos pelo peróxido de hidrogênio, sugerindo efeito antigenotóxico por mecanismos antioxidantes. 46 Este trabalho teve o apoio financeiro da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS -, Brasil. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Tabela 4 - Avaliação da atividade antigenotóxica em camundongos tratados por 3 dias consecutivos com os extratos de Arrabidaea chica. Controle EB:controle extrato bruto–solução salina 0,9% (solvente dos extratos) + H2O2 (0,20 mM). Controle FR: controle frações – solução salina 0,9% (solvente dos extratos) + H2O2 (0,20 mM). b EB 3x 500 (extrato bruto na dose de 500 mg/Kg/dia por 3 dias);cEB 3x 1000 (extrato bruto na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias); dEB 3x 2000 (extrato bruto na dose de 2000 mg/Kg/dia por 3 dias); eFB 3x 1000 (fração butanólica na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias); f FC 3x 1000 (fração clorofórmica na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias); gFA 3x 1000 (fração aquosa na dose de 1000 mg/Kg/dia por 3 dias) (Resultados – média ± desvio padrão). h I%: porcentagem de inibição do ID = [ ID do H2O2 – ID do extrato com H2O2 ] / [ ID do H2O2 – ID do controle negativo] x 100. Amostras de sangue e de fígado no sacrifício (24 horas após aplicação da última dose dos extratos) em camundongos machos e fêmeas. ID:Índice de dano – de zero (sem dano, 100 células X 0) a 400 (com máximo de dano, 100 X 4). FD: Freqüência de dano – calculada baseada no número de células com dano versos aquelas sem dano. *p≤0,05 ; **p≤0,01 a a REFERÊNCIAS Toxicology, v.45, p. 852-858, 2007. ALCERITO, T. et al. Foliar epicuticular wax of Arrabidaea brachypoda: flavonoids and antifungal activity. Biochemical Systematics and Ecology, v.30, p. 677-683, 2002. BARBOUTI, A. et al. Intracellular iron, but not copper, plays a critical role in hydrogeninduced DNA damage. Free Radical Biology & Medicine, v.31, p. 490-498, 2001. AZEVEDO, L. et al. Differential response related to genotoxicity between eggplant (Solanum melanogena) skin aqueous extract and its main purified anthocyanin (delphinidin) in vivo. Food and Chemical CHAPMAN, E.; PERKIN, A.G.; ROBINSON, R. Journal of Chemical Society, p. 3015, 1927. HARBORNE, J.B. Comparative Biochemistry of the Flavonoids. London: Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 47 Academic Press, 1967. Journal of Nutrition, v.38, p. 227-234, 1999. HARTMANN, A, et al. 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O processo apresentou 100% de remoção dos ovos de helmintos, garantindo a qualidade sanitária dos esgotos tratados (efluentes). Palavras-chave: Helmintos, esgoto, tratamento, lagoas, estabilização. ABSTRACT Information on the presence of helminth in sewage allows the analysis of population sanitary conditions. This study aimed to provide the parasitologic characterization and evaluation of the efficiency in removing 1 2 Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA. Chefe do setor de Microbiologia/Departamento Municipal de Água e Esgoto-Divisão de Pesquisa 3 Bióloga, Chefe da Seção Biológica/Departamento Municipal de Água e Esgoto-Divisão de Pesquisa. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 51 helminth eggs in sewage treatment by stabilization lagoons in Porto Alegre. Samples from the systematic monitoring were analyzed according to adapted method of Coelho, Carvalho e Araújo. (2002). The following helminths were identified: Ascaris lumbricoides (most frequent), Trichuris trichiura, Ancilostomídeos, Toxocara spp, Enterobius vermicularis, Taenia sp. and Hymenolepis sp. The process removed 100% of helminth eggs, assuring sanitary quality of treated sewages (effluents). Keywords: Helminths, sewage, treatment, lagoons, stabilization. INTRODUÇÃO O elevado crescimento demográfico dos centros urbanos implica na redistribuição da população menos favorecida economicamente para áreas desprovidas de infra-estrutura de saneamento, onde os recursos d’água são utilizados como fonte de abastecimento e de lançamento de dejetos. Esta situação resulta no comprometimento da qualidade de saúde populacional e causa um impacto ambiental aos mananciais. A preocupação com as ações de saneamento básico tem resultado no aumento do número de estações de tratamento de esgoto em diversos países. O tratamento dos esgotos consiste em separar a parte líquida da parte sólida do esgoto e tratar cada uma delas separadamente, reduzindo ao máximo a carga poluidora, de forma que elas possam ser dispostas adequadamente, sem prejuízos ao meio ambiente. Em Porto Alegre, os dados da Prefeitura Municipal (2007), indicam que a cidade conta atualmente com uma capacidade para coleta de 87% de esgoto produzido, sendo 55% através de rede cloacal (separadora absoluta) e 32% através de rede de esgoto misto. Até o ano de 1989, Porto Alegre contava com uma capacidade de tratamento de apenas 2%. Nos últimos anos houve uma evolução desse panorama. Entre 1990 e 2000 houve a construção das Estações de Trata- 52 mento de Esgoto (ETE): Esmeralda, Lami, Ipanema e São João Navegantes, que aumentou a capacidade de tratamento de esgoto para 25%. Em 2002, com a conclusão da ETE Belém Novo, a capacidade de tratamento passou para 27%. A partir do Programa Integrado SócioAmbiental (PISA), que prevê o tratamento dos sistemas Ponta da Cadeia/Cavalhada/Restinga, o tratamento de esgoto atingirá a capacidade de 77% (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2007). A previsão é de que, também, ainda em 2008 com recursos do Programa de Aceleração do crescimento (PAC), sejam iniciadas as obras para a implantação da primeira etapa do Sistema de Esgotamento Sanitário Sarandi, na zona norte do município, aumentando este índice em mais 3 %, totalizando assim em 80% a capacidade de tratamento de esgotos gerados pela população porto-alegrense. A Organização Mundial da Saúde (OMS), dentro de suas propostas e regulamentações relativas a temas internacionais de saúde pública para efluentes líquidos, estabeleceu recomendações de padrões microbiológicos a serem atendidos quanto ao tratamento de águas residuárias (AYRES e MARA, 1996). No Brasil, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) na Resolução nº 357, de 17 de Março de 2005, estabelece a classificação das águas com base nos usos preponderantes e prioritários (sistema de classes de qualidade) estabelecendo níveis Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 de qualidade a serem alcançados e/ou mantidos em um trecho do corpo hídrico ao longo do tempo. Portanto, os efluentes residuários somente podem ser descartados em corpos hídricos se os seus parâmetros característicos se situarem dentro do balizamento dado pela Resolução. a principal via de transmissão de patógenos é pela rota fecal-oral, e sendo a ingesta de água contaminada apenas um dos mais diversos tipos possíveis de infecção, devem-se adotar medidas para assegurar a qualidade da água que a população recebe. Os parâmetros propostos são: substâncias químicas orgânicas e inorgânicas, coliformes fecais e organismos patogênicos. Dentre os organismos patogênicos encontrados nos esgotos domésticos, destacam-se os helmintos, sendo o parâmetro estabelecido pelas legislações = 1 ovo de helmintos /L no esgoto tratado (efluente). O tratamento de esgoto é exigência da própria reurbanização e garantia de qualidade de vida para a população. De acordo com o Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre (DMAE, 2007), os sistemas de tratamento de esgoto na cidade utilizam basicamente um ou mais dos seguintes processos: lodos ativados, digestor anaeróbio e lagoas de estabilização. Helmintos é a denominação dada a diversas espécies de vermes endoparasitários, especialmente Platelmintos (vermes achatados) e Nematelmintos (vermes cilíndricos) (NEVES, 2005). Os danos que estes parasitas podem causar a seus portadores incluem a obstrução intestinal, a desnutrição, a anemia por deficiência de ferro e diarréia, sendo que as manifestações clínicas são habitualmente proporcionais à quantidade parasitária abrigada pelo indivíduo (STEPHENSON, 1987). A OMS estimou, em 2003, que existiam em todo o mundo, cerca de um bilhão de indivíduos infectados por Ascaris lumbricoides, entre 700 milhões e um bilhão de pessoas contaminadas por Trichuris trichiura e Ancilostomídeos e ainda 500 milhões infectados por Entamoeba hystolitica. Diversos fatores implicam no alto índice de indivíduos infectados por parasitoses, tais como: práticas de higiene inadequadas, condições precárias de moradia e saúde, saneamento ambiental ausente ou deficiente (STEPHENSON, 1987). Contudo, sabendo que Dentre os processos de tratamento de esgoto utilizados em países de desenvolvimento, as lagoas de estabilização são os métodos mais empregados, tanto por seu baixo custo, como por sua alta eficiência na redução de organismos patogênicos. No processo de lagoas de estabilização, a matéria orgânica presente no esgoto é decomposta pelas bactérias na presença ou não de oxigênio (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2007). Na superfície da lagoa que contém oxigênio dissolvido, a matéria orgânica é degradada pelas bactérias aeróbias e no fundo onde a quantidade de oxigênio dissolvido é pequena ou nula, a matéria orgânica é decomposta pelas bactérias anaeróbias. Usualmente são empregadas seqüências de lagoas anaeróbias, facultativas e de maturação, para se obter melhor qualidade do efluente (Figura 1). No município de Porto Alegre este processo foi empregado nas ETEs Lami, Ipanema e Belém Novo. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 53 (Fonte: Adaptado de Von Sperling, 1995) Figura 1 - Processo de Lagoas de Estabilização. Os sistemas que empregam o processo de lagoas de estabilização têm o objetivo principal de transformar os materiais orgânicos, presentes em águas residuárias, em produtos mineralizados. Para atingir este objetivo, utilizam-se mecanismos de tratamento que se baseiam na atividade metabólica dos microrganismos, particularmente bactérias e algas. As algas produzem oxigênio através da fotossíntese e este oxigênio pode ser usado por bactérias para oxidar o material biodegradável (CAVALCANTI et al., 2001). Todavia, as condições climatológicas (temperatura, incidência de radiação solar), o tempo de detenção hidráulica (TDH) e as características geométricas e operacionais da lagoa, influenciam diretamente no tratamento. As lagoas anaeróbias (ou digestores anaeróbios) são responsáveis pelo tratamento primário e são dimensionadas para receber cargas orgânicas elevadas, que inviabilizam a ocorrência de oxigênio dissolvido, sendo a matéria orgânica presente nesta lagoa é digerida anaerobicamente. Nas lagoas facultativas, ocorre a degradação anaeróbia no fundo da lagoa e aeróbia na zona fótica, estas lagoas apresentam grande espelho d’água para o desenvolvimento de algas nas camadas mais superficiais e maior área de transferência de oxigênio com a atmosfera. Geralmente são utilizadas no tratamento secundário dos esgotos, oxidando a matéria carbonácea remanescente. 54 As lagoas de maturação caracterizam-se por receber um efluente com baixa carga orgânica e o oxigênio dissolvido se faz presente em toda a massa líquida, sendo responsável pelo pós-tratamento dos esgotos, seu principal objetivo é promover a remoção de microrganismos patogênicos. Segundo Von Sperling et al. (2003), os ovos de helmintos e cistos de protozoários são removidos nas lagoas de estabilização por sedimentação. A remoção de helmintos tem sido aceita como indicador dos demais “organismos sedimentáveis”, incluindo cistos de protozoários como Entamoeba sp, Giardia sp e Cryptosporidium sp (OMS, 1989). As lagoas de estabilização são consideradas como uma das técnicas mais simples de tratamento de esgotos. Esse tipo de sistema vem sendo utilizado no mundo todo para o tratamento de esgotos domésticos e também industriais, sendo o processo significativamente favorecido em regiões de clima tropical e subtropical, como é o caso do Brasil (GOTARDO, 2005). Portanto, o presente estudo objetiva a caracterização parasitológica do esgoto e investiga a respectiva eficiência na remoção dos ovos de helmintos em ETEs operadas pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre através do processo de Lagoas de Estabilização. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 METODOLOGIA As ETEs avaliadas correspondem a sistemas de tratamento licenciados, cujos parâmetros monitorados são encaminhados ao órgão ambiental responsável (Fundação Estadual de Proteção Ambiental - FEPAM), em conformidade às licenças operacionais vigentes. São elas: a ETE Ipanema, por sua capacidade nominal de tratamento, atendendo 142 mil habitantes, a ETE Belém Novo e a ETE Lami por estarem vinculadas a balneabilidade, representando entre 8 e 7 mil habitantes, respectivamente. Todas utilizam o sistema de tratamento de esgoto pelo processo lagoas de estabilização. Foram analisados os esgotos brutos (afluente) e tratados (efluente) destas estações, pertinentes ao processo de lagoas de estabilização. A amostragem foi efetuada mensalmente, no período de junho de 2005 a dezembro de 2006, num total de 90 amostras, sendo 45 de esgoto bruto e 45 de esgoto tratado, com posterior análise no Laboratório de Microbiologia da Divisão de Pesquisa – DMAE. As amostras foram processadas, com algumas modificações, segundo o trabalho de Coelho, Carvalho e Araújo (2002), o qual é uma adaptação dos métodos de Yanco (1987) e Bailenger (AYRES e MARA, 1996). Esta técnica, segundo Alves (2005), foi escolhida por associar estes métodos consagrados, proporcionando uma maior eficiência na quantificação de ovos de helmintos. Esta metodologia é simples e de fácil implementação dos procedimentos laboratoriais de rotina. A identificação dos ovos de helmintos teve como base as suas características morfológicas e o seu tamanho. Para este fim foi utilizado um microscópio com retículo de ocular calibrado, indispensável para a medição exata e identificação de características específicas dos ovos, tais como: forma, conteúdo do ovo, espessura da membrana externa (casca), dentre outras características. A técnica de avaliação de viabilidade dos ovos de helmintos foi feita pelos critérios morfológicos, para se distinguir entre ovos viáveis e não-viáveis. Esta técnica é fundamentada nas mudanças morfológicas que aparecem nos ovos mortos ou nãoviáveis (KAGEI, 1982). Os ovos de helmintos contados foram os morfologicamente viáveis e os critérios básicos para a determinação da viabilidade destes são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 - Principais critérios morfológicos para determinação de ovos viáveis e não viáveis de helmintos. (Fonte: CEMAT, 1987 apud CHERNICHARO et al., 2002). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 55 As amostras foram coletadas e preservadas segundo Guia de Coleta Preservação de Amostras de Água – CETESB, 1987, e a NBR 9898/ 1987. Os volumes coletados foram 5L para o esgoto bruto e 10L para o esgoto tratado. RESULTADOS As Figuras 2, 3 e 4 demonstram as variações no tempo da concentração total de ovos de helmintos no período de jul/05 a dez/06. Observa-se que a ETE Belém Novo (Figura 2) apresentou maior concentração de ovos de helmintos (121ovos/L) e maior freqüência na distribuição temporal destes, em comparação com as outras duas ETEs: Lami (Figura 3) e Ipanema (Figura 4), que no mesmo período apresentaram até nove meses de leitura “0” * para ovos de helmintos. Não foi observada uma relação sazonal, tanto na freqüência como na densidade de ovos de helmintos nas estações em avaliação. Figura 2 - Concentração mensal do número total de ovos de helmintos por litro do esgoto bruto da ETE Belém Novo de Porto Alegre, jul/05 a dez/06* . * 56 O resultado “0” indica a não visualização de ovos de helmintos e não necessariamente a ausência dos mesmos. O resultado é expresso como < 1 ovo / L. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 3 - Concentração mensal do número total de ovos de helmintos por litro do esgoto bruto da ETE Lami de Porto Alegre, jul/05 a dez/06*. Figura 4 - Concentração mensal do número total de ovos de helmintos por litro do esgoto bruto da ETE Ipanema de Porto Alegre, jul/05 a dez/06* . O estudo dos esgotos brutos (afluentes) no período de jul/05 a dez/06 identificou os seguintes helmintos: Ascaris lumbricoides; Trichuris trichiura; Ancilostomídeos; Toxocara spp; Enterobius vermicularis; Taenia sp. e Hymenolepis sp.. Com relação ao parasita prevalente, o Ascaris lumbricoides foi o mais freqüente em todas as amostras de esgoto bruto das ETEs estudadas, como mostram as Figuras 5 e 6. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 57 Figura 5 - Principais helmintos, em porcentagem, encontrados no esgoto bruto das ETEs Belém Novo, Lami e Ipanema de Porto Alegre, jul/05 a dez/06. Figura 6 - Total de helmintos, em porcentagem, encontrados no esgoto bruto das ETEs de Porto Alegre, no período de jul/05 a dez/06. 58 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Para o mesmo período de estudo foram analisados os esgotos tratados destes sistemas, aplicando-se a mesma metodologia já citada. (com registro no SisLab/Siga: Banco de dados da DVP) dentre os quais Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Escherichia coli. A partir dos resultados obtidos, as ETEs: Belém Novo, Lami, Ipanema, que empregam o processo de lagoas de estabilização, apresentaram 100% de eficiência na remoção da concentração de ovos de helmintos. Na Tabela 2 estão apresentadas as médias de DBO e densidade de Escherichia coli das ETEs estudadas, as quais caracterizam os esgotos brutos para o período equivalente. Comparando os esgotos brutos das ETEs, pode-se inferir uma relação direta entre as médias de DBO e a densidade de Escherichia coli (que caracterizam carga orgânica), com a média do número de ovos de helmintos. O monitoramentos realizado pela Divisão de Pesquisa (DVP) oferece uma série de parâmetros Tabela 2 - Médias de DBO, Escherichia coli e número de ovos de helmintos nos esgotos bruto e tratado das ETEs Belém Novo, Lami, Ipanema, no período de jul/05 a dez/06. (Fonte: DMAE-DVP, 2005/2006) Observa-se que o processo de tratamento foi capaz de produzir efluentes tratados com densidades de Escherichia coli iguais ou inferiores a 103 NMP/100 ml e concentração de ovos de helmintos = 1 ovo/L. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 59 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS Os helmintos identificados neste estudo foram: Trichuris trichiura; Ascaris lumbricoides; Ancilostomídeos; Toxocara spp., Enterobius vermicularis, Hymenolepis sp. e Taenia sp. O Ascaris lumbricoides foi o parasita de maior concentração e freqüência em todas as amostras de esgoto bruto das ETEs estudadas. Isto ocorre devido à longa sobrevivência de seus ovos no meio ambiente, caracterizando-o como indicador mais adequado da presença de ovos de helmintos. A identificação e a quantificação destes patógenos presente no esgoto, permitem avaliar as condições sanitárias da população local, as quais foram comprovadas neste estudo, uma vez que foram identificados ovos de helmintos na grande parte das amostras de esgoto bruto analisadas. O processo lagoas de estabilização apresentou 100% de eficiência para remoção de ovos de helmintos. Sugerimos a continuidade do monitoramento de ovos de helmintos nas ETEs estudadas, bem como, estender o mesmo às outras estações de Porto Alegre para avaliar a eficiência destes em relação a estes parasitas. O monitoramento das estações de tratamento de esgotos no Brasil ainda não usa a análise de helmintos como rotina, porém a perspectiva do reuso dos efluentes domésticos tratados justifica a implantação do controle da presença de helmintos no efluente final das ETEs. Assim, os resultados obtidos neste estudo reforçam a importância do controle das helmintíases como um instrumento relevante para garantir a avaliação da qualidade sanitária dos efluentes tratados na ETEs. 60 ALVES, A. M. Quantificação e identificação de ovos de helmintos em esgoto bruto e tratado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004. 56p. Monografia submetida ao Programa de PósGraduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental UFRGS como requisito parcial para a conclusão do Curso de Especialização em Sistemas e Tratamento de Esgotos Sanitários. AYRES, R.; MARA, D. Analysis of wastewater for use in agriculture - A laboratory manual of parasitological and bacteriological techniques. Geneva: World Health Organization, 1996. 35 p. BAILENGER, J. Mechanisms of parasitological concentration in coprology and their practical consequences. Journal of American Medical Technology, 41, apud AYRES, R.; MARA, D. Analysis of wastewater for use in agriculture. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Caracterização de fatores de virulência presentes em isolados de Escherichia coli provenientes da região Sul do Brasil FERNANDA KIELING MOREIRA1 YARA SILVA CASANOVA2 FABRICIA ALVES CERVEIRA3,4 PRISCILLA KARINA VITOR KOERICH5 ANDRÉ SALVADOR KAZANTZI FONSECA4 VAGNER RICARDO LUNGE4,6 ANA PAULA WOBETO4 NILO IKUTA4,7 RESUMO Foram analisados neste trabalho 42 isolados de Escherichia coli originários de 15 granjas de suínos da região Sul do Brasil. Os isolados foram obtidos a partir de fezes de suínos com suspeita de colibacilose. As amostras foram caracterizadas quanto a presença de fatores de virulência (FVs) pela reação em cadeia da polimerase (PCR), que consistiu na detecção das fímbrias F4, F5, F6, F18 e F41 e das toxinas Stb, StaP, Stx2e e LT. Dos 42 isolados, somente 15 foram confirmados como portadores dos FVs estudados, sendo que as toxinas mais freqüentemente encontradas foram Stb seguida da StaP. Nos isolados portadores de toxinas foram encontradas as fímbrias F18, F4 1 Acadêmica de mestrado do PPG Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA. 2 Acadêmica do Curso de Biomedicina/ULBRA, Bolsista de Iniciação Científica PROICT/ULBRA. 3 Acadêmica do Curso de Biologia/ULBRA, Bolsista de Iniciação Científica PROICT/ULBRA. 4 5 SIMBIOS Biotecnologia . Perdigão Agroindustrial S/A - Videira SC. 6 Professor do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA e PPG em Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA. 7 Professor/Orientador do Curso de Biologia/ULBRA e PPG em Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA. ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 63 e F5, e 4 isolados toxigênicos não apresentaram as fímbrias analisadas. A utilização da PCR para detecção de toxinas e fímbrias demonstrou ser um teste prático no diagnóstico da colibacilose. Palavras-chave: Escherichia coli, ETEC, PCR, colibacilose, fatores de virulência. ABSTRACT Forty two Escherichia coli isolates from 15 swine farms localized in Southern Brazil were analyzed in this study. The bacterias were isolated from stool of pigs with suspicion of colibacillosis. The samples were characterized by Polymerase Chain Reaction (PCR) for the presence of virulence factors consisted by fimbrial adhesin F4, F5, F6, F18, F41 and enterotoxins Stb, StaP, Stx2e, LT. Only 15 of 42 isolates were confirmed as carriers of studied virulence factors. The most frequent toxin found in these samples were Stb followed by StaP. The fimbrial adhesins F18, F4 e F5 were found in isolates that carry toxin, but studied fimbrial genes were not detected in 4 toxigenic isolates. The use of PCR to detect toxins and fimbrial adhesins showed to be a practical test on the diagnostic of colibacillosis. Keywords: Escherichia coli, ETEC, PCR, colibacillosis, virulence factors. INTRODUÇÃO A Escherichia coli é uma bactéria anaeróbia facultativa predominante na microbiota normal de animais homeotérmicos. Algumas cepas produzem fatores de virulência (fímbrias e toxinas) capazes de causar doenças entéricas em seus hospedeiros (NATARO e KAPER, 1998). Segundo Saldarriaga et al. (2000) as fímbrias permitem que as bactérias se liguem às vilosidades intestinais e as toxinas estimulam o enterócito a bombear líquido no lúmen, aumentando a motilidade intestinal e induzindo a diarréia secretora com perda excessiva de fluídos e eletrólitos. Na suinocultura industrial é muito utilizado o sistema de produção que separa os animais nas etapas de maternidade, creche e crescimentoterminação. As cepas de E. coli produtoras de toxinas (ETEC – Enterotoxigenic E. coli) estão 64 diretamente relacionadas ao desenvolvimento da colibacilose em suínos nas fases pré-desmame (maternidade) e pós-desmame (creche, crescimento-terminação), sendo economicamente uma das mais importantes doenças na indústria de suínos (SMITH e LINGOOD, 1971; MOON, 1978; ALEXANDER, 1994; BERBEROV et al., 2004; ZHANG et al., 2006). Na colibacilose neonatal (pré-desmame), os leitões podem adquirir os agentes patogênicos pelo contato direto com o meio ambiente e mais comumente da própria mãe através do contato de suas fezes. Reconhece-se que a maioria das porcas é portadora assintomática de cepas patogênicas de E. coli em seu intestino. A colibacilose pós-desmame pode se manifestar sob a forma da colibacilose da terceira semana e a doença do edema. A primeira ocorre em leitões com 5 - 25 dias de idade, que é um Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 período crítico e de grande susceptibilidade, pois além de deixarem a companhia materna, ocorre a substituição do leite para alimentação exclusiva de ração. A doença do edema por sua vez, caracteriza-se pela ocorrência de sinais de disfunção neurológica, mortes súbitas e desenvolvimento de edemas, afetando principalmente leitões entre 4 a 15 dias após o desmame, podendo ocorrer em alguns casos em animais de mais de 60 dias (HOLLAND, 1990; LUDKE e LUDKE, 2003). As fímbrias de adesão encontradas com maior freqüência em ETEC de origem suína são F4 (K88), F5 (K99), F6 (987P), F18 (F107) e F41 (WILSON e FRANCIS, 1986; OJENIYI et al., 1994; BERTSCHINGER e FAIRBROTHER, 1999; NAGY e FEKETE, 1999) e podem possuir genes codificadores para toxinas denominadas termo-lábeis (LT), termo-estáveis (Sta, Stb) e toxina do tipo Shiga (Stx2e) (MOON et al., 1986; POLLARD et al., 1990; DEAN-NYSTROM et al., 1997; NATARO e KAPER, 1998; BERTSCHINGER e FAIRBROTHER, 1999; NAGY e FEKETE, 1999; CHOI et al., 2001). A partir da aderência, essas bactérias colonizam a superfície celular e secretam as toxinas envolvidas no processo de diarréia. Atualmente, o diagnóstico de colibacilose é baseado em sinais clínicos e no isolamento bacteriano a partir de amostras de fezes com diarréia (BARCELLOS et al., 1980; MACÊDO et al., 2007). Nestes casos, o isolamento da E. coli em altas concentrações é utilizado como um forte indicativo de que estes estejam relacionados com ETEC, permitindo um diagnóstico diferencial das cepas comensais encontradas na microbiota intestinal. Além deste parâmetro, diversos estudos utilizam a atividade hemolítica em ágar sangue como método de triagem de E. coli patogênicas (LUDWIG e GOEBEL, 1997; BRITO et al., 1999; KUHNERT et al., 2000). A detecção dos FVs é o teste definitivo para diferenciar os isolados E. coli patogênicas das comensais, e tem contado com métodos de diagnóstico fenotípicos ou moleculares. Apesar disto, a utilização destas técnicas não é uma prática rotineira nas agroindústrias do país. O uso de tecnologias baseadas na técnica da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) para identificar genes de fatores virulência já é bem descrito e tem sido recomendado por vários autores para confirmação de isolados relacionados com ETEC (FRANKLIN et al., 1996; BOSWORTH e CASEY, 1997; KWON et al., 1999; OSEK, 2002; VIDAL et al., 2004; OLASZ et al., 2005; WEST et al., 2007; MACÊDO et al., 2007). Com base na coleta de 42 amostras provenientes de 15 propriedades localizadas nos Estados do Paraná (PR), Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS), este trabalho procurou caracterizar cepas de E. coli com fatores de virulência, isoladas de suínos com diarréia previamente diagnosticados com colibacilose. A técnica de PCR multiplex foi aplicada como teste confirmatório para detecção de ETEC, utilizando primers específicos para os genes de fímbrias e toxinas (OJENIYI et al., 1994; STACY-PHIPPS et al., 1995; BLANCO et al., 1997; OSEK et al.,1999). Também foram comparadas as relações entre a idade dos animais e presença dos genes de toxina, e a idade dos animais infectados e presença dos genes de fímbrias. MATERIAL E MÉTODOS Foram obtidos 42 isolados de campo a partir de amostras de fezes de suínos, no período de março a agosto de 2006, coletadas em granjas com Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 65 suspeitas de colibacilose de 15 propriedades localizadas na região Sul do Brasil (RS, SC e PR) incluindo 7 casos na fase de maternidade, 28 casos de creche e 7 casos na fase de terminação. Cepas de referência: As quatro amostras de referência, 2568 (Stb, StaP, F18 e Stx2e), 2569 (Stb, LT e F4), 2570 (987P e StaP) e 2571 (StaP, F5 e F41), foram gentilmente cedidas pelo laboratório de Patologia da empresa Perdigão Agroindustrial (Videira - SC) e utilizados como controles positivos para a técnica de PCR. Procedimentos Microbilógicos Isolamento bacteriano: Para a obtenção de colônias isoladas, cada amostra foi semeada em meio de cultura contendo Ágar Sangue ou MacConckey incubada a 37°C durante 24h. Colônias com características sugestivas de E. coli foram repicadas por esgotamento, e posteriormente identificadas por provas bioquímicas (OLIVEIRA, 2000). Atividade hemolítica: amostras de E. coli foram inicialmente semeadas em meio ágar sangue (enriquecida com 5% de sangue carneiro desfibrinado) a 37°C por 18h e a atividade hemolítica foi determinada visualmente. Foram consideradas positivas as amostras capazes de induzir halo de hemólise. Procedimentos Moleculares Os procedimentos moleculares foram realizados conforme as instruções do fabricante. A 66 extração do DNA foi realizado utilizando os kits para NewGene Prep e NewGene Preamp, e a amplificação de DNA utilizando o kits NewGene Amp fornecidos pela Simbios Biotecnologia, descritos resumidamente abaixo: Extração de DNA: Uma suspensão bacteriana de 100 μL foi adicionado em 400 μL da solução NewGeneprep e incubado a 60°C por 10 min. Após centrifugação (10.000 x g, 1 min.), o sobrenadante foi transferido num tubo contendo 20 μL de uma suspensão de sílica (fornecido no kit NewGene Preamp). Após agitação e centrifugação (10 000 x g, 1 min.), o pellet foi lavado 2 vezes com 150 μL solução de lavagem A (5 M tiocianato de guanidina, 0.1 M Tris-HCl [pH 6.4]), 2 vezes com solução de lavagem B (etanol 80%) e 1 vez com solução de lavagem C (etanol 96%). Após a secagem da sílica o DNA foi separado com 50 μL solução de eluição (10 mM Tris-HCl [pH 8.0], 1 mM EDTA). Detecção dos fatores de virulência: O kit NewGene Amp consiste de um PCR multiplex, onde 2 μL do DNA extraído é adicionado em 28 μL de uma mistura pronta dos reagentes de amplificação. Os genes dos 9 fatores de virulência foram amplificados em 3 reações multiplex distintas (Multiplex1, Multiplex2 e Multiplex3) no termociclador Applied Biosystems 9700, e o programa de amplificação consistiu de uma etapa de desnaturação de 3 minutos a 95°C, e 45 ciclos de 15 segundos a 95°C e 1 minuto a 60°C. Os produtos de detecção foram avaliados em gel de poliacrilamida (10%) corados com nitrato de prata (SANGUINETTI et al., 1994). A Tabela 1 apresenta os primers utilizados neste estudo para detecção dos genes que codificam as toxinas StaP, Stb, STx2e, LT e das fímbrias de adesão F4, F5, F6, F18 e F41. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Tabela 1 - Descrição do Multiplex 1, 2 e 3 quanto a composição dos fatores de virulência (FV), seqüência dos primers e tamanho dos fragmentos amplificados (amplicon). Análise Estatística A análise estatística foi feita através das relações entre (i) idade dos animais e presença dos genes de toxina, (ii) idade dos animais infectados e presença dos genes de fímbrias, e posteriormente comparadas pelo teste t de Student. RESULTADOS E DISCUSSÃO A suinocultura da região Sul do Brasil, composta pelos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pode ser considerada como a mais tecnificada da América do Sul, atingindo bons índices de produtividade (ABIPECS, 2006). Uma das principais causas de perdas econômicas na produção comercial de suínos, consiste na ocorrência de diarréia em leitões na fase de creche, causando redução no desempenho de crescimento e mortalidade (CUNHA et al., 2007). Geralmente, a infecção apresenta evolução aguda e sintomas caracterizados por diarréia severa, desidratação e algumas vezes morte (SOJKA, 1971). No presente trabalho, o procedimento molecular adotado para detecção dos FVs, mostrou ser de fácil execução e interpretação. A Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 67 Figura 1 apresenta um exemplo dos resultados laboratoriais obtidos com a amplificação do multiplex PCR-1. No gel de poliacrilamida podemos avaliar amostras como a cepa de referên- cia 2568, que apresenta as toxinas StaP, Stb e a fímbria F18, e os isolados (canaletas 3-8) com os diferentes padrões encontrados. Resultados semelhantes foram obtidos com os multiplex 2 e 3. Figura 1 - Multiplex PCR-1 avaliado em gel de eletroforese em poliacrilamida. Os produtos de amplificação referem-se aos alvos Stb (113 bp), StaP (158 bp) e F18 (313 bp). As amostras estão distribuídas da seguinte forma: canaleta 1 com marcador de peso molecular 50 bp, canaleta 2 com o controle positivo 2568, canaletas 3 – 8 isolados de campo e canaleta 9, controle negativo. São poucos os estudos brasileiros sobre a prevalência e importância de diferentes cepas patogênicas de E. coli. Freqüentemente o diagnóstico de colibacilose é realizado somente pelo isolamento bacteriano, sem nenhuma caracterização dos fatores de virulência (Baccaro et al., 1999; Baccaro et al., 2000; Calderaro et al., 2001). A análise dos 42 isolados de E. coli deste trabalho demonstrou a presença de toxinas em 15 amostras (Tabela 2), confirmando que estes estavam relacionados com ETEC. Foram encontrados isolados com 1 a 3 toxinas. Respectivamente, 3 isolados com apenas 1 toxina, 8 isolados com 2 e os 4 restantes com 3 (Tabela 3). As toxinas mais freqüentemente encontradas foram Stb (14/15) e StaP (10/15), e em menor freqüência Stx2e (4/15) e LT (3/15). 68 Na análise do perfil dos suínos deste estudo não se observou diferenças significativas entre a idade média dos animais infectados por isolados com (47,5 ± 40,1 dias) e sem toxinas (44,7 ± 38,1 dias). Na análise por etapa de produção, não foram encontradas toxinas nos 7 isolados da maternidade. Entre os isolados dos animais de terminação (7), detectou-se 2 isolados com toxinas, ambas com a toxina StaP e uma destas com Stb. A maioria dos isolados relacionados com ETEC foram encontrados na fase de creche (13/28). Calderaro et al. (2001) observaram nos dados coletados de sistemas de produção em São Paulo uma freqüência de animais positivos para ETEC semelhante a deste estudo, através da ocorrência das toxinas Sta, Stb, e LT, respectivamente em 25,7% (18/ 70), 21,5% (15/70) e 7,1% (5/70) dos isolados. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Apesar da casuística de Calderaro (2001) ser maior que a deste trabalho, ele não detectou a verotoxina Stx2e, encontrada em 4 casos aqui descritos. Recentemente Macêdo et al. (2007) também obtiveram uma freqüência semelhante em relação à produção de verotoxinas, onde 21,4% dos isolados foram positivos para Stx2e. Costa et al. (2006) e Macêdo et al. (2007) também observaram com maior prevalência os genes das toxinas Stb, presentes em 50% e 40,5% dos isolados, seguidos de Sta (35%) e StaP (33,3%) respectivamente. Resultados semelhantes para a prevalência das toxinas foram obtidos por Moon et al. (2004). Tabela 2 - Caracterização dos fatores de virulência (toxinas e fímbrias) de Escherichia coli em 42 isolados a partir de amostras de fezes com diarréia em diferentes etapas de produção de suínos. Na análise das fímbrias, não foram detectadas F6 e F41 em nenhum dos isolados deste estudo (Tabela 3). Considerando as amostras positivas para as fímbrias foram encontradas F18, F4 e F5 em 11 isolados (todos na creche), respectivamente nas proporções de 7/15 , 3/15 e 1/ 15. Em todos estes casos, foram detectados apenas uma fímbria por isolado. Costa et al. (2006) obtiveram resultados semelhantes aos deste estudo, onde os genes de fímbrias com maior prevalência foram F18, com 27,5%, seguido por F4 e F5 com 22,5%. Moon et al. (2004) também encontraram a fímbria F4 em maior freqüência, seguida pela F18. Entretanto, Macêdo et al. (2007), em estudo realizado no Estado de Minas Gerais encontraram resultados que diferem de nossos achados, onde as fímbrias F5, F18, F6, F4 e F41 apresentaram respectivamente as freqüências de 33,3%, 19,0%, 14,3%, 14,3% e 9,5% dos isolados. Nos isolados com toxinas na idade de creche (13), dois não apresentaram as fímbrias investigadas, como também os 2 isolados toxigênicos de terminação. Quando as médias das idades dos animais infectados isolados toxigênicos com fímbrias (31,2 ± 3,4 dias) foram comparadas com isolados sem fímbrias (50,8 ± 43,6 dias), estas apresentaram diferença estatisticamente significativa (P<0.018). Nestes casos as fímbrias de adesão estavam presentes em 84,6% dos isolados toxigênicos presentes nos animais da fase de creche, onde concentram-se a maior parte de nossas amotras. Esta é uma fase extremamente delicada para a suinocultura devido aos vários fatores estressantes que ocorrem simultaneamente por ocasião do desmame, principalmente relacionados com a separação dos leitões da matriz, mudança de ambiente e mudança brusca na alimentação. Conseqüentemente, alguns problemas sanitários como diarréia pósdesmame e doença do edema podem surgir, ocasionando perdas econômicas pela elevação da taxa de mortalidade e pela redução no ganho de peso dos leitões (McALLISTER et al., 1979; SANTOS et al., 2003). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 69 Tabela 3 - Caracterização do número de isolados quanto à presença de fímbrias e toxinas de E. coli. Apesar de a literatura sugerir que a presença de atividade hemolítica em cepas de E. coli é um indicativo da presença de fatores de virulência (LUDWIG & GOEBEL, 1997; BRITO et al., 1999; KUHNERT et al., 2000), os dados deste trabalho demonstram que este parâmetro não é um teste confirmatório eficiente. Todas as amostras deste estudo (42) apresentaram atividade hemolítica e foram confirmados somente 15 casos como portadoras dos FVs mais importantes. Este estudo corrobora os dados de Macêdo et al. (2007) que sugere que utilização da característica hemolítica não é satisfatória para se identificar amostras diarreicogênicas de E. coli. No presente trabalho, foi realizada uma análise retrospectiva a partir de isolados de fezes de suínos com diarréia obtidas em granjas comerciais localizadas no Sul do Brasil. Todas as amostras apresentaram um forte indicativo de estarem relacionadas com colibacilose (presença de altas concentrações de E. coli hemolíticas em fezes com diarréia), e em todos estes casos, os animais foram tratados com antibióticos. Porém, os testes moleculares realizados confirmaram somente um pequeno número de casos (15/42), indicando que parte dos lotes tratados pode não estar relacionada com ETEC. Apesar do presente 70 trabalho ter pesquisado as toxinas e fímbrias mais importantes descritas na literatura, já existem descrições de novos fatores de virulência que poderiam estar relacionados com alguns casos deste estudo (NATARO et al., 1998; OSEK et al., 1999; BRITO et al., 2003; WEST et al., 2007; WU et al., 2007; ZHANG et al., 2007). A freqüência de cepas patogênicas varia muito, dependendo da fase de produção dos animais estudados, das técnicas utilizadas, da região geográfica e da presença ou não de diarréia. Este fato demonstra a importância da execução de estudos de detecção rápida e fidedigna de fatores virulência em cepas de E. coli isoladas de suínos com diarréia, para determinar regionalmente as mais freqüentes e também poder caracterizar a sensibilidade a diferentes agentes antimicrobianos (MACÊDO et al., 2007). Este estudo demonstrou que o diagnóstico laboratorial de colibacilose, baseado exclusivamente no isolamento de E. coli a partir de amostras de fezes com diarréia, é um método pouco fidedigno, com alta incidência de resultados falso-positivos. A utilização da PCR para detecção de fatores de virulência (toxinas e fímbrias) demonstrou sua eficiência como teste complementar ao isolamento bacteriano no diagnóstico da colibacilose. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA PRODUTORA E EXPORTADORA DA CARNE SUÍNA. Relatório 2006. Disponível em: <http://www.abipecs.org.br/ relatorios ABIPECS_relatorio_2006_pt.pdf>. 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Ambos os Adesivos A e B induziram incrementos estatisticamente significantes na freqüência total de clones mutantes, principalmente no genótipo trans-heterozigoto – indicando que a toxicidade genética atribuída a ambas resinas deve-se basicamente à indução de recombinação entre cromossomos homólogos – um evento que está relacionado com a perda da heterozigose e associado à indução de câncer. Palavras-chave: Monômeros livres, SMART, genotoxicidade. 1 Acadêmica do Curso de Biologia da ULBRA. Bolsista PIBIC/ CNPq. 2 Aluno Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Genética e Toxicologia Aplicada da ULBRA. 3 Professora-Orientadora do Curso de Biologia/ULBRA e Coordenadora do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA ([email protected] ). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 75 ABSTRACT Free monomers from incomplete polymerization of dental materials tend to release and interact with living tissue, and can generate genetic damage. The SMART test was applied to investigate their action as genotoxins. Adhesive A and Adhesive B induced statistically significant increases in the frequency of total spots. These findings indicate that both adhesives are inducers of toxic-genetic events, being the mitotic recombination the main mechanism of action, which is related to the loss of heterozygosity and associated with cancer induction. Keywords: Free monomers, SMART, genotoxicity. INTRODUÇÃO Os materiais resinosos comercialmente disponíveis são encontrados na forma de resinas compostas, cimentos resinosos, adesivos dentais, e uma variedade de outros produtos, utilizados na clínica diária para a terapêutica de reabilitação oral em Odontologia. Suas matérias-primas são monômeros resinosos tais como BisGMA (Bisfenol A glicidilmetacrilato), TEGDMA (trietilenoglicoldimetacrilato),UDMA (uretanodimetacrilato)eHEMA (hidroxietilmetacrilato). Estes materiais sofrem um processo de ativação que determina o início da polimerização, podendo demorar até um mês para se esgotar completamente (WATTS, McNAUGHTON e GRANTS, 1986). Contudo, nem todo monômero originalmente presente é consumido, propiciando a formação de radicais livres de cadeias carbônicas dentro do material (AROSSI, 2004). Diversos estudos têm fornecido evidência da permanência de cerca de 5% de monômeros livres, que são capazes de reagir com outros grupos de radicais carbônicos ou até mesmo com átomos de oxigênio e hidrogênio, por afinidade eletrônica ou polaridade (FERRACANE, 1985; 76 KILDAL e RUYTER, 1993; PARK e LEE, 1996; BAGIS e RUEGGEBERG, 1997). A biocompatibilidade é outra desvantagem atribuída aos monômeros (GEURTSEN, 2000). Uma vez difundidos nos tecidos vivos, eles podem provocar diferentes tipos de interações com os mais diversos receptores e estruturas celulares. Em função das características destes materiais, o estudo do seu potencial tóxico-genético vem sendo investigado através de diferentes bioensaios, que privilegiam a detecção de eventos específicos como perda de cromossomos inteiros (aneugênese) e/ou perda de segmentos cromossômicos (clastogênese). Os monômeros BisGMA; UDMA; TEGDMA; GMA (glicidilmetacrilato); Bisfenol A; MMA (metilmetacrilato) e HEMA não aumentam as taxas de revertentes no teste de Ames, indicando que tais produtos não induzem mutações pontuais em procariotos. No entanto, TEGDMA tem efeito comprovadamente clastogênico, sendo mutagênico segundo o ensaio HPRT, enquanto que BisGMA e UDMA não apresentaram atividade significativa como indutores de mutações - ainda que seus subprodutos GMA e Bisfenol A tenham causado aumento na indução de micronúcleos em cultura de células V79 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 (SCHWEIKL, SCHMALZ e RACKEBRANDT, 1998; SCHWEIKLL, SCHMALZ e SPRUSS, 2001). Por outro lado, BisGMA, TEGDMA, UDMA, HEMA não provocaram quebras cromossômicas em linfócitos humanos saudáveis no teste do cometa - quando avaliados em doses compatíveis com valores menores do que 25% de mortalidade (KLEINSASSER et al., 2004). são primordialmente induzidas nas estruturas que darão origem às asas dos adultos com seus tricomas, que se organizam em manchas, com fenótipos característicos - que indicam a ocorrência de eventos genéticos relacionados com mutações pontuais, aberrações cromossômicas e rearranjos estruturais devidos à recombinação mitótica. Dentro deste contexto, o presente trabalho tem como objetivo geral avaliar, através do Teste para Detecção de Mutação e Recombinação Somática (SMART) em Drosophila melanogaster, os Adesivos A e B. Tem como objetivos específicos qualificar a ação mutagênica, clastogênica e/ou recombinogênica dos produtos em estudo e quantificar a contribuição da recombinação mitótica e da mutação gênica e/ou cromossômica para a genotoxicidade total dos materiais em estudo. Foram utilizadas linhagens de Drosophila melanogaster designadas como flr 3 (flr 3 / In(3LR)TM3,ri pp sep l(3)89Aa bx34e e BdS), e mwh (mwh/mwh). Para maiores esclarecimentos a respeito dos marcadores genéticos acima apresentados, ver Lindsley e Zimm (1992). Nesta abordagem experimental foi empregado o cruzamento padrão, no qual fêmeas virgens flr3 foram cruzadas com machos mwh, originando larvas portadoras de nível basal de atividade metabólica dependente de citocromo P-450. Este cruzamento originou larvas com duas constituições genotípicas, no que se refere aos genes marcadores localizados no cromossomo 3: MATERIAL E MÉTODOS Os materiais utilizados na pesquisa foram dois adesivos dentários nomeados como: (i) Adesivo A, composto por uma associação de diferentes monômeros, tais como o BisGMA, HEMA, UDMA, além de ativadores e solvente a base de álcool e água e (ii) Adesivo B, agente de união que apresenta UDMA e HEMA como monômeros constituintes e solvente a base de acetona. Os adesivos foram diluídos em água até que a quantidade do solvente, água ou álcool, atingisse uma concentração de 5%. O Teste SMART de asa baseia-se na identificação de pêlos com fenótipos mutantes que representam a expressão fenotípica da ocorrência de lesões em nível de DNA. Tais alterações · Larvas mwh +/ + flr3 - que são transheterozigotas para os marcadores recessivos mwh e flr3. · Larvas mwh +/TM3,BdS - heterozigotas para o cromossomo TM3, necessário para balancear o marcador flr3, já que este é letal em homozigose (GARCIA-BELLIDO e DAPENA, 1974). Os cruzamentos foram realizados em massa (80 fêmeas: 40 machos), durante três dias, em vidros contendo meio de cultura padrão. Após este período, os casais foram transferidos para tubos de ¼ de litro contendo meio de ovoposição, onde permaneceram por oito horas. Passado este tempo, os adultos foram descartados. Depois de Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 77 72 horas do início do período de ovoposição, foram coletadas larvas de terceiro estágio, por flotação em água corrente. Estas larvas foram, então, submetidas a tratamento crônico com diferentes diluições dos compostos. Todos os adultos que nasceram 10-12 dias após a postura dos ovos foram conservados em etanol 70%. Posteriormente, as asas dos indivíduos transheterozigotos e heterozigotos TM3 foram submetidas à montagem em lâminas de vidro, contendo 10 asas de fêmeas e 10 asas de machos, e analisadas em microscópio óptico com aumento de 400 X. Foram analisadas as asas de 30 indivíduos de cada sexo, por concentração do composto, observando-se os fenótipos dos tricomas existentes nas superfícies dorsal e ventral das asas. Os diferentes tipos de manchas são designados como simples mwh ou flr 3, quando apenas um dos marcadores se expressa, ou como manchas gêmeas, quando tanto pêlos múltiplos (mwh), como pêlos com a base alargada (flr3) estão presentes dentro de uma mesma mancha. Analisando o genótipo heterozigoto TM3, que expressa somente manchas originadas por mutações pontuais e cromossômicas, pode-se quantificar o papel da recombinação mitótica 78 enquanto mecanismo de ação genotóxica da droga. Para se fazer a avaliação genotóxica dos adesivos, as diferentes diluições foram comparadas com seus respectivos controles-negativos. A análise estatística foi realizada através do teste Binominal Condicional (Kastenbaum e Bowman) e os diagnósticos positivos foram confirmados através do teste não-paramétrico de Wilcoxon, Mann e Whitney (teste U) (FREI e WÜRGLER, 1995). RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1 é apresentado o somatório de resultados obtidos através do teste SMART de asa de Drosophila melanogaster, considerando a resposta de imagos do cruzamento padrão, portadores dos genótipos trans-heterozigotos (mwh/ flr3) e heterozigoto TM3 (mwh/TM3), após a exposição crônica aos Adesivos A e B. Foram testadas três concentrações e um controle negativo para cada droga. As soluções de solventes, utilizadas como controles negativos, foram comparadas aos grupos testes para a identificação de aumento estatisticamente significativo na freqüência de indução de manchas mutantes. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Tabela 1 - Dados referentes à indução de manchas mutantes após tratamento crônico com adesivos dentais comercialmente disponíveis — Adesivo A e Adesivo B — obtidos através do cruzamento padrão do teste SMART. a Diagnóstico estatístico segundo Frei e Würgler (1998): +, positivo; -, negativo; i, inconclusivo; m, fator de multiplicação para estabelecimento de resultado negativo significante. Nível de significância a=b=0,05. b Incluindo manchas flr 3 raras. c Apenas manchas simples mwh podem ser observadas no heterozigoto mwh/TM3 já que o cromossomo balanceador TM3 não carrega a mutação flr3. CN = controle negativo. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 79 O Adesivo A promoveu um aumento na freqüência de indução de manchas mutantes nas asas de moscas trans-heterozigotas, o que o caracteriza como genotoxina de ação direta – com diagnóstico positivo na maior concentração. Assim, para identificação do tipo de dano que o xenobiótico induz, foram analisadas moscas do genótipo heterozigoto TM3, que expressam exclusivamente mutação gênica e/ou cromossômica – não tendo sido observado aumento significativo na indução de manchas mutantes. Isso classifica o fármaco como indutor da recombinação mitótica. Já o Adesivo B apresentou resultado positivo confirmado nas três concentrações testadas quando foram avaliadas as moscas trans-heterozigotas. Na análise do genótipo heterozigoto TM3 se obteve resposta estatisticamente significante somente na maior concentração, indicando que a droga atua via aumento da recombinação mitótica e da mutação. Os produtos comerciais (adesivos dentais) foram diluídos até que seu diluente – álcool para o Adesivo A e acetona para o Adesivo B – fosse reduzido a 5% e não atuasse como genotoxina para não servir de viés na obtenção de resultados (RODRIGUES et al., 2007). Como esses produtos foram bastante diluídos, as concentrações testadas podem ser encontradas em situações clínicas, onde o adesivo mal-polimerizado pode liberar grande quantidade de monômeros livres que irão interagir com os tecidos locais, isto é, o complexo dentino-pulpar, mucosa jugal e gengival. Na Tabela 2, se evidencia a potência genotóxica dos dois adesivos por unidade de tratamento. O Adesivo B foi cerca de seis vezes (92,60) mais genotóxico que o A (16,40). Tais achados podem estar relacionados ao fato de que o Adesivo B apresenta maiores concentrações de monômeros, representados por HEMA e UDMA. Tabela 2 - Quantificação da Recombinação Mitótica e da Potência Genotóxica a. Todos os valores são corrigidos pelo controle. Freqüências no marcador heterozigoto mwh/flr3 são calculadas com e sem correção por tamanho do clone, uma vez que diferentes estimativas são obtidas para a contribuição relativa da recombinação para a indução de clones totais; b A freqüência de clones por indivíduos, dividido pelo número de celulas analisadas por indivíduo (48 800) fornece uma freqüência estimada por célula e por divisão celular em experimentos de exposição crônica; c Média geométrica calculada de acordo com Frei et al. (1992). a 80 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Independente da dose e da potência genotóxica, ambos adesivos se classificam como genotoxinas de ação direta, predominantemente indutoras de recombinação mitótica. A importância clínica dessa afirmação encontra respaldo na utilização desses materiais, que entram em contato direto com tecidos vivos. Os adesivos, que são responsáveis pela adesão da resina composta à estrutura dental durante o protocolo restaurador, são amplamente empregados diariamente por grande parte dos cirurgiões-dentistas, sendo objeto de investigação científica e desenvolvimento tecnológico dentro da Odontologia. Além da ação sobre o dente propriamente dito, monômeros provenientes dos adesivos e das resinas compostas podem exercer sua ação genotóxica sobre as mucosas orais, agindo como um auxiliar na promoção da carcinogênese. Como o câncer bucal é um problema de saúde pública e a população já está exposta a um grande número de substâncias mutagênicas (álcool, fumo, radiação solar, traumas térmicos e mecânicos, além de processos inflamatórios e proliferativos), subprodutos de restaurações estéticas encontram um campo propício ao dano biológico. Relatos na literatura mostram que os monômeros resinosos possuem diversificada ação citotóxica e genotóxica, entre elas a alteração da secreção de citocinas, do metabolismo lipídico; possuem efeito estrogênico, produzem danos à membrana celular, inibição de atividade enzimática, alteração do equilíbrio REDOX na célula, adutos em DNA e proteínas (reação de adição de Michael), necrose e apoptose celular, formação de micronúcleos, mutação gênica e mutação cromossômica (SCHWEIKL, SPAGNUOLO, SCHMALZ, 2006). Os resultados desta pesquisa apontam para a recombinação mitótica como mais um mecanismo de ação genotóxica dos monômeros resinosos de uso odontológico, evidenciado nos adesivos. Como a recombinação mitótica é uma importante via de reação genética, envolvida na promoção e evolução do câncer, conhecer substâncias que estimulam esse fenômeno é importante para a utilização segura de materiais em Odontologia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ambos adesivos estão relacionados com indução de eventos tóxico-genéticos no genótipo trans-heterozigoto. O Adesivo A induz lesões no DNA celular associadas exclusivamente à recombinação entre cromossomos homólogos, enquanto que o Adesivo B provoca aproximadamente 14% de danos relacionados à mutação (gênica e cromossômica) e 86% devido à recombinação mitótica. REFERÊNCIAS AROSSI, G. A. Avaliação de microdureza superficial de resinas compostas submetidas a diferentes métodos de polimerização complementar. 2005. 95 f. Dissertação (Mestrado em Odontologia) – Faculdade de Odontologia, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2005 BAGIS, Y.H.; RUEGGEBERG, F.A. Mass loss in urethane/TEGDMA and BisGMA/ TEGDMA based resin composites during post cure heating. Dental Materials, v.13, p.377380, nov. 1997. FERRACANE, J.L. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Ciências da Saúde Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 83 84 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Análise comparativa entre o ENDO PTC original e leve como substâncias auxiliares no preparo de canais radiculares pelo método manual e mecanizado KETHERINE PICININ POLIDORO1 ELIAS PANDONOR MOTCY DE OLIVEIRA2 TIAGO ANDRÉ FONTOURA DE MELO3 GRAZIELE BORIN3 RESUMO Este trabalho avaliou, em Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), as condições de limpeza das paredes dentinárias de canais radiculares de sessenta pré-molares inferiores humanos preparados pelas técnicas manual e mecanizada empregando-se como substâncias químicas auxiliares o Endo PTC original e o leve, a solução de hipoclorito de sódio e o EDTA. As eletromicrografias foram analisadas por três examinadores sendo atribuídos escores conforme o grau de desobstrução dos túbulos dentinários. Através dos resultados obtidos e das análises estatísticas de Kruskal-Wallis e de Wilcoxon realizadas, constatouse que não houve diferença estatística quanto à desobstrução dos túbulos em relação ao método de instrumentação empregado e as substâncias químicas auxiliares utilizadas. Porem houve diferença quanto aos terços radiculares analisados. Palavras-chave: Preparo de canal radicular; irrigantes do canal radicular; microscopia eletrônica de varredura. 1 2 Acadêmica do Curso de Odontologia/ULBRA, Bolsista de Iniciação Científica PROICT/ULBRA. Professor/Orientador do Curso de Odontologia da ULBRA e do PPG Odontologia/ULBRA ([email protected]) 3 Mestre em Endodontia pela Universidade Luterana do Brasil Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 85 ABSTRACT This work evaluated, through Microscopy Electron Scanning (MEV), the conditions of cleanness of the dentinal walls of root canals of sixty inferiors premolars human prepared by the techniques manual and mechanized. It was using, as auxiliary chemical substances, the original and the light Endo PTC, the sodium hypochlorite solution and the EDTA. The eletromicrografias had been analyzed by three examiners, attributed marks in agreement the degree of removel of hindrance of the dentinal tubules. Through the gotten results and the Kruskal-Wallis and Wilcoxon statistical analysed, of the analysis carried through statistics, it was evidenced that it did not have difference statistics about the removel of the tubules. But, it had difference about the third root analysed. Keywords: Root canal preparation; root canal irrigants; microscopy electron scanning. INTRODUÇÃO A utilização dos instrumentos endodônticos durante a realização do preparo do canal radicular, buscando a limpeza e a modelagem do mesmo, apresenta como fator adverso à formação de uma camada residual, denominada de magma dentinário (McCOMB e SMITH, 1975; HOLANDA PINTO, BRAMANTE e BERBERT, 1991). Essa camada quando aderida à parede dentinária serve como subsídio para a colonização de microorganismos e como depósito de seus produtos, interferindo assim na ação da medicação intracanal e do material endodôntico obturador (MALLMANN, FELIPPE e SOARES, 1996). O uso de substâncias químicas auxiliares, durante a realização do preparo químicomecânico, tem a função de facilitar a remoção do magma dentinário além de lubrificar e desinfectar o sistema de canais radiculares. Várias substâncias estão sendo usadas e descobertas buscando no afã reunir todas as propriedades desejáveis em uma única solução, como é o caso do creme de Endo PTC. 86 O creme de Endo PTC surgiu em 1973, quando Paiva e Antoniazzi propuseram uma modificação na fórmula proposta por Stewart, Kapsimalis e Rappaport (1969) na qual houve a substituição do EDTA da formula original do RC-Prep por um detergente sintético, o Tween 80 (Polissorbato 80), com o objetivo de potencializar o aumento da permeabilidade dentinária. Esses autores também sugeriram que no lugar da solução de hipoclorito de sódio a 5,25% houvesse a neutralização do peróxido de uréia com o uso da solução de hipoclorito de sódio a 0,5% tendo como veículo o carbowax surgindo assim o creme de Endo PTC. Cada componente do creme de Endo PTC possui uma função: o veículo, carbowax, serve como transporte das substâncias e torna viável a associação delas; o Tween 80 é um detergente que atua diminuindo a tensão superficial facilitando assim a penetração das substâncias nos túbulos dentinários e também funciona como umectante e emulsionante, absorvendo a gordura e mantendo-a em suspensão, fazendo com que sua retirada seja facilitada; já o peróxido de uréia é um agente antimicrobiano, e que Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 quando reage com a solução de hipoclorito de sódio, libera oxigênio livre e cloro ativo, que são altamente eficazes no combate a microorganismos (AMORIN e LAGE-MARQUES, 2001; PAIVA e ANTONIAZZI, 1988). A partir da idealização do creme de Endo PTC, vários autores iniciaram diversos estudos analisando as suas propriedades. Em 1989, Prokopowitsch, Moura e Muench realizaram um estudo que avaliou, in vitro, a permeabilidade dentinária radicular no terço apical através da utilização de inúmeras substâncias químicas auxiliares. Como resultado, os autores verificaram que o creme de Endo PTC associado à solução de hipoclorito de sódio a 1% e ao Tergentol/Furacin, frente às outras substâncias químicas auxiliares utilizadas, foi o que melhor promoveu um aumento da permeabilidade dentinária no terço apical. Ferreira, Carvalho e Lage-Marques (2005) compararam a utilização do Endo PTC na forma gel, tendo como veículo o carbopol, com o Endo PTC creme no preparo químico-mecânico de canais radiculares. Concluíram que mesmo não tendo ocorrido diferença estatística significativa entre o Endo PTC gel e na forma de creme, o gel proporcionou alto índice de infiltração do corante indicador. Também em 2005, Carvalho, Habitante e Lage-Marques analisaram a alteração da permeabilidade dentinária promovida pelo uso da substância química auxiliar Endo PTC empregando diferentes veículos na sua composição. Verificaram que não houve diferença estatística significativa quanto ao veículo do Endo PTC e que o mesmo é uma substância química auxiliar que pode ser empregada na limpeza do sis- tema de canais radiculares, pois promoveu um grande aumento na permeabilidade dentinária representado pela infiltração do corante indicador. O Endo PTC existe no mercado na forma de creme e mais recentemente na forma de gel. Atualmente foi lançado o Endo PTC leve que apresenta a mesma composição do Endo PTC já existente (Peróxido de Uréia, Polissorbato 80 e carbowax). A única diferença entre o Endo PTC original e o leve está no peso molecular do carbowax utilizado como veículo. O carbowax utilizado no Endo PTC leve tem um peso molecular bem menor que o usado no Endo PTC original, o que torna a sua consistência mais fluída. Este estudo teve como objetivo avaliar em microscopia eletrônica de varredura (MEV), a eficiência da limpeza das paredes dentinárias de canais radiculares preparados por meio dos métodos de instrumentação manual e mecanizada de rotação alternada, tendo como substâncias químicas auxiliares o creme de Endo PTC original e o leve, ambos neutralizados pela solução de hipoclorito de sódio a 1% e toalete final com EDTA trissódico a 17%. MATERIAL E MÉTODOS Para o presente estudo foram utilizados 60 dentes pré-molares inferiores. Os mesmos foram distribuídos de forma randomizada em 06 grupos de acordo com a técnica de instrumentação e com as substâncias químicas auxiliares utilizadas durante o preparo químico-mecânico (Quadro 1). Os grupos 01 e 04 foram considerados como grupos controle. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 87 Quadro 1 - Quadro demonstrativo dos grupos experimentais. A coroa dos dentes foi removida na altura do limite amelocementário e o comprimento das raízes foi padronizado entre 15 mm a 16 mm. Após determinado o comprimento de trabalho, as raízes foram fixadas em uma morsa envoltas por uma gaze a fim de facilitar a realização da instrumentação. O preparo dos canais radiculares foi realizado por um único operador. Inicialmente, realizou-se o preparo do terço cervical em todos os canais radiculares com uma broca Gates-Glidden no. 01 (Dentsply/Maillefer) a uma profundidade de 3 mm e com a broca GatesGlidden no. 02 a uma profundidade de 2 mm. Para o preparo dos canais radiculares utilizaram-se os instrumentos endodônticos Flexo-File da 1ª série (Dentsply/Maillefer) e a técnica de preparo utilizada para todos os grupos foi a 88 escalonada de recuo progressivo programado (WALTON, 1976). O número limite de usos de cada instrumento endodôntico foi padronizado em cinco canais radiculares (PESCE, 1984). Sendo empregado como memória o instrumento endodôntico nº. 30, recuando-se 1 mm do comprimento de trabalho para o instrumento nº. 35 e 2 mm para o nº. 40. Para a técnica oscilatória, utilizou-se o contra ângulo NSK (TEP 10R) com redução da velocidade de 16:1, sendo empregado os instrumentos Flexo-File com a mesma seqüência de instrumentação realizada nos seis grupos. Foi utilizado o creme de Endo PTC, original e leve, de um mesmo fabricante (Fórmula & Ação, São Paulo – Brasil) (Quadro 2). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Quadro 2 - Quadro comparativo entre o Endo PTC original e leve. Tanto o Endo PTC original como o leve foi levado para o interior do canal radicular por meio dos instrumentos endodônticos durante todo o preparo químico-mecânico, sendo neutralizado por 1 ml de solução de hipoclorito de sódio a 1% (Iodontec) a cada troca de instrumento. Após a finalização do preparo, foi levado ao interior do canal radicular o EDTA trissódico a 17% (Iodontec), o qual permaneceu no seu interior por um período de 3 minutos. A seguir, foi realizada a irrigação final com 2 ml de solução de hipoclorito de sódio a 1%. O canal radicular foi seco com pontas de papel absorvente (Tanari) e em seguida a raiz foi clivada, sendo utilizada a melhor hemissecção (Figura 1) para análise em MEV. Figura 1 – Hemissecção radicular após a clivagem. As imagens eletromicrográficas foram obtidas em duas zonas, sendo uma no terço apical e a outra no terço médio, com um aumento de 1000 vezes. Posteriormente, todas as imagens foram avaliadas por três examinadores com experiência em MEV que foram treinados e calibrados de acordo com o seguinte critério analisado: desobstrução dos túbulos dentinários (Tabela 1). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 89 Tabela 1 - Escores relativos ao critério de desobstrução dos túbulos dentinários. Figura 2 – Imagem de eletromicrografia referente ao escore 1. Figura 3 – Imagem de eletromicrografia referente ao escore 2. 90 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 4 – Imagem de eletromicrografia referente ao escore 3. Com relação à calibragem dos examinadores foi utilizado o cálculo do Kappa em que se observou, de acordo resultados obtidos, uma concordância significativa entre os mesmos. Logo após os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística utilizando-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis e de Wilcoxon. RESULTADOS Os resultados da desobstrução dos túbulos dentinários no terço médio do canal radicular estão mostrados na Figura 5. Figura 5 – Grau de desobstrução dos túbulos dentinários no terço médio do canal radicular. Por meio dos resultados obtidos no teste nãoparamétrico de Kruskal-Wallis verifica-se que não existe diferença significativa entre os grupos. (Estatística do teste = 6,41; p = 0,27). Já os resultados da desobstrução dos túbulos dentinários no terço apical do canal radicular estão mostrados na Figura 6. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 91 Figura 6 - Grau de desobstrução dos túbulos dentinários no terço apical do canal radicular. Também nos resultados do teste não paramétrico de Kruskal-Wallis verifica-se que não existe diferença significativa entre os grupos. (Estatística do teste = 6,17; p = 0,29). Com relação à análise comparativa entre os ter- ços analisados, terço médio e apical, de acordo com o teste não-paramétrico de Wilcoxon, se verificou que existe diferença significativa entre os mesmos (Figura 7). Observa-se escores superiores no terço Apical. (Z = -4,09; p < 0,01). Figura 7 – Comparativo do grau de desobstrução dos túbulos dentinários entre o terço médio e apical do canal radicular. Já com relação à análise comparativa entre os dois métodos de instrumentação, manual e alternada, por meio do teste não-paramétrico de Wilcoxon, 92 se verificou que não houve diferença significativa entre os mesmos tanto ao nível de terço médio (Figura 8) como de terço apical (Figura 9). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 8 – Comparativo do grau de desobstrução dos túbulos dentinários entre os dois métodos de instrumentação correspondente ao terço médio. Figura 9 – Comparativo do grau de desobstrução dos túbulos dentinários entre os dois métodos de instrumentação correspondente ao terço apical. DISCUSSÃO A limpeza dos canais radiculares é um aspecto altamente significante no tratamento endodôntico e a sua importância tem sido enfatizada por diversos pesquisadores (GOLDMAN et al., 1982; GROSSMAN e NEYMAN, 1941; McCOMB et al., 1976; BERBERT, BRAMANTE e BERNARDINELI, 1980). Por isso atualmente, têm-se buscado um conjunto de métodos associando diferentes instrumentos endodônticos, técnicas de instrumentação com diferentes substâncias químicas auxiliares que possam proporcionar canais radiculares adequadamente limpos, independente da sua morfologia. Em nosso estudo tivemos como intuito avaliar a efetividade do creme de Endo PTC leve recentemente lançado no mercado, comparado com o creme de Endo PTC original, que vem sendo utilizado há muito tempo como substância química auxiliar no preparo de canais radiculares. Com relação aos resultados obtidos no presente estudo, no qual não se verificou diferença estatística significativa entre as substâncias quí- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 93 micas auxiliares utilizadas nos diferentes grupos quanto ao critério de desobstrução dos túbulos dentinários, pode-se justificar isso devido à utilização como irrigante final, em todos os grupos, da solução de EDTA trissódico a 17%. Segundo alguns autores (McCOMB e SMITH, 1975; MERYON e BROOK, 1990), o EDTA trissódico a 17% é um quelante que promove a remoção do magma dentinário, o que resulta em paredes dentinárias mais limpas e os túbulos dentinários evidentes. Embora o creme de Endo PTC não tenha apresentado diferença significativa em relação à substância química auxiliar utilizada nos grupos controles, alguns autores respaldam a sua utilização na terapêutica endodôntica (AMORIN e LAGE-MARQUES, 2001; PROKOPOWITSCH, MOURA e MUENCH, 1989; HOLLAND et al., 1990), pois segundo eles o Endo PTC é a substância que promove maior aumento na permeabilidade dentinária. Em relação ao tipo de creme de Endo PTC, original e leve, que também não apresentaram diferença estatística entre si, pode-se verificar que o creme de Endo PTC leve apresenta uma maior facilidade e uma melhor condição de trabalho provavelmente devido a sua maior fluidez e um melhor escoamento no interior do canal radicular. Já com relação à diferença estatística significativa que houve entre os terços analisados, terço médio e terço apical, quanto a desobstrução dos túbulos dentinários, acreditase que seja devido a diferença de permeabilidade dentinária e a dificuldade de se promover uma correta limpeza em regiões mais apicais. Alguns trabalhos (MARSHALL, MASSLER e DUTE, 1960; HAMPSON e ATKINSON, 94 1964; COHEN et al., 1970; MOURA, ROBAZZA e PAIVA, 1978; ROBAZZA, PAIVA e ANTONIAZZI, 1981; MOURA, 1985) exibem resultados praticamente idênticos, no que tange à permeabilidade dentinária do terço apical em relação ao terço médio, enfatizando que a região apical é a menos permeável quando comparada aos terços cervical e médio. Com relação aos dois métodos de instrumentação utilizados, não houve diferença estatística significativa quanto à influência na limpeza das paredes dos canais radiculares preparados. Resultado esse semelhante ao obtido por Favieri, Gahyva e Siqueira Junior (2000) que embora não tenha ocorrido diferença entre os métodos, a técnica rotatória apresentou uma limpeza significantemente menor do que as outras técnicas testadas no seu estudo. CONCLUSÕES Analisando os resultados obtidos e relacionando-os à desobstrução dos túbulos dentinários, pode-se verificar que não houve diferença significativa entre as substâncias químicas auxiliares utilizadas e quanto ao método de instrumentação utilizado no preparo dos canais radiculares. Houve somente alterações com relação aos terços, o terço médio apresentou resultados superiores em relação ao terço apical do canal radicular. REFERÊNCIAS AMORIN, C.V.G.; LAGE-MARQUES, J.L.S. Avaliação comparativa da permeabilidade dentinária após o preparo do canal variando Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 as substâncias químicas. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PESQUISA ODONTOLÓGICA, 18., 2001, Águas de Lindóia. Anais... São Paulo: SBPqO, 2001. p. 75. Resumo A039. BERBERT, A.; BRAMANTE, C.M.; BERNARDINELI, N. Irrigações em endodontia. In: BERBERT, A. et al. Endodontia prática. 1.ed. São Paulo: Sarvier, 1980. p. 47-69. CARVALHO, G.L.; HABITANTE, S.M.; LAGE-MARQUES, J.L.S. Análise da alteração da permeabilidade dentinária promovida pela substância Endo PTC empregando diferentes veículos. Ciência Odontológica Brasileira, v. 8, n. 4, p. 23-28, out./dez. 2005. COHEN, S. et al. The effects of acids. Alkalies, and chelating agents on dentine permeability. Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology, v. 29, n. 4, p. 631-634, apr. 1970. FAVIERI, A.; GAHYVA, S.M.; SIQUEIRA JR, J.F. Extrusão de detritos durante instrumentação com instrumentos manuais e acionados a motor. Jornal Brasileiro de Endo/Perio, v. 2, p. 60-64, jul./ago. 2000. FERREIRA, M.B.; CARVALHO, E.M.O.F; LAGE-MARQUES, J.L.S. 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Inicialmente foram visitadas as casas do bairro, visando identificar em quais residiam idosos, entrevistando-os. A seguir foi realizada a meatoscopia, a medida do nível de ruído ambiente e a audiometria. Dos 72 idosos encontrados, 51 (70,83%) realizaram a avaliação, sendo 36 (70,59%) mulheres (69,41±7,06 anos) e 15 (29,41%) homens (70,47±7,05 anos). Constatou-se que a maior parte (64,7%) apresentou deficiência auditiva de grau leve (29,41%), moderado (19,61%), severo (7,84%) ou profundo (7,84%). Palavras-chave: presbiacusia, deficiência auditiva, idosos, gerontologia, envelhecimento. 1 Acadêmica do Curso de Fonoaudiologia/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA 4 Professora-Orientadora do Curso de Fonoaudiologia/ ULBRA ([email protected]) 2 Acadêmica do Curso de Educação Física da ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA 5 Professores do Curso de Educação Física/ULBRA 6 Professora do Curso de Enfermagem/ULBRA 3 Acadêmico do Curso de Educação Física/ULBRA Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 97 ABSTRACT This study aimed at assessing the hearing capacity of elders living in São Luís neighborhood, in Canoas, Rio Grande do Sul. Firstly, houses in that neighborhood were visited in order to identify the ones with older people; then an interview was conducted with the identified elders. Next, a meatoscopy was performed to measure the level of environmental noise, together with audiometry. Out of the 72 elders identified, 51 (70.83%) were assessed, with 36 (70.59%) women (69.41±7.06 years), and 15 (29.41%) men (70.47±7.05 years). It was noticed that most of them (64.7%) showed a slight hearing impairment (29.41%), a moderate hearing impairment (19.61%), a severe hearing impairment (7.84%) or a deep hearing impairment (7.84%). Keywords: presbycusis, hearing impairment, elder, gerontology, aging. INTRODUÇÃO O aumento no número de idosos é um fenômeno que ocorre mundialmente, sendo que no Brasil isto ocorre de forma rápida e radical. Projeções indicam que em 2020 o país ocupará o sexto lugar em número de pessoas com mais de 60 anos (VERAS, 2007). Este fato pode ser explicado pelo declínio acentuado nas taxas de fecundidade, principalmente a partir da metade da década de 60, e do declínio da mortalidade (WONG e CARVALHO, 2006). Sabe-se que o envelhecimento pode provocar uma série de transformações nos diferentes sistemas do corpo humano. No que se refere ao sentido da audição, a deficiência auditiva decorrente do aumento da idade é chamada de presbiacusia. (KASSE e CRUZ, 2006). Caracteriza-se por ser de tipo neurossensorial e bilateral, com piora dos limiares audiométricos nas freqüências agudas (GARDNER e SLENKOVICH, 2006). Apesar de manifestar-se clinicamente a partir dos 50 anos, sabe-se que o início da presbiacusia ocorre por volta dos 30 anos, atingindo mais precocemente e de forma mais intensa os indivíduos do sexo masculino (HAYFLICK, 1997). 98 Baraldi, Almeida e Borges (2005) citam o Comitee on Hearing, Bioacoustics and Biomechanics para destacar que, além da idade, a presbiacusia é resultante da “soma de prejuízos auditivos causados por exposição a ruído, agentes ototóxicos e prejuízos causados por desordens e tratamentos médicos”. Para Bilton, Viude e Sanchez (2006), além dos fatores citados, ainda devem ser incluídas as alterações metabólicas e circulatórias, as infecções, os traumatismos e a hereditariedade. Por ser uma alteração com alta prevalência, a deficiência auditiva em idosos pode ser considerada um problema de saúde pública, apesar de não estar na lista dos problemas investigados por médicos neste grupo etário (VALETEROSALINO e ROZENFELD, 2005). Vários estudos nacionais e internacionais foram realizados para tentar estabelecer o número de idosos afetados, sendo que os valores encontrados foram muito variáveis. Pesquisas nacionais destacam prevalências de 39,4% (MATTOS e VERAS, 2007), 32,2% (BARALDI, ALMEIDA e BORGES, 2007), 63% Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 (BILTON et al, 1997), 81,2% (BÉRIA et al, 2007) e 89,23% (AMARAL e SENA, 2004). Nos estudos internacionais foram encontrados valores de 16,9% a 83% (BESS, 2000; FERRÉ REY, MORELLÓCASTRO e BARBERÁ CURTO, 2002; HEINE e BROWNING, 2002; GORDON-SALANT, 2005). Apesar dos autores citados concordarem que os idosos apresentam deficiência auditiva neurossensorial, e que os indivíduos do gênero masculino são mais afetados, também foram encontradas discordâncias no que se refere ao grau de deficiência auditiva, que pode ser leve, leve a moderado ou moderado (AMARAL e SENA, 2004; MATTOS e VERAS, 2007; BARALDI, ALMEIDA e BORGES, 2007,). Estas divergências podem ser explicadas pela variabilidade de indivíduos avaliados, que, além de diferentes geneticamente, provavelmente foram expostos a uma série de fatores que afetaram em maior ou menor grau a sua capacidade auditiva. Além disso, são várias as classificações de deficiência auditiva, no que se refere ao grau, sendo que, nos estudos citados, não foi utilizada a mesma forma de cálculo. Considerando-se que a deficiência auditiva afeta um número significante de idosos e a carência de estudos de base populacional sobre o tema, optou-se por realizar esta pesquisa que tem como objetivo verificar a prevalência de deficiência auditiva em um grupo de idosos residentes no bairro São Luís, em Canoas, RS. MATERIAL E MÉTODOS Esta pesquisa é transversal e interdisciplinar, com profissionais e alunos dos cursos de Fonoaudiologia, Educação Física e Enfermagem. O grupo foi formado a partir do interesse na área do envelhecimento humano. Inicialmente foram realizadas reuniões para a organização do projeto de pesquisa, sendo estabelecidos os objetivos do mesmo. A partir desta etapa, cada um dos professores foi responsável pela seleção de instrumentos de avaliação em sua área específica, tendo o cuidado de eleger aqueles que pudessem ser aplicados nas residências dos idosos. Após várias reuniões, foi criado um instrumento final, que incluía avaliações auditivas, de sono, dor, qualidade de vida, equilíbrio e força. A seguir foi feito o treinamento do grupo, para a possibilidade de aplicação do instrumento pelos alunos e profissionais das diversas áreas, com exceção da audiometria, que foi realizada somente pelos envolvidos no curso de Fonoaudiologia. O projeto foi aprovado no comitê de ética em pesquisa da ULBRA (protocolo 2006/035h). Este estudo foi realizado no bairro São Luís, na cidade de Canoas, RS. A escolha do mesmo foi feita por conveniência, em função da proximidade com a Universidade e a possibilidade de deslocamento dos idosos até à mesma, caso fossem encaminhados para outras avaliações. O bairro São Luís situa-se em Canoas (RS), às margens da BR 116 e tem uma população aproximada de 4500 habitantes. No início do estudo, foi realizada a definição dos limites geográficos do bairro e número de ruas existentes. A seguir, foram realizadas visitas aos domicílios, buscando identificar em quais residiam idosos e convidando os mesmos para participação voluntária na pesquisa. Os que aceitaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram submetidos às avaliações. Devido ao número de avaliações a serem realizadas, em muitos casos foi necessária uma se- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 99 gunda visita ao domicílio, para finalização da aplicação dos protocolos. 0-25 decibel nível de audição (dBNA) - limiares auditivos normais; A amostra foi constituída, inicialmente, por 72 idosos. Foi considerado idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos (NETTO, 2006). 26 – 40 dBNA – deficiência auditiva leve Do número inicial de idosos participantes, 21 foram excluídos por não concordarem em realizar o procedimento ou não serem encontrados em suas residências no momento em que a avaliação auditiva foi realizada, mesmo após a tentativa de agendamento de horário e data por telefone. Assim, a amostra foi composta por 51 indivíduos de ambos os sexos. A primeira fase da pesquisa de limiares auditivos consistiu na medida do ruído ambiental dos vários cômodos do domicílio (decibelímetro MSL-1351C – MINIPA), identificando o que tivesse o menor nível de ruído, que foi selecionado para a realização da pesquisa. Após, os idosos passavam por meatoscopia (otoscópio Welch Allyn) e eram orientados sobre o procedimento. A pesquisa de limiares auditivos para tom puro foi realizadas utilizando-se um audiômetro portátil modelo AS-208 (Marca Interacoustics), utilizando-se o método descendente e tom puro modulado (warble). Os idosos foram posicionados de costas para o examinador e orientados a levantar a mão do lado correspondente ao que estivessem escutando o som. O exame iniciou sempre pela orelha em que o indivíduo referia escutar melhor. Caso não percebesse diferença, o exame foi iniciado pelo lado direito. Para o cálculo do grau de deficiência auditiva, foi utilizada a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1997), ou seja, considerou-se a média das freqüências de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz e 4000Hz: 100 41 – 60 dBNA – deficiência auditiva moderada 61 – 80 dBNA – deficiência auditiva severa + 80 dBNA – deficiência auditiva profunda Destaca-se que para a análise dos dados foram considerados somente os resultados da melhor orelha (OMS, 1997) e que o nível de ruído ambiental das residências não ultrapassou os 50dB(A). RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram avaliados 51 sujeitos, sendo 36 (70,59%) do gênero feminino (média de idade de 69,41 ± 7,06 anos) e 15 (29,41%) do gênero masculino (média de idade 70,47 ± 7,05 anos). A presença de um número maior de idosas reflete um fenômeno nacional, a feminização do envelhecimento. Isto ocorre porque as mulheres têm uma expectativa de vida e uma longevidade maior do que os homens (CAMARANO, 2006). Este dado é extremamente importante, pois uma maior longevidade significa que as mulheres estão mais propensas ao desenvolvimento de doenças crônicodegenerativas. No estágio de desenvolvimento atual do país, não a maior longevidade não significa envelhecer com qualidade, especialmente no que se refere à saúde. Sabe-se que as iniciativas de prevenção e promoção de saúde são relativamente novas no Brasil e dificilmente Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 atingem ou atingiram os idosos. Com isto, têmse uma população maior de idosas, que provavelmente sofrem com uma série de patologias. A avaliação auditiva dos idosos revelou que a maior parte apresentava deficiência auditiva (Tabela 1). Tabela 1 – Prevalência de deficiência auditiva em idosos residentes no bairro São Luís, Canoas, RS Os valores obtidos são semelhantes aos encontrados por Bilton et al (1997), que observou a presença de deficiência auditiva em 63% dos idosos por eles avaliados. O valor obtido neste estudo, porém, foi superior ao observado por Baraldi, Almeida e Borges (2007) e Ferre Rey, Morelló-Castro e Barberá Curto (2002) e inferior aos constatados por Amaral e Sena (2004) e Béria et al (2007). Tal como foi destacado anteriormente, nos estudos pesquisados, a metodologia de análise de dados foi variada, sendo que somente nos estudos de Béria et al (2007) e Mattos e Veras (2007) foi utilizada a classificação da OMS para a constatação da presença de deficiência auditiva. Este fato certamente influenciou nos valores obtidos por todos os autores pesquisados. Um dado a ser salientado é a defasagem de valores de indivíduos afetados pela deficiência auditiva descrita na Política Nacional de Saúde do Portador de Deficiência (30%), inferior ao obtido em todos os estudos nacionais sobre o tema. Tabela 2 – Graus de perda auditiva dos idosos No que se refere ao grau de deficiência auditiva nos idosos avaliados, constatou-se que a maior parte apresentou deficiência auditiva de grau leve (29,4%), seguido pela deficiência auditiva de grau moderado (19,6%)(Tabela 2). Este dado é concordante com o observado por Mattos e Veras (2007) e Baraldi, Almeida e Borges (2007). A presença de deficiência leve faz com que o idoso muitas vezes não procure ou não seja encaminhado para atendimento especializado, por não ter uma queixa específica sobre os distúrbios auditivos. Sabe-se, porém, que este grau de deficiência auditiva, associado à uma perda auditiva maior nas freqüências altas (agudas) faz com que Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 101 a compreensão de fala seja prejudicada, interferindo negativamente nos relacionamentos dos idosos, fazendo com que os mesmos afastem-se do convívio familiar e social, iniciando um processo de isolamento que pode agravar ou originar quadros depressivos (Teixeira et al, 2007). Tabela 3 – Presença e grau de deficiência auditiva nos idosos do gênero feminino Tabela 4 – Presença e grau de deficiência auditiva nos idosos do gênero masculino No que se refere à influência da variável gênero (Tabelas 3 e 4), observou-se que, conforme descrito na literatura nacional e internacional, os indivíduos do gênero masculino são mais afetados pela alteração e têm um grau maior de deficiência auditiva. Este achado confirma os resultados obtidos por Baraldi, Almeida e Borges (2007) e são diferentes dos observados por Mattos e Veras (2007), que observaram, nos dois grupos, a maior prevalência de deficiência auditiva de grau leve. Tal como foi descrito anteriormente, a presbiacusia é causada pelo envelhecimento do sistema auditivo, mas este sistema também sofre as conseqüências das mais diversas agressões que ocorrem ao longo da vida (ruído, doenças, medicamentos, álcool, fumo, entre outros). Considerando-se o estilo de vida da maior parte dos idosos, em que as mulheres exerciam funções 102 mais ligadas à vida doméstica e que os homens muitas vezes eram expostos a uma série de outros fatores agressores (MATTOS e VERAS, 2007), acredita-se que este fator seja determinante para a maior prevalência e maior grau de deficiência auditiva nos indivíduos do sexo masculino. CONCLUSÃO A realização do estudo permitiu verificar que a maior parte dos idosos avaliados apresentaram deficiência auditiva, de grau leve ou moderado. Constatou-se, ainda, que os homens foram mais afetados do que as mulheres, tanto no que se refere à presença de deficiência auditiva quanto no grau da alteração pesquisada. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Luterana do Brasil e a todos os idosos que participaram do estudo. REFERÊNCIAS AMARAL, L.C.G. ; SENA, A.P.R.C. Perfil audiológico dos pacientes de terceira idade atendidos no Núcleo de Atenção Médica Integrada da Universidade de Fortaleza. Fono Atual, v.27, n.7, p.58-64, 2004. BARALDI, G.S.; ALMEIDA, L.C.; BORGES, A.C.C. Evolução da perda auditiva no decorrer do envelhecimento. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v.73, n.1, p.64-70, 2007. BARALDI, G.S.; ALMEIDA, L.C.; BORGES, A.C.C. 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Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem quantitativa realizado com setenta (70) usuários atendidos na rede básica de saúde após receberem atendimento por um profissional de saúde. Utilizou-se um instrumento com perguntas abertas e fechadas, obedecendo aos aspectos éticos. Foi possível conhecer como o usuário define o Programa de Saúde da Família (PSF) e qual o impacto do mesmo na sua saúde ou de sua família. Palavras-chave: Atenção Básica, usuários, avaliação, PSF. Acadêmico do Curso de Enfermagem/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA. 1 2 ULBRA ([email protected]) 3 Professora do Curso de Enfermagem/ULBRA. Professora/Orientadora do Curso de Enfermagem/ Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 105 ABSTRACT This article aims to hear the views of users of the Basic Care on the Family Health Program (PSF) and compare the views of users served by teams of PSF with attendances by traditional system (Basic Health Units - UBS) . This is an exploratory study-with descriptive quantitative approach conducted with seventy (70) users attended the network after receiving basic health care by a health professional. It was used an instrument with questions open and closed, according to the ethical aspects. It was possible to know how the user defines the Family Health Program (PSF) and what the impact of that on their health or their family. Keywords: Basic Care, users, evaluation, PSF. INTRODUÇÃO A avaliação da qualidade de atenção à saúde sob a perspectiva da satisfação dos usuários vem ganhando destaque nos últimos anos no Brasil por meio do fortalecimento da participação da comunidade nos processos de planejamento e avaliação (ESPIRIDIÃO e TRAD, 2005). Avaliação dos serviços de saúde pode produzir informações pertinentes para a melhoria dos serviços prestados bem como acerca da cobertura, acesso, equidade, qualidade técnica, efetividade, eficiência e percepção dos usuários a seu respeito (HARTZ e SILVA, 2005). Usuários, representantes da população, profissionais de saúde e gestores dos serviços têm uma percepção diferente em relação aos serviços de saúde, dão prioridade a aspectos diferentes quando avaliam a qualidade das ações em saúde, como nos traz Serapioni (1999). A qualidade do serviço de saúde deve ser analisada por todos os atores sociais envolvidos, pois de nada adianta ter um serviço organizado que agrade a equipe de saúde e os gestores, se não leva em consideração as características da população onde está inserida, por isso a participação de todos se faz necessário. 106 Com a descentralização das ações e serviços de saúde o usuário passa a ser co-responsável, isto é, ganhou poder de decisão no Conselho de Saúde. Nesse espaço pode participar na decisão dos investimentos no setor saúde bem como colaborar na transformação das práticas sanitárias, tornando os serviços mais eficientes e eficazes, pois leva em consideração a realidade da população do território abrangido, ou seja, se conhece quem nele reside e aquilo que necessitam. A descentralização é uma estratégia de democratização para incorporar princípios como da equidade e controle social, pois nenhum serviço será de qualidade se não reduzir os agravos de saúde e capacitar à população atendida pelo mesmo. O conhecimento da satisfação do usuário vem contribuir para a retroalimentação dos programas desenvolvidos e apontar a qualidade dos serviços prestados a partir da avaliação de serviços e programas bem como seus resultados ou ainda auxiliar no desenvolvimento de modelos de atenção à saúde da comunidade (PEDROSA, PESSANA e LOUREIRO, 2006). Sob o rótulo de avaliação reúnem-se diversas atividades, cujo aspecto varia desde um julgamento subjetivo do tipo “como os usuários avaliam os serviços de saúde”? Até a chamada Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 pesquisa avaliativa que responde a pergunta semelhante utilizando métodos e técnicas quantitativas (SILVA e FORMIGLI 1994, ESPIRIDIÃO e TRAD 2006). Apesar das dificuldades em definir satisfação, muitas pesquisas buscam estudar os determinantes de satisfação. O trabalho de WEISS é bastante citado pelos autores: Silva e Formigli 1994, Espiridião e Trad, 2006, apresenta quatro grupos principais de determinantes de satisfação: - características dos pacientes - características dos profissionais - aspectos da relação médico-paciente - fatores estruturais e ambientais. Viacava e colaboradores (2004) propõem as seguintes categorias para avaliar o desempenho do sistema de saúde: - acesso - aceitabilidade - respeito ao direito das pessoas - continuidade - adequação - segurança - efetividade - eficiência Percebe-se ao analisar as diferentes categorias propostas por diferentes autores, a importância da incorporação do usuário na avaliação como um indicador sensível da qualidade do serviço prestado e também por estar relacionando à maior adequação no uso do serviço (ESPIRIDIÃO e TRAD, 2005). O papel fundamental do setor de controle e avaliação em uma estrutura de gestão é acompanhar as ações desenvolvidas para orientar o desenvolvimento de políticas e programas de saúde. Estas atividades devem ser centradas na avaliação quantitativa e ou qualitativa fornecendo informações aos setores responsáveis pelo planejamento e programação de ações de saúde (PEDROSA, PESSANA e LOUREIRO, 2006). A atenção á saúde tem registrado marcantes mudanças nas últimas décadas no Brasil. Todo este processo gerado pela Reforma Sanitária tem como um dos pilares fundamentais a descentralização das ações e recursos ao nível municipal. Logicamente, a avaliação de serviços no nível municipal não pode prescindir de dados e informações detalhadas, um pré-requisito indispensável para reformulação de políticas públicas de saúde (MARINHO, 2003). Os serviços de saúde podem ser avaliados a partir de diferentes perspectivas. A prática da avaliação dos serviços por meio de perguntas aos usuários é uma delas, difundiu-se a partir dos anos 60 na Europa e EUA inicialmente em estudos sobre adesão ao tratamento tomando relevância nas décadas seguintes com o movimento da qualidade dos serviços de saúde (ESPERIDIÃO e TRAD, 2005). No Brasil, esses estudos ganharam destaque a partir da década de 90, amparado na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 196 - saúde direito de todos e dever do Estado, tornando o usuário não somente um indicador sensível da qualidade do serviço prestado, mas também como Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 107 adequador no uso do serviço (ESPERIDIÃO e TRAD, 2006). Em relação aos fatores relacionados com a satisfação, podem ser destacados dois grandes grupos. Um relativo ao serviço e aos seus provedores, e outro inerente aos próprios usuários. A mensuração da operacionalização do conceito de satisfação inclui aspectos como: acessibilidade/conveniência, qualidade técnica do cuidado, estrutura física e organizacional, comportamento interpessoal e continuidade do cuidado (ESPERIDIÃO e TRAD, 2006). Baseado nisso, esta pesquisa se propôs a investigar: Conhecer a opinião dos usuários da Atenção Básica sobre o PSF e comparar as opiniões de usuários atendidos pelas equipes de PSF com os atendidos pelo sistema tradicional de saúde. MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa transversal do tipo exploratório-descritiva, desenvolvida em um município da região metropolitana de Porto Alegre/RS, município urbano, com uma população de aproximadamente 350.000 habitantes. O referido município implantou a Estratégia de Saúde da Família em 2003, realizando ainda os devidos ajustes. Os dados foram coletados em três unidades integradas ao Programa de Saúde da Família (PFS) e três unidades com sistema tradicional (UBS). A amostra foi intencional. Os usuários 108 foram convidados a responder as entrevistas após o atendimento na Unidade Básica de Saúde. Foram entrevistados 70 (setenta) usuários da rede básica de saúde, sendo 30 atendidos por PSF e 40 pela UBS. O tratamento dos dados recebeu uma abordagem quantitativa nas questões abertas e as questões fechadas foram digitadas em um banco de dados especialmente criado utilizando o programa Epi-info, e analisados a luz da estatística descritiva. Os usuários já contemplados no novo modelo responderam sobre o que é o Programa de Saúde da Família (PSF) e qual o impacto do mesmo na sua saúde e ou de sua família. Nos locais com o sistema tradicional perguntou-se se os mesmos gostariam de ser atendidos pelo PSF e se mudaria a sua saúde e de sua família. Os dados foram coletados em agosto a novembro de 2007. RESULTADOS Os usuários participantes do estudo, após o atendimento na rede básica de saúde, foram 70% do sexo feminino e 30% do sexo masculino, a faixa de idade predominante dos respondentes foi de 16 a 35 anos (60%), 58% são casados e 68% possuíam o ensino fundamental incompleto. A ocupação de maior freqüência foi a de dona de casa com 38%. Quanto à renda, 82% recebiam de 1 a 3 salários mínimos de referência Nacional. Nas Figuras 1 e 2, os entrevistados referiram os motivos para procurar o serviço de saúde por ocasião da entrevista. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 1 - Distribuição sobre o motivo da procura pelo serviço de saúde nas unidades com o PSF. Percebe-se que os usuários do PSF procuraram o serviço de saúde por diversos motivos. Os mais freqüentes foram para tratamento curativo devido a distúrbios respiratórios (25%), seguido de dor (14,3%). Os resultados apontam que a população assistida pelo PSF permanece com a cultura do modelo tradicional de saúde, voltada para o tratamento de doenças. A demanda espontânea continua prevalecendo na população, permanecendo a filosofia de tratar apenas a doença, predominando o tratamento curativo imediato e não a vigilância em saúde proposto pelo PSF. A utilização da referência e contra-referência, por sua vez é adequada. Figura 2 - Distribuição sobre o motivo da procura pelo serviço de saúde nas unidades com o sistema tradicional (UBS). A Atenção Básica deve ser a porta de entrada do sistema, quando a mesma não consegue “resolver” os problemas utilizam-se serviços da Atenção Secundária para posteriormente retornar a Atenção Básica. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 109 Os principais motivos para as consultas tanto no sistema tradicional como no PSF são devido a complicações de doenças crônicas. O tipo de atendimento recebido pelo usuário no serviço de saúde por ocasião da entrevista está apresentado no Quadro 1. Quadro 1 - Tipo de atendimento recebido pelo usuário Observa-se que a procura por tratamento foi maior (71,4%) no PSF do que nas UBS (47,5%). Os outros motivos referidos pelos usuários são vacinas, coleta de citopatológico, troca de receitas, controle da pressão arterial, marcação de consultas e teste do pezinho. O principal fator para a escolha do local onde o usuário procurou a assistência, tanto na assistência tradicional como na Estratégia da Saúde da Família é a localização, com 87%. Neste contexto, Mendes (1993) nos traz que a criação e desenvolvimento dos Distritos Sanitários têm como objetivo reorganizar as ações e os serviços de saúde prestados à população, de modo que atenda as necessidades desta no local onde se encontra inserida. A territorialização deve levar em consideração às características da população, os agravos à saúde aos quais está exposta, fazendo deste mais do que somente um processo 110 de descentralização político-administrativa do sistema de saúde, contribuindo, assim, para sanar os problemas de saúde destes atores sociais. Tem como objetivo promover mudanças das práticas sanitárias, tornando os serviços mais eficientes e eficazes de acordo com a realidade da população do território abrangido, ou seja, se conhece quem nele reside e o que necessitam. Ocorre uma mudança no foco de atenção, sai o Modelo Privatista e entra a Promoção em Saúde, não tem apenas uma idéia imediatista, curativa, tem consigo a idéia de prolongar a vida com qualidade tem como ações vigiar, intervir e controlar fatores áreas, grupos, situações quem possam apresentar riscos para a população. Ao perguntarmos aos usuários sobre o seu conhecimento em relação ao PSF no qual estão inseridos no município, apresentamos as respostas na Figura 3. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 3 - Distribuição sobre o conhecimento do Programa de Saúde da Família por usuários atendidos pelo PSF. Observa-se nas respostas dos usuários que 28,6% da população pesquisa refere ser tratamento da família e em 21,4% ser médico da família. Em relação ao entendimento sobre o PSF pelo usuário, identificamos que entre os usuários não contemplados com essa estratégia do Ministério da Saúde a maioria desconhece completamente este modelo de atenção. Os usuários de PSF também entendem pelo Programa de Saúde da Família que os profissionais visitam a casa para saber das condições de saúde dos moradores. Figura 4 - Distribuição sobre o conhecimento do Programa de Saúde da Família por usuários atendidos pelas UBS (sistema tradicional). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 111 Percebe-se na Figura 4 que os usuários atendidos no modelo tradicional de saúde demonstraram pouco conhecimento em relação ao PSF. Em 55% referiram não conhecer este programa, 17,5% visitam a casa e 12,5% médico da família. O PSF ainda é recente, pois seu início ocorrera em 1994, um curto espaço de tempo para que a população transforme seus valores, privilegiando a saúde ao invés da doença, deixando de ser apenas objetos da ação e se tornando coresponsável pela sua saúde. Também os profissionais de saúde, que se formaram anteriormente à implantação da estratégia de saúde, devem se inserir nesta nova visão tornando-os profissionais promotores, capacitadores e reabilitadores com o olhar da promoção da saúde. Há apenas cerca de 26.729 equipes de PSF implantadas no Brasil, num total de 5.106 municípios, com uma cobertura populacional de 46,2%, ou seja, 85,7milhões de pessoas e os principais indicadores de saúde desta população assistida já apresentam um impacto positivo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Com a implementação do PSF os recursos de saúde são utilizados de maneira mais racional pela população, bem como pelos profissionais, uma vez que os agravos à saúde mais comuns são tratados na Atenção Básica, entre eles as doenças crônicas e não transmissíveis que tanto são onerosas por recursos materiais disponibilizados quando estes não são “vigiados” na Atenção Básica e acabam por gerar inúmeras internações em nível de Atenção Terciária. Também foi investigado, junto aos usuários, se a sua saúde e a da sua família melhorou após a implementação do PSF. Responderam em 46,5% que sim e 21,4% não soube responder. Mas, 32,5% afirmaram não terem observado melhora. 112 Já com os usuários da UBS, foi perguntado se acreditavam que a sua saúde e de sua família mudaria se fosse contemplado pelo PSF. Responderam em 75% que mudaria e 7,5% talvez. Outros 17,5% referiram não acreditar na mudança que o PSF traria na melhoria da sua saúde. Os usuários atribuíram uma nota numérica ao atendimento recebido pelos profissionais nos serviços de saúde. Os entrevistados, indiferentemente do tipo de assistência prestada, não registraram discrepância entre as suas opiniões, ou seja, tanto no modelo assistencial tradicional como os que já se encontravam inseridos no PSF, a nota para a assistência prestada permanecem semelhantes, visto que a média da assistência tradicional ficou com 7,9 e a do PSF 8,2. CONSIDERAÇÕES FINAIS A participação popular tem papel fundamental para a “aceitação’’ de um modelo assistencial bem como as mudanças e ações no cenário da saúde que o mesmo propõe. Não existem modelos em estado puro nas sociedades, não estão isentos dos interesses e das vontades dos diversos grupos sociais. Desse modo, três modelos convivem no Brasil de forma contraditória ou complementar: o modelo campanhista, o médico-assistencial privatista e o modelo de Vigilância em Saúde. Para que os objetivos do PSF sejam alcançados faz-se necessário gerir os serviços segundo as estratégias do PSF com qualidade e resolutividade. Os profissionais de saúde precisam incorporar novos saberes bem como socializar e conscientizar a população sobre este novo modelo assistencial, sua filosofia para que, a mesma tenha um impacto positivo em sua qualidade de vida (CARVALHO, 1998 e PAIM, 2003). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Cabe aos profissionais de saúde capacitar à população acerca dessa nova visão da promoção da saúde, salientando sua co-responsabilidade individual e coletiva no meio onde está inserido, sendo um sujeito participativo no ato de vigilância em saúde. A demanda espontânea ainda impera em nosso cotidiano, pois os usuários ainda enxergam a saúde como ausência de doença e não com um conceito ampliado, considerando como um estado positivo e dinâmico de busca de bem estar, que integra os aspectos físico e mental (ausência de doença), ambiental (ajustamento ao ambiente), pessoal/emocional (auto realização pessoal e afetiva) e sócio-ecológico (comprometimento com a igualdade social e com a preservação da natureza). Assim, é possível concluir que ambas as populações estudadas ainda conhecem pouco sobre o PSF. A população que permanece com o modelo tradicional tem a expectativa de melhorar a qualidade de sua saúde com a implementação do PSF. 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Revista Ciência & Saúde, v.9, n.3, p.711-724, 2004. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Detecção de DNA de Papilomavírus Humano (HPV) em mulheres grávidas utilizando a urina SUELEN ANGELI1 TIAGO DALPIAZ2 LAURA GERBER3 REGINA BONES BARCELLOS4 MÁRCIA SUSANA NUNES SILVA5 MARIA LÚCIA ROSA ROSSETTI6 RESUMO Este trabalho foi realizado com o objetivo de investigar a incidência de DNA de Papilomavírus Humano (HPV) em urina de gestantes atendidas no Hospital Divina Providencia, do município de Frederico Westphalen da Região do Médio Uruguai. As amostras coletadas foram encaminhadas ao Laboratório de Biologia Molecular da ULBRA onde foram submetidas aos processos de extração de DNA e amplificação por PCR (Polimerase Chain Reaction) utilizando primers específicos do genoma viral. Os fragmentos de DNA foram visualizados em eletroforese em gel de agarose (1,5%). Das 70 gestantes que participaram do estudo, 9 apresentaram contaminação viral, sendo 12,9% da população estudada positiva para HPV. Palavras-chave: Papilomavírus humano (HPV), gestantes, urina. 1 Acadêmico do curso de Biomedicina - Bolsista PROICT/ ULBRA 2 Acadêmico do curso de Biomedicina/ULBRA - Bolsista FAPERGS 3 Aluno do PPG de Genética e Toxicologia Aplicada da Ulbra 4 Aluno do PPG de Biologia Celular e Molecular da UFRGS 5 Professora – Curso de Biomedicina/ULBRA Professora-Orientadora do Curso de Biomedicina e PPG de Genética e Toxicologia Aplicada /ULBRA ([email protected]) 6 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 115 ABSTRACT The purpose of this study was to investigate the incidence of human papillomavirus (HPV) in pregnants at the Hospital Divina Providencia, in Frederico Westphalen, at Middle Uruguay region. Samples of urine were collected and sent to molecular biology laboratory of Ulbra, and were submitted to DNA extraction and amplification by PCR (Polimerase Chain Reaction) using specific primers to detect the viral genome. DNA fragments were visualized in agarose gel (1.5%) after electrophoresis. From the 70 women who participate of this study, 9 of them presented the viral contamination, corresponding to 12.9% of positivity for HPV in the studied population. Keywords: Human papillomavirus (HPV), pregnant, urine. INTRODUÇÃO A infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV) no trato genital é a doença sexualmente transmissível (DST) mais encontrada na população, representando um grave problema de saúde pública, especialmente nos países em desenvolvimento (CAMPOS et al., 2004). A presença de HPV é detectada em aproximadamente 10 a 40% da população feminina sexualmente ativa entre 15 e 49 anos de idade (TÁBORA et al., 2005). A infecção pelo HPV é considerada a causa principal dos casos de câncer cervical e de uma pequena fração dos casos de câncer vaginal, vulvar, peniano e anal (TAMIM et al., 2002). Durante a gravidez o risco de infecção pelo HPV é mais elevado, devido a associação entre a elevação dos níveis hormonais e a imunossupressão (BANDYOPADHYAY e CHATTERJEE, 2006) . A presença do vírus também pode levar a contaminação do recém nascido durante o parto, atingindo principalmente a árvore respiratória (MEDEIROS et al., 2005). Medidas preventivas poderiam ser realizadas, se o diagnóstico de infecção pelo HPV fosse co- 116 nhecido. Além disso, a detecção de HPV é usualmente feita em amostra cervical e a coleta desse material clínico não é recomendada para gestantes, dificultando a sua realização durante o período gestacional (COSTA et al., 2001). Este trabalho foi realizado com o objetivo de verificar a utilização de urina como amostra para o diagnóstico de HPV em mulheres grávidas. MATERIAL E MÉTODOS Local do estudo e população estudada Fez parte deste estudo transversal um grupo de 70 gestantes que buscaram atendimento no Hospital Divina Providência da cidade de Frederico Westphalen da Região do Médio Alto Uruguai. Os critérios de inclusão foram gestantes internadas no hospital que, mediante consentimento informado, aceitaram participar do estudo. Foram excluídas do estudo gestantes em trabalho de parto. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Amostras e a detecção de DNA de HPV As amostras de urina coletadas foram refrigeradas e encaminhadas ao Laboratório de Biologia Molecular da Ulbra, onde foram aliquotadas e armazenadas a –20°C até o momento da preparação. Para a extração do DNA, as amostras foram centrifugadas a 5.200rpm por 5 min e tratadas com solução de lise a 100°C para romper a membrana celular. O material resultante desse processo foi centrifugado junto a uma resina de sílica. Foram feitas lavagens para a purificação da amostra. O DNA foi precipitado utilizando etanol 70° e ressuspendido em TE 1X (1 mM Tris-HCl; 1mM EDTA, pH 8,0) (adaptado de BOOM et al, 1990). Após a extração, as amostras foram submetidas à amplificação por PCR. Os primers utiliza- dos foram GP5+ (5’ TTT GTT ACT GTG GTA GAT ACT AC 3’) e GP6+ (5’ GAA AAA TAA ACT GTA AAT CAT ATT C 3’) (DE RODA HUSMAN et al.,1995) gerando um fragmento de 150pb correspondente a parte do gene L1, que codifica a principal proteína do capsídeo viral. O produto final da PCR foi 50μl, sendo 10μl submetidos à eletroforese em gel de agarose (1,5%) visualizado sob luz ultravioleta. RESULTADOS Após o processamento das amostras e a reação de PCR, foi possível a detecção em gel de agarose de um fragmento de DNA de tamanho esperado em 9 das 70 amostras de urina de gestantes estudadas, ou seja, 12,9% das amostras foram positivas para DNA de HPV (Figura 1). Figura 1 – Percentual de gestantes atendidas no Hospital Divina Providência da cidade de Frederico Westphalen com diagnóstico positivo e negativo para HPV. Uma análise do questionário aplicado foi feita para correlacionar os resultados com a idade da gestante. Foi possível observar que a maior prevalência de DNA de HPV ocorreu no intervalo entre 15 e 20 anos de idade, que corresponde ao período de início da atividade sexual. DISCUSSÃO Diferentes estudos têm mostrado a alta prevalência de infecção por HPV em mulheres e em gestantes (NONNENMACHER et al, 2002; DENG et al., 2005; CARESTIATO et Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 117 al., 2006). Tendo em vista a dificuldade, as limitações e a importância da identificação da infecção pelo HPV em gestantes, o estudo da possibilidade de formas de detecção viral, bem como de alternativas de amostras clínicas são importantes e podem colaborar na diminuição dos casos de câncer cervical e na transmissão de HPV. Esse estudo mostrou a viabilidade da utilização de amostras de urina para o diagnóstico específico de HPV através da detecção de DNA. Estudos anteriores já demonstraram a possibilidade do uso de urina como material clínico para a detecção viral. Jacobson et al. (2000) relataram uma concordância entre os resultados de urina e amostras cervicais. No entanto, eles enfatizaram a necessidade de outros estudos. Porém, Howard et al. (2004) concluiu em seu estudo que o uso de urina era uma alternativa de obtenção de amostra mais fácil e menos invasiva. Até o momento, a investigação do uso de urina para detecção de HPV em grávidas não tem sido relatada. Um estudo com a urina de mulheres grávidas foi realizado para detecção de Chlamydia trachomatis (ROURS et al., 2005). No nosso estudo, foi possível detectar 12,9% de DNA de HPV nas urinas das gestantes analisadas e que a maior prevalência estava em mulheres de 15 a 20 anos. Murta et al. (2001) também encontraram que a prevalência maior da infecção estava em mulheres gestantes com idade superior a 20 anos. Além disso, os testes moleculares como a captura híbrida e o PCR têm mostrado que são estratégias importantes para o diagnóstico (CARESTIATO et al., 2006; PAYAN et al., 2007). Neste trabalho, os resultados obtidos confirmam a possibilidade de utilizar o PCR para detectar especificamente o DNA de HPV. 118 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Diretoria de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da ULBRA, pela oportunidade de divulgação desse estudo que é parte de um dos projetos realizados no Laboratório de Biologia Molecular da mesma Universidade. REFERÊNCIAS BANDYOPADHYAY, S.; CHATTERJEE, R. HPV viral load determination during pregnancy as a possible cervical cancer risk. Journal of Experimental & Clinical Cancer Research, v.25, n.1, p.29-38, mar. 2006. BOOM, R. et al. Rapid and simple method for purification of nucleic acids. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 119 120 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Papel do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF) como biomarcador de desfecho primário noTCE grave em adultos GREIZY MODESTO GOMES1 FABIANA DA SILVA CARVALHO2 FÁBIO ALVES DOS SANTOS KESPERS2 ALAN KNOLSSEISEN CAMBRUSSI2 ÉDISON OLIVEIRA3 ANDREA PEREIRA REGNER4 RESUMO Crescentes esforços em pesquisas buscam investigar biomarcadores com possíveis valores prognósticos em TCE grave, dentre estes está o BDNF. Buscamos investigar se o BDNF correlaciona-se com o desfecho primário (morte/sobrevida) em TCE grave. O presente estudo é uma coorte com n=45 homens, com TCE grave. Dezenove sofreram TCE isolado. Os pacientes entraram no CTI dentro de 24h pós-trauma. O sangue foi coletado até 24h após admissão no CTI. Análise estatística utilizou teste T e correlação de Spearman para dados não paramétricos. A concentração de BDNF foi significativamente maior no grupo que sofreu TCE isolado grave. No TCE isolado grave houve significativa correlação entre o aumento de BDNF e morte.Concluiu-se que o aumento de BDNF prediz desfecho fatal em TCE grave isolado. Palavras-chave: BDNF, trauma cranioencefálico, biomarcadores. 1 Acadêmica do Curso de Medicina/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA Acadêmico(a) do Curso de Medicina/ULBRA 2 Médico Intensivista do Hospital Cristo Redentor – Aluno de Dou- 3 torado do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada da ULBRA 6 Professora/Orientadora do Curso de Medicina/ULBRA e do PPG em Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 121 ABSTRACT Efforts have focused on the investigation of biomarkers with prognostic value following severe TBI. BDNF has been implied in some researches. Our objectives was determine whether BDNF serum correlate with primary outcome following severe TBI. A prospective study enrolled 45 male with severe TBI, either isolated severe TBI (n=19) or associated with extracranial lesions. The patients transferred to the ICU within 24 h of the head injury. Peripheral blood was collected at admission in the ICU. Statistical analysis: T-test and Spearman’s Correlation. BDNF were significantly increased in the isolated severe TBI. In the isolated severe TBI, a significant correlation between higher BDNF and fatal outcome. Increased BDNF predicted fatal outcome in isolated severe TBI. Keywords: Serum brain derived neurotrofic factor, brain injury, biomarkers. INTRODUÇÃO O trauma é a principal causa de morte na faixa de 1-45 anos, e a segunda causa de mortalidade geral. No Brasil, aproximadamente 350 pessoas morrem diariamente em decorrência do trauma. Em pacientes portadores de traumas múltiplos graves, a cabeça é a parte do corpo mais freqüentemente traumatizada. O traumatismo crânio-encefálico (TCE) contribui significativamente em metade de todas as mortes por trauma. (KRAUS et al., 1996; GHAJAR, 2000; BRUNS JR e HAUSER, 2003; KIRKNESS et al, 2004). O TCE é estratificado pela Escala de Coma de Glasgow (Glasgow Coma Scale - GCS) a qual fornece uma medida quantitativa do nível de consciência, e resulta da soma de escores de avaliação de três parâmetros a serem considerados: abertura ocular, resposta verbal e melhor resposta motora. Atribuídos os valores para a GCS, classifica-se em leve (GCS 14-15), moderado (GCS 9-13) e grave(GCS 3-8). (KRAUS et al., 1996; WILSON et al, 1998; GHAJAR, 2000; BRUNS JR e HAUSER, 2003). A determinação do escore da GCS é a medida clínica mais estudada e utilizada no 122 estabelecimento da gravidade e desfecho (predição de mortalidade) no TCE. Apesar do reconhecido valor prognóstico das medidas da GCS nas primeiras horas, alguns pacientes, com lesões aparentemente leves, podem deteriorar clinicamente, ressaltando-se a importância da observação dos pacientes vítimas de TCE. A tríade composta pela deterioração do nível de consciência, dilatação pupilar e hemiparesia é sugestiva de lesão com efeito de massa, causando herniação transtentorial. Outras causas para deterioração do nível de consciência no TCE são hipóxia/hipotensão; convulsões; hipoglicemia; e, intoxicação exógena (KRAUS et al., 1996; DUFF, 2003). Tendo em vista que o exame neurológico inicial, freqüentemente, é pouco confiável no TCE, utiliza-se a tomografia computadorizada de crânio (TCC), como exame de escolha, para auxilio diagnóstico (GHAJAR, 2000; BRUNS Jr e HAUSER, 2003). A mortalidade do TCE grave varia entre 3080%, conforme os centros e populações pesquisados. Em relação à morbidade associada ao TCE grave, sabe-se que 100% dos sobreviventes terão algum grau de seqüela. Alguns fatores prognósticos tem sido estabelecidos: o grau de coma inicial (estabelecido pela GCS) e a idade são os mais estudados. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 A idade segue-se em importância à GCS: crianças menores de cinco anos apresentam mortalidade superior às de 5 a 19 anos. Jovens recuperam-se muito melhor que idosos. Pupilas fixas, ausência ou alteração grave dos movimentos oculares, padrões anormais de resposta motora também estão relacionados com piores prognósticos (KRAUS et al., 1996; GHAJAR, 2000; DUFF, 2003). voso e outras funções dos neurônios e células gliais, assim como de alguns tecidos não nervosos. As neurotrofinas ligam-se ao receptor p75, mas suas ações no p75, ao menos no cérebro adulto, não são bem compreendidas, assim como suas ações nos receptores trk, (que inclui subtipos de receptores trkA, trkB e trkC) (MORIS e VEGA, 2003 ; SCHARFMAN, 2005). Desta forma, biomarcadores têm sido investigados como potenciais marcadores prognósticos no cenário de TCE grave. Entre estes marcadores estão: creatina-quinase-BB, proteína glial fibrilar ácida, enolase neuronal específica, proteína S100b e Hsp70 (RAABE et al, 2003; da ROCHA et al, 2005 e 2006; CAMPELO et al, 2007; CRESPO et al, 2007; de OLIVEIRA et al, 2007). Porém, há muitas controvérsias quanto ao poder preditivo destes marcadores na rotina médica. Atualmente, entre os biomarcadores mais promissores estão a proteína S100b e a enolase neuronal (RAABE et al, 2003). Aumento na concentração sérica de biomarcadores foram descritos em diferentes doenças neurológicas, na fase ativa de dano celular no SNC. Elevações no soro sugerem comprometimento da integridade da barreira hematoencefálica (BHE), razão pela qual, medidas de biomarcadores no soro podem ter utilidade clínica na avaliação de danos ao SNC (RAABE et al, 1998; INGEBRIGTSEN et al, 1999; ANDERSON et al, 2001; REGNER et al, 2001a; REGNER et al, 2001b; MUSSAK et al, 2002; PETZHOLD et al, 2002; JONSSON, 2003; da ROCHA et al, 2005). O BDNF é sintetizado predominantemente no SNC, por células gliais (ZAFRA et al., 1992; CATTANEO e ZUCCATO, 2007). Embora largamente expresso no SNC do mamífero adulto, é particularmente abundante no hipocampo e córtex cerebral (CATTANEO e ZUCCATO, 2007). Nota-se que sua expressão aumenta após injúrias e eventos isquêmicos. Entretanto, manipulações benignas, tais como exercícios físicos ou tratamentos a base de estrógenos também podem elevar seus níveis (SCHARFMAN, 2005). O BDNF é uma neurotrofina descoberta em 1982, sendo esta, a segunda da família dos agentes neurotróficos (a primeira foi o Fator Neurotrófico do Nervo (NGF) (UNIVERSITE PARIS DESCARTES, 2006; CATTANEO e ZUCCATO, 2007). As neurotrotrofinas são moléculas que regulam a sobrevivência natural, a plasticidade do sistema ner- Evidências mostram que o sistema nervoso central (SNC) adulto possui regeneração neuronal restrita, porém, tem sido sugerido que os fatores neurotróficos possam proteger os neurônios diante de determinadas situações patológicas como a morte por apoptose e o dano celular provocado por diversas agressões (MORIS e VEGA, 2003). Ainda, fatores neurotróficos têm sido implicados na etiopatogenia de algumas doenças neurodegenerativas, tais como: Alzheimer, Parkinson, neuropatias periféricas e esclerose lateral amiotrófica (MORIS e VEGA, 2003). Estudos específicos investigando o BDNF, sugerem que seus baixos níveis séricos estão relacionados como fator de risco para depressão e que variantes do gene do BDNF, aumentam o risco de esquizofrenia (AYDEMIR el al., 2006; QIAN et al., 2007). Em relação a doença de Huntington, acredita-se no envolvimento do BDNF na gênese da doença, e como sendo também, um potencial agente terapêutico (CATTANEO e ZUCCATO, 2007). Contudo, o Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 123 papel do BDNF ainda não foi investigado na lesão cerebral traumática no adulto. Apesar da importância do TCE na saúde pública, pouco progresso tem sido alcançado em termos de manejo clínico/terapêutico nas últimas décadas. Até o momento, não existem marcadores prognósticos precisos ou alternativas farmacológicas efetivas para as vítimas de TCE grave. Assim, é de suma importância a pesquisa de marcadores de dano neural, que possam ter aplicação como marcadores prognósticos no TCE, estratificando-se os pacientes de maior risco e guiando o emprego de estratégias terapêuticas mais invasivas. Dessa forma, o presente estudo investigará o papel do BDNF como biomarcador no TCE grave. MATERIAL E MÉTODOS O presente estudo foi delineado como uma coorte prospectiva, teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Municipal de Pronto Socorro de Porto Alegre, Hospital Cristo Redentor e Universidade Luterana do Brasil. Os pacientes incluídos na pesquisa estavam clinicamente inconscientes e por isso a assinatura do consentimento informado foi obtido através de parentes desses pacientes, após devido esclarecimento a respeito dos propósitos da coleta de amostras de sangue. O estudo analisou 45 homens, com idade entre 16 e 77 anos, vítimas de TCE grave (GSC 3-8 na admissão na sala de emergência, sem história prévia de doenças neurológicas e psiquiátricas) e o grupo controle era composto por 5 pacientes do sexo masculino e hígidos. Dezenove pacientes apresentaram TCE isolado e vinte e seis pacientes tiveram TCE com trauma extracraniano adicional. Somente os pacientes transferidos para UTI 124 dentro de 24h após o TCE grave foram incluídos no estudo. As variáveis relacionadas ao desfecho dos pacientes com TCE grave consistiam em: sobrevida, tempo transcorrido até a alta da UTI e avaliação neurológica através do emprego do GOS escore no momento da alta da UTI. Na entrada do paciente no CTI, a condição circulatória e o GCS escore eram monitorados e o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) escore foram determinados também. O escore de APACHE II tem sido estudado como um preditor de gravidade funcional e de mortalidade em TCE. Todos os pacientes foram sedados e ventilados mecanicamente. Corticoesteróides não foram administrados. Estudos prévios estabeleceram diferenças entre gêneros na patofisiologia e desfecho precoce após TCE ou trauma extracraniano. Menos susceptibilidade a isquemia pós-traumática após dano cerebral tem sido observado em mulheres. Assim, para evitar uma possível diferença gênero-dependente no desfecho pós-trauma, somente homens participaram do estudo. Sangue periférico foi coletado após entrada do paciente na CTI (entrada no estudo). As amostras de sangue foram centrifugadas por 10 minutos, o plasma coletado e estocado em freezer a -20º C. Foi realizado acompanhamento clínico dos pacientes até o desfecho (alta da CTI ou óbito). O soro foi descongelado e posteriormente submetido à análise para dosagem de BDNF. A concentração sérica de BDNF foi medida pelo método de ELISA (Quantikine, # DBD00, R&D Systems, MN, USA). Os procedimentos experimentais foram realizados no laboratório do Centro de Pesquisa em Ciências Médicas da Universidade Luterana do Brasil. A análise estatística empregou teste T para dados não paramétricos e correlação de Spearman. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 RESULTADOS A Tabela 1 caracteriza a população de TCE grave estudada, e estratifica a mesma pelo desfecho primário (sobreviventes/não sobreviventes). A mediana de idade no grupo de pacientes com TCE grave foi de 39 (16-77) anos. Não houve diferença significativa entre as médias de idade dos grupos de vítimas de TCE quando estratificados por desfecho ou tipo de TCE (isolado ou associado ao politrauma). O TCE grave foi associado a uma taxa de mortalidade de 55%. No grupo dos sobreviventes o tempo mediano entre o trauma e a alta do CTI foi de 13 dias (escala de 2-54). O tempo mediano entre o evento traumático e morte foi de 3 dias (escala de 0-85). Sessenta por cento dos pacientes sofreram politrauma. Houve diferença significativa quanto ao mecanismo de lesão entre os grupos de TCE isolado e TCE associado ao politrauma, havendo maior incidência de queda e agressão no grupo de vítimas de TCE isola- do (p < 0,05, teste-t não pareado). A concentração sérica de BDNF foi avaliada em todos os pacientes que entraram no estudo (Figuras 1 e 2). Os indivíduos com TCE foram agrupados em TCE isolado (n=19) e TCE associado ao politrauma (n=26). Após admissão na CTI (em média 10,5h após o trauma) a concentração sérica de BDNF foi significativamente maior nos pacientes vítimas de TCE isolado (13,05±1,4 þg/ ml) quando comparados aos pacientes vítimas de TCE associado à politrauma (9,48±0,8 þg/ ml; média±D.P), (p=0,028, teste T para dados não pareados) (Figura 1). Ainda, considerando o grupo com TCE grave isolado, o grupo com desfecho fatal apresentou aumento significativo de BDNF (16,06±1,8 þg/ml, média±DP) quando comparado ao grupo sobrevivente (9.67±0.9 þg/ml; média±DP), (p=0,020, teste T não pareado). No grupo com TCE grave isolado houve significativa correlação entre o aumento do BNDF e o desfecho fatal (rho=0.5292, p=0.028) (Figura 2). Tabela 1 - Características da população estudada com traumatismo crânio-encefálico (TCE) e estratificação da medida dos resultados primários (sobreviventes / não sobreviventes). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 125 * Diferença significativa do grupo TCE grave associado à politrauma (p<0,050). Figura 1 - Concentração sérica de BDNF em indivíduos com TCE grave. Os indivíduos com TCE foram agrupados em TCE isolado (n=19) e TCE associado à politrauma (n=26). Após admissão na CTI (em média 10,5h após o trauma) a concentração sérica de BDNF foi significativamente maior nos pacientes vítimas de TCE isolado (13,05±1,4 þg/ml) quando comparados aos pacientes vítimas de TCE associado à politrauma (9,48±0,8 þg/ml; média±D.P), (p=0,028, teste T para dados não pareados). * Diferença significativa do grupo que teve desfecho fatal (p = 0.020, teste T não pareado). Figura 2 - Níveis séricos médios de BDNF no TCE grave isolado, estratificados pelo desfecho primário (alta da CTI ou óbito). O grupo com TCE grave isolado fatal apresentou aumento significativo de BDNF (16,06±1,8 þg/ml, média±DP) quando comparado ao grupo sobrevivente (9,67±0,9 þg/ml; média±DP), (p=0,020, teste T não pareado), no grupo TCE grave isolado houve significativa correlação entre o aumento do BNDF e o desfecho fatal (rho = 0,5292, p=0,028). 126 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 DISCUSSÃO Neste estudo avaliamos o BDNF como marcador prognóstico de desfecho fatal em vítimas de TCE grave. Foram investigados 45 homens com idade entre 16 e 77 anos (mediana de 39 anos). Foi dosada a concentração sérica de BDNF em todos os pacientes com TCE grave. Foi demonstrado um aumento significativo dos níveis de BDNF nos pacientes que sofreram TCE grave isolado quando comparados às vítimas que sofreram TCE grave associado ao politrauma, sugerindo maior especificidade do BDNF sérico em lesões de caráter exclusivo do SNC. Ainda, neste grupo de vítimas de TCE isolado, foi verificada correlação entre níveis mais altos de BDNF e mortalidade. Na literatura, o BDNF tem sido envolvido na patofisiologia de diversas doenças. No entanto, não encontramos estudos relacionando BDNF e TCE no adulto. Scharfman (2005) descreve que eventos isquêmicos e outras injúrias cerebrais podem elevar a expressão de BDNF, entretanto, o BDNF também pode elevar-se em situações benignas, como os exercícios físicos e tratamentos a base de estrógenos. Sua implicação na gênese de doenças neurodegenerativas e psiquiátricas , reforçam a importância de sua investigação nos mais diversos tipos de patologias, inclusive no TCE (MORIS e VEGA, 2003; AYDEMIR et al., 2006 ; QIAN et al., 2007). Encontramos, neste estudo, uma taxa de mortalidade de 55% com o desfecho fatal ocorrendo majoritariamente no terceiro dia após o trauma. Cinqüenta e sete por cento dos pacientes investigados com TCE apresentaram trauma associado, principalmente de extremidades e de tórax. Não pudemos deixar de observar em nossos resultados, que a mortalidade dos pacientes que sofreram TCE vítimas de agressão foi de 100%, independente de ser TCE isolado ou associado ao politrauma, demonstrando assim, a gravidade das agressões, como mecanismo de lesão, em nosso meio. Nossos resultados, demonstraram significativo aumento do BDNF sérico nas vítimas de TCE isolado que se correlacionaram com desfecho fatal. Desta maneira, o BDNF sérico é eficiente como marcador de desfecho primário no TCE grave isolado em adultos. Contudo, a dosagem sérica do BDNF apresenta especificidade para lesão neural, porém, com baixa sensibilidade, o que dificultaria seu uso como um marcador precoce na triagem de pacientes vítimas de traumatismo crânio-encefálico. Talvez, os níveis liquóricos de BDNF apresentassem resultados mais expressivos como marcador prognóstico. CONCLUSÃO Em suma, o BDNF sérico está elevado no TCE isolado, sugerindo sua participação nos mecanismos patofisiológicos da lesão neural traumática. Ainda, as concentrações séricas desta neurotrofina apresentaram correlação significativa com o desfecho fatal no TCE grave isolado. REFERÊNCIAS AYDEMIR, C. et al. Brain-derived neurotrophic factor (BDNF) changes in the serum of depressed women. Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry, v.30, p.1256–1260, 2006. BRUNS JR, J.; HAUSER, W.A. The Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 127 epidemiology of traumatic brain injury: a review. Epilepsia, v. 44, p. 2-10, 2003. CAMPELLO, Y.V. et al. Role of plasma DNA as a predictive marker of fatal outcome following severe head injury in males. Journal of Neurotrauma, v. 24, n.7, p.1172-1181, 2007. CATTANEO, E.; ZUCCATO, C. Role of brain-derived neurotrophic factor in Huntington’s disease. Progress in Neurobiology, v. 81, p.294–330, 2007. CRESPO, A.R. et al. A. 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Tanto machos como fêmeas apresentaram respostas eletrofisiológicas significativamente maiores aos extratos obtidos a partir do broto de pessegueiro, independente do solvente usado. O extrato ativo foi analisado por GC/MS e é constituído majoritariamente por benzaldeído. Palavras-chave: Grapholita molesta, pessegueiro, eletroantenografia, benzaldeído. 1 Acadêmico do Curso de Química/ULBRA, Bolsista CNPqIC – Fundação de Ciência e Tecnologia (CIENTEC) 2 Professor Adjunto – Departamento de Fitossanidade Faculdade de Agronomia, UFRGS 3 Professor/Orientador do Curso de Quimica/ULBRA e Pesquisador da Fundação de Ciências e Tecnologia (CIENTEC) ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 133 ABSTRACT The present work aimed to extract volatiles of shoots and unripe skin fruits of peach trees (Chiripá cv.) with different solvents, and evaluate the electroantennographic responses of male and female Grapholita molesta to this extracts. Solid–liquid extraction was used with hexane and methanol as solvents. The bioassays were carried out by electroantennography. Both, males and females, showed higher electrophysiological responses to extracts of shoots peach trees, independent of the solvent. The active extract was analyzed by GC/MS and is mainly constituted by benzaldehyde. Keywords: Grapholita molesta, peach, electroantennography, benzaldehyde. INTRODUÇÃO O estudo de estratégias visando o controle de pragas agrícolas é uma área que aproxima a química da produção de alimentos. É nesta área que entram, por exemplo, os defensivos agrícolas. O uso de tal estratégia pode eliminar a praga agrícola, mas também pode causar um desequilíbrio ao ecossistema, além de danos à saúde humana e poluição do meio ambiente (NUNES et al., 2003). Recentemente, o mercado tem exigido um maior controle na produção dos frutos, assegurando ao consumidor a qualidade do produto adquirido. Apenas a boa aparência do fruto não é o suficiente para garantir sua qualidade. Análises químicas para identificar possíveis resíduos de agrotóxicos no fruto são necessárias. Importante, também, é o consumidor ter conhecimento do impacto ambiental que a estratégia de controle da praga pode causar. Desta maneira, pode ficar ciente dos processos produtivos do alimento que irá consumir, e assim, adquirir maior confiança no produto (FACHINELO et al., 2005). Uma alternativa ecologicamente correta para evitar os danos indesejáveis do uso de agrotóxicos é a Produção Integrada de Frutas (PIF). Na PIF utilizam-se estratégias biológicas, físicas e cul- 134 turais visando apenas o manejo da praga, não correndo o risco de dizimar a espécie e muito menos de agredir a saúde humana e o ecossistema (FARIAS et al., 2003; NUNES et al., 2003). A utilização da PIF leva a resultados econômicos e sociais bastante satisfatórios, tais como geração de empregos e melhoria na renda. Mais importante ainda é a menor incidência no uso de defensivos agrícolas, o que leva à produção de frutas com melhor qualidade e com menor quantidade de contaminantes, diminuindo os riscos, portanto, à saúde do trabalhador rural e do consumidor (FACHINELO et al., 2005). Dentro das culturas agrícolas de alimentos, os frutos desempenham papel econômico importante, entre os quais, destaca-se o pêssego (Prunus persica). Atualmente os principais produtores de pêssego são a Ásia (40%), Europa (30%) e América do Norte (10%) sendo a China responsável por 30% da produção mundial (AUBERT e MILHET, 2007). No cenário nacional, os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais são os maiores produtores. O Rio Grande do Sul é o principal contribuinte, sendo responsável por mais de 40% da produção no país (FA- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 RIAS et al., 2003; ARIOLI et al., 2005; FACHINELO et al., 2005). Os pólos de Pelotas, Porto Alegre e a região da serra encontram-se entre os maiores produtores gaúchos (ARIOLI et al., 2005). As pragas que mais danificam este tipo de cultura são a Grapholita molesta (Lep.: Tortricidae) e a Anastrepha fraterculus (Dip.: Tephritidae). A grafolita, também conhecida por mariposa-oriental, pode reduzir a produção do pêssego na ordem de 3% a 5%, sendo que plantas com estágio de maturação mais avançado são as mais prejudicadas (NUNES et al., 2003). Além do pêssego, a grafolita também pode danificar outras frutas de clima temperado (ARIOLI et al., 2004). O uso de defensivos agrícolas contendo fosforados e piretróides tem sido o meio mais comum de controlar esta praga (ARIOLI et al., 2004). O problema gerado pelo uso de inseticidas de amplo espectro é o seu ataque a inimigos naturais, os quais auxiliam no controle de pragas. Essa falta de seletividade pode causar um desequilíbrio no ecossistema, fazendo com que haja uma explosão populacional de pragas secundárias, uma vez que seus predadores e parasitóides foram eliminados (GONRING et al., 1999). Entre os métodos de manejo utilizados na PIF está o monitoramento da população da praga através do uso de feromônios. Feromônios são substâncias químicas sintetizadas por um indivíduo que, quando liberadas, desencadeiam alguma resposta fisiológica ou comportamental em outro indivíduo da mesma espécie, ou seja, tem caráter intra-específico (FERRERIA e ZARBIN, 1998; SANT´ANA e CORRÊA, 2007). Para uso do monitoramento e controle de pragas pelo método comportamental, é importante estudar os meios de comunicação da planta com o inseto, pois pode haver efeitos aditivos ou sinérgicos com os voláteis liberados pela primeira. Desta maneira, pode se obter uma melhor compreensão pela preferência do ataque das pragas ao pêssego em determinada fase de maturação. Este tipo de atração da grafolita pelo pessegueiro é causado por voláteis da planta classificados como cairomônios, isto é, substâncias que atuam na comunicação química de ação inter-específica, as quais beneficiam apenas o receptor do sinal químico. A ação deste sinalizador irá depender, principalmente, dos aspectos fisiológicos do inseto, tais como capacidade de percepção da antena e da idade do indivíduo, entre outros fatores e dos estágios e partes fenológicas da planta (SANT’ANA e CORRÊA, 2007). Provavelmente, as partes da planta que liberam os cairomônios atrativos à grafolita sejam o broto, pois é o sítio de cópula, e a casca do fruto verde, que é o estágio de maturação em que as fêmeas ovipositam seus ovos (LEOPAGE e FADIGAS, 1944; SALLES, 2000). Este trabalho tem como objetivo avaliar a percepção eletroantenográfica da G. molesta a extratos obtidos do broto e da casca do fruto verde do pessegueiro. Os voláteis foram obtidos por extração sólido–líquido utilizando etanol e hexano como solventes. As soluções foram analisadas por cromatografia gasosa com detector seletivo de massas (GC/MS) e utilizadas em ensaios eletroantenográficos com machos e fêmeas de grafolita. Além disso, foram medidas também as respostas de fêmeas a diferentes doses de benzaldeído, componente majoritário do extrato ativo. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 135 A composição Química dos Voláteis do Pêssego O aroma exalado pelas plantas decorre da emissão de substâncias voláteis por elas sintetizadas. Normalmente, as funções orgânicas que estão presentes nesses voláteis são aldeídos, alcoóis, cetonas, ésteres, lactonas e terpenos. A ocorrência dessas substâncias químicas se dá em baixas concentrações, as quais são influenciadas por fatores tais como variedade, condições climatológicas e estágio de maturação do tecido (AUMATEL et al., 2004; AUBERT e MILHET, 2007). Aliado ao fato do pêssego apresentar uma boa aparência, o seu aroma é item fundamental para sua boa aceitação no mercado. Assim, tornamse de grande importância investigações sobre as substâncias responsáveis pelo aroma da fruta (HORVAT e CHAPMAN, 1990; HORVAT et al., 1990). Em 1964, Lim e Romani já relatavam a mudança de concentração dos voláteis durante o estágio de maturação do pêssego (HORVAT e CHAPMAN, 1990, HORVAT et al., 1990; AUBERT e MILHET, 2007). Foi apenas em 1990, entretanto, que foi relatado o primeiro trabalho, por Horvat et al. (1990), o qual visava identificar e quantificar os principais voláteis presentes em cada estágio de maturação da fruta. Para isso, frutos em diferentes estágios de maturação foram submetidos à destilação por arraste de vapor utilizando como solvente hexano. Após os voláteis terem sido isolados, as análises foram realizadas por CG/MS. Foram identificados como os principais voláteis presentes no destilado o benzaldeído, linalol, γdecalactona, δ-decalactona, hexanal e (E)-2hexenal. Voláteis obtidos das folhas foram também identificados. Neste caso, as folhas foram 136 submetidas ao nitrogênio líquido, pulverizadas e suspensas em água e a suspensão levada à destilação. A maioria dos voláteis presentes no destilado era constituída de compostos aromáticos, sendo que o benzaldeído correspondeu a mais de 95% deles (HORVAT e CHAPMAN, 1990). No mesmo ano, os autores apresentaram um segundo trabalho (HORVAT et al., 1990) cujo objetivo era comparar os compostos voláteis em diferentes culturas de pêssegos: Belle of Geórgia, Cresthaven, June Gold, Monroe e Bailey. Os voláteis foram isolados por destilação por arraste de vapor em hexano, realizada em aparelho de Likens-Nickerson modificado. Através da análise por GC/MS foi possível identificar trinta e dois compostos, havendo quantidades mais expressivas de benzaldeído, linalol, hexanal, (E)2-hexenal, 6-pentil-α-pirona, γ-decalactona e δ-decalactona, γ-dodecalactona, ácido palmítico e três hidrocarbonetos lineares (C21, C23, C25). Os compostos foram quantificados por cromatografia gasosa com detector por ionização em chama (GC/FID). Em trabalho posterior, Aumatel et al. (2004) desenvolveram um método rápido por microextração em fase sólida em head space (HS/SPME) e GC/MS para caracterizar os compostos voláteis de néctares e suco de frutas. Os voláteis foram obtidos por HSSPME a partir do pêssego, pêra e damasco. Os compostos foram quantificados por GC/FID. Entre os compostos que foram encontrados em maior concentração estão o limoneno, acetato de hexila, γ-terpeno, acetato de 3-hexenila, octanoato de etila, ácido acético, linalol,1,2,3,4tetraidro-1,6,8-trimetilnaftaleno, α-terpineol, α-(E,E)-farneseno e γ-decalactona. Em trabalho recente, Aubert e Milhet (2007) estudaram a distribuição de compostos voláteis em diferentes partes do pêssego white-fleshed. Estes voláteis foram isolados por micro-extração líquido- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 líquido (LLME). Os extratos obtidos foram quantificados por GC/FID e identificados por GC/MS. Na casca, a totalidade dos voláteis presentes, acima de 33% eram compostos C6, lactonas (30%) e alcanos (25%). Porém, na polpa, lactonas (acima de 50%), compostos C6 (26%) e C13-norisoprenoides (17%). Em uma linha de trabalho diferente, Natale et al. (2004) avaliaram a atratividade da grafolita a voláteis do pêssego e da maçã. Os voláteis foram isolados a partir de amostras do broto das frutas através da técnica de headspace dinâmico e analisados por GC/MS. De todos os voláteis identificados, as classes que apresentaram maior relevância foram os terpenóides e ésteres (> 27%), hidrocarbonetos (> 18%) e álcoois (9%). A atividade biológica dos compostos foi avaliada através de um olfatômetro. Foram selecionados insetos fêmeas copuladas de três a cinco dias. Quando os insetos foram submetidos aos ensaios biológicos, ambos os voláteis, de pêssego e maçã foram atrativos. Quando os insetos foram submetidos no olfatômetro às duas alternativas, não mostraram preferência por uma delas. Em outro trabalho, os mesmos autores estudaram os voláteis do broto. Os voláteis emitidos apresentaram atratividade significativa tanto para as fêmeas virgens quanto para as copuladas (NATALE al., 2003). A Grapholita molesta A Grapholita molesta é originária do Japão ou do norte da China. Apresenta coloração acinzentada com manchas escuras nas asas. Possui envergadura entre 12 e 15 mm e asas de 6 a 7 mm de largura. Geralmente as fêmeas possuem tamanho superior aos machos (SALLES, 2000). A fêmea copulada tem preferência em ovipositar seus ovos em folhas novas de brotos e frutos verdes. As lagartas, ao eclodirem, medem aproximadamente 4 mm de comprimento com coloração branco-creme a levemente amarelada. No seu estágio final podem atingir de 10 a 12 mm de comprimento e adquirem cor branco-rosada. A cabeça é facilmente diferenciada e de cor preta (SALLES, 2000). O estágio larval da grafolita tem uma duração máxima de 11 a 21 dias. Logo após eclodir, a larva sai em busca de alimento. Para isso perfura os brotos até atingir a parte mais suculenta. Quando ataca o fruto, a perfuração é feita no sentido do caroço. Ao atingir o caroço, alimenta-se da polpa que se encontra ao redor. Após atingir total desenvolvimento, a larva procura as axilas dos ramos ou dos frutos, no ponto de inserção do pedúnculo para tecer seu casulo. A duração deste estágio vai de 2 a 9 dias. Após isso, atinge o período de pupa que dura de 5 a 12 dias (LEOPAGE e FADIGAS, 1944; SALLES, 2000) . Ao atingir a fase adulta, a mariposa tem um tempo de vida que vai de 10 a 14 dias para as fêmeas e de 7 a 10 dias para os machos. Em relação aos horários preferidos para voar, a mariposa apresenta hábitos crepusculares. Em algumas culturas, observa-se que a lagarta da grafolita ataca os brotos e ponteiros, em outros casos, apenas o fruto verde e ainda pode acontecer o ataque nos três estágios fenológicos do pessegueiro (SALLES, 2000). Com a finalidade de atrair o macho para a cópula, as fêmeas liberam feromônios sexuais. Os componentes feromonais liberados pelo inseto são o acetato de (Z)-8-dodecenila, acetato de (E)-8-dodecenila e álcool (Z)-8-dodecenílico (CARDÉ, BAKER e CARDÉ, 1979). Quando esses feromônios chegam até a antena do macho, provocam uma resposta comportamental Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 137 fazendo com que este vá ao encontro da fêmea. O feromônio entra no organismo do inseto através dos poros existentes nas sensilas quimiorreceptoras da antena. Para realizar o controle populacional da G. molesta, feromônios sintéticos têm sido usados como estratégia de confundimento para impedir a cópula dos insetos (SALLES & MARINI, 1989). O Eletroantenógrafo A resposta de uma antena ao estímulo provocado por um odor pode ser medida quantitativamente em um equipamento chamado de eletroantenógrafo (EAG). O aparelho consiste basicamente de um tubo cilíndrico por onde constantemente passa ar umidificado, de um redirecionador de fluxo, que faz com que a corrente de ar carregue os voláteis, um eletrodo de prata, ouro ou platina, onde é colocada a antena do inseto, e um osciloscópio que registra o estímulo gerado pelos voláteis (ROZAS e PEREZ, 1987; SANT’ANA e CORRÊA, 2007). Para analisar a resposta eletroantenográfica, a antena do inseto é colocada entre eletrodos fixando-se as suas extremidades com um gel condutor. Dependendo do tipo de aparelho usado, utiliza-se o inseto inteiro ainda vivo, ou apenas sua antena. No último caso, a análise deve ser conduzida o mais breve possível, para que se possa utilizar a antena ainda com sua máxima capacidade de resposta (SANT’ANA e CORRÊA, 2007). A intensidade do estímulo gerado irá depender do número de sensilas quimiorreceptoras que a antena do inseto possui. Outro fator importante é a concentração dos voláteis analisados. Quanto mais concentrada é a solução, maior a 138 resposta. Contudo, vale ressaltar que existem limites máximo e mínimo de detecção da antena. Se a solução for muito concentrada, as proteínas responsáveis pela degradação das moléculas dos voláteis não terão tempo de desempenharem seu papel, fazendo com que a antena fique saturada e assim não gere mais resposta (SANT’ANA e CORRÊA, 2007). A resposta é medida em mV, sendo que o valor negativo refere-se à despolarização da membrana celular gerada pelo extrato analisado sobre a antena do inseto. Este sinal é gerado pela soma das despolarizações de todas as sensilas quimiorreceptoras (ROZAS e PEREZ, 1987; SANT’ANA e CORRÊA, 2007). MATERIAL E MÉTODOS A obtenção dos Extratos Frutos verdes e brotos isentos de tratamento com defensivos agrícolas foram coletados e fornecidos pelo Laboratório de Biologia, Ecologia e Controle Biológico de Insetos da Faculdade de Agronomia da UFRGS. O modo de preparação das amostras foi o mesmo para o broto e casca do fruto verde. Os materiais foram submetidos à extração sólido-líquido com etanol (Vetec) e hexano (Merck). As amostras foram picadas em um liquidificador e 50 g de amostra foram pesadas e transferidas para um balão de 100 mL. Sobre a amostra, foram adicionados 20 mL de solvente. A seguir, foram submetidas a refluxo por um período de 4 h. Após o término deste tempo, os extratos obtidos repousaram por 1 h e, então, foram filtrados em papel pregueado. As extrações foram realizadas no período de 24 a 48 h após a coleta do material. Os extratos foram armazenados sob refrigeração. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 A análise Cromatográfica O GC/MS utilizado foi um Shimadzu QP2010 equipado com uma coluna capilar RTX-5MS (30 m x 0,25 mm x 0,1 μm) utilizando He como gás de arraste com uma vazão de 1 mL min-1. A temperatura inicial de forno foi de 40 oC, a qual, após 3 min, foi elevada a uma taxa de 5 oC min até 240 oC. O injetor foi selecionado para o modo splitless a 240 oC. A interface e a câmara de ionização foram mantidas na mesma temperatura. Os espectros de massas foram obtidos por impacto eletrônico (IE) a 70 eV. O analisador foi ajustado no modo scan operando no intervalo m/z 40 a 460. A análise qualitativa foi realizada pela comparação dos espectros obtidos com espectros autênticos da Biblioteca Nist 5.0. O ensaio Eletroantenográfico Foram utilizados insetos fêmeas e machos com idade de 4 dias. Com o auxílio de uma lupa e utilizando uma pinça histológica a antena do inseto foi retirada o mais próximo possível da base. As extremidades basal e apical da antena ficaram aderidas ao eletrodo registrador e ao neutro, respectivamente, e ambas foram imersas em gel condutor, para possibilitar a condutividade elétrica da amostra. Um papel filtro de ca 1 x 1,5 cm foi impregnado com 5 μL do extrato a ser ensaiado. Após a evaporação do solvente, o papel foi introduzido em uma pipeta Pasteur. Para cada extrato e para seus respectivos solventes (hexano e etanol) foi preparada uma pipeta. Os papéis com os extratos foram utilizados até 2 h após terem sido impregnados. Uma mangueira foi conectada na extremidade da pipeta e então o aparelho foi acionado para que o fluxo de ar fosse redirecionado para passar pela pipeta e arrastar os voláteis até a ante- na. O fluxo de ar com os voláteis persiste por 0,5 s. Cada antena foi exposta aos quatro extratos e aos dois solventes, respeitando-se um intervalo de 60 s entre tratamentos. Foram utilizadas 12 antenas de doze insetos diferentes para cada sexos. Além dos extratos, testes de sensibilidade ao benzaldeído foram realizados com antenas de fêmeas virgens e fêmeas copuladas. Soluções de benzaldeído em hexano com concentrações de 1.10-7 a 10 mg mL-1 foram testadas. Os ensaios foram realizados seguindo o mesmo procedimento utilizado para os extratos. A resposta analógica do sinal, em milivolts, foi capturada e processada com um controlador de aquisição de dados (IDAC-4, Syntech® ,the Netherlands) e, posteriormente, analisados com o software (EAG2000, Syntech® , The Netherlands). Em todos os ensaios, foram calculadas as médias das doze medidas, os erros padrões e as variâncias, sendo os resultados comparados por ANOVA, com 95% de confiabilidade (α < 0,05). RESULTADOS E DISCUSSÃO Os extratos obtidos com etanol apresentaram coloração verde com aroma adocicado característico do pêssego. Quando o solvente utilizado foi hexano, uma coloração amarelada foi obtida. Neste caso, nenhum cheiro característico do pêssego foi percebido. Nos dois casos, o extrato da casca verde apresentou cor mais intensa que o do broto. A partir dos dados obtidos na análise eletroantenográfica foi possível observar que para o conjunto de antenas dos insetos de ambos os sexos, o extrato do broto do pessegueiro foi o Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 139 que apresentou maior resposta independente do solvente (Figuras 1 e 2). Do total das antenas testadas de insetos machos, 75% responderam mais intensamente ao extrato do broto obtido com hexano. Porém, no caso das antenas de fê- meas, 83% responderam mais significativamente ao extrato obtido com etanol. Entretanto, a análise estatística fornece resultados indicando que o tipo de solvente utilizado não interfere na resposta do inseto. Figura 1 - Média das respostas eletrofisiológicas (± desvio padrão), mV, de machos de Grapholita molesta (n= 12) a voláteis de diferentes porções de plantas hospedeiras. Figura 2 - Média das respostas eletrofisiológicas (± desvio padrão), mV, de fêmeas de Grapholita molesta (n= 12) a voláteis de diferentes porções de plantas hospedeiras. As fêmeas, além de ovipositarem seus ovos nos brotos, também o fazem em frutos verdes. Portanto, era esperado que o extrato obtido da casca verde também pudesse gerar resposta nas antenas de fêmeas. Contudo, não foram obser- 140 vadas respostas significativas das antenas submetidas aos extratos da casca do fruto verde. Os extratos ativos, isto é, do broto, foram analisados por GC/MS. Uma vez que o benzaldeído Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 foi identificado como componente majoritário, optou-se por avaliar a resposta de antenas a diferentes doses deste composto (5.101 a 5. 10-7 μg). A sensibilidade das sensilas antenais de fêmeas virgens e copuladas de G. molesta todas as doses de benzaldeído, foram similares (P>0,05). No entanto, a dose de 50 μg foi a única que diferiu significativamente do controle, sendo esta, considerada a dose-limite para que o inseto perceba o odor, independentemente do status de cópula. A Figura 3 apresenta o gráfico da média das repostas lançadas em função da dose de benzaldeído. Figura 3 - Média das respostas eletroantenográficas (EAG) de fêmeas de Grapholita molesta ao hexano (controle) e a cinco diferentes doses de benzaldeído. 1 (hexano); 2 (5.10-7 μg), 3 (5.10-5 μg), 4 (5.103 μg), 5 (5.10-1 μg), 6 (5.101 μg). Médias seguidas de letras distintas diferem entre si (P < 0,05). CONCLUSÃO O extrato de broto de pessegueiro é o mais bioativo em antenas de Grapholita molesta de ambos os sexos. Benzaldeído é o composto majoritário no extrato de broto de pessegueiro e 50 μg é a dose-limite desta substância, em antenas de fêmeas de G. molesta, virgens e copuladas. REFERÊNCIAS ARIOLI, C. J.; BOTTON, M.; CARVALHO, G. A. Controle químico da Grapholita molesta (Busck) (Lepidoptera: Tortricidae) na cultura do pessegueiro. Ciência Rural, Santa Maria, v.34, n.6, p.1695-1700, 2004. ARIOLI, C. J.; CARVALHO, G. A.; BOTTON, M. Flutuação populacional de Grapholita molesta (Busck) com armadilhas de feromônio sexual na cultura do pessegueiro em Bento Gonçalves, RS, Brasil. Ciência Rural, Santa Maria, v.35, n.1, p.1-5, 2005. AUBERT, C.; MILHET, C.; Distribution of the volatile compounds in the different parts of a white-fleshed peach (Prunus persica L. Batsch). Food Chemistry, v.102, p.375-384, 2007. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 141 AUMATELL, M. R. et al. 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Alguns autores incluem ainda patologias como a dengue, febre amarela, malária e doença de chagas no âmbito das zoonoses. Diante da relevância epidemiológica destas doenças, especialmente no Brasil, as zoonoses se constituem em tema relevante no âmbito do Ensino de Ciências e da sua interface com a Educação para a Saúde, devendo ser objeto de estudo tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio. Com base nestas premissas, o objetivo deste estudo consiste em realizar uma prospecção a respeito do conhecimento de estudantes de nível médio, de graduação e pósgraduação em relação às zoonoses, visando lançar as bases para abordar o tema em atividades didáticas no Ensino de Ciências. Entende-se que através de programas educativos e de saúde dentro das escolas será possível contribuir para os programas de controle destas doenças na população. Palavras-chave: Educação para a saúde, Ensino de Ciências, zoonoses. 1 Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária /ULBRA Acadêmico(a) do Curso de Biologia/ULBRA 2 3 Professor/Orientador do Curso de Medicina Veterinária/ ULBRA e do PPG em Ensino de Ciências e Matemática/ULBRA ([email protected]) 4 Professor do Curso de Biologia/ULBRA e do PPG em Ensino de Ciências e Matemática/ULBRA Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 147 ABSTRACT The World-wide Health Organization defines zoonosis as a natural transmissible illness between vertebrate animals and human beings. Some authors still include pathologies such as, dengue, yellow fever, malaria and the chagas illness in the scope of zoonosis. Do to the epidemiological relevance of these illnesses, especially in Brazil, zoonosis constitutes a excellent subject in the ambit of Teaching Science and its interface with Health Education, and it should be objective of study in Elementary Schools as well as in High Schools. On the basis of these premises, the objective of this study consists of, carrying through a prospective, regarding the knowledge of students of undergraduate level, graduate and master degree in relation to zoonosis, aiming at, launching the bases to approach the subjects in didactic activities on Science Study’s .It is understood that through educative and health programs inside of the schools, it will be possible to contribute for control programs of these illnesses in the population. Keywords: Health education, Science Education, zoonosis. INTRODUÇÃO O termo zoonoses é originário do grego. O prefixo “zoon” significa animal, e o sufixo “nosos” doenças. A origem dos agentes causadores destas patologias se perde no tempo, e a sua transmissão remonta aos primeiros contatos do ser humano com os animais. Entretanto, a partir da Revolução Neolítica no período de 8.000 a. C., com o desenvolvimento da agricultura em grande escala, e a intensificação da domesticação de animais, ocorreu o abandono da vida nômade para uma vida sedentária próximo aos rios, havendo condições propícias para o alastramento das zoonoses. Existem relatos de zoonoses desde a época de Moisés, os quais já conheciam a raiva e, além disso, tinham um ditado popular: “Ninguém acreditará no homem que disser ter sido mordido por um cão raivoso e ainda esteja vivo”. Na Grécia antiga, Hipócrates e Aristóteles fizeram referências nos seus escritos ao mormo e sua transmissão ao ser humano. Entretanto, somente no século XIX, o médico alemão Rudolf Wirchow, 148 após a descoberta das características de algumas bactérias e de outros organismos conseguiu estabeleceu analogias entre diversas doenças contagiosas do ser humano e dos animais. Em 1966, durante a realização do “3° Encontro de Peritos em Zoonoses” da Organização Mundial da Saúde, ficou definido que zoonoses seriam as doenças e infecções naturalmente transmissíveis entre os hospedeiros vertebrados e o homem (VASCONCELOS, 2007), embora alguns autores incluam ainda doenças como a dengue, a malária e a doença de Chagas como zoonoses (GOMES et al., 1998). Muitas vezes, como ocorre com o morcego hematófago e a raiva silvestre, os animais podem transmitir as doenças sem necessariamente estar evidenciando manifestações clínicas que permitissem o diagnóstico das mesmas, sendo apenas um reservatório para o agente da doença. O incremento do crescimento populacional ocorrido em várias regiões do mundo nas últimas décadas tem gerado crescentes aglomerações urbanas, principalmente em países em desenvolvimento. Considerando as precárias condições de Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 vida nestes locais, somadas às deficiências em relação à educação, há uma maior probabilidade de ocorrência de doenças transmissíveis, entre as quais se encontram as zoonoses. A falta de investimento na profilaxia das doenças, no saneamento básico e especialmente o desconhecimento por parte da população, são aspectos que contribuem para o aumento do número de casos, agravados pelas deficiências no manejo sanitário das criações de animais. Estes problemas prejudicam decisivamente a saúde das pessoas e a economia do país, pelos prejuízos em relação à exportação de produtos de origem animal. Outro aspecto relevante se refere a globalização por favorecer sobremaneira a disseminação das zoonoses, devido aos meios modernos de transporte rodoviário, ferroviário, marítimo e aeroviário, possibilitando a condução acidental de vertebrados (reservatórios) e/ou invertebrados (vetores) para outros locais do globo. Na América Latina, países como o Brasil, a Argentina e o Uruguai possuem condições climáticas e topográficas altamente favoráveis para a atividade pecuária e para a produção de alimentos de origem animal como um todo. Suínos, bovinos, caprinos, ovinos e aves em número elevado constituem setores de elevada importância econômica para estes países, em meio a políticas sanitárias ainda em desenvolvimento, criando condições para que as zoonoses ocorram em níveis elevados e atingindo diretamente a população destes países, em especial no Brasil, em que podemos citar a brucelose e a tuberculose como zoonoses de extrema importância. Inclusive, no ano de 2001 o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) instituiu um Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT) a fim de diminuir os impactos negativos destas zoonoses, implantando a vacinação obrigatória contra brucelose bovina e medidas de combate a tuberculose (NETTO, 2003). Segundo Almeida et al. (1999), um considerável número de zoonoses tem emergido, tanto em países industrializados, quanto em países em desenvolvimento. Fato este que ocorre em virtude do conhecimento de novos agentes patológicos ou de agentes já identificados, os quais têm reaparecido após anos sem serem identificados. Entretanto, o principal problema que enfrentamos se refere ao desconhecimento por parte da população sobre as zoonoses, favorecendo o aumento do número de casos nas unidades de atendimento básico de saúde. Portanto, há uma necessidade de elaborarmos Programas de Educação para Saúde que possam ser integrados às atividades de Ensino de Ciências ou que sejam trabalhados de foram transversal, pois as zoonoses não se constituem em tema freqüente nos currículos do Ensino Fundamental e Médio do Brasil. Mohr e Schall (1992), afirmam em seu trabalho, que o artigo 7 da lei 5.692/71, tornou obrigatória a educação em saúde nas escolas brasileiras de 1º e 2º graus, visando despertar nos estudantes o interesse pelo conhecimento e pela prática da saúde básica e da higiene. Segundo os autores... “...a própria operacionalização da lei, através do parecer 2.264/74 do Conselho Federal de Educação, estabelece que a aprendizagem deve se processar, prioritariamente, através de ações e não de explanações, o que não se efetivou de fato (MOHR e SCHALL, 1992). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 149 Ainda segundo Mohr e Schall (1992), de maneira geral, tanto os professores provenientes das escolas de formação de professores em nível de 2º grau, quanto os licenciados com formação em nível de graduação, deveriam estar capacitados para trabalhar em sala de aula com a educação em saúde com base na transposição dos aspectos teóricos às realidades práticas concretas que o tema sugere. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, ou PCN (BRASIL, 1998), os nomes das doenças, os respectivos agentes e os sintomas característicos das mesmas devem ser trabalhados de forma significativa, relacionando com o contexto no qual as pessoas vivem. A propósito, mesmo abordando a temática Educação para a Saúde, os PCN não abordam especificamente a questão das zoonoses, citando, entretanto, a necessidade do desenvolvimento de atitudes do ser humano em relação a sua saúde. 150 Portanto, precisamos fazer com que este conhecimento chegue até a escola e se difunda pela sociedade como um todo, integrando as ações relativas a alfabetização científica que têm sido realizadas no Brasil, sendo o objetivo deste trabalho realizar uma prospecção em relação ao conhecimento de estudantes e docentes a respeito das zoonoses, assim como discutir a relevância de tratar este tema no Ensino de Ciências e na educação formal como um todo. MATERIAL E MÉTODOS Portanto, a inclusão deste tema nos debates escolares seria de grande valia para a educação contemporânea, considerando a proximidade cada vez maior que o ser humano tem tido com animais, especialmente os de companhia como cães e gatos. A iniciativa de realizar este estudo decorreu de uma análise inicial exploratória com graduandos em Biologia, a respeito do conhecimento dos mesmos sobre zoonoses. Diante da constatação de que havia lacunas em relação a determinados aspectos técnicos relacionados ao assunto, foram elaborados instrumentos de coleta de dados (ICD) para serem aplicados em alunos que cursavam o Ensino Médio (total de 16 alunos), alunos de Graduação em Biologia (total de 18 alunos) e alunos de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (total de 12 alunos). Embora timidamente, algumas ações têm sido realizadas ao longo das últimas décadas visando informar a população a respeito das zoonoses. No ano de 2005, o Ministério da Saúde lançou o Guia de Vigilância Epidemiológica, um instrumento de consulta dos profissionais da área da saúde que circula em todo Brasil, com informações a respeito de diversas zoonoses endêmicas no país. Paralelo a este processo, muitas pesquisas têm sido realizadas no Brasil a respeito das zoonoses e do tratamento das mesmas. O ICD aplicado aos alunos do Ensino Médio solicitava que assinalassem, em uma questão fechada, quais as doenças que eles consideravam ser zoonoses dentre quinze opções apresentadas envolvendo patologias que efetivamente eram zoonoses e outras não. Para os alunos de graduação, além da questão anterior, foi acrescida uma questão aberta na qual perguntava: Dentre as alternativas escolhidas na questão anterior, qual delas você daria maior importância em termos de saúde publica? Justifique sua resposta. Para Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 os mestrandos, além das duas questões anteriores foram incluídas as seguintes: O que você entende por Zoonose? além de: Você acha que as Zoonoses são abordadas corretamente em nosso modelo de ensino? Ou há uma necessidade de Programas de Educação para Saúde? Justifique sua resposta. Posteriormente, os resultados foram analisados com base na quantificação das respostas dos diferentes grupos às questões fechadas, e na análise das respostas às questões abertas, realizada por meio da denominada Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2006), composta por uma pré-análise caracterizada pelo que o autor chama de “leitura flutuante”, na qual foi processada a codificação dos resultados do ICD e realizada a numeração progressiva dos respondentes, para então, num segundo momento, serem destacados os temas, definidos pelo autor francês como sendo unidades de registro para estudar as respostas que são obtidas a questões abertas. Segundo Bardin (2006), a análise de conteúdo analisa propriamente as condições da produção dos textos, ou seja, o objeto dos mesmos. Desta forma, são obtidos os temas, definidos como unidades de significação que se obtém da análise de um texto segundo critérios relativos à teoria que serve de guia para a leitura destes. Para o autor, a investigação dos temas permite que se analise os discursos dos sujeitos respondentes de forma simples. Metodologicamente, os resultados obtidos foram analisados considerando o amplo conceito de zoonoses que inclui outras doenças que são transmitidas para o ser humano por animais não vertebrados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ensino Médio Entre os entrevistados que estavam cursando o Ensino Médio, 56,3% deles classificaram corretamente as zoonoses, incluindo a raiva (56,3%), a toxoplasmose (56,3%), a pediculose (56,3%), a leptospirose (50%) e a sarna (50%), sendo a dengue citada por 43,8%. Em relação às respostas erradas, três indivíduos assinalaram a leucemia, e apenas um respondente assinalou Hemofilia, HIV, hepatite, diabete, gripe, pneumonia, sarampo e gastrite como zoonoses. Verifica- se, que embora a maioria dos respondentes tenha assinalado corretamente as zoonoses, o tema não representa um aspecto corriqueiro para a totalidade dos entrevistados. Acadêmicos de Biologia Nos acadêmicos de Biologia, a leptospirose foi assinalada por 100% dos entrevistados, e as demais zoonoses foram assinaladas corretamente pela maioria dos entrevistados sendo 94,4% para toxoplasmose, 88,9% para pediculose, 83,3% para dengue, 66,7% para raiva e 61,1% para sarna. Provavelmente, as freqüentes matérias na mídia a respeito da leptospirose, em decorrência de enchentes, tenham contribuído para o fato de todos os respondentes terem assinalado a mesma como zoonose, estando fortemente associada com a presença de ratos no meio urbano e rural. Segundo Blood et al. (1991) a leptospirose é uma zoonose bacteriana transmissível entre animais e o ser humano, estando presente no mun- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 151 do todo, sendo, porém, de prevalência elevada em países de clima subtropical, em especial nos períodos de elevados níveis pluviométricos. Hepatite, hemofilia, pneumonia, sarampo, gastrite e leucemia não foram assinaladas pelos respondentes, entretanto, um dos entrevistados assinalou erroneamente doenças como HIV e diabetes como sendo zoonoses. Ao responderem a questão solicitando qual era a zoonose de maior importância na saúde pública, 88,9% assinalaram a leptospirose, justificando pelo fato da mesma ser transmitida pela urina do rato e pelas precárias condições no que diz respeito ao saneamento básico, o acúmulo de lixo e a expansão das grandes cidades, bem como a falta de higiene por parte das pessoas e pelo fato de sua incidência ser maior em populações carentes. A segunda doença mais mencionada na questão supracitada foi a dengue, sendo que 66,7% a consideram como importante na inclusão em programas de saúde pública, com as justificativas relativas à questão do mosquito e às condições precárias de vida das pessoas. Um dos entrevistados afirmou: “Só o apelo dos meios não é o suficiente, falta informação” aludindo para a necessidade da educação formal se envolver no problema. Em terceiro lugar foi mencionada a toxoplasmose por 44,4% do total de entrevistados, destacando-a pelo fato da vinculação ao felino doméstico, e também pelo desconhecimento da população. Segue-se a menção à pediculose com 33,3%, associada às questões da transmissão nas escolas. Apenas 22,2% dos entrevistados citaram a raiva como importante em programas de saúde pública, associando-a com o cão e com alertas 152 para a necessidade de realizar uma correta vacinação destes animais. A sarna foi mencionada por dois respondentes, com justificativas em relação a condições de higiene como relevantes para controlar a doença. Erroneamente, um dos respondentes assinalou a pneumonia e o HIV como zoonoses, e dois deles a diabete, demonstrando desconhecerem o significado do termo. Portanto, os dados corroboram a constatação dos autores deste estudo em relação a necessidade da elaboração de campanhas para esclarecimento da população, com trabalhos voltados a sensibilização das pessoas no sentido de amplificar a divulgação das principais zoonoses que ocorrem em nosso meio, principalmente nas escolas. Ao serem questionados a respeito do que entendiam por zoonoses, 75% mencionaram o fato das zoonoses serem doenças transmitidas pelos animais, com dois respondentes aludindo a insetos e parasitas. Um dos estudantes afirmou que zoonoses seria o “...órgão responsável pelo controle de parasitas, bactérias, vírus que são transmitidos por animais”, provavelmente por conhecer apenas o setor responsável por este âmbito em sua cidade. Mestrandos Todos os indivíduos assinalaram que a raiva e sarna se constituem em zoonoses, provavelmente pelo fato de muitas pessoas relacionar as zoonoses principalmente com os animais de estimação, em especial, o cão. Torna-se importante neste caso lembrar que, embora tradicionalmente associada aos cães, a Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 raiva também pode ser transmitida por morcegos hematófagos a outros animais e ao ser humano. Segundo dados do Ministério da Saúde em 2004/2005, estes animais causaram 41 óbitos humanos por raiva no Pará e Maranhão. No Rio Grande do Sul, em 2006, foram identificados 12 focos de raiva bovina e eqüina transmitida por estes morcegos (BRASIL, 2007). Além do morcego hematófago ser transmissor do vírus da raiva, o morcego insetívoro pode disseminar outra variante do vírus, tornando-se então de extrema importância em termos de saúde publica, principalmente por viverem próximos às cidades. Entre 1990 a 2001, foram registrados, no Brasil, cerca de 458 casos de raiva humana. No entanto, no RS, o vírus da Variante Canina em cães e gatos não ocorre desde 1990, sendo considerada uma doença sob controle. Entretanto, foi detectado um caso de raiva canina em Tapes, cidade localizada a 103 Km de Porto Alegre no dia 23 de janeiro de 2007, cuja origem foi um morcego infectado (RIO GRANDE DO SUL, 2007). A leptospirose, a pediculose e a toxoplasmose foram classificadas como zoonoses por respectivamente, 83,3%, 75%, 58,3% dos entrevistados. Ao passo que a dengue foi assinalada somente por 33,3% dos respondentes. Em relação às respostas erradas, 33,3% assinalaram HIV, 33,3% gripe, 8,3% hemofilia e 8,3% pneumonia, indicando que os respondentes não conheciam o significado do termo zoonoses, aspecto que dificultaria a implantação de programas de controle destas doenças na população. Hepatite, diabete, sarampo, gastrite e leucemia não foram assinalados. Do total dos entrevistados 83,3% mencionaram leptospirose como de importância em ter- mos de saúde pública, justificando pela relação da mesma com o rato e com o acúmulo de lixo e enchentes. Um dos respondentes justificou sua resposta dizendo: “população desinformada, necessidade de ações para o controle”. A leptospirose é uma doença bacteriana comumente associada ao rato, no entanto, outros mamíferos, inclusive silvestres e domésticos podem transmiti-la ao ser humano, incluindo os animais de companhia. Conforme o Ministério da Saúde, os agentes causadores da leptospirose, as bactérias do gênero Leptospira, estão presentes na urina dos bovinos, suínos e cães, que podem adoecer e transmitir a doença ao ser humano, se tornando de grande valor em termos de Saúde Pública (BRASIL, 2007). A raiva, por sua vez, foi assinalada por 66,7% do total dos entrevistados, sendo que a maioria justificou pelo fato de ser transmitida pelo “melhor amigo do homem”, relacionando mais uma vez com animais domésticos. Em terceiro lugar ficou a pediculose e a sarna, mencionada por 41,7% do total dos entrevistados, com a justificativa de afetar crianças e poder acarretar outras doenças, com os entrevistados alertando para as questões de higiene básica familiar. A toxoplasmose foi mencionada por dois entrevistados, relacionando-a corretamente aos “problemas em mulheres grávidas” ocorridos pela “precária informação [da população]...”, e pelo fato “das pessoas poderem estar infectadas e não saberem”. Ao serem questionados a respeito do que entendiam por zoonoses, 41,7% do total afirmaram ser uma doença transmitida por animais, e 16,7% relacionaram a questão aos parasitas. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 153 Confrontando as respostas às questões abertas com as respostas às questões fechadas, verifica-se nitidamente que os mestrandos conheciam as doenças e também os seus meios de controle, conseguindo identificar as suas causas e detalhando as suas conseqüências fundamentais, apresentando apenas dificuldades em conhecer o termo zoonoses e não das questões importantes em relação ao tema. Na questão relativa às abordagens das zoonoses em nosso modelo de ensino, houve uma maciça concordância de que há desconhecimento da questão pela comunidade, e que isto se deve ao fato da escola não enfatizar este conteúdo em suas aulas e nos programas direcionados à população. Um indivíduo chegou a afirmar: “Sou professor há 15 anos e nunca ouvi tratar do tema no ambiente escolar”. O problema estaria, segundo os mestrandos, principalmente na falta de atitude dos professores em abordar o tema, já que os mesmos estão em contato direto com seus respectivos alunos. Também foi mencionada a importância da mídia na divulgação da importância das zoonoses, por meio da produção de programas que possam atingir grande parte da população. Depreende-se das respostas, que a atuação da comunicação de massa deveria ser mais efetiva, com informações mais claras, tal como realizado com relação a dengue que, sem as inserções diárias na programação televisiva seria quase que desconhecida da população. Um dos entrevistados argumentou que o tema... “...deveria ser tratado com maior importância, desde as séries primárias até a formação do 3° grau”, “...falta uma reformulação do currículo...”. 154 Análise Comparativa Com base nos resultados encontrados, verifica-se que alguns entrevistados conheciam o tema em relação ao fato de haver doenças que podem ser transmitidas pelos animais, embora muitos desconhecessem o termo zoonoses. Houve concordância em relação a necessidade de tratar da questão na sociedade contemporânea, especialmente em programas de Educação para a Saúde na escola. Verifica-se que os temas mais freqüentemente abordados pela mídia eram conhecidos pela maioria dos sujeitos pesquisados, destacando-se a leptospirose, além das tradicionalmente conhecidas raiva e sarna, sendo a primeira pelas histórias a respeito da captura de cães nas nossas cidades e pelas campanhas de vacinação, e a segunda em virtude das considerações sobre os cães de rua “sarnentos” como popularmente são chamados os animais que apresentam qualquer problema dermatológico. As respostas dos entrevistados de diferentes níveis de ensino também podem ser associadas às narrativas históricas em relação ao perigo dos cães à saúde humana, por conhecerem o papel das “carrocinhas” cujas cenas dramáticas pertencem ao cenário urbano das últimas décadas. O cão pode estar associado a diferentes zoonoses, entretanto, a cena do cão babando de raiva está marcada nas histórias que ouvimos a respeito dos mesmos, o que leva tantos proprietários a vacinarem seus cães contra a raiva, inclusive proprietários que pouco interagem com eles, mas que, no entanto, deixam de vacina-los contra outras doenças (DAL-FARRA, 2003). De forma ampla, os respondentes graduandos e principalmente os mestrandos, entendem que Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 quando falamos de higiene e saúde, surge um grande desafio para nossa educação, necessitando de uma efetiva transformação nos hábitos das pessoas. Somente informar não é o suficiente, é necessário conscientizar e educar, demonstrando através de atividades concretas como este processo ocorre, para que a população desenvolva hábitos e conceitos relevantes para a sua saúde. Há uma necessidade de implantação de Programas de Educação voltados para saúde, uma vez que os próprios entrevistados afirmam ser um assunto de elevada importância a ser tratado nas escolas devido ao desconhecimento a respeito das zoonoses na população. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que todo conhecimento adquirido se ancora no conhecimento prévio das pessoas, e que para isto, é necessário trabalharmos a população dentro do seu contexto, buscando na educação o ponto chave para disseminação e conscientização dos problemas relacionados à cada região. Ao melhorarmos as condições de vida das pessoas, no que tange ao saneamento básico e as condições de higiene de produção, distribuição e preparo de alimentos, acompanhados de uma maior acesso a informações por parte das pessoas, estaremos contribuindo decisivamente para a minimização dos problemas relativos à saúde, e este processo não pode prescindir das abordagens a respeitos das doenças como as zoonoses dentro do Ensino de Ciências, por ser um lugar de destaque para abordar questões desta natureza, ampliando o debate a respeito da saúde pública na comunidade. Por meio de Programas de Educação para a Saúde, e da implementação de atividades que abordem o tema zoonozes nas escolas, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, tornar-se-á factível a implantação de programas de erradicação destas doenças no país, pois, como todo processo coletivo, a realização de ações na comunidade deve ocorrer pela inclusão e participação de todos para que tenham êxito. REFERÊNCIAS ALMEIDA, P. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Cultura e processos de socialização na produção das infâncias de classes populares FERNANDA NOGUEIRA1 JOÃO PAULO POOLI2 MÁRCIA ROSA DA COSTA3 RESUMO Este artigo apresenta resultados parciais de uma investigação sobre a infância a partir de referenciais teóricos da Sociologia, considerando a criança como produtora de sistemas de significações próprios em suas representações do mundo, estando esses sistemas intimamente relacionados a suas vivências culturais. O objetivo da pesquisa é analisar os processos configuracionais em que estão envolvidas as crianças e suas infâncias nas classes populares. Os dados empíricos são de atividades de pesquisa realizada em um centro infantil localizado na periferia urbana da cidade de Porto Alegre/RS. Através deste estudo pretende-se contribuir, de forma qualitativa, na formação dos docentes que trabalham na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Palavras-chave: infância, socialização, cultura, formação docente. ABSTRACT This article presents partials results of an investigation, based in sociological theories, about childhood that consider child an own significations systems producer in his world’s representations, been there strongly Acadêmica do Curso de Pedagogia/ULBRA, Bolsista PROICT/ULBRA 1 2 do PPG em Educação/ULBRA ([email protected]) 3 Professora do Curso de Pedagogia/ULBRA Professor - Orientador do Curso de Pedagogia/ ULBRA e Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 157 connected at his culture’s experiences. The investigation’s objective is analyses the configurationally process that the children and their childhoods are involved in popular classes. The empiric dados come from investigations’ actives realized in a childish center of urban periphery of Porto Alegre/RS city. This study pretends to contribute qualitatively in the teaching formation of childhood and basic school firsts levels educational professionals. Keywords: childhood, socialization, culture, teaching formation. INTRODUÇÃO A investigação no campo dos estudos culturais sobre a infância vem sendo desenvolvida pelo grupo de pesquisa “Escola, Docência e Identidade” desde o ano de 2005, estando agora em sua terceira etapa. O foco central das investigações anteriores foi o estudo das concepções de infância e crianças nos meios escolares (professores, pais e crianças). A partir de seus resultados, verificou-se a importância de ampliação da temática e a necessidade de aprofundamento e produção de conhecimentos no campo da Sociologia da Infância no nosso país. O principal objetivo da pesquisa foi analisar os processos configuracionais em que estão envolvidas as crianças e suas infâncias nas classes populares, investigando as culturas que se expressam no fluxo das vidas dessa população. Pretendeu-se, ademais, analisar as configurações da infância através da produção de significados nos seus mais diversos contextos e o processo de socialização das crianças. A infância e suas concepções foram historicamente construídas dentro do marco das configurações sociais, que estão vinculadas às suas circunstâncias históricas e, portanto, profundamente marcadas pelas culturas que engendram visões de mundo específicas. É a partir dessa perspectiva, e inseridos nos contextos históricos, 158 que podemos circunscrever a infância como objeto de pesquisa, tornando-a visível, observável, categorizável e possível de ser compreendida em todas as suas dimensões. Se passamos a investigar sociologicamente a infância agregando novos conhecimentos aos já empreendidos por outras áreas de pesquisa como, por exemplo, os estudos históricos de Philippe Áries, não podemos analisar essa categoria como produto puro da descrição de uma dada realidade empírica. A construção desta categoria social deve levar em conta principalmente os elementos culturais que se impõem e atravessam a sua constituição. A infância é ao mesmo tempo construída pela polifonia das determinações sociais (representações, códigos, regramentos, rituais, religiosidade, gênero, classe social etc.) assim como pela autonomia da produção cultural específica que continuamente vai sendo desenhada pela vida cotidiana (as brincadeiras e os brinquedos, os jogos, a utilização do espaço e do tempo, a interpretação própria do mundo, as relações de poder etc). A partir disto, podemos supor que as configurações das infâncias são também estabelecidas neste mundo de possibilidades pelas suas formas de inserção social. Dentro desta perspectiva adotamos os seguintes posicionamentos conceituais: Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 · · a criança como um sujeito social, produtora de culturas e com participação no jogo de construção dos fatos sociais, sendo importante respeitá-la e considerar seu universo de representações, com reconhecimento de seus direitos e possibilidade de participação social. a infância como uma categoria social, construída a partir da interação da criança com os diferentes contextos de socialização e desenvolvimento (família, escola, meios de comunicação, grupos de iguais...), não se restringindo a um conceito único e fechado. A infância deve ser considerada uma condição do ser criança, sendo importante respeitá-la, pois é um sujeito participante das relações sociais, fazendo parte de um processo histórico, social, e cultural. nição durkheiniana, considerando a infância e a própria criança “um simples objeto passivo de uma socialização regida por instituições”. O rompimento desta perspectiva faz surgir os primeiros elementos de uma sociologia da infância. É a utilização destes elementos de análise da infância, considerando-a como uma categoria dentro do campo sociológico, que levou vários pesquisadores a instituírem no Congresso Mundial de Sociologia, ocorrido em 1990, a corrente da Sociologia da Infância. Neste encontro foram debatidos vários aspectos concernentes ao processo de socialização da criança e à influência exercida sobre ela pelas instituições e agentes sociais. Encontramos vários pesquisadores de diferentes países envolvidos nestes estudos, com uma bibliografia já mais desenvolvida, principalmente nas línguas inglesa e francesa4 . Na história da sociologia se encontram poucos registros de preocupações com estudos específicos relacionados à infância, principalmente no que se refere a formulações teóricas ou metodológicas que dêem conta deste campo conceitual. A partir da década de 80, alguns estudiosos começaram a apresentar esforços, no sentido de configurar os estudos sobre as crianças e a infância como um campo da sociologia. De acordo com Sirota (2001, p.9), a sociologia durante longo tempo esteve circunscrita a defi- Interessa destacar neste trabalho principalmente algumas das contribuições dadas por este campo no que se refere aos estudos sobre a cultura e sobre a infância. Um dos princípios básicos assumidos pelos autores da sociologia da infância têm sido o de realizar um aprofundamento das análises a partir de estudos investigativos, principalmente de base etnográfica, tendo como elemento as falas das crianças para verificar o que estas apontam sobre sua cultura e mundo social. Segundo M. J. Sarmento e M. Pinto, pesquisadores do Instituto de Estudos da Criança, Vários pesquisadores reconhecidos internacionalmente têm contribuído através de suas obras neste campo de estudos, dentre eles pode-se destacar: Willian A. Corsaro (Indiana University, Bloomington), Jens Qvortup (Norwegian Centre for Child Research, Norway), Cléopâtre Montandon (Faculté de psychologie et des sciences de l’éducation Université de Genève), Régine Sirota (Université Paris V – France), Manuel Jacinto Sarmento (Instituto de Estudos da Criança - Universi- dade do Minho – Portugal), Allison James (School of Comparative and Applied Social Sciences, University of Hull), Alan Prout (Stirling University, GB), Pia Christensen (School of Comparative and Applied Social Sciences, University of Hull), Chris Jenks (Goldsmiths College, London). Maiores informações sobre estes estudos podem ser encontradas nos artigos de Sirota e Montandon, publicados na língua portuguesa pelos Cadernos de Pesquisa, n. 112. 4 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 159 da Universidade do Minho, Portugal, as falas das crianças são elementos fundamentais para a compreensão das culturas infantis. Para estes sociólogos a infância é uma categoria social e, ao constituir-se como objeto de pesquisa, deve ser merecedora de todo cuidado e atenção no que diz respeito às metodologias a serem adotadas, assim como com qualquer outra categoria de pesquisa sociológica. De acordo com Sarmento (2004): O conceito de “culturas da infância” tem vindo a ser estabelecido consistentemente pela Sociologia da Infância como um elemento distintivo da categoria geracional. Por esse conceito entende-se a capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo e de ação intencional, que são distintos dos modos adultos de significação e ação. Este conceito e perspectiva podem ser relacionados às importantes contribuições de S. Hall (1997) no que se refere à compreensão da centralidade da cultura em tempos de pósmodernidade, assegurando que toda ação social é “cultural” e que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação, o que guardar relação direta ao pensarmos o estudo dos processos de ressignificação da infância a partir dos significados conferidos pelas próprias crianças às suas práticas culturais. Como indivíduos convivendo em uma sociedade, as crianças têm seu papel, estando inseridas em uma diversidade cultural, sendo constituídas e constituintes da cultura. Sarmento (2003) ainda afirma que “Estudos sociológicos da infância têm sustentado a autonomia das formas culturais 160 da infância (Denzin, 1977; CORSARO,1997; JAMES, JENKS e PROUT, 1998; PROUT, 2000).” Essas formas culturais radicam e desenvolvem-se em modos específicos de comunicação intrageracional e intergeracional. Para Sarmento (2004) as culturas da infância expressam a cultura societal em que se inserem, porém de forma diferente das culturas encontradas nas relações adultas, pois trazem ao mesmo tempo formas especificamente infantis de compreensão, representação e simbolização do mundo. Para o autor existe uma universalidade das culturas infantis que ultrapassa consideravelmente os limites da inserção cultural local de cada criança, já que estas constroem, nas suas relações, ordens sociais instituintes que regem as relações de conflito e de cooperação, traduzindo questões relacionadas à classe social, etnia, gênero e cultura que cada uma integra. Assim, se pode concluir que a escuta das vivências e das experiências das crianças possibilita a compreensão dos significados dados às hierarquizações constituídas nas diferentes instituições e papéis sociais. De acordo com Elias (1994) as mudanças de conduta que vão se operando através dos tempos, não têm um planejamento racionalmente organizado em etapas previamente elaboradas a serem aplicadas a longo prazo; assim a família, a escola e todos os espaços por onde a criança circula são formadores do sujeito em relação à configuração social, constituindo-se agências civilizadoras. Segundo o mesmo autor, a sociabilidade inerente aos seres humanos só se evidencia quando se tem presente o que significam as relações com outras pessoas para a criança pequena. Neste sentido, a busca dos significados dados pelas crianças às diferentes ações sociais possibilita que possamos compreender e trazer para análise as nossas próprias culturas. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Para Florestan Fernandes (1994), as diferentes formas de socialização e as relações estabelecidas nos espaços urbanos determinam as culturas infantis. Este sociólogo brasileiro traz uma contribuição importante ao estudo da temática cultura e infância, por ter sido pioneiro, no Brasil, ao tratar esta questão através da pesquisa realizada sobre o folclore na cidade de São Paulo, onde observou as crianças brincando e a constituição e importância da cultura infantil. Segundo Mazza (2000), Fernandes reconheceu que o folclore infantil era um dentre outros processos de integração do indivíduo aos padrões grupais, mas retomou conceitos importantes da sociologia, ao dar maior atenção para o aspecto da socialização elaborado no interior dos grupos infantis. No entanto, as mudanças de conduta que vão se operando através dos tempos, não têm um planejamento racionalmente organizado em etapas previamente elaboradas a serem aplicadas a longo prazo; assim a família, a escola e todos os espaços por onde a criança circula são formadores do sujeito em relação à configuração social, constituindo-se agências civilizadoras (ELIAS, 1994, p.30). Dessa forma, a escola passa a ser um local de destaque. Se a escola é na atualidade o local onde as crianças passam a maior parte do tempo, existem culturas infantis sendo produzidas? Quais os processos de socialização, de padrões grupais que se têm gestado dentro do espaço urbano? A referência da pesquisa de Fernandes (1994) é porque descreve os estudos sobre folclore com crianças na cidade de São Paulo, quando desenvolveu minuciosa análise dos dados empíricos registrados, dizendo da importância de “interrogálos” e ter um indispensável domínio teórico da situação investigada. A relação que a criança estabelece com o mundo urbano e os significados que confere às diferentes práticas sociais constitui-se elemento de análise sociológica e cultural. Com base no pensamento de Elias (1993, p.195) podemos afirmar que o mundo urbano instaurou e continua instaurando redes de relacionamento que exigem determinados comportamentos de todos e de cada um como formas de inserção em sua lógica civilizadora, pois, segundo ele, quando as redes de relações se estabelecem, os papéis a serem desempenhados pelos indivíduos tornamse mais definidos, intensificando-se as cadeias de interdependência social e ocorrendo mudanças dos comportamentos. Na configuração das cadeias de interdependência social e nos comportamentos assumidos pelos diferentes atores sociais, podemos afirmar que as identidades sociais destes atores se constituem através da cultura. De acordo com Hall (1997), a cultura tem assumido uma crescente centralidade nos processos globais de formação e mudança, assim como de penetração na vida cotidiana, tendo um papel constitutivo na formação das identidades e subjetividades. Dessa forma é que se torna pertinente questionarmos que culturas infantis se apresentam na atual sociedade urbana. O processo de socialização dos indivíduos tem sido estudado, analisado e utilizado no meio educacional a partir de diversos autores, mas todos provenientes da área da psicologia. Por isso a presente investigação considera como principal referencial teórico a obra de Norbert Elias. Em seu principal livro, O Processo civilizador, publicado em 1939, mostra através de um estudo e análise sociológica, do século XVI ao XX, como o homem chegou a ser o que é, assim como as modificações no comportamento e sensibilidade, os modos de relacionamento entre os homens e a constituição do Estado. A obra de Elias Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 161 é merecedora de estudos aprofundados, pois aponta para uma série de análises e conexões necessárias ao campo da educação e do processo de socialização. Segundo o autor (1980, p.13) não é possível falarmos do indivíduo, da criança e da família, do indivíduo e da sociedade ou do sujeito e do objeto, sem termos claramente presente que o indivíduo faz parte de seu ambiente e de todas essas instâncias socializadoras, sendo indissociáveis relacionalmente, “a sociedade muitas vezes colocada em oposição ao indivíduo, é inteiramente formada por indivíduos, sendo nós próprios um ser entre os outros”. A família é uma instituição social, assim como a escola, ambas se constituindo agências civilizadoras. Para Elias não existem atitudes naturais do homem; elas são assimiladas através da educação social. As mudanças de conduta que vão se operando através dos tempos, não têm um planejamento racional, organizado em etapas previamente elaboradas a serem aplicadas a longo prazo; a educação e a escola são as formadoras do sujeito em relação à configuração social. Para Elias (1994, p.30) somente com base no diálogo instintivo contínuo com outras pessoas é que os impulsos elementares e informes da criança pequena tomam uma direção mais definida, assumem uma estrutura mais clara. A criança precisa ser adaptada pelo outro, precisa da sociedade para se tornar fisicamente adulta. Dessa forma é possível afirmar que as mudanças e características da sociedade interferem diretamente no desenvolvimento das crianças. Tudo e todos com os quais a criança convive, cada membro da família, cada adulto e criança com a qual interage, favorecem o processo socializador. No entanto, conforme Pooli (2001, p. 102) a escola já concebe o aluno como 162 “um sujeito “civilizado” pelo menos nos comportamentos mínimos, e põe em marcha todo um processo de transmissão e produção do conhecimento organizado e catalogado como um conjunto de verdades a serem processadas no decurso de pelo menos 17 anos”. Para Elias (1993), os homens somente conseguem experienciar-se a si próprios enquanto indivíduos que se distinguem uns dos outros porque vivem em associações. Portanto, quanto mais vivenciarem essas interações, melhor compreenderão suas vidas como uma unidade complexa. A escola, como instituição que surge basicamente para desenvolver esse processo socializador, adota práticas curriculares caracterizadas pelos conteúdos e formas de organização e relações estabelecidas no seu interior, leva as crianças progressivamente, às idéias, concepções, disposições e modos de conduta que a sociedade adulta requer. De acordo com Gómez (1998, p. 15): A segunda função do processo de socialização na escola é a formação do cidadão/ ã para sua intervenção na vida pública. A escola deve prepará-los para que se incorporem à vida adulta e pública, de modo que se possa manter a dinâmica e o equilíbrio nas instituições. Esta afirmação poderia ser questionada no aspecto relacionado à preparação das crianças para a vida adulta futura. Pensamos que a escola deve atender às condições, necessidades, direitos e situações vivenciadas pela criança a cada momento de sua vida. Lefebvre (1997, p.72) ainda dirá que o ser humano possui necessidades diversas, muitas das quais de convivência e interação e que ”a casa, a morada, a residência e o apartamento, a vizinhança, o bairro, a cidade, Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 a aglomeração, satisfizeram, ainda satisfazem, ou não satisfazem mais a alguns desses apelos”. Uma educação que possibilita a participação e o diálogo com as crianças em todo o processo já se constitui por si só em um exercício para a cidadania. A partir destes pressupostos, a forma como a escola participa do processo de socialização e inserção da criança no mundo social, se constitui em uma questão-chave a ser analisada para uma melhor compreensão deste tema. METODOLOGIA A Etapa 2007 da pesquisa foi realizada em uma escola de educação infantil de periferia urbana da cidade de Porto Alegre. Os dados foram levantados através de trabalho de observação participante em uma turma composta de 30 crianças, na faixa etária de 5 anos. As observações foram registradas através de gravações e fotografias e as análises buscaram verificar como as crianças estabelecem as relações entre si e configuram os processos de socialização. CONSIDERAÇÕES FINAIS As observações empíricas realizadas junto ao grupo de crianças, ocorrida na etapa 2007 da pesquisa, evidenciaram conclusões parciais relevantes, as quais se referem principalmente às configurações que se apresentaram nas atividades cotidianas da escola infantil. Esses resultados são indícios significativos da “permeabilidade” cultural que atravessa o espaço educativo e a vida das crianças. Nesse contexto destacamos que: A sala de aula é um abrangente espaço de interações culturais e, por essa razão, a proposição de momentos livres de interação entre as crianças é muito significativa. Entretanto, muitas vezes esses espaços são reduzidos a rotinas de atividades pré-estabelecidas e padronizadas propostas pelas educadoras (atividades dirigidas). No transcorrer dessas atividades é evidente o esforço investido pelas crianças na tentativa de conquistar espaços livres de interação (mudam as regras ou não se envolvem nas brincadeiras dirigidas, preferindo ficar conversando). Na perspectiva de Elias (1993) os homens somente conseguem experienciar-se a si próprios como indivíduos que se distinguem uns dos outros porque vivem em associações. Quanto mais vivenciam essas interações melhor compreenderão suas vidas. Além disso, os diálogos e brincadeiras livres expressaram a riqueza de representações próprias de mundo que as crianças trazem para escola. As crianças de classes populares investigadas, neste campo de pesquisa, levam para dentro da instituição que freqüentam, aquilo que comumente denominamos de cultura popular. A produção de significados que configuram visões de mundo específicas e dizem respeito ao modo de representar, imaginar e “ler” o mundo, são processadas por um pluralismo cultural que conjuga a cultura local (entendida como uma cultura estética, alimentar, de moda, de estilo, de relações de vizinhança, de sexualidade, de intimidade, de arquitetura), a cultura de massa (cultura musical, das novelas, dos vídeos) e a cultura midiática, em especial a televisão. Notou-se que a influência dos programas televisivos no cotidiano das crianças é muito representativa. No entanto, entendemos ser temeroso fazer qualquer vinculação direta en- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 163 tre as mensagens que os programas pretendem emitir e sua recepção pelos sujeitos da pesquisa. As crianças chegam à instituição escolar com um conjunto de saberes sobre a vida. Porém, ainda é muito presente um posicionamento moralista por parte das educadoras em face às interpretações que elas, ao longo do dia, vão realizando sobre as suas circunstâncias. Não que se realize aí um conflito entre visões de mundo mas, na realidade, há uma tentativa de impor às crianças novos significados, principalmente morais. Neste sentido, pode-se afirmar que a concepção de cultura popular assumida pelas educadoras no espaço escolar é a que Chartier (1995, p. 179) define como um modelo específico de descrição e interpretação: “preocupado em lembrar a existência das relações de dominação que organizam o mundo social, percebe a cultura popular em suas dependências e carências em relação à cultura dos dominantes”. Desta forma, a prática de escuta das crianças pelos educadores é, muitas vezes, meramente uma formalidade pedagogizada do que uma prática educativa de produção de significados. Em termos gerais, as educadoras levam muito mais em conta a sua interpretação de mundo, o seu modo de vida, como referência básica da constituição de todos os modos de vida, ensejando juízos de valor unilaterais. Embora se possa, em termos amplos, falar de uma cultura infantil própria, produzida pela criança, fica evidente que essas culturas estão, de alguma forma, constituídas junto com os adultos. As crianças reconhecem explicitamente uma diferença entre o mundo adulto e o mundo da criança, entre coisas que adultos fazem e coisas que crianças fazem. Os processos de socialização em que as crianças estão envolvidas reproduzem, em parte, a cultura vivenciada com sua família, seus cole- 164 gas e seus amigos. Portanto, deve-se ter todo um cuidado ao definir esse processo como sendo um processo de inclusão. As crianças e suas infâncias, inegavelmente, já estão incluídas no mundo social, não sendo a instituição escolar a responsável direta ou única por este fato. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 165 166 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 O professor como objeto de poder e de saber: problematizações sobre a formação docente* LARISSE KATIELE VARGAS DA COSTA1 LUÍS HENRIQUE SOMMER2 RESUMO Este artigo discute o modelo de professor produzido pelo discurso da obra Construção do conhecimento em sala de aula, de Celso Vasconcelos, literatura fartamente utilizada em cursos de formação de professores. A perspectiva teórica alicerça-se no pensamento de Michel Foucault. O método de análise destaca as regularidades discursivas presentes no texto, demonstrando o modelo de professor construído pela trama discursiva e sua associação a um determinado modelo de escola, com funções sociais específicas. Na obra em foco, percebe-se uma tentativa da síntese entre discursos político-pedagógicos e discursos psicopedagógicos, ou seja, um trabalho de harmonização entre o sujeito crítico-transformador das pedagogias críticas e o sujeito psicológico das pedagogias cognitivistas. Palavras-chave: Formação de professores, análise de discurso, Michel Foucault. ABSTRACT This paper discuss the model of teacher produced by the discourse on Celso Vasconcelos’ book, Construção do conhecimento em sala de aula, widely used in teacher’s education. The theoretical perspective * Este estudo é resultado do Projeto de Pesquisa Processos de Fabricação da Docência e da Escola na Contemporaneidade, em realização no PPGEDU/ULBRA Acadêmica do Curso de Pedagogia – Bolsista PROICT/ULBRA 1 Professor-orientador do Curso de Pedagogia e do PPG em Educação/ULBRA ([email protected]) 2 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 167 is based on Michel Foucault’s works. The method of analysis highlights discoursive regularities in the text, showing the model of teacher produced by an array of discourses and its association with a specific model of school, with specific social functions. In the book focused, there is an attempt of synthesis between political-pedagogy discourse and psychopedagogics discourse, that is, an effort to harmonize the criticaltransformation subject of critical pedagogies and the psichologycal subject of the cognitivism pedagogies. Keywords: teacher’s education, discourse analysis, Michel Foucault. INTRODUÇÃO O campo de pesquisa sobre formação de professores no Brasil tem se caracterizado por uma grande e sistemática produção, estruturada a partir de diferentes enfoques teóricos e eixos temáticos. Sob o rótulo formação de professores encontram-se trabalhos que tematizam formação inicial, formação continuada, identidade e profissionalização docente, prática pedagógica. Em cada um desses eixos emergem discussões que vão desde condições de trabalho e remuneração, passando por políticas educacionais e relações de gênero, até a descrição e análise do professor da educação fundamental. Um inventário mais preciso das pesquisas desenvolvidas neste campo pode ser encontrado no artigo Estado da arte da formação de professores no Brasil (ANDRÉ et al., 1999). Nesse artigo, as autoras destacam que nos periódicos científicos brasileiros os textos têm sido marcados por uma extrema ideologização e politização “abrangendo aspectos amplos e variados da formação docente, definindo concepções, práticas e políticas de formação” (ANDRÉ et al., 1999, p. 306-307). Por outro lado, nas teses e dissertações examinadas a preocupação é “com temas e conteúdos bem específicos, de natureza técnico-pedagógica, deixando em aberto questões mais abrangentes sobre ações e sobre políticas de formação” (ANDRÉ et al., 1999, p. 307). Em co- 168 mum, essa ampla e diferenciada produção busca sustentação teórica na perspectiva dialética, o que nos permite afirmar que são investigações feitas desde o interior do dispositivo das utopias educativas (NARODOWSKI, 1999), que historicamente tem sido talvez o principal mecanismo regulatório do discurso pedagógico e, por extensão, das práticas pedagógicas postas em ato na educação escolarizada. A pesquisa que originou este artigo se centra no exame de um conjunto de livros que vem sendo tomado como referência na formação de professores a partir dos anos 1990. Especificamente neste texto, temos como objetivo demonstrar e analisar o modelo de professor produzido pelo discurso da obra Construção do conhecimento em sala de aula, de Celso Vasconcelos. Esse livro, cuja primeira edição data de 1993, se encontra na 16ª edição e é fartamente utilizado em cursos de formação de professores. A referida pesquisa se ancora em uma perspectiva pósestruturalista de análise, o que pressupõe não tomar o sujeito como um a priori transcendental, a exemplo das chamadas filosofias da consciência que estão na base do pensamento pedagógico da modernidade. Nesse sentido, a um só tempo, abre mão de assertivas sobre quem é o professor e de prescrições acerca de como o professor deve se portar no cotidiano da docência contemporânea. A lógica da investigação, e deste Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 texto em particular, parte da tentativa de se colocar em relevo alguns dos complexos processos e estratégias que confluem na produção do docente em nossa época. Assim, se trata de empreender uma discussão ancorada na análise de práticas discursivas que estariam implicadas na fabricação das subjetividades docentes em nosso presente. A perspectiva assumida na investigação tem sido compartilhada mais recentemente por diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros (NARODOWSKI, 1994 e 1999; LARROSA, 1995; PALAMIDESSI, 1996; POPKEWITZ, 1998; GVIRTZ, 1999; GARCIA, 2000; Ó, 2006). De forma especial, nos servimos da teorização de Michel Foucault, sobretudo da produção tardia desenvolvida no eixo da ética da genealogia histórica do sujeito moderno empreendida pelo filósofo francês. Mais precisamente, interessa-nos pôr em relevo diferentes estratégias/mecanismos de fabricação da docência na contemporaneidade. Os estudos de Michel Foucault (1990; 1993; 1995; 1996; 1998a; 1998b, 1999) nos oferecem preciosos insights acerca da produção de sujeitos autogovernados, seja ao nível das instituições disciplinares, nas quais são postas em ato tecnologias de dominação de uns sobre outros, até o nível das relações consigo, das tecnologias do eu, que consistem em procedimentos através dos quais o indivíduo, agindo sobre si mesmo, se autoconstitui como sujeito de um certo tipo. Nessa última direção, a démarche foucaultiana, aqui assumida, permite inquirir acerca dos complexos processos de fabricação do professor e da escola contemporâneos, colocando em relevo certos textos que, nesse registro, medeiam a relação de cada um consigo mesmo. Ao mesmo tempo, a pesquisa desenvolvida nesse registro teórico pretende es- tar atenta às estratégias de resistência a formas estandardizadas que a docência assume em nosso presente, aos modos de individualização que nos têm sido impostos na contemporaneidade. MATERIAL E MÉTODOS Como já referimos, neste estudo está em análise o livro de Celso Vasconcelos Construção do conhecimento em sala de aula. O método utilizado, que entendemos estar em perfeita harmonia com as investigações foucaultianas, consistiu em destacar as regularidades discursivas da obra, de modo a extrair o modelo de docência tecido na trama do texto. Nesse sentido, a preocupação foi com uma leitura atenta da obra, de modo a levar adiante uma análise discursiva que tomasse os enunciados sobre o professor na sua qualidade de ditos, sem perguntarmos por quaisquer possíveis sentidos ocultos, ou por uma suposta ideologia subjacente ao discurso. Noutros termos, operamos sobre a superfície do texto, sem buscar um suposto significado subjacente à sua materialidade. Os enunciados do texto ganham sentidos a partir de sua exterioridade e não a partir de sua lógica interna. Assim, se trata de “estabelecer as relações entre esses enunciados e aquilo que eles descrevem” (VEIGA-NETO, 1996, p. 185). Para facilitar a extração dos enunciados sobre a docência e, ao mesmo tempo, garantir uma maior fidedignidade dos dados, criamos uma ficha onde dispusemos os excertos da obra que se referiam explicitamente ao professor. Tal modo de organização facilitou sobremaneira a identificação das regularidades discursivas e a detecção dos campos discursivos dos quais tais enunciados provinham. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 169 DISCUSSÃO É importante destacar que, via de regra, a literatura identificada como própria do campo formação de professores, se alicerça em uma crítica radical ao chamado modelo de educação tradicional. Invariavelmente ela enuncia os aspectos considerados negativos e, em tese, responsáveis pela crise da escola. Na obra analisada o autor, seguindo essa lógica, reduz a aula expositiva à transmissão, aponta seus pressupostos epistemológicos (empirismo), justifica sua presença pelo fato de esse modelo estar na base da formação dos professores atuais, procura demonstrar sua falta de significado para os alunos e seus postulados perversos efeitos sociais. Além disso, Vasconcelos passa em revista, muito rapidamente, a tradição escolanovista, de modo a demonstrar as diferenças e similitudes com o modelo anterior. Nesse último aspecto, é interessante destacar que o ponto de contato entre escola tradicional e escola nova é, para o autor, a incapacidade de uma e de outra oportunizarem a transformação da realidade. Noutros termos a classificação dos dois modelos como pedagogias liberais, tem o poder de enfraquecê-los na medida em que estariam comprometidos com a manutenção do caráter seletivo e excludente de nossas escolas. Assim, utilizando-se de uma retórica bastante contundente, o autor lança mão da lógica dialética, o que justifica a necessidade de superação dos modelos anteriores e, desta forma, abre condições para apresentar um novo modelo de educação, por ele chamado de Metodologia Dialética de Construção do Conhecimento em Sala de Aula. Olhando de forma mais atenta, na obra em foco percebe-se, em primeiro lugar, uma tenta- 170 tiva da síntese entre o que vamos chamar aqui de discurso político-pedagógico e discurso psicopedagógico (Ó, 2006). Em outras palavras, o autor busca permanentemente harmonizar o sujeito crítico-transformador das pedagogias críticas e o sujeito psicológico das pedagogias cognitivistas. São evidências desta tentativa de harmonização, afirmações categóricas sobre como o professor deve ser; sobre sua função social; sobre seu papel em ajudar os alunos a entenderem a realidade, aliadas a enunciados acerca da necessidade de o professor provocar a abertura para a aprendizagem, de entender o ponto de vista do educando para ajudá-lo na construção do conhecimento, de garantir a interação entre sujeito e objeto. Nota-se, pois, que o professor produzido pelo discurso da obra de Vasconcelos é um sujeito híbrido de dois campos discursivos: a política e a psicologia. No modelo de docência instaurado pelo discurso da chamada Metodologia Dialética de Construção do Conhecimento em Sala de Aula, grosso modo, o professor deve conhecer a realidade social dos alunos, o estágio de desenvolvimento em que eles se encontram (psicogênese); ter clareza dos objetivos e ser capaz de estabelecer a contradição entre as representações mentais dos alunos e a realidade. O teor prescritivo do texto, e sua ampla circulação em cursos de formação de professores, permite-nos entendê-lo como um manual, como um texto prático, que oferece um conjunto de regras de conduta a serem seguidas para se atingir o modelo de docência apregoado. Tal conjunto de regras, operaria sobre a dimensão ética dos professores, tem a ver com a relação que cada um deve estabelecer consigo mesmo, com a forma de cada docente se constituir como sujeito moral de seus atos (FOUCAULT, 1995). O livro de Vascon- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 celos é farto em argumentos comprobatórios da realidade que ele mesmo produz. Todo um conjunto de justificativas sociais, filosóficas, psicológicas é colocado à disposição dos professores. Desta forma, é como se estivessem sendo oferecidos a esses, ao mesmo tempo, um conjunto de regras e um modo de sujeição. Ou seja, as diferentes formas como os professores estabeleceriam uma relação com essas regras e se reconheceriam como obrigados a exercê-las na prática (FOUCAULT, 1998b). É nesse sentido que se pode afirmar que a obra põe em funcionamento certas técnicas de si, o governo de si mesmo, de forma a transformar cada sujeito no tipo de professor apregoado pela Metodologia Dialética de Construção do Conhecimento em Sala de Aula. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vasconcelos, ao examinar os modelos pedagógicos vigentes e propor sua superação dialética, incita os professores a se reconhecerem, a se auto-examinarem constinuamente. À medida que cada um examina a si mesmo, cada um se toma como objeto de saber. Ao tomar a si mesmo como objeto de saber, cada docente extrai saber de si mesmo. Tal operação instrumentaliza os docentes a agirem sobre si mesmos, a exercer poder. De fato, o que nos parece é que nos defrontamos com um processo de sujeição aos axiomas da Metodologia Dialética de Construção do Conhecimento em Sala de Aula, cujos efeitos estariam na produção de um sujeito-moral-docente típico desse modelo de escola e de educação. Assim, o campo possível da ação docente é estruturado; a subjetividade docente é administrada, regulada, controlada. Pelo governo da subjetividade docente, uma identidade profissional é produzida, definida pela obediência a um código moral fundado numa concepção romântica de sujeito, num sujeito original (sujeito cognitivo) e numa série de práticas que se deve exercer sobre eles com o fim de provocar a transformação social pela educação. Estas regras de conduta docente, prescrições acerca de como controlar o espaço da sala de aula, acabam controlando o próprio professor através de uma experiência singular caracterizada pela interrelação de um determinado campo de saber psicológico, um tipo particular de normatividade (conjunto de regras e normas) e os modos pelos quais os/as professores significam a sua própria conduta (formas de subjetividade). Finalmente, para tornar-se o tipo de professor apregoado pelo discurso da obra analisada, resta ao professor agir sobre si mesmo, tomando-se como objeto de poder e de saber. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli et al. Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v.20, n. 68, p. 301-309, dez.1999. FOUCAULT, Michel. Verdade e subjetividade (Howison Lectures). Revista de Comunicação e Linguagens, Lisboa, n.19, p.203-223, dez.1993. (Conferências proferidas em Berkeley, em 20 e 21 de outubro de 1980). FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. 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O imóvel é uma das mais antigas construções de Guaíba, sendo o único bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) no município. Palavras-chave: Casa Gomes Jardim, Guaíba, pesquisa arqueológica. ABSTRACT This paper shows the importance of the archaeological research developed during the architectonic restoration of the house which belonged to Gomes Jardim, a prominent character from the Farroupilha Revolution (1835-1845). This property, located in the central area of department of Guaiba, is profoundly connected to the formation of the city of Guaiba, as well as to the history of the State of Rio Grande do Sul. 1 Acadêmica do Curso de História/ULBRA - Bolsista PROICT/ ULBRA 2 Professora/Orientadora do Curso de História/ULBRA ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 173 The restoration of the building started simultaneously with the archaeological activities in April 2006 and was concluded in September 2007. This house is one of the most antique constructions in Guaiba and the only one protected by the Historical and Artistical Heritage Institute of the State (IPHAE). Keywords: Gomes Jardim House, Guaíba, archaeological research. INTRODUÇÃO A pesquisa arqueológica foi realizada no monitoramento do restauro arquitetônico da casa que pertenceu a Gomes Jardim, um importante líder farroupilha. A casa, situada na região central do município de Guaíba, está atrelada a formação da cidade. A história do Rio Grande do Sul também se encontra profundamente ligada a Casa Gomes Jardim. Na área onde hoje é o centro da cidade de Guaíba foi tramado o movimento para criação da República do Pampa. Das margens da praia da Alegria, centenas de Rebeldes entraram em pequenos barcos e tomaram Porto Alegre. Nascia a Revolução Farroupilha (GUAÍBA, 2006). Existem registros de sítios arqueológicos de grupos caçadores-coletores e ocupações de índios ceramistas Guarani encontrados no município de Guaíba. Soma-se a isto, o fato de que o local onde se encontra a casa está no alto do morro e próximo ao Lago Guaíba, ou seja, em posição privilegiada. Então, se imagina que o lugar tenha servido como habitação, passagem ou acampamento para populações indígenas em tempos pré-históricos (MONTICELLI, 2006). No que se refere a sua raiz histórica, conforme consta em Monticelli (2006) “o local foi sede da estância Pedras Brancas, de propriedade de Antônio Ferreira Leitão, cujas terras deram origem de- 174 pois ao 9º distrito de Porto Alegre, Pedras Brancas, e, em 1926, ao município emancipado de Guaíba”, que recebeu este nome devido ao Lago que o margeia, Guaíba. A partir de 1800, a casa foi residência de Isabel Leonor Ferreira, filha do antigo proprietário, e de seu esposo, José Gomes de Vasconcellos Jardim. Tempos depois, a área serviu como escola e armazém de secos e molhados. Desde a década de 1930 até os dias de hoje, o imóvel pertence à família Leão (idem). Quanto a Gomes Jardim, viveu entre 1783 a 1854, sendo um personagem de destaque da Revolução Farroupilha (1835-1845) e o primeiro presidente da República Rio-Grandense. Ele assumiu o lugar de Bento Gonçalves, quando o líder esteve preso na Bahia, e organizou a primeira tropa de soldados para invadir Porto Alegre (COMEÇA, 2006). Era considerado médico prático, isto é, sem formação acadêmica, mas que usava de seus conhecimentos para o tratamento de doentes. Inclusive, acredita-se que Bento Gonçalves tenha morrido em um dos cômodos da casa, pois era primo de Gomes Jardim, que cuidou dele em seus últimos momentos de vida. Segue o mistério sobre a existência do registro de óbito do chefe farroupilha, pois nem a Cúria Metropolitana nem as igrejas mais antigas, de Rio Grande, Viamão e Triunfo, possuem tal documento. A Cúria também não possui registro de óbito de Gomes Jardim (CULTURA, 2007). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Cabe destacar que a Revolução Farroupilha, que eclodiu na madrugada de 20 de setembro de 1835, teve seu início no período Regencial e acabou no Segundo Império. Foi a mais longa das rebeliões regenciais, pois manteve por dez anos uma luta armada contra as forças imperiais. Por conta de grandes ressentimentos no Rio Grande do Sul, assim como em outras regiões de economia subsidiária, ocorreu uma série de rebeliões provinciais marcadas por idéias federativas e republicanas. A questão do separatismo surgiu apenas no decorrer do tempo, mediante a dificuldade de negociação com a Coroa (PESAVENTO, 1990). O imóvel, hoje, é um bem tombado pelo Estado, desde 1994, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), pois é considerado sítio arqueológico. O processo de tombamento é resultado dos esforços da família Leão, atual proprietária. É importante destacar que a casa não foi tombada por estar bem conservada, mas porque é importante para comunidade (Figura 1). Neste sentido, através da pesquisa arqueológica “cria-se a oportunidade de identificar evidências materiais de antigas ocupações humanas pré-históricas ou já do período histórico” (MONTICELLI, 2005). Figura 1 - Fachada da Casa Gomes Jardim antes das obras do restauro arquitetônico. A preservação do entorno da propriedade, assim como o cipreste, árvore centenária localizada na praça em frente, estão incluídos no projeto, que tem como proponente a Associação de Amigos do Meio Ambiente (AMA Guaíba). Os recursos para o restauro arquitetônico e para pesquisa arqueológica foram obtidos junto a Lei de Incentivo a Cultura (LIC), mediante renúncia fiscal do governo do Rio Grande do Sul, para a empresa Medex, patrocinadora. A pesquisa arqueológica obteve autorização junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) mediante a portaria número 186 (MONTICELLI, 2006). O objetivo deste trabalho consiste, de modo geral, no resgate das evidências materiais de antigas ocupações humanas que ocorreram no local: indígenas Guarani, escravos, imigrantes açorianos, estancieiros farroupilhas, entre outros. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 175 Desta forma, pretende-se avaliar a ocupação humana pré-colonial e histórica do local, comparando com padrão de assentamento conhecido em outras regiões. MATERIAL E MÉTODOS A Casa Gomes Jardim passou por um processo de restauro arquitetônico entre abril de 2006 a setembro de 2007, já que se trata de uma das mais antigas construções do município de Guaíba e, em seu entorno, desenvolveram-se relações políticas, econômicas, sociais e culturais. A pesquisa arqueológica ocorreu no mesmo período do restauro arquitetônico e teve como coordenadora a arqueóloga Gislene Monticelli. O trabalho arqueológico se divide, de modo geral, em três partes: campo, laboratório e gabinete. Deste modo, as metodologias utili- zadas em cada uma destas atividades serão tratadas, aqui, separadamente. No que se refere ao trabalho de campo (Figura 2), foram abertas quadrículas no quintal da casa e realizadas intervenções relacionadas às próprias obras de restauro, como por exemplo, na instalação hidráulica, na remoção de pisos, na implantação de alicerces, entre outros. O arqueólogo responsável pelo trabalho de campo foi o especialista Junior Marques Domiks. Junto com ele trabalharam estagiários voluntários do Curso de História da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas). O material extraído das escavações, depois de devidamente acondicionado, foi cuidadosamente transportado para o Laboratório de Arqueologia e Etnologia (LAE), localizado no Museu de Ciências Naturais (MCN) da ULBRA/Canoas, que possui a guarda e curadoria permanente do acervo. Figura 2- Início da pesquisa arqueológica - decapagem do 1º Nível Artificial das quadrículas QSWF8, QSWF9, QSWG8 e QSWG9. Quanto às atividades de laboratório, num primeiro momento, o material passou por cinco etapas. A primeira delas foi a lavagem, cuidadosa, 176 pois os fragmentos vinham sujos do campo. Cabe destacar que neste procedimento, além de água, nenhum tipo de produto químico é utilizado. De- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 pois de lavadas e secas, as peças foram separadas de acordo com o tipo de evidência: ossos, vidros, louças, metais, entre outros. Em seguida, todo material passou pelo processo de catalogação. Os dados contidos nas etiquetas, que acompanham o acervo desde o campo, foram transcritos para uma ficha de catálogo. O próximo passo foi a numeração. Principalmente louças, vidros e cerâmicas foram numerados. Este trabalho é realizado com bico de pena e nanquim. No final desta etapa, está a quantificação, ou seja, contagem de todos os fragmentos recolhidos durante as escavações. Cabe destacar que, na realização destas atividades também trabalharam estagiários voluntários do Curso de História da ULBRA/Canoas. Em relação ao trabalho de gabinete, foram desenvolvidas atividades voltadas, principalmente, para a análise e tratamento de imagens. Inúmeras fotos foram realizadas durante os trabalhos para registrar todas as fases do andamento das obras e das escavações. Também os documentos referentes ao restauro arquitetônico, a pesquisa arqueológica e as reportagens jornalísticas publicadas no período da restauração foram escaneadas. Um banco de dados está sendo montado, incluindo todo este material, pois a intenção é manter um memorial, já que nos últimos anos as portas da casa sempre estiveram abertas ao público, especialmente durante a Semana Farroupilha, oportunidade em que recebe centenas de visitantes. A responsável por este trabalho foi a acadêmica do Curso de História e bolsista do PROICT/ULBRA, Patrícia Zilles do Nascimento. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com o final das obras de restauro arquitetônico a fachada da casa ficou totalmente modificada. As estruturas do telhado e do forro foram removidas, assim como a platimbanda e o frontão. As esquadrias de madeira e as aberturas externas foram substituídas. As telhas voltaram a ser aquelas do tipo “capa e canal”. O forro também foi substituído. Um canal de drenagem no solo, junto às paredes externas, foi construído. Ainda, a fachada, as paredes e as aberturas externas receberam nova pintura (Figura 3). Figura 3 - Fachada da Casa Gomes Jardim após o restauro arquitetônico. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 177 No que tange a pesquisa arqueológica, grande número de evidências materiais foi resgatado, como fragmentos de louça nacional e importada, objetos de metal, couro e madeira, restos de alimentação (ossos e dentes), fragmentos de cerâmica torneada e indígena, material construtivo, como por exemplo, telhas, tijolos e azulejos, fragmentos de vidro, muitos inclusive em processo de decomposição, entre outros. Soma-se a isto um tipo diferente de cerâmica, possivelmente associado a ocupação do local por escravos negros. Mas ainda são necessários mais estudos a respeito deste tipo de evidência para que tal hipótese seja confirmada. Um outro tipo de fragmento, bastante curioso, que apareceu durante as escavações foi a lousa. Na época em que a propriedade sediou uma escola, não existiam cadernos com folhas brancas como nos dias de hoje, então a lousa desempenhava esta função. CONSIDERAÇÕES FINAIS As escavações encerraram no mesmo período em que foram concluídas as obras do restauro arquitetônico, ou seja, em setembro de 2007, quando a casa foi inaugurada. As primeiras etapas do trabalho de laboratório já estão praticamente finalizadas. Mas, as análises e interpretações serão realizadas na continuidade das pesquisas. Está prevista uma análise comparativa do acervo da casa Gomes Jardim com as evidências materiais obtidas no monitoramento arqueológico das obras do Conduto Forçado Álvaro Chaves-Goethe, em Porto Alegre (MONTICELLI e CAPPELLETTI, 2007), uma vez que as duas pesquisas se referem a ocupações humanas, especialmente ao longo do século XIX, quando ambas as margens do Lago Guaíba pertenciam ao município de Porto Alegre. 178 AGRADECIMENTOS Agradeço ao PROICT/ULBRA pela bolsa de Iniciação Científica; a professora Gislene Monticelli, que orientou este trabalho, pela oportunidade de iniciação na pesquisa, pelo incentivo constante para seguir nesta área e pela liberdade de trabalho; a arqueóloga Ângela Maria Cappelletti, sempre disposta a dividir seus conhecimentos, por todo apoio, principalmente em relação ao desenvolvimento das atividades de laboratório; ao amigo João Henrique da Silva Neto, pelo auxílio com a tradução e, finalmente, a todos os colegas do Curso de História que passaram pelo LAE durante o ano de 2007, pelas discussões fomentadas durante as horas em que passamos juntos, nos dedicando a conhecer detalhadamente parte do cotidiano do trabalho arqueológico. 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Canoas: ULBRA, 2007. MONTICELLI, Gislene; CAPPELLETTI, Ângela Maria. Análise comparativa das evi- PESAVENTO, Sandra. A Revolução Farroupilha. São Paulo: Brasiliense, 1990. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 179 180 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Universidade e permanência – promovendo gestão acolhedora MARISTELA RISSI FERLA1 BIANCA DANIETE CHIMELLO GOULART2 DORILDA GROLLI3 TANIA MARIA SCURO MENDES3 LAURACI DONDÉ DA SILVA4 RESUMO Esta pesquisa foi desenvolvida com vistas à construção de um projeto educativo, objetivando a Gestão Acolhedora e a permanência dos alunos da Ulbra. O caminho investigativo percorrido nesta foi de caráter qualitativo e quantitativo, segundo Bogdan (2000), com a elaboração de ações conjuntas envolvendo pesquisa-ação, consoante Demo (1994) e Brandão (2003). A partir da análise de dados, os indicadores para a construção dos significados sobre permanência e gestão acolhedora contribui com programa que promove a formação continuada de diversos segmentos da Universidade, onde se faz preponderante o desenvolvimento de competências educadoras. Palavras-chave: gestão acolhedora, permanência, formação continuada. 1 Acadêmica do Curso de Pedagogia Empresarial/ULBRA – Bolsista de Iniciação Científica PROICT/ULBRA Acadêmica do Curso de Pedagogia Orientação Educacional/ULBRA. Aluna de Iniciação Científica voluntária 2 PROICT/ULBRA 3 Professora do Curso de Pedagogia/ULBRA Professora-Orientadora do Curso de Pedagogia/ULBRA ([email protected]) 4 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 181 ABSTRACT The present research is based upon the necessity of developing an educational project, facing the issue of the Welcoming Management and the permanence of the students at ULBRA. The investigative path for this research has both a qualitative and a quantitative approach, according to Bogdan (2000), with the elaboration of joint actions involving action-research as shown in Demo (1994) and Brandão (2003). Through the analysis of information, from indicators for the construction of the meanings about Welcoming Management and performance, this work constitutes a program that promotes continuous education for different sectors of the University, where the main objective in the development of educational competencies. Keywords: welcoming management, permanence, continuous education. INTRODUÇÃO A democratização do ensino, nas ultimas três décadas no Brasil, especialmente na educação básica, tem oportunizado que uma maior quantidade de alunos egressos do Ensino Médio e de cursos de Educação de Jovens e Adultos, possam ingressar em Instituições de Ensino Superior. Constata-se, em função do aumento da demanda de alunos, que várias faculdades, centros universitários, universidades, vêm oferecendo diferentes cursos, alguns novos, o que tem aumentado a concorrência entre elas. Embora haja grande oferta de cursos, o ingresso do aluno, via vestibular ou programa de incentivo, não garante a sua permanência na instituição. Tal fato repercute numa problemática que precisa ser investigada e enfrentada por essa Instituição. Não se pode abordar a questão da permanência do aluno no ensino superior apenas do ponto de vista econômico. Há uma gama de fatores implicados nessa permanência que diz respeito, antes de tudo, ao projeto pessoal do aluno e as conseqüências disso no plano social. 182 Por isso o conceito de permanência volta-se para o investimento na formação integral do sujeito. Essa formação deve ocorrer ao longo de toda sua existência e equivale à continuidade nos processos educativos. Permanência abrange o aprimoramento de conhecimentos que leva ao desenvolvimento do sujeito enquanto pessoa com caráter profissional e social. Os seus significados conduzem, desse modo, a uma compreensão sobre a incompletude humana. Assim, entende-se permanência do aluno, neste caso no ensino superior, na sua relação com os indicadores educacionais assumidos por esta coletividade. O investimento nestas premissas precisa ser compromisso fundamental das universidade e, por isso, constitui uma das prioridades para as mesmas; o que pode desencadear investigações instuticionais. Trazendo esta análise para o contexto da Universidade, foi desenvolvida uma investigação tendo como foco as questões da evasão e a permanência do aluno. Cabe então indagar: por que o aluno da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) permanece nesta Instituição? Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Visando encontrar respostas possíveis a esta interrogação, teve-se, como horizonte, a finalidade de desenvolver um Programa de Gestão Acolhedora com os diversos segmentos da ULBRA, a partir dos dados analisados e categorizados na pesquisa, realizada em 2007/1, qual seja: UNIVERSIDADE E PERMANÊNCIA – PROMOVENDO GESTÃO ACOLHEDORA. CONSTRUINDO RELAÇÕES TEÓRICAS A pesquisa intitulada Universidade e Permanência: promovendo gestão acolhedora, desenvolvida em 2007, pode proporcionar maior compreensão sobre componentes da identidade do aluno, traduzidos em sua cultura, sua linguagem e seus determinantes histórico-sociais. As novas demandas sócio-cullturais, especialmente com a assimilação das tecnologias digitais, têm engendrado uma ecologia cognitiva que altera e amplia as necessidades de inserção social. Assim, o papel da universidade é o de dar vez e voz aos sujeitos sociais e, para tanto, essa Instituição precisa romper com paradigmas condicionantes. Necessita construir novas formas de fazer educação, que visem à formação integral em processos humanizadores, sustentados pela ética e pela visão de imprevisibilidade. Essa abertura à sociedade e ao outro, que deve ser finalidade da educação desenvolvida na universidade, é respaldada por Prigogine (1996). Ele que enfatiza que a ciência não se limita mais a situações simplificadas e idealizadas, mas, ao contrário, põe-nos diante da perplexidade de um mundo complexo e constantemente mutável. A Universidade deve atuar na continuidade da formação do sujeito, tendo como finalidade última a construção de projetos de vida. Para tanto, este precisa definir claramente as suas metas e avaliar as suas condições pessoais necessárias para a tradução desse projeto em uma realidade concreta (ZORZO, SILVA e POLENZ, 2004). O papel da Universidade frente à formação do sujeito social, para além do profissional, exige essa perspectiva construtora e cooperadora do conhecimento. É neste contexto que pode-se dizer que a formação acadêmica está intimamente ligada à dialética do saber, através da qual configura-se “um caminho que parte de uma visão abstrata de um objeto de estudo até a sua assimilação na concretude” (KOSIK,1998, p.11). O caminho a que Kosik se refere indica construção para a atitude de reflexividade, de percepção e de apropriação da realidade, que possibilitam a ruptura dos estereótipos e das conclusões prontas, favorecendo a criação de novas possibilidades de ação e relação no mundo concreto. O desenvolvimento da autonomia é prérequisito para capacitar alguém a fazer estas escolhas. O sujeito é autônomo na medida em que suas opções se configuram como expressão da sua vida interior, auto-percebidas nas conexões que ele tem com a sociedade e com o universo, ou, como diria Paulo Freire (2002, p.138), “enquanto forem uma expressão da leitura que cada um consegue fazer no mundo”. Ao desenvolver uma prática curricular democrática, aberta aos saberes que emergem numa perspectiva dialógica, a universidade dará oportunidade ao aluno para promover o desenvolvimento da sua autonomia. Segundo Freire (2002, p.22), “a busca da autonomia é, pois, uma das grandes metas da educação, para cuja exe- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 183 cução se exige dos homens que consigam se libertar de sua auto-inculpável menoridade”. tões acolhedoras, considerando-se todas as instâncias em que ocorrem as relações na Universidade. A permanência do aluno na Universidade, de acordo com os estudos realizados até o momento6 , vincula-se ao conceito de acolhimento. Este conceito deve estar implícito numa ação pedagógica nos espaços educativos formais e informais que envolvem atitudes voltadas ao esforço em estabelecer vínculos significativos com os sujeitos nas relações que se impõem no contexto educacional universitário. Nesse sentido, representa a inclusão das diferenças, numa dimensão multicultural, e no aproveitamento dos conhecimentos prévios, para um trabalho intersubjetivo e intercultural, bem como para a construção participativa do conhecimento, voltando-se para a formação de sujeitos reflexivos, participantes, autônomos e transformadores da sociedade. Tal perspectiva implica as concepções de construção do conhecimento e da inserção social do sujeito que inclui a percepção da realidade, a formação da consciência, a atitude participativa e o desenvolvimento da autonomia. Para tanto, propõe-se a construção continuada de um programa de ações decorrentes da compreensão da realidade no contexto pedagógico e administrativo. A concretização de um trabalho desse teor envolve, necessariamente, toda a comunidade acadêmica. Urge construir parcerias com setores que abrangem a Universidade nas diversas gestões que a representam, promovendo, interdisciplinarmente, a gestão acolhedora, que compreende a humanização e a valorização dos sujeitos envolvidos neste processo. Neste sentido, acolhimento significa a possibilidade de abrir espaço para a relação, numa atitude de disponibilização, de aceitação do outro, sem pré-julgamento ou preconceito, de entendimento sobre as subjetividades, de negociação e de encaminhamentos que podem oferecer alternativas ou redirecionamentos das questões, problemas, dúvidas e/ou conflitos. Assim, o desenvolvimento da competência dialógica faz-se preponderante para criação de ges- 6 184 Evasão Diagnóstico e Prevenção (2001) - Evasão no Ensino Superior (2002) - O despreparo para fazer escolhas e suas implicações na Evasão (2003) - A Formação Continuada do professor e o Desenvolvimento da Autonomia do Aluno: Fatores Implícitos na Evasão do Ensino Superior Como não poderia deixar de ser, esse estudo constitui uma pesquisa–ação, que decorre da especificidade de cada área de conhecimento e de cada serviço oferecido pela Universidade, para a elaboração de um programa de ações interdisciplinares a partir da análise de diferentes realidades, envolvendo o eixo articulador, gestão acolhedora, tornando imprescindível a participação dos responsáveis de cada segmento no processo de avaliação permanente. Com base no aporte teórico anunciado, o programa de ações direcionou-se a segmentos da universidade diretamente envolvidos com o atendimento aos alunos. Nas primeiras etapas deste programa, as ações envolveram os funcionários de: Limpeza, Estacionamento, Seguranças e Gerentes de Setores de Alimentação. (2004) - Evasão e Permanência: reesignificando a vida acadêmica (2005) - Ação Educadora na Universidade – promovendo a permanência (2006) - Universidade e Permanência – promovendo a gestão acolhedora (2007). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Num segundo momento foram envolvidos Pró-reitor de Graduação, Diretores de Área, Coordenadores de Cursos, Assessores Pedagógicos e Professores. As perguntas fechadas tiveram como objetivo coleta de dados dos alunos ingressantes em 2007/1. Em especial, seu nível-socio-economicocultural. Em um terceiro momento, o programa abrangeu: Secretárias de cursos, Central de Atendimento, DOEP, Biblioteca, Apoio Financeiro e Secretaria Geral. Com a questão aberta, os alunos podiam expressar suas expectativas ao ingressar no ensino superior. Em todos os trabalhos, desenvolvidos de modo cooperativo com a Central de Recursos Humanos da Ulbra, privilegiou-se a gestão acolhedora com a premissa fundamental da permanência dos alunos na Instituição. O que implica a qualidade no que diz respeito às relações administrativo-pedagógicas e ensino e aprendizagem. METODOLOGIA O estudo realizado encaminhou um trabalho de caráter interdisciplinar que tem compreendido a articulação de ações com setores envolvidos no contexto educativo da Universidade e que implicam, como eixo articulador, a conceituação foco desta pesquisa: “gestão acolhedora”. Este processo vem (re) desencadeando avaliações de ações conferindo-se um sentido de avaliação permanente ao processo, a fim de compreender o fenômeno e construir alternativas para a permanência dos alunos na Universidade. Desta forma, empreende-se neste estudo, uma pesquisa-ação. Para tanto, foi utilizado como instrumento de pesquisa um questionário com perguntas fechadas, de caráter objetivo, e uma aberta. Os sujeitos da pesquisa foram os ingressantes em todos os cursos oferecidos pela Ulbra em 2007/ 1, perfazendo um total de 1269 alunos. A análise dos dados foi de caráter quantitativo, em relação as questões fechadas, e qualitativo, na questão aberta, segundo os pressupostos de Bogdan (2000), Demo (1994) e Brandão (2003). RESULTADOS A partir dos resultados obtidos nas questões objetivas, verificamos que 62,5% dos alunos ingressaram no curso superior na sua 1º opção. Podemos inferir que os demais alunos ingressantes em na 2º opção, podem necessitar de orientação profissional sob pena de desistirem do curso ou de o abandonarem. Deve-se também levar em consideração que 77% desses alunos são muito jovens. Em relação à escolha do curso, 72,13% dos alunos responderam que a realizaram por opção pessoal, 17,99% devido a possibilidades de trabalho e 9,99% não responderam. O interesse, o gosto, as aptidões são determinantes na escolha do curso. Por isso, é necessário intensificar o trabalho junto aos alunos do ensino médio,visando à orientação profissional à orientação profissional, ao conhecimento das profissões no mundo do trabalho. De acordo com os dados da pesquisa, os alunos ingressantes concluíram o ensino médio recentemente, sendo que 52% no turno da manhã e 31,89% no turno da tarde. Quanto aos Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 185 demais, concluíram-no há bastante tempo (mais de 13 anos). A maioria (51%) dos alunos provém de escolas públicas. Portanto, com possíveis defasagens de conhecimentos, o que exige transformação no processo de trabalho educativo do professor universitário, tendo em vista dificuldades de interpretação, de escrita, de argumentação, de cultura geral e humanística que podem apresentar. Há uma nova demanda de trabalho para que os professores atendam às características desses perfis de alunos. A maior parte dos alunos (57,8%) reside com os pais e provém de famílias de classe média, 42% desses têm renda familiar destinada à manutenção de 3 a 5 pessoas. Quanto ao grau de instrução do pai, a maior porcentagem verificada é de 39,25% que concluíram o ensino fundamental, sendo que o da mãe é de 36,22%, também no ensino fundamental. Podemos perguntar: Qual a cultura familiar em relação à leitura, conhecimentos gerais, dedicação ao estudo? Constatou-se ainda um número considerável de alunos (34,37%) é mantido exclusivamente pelos pais; enquanto a maioria dos alunos (42,72%) trabalha mais de oito horas diárias; os demais trabalham até seis horas diárias, o que significa dizer que são trabalhadores estudantes. Apenas 38,8% tem recursos próprios para manter-se no curso, o restante necessita de algum tipo de auxilio, como bolsa de estudos, financiamentos etc. Mais de 10.000 alunos realizam estágios remunerados e, por isso, estudam à noite. A porcentagem de quase 40% de alunos que trabalham, ainda que em parte, em atividade relacionada à sua formação acadêmica, 186 justifica os indicadores encontrados na questão subjetiva: qualificação, conhecimento e mercado de trabalho, como veremos adiante. A maioria (84%) dos alunos reside na região metropolitana de Porto Alegre, onde se localizam as Instituições de Ensino Superior concorrentes à Ulbra, o que solicita desta universidade um diferencial de qualidade. O transporte coletivo é o mais utilizado pelos estudantes, o que implica verbas financeiras que precisam destinar para tal fim. Se houvesse um convênio com as empresas para diminuição dos gastos com o transporte, os alunos poderiam cursar, pelo menos, mais uma disciplina no semestre. A maioria dos alunos (79,98%) tem na mídia suas fontes de lazer, de comunicação e de cultura. Uma quantidade razoável (70,8%) dos alunos tem computador com acesso à Internet em sua residência ou em seu ambiente de trabalho. Indagados sobre como conheceram a Ulbra, 49,24% disseram que o fizeram através de publicidade , 37,63% através de amigos , 10% mediante a Feira das Profissões; testes vocacionais e visitas, promovida pela Diretoria de Orientação Educacional e Profissional da Universidade Luterana do Brasil; 3,42%, através de esportes e 9,71% por outros meios. Podemos deduzir que a mídia constitui-se um bom meio de divulgação da Ulbra, acompanhada do significativo percentual de divulgação através de contatos interpessoais, o que significa que é necessário intensificar o endo-marketing, envolvendo alunos e professores, para a satisfação da clientela interna, o que, mais uma vez, remete aos indicadores da questão subjetiva. No que se refere à questão aberta, que objetivava coletar dados sobre a perspectiva do aluno ao ingressar na Ulbra, é necessário expli- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 car que nem todos os alunos que responderam a questão fechada, a responderam. Para uma visualização mais detalhada das re- postas descritas pelos alunos, apresenta-se na Figura 1 o conjunto de dados obtidos na Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Figura 1 - Resultado da questão aberta – Área de Ciências Sociais e Aplicadas Seguindo uma análise qualitativa, implicando análise de conteúdos, segundo Bardin (1979), agruparam-se os conteúdos advindos das respostas em categorias que, pela similaridade, foram sendo reagrupadas sucessivamente, o que conduziu às categorias mais genéricas e relevantes. Pode - se verificar, correlacionando a análise qualitativa com a quantitativa, que, entre os maiores índices percentuais alcançados, as categorias que mais se destacaram são: 39% Qualificação (qualidade, infra-estrutura, feira das profissões/visitas, serviços/atendimento ao aluno e palestras/testes vocacionais); 34% Conhecimento (me formar) e 27% Mercado de Trabalho (bolsa/crédito, estágio/emprego). Trazendo estas categorias: Qualificação, Conhecimento e Mercado de Trabalho, pode-se compreender a necessidade de se intensificar as atividades e propor metas que alcancem tais indicadores junto ao programa de ações continuadas, engendradas pela Gestão Acolhedora voltadas à permanência do aluno na Universidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considera-se, assim, a relevância deste trabalho, uma vez que a traduz preocupação por parte de todos os segmentos que implicam as gestões administrativas e pedagógicas da Universidade. Sua repercussão atinge não só a comunidade acadêmica, bem como a comunidade externa em que a Instituição está inserida. Nesta pesquisa, busca-se apoio em análise de perspectiva histórica e sócio-cultural, numa abor- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 187 dagem intercultural e intersubjetiva para o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de fazer a leitura do contexto educativo. Nesta, tem-se por finalidade conhecer a identidade do aluno ingressante em 2007 em suas múltiplas características, para pensar coletivamente, os espaços em que estas identidades possam se desenvolver no universo acadêmico. No tocante ao processo de ensino e aprendizagem, a pesquisa, a partir dos indicadores para a construção dos significados sobre gestão acolhedora e permanência, desencadeia realização de ações que promovem a formação continuada de professores e funcionários. O acadêmico, em sua formação pessoal e profissional, beneficia-se deste estudo, uma vez que as relações no espaço universitário, dentro e fora da sala de aula, passam a favorecer a convivência e o desenvolvimento dos sujeitos implicados, desencadeando, maior índice de permanência e fidelização. Um dos grandes desafios para a continuidade desta investigação é de construir uma nova cultura em relação a permanência e fidelização do estudante na Universidade. Deseja-se, com isso, maximizar o potencial transformador dos jovens, possibilitando a realização de seus projetos de vida, e aproveitando toda infra-estrutura material e humana que a Instituição oferece. Considera-se assim, atender da melhor forma possível, as expectativas apresentadas pelos alunos ingressantes. Entre elas: - receber um atendimento qualificado de todos os setores da Universidade; - obter uma excelente qualificação para o competitivo mercado de trabalho; 188 - tornar-se um profissional ético, competente, responsável e transformador da sociedade; - ingressar no mercado de trabalho, iniciando pelos estágios, aliando desta forma teoria e prática. Espera-se que os dados apresentados contribuam no desenvolvimento de novas metas e políticas de permanência e fidelização dos acadêmicos que ingressam nesta Universidade. REFERÊNCIAS BARDIM, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70,1979. BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 189 Ciências Sociais Aplicadas 192 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Disciplinando os corpos: como a mídia nos ensina sobre o prolongamento da vida na sociedade atual FERNANDA IZIDRO BALESTRO1 SUE ELLEN TATSCH DA SILVA2 CRISTIANNE MARIA FAMER ROCHA3 RESUMO Este texto, decorrente de um projeto de pesquisa4 , objetiva analisar a produtividade dos discursos veiculados na Revista Veja, em 2005, sobre os diferentes dispositivos utilizados para o prolongamento ad infinitun da vida na atual sociedade. A intenção é descrever e buscar compreender os processos pelos quais nos tornamos sujeitos de um determinado processo de objetivação que nos informa o quanto as novas tecnologias revolucionam nossos modos de vida e nossos corpos para que, a partir disto, possamos viver com maior qualidade e de forma mais duradoura nossas vidas. As promessas são muitas e analisar a (des)continuidade temporal destes discursos nos permite, talvez, reconhecer, no todo e na repetição, a multiplicidade e a instabilidade dos mesmos, as ênfases e os recursos utilizados, além das possíveis relações com outros discursos que circulam e fortalecem a necessidade de vivermos um uma sociedade de controle. Palavras-chave: mídia impressa, corpo, discursos, revista Veja, novas tecnologias. 1 Ex-aluna do Curso de Comunicação Social/Ulbra, Bolsista PROICT/ULBRA 2 Acadêmica de Comunicação Social/Ulbra. Acadêmica voluntária PROICT/ULBRA Professora/Orientadora do Curso de Comunicação Social/ULBRA e PPG em Educação/ULBRA.([email protected]) 3 4 Trata-se do Projeto de Pesquisa intitulado: “Disciplinando os Corpos: Como a mídia nos ensina sobre o prolongamento da vida na sociedade de controle”, desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU/ ULBRA), sob orientação da Profa. Dra. Cristianne Maria Famer Rocha, desde agosto de 2006 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 193 ABSTRACT This text, part of a research project, aims to analyze the productivity in discourses published in Veja (a weekly magazine of national circulation), in 2005, about different devices used to prolong life ad infinitum in the current society. The intention is to describe and try to comprehend the processes in which we become subjects of a determined process of objectivation that inform us how new technologies revolutionize our lives and our bodies, so we can live with more quality and in a more durable way. There are many promises and analyze the time (dis)continuity of these discourses perhaps will allow us to recognize, in the whole and in the repetition, our multiplicity and instability, the emphasis and the used resources, plus the possible relations with other discourses that circulate and corroborate the necessity of living in a society of control. Keywords: press media, body, discourses, Veja Magazine, new technologies. INTRODUÇÃO Entre as tecnologias que transformarão a vida na próxima década, estão algumas que prometem diagnósticos mais precisos, remédios mais baratos e próteses que respondem ao comando do cérebro. (Veja, jul.2005, p.46) Na sociedade atual, são inúmeros os recursos e mecanismos (predominantemente de ordem tecnológica) constantemente oferecidos e disponibilizados no “mercado” para, segundo aqueles que os produzem, deixarem nossas vidas mais duradouras. A mídia, por sua vez, tem sido pródiga em veicular mensagens que informam sobre as inúmeras vantagens relacionadas à introdução das “novas” tecnologias em nossas vidas. Além disto, ela nos abastece de discursos (textos e imagens), os mais variados possíveis, sobre as vantagens relacionadas ao prolongamento da existência de nossos corpos e, por conseqüência, de nossas vidas. Sant’anna (2001, p.69) nos alerta sobre as sujeições a que estamos sendo continuamente expostos, sem maiores questionamentos: (...) a publicidade não cessou de prometer um poder inédito de transfiguração: pode-se passar o inverno bronzeado, che- 194 gar aos cinqüenta anos com o rosto de quarenta e adquirir a aparência ideal para cada circunstância. Na área da saúde, as buscas por soluções que prolonguem a vida estão em constante publicização. Em geral, são inovações que “revolucionarão” os mais diferentes campos do conhecimento e nos darão a possibilidade de viver, em menor tempo e independente do espaço físico existente, as maravilhas que nos dizem existir em função da presença de computadores, vídeos, telefones digitais ou chips. São tantas as facilidades oferecidas, nos mais diferentes campos de saberes e práticas, que a hiper-necessidade e a hiperfacilidade que representam, enfatizadas pelos discursos circulantes, podem ser apenas uma plausível justificativa para a introdução contínua (e sem maiores resistências) de uma outra lógica discursiva. Afinal, como afirma Le Breton (2003), O corpo é visto por alguns entusiastas das novas tecnologias como um vestígio indigno fadado a desaparecer em breve. (...) Conectados ao ciberespaço, os corpos se dissolvem (...) [e] o cibernauta abandona a prisão do corpo e entra num mundo de sensações digitais (...). O corpo ele- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 trônico atinge a perfeição, imune à doença, à morte, à deficiência física. Ele representa o paraíso na terra, um mundo sem a espessura da carne. (p.123-124) Lemos (2002), por sua vez, relata que o corpo, na atualidade, funde-se gradualmente com as novas tecnologias, tornando-se um híbrido, um campo de intervenções artificiais como a cirurgia plástica, a engenharia genética, as nanotecnologias. Da mesma forma, Sant’ana (2001) diz que há tecnologias que permitem ao cirurgião repetir sua operação sobre o modelo numérico do paciente “exatamente como se ele estivesse num simulador de vôo” (p.40). Além disso, a humanidade parece caminhar para uma cibervida, ou seja, uma vida virtual em que nossas experiências e vivências parecem ser cada vez mais significativas - apenas e tão somente - no mundo virtual. São considerações como as acima proferidas que nos incitaram a analisar a produtividade discursiva das reportagens veiculadas em uma revista de notícias de circulação nacional (a Revista Veja), ao longo do ano de 2005, no que diz respeito aos diversos dispositivos e mecanismos utilizados para o prolongamento da vida na sociedade atual. A intenção é descrever e buscar compreender os processos pelos quais nos tornamos sujeitos de um determinado processo de objetivação. Afinal, é preciso compreender até que ponto a mídia (neste caso, a impressa) está subjetivando os seus leitores no que diz respeito aos dispositivos que postergam a vida. Está ela apenas informando sobre as novas tecnologias? Formando opiniões com seus discursos sobre o assunto? Ou determinando 5 A chamada de capa é uma manchete de uma reportagem na capa, mas não se constitui matéria de capa da revista. Portanto, uma capa tem, em geral, uma matéria de capa nossos modos de agir, ao sugerir a condução de nossas vidas com vistas a uma longa velhice? MATERIAL E MÉTODOS A fim de analisar a produtividade discursiva das reportagens veiculadas na Revista Veja, em relação aos diversos dispositivos utilizados para o prolongamento da vida na sociedade atual, buscamos em Fischer (1997) inspiração para descrever como se constrói a comunicação didática com sujeito-receptor, através de uma certa sintaxe - estruturação de texto, seleção e encadeamento de imagens, sons, pausas, palavras, trilha sonora e assim por diante. (p. 63) Partindo-se do pressuposto que os meios de informação e comunicação constroem significados e atuam decisivamente na formação dos sujeitos (FISCHER, 1997), buscamos analisar as reportagens previamente selecionadas (aquelas que traziam, em seus textos ou imagens, temáticas relacionadas às novas tecnologias e ao prolongamento da vida), fazendo uso dos Operadores discursivos da mídia impressa, que são colocados em funcionamento, segundo Rocha (2005), a partir de quatro regras: Regra das localizações: As reportagens ocupam lugares estratégicos nas revistas (ser matéria ou chamada de capa5 ; estar em uma ou outra seção; estar no início ou no final da revista; ocupar uma página inteira ou mais páginas e, eventualmente, uma ou mais chamadas sobre outros temas de importância que se encontram publicadas na revista (Rocha, 2005). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 195 etc) e tal localização, em geral, indica a importância e o destaque que a matéria recebe ou não. Além disto, as reportagens ocupam também lugares específicos nas páginas (página inteira, meia página, parte superior, parte inferior, entre outras). Regra das repetições: Os temas apresentados, por vezes, se repetem, em freqüências variadas e nas mais diferentes condições (desde a repetição praticamente “literal” de uma reportagem até as repetições em que o tema é apresentado com a utilização de argumentos contrários ao que já foi publicado). Regra das ênfases: É uma parte do “como” dos textos veiculados, ou seja, quais aspectos (no campo das idéias) as reportagens ressaltam, evidenciam, consideram. Apesar da pretensa “neutralidade informativa”, os textos publicados indicam as tomadas de posição das revistas, às vezes através do uso de palavras ou expressões (de cunho positivo/negativo, depreciativo/entusiasmado), outras vezes são os próprios argumentos – dados e fatos – que indicam as posições assumidas (favoráveis ou contrárias). E também na utilização constante de números, dados, gráficos, tabelas, percentagens nas reportagens – e que procuram fortalecer os argumentos utilizados na defesa de algumas “verdades”. Além disso, um outro fator a ser considerado na análise é o “autor” das informações publicadas (em geral especialistas em determinada área do conhecimento). Regra dos recursos: É a outra parte do “como”, isto é, quais re- 196 cursos gráficos são utilizados nas matérias publicadas (uso de imagens, cores, fotografias, tipos e tamanhos e letras etc). No entanto, não foram analisadas em específico as particularidades destes recursos, em especial as relativas a ângulos, planos e enquadramentos. As mesmas foram observadas como parte dos discursos enunciados pela mídia. Para esta análise, o “texto escrito” é visto como o elemento articulador de verdades e é a partir dele que os outros elementos - incluindo o “texto visual” – foram analisados. (p.150-152) Ao organizar, definir, selecionar e mostrar uma linha discursiva, a mídia (neste caso, a impressa) utiliza tais regras com a finalidade de produzir verdades que, de algum modo, regulam e regem nossos comportamentos e modos de agir e ser no mundo. Como afirmou Rocha (2005): As revistas são artefatos culturais e pedagógicos (...) que englobam a produção e a circulação de saberes, onde jogos de poder estabelecem determinados modos de ser que, graças às operações estratégicas que utilizam, passam a ser vistos como os únicos (e verdadeiros) possíveis. (p.148-149) A produtividade discursiva da mídia impressa também pode ser discutida a partir da análise de uma estratégia frequentemente utilizada: falar de uma realidade particular totalizando-a. E, neste procedimento, ao retratar ou descrever situações particulares como se fossem gerais (iguais para todos), faz com que (ou permite que) seus leitores, de alguma maneira, se reconheçam em tais histórias. É este “processo de reconhecimento” que permite com que os leitores se sintam identificados, compreendidos e, por assim dizer, sujeitos das histórias relatadas. O discurso circulante, portanto, em sua “objetiva” descrição dos fatos, seduz e sujeita. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 As revistas semanais utilizam esse recurso de forma incisiva e contínua. De acordo com Rocha (2005), “a periodicidade semanal, o formato, os recursos utilizados e o público a quem se destinam contribuem para que elas alcancem este duplo objetivo: totalizar para convencer” (p.179). Um recurso muito utilizado pelas revistas é a freqüente utilização das imagens que, tão fortes quanto o texto escrito, sujeitam aqueles que, com ela, se relacionam, na medida em que: [os] discursos que “fazem sentido” servem de uma estratégia pedagógica, de sedução e ao mesmo tempo de controle, adquirindo visibilidade em cada imagem capturada pelas câmeras, a cada seqüência editada, sonorizada, veiculada e recebida. (FISCHER, 1997, p.73) Ao divulgar, espetacularizar ou até banalizar o uso de novas tecnologias para o prolongamento da vida, a mídia atribui valores e sentidos que, ao serem lidos, informam sobre, mas também induzem a adoção de determinadas práticas e criam conceitos persuasivos que nos fazem acreditar em algumas verdades e ignorar outras. Analisar, portanto, a quantidade e a “qualidade” dos discursos veiculados na Veja, em relação às temáticas escolhidas, certamente nos permitirá compreender alguns dos mecanismos de sujeição a que estamos sendo continuamente submetidos. Afinal, neste processo de produção de verdades e de sujeitos, os discursos proferidos são extremamente úteis para informar, formar ou “deformar” os leitores em relação às vantagens das novas tecnologias em nossas vidas. Pois, se não podemos viver sem elas, talvez seja importante buscar compreender como elas são descritas e apresentadas, a fim de que possamos viver com maior qualidade (e não somente com maior quantidade) nossas vidas. RESULTADOS Foram pesquisados, ao longo de 2005, 52 exemplares da Revista Veja. Nestes, foram selecionadas para análise 98 reportagens que abordaram temáticas relacionadas às novas tecnologias, ao corpo e ao prolongamento da vida, como mostra a Figura 1. Figura 1 - Temas em destaque nas reportagens Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 197 De acordo com as quatro regras antes citadas, apresentamos a seguir os resultados mais significativos encontrados: Regra dos recursos A utilização de imagens (em geral, fo- tografias, infográficos ou quadros demonstrativos com dados estatísticos) foi bastante freqüente nas reportagens selecionadas (95% das reportagens tiveram ao menos uma imagem em destaque), conforme a Figura 2. Figura 2 - Presença de fotos, imagens, gráficos, ilustrações nas reportagens. Regra das localizações A Figura 3 mostra que as reportagens selecionadas se apresentaram em maior número nas Seções Guia, Medicina, Tecnologia/Internet e Saúde. Foi analisada, ainda, a extensão das reportagens selecionadas dentro das temáticas propostas. A maior parte delas (64%) ocupou uma ou duas páginas, conforme o Gráfico 4. Figura 3 - Regra das localizações/seções das matérias. 198 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 4 - Números de páginas das matérias. Regra das repetições Embora as reportagens se apresentem, em geral, nas seções relacionadas à temática da saúde e das novas tecnologias (Medicina, Saúde, Tecnologia etc), a própria diversidade dos assuntos tratados é um forte indício da constante repetição destas temáticas na revista analisada. Como exemplo, citamos a reportagem com a entrevista de James Watson, cientista genético, nas páginas amarelas (primeira seção da Revista Veja). A matéria traz como título O radical da genética. Um dos cientistas que descobriram a estrutura do DNA diz que não deve haver restrição nenhuma à pesquisa com genes (Veja, 24 ago. 2005, p.11) e uma das afirmações do entrevistado (a seguir), relevante para as discussões aqui pretendidas, ganhou destaque em um “olho”6 da matéria: 6 Outro exemplo de reportagem fora das seções “típicas”, por assim dizer, para as temáticas analisadas é aquela intitulada Um terrível mundo novo, na seção Cinema, que trata de assuntos referentes a filmes de novas tecnologias e ciberespaço, mas fazendo um constante paralelo ao mundo real, tal como pode-se ver no fragmento de texto abaixo: Se um dia pudermos mudar os genes para que as crianças fiquem mais bonitas ou inteligentes, não vejo por que não fazêlo. (Veja, 24 ago. 2005, p.11) A Ilha tem muitos defeitos e uma idéia sólida: a de que o homem já virou uma mercadoria genética (...) uma história passada no futuro próximo de 2019, na qual se lida com uma idéia que vem migrando com urgência da ficção científica para a esfera do diaa-dia – a idéia do pós-humano (...). Em A.I. – Inteligência Artificial, (...) o menino-robô David é indistinguível, na aparência e na alma, de uma criança verdadeira, mas nunca será amado como tal (...). A ciência está muito longe de criar uma inteligência artificial tão verossímil quanto David, mas muito Olho, na linguagem jornalística impressa, quer dizer uma espécie de “box” ou quadro, com uma citação dita pelo entrevistado e que merece destaque. Geralmente alguma frase polêmica ou contestadora. Esse recurso é muito utilizado para atrair leitores, particularmente nas revistas semanais e nos jornais diários. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 199 perto de fazer com que a questão levantada por A.I. se aplique aos próprios homens (...). Os avanços em áreas como clonagem e a manipulação genética estão prestes a desencadear uma revolução no conceito de natureza humana (...) o supermercado genético não é mais uma miragem. Ele está aberto, e as filas já estão se formando. (Veja, 3 ago, 2005, p.122-123) As diferentes abordagens em que aparece, nas reportagens, a temática das novas tecnologias nos leva a crer que elas foram - e continuam sendo criadas a partir de determinadas necessidades, de determinadas demandas sociais. No entanto, estando inseridas no mercado (e o seu uso insistentemente incentivado pela mídia), os caminhos tomados por elas passam a ser os mais imprevisíveis. Conforme lembra Rocha (2005), um exemplo disto foi “a própria criação da Internet, que foi concebida como uma ferramenta restrita para a segurança de dados militares nos anos sessenta e acabou se expandindo de forma impressionante” (p.193). Regra das ênfases No que diz respeito a esta regra, as reportagens, como mostramos a seguir, foram subdivididas em quatro grandes grupos: 1) Incentivo à utilização de próteses ou de mutações genéticas: Uma das reportagens, Rumo ao homem biônico (Veja, jul.2005, p.46), apresenta as tecnologias que irão influenciar profundamente 200 a Medicina nos próximos anos: diagnósticos precoces e precisos, medicamentos mais baratos e próteses movimentadas pelo cérebro de seus portadores. Nesta matéria, é citado o caso de Cameron Clapp que, mais tarde, no segundo semestre do ano de 2005, renderia reportagem exclusiva, em uma outra edição da revista (neste caso, faz-se uso da regra da repetição). A segunda matéria apresenta a história de Cameron Clapp (Figura 5), que foi atropelado por um trem aos 15 anos e perdeu os membros inferiores e um membro superior. Mas, quatro anos após o acidente, graças ao implante de próteses, voltou a ter uma vida ativa: Em quatro anos ele reaprendeu a andar, correr e manipular objetos com a ajuda de prótese de alta tecnologia (...). Durante um ano o adolescente mutilado viveu em cadeira de rodas (...). No início usou próteses pequenas para fortalecer os músculos inativos. Depois trocou por aparelhos com chips que calculam o movimento da perna e ajustam hidraulicamente os joelhos para combinarem com seu passo e piso. Para correr tem uma versão levíssima. Com extremidades de fibra de carbono: para nadar, pernas e braços mecânicos mais curtos, ambos acoplados a nadadeiras (...). “Estou limitado a atividades robóticas e gasto três vezes mais energia que um corpo normal para me movimentar. Mas a tecnologia está evoluindo e minha vida só vai melhorar”. (Veja, 9 nov. 2005, p.86-87) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 5 - Vida sobre próteses (Veja, 9 nov. 2005, p.86-87) 2) Incentivo ao uso das inovações tecnológicas para prevenção ou tratamento: portagem anterior, mas utiliza argumentos mais convincentes: A reportagem Tratamento de choque contra a depressão apresenta um novo tratamento para esta patologia, com a utilização de aparelhos de eletrochoque: um é implantado no tórax, o outro é aplicado nas têmporas e o terceiro é aplicado no crânio. Depressão é um mal cada vez mais comum no mundo moderno (...) até 2020 a depressão se tornará o segundo maior problema de saúde pública, perdendo apenas para as doenças do coração. A boa notícia é que uma nova e promissora técnica de tratamento contra a depressão se encontra em fase de testes inclusive no Brasil: a estimulação magnética transcraniana (EMT). A técnica consiste na aplicação de pulsações magnéticas repetitivas, produzidas por uma máquina, em uma região específica do cérebro relacionada à ocorrência da depressão (...). Na Universidade Wayne de Detroit, nos Estados Unidos, já foram obtidos resultados promissores no tratamento de vítimas de derrame com perda parcial da capacidade de fala (...). Se os estudos continuarem nesse ritmo, os pacientes depressivos podem ser os primeiros a usufruir em larga escala a nova técnica. (Veja, 21 dez. 2005, p.88-89) Um aparelhinho parecido com um marcapasso é implantado no tórax do paciente. Seus impulsos elétricos estimulam o nervo que influencia a região cerebral responsável pelas emoções e na qual ocorrem os processos depressivos. (Veja, 6 jul. 2005, p.98) Outra reportagem, sobre a mesma temática (regra das repetições), intitulada Eletricidade contra a depressão. Médicos começam a obter bons resultados no tratamento da doença com o uso da estimulação magnética, também apresenta uma “promissora” tecnologia para o tratamento da depressão (Figura 6). A tal “nova tecnologia” parece não diferir muito da apresentada na re- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 201 Figura 7 - Eletricidade contra a depressão (Veja, 21 dez. 2005, p.88). 3) Incentivo à beleza e à saúde: Neste grupo de reportagens selecionadas, são apresentadas aquelas que incentivam a utiliza- ção das novas tecnologias para tornar-se mais bela ou para modificar o corpo, como no caso da reportagem de capa (Figura 8). Figura 8 - Adeus ao pneuzinho (Veja, capa, 14 dez. 2005). Nas páginas internas, a reportagem traz mais de cinco páginas, mostrando as novas estratégias - dietas, exercícios físicos e medica- 202 mentos - para acabar com esse “mal”, que aflige e traz tantos problemas à saúde das mulheres: a barriga. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Está em curso uma revolução nos estudos sobre a obesidade. Mais importante do que a quantidade de gordura é o modo como ela se distribui pelo corpo. O objetivo agora é eliminar aquela “barriguinha”, nociva à estética e à saúde. (Veja, 14 dez. 2005, p.174) Outro exemplo de reportagem que utiliza o argumento da “beleza e saúde a qualquer preço (ou recurso teconológico)” é aquela cujo título é: Injeta, amassa, estufa...e torce para dar certo. Nela, o argumento é que: a bioplastia, nova mania entre os tratamentos estéticos, muda para sempre. Injetar no corpo uma substância sintética pouco conhecida, sem ter certeza das evoluções futura, e nunca mais poder retirá-la, quem faria uma loucura dessas? Muita gente. A contrapartida é o que a bioplastia, um tratamento que vem causando furor, oferece em termos de reengenharia estética a jato: nariz reto, queixo proeminente, boca carnuda, bumbum empinadinho e outras saliências devidamente ressaltadas, sem cirurgia nem internação, só com anestesia local, algumas agulhadas e uma rápida massagem modeladora. (Veja, 17 ago. 2005, p.106) 4) Incentivo à longevidade: Neste quarto e último grupo de reportagens, foi possível constatar, a partir de dos incisivos discursos publicados na Veja, o incentivo à quantidade dos anos de vida. Um dos exemplares apresenta, como matéria de capa, a reportagem intitulada Serenidade até o fim. A busca por maneiras mais humanas de enfrentar os momentos finais da vida: (Figura 9) Figura 9 - Serenidade até o fim (Veja, capa, 9 nov. 2005). A reportagem, no total, apresentou cerca de dez páginas sobre as possibilidades para se viver um “final sereno”, com a utilização de tratamentos paliativos, em casa, que tornam a fase final da vida menos traumática e mais duradoura. Outra reportagem desta série é aquela que apresenta as vantagens de nosso cérebro viver eternamente, independente de nossa corporeidade física: Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 203 (...) até 2050 será possível passar as informações do cérebro de qualquer pessoa para um computador, teoricamente permitindo que uma cópia dele continue funcionando depois da morte. (Veja, jul.2005, p.84) Esta reportagem, intitulada Nosso cérebro viverá para sempre, apresenta a entrevista com o futurólogo da British Telecom, Ian Pearson, que desde a década de 1990, investiga novas tecnologias e tenta prever suas possíveis implicações para o mercado e a sociedade: O futurólogo garantiu à Veja que não se trata de um delírio de cientista maluco, e sim de uma conseqüência natural do progresso de tecnologias hoje em estado inicial (...). “Será como um backup de seu cérebro em um computador (...). Dentro de cinqüenta anos, pelo menos os mais ricos terão acesso a uma espécie de ‘imortalidade eletrônica’. Mais tarde, pode ser possível instalar esse cérebro em um andróide parecido com você e viver como se nada tivesse acontecido”. (Veja, jul.2005, p.84) Pelo acima exposto, talvez apenas os mais ricos possam viver mais e melhor, por enquanto. Mas, a produtividade dos discursos proferidos por Veja (ao falar das novas tecnologias e de seu uso para o prolongamento da vida) certamente ultrapassa as mais triviais barreiras de acesso e busca, através da utilização de variados recursos, construir “verdades” e alternativas que sejam por todos nós tidas como as únicas possíveis ou as melhores existentes. 204 CONCLUSÕES Ao longo da pesquisa realizada, muitos foram os questionamentos e as reflexões possíveis, desde o nosso papel de simples consumidoras até aquele de produtoras de informações, enquanto profissionais da área da comunicação. Afinal, quem trabalha com os meios de produção e circulação de notícias jamais deve esquecer que tem em mãos o “poder” de ser lido, escutado, visto por muita gente e de, assim, poder persuadir beneficamente ou não os demais sobre as coisas do mundo, sobre os possíveis acontecimentos, sobre como está/é a sociedade, ou como deveria estar/ser a mesma. É nosso dever, portanto, permitir-se produzir outras e diferentes verdades sobre o mundo. Para tanto, temos que nos abastecer de informações, das mais variadas possíveis, mas não apenas absorvê-las. Pois, nessa era digital, onde estamos cada vez mais inseridos em uma lógica de facilidades e acessos infinitos, é preciso prestar maior atenção às várias armadilhas postas pelo mercado, já que muitas das informações hoje produzidas e proferidas não são apenas benéficas, como nos fazem crer. A partir da pesquisa realizada, pôde-se perceber o quanto a mídia impressa e, aqui, particularmente, a Revista Veja, não apenas informa seus leitores, mas utiliza-se de estratégias ou recursos (textuais e imagéticos) convincentes para fazê-los acreditar que necessitam sempre mais das novidades tecnológicas para viverem mais e com maior qualidade suas vidas. Ao informar, a Veja forma opiniões e transforma seus leitores em sujeitos de outras verdades, objetivados, informados ou seduzidos pelos discursos proferidos. No caso da pesquisa realiza- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 da, as reportagens publicadas invariavelmente mostraram uma variedade de motivos e argumentos positivos relativos às inúmeras vantagens decorrentes da introdução das novas tecnologias em nossas vidas. Resta, portanto, diante disto, primeiro, buscar compreender as condições de produção das informações publicadas na revista e, segundo, discernir sua aplicação ou não no dia-a-dia, de acordo com as crenças e necessidades de cada um de nós. REFERÊNCIAS FISCHER, Rosa Maria Bueno. O estatuto pedagógico da mídia: questões de análise. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.22, n. 2, p.59-80, jul./dez. 1997. LE BRETON, David. Adeus ao corpo. Tradução Paulo Neves. In: NOVAES, Adauto (Org.). O Homem-máquina: a ciência manipula o corpo. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 205 206 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Energia de ondas: uma proposta de inserção tecnológica e econômica no Brasil WILLIAN MATTES GONÇALVES1 FLÁVIO TOSI FEIJÓ2 PATRÍZIA RAGGI ABDALLAH3 RESUMO O presente artigo explora a possibilidade de inserção de tecnologias de geração de energia elétrica a partir da energia de ondas marinhas na costa brasileira. Para tanto, foram revisadas as principais tecnologias implementadas no mundo para a extração de energia advinda das ondas, incluindo os custos associados à instalação de uma unidade-piloto. De acordo com os dados mais recentes, um aproveitamento intensivo desse recurso na costa brasileira seria capaz de fornecer 50 TWh. Palavras-chave: Economia da energia, fontes renováveis de energia, energia de ondas. ABSTRACT This paper explores the possibility of electricity generation based on wave energy at the brazilian coast. Therefore, we present a review of the main technologies available around the world to this sort of energy production, including the principal range of costs related to them. In according to the most recent available data, an intensive utilization of this resource at the brazilian coast would be able to generate around 50 TW-h. Keywords: Energy economics, renewable energy sources, wave energy. nômicas, Administrativas e Contábeis (DCEAC)/FURG ([email protected]) Acadêmico do curso de Economia/FURG. Bolsista PROBIC/ FURG 1 Professor/Orientador do Departamento de Ciências Eco- 2 3 Professor/Orientador do DCEAC/FURG Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 207 INTRODUÇÃO As preocupações relacionadas com as questões ambientais têm figurado com forte proeminência nos debates científicos e acadêmicos. Ao longo das últimas décadas, as dimensões atingidas pela sociedade contemporânea, no que diz respeito à intensificação da demanda por recursos naturais, renováveis ou não, motivam um crescente número de pesquisas que pretendem apontar vias possíveis para a sustentabilidade intertemporal desses recursos. Os processos de geração de energia desempenham um papel fundamental na consecução dos objetivos econômicos, sociais e ambientais das nações modernas, e são capazes de representar um ponto de estragulamento quando mal planejados e gerenciados. No mesmo tocante, grande parte desses processos demanda uma alta quantidade de combustíveis altamente poluentes, dependendo do tipo de matriz em que estão baseados, e exigem uma reformulação setorial adequada de modo que contemplem as exigências do desenvolvimento econômico e social em conjunção com a redução das agressões ambientais. É notável que a mudança de paradigmas a respeito do desenvolvimento, sobretudo com a incorporação da noção de sustentabilidade4 , permitirá uma participação crescente dos processos de geração de energia baseados em fontes renováveis. No entanto, a performance dessa inserção está sujeita a uma vasta gama de 4 208 Uma definição suscinta de desenvolvimento sustentável é apresentada por World Comission on Environment and Development 1987 Report (apud UNDP World Assessment Energy, 2000, p. 31), sendo aquele “that meets the needs fatores que inclui investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, mapeamentos do aproveitamento potencial das novas fontes de energia, verificação de viabilidades técnica e econômica, e a formação de um arcabouço institucional que contemple políticas direcionadas a objetivos desejados. Embora seja um tipo de recurso ainda incipiente em sua utilização no mundo, o potencial energético contido nos oceanos apresenta-se como uma alternativa promissora para a geração de energia elétrica, o que justifica a necessidade de estudos sobre o aproveitamento desse recurso, especialmente na costa brasileira. De acordo com Cruz e Sarmento (2004), o potencial energético global atribuído à energia das ondas é da ordem de 2 TW5 , sendo equivalente à potência elétrica média anual consumida mundialmente. Neste artigo, tem-se como objetivo uma caracterização das principais tecnologias utilizadas para a extração da energia das ondas no mundo, e a detecção dos principais componentes de custos associados à sua instalação, através de revisão bibliográfica. A classe de dispositivos de conversão da energia das ondas analisada neste trabalho é a mais recente e aquela que permite beneficiar-se dos regimes de ondas mais poderosos, característicos de zonas de elevada profundidade (offshore). Para tanto, o artigo encontra-se dividido em quatro seções seguintes que abordam, respectivamente, uma introdução téc- of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs.” TW, unidade de medida de potência equivalente a 1.000 Gigawatts. 5 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 nica sobre o aproveitamento da energia das ondas; uma caracterização dos principais tipos de equipamentos utilizados na extração desse tipo de energia; uma descrição dos principais componentes de custos relacionados com a instalação de uma usina de geração de energia elétrica a partir da energia das ondas; e uma breve contextualização da energia das ondas ao caso brasileiro, com os potenciais impactos de sua implantação na costa litorânea. Aspectos técnicos do aproveitamento da energia das ondas As ondas resultam do efeito do vento sobre a superfície dos oceanos, caracterizadas pela movimentação vertical de partículas fluidas, cuja direção de propagação energética se dá perpendicularmente à linha de crista da onda. Os mecanismos precisos de transferência da energia dos ventos para as ondas são bastante complexos. No entanto, Estefen et al. (2003) identificam os seguintes aspectos: i) o fluxo de ar sobre a superfície do mar transfere energia através de tensões cisalhantes, resultando na formação e no crescimento das ondas; ii) alterações dos campos de pressão e das tensões cisalhantes, em decorrência de fluxos turbulentos de ar, levam a uma intensificação do processo de formação das ondas; e iii) a partir de certo tamanho, as ondas podem sofrer uma ação mais intensa do fluxo de ar, o que se reflete também no crescimento das ondas. O fluxo de energia, P, de uma onda senoidal, por unidade de frente, segundo a teoria linear da onda, pode ser expressa teoricamente pela seguinte equação: P = ρg2 H2 T 32π Onde r é a massa específica da água, g é a aceleração da gravidade, H é a altura da onda e T é o período da onda. No entanto, a definição acima comporta uma modelagem simplificada quando comparada às condições reais do mar, onde existe predominância da superposição aleatória de inúmeros desses processos simplificados. Outras modelagens procuram definir a distribuição da energia das ondas, em condições reais, em função da freqüência das ondas. Ainda nesse sentido, modelagens mais sofisticadas incluem a distribuição da energia das ondas com base na direção das ondas, capturando a parcela de energia capaz de ser interceptada por um dispositivo unidirecional de extração de energia. As tecnologias de extração da energia das ondas Nas últimas décadas, a extração da energia das ondas tem motivado os pesquisadores a encontrar diferentes soluções para equacionar o desafio tecnológico. Segundo Estefen et al., ‘“A flutuação dos níveis de potência das ondas ao longo do ano é uma das maiores dificuldades encontradas pelos projetistas de aparatos para a extração de energia das ondas, pois enquanto uma usina de ondas deve operar de forma eficiente em níveis de potência da ordem de 20 kW/m, deve ser também capaz de suportar a ação de ondas extremas com potências da ordem de 1.000 kW/m.” (2003, p. 490) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 209 As tecnologias de conversão da energia das ondas são classificadas usualmente com base no princípio de operação do equipamento ou com base na distância entre o equipamento e a linha de costa (CRUZ e SARMENTO, 2004). De acordo com esta última classificação, podem ser classificadas em dispositivos costeiros (shoreline), dispositivos próximos da costa (near-shore), e dispositivos afastados da costa (offshore). O motivo pelo qual é feita essa classificação deve-se às profundidades resultantes das distâncias dos dispositivos à costa, uma vez que o regime de ondas é mais energético em maiores profundidades, sendo assim vantajoso colocar tais dispositivos em profundidades superiores. No caso dos dispositivos shoreline as profundidades serão normalmente inferiores a 20 m e os dispositivos são assentados no fundo do mar. No segundo caso, nearshore, a profundidade fica em torno dos 50 m e os dispositivos são flutuantes. A primeira classificação está associada ao modo de conversão da energia das ondas em energia elétrica, isto é, ao tipo de dispositivo. Temos assim três classes principais de dispositivos de conversão da energia das ondas, que podem ser de Coluna de Água Oscilante, CAO (Oscillating Water Column,), Corpos Flutuantes, podendo ser de absorção pontual (Point Absorbers) ou progressiva (Surging devices), e Galgamento (Overtopping devices). É importante ressaltar que esses dispositivos podem eventualmente ser usados em conjunto em um parque de geração de energia. A seguir, são apresentados os dispositivos pertencentes à classe de equipamentos capazes de operar em maiores profundidades e, dessa forma, beneficiarem-se de regimes mais poderosos e energéticos de ondas. 6 210 Desenvolvido pela Teamwork Technology (Países Baixos). http://www.waveswing.com Archimedes Wave Swing (AWS)6 O Archimedes Wave Swing é um dispositivo de conversão de energia das ondas da classe dos corpos flutuantes. Com um diâmetro de 10 a 15 m, bastante inferior ao comprimento de onda (cerca de 150 m), o AWS pode ser considerado um dispositivo de absorção pontual. O AWS é formado por dois cilindros ocos submersos, no interior dos quais o ar pressurizado equilibra o cilindro superior (flutuador) e a coluna de água exterior acima dele. A passagem das ondas altera a pressão sobre o cilindro flutuador, provocando um movimento oscilatório. Esse movimento é utilizado para acionar um gerador elétrico linear, responsável pela produção da energia elétrica. Os dispositivos finais prevêem uma potência instalada de aproximadamente 5 MW. Pelamis7 O Pelamis é um dispositivo de conversão de energia das ondas do tipo progressivo. Os dispositivos progressivos são sistemas alongados com uma dimensão longitudinal da ordem de grandeza do comprimento de onda e estão dispostos no sentido de propagação da onda, de modo a gerarem um efeito de bombeamento progressivo, associado à passagem da onda. Cada dispositivo é composto de quatro tubos circulares e três módulos de conversão de energia, perfazendo uma capacidade unitária de aproximadamente 750 kW, sendo o seu comprimento de 120 m e o diâmetro externo igual a 3.5 m. O movimento de propagação das ondas provoca a oscilação dos cilindros em relação às Desenvolvido pela Ocean Power Delivery Ltd. (Escócia). http://www.oceanpd.com 7 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 juntas que os unem e, dessa forma, a pressurização de óleo interno que passa por motores hidráulicos, responsáveis pela geração da energia elétrica. Uma das componentes importantes do Pelamis é o seu sistema de fixação ao fundo do mar, que, dadas as características do dispositivo, assume uma relevância fundamental. Wave Dragon8 O Wave Dragon é um dispositivo de conversão de energia das ondas que pode ser considerado como um dispositivo de galgamento afastado da costa (offshore). O sistema consiste basicamente em dois refletores e de um reservatório que armazena a água e ainda de um determinado número de turbinas de baixa queda, através das quais a energia elétrica é produzida. Um dispositivo Wave Dragon é projetado para, em escala real, atingir uma potência nominal de 7 MW, em um intervalo que pode variar entre 4 e 11 MW, de acordo com o clima médio de ondas do Atlântico (36 a 40 kW/ m). Este sistema foi o primeiro a introduzir eletricidade em uma rede elétrica, em Nissung, Dinamarca (CRUZ e SARMENTO, 2004). Componentes de custos A determinação dos custos totais compreende o levantamento e a soma de todos os custos de investimento. Estes podem variar de acordo com o projeto, mas, basicamente, incluem equipamentos (novos e usados); licenças; patentes; despesas de instalação, etc. (EPRI, 2004) 8 Equipamentos No caso dos equipamentos (EPRI, 2004), podem ser mencionados: turbinas (componentes que são diretamente responsáveis pela extração de energia do fluxo tidal, tais como o rotor, e seus controladores, e cabo principal); estruturas de extração (componentes estruturais de extração, tais como dutos de alojamento, ou qualquer outro componente estrutural requerido); geradores; fundações, aportagem e ancoragem (componentes requeridos para a fixação, em determinado local, do dispositivo de conversão de força do fluxo tidal); interconexões elétricas (cabos requeridos para a conexão das plantas individuais a um ponto de interconexão comum); interconexões paralelas (todos os sistemas de cabos, engrenagens, linhas de transmissão e infra- estrutura requeridas para a conexão do ponto de interconexão comum ao ponto de conexão baseado em terra); comunicação, comandos e controle (equipamentos e infra-estrutura requeridos para estabelecer uma ligação de duas vias entre solo e sistemas de geração, com fins de comunicação, controle e comandos); custos de instalação (custos requeridos para o transporte do sistema até o local de operação, para completar todas as conexões, e verificação do local); instalações gerais e engenharia (custos de engenharia associados ao planejamento do parque de geração e de instalações gerais requeridas para a operação da planta. Neste item poderiam ser incluídas modificações em docas, compras de manutenção etc. para a operação e manutenção do parque). Desenvolvido pela Wave Dragon ApS, um consórcio internacional europeu. http://www.wavedragon.com Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 211 Encargos Financeiros e Provisões Econômicas No caso de custos relacionados com encargos e provisões econômicas, destacam-se: custo de desenvolvimento do proprietário (estimado em aproximadamente 5% dos custos de instalação acima); provisões econômicas (estimadas em aproximadamente 2% dos custos de equipamentos); taxas financeiras (estimadas em aproximadamente 2% do primeiro ano de dívida); e demais encargos. Demais Custos Entre os demais custos, podem ser mencionados os custos subestação-subestação que consistem no custo de capital inicial requerido para qualquer custo de transmissão/distribuição entre subestações que seja incluído no custo estimado, entretanto, desde que seja creditado de volta com juros dentro dos primeiros 5 (cinco) anos de operação. Por simplificação, esse custo não é fatorado junto ao custo de eletricidade (CDE) ou nos cálculos da taxa interna de retorno. Custos de Operação e Manutenção Por sua vez, os Custos Anuais Programados de Operação e Manutenção (O&M) compreendem os componentes de O&M que constituem de seguro, mão-de-obra e “partes”. Em mão-de-obra, além de pessoal capacitado, incluem-se despesas com equipamentos como lanchas, barcos de mergulho, etc. para a execução das atividades de O&M. “Partes” são simplesmente itens de reposição. Os custos de O&M não incluem custos infreqüentemente incorridos na revisão dos dispositivos e outros 212 componentes. Estes custos estão incluídos no Custo de Reposição Atualizado (CRA). As despesas referem-se aos pagamentos anuais associados à operação e à manutenção da planta, e incluem O&M recorrentes e não-recorrentes (que são estimados, para efeitos de análise econômica, baseados em projetos relacionados da indústria offshore). A maior parte dos custos de O&M associados com os dispositivos de conversão de energia tidal pode ser agrupada em três categorias: i) Manutenção Não-programada: execução de reparos, tipicamente ocorrendo após violentas tempestades; ii) Manutenção Preventiva Programada; iii) Revisões e Reposições Programadas de Dispositivos. Quanto ao Custo Anual Não-programado de O&M, tem-se a provisão para manutenção nãoprogramada estimada em uma porcentagem do custo anual programado de O&M. O Custo Atualizado de Reposições e Revisões Periódicas (CARP), uma vez que, dependendo do tipo específico de equipamento, requerem-se maiores revisões do dispositivo e do sistema de fixação, e são programadas para ocorrer a cada 5, 10 ou 15 anos. Essas maiores revisões podem se dirigir às engrenagens, sustentações, lacres e outras partes móveis, bem como ao cabo de fixação e componentes. Uma vez que são custos incorridos em intervalos de vários anos, e não rotineiramente a cada ano, a sua contabilização correta requer um aporte anual de fundos. O objetivo desse aporte é disponibilizar recursos para quando surgir a necessidade de reposições ou revisões. O aporte envolve cálculo de Valor Presente Líquido, em nível dos custos de revisão e reposição, a uma base anualizada, consistente com os outros elementos de custos. Por se tratarem de investimentos, são elegíveis a taxas de crédito de investimentos. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Assim, o Custo Total da Planta (CTP), isto é, custo total instalado e incumbido, consistirá nos elementos de custo supramencionados. O Investimento Total na Planta (ITP) é o montante de capital total para a construção da planta, considerando-se os juros durante o período de construção. ITP = CTP + Juro durante a Construção. A energia das ondas e o caso brasileiro Os estudos sobre aproveitamento da energia das ondas ainda se encontram em fase bastante incipiente no Brasil, agravados por obstáculos significativos ao seu desenvolvimento como a ausência de dados sobre o potencial energético do mar brasileiro, dificuldade de atração de investidores e a ausência de mecanismos institucionais que incluam projetos de investimentos nesse tipo de geração de energia em programas de incentivos ao desenvolvimento de energias alternativas. Estefen et al. (2003) reportam os dados obtidos do potencial energético da costa brasileira, com base na medição realizada pelo satélite Topex/Poseidon, referentes a um período de 6 anos e meio (setembro de 1992 a março de 1996, e fevereiro de 1999 a setembro de 2000). A Tabela 1 reproduz aqui esses resultados. Tabela 1 - Valores médios de H9 , Te10 e P11 ao largo da costa brasileira obtidos a partir das medidas dos altímetros do satélite Topex/Poseidon entre setembro de 1992 a março de 1996 e fevereiro de 1999 a setembro de 2000. 9 Altura da onda. 11 Compreende um período médio, denominado período de energia ou de potência, sendo expresso em kW/m. 10 Potência disponibilizada pela onda, expressa em kW/h. Traços das pistas do satélite. Cf. TOLMASQUIM, M. T. 2003. p. 493. Figura 2. 12 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 213 É possível observar que a potência disponibilizada pelas ondas aumenta de acordo com a latitude até atingir 32,5 kW/h no extremo Sul do país (Pista 163), compreendendo um recurso total de aproximadamente 40 GW. Estefen et al. (2003) admitem um máximo de capacidade de aproveitamento do recurso das ondas entre 10 e 15% do total disponível. Em outras palavras, um aproveitamento intensivo do recurso seria capaz de produzir anualmente o equivalente a 50 TWh. Em virtude das limitadas experiências com energia de ondas no mundo ainda, é difícil estimar o quão viável economicamente será a sua operação em um estágio maduro de desenvolvimento, ou em larga escala. No entanto, algumas tecnologias de extração offshore de energia das ondas já são competitivas em certos nichos de mercado, como em pequenas comunidades ou ilhas que fazem uso de geração de energia em pequena escala a partir de diesel combustível (UNDP, 2000). De acordo com os custos apresentados por Fraenkel (1999), uma geração a partir de óleo diesel custa tipicamente entre US$ 0,10 a US$ 0,50 por quilowatt-hora (kW/ h), enquanto algumas tecnologias offshore produzem a mesma quantidade de energia a custos entre US$ 0,06 e US$ 0,15. A mensuração detalhada dos benefícios econômicos e sociais advindos de fontes renováveis é bastante difícil e, normalmente, está vinculada ao tipo de projeto a ser empreendido, incluindo os diferentes equipamentos utilizados. A partir da revisão de uma experiência com energia de ondas na Escócia, Wec (2003) ressalta ainda como os principais benefícios a criação de empregos diretos e indiretos; externalidades tecnológicas, principalmente quando o país dis- 214 põe de know-how na indústria offshore; e dinamização econômica de áreas rurais. Além disso, representaria um incremento na capacidade instalada de geração de energia elétrica baseado em uma fonte renovável e nãopoluente. Ademais, um projeto de energia de ondas estaria apto à elegibilidade ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, sendo possível a oferta de créditos de carbono no mercado internacional. CONCLUSÃO O equacionamento dos desafios ambientais que se põem diante da humanidade requer uma especial atenção aos processos de geração de energia, dada a sua indispensabilidade para o continuado desenvolvimento humano e para o crescimento econômico. O Brasil apresenta uma relativa eficiência energética do ponto de vista ambiental com sua matriz preponderantemente baseada em geração hidrelétrica. Estimações das emissões de dióxido de carbono (CO2) per capita para a geração de energia elétrica apontam para 1,76 tonelada no Brasil, consideravelmente abaixo da média da América Latina, estimada em 4,18 toneladas, e de países como Estados Unidos e Japão, que emitem em média 20 e 9,5 toneladas per capita, respectivamente. O desenvolvimento da extração de energia das ondas na costa brasileira reafirmaria a posição brasileira na eficiência energética ambiental. Por outro lado, em vista do nível de potência disponível na costa brasileira, com destaque para a Região Sul do país, é razoável admitir-se que os empreendimentos de energia das ondas mais viáveis economicamente serão aqueles mais afastados Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 da costa, onde o potencial energético das ondas é maior e, portanto, beneficiar-se-ão de uma maior capacidade de geração de energia elétrica. Apresentaram-se, neste trabalho, as principais classes de tecnologias disponíveis para tais empreendimentos e a estrutura de custos relacionados com a sua instalação e operação. A estimação desses custos é parte essencial dos estudos de viabilidade econômica da operação de usinas de energia elétrica com base em ondas marinhas, bem como para a seleção dos tipos de dispositivos a serem utilizados. A escassez de informações e de pesquisas sobre a inserção de tecnologias de geração de energia elétrica a partir das ondas no Brasil ainda representa uma das maiores deficiências para a prospecção e o desenvolvimento de aplicações efetivas no país. Entretanto, os esforços conjuntos de laboratórios de pesquisa, da iniciativa privada e do setor governamental apontam para boas perspectivas sobre o aproveitamento econômico da energia das ondas na costa brasileira. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (PROBIC/FURG), e ao Centro Nacional de Pesquisas da Petrobras (CENPES/ PETROBRAS) pela motivação despertada ao estudo de energia das ondas na costa brasileira. REFERÊNCIAS CRUZ, J. M.; SARMENTO, A. J. Energia das ondas: introdução aos aspectos tecnológicos, económicos e ambientais. Portugal: Instituto do Ambiente Alfragide, 2004. ENERGY POWER RESEARCH INSTITUTE – EPRI. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 215 216 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 O dever do estado de fornecimento do interferon peguilado a pacientes portadores de hepatite C1 ELIZIANI VEDOY DA SILVA2 PAULA PELLIZZER DAL’PIZZOL3 GERMANO ANDRÉ DOERDELEIN SCHWARTZ4 RESUMO O presente artigo procura conceituar o que é hepatite C e as formas de seu tratamento pelo Interferon Peguilado, o medicamento mais avançado e oneroso indicado para o tratamento. Busca, também, analisar o direito do cidadão em receber do Estado o fármaco tendo em vista a escassez de recursos econômicos e a rotineira alegação da reserva do possível por parte do Estado. Palavras-chave: Dever do Estado, direito à saúde, hepatite C, Interferon Peguilado, reserva do possível. ABSTRACT The present article explain what is hepatite C and its healing through the Interferon Peguilado, the most advanced and expensive medicine specified for the treatment. By the end, it explains the rights of the citizens for the medication and the scarce of resouces (the reserve of the possible). O artigo é resultado de pesquisa realizada junto ao programa de Pós-Graduação em Direito da ULBRA/Canoas. Foi financiado por essa instituição e faz parte do projeto de pesquisa “Direito à saúde e teorias Jurídico-Contemporâneas”, conectado ao grupo de pesquisa CNPq “Constitucionalismo e Direitos Fundamentais.” 1 Acadêmica do curso de Direito/ULBRA. Bolsista PROICT/ULBRA 2 Acadêmica do curso de Direito/ULBRA. Bolsista Voluntária de Iniciação Científica da ULBRA 3 Professor/Orientador do Curso de Direito/ULBRA e UPF e do PPG em Direito/ULBRA ([email protected]) 4 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 217 Keywords: Hepatite C, Pegylated Interferon, right to the health, reserve of the possible. INTRODUÇÃO O artigo tem como objetivo principal a análise do fornecimento gratuito do medicamento Interferon Peguilado a partir da temática da Reserva do Possível. Essa questão assumiu grande relevância nas discussões jurisprudenciais no Brasil. Um dos pilares dessas discussões é, segundo os entes federativos, a economia brasileira, que não possui condições de assegurar esse direito aos cidadãos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país5 . O assunto é de extrema relevância tanto para as pessoas que solicitam esse direito quanto para o Poder Judiciário que tenta, assim, preservar o Direito à Vida – Direito Absoluto – diante da disposição orçamentária do país. O Estado não pode deixar de fornecer o medicamento, não só porque tal negativa é insubsistente, mas também porque a Carta Magna assegura esse direito a todos os cidadãos6 , qualificando-o como dever do Estado. Diante de tantas discussões, o Poder Judiciário do nosso País vê-se obrigado a decidir entre a consecução da saúde ou a preservação da economia. Esse dilema social gera a problemática sobre o que é mais importante: o direito à vida ou o direito do Estado de pre- 5 Artigo 5º, “caput”, CF/88: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...’ Conforme o artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e 6 218 servar o orçamento previsto. Eis, portanto, o assunto do presente artigo, observado mediante pesquisa bibliográfica e analisado pelo método analítico reflexivo. O conceito e as conseqüências da Hepatite C A Hepatite é uma doença caracterizada pela inflamação do fígado7 , gerando desde pequeno até um grande grau de destruição das células hepáticas. Existem vários tipos de Hepatites. As mais comuns são a Hepatite A, B e C. De uma forma geral, a Hepatite pode ser transmitida por via viral, auto-imune8 , por reação ao álcool, por drogas e por medicamentos. A Hepatite C pode manifestar-se, inicialmente, de duas formas: aguda e crônica. A forma aguda acentua-se nos seis primeiros meses, aproximadamente, a partir da data de contagio. A grande maioria é assintomática (não causa sintomas) e anictérica (causa sintomas). Essa fase é demasiadamente complicada, pois pode ocorrer uma evolução do caso sem saber que se tem a doença, resultando assim, na cirrose. ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.’ PACIONIR, Rodolfo. Dicionário Médico. 3ª edição/Rio de Janeiro: Guanabara Koorgan, 1985, p.. 321. 7 Segundo Coutinho, auto-imunidade é o processo em que se formam anticorpos contra um componente dos tecidos do próprio individuo, ou em que o mesmo antigénio produz uma sensibilização específica. Esta tolerância pode levar a quadros de doença. Pg. 250-251. 8 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Por outro lado, a segunda fase, chamada de crônica, pode, também, não apresentar sintomas (assintomática) ou apresentar sintomas inespecíficos até que apareçam as lesões no fígado (cirrose) e câncer hepático. Estima-se que atualmente, o VHC9 seja responsável por 60% das doenças crônicas de fígado. È a principal indicação de transplantes hepáticos nos países desenvolvidos10 . É importante detectar a Hepatite na fase aguda, pois a doença pode tornar-se crônica. Cerca de um terço dos pacientes “evoluem” de forma rápida para a cirrose. Tal fato pode ocorrer em um período de aproximadamente 20 anos após a infecção.11 No entanto, a maioria dos pacientes só percebe o diagnóstico positivo da doença na fase crônica, muitas vezes anos após a infecção. O VHC é transmitido pelo contato com sangue contaminado, tendo como fatores de risco específicos a transfusão de hemoderivados, usuários de drogas endovenosas, hemodiálise, relações sexuais, uso de cocaína intranasal, tatuagem, “piercing”, acupuntura, contatos domiciliares (extremamente baixo), transmissão vertical (de mãe para filho), transmissão profissional, entre outros. De outra banda, essa doença pode ser diagnosticada através de dois testes: os exames sorológicos que detectam a presença de anticorpos 9 VHC - Vírus da Hepatite C contra o VHC pela famosa técnica de ELISA12 ou pelos testes moleculares que detecta as partículas virais. Na década de 70, com o desenvolvimento dos testes sorológicos para diagnóstico das Hepatites A e B, notou-se uma grande tendência de ser crônica13 , não possibilitando chamá-la de Hepatite A e nem de Hepatite B. Por volta de 1989 foi constatada a existência de um anticorpo nos seres humanos contra uma Hepatite não identificada, recebendo, inicialmente, o nome de Hepatite não A e não B. Em 1990, foi descoberto o RNA do vírus da Hepatite não A e não B, que, posteriormente, recebeu o nome de Hepatite C (VHC). Essa doença tornou-se um problema de saúde pública, pois, atualmente, existe no mundo um número crescente maior de pessoas infectadas por esse vírus, Hepatite C, do que pelo vírus HIV.14 No entanto, frise-se que com o desenvolvimento tecnológico, as hepatites por vírus, conhecidas desde os tempos remotos, puderam ser mais bem estudadas e compreendidas nas últimas décadas15 . Contudo, há estimativas de que mais de cem milhões de pessoas16 , no mundo todo, já estejam infectados com o VHC. Todavia, a maior frustração dos cientistas e pesquisadores é que a prevalência dos seis diferentes genótipos e 30 sorotipos atual- PACIONIR, Rodolfo. Dicionário Médico. 3ª edição/Rio de Janeiro, Guanabara Koorgan, 1985. P. 186. AYUB, Munir Akar – Hepatite C – RBM – Revista Brasileira de Medicina – Volume 57 – Número 5 – Julho de 2000. p. 680. 14 MINCIS, Moysés – Hepatite C - RBM – Revista Brasileira de Medicina. – Volume 64 – Número 5 – Maio de 2007. p. 204. 15 10 11 Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay, um teste imunoenzimático que permite a detecção de anticorpos. FIGUEIREDO, Mendes T.; PITELLA, Ana Maria – Recentes avanços em Hepatites – 1993 – Editora BYK – São Paulo. P. 80 12 13 Crônico: de longa duração, o oposto de agudo. MINCIS, Moysés – Hepatite C - RBM – Revista Brasileira de Medicina. – Volume 64 – Número 5 – Maio de 2007. p. 202. Figueiredo, Mendes T.; PITELLA, Ana Maria – Recentes avanços em Hepatites – 1993 – Editora BYK – São Paulo. P. 79. Estimativa da Organização Mundial de Saúde. AYUB, Munir Akar – Hepatite C – RBM – Revista Brasileira de Medicina – Volume 57 – Número 5 – Julho de 2000. p. 680 16 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 219 mente descritos é variável para cada região do globo terrestre. Essa possibilidade de mutação genotípica gera dificuldades e/ou pode diminuir a sensibilidade dos testes antigênicos17 . Tal implicação na patogênese, e sua variabilidade genotípica, dificultam a adequação do VHC ao tratamento correto. Atualmente, o medicamento mais utilizado é o Interferon Peguilado. Porém, existem alguns genótipos que não respondem bem a ele, como, por exemplo, o VHC 1b. Isso se dá porque, nos indivíduos portadores da infecção, quando de longa duração, o Interferon Peguilado pode acarretar lenta modificação na seqüência dos nucleotídeos, ocasionando a produção de vírus diferente do originalmente infetado, o que impossibilita a obtenção de vacinas para prevenção deste. O Interferon Peguilado De acordo com Mike Edelhart18 , o Interferon é uma proteína que o organismo produz regularmente. Sua função consiste em proteger as células das devastadoras invasões. Ao sentir-se ameaçado, o organismo transforma as células em fábricas de Interferon bastante eficientes, com o intuito de salvar as células restantes, sempre que possível. Mike Edelhart descreve, ainda, que o Interferon é a primeira linha de defesa do organismo contra um ataque concentrado. Segundo AYUB, Munir Akar – Hepatite C – RBM – Revista Brasileira de Medicina – Volume 57 – Número 5 – Julho de 2000. p. 681. 17 EDELHART, Mike. INTERFERON: A NOVA ESPERANÇA CONTRA O CANCER. Tradução Dr. Jean Lindermann e Dr. Sérgio Augusto Teixeira. Coleção Ciência. Livraria Francisco Alves Editora S/A. Rio de Janeiro. F. Alves, 1983. p. 27 18 19 220 EDELHART, Mike. INTERFERON: A NOVA ESPERANÇA ele, o entendimento de todas as propriedades do Interferon, inclusive as que se referem às células cancerosas, baseia-se na compreensão da maneira como a proteína entra em ação quando os vírus atacam. Nesse sentido, as células do organismo humano não são somente atacadas pelo vírus. São forçadas a trabalhar por si mesmas, até a morte, na produção de novos materiais para o vírus.19 Diante disso, pode-se imaginar que haveria uma grande expansão do vírus, que tomaria todo o organismo humano. Porem, os vírus são limitados e somente um vírus de cada vez pode tentar a conquista do organismo. O Interferon é um sistema de alarme doméstico. Durante as operações habituais da célula as duas ordens se neutralizam e a célula não produz Interferon. Sob certas circunstancias, todavia, o “sinal vermelho” se apaga, o “sinal verde” se acende, e a célula entra em ação. Eis o Interferon. Sua função no organismo humano é a de alertar as células contra o invasor genético. Avisa, também, o organismo contra atividades processadas no interior e que poderão prejudicar-lhe. De acordo com Edelhart, o Interferon não ataca nem mata nada. Não possui muito efeito sobre a célula que o produz. Os poderes dessa proteína beneficiam as células circundantes. Trata-se de uma sentinela cujos avisos tornam a comunidade capaz de defender-se de si própria.20 CONTRA O CANCER. Tradução Dr. Jean Lindermann e Dr. Sérgio Augusto Teixeira. Coleção Ciência. Livraria Francisco Alves Editora S/A. Rio de Janeiro. F. Alves, 1983. p. 28 EDELHART, Mike. INTERFERON: A NOVA ESPERANÇA CONTRA O CANCER. Tradução Dr. Jean Lindermann e Dr. Sérgio Augusto Teixeira. Coleção Ciência. Livraria Francisco Alves Editora S/A. Rio de Janeiro. F. Alves, 1983. p. 34 20 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Com o surgimento da Hepatite C, na década de 80, e com as evoluções nos estudos sobre o Interferon, observou-se a droga como o primeiro agente eficaz contra tal infecção. Seus mecanismos de ação são a inibição da replicação viral, indução da defesa e a amplificação da resposta imune do organismo hospedeiro ao vírus.21 O tratamento com o Interferon tem demonstrado efeitos cada vez mais positivos. No início foi utilizado como monoterapia. Logo após, mixou-se em combinação com a ribavarina; e, finalmente, com uma combinação de interferon peguilado e ribavarina. Os resultados dos estudos conduzidos utilizando uma terapia com interferon peguilado alfa-2a e alfa-2b em pacientes com infecção crônica pelo VHC estabeleceram a superioridade desse novo tratamento sobre as formas convencionais do interferon alfa.22 Nessa linha de raciocínio, segundo Ruy Neto, ambas as formas de apresentação do interferon peguilado representam uma melhoria na qualidade de vida do paciente, não só no que diz respeito à utilização do medicamento, mas também por implicar na redução dos índices de efeitos colaterais.23 RUIZ, Fernando J. G. Neto; SYLBERGELD, David. Revista Brasileira de Medicina. Volume 61, número 11. Ed. Moreira Jr. LTDA, novembro, 2004. p. 720 21 RUIZ, Fernando J. G. Neto; SYLBERGELD, David. Revista Brasileira de Medicina. Volume 61, número 11. Ed. Moreira Jr. LTDA, novembro, 2004. p. 721 22 RUIZ, Fernando J. G. Neto; SYLBERGELD, David. Revista Brasileira de Medicina. Volume 61, número 11. Ed. Moreira Jr. LTDA, novembro, 2004 p. 721 23 Mesmo com grandes avanços e pesquisas que revelam, cada vez mais, que o interferon peguilado seria o único medicamento que possibilitaria a qualidade de vida dos portadores do VHC, seu custo é oneroso demais para a maioria da população. O medicamento encontra-se disponibilizado na lista de medicamentos fornecidos gratuitamente pelo Estado24 . Contudo, tal fornecimento não é rotineiro. Assim sendo, importante registrar que a demora para seu acesso pode acarretar diversos agravantes na saúde do paciente. A razão para a negativa de seu fornecimento é repetida, como um mantra, pelo Estado: não existem recursos financeiros em quantidade suficiente. Dessa forma, a única alternativa ao cidadão é o ingresso de demanda judicial, requerendo a efetivação de seu direito à vida e de seu direito à saúde. Trata-se, portanto, de questão travada diante de uma lógica perversa (saúde ou economia). Deve-se, assim, a partir da ótica do sistema jurídico, perceber sua resolução por intermédio das premissas decisórias legais existente a respeito do tema. Rio Grande do Sul. LEI Nº 9.908, DE 16 DE JUNHO DE 1993. Art. lº - O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família. 24 Parágrafo único - Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 221 A Saúde : direito de todos os cidadãos brasileiros? A busca pela saúde existe desde o inicio da humanidade. No início da civilização a saúde era vista como uma forma de “cura” 25 dos males que afligiam a sociedade. Hoje (a saúde) é vista pela perspectiva da “prevenção”. É nesse sentido que o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), órgão da ONU, refere que “a saúde é o completo bemestar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças”. 26 Por outro lado, o direito à saúde é um direito social27 . Os direitos sociais, por seu turno, são direitos de caráter prestacional. Têm por objetivos assegurar a todas as pessoas direitos materiais necessários para sua sobrevivência. Por isso, exigem a interferência do Estado para diminuir as desigualdades sociais28 . Logo, é função do Estado transferir as condições mínimas existenciais (saúde) à sociedade civil. Lembrando: os direitos sociais estão garantidos por meio de normas constitucionais (artigo 6º da Constituição Federal de 1988). Têm como característica principal serem direito direitos a ações positivas, no sentido de garantia/ efetividade da saúde. Carregam, portanto uma carga de mudança na realidade social. Como exemplo tem-se a “Peste Negra” que assolou a Europa durante o século XIV. 25 Marco teórico-referencial do conceito de saúde publicado em 26 de julho de 1946. 26 Artigo 6o da Constituição Federal de 1988: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” 27 222 Dito resumidamente: o direito à saúde, e, assim, ao fornecimento do Interferon Peguilado para os portadores de Hepatite C, requer do Estado uma ação, uma posição de garantidor. Por isso é incabível, desde o ponto de vista da Constituição Federal de 1988, ações positivas fáticas pelo Estado, com é exemplo a omissão no fornecimento de medicamentos e/ou de tratamentos médicos para pessoas que possuem condições financeiras de adquirirem o que necessitam por vias particulares sem prejudicarem a sua subsistência e de sua família. 29 Registre-se que o requisito supra faz parte de um intricado jogo entre a existência de recursos e a necessidade da preservação da vida dos jurisdicionados. A lei, “Todavia, quando assim disciplina, o faz para toda a sociedade gaúcha, não fazendo diferenciação entre os que possuem x ou y tipo de enfermidade – o que inclusive seria vedado pelo Princípio Constitucional da Igualdade e Impessoalidade vigentes.”30 O Brasil possui latente desigualdade social. Dessa maneira, tal requisito, não previsto na Constituição Federal, foi implantado pela jurisprudência pátria para não sobrecarregar a Economia Brasileira, e, em conseqüência o Estado. De fato, tal posicionamento é fruto de evolução do trato da saúde pelo Poder Judiciário. Discorda-se, entretanto, da preponderância do requisito econômico. Pugna-se, aqui, pela mai- 28 Artigo 3º da Constituição Federal de 1988. LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006. p. 87 e 88. 29 LEAL, Rogério Gesta. A efetivação do direito à saúde por uma jurisdição-serafim: limites e possibilidades. p. 1532. In : REIS, Jorge Renato do; ____ (Org.) Direitos Sociais e Políticas Públicas : desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul : Edunisc, 2007. 30 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 or valoração do perigo de morte. Com isso, preserva-se a vida, não sendo importante a realidade financeira do cidadão – e, no caso, a do Estado, pois ele é erigido em função de um contrato social que o proíbe de condenar à morte qualquer um de seus cidadãos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A posição de que não se pode fornecer Interferon Peguilado a quem possua condições financeiras não encontra respaldo na sistemática constitucional brasileira. Veja-se. O artigo 196 da Carta Maior afirma que a saúde é um direito absoluto ao mencionar que ela é direito de todos e dever do Estado, cujo acesso deve ser universal e igualitário. A Constituição diz mais: a saúde é o completo bem estar do indivíduo, e deve ser assegurada pela forma de promoção, de proteção e de recuperação. Portanto, a saúde não é apenas ausência de doenças, mas sim o bem-estar físico, mental e social, integrando o conceito de qualidade de vida: “O direito à saúde integra o conceito de qualidade de vida, porque as pessoas em bom estado de saúde não são as que recebem bons cuidados médicos, mas sim aquelas que moram em casas salubres, comem uma comida sadia, em um meio SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 40. 31 LEAL, Rogério Gesta. A efetivação do direito à saúde por uma jurisdição-serafim: limites e possibilidades. p. 1532. In : REIS, Jorge Renato do; ____ (Org.) Direitos Sociais e Políticas Públicas : desafios contemporâneos. Tomo 7. 32 que lhes permite dar à luz, crescer, trabalhar e morrer.”31 A saúde é, assim, uma junção de vários fatores. No entanto, para tê-la, como requisito primordial, é necessário estar vivo. Logo, o fornecimento de tratamentos médicos é de extrema relevância. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao principio maior estabelecido, em 1988, pela Constituição Federal, de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado (art.196).”32 . Nem mesmo a questão econômica. É, mais, uma questão de direitos humanos, pois “os direitos fundamentais, de certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, ainda que representado por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estados). ”33 Eles (os direitos fundamentais) nascem e se desenvolvem junto com a Constituição na qual foi assegurado, direito interno, e é sob essa ótica que devem ser analisados. É verdade que o direito à saúde teve um enorme avanço no ordenamento jurídico contemporâneo quando foi positivada a Constituição Federal Brasileira em 1988. A Carta Magna vigente “foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais.” 34 Consolidou o Estado Democrático de Direito35 , com os fundamentos que enuncia em seu artigo Santa Cruz do Sul : Edunisc, 2007. p. 1528. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 31. 34 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 61. 35 Preâmbulo da Carta Magna de 1988. 33 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 223 1º, incisos I ao V: um compromisso assumido pela sociedade, exercido através de seus representantes, buscando a efetivação da justiça social com resultado na qualidade de vida.36 A adoção do critério econômico para o fornecimento do Interferon Peguilado configurar-se-ia, assim, em perfeito retrocesso social. No mais, gize-se que a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é relativamente recente em nosso ordenamento jurídico. Todavia, ela realça a importância da efetivação do direito à saúde. Esse princípio fundamental37 vem previsto no artigo 1º, inciso III, da Lei Fundamental: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.” AYUB, Munir Akar. Hepatite C. Revista Brasileira de Medicina, v. 57, n.5, p. 680692, jul. 2000. CÉU COUTINHO, A. Dicionário Enciclopédico de Medicina. 3. ed. Lisboa: Argo Editora, 1997. 592p. EDELHART, Mike. Interferon: a nova esperança contra o cancer. Tradução Jean Lindermann; Sérgio Augusto Teixeira. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S/ A. , 1983. (Coleção Ciência). FIGUEIREDO, Mendes T.; PITELLA, Ana Maria. Recentes avanços em Hepatites. São Paulo: Editora BYK, 1993. 191 p. LEAL, Rogério Gesta. A efetivação do direito à saúde por uma jurisdição-serafim: limites e possibilidades. p. In : REIS, Jorge Renato do; LEAL, Rogério Gesta (Orgs.). Direitos Sociais e Políticas Públicas : desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul : Edunisc, 2007. A dignidade da pessoa humana tem uma vasta amplitude no contexto de um Estado Democrático de Direito – caso do Brasil- . Ela repudia todo e qualquer modo de instrumentalização do ser humano. 38 Dessa maneira, a saúde deve ser assegurada ao indivíduo, independente de qualquer condição financeira, visando sua condição humana. Reconhece-se, assim, que é o Estado que existe em função do cidadão e não o cidadão em função do Estado, deixando clara a obrigação prestacional do Estado em relação à sociedade civil no que tange ao fornecimento do Interferon Peguilado para pacientes portadores do vírus HIV. PACIORNIK, Rodolfo. Dicionário Médico. 3.ed.. Rio de Janeiro: Guanabara Koorgan, 1985. 903 p. Qualidade de vida está diretamente relacionado com a saúde. direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 68. 36 37 224 REFERÊNCIAS LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006. MINCIS, Moysés. Hepatite C. Revista Brasileira de Medicina, v.64, n.5, p.202-207. Maio 2007. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 RUIZ NETO, Fernando J. G.; SYLBERGELD, David. Revista Brasileira de Medicina, v.61, n.11, nov., 2004 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 225 Engenharias 228 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Desenvolvimento de um sistema de controle de movimento baseado em atuadores de ligas flexíveis com memória FÁBIO BAIRROS1 ANDRÉ LUIS BIANCHI2 VALNER JOÃO BRUSAMARELLO3 JOÃO CARLOS VERNETTI DOS SANTOS4 RESUMO O presente projeto apresenta o desenvolvimento de um sistema de controle de movimento para atuadores baseados em arranjos de elementos de liga de memória de forma (SMA) eletricamente aquecidos. Esses atuadores, quando aquecidos eletricamente, produzem um movimento mecânico. Neste trabalho é construído e testado um sistema microprocessado que incorpora uma estratégia de aquecimento rápido da liga através de um PWM, para fazer o controle de movimento e velocidade de resposta deste dispositivo. Palavras-chave: Atuadores de lida de memória, sistema de controle, controle elétrico de movimento. ABSTRACT This work presents the development of a system aimed to an actuator based on an electrically heated Shape Memory Alloy (SMA). After being deformed from its original crystallographic configuration, the SMAs have a 1 Acadêmico de Engenharia Elétrica/ULBRA, bolsista PROICT/ULBRA 2 Professor da Escola São Lucas/ULBRA 3 Professor do Curso de Engenharia Elétrica/ULBRA 4 Professor/Orientador do Curso de Engenharia Elétrica/ ULBRA e do PPG em Engenharia: Engenharia, Ambiente e Materiais/ULBRA ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 229 temperature-dependent property, which allow regaining its original geometry. Thus, under heating, the SMA specimen produces a mechanical movement. In this paper, a microcontroller is employed to develop a PWM for controlling the SMA’s temperature and so, controlling the displacement and velocity of the device. Keywords: Shape memory alloys bared actuators, motion control system, control system. INTRODUÇÃO Ligas especiais são usadas como atuadores de estado sólido que se movem por reestruturação molecular, conhecidos como atuadores de memória de forma (SMA). Trata-se de um fio de pequeno diâmetro que contrai como músculos quando é alimentado com corrente elétrica, por isto o elemento também é conhecido vulgarmente por músculo eletrônico. Esta habilidade de flexionar é característica de ligas que mudam suas estruturas internas dinamicamente sob determinadas temperaturas. Este atuador pode aquecer e esfriar rapidamente. Ligas de Memória de forma (cuja siga em inglês é SMA, de Shape Memory Alloy) têm uma variedade de usos tanto em robótica como em aplicações não robóticas. Aplicações incluem atuadores em endoscópios ativos (IKUTA et al., 1988), atuadores de robóticos (HIROSE et al., 1985; REYNAERTS e VAN BRUSSEL, 1998; MOSLEY e MAVROIDIS, 2001) e micro-atuadores (TROIS FONTAINE et al., 1998; YAO et al., 2004). Estes atuadores apresentam inúmeras vantagens entre as quais se cita a sua simplicidade mecânica, a alta relação de potência/peso, tamanho reduzido, operação silenciosa e livre de faíscas. Entre as suas desvantagens estão à baixa eficiência, histerese e são considerados de resposta lenta. Em aplicações de robótica, fatores como velocidade, precisão, controlabilidade e a habilidade para ter movimento contínuo são muito importan- 230 tes. Por isto, atuadores baseados em dispositivos de SMA são arranjados tipicamente como pares antagônicos. Eles são aquecidos por efeito joule, ou seja, passando uma corrente elétrica pelo elemento, e são resfriados por meio de transferência de calor para o ambiente. Portanto, são os regimes de aquecimento e resfriamento que determinam a velocidade de resposta de atuadores de SMA. Várias pesquisas têm sido conduzidas para investigar atuadores baseados em ligas SMA em aplicações de controle de movimento rápido e preciso (WELLMAN et al., 1988; GRANT, 1999; REDINIOTIS et al,. 2002; ELAHINIA at al., 2004). O aumento da velocidade de atuadores pode ser obtido aumentando a taxa de resfriamento, através de resfriamento forçado com ar ou água, ou ainda, usando elementos de SMA mais delgados. Por outro lado, para aumentar a taxa de aquecimento, o único método é fazer circular uma corrente maior através do elemento. Porém, o elemento de SMA corre o risco de aquecer demais, sendo então danificado, se uma corrente maior que um certo valor seguro for aplicada durante um período de tempo de longa duração. Este valor seguro pode ser encontrado freqüentemente nos catálogos com características técnicas destes elementos. Para melhorar a velocidade de resposta, Kuribayashi (1991) propôs o monitoramento da temperatura do SMA, usando esta informação para determinar o nível de corrente através do atuador. Ele mediu diretamente a temperatura do elemento de SMA usando um termopar de Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 tamanho miniatura. Se a temperatura ultrapassar um limite prefixado, a corrente de aquecimento é reduzida. Caso contrário, uma corrente grande de aquecimento é aplicada. O resultado de incorporar este mecanismo de avaliação de temperatura proporciona uma grande melhoria nos tempos de resposta do atuador. Alternativamente, a resistência de elementos de SMA varia durante a transformação de fase, e estas informações podem ser usadas para substituir o mecanismo de avaliação de temperatura proposto por Kuribayashi (1991). A vantagem desta estratégia é que elimina a necessidade de instalação especial de sensor de temperatura miniatura para determinar o estado do SMA. Featherstone e Teh (2004) usam a avaliação da medida de resistência incorporada como mecanismo de limitação de corrente em um sistema de controle de movimento. Neste trabalho é feita uma avaliação do desempenho de um elemento SMA através da aplicação de uma corrente, e indiretamente da temperatura, controlada por um microcontrolador. MATERIAL E MÉTODOS A Tabela 1 mostra as características técnicas de ligas SMA comerciais. Neste trabalho, utilizou-se um fio de 0,015 mm de diâmetro (0,006 polegadas). Tabela 1 - Características técnicas de ligas SMA de diferentes diâmetros. Para a realização dos testes na liga metálica foi implementado um circuito de atuação que consis- te basicamente em um dispositivo microcontrolador, que comanda o movimento da Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 231 liga (Figura 1). Esse comando é realizado por um modulador de largura de pulso, o qual possui a função de controlar a corrente média que circula pelo SMA de acordo com a contração desejada. Figura 1 – Diagrama de blocos simplificado do hardware desenvolvido. Para implementar o controle, foi empregado o microcontrolador PIC167872. As medições da corrente e tensão são executadas com o auxílio de dois multímetros. E com estes dados pode-se, através de cálculo, obter a resistência e potência elétrica. basicamente consiste em manter um sinal pulsante – PWM para o acionamento do SMA mantendo controlada a corrente e a tensão, evitando, desta forma, que a liga seja danificada através do rompimento do fio e/ou a perda da característica de flexibilidade. O software de controle foi desenvolvido em linguagem C e o procedimento utilizado no software A Figura 2 mostra o fluxograma simplificado utilizado na implementação. Figura 2 – Fluxograma simplificado do software implementado. 232 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 A liga foi acomodada em uma estrutura de madeira, de modo a permanecer tensionada, sendo sustentada por um dinamômetro que foi utilizado pára medir a força exercida quando a liga fosse percorrida por corrente elétrica. Para determinar o deslocamento ou a contração sofrida pelo material, uma escala milimétrica foi anexada ao suporte. A Figura 3 mostra o protótipo montado para a realização dos testes. Figura 3 – Protótipo desenvolvido para a realização dos testes. RESULTADOS Os testes mostraram que com a aplicação de uma excitação do tipo pulso quadrado, a liga SMA começa a responder mecanicamente após 0,5 s, esta resposta é verificada com a contração da mesma. Sem sofrer influência da corrente elétrica, observa-se que o elemento retorna ao ponto de partida, sem que se verifiquem alterações no comprimento. Como procedimento de teste, foi aplicada uma corrente inferior a recomendada pelo fabricante que era de 400mA para ligas de 0,006 mm², no tempo de 2 segundos, para que o material entre em regime permanente de aquecimen- to, contraindo-se. O valor estabelecido para cada pulso foi em torno de 380mA. Com isto observou-se que a liga manteve sempre o mesmo movimento de contração com a corrente, e após 4s de inatividade a liga voltou ao tamanho normal, não se observando alterações no comprimento inicial da liga. No período em que ela estava sob ação da corrente elétrica a contração verificada foi de 1,5mm, constante. Este procedimento foi realizado 30 vezes. Os dados obtidos nos testes estão apresentados de forma resumida, apenas 15 ensaios, pois não se observou alteração nos demais, na Tabela 2. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 233 Tabela 2 – Ensaios com a liga SMA. CONCLUSÃO Neste trabalho, foram avaliados amostras, tipo fio, de ligas SMA como atuadores. Foi desenvolvido um sistema baseado em um microcontrolador, o qual teve a função de fazer o controle da temperatura nas amostras. Este sistema de controle de temperatura foi implementado, injetando corrente elétrica, com um PWM, o qual, através de efeito joule do próprio fio provocava um movimento mecânico. Dessa forma, foi possível desenvolver um algoritmo para o controle do deslocamento e velocidade do dispositivo. Na avaliação das ligas SMA através da aplicação de uma corrente controlada por um microcontrolador, o elemento correspondeu ao resultado esperado sem que fosse verificado dano ou alteração na estrutura física da liga. Dessa forma, este estudo mostrou que é possível utili- 234 zar o elemento SMA sem a necessidade de um sensor de temperatura. Os resultados observados também mostraram que é possível fazer o controle destes dispositivos, utilizando a estratégia adotada, no entanto, é preciso aprimorar o trabalho visando aumentar a velocidade de resposta. As ligas SMA ainda não são aplicadas na indústria, mas já é uma realidade nos estudos da medicina e robótica, e em trabalhos futuros, espera-se desenvolver uma aplicação nesse sentido. REFERÊNCIAS ELAHINIA, M. H. et al. Nonlinear stressbased control of a rotary SMA-actuated manipulator. Journal of Intelligent Materials Systems & Structures, v.15, n.6, p. 495-508, 2004. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 FEATHERSTONE, R.; TEH, Y. H. Improving the speed of shape memory alloy actuators by faster electrical heating . In: International Symposium Experimental on Robotics, 9., 2004, Singapore. Proceedings... Singapore, 2004. Paper ID 128. MOSLEY, M. J.; MAVROIDIS, C. Experimental nonlinear dynamics of a shape memory alloy wire bundle actuator Transactions ASME, Journal of Dynamic Systems, Measurement & Control, v.123, n.1, p 103112, 2001. GRANT, D. Accurate and rapid control of shape memory alloy actuators. 1999. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 235 236 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 O efeito da corrosão do aço no concreto aparente com cimento portland branco: um problema que se apresenta quando da concepção do projeto arquitetônico AMILTON SANGOI ANTUNES1 CARLOS FERNANDO GUIMARÃES SEFFRIN2 LUCIANO MILESI MACIEL3 RONALDO TOMAZI3 MARCOS ALBERTO OSS VAGHETTI4 RESUMO O concreto estrutural branco traz desafios para tecnologistas e pesquisadores no sentido de compreender melhor seu desempenho frente às agressividades do meio. Procura-se, através desse trabalho, contribuir para um problema que está se tornando importante para as obras em Concreto Branco, que é a corrosão do aço no interior desses concretos. A pesquisa que originou este trabalho está sendo desenvolvida na ULBRA/Santa Maria/RS, em parceria com a UFSM e tem por objetivo verificar, experimentalmente, os efeitos causados pela corrosão das armaduras no concreto aparente, com cimento Portland branco, dando ênfase para essa importante manifestação patológica que, cada vez mais, preocupa os projetistas e empreendedores dessas obras especiais. Palavras-chave: Corrosão, concreto branco, carbonatação, cimento portland branco. 1 Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo/ULBRA, Santa Maria, RS - Bolsista PROICT/ULBRA/SM 3 Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo/ULBRA, Santa Maria, RS - Bolsista BIC/FAPERGS 4 2 Acadêmicos do Curso de Arquitetura e Urbanismo/ULBRA, Santa Maria, RS Professor-Orientador do Curso de Arquitetura e Urbanismo/ ULBRA, Santa Maria, RS ([email protected]) Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 237 ABSTRACT The concrete structural white brings challenges for technologists and researchers in the sense of understanding his acting front better to the aggressiveness of the middle. It is sought through of that work, to contribute for a problem that is becoming important for the works in White Concrete, that it is the corrosion of the steel in the inside of those concretes. The research that originated this work is being developed in ULBRA/Santa Maria/RS in partnership with UFSM and she has for objective to verify the effects experimentally caused by the corrosion of the rebars in the apparent concrete with cement Portland white, giving emphasis for that important pathological manifestation that more and more worries the planners and enterprising of those special works. Keywords: Corrosion, concrete white, carbonation, cement Portland white. INTRODUÇÃO Entre os materiais empregados na construção civil atualmente, o concreto é, sem dúvida, o mais largamente utilizado. Apresenta vantagens como a facilidade de obtenção dos seus materiais componentes na natureza; sua preparação não é demorada e não exige treinamento especializado; pode ser executado numa variedade de formas e tamanhos; bem como as suas características e propriedades, quando utilizadas em conjunto com o aço (concreto armado ou protendido), são praticamente imbatíveis no que diz respeito ao aspecto econômico e estrutural. Estima-se que o consumo mundial de concreto é da ordem de 5,5 bilhões de toneladas por ano (MEHTA e MONTEIRO, 1994). Este elevado consumo, aliado ao fato de a produção do concreto requerer menor consumo de energia, qualifica-o como um material que exige uma atenção especial de pesquisadores no sentido de conhecer amplamente seu desempenho e, eventualmente, adequá-lo frente às necessidades do mercado consumidor. Nos últimos anos, a demanda por construções que utilizam o concreto é muito significativa. 238 Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC:<http://www.snic.org.br>), no ano de 2003, a produção dos dez maiores grupos industriais de cimento no Brasil ultrapassou a marca de 34 milhões de toneladas, chegando ao nível mais alto da história entre os maiores produtores mundiais de cimento. Produziu-se, também, segundo a Associação Nacional de Entidades de Produtores de Agregados para a Construção Civil (ANEPAC:<http://www.anepac.org.br>), no ano de 2000, 141 milhões de m3 de areia e 97 milhões de m3 de pedra britada. Com relação ao aço, segundo dados preliminares do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS:http://www.ibs.org.br), a produção brasileira de aço bruto, no ano de 2004, foi de aproximadamente 30 milhões de toneladas (VAGHETTI, 2005). Esses números dão uma idéia do consumo de concreto (cimento e agregados) e aço no país nos últimos anos. Este crescimento, porém, não foi acompanhado de uma legislação, norma técnica ou pesquisa científica que relacionasse a interdependência entre a agressividade do meio e a durabilidade do concreto e da armadura. Deste modo, tem-se notado, nos últimos anos, um número crescente de estruturas de concre- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 to armado e protendido com sinais visíveis de deterioração pela corrosão da armadura. Problemas com a corrosão do aço no concreto trazem ao Brasil um prejuízo anual de 3,5 a 4,0% do Produto Interno Bruto (PNB), segundo a Comissão de Estudos de Corrosão de Elementos Metálicos em Concreto da ABNT (CONSTRUÇÃO, 1991). Para um PNB de cerca de 467 milhões de reais, temos um gasto de 18,7 milhões de reais por ano em recuperação de estruturas de concreto armado e protendido, deterioradas pela corrosão da armadura. Ainda, segundo Gemelli (2001, p.xiii), “...estima-se que a corrosão destrua 25% da produção mundial de aço por ano, o que corresponde a várias (5 a 7) toneladas por segundo... O custo total da corrosão está avaliado em 4% do produto nacional bruto”. Além do aspecto econômico, acidentes envolvendo estruturas deterioradas pela corrosão da armadura constituem-se em fatos lamentáveis, pois causam perdas humanas e materiais, transtornos aos que utilizam a obra pela sua interdição e implicam em onerosa reparação. Exemplo disso foi o risco de colapso da Ponte dos Remédios em São Paulo, que em 1997 colocou em perigo a segurança dos usuários, revelando o estado grave das obras de arte no Brasil. O problema foi resolvido com soluções criativas e eficientes, mas ficou a questão sobre as possíveis causas do processo de corrosão dos cabos protendidos desta obra de arte (TÉCHNE, 1997). Aliando a utilização de um dos materiais mais consumidos, que é o concreto armado, e sua deterioração mais importante, que é a corrosão das armaduras, busca-se inserir, nesse contexto, os problemas enfrentados pelos arquitetos quando da concepção de suas obras em concreto aparente, em especial empregando, na fabricação desse concreto, o cimento Portland branco. O concreto aparente, apesar da robustez proporcionada pelo material, tem muita leveza no seu aspecto estético, principalmente quando os arquitetos concebem peças estruturais com significativa esbeltez. Atualmente, vêm crescendo muito as obras que empregam concreto aparente com cimento Portland branco. Pode-se citar, a nível mundial, várias obras que empregaram o concreto branco estrutural em seus projetos, tais como: a Igreja Dives in Misericórdia (Figura 1a) em Roma; Pavilhão da Expo’98 e Torre do Tombo em Lisboa; Catedral da Arquidiocese em Los Angeles. No Brasil, a utilização desse concreto iniciou no ano de 2000, com a construção do Edifício Flexotronics em Sorocaba/SP. A partir daí, várias obras foram e estão sendo executadas com concreto estrutural branco, como, por exemplo: Panamerica Park em São Paulo, Ponte Irineu Bornhausen em Brusque/SC, Museu Iberê Camargo (Figura 1b), em Porto Alegre/RS, iniciada em 2003, a obra mais importante em Concreto Branco atualmente em execução no Brasil. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 239 (a) (b) Figura 1 – (a) Igreja Dives in Misericórdia, projeto do arquiteto Richard Méier, (b) Museu Iberê Camargo, projeto arquiteto português Álvaro Siza 240 Ao mesmo tempo que o apelo estético fica muito evidente na concepção de edificações em concreto aparente com cimento Portland branco, surge um problema de durabilidade desse material em longo prazo, que muito incomoda o meio técnico-científico, que é a corrosão das armaduras, bem como também incomoda em especial, os arquitetos que projetam essa obras, pois os efeitos que advém desse problema, como as manchas superficiais (ferrugem) nos elementos estruturais (vigas, pilares e lajes), causam verdadeiro desconforto aos proprietários, que precisam conviver com essa patologia e também dispender de recursos financeiros para tentar solucioná-la ou amenizá-la. Neste sentido, coloca-se a importância de se implementar uma pesquisa que venha a contribuir para o conhecimento mais aprofundado sobre a corrosão do aço no concreto aparente com cimento Portland branco, principalmente devido ao aumento do número de construções com esse material que se projeta para o futuro, tendo em vista especialmente a beleza que elas proporcionam, como também aos aspectos técnicos envolvidos com a patologia da corrosão, que instiga os pesquisadores em descobrir novas soluções para tentar diminuir ou evitar esse problema. Sendo assim, o objetivo principal deste trabalho de iniciação científica é de verificar, experimentalmente, os efeitos causados pela corrosão das armaduras no concreto aparente com cimento Portland branco, com a corrosão sendo induzida por carbonatação e acelerada por ciclos de molhagem/secagem. A pesquisa está sendo desenvolvida no campus da ULBRA/Santa Maria/RS e conta com a parceria, para seu delineamento experimental, do Laboratório de Materiais e Construção Civil (LMCC) da UFSM. Os materiais escolhidos para a pesquisa experimental foram os seguintes: cimento branco (CPB40) e cimento cinza CPV-ARI; agregados: areia média (natural e calcária) e brita 01 (rochas diabásicas e calcárias); bem como o aço utilizado nos corpos-de-prova foi de bitola 8mm (CA-50). MATERIAL E MÉTODOS A investigação contou com os seguintes ensaios: ensaios de trabalhabilidade, ensaios físicos, moldagem dos concretos; ensaios de cura e de resistência à compressão axial, carbonatação Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 acelerada e de potencial de corrosão. No ano de 2008 estarão sendo realizados os ensaios de aceleração da corrosão por ciclos de molhagem/ secagem para o objetivo final de avaliar o grau de corrosão do aço nos concretos através do ensaio não-eletroquímico da perda de massa gravimétrica. Na fase de proporcionamento dos traços de concreto (Tabela 1), tanto para o “concreto cin- za” quanto para o “concreto branco”, foram realizados ensaios de trabalhabilidade (consistência pelo abatimento do tronco de cone NBR 7223), conforme Figura 2, com o objetivo de determinar as dosagens adequadas de cimento, areia, pedra, água para cada traço, desejando sempre um teor ótimo de argamassa para um determinado nível de consistência da mesma. Tabela 1 – Tipos de concretos Para cada um dos traços de concreto foram estudados três níveis de resistências, representados pelas relações água/cimento 0,50 ; 0,60 e 0,70. Portanto, foram moldados 6 traços diferentes, três para cada um dos concretos. Figura 2 – Ensaio de trabalhabilidade Para os ensaios voltados à corrosão das armaduras, os corpos-de-prova (c.p.) tiveram as seguintes dimensões: 10,0 cm x 10,0 cm x 6,0 cm. A Figura 3 mostram o c.p. prismático utilizado no experimento, evidenciando a região da barra exposta à corrosão, bem como os afastamentos laterais da mesma no interior do concreto (todas as medidas estão em ‘cm’). Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 241 Figura 3 – Vistas superior e frontal, corte AA e perspectiva do c. p. A preparação do aço (Ø8mm-CA50) para ser colocado dentro dos c.p. 10x10x6cm foi realizada da seguinte maneira: primeiramente, procedeu-se uma limpeza com decapagem mecânica, através de escova de aço em equipamento giratório sob alta rotação, eliminando a ferrugem superficial até alcançar a condição de “metal branco”. Após, as barras foram limpas em uma solução contendo ácido clorídrico e água desti- lada, na proporção 1:1 mais 2 g/l de um inibidor de corrosão (hexametilinotetramina). Para essa limpeza, as barras foram imersas na solução e vibradas com um gerador de ultra-som, sendo, depois, lavadas em água corrente, escovadas com escova de cerdas plásticas, mergulhadas em acetona e secas com ar quente, segundo procedimento ASTM G1/1990. Estes trabalhos estão ilustrados nas Figuras 4 e 5 a seguir . Figura 4 – (a) Aço após limpeza com decapagem mecânica, (b) limpeza das barras de aço por imersão em solução ácida e vibração com um gerador de ultrasom 242 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 5 – (a) lavagem em água corrente das barras, escovadas com escova de cerdas plásticas e (b) secas com ar quente Após a moldagem dos corpos-de-prova (Figura 6), os mesmos foram colocados em câmara úmida por 35 dias. Ao término desse período, os corpos-de-prova foram acondicionados por 21 dias (3 semanas) numa sala climatizada (Figura 7) com umidade e temperatura controladas (UR entre 65%-75% e T~23°C) para equilíbrio da umidade interna, período de pré-condicionamento. O objetivo do pré-condicionamento foi de dotar os corpos-de-prova de um ambiente aéreo e com uma distribuição uniforme da água evaporável. Figura 6 – (a) Concretos adensados em mesa vibratória e (b) concretos após moldagem Figura 7 – (a) Corpos-de-prova desmoldados (b) c.p. na sala climatizada Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 243 Para avaliar a resistência dos concretos, foi realizado o ensaio de resistência à compressão axial (NBR 5738) nas idades de 7, 28 e 91dias (Figura 8). O ensaio de potencial de eletrodo ou de corrosão (Figura 9), que avalia o estado superficial do aço mediante leituras eletroquímicas, segundo método descrito na ASTM C 876 (1991), foi realizado inicialmente aos 35 dias e após semanalmente. O equipamento utilizado foi um pH-metro/milivoltímetro de alta impedância de entrada, da marca ANALION, e um eletrodo de calomelano saturado (ECS). Figura 8 – Ensaio de resistência à compressão axial Figura 9 – Ensaio de potencial de corrosão O ensaio de indução da corrosão por carbonatação acelerada foi realizado em uma caixa de cimento amianto adaptada para uma câmara com umidade e temperatura controladas (Figura 10). Para isso, foi retirado aproximadamente 10% de ar 244 em relação ao volume total da câmara (1000 litros), através de uma bomba de vácuo e posteriormente injetado 10% de CO2. Com isso, a atmosfera da câmara ficou propícia para a carbonatação dos corposde-prova em regime acelerado. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 10 – Câmara de carbonatação (a) interior e (b) exterior RESULTADOS E DISCUSSÃO Como a pesquisa a partir de 2008 entra numa fase final, com a obtenção dos dados quantitativos da perda de massa gravimétrica (densidade de corrente de corrosão), os resultados obtidos até o momento que efetivamente servem para a análise dos aspectos que envolvem a corrosão do aço no concreto foram os de resistência à compressão axial aos 7, 28 e 91 dias (Figura 11), bem como as leituras eletroquímicas do potencial de corrosão do período de indução da corrosão por carbonatação acelerada (Figuras 12 e 13). Figura 11 - Resultados da resistência à compressão axial (MPa) aos 7, 28 e 91 dias de idade, dos concretos branco e cinza. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 245 Os resultados de resistência à compressão axial e potencial de corrosão estão colaborando para elucidar e diagnosticar o desempenho do concreto branco frente à corrosão quando comparado com o concreto cinza (de referência), especificamente quando se faz uma análise diante de outras pesquisas envolvendo esse tema, podendo-se citar a pesquisa de Kirchheim et al., 2005, que também obteve resultados semelhantes no tocante à resistência à compressão axial. Especificamente quanto aos resultados qualitativos do potencial de corrosão (Figuras 12 e 13), pode-se verificar que todos os aços analisados, para os dois tipos de concreto nas quatro primeiras semanas do período de pré-condicionamento, apresentaram muita variação nos resultados, ficando entre + 50 mV e -200 mV. Nesse período de 4 semanas, o aço ainda está no estado passivo e com o concreto (pH elevado) protegendo a armadura. Figura 12 – Potencial de corrosão (mV) no período de indução por carbonatação acelerada para o concreto cinza. 246 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 13 – Potencial de corrosão (mV) no período de indução por carbonatação acelerada para o concreto branco Figura 13 – Potencial de corrosão (mV) no período de indução por carbonatação acelerada para o concreto branco. Com o início do período de indução por carbonatação acelerada (aos 63 dias), o avanço da frente de carbonatação na primeira semana (entre 63 e 70 dias) dos corpos-de-prova dentro da câmara já se fez sentir nos resultados de potencial, havendo uma tendência a valores mais negativos para os aços nos dois tipos de concreto, especialmente àqueles com maior porosidade (relação a/c = 0,70). Nas semanas seguintes, pode-se verificar até uma elevação nos valores dos potenciais para os dois tipos de concreto (CC e CB). Esse enobrecimento dos potenciais, segundo alguns autores, entre eles Andrade et al (1988), pode ser devido à redução da umidade em função da evaporação d’água através das reações de carbonatação, ficando esse processo facilitado em concretos mais porosos, com relações a/c mais elevadas. Ainda assim, com os concretos mais resistivos (relação a/c = 0,50) nota-se que praticamente os potenciais não se alteraram. Verifica-se também que nas 20 semanas de carbonatação acelerada (dos 63 aos 203 dias), os potenciais dos aços tiveram oscilações para valores positivos e negativos, mas a tendência mostrou que o concreto branco, por ser mais resistivo, impediu que os potenciais dos aços ficassem na faixa negativa quando comparado com os aços do concreto cinza. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 247 Na análise das Figuras 12 e 13 para o período de aceleração da corrosão através dos ciclos de molhagem/secagem, verifica-se já logo no início dos ciclos (entre 203 e 210 dias) uma queda significativa nos potenciais, passando de valores +20 mV para valores até -600 mV. Fica evidente que somente a carbonatação dos concretos não é suficiente para provocar a corrosão do aço propriamente dita, necessitando muito que a umidade preencha os poros do material e contribua para aumentar a mobilidade iônica e mais precisamente o transporte dos íons das regiões anódicas para as regiões catódicas através do eletrólito. Espera-se que durante esse período de ciclos de molhagem/secagem, os potenciais permaneçam na faixa entre -200 mV e -600 mV, acelerando o processo corrosivo dos aços. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento desta pesquisa de iniciação científica de cunho experimental reveste-se de uma importância significativa, não só pelo engrandecimento do curso e sua inserção em pesquisa, mas sobretudo pelo envolvimento dos recursos humanos de forma contundente na criação de um espírito de grupo, favorecendo as relações interpessoais tão necessárias à formação do caráter do acadêmico e posteriormente do profissional, além de reverter em benefício da instituição ULBRA, que participa deste processo de formação científica e intelectual, merecendo destaque no cenário regional e nacional. Provavelmente, em meados de abril de 2008, teremos uma gama de resultados de corrosão 248 (tanto qualitativos como quantitativos) que irá nos possibilitar a tomada de conclusões mais efetivas sobre o foco principal do trabalho, contribuindo para elucidar mais o comportamento da corrosão do aço no concreto branco. REFERÊNCIAS AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. 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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 249 250 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Polímeros biodegradáveis: relação entre cristalinidade e propriedades biológicas DANIELE FACCIN HUBNER1 ANA PAULA DE FREITAS1 MARTHA FOGLIATO SANTOS LIMA2 RESUMO O objetivo deste trabalho foi o de determinar a relação entre a cristalinidade de polímeros biodegradáveis utilizados comercialmente e suas propriedades biológicas. A metodologia utilizada consistiu inicialmente na caracterização de propriedades térmicas de polímeros biodegradáveis comerciais e posterior preparação de placas finas através de prensagem em prensa dotada de aquecimento. Foi selecionado o poli (sucinato-co-tereftalato) de butila ou PBST (DuPont) para a realização do estudo, onde as placas obtidas deste polímero foram posteriormente fundidas e submetidas a diferentes condições de cristalização, visando modificar a cristalinidade das amostras. As técnicas de caracterização empregadas foram Análise Termogravimétrica (TGA), Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) e Difração de Raios-X em Ângulo Largo (WAXS). Foram obtidas amostras de PBST amorfo e com graus de cristalinidade na faixa de 18 a 40%. Estas amostras serão posteriormente avaliadas quanto a sua capacidade de biodegradação através de técnicas respirométricas. Palavras-chave: polímeros biodegradáveis, cristalinidade, biodegradação. 1 Acadêmica do Curso de Engenharia de Plásticos/ULBRA Bolsistas PROICT/ULBRA Professora/Orientadora do Curso de Química/ULBRA e do PPG Engenharia: Energia Ambiente e Materiais ([email protected]) 2 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 251 ABSTRACT The aim of this work was to study the relationship between the crystallinity of biodegradable polymers used commercially and their biological properties. The methodology used was the characterization of thermal properties of the polymer samples and subsequent preparation of thin plates by pressing into press equipped with heating. It was selected the poly(butylene succinate-co-terephthalate) or PBST (DuPont) for the conduct of the study, where the plates obtained from this polymer were melted and submitted to different crystallization conditions, in order to modify the crystallinity of the samples. The employed characterization techniques were Thermogravimetric Analysis (TGA), Differential Scanning Calorimetry (DSC) and Wide-Angle X-ray Scattering (WAXS). It was obtained samples of amorphous PBST and with crystallinity degrees in the range of 18 to 40%. These samples will be subsequently evaluated on their ability to biodegradation through respirometric techniques. Keywords: biodegradable polymers, crystallinity, biodegradation. INTRODUÇÃO Os chamados polímeros biodegradáveis são materiais poliméricos que, sob a ação de organismos vivos, são metabolizados a moléculas mais simples, tais como dióxido de carbono, água, e biomassa (CHIELLINI e SOLARO, 2003). Vários polímeros na natureza são conhecidos por serem biodegradáveis, como a celulose, encontrada sob várias formas, o amido, presente nos alimentos, e a caseína, presente no leite (MIKULÁSOVÁ et al., 2001). Os chamados “plásticos verdes” devem realizar sua função e desaparecer em um período de tempo razoável, na forma de produtos de degradação ambientalmente aceitáveis. Atualmente, há polímeros capazes de atender a inúmeras aplicações, variando-se sua estrutura química, sua formulação (mistura com aditivos, pigmentos, etc.) e seu método de processamento. A biodegradabilidade está relacionada mais à estrutura química final do que à origem do polímero (STEVENS, 2002). Materiais plásticos continuam sendo aperfeiçoados e as estratégias 252 combinam propriedades físicas superiores com baixos custos. Atualmente, materiais poliméricos biodegradáveis são utilizados para aplicações em diversos segmentos, tais como sacolas plásticas de supermercados e para mercadorias em geral, filmes de utilização agrícola, materiais de uso médico-hospitalar, embalagens para alimentos, dentre outras utilizações. Esses produtos ainda se destinam a nichos de mercado, ocupando cerca de 1% do total do mercado de produtos plásticos. Esses produtos estão todos, praticamente, ainda em fase de desenvolvimento e estudo de suas características estruturais-morfológicas e suas relações com propriedades físicas e mecânicas. A literatura disponível ainda é bastante restrita. Um dos parâmetros importantes no controle de propriedades, tanto físico-mecânicas, como de biodegradabilidade, é a cristalinidade desses polímeros, uma vez que são, em sua grande maioria, semicristalinos. Os polímeros semicristalinos são constituídos por dois componentes com diferentes graus de ordenação: um componente cristalino, com ordem de longo alcance na distribuição espa- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 cial das cadeias poliméricas, e um componente amorfo, possuindo ordem somente de curto alcance (BILLMEYER, 1984; SPERLING, 1986; BODOR, 1991; CALLISTER, 2002). De uma forma genérica, o grau de cristalinidade, índice de cristalinidade, ou simplesmente cristalinidade, de um polímero semicristalino pode ser definido como a razão entre a quantidade do componente cristalino e a quantidade total da amostra, constituída por porções cristalinas e amorfas (SPERLING, 1986). A cristalinidade constitui um importante parâmetro associado aos aspectos morfológicos em polímeros semicristalinos, seu valor é dependente da história térmica e mecânica do material e influencia sua processabilidade e suas propriedades físicas e mecânicas (LIMA, VASCONCELOS e SAMIOS, 2002; LIMA e SAMIOS, 2005). A modificação das fases cristalina e amorfa, bem como a morfologia associada a estas fases é uma questão complexa e de grande importância, uma vez que as características estruturais e morfológicas determinam o comportamento térmico e mecânico do polímero que se reflete em suas propriedades de uso final. Particularmente, o aspecto da cristalinidade tem sido pouquíssimo explorado pelos estudos internacionais (SCOTT, 2002). Um aspecto muito importante e que precisa ser esclarecido é a relação entre a cristalinidade dos polímeros biodegradáveis e a sua biodegradabilidade. A parte cristalina dos polímeros é a responsável por sua resistência mecânica e química. Os cristais constituem-se em estruturas densamente empacotadas, possivelmente mais recalcitrantes, isto é, mais resistentes à biodegradação. Com base nestas considerações, este trabalho tem como objetivo a obtenção de amostras de polímeros biodegradáveis utilizados comer- cialmente com diferentes graus de cristalinidade para, numa segunda etapa, avaliar a capacidade de biodegradação apresentada pelas amostras através da técnica conhecida como respirometria. MATERIAL E MÉTODOS Os materiais utilizados foram os seguintes polímeros biodegradáveis comerciais: · Poli(epsilon- caprolactona) ou PCL (Solvay) · Poli(butileno adipato tereftalato) ou PBAT (Basf) · Poli(butileno succinato tereftalato) ou PBST (DuPont) Preparação das amostras A metodologia utilizada consistiu inicialmente na caracterização preliminar de propriedades térmicas de polímeros biodegradáveis comerciais, visando estabelecer as melhores condições para preparação de filmes ou placas finas através de prensagem em prensa dotada de aquecimento e controle de pressão. Foi selecionado o poli (sucinato- cotereftalato) de butila ou PBST (Dupont) para a preparação de amostras com diferentes graus de cristalinidade, onde as placas obtidas deste polímero foram posteriormente fundidas e submetidas a diferentes condições de cristalização, desde lento resfriamento até “quenching”, através da sua imersão em nitrogênio líquido. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 253 Análise Termogravimétrica (TGA) Esta técnica foi utilizada com o objetivo de avaliar o perfil de degradação térmica dos materiais estudados e também a estabilidade térmica dos polímeros. Foi utilizado para análise o equipamento de TGA da TA Instruments, modelo 2050, disponibilizado no Laboratório de Polímeros da ULBRA. As análises foram realizadas em atmosfera de nitrogênio gasoso, em uma faixa de temperatura de 30 a 700ºC, a taxa de aquecimento de 20º C/min. As massas utilizadas foram de 6,0 a 10,0 mg. Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) A técnica de DSC foi empregada para caracterizar o comportamento térmico das amostras (fusão e cristalização). Foi utilizado o equipamento de DSC da TA Instruments, modelo 2010, do Laboratório de Polímeros da ULBRA. Amostras com massas na faixa de 5,0 a 7,0 mg foram analisadas com taxa de aquecimento de 10° C/mim, no intervalo de temperatura de 20 a 250° C, utilizando-se atmosfera de nitrogênio gasoso. Difração de raios-X em ângulo largo (WAXS) Esta técnica foi empregada para analisar a estrutura e permitir a avaliação da cristalinidade das amostras. O equipamento utililizado foi um difratômetro da marca Rigaku , existente no 254 CEPPED/ULBRA, equipado com fonte de raios-X e operando na faixa de 20-40 kV e 20-40 mA com filtro monocromador de grafite. Foi utilizado passo de 0,05 e varredura em ângulo 2è de 3 a 60°. A avaliação da cristalinidade foi realizada pelo método de difração de raios-X, que baseiase na hipótese de que é possível separar a contribuição da intensidade da radiação difratada das regiões cristalinas e amorfas (ZEVIN e KIMMEL, 1995). O grau de cristalinidade das amostras foi obtido pela razão entre as áreas dos picos, descontando o halo amorfo, e a área total do difratograma, através de método matemático adequado. Avaliação da biodegradabilidade A capacidade de biodegradação apresentada pelas amostras com diferentes graus de cristalinidade será avaliada através da técnica conhecida como respirometria. Esta técnica baseia-se na avaliação da atividade metabólica dos organismos presentes em frascos fechados (células respirométricas) por meio da quantificação do dióxido de carbono produzido em função do tempo (ASTM D 5338-98, 2003). Serão empregadas células herméticas contendo composto ou solos típicos da região, sendo o dióxido de carbono liberado capturado por soluções de hidróxido de sódio. Os resultados referentes a esta etapa encontram-se em andamento e não encontram-se contemplados neste trabalho. As Figuras de número 1 a 4 ilustram as técnicas experimentais utilizadas. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 1- Equipamento de DSC, Lab. de Polímeros – ULBRA Figura 3 - Difratômetro de Raios–X, CEPPED-ULBRA Figura 2 - Equipamento de TGA, Lab. de Polímeros – ULBRA Figura 4 - Respirômetro respirométrica. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 e célula 255 RESULTADOS E DISCUSSÃO Nas Figuras 5 e 6 são apresentados os resultados experimentais de TGA e DSC obtidos para o PBST. As curvas de TGA demonstram que o PBST é estável termicamente até a temperatura de 300 oC, iniciando sua decomposição após esta temperatura. O perfil de degradação mostra que a decomposição ocorreu em duas etapas, a 442,79 o C e 527,17 oC, finalizando ao redor de 600 oC. Figura 5 – Curvas de TGA e termogravimetria derivativa, obtidas para o poli (sucinato-co-tereftalato) de butila (PBST). 256 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Figura 6 – Curva de DSC obtida para o poli (sucinato-co-tereftalato) de butila (PBST). A curva de DSC obtida mostra que a temperatura de transição vítrea (Tg) do PBST ocorre na faixa de (50-60) oC. A fusão do polímero iniciou em torno de 130 oC e foi finalizada ao redor de 220 oC, ocorrendo em duas etapas que estão representadas por dois picos endotérmicos, com temperaturas de pico máximo de fusão de 146,37 o C e 204,19 oC, respectivamente. O valor total de entalpia de fusão foi de 23,24 J/g, referente à soma das áreas dos dois picos endotérmicos de fusão. A caracterização térmica foi realizada também para os polímeros PBAT e PCL. Os resultados da caracterização térmica foram resumidos no Quadro 1, que mostra um comparativo entre as propriedades de estabilidade térmica, temperatura de transição vítrea (Tg), temperatura de fusão (Tf), temperatura de cristalização (Tc) e entalpia de fusão (ÄHf) dos polímeros PBST, PBAT e PCL. Quadro 1 – Resultados experimentais de TGA e DSC, obtidos para os polímeros PBST, PBAT e PCL. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 257 No caso do PBAT e PCL, não foi possível a determinação da T g , pois para ambos os polímeros esta encontrava-se fora do limite de detecção do aparelho (abaixo de -50 oC). Os resultados de TGA demonstraram que o poli (sucinato-co-tereftalato) de butila (PBST) foi o polímero que apresentou maior estabilidade térmica, até 300 oC. A Figura 7 apresenta os difratogramas comparativos para as amostras de PBST modificadas através de diferentes condições de cristalização empregadas. O ajuste destes difratogramas, através de método matemático adequado, demonstrou que foram obtidas amostras de PBST amorfo e com graus de cristalinidade na faixa de 18 a 40%, conforme assinalado nas curvas. Figura 7 - Difratogramas comparativos de amostras de PBST amorfo e com graus de cristalinidade de 18%, 30% e 40%. CONCLUSÕES Neste trabalho, foram caracterizadas as propriedades térmicas dos seguintes polímeros biodegradáveis: poli (sucinato-co-tereftalato) de butila (PBST), poli (adipato-co-tereftalato) de butila (PBAT) e poli å-caprolactona (PCL). A caracterização térmica, juntamente com a metodologia empregada na preparação das placas, demonstrou que o polímero mais adequado ao prosseguimento do estudo foi o PBST. A partir das placas obtidas deste polímero, foi possível modificar a cristalinidade através da variação das condições de cristalização, obtendo-se amostras 258 de PBST amorfo e com graus de cristalinidade na faixa de 18 a 40%. A avaliação da capacidade de biodegradação destas amostras encontra-se em andamento e ainda não foram obtidos resultados conclusivos relativos a esta etapa da pesquisa. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Prof. João Pocos (Laboratório de Polímeros/ULBRA) e ao técnico Demian Fogaça (CEPPED/ULBRA), respectivamente pelo apoio na caracterização térmica e nas análises de difração de raios-X, bem como Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 à Universidade Luterana do Brasil pela concessão das Bolsas de Iniciação Científica. REFERÊNCIAS ASTM D 5338-98. Standard test method for determining aerobic biodegradation of plastic materials under controlled composting conditions, 2003. BILLMEYER, F. W. Textbook of Polymer Science. 3.ed. Wiley-Interscience, 1984. BODOR, G. Structural Investigations of Polymers. Ellis Horwood Series in Polymer Science and Technology, 1991. Z.; SAMIOS, D. Journal of Polymer Science. Part B: Polymer Physics, v.40, n.9, p.896. 2002 LIMA, M. F. S.; SAMIOS, D. Brazilian Journal of Materials Science and Engineering, n. 7, p. 71-79, 2005.. MIKULÁSOVÁ, M. et al. World Journal of Microbiology & Biotechnology, n. 17, p. 601-607, 2001. SCOTT, G. Degradable polymers principles and applications. Kluwer Academic Publishers, 2002. SPERLING, L. H. Introduction to Physical Polymer Science. John Wiley & Sons, 1986. CALLISTER Jr., W. D. Materials Science and Engineering - An Introduction 3. ed. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1994. STEVENS, E. S. An introduction to the new science of biodegradable plastics. Princeton University Press, 2002. CHIELLINI, E.; SOLARO, R. Biodegradable polymers and plastics. Kluwer/Plenum, 2003. ZEVIN, L. S.; KIMMEL, G. Quantitative XRay Diffractometry. New York: SpringerVerlag, 1995. LIMA, M. F. S.; VASCONCELOS, M. A. Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 259 260 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS A Revista de Iniciação Científica editada pela Universidade Luterana do Brasil publica artigos de Iniciação Científica selecionados durante o Salão de Iniciação Científica da ULBRA que ocorre anualmente e neste ano de 2007 efetivou sua 13ª edição. Segue abaixo as normas para publicação desses artigos: 1) O artigo de iniciação científica deve ser encaminhado à Diretoria de Pesquisa via e-mail ([email protected] ou [email protected]) ou em CD-ROM em Word for Windows. 2) O trabalho completo deverá ser digitado em espaço 1,5, fonte arial 12, em um número máximo de 15 laudas A4 incluindo tabelas, quadros e figuras. 3) O artigo deverá conter os seguinte tópicos: Título (em caixa alta, negrito e alinhado à direita); Nomes dos Autores (iniciando pelos alunos de iniciação científica); Resumo (no máximo 10 linhas); Palavras- chave (no máximo cinco); Abstract; Key-words; Introdução (com revisão bibliográfica e objetivos); Material e Métodos (descrição da metodologia utilizada para a execução da pesquisa); Resultados e/ou Discussão; Conclusões e/ou Considerações Finais; Agradecimentos (quando houver) e Referências (conforme indicado nos itens 7 e 8). 4) Para artigos de revisão bibliográfica, não é necessário as subdivisões citadas no item anterior, mas no artigo, obrigatoriamente, deverá conter: Título, Nomes dos Autores, Resumo, Palavras- chave, Abstract e Keywords. 5) Os nomes dos autores deverão ser colocados por extenso, alinhados à direita, um embaixo do outro, iniciando-se pelo(s) aluno(s) de iniciação científica, seguidos de índice numérico, que será repetido no rodapé, onde deve constar: 5.1) se o autor for aluno (Ex: 1Acadêmico do curso de Medicina Veterinária/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA; 5.2) se o autor for professor participante da pesquisa (Ex: 2Professor do curso de Medicina Veterinária/ULBRA; 5.3) se o autor for de outra instituição deverá constar a profissão e a Instituição ( 3 Aluno de Pós-Graduação e Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 261 Anestesiologista da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre) 5.4) se o autor for professor – orientador(Ex: 3Professor – Orientador do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRA (inserir o e-mail do orientador para correspondência) 6) O significado das siglas e abreviações deverá estar explicito na primeira vez que aparecerem no texto. 7) Quanto às citações bibliográficas no texto, a ordem vai depender se o(s) autor(es) está(ão) sendo citado(s) como parte integrante da frase, nesse caso, somente o ano da publicação deve vir entre parênteses, por exemplo: COELHO (2005). Se no final da frase ou parágrafo, o(s) autor(es) será(ão) citado(s) juntamente com o ano da publicação, somente entre parêntese, por exemplo: (COELHO, 2005): a) quando a citação for de um autor: SANTOS (2001) ou (SANTOS, 2001); b) quando for com dois autores: KEEP e CORRIGAN (2000) ou (KEEP e CORRIGAN, 2000); c) quando for com três autores: SANCHES, PULL e REEVE (2003) ou (SANCHES, PULL e REEVE, 2003); d) quando for com mais de três autores: RENAME et al. (1997) ou (RENAME et al., 1997). e) quando houver, no mesmo ano, mais de um artigo de mesma autoria, acrescentar letras minúsculas, após o ano (BACK et al., 1996a, 1996b). 262 f) quando, dentro de um mesmo parêntese, houver mais de uma citação, estas devem ser colocadas em ordem cronológica de publicação (KLEIN, 1983; CARVALHO, 1994; MARTINELLO et al., 1999) 8) A citação das referências no final do artigo deverá ser por ordem alfabética de autores e seqüência cronológica crescente, seguindo a ABNT 6023. 9) Os gráficos, fotos e desenhos, com enunciado na porção inferior, devem ser citados como figuras numeradas com algarismos arábicos em ordem crescente e corrida, conforme indicadas no texto. As tabelas e quadros, com enunciados na parte superior, devem ter seqüência numérica corrida indicada com algarismos arábicos e de acordo com a sua indicação no texto. 10) O trabalho será analisado pelos consultores da Comissão Editoral da Revista. 11) Quando os referis sugerirem alterações no artigo, o(s) autor(es) deve(m), após fazer(em) as correções, encaminhar a versão definitiva em CD-ROM, em Word for Windows. 12) Os textos apresentados são de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es), inclusive de digitação. 13) A Diretoria de Pesquisa guardará por três meses os artigos não aceitos para publica- Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 ção, ficando os mesmo à disposição do(s) autor(s) neste período. Após os artigos serão inutilizados. 14) Cada autor receberá uma revista, gratuitamente, independente do número de artigos publicados na mesma. Universidade Luterana do Brasil Av. Farroupilha, nº 8001, Bairro São José, Canoas, RS, Cep: 92425-900 Diretoria de Pesquisa, Prédio 14, sala 225 E-mail: [email protected] Fone: (0XX51) 3477-9196 Fax: (0XX51) 3477-9239 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 263 264 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 Índice de Autores ABDALLAH, Patrízia Raggi ALLGAYER, Mariângela da Costa ALVES, Ana Marisa de Oliveira ANDRADE, Heloisa Helena Rodrigues ANGELI, Suelen ANTUNES, Amilton Sangoi ARAÚJO, Mitiyo Shoji AROSSI, Guilherme Anziliero 207 29 51 de 75 115 237 105 75 BAIRROS, Fábio BALESTRO, Fernanda Izidro BARCELLOS, Regina Bones BECKER JUNIOR, Benno BIANCHI, André Luis BITTENCOURT, Hélio Radke BORIN, Graziele BRUSAMARELLO, Valner João 229 193 115 97 229 19 85 229 CÂMARA, Sheila Gonçalves CAMBRUSSI, Alan Knolsseisen CANELLAS, Leonardo Canali CAPPELARI, Shandale Emanuele CARIATI, Stela Maris da Silva CARVALHO, Fabiana da Silva 19 121 19 39 75 121 CASANOVA, Yara Silva CERVEIRA, Fabricia Alves COSTA, Larisse Katiele Vargas da COSTA, Márcia Rosa da CRUZ, Joana Kliemann da 63 63 167 157 147 DAL-FARRA, Rossano André DAL’PIZZOL, Paula Pellizzer DALPIAZ, Tiago DIAS, Priscila Pedroso 147 217 115 173 FARIAS, Eduardo Machado FEIJÓ, Flávio Tosi FERLA, Maristela Rissi FERRAZ, Alexandre de Barros Falcão FIGUEIREDO, Maria Renita Burg FONSECA, André Salvador Kazantzi FONTOURA, Luiz Antonio Mazzini FREITAS, Ana Paula FREITAS, Cíntia de la Rocha 97 207 181 39 105 63 133 251 97 GERBER, Laura GOMES, Greizy Modesto GONÇALVES, Willian Mattes 115 121 207 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 265 GOTTSCHALL, Carlos Santos 19 GOULART, Bianca Daniete Chimello 181 GROENWALD, Rosa Maria Freitas 105 GROLLI, Dorilda 181 GUEDES, Neiva Regina 29 HEPP, Diego HUBNER, Daniele Faccin IKUTA, Nilo 63 KAHL, Vivian Francília Silva KESPERS, Fábio Alves dos Santos KOERICH, Priscilla Karina Vitor 39 121 63 LIMA, Martha Fogliato Santos LOIKO, Márcia Regina LONGO, Thais Basso LÜDTKE, Cândida LUNGE, Ricardo Wagner 251 29 39 39 63 PARIS, Rosana Maria PASSOS, Daniel Thompsen PEREIRA, Patrícia PICADA, Jaqueline Nascimento POLIDORO, Ketherine Picinin POOLI, João Paulo PROENÇA, Mariana 85 29 147 11, 29 39 39 85 157 147 RAMOS, Ricardo Luiz REGNER, Andréa Pereira RIBEIRO, Luís Alberto Oliveira RICHTER, Marc François ROCHA, Cristianne Maria Famer RODRIGUES, Everton Eilert RODRIGUES, Norma Centeno ROSSETTI, Maria Lúcia Rosa 147 121 11 39 193 11 11 115 133 229 217 237 39 217 181 115 105 193 167 NACIUK, Fabrício Fredo NOGUEIRA, Fernanda 133 157 SANT’ANA, Josué SANTOS, João Carlos Vernetti dos SCHWARTZ, Germano André Doerdelein SEFFRIN, Carlos Fernando Guimarães SEMEDO, Juliane Garcia SILVA, Eliziani Vedoy da SILVA, Lauraci Dondé da SILVA, Márcia Susana Nunes SILVA, Roberto Carvalho SILVA, Sue Ellen Tatsch da SOMMER, Luís Henrique OAIGEN, Edson Roberto OLIVEIRA, Édison 147 121 TEIXEIRA, Adriane Ribeiro THEWES, Márcia Regina MACIEL, Luciano Milesi MARQUES, Pedro Rocha MARTINS, Cristiane Rodrigues MELO, Tiago André Fontoura de MENDES, Tania Maria Scuro MILLÃO, Luzia Fernandes MONTICELLI, Gislene MOREIRA, Fernanda Keeling 266 11 251 OLIVEIRA, Elias Pandonor Motcy de OLIVEIRA, Sérgio José de 237 19 97 85 181 97, 105 173 63 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 97 51 TOMAZI, Ronaldo 237 VAGHETTI, Marcos Alberto Oss VIEIRA, Aline Ferreira 237 97 WEIMER, Tania de Azevedo WOBETO, Ana Paula 11 63 ZYNICH, Samanta Anuncito 51 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007 267 268 Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2007