negócios Meu negócio é mudar o mundo Cada vez mais empresas brasileiras inspiram-se no capitalismo consciente, um movimento que busca conciliar lucros com avanços sociais e ambientais Márcio JULIBONI U m espectro ronda o mundo: o de um futuro em que o lucro não será o único objetivo das empresas, que usarão seu poder para resolver os problemas sociais e ambientais. As companhias não terão hierarquias. Os ganhos serão distribuídos entre todas as pessoas, que escolherão onde trabalhar não pelo salário, mas porque sentem que serão capazes de construir algo prazeroso. Esses ideais são propagados por revolucionários que combatem empresários gananciosos. Mas se engana quem pensa que eles formem uma nova onda de comunistas barbudos em busca de outra Cuba. Ao contrário. Suas fileiras são compostas por pessoas bem formadas. Muitas delas abandonaram carreiras bem-sucedidas em grandes companhias para lutar por essa causa. São os empreendedores que aderiram ao movimento do capitalismo consciente, que ganha espaço no Brasil. Sua expansão no País foi retratada pelo jornalista Alexandre Teixeira, no livro “De Dentro Para Fora” (Arquipélago Editorial, R$ 45), lançado na terça-feira 28. “Para o capitalismo consciente, uma empresa que não lucra vira um peso para a sociedade”, diz Teixeira, ex-editor da DINHEIRO. “O lucro importa, mas não pode ser 44 Din914_Capitalismo.indd 2 Dinheiro 06/05/2015 o único propósito de um negócio.” Não é fácil aplicar esse princípio na prática, já que ele esbarra em uma série de preconceitos e desafios. Um dos primeiros a adotá-lo foi Cláudio Emanuel de Menezes, que fundou a desenvolvedora de software Disoft, há 30 anos. Menezes seguia a cartilha básica de gestão até 12 anos atrás, quando uma crise quase o levou à falência. Decidiu, então, virar a empresa pelo avesso. Aboliu a foto: Claudio Gatti 4/30/15 12:39:55 AM revolucionários: (a partir da esq.) Bustani, da Mandalah; Pacheco, da Plug e Menezes, da Disoft, querem dinheiro e felicidade Pioneiros S.A. empresas brasileiras que não buscam apenas lucros Disoft fundada há 30 anos, a desenvolvedora de software aboliu todos os cargos e reduziu a hierarquia, tornando-se um dos primeiros exemplos de “empresa horizontal” do País Mandalah a consultoria de inovação consciente quer mudar os paradigmas das empresas para quem atua. Um exemplo foi o trabalho desenvolvido para a GM, que sugeriu que a montadora deveria apostar em um futuro... sem carros 99jobs lançada em junho de 2013, com o lema de “Faça o que você ama”, a empresa busca auxiliar pessoas a encontrar aquilo que faça seus olhos brilharem Plug nasceu como um espaço de coworking, mas evoluiu para um ecossistema de startups. Seu objetivo é permitir que diversos empreendedores coabitem um mesmo local, trocando ideias e criando parcerias estrutura de cargos, reduziu a hierarquia e adotou um modelo de equipes em que líderes e liderados compartilham decisões e informações com total transparência. As mudanças não foram indolores: houve greve de analistas e o seu principal cliente, que respondia por 30% do faturamento, simplesmente lhe disse que aquilo tudo era ingênuo demais e foi embora. Okena iniciada em 2008, a companhia de tratamento de efluentes líquidos é representa as “empresas B”, aquelas que recorrem ao poder dos negócios e do mercado para resolver problemas sociais e ambientais Full Jazz fundada em 1996, o grupo de comunicação foi um dos primeiros, no País, a pregar o “marketing consciente”. Seu objetivo não é fazer com que as marcas guiem os consumidores, mas sim que dialoguem XX pessoas Fonte: Alexandre Teixeira Mas Menezes não se arrepende. Com 90 clientes e 60 funcionários, a Disoft faturou R$ 13 milhões, no ano passado, e se recuperou do tombo. “Temos de desmontar as estruturas que endurecem as pessoas”, afirma Menezes, adepto fervoroso da chamada "empresa horizontal". Se promover essa transformação estrutural é difícil, quando se é o dono da empresa, imagine a perplexidade causada por consultores que ganham a vida pregando essa mudança. Que o diga Lourenço Bustani, um dos fundadores da Mandalah. Com 20 clientes em oito países, a ousadia da equipe de Bustani é tamanha que desafia o que muitos sequer questionariam. Um exemplo é o projeto que propôs para a montadora GM. Contratada para elaborar um cenário para o setor nos próximos anos, a Mandalah recomendou, sem meias palavras, que a companhia deveria investir num mundo sem carros. “Queremos que as empresas tenham um objetivo maior, que é proporcionar alegria e bem-estar a todos”, diz Bustani. E, em vez de espantar a clientela, seu discurso atrai cada vez mais gente. Se tudo correr como o As empresas previsto, a consultoria, que devem ter um não revela números, crescerá 40% sobre 2010 – até objetivo maior aqui, seu melhor ano. que o lucro” O afluxo de interessados é sentido por outros alexandre teixeira militantes do capitalisAutor do livro "de dentro mo consciente. A Plug, por para fora" exemplo, nasceu há três anos e seu negócio é hospedar e conectar toda sorte de empreendedores – desde startups, até veteranos como o Uber, o polêmico serviço que transforma motoristas em táxis, e a Virgin Mobile, do bilionário britânico Richard Branson. A empresa paulista, que faturou R$ 1,6 milhão em 2014, espera superar os R$ 2 milhões agora. “Saber que ajudamos alguém a prosperar me enche os olhos de lágrimas”, diz Jorge Pacheco, um dos criadores da Plug. Mas não se engane, os capitalistas conscientes estão também com o bolso cheio. Eis o (bendito) paradoxo de fazer o bem. Dinheiro 06/05/2015 Din914_Capitalismo.indd 3 45 4/30/15 12:40:03 AM