3 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás Edson Eyji Sano Luiz Alberto Dambrós Geraldo César de Oliveira Ricardo Seixas Brites Este texto apresenta os principais resultados obtidos pelo Projeto Identificação de Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade em Goiás (PDIAP), no que diz respeito ao mapeamento dos remanescentes da cobertura vegetal natural e ao uso antrópico do Estado de Goiás na escala de semi-detalhe (1:250.000). Na exposição que se segue, enfatiza-se o cálculo de áreas ocupadas por diferentes classes de uso antrópico e por remanescentes de cobertura vegetal, bem como a distribuição espacial dessas mesmas classes, analisando-se, no final, a adequabilidade de uso das terras. É por demais conhecido que, dentre todos os estados brasileiros, Goiás é o que detém a maior cobertura ou representatividade do cerrado, o bioma considerado como uma das 25 áreas mais críticas do mundo para conservação, devido à sua riqueza biológica e à alta pressão antrópica a que vem sendo submetido1 (Brasil, 2002). No PDIAP, o mapeamento de uso antrópico e dos remanescentes de vegetação natural do Estado de Goiás foi realizado através do emprego combinado de técnicas de classificação manual, a não-supervisionada e a supervisionada. Especificamente para as classes antrópicas, valeu-se da interpretação de imagens do satélite Landsat ETM+ (composição colorida RGB/345; anos-base das imagens: 2001 e 2002). Discriminaram-se, no início, as classes com menor nível de confusão espectral, isto é, tanto as áreas sob sistema de irrigação por pivô central quanto as áreas urbanas. A discriminação das demais classes foi feita através do algoritmo de classificação não-supervisionada (algoritmo: isodata – Schowengerdt, 1997). Sempre que era integralmente mapeada, uma classe era subtraída da imagem, através do uso da função de multiplicação de imagens, para diminuir as confusões espectrais subseqüentes. O mapeamento foi subsidiado pelo Censo Agropecuário do IBGE, pelos mapas de vegetação do Projeto Radambrasil (escala 1:1.000.000) e pelos dados de campo. A área mínima de representação foi de 25 hectares. As classes de remanescentes de vegetação natural foram mapeadas através da análise visual de imagens Landsat ETM+, em formato analógico. Os polígonos 86 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás isolados de vegetação natural, com dimensões inferiores a aproximadamente 0,5 cm² no papel fotográfico, correspondentes a aproximadamente 156 hectares no terreno, foram desconsiderados. No entanto, os polígonos menores interligados, caso em que a legenda foi definida como “mosaico” ou “área de contato”, foram mantidos. As áreas de vegetação ciliar, como as matas de galerias e/ou floresta aluvial, só foram consideradas quando possuíam dimensões superiores a 1,5 mm no papel (no terreno, cerca de 370 metros de largura, aproximadamente). As classes de remanescentes foram redefinidas com base na nomenclatura fitogeo gráfica do Projeto Radambrasil e especificada no Manual técnico da vegetação brasileira (IBGE, 1992). Ao todo, as seguintes tipologias foram contempladas: ções) • Áreas com vegetação natural remanescente (formações/subformaa) Região fitoecológica da savana (cerrado): - Savana florestada (S1) - Savana arborizada sem floresta de galeria (S2) - Savana arborizada com floresta de galeria (S3) - Savana parque sem floresta de galeria (terrenos bem drenados) (S4) - Savana parque com floresta de galeria (terrenos bem drenados) (S5) - Savana parque sem floresta de galeria (terrenos mal drenados) (S6) - Savana parque com floresta de galeria (terrenos mal drenados) (S7) - Savana gramíneo-lenhosa sem floresta de galeria (terrenos bem drena dos) (S8) - Savana gramíneo-lenhosa com floresta de galeria (terrenos mal drena dos) (S9) b) Região fitoecológica da floresta estacional semidecidual: - Floresta estacional semidecidual aluvial (F1) - Floresta estacional semidecidual das terras baixas (F2) - Floresta estacional semidecidual submontana (F3) - Floresta estacional semidecidual submontana (terrenos calcáreos) (F4) - Floresta estacional semidecidual montana (F5) c) Região fitoecológica da floresta estacional decidual: - Floresta estacional decidual submontana (D1) - Floresta estacional decidual submontana (terrenos calcáreos) (D2) - Floresta estacional decidual montana (D3) d) Formações pioneiras: - Formação pioneira fluvial e/ou lacustre herbácea (P1) - Formação pioneira fluvial e/ou lacustre arbustiva (P2) A encruzilhada socioambiental e) Áreas de contato ou de tensão ecológica: - Contato savana–floresta estacional semidecidual (SF ou FS) - Contato savana–floresta estacional decidual (SD ou DS) • Áreas antrópicas e outras áreas a) Uso antrópico: cultura agrícola (CA), pastagem cultivada (PC), reflorestamento (RE), área urbana, núcleo rural (AU). b) Outras: queimadas (QM), mineração (MI), área degradada (AD), corpos d’água (CA), nuvens (NU). Tipologias vegetais do Estado de Goiás Segundo o IBGE (1992), a classificação da vegetação brasileira, voltada para um sistema universal, distingue as seguintes regiões fitoecológicas ou tipos principais de vegetação: floresta ombrófila densa (floresta pluvial tropical); floresta ombrófila aberta (faciações da floresta densa); floresta ombrófila mista (floresta de araucária); floresta estacional semidecidual (floresta tropical subcaducifólia); floresta estacional decidual (floresta tropical caducifólia); campinarana (campinas); savana (cerrado); savana estépica (caatinga do sertão árido, campos de Roraima, chaco sul-matogrossense e Parque de Espinilho da Barra do Rio Guaraí); e estepe (campanha gaúcha e campos gerais planálticos). Submetido a um clima continental com dois períodos bem demarcados por chuvas e secas, há em Goiás três dessas tipologias: savana (cerrado), floresta estacional semidecidual (floresta tropical subcaducifólia) e floresta estacional decidual (floresta tropical caducifólia). Nas áreas interfluviais, a distribuição desses três tipos é controlada pela gênese e fertilidade dos solos. Em terrenos areníticos, lixiviados e fortemente aluminizados, predominam formações da savana (cerrado); nos solos calcíferos e/ou de origem magmática, com fertilidade mais alta (latossolos e argissolos distróficos e/ou eutróficos), ocorrem os tipos florestais estacionais. Savana (cerrado) De acordo com IBGE (1992), o termo “savana” foi proposto pela primeira vez, em 1851, para designar os lhanos arbolados, da Venezuela, que são formações graminóides dos planaltos, geralmente cobertas ou entremeadas por plantas lenhosas. A savana corresponde a uma vegetação xeromorfa, preferencialmente de clima estacional (em que aproximadamente seis meses são marcados pela seca), embora também possa ser encontrada ainda em clima ombrófilo. Ocorre em toda a zona neotropical; no Brasil, é mais freqüente na região central. Subdivide-se em quatro subgrupos de formação, todos com boa representatividade no Estado de Goiás: savana florestada, savana arborizada, savana parque e savana gramíneo-lenhosa. 87 88 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás Embora constituam formações florestais com estrutura típica, as florestas de galerias, pelas suas dimensões, não são separadas nesse sistema de classificação, sendo consideradas, portanto, como componentes da savana. A presença ou ausência delas, numa determinada área, entretanto, define as subformações vegetais, onde se pode ter, por exemplo, a savana arborizada sem floresta de galeria e/ou savana arborizada com floresta de galeria. No Manual técnico da vegetação brasileira, do IBGE, a savana florestada, ou o cerradão, como é designada popularmente, constitui um subgrupo restrito a áreas areníticas, lixiviadas e com solos profundos, ocorrendo em climas tropicais eminentemente estacionais. Para Ribeiro & Walter (1998), o cerradão é uma formação florestal, embora, em termos florísticos, possua maior similaridade com o cerrado propriamente dito. Essa fitofisionomia apresenta um dossel predominantemente contínuo e uma cobertura arbórea oscilando entre 50 a 90%, com altura variando de oito a quinze metros. Em sua maioria, ocorre em solos profundos e bem drenados. A savana arborizada corresponde a uma das formações savânicas do cerrado. Classifica-se no tipo fitofisionômico denominado cerrado no sentido restrito e, em especial, nos subtipos cerrado denso e cerrado típico. Nos terrenos bem drenados, a savana parque equivale aos subtipos definidos por Ribeiro & Walter como cerrado ralo e cerrado rupestre e, às vezes, como campo sujo e campo rupestre. Nos terrenos mal drenados, a correspondência se dá com o parque de cerrado e, eventualmente, com vereda, campo sujo úmido e campo sujo com murundus. Para esses autores, o cerrado ralo é um subtipo de vegetação arbóreo-arbustiva, com cobertura arbórea entre 5% e 20% e com altura média de dois a três metros. O cerrado rupestre é definido como um subtipo de vegetação arbóreo-arbustiva que ocorre em ambientes rupestres (litólicos ou rochosos). Possui cobertura arbórea entre 5% e 20%, altura média de dois a quatro metros e estrato arbustivo-herbáceo também destacado. As espécies arbóreas-arbustivas concentram-se nas fendas das rochas. A savana gramíneo-lenhosa é caracterizada pela presença de um número pequeno de arbustos e subarbustos e pela ausência completa de árvores. Pode ser encontrada em diferentes posições topográficas, em variados graus de umidade e fertilidade de solo, principalmente sobre encostas, chapadas, olhos d’água, ou circundando veredas e bordas de matas de galeria. Ocorre ainda em solos litólicos, cambissolos e/ou solos hidromórficos, como os plintossolos. Se o lençol freático estiver próximo à superfície, surge o campo limpo úmido; quando o lençol freático é profundo, aparece o campo limpo seco; quando ocorre em áreas planas relativamente extensas, contíguas aos rios e inundadas periodicamente, é denominada campo de várzea, várzea ou brejo. Floresta estacional semidecidual (floresta tropical subcaducifólia) A floresta estacional semidecidual está condicionada pela dupla estacionalidade climática: uma tropical, com época de chuvas intensas de verão, A encruzilhada socioambiental seguida por estiagem acentuada; outra, subtropical, sem período seco, mas com seca fisiológica provocada pelo intenso frio do inverno, com temperaturas médias inferiores a 15o C que ocasionam decidualidade ou perda parcial da folhagem. Tal tipologia é subdividida em quatro formações, ordenadas segundo uma hierarquia topográfica que também é válida para classificar a floresta estacional decidual: a) Formação aluvial – situada nas planícies e terraços aluviais dos flúvios, independentemente de altitude. b) Formação das terras baixas – situada entre 4o de latitude N e 16o de latitude S, a partir de 5 até 100 metros acima do mar; de 16o a 24o de latitude S, entre 5 e 50 metros de altitude; e de 24º a 32º de latitude S, entre 5 e 30 metros de elevação. c) Formação submontana – situada nas encostas dos planaltos e/ou serras entre os 4o de latitude N e os 16o de latitude S, entre 100 a 600 metros de altitude; de 16o a 24o de latitude S, entre 50 e 500 metros de altitude; de 24o a 32o de latitude S, entre 30 e 400 metros de altitude. d) Formação montana – situada no alto dos planaltos e/ou serras entre os 4o de latitude N e os 16o de latitude S a partir de 600 metros até em torno dos 2.000 metros; de 16o a 24o de latitude S, de 500 a 1.500 metros de elevação; e de 24o a 32o da latitude S, entre 400 metros e 1.000 metros de elevação. No Estado de Goiás, a floresta estacional semidecidual aluvial ocupa os terraços e planícies holocênicas ao longo dos cursos d’água, em especial do Rio Araguaia e dos baixos cursos de seus tributários que medeiam o domínio morfoestrutural das depressões e planícies, com coberturas detríticas e/ou lateríticas cenozóicas da área. É a formação que apresenta a menor decidualidade ou queda de folhas. Possui alguma similaridade estrutural com a mata ciliar de Ribeiro & Walter e também com a mata de galeria inundável. A floresta estacional semidecidual de terras baixas situa-se numa posição intermediária entre a das planícies holocênicas e a das florestas dos terrenos cristalinos mais altos, sem incidência de inundação. Posiciona-se geralmente em terrenos pleistocênicos e/ou pliopleistocênicos, com altitudes inferiores a cem metros. Tem correspondência com a mata seca de Ribeiro & Walter e elevada similaridade com o subtipo “mata seca sempre verde”. A floresta estacional semidecidual submontana distribui-se desde o Espírito Santo e o sul da Bahia até o Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, o norte e sudoeste do Paraná, o sul do Mato Grosso do Sul, adentrando pelo sul de Goiás, através do Rio Paranaíba. Na sua forma disjunta, pode ocorrer ainda entremeada às formações savanícolas, ocupando terrenos aplainados, com solos mesotróficos e profundos (tipicamente latossolos). No Brasil, as áreas ocupadas pela floresta estacional semidecidual montana são reduzidas. Em Goiás, é encontrada principalmente na região sudeste, notadamente nos pontos mais elevados dos planaltos areníticos. 89 90 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás Floresta estacional decidual (floresta tropical caducifólia) A floresta estacional decidual é um tipo de vegetação predominantemente caducifólia, com mais de 50% dos indivíduos despidos de folhagem no período seco. Em Goiás, ocorrem duas dessas áreas disjuntas de floresta estacional decidual submontana: o “mato grosso de Goiás”, que ocorre na região central e retrata uma fisionomia ecológica com mais de 50% de seus ecótipos sem folhas na época desfavorável. Essa tipologia tem correspondência com solos férteis ou eutróficos, derivados de rochas metamórficas e intrusivas básicas e/ou ultrabá sicas granulitizadas, mas que, geralmente, são pouco profundos. Entretanto, é importante salientar que parte do chamado “mato grosso de Goiás” apresenta uma fisionomia bem menos caducifólia. Quando isso ocorre, corresponde a solos mais profundos e a áreas aplanadas, passando a ser designada como floresta estacional semidecidual. A floresta do Vão do Paranã é uma outra região representativa desse tipo de vegetação caducifólia. Possui uma estreita ligação com solos eutróficos e calcáreos, apresenta um dossel bem mais decidual e características de mistura entre as floras do cerrado e da caatinga nordestina. A floresta estacional decidual montana, por sua vez, possui uma distribuição muito restrita no Estado de Goiás. Cálculo de áreas Para uma área estadual aproximada de 34.605.000 hectares (incluindo o Distrito Federal), este estudo apontou a presença de 12.280.500 hectares de remanescentes de cobertura vegetal natural. Portanto, 35% é o que ainda resta de vegetação primitiva nessas duas unidades federativas do Brasil. Em termos de uso antrópico, foram obtidos um total de 22.010.000 hectares (64% da área de estudo; o 1% restante refere-se a corpos d´água e a áreas com cobertura de nuvens durante a passagem do satélite). Esses resultados, entretanto, devem ser vistos com certa cautela. No caso de florestas, esta pesquisa não discriminou as áreas de capoeiras em estágios mais avançados. Cabe lembrar que as áreas ocupadas por capoeiras foram incluídas no grupo dos remanescentes, da mesma forma que as áreas de cerrado com corte seletivo e as utilizadas para pastoreio. Ressalta-se ainda a simplificação no cálculo de áreas, que levou em conta apenas a vegetação dominante em cada polígono de mapeamento. Ao calcular as áreas de remanescentes de cobertura vegetal do Estado de Goiás por grandes tipologias (Quadro 1), verifica-se que predominam as formações de savana (95% das áreas preservadas). As áreas de remanescentes de vegetação primitiva no Estado de Goiás concentram-se principalmente na sua porção nordeste, notadamente no Vão do Paranã. Nessa região, os solos são arenosos e/ou pedregosos e geralmente pobres em nutrientes. Conseqüentemente, municípios como Flores de Goiás e Iaciara, localizados nesse compartimento geomorfológico, tendem a apresentar A encruzilhada socioambiental Quadro 1. Cálculo de áreas de remanescentes de vegetação primitiva do estado de Goiás, discriminadas por grandes tipologias Tipologia vegetal Área (hectares) Savana florestada 768.000 Savana arborizada 6.973.000 Savana parque 3.613.000 Savana gramíneo-lenhosa 236.000 Subtotal 11.590.000 Floresta estacional semidecidual aluvial Floresta estacional semidecidual das terras baixas Floresta estacional semidecidual submontana Floresta estacional semidecidual montana Subtotal 348.000 130.000 42.000 30.000 550.000 Floresta estacional decidual submontana Floresta estacional decidual montana Subtotal 130.000 5.000 135.000 Formações pioneiras fluviais e/ou lacustres Total 5.500 12.280.500 porcentagens elevadas de preservação. Os municípios que englobam parques nacionais – por exemplo, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Cavalcante, ou o Parque Nacional das Emas, em Mineiros – ou que possuem relevo destacadamente acidentado, como os complexos máficos e ultramáficos em Niquelândia, também tendem a apresentar porcentagens elevadas de preservação (Figura 1). As áreas de culturas agrícolas ocupam 6.226.000 hectares (18% da área estadual total), enquanto as áreas de pastagens cultivadas ocupam 15.475.000 hectares (45% da área estadual total). As áreas urbanas e os núcleos rurais totalizam 254.000 hectares. O total de reflorestamento encontrado atinge 55.000 hectares. As Figuras 2 e 3 mostram, respectivamente, a distribuição espacial de culturas agrícolas e pastagens cultivadas no Estado. Em termos de cultura agrícola, há um destaque para duas regiões conhecidas por sua intensa produção agrícola: a de Rio Verde, no sudoeste, e a do Plano de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF), no leste. Por sua vez, as pastagens cultivadas se estendem por todo o Estado. Há municípios com mais de 70% da sua área total ocupada por cultura agrícola. Os municípios de Montividiu, Rio Verde, Santa Helena de Goiás, Maurilândia e Porteirão, localizados na porção sul do Estado (Figura 4), são conhecidos por sua produção intensiva de grãos, notadamente soja e milho. Nerópolis e Anápolis, próximos a Goiânia, destacam-se pela produção de hortaliças, principalmente alho e cebola (Tabela 1). 91 92 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás Figura 1. Mapa de distribuição de áreas com vegetação natural no Estado de Goiás Figura 2. Localização de áreas com culturas agrícolas no Estado de Goiás, destacando-se a região do município de Rio Verde e a do PAD-DF A encruzilhada socioambiental Figura 3. Localização de áreas com pastagens cultivadas no Estado de Goiás Figura 4. Municípios do Estado de Goiás com mais de 70% da área ocupada com culturas agrícolas 93 94 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás Tabela 1. Municípios com mais de 70% da área ocupada por cultura agrícola Município Área municipal (ha) Montividiu Cultura agrícola (ha) % relativa 188.048 177.517 94 Uruana 52.601 45.772 87 Nova Glória 41.326 35.699 86 Rialma 26.690 22.746 85 São João da Paraúna 30.612 23.462 77 Perolândia 103.266 78.715 76 Anápolis 107.566 80.669 75 Rio Verde 841.473 605.888 72 Porteirão 60.566 43.575 72 Maurilândia 39.349 28.115 71 113.245 80.475 71 20.494 14.561 71 220.072 153.037 70 Santa Helena de Goiás Nerópolis Chapadão do Céu Entre os municípios predominantemente cobertos com vegetação natural, destacam-se os de Cavalcante e Crixás, no norte e noroeste do Estado, respectivamente (Quadro 2 e Figura 5). O primeiro engloba grande parte do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, enquanto o último possui terreno acidentado (complexos máficos e ultramáficos), impróprio para a produção agropecuária. Outro município que também pode ser destacado nesse grupo é Posse, situado na região do Vão do Paranã. Quadro 2. Municípios com menos de 1% das suas áreas ocupadas por cultura agrícola Município Área municipal (ha) Cultura agrícola (ha) Professor Jamil 34.426 Gouvelândia 83.520 9 Santa Tereza de Goiás 79.800 30 8.581 33 Damolândia Aparecida do Rio Doce Uirapuru Buritinópolis 6 60.451 34 115.868 38 26.897 72 Bonópolis 163.244 99 Crixás 467.934 158 41.368 176 Ouvidor (continua) A encruzilhada socioambiental Município Área municipal (ha) Cultura agrícola (ha) Posse 195.934 204 Campinaçu 198.552 273 86.019 309 Santa Rita do Araguaia 136.796 329 Cavalcante 697.550 352 Novo Planalto 125.960 379 Araguapaz 219.666 647 Mambaí Figura 5. Municípios do Estado de Goiás com menos de 1% dos seus territórios ocupados com culturas agrícolas Adequabilidade de uso da terra Um dos principais argumentos para a continuidade da expansão da agricultura no Estado de Goiás, assim como em toda a Região Centro-Oeste, é o seu grande potencial para se transformar no celeiro de grãos do mundo, em função da excelência do clima, do elevado percentual de áreas com relevo suavizado e da elevada fertilidade física dos solos (Tabela 2). Além desses fatores, Goiás, pela sua localização central e pela excelência de sua malha viária, oferece facilidades para o escoamento da produção, razão pela qual continua atraindo empresários rurais de diversos pontos do país, mesmo com carência 95 96 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás Tabela 2. Classes de solos com percentual de recobrimento do estado de Goiás: principais locais de ocorrência e sugestões de adequabilidade para uso antrópico Classes de solos % Ocorrência Principais locais Principais características e adequação de uso Latossolos 52 Predominante em praticamente todas as regiões do Estado. - Geralmente adequados ao uso de maquinários devido a características físicas e ao relevo de ocorrência. - Elevada permeabilidade. - Pobreza química. - Apto para agronegócio. - Cuidados especiais com os latossolos com maior percentual de areia. Argissolos e Nitossolos 15 Maior ocorrência nas regiões norte (Ex.: Barro Alto, Ceres e Rubiataba), central (Ex.: São Luís dos Montes Belos, Inhumas, Goiânia e Ouro Verde), sul (Ex.: Goiandira, Anhangüera e Itajá) e oeste (Ex.: Doverlândia e Santa Rita). - Algumas restrições ao movimento de máquinas em função do relevo de ocorrência. - Elevada suscetibilidade à erosão. - Melhor adequação aos pequenos agricultores e pecuaristas. - Geralmente são dotados de maior fertilidade química e boa capacidade de retenção de água. Cambissolos 12 Maior ocorrência em áreas contínuas no nordeste do Estado. Na região de São Domingos, Guarani e em outros municípios, esses solos recobrem cerca de 40% da paisagem. Nessas regiões, estão associados aos solos litólicos. - Muito suscetíveis à erosão. - Solos rasos. - Baixa aptidão agrícola. - Com os devidos cuidados, a melhor recomendação de uso é para pastagens. - Dependendo da fertilidade química, podem ser adequados a pequenos agricultores. Neossolos Litólicos 8 Maior ocorrência em áreas contínuas no nordeste do Estado. Em Iaciara, Campos Belos, Flores de Goiás e em outros municípios, esses solos recobrem cerca de 40% da paisagem e estão associados aos solos litólicos. - Relevo muito movimentado. - Solos rasos. - Preservação da flora e da fauna. - Muito suscetíveis à erosão. Neossolos Quartzarênicos 5 Maior ocorrência no sudoeste (Ex.: Mineiros, Serranópolis, Montividiu e Jataí); nordeste (Ex.: Mambaí e Sítio D´Abadia) e oeste (Ex.: Aruanã e Britânia). - Solos arenosos e de baixíssima capacidade de retenção de água. - Extremamente permeáveis. - Fertilidade química muito baixa. - Muito suscetíveis à erosão, mesmo sendo o relevo pouco movimentado. - Baixa aptidão agrícola. Plintossolos 4 Maior ocorrência no noroeste (Luís - Fortes limitações ao uso de máquinas. Alves, São Miguel do Araguaia, - Melhor aptidão para pastagens. Britânia), no norte (Porangatu) e - Aqueles localizados em áreas sujeitas a oscilano nordeste (Flores de Goiás). Em ções do lençol freático apresentam melhor appequenas extensões, esses solos tidão para o cultivo de arroz inundado; quando ocorrem em todo o Estado, princidrenados, se transformam em plintossolos pépalmente nas bordas das chapadas, tricos. como plintossolos pétricos. Outros 4 Variável Variável Fontes: Goedert (1987); Resende et al. (1999); Spera et al. (1999); Lepsch & Oliveira (2003) e Consórcio Imagem WWF (2004). A encruzilhada socioambiental de informações mais detalhadas sobre a adequabilidade de uso de seus solos nas diversas regiões. Como ainda existem incentivos para o avanço da pecuária e da agricultura, pesquisadores e ambientalistas temem a possibilidade de danos irreversíveis ao meio ambiente devido à expansão descontrolada dessas atividades (Galinkin, 2003). A princípio, Goiás poderia suportar um aumento na área de cultivo de grãos. Aproximadamente 6.226.000 hectares são ocupados com essa atividade. Sabe-se que a maioria dos 17.668.630 hectares de latossolos possui de mediana a elevada aptidão para agricultura, porém estes vêm sendo ocupados com pastagens, muitas das quais em estado acentuado de degradação. Embora os agricultores e pecuaristas já venham adotando uma tecnologia que permite o melhor uso dos solos através da integração lavoura–pecuária (Kluthcouski et al., 2000), ainda se observa que o maior problema de Goiás consiste na falta de planejamento de uso e manejo de suas terras. Isto está relacionado à carência de informações precisas sobre a distribuição dos solos nas diferentes regiões e sobre suas principais características, razão pela qual se torna necessário um levantamento de solos de todo o Estado, em escala compatível. O mapa de vulnerabilidade à erosão do Estado de Goiás (Figura 6), definido com base na metodologia proposta por Crepani et al. (2001), revela que cerca de 60% da superfície do território goiano situa-se nas classes estável e medianamente estável. Isto se deve, em grande parte, ao relevo predominan- Figura 6. Mapa de vulnerabilidade à erosão do Estado de Goiás 97 98 Padrões de cobertura de solos do Estado de Goiás temente suavizado, ao elevado percentual de latossolos e ao fato de um elevado percentual dessas áreas de latossolos encontrar-se recoberta por pastagens ou sob sistema de plantio direto. Quando bem manejadas, essas áreas oferecem uma boa proteção contra a ação de agentes erosivos. Tabela 3. Levantamento da vulnerabilidade à erosão do Estado de Goiás e sugestão de adequabilidade para uso antrópico Grau de vulnerabilidade Área do Estado km2 Estável % Sugestão de adequabilidade para uso antrópico 12.994 4 Medianamente estável 193.570 56 Boa a regular Moderadamente vulnerável 127.247 37 Regular a inadequada 10.271 3 Vulnerável Boa Inadequada O erro de ocupação em algumas áreas de Goiás, particularmente com a agricultura, se deve, em parte, à inobservância da grande diversidade dos componentes ambientais. A despeito de o relevo variar predominantemente de suave para suave-ondulado, existem diferenciações marcantes na fisionomia e no potencial de uso da terra. As maiores inadequações são encontradas nos municípios de Aporé, Chapadão do Céu, Mineiros, Jataí e Serranópolis (sudoeste), em Mambaí, Posse, Simolândia e Sítio D’Abadia (leste), de uso mais recente. Essas áreas estão largamente associadas a neossolos quartzarênicos e a latossolos de textura média (particularmente aqueles com maior percentual de areia). Apesar de estarem localizadas em relevos suavizados e apresentarem solos muito permeáveis, elas são muito susceptíveis à erosão, em função da sua fraca estruturação (partículas soltas) (Goedert, 1987; Resende et al., 1999; Spera et al., 1999). A área de maior degradação, provocada pelo uso indevido, está localizada no entorno do Parque Nacional das Emas, onde esses solos recobrem aproximadamente 43% da paisagem (Oliveira et al., 2003). Embora essa região abrigue as nascentes do Rio Araguaia e dos afluentes do Rio Paranaíba, o uso deles para agricultura, e mesmo para pecuária, tem sido intensivo. Agrava-se daí o processo de voçorocamento que se multiplica ano após ano (Galinkin, 2003). A preservação da vegetação natural seria a recomendação mais razoável para os neossolos quartzarênicos (Spera et al., 1999; Oliveira et al., 2003), apesar dos relatos de produtividades surpreendentes para soja e feijão cultivados nesses solos, quando bem manejados e sob irrigação (Resende et al., 1999). Uma forte justificativa para o não-uso desses solos é a de que eles são importantíssimos na recarga dos aqüíferos, em particular do aqüífero guarani que se faz presente na região.2 A encruzilhada socioambiental Conclusão Ao final deste texto, cabe destacar que o desenvolvimento do PDIAP se deu graças às imagens de satélite que permitiram a geração de dois resultados extremamente importantes na gestão ambiental e territorial do Estado: o mapeamento confiável da cobertura vegetal natural e antrópica e a análise da adequabilidade de uso da terra nas áreas antropizadas. Esses resultados serão, sem dúvida, um subsídio importante na definição de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade do cerrado e na gestão ambiental e territorial do Estado. Uma outra contribuição importante do mapeamento consistiu no avanço metodológico baseado na interpretação de imagens de satélite com resolução espacial moderada (tipicamente, resolução de 10 a 30 metros). A abordagem proposta permite a atualização do mapeamento temático efetuado e, principalmente, o detalhamento de algumas áreas que podem vir a ser consideradas como prioritárias para uso e conservação da biodiversidade, dos solos e dos recursos hídricos do Estado. Notas 1. Nas décadas de 1960 e 1970, houve, no Estado de Goiás, uma expressiva ocupação de solos com pastagens cultivadas, decorrente de fatores tais como: a implantação, por parte do governo federal, de programas de desenvolvimento como o Polocentro; a construção de Brasília e a melhoria do sistema viário da região. 2. Essa informação se acha disponível no site da Embrapa Meio Ambiente (<http://www. cnpma.embrapa.br>). Referências Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Biodiversidade brasileira: avaliação e identificação de áreas e ações prioritárias para conservação, utilização sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Biodiversidade e Florestas, 2002. Consórcio Imagem-wwf Brasil. Memorial descritivo de vulnerabilidade ambiental do Estado de Goiás. São José dos Campos: Imagem - WWF Brasil, 2004. Crepani, E. et al. Sensoriamento remoto e geoprocessamento aplicados ao zoneamento ecológico-econômico e ao ordenamento territorial. São José dos Campos: INPE, 2001. (INPE8454-RPQ/722). Galinkin, M. (Ed.). GeoGoiás 2002. Goiânia: Agência Ambiental de Goiás: Fundação Cebrac: PNUMA: Semarh, 2003. Goedert, W. J. (Ed.). Solos dos cerrados: tecnologias e estratégias de manejo. Planaltina: Embrapa-CPAC, 1987. Ibge. 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