RETALHOS LIVRES PARA O COTOVELO E ANTEBRAÇO Mário Yoshihide Kuwae1, Ricardo Pereira da Silva2 INTRODUÇÃO O antebraço e cotovelo apresentam carac- feixes neurovasculares (nervos mediano e ra- terísticas distintas quanto a cobertura cutânea, dial; o ulnar vem de póstero medial e depois nas lesões com perda de substancia.Os desafios corre antero medial; artéria braquial mediana- são a proteção do feixe neurovascular , cober- mente na fossa cubital), que estão cobertos por tura óssea ou a reparação de tecidos para a tecido conjuntivo que confere maior proteção. recuperação de função.Os retalhos livres nor- Nos casos de lesão profunda é frequente a lesão malmente são usados quando os retalhos locais dessas estruturas. não podem permitir cobertura adequada pelas O antebraço tem os dois terços proximais dimensões ou por lesão vascular dos pedículos. com massa muscular volumosa.Os vasos prin- O cotovelo tem a face posterior com pouco cipais e nervos estão num plano profundo. No tecido subcutâneo, sendo vulnerável nas leões terço distal o tecido subcutâneo é escasso, e tem traumáticas podendo expor facilmente o olé- pouca massa muscular deixando vulnerável os crano. Na face anterior estão os principais tendões, nervos e osso nas perdas cutâneas. 1 Chefe do grupo de Mão e Microcirurgia no departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás 2 Médico assistente do grupo de Mão e e Microcirurgia no departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás 1 Há varias possibilidades de se utilizar os retalhos os desbridamentos podem ficar insuficientes. É de rotação no antebraço. A maioria baseada nos ar- recomendado que a segunda ou a terceira lim- cos circulatórios. Necessitam da integridade desses peza seja vista pelo cirurgião que vai fazer o arcos para sua realização, por exemplo o retalho retalho, a fim de que se possa programar qual antebraquial (chinês), o interosseo posterior e o late- o melhor tipo de cobertura. Geralmente na ral do braço. Os retalhos de perfurantes também segunda ou terceira limpeza vamos encontrar podem ser utilizados com rotações ou em hélice. a ferida limpa e em condições de ser fechada. 3. O uso de curativo com pressão negativa PREPARAÇÃO DA FERIDA O tratamento de feridas com perda de substancia segue as mesmas diretrizes do tratamento de fraturas expostas. pode beneficiar bastante a limpeza da ferida pois impede a formação de coleções e exudatos, além de promover a granulação da ferida. 4. Cobertura na urgência. Em algumas situações dramáticas tem lesão vascular grave causando isquemia.Nesses casos é imperativo o reparo 1. Estabilização óssea, se necessário, dando vascular com cobertura cutânea na urgência. prioridade para uso de fixador externo em situações com grande contaminação. 2. Desbridamento. Remover sujeira,corpos estranhos, e tecidos desvitalizados. Este é considerado um dos passos mais importantes para evitar infecção. A cobertura deve ser programada após assegurar que a ferida esteja limpa.Geralmente nos hospitais de urgência nem sempre é o cirurgião mais experiente é quem faz o primeiro atendimento.E nessas situações O emprego de retalhos livres cresceu com a melhoria das técnicas microcirurgicas. A escolha do retalho depende do tamanho da lesão, localização e da experiência da equipe que vai fazer a cirurgia. Os retalhos musculares ou miocutaneos como o grande dorsal, serrátil, reto abdominal foram muito usados na década de oitenta. Atualmente a preferência tem sido pelos retalhos faciocutaneos e de perfurantes 2 pois vem com pele, não necessitando de enxertia como nos retalhos musculares. Os retalhos mais usados são o antero-lateral da coxa( ALT), o lateral do braço, o inguinal e outros. Descreveremos algumas situações em que a Fig.1 - Exposição do olécrano e articulação utilização dos retalhos livres foram empregados em diferentes necessidades. 1. Somente como cobertura cutânea. Fig.2 - Pós operatório imediato de retalho antero-lateral da coxa CASO 1 Paciente 45a, masculino, operário, sofreu fratura exposta do cotovelo e perdeu partes moles posterior do cotovelo. Foi instalado Fig.3 - Fase tardia com cobertura estável fixador externo. Após limpezas ficou a parte proximal da ulna e articulação sem tecido. Foi realizado o retalho de perfurante antero-lateral da coxa, com anastomose na artéria ulnar. Após evolução favorável do retalho foi necessário fazer artrodese o cotovelo pois a articulação fora severamente comprometida. Neste caso a cobertura foi com intuito de dar proteção a osso. CASO 2 Paciente 38a, masculino, agrônomo com esmagamento de antebraço. Perdeu parte da ulna distal e massa de extensores de dedos e punho. Após serie de debridamentos foi feito o retalho ALT. A anastomose foi feita na artéria radial e comitantes. 3 Fig.8 - A lesão após granulação Figs.4, 5, 6, 7 - Mostram a lesão limpa em condições de fechamento. O retalho e sua anastomose na radial. Na fase tardia após tratamento estético Fig.9 - Área doadora 2. Retalho de cobertura e reconstrução tardia CASO 3 Paciente 40 a, feminina, do lar, com per- Fig.10 - Retalho paraescapular retirado da de tecido na face anterior do antebraço, incluindo tendões flexores e nervo mediano. Foi encaminhada com a ferida granulada. Planejamento: fazer primeiro a cobertura e no segundo tempo a reconstrução de nervo Fig.11 - Retalho integrado mediano e tendões flexores. Foi escolhido o retalho para escapular por ter tecido adiposo compatível com o antebraço. Fig.12 - Reparação do nervo mediano com sural 4 Fig.15 - Lesão inicial: perda de tendões e nervos Figs.13 e 14 - Resultado funcional CASO 4 Fig.16 - Radiografia mostra falha óssea Reconstrução e cobertura no mesmo tempo Paiente 34 a, masculino,comerciante, com perda óssea,tendões,nervos mediano e ulnar. Foi realizado desbridamento prévio e estabilização precária dos ossos. Planejamento: trocar o pino por um fixador externo para estabiliza- Fig.17 - Enxerto de ilíaco para fazer a artrodese rádio-cárpica ção. Considerando que a ferida estava limpa, a proposta seria fazer artrodese rádio-cárpica com uso de enxerto de ilíaco, reparar tendões flexores com enxerto, reparar nervo mediano e fazer a cobertura com retalho miocutaneo do grande dorsal e fascia do serrátil. Fig.18 - Foi reparado tendões flexores profundos usando os flexores superficiais com enxerto. O retalho miocutaneo do grande dorsal e fascia do serrátil. 5 CASO 5 Cobertura com músculo funcional Fig.19 - A fascia do serrátil foi colocada interpondo entre o enxerto ósseo e os tendões flexores Paciente 38a, masculino, motorista sofreu capotamento de veiculo, apresentando esmagamento de antebraço. Perdeu massa de músculos extensores e nervo radial. Foi realizado debridamentos preparando para reconstru- Fig.20 - Aspecto após três semanas ção. Planejamento: cobertura com retalho do grande dorsal inervado pelo radial para que possa funcionar como extensor de dedos. Figs.21 e 22 - Paciente com quatro meses de evolução, faz movimentos de pinça Figs.23 e 24 - Após debridamentos tendões extensores foram removidos. Rádio proximal instavel e exposto Fig.22 - Mostra artrodese consolidada 6 RETALHO NA URGÊNCIA Paciente 27a, dentista, vítima de capotamento de veículo. Apresentava-se com lesão da artéria braquial,nervo mediano e radial,fratura exposta e perda de tecido na face volar do cotovelo. Planejamento: o primeiro procedimento foi a estabilização hemodinâmica,pois houve granFigs.25 e 26 - O grande dorsal foi fixado ajustando sua tensão nos extensores dos dedos de perda de sangue. Foi realizado a remoção de tecidos desvitalizados com margem segura, pois a cobertura seria de imediato. A fixação externa permitiu a estabilização da fratura com encurtamento ósseo. Após o reparo da artéria braquial com enxerto de safena, e microanastomose dos nervos mediano e radial foi feito Fig.27 - Detalhe da neurorrafia do tóracodorsal com o radial a cobertura com retalho livre miocutaneo do grande dorsal. A anastomose foi realizada na artéria braquial, proximal ao enxerto vascular. Figs.28 e 29 - O resultado funcional do grande dorsal como extensor de dedos Figs.30 e 31 - Extensa perda de tecido e o detalhe da lesão 7 Fig.32 - Radiografia mostra perda óssea Fig.36 - Paciente retornou ao trabalho após um ano de tratamento. Fig.33 - Após fixação externa, o reparo vascular e nervoso Fig.34 - Cobertura com retalho miocutaneo do grande dorsal Fig.35 - Imagem da consolidação da fratura 8