TACIANA GACELIN OLIVEIRA A TRÍADE ARGUMENTATIVA NO JORNAL NACIONAL: ETHOS, PATHOS e LOGOS NO CASO REALENGO SALVADOR 2013 TACIANA GACELIN OLIVEIRA A TRÍADE ARGUMENTATIVA NO JORNAL NACIONAL: ETHOS, PATHOS e LOGOS NO CASO REALENGO Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia como requisito para obtenção do grau de Mestra. Orientadora: Prof. Dr. Lícia Soares de Souza SALVADOR 2013 SISTEMA DE BIBLIOTECAS DA UNEB Oliveira, Taciana Gacelin A tríade argumentativa no Jornal Nacional: ethos, pathos e logos no caso Realengo / Taciana Gacelin Oliveira . - Salvador, 2013. 118f. Orientadora: Lícia Soares de Souza Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I. 2013. Contém referências 1. Comunicação de massa. 2. Mídia - Aspectos sociais. 3. Telejornalismo. I. Souza, Lícia Soares de. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 302.23 OLIVEIRA, Taciana Gacelin. A Tríade Argumentativa no Jornal Nacional: Ethos, Pathos e Logos no Caso Realengo. 118f.il. 2013. Dissertação (Mestrado)- Departamento de Ciências Humanas, Campus 1, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2013. RESUMO Essa dissertação tem como objetivo identificar como a tríade argumentativa (Ethos, Pathos e Logos) pode ser percebida através dos estudos sobre as mídias. A partir do Caso Realengo (acontecimento em que um jovem entrou na escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro e matou 12 crianças), mostra-se como o Jornal Nacional (JN) repercutiu o assunto a partir de uma maneira própria de observar o mundo e como as estratégias utilizadas pelo telejornal são capazes de persuadir e/ou convencer os telespectadores sobre determinada construção da realidade. Para a análise, foram utilizados sete vídeos da cobertura do JN sobre o Caso Realengo. Dessa forma, é possível perceber como a retórica se configura no espaço midiático e/ou midiatizado. Sabendo-se que as técnicas utilizadas nos mass media têm a intenção de provocar efeitos, pode-se compreender que a retórica midiatizada, apesar de apresentar características semelhantes a outros moldes retóricos, possui particularidades que só podem ser alcançadas pela própria estrutura encontrada e viabilizada pelos meios de comunicação de massa, sobretudo, no que se refere ao tipo de meio (televisão, rádio, internet) em que é veiculada uma notícia, um acontecimento ou um fato. Palavras-chave: Retórica. Tríade Argumentativa. Discurso. Televisão. OLIVEIRA, Taciana Gacelin. A Tríade Argumentativa no Jornal Nacional: Ethos, Pathos e Logos no Caso Realengo. 118f. il. 2013. Dissertação (Mestrado)- Departamento de Ciências Humanas, Campus 1, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2013. ABSTRACT The research undertaken aims to identify how the triad argumentative (Ethos, Pathos and Logos) can be seen through studies of the media. From Caso Realengo (event in a young person who entered the Tasso da Silveira school in Rio de Janeiro and killed 12 children), shows up as the Jornal Nacional (JN) passed on the subject from their own way of observing the world and how the strategies used by the newscast are able to persuade viewers on a particular construction of reality. For analysis, seven videos are used JN cover on the case Realengo. Thus, it is possible to see how the rhetoric is configured in media space and / or mediatized. Knowing that the techniques used in the media intend to cause effects, one can understand that the rhetoric mediatized, despite having characteristics similar to other molds rhetorical, has particularities that can only be achieved by the structure and found possible by mass media, especially the media (television, radio, internet) that is aired on a news item, an event or a fact. Keywords: Rhetoric. Argumentation Triad. Discourse. Television. LISTA DE FOTOS Figura 1 Fátima Bernardes em frente à escola Tasso da Silveira ............................................60 Figura 2 Entrada de Wellington ao colégio..............................................................................63 Figura 3 Apresentadores do JN................................................................................................72 Figura 4 Jade e a mãe .............................................................................................................75 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................................8 1 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUAS FORMAS DE CONVENCER E PERSUADIR .....................................................................................................................13 1.1 RETÓRICA MIDIATIZADA .......................................................................................14 1.2 MÍDIAS E ESPETÁCULO........................................................................................... 20 1.3 AS TEORIAS DE COMUNICAÇÃO E AS FORMAS DE CONVENCER E PERSUADIR .......................................................................................................................30 2 O JORNAL NACIONAL E SUAS MANIFESTAÇÕES PELO ETHOS .................. 46 2.1 AS ESTRATÉGIAS DE CRIAÇÃO DE IMAGEM DO JORNAL NACIONAL ....... 47 2.2 O GÊNERO TELEJORNALÍSTICO ...........................................................................56 2.3 OS APRESENTADORES DO JN E A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DO TELEJORNAL.....................................................................................................................67 AS MÍDIAS E AS TÉCNICAS ARGUMENTIVAS E AS EMOÇÕES..................... 79 3.1 O VÍNCULO CAUSAL E A ARGUMENTAÇÃO.....................................................81 3.2 CONSTRUÇÃO JN: A PESSOA WELLINGTON E SEUS ATOS E OS ATOS E A PESSOA WELLINGTON..................................................................................................90 3.3 MODELO E AS GENERALIZAÇÕES DO ANTIMODELO..................................100 CONCLUSÃO .................................................................................................................109 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................114 INTRODUÇÃO Os meios de comunicação são utilizados atualmente como espaço para legitimação de discursos e posicionamentos com o objetivo de persuadir e influenciar o comportamento e as opiniões das pessoas sobre determinado(s) acontecimento(s). Entretanto, muitas vezes, o ato de provocar sensações não é controlado pelos indivíduos que se presentificam na esfera de visibilidade intermediada pelas mídias. Dito de outra maneira, nem sempre os convidados para participar de um debate, de uma conversa têm total controle sobre o que será noticiado do seu dito e levado à recepção. Isso é decorrente da própria configuração que está no alcance somente do campo midiático e, sendo assim, influencia no modo de representar a realidade. Tanto é dessa maneira, que é possível observar que são inúmeras as estratégias utilizadas pelos mass media, como a forma própria (enquadramento) de apresentar um acontecimento, a qual tem o intuito de atingir as mentes (convencer) e os corações (persuadir) e, dessa forma, construir um real. Nos jornais, entendidos, através da comparação realizada por Maingueneau entre Gênero e Tipos (2004), como gênero do discurso midiático e produto desse, são encontradas marcas possíveis de serem classificadas como modalidades de argumentação. O jornal, em suas manifestações, não somente dispõe de práticas que estão no nível de somente informar, mas também no nível de seduzir, emocionar. As variações no modo e maneira de veicular a informação e afetar o lado emocional dependem de qual gramática1 e qual suporte são utilizados como veículo de visibilidade. O ato de informar é visto como a finalidade “real” do discurso jornalístico. Mas é praxe, no momento de análise das matérias significantes jornalísticas (texto, manchete, foto), encontrar o que se poderia denominar de “desequilíbrio da emoção”. Essa desestabilização do emocional pode ser facilmente encontrada na maioria dos jornais, tanto aqueles que possuem uma imagem de sóbrios, quanto aqueles que são denominados sensacionalistas. Percebe-se, assim, que o jogo da emoção não se presentifica em um único lugar, mas sim, está consolidado no que representa o jornalismo na contemporaneidade, na construção do discurso midiático. Como afirma Charaudeau (2011, p. 138), “as mídias constroem representações sobre o que pode interessar ou emocionar o público”. 1 Regras e maneiras próprias de configurar um acontecimento, uma notícia, uma realidade. Como foi dito anteriormente, as mídias, sobretudo os jornais, estão inseridos na lógica do informar e do seduzir. O que se pode inferir é que essa relação está intrinsecamente relacionada às táticas utilizadas pelo orador (entendido aqui como o próprio suporte de comunicação), que pretende construir um determinado saber e convencer seu auditório sobre determinado ponto de vista do acontecimento. Dito de outra maneira, os jornais fazem recortes da realidade, dão certos valores a determinados aspectos que fazem com que os receptores observem e infiram sobre algum fato da mesma maneira com que o jornal o pautou. Algumas teorias tentam explicar o poder midiático e como os veículos de comunicação conseguem influenciar indivíduos e modos de pensar. Nesse caso específico, são utilizadas três teorias que respondem a questão da força das mídias em relação ao sujeito: a teoria do agendamento (agenda setting), a do enquadramento (framing) e a teoria do espiral do silêncio. A primeira diz que as mídias agendam as conversas do dia a dia. Ou seja, os acontecimentos que são pautados na agenda dos meios de comunicação serão, também, objeto de discussão na esfera civil. Mas ela vai mais além. Pois, dentro desse posicionamento teórico, os meios de comunicação de massa também ditam a importância de tal fato em relação ao outro, o qual é repercutido para além da esfera de visibilidade controlada pelos suportes comunicacionais: Quanto mais relevância midiática, mais importância terá o acontecimento nos diálogos diários. A teoria do enquadramento parte do princípio de que as mídias não somente são capazes de agendar, mas também contribuem para como o receptor vai perceber os fatos. Sabendo-se que os produtores inseridos na lógica midiática assumem posicionamentos quanto à maneira de recortar o mundo, esses enviesam2 as notícias e as cedem ao público como se fosse a totalidade, o espelho da realidade. Segundo a teoria do espiral do silêncio, verifica-se que as mídias são capazes de provocar o não falar de certos indivíduos, caso esses tenham opiniões divergentes daquelas da maioria. Nesse caso, então, é verificada a força dos meios de comunicação de massa como causadores da mudez de alguns indivíduos sobre determinados casos e assuntos. O princípio, nesse aspecto, é baseado na relação “não dizer” nas mídias com o objetivo de não suscitar dizeres no campo da recepção. 2 Relativo a viés. Esse sentido refere-se à escolha de uma maneira de representar o real em detrimento de outro posicionamento. De antemão, é necessário deixar bem claro, que não se tem a pretensão de discutir as problemáticas que envolvem as teorias da comunicação. O objetivo é abordá-las como estratégias retóricas, como um argumentar midiático que tem o intuito de provocar adesão do auditório diante de uma tese. Para agendar, enquadrar e provocar o silêncio, os jornais utilizam-se de estratégias. O uso de determinadas fontes, das aspas, dos recortes das falas, das imagens são modos de funcionamento empregados para convencer e persuadir alguém sobre algo. Com isso, não se tem a intenção de afirmar que a recepção é ingênua e os efeitos dos mass media são ilimitados. Mas pretende-se afirmar que as mídias são utilizadas como mecanismos capazes de influenciar as maneiras de pensar, através da lógica que permeia o campo midiático. Sendo assim, percebe-se que há uma retórica instaurada nesse novo contexto, nessa condição de possibilidade. Se, na Ágora (Grécia antiga), a retórica era feita e manifestada somente pelos sujeitos; na contemporaneidade, pode-se falar em uma retórica circundada e feita pelos meios de comunicação de massa: a retórica midiatizada. Entretanto, não se pode generalizar e tratar os meios de comunicação como inseridos em uma mesma regra. McLuhan já dizia, em 1967 (MCLUHAN, 2005), que o meio é a mensagem. Isso significa dizer que cada suporte de comunicação possui seus modelos e, por isso, formata o acontecimento de uma forma e não de outra. É assim que funciona. A televisão possui uma gramática que configura a notícia a partir do vídeo, texto, manchete e outros componentes; o jornal impresso, pelo texto, fotos, títulos e outros tantos enunciados. Ou seja, cada veículo convence e persuade a partir das táticas disponíveis ao tipo de suporte utilizado. Mas, para convencer e persuadir sobre um modo de pensar, não basta que se administre e se conheça bem a gramática, pois, se assim fosse, quase não existiria decreto de falência pelos jornais. É preciso, além de tudo, angariar e consolidar legitimidade, capital simbólico dentro do campo jornalístico. Então, nesse aspecto, já se encontra a noção do Ethos, as questões que envolvem a(s) imagem(ns) entre locutor e alocutário. Entretanto, o Ethos, como categoria isolada, não colabora para maximizar o convencimento e a persuasão. É preciso articular à noção de Ethos a noção de Pathos (âmbito da emoção) e de Logos (o que se diz sobre). Essa tríade é vista como a(s) unidade(s) básica(s) de provocação de efeito no auditório. Sabendo-se da relação estabelecida entre Ethos, Pathos e Logos, o Jornal Nacional (JN) é analisado a fim de verificar como o jornal televisivo de maior audiência no Brasil, a partir do Caso Realengo (acontecimento em que um jovem de 24 anos, Wellington de Oliveira, matou 12 crianças na escola Tasso da Silveira - Rio de Janeiro), utilizou estratégias com intuito de determinar lugares para certas pessoas e certos fatos. Essa observação é realizada com base na cobertura feita pelo JN sobre o caso. No total, servem como suporte de análise os sete vídeos que representam a “realidade” do acontecimento sob o ponto de vista do Jornal Nacional; observando-se, dessa maneira, como os significantes são articulados às estratégias do argumentar. É válido ressaltar que a separação entre as categorias da tríade argumentativa, no desenvolvimento do trabalho, acontece por questão analítica, já que, sabese, no campo empírico não há como desintegrá-las. Assim, dentro de um mesmo objeto de estudo, pode-se fazer uma análise de forma unificada através do Ethos, Pathos e Logos. No entanto, observá-los como elemento isolado, desunificado dos demais, serve para facilitar a compreensão do raciocínio desenvolvido. Na primeira secção do trabalho, é realizada a relação entre as teorias do agendamento, enquadramento e espiral do silêncio e a história do Jornal Nacional. É necessário dar destaque a esse aspecto por se compreender que o poder de influência do JN é algo que foi se configurando ao longo da história. Nessa parte, também, são evidenciados alguns aspectos de algumas coberturas feitas pelo JN e como foi o enquadramento utilizado para doar sentido ao acontecimento. As subsecções são correspondentes a cada apresentação das teorias da comunicação atreladas à história do Jornal. O Ethos do Jornal Nacional é discutido dentro da relação jornalismo popular e jornalismo sóbrio (valores-notícia – descontextualização – recontextualização), a qual é apresentada na primeira subsecção da segunda secção. O aspecto evidenciado nessa secção diz respeito ao modo geral de o JN se apresentar diante da sociedade, ou seja, à imagem que esse pretende estabelecer diante do(s) seu(s) público(s). O gênero televisivo (imagens em movimento, áudio) é apresentado na segunda subsecção para evidenciar como o Jornal Nacional se estabelece dentro da construção do próprio gênero jornalístico de TV. A credibilidade dos apresentadores como representantes do JN, para com os telespectadores, é observada na terceira subsecção dessa parte. Assim, nessa secção, o que é discutido é o próprio Ethos jornalístico em si, sua inserção televisiva e como o Jornal Nacional se legitima e se estabelece dentro do campo jornalístico, sobretudo, no que se refere ao gênero televisivo. Trazendo os estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), as técnicas argumentativas utilizadas servem de orientação para identificar como são construídos os lugares das personagens dentro da história real. Ou seja, como as pessoas envolvidas no caso (Wellington de Oliveira, os policiais, o caso específico, sargento Alves) são representadas a partir das relações do vínculo causal, pessoa e seus atos – o ato e a pessoa e as noções de modelo e antimodelo. Essas técnicas são basilares para ancorar o papel do Logos e evidenciar como o Pathos toma forma na retórica midiatizada. Nessa secção, o desenvolvimento do trabalho está calcado, sobretudo, nas figuras de Wellington de Oliveira e do sargento Alves. Com isso, não se quer dizer que outras personas, outros atores, não serão configuradas dentro das técnicas argumentativas. Na subsecção denominada o vínculo causal e a argumentação, mostra-se como o Jornal Nacional tentou evidenciar as motivações que fizeram com que Wellington cometesse o crime. A segunda subsecção, a qual se refere à relação entre pessoa e seus atos e os atos e as pessoas, identifica como as personagens Wellington de Oliveira e sargento Alves foram representadas pelo telejornal de maior audiência do Brasil. As noções de modelo e antimodelo, compreendendo a terceira subseção dessa parte do trabalho, envolvem questões que dizem respeito ao modo de o telejornal enfatizar características das personagens com a intenção de qualificá-las como modelos e antimodelos. O Caso Realengo é demarcado por características que são capazes de identificar um tipo de argumentação feita pelos mass media. O Caso já apresenta uma idiossincrasia pela própria estrutura da produção. Pelo atraso das redes de comunicação convencionais, muito do que pôde ser reconstruído foi fruto de intervenções feitas por curiosos, testemunhas, o que faz identificar a superação do modo tradicional de construir o acontecimento, o qual era (antes da abertura do polo de produção), sobretudo, controlado, somente, por profissionais da área de jornalismo. Verifica-se que a retórica midiatizada apresenta certas particularidades que são encontradas pelas próprias características dos mass media e pelas maneiras através das quais um acontecimento pode se tornar cada vez mais verossímil, a depender do meio utilizado para enquadrar a notícia, o fato. Sendo assim, o trabalho corrobora com as pesquisas desenvolvidas sobre o tipo de retórica realizada nos e pelos meios de comunicação de massa. 1 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUAS FORMAS DE CONVENCER E PERSUADIR O ato de argumentar é necessário para possibilitar que certos indivíduos possam influenciar pessoas e, assim, convencê-las de que as opiniões e atos destes são os mais certos e, por isso, credíveis. Os sujeitos utilizam várias estratégias para convencer e persuadir os outros. Entretanto, para se fazer convencer, é necessário compreender que se fala para outro alguém. Dito de outra forma, é necessário que o orador se adeque às particularidades do auditório. É por tal motivo que se observa que um mesmo emissor consegue alcançar êxito com determinado público e, muitas vezes, não consegue atingir os corações e mentes de outros grupos, mesmo se referindo ao mesmo tema ou assunto. Afirmar esse pressuposto significa dizer que a mesma temática, para fazer efeito em grupos diferenciados, deve ser readaptada. A readaptação não significa que o tema seja mudado, mas sim, que é necessário falar da maneira e modo que sejam do agrado do público que se pretende persuadir. Muitas vezes, devem-se valorizar determinados fatos, menosprezar outros, falar com um tom mais pedagógico ou mais autoritário. Essas reconfigurações do modo de falar vão depender do pacto que se pretende estabelecer. O indivíduo só consegue persuadir ou convencer se souber como se manifestar diante daquele outro sobre quem pretende exercer influência. Os meios de comunicação também têm a sua forma de convencer e persuadir. Por se utilizarem de outros modos de operar, os mass media, com suas especificidades, tentam moldar a forma de o(s) seu(s) público(s) conhecer(em) o mundo. Ou seja, as mídias fazem seu próprio recorte da realidade e o “vendem” como a pura realidade. Com isso, não se pretende dizer que o espaço midiático seja coberto de mentira. O que se afirma é que, não raramente, os produtos midiáticos, sobretudo, os jornalísticos, modelam os acontecimentos através dos enquadramentos, dão relevância a alguns assuntos em detrimento de outros e, assim, dentre outros fatores, transmitem o real construído como se fosse a realidade natural dos acontecimentos. Sendo assim, abordando-se as questões envolvidas na retórica como uma estratégia de busca de adesão de ideias por parte dos receptores, pode-se compreender que existem tantas retóricas quanto são as circunstâncias. As técnicas utilizadas na retórica antiga ou clássica ainda podem ser observadas nesse novo contexto. Entretanto, a retórica manifestada nos e pelos meios de comunicação de massa tem suas especificidades; estas particularizam esse novo modo de abordar as questões referentes àquela. 1.1 RETÓRICA MIDIATIZADA Muito já se foi dito sobre o que é retórica, sua transformação, sobre as mudanças do sentido do termo e suas apropriações ao longo da história. Pode-se verificar que o conceito de retórica, assim como qualquer outro, resulta de uma adaptação do contexto em que esta se insere. Por exemplo, muitos estudiosos separam as noções de retórica e oratória, pois designam essa última simplesmente como ornamento linguístico, como um meio de “embelezar” o dito. Outros dizem que a oratória foi um tipo de retórica que foi desenvolvida em um determinado período de tempo. Assim, não há um consenso sobre como podem ser separadas ou unidas tais disciplinas. Por questões analíticas, às vezes, é necessário separar um conceito do outro, mas algumas vezes, a delimitação, como foi pontuada acima, perpassa simplesmente por pontos de vista, posicionamentos de um autor para outro. Nunca se chegou e nunca se chegará a uma convergência sobre as diferenças e igualdades entre a retórica e a oratória, pois, como foi dito anteriormente, o limite entre elas depende muito mais do analista que do próprio objeto. Quando se fala em retórica, rapidamente é feita uma associação com a Grécia. Entretanto, não foi somente nesse país que essa disciplina se fez presente e não foi de uma maneira única que ela foi manifestada como uma técnica universal. Cada local adaptou e criou modelos de como persuadir e convencer. Desse modo, é importante deixar claro que a retórica é capaz de convencer e persuadir através de diversas estratégias e é isso que a faz presente em estudos atuais, mesmo séculos depois da sua criação e, ainda mesmo, diante do descrédito dado a ela em muitos outros estudos da contemporaneidade. Como se sabe, a retórica foi criada na Grécia (Sicília), em 465 a.C, como um meio de convencer o dirigente da ilha a devolver terras de cidadãos que foram desapropriadas por um antigo ditador. Assim sendo, ela foi desenvolvida como um modo prático e sistemático de debate, de discursos advocatícios de convencimento. Podem-se fazer referências a outros tipos de retórica: a da Idade Média, a do Renascimento, a do estilo barroco. Entretanto, nessa dissertação, são abordadas questões relativas às retóricas antiga (grega) e clássica (romana). Não se considera que as outras não tenham seu mérito, mas as práticas adotadas nessas duas últimas categorias são suficientes para o entendimento de como foi desenvolvida e praticada a retórica e, ainda, corroboram para a discussão sobre a retórica midiatizada. Pelas explanações e estudos da área, percebe-se que o campo que está fixado à retórica é tensionado por diversos vieses. Seria possível até falar em tipos de retóricas, pois, as mesmas análises feitas na disciplina não foram iguais quando abordadas na Grécia e em Roma, por exemplo. Mesmo se a réthorique for analisada somente dentro do ponto de vista grego, as divergências já podem ser bem visíveis. Para Platão, a retórica sofista é um embuste, uma artimanha, uma maneira de enganar o auditório; mas, para Sócrates, é um meio de atingir o público através do verossímil. Com isso, esse último pretende afirmar que ela não tem a necessidade de se relacionar diretamente à verdade, mas com aquilo que é provável de parecer verdadeiro, mesmo que somente para uma parcela de pessoas. O nome mais conhecido dentro dos estudos sobre a retórica grega (antiga) é o de Aristóteles. O filósofo afirmava que, para convencer, é preciso desenvolver uma mensagem, articulando as questões do Ethos (imagem do orador), Pathos (fazer com que o auditório seja comovido com o dizer) e Logos (o próprio argumento). Para o pensador, o Ethos deveria ser construído no ato do dizer. Para a retórica latina (clássica), que tem representantes renomados, como Cícero e Quintiliano, o Ethos não era resultado da imagem transmitida no momento do discurso, mas sim, da imagem que o orador construiu ao longo da sua trajetória. Entretanto, outras operações deveriam ser desenvolvidas, além do Ethos, Pathos e Logos, para convencer e persuadir alguém. Por isso, os tratados da retórica dividiam as fases do discurso proferido em cinco. Essas etapas referiam-se aos procedimentos que deveriam ser seguidos para que o dizer fosse bem sucedido: Inventio (eleição do assunto), dispositio (estruturação da argumentação), elocutio (escolha do estilo), actio (forma de apresentação) e a mneme (memorização do discurso) foram técnicas utilizadas como métodos do bem argumentar. Sendo assim, mesmo com as divergências e convergências encontradas sobre a etimologia, sentido da palavra retórica, a união dessas definições é caracterizada pelas noções de persuadir e de convencer. Em todas as épocas, períodos e locais, pôde-se verificar que a base da retórica estava calcada nas técnicas de convencimento e persuasão3. A argumentação está sempre direcionada para um público específico, um grupo seleto de indivíduos. Nenhum raciocínio é capaz de convencer e persuadir todos os seres humanos. 3 Esses são dois conceitos que não são de tão fácil definição, já que no plano real não são tão separados e categorizados como parece. Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), os dois termos devem ser diferenciados somente por efeito de estudo. O ato de convencer – o convencimento – é observado como o sentido mais ligado ao racional, à mente. Aquele ligado à emoção, ao tocante do sentimento, do coração, refere-se à persuasão. Isto pode acontecer por diversas maneiras. As crenças de quem fala e de quem escuta, por exemplo, podem ser diferentes. A idade e o gosto também podem ser caraterizados como fatores capazes de filtrar alguns tipos de pensamento, raciocínio e modo de perceber e estar no mundo. Sendo assim, mesmo que conceitualmente exista o auditório universal, que é definido por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), como aquele compreendido por toda a humanidade, por todo ser “racional”, compreende-se que, no nível empírico, ele não existe. No auditório universal, é como se todos os indivíduos tivessem que admitir determinado fato como verdade, pois esse seria perfeito e, por tal motivo, não teria razão alguma para não ser aceito. “Uma argumentação dirigida a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter coercivo das razões fornecidas, de sua evidência, de sua validade intemporal e absoluta, independente das contingências locais ou históricas” (PERELMAN E OLBRECHTSTYTECA, 2005, p.35). No geral, e falando dentro de um plano de realidade, o auditório em si é particular. Uma pessoa sempre fala algo direcionado para alguém, mesmo que seu desejo maior e mais íntimo seja agradar a todos. O orador tem consciência de que ele emoldura seu discurso para animar alguns grupos e sabe que vai desagradar a outros. O auditório particular é aquele referente a um público específico, que possui características próprias. Para convencer esse tipo de auditório é preciso identificar ou conhecer, já a priori (antes do discurso de convencimento), o que há de comum entre os membros para que esses façam parte de um mesmo grupo e qual procedimento possível deve ser utilizado para que esse auditório caracterize o discurso como verdadeiro. O orador sempre destina a sua mensagem com certa especificidade. Isso quer dizer que, mesmo que o sujeito fale de uma mesma coisa, a sua abordagem será diferenciada a depender de para quem se fala. “Todo orador que quer persuadir um auditório tem de se adaptar a ele” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 23). Assim, na ideia de auditório particular, há o entendimento da definição de verdade como algo que somente faz sentido dentro de um nicho específico e, por isso, não se pode compreender a verdade como instância absoluta, mas sim, como uma verdade relativizada. São várias as questões que perpassam pela retórica, sobretudo, aquelas concernentes ao argumentar. Apesar de parecer que retórica e argumentação são palavras sinônimas, podese diferenciar um termo do outro. Para Breton (2003), a argumentação e a retórica são maneiras de atingir o convencimento. Entretanto, essas duas categorias têm suas particularidades. Segundo o pesquisador, a retórica utiliza-se de qualquer meio para convencer. “Argumentar a ‘qualquer preço’ nos levaria a convencer como na retórica, em que convencer era sinônimo de usar ‘quaisquer meios’” (BRETON, 2003, p.35). Sendo assim, pode-se observar que, para Breton, a argumentação não está no nível do violento; enquanto, segundo ele, o indivíduo que usa a retórica como forma de convencimento não hesita de praticar qualquer tipo de ato. Mas isso não é um conceito universal. Cervantes (2009) acredita que a retórica vista como “engano, manipulação, busca de benefício próprio” possibilita a deformação de seus próprios princípios teóricos. Com isso, o autor discorda dos teóricos que observam a retórica como um mal para a humanidade, como algo que, por natureza, é violento, defendendo que a estratégia retórica tem seus valores. Isso faz remeter a estudos que afirmam, em contraposição ao entendimento bretoniano, que a retórica não se utiliza da violência para convencer. As inconstâncias científicas nas pesquisas no campo da retórica são demasiadas. Já se afirma que não existe mais retórica, mas sim, retoricidade; ou seja, que existem procedimentos de atos retóricos, mas não necessariamente a retórica em si. Entretanto, é notável que ela ainda se mantenha viva, mas que há uma variação da sua “roupagem”, a qual está vinculada às particularidades do momento. Negar a presença da retórica atualmente é não perceber que o contexto de hoje, marcado pela presença dos meios de comunicação massiva, não é capaz de reconfigurar o conceito de retórica e suas particularidades. Se a retórica é um “produto social de cada época” (CERVANTES, 2009, p.63), verifica-se, que ela é configurada e configurante de novas relações. Uma ilustração para isso é a retórica midiatizada, a qual surge no mundo controlado pelos mass media. Essa tem certas particularidades. Uma delas é a especificidade e o poder de selecionar o que é dito sem se centrar nos desejos de um sujeito. Um convidado para abordar certo assunto na televisão não sabe, ao certo, o que irá para o “ar”, qual a parte do seu discurso que será selecionada pelo produtor midiático. Muitas vezes, há uma inconstância, um medo por parte de quem deu uma entrevista para algum veículo de comunicação, ao esperar a sua própria fala ser exibida, pois, muitas vezes, as “colagens” feitas desanimam a fonte, fazem-na sentir-se decepcionada. A retórica midiatizada não maximiza o poder de influência do próprio emissor, mas o dizer é apropriado e inserido à lógica do meio e ainda aos ditames das mídias. A depender de qual emissora se esteja representando, não se poderá dizer tudo o que deveria se tornar público. Não é que a retórica midiatizada esteja a favor da mentira. Entretanto, sua operação está inserida dentro do verossímil, do que é passível de ser verdadeiro e, muitas vezes, esconde algo; dando ênfase em determinado aspecto do real; interferindo, desse modo, na realidade externa. Assim, pode-se perceber que a retórica midiatizada se utiliza de suas próprias técnicas para convencer e persuadir. Com isso, observa-se que ela tem suas maneiras específicas de atingir o coração e a mente. Na retórica antiga ou na clássica, por exemplo, o controle da fala era do orador: o emissor falava exatamente o que ele pretendia dizer, a emoção dada a determinado caso era de responsabilidade somente daquele que proferia o discurso. Já na esfera midiática, o que o orador expressa para a audiência não é de total responsabilidade deste, mas sim, das estruturas do sistema-mídia. O emissor, dentro desse contexto, pode ser subjugado ao modo de operar do fazer midiático, o qual é capaz de articular sons e textos e, assim, criar um outro mundo. A força-índice do verossímil, como defende Sacramento (2009), está atrelada ao poder dos meios de comunicação de criar uma realidade ficcionada, que não está, porém, totalmente interligada à ficção. Isso porque essa não se vincula diretamente ao espaço da imaginação, mas acaba por reconfigurar a realidade, trazendo à tona um discurso de verdade vivida e uma verdade imaginada como verossímil. “A verossimilhança se dá num conjunto de atos discursivos de produção de verdade e realidade, porque todo discurso verossímil produz tanto uma verdade representada (ficcional) quanto uma verdade vivida (real)” (SACRAMENTO, 2009, p.198). O discurso midiático não sobrevive do reflexo do real. Tanto é dessa maneira que se pode afirmar que muitos casos veiculados pelas mídias seguem a lógica do hiper-real. Nesse caso, o assunto transmitido chega a parecer mais real do que o real. Não é raro escutar falas de pessoas dizendo que determinada televisão supervalorizou o assunto. O indivíduo que assume esse posicionamento possivelmente entende a techné-mídia e talvez tenha vivido, experimentado, algum caso que foi reposicionado e superdimensionado pelos mass media. Uma função básica dos meios de comunicação é a criação de representações ou simulações – versões reproduzidas da realidade. [...] Os meios de comunicação criam uma realidade única dominada pelas simulações ou representações que têm aparência de realidade. A realidade é então, criada e ratificada pelos modos figurativos de informação e pelos meios de comunicação, que inundam o mundo ao ponto de nos relacionarmos com eles como se fossem o contexto imediato da realidade. (ARENAS-DOLZ, 2009, p.181). O jornalismo, como produto pertencente à esfera midiática, não recusa o uso das recriações. O jornal de TV, por ter uma gramática que une texto, imagem, som, conduz o telespectador para uma (tele)realidade que parece ser a própria realidade. “As imagens e os sons montados como melhores do que na vida, asseguram, para além da mera ilustração, o seu discurso sobre o mundo como o próprio mundo” (SACRAMENTO, 2009, p. 207). Não se afirma que as outras retóricas não recriavam o real. Mas, a retórica midiatizada se utiliza de estratagemas que colaboram para a criação de uma realidade que parece bem fidedigna ao mundo real. Essa técnica tem propriedades capazes de sustentar as suas (re)criações. Então, afirmar que a diferença entre a retórica midiatizada e as outras está basicamente relacionada ao fato de a primeira ser feita através dos meios de comunicação de massa é minimizar muito a discussão. O debate deve ir para quais são as consequências, quais as novas possibilidades e como os mass media alteram as formas de persuasão e convencimento. Isso é necessário para que se construa um arcabouço teórico para esse novo tipo de retórica. Por exemplo, a retórica clássica estava interligada ao processo comunicativo baseado no tripé orador-mensagem-auditório. A retórica midiatizada traz à tona um novo elemento, capaz de modificar todo o trâmite da mensagem. Um discurso não é o mesmo se for transmitido por uma TV ou por um rádio. Pela definição de McLuhan (2005) sobre meios quentes e meios frios, já se pode perceber que a diferença é atual. Os meios quentes são aqueles que permitem menos participação do receptor. É como se a mensagem já estivesse pronta para ser consumida, com todas as informações necessárias ao entendimento. Os frios diferenciam-se por permitir um maior diálogo sensorial entre quem diz e quem escuta. A TV, através das imagens, sons, fala é um meio frio, enquanto, o rádio é um meio quente, pois esse último ativa somente um sentido do auditório. Sendo assim, a retórica midiatizada traz em sua discussão outras problemáticas. Outra característica da retórica midiatizada é a relação que essa possibilita com o auditório. As outras retóricas estavam ligadas à equivalência espacial dos dois produtores de sentido do ato comunicacional: o orador e o auditório. Com as mídias, isso não é possível. Um estadunidense pode estar na Espanha e falar para um público brasileiro. A retórica mass media é desterritorializada. Com isso não se diz que não mais exista o tipo de retórica face a face. Essa ainda se faz presente, mas as condições e possibilidades atuais proporcionam que outras modalidades retóricas sejam colocadas em plano de ação e que, desse modo, façam reconfigurar-se as categorias de análise. Na contemporaneidade, autores como António Fidalgo e Ivone Ferreira (2009) defendem a tese de que a retórica midiatizada não se foca no auditório como se fazia na retórica clássica e na antiga, por exemplo, mas sim está atrelada à noção de audiência. Ou seja, para eles o conceito de auditório não satisfaz esse novo contexto. “Os meios de comunicação, ao romperem com a unidade espacial e temporal que caracteriza o auditório e ao criarem em sua substituição públicos e audiências modificam radicalmente os princípios do discurso retórico” (FIDALGO e FERREIRA, 2009, p. 114). Quando o contato face a face entre o emissor e o receptor é possível, é mais fácil reconfigurar o discurso no momento em que o destinatário parece discordar de algum posicionamento; é possível verificar, mais ou menos, para quantas pessoas se fala; o orador pode, durante todo o tempo, ir se explicando caso perceba que algo não foi tão bem aceito. Na retórica midiatizada, as coisas funcionam de maneira diferente. Não se sabe para quantas pessoas se fala (se mais homens, se mais mulheres), se o público está realmente prestando atenção no que está sendo dito; não há como perceber se a maneira como algo está sendo dito é interessante. Mesmo as pesquisas de audiência não são capazes de medir o quão atraente algo parece ser. Muitas vezes, as pessoas estão com a TV ligada, mas não estão dando importância ao que está sendo discutido. É por tal motivo que se pode dizer que o auditório (audiência4) da sociedade midiatizada “prima pela ausência e pela indefinição, em grande parte, devido às poderosas formas de difusão que estão por detrás da chamada comunicação de massas” (SOUSA, 2006, p.5). Os mass media, com suas estratégias de persuasão e convencimento, utilizam-se de maneiras idiossincráticas para angariar públicos. Cada meio de comunicação, com suas próprias regras e modelo de operação, tenta, de alguma maneira, forjar a realidade, com o objetivo de atingir as mentes e os corações de indivíduos. É por isso que se pode afirmar que a retórica se faz presente no mundo atual. Esse novo contexto é importante para o debate e a construção de novas discussões sobre a disciplina e sobre o modo utilizado pelas mídias para legitimar o próprio discurso e, assim, convencer e persuadir a recepção. 1.2 MÍDIAS E ESPETÁCULO Na contemporaneidade, as mídias são os meios responsáveis por levar ao conhecimento do público certos fatos. Com isso, não se pretende afirmar que os sujeitos não obtêm informações por outras vias. Entretanto, considera-se que é pela mediação controlada pelos mass media que muitos indivíduos têm contato com o mundo. Isso não acontece por acaso, nem por falta de interesse da população em ter acesso ao mundo real através da presença física, mas sim, pela impossibilidade de ser onipresente e poder observar de perto 4 Apesar da divergência conceitual, os termos audiência e auditório serão utilizados como sinônimos. tudo que está fora do alcance da percepção não ampliada (controlada pelos meios de comunicação massiva). São as mídias que estendem a entrada do saber que não pode ser alcançado por imersão corpórea. Ao deslocar o acontecimento-real para ser reconfigurado em acontecimento-midiático, os meios de comunicação de massa, quando veiculam fatos, informações, histórias não se abstêm de transformar o que é de fato o real para uma concepção de realidade. Essa noção de realidade está ligada à noção de que ao passar pelo filtro-mídia, os fatos são transformados em algo que possa ser consumido, vendido. Para isso, muitas vezes, são utilizadas técnicas que unem, hibridizam regras de produtos de gêneros diferentes. Nesse sentido, parece que o modo de operação que configura os programas de entretenimento mescla-se com qualquer outro tipo de produto, até mesmo, os jornalísticos. Não por acaso, não raras vezes, muitas notícias são transmitidas como se fossem novelas, pequenas minisséries divididas em episódios, com personagens bem definidos. É uma estratégia de seduzir, de ofuscar os olhos do receptor e de prendê-lo. Para que um fato se torne notícia, ele precisa ter algumas características (que são discutidas no capítulo posterior), mas a sua capacidade de se fazer visual, tocar o sensível é inteiramente necessária para que se torne um acontecimento com grande repercussão midiática e/ou midiatizada. Pelo exposto, não se pretende afirmar que um fato precisa, por si só, apresentar o que pode entreter, mas sim, que, mesmo se por características próprias, ele não obtém o valor de único, do diferente, de aquilo que interessa por um longo tempo, os produtores midiáticos agem de forma a transformá-lo em um acontecimento com todos esses elementos citados. Está formado, assim, o espetacular. E é dessa maneira, pelo amálgama entre informação e entretenimento, que o espetáculo, no jornalismo, toma a sua forma. “O maravilhamento (estrutura condizente com o espetáculo) produz-se pelo exarcebamento de dimensões constitutivas do ato ou evento, da dramaticidade de sua trama e de seu enredo, através de apelos e dispositivos plástico-estéticos, especialmente os relativos ao registro da visão” (RUBIM, 2011, p.08). Tudo que atrai e prende a atenção pode ser considerado espetáculo. Entretanto, limitarse ao conceito pode fazer com que todas as notícias sejam observadas como tendo esse direcionamento, e sabe-se que tal pressuposto não necessariamente é verdadeiro. O espetáculo surge quando são supervalorizados os aspectos contidos no próprio acontecimento, de forma a recriar consideravelmente o fato real. É uma ornamentação que se faz para tornar o objeto mais degustável, apreciado, excepcional, ostentoso. Como afirma Rubim (2011, p.08), “o espetáculo remete também à esfera do sensacional, do surpreendente, do excepcional, do extraordinário. Daquilo que se contrapõe e supera o ordinário, o dia-a-dia, o naturalizado” e completa dizendo que, muitas vezes, “a existência do espetáculo pode ser produzida pelo acionamento de inúmeros expedientes”. Com a plasticidade visual, sonoridade, as frases que são utilizadas pelas mídias para traduzirem fatos acabam por construir um ambiente spetaculum. É importante ressaltar que não foi a sociedade midiatizada que criou esta ornamentação. A forma de se apresentar ou mostrar algo de maneira a torná-lo um objeto único sempre esteve presente na sociedade. O mundo político possui estratégias que comungam com o espetáculo e isso não é uma tática nova. Para isso é só verificar as maneiras com que o rei francês Luís XIV criou a sua imagem como uma majestade elegante, com boas maneiras e bons gostos e soube superdimensionar seu estilo pomposo. Vê-se esse fenômeno na atualidade, mas agora são os meios de comunicação de massa que controlam o jogo. Então, as mídias possuem a função de redimensionar o feito e, desse modo, como foi dito, não criaram, mas corroboram o sistema da espetacularização. Pois, como foi pontuado, a gênese do espetáculo é muito anterior à sociedade controlada pelos meios de comunicação de massa. As mídias potencializam essa forma espetacular de representar o mundo. Como, cada vez mais, a lógica capitalista permeia as produções, faz-se necessário hiper-seduzir para obter audiência, lucro. É preciso dramatizar, recriar, reconstruir de forma que se afete o coração de quem observa determinado evento. Todos os tipos de relações podem ser permeados pelos estratagemas do espetáculo. Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos –, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante da sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha. Forma e conteúdo do espetáculo são, de modo idêntico, a justificativa total das condições e dos fins do sistema existente (DEBORD, 1997, p.14). Mesmo sabendo que não há fenômeno que possa ser blindado ao ataque de condições espetaculares, ainda há indivíduos que se chocam quando observam o jornalismo sendo apresentado dentro da mesma lógica. Não por acaso, essa reivindicação é feita. Muitos, ainda, acreditam que o papel e a função jornalística é mostrar a verdade, com vistas ao interesse público, sem que haja submissão ao campo econômico, subjugação ao capitalismo. Entretanto, essa é a opinião e o desejo de uma parte da recepção. A noção dos produtores e a lógica, para eles, são outras. Como o jornal é um produto de venda, não há limites a serem postos quando as leis da sociedade, como um todo, seguem os trâmites do mercado. “Se for possível provocar uma ruptura na regularidade, então, será possível capturar, por arte, a atenção e a memória” (GOMES, 2004, p.307). Com isso, pode-se ter retorno financeiro e uma (retro)alimentação do modelo econômico vigente no país. O jornalismo espetacular ultrapassa o fazer informar e se instala, também, no fazer seduzir. Dessa maneira, consequentemente, o que é informação recebe uma roupagem de entretenimento. Isso não quer dizer que as notícias de relevância social sejam tratadas como se fossem brincadeiras. Não é, necessariamente, isso o que acontece. Mas, a forma como uma notícia é apresentada ao público é, muitas vezes, semelhante ao modo como uma minissérie, por exemplo, é exibida. Como se sabe, esse tipo de narrativa é construído através de capítulos, de heróis e mocinhos, de personagens principais e secundários. Ou seja, o roteiro é desenvolvido para que o espectador acompanhe a narrativa e se divirta (sentido de reagir emocionalmente) em cada cena. O jornal está seguindo esse mesmo modo de operar. Uma notícia importante é, também, aquela que pode ser transformada em uma grande história, em que a recepção tenha desejo de saber, cada vez mais, sobre o caso e se emocione ao ter contato com o fato. O jornalismo que se rege pelo funcionamento do espetacular é um reflexo da indústria da informação. Essa tem como objetivo obter audiência. Para isso, não dispensa alternativas. Atualmente, percebe-se que o que se chama de informação está muito engendrado na lógica da diversão. Essa última, por sua vez, possui uma gramática que tem como alvitre doar prazer para que a recepção continue a garantir a credibilidade. Cada polo da comunicação funciona a partir de suas próprias regras. Entretanto, para que haja envolvimento entre ambos, o enunciador precisa criar ou reforçar o gosto do público. Ou seja, o produtor necessita satisfazer o coenunciador5 ou inventar um modo que faça com que a recepção aceite o produto/mercadoria. A cultura industrial e a informação industrial têm como objetivo fundamental capturar a audiência, cativar a atenção pública, fixar clientes e aficionados. Por isso mesmo, praticamente se torna, então, entretenimento, distração, diversão, que nos assegura o suficiente (e quanto mais melhor) em frente à tela ou diante da página para que a vitrine da comunicação entre em ação (GOMES, 2004, p. 305). O discurso jornalístico se legitima pela recriação dos acontecimentos. Muitas vezes, quem se fez presente no momento real do acontecido percebe que o fato não aconteceu da maneira mediada pelos mass media. Isso não acontece somente quando se trata das 5 Mesmo compreendendo as diferenças referentes às palavras coenunciador e destinatário, nesse trabalho, tais palavras serão utilizadas com o mesmo sentido. personagens principais, que viveram o fato, mas também, das demais fontes, no que se refere a observar as inúmeras irritações desses indivíduos – os buscados para comentar sobre um determinado assunto – quando veem suas falas descontextualizadas e colocadas de forma que venham a espetacularizar um acontecimento o que, por sua vez, acaba por minimizar a história a um recorte do fato. Poderia considerar-se, assim, esse redimensionamento do fato, do acontecimento como um falso acontecimento, um pseudo-acontecimento, como afirma Debord (1997). Nesse sentido, não se está dizendo que ele não existiu, mas sim, que sua visibilidade foi dada de maneira não tão fidedigna ao que realmente aconteceu. Os mass media têm o poder de transferir o espetáculo de uma esfera para outra. O que é espetáculo na mídia é, também, muitas vezes, tratado como um espetáculo na esfera civil. Não por acaso, se as mídias deixarem de falar sobre um acontecimento, esse também é esquecido facilmente pela população. “Aquilo que o espetáculo deixa de falar durante três dias é como se não existisse. Ele fala então de outra coisa, e é isso que, a partir daí, afinal, existe. As consequências práticas, como se percebe, são imensas” (DEBORD, 1997, p. 182). O espetáculo segue o princípio da novidade, uma alteração nas expectativas. Parece um paradoxo afirmar que existe uma gramática da recepção, pois fica parecendo que há uma regra já alocada nos destinatários, a qual deve ser seguida. Não é bem assim. Os produtores experimentaram essa estratégia de espetacularizar e essa fez sentido. Mas a lógica poderia ser outra. É bem verdade que as mídias colocam em evidência o que elas supõem que terá o impacto de atual, do novo, do único depois de uma “enroupada” midiática. Nem sempre os meios de comunicação dão evidência ao novo. Filho matar pais não é algo novo, um jovem cometer suicídio também não. Enfim, toda notícia tem seu vínculo com uma raiz noticiosa. No geral, o que está presente nos meios de comunicação de massa hoje é quase tudo aquilo que pode ser encenado, que pode render muitas histórias, que pode se enquadrar nas estruturas de uma novela. Esse é o molde da contemporaneidade. Por isso, a sociedade é bombardeada por fatos que, muitas vezes, para ela, já foram naturalizados; mas os suportes comunicacionais os transformam em grandes fatos. Entretanto, outros, que teriam grande potencialidade para serem grandes acontecimentos, por sua finalidade dentro da sociedade civil, são deixados de lado e tratados como “casinhos”. O mundo-mídia é um mundo à parte. Ele possui autonomia em referência ao mundo real. O mundo-mídia sustenta-se pela dramatização. Esse drama não está somente presente nas tramas de entretenimento. É um modelo que se faz presente em todos os produtos exibidos pelos mass media. Assim, apesar de existir uma forma de produzir um jornal, uma publicidade, um texto para um impresso, pode-se perceber que há uma coluna, uma fórmula que determina qual o cerne do discurso midiático. No atual momento, poderia dizer-se que é o drama que controla a indústria chamada mídia. O sistema informativo faz isso todos os dias. Às vezes, as pessoas não sabem se o que estão vendo é jornalismo, jogo de videogame ou um filme. Esse fenômeno é decorrente do entrelaçamento das várias formas de manifestações midiáticas, as quais estão dentro da lógica do vender e atrair mais públicos. Os produtores inseridos nos trâmites da indústria cultural não estão preocupados com o nível do conteúdo a ser exibido, mas sim, com aquilo que vai despertar o interesse dos espectadores, pois, segundo eles, o que os receptores buscam é apreciação. Como a fabricação de produções midiáticas tem de ser feita em larga escala e ainda fazer com estas agradem o gosto da população, opta-se por utilizar uma medida básica para construir todas. Assim, através do reconhecimento do gosto dos indivíduos por um produto, fazem-se os outros com o mesmo ou semelhante aspecto. É por tal motivo que, como foi dito anteriormente, o jornal está cada vez mais próximo das formas de enunciar dos programas de entretenimento. O entreter está no nível do riso. O jornalismo, atual, segue o modelo do sentimental, do dramático, do divertido. Não necessariamente a diversão está ligada ao rir. Uma notícia sobre violência, no geral, não desperta o riso. Mas, esse divertido está no sentido de mexer com o lado emocional do ser humano e também pela antecipação e reconhecimento, por parte do receptor, de como será tratado determinado caso. No geral, os telespectadores, por exemplo, já sabem como será abordada uma notícia sobre a morte de um artista pop. Serão dias falando sobre a mesma coisa, de como foi a morte, entrevistam parentes, mostram os prêmios que o artista acumulou durante a vida e tantas outras coisas. Assim, mesmo que o astro midiático não tenha tanta visibilidade no mundo real, ele passará a ter, pelo menos no tempo forjado pelos meios de comunicação de massa. O jornalismo espetacular segue uma trama. “[...] o desenrolar de uma trama é previsível e o final de um espetáculo é o esperado. Fórmulas fixas de sucesso dirigem o roteiro de uma obra, sempre na tentativa de obter êxito esperado e do lucro final de acordo com os interesses dos idealizadores” (TONDO e NEGRINI, 2009, p. 07). O crono-mídia e, consequentemente, o crono-jornal é regido pela dramaticidade e tudo é feito para atingi-la. Alguns jornais são extremamente dramáticos. Todas as notícias são enviesadas para esse lado. Outros fazem o uso desse modo de operar quando sentem a necessidade de “novelizar” uma notícia que poderia, muitas vezes, não ter tanta relevância. “Com isso tornam-se fundamentais as técnicas relativas à produção de ficção, isto é, as habilidades voltadas para a construção de enredos, de personalidades e para a produção dos meios (audiovisuais e cenários) de representação” (GOMES, 2004, p.310). Cada meio de comunicação tem sua forma de roupar o acontecimento como sensacional. O rádio faz isso através da voz do locutor, da entonação que ele faz para abordar o acontecimento; o jornal impresso mostra fotos chocantes e um texto emocionalmente carregado; a televisão explora tudo que ela tem ao seu alcance. Imagens, áudio, voz são utilizados como modo de sensibilizar. Segundo Canavilhas (2011), há procedimentos clássicos que diríamos básicos e necessários para a espetacularização da notícia: 1- Seleção de dramas humanos – Esse fator é caracterizado pela escolha, por parte dos produtores dos veículos de comunicação, pela visibilidade dos acontecimentos nos quais se possam destacar as insatisfações dos sujeitos. Morte de um filho, falta de alimentação, uma família que tem uma casa em zona de risco são exemplificações para a definição. Entretanto, não somente o conteúdo na notícia é relevante para qualificar a dramatização. Essa se dará, mais possivelmente, pela escolha do enquadramento feito pelo jornalista. 2- Reportagem/ directo – É o registro do acontecimento no momento em que ele está acontecendo. Assim, é fácil ter acesso à genuína emoção dos “personagens envolvidos”. Possivelmente, se um repórter for entrevistar uma senhora que acaba de perder seu filho no incêndio, ela estará chorando. Desse modo, é mais fácil espetacularizar o acontecido. 3- Dramatização – Através dessa estratégia o uso dos gestos, dos rostos, das falas são evidenciados para que, dessa maneira, o emocional do receptor seja ativado. Dentro do drama jornalístico há cinco procedimentos: “o exagero, a oposição, a simplificação, a deformação e a amplificação emocional” (CANAVILHAS, 2011, p.05). 4- Efeitos visuais – É a representação do fato feita a partir das montagens das imagens selecionadas. A relação de uma imagem à outra reconstrói facilmente um episódio. Sendo assim, os mass media possuem, dentro do seu funcionamento, as maneiras de tornar o espetáculo vivo. Cada veículo de comunicação, a depender de sua gramática, pode particularizar um recorte para fazer o sensacional se manifestar. Até hoje, dentro dos meios de comunicação de massa, a televisão é a que mais pode explorar as características do spetaculum, já que pode unir texto, imagens, voz, sons. Essas particularidades permitem reenquadrar ou recriar, de maneira satisfatória, um acontecimento. Sendo a imagem o elemento que torna a televisão o meio de comunicação mais poderoso, a facilidade com que se pode manipulá-la torna a edição num elemento fundamental de espetacularização. A decisão de mostrar umas imagens e ocultar outras, a distribuição das imagens ao longo da peça e a sua própria sequência permitem uma infinidade de possibilidades para explorar a vertente espetacular da notícia (CANAVILHAS, 2011, p. 07). Muitas pessoas podem criticar a quantidade de programas que têm como marca identitária a enunciação por meio do espetacular. Essa crítica ainda é mais severa quando se trata do jornalismo, já que, para alguns, esse deve estar a serviço do interesse público e não ter tanta ligação ao lucro. Mas isso é uma outra discussão, que entraria na questão de qual é o papel do jornalismo na contemporaneidade. O que há de se abordar é que o vínculo entre lucro, entretenimento e jornalismo proporciona que o jornal seja visto, muitas vezes, como um produto híbrido, que perpassa entre informar e entreter, fazer conhecer e fazer sentir prazer. O programa Linha Direta6 (LD) é um típico exemplo para o caso da junção entre gêneros diferenciados. A dramatização do LD é facilmente observável dentro desse esquema. As músicas de suspense utilizadas em muitos episódios, a voz do narrador são algumas das técnicas utilizadas para tornar sensacional o caso. “A simulação de diálogos entre os personagens e a encenação de fatos, somadas ao recurso da sonorização, caracterizam mais a teledramaturgia e o espetáculo que propriamente o jornalismo” (TONDO E NEGRINI, 2007, p. 08). Entretanto, não se pode caracterizar o programa como não-telejornalístico, apesar da ênfase dada à dramaturgia. O jornalismo está presente no Linha Direta, porque não se trata de ficção, apesar de serem usadas performances das estruturas narrativas ficcionais. Entretanto, esse tipo de programa (jornal espetacular) não foi único na TV brasileira da época. Dentre outros, pode-se citar o Aqui Agora7. Na contemporaneidade, o tipo híbrido também se faz muito presente nas programações das redes. Brasil Urgente, Se Liga Bocão, 6 Programa extinto da Rede Globo (1990-2008), exibido todas as quintas feiras. O Linha Direta simulava, através de atores, fatos que tinham acontecido na sociedade brasileira. Os telespectadores podiam participar, por meio de telefonemas, e fazer denúncias sobre determinado acontecimento. Essa forma de diálogo entre o programa e o público proporcionou a prisão de muitos foragidos. 7 Programa extinto do Sistema Brasileiro de Televisão – SBT. A primeira versão aconteceu em 1991. Que venha o Povo8 são ilustrações para o fenômeno do hibridismo e para a caracterização do sensacionalismo cada vez mais desmedido. O estilo espetacular não está presente somente nos jornais ditos sensacionalistas. O espetáculo não é capaz de definir se um veículo ou um programa é sensacionalista ou não. Mesmo um produto dito como sóbrio pode ter essa característica. Dessa forma, o espetáculo também está presente em jornais ditos sérios, como é o caso do Jornal Nacional. Mesmo tendo valores capazes de caracterizá-lo como veículo de aspecto mais sóbrio (tipo de apresentadores, valores-notícia), o JN representa, muitas vezes, os fatos de maneira dramatizada. Não é raro observar tal ocorrência na televisão. Como afirma Bourdieu (1997, p.73), “levadas pela concorrência por fatias de mercado, as televisões recorrem cada vez mais aos velhos truques dos jornais sensacionalistas”. É como se a regra geral fosse sensacionalizar, quem não se subjugar a esse fator está fadado ao fracasso. No JN, muitos acontecimentos foram minidramatizados. O Caso Isabella9 e O Caso Realengo são exemplos típicos para retratar essa representação. Foram dias e dias falando sobre esses casos. Não faltam estratégias para se fazer “render assunto”. Como o jornalismo sobrevive de pautas, é interessante que um mesmo fato dê acesso a vários outros assuntos para que assim sejam criados novos microdramas, miniacontecimentos. Os fait divers10 estão sempre presentes no telejornal mais credível da TV Brasileira. Os acontecimentos que buscam o interesse humano são, muitas vezes, visibilizados com um tom de dramaticidade, minidrama. Sendo assim, pode-se afirmar que a dramaticidade não é uma característica para definir que tipo de imagem o jornal pretende manter com seu público: sensacionalista ou sóbrio. A dramaticidade é uma característica da roteirização de uma notícia e não, necessariamente, do próprio jornal em si. As chamadas “histórias de interesse humano” (do tipo criança caindo no buraco de 10 metros de profundidade”) que produzem tanto noticiário, a construção de épico (lembranças da odisseia de Ayrton Senna, em tempos mais recentes, ou daquela ainda mais espetacular do corpo de João Pessoa) e tragédias contemporâneas bem como de comédias cotidianas são a pura expressão da exigência dramática da cultura midiática refluindo sobre o sistema informativo (GOMES, 2004, p.317). 8 Respectivamente, jornal apresentado pela Band; Sistema Brasileiro de Televisão (SBT/ TV Aratu-BA) e Record/ TV Itapoan-BA. 9 O Caso Isabella é referente à morte de uma criança de cinco anos (Isabella Nardoni), que foi jogada do 6º andar de um edifício localizado em São Paulo. Os condenados pela morte da criança foram o pai (Alexandre Nardoni) e a madrasta (Ana Carolina Jatobá) da menina. 10 Fatos de interesse humano (morte, violência, estupro). Como a televisão, dentre os meios de comunicação massiva, é o mais capaz de exercer influência sobre as pessoas, por causa do seu poder de seduzir através de imagens, sendo capaz de atingir as pessoas que não gostam ou não aprenderam a ler textos escritos, existem muitos indivíduos que não compram um jornal impresso, mas todos os dias têm o hábito de assistir aos telejornais. Por tal motivo, a televisão pode ser consagrada como um instrumento de grande relevância para fazer com que o público também espetacularize um acontecimento. As técnicas de filmagens, as escolhas das palavras para enunciar um caso, a inserção dos plantões11 são postas para enfatizar a encenação jornalística. Como afirma Canavilhas (2011, p.07), uma frase bombástica a abrir, um pequeno oráculo a dizer “exclusivo, uma filmagem em contraluz ou uma voz distorcida são alguns elementos que introduzidos na montagem despertam a atenção e permitem espetacularizar a notícia”. O espetacular é aquele que se enraíza na sociedade. Por tal motivo, quando se quer particularizar um determinado assunto como extraordinário, procura-se repercuti-lo em vários espaços. A Globo, para atingir êxito na proposta da espetacularização, reproduz o acontecimento no Jornal Nacional, no Fantástico12, Bom Dia Brasil 13 e em vários outros produtos de rede nacional. Dessa maneira, todos os públicos terão acesso à notícia. O espetáculo tem de ser visto por muitos, caso contrário o show não é efetivado. Os jornalistas não se importam por produzirem perguntas bestiais para atingir o ápice da dramaticidade. Como você está se sentido? Você está triste? Essas perguntas são típicas nos telejornais para pessoas em que o sofrimento é óbvio. Essa obviedade é relativa à tentativa de ligação entre o sofrer da vítima e o querer sensibilizar a recepção. Além das perguntas, a Rede Globo e outras emissoras providenciam repercutir alguns acontecimentos ao longo da sua programação. Entretanto, é válido ressaltar que nem sempre, mesmo se usando todas as montagens que permitem o espetacular tomar forma, o espetáculo toma sua forma mais consistente, pois nem sempre o público também espetaculariza determinado acontecimento. Nem sempre todas as emissoras conseguem fazer isso, por mais que tentem. Em contrapartida, alguns fatos são facilmente espetacularizados, quando repercutidos por uma rede que tem grande legitimidade dentro do campo jornalístico. Sendo assim, as mídias, no geral, têm o poder de sensibilizar e convencer, mas a concretização vai depender da imagem que certos programas televisivos 11 Inserção de notícia no meio de outros programas. Pode acontecer a qualquer momento. 12 Revista eletrônica exibida aos domingos pela Rede Globo. 13 Jornal brasileiro da Rede Globo, exibido pela manhã. possuem diante das audiências e, assim, de qual a forma com que estes são capazes de agendar, enquadrar e provocar o silêncio. 1.3 AS TEORIAS DE COMUNICAÇÃO E AS FORMAS DE CONVENCER E PERSUADIR DO JN Muito se foi discutido e muitas teorias foram levantadas para explicar como e o porquê de os meios de comunicação de massa conseguirem afetar a recepção. Estudos sobre efeitos limitados, ilimitados, de longo prazo, de curto prazo são maneiras e modos de elaborar um conhecimento sobre a relação mídia-comportamento-indivíduo. A teoria hipodérmica e a teoria crítica evidenciaram a relação entre mass media e o público como se esse último fosse totalmente manipulado pelo primeiro. É certo que essas duas correntes seguem percursos diferenciados para explicar o mesmo fenômeno, porém, o indivíduo indefeso, sem filtro regulador para gerenciar as informações midiáticas, passivo diante do controle das mídias são pontos em comum entre os dois conhecimentos elaborados para explicar a influência dos meios de comunicação diante da recepção. Entretanto, as pesquisas que defendiam as mídias como instrumentos de total controle diante dos sujeitos foram sendo relativizadas e se tornaram até mesmo inadmissíveis em determinados contextos. Assim, surgem os estudos que mostram que a recepção não é indefesa diante das mensagens proferidas pelos veículos de massa. Segundo os estudiosos, muitos aspectos subtraem a total força das mídias em relação ao destinatário. A teoria de Laswell (1930 apud WOLF, 2009, p.29) que corresponde à sequência: Quem diz, o quê, através de qual canal, com que efeito?; de certa forma, já tensiona o modelo do receptor indefeso, pois, depois dessa análise feita pelo funcionalista, outras máximas são colocadas em questão, as quais relativizam a totipotência dos mass media. A partir do estudo de Laswell (1930 apud WOLF, 2009, p.29), foi-se começando a pensar: qual a importância do comunicador, que tipos de mensagens são mais prováveis de serem aceitas por um determinado público e por quê? Quais tipos de pessoas estão mais expostos a determinado tipo de mídia e quais conclusões podem ser retiradas a partir dessa indagação? Muitas perguntas e também muitas respostas foram evidenciadas. Alguns pressupostos, por exemplo, defendem que o poder das mídias é limitado pelo indivíduo, pela sua própria subjetividade, já que as pessoas não são iguais entre si. O gênero, idade, profissão, grau de escolaridade servirão como uma espécie de escudo aos ataques midiáticos. Além do mais, é válido ressaltar que nem todas as pessoas têm como centro de referência as mídias, o que de imediato, já reduziria o poder dos produtos midiatizados. Não raramente, o ato comunicativo acontece em dois fluxos (two slep flow). Ou seja, um veículo midiático transmite uma mensagem, que é incorporada por um líder e esse medeia à informação para outros membros. Dito de outra maneira, nem sempre as pessoas estão totalmente expostas ao fluxo informativo oriundo diretamente dos mass media. Há um filtro regulador – o mediador –, além dos fatores psicossociais (gênero, idade, escolaridade) que minimizam e interferem na relação entre os meios de comunicação massiva e o público. Com isso, não se pretende afirmar que os mass media são nulos na colaboração de criação de referência, escolhas e modo de pensar. O que se tem como intenção de ser dito é que há um limite do poderio dos meios massivos sobre o comportamento, a cognição das pessoas diante dos acontecimentos, fatos. Não há como negar que os meios de comunicação de massa possuem o poder de influenciar o comportamento e as atitudes das pessoas. Tanto é dessa maneira, que os agentes, quando sentem a necessidade de legitimar um ponto de vista, procuram se fazer presentes nos veículos de comunicação, sobretudo, nos programas informativos. Pois, compreende-se que é a partir do seu posicionamento e seu aparecimento nos mass media que será possível criar e/ou legitimar determinada imagem diante do público e consequentemente consolidar uma opinião ou até mesmo fazê-la desaparecer das discussões na esfera civil. Um dos efeitos provocados pelas mídias é a força que os veículos têm de pautar as conversas diárias das pessoas. Ou seja, os mass media são observados como influenciadores do que será debatido e discutido, no dia a dia, pelos cidadãos. A teoria da agenda setting (agendamento), cunhada por McCombs e Shaw (1972 apud SÁBADA, 2007, p.10), explica exatamente a relação estabelecida entre pauta midiática e pauta dos cidadãos. Isso não quer dizer que as pessoas não tenham conversas particulares sobre algum tema que diz respeito somente às próprias intimidades. Entretanto, a noção é cunhada para estabelecer esse entrelaçamento do tema midiatizado com o tema do público. Não é difícil observar essa tal interferência. Afinal, as telenovelas servem como exemplo mais prático para ser relacionado a essa teoria. Entretanto, a associação não é estabelecida somente por esse tipo de gênero televisivo. Os jornais, principalmente aqueles que possuem certa credibilidade no mercado, são adequados para evidenciar a repercussão da teoria da agenda setting ou agendamento. Um tema evidenciado numa grande rede de TV, consequentemente, terá grande repercussão, também, fora da tela. Muito se foi discutido sobre a teoria, muitas discordâncias foram apontadas. Entretanto, o que fica estabelecido é que os meios de comunicação influenciam não somente sobre o que será tema de “bate-papo”, mas também, o quanto determinado tema será enaltecido, lembrado. Segundo Giovandro Marcus Ferreira (2001, p.112), “a imposição do agendamento se forja por dois vieses: um aspecto referente aos assuntos que serão discutidos na sociedade, o qual é proporcionado pelos meios de comunicação de massa e o segundo diz respeito à força do acontecimento”, ou seja, o quanto um fato tem mais relevância sobre o outro dentro da agenda pública, o que corresponde também ao valor que as mídias impregnam em determinados acontecimentos. Existe a tematização proposta pelos mass media conhecida como ordem do dia, que se tornarão os temas da agenda do público. O que é dito nos mass media será objeto de conversa entre as pessoas. Entretanto, o efeito de agendamento é também visto um pouco mais além. Haverá igualmente uma imposição no nível de hierarquia efetuada pelos mass media, quer dizer, os temas em relevo na agenda mediática estarão também em relevo na agenda pública, e os temas sem grande relevância nos mass media terão a mesma correspondência junto ao público. Existe então uma relação direta e íntima entre a agenda mediática e o público, efetuada pela ordem do dia e pela hierarquização temática (FERREIRA, 2001, p.112). Entretanto, para servir de pauta determinado veículo e/ou emissora já deve ter certa credibilidade diante do público, ou melhor, do seu auditório para, dessa maneira, ter um grande poder de seduzir. O poder da televisão em influenciar no comportamento, nas ideias e modos de pensar é muito grande. Tanto é dessa maneira que, chegada a televisão ao Brasil (1950), trazida pelo “rei da comunicação”, Assis Chateaubriand, foram implantados, de imediato, produtos para serem exibidos no “novo suporte”. Teledramaturgias, telenovelas e telejornais foram logo inseridos nas “telinhas”. Desse aspecto, podem-se fazer inferências em relação ao agendamento, quando referente ao tipo de suporte. Ou seja, a televisão, por permitir que até os analfabetos possam fazer sua leitura diante do mundo, seria e é muito atrativa para a população em geral. Por tal motivo, é muito caro inserir publicidades nesse tipo de suporte. Na época em que a TV estava iniciando a sua chegada, ainda não se tinham configurado as transmissões dos gêneros para esse suporte. A nova gramática não foi logo estabelecida e consolidada. Muitos artifícios, daquela época, utilizados na TV, advinham do rádio; o que se poderia dizer que é um fato normal, já que quando um novo meio se insere comporta muito do meio que o antecedeu. Foi assim com o rádio e a tevê; o impresso e a web. Mas, com o passar do tempo é preciso criar a configuração para uma nova mídia. Por exemplo, não se poderia ou não se deveria sustentar para sempre, até hoje, a transmissão direta de uma radionovela para uma telenovela. É inconcebível aceitar tal fato. Faz-se necessário promover adaptações, pois cada meio exige uma nova gramática, cada meio comunica de uma determinada forma e produz sentido de certo modo, e isso influencia na maneira de as audiências conceberem e experimentarem o mundo. Para que isso seja feito da melhor maneira possível, é preciso identificar quais características de um novo meio de comunicação precisam ser potencializadas, para que esse seja reconhecido como um novo suporte, com novas leis e regras. A reconfiguração do suporte rádio para a TV, como foi dito anteriormente, não aconteceu de imediato. Sendo assim, muito do que se assistia na televisão era uma reprodução legítima do que se ouvia nos rádios. Com o jornalismo não foi diferente. Os telejornais eram quase que um jornal de rádio, mas exibido através dos vídeos. A diferença era que o telespectador poderia assistir ao âncora lendo as notícias, com poucas imagens sendo mostradas. O pioneiro telejornal do Brasil – Imagens do Dia – foi construído assim. O Imagens do Dia, da Rede Tupi, foi ao ar em 19 de setembro de 1950. Mas foi em 10 de abril de 1952, com a criação do Repórter Esso, que a rede demarcou o espaço dentro do universo do telejornalismo brasileiro. Esse produto (Repórter Esso) foi enfraquecido ao longo dos anos, decretando-se, assim, sua extinção em 31 de dezembro de 1970. A desestabilização da “Tupi” deveu-se à inserção de outros telejornais de outras redes na década de 1950 (TV Paulista, TV Record e TV Excelsior). Entretanto, foi na década de 1960, com a entrada da Rede Globo no jogo da disputa pelos números de audiência, que a primeira rede brasileira mostrou total decadência. A emissora Rede Globo surgiu no dia 26 de abril de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, sob o comando do jornalista Roberto Marinho, e até hoje possui legitimidade dentro campo midiático. A Globo, quando foi criada, tinha como principal concorrente a Rede Tupi, a qual posteriormente foi dividida em outras duas redes: A Manchete, já extinta, e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Muitos dos produtos criados pela Rede Globo possuíam e possuem o mesmo prestígio que acompanha a marca Globo. Telenovelas, programas de entretenimentos e os suportes de informação recebem certo destaque e oferecem cada vez mais capital simbólico à emissora. Dentro desses programas, está o produto televisivoinformativo, que se faz presente de segunda a sábado, a partir das 20h30 – o Jornal Nacional (JN). O JN possui muita legitimidade e créditos, por isso facilmente se pode observar que ele é grande influenciador de temas a serem abordados dentro da sociedade. Na contemporaneidade, pode-se notar que esse informativo é suscitador de assuntos. Por esse e tantos outros motivos, pode-se contrariar a pesquisa de McClure e Patterson (1976 apud WOLF, 2009, p.148), que observaram que a influência de agendar da imprensa escrita é maior do que a da televisa. É óbvio que eles estavam falando de um outro contexto, o qual era muito mais voltado para a escrita. Hoje, talvez, não faça mais sentido separar agenda setting da “enfatização”, spot-lighting14; sendo que a primeira (agendamento) estava voltada para caracterizar a imprensa escrita, enquanto a segunda referia-se à televisão. Já que agora se fala de outro tempo, pode-se afirmar que a TV é um dos principais agendadores e que ela se sustenta pelas regras e possibilidades que engendram seu funcionamento, como afirma Wolf (2009, p.151). O suporte com mais potencial de influenciar a audiência atualmente, pela própria gramática (vídeo, ao vivo, áudio), é a televisão. Ela é “capaz” de discernir, para o público, o que é realidade, fato. Isso não quer dizer que as outras mídias não façam tal papel, mas a sua capacidade em ser mais democrática, no sentido de atender a cegos, surdos, analfabetos potencializa o efeito agenda setting. “A cobertura televisiva determina um relevo especial em circunstâncias tais como a interrupção da programação normal para informar sobre acontecimentos “extraordinários”, a utilização de uma apresentação visual, eficaz e envolvente dos acontecimentos noticiados, a cobertura ao vivo, em directo, de um acontecimento. Estas características comunicativas e estas condições técnicas atribuem um relevo especial à informação televisiva e, consequentemente, uma maior capacidade para obter efeitos de agenda setting” (WOLF, 2009, p.151-2). Nesse aspecto, já se pode verificar que a teoria do agenda setting é muito mais complexa do que se pode prever, pois ela estabelece a relação entre agendamento e meio de comunicação e as especificações próprias de cada meio. Contudo, o que não se diz sobre os pressupostos da teoria é a relação entre credibilidade e capacidade para agendar, já que nem todas as redes e nem todos os jornais escritos, por exemplo, são grandes motivadores de assuntos. No geral, um grande agendador tem que ter história. Segundo João Roberto Marinho (JORNAL NACIONAL, 2004), vice-presidente das Organizações Globo e presidente do Conselho Editorial, o JN “nasceu adulto”. Ele afirma isso por enfatizar que, antes do surgimento do JN, outros produtos informativos da rede já faziam parte da configuração jornalística existente no país. Os produtos informativos que anteciparam e colaboraram, de certa forma, para o sucesso do JN foram os jornais impressos A Noite, surgido em 1911 e O Globo, criado em 1925. 14 A televisão tem um certo impacto, a curto prazo, na composição da agenda do público. O melhor modo de descrever e distinguir essa influência será talvez, chamar “agenda setting” a função dos jornais, e “enfatização” (ou spot-lighting) a da televisão. (McCombs, 1976, p.6 apud, Wolf, 2009, p.162). As três aventuras – A Noite, O Globo e o Jornal Nacional – têm em comum a paixão pela notícia e a busca permanente de formas eficientes de transmitir informação correta ao maior número possível de cidadãos. Uma das heranças deixadas por Irineu foi a lição de que um empreendimento só pode progredir se, além da vontade do dono e do capital investido, existir também a capacidade de atrair os melhores profissionais, e lhes oferecer ambiente e meios para se realizarem pessoalmente (JORNAL NACIONAL, 2004, p.11). Os jornais (A Noite e O Globo) são enaltecidos como referências para a Rede Globo, mas disso não se pode depreender que esses foram os únicos jornais da rede e que o Jornal Nacional foi o primeiro investimento de telejornal realizado na emissora. Criado em 26 de abril de 1965, o Tele Globo15 foi o primeiro jornal da rede. Exibindo noticiários nacionais e internacionais de cunho puramente informativo, o jornal pioneiro televisivo da rede possuía, como credíveis de serem noticiados, também, acontecimentos que poderiam ser observados somente pelo viés do entretenimento. Essa era mais uma forma de atrair o público. “As notícias exclusivas divulgadas pelo Tele Globo iam desde fatos políticos importantes – como o primeiro pronunciamento feito pelo Marechal Lott16 na televisão – até curiosidades como uma matéria sobre a Cheeta, o chimpanzé de Tarzã” (MEMÓRIA GLOBO, 2011). Para agendar é preciso ter uma imagem positiva diante do público. Quando um veículo tem a capacidade de ser um grande agendador, está dada a ele a possibilidade de argumentar. Nem todos, dentro da sociedade, têm esse direito de emitir opiniões e fazer com que essas pareçam possíveis de se tornarem verdades plenas. Como afirma Breton (2003, p.56), “argumentar é, então, dar ao auditório boas razões para acreditar no que lhe dizemos”. Pois, se nenhum indivíduo depositar crédito em determinada rede, jornal, nesse caso específico, em um telejornal, possivelmente ele será insignificante dentro da luta por legitimidade existente no campo jornalístico e não conseguirá influenciar na agenda pública. Sendo assim, o agendamento está intrinsecamente relacionado à noção de capital simbólico jornalístico. Pois, fazendo referência à discussão de Bourdieu sobre o campo científico, Wilson Gomes afirma: Acumular capital simbólico jornalístico é fazer um ‘nome’, um nome próprio, um nome conhecido e reconhecido, marca que distingue imediatamente seu portador, arrancando-o como forma visível no fundo indiferenciado, despercebido, obscuro, no qual se perde o homem comum (GOMES, 2004, p.55). 15 Tele Globo era exibido em duas edições de meia hora de duração: a primeira ia ao ar diariamente, às 12h30, e a segunda era exibida às 19 horas (segunda a sexta). 16 Militar e político, nascido em Minas Gerais. Perdeu a eleição presidencial no Brasil para Jânio Quadros em 1960. É dessa maneira que é regido também o campo jornalístico. Para se consagrar dentro desse, é necessário obter vantagens diante de outros concorrentes, e, consequentemente, angariar créditos jornalísticos. Segundo Wilson Gomes (2004), o jornalismo dentro do campo, o qual é marcado por disputas, tem como objetivo atingir a “autoridade jornalística”. Essa autoridade pode ser logicamente atrelada ao conceito de ser ouvido, lido, assistido e comentado. Como dizem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.19), “não é pouco ter atenção de alguém, ter uma larga audiência, ser admitido a tomar a palavra em certas circunstâncias, em certas assembléias, em certos meios”, pois é somente dessa maneira que se pode ter a chance de ter o consentimento do destinatário sobre uma visão de mundo. Criado em 1º de setembro de 1969, o JN, observado como instituição, pela sua consagração como telejornal, juntamente com seus membros participantes (apresentadores, repórteres, técnicos), é capaz de influenciar facilmente a população brasileira e, consequentemente, ser um grande contribuinte para a formação da opinião pública. Pode-se observar, no caso do JN, que seu prestígio foi também uma transferência de imagens de outros jornais da emissora Globo. Segundo informações apresentadas no livro Jornal Nacional: A notícia faz história (2004), em 1966, com a cobertura da enchente, no Rio de Janeiro, pela TV Globo, a emissora conseguiu alcançar altos índices de audiência e fortalecer um espaço que estava sob o controle da TV Tupi, TV Rio e TV Excelsior. Foi nesse período, com essa reportagem, que a rede ganhou a simpatia da população do estado do Rio de Janeiro. Não foi somente com a cobertura da enchente que a Globo, como mediadora jornalística, conseguiu se adentrar nos lares dos brasileiros. Em 1969, a população brasileira pôde ter acesso, através dela, às imagens, em “tempo real”, do voo da Apolo 9. Essa exibição foi permitida por causa do estabelecimento, no município fluminense Itaboraí, da Estação Terrena de Comunicação Via Satélite, inaugurada pela Empresa Brasileira de Telecomunicações – Embratel. A chegada do homem à lua, em 20 de julho de 1969, também, foi noticiada pela rede e, com isso, levou para a Globo um grande prestígio. Naquele ano, “A TV Globo informava sobre as manobras de aproximação do módulo lunar” (JORNAL NACIONAL, 2004, p.22). Graças à transmissão da façanha espacial, a TV Globo ocupou, pela primeira vez, a liderança na audiência na cidade de São Paulo. A emissora, até então considerada carioca, ganhava definitivamente a simpatia dos paulistanos. Em setembro de 1969, quando estreou o Jornal Nacional, a TV Globo já detinha a liderança absoluta de audiência: apresentava nove entre os dez programas mais assistidos no Rio e três entre os dez de São Paulo (JORNAL NACIONAL, 2004, p.23). Acompanhando-se a história do Jornal Nacional, pode-se verificar, que o seu desenvolvimento é consequência de um conjunto de adaptações e readaptações dentro das condições de possibilidade de cada década, período em que o JN foi se estabelecendo no mercado e angariando grandes índices de audiência. Sendo assim, observa-se que o JN, visto como marca de agendamento nacional, não legitimou notoriedade de uma hora para outra. Esse capital simbólico é resultado do próprio status da Rede Globo, naquele ano de 1969, pela amálgama de investimento tecnológico e pela busca de uma integralização nacional feita pelo JN através das notícias, a qual foi garantida pela Embratel. Assim, o poder de agendar é relativamente equivalente, também, à imagem que determinado jornal possui dentro da esfera pública. Quem tem mais mérito, mais valor, tem maiores chances de disseminar informações que serão debatidas no dia a dia. A capacidade de estabelecer as agendas temáticas foi explicada por DeGeorge (1981 apud SOUSA, 2012). Para esse autor, as agendas temáticas são categorizadas da seguinte maneira: 1- Modelo de conhecimento – A partir desse aspecto, os indivíduos conhecem os temas através da visibilidade que a estes é dada pelas mídias; 2- Modelo de Prioridades – Essa hipótese diz que a hierarquização temática estabelecida pelos mass media determina a hierarquização de como o público se relaciona com os temas. Isso quer dizer que o público partilha dos mesmos critérios de valorização dos meios de comunicação de massa. Quanto mais for valorizado um evento dentro do espaço midiático, mais ele será valorizado nas discussões diárias. 3- Modelo dos itens salientes – É uma junção das duas anteriores, incluindo a relevância dos temas ao tempo de exposição. Quando por mais tempo um determinado acontecimento for veiculado, mais ele será pauta de discussão pelos membros da sociedade. Esses aspectos são plausíveis para explicar o que acontece dentro da relação mídiapúblico. No Caso Realengo (acontecimento em que um jovem de 24 anos entrou, no dia 07 de abril de 2011, na escola Tasso da Silveira (RJ), e matou sete crianças), a questão não pode ser tratada de maneira divergente da apresentada por DeGeorge. Nas ruas, nos bares, parecia que esse era o tema mais importante do universo. Isso pode ser percebido pela própria saliência dada ao acontecimento pelos meios de comunicação, sobretudo, pelos televisivos. No dia 07 de abril de 2011, a pauta geral partilhada pelas redes foi o “atentado” ao Colégio Tasso da Silveira. Parecia que somente aquele fato merecia destaque no Brasil. É isso o que ocorre em tempo de Copa do Mundo, foi assim no Caso Isabella, no Caso Bruno17 e será assim sempre que se achar necessário para a elevação do índice de audiência. Em suma, as mídias criam um referencial de relevância que, muitas vezes, foge do controle dos telespectadores. São as mídias que ditam o que é importante para ser visto pela população. Elas conseguem legitimar isso pela estrutura de congruência que cria entre os fatos, o que faz com que a recepção perceba algo de igual no diferente. Essa congruência pode estar ligada, dentre outros fatores, à própria estrutura de narrar acontecimentos diferenciados. Assim, por exemplo, o Caso Isabella e o Caso Realengo têm algo muito parecido: a narrativa criada pela estratégia da serialização, do vilão, da vítima. O JN, pelo grande capital simbólico dentro do campo jornalístico, tem um poder significativo de influenciar as pessoas sobre o que é e o que não é prioridade, o que é importante e relevante. Como afirma Vizeu (2007), “no processo de produção da notícia, ao selecionarem determinados fatos excluindo outros, os informativos televisivos organizam, sistematizam, classificam e hierarquizam a realidade, emoldurando os acontecimentos, o cotidiano”. Dito de outa maneira, o JN tem grande capacidade dentro do aspecto tematização. “Tematizar um tema significa, de facto, colocá-lo na ordem do dia da atenção do público, darlhe o relevo adequado, salientar a sua centralidade e o seu significado em relação ao fluxo da informação não tematizada” (WOLF, 2009, p.163). A força do Jornal Nacional como agendador e/ ou tematizador fez com que, no tempo da ditadura militar, por exemplo, o jornal fosse alvo de fiscalização. Nem tudo podia ser exibido, pois poderia causar impactos desfavoráveis à manutenção e consolidação do regime. Quanto mais o JN se legitimava dentro do espaço jornalístico, mais censurado era. À medida que sua audiência aumentava, o Jornal Nacional era cada vez mais visado. Foram vários os assuntos proibidos ao longo dos anos 1970, como o discurso do papa Paulo VI sobre os dez anos da encíclica Populorum progressio18 e a missa de sétimo dia do ex-presidente João Goulart. Também foram vetadas notícias sobre cassações de mandatos e suspensão de direitos políticos; a denúncia de acordos militares entre Brasil e EUA; a visita da Anistia Internacional; e o afastamento do general Silvio Frota do Ministério do Exército (JORNAL NACIONAL, 2004, p.35). 17 18 Caso que diz respeito ao ex-goleiro do Flamengo (Bruno), o qual foi acusado pela morte de uma amante. Documento pontifício publicado em 1967, que critica o neocolonialismo, o liberalismo desenfreado e o desequilíbrio entre países ricos. Entretanto, a capacidade de influência não está somente interligada ao que diz respeito às pautas, mas sim, a como os temas serão abordados. Dessa maneira, o modo de apresentar, de narrar um acontecimento, influencia como as pessoas vão pensar sobre a realidade. É isso que afirma a teoria que explica a relação entre meios de comunicação e o modo como as pessoas percebem a realidade. A teoria do enquadramento ou do framing tem sua origem de discussão na psicologia social e na sociologia. O objetivo era compreender como as pessoas interpretam o mundo, a construção da realidade. Esse real não será igual para todos, já que cada indivíduo é capaz de compreender e simbolizar as coisas de maneiras variadas. Isso permite dizer que existem várias possibilidades de se falar sobre a realidade, já que alguns agentes narradores vão priorizar determinado aspecto, enquanto outros vão salientar outros pontos de vista sobre um mesmo acontecimento. As explicações sobre o enquadramento foram incorporadas nas teorias de comunicação. Se, como foi dito acima, o framing objetiva compreender como os sujeitos significavam a realidade; com os mass media, o alvitre é saber como os veículos comunicacionais influenciam o modo como as pessoas percebem o mundo. Na esfera de visibilidade pública, controlada pelas mídias, é possível encontrar, em canais diferenciados, as mesmas notícias; entretanto, a abordagem nem sempre é a mesma, pois os públicos que os veículos tentam priorizar nem sempre são os mesmos. O uso de drogas, por exemplo, pode ser tratado, dentro dos meios de comunicação, como um caso de polícia ou como um problema social que foge da relação com o crime. Com isso, o público que somente tiver acesso a uma fonte, um canal, uma rede de informação, possivelmente, só terá uma parte do acontecimento, mas, inconscientemente, compreenderá ou poderá compreender uma versão do fato como se fosse a completude e a única possibilidade de observar o real. É raro encontrar uma discussão nas mídias que não seja direcionada a um determinado posicionamento, enquadramento. Muitas vezes, as tomadas de decisão, em virtude de privilegiarem determinado aspecto, são reflexos ideológicos, os quais “escapam” da intenção de. Mas, não raro, há, por parte do emissor, um desejo, um intuito de que o destinatário seja convencido e persuadido diante de uma tese e, para isso, são utilizadas estratégias que levem o receptor a ser convencido de que tem acesso à verdade em seu grau mais primário, puro, sem interferências. Na prática jornalística, um enquadramento (framing) é construído através de procedimentos como seleção, exclusão ou ênfase de determinados aspectos e informações, de forma a compor perspectivas gerais através das quais os acontecimentos e situações do dia são dados a conhecer. Trata-se de uma ideia central que organiza a realidade dentro de determinados eixos de apreciação e entendimento, que envolvem inclusive o uso de expressões, estereótipos, sintagmas (ROTHBERG, 2007). Obviamente, como foi abordado mais acima, o enquadramento utilizado por determinados veículos diz respeito a qual o público para quem se pretende falar. Não obstante, observa-se que redes diferenciadas abordam vários temas de maneira divergente. Sendo assim, como afirma Breton (2003), a verdade pode ser apresentada de maneiras diferenciadas. Um exemplo clássico seria a forma de abordar as questões religiosas pela Rede Globo e pela Rede Record. Essa luta entre as redes, dentro do aspecto religioso, é a reconfiguração dos combates entre católicos e evangélicos. O enquadramento, como mecanismo de “pontos de entrada” (de viés), realizado pelas emissoras, é referente ao tipo de público que se deseja angariar e também serve para satisfazer os desejos daqueles que já aderiram a determinado ponto de vista. Esse último caso é como um gênero epidítico. Como diriam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.58), esse tem como “objetivo aumentar a intensidade de adesão aos valores comuns do auditório e do orador”. Dito de outra maneira, esse tipo de discurso visa reforçar o compartilhamento de ideias, já que, de antemão, como é afirmado pelos pesquisadores, há uma comunhão dos pensamentos entre os emissores e receptores. No caso do gênero epidítico, não é necessário fazer com que o auditório reconheça algo como verdadeiro, pois ele já pensa desse modo. É uma estratégia realizada pelo reforço, para que se inviabilize que um tipo de público, por motivos diversos, venha a ter outro olhar sobre um determinado acontecimento. O enquadramento é uma forma utilizada pelos mass media para privilegiar alguns aspectos da realidade, o que está interligado à adaptação de um determinado público. O problema do framing, visto como uma teoria da comunicação, é que o recorte feito por algumas redes, por alguns veículos, por alguns programas vende um pedaço da realidade como isento de fragmentações. É assim que o JN se posiciona, através do discurso do vicepresidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho, no prefácio do livro Jornal Nacional: A Notícia Faz História (JORNAL NACIONAL, 2004), quando diz que o que é transmitido pelo JN é a pura verdade, “goste-se ou não”. Isso é uma tática baseada no provável, no verossímil, no ato retórico, já que não se transmite pelo telejornal, das 20h30, da Rede Globo, a “pura verdade”, mas sim, um quadro do real. Para Sacramento (2009, p.199), “a verossimilhança não torna invisível a verdade, mas faz visível um tipo de verdade vivida (real)”. Essa estratégia pode ser facilmente utilizada para convencer e persuadir os telespectadores de que certa tomada de posição é verdadeira, existe, enquanto outra não existe e, sendo assim, é falsa, incoerente. Como não há passividade no polo da recepção, não se quer dizer que, quando o orador afirma determinado discurso de certa maneira, esse será sempre aceito por todos, mesmo que um determinado público tenha como credível o emissor, mesmo que os agentes de produção de sentidos (emissor e receptor) já mantenham um tipo de laço mais coeso. Como dizem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.73), “o orador, utilizando as premissas que servirão de fundamentos à sua construção, conta com a adesão de seus ouvintes às proposições iniciais, mas estes lha podem recusar”. Isso mostra que, no caso específico, o Jornal Nacional não é capaz de agradar o auditório universal, nem todos aqueles que assistem diariamente ao telejornal e nem mesmo, todos aqueles que supõem que o jornal seja o mais verdadeiro dentre todos. Mesmo sabendo que não se podem influenciar todos os indivíduos, o enquadramento é uma maneira de buscar atingir aquele que já concorda, de antemão, com a mesma abordagem de uma forma de apresentação de uma notícia, de um tema; é um modo de convencer aquele que ainda não tem uma opinião formada sobre um assunto e de fisgar aquele que pense de uma maneira que não corresponda ao framing de determinado programa, jornal, por exemplo. Enfim, o enquadramento objetiva alcançar todo e qualquer público. Entretanto, reconhece que isso é impossível e, por isso, cria um público-alvo para dirigir sua mensagem. Os enquadramentos jornalísticos, nesse sentido, também supõem a união do meio com sua audiência em termos de identificação19 (SÁBADA, 2007, p.49). Assim, a fim de valorizar determinados ângulos, em detrimento de outros, são colocados em relevo, em destaque, alguns grupos e algumas formas de pensar, para estes serem, então, “vozes da verdade”. Não é possível se dirigir ao público sem que se mostrem pistas, rastros que possibilitem ao leitor (sentido de receptor) pensar da maneira pretendida. A esfera da argumentação exige controle, cautela, pois o princípio argumentativo exige que um tipo de estabelecimento de um contrato cognitivo entre quem fala (o orador) e quem escuta (o auditório) seja atingido. Para que isso ocorra é preciso tornar algo verdadeiro para aquele com quem se pretende estabelecer o pacto. O Jornal Nacional, e tantos outros veículos comunicacionais, quando se atêm a abordar algumas temáticas, valorizando umas verdades e 19 “Los encuadres periodísticos, en este sentido, tambíen suponen la unión del medio con su audiencia en términos de identificación”. minimizando outras, utilizam-se da máxima do consentimento por aquele com quem se pretende comunicar. [...] Querer convencer alguém implica sempre certa modéstia da parte de quem argumenta, o que ele diz não constitui uma “palavra do Evangelho”, ele não dispõe dessa autoridade que faz com o que diz seja indiscutível e obtém imediatamente a convicção. Ele admite que deve persuadir, pensar nos argumentos que podem influenciar seu interlocutor, preocupar-se com ele, interessar-se por seu estado de espírito (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.18). Como os jornais, de uma maneira geral, são observados como um grande influenciador na formação da opinião pública em regimes ditatoriais, os suportes jornalísticos e todas as mídias, em certa medida, são alvos de fiscalização e monitoramento. A vistoria, de fato, não se apega ao telejornal em si, à rede, mas, sobretudo, ao enquadramento. Todavia, é evidente que determinados veículos com grande potencialidade, como é o caso do Jornal Nacional, têm o framing, o enquadramento sempre em evidência. Em 1978, na paralisação de 2.500 metalúrgicos no ABCD paulista (região da grande São Paulo formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema), que teve como objetivo a reinvindicação do aumento de salário, o jornalismo da Rede Globo não mostrou ao público uma cobertura ampliada que desse uma noção mais abrangente sobre o assunto. Armando Nogueira, na época, editor do JN, conta que os “militares ordenaram à emissora uma cobertura leve, sem som ambiente e sem dar voz às lideranças sindicais” (JORNAL NACIONAL, 2004, p.80). Com isso, o JN particularizou um determinado tipo de auditório. Mesmo que não intencionalmente, já que, segundo eles, foi uma imposição dos ditadores, o jornal valorizou um aspecto da realidade e, com isso, retirou da cena argumentativa aqueles que poderiam construir outro percurso para o mesmo acontecimento. Toda argumentação que visa somente a um auditório particular oferece um inconveniente, o de que o orador, precisamente na medida em que se adapta ao modo de ver de seus ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas, ou mesmo francamente opostas, ao que admitem outras pessoas que não aquelas a que naquele momento, ele se dirige (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.34). É observado, dessa maneira, que o uso de determinado enquadramento tem como alvitre fazer com que o público, a audiência perceba e sinta o acontecimento da maneira pautada por alguma rede ou jornal. Nesse aspecto, podem surgir várias consequências para o público que pensa de maneira diferenciada do que é pautado pelos mass media. Como afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a argumentação tende sempre a passar por uma seleção e ser parcial e tendenciosa, mas se demonstra como se pudesse ser vista como verdade universal. O reflexo dessa tentativa de universalidade faz com que, muitas vezes, as pessoas que discordam da maneira como é abordado algum assunto nos meios de comunicação de massa fiquem caladas ou assumam a postura da opinião transmitida pelas mídias. Criada pela pesquisadora Noëlle-Neumann, na década de 1960, a teoria do espiral do silêncio visa observar justamente como os meios de comunicação exercem uma pressão nas pessoas para que elas silenciem sua opinião sobre algum tema, quando contrárias ao posicionamento da maior parte das pessoas, ou assumam a opinião da maioria, mesmo que internamente não concordem com alguns posicionamentos. Para a socióloga, os sujeitos, com medo do isolamento, tendem a aderir esse tipo de reação. “Para não se encontrar isolado, um indivíduo pode renunciar a seu próprio juízo. Esta é uma condição da vida em uma sociedade humana; se fosse de outra maneira, a integração seria impossível 20” (NOËLLE-NEUMANN, 2012, p.01). Como tantos outros conhecimentos existentes na área de comunicação, essa abordagem não foi feita especificamente para explicar fenômenos diretamente concernentes aos meios de comunicação de massa, mas sim, demostrar como as esferas de poder hegemônico disseminam informações que tendem a influenciar a cognição da opinião pública. É nesse sentido que os mass media, também, entram no foco da discussão da teoria do espiral do silêncio. Se os donos dos meios de comunicação de massa conseguem manifestar ideias e essas são seguidas por muitos, é porque há algo de social que faz com que o fenômeno seja estabelecido. É coerente fazer essa observação, até mesmo, para minimizar os impactos causados pelos mass media e, desse modo, colaborar para a valorização dos receptores. Assim, é possível, por extensão, observar as mídias como objetos que se utilizam da cultura, dos valores de uma comunidade para, também, fazer com que as pessoas observem, sejam (re)alimentadas a pensar algo, e não outra coisa, sobre a realidade. Ou seja, a forma e a maneira com que os veículos massivos transmitem informações também corroboram para a manutenção dos valores de uma cultura. Dito de outra maneira, o efeito do poder argumentativo midiático também está atrelado ao modo como uma comunidade observa determinados acontecimentos, e isso facilita que um número maior de pessoas concorde com 20 Para no encontrarse aisalado, un individuo puede renunciar a su próprio juicio. Esta es uma condición de la vida en una sociedad humana; si fuera de otra manera, la integracíon sería imposible. o que é dito. “Uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção)” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.50). A força dos poderes hegemônicos – e, nesse caso, estão inclusos os veículos massivos – é tão grande que, muitas vezes, as pessoas, quando não concordam com os “detentores de informação”, com as mídias, podem chegar a imaginar que seu modo de pensar não é a melhor maneira de refletir sobre um assunto. Esse efeito pode ser nomeado de “choque de opinião própria”. Isso é possibilitado quando um indivíduo começa a questionar seus próprios procedimentos, sua maneira particularizada e individual de pensar. Ninguém quer ser levado à prisão ou a um hospício, como defendem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), quando dizem que se afastar de uma opinião de todos levaria a um desses lugares. Esse pressuposto poderia ser completado pela expressão isolamento. Os indivíduos não querem viver solitários. Esse “sozinho” não está relacionado a não ter ninguém ao lado, mas, sobretudo, a uma solidão de percepção da realidade; uma solidão cognitiva. A morte de crianças, por exemplo, na cultura brasileira, é vista como uma das grandes catástrofes sociais. No geral, as narrativas midiáticas vão reforçar essa simbologia, procurando sentimentalizar os cidadãos, pois, já se sabe o que esperar da reação do público. Caso alguém pense de maneira diferenciada e veja qualquer tipo de morte, mesmo infantil, com naturalidade, dificilmente, se sentirá confortável para manifestar seu discurso. Então, poderia dizer-se que o poder midiático pode ocasionar, também, um desconforto. A espiral do silêncio provocada pelos mass media é alcançada, também, porque algumas pessoas não se sentem representadas midiaticamente e, sendo assim, se sentem desprotegidas para opinarem sobre algum aspecto da realidade. Quando os veículos querem colocar em evidência um aspecto do real, isso é feito de maneira tão bem estruturada que é difícil perceber o jogo de manipulação. Os veículos de comunicação fazem isso, utilizando-se de várias operações. Escolhas de ângulos de câmeras apropriadas para sentimentalizar, seleção “adequada” das fontes (utilizada como reforço à tese já aceita por alguma emissora) e utilização de frases tidas como apropriadas para explicar determinado acontecimento são algumas das estratégias usadas na (re)criação do mundo. As teorias abordadas possuem relação direta com os processos argumentativos explorados, também, na esfera não midiática. Sabe-se que o modo de operar das mídias diferencia-se daquele ocorrido na instância face a face (sem um mediador técnico), entretanto, o objetivo de querer ser ouvido, escutado, de ser pauta, de provocar silêncios, de reafirmar e construir ideias continua prevalecendo. Sendo assim, pode-se compreender que as teorias da agenda setting (agendamento), framing (enquadramento) e espiral do silêncio podem ser observadas como estratégias de convencer e persuadir inseridas no complexo-mídia. 2 O JORNAL NACIONAL E SUAS MANIFESTAÇÕES PELO ETHOS Para criar, legitimar, fortalecer uma imagem os indivíduos utilizam estratégias que visam consolidar a sua história, sua conduta, seus valores. Assim, também, fazem os meios de comunicação quando tentam se posicionar diante dos outros meios, veículos, suportes que lhes fazem concorrência. Muitos produtos midiáticos tentam se estabelecer, por exemplo, pelo tempo de história, o qual está ligado ao ano em que eles foram criados. Dessa forma, tentam dizer que, se possuem muitos anos de trajetória e ainda conseguem manter-se dentro da disputa pela audiência, é porque eles possuem qualidade. Os produtos, para se legitimarem, precisam ser inseridos em um posicionamento discursivo. Os jornais, por exemplo, necessitam ser configurados dentro da estrutura de um jornalismo dito mais sóbrio ou mais popular. Entretanto, apenas a escolha entre um grupo ou outro (sensacionalista ou sóbrio) não configura, de forma completa, a imagem que estes tentam transmitir para seu(s) receptor(es). É necessário, ainda, fazer compreender em qual tipo de discurso tais produtos se enquadram. No caso do jornalismo, é preciso que os produtores operem dentro das condições do saber fazer jornalismo. Ou seja, é conditio sine qua non adequar-se a esse tipo de discurso, que tem suas características básicas, as quais, por exemplo, se diferenciam do discurso publicitário. O saber fazer e o saber informar são cláusulas obrigatórias do discurso jornalístico. Entretanto, a imagem vai além do discurso, pois os gêneros também exercem influência no modo de fazer. Produzir informação para o rádio é diferente de transmitir informação pela televisão. Cada meio possui a sua gramática, a qual corrobora para o Ethos do produto de uma maneira geral. O Ethos, também, pode ser estabelecido através dos seus representantes. Assim, no rádio, a imagem pode ser consolidada através da voz do locutor; no jornal impresso, pelo modo com que é escrito um texto. No caso do telejornalismo, essa imagem pode ser transmitida, criada, legitimada através dos apresentadores; pela maneira com que estes se posicionam dentro do telejornal. Dessa forma, pode-se compreender que o Ethos estruturador e estruturante dos meios de comunicação de massa obedece a lógicas e regras que vão além das máximas estabelecidas para o estudo do Ethos de sujeitos de “carne e osso”. 2.1 AS ESTRATÉGIAS DE CRIAÇÃO DE IMAGEM DO JORNAL NACIONAL O mundo formatado pelas mídias, sobretudo, pelos jornais perpassa por algumas estratégias de encenações. Essas encenações não dizem respeito, somente, ao grau de ficcionalidade criado pelo jornalismo, mas sim, à maneira com que os jornais recontextualizam o acontecimento para transformá-lo em notícia. O mundo jornalístico viabiliza-se pelo modo com que o fato, em seu estado mais genuíno, é emoldurado e produzido para ser transformado em acontecimento midiatizado. Não há consenso jornalístico na maneira de operacionalizar a relação descontextualização-recontextualização. O primeiro aspecto (descontextualização) diz respeito à retirada, por parte do jornalista, do acontecimento em si com todas as particularidades envolvidas. O segundo aspecto (recontextualização) corresponde ao modo com que a notícia é levada ao público através da sua plasticidade: imagens, sons, escolhas de ângulos etc. É na relação entre descontextualizar e recontextualizar que a diferenciação de um tipo de jornal é estabelecida. É dessa maneira que surge o Ethos jornalístico secundário. O Ethos primário jornalístico corresponde às práticas próprias do jornalismo dentro do âmbito da característica básica do fazer informar. Independentemente de em qual categoria se encontre o jornal – sóbrio, sensacionalista, popular, comunitário –, sua composição básica está no nível da informação. Essa é a característica fundamental de todo e qualquer suporte jornalístico. O discurso jornalístico é da natureza informativa, diferentemente, por exemplo, do discurso publicitário. Esse último não está no campo de transmitir informação, mas sim, de construir um mundo desejável para todos os indivíduos. Cada tipo de discurso modula seus efeitos de verdade de uma maneira particular. O discurso de informação modula-os segundo as supostas razoes pelas quais uma informação é transmitida (por que informar?), segundo os traços psicológicos e sociais daquele dá a informação (quem informa?) e segundo os meios que o informador aciona para provar sua veracidade (quais são as provas?) (CHARAUDEAU, 2010, p.50). O discurso jornalístico tem como objetivo “descrever (identificar-qualificar fatos), contar (reportar acontecimento), explicar (fornecer as causas desses fatos e acontecimentos)” (CHARAUDEAU, 2010, p.41), tudo isso pelo viés notícia, independentemente se o jornalismo é sóbrio (JS) ou popular (JP). A notícia, entendida como algo novo, atual, extraordinário suscita o desejo dos produtores de jornais. É dessa maneira, por essa busca pela atualidade, que os jornais se posicionam diante de outros tantos discursos. O novo, a novidade é o que demarca o Ethos jornalístico e, de certa forma, unifica o campo. Contudo, não se pode afirmar que o discurso jornalístico é uno. No campo do jornalismo, há produções discursivas que são calcadas no fator para quem se pretende comunicar. Qualquer orador que deseje preservar seu Ethos deve saber para quem está falando, pois é a partir dessa relação que será construído o laço entre os dois polos comunicativos (emissor-receptor). Ou seja, essa relação será possível de ser consolidada, como afirma Fausto Neto (1991, p.26), “pela imersão que o sujeito faz no campo da linguagem, mobilizando-a também consoante a seus interesses, visando a determinados objetivos”. Assim, sabendo-se como o jornalismo se diferencia diante de outros discursos, pode-se dizer que o Ethos prévio jornalístico está no nível do informar; qualquer outra característica que venha a se atrelar a esta, possivelmente, deve ser observada como secundária. Secundária, mas não menos importante, para os estudos sobre o jornalismo e os mass media. Desse modo, o ato de informar, que demarca o que o público espera e quer do jornalismo, é um dos Ethos que compõem os atributos jornalísticos. [...] Ethos prévio, que precede a construção da imagem no discurso, corresponde ao que Maingueneau prefere chamar “ethos pré-discursivo”. No momento em que toma a palavra, o orador faz uma ideia de seu auditório e da maneira pela qual será percebido; avalia o impacto sobre seu discurso atual e trabalha para confirmar sua imagem, para reelaborá-la ou transformá-la e produzir uma impressão conforme as exigências de seu projeto argumentativo (AMOSSY, 2005, p.125). Entretanto, apresentar a característica do novo como única para demarcar o campo jornalístico é limitar demasiadamente a natureza jornalística. O jornalismo é reconhecido pelo seu jogo imbricado no discurso da objetividade, independentemente de em qual quadro referencial o produto se enquadre. A objetividade para o jornalismo é medida pela capacidade de não interferir no fato. É como se os jornalistas afirmassem que os fatos falam sobre si. Não há como considerar a prerrogativa da objetividade como não pertencente ao Ethos jornalístico. O Ethos, como categoria da imagem, também se vale do que algo ou alguém pretende ser e não necessariamente o que se é. “É crença muito difundida entre o público em geral que o jornalista, no exercício da sua profissão, atua de forma imparcial e isenta, visto que sua missão é informar fielmente os fatos, sendo, por isso, narrador de créditos” (SÁ, s/d, p.3). Assim, mesmo sabendo que a noção de objetividade está fadada ao fracasso, pois há subjetividade na construção de qualquer texto jornalístico – apesar da utilização de estratégias para minimizar o lado subjetivo do que é mostrado e, assim, fazer com que os receptores acreditem na tal objetividade –, não se deve desconsiderar o ritual da objetividade como pertencente à imagem do saber jornalístico. Ou seja, a objetividade está em relação tensa com a subjetividade. Alguns estudiosos defendem o primeiro aspecto e outros, o segundo. “Não há captura da realidade empírica que não passe pelo filtro de um ponto de vista particular, o qual constrói um objeto articular que é dado como fragmento do real” (CHARAUDEAU, 2010, p.131). O Ethos, como uma imagem do que se pretende parecer ser, corrobora para que o jornalismo seja diferente de qualquer outro tipo de discurso. A instância notícia já demarca o espaço. Esse fator é capaz de posicionar o Ethos jornalístico e também mostrar como, ao longo do tempo, a natureza jornalística foi se modificando e instaurando suas características básicas sem deixar de lado o valor informativo. A história do jornalismo está fixada, independentemente do contexto, à produção de news; e foi dessa forma que o público legitimou, ao longo dos anos, o jornalismo: como aquele que leva ao público notícias. Sendo assim, as modificações ocorridas no campo jornalístico não colocam em tensão o que é o jornalismo em si, pois mesmo sendo de uma forma, em determinada época, e assumindo uma nova roupagem em outra, existia o reconhecimento do público do que era jornalismo e do que não era. De antemão, o público levava em consideração que se algo é/foi pauta jornalística, o é/foi porque estava calcado no nível do fato, no nível informativo – baseado na veracidade. Dito de outra maneira, o Ethos está sempre visado ao público. Se algo não for designado pelo povo como jornalismo é porque não houve adequação exata, em determinado contexto, ao que se espera do fazer jornalístico e, assim, quando isso acontecer, será possível dizer que se está diante de uma construção de um Ethos fragilizado. A imagem fragilizada é aquela em que o público não consegue estabelecer a mesma lógica do enunciador; o auditório não verifica de qual lugar o orador fala e, por isso, não legitima o discurso escutado, visto, observado. Sendo assim, o primeiro Ethos jornalístico é baseado na seguinte sequência: EMISSOR→→→SABER INFORMATIVO→→→RECEPTOR FATO Diferentemente de uma ficção, na qual a lógica seria: EMISSOR→→→INVENÇÃO→→→ RECEPTOR Assim, a ficção e o jornalismo fazem-se oposição porque o que eles emitem são coisas diferentes, que sugerem pensamentos diferentes. Ao comprar, ao se sentar para assistir a um jornal, o público quer ver verdades reais, verossímeis, não inventadas, diferentes da ficção. A criação ficcionada não precisa ter relação alguma com o mundo real. Essa se estabelece por outro tipo de contrato. Sendo assim, o Ethos prévio jornalístico é particularizado pela característica de narrar, informar sobre um acontecido não inventado e, mesmo que o fato precise se adentrar dentro de alguma lógica ficcionada, como por exemplo, com o uso das reconstruções (através das simulações) dos fatos, é necessária a utilização de fontes que legitimem que algo aconteceu ou que digam que o narrado pelo mundo midiático noticioso está muito próximo da realidade ocorrida. Dito de outra forma, o Ethos prévio jornalístico está interligado aos fatos, ao mundo do real e não da ficção. É isso que o público espera de um jornal. Mas esse mesmo Ethos, o qual pode ser denominado de Ethos primeiro do jornalismo, cede espaço para outras inferências sobre que tipo de jornal (sóbrio ou popular) pode-se encontrar circulando na sociedade. Nessa circunstância, entra em relação o que será considerado como notícia e como o acontecimento será narrado, levado ao destinatário. O modo e o que pode ser levado ao destinatário estão dentro do Ethos secundário. Não há como afirmar que os valores-notícia são iguais tanto para o jornalismo que pode ser qualificado como sóbrio quanto para aquele observado como popular. Como afirma Veloso (1998), ainda que estigmatizado, o jornalismo popular, na contemporaneidade, não pode ser conceituado como um jornalismo SSS (sexo, sangue e sobrenatural). Segundo a autora, os jornais populares “buscam reescrever a fórmula consagrada pelo extinto Notícias Populares21 substituindo sangue sexo e sobrenatural por cobertura focada em cidades, esportes e entretenimento” (VELOSO, 1998, p.25). Dito de outra maneira, na atualidade, esse discurso cedeu espaço para um tipo jornalístico popular que se baseia na cobertura, sobretudo, de acontecimentos locais, de interesse não necessariamente nacional. É por tal motivo, que nos jornais populares há pouco ou quase nenhum espaço para notícias sobre economia e política22. Entretanto, esse tipo jornalístico não deixa de ser forma de conhecimento. O Ethos de qualquer tipo de jornalismo está no nível do fazer conhecer. Essa abordagem adentra sobre a cultura jornalística, já que os valores-notícia não são iguais para qualquer modelo de jornalismo. Assim, pode-se afirmar que existem diferentes culturas para diferentes posicionamentos discursivos no campo jornalístico. Essas variações 21 22 Jornal que circulou em São Paulo entre 1963-2011. Monografia Correio da Bahia – Correio*. Disponível em http://www.facom.ufba.br/portal/wpcontent/uploads/2011/11/Monografia-Taciana-Gacelin-20091.2.pdf vão depender significantivamente da imagem que se pretende consolidar e da interação que se pretende manter entre os participantes do jogo discursivo. “Dizer que os participantes interagem é supor que a imagem de si construída no e pelo discurso participa da influência que exercem um sobre o outro” (AMOSSY, 2005, p.12). Com isso, não se pretende afirmar que não há algo de comum entre os jornalistas e tipos de jornalismo. A busca pelo furo, a procura de fontes para legitimar os acontecimentos e o que se diz sobre ele, dentre outros fatores, são características que tipificam o campo jornalístico. Entretanto, há muitas variantes que proporcionam a não unicidade do discurso jornalístico. Os valores-notícia como “componente de noticiabilidade”, definido como o “conjunto de elementos através dos quais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais há que selecionar as notícias” (WOLF, 1987, p.173), podem ser um modo de avaliar características pertinentes aos posicionamentos discursivos jornalísticos, de acordo com a relação mantida entre o jornal e seu(s) receptor(es). Alguns critérios valores-notícia somente são válidos se forem observadas especificidades da posição do discurso jornalístico, a qual é moldada pela imagem que o produtor quer manter, criar diante de certo público. Enfim, é o processo de relação que define o que pode e o que deve ser dito: “O espaço de relação é aquele no qual o sujeito falante, ao construir sua própria identidade de locutor e a de seu interlocutor (ou destinatário), estabelece relações de força ou de aliança, de exclusão ou de inclusão, de agressão ou de conivência com o interlocutor” (CHARAUDEAU, 2010, p.71). O critério relacionado ao impacto nacional e sobre o interesse nacional, defendido por Wolf (1987), somente é válido se for observada a pretensão de estabelecimento de relação entre público e destinatário. “É na escolha dos critérios que regem tais atividades que se põe em jogo a imagem de marca de cada organismo de informação” (CHARAUDEAU, 2010, p.75). Observado tal valor, relativo ao nacional, esse perde o sentido se analisado o tipo de jornalismo que se pretende popular. Na posição jornalística JP, o fator relevância nacional não assume necessariamente um critério de grande importância, já que o JP pretende se consolidar e transmitir informações que terão interesse a uma localidade. Como pode ser observado, no geral, o Caso Realengo não foi um grande acontecimento para os jornais ditos populares. Para o Jornal Nacional, o acontecimento Realengo foi de suma importância, pois foi um fato que pôde ser configurado e noticiado como algo de interesse para todo o país e, assim, dentre outros fatores, permitir ao JN manter a pretendida imagem de jornal que une todas as regiões. Dessa maneira, William Bonner (apresentador do JN), no primeiro bloco, do dia 07 de abril de 2011, apresenta assim o fato: 1) JORNAL NACIONAL – “Boa Noite. O Jornal Nacional, dessa quinta-feira, 07 de abril, vai ser apresentado do bairro do Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro. Fátima Bernardes fala ao vivo do local da tragédia que provocou choque no Brasil (grifos nossos) e no mundo”. 2) JORNAL NACIONAL – “Nunca uma escola brasileira (grifos nossos) tinha sido cenário de um ataque dessa natureza”. Nesse sentido, percebe-se que a temática nacional é um dos critérios defendidos por Wolf (1987) como critério substantivo de grande relevância. Esse fator é característico do jornalismo que tende ao sóbrio. Um JP creditaria interesse ao assunto se a relevância fosse a proximidade local. Com isso, pretende-se dizer que para os JP’s do Rio de Janeiro, possivelmente, o caso acontecido na escola Tasso da Silveira foi priorizado jornalisticamente; até porque pode ter sido atrelado a outro critério valor-notícia estabelecido a partir do quão violento é um acontecimento. O número de mortos em um acidente, em uma tragédia é de extremo interesse para os jornalistas. Tanto os jornais sóbrios como os populares adotam a mesma postura quando se diz respeito a esse aspecto. Isso decorre da necessidade que os jornalistas e os jornais têm de sensibilizar, espetacularizar o fato. Tanto um quanto o outro tipo de jornal não hesita em praticar o “sensacional”. No que diz respeito ao grau de importância dado a determinados assuntos, não há nada de errado em um JP não doar certo destaque ao caso Realengo. Esse tipo de produtor “conhece” seu auditório e sabe que este se baseia através de estereótipos e imagens que são todos os dias reforçados pelos emissores. Sendo assim, esse público não julgaria um JP pelo não aprofundamento noticioso sobre um acontecimento que teve grande magnitude pelos jornais que pretendem transmitir informações de cunho nacional. O público, de antemão, já sabe qual o projeto discursivo que ele encontrará, pois as suas inferências já estão totalmente embasadas em um modelo pré-admitido e pré-configurado. A estereotipagem, lembremos, é a operação que consiste em pensar o real por meio de uma representação cultural preexistente, em esquema coletivo cristalizado. Assim, a comunidade avalia e percebe o individuo segundo um modelo préconstruído da categoria por ela difundida e no interior da qual ela o classifica (AMOSSY, 2005, p.126). Dessa forma, levando-se a análise para o mundo midiático, não se espera, e não se esperaria, que o Correio*23, por exemplo, atribuísse grande sentido ao Caso Realengo. Esse não foi pauta principal do impresso, mas, pelo posicionamento adotado e pelo modo como o jornal é reconhecido por seu público fiel, isso não o caracteriza, para esses leitores, como um jornalismo de menor qualidade. A marca também configura e corrobora para o estabelecimento da relação entre o orador e o auditório através da imagem criada pelo primeiro. O próprio nome “Jornal Nacional” já sugere o que se pode esperar do telejornal. Pela marca, percebe-se que esse se pretende a fazer coberturas jornalísticas que tenham como interesse agradar um grande número de pessoas: o público brasileiro. Mas, como se sabe, apesar da pretensão, não há como agradar a todos. Entretanto, é válido ressaltar que ter como fonte de referência um jornal popular não significa que o jornal mais sóbrio seja desacreditado por um mesmo indivíduo. Muitas vezes, uma mesma pessoa assiste a um jornal com características que se enquadram no discurso mais popular, mas, todos os dias, não deixa de ver o JN, exemplificado como mais sóbrio. O JN consegue capturar a atenção do público que se interessa pelo suporte popular, pois a sua imagem é, de tal forma, consolidada e conceituada como relevante, seu Ethos é tão legitimado – independentemente se alguns telespectadores concordem ou não com o modo de enquadramento do telejornal – que o seu poder de influência é inevitável. No que diz respeito ao nome, pode-se também, como dito, identificar a marca como fator importante para a criação, consolidação, reapropriação de um Ethos. No geral, ou muito frequentemente, os jornais locais recebem, atrelada a ele, a designação de a qual estado, a qual município ele pertence. Isso já corrobora para o estabelecimento da relação enunciadorcoenunciador. Ou seja, no jornal Bahia Meio Dia24, não se observarão notícias, matérias que não façam referência ao estado baiano. Sendo assim, a marca é um signo de contextualização territorial e demarca o espaço de relação entre quem emite e para quem se destina algo. Com isso, é interessante observar que uma marca consegue falar por si só, como se fosse mais do que “carne e osso”. Um indivíduo, somente pelo nome, não consegue dizer muita coisa. O nome de um veículo, suporte jornalístico é capaz de falar muito. Não obstante, ouvem-se os indivíduos pontuarem afirmações que personificam alguns nomes dos veículos de 23 Jornal impresso baiano. Esse jornal é uma versão do antigo Correio da Bahia. Esse último não estava fixado ao posicionamento discursivo popular, o qual, atualmente, é assumido pelo Correio*. 24 Jornal televisivo baiano, da emissora Rede Bahia – afiliada da Rede Globo. comunicação: “Segundo o Jornal Nacional, vai chover”. Essa ilustração é típica para mostrar como acontece esse tipo de relação. Mesmo que a informação tenha sido fornecida por um grande meteorologista ou uma agência metereológica muito credível no espaço público, certamente se escutarão frases como essa sendo repercutidas nas ruas. Isso acontece porque as pessoas, conscientemente ou inconscientemente, doam crédito ao JN. Pode-se pensa-las [as marcas] como manifestação material de personificação e identificação de um simulacro que toma o lugar do “verdadeiro” enunciador seu proprietário. É o caso [...] do Jornal Nacional, CBN Brasil, entre outras. A marca por meio de um logo - sua representação visual -, reforçada verbalmente por um slogan, se torna assim uma espécie de “casca” ou corpo oco que vai se “enchendo”, tornando-se “carne” pelo que enuncia, pelo modo de enunciar, e pelo que a própria empresa que a detém enuncia sobre ela, notadamente por meio de publicidades. Jornais, como qualquer outro produto da sociedade moderna são justamente pensados como marcas para que possam assumir e ter identidades administradas (HERNANDES, 2012, p.782). Sendo assim, a marca, como asseguradora de uma identidade para um produto, corrobora para que se crie uma imagem do que se pretende ser diante do(s) público(s). É por isso que, ao se sentar diante da televisão, sintonizada na Rede Globo, às 20h30, a população espera que o recorte do mundo esteja aos seus olhos. O público do JN quer saber sobre a seca do nordeste, sobre a chuva do sudoeste, sobre o incêndio no norte do país e mais: esse tipo de auditório espera ter informações sobre outros países do globo. Esses telespectadores não se sentiriam exigentes demais ao criticarem o Jornal Nacional por não exibir uma notícia dita de “relevância nacional” ou internacional. Pois, eles sabem do contrato que assinaram e se decepcionam, e/ou se decepcionariam, ao verificar que há algo que está sendo descumprido. Dessa forma, quando há uma não realização do que o enunciador prometeu fazer ou quando ele faz uma coisa que não se propôs a fazer, o que há é uma desconfiguração entre o Ethos dito e o Ethos mostrado; sendo que esse último não é demarcado por palavras, mas sim, por atividades performativas e posicionamentos discursivos. “O ethos dito seria aquele criado através das referências diretas ao enunciador, enquanto o ethos mostrado estaria no domínio do não explicito, da imagem que não está representada no texto, mas que pode ser construída através de pistas seguidas pelo co-enunciador” (HEINE, 2007). No Caso Realengo, o Jornal Nacional, por diversos motivos, como o efeito espetacularização, não poderia deixar de abordar o assunto, pois é esperado que os produtores e jornalistas coloquem em sua pauta temas, como foi dito anteriormente, que, para eles, tenham relevância nacional. Assim, o JN vai se configurando com sua característica de “unir o Brasil”. Os produtores do telejornal, os apresentadores e os repórteres não precisam ficar falando, se autorreferenciado, nesse sentido, nas suas reportagens como um jornal de nível nacional. São os posicionamentos discursivos, a marca e as suas coberturas jornalísticas que comprovam como ele mantém sua identidade jornalística. “A apresentação de si não se limita a uma técnica apreendida, a um artifício: ela se efetua, frequentemente, à revelia dos parceiros, nas trocas verbais mais corriqueiras e pessoais” (AMOSSY, 2005, p.09). No caso específico de um veículo de informação, essa construção dá-se basicamente pela técnica, mas é de extrema necessidade para a representação, pois, nesse caso, não há como ter contato físico com o Jornal Nacional, por exemplo; e seus representantes, como seres sociais, não jornalistas, nem sempre terão um tom sóbrio, sério, como precisam aparentar ser no telejornal. O JN, assim, estabelece uma relação com seu auditório a partir do vínculo noticioso de aspecto nacional. Essa forma de apresentar é evidenciada tanto pelas marcas reveladas no enunciado um e quanto no enunciado dois (transcritos anteriormente), mostradas pelas palavras Brasil e brasileira. Mas, somente o fato de pertencer ao tipo de jornalismo dito como sóbrio não é capaz de caracterizar o Ethos, propriamente, do Jornal Nacional. Há outros modos de identificar e ampliar a forma como o telejornal estabelece, reconstrói e reproduz sua imagem. Sendo assim, é válido ressaltar, que a construção de um Ethos consolidado é indispensável para assegurar o sucesso de persuasão e convencimento. Com isso, julga-se que é necessário tentar, ao máximo, manter uma “boa aparência”, atingir todas as cláusulas que foram postas no contrato, o qual foi assinado por muitos indivíduos. É também por esse motivo que o JN é referência no mundo telejornalístico. Esse fator é assegurado pelo cumprimento das regras e pela demonstração de estar fazendo aquilo que foi prometido. Como o telejornal tem suas particularidades, enquanto jornal televisionado, é preciso observar esse aspecto para que, dessa maneira, se estabeleça uma relação entre o Ethos e o JN para além do texto escrito. Esse fator é importante de ser observado para que se configure o Jornal Nacional dentro de uma gramática própria, assegurada pelo gênero e outras práticas, que, como estratégias de funcionamento, viabilizam a construção, legitimação e consolidação do Ethos desse telejornal e, assim, também, para que se trace uma análise sobre a construção da imagem estabelecida pelos suportes, produtos midiáticos. 2.2 O GÊNERO TELEJORNALÍSTICO Não existe somente uma forma de se fazer jornalismo. Suportes diferentes permitem experiências diferenciadas na recepção e no próprio âmbito da criação de realidade pelos mass media. Para convencer e persuadir é necessário estabelecer um pacto, uma relação entre orador e auditório. É preciso que o emissor deixe marcas para que o receptor complete o sentido da mensagem e atribua significação a determinados assuntos. O gênero é ideal para entrelaçar o orador e o auditório, pois ele fornece ao destinatário as pistas do que pode ser encontrado e demonstra as diversas facetas das imagens de quem fala e de quem recebe a mensagem, ou seja, da criação de um Ethos. Para Santana Neto (2005, p.20), o Ethos é considerado “a imagem que o locutor faz de si mesmo e pressupõem-se as imagens que o locutor acredita que o alocutário faça de si próprio e que o alocutário faz do locutor”. Assim, quando o indivíduo se senta para ouvir um rádio, sabe que só encontrará áudio; ao sentar-se para ler um jornal, sabe que terá acesso ao escrito e ao visual estático (fotos); ao posicionar-se diante da televisão, o telespectador espera obter informações em áudio, texto e imagens em movimento. Ou seja, o gênero guia a recepção, permite que o auditório tenha uma certa percepção do que será encontrado. Com isso, pode-se afirmar que o gênero é a fórmula de contrato entre os coenunciadores. Como afirmou McLuhan, em 1967, (MCLUHAN, 2005), o meio é mensagem. O pesquisador afirma, assim, que qualquer mudança na sociedade é capaz de modificar a maneira e o modo de as pessoas perceberem e sentirem o mundo. O gênero está atrelado ao sentido proposto pelo autor, pois, a cada gênero que surge, mais possibilidades de experienciar o mundo são criadas. O meio é a mensagem. Isto apenas significa que as consequências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos – constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos (MCLUHAN, 2005, p.21). O gênero não permanece estável ao longo dos anos, pois, de certa forma, ele vai se adaptando ao contexto e às possibilidades nas quais ele está inserido. Como afirma Machado (2000, p.69), o “gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa”. O modo de fazer telejornalismo, na década de 1960, é muito diferente de fazê-lo na contemporaneidade. Um exemplo para isso é a observação da própria construção da identidade do jornalismo brasileiro. Quando o telejornalismo foi inserido no país (década de 1950), os jornalistas liam as matérias com o papel na mão. Naquela época ainda não existia o teleprompter. Como afirma Charaudeau (2010, p.211), “os gêneros inscrevem-se numa relação social de reconhecimento, trazendo uma codificação que lhes é própria – própria a seu contexto sociocultural –, e podem então variar de um contexto a outro”. As próprias alterações ocorridas no gênero e a diversidade de poder noticiar um mesmo caso utilizando-se diversas mídias corroboram, substancialmente, para a construção de um determinado tipo de relação entre os emissores e receptores. Um news transmitido em um jornal impresso nunca terá o mesmo efeito caso seja televisionado. Isso porque a TV tem a característica de demostrar o fato através de imagens em movimento, agrupadas a outros tantos recursos significativos (como áudio e texto falado). E todos esses textos reunidos têm uma grande capacidade de influenciar diretamente os cidadãos. Um sujeito que se senta na frente da televisão não quer somente texto falado, ele quer observar as imagens. Ele quer observar um texto mediado pela imagem dos repórteres, a imagem das fontes. Em princípio, o gênero notícia televisiva expõe duas narrativas paralelas, a narrativa visual, que se coloca como um documento do que realmente aconteceu, assim demostrando a pretensão da objetividade, e a narrativa falada que contribui como informação complementar ainda que permaneça relativamente distinta, sem comprometer o status da narrativa visual como pura informação (GOMES, 2007, p.12). O telejornalismo observado como gênero é capaz de permitir ao auditório identificar o que ele terá acesso. Assim sendo, isso já demarca um Ethos, o qual pode ser reforçado ou desconstruído ao longo do tempo. Dentro da cultura brasileira, espera-se que um telejornal, de maneira geral, seja apresentado por duas pessoas, as quais ficam intercalando pedaços das matérias, notícias, como pode ser observado no noticiário JN. Com isso, não se pretende afirmar que todos os jornais televisivos brasileiros têm, na sua estrutura, sempre dois apresentadores. Mas essa composição faz parte do imaginário da população. As pessoas não somente esperam dois apresentadores, mas que estes sejam um homem e uma mulher na bancada. Isso demonstra a força do Ethos JN como influenciador de imagem em outros telejornais e diante da população em geral. Essa ideia tem muita relação com o que afirma a pesquisadora Jaciara Mello (s/d p.6) quando diz que, apesar de o JN não ter sido o primeiro telejornal brasileiro, ele acabou adquirindo um cacife telejornalístico que impera dentro do modo de fazer, diante dos outros jornais de televisão existentes no Brasil. O telejornal é baseado em uma multiplicidade de vozes e inúmeras mediações que permitem que as informações sejam construídas de modo a completar quase todas as lacunas do telespectador, diferentemente do rádio, por exemplo. Nesse momento, é válido destacar que, pelo fato de a televisão ser um meio frio25, como defende McLuhan (2005), isso acaba influenciando a maneira de percepção da realidade por parte do auditório. Não há como o telejornal não ser totalmente mediado. É óbvio que qualquer suporte jornalístico o é. Entretanto, a diferença está no sentido do modo de mediação. A todo o momento, no relato jornalístico, o receptor percebe como o acontecimento está sendo mediado. O repórter escolhe um ângulo, um lugar para falar sobre determinado assunto, onde considere estar o mais bem posicionado para a construção da notícia e para o entendimento, pelo telespectador, da mensagem que pretende ser transmitida. Essas configurações já podem demarcar o tipo de imagem que se pretende construir e podem influenciar diretamente na forma de o receptor perceber o fato. Esse modo de narrar está ligado à enunciação. “A construção de uma imagem de si, peça principal da máquina retórica, está fortemente ligada à enunciação” (AMOSSY, 2005, p.09). A enunciação diz respeito à singularidade revelada no ato da linguagem, ou seja, ao modo ou à maneira de se falar algo. Essa não está desvinculada do enunciado, o qual se refere ao dito, ao tema. Mas a enunciação é capaz de diferenciar para quem e por quem é produzido determinado enunciado, revelando, desta forma, a imagem que o emissor pretende transmitir para certos grupos com os quais pretende se comunicar. O gênero televisivo permite a comunicabilidade entre emissão e recepção. Isso quer dizer que essa comunicação permeia a interação entre os produtores de sentido do ato comunicativo. O gênero telejornalístico apresenta-se como uma faceta de moldura do fato. Esse se utiliza de variadas técnicas para transmitir o acontecimento, sem perder de vista as características buscadas pelo jornalismo, como a autencidade e a legitimidade, pois essas são necessárias para que um jornal, independentemente do gênero, mantenha uma imagem positiva. Pois, como afirma Possenti (2008, p.60), o gênero de discurso já causa certa expectativa em “matéria de ethos”. Essa expectativa baseia-se no fato de que, antes de visualizar determinado produto midiático, já se verifica a qual gênero ele pertence. Para a recepção, isso é bastante importante, pois assim se sabe das exigências e das obrigatoriedades a serem cumpridas. Um indivíduo que se apresenta honesto, eficiente, e depois se demonstra o contrário de como se representou (desonesto, ineficiente), acaba perdendo sua integridade. Assim também 25 Prolonga vários sentidos; diferentemente do rádio (meio quente), que “prolonga um único de nossos sentidos” (MCLUHAN, 2005, p.38). acontece com o mundo midiatizado. Se o telejornalismo não se utilizar de tudo que é permitido por ele (uso do ao vivo, utilização das imagens, infográficos etc.), perde o sentido de existir e acaba caindo no desgosto da população por não seguir uma regra, uma receita do que se espera ver na TV. Ou seja, há algo sempre esperado pelo auditório, o qual é baseado na memória construída pelo que se promete fazer e pelo que, de fato, é feito. Segundo Gomes (2007, p.19), “nesse sentido, colocar a atenção nos gêneros televisivos implica reconhecer que o receptor orienta sua interação com o programa e com o meio de comunicação de acordo com as expectativas geradas pelo próprio reconhecimento do gênero”. O gênero configura o “modo de dizer”, “a certa organização textual”. Essa especificidade colabora de uma maneira a criar uma identificação entre emissor e receptor. O telejornalismo, por reunir um conjunto de matérias significantes, estabelece e consolida, com todas as suas matérias significantes, um Ethos. Por ser, também, auditivo, o auditório pode ter mais uma pista para perceber com mais facilidade se um jornal pretende ser mais popular ou mais sóbrio, se comparado, por exemplo, a uma notícia veiculada num impresso. Num certo sentido, é o gênero que orienta todo o uso da linguagem no âmbito de um determinado meio, pois é nele que se manifestam as tendências expressivas mais estáveis e mais organizadas da evolução de um meio, acumuladas ao longo de várias gerações de enunciadores (MACHADO, 2000, p.68). Para ser estabelecido um paralelo, pode-se observar que o Caso Realengo não seria sentido da mesma maneira caso se estivesse na era do rádio. Com isso, é fácil compreender que as “reações intelectivas e afetivas do público não são as mesmas de uma mídia a outra, e a instância midiática que sabe disso e o afirma (“são profissionais diferentes”), tira partido das diferenças”, como afirma Charaudeau (2010, p.78). Como a contemporaneidade está configurada no mundo das imagens em movimento, da TV, que surgiu tendo o imagético dinâmico como signo, os seus produtores devem saber utilizar esse código, mas não necessariamente cansar o telespectador com tanta linguagem visual. De todo modo, a imagem ajuda na contextualização do acontecimento e, nesse sentido, contribui para o estabelecimento de uma criação de impressão por parte do receptor. Bons repórteres, bons vídeos, bons textos são fundamentais para consolidação e criação de autoridade dentro do campo jornalístico, nesse caso específico, telejornalístico e, assim, para o fortalecimento do pacto entre orador e auditório através do Ethos. Observando-se o Caso Realengo, pode-se verificar como o modo de operar jornalístico é realizado e como o Jornal Nacional, pertencendo às configurações do telejornalismo, se posiciona e interfere no acontecimento, já que se baseia em versões, e não na completude do fato. Não por acaso, a morte de crianças na escola Tasso da Silveira é a principal notícia do dia 07 de abril de 2011. Na escalada do JN, todo o conteúdo mais valorizado e a própria estrutura do programa aparecem de resumidos. As chamadas e sua ordem de apresentação acontecem em função do impacto afetivo, do mais tenso ao violento, ou seja, das notícias negativas, com relações disfóricas (sujeitos apartados de seus objetos-valorinvasão, destruição, assassinato, corrupção) para as mais relaxadas, eufóricas, positivas (vitórias de um time de futebol, campanhas beneficentes), o que mostra certas características das estratégias de arrebatamento e sustentação (HERNANDES, 2006, p.130). Ou seja, o Jornal Nacional permite que o telespectador saiba como ele será guiado. Ao sentar-se na frente da TV, o receptor identifica e tem a certeza de que, no final do programa, encontrará notícias sutis, com pouco grau de complexidade. Dito de outra forma, o final do jornal propõe uma tranquilidade para o auditório. Voltando para o Caso Realengo, percebe-se como o JN estruturou o acontecimento a partir do uso das matérias significantes. Figura 1 Fátima Bernardes em frente à escola Tasso da Silveira Fátima Bernardes (Figura 1) apresenta-se em frente ao colégio Tasso da Silveira, como forma de mostrar “eis aqui o fato”. A equipe jornalística enquadra Bernardes em frente ao colégio com o objetivo de relatar o acontecimento sem precisar, por meio de palavras, narrar o fato. No rádio, a lacuna de como era o colégio teria que ser preenchida pelo telespectador. Um sujeito que nunca esteve, nunca ouviu falar, nunca teve algum tipo de contato com a instituição teria que ficar imaginando como era esse colégio, a menos que o repórter de rádio se utilizasse de estratégias puramente narrativas (nariz-de-cera26), as quais são observadas como desnecessárias dentro do mundo jornalístico. Assim, pelo rádio, o ouvinte teria que imaginar se a escola tinha portões, se era segura e outras tantas coisas que possibilitassem a ele a reconstrução do acontecimento. Entretanto, a possibilidade que o gênero telejornalístico tem de mostrar algo por imagens em movimento e, muitas vezes, ao vivo, facilita a compreensão do receptor, o qual credita ponto favorável ao Jornal Nacional por esse transmitir informações e dados que colaboram para a maior visualização do acontecimento. Não somente isso. Partindo das observações feitas por Charaudeau (2011) sobre os tipos de Ethé, podem-se fazer inferências sobre como é mantida a relação entre o Jornal Nacional e o público dentro do Caso Realengo. Posicionar o repórter em frente ao local do acontecimento é puramente uma forma de dizer que um caso realmente aconteceu e que nada é uma criação do próprio jornal. Com isso, o JN cria para a recepção um discurso de credibilidade. A exemplo da legitimidade, a credibilidade não é uma qualidade ligada à identidade social do sujeito. Ela é, ao contrário, o resultado da construção de uma identidade discursiva pelo sujeito falante, realizada de tal modo que os outros sejam conduzidos a julgá-lo digno de crédito (CHARAUDEAU, 2011, p.119). Segundo Charaudeau (2011), os Ethé de credibilidade podem ser divido em outras categorias: ETHOS DE CREDIBILIDADE ETHOS MODO DE OPERAR “Sério” Apresenta certa rigidez na postura do corpo, uma expressão raramente sorridente na face. “Virtude” Deve demonstrar honestidade pessoal. “Competência” Exige saber e honestidade. 26 Parágrafo que não introduz diretamente o assunto a ser tratado. Como pode ser observado, o Ethos de credibilidade está totalmente vinculado a quanto o emissor demonstra comportamentos ditos positivos pelo seu público-alvo e pela cultura da sociedade da qual ele faz parte. Na Figura 1, podem ser vistos dois tipos de Ethé: o de sério e o da competência. Tratando-se do discurso midiático, não é interessante estabelecer um paralelo entre jornalista e o Ethos de virtude, pois não se está falando, por exemplo, de sujeitos “reais”, mas, por essência, representativos. Não interessaria se Fátima Bernardes tivesse estudado nesse mesmo colégio. O que interessa é o que ela, no seu posicionamento como jornalista, tem a dizer sobre o caso. Dito de outra maneira, o sujeito Fátima Bernardes deve ser totalmente esquecido. O que tem que ser observado como fator analítico é o sujeito jornalista Fátima Bernardes. Utilizando-se da jornalista (Figura 1), o JN legitima seu tom de seriedade. “Através dos seus índices corporais e mímicos: certa rigidez na postura do corpo” e uma expressão não sorridente na face (CHARAUDEAU, 2011, p.120). Demonstra-se sério também pelo modo com que o repórter fala. Fátima Bernardes não grita, não demonstra características que, nesse caso, espetacularizariam o fato. Ela mantém o posicionamento da seriedade sem parecer antipática: o que é demonstrado é competência jornalística – competência, no sentido de que Fátima Bernardes opera dentro das normas e padrões estabelecidos de como narrar um fato jornalístico obedecendo às regras do campo. Poderia a repórter demonstrar total cólera diante do acontecido, mas esse fator poderia desequilibrar a imagem do próprio telejornal, pois não é assim que este se representa, por mais catastrófica que a notícia seja. Com isso, não se está dizendo que o receptor não tem como verificar alguns ícones de reprovação, por parte dos jornalistas, ao acontecido. Entretanto, é de maneira muito sutil que isso é feito, e é assim que a suposta imparcialidade parece reinar; sendo essa maneira de se posicionar um caráter suficientemente necessário para ser visto como “imparcial” dentro do campo jornalístico. É válido ressaltar que a seriedade não deve ser confundida com uma marca total de distanciamento. Como foi dito anteriormente, verifica-se que o Jornal Nacional lamentava pelas mortes das crianças, mas isso não podia ser dito isso tão claramente, utilizando-se um discurso mais opinativo que informativo. Na cultura de hoje, a seriedade, se imbricada como distanciamento, pode trazer certos problemas para os emissores. Como diz Charaudeau (2011, p.121), em relação aos políticos, “não é preciso tampouco que a seriedade – que não deve ir de encontro à atenção a ser dada aos outros – seja interpretada como uma marca de distância”. Isso também é válido dentro da cultura dos jornalistas, pois é preciso, de certa forma, aproximar-se daquele com quem se pretende manter ou criar um pacto. O “eis aqui o fato”, muitas vezes, é reconstruído através das ilustrações. Ou seja, o telejornalismo, muitas vezes, tem o poder de convencer e persuadir no modo como atrela esses significantes (imagens reais ou construídas) ao texto propriamente dito. Nesse sentido, é válido ressaltar que o Ethos se estabelece, também, dessa maneira, dentro da união entre o escrito/ falado e o visual. “[...] O Ethos, por natureza, é um comportamento que, como tal, articula verbal e não-verbal, provocando nos destinatários efeitos multi-sensoriais” (MAINGUENEAU, 2004, p.16). Não raramente, as pessoas vão significar e reconstruir os acontecimentos por uso de imagens criadas. Isso pode ser conseguido através de recriações de ações que provavelmente devem ter acontecido. Dito de outra maneira, não se sabe, realmente, como aconteceu algo, mas, por meio de suposições, de buscas de fontes, acreditase que a representação feita é a mais próxima do real. A ligação entre o real e a real-invenção é dada de maneira mais aproximada, pelo telejornalismo, pela sua capacidade de utilizar o texto falado, através das falas dos repórteres, e a imagem em movimento, dinâmica. Como o JN tem uma grande credibilidade dentro do campo jornalístico, não se espera que alguém duvide que as simulações sejam efetivamente verdadeiras. Quando o orador transmite confiança, suas prerrogativas são, quase sempre, bem aceitas por aqueles que creditam valor ao emissor. No Jornal Nacional, isso está atrelado ao próprio “peso da história” do telejornal. Figura 2 Entrada de Wellington no colégio O que se observa no quadro é uma simulação. Toda simulação é uma versão e, assim, não caracteriza o fidedigno momento em questão. Ela é baseada em pronunciamentos de quem viveu o fato, por quem é “autorizado”, em determinado assunto, a falar sobre o acontecimento e assim por diante. Ou seja, nunca se têm provas suficientes para dizer que foi realmente daquela forma que algo ocorreu. Mas se têm pistas, pelo que já foi dito acima (pessoas autorizadas a falar, fontes) e também pelo uso de outros recursos – como imagens de vídeos amadores, de câmeras instaladas no local do acontecido – para tentar se aproximar da reconstrução do fato. Entretanto, quando se acredita no locutor, na sua conduta, dificilmente o auditório se perguntará sobre a autencidade do acontecido, do narrado, do mostrado. Nesse caso, como o JN é um jornal respeitado, o Ethos que pode ser referido ao fato de as pessoas acreditarem na simulação feita é o de competência. Dificilmente, observa-se o telejornal transmitir informações errôneas, o que não quer dizer que isso não exista, mas que não ocorre diariamente. Sendo assim, o público acaba tendo o JN como referência e como jornal que pretende ser sempre competente. Da mesma forma, para ser legitimado como competente, o telejornal contrata apresentadores competentes, produtores competentes, cinegrafistas competentes, repórteres competentes e tantos outros profissionais necessários que colaborem para a manutenção do ar de competência adquirido pelo Jornal Nacional. O ethos de “competência” exige de seu possuidor, ao mesmo tempo, saber e habilidade: ele deve ter conhecimento profundo do domínio particular no qual exerce sua atividade, mas deve igualmente provar que tem os meios, o poder e a experiência necessários para realizar completamente seus objetivos, obtendo resultados positivos (CHARAUDEAU, 2011, p.125). Quando se tem uma boa imagem diante do seu público, dificilmente se será questionado sobre a veracidade, legitimidade de suas ações. “Persuadimos pelo ethos, se o discurso é tal que torna o orador digno de crédito, pois as pessoas honestas (epieíkés) nos convencem mais e mais rapidamente sobre todas as questões em geral” (AMOSSY, 2005, p.36). Assim, quando o orador não tem uma boa imagem consolidada diante do(s) seu(s) público(s), não é legitimado dentro de um campo, os seus textos, incluindo, os imagéticos, podem ser vistos como recursos de manipulação, de enganação. Mas os telespectadores acreditam que, pela história criada pelo JN, dificilmente seria utilizado algo com o intuito de não mostrar a “verdade”. Compreende-se que, se o JN consegue manter-se com tanta credibilidade diante de tantos outros jornais, deve ser porque ele se propõe a fazer algo com certa qualidade. Então, nesse caso, seria possível falar, também, no Ethos de virtude – um Ethos de virtude não baseado no pessoal, mas sim, na profissionalização jornalística. Como foi dito, não se está falando das pessoas Fátima Bernardes e William Bonner, mas sim, da representação jornalistas deles e, consequentemente, se está falando da imagem do Jornal Nacional. Quando Charaudeau (2011) aborda a questão do Ethos de virtude, para demonstrar como o político se utiliza dessa característica para exercer influência sobre o eleitorado, ele afirma que o político deve parecer sincero e fiel, a que se deve acrescentar uma imagem de “honestidade pessoal”. Com o mundo telejornalístico, as coisas funcionam de maneira diferente. É o próprio jornal que tem que parecer fiel. Isso não quer dizer que os funcionários do JN não precisam ser honestos. Se, algum dia na vida, William Bonner tivesse assassinado uma criança e os telespectadores tivessem acesso a essa informação, isso poderia afetar, de alguma forma, a imagem do telejornal, e o jornalista possivelmente seria substituído. O mundo midiático funciona dessa maneira. Não é raro observar apresentadores com “má conduta” sendo substituídos. Esse é o jogo da transferência: Se eu tenho um apresentador desonesto, meu programa vai parecer desonesto. Diante disso, a solução é rápida: é preciso retirar o representante da desonestidade, e a imagem do programa se mantém como era antes. O que se diz então é que todos os membros profissionais são responsáveis pela aparência do produto midiático, mas é o próprio telejornal que deve parecer ter uma boa imagem. Sendo assim, as pessoas acreditam que a simulação é verdadeira, com uma grande aproximação da realidade, porque o JN se apresenta no mapa mental dos telespectadores como um jornal que apura verdadeiramente os fatos e, por isso, o telejornal é credível de honestidade. “O ethos de virtude se faz acompanhar com uma atitude de respeito ao cidadão” (CHARAUDEAU, 2011, p.124). Sendo assim, o telejornalismo, por si só, articulando suas matérias significantes, consegue estabelecer um pacto maior de realidade. Mesmo, como foi dito anteriormente, que as imagens sejam criadas, parece que o poder da imagem é relativamente grande, que as pessoas percebem o fato como se realmente tivesse acontecido da maneira como foi transmitido. Assim, não é necessário que os representantes, os repórteres, os editores do jornal fiquem afirmando que o JN só fala a verdade, pois, para isso, mostram os fatos e falam sobre o que está sendo demonstrado e, assim, engendram o discurso. Entretanto, é válido ressaltar que a relação verdade-público só faz sentido quando se tem uma imagem positiva diante daquele com quem se pretende comunicar. Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Para tanto, não é necessário que o locutor faça seu auto-retrato, detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências linguísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma representação de sua pessoa. Assim, deliberadamente ou não, o locutor efetua em seu discurso uma apresentação de si (AMOSSY, 2005, p.09). Então, se for considerado que o próprio locutor é o JN, pode-se verificar que, a partir da maneira como se estabelece dentro do campo do jornalismo e das suas entradas no gênero telejornalístico, ele está falando sobre si. Pois, pode-se facilmente fazer telejornalismo de maneira ruim quando não se tem bons profissionais, bons equipamentos tecnológicos e outros tantos recursos necessários para ser configurado, dentro de um determinado contexto, como jornalismo de qualidade. Com isso, não se tem como objetivo definir o que é um bom ou ruim jornalismo. O que se pretende é afirmar que algumas emissoras de televisão conseguem atingir um padrão que as diferencia das outras. Isso decorre, muitas vezes, do próprio investimento financeiro aplicado para se fazer telejornalismo. Como o que se passa no telejornal acontece de maneira muito rápida – as cenas, os depoimentos de pessoas, no geral, não ultrapassam alguns segundos – o telespectador, muitas vezes, não compreende necessariamente o que foi dito ou, não raras vezes, entende a informação e a classifica como tendo teor de veracidade e enviesa seu pensamento a partir das prerrogativas defendidas pelo jornal. É óbvio que esse último aspecto somente é atingível, caso o telejornal tenha “cacife jornalístico” para direcionar como o mundo pode ser lido. E, durante muito tempo, perdurando até hoje, essa é uma característica do telejornal mais assistido do Brasil: o Jornal Nacional. Não é menos importante afirmar que a imagem de um programa também é construída por aqueles que todos os dias colaboram para a execução do Jornal Nacional. Por terem um contato o mais direto possível, os apresentadores são os “atores” que mais são capazes de colaborar para o reforço ou desconstrução do Ethos de um telejornal. Por isso, eles são escolhidos e “performatizados” para serem o reflexo daquilo que se pretende ser, que se pretende parecer ser. Como foi afirmado, as discussões de Charaudeau (2011) referentes aos Ethé foram análises realizadas tendo como foco as imagens dos políticos. Então, acredita-se que deva ser criado um quadro para explicar como esse mesmo fenômeno dos Ethé funciona no mundo midiático. ETHÉ DE CREDIBILIDADE ETHOS MODOS DE OPERAR Sério Mostram as imagens “eis aqui o fato”. Sobriedade. Competência A própria história do telejornal, desde a sua criação. Seu status de líder de audiência. Virtude Mostrar que, antes de qualquer acontecimento levado ao público, houve apuração. 2.3 OS APRESENTADORES DO JN E A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DO TELEJORNAL Observando-se a história do Jornal Nacional, nota-se que foram feitas diversas mudanças em relação aos seus apresentadores. Essas transformações dizem respeito à imagem que o telejornal pretendeu, pretende e pretenderá produzir para seu(s) público(s). Os primeiros apresentadores do JN foram Hilton Gomes e Cid Moreira (1969). Em 1971, o telejornal passou a ser apresentado por Ronaldo Rosas e Hilton Gomes. Nos períodos compreendidos entre 1972-1979, 1981- 1983 e depois 1989-1996, a dupla que configurou, por muito tempo, a imagem do telejornal foram Sérgio Chapelin e Cid Moreira. Em 1983, Chapelin foi substituído por Celso Freitas. Entretanto, retoma, em 1989, seu posto no JN, ao lado de Cid Moreira, até 1996, quando a dupla é substituída por William Bonner e Lilian Witte Fibe. Essa decide se afastar do JN e é substituída temporariamente por Mônica Waldvogel, a qual cede espaço para Ana Paula Padrão, e logo Carlos Nascimento assume o lugar dela. Até que, em 30 de março de 1998, William Bonner e Fátima Bernardes tornam-se a cara do Jornal Nacional. Com a saída de Bernardes em cinco de dezembro de 2011, Patrícia Poeta é atualmente a parceira de apresentação de Bonner no JN. De uma maneira pouco analítica, essas mudanças pareceriam simples modificações. Entretanto, em uma observação detalhada, podem-se fazer inferências sobre o quanto essas alterações são capazes de produzir e estabelecer o Ethos do Jornal Nacional e, dessa maneira, colaborar para o posicionamento discursivo do telejornal. A saída de um apresentador e a entrada de outro podem mudar a representação ou consolidar a “cara” do programa. A credibilidade do telejornal é influenciada diretamente pela confiança que os espectadores depositam nos apresentadores. Embora possam ser considerados, como em qualquer outro formato televisual, a “cara” do programa que comandam, os apresentadores do telejornal, diferentemente dos profissionais que desempenham este papel em outros gêneros, constroem sua imagem numa constante tensão entre a propalada exigência de “objetividade” e imparcialidade da prática jornalística e a autopromoção e glamorização inerentes à televisão (FECHINE, 2009, p.306). Não existe somente um tipo de apresentador. Se for feita uma comparação sobre o “comportamento” daqueles que ficam na bancada telejornalística todos os dias, vai-se observar que cada um tem uma forma de moldurar a notícia, a qual não é própria da pessoa e do apresentador, mas sim, da imagem que o jornal construiu ao longo dos anos. Para Fechine (2009), existem dois tipos básicos de apresentadores. O apresentador-impessoal (distante) é aquele que não demonstra relação mais emotiva com o telespectador. Ele se mantém mais distante, mais objetivo. Sua função é transmitir informação e não fazer julgamentos. Entretanto, dizer que não existem outras facetas de apresentador – como aquele que se distancia da tão pregada objetividade – é desconsiderar as inúmeras possibilidades de se manter a relação entre emissor e receptor, orador e audiência. Na contemporaneidade, é cada vez mais corriqueiro encontrar tipo-apresentador que estabelece uma relação de (tele)amizade com o telespectador: o apresentador-cúmplice (próximo) apresenta essa característica. O tipo de entrelaçamento obtido, nesse caso, é estabelecido a partir de depoimentos, julgamentos, posicionamentos e parcialidade imbuídos no discurso, que fazem com que algumas prerrogativas ditas como inseridas no discurso jornalístico sejam tensionadas, por exemplo, a objetividade. Observando-se a cena jornalística de televisão, podem-se tirar algumas conclusões de como os apresentadores atuam e qual o papel desenvolvido por eles dentro do campo jornalístico/televisivo. A DISCURSO JORNALÍSTICO B TELEJORNALISMO C TIPO-APRESENTADOR A) Cena englobante, a qual corresponde ao discurso; B) cena genérica correspondente ao gênero e C) cenografia – tipo de apresentação. Como afirma Souza (2011, p.07), “a cena englobante corresponde ao tipo de discurso do texto. A cena genérica define seus próprios papéis, de tal forma que, num texto de campanha eleitoral, é um candidato que se dirige a seus receptores”. Mas, no caso do telejornalismo, é a cenografia que possibilita que se estabeleça uma performance mais própria e identificadora do telejornal. Tanto a cena A quanto a cena B fixam o programa e estabilizam o jornal. Não há como fazer um jornal sem se apropriar das características que regem o discurso jornalístico e o gênero. Entretanto, agrupando-se o discurso e o gênero e associando-os ao tipo-apresentador, esse último permite diferenciar um jornal do outro, pois a enunciação é validada dentro dessa instância, dentro da cenografia. “A cenografia é, assim, ao mesmo tempo, aquilo de onde vem o discurso e aquilo que esse discurso engendra: ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cena da qual vem a palavra é precisamente a cena requerida para enunciar nessa circunstância” (POSSENTI, 2008, p.71). Dentro dos dois tipos de apresentadores básicos defendidos por Fechine (2009, p.317), o apresentador-impessoal “evita improvisações ou mesmo revelar emoções. Toda a sua performance é orientada por um apelo mais deliberado à racionalidade e inteligibilidade do telespectador”, diferentemente do apresentador-cúmplice, que se sustenta através de um Ethos marcado pela afetividade: Para a construção desse tipo de oposto de éthos, costuma adotar um comportamento mais informal e uma postura corporal mais relaxada. Seu gestual é mais espontâneo e menos contido, suas expressões faciais são usadas deliberadamente como forma de comentário. Sua entonação varia com frequência, sendo utilizada também para exprimir seus estados de alma, seja de comoção ou indignação (é o tipo de apresentador que “esbraveja” ou fala muito alto, por exemplo). Esse tipo de apresentador assume, muito frequentemente, um “discurso panfletário”, assume “bandeiras”, esforça-se por assumir posições ou “desabafos” que julga serem as mesmas do espectador (FECHINE, 2009, p.317). Entretanto, ainda há a possibilidade de encontrar tipos de apresentadores que se encontram intermediários no esquema apresentador-impessoal e apresentador-cúmplice. Esses apresentadores podem ser caracterizados como crítico e comprometido, respectivamente. O primeiro investe mais na racionalidade, entretanto não se limita a ser um apresentador-impessoal, pois é capaz de expor seus comentários, suas objeções, mesmo que de forma sutil. No segundo caso (apresentador-comprometido), há uma vinculação, proximidade com o telespectador através de “comentários simpáticos”, os quais supostamente se sabem que a audiência vai aprovar, pois, nesse caso, o orador coloca-se como um ser que compartilha dos mesmos valores culturais do auditório. Assim, a imagem do apresentador é o que mais identifica que tipo de telejornal será visto. Não é necessário esperar o apresentador falar algo para perceber o que este quer representar – se ele pretende ser mais sério ou despojado, por exemplo. Como afirma Maingueneau (2005, p.71), “o ethos está crucialmente ligado ao ato da enunciação, mas não se pode ignorar que o público constrói também representações do ethos do enunciador antes mesmo que ele fale”. O que o programa pretende ser não tem como não perpassar pela maneira com que se posiciona o apresentador do telejornal. Tanto é dessa forma que, diversas vezes, o modo de o telejornal estabelecer sua imagem é moldado pelos apresentadores, como aconteceu com o Jornal Nacional. Essas mudanças dizem respeito também ao que está atrelado à noção de gênero. Um apresentador de televisão tem que parecer um apresentador de televisão, não um radialista. É substancialmente necessário que a articulação entre a maneira de o apresentador se mostrar e o tipo de telejornal ser reconhecido seja compatível com o que foi proposto como a imagem do jornal. Isso implica, por parte do telejornal, a adequação a uma lógica, uma regra, uma gramática. Como foi dito anteriormente, todos os meios possuem sua maneira própria de adequar o real. Essa particularidade é necessária para que exista a diferenciação de um suporte para outro e, assim, cada tipo de veículo desperta na recepção sensações determinadas e específicas. Partindo-se do pressuposto defendido por Verón (2004), a enunciação – como o modo de dizer – emoldura o enunciado – o que é dito. Ou seja, o que é dito é modalizado sempre por uma enunciação. Desse modo, pode-se afirmar que podem existir diversas enunciações para o mesmo enunciado. Articulando-se esses conceitos à televisão, pode-se dizer que o tipoapresentador pode atrelar-se à noção de enunciação, pois uma mesma notícia pode ser dita de maneiras diversas, o que implica, também, o modo como o apresentador leva ao público o conhecimento sobre o mundo. Isso quer dizer que a maneira de o apresentador modalizar a notícia pode transmitir certo local para o destinatário. O (tele)contato entre os polos produtores de sentido, intermediado pelos apresentadores, mostra que tipo de pacto será estabelecido e isso implica afirmar que essa enunciação reconstrói o acontecimento e legitima o Ethos do telejornal. A maneira, o modo como é transmitido um acontecimento é capaz de convencer e persuadir certos grupos. No Caso Realengo, no dia 07 de abril de 2011, houve mudanças na estratégia de enunciação por parte da apresentação. A ex-apresentadora do telejornal – Fátima Bernardes – desloca-se da posição de apresentadora e assume o papel de repórter. É claro que essa estratégia colabora para doar mais credibilidade à notícia e ainda contribui para sensacionalizar o acontecimento, pois a mudança de um modo de operar significa que algo espetacular, para o mundo midiatizado, aconteceu. Assim, uma análise sobre o acontecimento mostra por qual motivo e como o JN assegura sua credibilidade. As roupas sociais dos jornalistas do Jornal Nacional mostram como o produto procura se manter ao lado da seriedade. Mas limitar-se a abordar as questões das vestimentas não revelaria como a imagem do telejornal foi mantida dentro do Caso Realengo. É lógico que nem as vestimentas nem o modo de operação telejornalístico (busca das fontes, mediação entre apresentadores e repórteres) foram alterados. A maneira de abordar o assunto, nesse caso específico, dada pela tentativa de reforçar a importância do acontecimento analisado, está mais atrelada à maneira como o apresentador se configura dentro do espaço telejornalístico. Isso significa afirmar que esse processo está interligado não somente à roupa, mas à construção do acontecimento. A saída de Fátima Bernardes do estúdio e sua configuração como repórter podem demarcar uma certa particularidade ao grau e ao valor da notícia. Ou seja, a maneira de se vestir não é argumento suficiente para fazer inferências sobre o tipo de enunciação do telejornal, pois esse deve estar interligado a outros fatores. É válido ressaltar que não se está dizendo que as vestimentas são insignificantes na construção do Ethos do telejornal. Mas não se justificaria observar esse fator, nesse caso específico, com muita acuidade, pois, dois tipos de apresentadores podem visualmente se apresentar da mesma forma e se posicionarem discursivamente de modo diverso. Analisar essa característica seria mais cabível se estivesse sendo feita uma comparação entre diferentes posicionamentos de apresentadores de diferentes telejornais para que se buscassem marcas próprias de cada telejornal e, dessa maneira, fosse verificada a identidade de cada produto. Figura 3 Apresentadores do JN Por ser um telejornal que pode se enquadrar na estrutura de jornal não opinativo, mas sim, mais objetivo, o JN pode ser enviesado como um produto que está estabelecido dentro do modelo padrão, como afirma Machado (2000). Nesse modelo, o apresentador limita-se a ler as notícias e mediar os enunciados para os repórteres ou comentaristas, por exemplo. Seria possível afirmar que, ao ser ele um mediador, nada se poderia dizer sobre esse tipo de Ethos. Entretanto, nesse caso, William Bonner exerce a função de chefe, aquele que sabe e, por isso, conduz o telejornal. Da mesma forma que Charaudeau (2011) define o político através do Ethos de chefe; no caso dos teleapresentadores, essa categoria também pode ser identificada. Nessa imagem, o Ethos de chefe exercido por Bonner é a mostra de que ele sabe quais são os fatos importantes e o locais que precisam ser vistos pelos telespectadores para que eles compreendam os fatos. Dentro do Ethos de chefe, Charaudeau (2011) define três tipos de categoria: guia, soberano e comandante. O primeiro preenche a necessidade que um grupo tem de buscar um ser superior para dizer o que é certo ou errado. Ou seja, para definir o que fazer em determinadas situações. Nesse caso, o chefe poderia ser até denominado de herói – um herói, por ser capaz de combater todas as mazelas do mundo e saber todos os caminhos a serem seguidos. O guia pode ser, ainda, classificado de guia-pastor e guia-profeta. O guia-pastor é aquele que tem em seu caráter uma certa tranquilidade, é um sábio que é capaz de dizer para onde seguir. O guia-pastor é um agregador, aquele que reúne o rebanho, o acompanha e o procede, ilumina seu caminho com uma perseverança tranquila. Ele tem um caminho pausado e regular, detendo-se apenas em certas etapas previamente determinadas. Transpostos para uma moral humana, esses traços tornam-se, metaforicamente, os de um condutor de homens que sabe se fazer seguir, do sábio que tem uma vida interior e do homem determinado que sabe aonde vai (CHARAUDEAU, 2011, p.154). O guia-profeta é “aquele que ao mesmo tempo é fiador do passado e é voltado para o futuro, para o destino dos homens” (CHARAUDEAU, 2011, p.155). As características do profeta são parecidas com as do guia-pastor. Entretanto, o guia-profeta está mais interligado à noção de futuro, enquanto o pastor se legitima pelo aqui e agora. O chefe soberano preza pelos discursos que valorizam seus princípios ideais. Desse modo, ele fala em democracia, em soberania do povo e se preocupa em mostrar que não está envolvido em casos que são considerados imorais. Outra faceta pode ser exercida pela imagem de comandante – aquela que prevalece pelo autoritarismo e violência. Ou seja, por ocupar, por exemplo, o cargo de presidente, o político acredita que é a voz da razão e, por isso, muitas vezes, ignora o desejo do povo. Comparando-se as análises de Charaudeau (2011) ao discurso midiático (Figura 3), o apresentador William Bonner poderia ser visto como o guia-profeta. Ele não pode ser categorizado como soberano nem como comandante, pois isso exigiria que ele se demonstrasse totalmente parcial diante dos fatos. Para ser soberano, no mínimo, o jornal teria que ser de um tipo em que o apresentador revelasse opiniões, críticas. O apresentadorcomandante teria que se exaltar, se mostrar revoltado diante de certos acontecimentos. O profeta prevalece por sua própria história, seu modo de ser, buscando não mostrar, muito explicitamente, seu ponto de vista. Nesse sentido, poderia ser difícil identificar a opinião que os enunciadores do jornal têm a respeito do caso. Entretanto, as expressões reveladas pelos apresentadores, a exemplo de “caso brutal” para adjetivar o acontecimento, demarcam certo tom opinativo do JN. No contexto de identificação do tipo-apresentador e de como esse se configura dentro do modelo de telejornal, pode-se também verificar o tipo-telejornal a partir da entonação, em que há claramente julgamentos sobre determinados assuntos. Isso não quer dizer que não exista mediação, mas os comentários fazem parte da cena. Fazendo-se uma relação com essa discussão, é muito mais fácil verificar o que uma emissora tem como referencial cultural quando essa claramente aborda seu ponto de vista. Nesse sentido, o telejornal que se estabelece dentro desta configuração é denominado opinativo. Esse tipo, como afirma Machado (2000, p.109), “pode ser teoricamente preferível, uma vez que pode exercer uma influência mais ativa junto à opinião pública e produzir uma mobilização real”. Entretanto, na prática, dentro do contexto brasileiro, isso não é tão real assim, o que pode ser comprovado pelo JN, que continua sendo líder de audiência no horário. Ou seja, o título dado ao Jornal Nacional, de “bom jornal”, não está atrelado necessariamente ao modelo de jornal, mas sim, a como, ao longo dos anos, ele foi se estruturando e se legitimando diante da população. O modelo padrão (polifônico) ou o modelo opinativo não são fatores determinantes para se definir qual o jornal preferível entre os brasileiros, mas sim, a própria história do produto. O modelo polifônico de telejornalismo pode ser acusado, não sem razão, de tentar mascarar o fato de que toda produção de linguagem emana de alguém, ou de um grupo, ou de uma empresa, portanto nunca é o resultado de um consenso coletivo, mas de uma postura interpretativa “interessada” diante dos fatos noticiados. No entanto, ao contrário do modelo anterior, ele não pode ser acusado de atentar contra a inteligência do espectador ou de pressupor qualquer incapacidade interpretativa por parte da audiência. De fato, enquanto o modelo “opinativo” baseia-se fortemente em mecanismos de identificação entre público e apresentador (nesse sentido, não é raro que para colocar em operação esses mecanismos, o apresentador simule indignação, pesar ou temor diante das notícias apresentadas), o outro modelo não induz – pelo menos não ostensivamente – uma interpretação ou uma emoção que devam ser reiteradas pelo espectador (MACHADO, 2000, p.110). Isso não quer dizer que, no discurso em que o apresentador se posiciona como impessoal, não exista um tipo de representação. Esse é um modo de se colocar no mundo telejornalístico, tanto do mundo para o telespectador quanto do estúdio para o telespectador. Ou seja, o apresentador exerce duas funções. Por isso, também, ele é imprescindível na relação de estabelecimento de contato entre o orador e o auditório. Figura 4 Jade e a mãe Nessa cena, William Bonner e Fátima Bernardes não fazem julgamentos sobre o caso, entretanto, como mediadores, abrem outras cenas para que o discurso seja todo imbuído por emoções. Ou seja, eles não dizem, nesse momento, se o acontecido foi realmente uma tragédia. O JN abre espaço para que o outro diga. “Os jornalistas retiram de suas falas, por exemplo, qualquer característica enunciativa, de subjetividade, para se apresentarem como mediadores mais neutros entre público e notícia” (HERNANDES, 2006, p.134). Os apresentadores não falam verbalmente, mas, através das construções dos fatos, deixam transparecer o que gostariam de dizer. Esse quadro (Figura 4) é um exemplo para abordar a questão do relato jornalístico polifônico. Nessa passagem, o que há são apresentadores funcionando como “operadores de passagens” entre os vários atores da enunciação envolvidos. “Nesse caso, mesmo dirigindo-se diretamente à audiência, ele não se apoia no discurso como sendo seu. Suas intervenções verbais são, geralmente, construídas em terceira pessoa e são poucas as circunstâncias nas quais se permite demonstrar uma valoração pessoal através de outros sistemas semióticos (tom da voz, expressão facial, gestos etc.)” (FECHINE, 2009, p.310). Esse tipo de posicionamento demarca um tipo de Ethos que se pretende demonstrar neutro. Entretanto, compreende-se que não há neutralidade alguma, pois a construção da realidade jornalística é totalmente baseada num recorte do real. Há nesse caso, seguindo o raciocínio de Charaudeau (2011), Ethé de identificação. Nesse tipo de construção de imagem, “o outro se deixa levar por intermédio dessa mesma imagem ideal de referência” (CHARAUDEAU, 2011, p.137). Colocar uma criança para dar seu depoimento sobre um acontecimento desse tipo é querer, de uma forma ou de outra, sensibilizar o telespectador. Na cultura ocidental moderna, esse grupo é sempre visto como frágil e, por isso, digno sempre de compaixão. Assim, observar uma menina falando, narrando sua experiência traumática leva o receptor a se fragilizar também. Dito de outra forma, o Jornal Nacional, com suas estratégias, através, também, de outros signos, mostra que se sente triste com o acontecimento, como qualquer outro cidadão que assiste à história mostrada. Dentro desse tipo de Ethé, há, além daquele observado anteriormente, denominado de “chefe”, o de potência, o de caráter, o de inteligência, o de humanidade, o de solidariedade. Para a análise, interessam duas categorias: a humanidade e a solidariedade. Falar do Jornal Nacional é falar de marca, mas sabe-se, e isso já foi dito, que as marcas, em muitos momentos, são tratadas como seres de “carne e osso”. O Jornal Nacional demonstra-se como um humano e dá tanta relevância ao acontecimento porque tenta transmitir que é tão sensível como uma pessoa. Ele utiliza essa performance, também, através de Jade, pois sabe que, como foi dito anteriormente, a cultura ocidental moderna valoriza muito as crianças. Além disso, foram muitos os pais, mães, irmãos, avós e avôs, tios e tias que assistiram ao caso e fizeram, de alguma forma, a relação: “poderia ser um filho meu”. “O “ser humano” é mensurado pela capacidade de demonstrar sentimentos, compaixão para com aqueles que sofrem, mas o é também pela capacidade de confessar suas fraquezas, de mostrar quais são os seus gostos, até o mais íntimo” (CHARAUDEAU, 2011, p.148). Dito de outra maneira, possuir o Ethos de humanidade é se dispor a manifestar o lado emocional. O Ethos de solidariedade também é um Ethos de aproximação sentimental entre quem fala e quem ouve. É um Ethos demarcado pelo compartilhamento de modos de perceber as coisas, de ser empático. A solidariedade caracteriza-se pela vontade de estar junto, de não se distinguir dos outros membros do grupo e, sobretudo, de unir-se a eles a partir do momento em que se encontram ameaçados. Aquele que é solidário não está em uma posição diferente das dos outros; ele partilha as mesas ideias e os mesmo pontos de vista dos outros grupos (CHARAUDEAU, 2011, p.163). A solidariedade não deve ser confundida com compaixão. Segundo Charaudeau (2011), a solidariedade implica igualdade de sentimentos. Assim, por exemplo, se um indivíduo sofre, o outro sofrerá também. Na compaixão, o outro sofre pelo sofrimento alheio, mas não absorve o sentimento para si. Esses Ethé podem ser operados a partir do momento em que os apresentadores se posicionam de determinada maneira, fazendo com que os Ethé das personagens envolvidas sejam suscitados e transferidos para os representantes dos jornais e, consequentemente, para o telejornal em si, o que, de uma forma ou de outra, demonstra a imagem que o Jornal pretende parecer ter diante dos telespectadores. Em suma, os produtores jornalísticos transmitem ao auditório o que pensam que ele gostaria de ter acesso ou aquilo que ele presume como o verdadeiro. Mas, para convencer, os emissores necessitam transmitir credibilidade. No telejornalismo, o credível está também calcado na forma apresentador. Tanto é assim, que os apresentadores do JN são cobiçados por outras redes. Pois, dessa forma, tenta-se transferir a imagem dos apresentadores para a imagem da rede em si. É dessa maneira, também, que o modo de operar telejornalístico funciona. Quando outras emissoras têm interesse em ter apresentadores, repórteres que fazem parte do quadro de outra rede, elas não estão se interessando pela pessoa William Bonner ou Fátima Bernardes, necessariamente, mas pelo modo com que, dentro da configuração telejornalística, eles se apresentam. Assim, pode-se afirmar, como diz Possenti (2008, p.59), que o Ethos é distinto dos atributos “reais” do locutor. Isso é válido, pois, muitas vezes, esses mesmos jornalistas são diferentes no mundo real: mais sérios, mais simpáticos, mais rudes, mais descomprometidos; mas é a representação como jornalista o que tem valor simbólico nesse caso. É válido ressaltar que o apresentador é o que deixa a primeira impressão para o telespectador. É ele que possibilita que, muitas vezes, quando não se conhece nada de um programa jornalístico, se presuma o que poderá ser visto, assistido. Sendo assim, colabora necessariamente para a reiteração do discurso jornalístico e do próprio gênero telejornalismo. Foi com esse pensamento que os responsáveis pela direção do JN, naquele momento, substituíram os radialistas Cid Moreira e Sergio Chapelin por William Bonner e Lilian Witte Fibe. A substituição dos apresentadores foi uma decisão muito difícil, sobretudo devido à competência e à popularidade de Cid Moreira e Sergio Chapelin, atestada pelos números das pesquisas de opinião: “Todas as pesquisas indicavam o êxito dos nossos locutores. Mas eu sentia a necessidade, ao longo dos anos, de ter jornalistas na bancada, para que houvesse agilidade. Na primeira conversa com Evandro, mencionei isso, e ele foi absolutamente receptivo, dizendo que, como espectador, tinha a mesma impressão. E deu sinal verde para o projeto”. Havia muitos obstáculos, como ele conta: “ Vendo retrospectivamente, parece que foi uma decisão fácil de tomar. Mas não foi. Qualquer mudança no Jornal Nacional é muito complicada, porque se trata do principal telejornal da casa e do país. E um dos principais programas da TV Globo.” ( JORNAL NACIONAL, 2004, p.288). Por isso, é importante verificar a maneira como o apresentador se posiciona dentro do quadro enunciativo do telejornal, como é estabelecida a relação com o gênero ao qual está enquadrado, como se emolduram os acontecimentos a partir do tipo-apresentador e também o modo com que ele configurou o tipo-telejornal (padrão ou opinativo). Dentro do universo telejornalístico, é difícil, ou até mesmo impossível, encontrar um modelo de jornal que se enquadre, de maneira estanque, em certo tipo de modelo. Às vezes, pode-se distingui-lo, mais facilmente, do modelo padrão para o modelo opinativo, se forem somente levados em conta os discursos verbais. Entretanto, uma observação mais criteriosa colocaria essa classificação em tensão. Na relação referente ao tipo-apresentador, a situação segue o mesmo processo. Não há como limitar determinado tipo-apresentador. Muitas vezes, o apresentador tenta ser imparcial, mas suas expressões faciais demostram um ar crítico, por exemplo. Sendo assim, nada no mundo telejornalístico é passível de estandardização quando diz respeito à construção do Ethos. Isso não significa afirmar que essa padronização não exista e que um jornal não consiga demonstrar certa imagem para seu auditório. Mas essa representação está no nível da aproximação. Ou seja, um telejornal, nesse caso, o JN, está mais próximo da sobriedade, entretanto, utiliza-se de uma dramaticidade espetacular, que talvez não se enquadre necessariamente no plano do sóbrio. Mas há de se conceber, que como afirma Hernandes (2006, p.135), a marca JN (seus ethos) se demonstra “séria, refinada, compenetrada, democrática, imparcial, confiável e cordial. Em jogo está sempre a necessidade de se fazer crer, no fundo, no fundo, em um simulacro de competência para noticiar”. Então, assim, pode-se dizer que o Jornal Nacional tenta parecer ser mais imparcial que cúmplice; mais objetivo que opinativo. Entretanto, isso não significa que ele o seja completamente. No geral, pode-se afirmar que a retórica midiatizada ocupa um lugar diferenciado dentro do campo, também, por não tratar necessariamente sobre indivíduos, já que, muitas vezes, fala-se do orador como a própria mídia ou como o próprio veículo. Nesse caso, é preciso fazer uma análise significativamente diferenciada para tratar da construção do Ethos no âmbito dos meios de comunicação de massa. 3 AS MÍDIAS E AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS O mundo midiático utiliza-se de diversas técnicas para assegurar seus argumentos; dentre elas, a utilização de fontes como modo de justificar seus posicionamentos e, assim, de certa maneira, afirmar que, se uma notícia está sendo enviesada de determinada forma, é porque uma autoridade afirma, através dos seus discursos, ser muito provável que algo tenha acontecido de tal modo e não de outro. Para que os argumentos das fontes sejam aceitos como verdadeiros, muitas vezes, o dito é associado a outras ações que despertam o lado emocional, o sensível de quem se pretende persuadir e/ou convencer. Dessa forma, o ato de argumentar está intrinsecamente, também, interligado às noções do Pathos e do Logos; além do reconhecimento do Ethos da fonte que pronuncia algo. A busca pelos postos e pressupostos, causas e efeitos necessários para legitimar a argumentação do que se propõe tornar verossímil, o que pode ser uma notícia e/ou um enquadramento evidenciado pelas mídias, não perpassa necessariamente por técnicas que se configuram somente na esfera dos mass media. Essas estratégias são inerentes a qualquer pessoa, sujeito que se precisa utilizar de mecanismos argumentativos para defender um ponto de vista. Sendo assim, a demarcação entre as mídias e outras organizações que se utilizam de práticas de teor argumentativo não está necessariamente relacionada ao tipo de técnicas, mas sim, a como essas techné são utilizadas e reconfiguradas dentro do espaço midiático. Com isso, afirma-se que o modo de operar das mídias, muitas vezes, é uma readaptação do modo de argumentar através dos moldes não mediados por aparatos tecnológicos. A maneira de argumentar e os critérios analíticos para que uma estrutura argumentativa se torne convincente podem ser observados a partir das bases científicas apresentadas por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) no Tratado da Argumentação: 1) Os argumentos quase-lógicos. Esses se referem a raciocínios comparáveis aos processos formais, matemáticos ou lógicos. Os argumentos quase-lógicos, como o nome diz, não são lógicos em si. Entretanto, eles são utilizados com a pretensão de que o auditório os valide como lógicos e, assim, o orador conquiste o coração e a mente daquele com quem tenta estabelecer uma comunicação. Assim, poderia dizer-se que esses tipos de argumentos, de certa forma, tentam se camuflar de lógicos. O sentido da aproximação do quase-lógico ao lógico é uma busca pela não contrariedade, pela aceitação de todos, já que este pode ser demonstrado e, por isso, tem caráter de validade universal; 2) Os argumentos baseados na estrutura do real. Os tipos de argumentos inseridos nesse critério legitimam-se a partir dos argumentos quase-lógicos “para estabelecer uma solidariedade entre juízos admitidos e outros que se procura promover” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.297); 3) As ligações que fundamentam as estruturas do real. Tais ligações estão interligadas aos aspectos discutidos no tópico anterior. Ou seja, a partir dos argumentos são estabelecidas as maneiras como se pode fundamentar a argumentação; 4) A dissociação das noções. A discussão nesse tópico perpassa pela reestruturação de elementos que servem como dados argumentativos. Dito de outra maneira, a dissociação faz alusão ao processo de remoção das incompatibilidades entre esses elementos; 5) A interação dos argumentos. Nesse caso, deve-se conceber um argumento, avaliando-o pela soma de outros argumentos apresentados, os quais possam consolidar o tom de veracidade do que é dito. A argumentação vale-se pelo conjunto desses argumentos. Dessa forma, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), ela se torna mais forte e, por isso, mais eficaz; já que, pela união de dados apresentados para defender uma tese, seria mais difícil de essa argumentação tornar-se frágil. Pode-se concluir que esses cinco tipos de traços argumentativos supracitados poderiam fazer parte de um grupo apenas. Isso não quer dizer que não existam diferenciações e particularidades entre eles. Nota-se que cada um deles serve de alicerce para o outro. Sendo assim, essas delimitações fazem sentido pela questão analítica e didática. Associando-se o Jornal Nacional ao Caso Realengo, são utilizados, nesses capítulos, alguns dos argumentos baseados na estrutura do real: o vínculo causal e a argumentação, a pessoa e seus atos, a interação entre ato e pessoa. Nas ligações que fundamentam a estrutura do real, servem como objetos de análises as seguintes categorias: a noção de modelo e a de antimodelo. Como já foi dito anteriormente, as personagens basilares para a discussão são Wellington de Oliveira e o sargento Márcio Alves. Observando-se e analisando-se o modo como o JN reconfigurou o Caso Realengo e o mostrou para a sociedade, percebe-se que Wellington e o sargento Márcio foram seres colocados em locais separados: Wellington sempre sendo reforçado como o vilão e o sargento Márcio, como o mocinho, apesar de existir, de certo modo, a possibilidade de este último ser retirado desse lócus. Entretanto, como discutido no capítulo anterior, as mídias constroem-se com esse tipo de poética, baseada na novelização e, assim, buscam, nessa mesma estrutura, criar um herói e um vilão, de certo modo, com o objetivo de entreter. Sendo assim, a morte das crianças na escola Tasso da Silveira não poderia ser tratada de maneira diferenciada. 3.1 O VÍNCULO CAUSAL E A ARGUMENTAÇÃO Fazendo-se a relação entre o vínculo causal e a busca do motivo que fez Wellington de Oliveira cometer o crime, pode-se verificar como o Jornal Nacional reconfigurou o acontecimento e fixou Oliveira em determinado lugar. Ele foi tratado só e somente como o vilão. Parecia que “o monstro de Realengo” não merecia que alguém sofresse por ele, tivesse piedade ou compaixão. Não foi visto, em nenhum momento, um familiar sofrendo pelo estado do jovem que matou as crianças. Foi como se a morte fosse o preço pago pelo pecado cometido e, dessa maneira, Wellington não mereceria que ninguém demonstrasse sentimentos de tristeza pela sua morte ou pelo estado emocional em que ele chegou à escola. Os meios de comunicação criam as realidades, e fazem isso de maneira tão eficaz que os receptores, dificilmente, se indagam sobre a possibilidade de outra encenação do real. Com isso, pode-se afirmar que o enquadramento do Caso Realengo poderia ter sido realizado de outra maneira se fosse do interesse da emissora Globo e do Jornal Nacional. A história poderia ser contada como uma tragédia tanto para o autor do crime quanto para as crianças mortas. Entretanto, a maneira midiática de reconfigurar um fato está relacionada diretamente aos valores que estão inseridos na cultura dos indivíduos para quem se fala e naquilo que possa de certo modo agradar ao(s) público(s) e conquistar novo(s) auditório(s). Sabe-se que as mídias em si não constroem a sua tese baseada em um único raciocínio. Elas mostram, retratam possíveis evidências que justifiquem o seu ponto de vista. A soma dos argumentos buscados e mostrados pelas mídias forma um argumento forte e, por isso, convincente. O Jornal Nacional, por exemplo, utilizou-se de várias informações para tentar identificar o motivo que levou Oliveira a entrar no colégio e praticar o ato. As fontes, as buscas pela história de vida do rapaz, como era seu relacionamento dentro da sociedade foram maneiras e modos de o JN buscar uma causa para afirmar: “O jovem cometeu isso por causa disso”. Dessa forma, essa estratégia se beneficiaria dos argumentos quase-lógicos, aqueles que se aproximam da lógica matemática: “se isso, logo aquilo”. Entretanto, partindo-se do princípio de que a argumentação está fixada no âmbito do raciocínio quase-lógico e, por isso, sem validade universal, a máxima “se isso, logo aquilo” só se configura como verdade, como aquilo que não pode ser contestado, para aqueles que acreditam que algo realmente aconteceu daquela forma e que não haveria possibilidade de ter sido de maneira diferente. Partindo-se da análise dos vídeos do JN sobre o caso Realengo, pode-se observar que a relação entre o vínculo causal e Wellington pode ser feita por meio de várias marcas, a partir de vários objetos analíticos, como a carta deixada pelo assassino, a comparação com outros jovens que cometeram o mesmo ato em momentos distintos e em outros lugares e, também, através da reconstituição da vida do jovem. Esses modos de operação são estratégias que têm como objetivo encontrar causas e, assim, estabelecer uma força no curso argumentativo capaz de influenciar o modo de pensar da recepção. Como afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.300), “o vínculo causal desempenha incontestavelmente, um papel essencial, e seus efeitos argumentativos são tão numerosos quanto variados”. Esses, segundo os estudiosos, permitem argumentações de três tipos (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.299-300): 1- “as que tendem a relacionar dois acontecimentos sucessivos dados entre eles, por meio de um vínculo causal”; 2- “as que, sendo dado um acontecimento, tendem a descobrir a existência de uma causa que pôde determiná-lo”; 3- “as que, sendo dado um acontecimento, tendem a evidenciar o efeito que dele deva resultar”. A partir das concepções mencionadas acima, relacionadas à cobertura do JN, será analisado como o telejornal se posicionou e/ou representou a causa que levou Wellington a praticar o assassinato de 12 crianças na escola Tasso da Silveira. As mídias, a imprensa, no geral, se preenchem de argumentos vindos de outros discursos, por exemplo, o policial. Esse modus operandi é legítimo dentro do quadro referencial do que é estabelecido como funções dos jornais. Ele necessita agrupar diferentes opiniões para que supostamente os receptores tirem as suas próprias conclusões diante dos acontecimentos. Assim, é válido ressaltar que os mass media criam uma realidade forjada por eles, que embute, de maneira sutil, a sua própria forma de configurar o mundo. Com isso, pretende-se afirmar que o modo de pensar da recepção, não raramente, é modelado pelo posicionamento adotado por determinado veículo de informação. Muitas vezes, os jornais agem de certa maneira, enquadram determinados fatos de um modo, e não de outro, pela própria necessidade de se adequarem ao relógio, ao fechamento, ao dead-line midiático. Assim, pode-se ratificar que o habitus27 jornalístico, telejornalístico, muitas vezes, limita a ação do quarto poder, o que tende a buscar causas que serão reconhecidas e facilmente aceitáveis por aqueles que ouvem, assistem ou veem uma reportagem. Dito de outra maneira, as estratégias de argumentação estão, também, interligadas à noção de tempo. Desta forma, é válido ressaltar que o time pode ser observado como categoria que influencia na maneira da reconstrução de um fato. Entretanto, o ideal é não o perceber como fator preponderante para um acontecimento ser encenado de uma forma e não de outra, já que os meios de comunicação operam com suas estratégias argumentativas de convencimento, de representação da realidade e, dessa forma, não necessariamente, o cronos é responsável por determinado enquadramento da notícia. Recorremos à argumentação quando as crenças, hipóteses e leis são instáveis, insuficientes ou de má qualidade e submetidas a um princípio contínuo de revisão. Em última análise, somos remetidos à questão de tempo: a argumentação deriva de uma aposta; ela está ligada à urgência e implica um processo “em tempo limitado”, bem diferente do tempo ilimitado que pode atribuir a si mesmo a razão filosófica ou cientifica; há uma diferença filosófica entre suas agendas (PLANTIN, 2008, p.89). Relacionando-se o Caso Realengo ao princípio ou à noção de vínculo causal estabelecida por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), podem-se fazer algumas inferências sobre a compreensão midiática, sobretudo, a do Jornal Nacional, quanto às técnicas argumentativas. Essas estratégias, que aparentemente estariam interligadas, sobretudo, ao Logos, podem ser estudadas também a partir do Pathos. Sendo assim, sempre que possível, serão a razão (Logos) e a emoção (Pathos) chaves analíticas no desenvolvimento das percepções do enquadramento do JN sobre o Caso Realengo. Jornal Nacional – “A polícia procurava algo que pudesse explicar a fúria do assassino. Mas descobriu que ele tentou apagar as pistas. O computador, principal peça de investigação, foi encontrado totalmente queimado. Nos arquivos da polícia, não há nenhuma queixa contra Wellington. Os investigadores querem saber como um rapaz sem antecedentes criminais sabia manusear as armas”. “A polícia procurava algo que pudesse explicar a fúria do assassino”. Como foi afirmado, o jornal sustenta-se de outros discursos. Assim, mobiliza-se para encontrar 27 Tomadas de posição adotadas pelos jornais e pelos jornalistas sob a égide das exigências do mercado. Essas tomadas de posição têm repercussões diretas sobre as estruturas da informação (FERREIRA, 1999, p.250). respostas através de argumentos que estão fora do seu próprio eixo, do seu próprio campo. “A busca da fúria do assassino” necessariamente é a tentativa de alcançar a causa, o motivo que levou o jovem a realizar a ação. Era necessário, para as mídias, mostrar se houve ou não planejamento para o fato, se Wellington tinha problemas psiquiátricos. Essa procura pelas razões, necessariamente, está interligada, também, ao desejo dos meios de comunicação de massa de tornarem presente um mesmo fato por um maior tempo possível (dias, meses). É notório que as mídias obedecem à lógica que poderia ser denominada de lógica da exaustividade ou da repetição, já que, não raras vezes, elas se utilizam de truques para que o acontecimento continue fazendo sentido, permaneça na mente das pessoas, mesmo quando é quase evidente que determinado caso ou assunto já foi esgotado e, por isso, mereceria ser finalizado. Para introduzir algo “novo” dentro de um mesmo fato, os jornais relembram, quantas vezes acreditam ser necessário, a totalidade do acontecimento, causando, desse modo, uma repetitividade extremada deste. Pode-se perceber que, muitas vezes, isso não é feito para contextualizar os telespectadores, mas para convencer o público de que o acontecimento necessita de grande repercussão. Essa suposta relevância de determinados aspectos está interligada à noção de presença apresentada por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.132). “O fato de selecionar certos elementos e de apresentá-los ao auditório já implica a importância e a pertinência do debate. Isso porque semelhante escolha confere a esses elementos uma presença, que é um fator essencial da argumentação”. Por atuar na nossa sensibilidade, como afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a presença, também, opera, muitas vezes, como maneira de sentimentalizar o público. O páthos objetiva a influência afetiva, pretendida e exercida pelo locutor sobre o alocutário, com a finalidade de nele exercitar, favoravelmente à proposição, afetos violentos (movere, comovore). Este grau afetivo leva à ação, através do impulso imediato, e consiste na adesão do espirito à proposição apresentada. O centro do domínio em que se aplica o páthos reside no genus sublime (SANTANA NETO, 2008, p.4). Alguns elementos foram analisados pela polícia com o objetivo de se identificarem as reais motivações que levaram Wellington a cometer o crime. Uma pista, dentro do objetivo de identificar os motivos para o assassinato, foi a carta deixada por Wellington. A partir deste objeto, foi-se tentando perfilar o matador e fazer a possível descoberta das causas que interferiram para que o jovem cometesse o crime. No aspecto referente à busca da causa, pode-se destacar um primeiro ponto de vista defendido pelo JN para uma suposta causalidade: a fúria do jovem. Compreende-se que essa não é uma questão preponderante para definir o motivo. Entretanto, a partir do julgamento (utilizar o adjetivo fúria para o caso) feito pelo telejornal, nota-se que esse é o início para a busca de novos indícios. Na procura por retratar a “fúria do assassino”, o jornal, inúmeras vezes, mostrou simulações nas salas de aula, evidenciando o modo com que o “furioso” atirava nas crianças. Assim, pontua-se que esse modo de operar está ligado à necessidade midiática de horrorizar o(s) público(s), como acontecia nas tragédias gregas. O drama encenado pelas mídias é de caráter semelhante ao gênero tragédia. Essas comparações podem ser feitas pelo caráter apresentado nos meios de comunicação de massa, sobretudo, nos telejornais, tanto os observados como sensacionalistas como os ditos mais sóbrios, como o JN. A analogia pode ser feita pelo condutor de muitas notícias, o qual, atualmente, está atrelado à violência, à morte, ao sofrimento. Os jornais têm, cada vez mais, utilizado essas técnicas para atrair maiores índices de audiência. O fator “mostrar, tornar visível”, além de seguir a máxima da prova, já que pode ser considerado como evidência, pode corroborar como elemento impulsionador de sensibilidade por parte da recepção. Ou seja, não é suficiente dizer como foi, deve-se levar aos sentidos como foi. Para isso, muitas técnicas são utilizadas, com vistas a despertar emoção, como defende Santana Neto (2008, p.646), no texto o Páthos na Argumentação: 1- “Mostre-se emocionado! O orador deve emocionar-se (ou fingir estar no estado emocional que deseja transmitir)”; 2- “Mostre objetos! O punhal do assassino, a boneca da menina... Na falta das próprias coisas, “mostre imagens!” de pessoas sofrendo, chorando, extravasando a dor”; 3- “Descreva coisas emocionantes! Amplie dados emocionais, utilizando uma linguagem que tende a exasperar os fatos indignos, cruéis, odiosos”. De fato, a busca pelo computador e os rastros deixados na rede Web por Wellington, a partir de seus acessos a certos sites, estavam relacionados à procura de uma evidência que servisse de auxílio para as investigações. Outro elemento, a carta, também pode ser observado como uma pista para justificar os motivos que levaram o jovem a cometer o crime e, assim, tentar retratar o jovem assassino. JORNAL NACIONAL – “O atirador deixou uma carta confusa citando Jesus, Deus, e traçou planos para o seu próprio funeral... Pediu que um fiel seguidor de Deus orasse pedindo o perdão de Deus pelo que ele fez e pediu que Jesus o despertasse do sono da morte”. Sabendo-se que esses trechos destacados são construções dos repórteres, dos apresentadores do JN, pode-se deduzir que há um viés argumentativo com pretensão de que os telespectadores tirem conclusões já pré-determinadas pelo orador. Não seria precipitado afirmar que, nesse momento, o orador pretende inferir que Wellington tinha algum problema mental. Não é impossível seguir esse mesmo raciocínio. Entretanto, há de se lembrar que existem casos em que pessoas realizaram algo semelhante e foi comprovado que não existia nenhum indício de transtorno mental, como foi o caso do jovem Mateus Meira, que invadiu um shopping em São Paulo. Com Wellington, verifica-se que, mesmo se observando o assassino como doente, em nenhum momento, ele foi visto como uma vítima de algo. Ele sempre foi tratado como culpado. Pode-se afirmar que é previsível que o JN retrataria o caso dessa maneira, já que o atirador matou crianças, seres que são vistos, na cultura ocidental, como puros, inocentes, sem defesa. Sabendo-se que o argumento é sempre dirigido para um determinado grupo, nesse caso, a população brasileira, presume-se que surpresa seria ter visto Wellington sendo retratado não como vilão. No Brasil, na grande maioria das vezes, aquele que pratica algo contra crianças é visto como um monstro. Focar substancialmente nas crianças é uma forma de sensibilizar mais a história, fisgar o telespectador e adaptar a história às leis do Pathos. Não se pretende afirmar que não deveria ser dessa forma, que não houvesse a vitimização dos jovens mortos. Entretanto, a mesma história poderia ser contada de uma maneira diversa e, em vez do par vítima-vilão ou vilão-mocinho, poderia ter-se construído a relação vítima-vítima. As novelas, muitas vezes, transformam o vilão em uma personagem de quem as pessoas passam a ter pena, se sensibilizar e entender seu comportamento, por mais que ele fuja à regra moral da sociedade. Sendo assim, todas as maneiras de comentar um fato, narrar, transmitir estão inteiramente interligadas ao que se pretende afirmar, como se propõe conduzir o raciocínio do(s) auditório(s) e, no caso específico das mídias, como não se perder audiência. Entretanto, vem outra questão: Será que se Wellington fosse evidenciado como uma vítima do sistema as pessoas também não o enxergariam de tal forma? A resposta poderia ser positiva. Mas a partir dessa hipótese, o JN contribuiria para a não manutenção do sistema de valores (que afirma que quem mata crianças é sempre visto como “monstro”) e poderia perder certa audiência ou ter sua credibilidade posta em xeque. Sendo assim, é melhor apostar no que não faz correr tanto risco. Buscar um novo local para Wellington ou para o sargento Alves pode ser visto como uma afronta à moral do público – telespectador brasileiro. Voltando à noção do vínculo causal, a partir da carta, pode-se dizer que o Jornal Nacional ratifica, nesse momento, que a causa da “fúria” do matador é seu distúrbio mental. O telejornal ajuda a reforçar a ideia, a partir do depoimento do irmão de Wellington, que afirma que a mãe do jovem tinha problemas mentais e que ele já tinha passado por consultas psiquiátricas, mas abandonou o tratamento. Como não se pode avaliar o comportamento do matador a partir das suas próprias falas, não se pode dizer, com todas as propriedades, que o jovem cometeu a ação por interferências de distúrbios psicológicos. Ele poderia até ter alguns desvios, entretanto, não se pode afirmar que a motivação para o assassinato foi essa. Por exemplo, esse mesmo caso pode ser comparado ao quadro de Osama bin Laden, o qual teve repercussão diferenciada. O planejamento de Osama e de seus companheiros, ao atirarem aviões nas Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, não foi referido como de seres que têm algum tipo de desequilíbrio, mas sim, de homens que tinham o objetivo de destruir ou enfraquecer o poderio estadunidense. O que acontece é que o viés argumentativo tem de ser baseado em motivos, razões verossímeis. Algo sempre deve ser explicado. Não existe fato sem causa. Sendo assim, são as noções de causalidade que interferem no ato de convencimento e persuasão. O policial, que procura identificar o assassino, num homicídio cometido na ausência de testemunhas e de qualquer indício revelador, orientará as investigações para aqueles que tinham algum interesse na morte da vítima e que, por outro lado, poderiam ter cometido, materialmente, o crime. Supõe-se que o crime teve não somente uma causa, mas também um motivo: uma acusação, fundamentada em presunções, terá de mostrar, juntamente, o como e o porquê do ato delituoso (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.300). A partir da citação desses autores, pode-se atrelar e fazer uma associação com o Caso Realengo e a busca das provas que levaram Oliveira a cometer o homicídio. São os indícios que tentam evidenciar uma conclusão sobre o real motivo para o homem ter matado aquelas crianças. Assim, pode-se dizer que as provas são fatores decisivos para a reconstrução de um acontecimento, além de serem indispensáveis para legitimar o teor de veracidade de um fato. Segundo Plantin (2008, p.101), espera-se que a prova verifique alguns aspectos: 1- “Estabeleça a verdade de um fato ou de uma relação incertos ou contestados (função alética)”; 2- “Preste contas de um fato certo, integrando-o em um discurso coerente (uma história ou demonstração); de um conjunto de fatos certos (história-relato) (função explicativa)”; 3- “Seja relativamente evidente”; 4- “Amplie e estabilize os conhecimentos (função epistêmica)”; 5- “Encerre o debate; a prova obtida por demonstração não é posta em causa facilmente (função dialética)”; 6- “Elimine a dúvida e a contestação, dificulte o questionamento, fundando assim uma crença justificada e um consenso legítimo (função social)”. Um policial que busca provas para condenar o assassino perpassa pela mesma técnica necessária para encontrar o porquê de Wellington ter realizado a atrocidade. É como um jogo semiótico, onde é necessário encontrar os signos para que seja estabelecido algum tipo de raciocínio que mostre a conclusão de uma sentença. Como essa busca não está substancialmente fixada em uma demonstração e, por isso, não segue o princípio da lógica, mas sim, da argumentação com pretensão de validade lógica, o que torna algo verdadeiro, plausível é o quanto o discurso pode se tornar verossímil. O argumento de que Oliveira era doente mental não foi o único sustentado como motivo para sua ação. Outro posicionamento também foi adotado: a possibilidade de que ele teria sofrido bullying. Esse modo de narrar (pelo viés do bullying), que, a partir desse caso, foi repercutido como discussão dentro da sociedade, foi condicionado pelo próprio depoimento de Wellington em um dos vídeos gravados por ele, no qual afirma que ia cometer o crime não somente por ter sofrido bullying, mas também por outros fatores. Dito de outra maneira, assim como as investigações policiais, o JN sente a necessidade de consolidar um motivo, uma razão para o ato, já que a fonte mais segura para falar as possíveis verdades estava morta; no caso, o próprio assassino. É válido ressaltar que, mesmo quando a questão do bullying foi introduzida na história de Wellington, ela parece contada deslocada, distante do caso do atirador: era uma nova pauta. O problema foi colocado em discussão, mas não foi posto com a intenção de minimizar a “monstruosidade” de Wellington. O jovem foi mostrado como o causador de lágrimas; ninguém chorou ou lamentou o estado emocional que o levou a cometer o crime. O discurso, apresentado também por imagens, do JN foi fundamentado pela tristeza, pelo desespero dos pais, por vizinhos dos jovens mortos chorando pela tragédia. As imagens representam um diferencial dentro do argumento midiatizado, pois esse, também, está atrelado ao não-verbal e, por isso, é capaz de provocar efeitos de nível persuasivo de grande magnitude. De facto, para efeitos persuasivos, “é preferível ver a imaginar”, mas ver não implica deixar de imaginar. Pelo contrário, ver pode estimular ainda mais a imaginação. É que as imagens evocadas pela mente, por mais vivas que sejam as descrições que as promovam, são, na linguagem de David Hume, imagens “desmaiadas” face às imagens diretamente provenientes da percepção detentoras de “forca e vivacidade” e capazes de estímulos da imaginação mais fortes e de maior alcance (FERREIRA, PRIOR e BOGALHEIRO, 2012, p.09). É bem verdade que a televisão, com o seu poder imagético, faz com que, muitas vezes, as pessoas sintam muito mais do que se pretende. Essas variações entre a intenção e o que realmente é sentido ocorrem de acordo com o sexo, a familiaridade que se tem com o caso, a idade daqueles que assistem. Esse modelo relacional (o que se pretende e o que se concretiza no âmbito das emoções) pode ser explicado através do estudo sobre o Pathos prédiscursivo e o Pathos discursivo, apresentado por Santana Neto (2008, p.646-647). 1 PATHOS Páthos pré-discursivo 2 Páthos discursivo 3 “Pode-se afirmar que o páthos pode ser subdividido em dois: o páthos pré-discursivo e o páthos discursivo. Ligam-se, ao primeiro, as emoções do auditório previstas pelo orador; ao segundo, as emoções do auditório reveladas durante o discurso” (SANTANA NETO, 2008, p.184). Como na retórica midiatizada não se pode saber, ao certo, como o(s) público(s) despertou(aram) emoção, pode-se afirmar que as mídias podem ser compreendidas através do Páthos encenado, o qual segundo Santana Neto (2008) é responsável por comover o público. Nesse caso, abordando as questões referentes aos meios de comunicação de massa, o Páthos encenado está ligado ao modo como os mass media utilizam as técnicas para fazer com que as pessoas tenham medo, ira, vontade de chorar ou até sorrir. A encenação feita pelos meios de comunicação de massa pode ser observada em vários noticiários. O modo de encenar, entre os jornais sensacionalistas e os sóbrios, às vezes, pode ser até modificado, mas o objetivo é sempre o mesmo: comover como forma de persuadir. Assim, o Pathos pode ser visto como uma categoria que pretende ser uma prova de um argumento qualquer. Se o orador faz o auditório chorar, deduz-se que o caso merecia, realmente, lágrimas. A partir da busca de novas evidências, associadas a alguns pressupostos supracitados, defendidos por Plantin (2008), o Jornal Nacional amplia o conhecimento do telespectador, tenta tornar a causa evidente, entretanto, em momento algum, tem como objetivo imediato encerrar o caso. Nesse ponto está uma diferença básica encontrada na retórica midiatizada. Enquanto os debates, as discussões não midiáticas, ou seja, as que não têm como orador a própria mídia em si, têm como alvitre encontrar as provas concretas para que o caso seja finalizado, a argumentação dos mass media deseja que um caso se prolongue eternamente e, muitas vezes, ela cria os próprios estratagemas para tal. Partindo-se da concepção de que as mídias constroem argumentos a partir de depoimentos de fontes diversas, sobretudo, de pessoas que não fazem parte do próprio campo midiático, jornalístico, pode-se afirmar que elas buscam tais fontes com o intuito de consolidar o seu próprio viés argumentativo ou a forma mais provável de estabelecer um posicionamento que seja, no plano da argumentação, algo verossímil, racional e, ao mesmo tempo, emocional. O difícil, muitas vezes, é afirmar se a fonte teve determinado raciocínio por livre espontânea vontade ou se os jornais, com suas hipóteses, induzem que as pessoas respondam de tal modo e não de outro. Entretanto, essa não será questão discutida. A discussão nesse sentido perpassa pelo sentido da argumentação, a qual tenta convencer alguém sobre algo, e pelas estratégias midiáticas utilizadas e potencializadas para causar medo, tristeza, sentimento de impotência, alegria, horror, esperança. Ao certo não se soube a causa que fez com que o jovem entrasse na escola Tasso da Silveira e atirasse em 12 crianças. Entretanto, a busca pela resposta não é finalizada na causa, no sentido próprio do termo. Muitas vezes, as análises e a procura de pistas que dão sentido ao argumento construído partem da construção ou da (re)construção da personagem com a finalidade de tentar preencher os vazios, demasiar o assunto e angariar altos índices de audiência. Como afirma Bourdieu (1997, p.37), “há hoje uma “mentalidade-índice-deaudiência” nas salas de redação, das editorias etc. Por toda parte, pensa-se em termos de sucesso comercial”. Para obter lucro, tudo vale na era do valor audiência. 3.2 CONSTRUÇÃO JN: A PESSOA WELLINGTON E SEUS ATOS E OS ATOS E A PESSOA WELLINGTON Todo argumento, para ser convincente, para conseguir persuadir, é necessário que tenha algo sustentável, indícios que provem ou pareçam mostrar que algo aconteceu, ou possivelmente aconteceu, daquela forma e não de outra. Essas possibilidades criadas por aquele que argumenta, para defesa ou acusação, relacionam sempre a pessoa aos seus atos e os atos à pessoa. Na realidade, o orador justifica os seus pressupostos através do que sabe sobre o ser, sobre as características gerais (enquadrando o indivíduo dentro de atributos pertencentes a um grupo), e também, atrela as suas ações a um tipo único de ser humano. Assim, existe sempre, nesses casos, uma espécie de generalização e criações de estereótipos. Dessa forma, quem possui certos hábitos possivelmente será o autor do acontecido. As coisas do mundo midiático funcionam mais ou menos de tal maneira. Pois, o convencimento está atrelado ao uso da estratégia de como dizer, narrar. Duas pessoas podem se utilizar de um mesmo discurso, entretanto, uma pode se fazer credível e a outra não. Assim, o poder argumentativo não tem somente relação com a técnica, mas também com quem a utiliza. Isso também não quer dizer que o Ethos, isoladamente, sem a ligação com o Pathos e o Logos, seja suficiente para condicionar o outro a pensar de um modo e não de outro. Mas, a imagem do orador é de extrema importância no ato de influenciar alguém. Como as mídias podem fazer o que quiserem com o discurso, no sentido das edições, a reconstrução do acontecimento fica muito mais facilitada. Em casos muitos raros, como com o uso do “ao vivo”, os recortes correspondem àquilo que os meios de comunicação querem transmitir. É válido ressaltar que o “ao vivo”, mesmo assim, não limita a ação da manipulação (termo utilizado não no sentido de mentira, mas sim, de alteração do fato em seu estado mais bruto), já que o repórter pode interferir na fala do entrevistado com o objetivo de não o deixar se posicionar de maneira aprofundada sobre o que pensa. Com isso, pode-se dizer que os argumentos utilizados nas mídias não são conferidos por um júri de corpo presente, mas sim, por aqueles que se mantêm à distância e não sabem dizer, de fato, o que aconteceu, mas se esquecem disso e disseminam informações como se estivessem diante do acontecido, tendo acesso à pura realidade. A potencialidade dos meios de comunicação de massa é tão forte que as pessoas esquecem ou não analisam que as mensagens são conduzidas de acordo com o posicionamento discursivo do veículo e que esses meios são capazes de criar e recriar o espaço para além dos mass media, com tanto “tom de imparcialidade” que parece que se está diante do acontecimento em seu estado mais genuíno. No caso de Wellington de Oliveira, sabe-se claramente qual foi o ato: a morte de 12 crianças na escola Tasso da Silveira. Entretanto, não é possível compreender, afirmar ao certo quem era o jovem, já que toda reconfiguração levada ao(s) público(s) foi feita através das mídias, no caso específico, pelo Jornal Nacional. Todas as imagens, todas as falas, todas as fontes utilizadas estão interligadas ao que se pretende mostrar. Dito de outra forma, todas essas técnicas são ferramentas de argumentação que, no caso específico de Oliveira, tentam mostrar quem foi esse jovem. O modo de fazer as pessoas conduzirem o raciocínio para determinado sentido é a tentativa de dizer que um ser é fixamente de um jeito e, por isso, a conclusão só pode ser uma coisa ou outra. No discurso midiático, sobretudo, jornalístico, não há interesse de afirmar que uma pessoa é meio vilão, meio bandido ou meio mocinha. O posicionamento dos mass media é o de sempre configurar um indivíduo para ser bandido ou mocinho, monstro ou herói. Não existe meio termo na construção das personagens: ou é isso ou aquilo. Após se fixarem dois blocos, enfatizando-se os quadros, as imagens de como foi o atentado, o JN, no terceiro bloco, do dia 07 de abril, “mostra” quem foi a pessoa Wellington. O telejornal, através de um dos seus repórteres, narra como o jovem assassino “era visto” diante da sociedade, dos familiares e vizinhos. Assim, pelas escolhas de quem fala e do que fala, já se estabelece um julgamento sobre o autor do crime, o que termina servindo de orientação para o modo de pensar do telespectador. Jornal Nacional – “Ele era bom estudante. Nunca repetiu de ano. Também não há registro de mau comportamento. Filho adotivo, era o caçula de cinco irmãos. O pai morreu há cinco anos e a mãe, há dois. Em 2008, ele trabalhou no almoxarifado de uma fábrica de salsicha e pediu demissão em agosto do ano passado (2010). Os vizinhos dizem que ele era um jovem de poucas palavras. O rapaz, considerado estranho pela família...”. A partir da narrativa do Jornal Nacional, pode-se compreender que a sustentação da reconstrução do atirador de Realengo é a de que ele aparentemente era uma pessoa que não era vista como um ser sociável: pediu demissão do emprego, não falava muito e era considerado estranho. Essa é uma estratégia de condená-lo novamente. É evidente e claro que o repórter também falou que ele não tinha mau comportamento escolar, que nunca repetiu de ano: ou seja, que ele era bom aluno. Também o JN abordou o fato de ele ter perdido entes queridos, o que poderia fazer com que o telespectador viesse a acreditar que ele poderia ter tido um desequilíbrio emocional, mental, por conta dessas perdas. Mas não são esses fatos que são enfatizados. Os assuntos que recebem destaque no enquadramento do telejornal são os de que ele era “estranho”, anormal. Essa é a concepção que quem teve acesso às informações fornecidas pelo JN pôde obter, pois o recorte das falas de várias pessoas seguiu esse viés. Partindo-se das visões sociológicas, médicas e jurídicas que tentam explicar o comportamento humano, pode-se dizer que Wellington, se assim fosse do interesse do JN, poderia ter sido facilmente visto como um coitado da história. Com isso, não se defende que o que ele fez não foi uma atrocidade. Porém, sua atitude também poderia ter sido representada como uma ação de um digno de pena, e que até mereceria certa compaixão. Apesar de o Jornal Nacional não fazer distinção entre estranho, anormal e monstro, estas diferenciações poderiam, de uma certa forma, mudar algum rumo da história. Seguindose alguns conceitos, pode-se verificar que estranho é aquele que não causa nenhum tipo de perigo para a sociedade, mas não tem um comportamento desejável pela comunidade. O anormal é o sujeito que não comunga das regras que são estabelecidas no seio social. O monstro é aquele que infringe os códigos morais e possui caráter violento fora do comum. Ou seja, um sujeito só é considerado normal pela medicina se, esclarecidas as normas da sociedade em que está incluído, mantiver uma relação sem conflitos com os membros dessa sociedade. Se o conflito incluir transgressões com violência, o caso necessitará de intervenção e da união da esfera médica á jurídica. Nesse caso, é comum o uso do termo monstro social, quando da violência fora do comum (LANGE, 2012, p.40). Sendo assim, os monstros ultrapassam a anormalidade. A monstruosidade está intrinsecamente ligada à violência. Pode-se dizer que todo mostro é um anormal. A partir do que é dito sobre o monstro, Wellington pode ser visto como um. Entretanto, como na monstruosidade há a anormalidade, pode-se dizer que, se o lado anormal do assassino fosse mais evidenciado pelo JN, o assunto seria pontuado como um problema de saúde. Sendo assim, a sociedade, no geral, teria responsabilidade no caso. Mas, sem qualquer critério científico, o JN utiliza “estranho”, “anormal” e “monstro” como a mesma coisa e, assim, estagna o acontecimento como de um caso específico, individual, e não coletivo. Desse modo, coloca Wellington como somente o agressor, “um monstro social”, deixando à margem algumas discussões sobre a criação dos tipos de seres monstruosos. Pode-se verificar o afirmado anteriormente pelos ditos de Vanessa Nascimento, o depoimento de uma fonte não identificada e as citações de Fábio Santos. A primeira diz: “Sempre tímido, aquele mesmo comportamento calado, sempre fechado, nunca foi de ter amizade. Uma vez ou outra, ele jogava bola aqui, mas era muito difícil: De uns tempos para cá, nem isso”. A segunda entrevistada afirma: “Ele só não falava com ninguém. Era de casa para o trabalho, do trabalho para casa: era o mundo dele só”. Fábio diz: “Só curtia mesmo a internet, como falavam. Ele ficava só na internet e mais nada”. A construção da pessoa humana, que se vincula aos atos, é ligada a uma distinção entre o que se considera importante, natural, próprio do ser de quem se fala, e o que se considera transitório, manifestação exterior do sujeito. Como essa ligação entre a pessoa e seus atos não constitui uma relação necessária, como não possui características de estabilidade da relação existente entre um objeto e suas qualidades, a simples repetição de um ato pode acarretar, seja uma reconstrução da pessoa, seja uma adesão fortalecida à construção anterior (PERELMAN E OLBRECHTSTYTECA, 2005, p.334). Não é mera coincidência a construção que fizeram da pessoa Wellington. Essa imagem é consequência da própria representação feita pelo telejornal, já que as fontes não disseram somente o que pôde ser visto pelo teleauditório. Pontos positivos de Wellington, possivelmente, devem ter sidos mencionados algumas vezes. Entretanto, o público somente teve acesso àquilo que o Jornal Nacional quis mostrar. Com isso, não se afirma que não tenham existido frases em que afirmavam que o jovem que cometeu o “caso brutal” era uma pessoa boa: Bruno Linhares (colega de colégio de Wellington) – “Ele não era ruim. Só que a gente não imaginava que a gente estava criando um monstro na nossa sociedade”. Observa-se, por essa fala de Linhares, que Wellington poderia também ter sido visto como uma vítima. Não se pretende dizer que ele foi um coitadinho e, por isso, imune de qualquer responsabilidade. Entretanto, quem são as pessoas que criam os monstros? Talvez a própria sociedade. Dessa forma, o Jornal Nacional poderia ter “puxado o gancho” e mudado o enquadramento. As crianças já estavam mortas. Wellington também. Ou seja, as “vítimas” não estavam mais presentes para dar seus depoimentos. Entretanto, observa-se que, muitas vezes, o importante não foi a morte do assassino ou das crianças, mas o quanto o fato pôde se tornar sensacional, atingir o emocional. “As Emoções são todos aqueles sentimentos que tanto alteram os homens como afetam seus julgamentos, e que são acompanhados também pelo prazer e pela dor, tais como a raiva a compaixão, o medo e o semelhante, bem como seus opostos” (ARISTÓTELES, 2007, p.82). Na quarto bloco do Jornal Nacional, do dia 07 de abril de 2011, há referências aos estudos feitos nos Estados Unidos para traçar um perfil de assassinos, com casos semelhantes ao de Wellington, para evitar tipos de tragédia como o Caso Realengo. Segundo a reportagem feita por Elaine Bast, as causas dos ataques estão ligadas à vingança (61%), desespero (27%) e à busca por uma forma de chamar atenção (24%). Muitos dos assassinos tinham pensamentos suicidas e depressão. Quase a metade deles tirava notas boas e era disciplinada. Os assassinos tinham dificuldade para lidar com perdas e muitos eram fascinados por temas violentos. Assim, a pauta do Jornal Nacional poderia ter seguido outra direção: de um caso de tragédia para um caso de saúde pública. Entretanto, não foi isso que foi oferecido ao telespectador de maneira aprofundada. Em nenhum momento foi mencionada a necessidade de se ter psicólogos em colégios ou como os pais devem observar o comportamento dos seus filhos e buscar ajuda quando perceberem algo estranho. O caso continuou tendo visibilidade pelo quão dramático poderia ser configurado e no quanto a relação entre ato e pessoa poderia colaborar para a manutenção da cena tragédia. A relação estabelecida entre o ato e a pessoa e a pessoa e seus atos, como técnica argumentativa, serve, também, justamente, para condenar ou amenizar a culpa de alguém. Entretanto, essa mesma relação pode ser colocada como argumento para verificar quais as possibilidades de uma pessoa cometer algo ou não. É evidente que o ser humano não pode ser analisado a partir de um quadro lógico: se isso, logo aquilo. Mas, nesse caso, algumas medidas preventivas poderiam ser tomadas para tentar identificar e evitar certas atitudes. Esse poderia ter sido um percurso tomado pelo Jornal Nacional. Compreende-se a função do jornal, a qual está ligada ao informar. Contudo, pode-se verificar que a informação de que Wellington era um assassino e a sensibilização das pessoas foram feitas de maneira exaustiva. As pessoas, de certa forma, viram as mesmas imagens mais de quatro vezes; signos visuais que, neste caso, tiveram a intenção de chocar, fragilizar os telespectadores. Não havia necessidade para tal. Não era o sentimento que deveria ser estabelecido como questão principal, mas sim, o quanto o Caso Realengo pôde trazer traços analíticos para uma reflexão sobre a sociedade contemporânea. Afinal, a intenção primeira do jornalismo é produzir informação. Mas pode-se compreender que a repetição foi o modo de o Jornal afirmar que o assunto era importante e precisava ser agendado. Observa-se, dessa forma, que o nível de agendamento tem relação, muitas vezes, com a exaustividade da informação, com a necessidade jornalística de argumentar pelo Pathos e pelo enquadramento do fato, na tentativa de convencer as pessoas, a partir do local que cria para as personagens. No geral, Wellington foi visto como vilão porque o JN fez com que os telespectadores tivessem, somente, raiva dele. Quando as pessoas se sentem afáveis e tolerantes, elas pensam em um determinado tipo de coisa, mas quando estão furiosas e hostis, pensam essa mesma coisa numa intensidade diferente ou pensam em algo totalmente diferente. Assim, durante um julgamento, caso elas estejam afáveis para com o réu, julgam que ele cometeu um pequeno delito, se tanto. Porém caso estejam hostis, elas assumem uma posição oposta (ARISTÓTELES, 2007, p.81). Pode-se depreender do fato, de certa forma, que Wellington tinha algum problema mental. Talvez até pelo tipo de carta deixada pelo assassino. Como foi dito anteriormente, o fato de ter cometido tal ato não justifica totalmente o grau de insanidade. Entretanto, o JN revela a carta e, por consequência, através do enquadramento, segue o viés de que Wellington tinha problemas psiquiátricos. JORNAL NACIONAL (Sobre trecho da carta) – “Os impuros não poderiam tocá-lo, afirmou que era virgem e pediu que o banhassem e o envolvessem em um lençol branco que ele tinha deixado no prédio, numa bolsa e que só depois fosse colocado no caixão e enterrado ao lado da sepultura da mãe. Pediu que um fiel seguidor de Deus orasse pedindo o perdão de Deus pelo que ele fez e pediu que Jesus o despertasse do sono da morte”. Sim, a partir dessa carta, se fosse em um julgamento no tribunal para saber quantos anos de pena ele pegaria, provavelmente esse material poderia ter sido utilizado como uma prova de que ele tinha planejado toda a ação. O advogado de defesa diria que ele tinha problemas mentais. A sentença do Jornal Nacional é dizer que ele é puramente o agressor, mesmo quando fala do bullying como uma tentativa de buscar causas. Não se está afirmando que ele não é o vilão da história. Entretanto, o que é dito é que as histórias da vida real não são iguais às das telenovelas, as quais, geralmente, engessam um indivíduo em uma determinada posição. Assim, pela carta, pode-se presumir quem era Wellington, mas, em hipótese alguma, se pode dizer realmente quem foi o assassino. O maior juiz da contemporaneidade é a mídia, é a TV. É certo afirmar que o julgamento de quem é o vilão e quem será o mocinho perpassa pelos valores de uma comunidade e pelo modo de pensar do(s) público(s) para quem se fala. Mas, muitas vezes, esses valores devem ser tensionados. Caso contrário, as coberturas jornalísticas serão sempre as mesmas e, consequentemente, o(s) público(s) terá(ão) sempre, pensamentos enraizados. Sabe-se e compreende-se que utilizar opiniões aceitas facilita a argumentação, como afirma Breton (2003, p.31), quando diz que “a transformação da opinião em argumento, em função de um auditório particular, é precisamente o objeto da argumentação”. Mas, desse modo, já se observa a parcialidade do jornalismo e suas diferentes formas de argumentar e camuflar um posicionamento. Se houvesse imparcialidade, somente o(s) público(s) diria(m) quem é o bandido ou quem é o mocinho do acontecimento. Mas, não raras vezes, a encenação do jornal já determina o lócus de cada indivíduo e como as coisas devem ser vistas. Esses argumentos já aceitáveis são convincentes pelas pressuposições, suposições, postos e pressupostos que guiam o raciocínio; o Logos. Jornal Nacional – “Segundo os vizinhos, nunca foi visto com um amigo ou com uma namorada. Ele andava sempre de cabeça baixa, mal cumprimentava as pessoas e chamava atenção por levar uma barba enorme que raspou há cinco dias”. Jornal Nacional – Segundo o irmão, Wellington dizia que tinha vontade de destruir um avião assim como o outro fez nos Estados Unidos. A partir desses posicionamentos pode-se verificar que há uma tentativa de associar Wellington ao Osama bin Laden, mostrando-se, assim, que seus atos estão enquadrados dentro de uma postura, um modelo de pessoa. É como se a relação entre ato e pessoa e pessoa e seus atos fossem relações de argumentos quase não refutáveis, lógicos. Na argumentação, esse tipo de técnica (indivíduo-grupo-estereótipo) tem um poder de convencimento muito grande. É como se mostrasse por “a+b” que algo não poderia ser de outra forma. A potencialidade de um discurso que tenta convencer está ligada, justamente, a tornar o caso tão evidente que parece que ele se torna tão sólido que não há como desacreditar; mesmo que não seja totalmente verdadeiro, mas se vale pela verossimilhança. “Todo argumento quase-lógico convém pôr em evidência, primeiro, o esquema formal que serve de molde à construção do argumento, depois as operações de redução que permitem inserir os dados nesse esquema e visam torná-los comparáveis, semelhantes, homogêneos” (PERELMAN e OLBRECHTSTYTECA, 2005, p.219). JORNAL NACIONAL – “Um sobrinho do atirador de Realengo disse que Wellington queria atirar um avião contra a estátua do Redentor, no Rio”. JORNAL NACIONAL – “Segundo o sobrinho, o assassino andava muito estranho desde o final de 2010. Deixou a barba crescer até o peito e, após a morte de sua avó, começou a fumar. Ele contou ainda que Wellington era muito tímido e não tinha vida social, pois ficava trancado em seu quarto, utilizando internet no computador. Depois do atentado às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, Wellington dizia que iria fazer o mesmo no Cristo Redentor. O sobrinho diz, ainda, que a mãe de Wellington tinha problemas psiquiátricos”. Será que havia necessidade de trazer novamente esses depoimentos? Talvez o que exista é uma diferença no modo de dizer, mas são coisas que já foram ditas anteriormente. A associação que se quer fazer é a mesma: Wellington era louco, vilão, matador, fanático, estranho, monstro. Está-se atrelando ato e a pessoa Wellington ao ato e à pessoa Osama bin Laden. Não há evidência em tentar sentimentalizar o público pela própria condição do matador de Realengo. Em momento algum, ele foi observado, verdadeiramente, pelo viés do distúrbio mental. Se assim fosse feito, com certeza ele teria a pena social minimizada. Para relacionar doença mental e o assassinato, o Jornal Nacional deveria unir as questões, e não as retratar como casos isolados. Analisando-se o assunto, pode-se perceber que o possível distúrbio não parece servir como um grande problema, o qual deveria ser discutido para que outras ocorrências dessa natureza sejam evitadas. O atirador de Realengo pode ser visto como monstro ou como coitado. O que define o posicionamento de uma pessoa é como olham para ela. Wellington foi incorporado como um monstro porque as mídias não ligaram doença mental ao ato do matador de uma maneira que esta associação fosse feita na intenção de fragilizar os corações dos telespectadores e, assim, estes se sensibilizarem com a história do jovem. O sobrinho tenta inserir essa discussão, a relação, entretanto, o debate não é colocado em cena. Sendo assim, apesar das tentativas de se buscar a causa para o massacre através de supostos problemas psiquiátricos apresentados por Wellington, o ato e a pessoa, a pessoa e o ato não estavam vinculados a esse fator. Em muitos momentos, a relação entre esses pares relacionados à pessoa e seus atos é enquadrada a partir de questões religiosas. As investigações do JN estavam atreladas a um suposto envolvimento do jovem com pensamentos semelhantes ao de Osama bin Laden, que foi apresentado, através das mídias, como um radical, fanático, terrorista. Assim, de certa forma, tentou-se fazer uma comparação entre o ato de Wellington e ligações religiosas. Fazendo isso, o telejornal promove uma relação entre fanatismo e atos amorais. Essa questão pode ser analisada dessa forma. Tanto é assim que a igreja, a qual Wellington dizia frequentar, se eximiu do assunto, afirmando que o matador nunca foi integrante daquele grupo religioso. A tentativa de desvinculação feita pela igreja é uma estratégia de enfraquecer e evitar que os telespectadores, por meio de um raciocínio lógico, façam a ligação entre o ato cometido e a religião. Sendo assim, a tentativa de um argumento que poderia convencer através do Logos foi minimizada pela igreja. Depois do anunciado pela instituição religiosa, não se falou mais sobre esse assunto. Entretanto, as buscas por novos indícios, nova provas, novas suposições foram ocorrendo, com o objetivo de identificar a pessoa Wellington. Jornal Nacional – “Em manuscritos deixados na casa do assassino, divulgados ontem, pelo Fantástico, há várias referências a um suposto grupo: são papéis antigos, provavelmente anteriores à morte da mãe de Wellington, que relatam uma rotina de oração e reflexão sobre o terrorismo”. Carta deixada por Wellington – “Estou fora do grupo, mas faço todos os dias minha oração do meio-dia que é de reconhecimento a Deus e umas quatro horas do dia passo lendo o Alcorão; não o livro porque ficou com o grupo, mas partes que eu copiei para mim e, algumas vezes, eu fico meditando no lido e, algumas vezes, medito no 11 de setembro”. Jornal Nacional – “Os manuscritos também trazem referências à formação religiosa de Wellington entre as testemunhas de Jeová, cuja igreja ele dizia continuar frequentando. Além da carta, a polícia também encontrou anotações que reforçam a obsessão de Wellington por atentados terroristas”. Em entrevista concedida à repórter Sônia Bridge, por telefone, um sobrinho de Wellington mencionou, também, que o tio tinha uma espécie de mentor espiritual: “Os e-mails que ele me mandava eram muitos grandes, né? Muitas das vezes eu não lia tudo, mas eu lembro de alguns que ele falava que tinha um cara”. Vê-se, dessa forma, que há uma tentativa de associar o ataque a questões religiosas. Com isso, observa-se que, de alguma forma, o ato de Wellington foi interligado a pessoas que têm vínculos religiosos. Diante disto, é válido ressaltar que a esse tipo de discurso o que estava vinculado era a noção de fanatismo e terrorismo. Essas duas imagens tentam mostrar o ato de Wellington a um suposto tipo de pessoa: ATO PESSOA FANATISMO RELIGIOSO ASSASSINO VIOLÊNCIA INTROSPECTIVO SOLIDÃO ESTRANHO ASSASSINATO MONSTRO Por isso, pode-se considerar que as técnicas argumentativas também são utilizadas no mundo midiático, no campo jornalístico. Entretanto, esses meios são utilizados de modo camuflado no jornal, já que esse preza pela impessoalidade, objetividade. Como já foi discutido, esta é a imagem que se pretende transmitir para a sociedade sobre o Ethos jornalístico. Na esfera não midiatizada, esses fatores seriam vistos de maneira diferenciada, já que, no tribunal, há um advogado de defesa e um de acusação. Sendo assim, não há intenção de mascarar a imparcialidade, já que cada advogado defende, claramente, algum ponto de vista. Os meios de informação não deveriam assumir uma postura que demonstrasse algum tipo de posicionamento. Os jornais não deveriam ser os juízes, que definem quem é o réu ou quem são os culpados, mas sim, mostrar os fatos e deixar que o público defina quem fica no lugar do vilão ou do mocinho; se é que isso faz tanto sentido no mundo não midiatizado. Entretanto, as mídias, e, nesse caso específico, os telejornais induzem o modo de pensar dos auditórios. Não foi a primeira vez que se pôde observar esse princípio. Pode-se afirmar que, sempre que for possível, a forma de narrar das mídias obedecerá à lógica do maniqueísmo, do par bem e mal. 3.3 MODELO E AS GENERALIZAÇÕES DO ANTIMODELO O par modelo e antimodelo são estratégias também da argumentação. Colocar um ser como um modelo é afirmar que ele tem todas, ou quase todas, as características para servir como guia de conduta. Pelo contrário, dizer que uma pessoa está enquadrada como antimodelo é fixá-la em um local em que ninguém deve admirar suas ações. Por exemplo, isso acontece muito dentro do âmbito religioso: sempre há os modelos e os antimodelos. As pessoas que frequentam certas religiões têm um ser, um ente como superior, que teve ou tem comportamento que deve ser visto como louvável. Nessa mesma lógica, os antimodelos também são pontuados no discurso religioso. Muitas vezes, esses não modelos são outras religiões, as quais percebem o mundo de maneira diferenciada. Afirmar que um indivíduo é modelo e outro é antimodelo é uma questão que merece um olhar mais analítico, se isso for observado de maneira racional. Pois, a noção de modelo e antimodelo é uma questão de perspectiva, o que depende do modo como o argumento é construído. Assim, isso pode ser feito através do Logos, da razão. É óbvio que essa racionalidade, também, pode ser colocada em debate. Convencer através do Logos é o mesmo que afirmar que um caso é verdadeiro pelo fato de ele poder ser comprovado através da própria mensagem, do discurso, do dito em si. Não obstante, em muitos momentos, o meio utilizado para confirmar, a partir da razão, determinado posicionamento é a ciência. Não existe um modelo nem um antimodelo com papeis fixos. As diversas maneiras de olhar um mesmo fato vão depender de quem se pretende convencer e/ou persuadir. O modelo e o antimodelo podem ser as mesmas pessoas, os mesmos entes, os mesmos grupos, pois a forma de pensar perpassa pelo modo de compreensão por parte do auditório. Sendo assim, essas diferenciações estão totalmente interligadas ao(s) público(s) ao(s) qual(is) se dirige o texto. Com isso, pode-se dizer que, se o orador se tornar convincente, ele poderá fazer com que certos públicos acreditem que tal pessoa é um monstro, e não um inocente, por exemplo. Muitas construções racionais, com o objetivo de fixar a pessoa em um lugar, dentro da relação modelo e antimodelo, seguem o mesmo raciocínio do silogismo ou de um entimema28. Essas técnicas são eficazes por corresponderem a um pensamento que tem sua validade por ser lógico ou quase-lógico a depender do ponto de vista. Como se sabe, o ser humano não é uma coisa imutável, com propriedades e características estáveis. Entretanto, um bom argumentador consegue coisificar um sujeito com o intuito de fazer com que o indivíduo pareça ser sempre algo com atributos fixos, não passível de quaisquer particularidades. Muitas estratégias são usadas com o intuito de minimizar a individualidade do sujeito quando se pretende argumentar a favor ou contra uma pessoa. Para afirmar que alguém ou alguma coisa está inserida como algo a ser seguido, valorizam-se, colocam-se em evidência somente as coisas boas para que possam ser vistas por um público. Para o contrário, para negativar a imagem de uma pessoa, presentifica-se somente o que pode realçar coisas ruins, “desqualificadas”. Ninguém nasce modelo ou antimodelo. Ou seja, são os indivíduos, as pessoas que são construídas ou se constroem como se fossem boas ou más. Até porque a noção desse par (imagem boa-imagem ruim) é sustentada muito em qual cultura o jogo argumentativo está sendo estabelecido. Muitas vezes, um tipo de comportamento pode ser visto como bom em uma determinada comunidade e esse mesmo procedimento pode ser observado como desprezível em outro local. Como não existe o auditório universal, pode-se dizer que não há, puramente, modelos e antimodelos universais, aceitos por todos. O que existe são representações, as quais podem fazer sentido para uma pessoa e não para outra. 28 O silogismo é uma estrutura argumentativa que tem como base uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão. Por exemplo: Todo homem é mortal (premissa maior). Sócrates é homem (premissa menor). Sócrates é mortal (conclusão). O entimema é baseado em um princípio em que não precisa haver todas as premissas para se compreender a conclusão. Exemplo: Todo metal é corpo (premissa). O chumbo é corpo (conclusão). As estratégias utilizadas para criar um modelo e um antimodelo são diversas. Os meios de comunicação seguem leis e regras para sustentar seus argumentos, seus mocinhos e seus vilões. Os jornais, os quais deveriam ser imparciais, adequam-se à lógica do maniqueísmo por determinadas necessidades: 1) Ser conveniente às noções do público ao qual se pretende falar; 2) Atrelar-se as estratégias já conhecidas, como as telenovelas e, assim, ter audiência; 3) Simplificar o raciocínio; 4) Convencer e persuadir novos públicos. É evidente que esses quatro tópicos citados acima poderiam fazer parte de um único grupo. Entretanto, para ser mais didático, prefere-se fazer a abordagem de tal maneira. Em hipótese alguma, por exemplo, o JN vai defender um assassino como bom referencial. Se assim fizer é porque já o está transformando em modelo; enaltecendo suas características positivas e cobrindo algo que possa “sujar” a sua reputação. As mídias têm um grande poder em construir o que a pessoa vai ser. O Jornal Nacional, por ter grande credibilidade, faz isso de maneira eficaz. Mas, para isso, se utiliza de técnicas que fazem parecer que realmente a pessoa é um modelo ou antimodelo. Isso é feito pelo modo de enquadramento realizado pelas mídias. Para fazer sentido, é necessário que o ato argumentativo midiático seja reproduzido, copiado pelas pessoas da sociedade, e que alguns tipos de pensamentos sejam silenciados, caso alguns sujeitos raciocinem de maneira diversa ao que está sendo dito nos e pelos meios de comunicação de massa. Esses modos de operar, relacionados ao modelo e ao antimodelo, podem ser observados no Caso Realengo. Como já se esperava, pela rotina das construções feitas em outros casos pelo JN, Wellington de Oliveira foi veiculado como antimodelo e o sargento que entrou na escola Tasso da Silveira – Márcio Alves – foi visto como modelo. Como foi dito anteriormente, não se tem a necessidade de julgar se esse foi um modo correto ou errado de o Jornal Nacional se posicionar. Entretanto, esse debate serve para verificar como as estratégias são feitas, para mostrar que não existe uma maneira única de argumentar e que as operações realizadas estão todas no nível do verossímil, da manipulação. Dito de outra maneira, nesse caso, a realidade foi construída pelos mass media e, de um modo geral, reproduzida, aceita pelos membros da sociedade. Sendo assim, as techné, os recortes de realidade são utilizados pelos meios de comunicação com o objetivo de se conquistar auditórios, ou melhor, audiências. Jornal Nacional – “O assassino disparou contra os dois PM’s e fugiu. Numa escada que dá acesso ao segundo andar ele foi almejado pelo sargento Márcio Alves”. Márcio Alves – “No segundo andar eu encontrei o meliante saindo de uma sala. Ele foi e apontou uma arma em minha direção. Ele foi baleado, caiu na escada e cometeu um suicídio logo após”. Analisando-se tais trechos, pode-se perceber que a fala do JN está totalmente consoante com o discurso do sargento. Fátima Bernardes não estava lá para ver esse caso. Não houve imagens que registrassem os disparos feitos por Wellington aos policiais e nem o assassino se suicidando. Entretanto, foi dessa forma que foi repercutido o fato, mostrando-se, assim, que o antimodelo não tem direito à defesa. Essa é a lógica que pôde ser percebida. Depois de morto, o assassino não precisava de um discurso que tentasse questionar a conduta do sargento Alves e que, de certa maneira, poderia amenizar algo para Wellington, pois a indagação sobre a fala de Alves em relação a Oliveira não iria alterar, em nada, o julgamento, já que o ultimato estava dado: a morte do assassino e a morte dos jovens estudantes. No Caso Realengo, não existiu uma tensão para saber se houve suicídio realmente ou não. Pelo que pôde ser observado, isso pouco importou. O que estava em evidência era que Márcio Alves foi o herói, o modelo. Pode-se afirmar que, se a morte de Wellington fosse provocada pelo PM, tal ação não seria vista como má conduta. A população, de um modo geral, iria enaltecer a ação do agente; mesmo que esta ferisse as normas de conduta policial. Isso pode ser afirmado coerentemente, pois algumas pessoas, revoltadas com a ação de Wellington, foram até o colégio com o objetivo de matar o assassino, como mostrou o JN. Jade Ramos, estudante do colégio, presente no dia do acontecimento afirma: “Obrigada aos policiais por terem salvado a minha vida. Muito obrigada por salvar a minha vida: vocês são meus heróis”. O depoimento da jovem garota, na época, de 10 anos de idade, foi extremamente necessário para reforçar a ideia do modelo e, consequentemente, do antimodelo. Pelas técnicas e pelo modo como foram construídos os discursos, pareceu que a ação do sargento Alves estava fora do seu dever como agente da polícia. A obrigação de um policial é defender a comunidade, a sociedade. Naquele dia, o sargento Alves não estava de folga ou em um momento de lazer e abandonou essas atividades para o bem da sociedade. Não há heroísmo em alguém realizar ações que fazem parte da sua área profissional. Entretanto, as mídias reproduzem esses valores e outras pessoas utilizam-se desse mesmo posicionamento. O herói é aquele que faz algo improvável. O JN, assim, como vários programas, para entreter, emocionar, seduzir, segue a lógica do heroísmo. O trabalho do sargento não ultrapassa os deveres que ele, como policial, deve seguir. Dessa forma, parece que o sentido de herói ganha outra conotação. Analisando-se o caso, para o Jornal Nacional, herói não é aquele que faz tudo para proteger a humanidade, aquele que faz grande esforço para combater o mal, mas sim, aquele que cumpre o seu papel, as suas obrigações. Esse mecanismo de supervalorizar um indivíduo corrobora para superdimensionar o trágico e despertar, no público, reações como terror, medo, fragilidade. Há, então, três modos de persuasão efetiva. O homem que está no comando deles deve ser capaz de: (1) raciocinar logicamente, (2) entender o caráter humano e a benevolência, em suas várias formas e (3) entender as emoções, isto é nomeá-las e descrevê-las, conhecer suas causas e os meios pelos quais elas são estimuladas (ARISTÓTELES, 2007, p.24). Márcio Alves – “Uma criança, uma menina, olhou para mim e perguntou se poderia me dar um beijo. Eu falei que podia. Ela veio e me abraçou e me deu um beijo no rosto, desceu e saiu correndo: deve ter ido procurar a família”. Djalma Betrini (comandante da PM-RJ) – “Como cidadão, eu não tenho dúvidas que esse policial é um herói para mim. Como policial militar, ele cumpriu muito bem o seu papel: é para isso que a gente tá preparado. A gente se sente muito orgulhoso por ter um policial desses nas fileiras das nossas corporações”. Sérgio Cabral (governador do Rio de Janeiro) – “Agradecer a um herói, ao sargento Alves, que foi, sem dúvida nenhuma, fundamental porque ele estava preparado (referindo-se ao assassino) para mais disparos”. Pode-se verificar que, de certa maneira, o próprio Márcio Alves se colocou, se travestiu de um próprio herói. Essa sua readaptação deve ter sido feita pelas próprias forças das mídias em transformar as pessoas no que estas desejam ou, até mesmo, no que estas nem pensaram em ser. O poder dos meios de comunicação é tão grande que alguns sujeitos utilizam-se de boas máscaras dadas pelos mass media com o alvitre de ter uma imagem positiva, uma boa reputação diante da sociedade. O comandante da polícia enaltece a imagem do policial-herói no intuito de agregar essa imagem à própria corporação. Seria, nesse caso, uma transferência de Ethos e a intenção de afirmar que se está fazendo um bom trabalho. O governador do Rio mostra Alves como modelo e acaba tendo, também, a sua imagem avaliada como positiva pelo fato de ser governador, gestor e ter um membro “honrado” dentro da polícia. Assim, por extensão, ele também representa um tipo de modelo. Podem servir de modelo pessoas ou grupos cujo prestígio valoriza os atos. O valor da pessoa, reconhecido previamente, constitui a premissa da qual se tirará uma conclusão preconizando um comportamento particular. Não se imita qualquer um; para servir de modelo, é preciso de um mínimo de prestígio (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.414.). Na história, o sargento Alves foi sempre pontuado como modelo. Através de outros discursos, pode-se verificar isso: JORNAL NACIONAL – “Alves tem 18 anos na PM, é casado e tem dois filhos”. Para ratificar que Alves é competente e pode ser considerado modelo, a jornalista utiliza três qualificações que são positivas dentro da cultura ocidental: 1) Ter um grande período de tempo em um mesmo emprego; 2) Ser casado; 3) Ter filhos. Permanecer por um longo tempo, em um mesmo emprego, é sinônimo de competência. Alves, nesse aspecto, representante do modelo, ganha dois atributos: o da qualidade e o da quantidade. O de quantidade é representado pelo tempo em que ele faz parte da PM e o da qualidade é enaltecido com o Caso Realengo, a partir do momento em que ele representou e foi representado pelas mídias como o salvador. Ser casado e ter filhos são aspectos valorizados na cultura brasileira. Ter um casamento significa que você é uma boa pessoa, que segue os padrões sociais. Isso é muito positivo para imagem de um indivíduo. Ter filhos também é importante para representação de um bom caráter, ainda mais quando se parece que a pessoa é bom pai, como no exemplo da construção do sargento feita pelo Jornal Nacional. Falando-se sobre o argumento da qualidade, é esse que faz o sargento ganhar uma medalha pela sua honra e bravura em ter entrado na escola e atirado no assassino. É válido ressaltar que Márcio Alves não estava sozinho no dia do massacre. Seu companheiro, o cabo Feliciano, também foi responsável pela ação policial. Entretanto, Feliciano é um homem tímido e não soube incorporar o papel de herói, de modelo. Assim, foi descartado midiaticamente de ser consagrado como um modelo a ser seguido. Um herói tem que se enxergar como tal. Caso não seja dessa forma, desmerece o cargo. O herói tem de ser a encarnação de um herói. Foi isso que o sargento Alves fez e, por isso, ganhou um espaço de grande notoriedade. Assim, vale a máxima: o importante não é ser, mas parecer ser. Se o sargento Alves não entrasse no “teatro” do JN, a trama, com essa narrativa (herói), teria que ser desconstruída. Em relação ao antimodelo, com ele é tudo diferente. Suas atitudes são todas visadas como ruins, como foi visto na subsecção anterior. Tanto é dessa maneira que, mesmo que Alves tenha matado Wellington, isso faz pouca diferença. Tem-se, sim, a prova (a carta deixada pelo matador) de que ele tinha a intenção de se matar após o massacre. Entretanto, não se sabe ao certo se foi isso que aconteceu. Na realidade, o argumento utilizado pelo telejornal foi o reforço do suicídio. Isso foi sustentado, sobretudo, pelo depoimento da psicóloga Ilana Casoy. Ilana Casoy – “Esse rapaz, infelizmente, não é diferente de tantos outros assassinos em massa que percorreram já o mundo. Eles têm um histórico parecido. Em geral, se suicidam no final”. Como a fonte pode ser observada como autoridade, o convencimento fica mais facilitado. O público em geral é fácil de ser convencido pelas palavras de uma fonte dita segura. Se ela, como psicóloga, dissesse que duvidava muito que Wellington tivesse se matado, estava lançado o problema. Segundo Breton (2003, p.84), “o argumento da autoridade se insere em uma argumentação de conjunto e serve para preencher vazios, para construir “pontes” entre elementos do real”. Como se pode observar, não é qualquer fonte que exerce influência, mas sim, uma autoridade no assunto, pois, assim, legitima-se o discurso, a razão e se tenta consolidar, cada vez mais, um determinado argumento. Através da analogia de um fato com outros com características semelhantes, pode-se facilmente fazer com que os telespectadores do JN acreditem, de maneira inquestionável, no que esteja sendo dito. Quando a psicóloga diz que é um caso igual a tantos outros, o que está sendo revelado é que tudo que é semelhante é igual, e por isso, não resta dúvida de que houve um suicídio. Entretanto, Alves deu dois disparos no assassino. Não houve câmeras para registrar o fato e verificar se esses disparos não foram os causadores da morte de Wellington. Mas as pessoas, no geral, não se interessaram nesse fator. Essa falta de motivação não existiu por dois motivos: 1) O JN não tensionou a questão; 2) O JN transformou Wellington como um antimodelo. Os antimodelos não podem ser inocentados ou ser, de alguma forma, vitimizados. Mesmo que fosse comprovado que a morte do assassino foi por conta dos tiros provocados pelo sargento, considera-se que, muito raramente, isso seria colocado em questão. A relação criada é a de herói e vilão. Os vilões devem ter a morte como fim, já que são vistos como prejudiciais para a humanidade. É essa a forma com que o discurso toma corpo na sociedade. Assim, para afirmar que Wellington realmente se matou, vincula-se esse caso, que pode ser único, a outros semelhantes, por exemplo: JORNAL NACIONAL – “Um outro ataque chocou o mundo hoje. Um atirador matou seis pessoas e feriu dez no shopping center na Holanda... Ele tinha ficha criminal. Depois de causar uma tragédia com a metralhadora, ele pegou uma pistola e se matou”. Assim, como foi dito, vincular um caso específico a casos gerais é uma boa estratégia de argumentação. Desta forma, fica mais difícil e improvável que o(s) auditório(s) não aceite(m) como verdadeiro o que é dito. Entretanto, o JN, para não dizer que não falou sobre o suicídio, abordou a questão, através da fala de Fátima Bernardes, desta maneira: “O Instituto Médico Legal divulgou hoje o laudo cadavérico de Wellington de Oliveira. Segundo os documentos, o assassino sofreu lesões no crânio provocadas por um tiro na têmpora direita, o que comprova o suicídio”. Foi isso que foi dito sobre o suposto suicídio. Não se está afirmando que o próprio Oliveira não se matou. O que está sendo colocado é que, nesse fato, não existiram provas suficientes para dizer que foi de tal forma, e não de outra, que ocorreu a sua morte. Dito de outra maneira, o que se diz é que a argumentação, para ser validada pelo(s) auditório(s), nesse caso específico, pelos telespectadores, é necessário que se enquadre, de alguma maneira, em padrões já legitimados e conhecidos pelo(s) público(s) que se pretende persuadir e/ou convencer, fazer chorar ou fazer sorrir. Quando se quer legitimar um argumento, é necessário que se façam presentes alguns indícios que comprovem a perspectiva do orador. É assim tanto no discurso não midiático como no midiático. Todo discurso argumentativo utiliza-se de técnicas que tentam favorecer o viés que o orador tenta transmitir como verdadeiro. Nem todos os argumentos são utilizáveis para todos os casos: uns se prendem mais em uns fatos, outros, noutra problemática. Seria muita pretensão, sem se fazer uma análise de público, afirmar que todos os telespectadores do JN tinham opinião equivalente à do telejornal sobre o caso. Entretanto, de maneira geral, pode-se afirmar que muito do que foi noticiado como verdade pelo jornal mais assistido no Brasil, sobre o Caso Realengo, foi o que foi repercutido pela sociedade. Esse fator evidencia que os mass media, juntamente com as suas particularidades de encenações, são capazes de atingir as mentes e os corações do(s) seu(s) auditório(s). O que os meios de comunicação transmitem não está vinculado à noção de embuste, de engano, mas sim, de recorte de realidade como forma de tornar o seu posicionamento algo verossímil. Mas tem-se que deixar claro que a forma de pensar somente consegue ser agendada, pautada pela sociedade civil a depender do poder demonstrado pelo emissor. As estratégias, o emocionar, o uso da razão só fazem sentido se atrelados à imagem daquele que profere algo. O argumento, por mais lógico que pareça ser, pode ser questionado se o(s) auditório(s) não conferir(em) valor ao orador. Essa máxima vale tanto para a forma de enquadrar dos meios de comunicação de massa como para os argumentos que não perpassam por aparatos tecnológicos. Há divergências entre os diferentes tipos de retórica. Mas pode-se verificar que há algo que pode ser classificado como básico e fundamental para se argumentar. Esses princípios estão interligados às técnicas argumentativas. Assim, os argumentos observados nas mídias seguem o raciocínio quase-lógico, o qual pode ser visível em outros modelos retóricos. Ele é quase-lógico, como foi dito anteriormente, por não ser aceito universalmente, por não ter como se comprovar através de testes matemáticos, mas se faz convincente. Poderia dizer-se que os meios de comunicação de massa seguem os tipos de argumentos (1, 2, 3, 4, 5) apresentados anteriormente, mas são encenados de maneira própria, adequam-se ao modo estratégico de as mídias operarem. Assim, nesse caso, pode-se afirmar que o discurso midiático segue estruturas semelhantes à retórica não-midiatizada. Entretanto, o modo de operar diferencia-se pelas próprias possibilidades condicionadas e potencializadas pelos mass media. CONCLUSÃO A partir das teorias de comunicação da agenda setting, do enquadramento e do espiral do silêncio, pode-se concluir que os meios de comunicação, através de técnicas próprias, criam uma realidade que chega ao público como se fosse o real, sem nenhum tipo de construção, intervenção. Os mass media utilizam os argumentos para que estes sejam tornados verossímeis, passíveis de ser vistos como verdadeiros. Com isso, não se está dizendo que as mídias se utilizam de falsos discursos, mas sim, de ditos enviesados, que direcionam o público para um determinado olhar sobre o mundo. Não raras vezes, várias são as performances midiáticas que enquadram a realidade não “objetivamente”, mas sim, com o próprio posicionamento, enquadramento do orador. Muitos fatos podem ser contados de maneiras diferenciadas. Isso vai depender de como aquele que diz pretende convencer e persuadir o(s) seu(s) público(s). A morte pode ser vista como um caso de polícia, um caso de saúde e de outras tantas maneiras. Como exemplo, não raras vezes, muitos jornais mostram o Movimento Sem Terra (MST) como um assunto de falta de moral, de desrespeito por parte dos integrantes do movimento. Essa mesma temática poderia ser enquadrada de uma outra forma: O MST visto como os vitimizados. Essas criações de realidade vão depender do que se pretende levar ao(s) auditório(s) como mundo real, verdadeiro. O recorte, o pedaço do real entregue à(s) audiência(s) pode ser observado como estratégias do jogo argumentativo. Para se convencer e/ou persuadir é necessário que se digam algumas verdades e se escondam outras. Isso não quer dizer que exista, na retórica, a intenção de mentir, enganar; não é isso. Entretanto, nem tudo pode ser dito, mas o que é dito deve ter validade de verdadeiro. No mundo, midiático ou não, nem sempre é tão fácil conquistar as mentes e os corações. Assim, pode-se dizer que não são todos os produtos midiáticos, todas as emissoras que conseguem convencer alguém. Como, também, não é qualquer pessoa que consegue ter argumentos plausíveis. O poder de influenciar está, também, interligado à imagem, ao Ethos. O orador que tem boa imagem facilmente conseguirá persuadir alguém. É o caso do Jornal Nacional. Por ter uma história, um alto índice de audiência, ele consegue influenciar muitas pessoas. Não raras vezes, vê-se que muitos dos discursos proferidos pelo JN são reproduzidos pelas pessoas nas ruas. Dessa forma, esse telejornal pode ser visto e pontuado como um forte agendador de tema. O que é transmitido por ele, geralmente, é comentado pelos indivíduos em conversas diárias; até mesmo por aqueles que não concordem com o posicionamento do telejornal. É pertinente afirmar que esse Ethos do Jornal Nacional não se deve somente ao Jornal em si, mas, sobretudo, à rede da qual ele faz parte: A Rede Globo. Os produtos que fazem parte da Globo, geralmente, têm grande aceitação pelo público pela imagem que essa emissora construiu ao longo dos anos. Com o JN, não foi diferente. Mas o sucesso deste jornal deve-se às adaptações que foram feitas em termo de tecnologia, à boa reputação dos apresentadores do jornal e ao modo com que ele se apresentou à população. O discurso apresentado pelo telejornal é mostrado com um tom de sóbrio, “imparcial”. Foi dessa forma que o JN foi se comunicando com as audiências. O jornal de maior audiência no Brasil soube adaptar-se ao gênero no qual estava inserido. Isso corrobora eficazmente com a caraterização de um Ethos bem definido e colabora para que as pessoas creditem uma imagem positiva ao telejornal. Entretanto, muitas vezes, o Ethos prometido não é o mesmo que é visto. Se for feita uma análise sobre o Jornal Nacional, será verificado que o tom “imparcial” não é comprovado. Faces, entonações, escolhas de certas fontes já são capazes de ratificar a subjetividade do dito pelo jornal. Outra questão que pode ser colocada é o fator espetacularização. Como, atualmente, a busca da audiência é sinônimo de sucesso, não raras vezes, se percebe que aquilo que diziam fazer parte do posicionamento de jornais configurados como sensacionalistas começa a fazer parte do universo de jornais ditos sóbrios. O espetáculo é umas das características que permeiam o sensacional e o sóbrio. O JN não hesita em executar essa prática quando o financeiro, o capital, se “faz necessário”. Muitas vezes, também, o que se observa, no telejornalismo, é uma coluna estratégica muito parecida com as telenovelas. No jornal televisivo, principalmente, os modos de operar referentes à criação de vilão e mocinho, por exemplo, já demarcam a intersecção entre o discurso jornalístico e o discurso das novelas. Esse modo de fazer já é parte da regra encenada pelo Jornal Nacional. O drama já faz parte do universo telejornalístico. Entendendo a espetacularização como uma exacerbação de um acontecimento, pode-se dizer que todos os fatos podem ser apresentados de tal forma. Entretanto, uns podem o ser mais do que os outros. Aqueles jornais que apresentam sangue, morte, choro facilmente são convertidos em algo espetaculoso. Esse tipo de fazer jornalismo desprende-se do Ethos primário jornalístico, que está calcado na pura informação, e (re)cria um modo de narrar fixado na “informação emocional”. Na contemporaneidade, o espetaculum já está inserido no modo de operar das mídias. É isso que é dado ao auditório todos os dias. Ou seja, o Pathos faz parte do construir jornalístico. Tanto é dessa forma, que os jornalistas escolhem as melhores imagens para convencer os telespectadores, escolhem as palavras mais sentimentais para conduzir a tristeza, o medo. O comovere das tragédias gregas é aliado das tragédias implantadas no mundo midiático. O Pathos, no Caso Realengo, pode ser observado pela utilização de Jade e de outras crianças como fontes e pela própria exibição da imagem dos jovens que, de alguma forma, viam e reviviam, através dos olhos do JN, a história que foi considerada traumática, sobretudo, para os estudantes do colégio Tasso da Silveira que estavam presentes no dia do massacre. A escolha das crianças deve-se, sobretudo, a tentativa de sentimentalizar cada vez mais o acontecimento. O Caso Realengo pode ser visto através desse ponto de vista do espetaculoso. Não é difícil perceber que a cobertura do JN para esse acontecimento foi realizada para sustentar a lógica do fazer sentir. A informação estava relacionada à entrada de Wellington no colégio, à morte das crianças, à tristeza dos pais, a efeitos psicológicos. Com isso, a informação, muitas vezes, estava atrelada ao quanto de sentimental aquilo pôde provocar. Assim, muito do que se poderia ter discutido nesse fato foi descartado. Muitas vezes, o reforço, a exaustividade que as mídias fazem em determinado acontecimento poderiam ser considerados descartáveis, pois pouca coisa nova é dita. Há muita repetição do trágico, mas pouca informação do que realmente aconteceu. Tanto é dessa maneira que não se sabe mais nada sobre determinados casos. Por exemplo, não há mais informações sobre as crianças que presenciaram o acontecimento na escola. Será que muitas ficaram traumatizadas? Será que não querem mais estudar? Pelo telejornal, não se tem estes tipos de dados, de conhecimento. Estas investigações seriam feitas caso o telejornal conseguisse, de uma certa maneira, trazer novamente a tragédia à tona. Os mass media utilizam esta técnica para que muitas pessoas aceitem como necessárias, sensibilizem-se e tenham o desejo de ver as cenas dos próximos capítulos. O informar é pertinente. Fazer chorar (tanto os telespectadores como aqueles que estão sofrendo) é outro ponto a ser investigado. Mas esse tipo de estrutura de convencimento está, cada vez mais, sendo visível nos jornais. Como se sabe, para convencer, é necessário que se utilize a tríade argumentativa. Os três pilares devem estar associados para que o argumento faça sentido. O Logos, que é a própria mensagem, revela-se, no discurso midiático, pelo enquadramento do real. Ele deve ser bem construído e articulado. Nos telejornais, esse recorte da realidade é possível de ser feito também pelas imagens. Assim, muitas vezes, o que pode ser feito baseado através de estudos pelo Pathos pode ser feito também pelo Logos. Mas, entende-se que a imagem, muitas vezes, vale mais que mil palavras. Sendo assim, ela é capaz de ser vista como um tipo de razão em si. Falar que uma criança chora porque seu coleguinha morreu é diferente de mostrar, pelo discurso imagético, esse mesmo menino chorando por causa da situação. É muito mais comovente ver que ter acesso à informação através do discurso de uma outra pessoa. Nesse momento, pode-se verificar que a retórica midiatizada telejornalística tem sua diferença, em relação à retórica não mediada pelos meios de comunicação, pelo poder narrativo que aquela pode desencadear. Na retórica das mídias, é possível criar e produzir sentido a partir do encadeamento de imagens. Dificilmente, isso será possível em um mundo não midiatizado. O Logos, como elemento analítico dos telejornais, pode ser configurado a partir de categorias como modelo e antimodelo, por exemplo. Dessa forma, observa-se que as personagens da trama jornalística são o que o jornal, por exemplo, define. No mundo das mídias, as coisas acontecem de tal maneira. Por exemplo, Pelé é o rei do futebol muito por imposição das mídias. O padrão de beleza brasileiro é um reflexo do que os meios de comunicação afirmam. Assim, pode-se dizer que os veículos de comunicação de massa exercem grande influência no gosto, escolhas e comportamento das pessoas. No Caso Realengo, pode-se constatar tal afirmação. Wellington de Oliveira foi o vilão e o sargento Alves foi considerado o mocinho. No geral, a população reproduziu tais discursos. Reproduziu por ser dito pelo Jornal Nacional, pelo sofrimento, observado através das imagens, dos pais, parentes, vizinhos, por ter visto as crianças mortas no atentado e, ainda, pela repercussão e reforço feito em cima do par herói e vilão. Desta forma, é difícil até mesmo que o público consiga discutir assuntos pertinentes ao caso para além do que foi reproduzido pelo telejornal. Como foi discutido, Wellington poderia, sim, ter sido visto como um coitado na história. Entretanto, não houve a humanização desse sujeito. O tempo todo ele foi mencionado, representado como um monstro social, aquele que promove ameaça para a sociedade. Comparando-se o Caso Realengo ao filme Cidade de Deus, pode-se verificar que a personagem Zé Pequeno foi humanizada, sua condição foi vista como fruto do meio em que ela vivia. Sendo assim, para alguns, ele também era considerado herói, mesmo tendo atitudes que vão de encontro às condutas morais. Com Wellington, a história foi totalmente diferenciada. A opinião pública o desumanizou totalmente. Tanto é dessa maneira, que, no funeral do assassino, nem os familiares apareceram. A família se convenceu e/ou foi convencida de que o jovem atirador foi somente o réu da história. O discurso midiático é convincente pelas técnicas utilizadas para que o fato se torne o mais verossímil possível. Por exemplo, no jornalismo são usadas fontes para confirmar alguns pressupostos, imagens produzidas pelo próprio telejornal como imagens “registroreal”, que servem de argumento. No Caso Realengo, por exemplo, com o atraso das grandes emissoras midiáticas, houve o impedimento de que as redes “formais” fizessem a cobertura inicial. Vídeos de testemunhas, feitos por celulares, ajudaram na reconstrução do acontecimento. Isso mostra que, depois da abertura dos polos (emissor-receptor), a produção midiática acaba se reconfigurando e colaborando para um novo fazer jornalismo, o que favorece a entrada de um novo paradigma do discurso midiático e, com isso, criam-se novas formas de se analisar o que é jornalismo, como se capturar mais audiência, como se tornar fiel aos fatos e, assim, tornar-se mais credível. Considerando-se o resultado apresentado, pode-se verificar que a retórica midiatizada tem as suas particularidades, apesar de se apresentar, muitas vezes, como a não midiatizada. É preciso observar os meios de comunicação como veículos que são capazes de persuadir e convencer e, assim, faz-se necessário ampliar os estudos voltados a estes, interligando-os à retórica; procurando buscar novas categorias de análises e reconfigurar os estudos na área dos meios de comunicação de massa e os estudos sobre a argumentação. Como cada meio é uma mensagem, as mídias devem ser observadas pelas suas semelhanças, mas, sobretudo pelas suas diferenças. O radiojornalismo consegue convencer pela sua adequação ao Ethos jornalístico, mas, também, por sua adaptação ao rádio em si. A televisão – diante das novas ferramentas midiáticas (twitter, facebook), as quais possibilitam visibilidade sem custo – é, ainda, o veículo mais cobiçado por todos que pretendem tornar seus discursos cada vez mais visíveis. Esse gosto, essa necessidade deve-se, sobretudo, ao poder que a TV tem de alcançar muitos indivíduos (mudos, analfabetos etc.) e às experiências sensoriais que ela pode transmitir. Pelo jornal impresso, é possível observar imagens. Mas elas são estáticas e, por isso, não proporcionam as mesmas sensações estéticas que uma TV pode provocar. Sendo assim, é preciso buscar como os meios de comunicação e seus diversos veículos fazem para conseguir convencer e persuadir seu(s) público(s)-alvo e, a partir da análise, contribuir na inserção de novos estudos na área da retórica midiatizada. REFERÊNCIAS AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. ARENAS-DOLZ, Francisco. Patologias da retórica: da comunicação ao simulacro. In: LOPES Fernanda e SACRAMENTO, Igor (organizadores). Retórica e Mídia-estudos iberobrasileiros. Florianópolis: Insular, 2009. ARISTÓTELES. Cap.2. In: Retórica. Trad. Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. BRETON, Philippe. A Argumentação na comunicação. Trad. Viviane Ribeiro. 2. Ed. Bauru, SP: EDUSC, 2003. CANAVILHAS, João. Televisão: o domínio da informação-espetáculo. 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