Festival ES de Dança Vitória, Julho de 2011 Festival ES de Dança Vitória, Julho de 2011 Reunir um grupo seleto de bailarinos, dançarinos, pensadores e interessados pela dança de vários Estados brasileiros em um evento de três dias em Vitória não foi uma tarefa fácil, mas deu destaque a uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura, que evidenciou a todos a importância desta linguagem artística na vida cultural do Espírito Santo. Incentivar o contato com o processo criativo de outros artistas foi também um dos propósitos do Festival ES de Dança, visando sempre ao aprimoramento e ao fortalecimento desta manifestação artística em nossa comunidade. As apresentações de espetáculos no Teatro Carlos Gomes e no Teatro do Sesi, as mesas de debates, a dança de rua, as oficinas, as performances e os encontros informais, movimentaram de maneira saudável e produtiva o intercâmbio de ideias e experiências entre grupos locais e nacionais. Para muitos, a arte mais antiga criada pela humanidade, a dança em suas diversas modalidades continua sendo uma das artes mais praticadas na sociedade. Forma de expressão de sentimentos, de elaboração estética de emoções através de gestos e movimentos e de celebração individual e coletiva, a dança, através da primeira versão do Festival a ela dedicado, mobilizou um público amplo para desfrutá-la e refletir sobre os seus mais variados aspectos estéticos, culturais e sociais. Esta publicação pretende registrar este momento tão significativo na cultura do Espírito Santo e prosseguir os debates e trocas de idéias sobre a sua continuidade. Vida longa ao Festival ES de Dança! José Paulo Viçosi Secretário de Cultura do Espírito Santo 2 sumário Apresentação Um estado de espírito permanente, 8 Homenagem Alegria de viver a arte,10 Espetáculos Interação e encantamento com o corpo, 13 Embodied Voodoo Game, 14 Espalha pra Geral, 15 Ma’kwenda! Ma’kuisa! Memórias de um Corpo Negro, 16 Inabitáveis, 17 Passagens, 18 Adorno, 19 Super Nany, 20 Stultifera Navis, a Nau dos Loucos, 21 Céu da Boca, 22 Coreógrafos Independentes, 24 dedicatória Maria Lúcia Calmon * Itaguaçu (ES), 17 de novembro de 1945 † Vitória (ES), Fim de tarde, 24 ECO · 3 solos, 25 Extremos, 26 Elos, 27 Afro Continente, 28 O poder da transformação, 29 Espetáculos de Rua A arte ganha as ruas, praças e parques, 32 4 de fevereiro de 2010 Atividades Complementares Dança de Norte a Sul, 35 Oficinas Espaço de Experimentação, 36 Mesas de Debate As questões políticas e sociais da dança, 38 Análise, 44 Diretora e coreógrafa, fundou em 1989 a Cia. Corpo em Cena. Apresentou espetáculos como Otelo, Medéia e Penélope, entre outros, em palcos do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A retomada de um movimento, 45 A arte que dança, 46 Embodied Voodoo Game, Cena 11 Cia. de Dança Apresentação Um estado de espírito permanente Ao criar espaços favoráveis à troca de experiências e oferecer apresentações artísitcas de altíssima qualidade, Festival ES de Dança se afirma no cenário nacional da dança O Festival ES de Dança pode ser entendido como uma evolução natural. Evolução do movimento da dança no Espírito Santo ao longo das últimas décadas e mais especificamente do Fórum ES de Dança, evento que ocorreu em 2010 e determinou diretrizes para a política cultural no âmbito da dança. Natural pois é o reflexo dos anseios e demandas dos profissionais e amantes da dança no Espírito Santo. O Festival ES nasce, assim como aconteceu com o Fórum ES, incentivado e organizado pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult) como parte importante das políticas públicas culturais. É, sem dúvida, parte de um processo de retomada, se não da dança, que nunca deixou de ser pensada, produzida e apresentada pelos artistas locais, então da imagem da dança capixaba para o restante do país. Uma retomada que pode ser entendida como reafirmação de potência e identidade, em um momento no qual faz-se necessário exibir qualidades e demarcar espaços. À medida em que ocorre essa reafirmação, há em paralelo uma reaproximação enfática dos artistas e companhias locais com as danças criadas e disseminadas nos outros estados, tanto nos pólos tradicionais de produção quanto em novos centros que vêm surgindo, destacando-se e servindo como exemplo. Pois não basta mais chamar atenção para si sem dialogar artística e politicamente com seus pares. E se esse diálogo esteve ausente por um longo período - silêncio quebrado em raras ocasiões, quando alguma companhia ousava se apresentar por aqui ou quando nossos criadores rompiam barreiras regionais – o Festival ES de Dança ousou em sua primeira edição criar um ambiente favorável à interlocução, estruturado de maneira clara e ciente de que não pode ser um evento efêmero, mas um estado de espírito permanente. Encurtando essas distâncias e quebrando esse isolamento perverso, o Festival ES de Dança reuniu entre 6 e 9 de setembro de 2011, na Região Metropolitana de Vitória, convidados de diversas partes do país, grupos de renome internacional, além de artistas e companhias em atividade no Espírito Santo. Em uma programação intensa e abrangente, o público pôde assistir a uma seleção apurada de espetáculos nacionais consagrados nos últimos anos pela crítica e pelas plateias, além de conferir estreias nacionais de companhias com largo repertório. Aos estudantes e interessados pela prática, as oficinas foram o espaço ideal de aprimoramento. À classe artística profissional foram dedicados espaços de intercâmbio de ideias como as mesas de debates que aproximaram artistas que produzem em diversas partes do país. “Esses encontros são o oxigênio da dança no Brasil. Somos muito absorvidos pelo nosso fazer artístico e nesses momentos de reflexão é muito prazeroso poder escutar”, afirmou Suely Machado, diretora da Primeiro Ato Cia. de Dança, sediada em Minas Gerais e que conta com 25 anos de trajetória profissional e 14 espetáculos em seu repertório. Suely Machado participou de todos os espaços do festival: promoveu a oficina “Criação do Gesto”, participou da mesa Espaços da Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança do Brasil e ainda acompanhou sua companhia nas apresentações de Adorno, no Theatro Carlos Gomes, e Quebra-Cabeça, espetáculo de rua mostrado no Parque Pedra da Cebola em um domingo ensolarado. As ruas, parques e praças de Vitória, Vila Velha e Cariacica foram importantes espaços criados para que um certo público, distante dos palcos por motivos de ordem econômica ou social, se reaproximasse da arte. A apresentação de espetáculos pensados especialmente para os espaços públicos e a criação de flashmobs que envolveram intervenção urbana e dança serviram para chamar a atenção de plateias involuntárias, mostrando que a dança, essa arte tão próxima do cotidiano do homem que anda, sente e vive pelo corpo, ainda tem muito o que nos dizer e fazer pensar. O Festival ES de Dança não se limitou aos quatro dias principais de evento e nem esteve restrito aos espaços da Grande Vitória: os municípios de Montanha, no norte do Estado, e Castelo, no sul, receberam, no final de julho, oficinas complementares do festival em parceria com a Funarte. Em Montanha, a professora Michelle Camargo, de Curitiba (PR), foi a instrutora da oficina de “Investigação do Movimento”, com o objetivo principal de expandir as possibilidades de criação em dança a partir da pesquisa de determinados elementos que compõe o movimento, e ao final do trabalho se disse surpresa e feliz com o ambiente favorável à dança que encontrou na cidade. “Não esperava encontrar tantas pessoas com tamanha vontade de aprender, visto que a cidade tem apenas 17 mil habitantes. Tanto a participação dos oficineiros quanto o envolvimento da secretaria na organização da oficina permitiram que as vinte horas de oficina fossem aproveitadas intensamente”, afirmou Michelle Camargo. Além da interiorização do evento, dois outros pontos contam a favor do Festival ES de Dança no quesito democratização: a gratuidade de toda a programação, que inclui espaços de formação importantes, como as oficinas, fundamentais para os profissionais que vivem da dança e carecem de conhecimento renovado sem cessar, e a pluralidade das linguagens em todos os espaços. O festival pode se vangloriar de ter estado aberto a todas as tendências da dança, do balé clássico à dança contemporânea, passando por pesquisas tão específicas quanto a dança afro, butoh e vertentes expressionistas, sem deixar de lado, além disso, diversas vertentes da dança urbana de rua. “O festival está valorizando todas as danças e os artistas. Dança é dança, antes de entrar a técnica, existe o sentimento”, afirma Thaís de Luca, 27 anos, diretora e uma das coreógrafas do Movimenturbano, grupo de Vila Velha que pratica vertentes da dança urbana. O Festival ES de Dança também dá um salto importante ao criar no Espírito Santo um evento que surge consagrado por profissionais importantes e possibilita assim a inserção definitiva do Estado no cenário da dança nacional, consolidando no calendário artístico sua programação e possibilitando ao artista que produz no Estado a oportunidade de despertar a atenção do público e dos formadores de opinião para o seu trabalho. Nas próximas páginas, seguirá relatos da atmosfera criada no festival com pontos de vista diversos sobre o que foi vivenciado em espaços tão diversos por pessoas apaixonadas pela dança. Ao final, resta a esperança de que tudo o que foi construído se desdobre em ações as quais poderemos considerar também evoluções naturais desse primeiro Festival ES de Dança. 9 homenagem ALEGRIA DE VIVER A ARTE Angel Vianna é a homenageada da primeira edição do Festival ES de Dança. Ausente por motivos de saúde, ela foi lembrada em vídeo na abertura do festival. Carreira Foto: Bruno Descaves C omo se pedindo a benção aos deuses da arte, o Festival ES de Dança, em sua primeira edição, presta homenagem mais que devida à bailarina, coreógrafa, pesaquisadora e professora Angel Vianna, grande referência brasileira nos palcos, no desenvolvimento de técnicas corporais e no ensino da dança. Angel Vianna, 83 anos, não pôde viajar a Vitória para acompanhar a programação do evento e receber pessoalmente o carinho do público em sua homenagem, mas foi lembrada na noite de abertura com um a exibição de um bate-papo em vídeo realizando no Rio de Janeiro. Lamentando a ausência, Angel também conversou com a revista sobre sua carreira, o atual estágio da dança no Brasil e a importância de eventos como o Festival ES de Dança, que ampliam os horizontes e abrem novas perspectivas aos profissionais. “Quando penso em festival, penso em comunicação, todos se comunicam: os bailarinos, os coreógrafos, os técnicos, o público; acontecem encontros, trocas de conhecimentos, de criação, de afetividade, de vida, de linguagens artísticas, de amizades. A convivência aumenta a coragem, o desempenho, as maneiras de se colocar no palco. O festival amplia a percepção do corpo pensante da gente em sua totalidade. Os encontros pessoais geram intercâmbios entre os trabalhos ultrapassando os limites, as distâncias entre as pessoas, criando assim outras possibilidades de mudanças, de transformação”, afirma Angel. Angel Vianna iniciou os estudos de balé clássico no ano de 1948 com Carlos Leite, no Ballet de Minas Gerais, sediado em Belo Horizonte. Em 1955 se casou com Klaus Vianna, com quem abriu seu primeiro centro de ensino, a Escola Klaus Vianna, ainda em Minas Gerais. No início da década de 60, lecionou na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Em 1964 se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou a ensinar balé e deu aulas de expressão corporal. Na década de 70 se notabilizou por realizar a preparação corporal de atores para o teatro. Angel e Klaus abriram em 1983, no Rio de Janeiro, o Espaço Novo – Centro de Estudos do Movimento e Artes. No mesmo local, em 2001, passou a funcionar a Faculdade Angel Vianna, com graduações bacharelado e licenciatura em dança, além de diversos cursos de férias e de pós-graduação lato sensu. Com tamanha experiência, Angel sabe que ainda há muito a ser feito pela dança no Brasil. “Gostaria de dizer que a situação está confortável, mas não é verdade. Falta muito a ser feito, não é possível que apenas os professores façam seu trabalho nas escolas, nas faculdades, nos cursos livres; não adianta, precisa existir programas de desenvolvimento, de política publica em todas as esferas: federal, estadual e municipal, mas todos em sintonia. É preciso acreditar mais na cultura do país – isto está faltando, alguns estados avançam outros nem tanto”, declara. Paralelamente, Angel Vianna reconhece o trabalho que tem sido realizado por dançarinos, coreógrafos e professores em Vitória, com a contribuição importante do poder público. “Fico feliz que vocês estão empenhados para a dança,. Já estive algumas vezes em Vitória e sei que vocês trabalham duro por aí, pelo bailarino, pela arte da dança”, diz a experiente bailarina. Transformação Criadora do método “Conscientização do Movimento”, que busca proporcionar maior conhecimento do corpo através da percepção de sua estrutura e funcionamento, Angel Vianna é uma criadora atenta à importância da dança na redescoberta da liberdade pelo homem. É a essa força que ela credita a escolha de seu nome e de sua carreira como homenageados do Festival ES de Dança. “É a paixão, o empenho, a atenção – o estar atento com o ser humano e gostar de gente, criar através da dança a transformação, a alegria de viver, porque desde os primórdios o homem dança a própria vida”, afirma. Ciente do papel da arte na busca pela essência da vida, Angel tem consciência do papel transformador de sua atuação ao longo das últimas seis décadas. “O mais legal é a transformação do ser humano através do movimento e da arte de dançar”, conclui Angel. “É preciso criar um fórum permanente de discussão das políticas públicas para a área cultural” Verônica Gomes, presidente do Satedes (Sindicato do Técnicos do Espírito Santo) Adorno, Primeiro Ato Cia. de Dança espetáculos Interação e encantamento com o corpo Nos quatro dias de evento, o Festival ES de Dança levou nove espetáculos aos palcos do Theatro Carlos Gomes e Teatro do Sesi, em Vitória, em um panorama da dança brasileira dos últimos três anos. O s nove espetáculos apresentados no Festival ES de Dança desenham um mosaico interessante do cenário da dança brasileira produzida no Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina. Videogame, cultura afro, expressionismo e tantos outros suportes, interações e linguagens somados à dança contemporânea demonstraram a energia que pulsa na criação artística nacional. Para o público, o contato inicial com as apresentações nacionais não poderia ter se dado de forma mais radical: o Grupo Cena 11 Cia. de Dança e seu Embodied Voodoo Game (2009). O espetáculo é construído com a participação ativa da plateia e possui uma coreografia calcada no contato físico direto e violento, além de apresentar personagens que beiram o estado selvagem da natureza, com urros e movimentos animalescos. A companhia catarinense desestabilizou as concepções pré-estabelecidas de palco, direção e público, trazendo para a coreografia conceitos de jogos eletrônicos e manipulação do corpo. De forma lúdica e com uma linguagem dedicada ao público infanto-juvenil, Denise Stutz e Felipe Ribeiro com seu Espalha pra Geral (2010) seguiram a tendência e partiram da poesia para conquistar o público no Teatro do Sesi, em duas sessões lotadas de estudantes do ensino médio na faixa etária de 7 a 14 anos. Com um início convencional, fabular, os dois personagens, a menina que sonhava com o mar e o menino que não sabia dançar, ganham aos poucos a audiência e vão se misturando a ponto de, no fim, o espetáculo extrapolar o espaço do palco, sair do teatro e ganhar a rua. Três espetáculos do Espírito Santo se apresentaram no Theatro Carlos Gomes na segunda noite do Festival ES de Dança. A Mitzi Cia. de Dança, dirigida pela bailarina e coreógrafa Mitzi Marzzuti, mostrou Passagens, que comemora os 25 anos da companhia. Criação do coreógrafo mineiro Mário Nascimento, com direção de Mitzi, o espetáculo apresenta momentos de intensa sensibilidade, com belas cores criadas a partir da iluminação cênica e elementos de cenografia. Pensado como objeto de contemplação, Passagens frisa o tempo cronológico e a luta constante por manter o frescor da vida, as renovações e alegrias. Inabitáveis, da Cia. de Dança In Pares, com os bailarinos Marcelo Vitor e Mauro Marques dirigidos e coreografados por Gil Mendes, cria uma atmosfera urbana com a contribuição da música e do vídeo para expressar os dilemas e angústias de dois homens em um relacionamento. A linguagem próximo do público, com intenções claras, e dois bailarinos em perfeita sintonia são pontos altos do espetáculo. Ma’kwenda! Ma’kuisa! Memórias de um Corpo Negro (2008) é o nono espetáculo da Negraô Cia. de Dança e segue a pesquisa de dança afro realizada há duas décadas. O grupo, que tem direção artística de Gil Mendes, surgiu em 1991 com o objetivo de resgatar e difundir a cultura negra capixaba e tornou-se conhecido por aprofundar a relação da cultura popular com as raízes africanas, notadamente as danças tradicionais. A terceira noite do festival trouxe de volta ao Theatro Carlos Gomes a Primeiro Ato Cia. de Dança, dessa vez estreando Adorno, que também tem influências diretas da cultura africana, mas ressignificadas pela coreógrafa Suely Machado nos moldes da pesquisa de dança contemporânea realizada há 25 anos pelo grupo mineiro. Adorno segue caminho distinto de outras peças do grupo, como Geraldas e Avencas e Sem Lugar, apostando em um figurino rebuscado, repleto de cores e adereços (e o adorno do nome ganha múltiplos significados), em uma cenografia carregada de tecidos e sombras que criam diferentes níveis e territórios no palco, buscando refletir sobre o primitivo e o etéreo na evolução do ser humano. Pontuada por sutis ironias e com uma visão cínica da sociedade, Super Nany, do Balé da Ilha Cia. de Dança, está no limite entre teatro e dança, com tons de comédia que conquistaram o público do Teatro do Sesi no início da última noite do festival. O espetáculo é uma parceria do diretor e coreógrafo Marcos Pitanga com a bailarina Patrícia Miranda. Com referências do cinema expressionista, da pintura de Hieronymus Bosch e do teatro de Antonin Artaud, Sultifera Navis - A Nau dos Loucos, o último espetáculo apresentado no Teatro do Sesi, é uma releitura da obra de mesmo nome criada por Magno Godoy à frente da Cia. Neo-Iaô em 1986. O coreógrafo e bailarino Marcelo Ferreira, com a Cia. Teatro Urgente, promove aqui uma releitura daquele espetáculo, com a liberdade de recriar e desconstruir gestuais, o que resulta em uma obra visualmente fascinante, pautada por movimentos rigorosos e um esforço de caracterização que consolida de maneira radical a atmosfera expressionista buscada pelo grupo. Se a abertura do festival trazia o Cena 11 com sua linguagem híbrida, sua coreografia áspera e aparatos tecnológicos, o encerramento levou o público do Theatro Carlos Gomes de volta às origens da vida e aos dilemas entre terra e paraíso com sutileza, bom humor e sensibilidade. Céu na Boca (2009), da goiana Quasar Cia. de Dança, arrebatou a platéia nos seus 75 minutos de duração. A trilha sonora impecável, alternando entre boleros dos anos 50 e música eletrônica, a coreografia plasticamente deslumbrante e uma comunicação e identificação perfeitas dos bailarinos com a plateia fizeram do encerramento do Festival ES de Dança um momento emocionante e concluíram de maneira brilhante os quatro dias de evento. Céu na Boca, Quasar Cia. de Dança 12 13 Embodied Voodoo Game Espalha pra Geral Cena 11 Cia de Dança (SC) Denise Stutz e Felipe Ribeiro (RJ) Ano: 2009 Duração: 60 minutos Classificação Indicativa: Livre Ano: 2010 Duração: 50 minutos Classificação Indicativa: Livre Sinopse: Desenvolvido para a Mostra GamePlay – Itaú Cultural, o espetáculo cumpre com os princípios de pesquisa da companhia materializando na dança a discussão entre tecnologia, arte e interatividade. O Grupo Cena 11 propõe uma formulação coreográfica que expõe relações entre dança, corpo e videogame. A interatividade total é atingida com a participação do público, que é convidado a participar do jogo proposto compartilhando das ações de controle na construção de um comportamento cênico. Sinopse: Era uma vez uma menina que sonhava com o mar, era uma vez um menino que não sabia dançar, era uma vez um cachorro que não sabia latir, era uma vez uma menina que ficou pequenininha e sumiu, era uma vez um menino que via cores, era uma vez uma menina que brincava de era uma vez. Espalha pra geral! é assim, uma brincadeira sem fim! No Grupo Cena 11, um núcleo de criação com formação em várias áreas compõe a base para uma produção artística em que a ideia precisa ganhar expansão num corpo e se organizar como dança. Em 1994, sob direção de Alejandro Ahmed, produziu seu primeiro espetáculo: Respostas sobre dor e a partir de 1998 começou a atuar como uma companhia profissional. Recebeu vários prêmios e tem circulado pelos principais festivais de dança no Brasil, sendo convidado para festivais na Alemanha e em Portugal. Denise Stutz e Felipe Ribeiro iniciaram a parceria em 2009. Juntos criaram Justo uma Imagem (2010), para o Rumos Itaú Cultural. Denise Stutz iniciou seus estudos de dança em Belo Horizonte. Em 1975, junto com outros dez bailarinos, fundou o Grupo Corpo. Trabalhou com Lia Rodrigues como bailarina, professora e assistente de direção. Há dez anos cria e interpreta suas próprias obras, com grande circulação nacional e internacional. O carioca Felipe Ribeiro, que tem formação em cinema, cria imagens em vídeo para os espetáculos e aos poucos vem se integrando aos espetáculos de Denise, tornando-se também bailarino. Direção artística e coreografia: Alejandro Ahmed / Elenco e coreografia: Adilso Machado, Aline Blasius, Cláudia Shimura, Jussara Belchior, Karin Serafin, Leticia Lamela, Marcos Klann, Mariana Romagnani / Trilha sonora e coordenação de montagem: Hedra Rockenbach / Operação de som, luz e projeção: Alejandro Ahmed e Hedra Rockenbach / Figurino: Karin Serafin / Núcleo de criação: Alejandro Ahmed, Karin Serafin, Hedra Rockenbach 14 Roteiro, Texto, Direção e Elenco: Denise Stutz e Felipe Ribeiro 15 Ma’kwenda! Ma’kuisa! Memórias de um Corpo Negro Inabitáveis Cia de Dança In Pares (ES) Negraõ Cia de Dança (ES) Ano: 2008 Duração: 50 minutos Classificação Indicativa: Livre Sinopse: Retrospectiva de algumas coreografias do repertório de espetáculos produzidos pelo grupo NEGRAÔ ao longo dos seus 19 anos de existência. Nele estão representados elementos tradicionais, religiosos, releituras folclóricas de manifestações da cultura afro-brasileira e criações contemporâneas. Os quadros geram situações que nos remetem aos diferentes espaços e tempos das manifestações negras. Nessa cosmogonia negra repleta de símbolos da nossa cultura, queremos ressaltar a cultura afro-capixaba. Trata-se de um trabalho onde o grande exercício é vasculhar a memória, reencontrar no corpo as posturas, o gestual, o modo de cantar, o imaginário dos filhos da diáspora africana. O resgate dos fatos e das histórias fantásticas que moldaram a nossa ‘negra maneira de ser’! A Cia. já montou sete espetáculos desde 1992, com circulação por todo o Espírito Santo e pelo Brasil. Em 2004, a Cia. Participou do VI Encontro das Nações – Brasil de Todos Os Tons, em Florianópolis, com o espetáculo Furdúncio. Ano: 2011 Duração: 25 minutos Classificação Indicativa: 14 anos Sinopse: O espetáculo mostra dois homens que poderiam ser muitos outros e suas trajetórias, paralelas, tangenciais e de entrelaçamento. Explora no limite entre dois seres as infinitas possibilidades de recompor o espaço do cotidiano e da diversidade através de construções e desconstruções coreográficas. Desejos, medos, anseios, sublimação, enfrentamento, são os conteúdos simbólicos explorados no trabalho. Fundada no ano de 2004, a Cia. De Dança In Pares se intitula como um grupo de pesquisa em novas linguagens na dança contemporânea. O primeiro trabalho da companhia estreou no 7º Festival Nacional de Monólogos - Prêmio Cidade de Vitória Teatro e Dança 2004, no qual o bailarino Mauro Marques recebeu o prêmio de Melhor Intérprete. Concebido inicialmente no formato solo, o trabalho ganhou o formato duo com o bailarino Marcelo Vitor e a partir de então a Cia de Dança In Pares tem conquistado bons resultados em suas apresentações em mostras e festivais tendo sido agraciado com diversas premiações. A companhia trabalha com ensaios regulares de aprimoramento técnico e artístico e de construção de uma linguagem particular e incentiva seus bailarinos a buscar aprimoramento com outros profissionais visando manter a filosofia de ‘Unidade na Diversidade’. Seus membros vêm de experiências sólidas em outras companhias. Coordenador: José Nilson Coutinho do Amparo / Diretor de Produção: Magno Encarnação / Diretor Artístico e Coreógrafo: Gil Mendes Iluminação: Overlan Marques / Assistente de palco: Maria Gisela do Amparo Paes / Concepção de Figurino: Magno Encarnação coreografia e direção: Gil Mendes / Bailarinos: Marcelo Vitor e Mauro Marques / iluminação: Overlan Marques Dançarinos: Giovana Gonzaga, Kátia Cuzzuol, Nilson Coutinho, Gislene Bento, Mauro Marques, Izabela Azevedo, Luciano Coelho, Joilson Santana. Pesquisa Musical: Gil Mendes, Marcelo Vitor e Mauro Marques / Pesquisa de vídeo: Marcelo Vitor 16 17 Passagens Adorno Cia. Mitzi de Dança (ES) Primeiro Ato Cia. de Dança (MG) Ano: 2011 Duração: 60 minutos Classificação Indicativa: Livre Ano: 2010 Duração: 60 minutos Classificação Indicativa: Livre Sinopse: Como lidar com o tempo? Permitir que o correr cronológico da vida seja contribuinte e construtor de uma personalidade jovial, não somente o caminho de entrega ao envelhecer. Como buscar constantemente manter o frescor e desfrutar a vida? Renovar-se a cada instante, não se permitindo enfraquecer com a passagem do tempo. Sinopse: Entre o instante e o extinto, entre o humano e o sideral, acontece o fenômeno. O som desperta o instinto e a luz, e na criação o possível. O homem e suas possibilidades. As imagens das tribos Mursi e Surma, da região do Vale do Omo, na África, serviram de estímulo para a construção, levando a equipe a uma reflexão sobre o primitivo e o sideral na evolução do ser humano, na aproximação entre masculino e feminino, suavizando as diferenças e diluindo barreiras. Responsável pelo movimento profissional da dança no ES, a Cia. de Dança Mítzi Marzzuti foi fundada em 1986 e reúne em seu repertório coreografias assinadas por coreógrafos de renome nacional e internacional. Representou o Espírito Santo nos maiores eventos e festivais de dança do país, entre eles: Plataforma de Dança para Saint Dennes (França), Encontro Nacional de Dança (Paraíba), Festival Nacional (Recife), Vila Dança Convida (Salvador), Observatório de Dança (Belo Horizonte), entre outros. São 21 prêmios nacionais conquistados ao longo de todos esses anos. Sob a direção de Suely Machado, realiza um trabalho em dança contemporânea diverso e singular. Desde o início, em 1982, tem por objetivo investigar e ampliar o universo da dança em espetáculos expressivos, com apuro cênico, rigor técnico e forte apelo emocional, através de processos colaborativos de pesquisa. A participação ativa dos bailarinos na criação traz um resultado consequente no desenvolvimento do processo criativo. O grupo tem 14 espetáculos em repertório. Concepção, direção coreográfica e direção geral: Suely Machado / Estudo do Movimento: Alex Dias / Assistente de Direção: Marcela Rosa Arquitetura do Movimento: Alex Dias, Ana Virginia Guimarães,Danny Maia, Lucas Resende, Marcela Rosa, Pablo Ramon, Thiago Oliveira, Verbena Cartaxo, Verônica Santos Desenho de luz: Jorginho de Carvalho / Operação de luz: Elias do Carmo / Operação de som: Fabrício Galvani / Cenotécnico: Roberto Duque / Figurino: Ronaldo Fraga direção geral: Mítzi Marzzuti / coreografia: Mário Nascimento / Iluminação: Edgard Barbosa / Figurinos: Mítzi Marzzuti / Trilha sonora: Mário Nascimento Trilha Sonora: Lula Ribeiro e Marco Lobo / Canto: Mauricio Tizumba e Titane / Concepção e Direção de criação de cenário: Guile Seara / Produção: Regina Moura Elenco: Carolina Mattedi, Nerdin Montenegro Alvarez, Gabriela Camargo, Paloma Tauffer e Marcos Saleme. Artista colaboradora do processo: Inêz Vieira 18 19 Super Nany Stultifera Navis, a Nau dos Loucos Balé da Ilha Cia. de Dança Cia. Teatro Urgente (ES) Ano: 2011 Duração: 30 minutos Classificação Indicativa: Livre Ano: 2010 Duração: 30 minutos Classificação Indicativa: 16 anos Sinopse: Super Nany é uma investigação em dança-teatro, não como denominação ou estilo, mas com perguntas próprias. Possui uma Narrativa, concebendo uma narração do corpo e da cena. Com humor dosado narra momentos da vida da personagem Maria Eugênia, vulgo “Nany”, que em um momento quase epifânico, quando resolve mudar radicalmente o rumo de sua vida, largando tudo. O foco do trabalho é a personagem, para falar do caos no qual se encontra a sociedade contemporânea, sobretudo no que diz respeito a violência contra a mulher, do olhar que ainda hoje se tem sobre o gênero feminino e suas possibilidades. Sinopse: A coreografia Stultifera Navis foi originalmente concebida pela Cia. Neo-Iaô em 1986 sob direção de Magno Godoy e se baseava em teorias de Michel Foucault e quadros de Hieronymus Bosch. Passados 24 anos da estréia, Marcelo Ferreira, que era um dos bailarinos daquela primeira montagem, decide embarcar outra vez nessa nave e jogar-se num processo de (dês)construção de cenas e gestuais anteriormente concebidos por Godoy. Marcos Pitanga e Patrícia Miranda retomam uma antiga parceria, com a produção executiva de Karla Ferreira. A Cia. Teatro Urgente, sediada em Vitória, iniciou suas atividades em 2003, dirigida por Marcelo Ferreira, também ator, bailarino e professor. Desenvolve pesquisa de linguagem cênica e formação de intérpretes-criadores, revelando em seu estilo referências estéticas influenciadas pelo expressionismo, pela dança butoh e dança neo-iaô (cuja Cia. de Dança o diretor fundou em 1986, com Magno Godoy e atuou até 2001), pelo teatro de Grotowski e Antonin Artaud, situando-se no limiar do teatro-dança. Exemplos dessa fase de realizações que dialogam também com o cinema são as coreografias Nosferatu e Metrópolis, ganhadora do Prêmio Klaus Vianna de Dança em 2007. CRIAÇÃO E DIREÇÃO: Marcelos Ferreira / supervisão: Maura Baiocchi (Cia. Taanteatro – SP) / Elenco: Arcanjo Nobre, Diego Pinto, Marcela Cavallini, Marcelo Ferreira, Vinicius Cavatti / Iluminação: Everaldo Nascimento / Músicas: Jaceguay Lins, Magno Godoy, Erik Satie / Trilha Original: Raphael Coutinho / Vídeo: Juba Paixão (Nova Filmes) / direção executiva: Karla Ferreira / direção artística: Marcos Pitanga / coreografia: Marcos Pitanga / bailarinos: Patricia Miranda e Marcos Pitanga 20 Figurino, cenário e maquiagem: David Scardua (a partir de figurino e cenário originais de Magno Godoy e Jeveaux) / Produção: Cia. Teatro Urgente 21 Céu na Boca Quasar Cia. de Dança (GO) Ano: 2009 Duração: 75 minutos Classificação Indicativa: Livre Sinopse: As leis físicas e as teorias evolucionistas serviram de ponto de partida para a criação de Céu na Boca. O trabalho discute a relação entre o paraíso que se deseja e a realidade que nos é oferecida, concluindo que melhor mesmo é tirar proveita da vida como ela é. Cria paralelos entre o céu, como lugar ideal, e a boca, metáfora para a realidade palpável. Humor e drama, movimento e não-movimento, música eletrônica contemporânea e o instrumental dos 50 são outros paradoxos da obra. Fundada em 1988 por Vera Bicalho e Henrique Rodovalho, a Quasar Cia. de Dança tem suas origens no Grupo Energia, formado em Goiânia no início dos anos 80. Instalada no Brasil Central, a Quasar se consolidou como companhia profissional, independente, e alcançou lugar de destaque no cenário da dança contemporânea nacional e internacional. A linguagem própria desenvolvida pelo grupo é referência estética para pesquisadores em todo país. “É uma oportunidade enorme ter pessoas de estilos e conceitos diferentes reunidas. Foi bonito ver espetáculos tão distintos e para pessoas tão diferentes” Suely Machado, diretora do Primeiro Ato Cia. de Dança (MG) Coreógrafo: Henrique Rodovalho / Trilha Sonora: Hendrik Lorenzen, Taylor Deupree, Marc Leclar, Goldie, Stacey Kent, Ray Coniff, Umebayashi Shigeru Figurino: Cássio Brasil Stephanine Ricciardi, bailarina do Salzburg Ballet (Áustria) 22 23 coreógrafos independentes espaço de experimentação Fim de tarde A Cia Kerigma propõe na simplicidade do movimento acalmar com sutileza o coração daquele que espera. Num momento de reflexão, elevar a fé e o espírito em uma dança que vai além das fronteiras do movimento e alcança a alma do espectador. Processo de criação: Se deu de forma natural. Minha pesquisa se desenvolve em torno do amor e as ações relativas a esse sentimento, principalmente explorando o contexto da espera, conforme o texto bíblico “O amor, tudo crê, tudo espera e tudo suporta”. O trabalho se dá com um grupo de bailarinos que consegue romper as cadeias do movimento, pessoas que falam com suas almas e vidas, facilitando assim o trabalho do coreógrafo. Coreógrafo e diretor: Álvaro Leal Bailarina e Diretora: Vanessa Leal Bailarinos: Jackeline Nepomuceno, Izabella Farias, Leonardo Soprani, Camilla Prota, Camilla Rocha, Tatiane Passos, Bruno Correa, Eduardo Galvão, Gabriela Azevedo ECO · 3 solos Coreografia e Luz: Armando Aurich Bailarinos e Figurinos: Jordélio Vieira, Isabela Medeiros e Fernanda Cassilhas Processo de criação: Trabalho abstrato em que a relação se faz através do movimento versus música e também pela qualidade do movimento. Elos Extremos Direção e concepção de figurino: Liliani Cunha Bailarinos: Anna Paulina Cardoso, Luisa Matias Vilar e Isabela Castor Altoé Sinopse: Coreografia com a formação clássica de três bailarinas e coreografia neoclássica. Processo de criação: “A música utilizada me sugeriu trabalhar no universo de extremos tanto no lado musical como também na linguagem corporal. A coreografia foi desenvolvida com elementos também sugeridos pelas próprias bailarinas, dando liberdade para que o corpo pudesse criar novos caminhos.” Coreógrafo: Nerdin Montenegro Música: Alexandre Desplat Bailarinas: Lara Tosi Modolo, Marina Abelha Barreto, Carla Bruno Assis Figurino: Atelier Inez Afro Continente o poder da transformação Coreógrafo: Alecsandro Lacerda da Silva Diretor: Eduardo Cezini Bailarinos: Matheus Venancio Pimenta, Gean Pimenta Nunes, Roberio Pimenta Santos, Paulo Luiz Soares de Souza, Dheison Rodrigues dos Santos, Erick Rena Sabino, Dayvison Vasconcelos, Willian Tiago da Silva. Diretor, coreógrafo e bailarino: Fabricio de Jesus Santos Bailarinos: Igor Henrique Gonçalves, Jamily Rodrigues, Géssica Fernades, Andressa Dosse, Isabela Rabelo, Rafaela Cunha, Isis das Neves, Fabiola Lopes, Geovania Souza Sinopse: Todas as danças são fatos da África. Temos a Dança dos Mortos, o Canto da África, a Dança da Lua. Processo de criação: Quatro coreografias desenvolvidas ao longo dos últimos dois anos, como estudos de dança africana, com diversos símbolos e muita pesquisa. São ritmos diferentes e danças que contém pequenas histórias. Sinopse: Espetáculo com 13 integrantes tem como eixo temático a análise do surgimento do hip hop e transformações. Processo de criação: A ideia era que nós, adultos, seremos eternamente crianças. Mas às vezes, por trauma ou inveja, pessoas querem impedir as crianças de sonhar. Acreditamos que através da dança todos possam aos menos sonhar. “A arte de rua é uma coisa que não pode morrer. É muito importante, principalmente para quem não pode pagar para ir a um teatro. Meu neto nunca tinha assistido a teatro na rua e ficou emocionado” Corina Gonçalves de Oliveira, aposentada, 65 anos, sobre a perfomance A Caixa de Bonifácia, de Ingrid Mendonça, na Praça Costa Pereira A Caixa de Bonifácia, Ingrid Mendonça 30 31 espetáculos de rua a arte ganha as ruas, praças e parques Espaços públicos da Grande Vitória receberam performances, flashmobs e espetáculos de rua para alegria do público, surpreendido pela espontaneidade das ações E m uma quinta-feira de temperatura amena, no Centro de Vitória, a vendedora de picolés Eunice Machado Monteiro interrompeu seu trabalho por alguns instantes e começou a recolher do chão alguns papeis vermelhos em formato de coração que ela guardaria como lembrança do Festival ES de Dança. Naquele dia, o segundo do festival, duas perfomances movimentaram a Praça Oito e a Praça Costa Pereira, onde Eunice trabalha, à hora do almoço. Primeiro a União dos Dançarinos do Espírito Santo (UDES) promoveu um flashmob – termo que define um tipo de mobilização rápida com um objetivo pré-estabelecido – com 40 bailarinos reunidos de diversos grupos e estilos. A intervenção urbana acabou tendo transmissão ao vivo de uma rede de TV que transmite da Praça Costa Pereira para todo o Estado. “Nesse flashmob tem gente que nunca dançou em companhia, tem dançarino do movimento hip hop, de balé, de contemporânea e de afro”, definiu a organizadora, Yuriê Perazzini, 26 anos, integrante da UDES. Segundo ela, as danças de rua voltam a ocupar seu espaço, depois de um período de pouca divulgação e estímulo. “O movimento hip hop andava decaído e sem espaços para dançar. Então começamos a promover eventos por amor à dança, como o Encontro de Danças Urbanas, focado no street dance, que acontece no último sábado de cada mês na Praça dos Namorados. Após o Fórum ES de Dança, em 2010, também as escolas começaram a retomar o ensino de outras modalidades, além do balé e da dança contemporânea”, analisa Yuriê. Quem passava pela praça foi pego de surpresa pela movimentação repentina e pelo espetáculo espontâneo, estimulado pelo Festival ES de Dança. “Gosto de dançar, mas dessa vez fiquei só assistindo. Achei ótimo”, afirmou o vigilante Gentil Roberto, 40 anos. Após o flashmob, Ingrid Mendonça apresentou a performance A Caixa de Bonifácia em um dos jardins da Praça Costa Pereira, esquete que a coreógrafa encerrou distribuindo os pequeninos corações com mensagens de auto-estima que a vendedora Eunice recolheria. “Espero que possam ajudar a solucionar o que aparentemente não tem solução, que é a situação do país hoje”, afirma Ingrid. Para Eunice, a surpresa e a possibilidade de sentir a emoção proporcionada pela arte foram chances raras que precisam ser compartilhadas por todos. “É uma diversão para as pessoas que estão oprimidas. Se tivesse mais crianças assistindo seria muito bom, porque se isso mexe tanto com nós adultos, imagina com elas”, definiu a vendedora. Já a aposentada Corina Gonçalves de Oliveira, de 65 anos, moradora de Cariacica, passava pela praça com o neto, Mateus, de nove anos. “A arte de rua é uma coisa que não pode morrer. É muito importante, principalmente para quem não pode pagar para ir a um teatro. Meu neto nunca tinha assistido a teatro na rua e ficou emocionado”, revelou. A Caixa de Bonifácia, Ingrid Mendonça atividades complementares Dança de Norte a Sul Parceria da Secult com a Funarte promove oficinas de capacitação em Montanha, no norte do Estado, e Castelo, na região sul, descentralizando ações de política cultural e expandindo fronteiras da dança A Flashmob na Praça Costa Pereira, UDES Bunda e Progresso, Urucum Cia. de Dança Primeiro Ato Cia. de Dança programação do Festival ES de Dança foi além dos limites da Grande Vitória. Em uma parceria com a Funarte, a Secult promoveu em Montanha, entre os dias 15 e 17 de julho, e em Castelo, entre os dias 29 e 31 de julho, duas oficinas de dança como atividades complementares à programação do festival. Montanha, na região norte do Espírito Santo, recebeu a professora paranaense Michelle Camargo, bacharel em dança pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atualmente, Michelle é professora das disciplinas de “Dança” e “Movimento e Ritmo” para o curso de formação de atores do Cena Hum escola de artes cênicas; professora de dança contemporânea no espaço de dança Vila Arte; integrante do IMP (Investigação do Movimento Particular), grupo de pesquisa em dança coordenado por Juliana Adur, e oficineira do Colégio Expoente, com a oficina de dança nos encontros temáticos de 2011, todos em Curitiba. A oficina de Investigação do Movimento atraiu a atenção dos bailarinos da cidade e de toda região, inclusive alguns que participaram das atividades do festival em Vitória. Para a professora, foi uma oportunidade incrível de incentivar o movimento de dança no interior do Espírito Santo. “Não esperava encontrar tantas pessoas com tamanha vontade de aprender. Tanto a participação dos alunos quanto o envolvimento da secretaria na organização da oficina permitiram que as vinte horas de oficina fossem aproveitadas intensamente”, avalia Michelle. Segundo ela, parte do sucesso é fruto do estímulo do governo municipal que incentiva a criação artística pela dança. “Existe um apoio e incentivo muito grande por parte da secretaria de cultura em Montanha, o que representa um diferencial para a produção em arte, neste caso, em dança. Sabe-se que só o apoio das políticas culturais não é suficiente para que haja produção em dança, mas em Montanha vejo que além deste apoio político existe muita vontade por parte das pessoas em fazer, pensar e fruir a dança na região”, explica. Já Castelo, na região sul do Estado, sediou as aulas do professor e coreógrafo Gil Mendes, reconhecido por coreografias realizadas para a extinta Cia. Quorum, para a Homem Cia. de Dança e também para o Grupo de Dança Afro Negraô, companhia que ainda coreografa. Gil integra ainda a In Pares Cia. de Dança, grupo de dança contemporânea fundado em 2004. A oficina contou com a participação ativa de 15 bailarinos. “Penso que a oficina proporcionou uma vivência intensa em métodos investigativos para composição Foto: Raquel baelles Ao final da apresentação, Ingrid Mendonça ouviu de Eunice e de Dona Corina elogios e agradecimentos. “Isso me empurra para o improviso, estar preparado para o inusitado. A arte engessada não me enriquece tanto”, disse Ingrid. Com o projeto A Caixa de Bonifácia a coreógrafa pretende percorrer todas as praças da Capital. Na mesma tarde a UDES promoveu uma apresentação de dança urbana na área externa do Teatro do Sesi, acompanhada pelo público e pelos convidados que participavam das mesas e oficinas do festival. “É muito importante o festival abrir espaço para os dançarinos mostrarem seu trabalho e ainda serem remunerados por isso. Estamos sendo valorizados”, afirmou Thaís de Luca, 27 anos, diretora e uma das coreógrafas do Movimenturbano, grupo que abriga todas as vertentes da dança urbana e que já foi premiado com uma bolsa para núcleo de criação do Programa Rede Cultura Jovem. “Os debates estão tocando em pontos muito importantes e pouco abordados aqui no Estado. Por exemplo, temos poucas companhias no Estado. Tenho formação de balé clássico, sou professora de balé e se eu não montasse um grupo, eu teria que sair do Estado para poder trabalhar”, continuou Thaís. Naquela noite, a sequência de performances continuou em uma das ruas mais movimentadas de Vitória. A Avenida Anísio Fernandes Coelho, mais conhecida como Rua da Lama, pólo de bares e restaurantes próximos à Universidade Federal do Espírito Santo, tornou-se palco do espetáculo Bunda e Progresso, da Urucum Cia. de Dança. Atores surpreenderam o público que desfrutava o que seria apenas mais uma simples noite de sexta-feira se não houvesse a intervenção crítica da Urucum. Mas os espetáculos de rua não se restringiram a Vitória. A Bunda e Progresso também tomou de assalto a Avenida Expedito Garcia, pólo comercial da cidade de Cariacica, na Grande Vitória. No sábado a UDES levou sua performance urbana para Terra Vermelha, na periferia de Vila Velha, cidade mais populosa do Estado. A última apresentação promovida pelo Festival ES de Dança em espaços públicos aconteceu no Parque Pedra da Cebola, em Vitória. Quebra-Cabeça, do Primeiro Ato Cia. De Dança, que mescla a dança a outras manifestações artísticas como o teatro, o circo e a mímica, fez a manhã dos capixabas mais feliz. O espetáculo é uma montagem leve e divertida, de fácil identificação com o público, feito no ponto certo para fazer a platéia rir. coreográfica e proporcionou novos conhecimentos aos participantes conforme podemos constatar nas declarações nas fichas de avaliação. Fiquei muito satisfeito com o comprometimento dos participantes e sua disposição para execução das atividades propostas”, Para Gil, a boa qualidade dos bailarinos da cidade de Castelo e seu condicionamento se devem ao trabalho de uma academia local, mas esse preparo deve ser aliado ao desenvolvimento criativo dos artistas. “Vejo que o foco é a formação do bailarino visando o domínio técnico, a parte criativa não é o foco de trabalho com esses alunos, por isso a grande importância dessa oficina”, avalia. Gil e Michelle vêem como um passo importante a interiorização das ações de política cultural para a dança. ”O interior é carente de informações e de diálogo com a capital. Precisamos tomar conhecimento da produção cultural de nosso Estado e fazer esse produto circular preocupados com a sua qualidade, por isso a necessidade de constantes cursos de capacitação. Mas é preciso ações constantes que façam com que tenhamos um desenvolvimento realmente eficaz e diálogo regular com esses municípios, procurando integrar cada vez mais essas pessoas nas atividades da cultura do Estado.”, afirma Gil, profissional experiente e que conhece como poucos a situação da dança no Espírito Santo. Já Michelle acha que o resultado poderá ser conferido a curto prazo. “Espero no ano que vem ver outros grupos, com produções de qualidade, resultado desse apoio político e da vontade e esforço de cada um”, diz a professora. Michelle Camargo, oficina Investigação do Movimento em Montanha OFICINAS APRENDIZADO E CRIAÇÃO Suely Machado: é bailarina, professora, coreógrafa, fundadora e diretora do Primeiro Ato Cia. de Dança, com quase 30 anos de carreira. Formada em Dança Moderna, graduada em Psicologia (PUC/MG), com especialização em Coreoterapia e Psicomotricidade e curso de extensão em Pedagogia do movimento para o ensino da dança (Escola de Belas Artes/ UFMG). Ela também dirige os projetos Primeiro Ato Centro de Dança, centro de formação em dança; Projeto Dançando na Escola, ação social no Grupo Estadual D. Augusta, na Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte; e o EACC – Espaço de Acervo e Criação Compartilhada, em Nova Lima. Oficinas do Festival ES de Dança aproximam estudantes de profissionais possibilitando um espaço de troca de conhecimentos e criação com o corpo A s salas de aulas da escola CriDança, em Vitória, receberam professores muito especiais durante o Festival ES de Dança. As coreógrafas Vera Sala, Suely Machado e Letícia Teixeira e o coreógrafo Marcelo Ferreira receberam cerca de 80 alunos durante três manhãs nas oficinas promovidas pelo festival e oferecidas gratuitamente. “Ter quatro oficinas que dialogam entre si e que estiveram bem cheias é sinal de interesse. Foi uma oportunidade de tocar as pessoas acordando o corpo delas. Uma chance de poder ajudar a criar essa intimidade com o corpo”, resume Suely Machado, do grupo mineiro Primeiro Ato. Suely ofereceu a oficina “Criação do Gesto”, trabalhando as diferentes qualidades de cada um dos alunos e exercitando a preparação cênica dos bailarinos. Para Patric Leris, a oficina com Suely foi uma oportunidade de redescobrir os movimentos praticando alguns exercícios. “Muitas vezes usamos movimentos de forma exagerada. A primeira coisa é a descoberta. Ela está mostrando um processo de trabalho. Está sendo bem interessante. Acrescenta ao que já conhecemos. Com a oficina eu me conscientizo novamente e me recordo o tempo inteiro de que preciso refletir sobre os movimentos que já se tornaram cotidianos”, afirma o bailarino de 30 anos. Letícia Teixeira, professora da Faculdade Angel Vianna, apresentou a técnica desenvolvida por Angel ao longo dos últimos 30 anos na oficina “Consciência do Movimento”. A técnica busca um maior conhecimento do corpo, novos usos e percepções. “É um trabalho aberto, de escuta do corpo, voltado para a sensibilidade corporal e para o autoconhecimento. Não são exercícios codificados, fechados, eles têm uma grande amplitude pois visam qualquer corpo”, explica Letícia, que se considera “cria” de Angel Vianna, a homenageada do Festival ES de Dança. “A faculdade aceita gente, não apenas bailarinos, mas qualquer um capaz de se mover. E para se mover basta se levantar da cama. A questão é: como você lida com o seu corpo?”. A oficina de Letícia teve a participação de professores de dança que buscavam aprimorar seu conhecimento. “Estou muito feliz com a receptividade, o carinho e atenção que os alunos da oficina estão me oferecendo. Parece que já os conheço há muito tempo, e estamos apenas no segundo dia”, conta Leticia. Estudantes de balé também participaram e avaliaram positivamente a oficina oferecida por Letícia. “O que estou conhecendo é uma técnica complementar ao que já estudei. Eu não conhecia o método desenvolvido pela Angel Vianna, que a Letícia está nos apresentando e explicando. É bom pois adquirimos mais consciência dos movimentos. Quanto mais trabalhamos o corpo, melhores bailarinos nos tornaremos”, avaliou Tatiana Brioschi, 44 anos. O coreógrafo, diretor teatral e bailarino Marcelo Ferreira guiou a oficina “Gestual Dramático Expressionista”, que buscou envolver o aluno na dramaturgia contemporânea, nas artes visuais e audiovisuais, e foi reduzida a dois alunos. “A qualidade do processo é ótima. Uma aluna vai me apresentar um trabalho inspirado na obra ‘Retirantes’, de Candido Portinari”, contou o bailarino. Já a professora e criadora paulista Vera Sala concebeu o workshop “Investigação da Dramaturgia no Corpo” com o objetivo de ampliar o vocabulário corporal do aluno a partir da pesquisa de novos caminhos, novas relações e conexões no corpo. “Trabalhei algumas bases de corpo, fiz uma introdução necessária para começar a pensar o corpo. A oficina está repleta de pessoas perguntando e se lançando para experimentar. É em grande parte formada por estudantes de dança e bailarinos, apenas uma pessoa que não tem experiência. Mesmo assim é possível participar, a ideia é que cada um resolva os exercícios com o repertório que tem, isso não impede ninguém e faz com que quem já tenha experiência abra mais seu conhecimento”, contou Vera. Com tanta gente interessada e alunos dispostos a conhecer e a criar em parceria com os professores, a tônica das oficinas do Festival ES de Dança pode ser resumida em uma frase de Vera Sala que descreve o espírito do festival e dos espaços de experimentação coletiva: “Fiquei bem contente de ver pessoas interessadas em experimentar”. Marcelo Ferreira (ES): Ator, coreógrafo, bailarino e professor. Com a Cia. Neo-Iaô, de Godoy, Ferreira apresentou-se em importantes teatros do Brasil, além de ter desenvolvido trabalhos em diversos países da América Latina. Apresenta influências estéticas do expressionismo e da dança butoh. Atua como encenador da Cia. Teatro Urgente, fundada em 2003, que já apresentou os espetáculos “Metrópolis”, “PlayBeckett”, entre outros. Letícia Teixeira: Educadora Corporal atuante na área de Consciência e Expressão Corporal desde 1981 (crianças, jovens e adultos) com formação pelo Método Angel Vianna em 1983. Graduada e Licenciada em Filosofia (UFRJ), Pós-graduada em Educação Psicomotora (IBMR) e Mestre em Teatro (UNIRIO). Autora do livro: Conscientização do Movimento: uma prática corporal: Editora Caioá, 1998 (esgotado) e de vários artigos que envolvem o trabalho corporal de Angel Vianna. Docente da Faculdade Angel Vianna na Graduação e na Pós-Graduação. Coordenadora da Pós Graduação Lato Sensu Metodologia Angel Vianna. Vera Sala (SP): Criadora-intérprete, desenvolve pesquisa na área de dança desde 1987. Faz parte do Centro de Estudos do Corpo da PUC-SP, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. É Professora do Curso de Comunicação das Artes do Corpo da Faculdade de Comunicação e Filosofia, PUC/SP desde 1999. A produção artística da criadora já recebeu inúmeros prêmios, como o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) nas categorias criação-intérprete (2005) e pesquisa em dança (1999), o Mambembe (1998) e o do Movimentos SESC de Dança (1989-92). Vera Sala também foi bolsista da renomada Fundação John Simon Guggenheim Memorial Foundation com a pesquisa Os Estados do Corpo, O Corpo Como Mídia (2002/2003). mesas de debate As questões políticas e sociais da dança Mesa 02: A Dança e as Novas Linguagens: Convergências Ação política, convergência de linguagens, criação coletiva e política cultural foram alguns dos temas abordados nas três mesas promovidas pelo Festival ES de Dança. Espaço para a reflexão reuniu convidados de renome e público interessado em ideias. Mantendo a vocação de promover o debate de conceitos e a troca de informações iniciada com o Fórum ES de Dança, ocorrido em 2010, o Festival ES de Dança, em sua primeira edição, convidou profissionais de renome internacional para compartilhar experiências e apontar caminhos em linhas temáticas que dialogam sob diversos aspectos com a realidade da dança no Espírito Santo e no Brasil. Para além da diversidade de opiniões e análises, regidas pelos eixos temáticos O Significado Social da Dança no Século XXI, A Dança e as Novas Linguagens: Convergências e Espaços da Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança do Brasil, a ação política do corpo foi um tema central a ligar todas as mesas que ocuparam o Teatro do Sesi, em Vitória. Paulo Fernandes (ES): Dirige a Cia. Enki de Dança Primitiva Contemporânea, criada em 2001 e que desenvolve pesquisa de dança afro contemporânea. Seu espetáculo SIMBOLEIN foi premiado em 2009 com o Prêmio Klaus Vianna, da FUNARTE. Iniciou sua carreira nos anos 70. Desde 1988 se dedica a dança, primeiro como integrante da renomada Cia. Neo-Iaô, dirigida por Magno Godoy. Em 2010, Paulo se apresentou na cidade francesa de Aix-en-Provence. Mesa 01: O Significado Social da Dança no Século XXI Armando Aurich (ES): Interpretando obras de importantes coreógrafos nacionais e estrangeiros, trabalhou durante 28 anos ininterruptos (1981-2009) com o Tucson Metropolitan Ballet (EUA), Cia. de Dança Rio, Cia. de Dança de Minas Gerais, Cisne Negro Cia. de Dança, República da Dança e Balé da Cidade de São Paulo. Aplica sua prática de ensino “O Corpo Expressivo” em aulas de balé clássico e contemporâneo. Recebeu os prêmios Lei Sarney (1988), como Intérprete Revelação, o da Associação Profissional dos Críticos de Arte - APCA (1992), como Melhor Bailarino, e o Estímulo SMC (2003) como coreógrafo. Atualmente, é professor da Escola Cridança, em Vitória (ES). 38 Vera Sala (SP): Criadora-intérprete, desenvolve pesquisa na área de dança desde 1987. Faz parte do Centro de Estudos do Corpo da PUC-SP. É Professora do Curso de Comunicação das Artes do Corpo da Faculdade de Comunicação e Filosofia, PUC/SP desde 1999. Já recebeu inúmeros prêmios, como o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) nas categorias criação-intérprete (2005) e pesquisa em dança (1999), o Mambembe (1998) e o do Movimentos SESC de Dança (1989-92). Vera Sala também foi bolsista da renomada Fundação John Simon Guggenheim Memorial Foundation com a pesquisa Os Estados do Corpo, O Corpo Como Mídia (2002/2003). Sônia Sobral (SP): Gestora cultural. Dirige o Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural, em São Paulo, desde 1999. É membro da Red Sudamericana de Danza desde 2002. Foi coordenadora nacional do site www. idanca.net e atualmente integra o conselho editorial. Alejandro Ahmed (SC): Coreógrafo residente, diretor artístico e bailarino do Grupo Cena 11 Cia. de Dança, fundado em 1992. O trabalho como coreógrafo surgiu de forma autodidata, respondendo à necessidade do artista de integrar o seu pensamento sobre o mundo e a dança que experimentava. Junto ao Cena 11, promoveu o desenvolvimento de uma técnica que objetiva produzir a dança em função do corpo. Esta técnica, nomeada de “percepção física”, é um dos pontos que estrutura o seu trabalho. Aissa Guimarães (ES): Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/UFRJ,mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/UFRJ e doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - ECO/UFRJ. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, na área de Artes; atuando no campo da estética e do patrimônio imaterial,com ênfase nas práticas artísticas, culturas e tradições populares brasileiras. Mesa 03: Espaços de Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança do Brasil Suely Machado (MG): Bailarina, professora, coreógrafa, fundadora e diretora do Primeiro Ato Cia. de Dança, com quase 30 anos de carreira. Formada em Dança Moderna, graduada em Psicologia (PUC/ MG), com especialização em Coreoterapia e Psicomotricidade e curso de extensão em Pedagogia do movimento para o ensino da dança (Escola de Belas Artes/UFMG). Ela também dirige os projetos Primeiro Ato Centro de Dança, centro de formação em dança; Projeto Dançando na Escola, ação social no Grupo Estadual D. Augusta, na Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte; e o EACC – Espaço de Acervo e Criação Compartilhada, em Nova Lima. Denize Marques (ES): Diretora e coreógrafa da Cia. Somos Dez, busca a união do esporte com a arte nas apresentações. Realizou os espetáculos “Inzone” (1999) e “Reviravolta” (2010) em parceria com Claudio Baltar da Intrépida Trupe. Em 1976, fundou em Vitória o grupo Balé Aplicado que apresentou em Vitória, Salvador e Rio os balés “‘Rhythmetron”, “São Mateus: Colônia” e “Quem Sabe as Coisas se Aclaram”. Dirigiu os musicais “Os Saltimbancos” (1984) e “A Revolta dos Brinquedos” (1985). Nasceu no Rio de Janeiro onde foi assistente de Nino Giovanetti e Mercedes Batista. Vera Bicalho (GO): Bailarina e diretora fundadora da Quasar Cia de Dança, criada em 1988. Graduou-se em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás. Atuou como professora de balé clássico e dança contemporânea, integrando o elenco da Quasar até 1994, além de desempenhar a função de diretora/produtora da Cia. Em 2008, Vera Bicalho passa a integrar o Conselho de Cultura do Estado de Goiás. 39 O Significado Social da Dança no Século XXI “Que visão de mundo você cria quando está em cena?”, questionou Vera Sala, bailarina que investiga o corpo como instalação, na primeira mesa do festival, como que inaugurando as reflexões que norteariam o Festival dali em diante. “Dançar é organizar ações políticas, mas não no sentido panfletário. O fazer artístico é um questionamento constante do estar no mundo”, completou. Além da paulista Vera Sala, a primeira mesa reuniu Sônia Sobral, gestora cultural que dirige o Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural desde 1999 e integrante da Red Sudamericana de Danza desde 2002; com o bailarino e coreógrafo capixaba Armando Aurich, com carreira de mais de duas décadas em companhias do Brasil e do exterior, no papel de mediador. A Vera Sala interessa refletir sobre o que move os corpos que dançam. “Cada produção de cada época tem a ver com as relações de poder, as relações políticas, sociais e econômicas daquele período. Não acredito no artista fechado em sua salinha sem conexão com o mundo”, disse, declarando-se afetada pelo mundo em tempo integral. “A forma como o artista intervém no mundo dá a dimensão da arte e do que é ser humano hoje. Eu trabalho para que a potência da arte seja disseminada. Porque considero que é a arte é a única dimensão que interessa nessa lógica cruel 40 do capitalismo”, declarou Sônia Sobral, defendendo a criação artística como potência transformadora da realidade. A gestora do Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural continuou definindo o que pra ela seria a função social e a função política da dança, na busca por uma resposta para a questão sugerida pelo eixo da mesa. “O público também tem que ser autônomo, crítico. O público de dança contemporânea não está procurando paz, ele quer ser movido, ele não é alheio, assim como o artista também não é. É essa a função social e a função política da dança”, declarou. Essa primeira rodada de apontamentos passeou principalmente pelo papel do bailarino como ator social e político, mas não se restringiu a isso. A preocupação com a formação de plateia, o papel da internet na propagação da dança, a função da escola no ensino da arte e também as políticas culturais voltadas para a dança no Brasil nortearam a conversa, acompanhada com interesse e participação ativa da plateia. “O que é pior [na política cultural] é a falta de continuidade nos programas e nas ações dos governos”, definiu Sônia Sobral, do Itaú Cultural, ao final do debate. Para ela, a escola tem uma função primordial: retirar os jovens de uma postura passiva frente à arte. “É preciso começar na escola. A arte produz sentidos e conhecimentos. A educação, junto com a família, é uma Mesa 01 das soluções, mas para isso os professores tem que ser melhor qualificados para o ensino da arte. É preciso que tenham uma formação de professores mais bem cuidada”. “Hoje as leis de fomento ocuparam o lugar da política cultural completa e abrangente. Não se investe, por exemplo, na distribuição e circulação dos trabalhos produzidos. O fomento é uma fatia pequena do que precisa realmente ser feito. Estamos muito distantes de uma política cultural e de ações culturais efetivas. O edital substituiu uma política cultural abrangente e continuada. Não adianta construir cem teatros se não se tem uma política de ocupação. Só vamos conquistar uma política completa com a mobilização dos artistas”, argumentou Vera Sala. O bailarino Armando Aurich, que voltou a trabalhar no Espírito Santo há dois anos, falou sobre a necessidade de uma política cultural estável no estado e também sobre a inauguração de espaços como o Cais das Artes. “Acredito que deva se estabelecer algo que seja permanente. Não é só o espaço, é como ele será administrado. No Espírito Santo, precisamos pensar em um projeto de companhia que seja estável. Além disso, a Escola de Teatro e Dança Fafi seria de extrema importância para a formação dos dançarinos, porque é uma escola pública”, defendeu. A Dança e as Novas Linguagens: Convergências A segunda mesa do Festival contou com a participação do bailarino e coreógrafo Alejandro Ahmed, da Cena 11 Cia. de Dança, da professora do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo Aissa Guimarães, e do bailarino e coreógrafo Paulo Fernandes, da Cia. Enki de Dança Primitiva Contemporânea. A partir dessa conversa, as mesas se tornaram também espaço para o público conhecer mais sobre os processos criativos das companhias que se apresentaram no festival, como foi o caso da Cena 11. A conversa guiada pelo eixo A Dança e as Novas Linguagens: Convergências abordou tanto a memória e o território, temas caro à pesquisa realizada por Paulo Fernandes como diretor da Cia. Enki de Dança Primitiva Contemporânea, quanto o diálogo com os aparatos digitais promovidos por Ahmed à frente da companhia catarinense Cena 11. Ambos enfatizaram o poder e a necessidade da pesquisa, sem se colocarem como reféns da opinião pública, dos editais ou da cobrança por resultados. “A Cena 11 acredita em uma dança em função do corpo. Provocar e desvendar questões do corpo que possam revelar-se dança. A ideia de renovação pode ser muito nociva pelo imediatismo que ela causa. A investigação tem que aceitar a frustração como parte dela, mesmo por parte de quem patrocina, de quem financia a pesquisa”, defendeu Ahmed. Sobre sua pesquisa, que envolve a dança negra, a memória e os territórios, Paulo Fernandes, que tem origem banta, afirmou a vivacidade do corpo que dança. “Esquecemos que o corpo tem uma membrana viva, além do papel social. A minha maior felicidade e agonia é trazer a memória da minha pele para dentro do trabalho. Eu danço a vida”. Questionado acerca da recepção do público aos espetáculos da Cena 11, Ahmed se dedicou a relativizar os conceitos de arte e entretenimento. “Eu danço, eu faço entretenimento e faço arte. Arte, dança e entretenimento não precisam de hierarquia de valor. O problema vem quando se produz entretenimento e o traveste de arte. O entretenimento que anestesia é o mais preocupante”, afirmou. Aissa Guimarães completou a ideia do coreógrafo a respeito da não divisão de fronteiras entre arte e entretenimento. “Não há uma distinção muito bem definida do que seja arte, entretenimento ou espetáculo, principalmente dentro da arte contemporânea”, o que para ela funcionaria como um estímulo e mais um ponto de reflexão e pesquisa. A respeito do momento atual da dança no país, Ahmed acredita que “começa uma era de responsabilidade democrática diferente do que a gente vivia há apenas 20 anos”. E Paulo Fernandes é enfático ao cobrar dos governos atenção também Mesa 02 para as companhias independentes e que realizam pesquisas de novas linguagens. “É importante que o estado se comprometa a criar espaços para todos os tipos de espetáculos”, afirmou. Aissa Guimarães complementou salientando a importância de espaços de reflexão. “Se não houver o debate, teremos espaços mas não saberemos usá-los da melhor maneira possível”, disse. Alejandro Ahmed também aproveitou o espaço para definir o lugar do público em sua pesquisa de dança contemporânea e como analisa a questão do diálogo entre diferentes linguagens. “A plateia tem uma outra materialidade, mas faz parte do palco. Na Cia. Cena 11 nossa preocupação é fazer do público uma extensão da nossa pesquisa. Não gosto da alegoria interativa, apenas considero que quem está sentado na plateia dança também. Se vamos agradar, não sabemos. Eu especularia que isso [convergências de linguagens] não é uma novidade. É uma extensão de desvendamentos do corpo que acabam trazendo outras linguagens. É uma ampliação da pesquisa e da investigação. Para surgir algo novo é difícil, é preciso de aprofundar”, definiu o coreógrafo. 41 Espaços da Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança do Brasil A última mesa do Festival ES de Dança reuniu três experientes coreógrafas. No papel de mediadora, Denize Marques, uma das pioneiras do movimento profissional de dança no Espírito Santo, recebeu as convidadas Suely Machado, diretora da Primeiro Ato Cia. de Dança, com 25 anos de trajetória profissional, e Vera Bicalho, da Quasar Cia. de Dança, companhia criada em Goiânia há 23 anos. Na pauta, Espaços da Dança: Olhares sobre a Articulação Criativa das Cias. de Dança do Brasil e experiências complementares de dois grupos com longa experiência. O principal tópico da mesa foi a relação das companhias com o patrocínio, quando ele se realiza ou quando falta. “Tivemos o mesmo patrocinador por 15 anos. Começou com um cartaz, depois investiram em um figurino e foi aumentando aos poucos, assm a gente foi construindo uma estrutura. A relação de patrocínio tem que ser muito profissional. Ao fim dessa parceria, a primeira coisa que eu descobri foi que havia as pessoas que comungavam comigo de um projeto e as que comungavam de um patrocínio. Foi um divisor de águas na história do grupo”, relatou Suely Machado sobre a experiência do Primeiro Ato que reúne 14 espetáculos em seu repertório. Suely completou afirmando a importância de manter uma identidade e uma autonomia para criar. “O patrocínio nunca me impediu de fazer o que eu queria. Nunca fui cerceada. E agora, nesse momento, estamos sem patrocínio”, disse. O Primeiro Ato, que surgiu de um desejo de assinatura coletiva e com a característica de dialogar com as artes afins, mantém, além da companhia profissional, outras três ações: um centro de formação com 450 alunos de todos os estilos; um projeto social chamado Dançando na Escola, realizado há 13 anos; e o EACC – Espaço de Acervo e Criação Compartilhada, um galpão onde preservam figurinos, objetos de cenografia e a história da companhia e dos espetáculos. Vera Bicalho compartilhou a experiência da Quasar Cia. de Dança, que além da companhia profissional mantém há dez anos uma sala multiuso na qual a companhia cria e também recebe outros grupos, no momento em que se depararam com o fim de um patrocínio. “Passamos dois anos sem patrocínio. Foi um momento crítico. Permanecemos e foi interessante porque a necessidade fez com que buscássemos outras formas de recursos. Quando a gente não passa em um edital, é preciso buscar parcerias de outras formas. É preciso manter a qualidade artística e a formação técnica”, destacou. Suely concluiu: “O problema da sustentabilidade das companhias começa com o problema da articulação da classe artística”. Mesa 03 Reunindo coreógrafas que prezam o trabalho coletivo, a participação da plateia tocou o ponto da dificuldade de manter companhias mas também valorizou os resultados obtidos. A professora da Escola Angel Vianna Letícia Teixeira, convidada do festival para ministrar uma oficina, ressaltou o valor das trocas e intercâmbios com outras áreas da cultura. “Quem sabe estejamos em um momento de oportunidades e espaços para a dança. E daí a importância das colaborações com outros artistas, mesmo de outras áreas, senão a gente não sai do lugar”, destacou, contribuindo para estimular a criação de coletivos criativos. “É muito bom que o Fórum ES de Dança tenha tido uma continuidade, é uma oportunidade de chamar as pessoas e promover um intercâmbio de idéias e experiências.” Ayssa Guimarães, professora do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo Embodied Voodoo Game, Cia. 11 de Dança 42 43 a retomada de um movimento Isabella Motta, jornalista do portal iDança C om a apresentação, na noite de domingo (10/07), do espetáculo Céu na boca, da Quasar Cia. de Dança (GO), chegou ao fim a 1ª edição do Festival ES de Dança, em Vitória. A programação que movimentou a capital capixaba durante quatro dias teve espetáculos locais e de outros estados brasileiros, oficinas e debates. O festival representou mais um passo na retomada de uma movimentação no cenário da dança profissional no Espírito Santo, iniciada em setembro de 2010 com a realização do Fórum de Dança do ES. O ponto alto do festival foram os debates, que percorreram temas como criação, consumo de arte no Brasil e sustentabilidade, passando por questões relacionadas à formação e mercado de trabalho para quem vive da dança. A mesa Espaços da dança: olhares sobre a articulação criativa das companhias de dança do Brasil, que teve a participação de Suely Machado (Primeiro Ato Cia. de Dança, MG), Denize Marques (Cia. Somos Dez, ES) e Vera Bicalho (Quasar Cia. de Dança), foi a que despertou maior interação com o público e mostrou que a dança capixaba ainda tem um difícil caminho a percorrer no que diz respeito à sustentabilidade. Suely e Vera falaram de suas experiências em gerir companhias, ora com patrocínio, ora sem. “Eu parei de dançar para me dedicar à parte administrativa. A gente tem que brigar muito para manter o grupo, já vi muitos se desmembrarem por falta de dinheiro. É preciso ter um foco, saber onde se quer chegar e lutar por aquilo. Mas ainda somos muito jovens na luta por políticas públicas, o movimento articulado de dança é muito recente”, afirmou Vera. Suely reafirmou a importância do diálogo para alcançar os objetivos da classe. “Temos que nos unir, conversar e saber o que reivindicar. Há diferenças entre estados, mas antes temos que nos fazer vivos e presentes. O problema da sustentabilidade começa na falta de articulação política”, enfatizou. Os debates tiveram início na quinta-feira (7/07), com a mesa O significado social da dança no século XXI, com Armando Aurich (ES), Sonia Sobral (SP) e Vera Sala (SP). Como o tema é bastante amplo, os debatedores e o público puderam dar um ‘passeio’ por diversos temas, como a importância social da criação artística, a questão da formação, mercado de trabalho e também de consumo de arte. Artista e professora do curso de Comunicação das Artes do Corpo, da PUC-SP, Vera Sala afirmou que frequentemente se sente dividida entre as duas funções sociais. “Minha função é trabalhar para a criação. O que fazemos é produzir conhecimento organizado no corpo”, afirma. “O papel da formação passa por como a sociedade encara a arte. Por que o trabalho artístico já não é potencial de formação? Temos que procurar sempre um novo ponto de vista, ensino meus alunos a pensar. É uma ideia de formação a partir da deformação”, diz Vera. Na sexta-feira (8/07), Alejandro Ahmed (SC), Paulo Fernandes (ES) e a professora Aissa Guimarães (ES) falaram sobre A dança e as novas linguagens: convergências. Este encontro abordou vários aspectos da questão da criação, passando pelas definições de linguagem, corpo, dança, arte e entretenimento. “A pesquisa é vital na dança contemporânea. Mas precisamos trabalhar com uma possível frustração, o que experimentamos pode não dar certo. Às vezes caímos em armadilhas para chegar a algo novo, pulamos algumas etapas da pesquisa”, refletiu Ahmed. “No Cena 11, nós e a plateia somos a mesma coisa. Trabalhamos com o público como uma ideia de extensão do nosso corpo. Se vamos agradar ou não, nós não sabemos”, completou. Oficinas reuniram um bom número de alunos durante o festival “A dança capixaba alterna momentos bons e ruins. O festival foi ótimo para iniciar uma comunicação maior com artistas locais e de fora. Minha expectativa a partir de agora é boa, temos que nos unir para reivindicar conquistas políticas, faltam espaços de apresentação”, analisou o bailarino capixaba Jordan Fernandes, integrante da Homem Cia. de Dança e que marcou presença nas discussões e também na oficina dada por Vera Sala durante três dias. A 1ª edição do Festival ES de Dança prestou homenagem a Angel Vianna. Infelizmente, a coreógrafa não pode estar presente por questões de saúde. O público ficou conhecendo melhor a trajetória da mestra através de um minidocumentário que foi exibido. Na mesma noite o Grupo Cena 11 Cia. de Dança (SC) apresentou Embodied voodoo game. Além das companhias convidadas de outros estados, o festival abriu um bom espaço à produção local, reservando três programas para as companhias capixabas. “É um momento importante para a dança do estado, uma movimentação que foi retomada em setembro com a realização do Fórum de Dança do ES, com uma programação de oficinas, debates e grupos de trabalho. Há 10 anos que nenhuma ação como essa era realizada. O importante agora são os desdobramentos do festival, que linhas de ação poderemos seguir a partir do que foi discutido aqui”, afirmou o subsecretário de Cultura do Estado, Erlon Paschoal. O festival foi importante pois abriu um canal de comunicação entre os próprios artistas capixabas. E também levou informação do que vem sendo produzido fora das fronteiras do estado, o que pode – e deve – render frutos futuramente. a arte que dança Flávia Dalla Bernardina A arte no seu sentido mais amplo constitui-se através do olhar que a usufrui. Ou seja, a obra já está lá, mas só se constitui através do olhar que se repousa sobre ela. Mas para que a obra de arte esteja lá é preciso ir além. É preciso que alguém se movimente em alguma direção para criá-la. Então a pergunta se modifica: o que move o artista em direção à arte de criar? Mais especificamente sobre o tema que nos atinge, o que mobiliza o bailarino a dançar, o coreógrafo a coreografar, o público a assistir? Essa foi uma pergunta lançada no primeiro dia de diálogos das mesas do Festival ES de Dança e que deve ser incorporada como um mantra por cada ser pensante, que dança ou não. Para o artista que usa o corpo para se expressar, ignorar esse drama é o mesmo que ser um vivo-morto (ou morto-vivo) reproduzindo conceitos e repetindo passos previsíveis pelos palcos da vida. O conformismo, a unanimidade, o comodismo e o conforto não pertencem ao rico universo de quem deve manter terremotos constantes sob os pés, como se espera que aconteça com os artistas. Na maioria das vezes, não há espaço para beleza ou aplausos. Existe redenção além desses clichês. É preciso ter coragem, afinal, viver é para os corajosos. Ora, se o ponto de vista cria o objeto, a falta no artista está consumada na própria arte e em como ela se relaciona com quem a observa. Também está na constante tensão entre a fragilidade para se deixar afetar e a força para lidar com esses afetos. Veja a profundidade desse raciocínio mencionado num dos debates: é preciso se manter em uma constante corda bamba para se fragilizar e estar aberto o bastante para apreender as experiências, ao mesmo tempo em que é preciso estar vivo e sagaz para se manter ativo diante dessas afetações, para transformá-las em molas que impulsionam a criação. O corpo que dança é um corpo que vai, puxa, levanta, explora, cai e tenta alcançar possibilidades de expressão além do universo mecanizado de que nos apropriamos — sem perceber — em pleno 2011. Essa é a verdadeira transgressão na dança contemporânea: desmecanizar, desconstruir, deformar, para mecanizar, construir e formar. E tome mais coragem para jogar tudo no chão e começar tudo de novo. Os trabalhos apresentados nas noites do Festival traduziram a diversidade de linguagens e provaram como cada ato criativo empreende atos de coragem particulares. Estranhos e instigantes em ‘Embodied Voodoo Games’, o Cena 11 Cia. de Dança apresenta uma linguagem amarga, às vezes incômoda, através da pluralidade dos corpos e das possibilidades que imprimem em cena. “O corpo é um campo de operações, a dança existe em função do corpo e a emoção é um músculo”, afirma (não nessa ordem) Alejandro Ahmed, coreógrafo do Cena 11. Poéticos e constantes em ‘Passagens’, da Cia. de Dança Mitzi Marzzuti, em coreografia de Mário Nascimento, que já assinou outros trabalhos e, por isso, mantém boa sintonia com o grupo. É possível identificar a assinatura do coreógrafo em suas peças. Pergunto-me se há algo de mal nisso. Em ‘Adornos’, a excessiva beleza do cenário e da trilha sonora em algum momento pareceu perigosa. Preparo físico dos bailarinos, coerência entre os movimentos, é o que inspira Suely Machado, coreógrafa e idealizadora do Primeiro Ato Cia. de Dança. Gostar ou não? Um detalhe. Para quem busca respostas definitivas, terá que se contentar em descobrir que não há vencedores. Mel no ‘Céu da Boca’, da Quasar Cia. de Dança, de Goiânia. Incrível precisão nos movimentos dos bailarinos e no enredo que costura o espetáculo. Palco enxuto, sem elementos cênicos e corpos que bastam por si, que se expressam parados, que enchem a cena. Não há desperdícios e cada detalhe é um protagonista. Além disso, as performances nas ruas, as intervenções, os flashmobs e os trabalhos experimentais possibilitaram a subversão da relação entre palco e plateia, através da (pouca) distância e do elemento surpresa. Uma coisa é certa: de nada adiantam esses trabalhos se não houver quem aponte o olhar em direção a eles para constituí-los no mundo, a começar pelos envolvidos na criação. É preciso que esse olhar deseje o que falta ao bailarino ou ao coreógrafo. Daí sairá um embate ou uma troca interessante, antes mesmo que os corpos partam em direção a qualquer movimento. É preciso haver um encontro de faltas para que a arte nasça. O que não quer dizer que essas faltas concordarão entre si, ou se emocionarão umas com as outras. Essa é a transcendência, isso é modificar a ordem do dia. Ou, como disse Camus em “O Estrangeiro”, é “destruir o equilíbrio do dia”, para que o público descubra o que não sabia que lhe faltava, e para que o artista saiba o que fazer com o desejo satisfeito, quando as cortinas se fecharem. É possível que a falta no coreógrafo reverbere em incômodo na plateia. Ou que o desejo do público coincida com o movimento dos bailarinos no palco. A verdadeira troca acontece quando os interlocutores se ouvem (ou se veem), e não tentam modificar o que o outro pensa, sente ou manifesta. Isso é de domínio extremamente particular e seria, no mínimo, deselegante. Cada um é responsável por si, e para transformar o outro, o máximo que podemos é transformar nós mesmos. Enquanto artistas da dança, exploramos endereços de todas as possibilidades, carregando uma única chave, que abre todas as portas. Sei que seria mais fácil se a chave abrisse somente uma. Ser artista, entretanto, é viver nesse profundo, e às vezes turvo, mar de amplidão diante da vida. É o lugar invejado pelo homem comum, pois o artista tudo pode, é um privilegiado. Na dança contemporânea lidamos com essa desordem de sentimentos: do corpo desbravador, que pensa por si, e acima de tudo que duvida de si. Um corpo inteligente que recusa dominações, e pretende chegar a um lugar que desconhece. Que se posiciona no mundo, porque reconhece o mundo, e nele encontra a si mesmo, em quedas, saltos e rolamentos. Na tensão da coxia do que está por vir no palco, que derruba ou levanta quem nele pisa. Não há meio termo. Parece-me que os trabalhos em dança contemporânea não se encontram resumidos em questões de múltipla escolha com as opções “gostei” ou “não gostei”. É possível, inclusive, se interessar mais pela paixão que move em direção à criação do que pelo resultado criado em si. Durante os dias do Festival ES de Dança fomos incomodados, desafiados, entediados e agraciados. O remorso não existe, uma vez que a obra diz mais sobre o artista do que ele mesmo poderia. É preciso sentir. Esse é o nosso desafio, enquanto coreógrafos, bailarinos e plateia. “A arte só revela a realidade, inventando-a”, disse brilhante, de dentro de seu apartamento, Ferreira Gullar. Nessa revelação reinventada por cada um de nós, é capaz que o enigma de criar nunca se desvende. Que seja então como Picasso que não procura, mas acha. Que venha o próximo ato criativo, sempre. Adorno, Primeiro Ato Cia. de Dança 46 47 48 49 ficha técnica Festival ES de Dança Vitória, Julho de 2011 Secretaria de Cultura do Espírito Santo Ana Ortelã Paulo Viçosi João Carlos Secretario de cultura Recepção Erlon Jose Paschoal Maria de Fátima Pimentel Sub-secretário Diretoria Mauricio Jose da Silva Dayse Mara Maciel Gerente Assessoria Especial Camareira Carlos Augusto Brotas Corrêa Coordenação de Formação Artística e Cultural Técnico Administrativo Luiz Carlos Almeida Lima Produção Executiva Contratada Coordenador Leandro Bacelar Marcelo Siqueira Palco Teatro Sesi Assessoria Ivone Carvalho Vieira Raquel Baelles Receptivo e logística Assessoria Mauricio Ramos de Aguiar Hendrix Lippaus Cenotécnica e Sonoplastia · Teatro Sesi Estagiário Stoffel Tour Transporte Coordenação de Difusão e Intercâmbio Lucianara Braga Escola de Ballet Cridança Rita Sarmento Coordenadora Apoio Técnico e Administrativo Rita de Cassia Rodrigues Assessora Maria José Bolzani Escola de Ballet Cridança Simone Devens Assessora Bethina Vinicius Fabio Assessor Equipe SESI Thiago Bossois Theatro Carlos Gomes Silvia Bassini Alcides Pereira Nilson C. Sodré Alan M. Neves Revista Luz Carlos Antolini Eudes Roberto Lucas S. Coelho Fotografia Som Vitor Graize textos e edição Luiz Claudio Namir S. Carneiro Wérllen Castro Palco projeto gráfico e diagramação José Carlos Damasceno Luciana R. Lucas Bilheteria 50 51