UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS RICARDO KLEIBER DE LIMA SILVA CALÇADAS INVISÍVEIS: aspectos do passeio público, em Natal-RN, como projeção de uma cidadania ausente NATAL 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS RICARDO KLEIBER DE LIMA SILVA CALÇADAS INVISÍVEIS: aspectos do passeio público, em Natal-RN, como projeção de uma cidadania ausente NATAL 2013 RICARDO KLEIBER DE LIMA SILVA CALÇADAS INVISÍVEIS: aspectos do passeio público, em Natal-RN, como projeção de uma cidadania ausente Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lisabete Coradini. NATAL 2013 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Silva, Ricardo Kleiber de Lima. Calçadas invisíveis : aspectos do passeio público, em Natal - RN, como projeção de uma cidadania ausente / Ricardo Kleiber de Lima Silva. – 2013. 136 f.: il. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, 2013. Orientadora: Prof.ª Dra. Lisabete Coradini. 1. Acessibilidade – Natal(RN). 2. Arquitetura e deficiente. 3. Espaços urbanos. 4. Mobilidade urbana. 5. Passeio público. I. Coradini, Lisabete. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BSE-CCHLA CDU 712.36(813.2) RICARDO KLEIBER DE LIMA SILVA CALÇADAS INVISÍVEIS: aspectos do passeio público, em Natal-RN, como projeção de uma cidadania ausente Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Aprovada em:____ de ______________ de 2013. ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Lisabete Coradini Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientadora _______________________________________ Prof.ª Dr.ª Mónica Lourdes Franch Gutiérrez Universidade Federal da Paraíba Membro _______________________________________ Prof. Dr. Lincoln Moraes de Souza Universidade Federal do Rio Grande do Norte Membro AGRADECIMENTOS Ao Criador, que me ensina por meio de pequenas coisas a importância de amar a vida. Aos meus pais, que me orientaram a lutar pela realização dos meus sonhos, sempre colocando a frente o trabalho e a força de vontade. Ao meu irmão, Rogério, pelas palavras de incentivo e pela colaboração nas minhas necessidades em todos os momentos. Aos meus amigos, Flávio César Oliveira da Rosa e Sandovânia Maria de Oliveira, que sempre estiveram presentes nos momentos de dificuldade. A minha orientadora, Professora Lisabete Coradini, por sua confiança e incentivo à produção acadêmica. Aos professores que fazem parte do programa de pós-graduação, em especial aos professores Lincoln Moraes de Souza e Dalcy da Silva Cruz. A professora Lélia Batista de Souza, pelo incentivo dado à continuidade dos meus estudos. O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço*. (Italo Calvino) * Personagem Marco Polo de “Cidades Invisíveis” (CALVINO, 2003, p.158). RESUMO Esse estudo tem por objetivo estabelecer uma relação entre as características do passeio público do bairro de Lagoa Nova, em Natal, e o tipo de cidadão que os moldes de construção e manutenção desse espaço refletem. Entende-se aqui como passeio público, especificamente, o local destinado ao trânsito de pedestres, situado entre os lotes urbanos e a via de acesso aos veículos motorizados. Procura-se fazer um breve histórico sobre a ocupação dessa região e uma descrição detalhada das características físicas de suas calçadas, que apresentam inúmeros obstáculos á acessibilidade dos transeuntes, tentando encontrar possíveis fatores que expliquem o seu “traçado problemático”, visto que, aparentemente, em sua maior parte a acessibilidade de pedestres é comprometida. Investiga-se, também, o pensamento da população local em relação às noções de ocupação desse ambiente, bem como aspectos culturais, políticos e econômicos que poderiam influenciar na apropriação desse “espaço híbrido”, situado na fronteira entre o público e o privado. Confirma-se que o formato atual do passeio público não é apenas reflexo da cidadania ou ausência dessa, mas se constitui como agente ativo relacionado à construção desse conjunto de direitos e deveres fundamentais ao convívio harmônico entre os habitantes de uma cidade. Palavras-chaves: Acessibilidade. Cidadão. Espaços Urbanos. Fotografia. Passeio Público. ABSTRACT This study has as a goal to establish a relationship between public sidewalk characteristics of Lagoa Nova District (neighborhood), in Natal and the kind of citizens whose constructions and maintenance layouts reflects. It‟s understood here as public sidewalk, specifically, the place reserved for passers-by traffic, located between public lots and vehicles pavements. It‟s a concern to make a brief survey about the occupation of this particular region and a detailed description over physical characteristic of its sidewalks that shows several obstacles for passers-by accessibility, trying to find possible factors that explain the “problematic format”, once, at the first sight, most of accessibility of passers-by is compromised. It‟ also, searched, local population thoughts regarding occupation notions about this environment, just like as cultural, political and economical aspects that might influence upon snatching these hybrid places located between private and public border line. It‟s confirmed that the nowadays sidewalks‟ shapes is not only citizenship reflection or a lack of it but shows it as an active agent related with the construction of this set of fundamental rights and duties vital for harmonical co-living local citizens. Key-words: Accessibility. Citizen. Urbans Places. Photography. Public Sidewalk. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Fotografia 01: Ruínas de Pompéia I ..................................................................... 25 Fotografia 02: Ruínas de Pompéia II .................................................................... 25 Fotografia 03: Ruínas de Pompéia – III ................................................................ 26 Fotografia 04: Vista Parcial de Natal – Começo do séc. XX ................................ 27 Fotografia 05: Rua em Capim Macio, próximo à Av. Ayrton Senna ..................... 28 Fotografia 06: Rua Neuza Farache, Capim Macio ............................................... 28 Fotografia 07: Calçada no Centro de Gramado/RS.............................................. 29 Fotografia 08: Residência típica de Gramado/RS ................................................ 30 Fotografia 09: Calçada portuguesa, formando mosaico, em Lisboa, Portugal ..... 31 Fotografia 10: Calçadão da Praia de Copacabana, Rio de Janeiro...................... 31 Fotografia 11: Avenida Roberto Freire, Ponta Negra, Natal/RN ........................... 31 Fotografia 12: Calçadão da Praia de Ponta Negra, Natal/RN .............................. 31 Fotografia 13: Calçada de pedra portuguesa em construção, Lagoa Nova ......... 32 Fotografia 14: Calçada de pedra portuguesa em construção, Lagoa Nova ......... 32 Fotografia 15: Calçada de pedra portuguesa em construção, Lagoa Nova ......... 33 Fotografia 16: Travessa da Rua Henrique Góes, Bairro Lagoa Nova .................. 35 Fotografia 17: Calçadas, bairro Cidade Jardim, Natal/RN .................................... 39 Fotografia 18: Praça André de Albuquerque. Começo do séc. XX....................... 45 Fotografia 19: Praça André de Albuquerque. Visão atual .................................... 45 Fotografia 20: Localização do bairro Lagoa Nova em Natal. Mapa I .................... 49 Fotografia 21: Visão ampliada do bairro Lagoa Nova e seus limites. Mapa II ...... 50 Fotografia 22: Estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado, anos 1960 ........ 53 Fotografia 23: Visão do Estádio (Machadão) em 2009 ........................................ 53 Fotografia 24: Estádio (Machadão) em demolição no final de 2011 ..................... 54 Fotografia 25: Travessia de pedestres, Lagoa Nova ............................................ 54 Fotografia 26: Calçadas do canteiro de obras da Arena das Dunas .................... 55 Fotografia 27: Calçadas do canteiro de obras da Arena das Dunas .................... 55 Fotografia 28: Calçadas do canteiro de obras da Arena das Dunas .................... 55 Fotografia 29: Calçadas do canteiro de obras da Arena das Dunas .................... 55 Fotografia 30: Vista parcial da Avenida Senador Salgado Filho........................... 57 Fotografia 31: Final da av. Praia do Forte na Redinha ......................................... 83 Fotografia 32: Av. Pres. Café Filho, Santos Reis ................................................. 84 Fotografia 33: Terminal de ônibus na Av. Praia do Forte ..................................... 84 Fotografia 34: Av. Praia do Forte / Início da Rua da Liberdade, Praia do Meio ... 85 Fotografia 35: Rua Erivan França. Orla de Ponta Negra (esgotos) ...................... 85 Fotografia 36: Rua Erivan França. Orla de Ponta Negra (depósitos) ................... 86 Fotografia 37: Rua Erivan França. Orla de Ponta Negra (falta de manutenção) .. 86 Fotografia 38: Av. Pres. Café Filho, Praia do Meio .............................................. 87 Fotografia 39: Av. Pres. Café Filho, Praia do Meio .............................................. 87 Fotografia 40: Av. Dr. João Medeiros Filho, Redinha ........................................... 88 Fotografia 41: Rua Luiz XV, B. Nordeste ............................................................. 89 Fotografia 42: Rua 25 de Março, Quintas ............................................................ 89 Fotografia 43: Av. Cel. Estevam, Bairro do Alecrim ............................................. 89 Fotografia 44: Rua da Liberdade, Santos Reis..................................................... 89 Fotografia 45: Trecho da Rua Jânio Cavalcante em Nova Descoberta ................ 90 Fotografia 46: “Castelinho” do Zé do Monte. Rua 25 de Março, Quintas ............. 90 Fotografia 47: Av. Dr. João Medeiros Filho, Bairro Igapó – Zona Norte de Natal. 91 Fotografia 48: Av. Jerônimo Câmara, Cidade da esperança ................................ 92 Fotografia 49: Calçada do TCE – Av. Getúlio Vargas, Petrópolis ........................ 92 Fotografia 50: Av. Getúlio Vargas, Petrópolis....................................................... 93 Fotografia 51: Rua São João de Deus, Rocas ..................................................... 93 Fotografia 52: Av. Jerônimo Câmara, Lagoa Nova – CEASA .............................. 94 Fotografia 53: Rua Cel. Joaquim Correia – SEMURB .......................................... 94 Fotografia 54: Av. Rio Branco, Bairro Cidade Alta ............................................... 95 Fotografia 55: Av. Cap. Mor Gouveia Bairro, Felipe Camarão ............................. 96 Fotografia 56: Rua próxima à SEMURB no Bairro Candelária ............................. 96 Fotografia 57: Rua Gen. Glicério, Ribeira ............................................................ 97 Fotografia 58: Rua Dr. Solon de Miranda Galvão, Próximo a UFRN .................... 97 Fotografia 59: Rua São José, Lagoa Nova. A regra ............................................. 98 Fotografia 60: Av. Bernardo Vieira. Entrada Shopping Midway Mall. A exceção . 98 Fotografia 61: Rua São Joaquim. Fundos do Shopping Midway Mall .................. 99 Fotografia 62: Av. Bernardo Vieira. Entrada do Shopping Midway Mall ............... 99 Fotografia 63: Travessia de pedestres – ao fundo o estádio Arena das Dunas ... 100 Fotografia 64: Travessia de pedestres – Av. Romualdo Galvão .......................... 100 Fotografia 65: Passarela I – Av. Senador Salgado Filho ...................................... 101 Fotografia 66: Passarela II. Av. Senador Salgado Filho ....................................... 101 Fotografia 67: Passarela III. Av. Senador Salgado Filho .................................... 101 Fotografia 68: Passarela IV. Av. Senador Salgado Filho ................................... 101 Fotografia 69: Rua do Caulim, campo de futebol – Potilândia, Lagoa Nova ........ 102 Fotografia 70: Rua do Ouro, conjunto Potilândia, Lagoa Nova ............................ 103 Fotografia 71: Rua da Granada, conjunto Potilândia, Lagoa Nova ...................... 103 Fotografia 72: Rua Berilo Wanderley, Lagoa Nova .............................................. 104 Fotografia 73: Avenida Capitão Mor Gouveia, Lagoa Nova ................................. 104 Fotografia 74: Anel Viário do Campus da UFRN, Lagoa Nova............................. 105 Fotografia 75: Av. Senador Salgado Filho, próximo ao Midway Mall ................... 105 Fotografia 76: Rua Dr. Francisco Maiorana. Condomínio de “alto padrão” .......... 105 Fotografias 77, 78 e 79: Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova ............... 106 Fotografia 80, 81 e 82: Túnel. Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova ...... 107 Fotografias 83, 84, 85, 86 e 87: Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova ... 108 Fotografia 88: Muro gigantesco, Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova .. 109 Fotografia 89: Avenida Airton Senna, Natal/RN ................................................... 109 Fotografias 90, 91 e 92: Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN ............................... 110 Fotografia 93: Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN ............................................... 111 Fotografia 94: Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN ............................................... 111 Fotografia 95: Avenida Dr. Mário Negócio, Natal/RN ........................................... 112 Fotografia 96: Avenida Dr. Mário Negócio, Natal/RN ........................................... 112 Fotografia 97: Rua Auris Coelho, Nova Descoberta ............................................. 113 Fotografia 98: Rua Nelson Matos, Nova Descoberta ........................................... 113 Fotografia 99, 100, 101 e 102: Calçadas no bairro Cidade Jardim, Natal/RN ...... 114 LISTA DE SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas CAERN Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte CEASA Centro Estadual de Abastecimento S/A IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IHG Instituto Histórico e Geográfico IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada NBR Norma Brasileira (elaborada pela ABNT) OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SESC Serviço Social do Comércio SESI Serviço Social da Indústria SEMOB Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana SEMOPI Secretaria Municipal de Obras Públicas e Infraestrutura SEMOV Secretaria Municipal de Obras e Viação SEMURB Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo TCE Tribunal de Contas do Estado TCU Tribunal de Contas da União UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................... 1 13 “FAÇAM-SE AS CALÇADAS”: UM CAMINHO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO ............................................................................................... 25 1.1 GÊNESE .................................................................................................... 25 1.2 OS CRIADORES E A CRIATURA ............................................................. 29 1.3 DEFINIÇÃO E NOMENCLATURA ............................................................. 33 1.4 A CALÇADA COMO ESPAÇO PÚBLICO .................................................. 35 1.5 CIDADANIA: TRAJETÓRIA E ESPAÇO .................................................... 39 2 CALÇADAS DAS DUNAS ........................................................................ 45 2.1 A URBANIZAÇÃO DE NATAL ................................................................... 45 2.2 O BAIRRO LAGOA NOVA ......................................................................... 49 2.3 CARACTERÍSTICAS ATUAIS DO PASSEIO PÚBLICO............................ 57 3 DIALOGANDO COM O CAMPO DE PESQUISA ..................................... 63 3.1 TRAJETÓRIAS DA PESQUISA ................................................................. 63 3.2 CONVERSANDO COM ALGUNS CIDADÃOS .......................................... 65 3.3 VISITANDO A SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE E URBANISMO (SEMURB) .......................................................................... 75 3.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ENTREVISTAS .................... 77 4 O PASSEIO PÚBLICO E SUAS IMAGENS .............................................. 81 4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS IMAGENS ............................ 81 4.2 CALÇADA DAS DUNAS: PANORAMA GERAL DAS CALÇADAS EM NATAL 83 4.3 IMAGENS DE LAGOA NOVA .................................................................... 98 4.4 ESSE CAMINHO FOI PRODUZIDO EM PRETO E BRANCO ................... 107 4.5 PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES................................. 114 4.6 RECURSOS UTILIZADOS ........................................................................ 114 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 115 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 118 APÊNDICE ................................................................................................ 124 ANEXO ...................................................................................................... 128 13 INTRODUÇÃO O tema Mobilidade Urbana tem sido bastante debatido na atualidade, em especial, no Brasil, devido ao mega evento esportivo da Copa do Mundo de 2014. Conforme o Relatório do Tribunal de Contas da União 2011, o termo Mobilidade Urbana deixou de tratar ou priorizar apenas aspectos ligados à circulação de veículos, assumindo, hoje, o significado de deslocamento de pessoas e bens dentro do espaço das cidades, mediante utilização de veículos, de vias públicas e da infraestrutura disponível1. Assim, passa a ter como foco as pessoas, está ligado à organização do território e à sustentabilidade das cidades. A capital no Rio Grande do Norte será uma das cidades brasileiras que sediará esse campeonato mundial de futebol. Sobre o tema mobilidade urbana em questão, nessa capital, podem-se destacar alguns problemas – que são comuns à maioria das cidades de mesmo porte – como a deficiência nos meios de transporte coletivos, o constante congestionamento das principais avenidas, devido ao excesso de veículos motorizados individuais, a falta de acesso às pessoas com necessidades especiais etc. Dentre esses problemas, foram pesquisadas as condições de acessibilidade aos pedestres no espaço denominado passeio público, conhecido mais popularmente como calçada. Entre as definições mais completas sobre passeio público cita-se a que consta na legislação da capital Paulista2 de 25 de agosto de 2004 que assim o define: Passeio público é a parte da via pública, normalmente segregada em nível diferente, destinada à circulação de qualquer pessoa, independente de idade, estatura, limitação de mobilidade ou percepção, com autonomia e segurança, bem como à implantação de mobiliário urbano, equipamentos de infraestrutura, vegetação, sinalização e outros fins previstos em leis específicas (Lei Municipal nº 13885, Art. 1º). É também, uma das normas que mais se aproxima do conceito europeu de acessibilidade3, segundo o qual: 1 2 3 O relatório completo do TCU sobre Mobilidade Urbana pode ser acessado diretamente pelo site: www.tcu.gov.br/contasdogoverno. Decreto nº 45.904 de 19 de maio de 2005. Regulamenta o artigo 6º da Lei nº 13885, de 25 de agosto de 2004, no que se refere à padronização dos passeios públicos do município de São Paulo. Disponível em: <http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/passeiolivre/pdf/Decreto.pdf>. Relatório do Grupo de Peritos criado pela Comissão Europeia – 2003. Disponível em: <http://issuu.com/uc-para-todos/docs/cea>. 14 Um meio edificado acessível constitui elemento chave para o funcionamento de uma sociedade assente em direitos iguais, dotando os seus cidadãos de autonomia e de meios para a prossecução de uma vida social e economicamente activa. Constitui o fundamento de uma sociedade inclusiva, baseada na não discriminação. A nossa sociedade assenta na diversidade, que exige a construção de um meio físico sem barreiras e que não crie deficiências e incapacidades. Significa que a acessibilidade é uma preocupação de todos, não só de uma minoria com necessidades especiais. Numa sociedade cada vez mais diversificada e a envelhecer, o objectivo traduzir-se-ia e traduzir-se-á na promoção e adopção crescente da acessibilidade para todos (CONCEITO EUROPEU DE ACESSIBILIDADE, 2003, p.21). A orientação dessa pesquisa será a partir desse conceito amplo de acessibilidade, que o define de acordo com as necessidades coletivas e não de uma minoria com necessidades especiais, em específico. Quando um meio edificado incorpora as características desse conceito é dito que possui um Desenho Universal. A Associação Brasileira de Normas Técnicas, quando trata sobre acessibilidade a edificações, mobiliário e equipamentos urbanos estabelece que o Desenho Universal é “aquele que visa atender à maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população” (NBR 9050, 2004)4. Por meio da leitura de alguns trabalhos acadêmicos, como as seguintes dissertações de mestrado: “Avaliação da política pública de acessibilidade no período de 1992 a 2002 na cidade do Natal” (SOUSA JÚNIOR, 2005); “A cidade sem barreiras é para todos? Avaliação das condições de deslocamento no bairro Cidade Alta, Natal/RN, face às intervenções em acessibilidade processadas entre 1993 e 1998” (PIRES, 2007), apresentadas ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN e “Natal século XX: do urbanismo ao planejamento urbano”, tese de doutorado defendida por Pedro Antônio de Lima Santos, na USP, em 1998, que trata, especificamente, dos planos urbanísticos concebidos para Natal desde o início do século passado, além de dados estatísticos relacionados ao tema e do conhecimento das normas legais5 que regulamentam esse espaço, chega-se à seguinte problematização: as características do passeio público podem refletir o 4 5 O arquivo completo sobre acessibilidade a edificações, mobiliário e equipamentos urbanos encontra-se disponível em: <http://portal.mj.gov.br/corde/arquivos/ABNT/NBR9050-31052004.pdf>. Lei Municipal nº 4.090, de 03 de julho de 1992 (Dispõe sobre a eliminação de barreiras arquitetônicas para portadores de deficiência nos locais de fluxo de pedestres e edifícios do uso público e dá outras providencias); Lei complementar nº 055, de 27 de janeiro de 2004 (Institui o Código de Obras e Edificações do Município de Natal e dá outras providências); Lei complementar nº 082/2007 (Dispõe sobre Plano Diretor de Natal e dá outras providências). Disponível em: <http://www.natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-102.html>. 15 perfil do cidadão de uma determinada região. Por meio da construção, manutenção ou formas de apropriação desse espaço, existe a possibilidade de perceber como esse cidadão demonstra, na prática, seu grau de compromisso com os demais moradores de um aglomerado urbano e como esses moradores reagem diante dos possíveis obstáculos que lhes tiram o direito de transitar de forma livre e segura pelas calçadas de sua cidade. Pode-se questionar, também, a influência do poder público como regulador desse espaço, visto que para grande parte dos entrevistados a responsabilidade pelo atual estado do passeio público recai sobre a própria administração municipal. De qualquer forma, indiretamente, acaba-se voltando a problematização anterior, pois as mesmas pessoas que responsabilizam o governo são também responsáveis por manter, eleger e reeleger seus administradores. Em trabalho anterior, Silva (2010), em que pesquisei a mesma temática, apresentada na conclusão do curso de graduação em Ciências Sociais na UFRN, no final de 2010, que teve como campo de trabalho o Bairro Lagoa Nova, em Natal RN, também está servindo como base, por apresentar os primeiros exercícios e reflexões realizados durante a pesquisa. Pretende-se, agora, ampliar e aprofundar algumas questões já tratadas anteriormente, assim como, incluir novos conhecimentos pertinentes ao tema. O estudo desse espaço surgiu, inicialmente, pelo interesse em identificar as razões pelas quais o passeio público, na cidade de Natal, encontra-se, na maior parte de suas regiões, fora dos padrões funcionais e satisfatórios de acessibilidade aos transeuntes, bem como a relação com os problemas sociais decorrentes desse quadro. Cabe destacar que, de acordo com o conceito citado anteriormente, a condição necessária seria a construção de um meio físico adequado ao trânsito seguro a todos, que não apresentasse deficiências e incapacidades para o acesso de todo e qualquer pedestre, o que justifica ser a acessibilidade uma preocupação comum à sociedade em geral. Ao caminhar atentamente pela cidade, constata-se que é quase impossível percorrer completamente, de forma contínua e segura, qualquer quarteirão sobre suas calçadas. Geralmente, independentemente da nossa condição física, encontramos algum tipo de obstáculo que impede, total ou parcialmente, o acesso. Devido a isso, é comum perceber, pelas principais ruas e avenidas, pessoas que, sem alternativa, caminham perigosamente pelo asfalto, competindo com os automóveis. 16 Ouve-se, também, de algumas pessoas com idade avançada e, consequente diminuição de sua capacidade física natural de locomoção que, como não existem calçadas adequadas em sua cidade, preferem, muitas vezes, não saírem de casa. De acordo com uma pesquisa6 realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2003, sobre “Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas”, a cidade de São Paulo revelou um número de nove quedas por grupo de mil habitantes, devido às más condições do passeio público ao longo de ruas e avenidas, a um custo médio em torno de R$ 2,5 mil para cada um desses tipos de acidente. Esses dados demonstram que a inadequação das calçadas pode causar inúmeros transtornos e prejuízos à população em geral. O abandono, o acúmulo de lixo e o despejo de esgoto a céu aberto, flagrados nas calçadas de alguns lotes – até mesmo em bairros considerados nobres, como é o caso de Lagoa Nova – podem ser responsáveis pela multiplicação de insetos e, consequentemente, a propagação de doenças por esses vetores. O esgoto despejado às margens dessas calçadas, além de trazer prejuízos à saúde pública, pode, até mesmo, indiretamente, prejudicar o trânsito dos automóveis, pois parte desse fluxo de água, muitas vezes vai se infiltrando em alguns trechos de ruas e avenidas destruindo o seu revestimento. Apesar do aumento do número de veículos particulares circulando pela cidade nas últimas décadas, o transporte público ainda é o principal meio de locomoção da maioria da população nos centros urbanos e, mesmo parecendo óbvio, não se deve 6 “Tradicionalmente, os acidentes de trânsito incluem apenas os acidentes envolvendo veículos. As estatísticas referentes a esses acidentes já destacam o pedestre, vítima de atropelamento – cerca de 50% das mortes - como o elemento mais vulnerável no trânsito. No entanto, a queda de um pedestre na calçada ou na própria via, sem a participação direta ou indireta de um veículo, não é considerada como um acidente de trânsito, ainda que a queda tenha ocorrido em razão de um defeito na calçada ou na via. Os estudos de custos de acidentes de trânsito realizados em outros países não costumam considerar os custos decorrentes das quedas de pedestres. Segundo pesquisas origem-destino, realizadas em algumas cidades brasileiras, mais de 30% dos deslocamentos realizados em área urbana são feitos a pé. A fim de conhecer a importância desse fenômeno, optou-se por estudá-lo nesta pesquisa. Para isso, foi realizada pesquisa domiciliar em 354 domicílios da aglomeração urbana de São Paulo, totalizando 1426 moradores entrevistados para identificar a freqüência das quedas e os seus custos. A pesquisa realizada na Aglomeração Urbana de São Paulo revelou nove quedas por grupo de mil habitantes, a um custo médio em torno de R$2,5 mil por queda. Embora os valores encontrados estejam sujeitos a variações significativas, dado o pequeno número de casos identificados, esta pesquisa mostra a importância da formulação específica de políticas e projetos voltados para a segurança de pedestres, principais vítimas dos acidentes de trânsito – tanto por atropelamentos como por quedas – através da melhoria de calçadas, da sinalização, implantação de passarelas e faixas de travessia” (IPEA, 2003). Disponível em: <http://www.pedestre.org.br/downloads/IpeaSinteseAcidentesTransitoMaio2003.pdf>. 17 esquecer, portanto, que as pessoas para terem acesso a esse tipo de transporte e seus pontos de embarques, obrigatoriamente, precisam circular pelas calçadas. A importância do formato desse espaço não se resume, apenas, em garantir o direito de ir e vir com segurança e conforto pelas ruas da cidade ou em facilitar os mais diversos tipos de interações sociais que esse recorte do espaço urbano pode proporcionar. Essa faixa complexa de tecido urbano, tal qual uma malha ou rede, que se estende por toda a cidade, ocupando uma porção considerável do território, pode interferir também no equilíbrio ecológico desse ambiente. Assim, os milhares de quilômetros quadrados somados, quando totalmente impermeabilizados, impedem a infiltração natural das águas pluviais no solo - o que, segundo alguns estudos, contribuem para que algumas substâncias tóxicas fiquem concentradas nas reservas aquíferas do subsolo, inviabilizando o uso dessa água pelas companhias de abastecimento que atendem a população local – isso faz com que os poços de coleta de água subterrânea sejam perfurados cada vez mais distantes dos aglomerados urbanos e com custos, certamente, mais elevados. Esse somatório de áreas impermeabilizadas também contribui no período de chuvas, como fator de risco às pessoas, devido às possíveis inundações. O passeio público é também, por excelência, um dos locais mais utilizados para o plantio de vegetação arbórea nos centros urbanos. Esse tipo de vegetação, quando constituída de espécies apropriadas e controladas por um serviço especializado de manutenção, não apenas acolhe vários tipos de pássaros e pequenos animais, como embeleza e valoriza as áreas edificadas, contribui para diminuição da poluição sonora e o excesso de radiação solar, além de, entre os benefícios mais importantes para cidades de climas quentes, como é o caso da Capital Potiguar, promover o conforto térmico. Conforme Velasco (2007)7, pesquisas realizadas em São Paulo revelam que ruas densamente arborizadas podem diminuir a temperatura local ou a sensação térmica em até 2Cº. Porém, para que as calçadas possam oferecer todos esses tipos de vantagens à população, elas deveriam ser realmente bem planejadas e adaptadas para esse fim. Alguns obstáculos que tornam as nossas calçadas intransitáveis são facilmente 7 identificáveis, como: muros, paredes e degraus construídos, Tese de doutorado defendida na USP, em 2007, por Giuliana Del Nero Velasco, sobre o “Potencial da arborização viária na redução do consumo de energia elétrica na cidade de São Paulo”. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11136/tde-03032008-165228/pt-br.php>. 18 arbitrariamente, dentro dos limites do passeio; estacionamento indevido de veículos; comerciantes fixos ou ambulantes, que se apropriam parcial ou totalmente do espaço. Além de outros, gerados por invasões fixas ou temporárias, somam-se, ainda, aqueles causados pelo descuido e o abandono (caracterizados por buracos, crescimento de vegetação desordenada, depósito de lixo) ou, ainda, pelo isolamento dessa via de acesso (pela construção de muros altos em lotes particulares, que impedem totalmente a visão da rua, contribuindo para tornar esse espaço invisível e favorável a alguns tipos de ações criminosas). A partir dessas constatações, pode-se concluir que “cidadãos”, enquanto pedestres, trilham por um caminho duplamente inseguro, seja pelos riscos de acidentes físicos, decorrentes da grande quantidade de obstáculos e irregularidades em nosso passeio público ou pela construção de ambientes que facilitam práticas violentas do cotidiano urbano, por sua invisibilidade. Segundo Jacobs (2000, p. 29), “quando as pessoas dizem que uma cidade, ou parte dela, é perigosa ou selvagem, o que querem dizer, basicamente, é que não se sentem seguras em suas calçadas”. Partindo dessa realidade, cabe questionar quem seriam os responsáveis pelo planejamento, construção e manutenção das calçadas. De acordo com Jacobs (2000, p. 30): [...] as calçadas e aqueles que as usam não são beneficiários passivos da segurança ou vitimas indefesas do perigo. As calçadas, os usos que as limitam e seus usuários são protagonistas ativos do drama urbano, da civilização versus barbárie. Desse modo, pode-se pensar nesse espaço como consequência do pensamento, das ações e da forma como se estabelecem as relações com o ambiente e o restante das pessoas com quem se convive diariamente na cidade. Influencia-se e se é influenciado por esse ambiente, que não é somente utilizado para circulação, mas para vários tipos de interação social. Nas calçadas, encontrase o comércio informal e extensões do comércio legal, trabalhadores ambulantes, profissionais do sexo, praticantes de esportes, visitantes de outras cidades, pessoas trocando informações, pedintes e, até mesmo, indivíduos que transformam esse local em uma espécie de moradia. Neste sentido, pode-se dizer que se está diante de um outro universo social contido dentro dos limites da sociedade urbana. 19 Yázigi (2000) aponta toda a complexidade desse tema e propõe que se pense esse conflituoso espaço urbano como um retrato da nossa sociedade. O estado atual de precariedade ou pouca funcionalidade do passeio público é algo imperceptível para maioria da população e quando percebida parece ser ignorada por pessoas que ainda não desenvolveram a capacidade e o hábito de lutar por direitos coletivos e cumprir muitos dos seus deveres individuais. Uma sociedade em que esses componentes básicos ao exercício da cidadania estão muito ausentes. Seguindo esse raciocínio, poder-se-ia levantar algumas questões: Por que esse espaço está tão distante da sua finalidade prática e funcional? O que leva as pessoas a aceitarem essa situação tão passivamente? Será possível perceber isso? Conforme Ferrara (1988, p.3): A percepção urbana é uma prática cultural que concretiza certa compreensão da cidade e se apóia, de um lado, no uso urbano e, de outro, na imagem física da cidade, da praça, do quarteirão, da rua, entendidos como fragmentos habituais da cidade. Uso e hábito, reunidos, criam uma imagem perceptiva que se sobrepõe ao projeto urbano e constitui o elemento de manifestação concreta do espaço. Entretanto, essa imagem, porque habitual, apresenta-se homogênea e ilegível. O envolvimento e o trabalho desenvolvido na área de paisagismo, possivelmente, fez com que eu percebesse a questão estética da despadronização do nosso passeio público. Mas junto à desarmonia visual das calçadas, é perceptível, também, a falta de planejamento para que sirvam como espaços funcionais que permitam a circulação livre e segura dos pedestres. Além disso, a iniciação dos estudos na área de sociologia ampliou ainda mais minha visão sobre as questões relacionadas a esse local de convivência entre as pessoas, fazendo com que eu percebesse as calçadas como um lugar complexo, onde ocorrem diversos tipos de interações sociais, pois não serve apenas como meio de acesso entre as regiões da cidade, mas também como local de trabalho, lazer, conversas e troca de informações, razão pela qual me senti motivado a estudar os problemas sociais relacionados à constituição desse espaço. Espero, dessa maneira, poder contribuir com outros trabalhos dedicados ao planejamento e melhoria dos espaços urbanos em nossas cidades, assim como aos estudos sociológicos ligados à formação da nossa cidadania. Como objetivo geral desse trabalho tenta-se estabelecer relações entre as características do passeio público no bairro de Lagoa Nova em Natal e o tipo de 20 cidadão que os moldes de construção e manutenção desse espaço refletem. Especificamente, deseja-se alcançar os seguintes pontos: traçar um perfil geral das calçadas na cidade e mais detalhadamente do bairro estudado; identificar os possíveis fatores que explicam o seu “traçado problemático”; analisar o posicionamento dos moradores que trafegam, diariamente, no bairro nesse contexto; e, finalmente, investigar o pensamento dessa população em relação às noções de ocupação dos espaços sociais urbanos. Ao caminhar pela cidade, pode-se perceber que muitas obras parecem não ter sido planejadas de acordo com a sua verdadeira finalidade, o passeio público, por exemplo. Volta-se às seguintes questões: Quem planejou? Por que planejou algo tão distante da realidade? Pelo menos da realidade da maioria das pessoas que utilizam esses espaços. Jacobs (2000) faz uma crítica a quem planeja a cidade e diz que as cidades deveriam ser vistas como laboratórios. Os bairros mais antigos poderiam servir de modelo para que se evitassem cometer os mesmos erros na hora de planejar, por exemplo, os passeios públicos em bairros mais recentes. Porém, quem projetou o traçado, na maioria dos novos bairros em Natal, não contemplou as áreas destinadas aos pedestres. Para a pesquisadora: As cidades são um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e sucesso, em termos de construção e desenho urbano. É nesse laboratório que o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. Ao contrário, os especialistas e os professores dessa disciplina, (se é que ela pode ser assim chamada) têm ignorado o estudo do sucesso e do fracasso na vida real, não têm tido curiosidade a respeito das razões do sucesso inesperado e pautam-se por princípios derivados do comportamento e da aparência das cidades, subúrbios, sanatórios de tuberculosos, feiras e cidades imaginárias perfeitas – qualquer coisa que não as cidades reais (JACOBS, 2000, p. 5). Pode-se comprovar essa realidade analisando a Avenida Airton Senna, (Fotografia 89 na página 109) cuja construção é recente. Nela percebe-se um enorme descaso com o passeio público, situação similar à Avenida Mário Negócio (Fotografias 95 e 96 na página 112) uma das avenidas mais antigas da cidade, onde é praticamente impossível encontrar linha contínua de pelo menos um quarteirão com calçadas apropriadas. Esse tipo de planejamento, se é que se pode chamar assim, desconsidera componentes básicos ao exercício da cidadania, como a segurança, o conforto e a 21 tranquilidade para quem usa as calçadas como meio de acesso. Quando se dificulta o trânsito de pedestres nas calçadas por meio de barreiras arquitetônicas ou se esconde através de muros altos e portões – que isolam totalmente a visão da rua (Fotografia 88 na página 109) – constrói-se, indiretamente, um local duplamente inseguro. Torna-se um local arriscado tanto para o público que passa, quanto para os próprios moradores que chegam motorizados, mas precisam parar nessa fronteira antes de entrarem no “seu mundo privado”. Constata-se que o passeio público não se limita apenas as suas características físicas, mas ao significado que vai sendo construído socialmente, junto ao desenvolvimento das cidades e os objetos com os quais as calçadas faz limite, no caso citado acima, o muro. As campanhas realizadas na cidade, as reportagens de jornais e revistas, e alguns trabalhos científicos associam à melhoria desse espaço à conscientização da população sobre o conceito de cidadania. Predomina na mídia, no entanto, uma ideia muito vaga e incompleta desse termo, tanto quanto o conceito de público e privado e os limites entre cada um deles. Sabe-se que existem normas para a construção de qualquer obra em nossa cidade e, se por acaso, não são conhecidas, o bom senso deveria mostrar que um local destinado ao trânsito de pedestres deve estar livre de barreiras que impeçam o livre acesso. O problema é que, até mesmo, quanto a esse aspecto legal já existe um grande obstáculo. Como se pode esperar que as leis sobre os passeios públicos sejam cumpridas, se cumprir a lei para os brasileiros, segundo DaMatta (1997, p. 82), parece significar assumir ser um cidadão inferior? “Uma obediência às leis configura na sociedade brasileira uma situação de pleno anonimato e grande inferioridade [...]”. Para fundamentar todas essas questões, além da leitura de artigos midiáticos, trabalhos acadêmicos e obras de autores que abordam assuntos relacionados ao tema, dialoga-se mais profundamente com os seguintes autores: Yázigi (2000), que fornece uma visão ampliada e específica sobre as calçadas; DaMatta (1997), que trata de questões ligadas à cidadania como um universo relacional e Santos (2000), que aborda a influência geográfica espacial na construção da cidadania. Conta-se, ainda, como suporte teórico para a pesquisa autores como: Covre (1999), que apresenta um panorama geral sobre a origem e adaptação do conceito de cidadania; Lynch (1997), que trata da imagem e do significado da calçada; Jacobs (2000), que discorre sobre a construção social e a segurança desse espaço, 22 além de Carvalho (2006), que faz uma reconstrução histórica do conceito de cidadania no Brasil. A compreensão dos aspectos visuais e a utilização de imagens na pesquisa foram ampliadas com a leitura das seguintes obras: “Os argonautas do Mangue”, de André Alves (2004), “Ver a Cidade”, de Lucrecia D‟Aléssio Ferrara (1988) e “Sociologia da Fotografia e da Imagem”, do sociólogo José de Souza Martins (2008). Para a constituição do corpus dessa pesquisa optou-se por um tipo de amostra intencional, cujo método comporta os mais variados tipos de pessoas e problemas ligados ao tema. Enfatizou-se o aspecto qualitativo, entretanto, procurouse manter o equilíbrio entre as quantidades de variáveis e atores/agentes semelhantes pesquisados, tentando se aproximar do que os professores Fernando Lefevre e Ana Maria Lefevre (2010) chamam de método qualiquantitativo (utilizado em suas recentes pesquisas sobre representações sociais). Em relação aos atores/agentes envolvidos, decidiu-se por entrevistar os seguintes estratos: homens e mulheres adultos proprietários ou não de lotes urbanos, transeuntes do bairro Lagoa Nova, funcionários públicos da área de planejamento e urbanização da prefeitura, além de profissionais da área de arquitetura e urbanismo. O estudo foi realizado no bairro de Lagoa Nova, em Natal, no Rio Grande do Norte. Dentre outras razões que justificam a escolha desse bairro, destacam-se os seguintes pontos: no contexto histórico da cidade é uma das regiões de ocupação mais recente, aproximadamente cinco décadas; está, geograficamente, situado em uma região central da porção mais urbanizada da cidade; apresenta aspectos urbanísticos variados que tanto podem ser encontrados em bairros mais novos ou periféricos, como em bairros antigos ou centrais; apesar do predomínio de imóveis residenciais apresenta um grande fluxo de pessoas, pois contêm também grandes centros comerciais (conhecidos como Shopping Centers), redes de supermercados e muitos estabelecimentos de ensino públicos e particulares, entre eles o Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e, também, pela facilidade de acesso por ser o bairro onde eu, como autor da pesquisa, trabalho e resido. Como forma de destacar o passeio público visualmente e facilitar a observação desse espaço em momentos posteriores, foi construído um acervo de imagens de vários pontos da cidade e do próprio bairro pesquisado por meio de registros fotográficos. Estes registros foram realizados ao longo de várias ruas e 23 avenidas, buscando observar curiosidades apresentadas em suas calçadas, bem como flagrantes de situações cotidianas. Procura-se justificar a técnica e analisar com mais detalhes e profundidade cada um dos momentos registrados pela câmera. No primeiro capítulo, é apresentado um histórico geral sobre o surgimento desse espaço, desde os primeiros vestígios arqueológicos encontrados na cidade de Herculano e Pompéia, na Itália, até as primeiras calçadas que foram sendo construídas no Brasil, em São Paulo, descritas por Yázigi (2000). Procura-se demonstrar como os aspectos culturais, históricos e econômicos, apesar de influenciar, não são isoladamente determinantes para a qualidade – no quesito acessibilidade – na constituição desse espaço. Apresentam-se algumas definições sobre o que se entende por passeio público e o que é descrito pela legislação. Finalmente, situa-se a calçada dentro de um contexto chamado de espaço público. No segundo momento, descreve-se o processo de urbanização da capital potiguar, a ocupação e o desenvolvimento do bairro Lagoa Nova, as características atuais do passeio público na cidade e, especificamente, no bairro estudado. Neste histórico da região, trata-se brevemente sobre o planejamento urbano em Natal e seus desdobramentos, incluindo o papel do Estado, as políticas públicas adotadas até o momento8, a participação popular nesse contexto e, consequentemente, uma reflexão sobre a formação específica do “cidadão local” que vai se moldando nesse processo. No terceiro capítulo, descreve-se a trajetória da pesquisa, assim como, analisa-se o material colhido por meio das entrevistas realizadas com os atores/agentes envolvidos com o campo de pesquisa, fazendo-se as considerações necessárias que podem ser conectadas às teorias relacionadas ao tema. No último capítulo, apresenta-se uma seleção de imagens mais significativas, que levem o leitor a perceber o campo de pesquisa com mais intensidade, além de elaborarem-se algumas considerações mais detalhadas sobre esses registros fotográficos. 8 Como exemplos têm-se os projetos “Cidade Sem Barreiras (1993)” e o projeto “Cidade Para Todos” (1995), implantados pela prefeitura de Natal com o objetivo de solucionar os problemas relativos à acessibilidade e à mobilidade urbana, especialmente para os portadores de necessidades especiais. O segundo plano fazia parte de um projeto nacional e foi financiado pelo governo federal. Maiores detalhes, sobre as intervenções realizadas na cidade a partir desses projetos, foram analisadas por PIRES (2007), na dissertação de mestrado “A cidade sem barreiras é para todos? Avaliação das condições de deslocamento no bairro Cidade Alta, Natal/RN, face às intervenções em acessibilidade processadas entre 1993 e 1998”. 24 CAPÍTULO I “FAÇAM-SE AS CALÇADAS”: um caminho entre o público e o privado Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (jul./2009). 25 1 “FAÇAM-SE AS CALÇADAS”: UM CAMINHO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO 1.1 GÊNESE Quando esse espaço, pavimentado e destinado, especialmente, à circulação de pedestres, foi criado? Quais fatores históricos e culturais podem explicar características tão diversificadas na construção e modo de apropriação desse espaço? Não existem dados que indiquem uma data precisa de sua criação, nem que tenha surgido com os mesmos objetivos atuais para os quais vem sendo aperfeiçoado. Percebe-se que os fatores históricos e culturais podem exercer grande influência na arquitetura desses espaços, mas não são determinantes. É possível haver uniformidade e, até mesmo, extremas diferenças em trechos edificados num mesmo período histórico ou em regiões que possuam culturas semelhantes. Imagens, ao longo do trabalho, demonstrarão essa diversidade. Há vestígios arqueológicos que demonstram que as calçadas já existiam em civilizações muito antigas. Calçadas bem pavimentadas eram também marca registrada da Roma antiga. Cidades como Herculano e Pompéia permitiam que as famílias se deslocassem com segurança pelas vias comerciais que compreendiam padarias, saunas e anfiteatros, posteriormente destruídos pelo vulcão Vesúvio em 79 da nossa era (CARIM, 2007, p. 1). Fotografia 01: Ruínas de Pompéia – I Fonte: Arquivo Adriana Nascimento 9 9 Fotografia 02: Ruínas de Pompéia – II Fonte: Autor desconhecido. 10 Disponível em: <http://www.drieverywhere.blogger.com.br/2005_08_01_archive.html>. Acesso em: 13 dez. 2009. 10 Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=28732190>. Acesso em: 13. dez. de 2009. 26 Fotografia 03: Ruínas de Pompéia – III Fonte: Autor desconhecido. 11 Yázigi (2000) escreve que, no Brasil, no início da urbanização de São Paulo, quando as ruas não eram pavimentadas e não havia separação nesse espaço para a circulação de pessoas, cavalos ou veículos de tração animal. [...] chamava-se calçada ou calçadinha uma faixa horizontal empedrada, de pequena largura, colada à parede externa da construção, destinada a proteger as fundações da infiltração de águas pluviais – de onde, talvez, tenha vindo a atual denominação. E, à medida que os beirais avançavam sobre as mesmas, serviam de passagem protegida para o pedestre, nos trechos em que existia (YÁZIGI, 2000, p. 31). Imagens antigas da capital potiguar demonstram o que relata Yázigi (2000). Como se pode perceber pelas fotografias, não há, historicamente, linearidade quanto ao formato desse espaço, conforme imagem 04. Esse dado pode ser comprovado pelas imagens no desenvolvimento do trabalho. Ainda hoje, moradores de bairros mais recentes, em que as ruas não são pavimentadas, costumam construí-las da maneira como descreve o autor. Esta iniciativa dos moradores pode 11 Disponível em: <http://deiatatu.wordpress.com/category/italia/pompeia-italia/>. Acesso em: 10 set. 2012. 27 explicar, de certo modo, porque, em alguns trechos as calçadas, apresentam uma grande quantidade de desníveis entre um lote urbano e outro. Nessas ruas, não pavimentadas, normalmente, não existe uma demarcação indicando o local em que será o calçamento. Muitos proprietários foram construindo “suas calçadas” adotando níveis individuais e aleatórios sem consultar a prefeitura12, conforme pode ser observado nas imagens 05 e 06. Fotografia 04: Vista parcial de Natal e suas primeiras calçadas no começo do séc. XX (esquina 13 da atual Praça André de Albuquerque com a Praça João Tibúrcio, ao fundo, o rio Potengi) Fonte: Arquivo de Bruno Bougard (Acervo IHG/RN). 13 Natal Ontem e Hoje / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal (RN): Departamento de Informação Pesquisa e Estatística, 2006. 28 Fotografia 05: Rua em Capim Macio e suas calçadas desniveladas (próx. à Av. Ayrton Senna). Fonte: Arquivo Pessoal Ricardo Silva (Jun./2010). Fotografia 06: Rua Neuza Farache, Capim Macio. Local próximo à Av. Eng. Roberto Freire. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). 29 1.2 OS CRIADORES E A CRIATURA Certas paisagens urbanas, em nosso país, lembram a origem étnica ou cultural dos seus criadores. Observando a arquitetura de alguns municípios do sul do Brasil, como Gramado e Canela, são perceptíveis traços da colonização alemã, em Caxias do Sul e Bento Gonçalves, por exemplo, traços da cultura italiana. A maioria das cidades, entretanto, traz marcas dos portugueses. Apesar da diversidade de etnias que povoaram ou vieram povoar o Brasil, somos, predominantemente, frutos da colonização lusitana. Conforme Freyre (2000), os brasileiros apresentam características extremamente mescladas por outras culturas. De acordo com o autor, os colonizadores portugueses, além de terem desenvolvido uma vocação comercial marítima, que lhes proporcionavam contatos com uma grande diversidade de povos no mundo, estavam situados geograficamente em uma região intermediária entre o continente Europeu e a África. Soma-se a isso, ainda, o que ele chamou de “plasticidade cultural”, certa facilidade em “misturar-se” ou “adaptar-se” a outras culturas. Isto poderia ser explicado, em parte, porque o conjunto das calçadas, herdeiras, em sua maior parte, desta cultura lusitana, seja como uma colcha de retalhos, refletindo um pedacinho de cada povo que mesclou a cultura brasileira. Fotografia 07: Calçada no Centro de Gramado/RS. 14 Fonte: Autor desconhecido . 14 Disponível em: <http://farm4.static.flickr.com/3343/3269103693_42db1154b4_o.jpg>. 30 Fotografia 08: Residência típica de Gramado/RS. 15 Fonte: Autor desconhecido . Dentre as diversas heranças artísticas e culturais deixadas no Brasil pelos lusitanos está a “calçada portuguesa” ou “mosaico português”16. Este tipo de calçada se destaca pelo modo artesanal, formado por pequenas pedras de cores contrastantes (geralmente em preto e branco), que resultam em uma estampa decorativa ao longo dos seus encaixes. Este modelo tornou-se muito popular no Brasil a partir do século passado e continua fazendo parte das paisagens urbanas, como é o caso do famoso calçadão da praia de Copacabana no Rio de Janeiro. Em Natal, encontram-se extensos exemplares com este tipo de revestimento, principalmente em áreas públicas, como as calçadas da orla da praia de Ponta Negra ou o calçadão ao longo da Avenida Roberto Freire, no bairro Capim Macio. 15 16 Disponível em: <http://i556.photobucket.com/albums/ss2/Acmfonseca/Gramado/DSC02070.jpg>. “A calçada portuguesa, conforme a conhecemos, foi empregada pela primeira vez em Lisboa no ano de 1842. O trabalho foi realizado por presidiários (chamados "grilhetas" na época), a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o Tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado. O desenho utilizado nesse pavimento foi de um traçado simples (tipo zig-zag), mas, para a época, a obra foi de certa forma insólita, tendo motivado cronistas portugueses a escrever sobre o assunto. Após este primeiro acontecimento, foram concedidas verbas a Eusébio Furtado para que os seus homens pavimentassem toda a área da Praça do Rossio, uma das zonas mais conhecidas e mais centrais de Lisboa, numa extensão de 8.712 m². A calçada portuguesa rapidamente se espalhou por todo o país e colônias, subjacente a um ideal de moda e de bom gosto, tendo-se apurado o sentido artístico, que foi aliado a um conceito de funcionalidade, originando autênticas obras-primas nas zonas pedonais. Daqui, bastou somente mais um passo, para que esta arte ultrapassasse fronteiras, sendo solicitados mestres calceteiros portugueses para executar e ensinar estes trabalhos no estrangeiro”. Disponível em: <http://blog.transporteativo.org.br/2007/07/25/calcada-democracia/>. 31 Fotografia 09: Calçada portuguesa formando mosaico, em Lisboa, Portugal. Fonte: Autor desconhecido. Fotografia 10: Calçadão da Praia de Copacabana, Rio de Janeiro. 17 Fonte: Autor desconhecido. Fotografia 11: Avenida Roberto Freire, Ponta Negra, Natal/RN. Fonte: Autor desconhecido. Fotografia 12: Calçadão da Praia de Ponta Negra, Natal/RN. 18 Fonte: Autor desconhecido. 17 18 As Fotos 09 e 10 estão disponíveis em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cal%C3%A7ada_portuguesa>. As Fotos 11 e 12 estão disponíveis em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=524061>. 32 Fotografia 13: Calçada de pedra portuguesa, em construção. Avenida Salgado Filho, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2010). Fotografia 14: Calçada de pedra portuguesa, em construção. Avenida Salgado Filho, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2010). 33 Fotografia 15: Calçada de pedra portuguesa, em construção. Avenida Salgado Filho, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2010). 1.3 DEFINIÇÃO E NOMENCLATURA A palavra calçada é de origem latina e seria derivada do termo calcatura (ação de calcar ou pisar). De acordo com Yázigi (2000, p. 31): Entende-se por calçada o espaço existente entre o lote do quarteirão e o meio fio, superfície usualmente situada a cerca de 17 centímetros acima do leito carroçável das vias urbanas. Sua denominação mais correta é passeio, mas consagrou-se como calçada por causa de alguns fatos históricos. Hoje, as calçadas fazem parte do planejamento urbano, possuem normas de padronização previstas em lei, no código de obras da maioria das cidades. O grau de prioridade e cuidado destinado a esse espaço foi ou continua sendo dado de acordo com o desenvolvimento dos aglomerados urbanos e as características particulares de cada local. Aqui em Natal, está presente na lei complementar nº. 55, de 27 de janeiro de 2004, que certifica a calçada como área de circulação pública, razão pela qual deve estar livre de obstáculos que impeçam o trânsito das pessoas por essa via de acessibilidade, é, entretanto, da responsabilidade do proprietário de cada lote urbano a construção e a manutenção das calçadas (conforme o código de obras da cidade em anexo). 34 As calçadas reúnem características de “um outro mundo complexo”, dentro das cidades. Possuem uma história e uma geografia “particular”, estão numa linha de tempo não linear, cuja ocupação ocorre das mais diversas formas. Em alguns trechos, ainda podem ser encontradas pessoas sentadas em “suas” calçadas para conversarem e olharem o movimento das ruas, fato comum em décadas passadas19. Em outras regiões, as calçadas são utilizadas como ponto comercial (vendese de tudo), possui horário e dias fixos de “funcionamento”. Vendedores ambulantes fazem, de toda a extensão do passeio, um espaço de sobrevivência, local em que são comuns, também, profissionais do sexo e moradores em situação de risco. Mas será que existe espaço para todos? Nesse contexto, encontram-se, ainda, moradores que, invadem essa área de domínio público, privatizando-o, inclusive, até mesmo, com construções de alvenaria, tomando esse espaço, em alguns casos, totalmente para si, outros constroem suas calçadas de maneira inadequada, há muitas barreiras arquitetônicas, que impedem o trânsito seguro dos transeuntes. Existem, ainda, vários quilômetros de calçadas “abandonadas”, tanto pelo poder público, quanto pelos proprietários particulares, principalmente, de alguns imóveis mantidos vazios, possivelmente, alimentando a lista de imóveis utilizados para a especulação imobiliária20. [...] alguns terrenos vazios e algumas localizações são retidas pelos proprietários, na expectativa de valorizações futuras, que se dão através da captura do investimento em infra-estrutura, equipamentos ou grandes obras na região ou nas vizinhanças. Isto provoca a extensão cada vez maior da cidade, gerando os chamados „vazios urbanos‟, terrenos de engorda, objeto de especulação (ROLNIK, 1994, apud CAPISTRANO, 2002, p.11). 19 20 Sobre esse aspecto destacamos duas monografias apresentadas no curso de Ciências Sociais, na UFRN, respectivamente em 2002 e 2003: “Alma da Rua: um estudo sobre a apropriação do espaço público urbano no conjunto Cidade Satélite” de Rosa de Lima Câmara Guaignier e “Memórias que passam, cadeiras que ficam. A construção histórica do hábito de conversar nas calçadas a partir da chegada dos primeiros moradores da Rua Olinda, na Cidade da Esperança, Natal” de Josenilton Tavares. Sobre especulação imobiliária em Natal, ver: CAPISTRANO, Ana Claudia M. Alves. Imagens do Futuro: visões sobre a modernidade na cidade do Natal. UFRN, 2002, e OLIVEIRA, Jean Barbosa de. A Expansão Urbana Dentro do Bairro Planalto: reflexo da expansão imobiliária. UFRN, 2002. 35 Fotografia 16: Dois terrenos com aspecto de abandono (Travessa da Rua Henrique Góes, Bairro Lagoa Nova). Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 1.4 A CALÇADA COMO ESPAÇO PÚBLICO Cruz (1994) descreve que “os termos público e privado datam do Império Romano e se referem, respectivamente, ao Direito Público e ao Direito Privado que são as pedras fundamentais do Direito Romano, que é, por sua vez, a pedra fundamental de todo o Direito da civilização ocidental”. No entanto, a ideia de espaço público aparece desde a antiga civilização grega. Na polis grega o espaço público é a esfera de ação do cidadão, é o espaço onde se compete por reconhecimento, precedência e aclamação de idéias. É nesse ambiente, com condições de homogeneidade moral e política e de ausência de anonimato, que existe a perseguição da excelência entre os iguais. Por oposição, o espaço privado é onde se dão as relações entre os que não são cidadãos, os comerciantes, as mulheres, os escravos (CRUZ, 1994, p. 1). Assim, originalmente, o termo público é associado à ideia de coletividade e ao exercício do poder. Nas palavras desse mesmo autor, “à sociedade dos iguais”. O privado, de outro lado, estaria no âmbito particular ou na “sociedade dos desiguais”. 36 De acordo com os estudos sociológicos, porém, a sociedade é dinâmica, está em permanente estado de transformação. O período moderno é marcado por profundas mudanças políticas e econômicas, consequentemente, essas mudanças e transformações atingiram também o campo das relações sociais. Esse novo cenário formado pelos Estados Nacionais deixa cada vez mais claro uma relação de poder na esfera pública, entre desiguais, ou seja, entre governantes e governados. Com o fortalecimento do Mercado, começa a ser entendido como públicas, as relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade através das leis, porém, estabelecera-se um código particular privado entre os comerciantes e donos de empresas. Segundo Cruz (1994), “surge, também, nesse momento, a dicotomia entre bens públicos e bens privados”. Interessante observar que a divisão teórica entre o poder público, associado ao Estado e a esfera privada, ligada, exclusivamente ao Mercado, parece ter existido e ainda existir apenas na teoria. Os fatos mostram a existência de uma relação muito afinada entre as partes, mesclando-se em alguns momentos e até se confundindo. Hoje, assiste-se a mais uma fase desse relacionamento em que cada vez mais o Estado como espaço de poder público vai sendo engolido pelo sistema capitalista, mantendo, no entanto, a aparência teórica de que cada um exerce papéis diferenciados na sociedade. Na visão teórica neoliberal, o Estado não deveria se intrometer nas questões do mercado. Na prática, deve ajudar as grandes empresas a crescerem ainda mais ou socorrê-las em momentos de crise para que possam enfrentar possíveis dificuldades financeiras durante as turbulências do mercado. As políticas públicas, de todas as ordens – entre elas as políticas públicas de acessibilidade – estariam muito bem definidas dentro dessa divisão e encaixadas, perfeitamente, dentro da esfera pública e estatal. Porém, mesmo admitindo que na relação entre Estado e políticas públicas, o primeiro sempre exerceu papel de destaque e nunca esteve ausente. De acordo com Souza (2009): Como sabemos, a visão atual do Estado como detentor do monopólio da dimensão ou esfera pública decorre principalmente da ideologia liberal e daí expressões habituais como gestão pública, administração pública, funcionário público e outros congêneres. Ora, se isso fosse correto, toda ação ou política estatal seria pública por excelência. Em outras palavras, as ações estatais seriam caracterizadas pela transparência, acessibilidade, continuidade e participação da população. O que, evidentemente, não encontra respaldo na realidade de uma sociedade capitalista (SOUZA, 2009, p. 12). 37 Nesse contexto, a calçada é, legitimamente, um espaço público, mas localizase numa região de fronteira entre a casa e a rua. Possui características híbridas, ora mostra-se como pública – inclusive contando com investimentos da iniciativa privada para construí-la ou revitalizá-la –, ora é mesclada com o domínio privado ou totalmente privatizada – quando alguns “cidadãos” se apropriam dessa área para fins particulares, acoplando a calçada à sua residência ou a utilizando como uma extensão do seu estabelecimento comercial. Assim como Yázigi (2000), entende-se que o formato do nosso passeio público é concebido como um espelho da nossa sociedade. Pode-se ver, concretamente, através dos seus contornos, que a cidadania ou o seu pleno exercício, está longe de ser alcançado. As barreiras existentes tornam-se, muitas vezes, invisíveis. Ora porque estamos habituados, geralmente, a olhar aquilo que está a nossa volta de maneira muito superficial ou, simplesmente, porque nos acostumamos com esses obstáculos. Isso nos remete a outro ponto de vista, que se soma a ideia desse ambiente como reflexo da sociedade, a questão do espaço como agente ativo formador. Milton Santos (2000), no seu livro “O espaço do Cidadão”, propõe que se veja o espaço físico das cidades não apenas como um reflexo da nossa sociedade, mas como um instrumento ativo, que exerce grande influência na formação dos indivíduos. O passeio público parece impor limites ao pleno exercício da cidadania. Crescer circulando por esse espaço naturaliza esse caminho e seus obstáculos. É como se as calçadas formassem algum tipo de trilha desenhada pela própria natureza. A Antropologia ensina a relativizar o pensamento e estranhar aquilo que parece familiar. Olhar a calçada de vários ângulos é importante para se compreender a sua complexidade. A Sociologia, através de Durkheim (1993), propõe refletir sobre o peso que a sociedade exerce sobre os indivíduos, assim a existência do nosso cidadão parece ser formada ou deformada pelo nosso sistema econômico, por nossa tradição histórica e pelos acontecimentos políticos que, tantas vezes, negam direitos individuais ou coletivos aos cidadãos, deixando sempre como resultado uma cidadania incompleta. Por outro lado, há autores que mostram a influência exercida pelos indivíduos, dependendo do grau de consciência desses, e de outros fatores complexos que podem ampliar o seu raio de ação. 38 Ao analisar esse espaço, percebe-se a importância de se considerarem todos esses conhecimentos e constata-se a difícil tarefa de separar o objeto de estudo do seu contexto e da subjetividade própria de cada um. A calçada é uma obra social impregnada de características individuais. Para analisá-la, é preciso compreender esses dois aspectos que se mesclam e dão forma a um só corpo, público e privado. Parece haver uma tendência em se fazer uma mistura entre esses dois territórios21. Alguns lugares destinados ao trânsito e a convivência entre os pedestres são construídos e mantidos pela iniciativa privada como é o caso dos shoppings, clubes sociais de lazer e condomínios residenciais fechados. O Privado, assim, abre espaço para o Público, mesmo que esse “público” seja selecionado ou formado em sua maioria por “cidadãos-consumidores”, de maior poder aquisitivo. Outras áreas públicas como praias, reservas de mata nativa (dentro e fora dos limites urbanos) são privatizadas por pessoas ou apropriadas por empresas particulares. A realidade mostra um mundo confuso, onde não há limites bem definidos entre esses dois lados. É bastante claro que essa confusão sempre beneficiou uma pequena parcela da nossa sociedade. A ideia de espaço público é captada pelo nosso sistema econômico que o molda de acordo com seus interesses, assim como se concebe o conceito de cidadania. No capitalismo moderno, conforme Santos (2000) cidadão vira sinônimo de “usuário-consumidor”. Como se viu anteriormente, a lei estabelece a calçada como um espaço público. Mas parece haver certa dificuldade para grande parte da população em diferenciar os espaços urbanos públicos e privados. Não é fácil estabelecer um limite entre esses dois conceitos em relação à apropriação dos espaços urbanos. Para se ter uma ideia, quando um cidadão qualquer pretende construir uma obra particular dentro de uma cidade, deveria ter em mente que o próprio lote particular que compra e o chama de “seu”, e que está localizado, totalmente, antes do limite da “calçada”, portanto área de domínio privado, não lhe dá o direito de construir, por exemplo, uma casa, da maneira que bem entender. Existem leis e normas que irão determinar: qual a fração do lote que poderá ser edificada; qual a altura máxima ou mínima das paredes que poderão ser levantadas; qual o recuo que 21 Sobre a mescla desses dois conceitos temos o trabalho de Ângela Lúcia de Araújo Ferreira e Sônia Marques, “Privado e Público: inovação espacial ou Social?”, levanta as questões sobre a privatização dos espaços públicos e a publicização da vida privada. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn69-20.htm>. 39 deverá ser obedecido pela obra em relação aos limites da calçada e aos lotes vizinhos, entre outras regras (ver código de obras do município). Logo, mesmo que se trate como uma área de domínio privado, dever-se-ia, como bons cidadãos, respeitar certas normas que beneficiam a coletividade. Por que com as calçadas seria diferente? Mesmo que não se tivesse a certeza desse espaço como público, o bom senso motivaria a procura pelos órgãos competentes para informar sobre a maneira correta de construir esse espaço. Fotografia 17: Exemplo de calçada do tipo ideal no bairro Cidade Jardim, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 1.5 CIDADANIA: TRAJETÓRIA E ESPAÇO A cidadania sempre esteve ligada à vida em sociedade, pode ser associada ao surgimento da vida na cidade e à capacidade que os homens desenvolveram de se relacionarem mediante o exercício de direitos e deveres de uns para com os outros. Apesar de não existir uma precisão quanto ao aparecimento desse conceito, existem indícios de que a ideia de cidadania já circulava entre os gregos dentro de 40 suas primeiras cidades, conhecidas como polis22. Fez parte, também, dos ideais romanos, mas até esse período, apenas um grupo muito restrito de indivíduos tinha a “sorte” de nascer com essa dádiva e poderia ser considerado um cidadão. A cidadania era um privilégio concedido de acordo com a origem ou o sexo dos indivíduos. Essa situação gerou muitos conflitos. Numerosas batalhas foram travadas ao longo da história para que o direito à cidadania fosse estendido a um número maior de habitantes dessas primeiras cidades. Na idade média, pouca coisa mudou nesse aspecto, poucos tinham o privilégio de serem definidos como cidadãos. Nesse tipo de organização social, formada basicamente pelos nobres, pelo clero e uma grande massa de camponeses, apenas os dois primeiros grupos, constituídos por um número reduzido de indivíduos, tinham esse direito garantido.23 Com o Renascimento e o fortalecimento dos Estados Nacionais, através de muitas lutas, esse direito foi sendo ampliado a um contingente maior de pessoas. A ascensão da Burguesia, que teve como um dos marcos a Revolução Francesa, trouxe mudanças profundas nesse campo. O lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” dos revolucionários franceses, serve de inspiração até hoje para a maioria das sociedades modernas. Criou-se então, nesse período, o que se conhece como “Estado de Direito”.24 Este surge para estabelecer direitos iguais a todos os homens, ainda que perante a lei, e acenar com o fim da desigualdade a que os homens sempre foram relegados. Assim, diante da lei, todos os homens passaram a ser considerados iguais, pela primeira vez na história da humanidade (COVRE, 1999, p.16). 22 A polis era composta por homens livres, com participação política contínua numa democracia direta, em que o conjunto de suas vidas em coletividade era debatido em função de direitos e deveres... Na polis grega, a esfera pública era relativa à atuação dos homens livres e à sua responsabilidade jurídica e administrativa pelos negócios públicos. Viver numa relação de iguais como a da polis significava, portanto, que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, sem violência. Eis o espírito da democracia. Mas a democracia grega era restrita, pois incluía apenas os homens livres, deixando de fora mulheres, crianças e escravos (COVRE, 1999, p.16). 23 Baseado no artigo “A Evolução do Conceito de Cidadania”. Escrito pelos professores Cyro de Barros Resende Filho e Isnard de Albuquerque Câmara Neto, da Universidade de Taubaté. Disponível em: <http://www.unitau.br/scripts/prppg/humanas/download/aevolucao-N2-2001.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2010. 24 De acordo com Covre (1999), “esse fato foi proclamado principalmente pelas constituições francesa e norte-americana, reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU) com a declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)”. 41 Segundo Carvalho (2006), a cidadania possui três dimensões básicas: “os direitos civis fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei; os direitos políticos, ligados à participação do cidadão no governo da sociedade; e, por último, os direitos sociais, que seria a garantia na participação na riqueza coletiva”. No entanto, a ordem dessas conquistas e a ênfase ou prioridade estabelecida em relação a alguma delas foi desenvolvida de forma particular pelas diferentes nações, assim como o próprio tipo de cidadão formado. “Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte-americano e de um cidadão brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa” (CARVALHO, 2006, p. 12). Isso parece ocorrer também em escalas menores. Por exemplo, dentro da nossa sociedade, parece não existir um cidadão brasileiro, porém tipos variados e de diversas ordens, além daqueles totalmente excluídos desse tipo de classificação, mesmo que denominados, teoricamente, como tal. Além dos elementos de origem histórica, essas diferenças podem ser evidenciadas, entre outros fatores, pelas características dos espaços ocupados por esses indivíduos. Segundo Santos (2006), os espaços em nossas cidades, não só se constituem como elementos de identidade para o indivíduo como também contribuem ativamente na formação de um determinado tipo de cidadão. Apesar dessa diversidade de formas, de acordo com a tradição histórica e o sistema econômico que marcou e marca até hoje a sociedade brasileira, podem-se traçar alguns pontos gerais próprios da construção desse direito no Brasil. A colonização e a exploração do Brasil foi produto da expansão comercial europeia e decorrente do início do processo de acumulação de riquezas do sistema capitalista. A maioria dos habitantes desse novo território multiplicou-se dentro de um contexto de submissão. Primeiramente, em relação à metrópole Portuguesa, depois à Inglaterra – patrocinadora da “independência” desse novo país, em seguida, rendeu-se ao domínio norte-americano e, hoje, ao chamado mercado globalizado e ao monopólio das gigantescas multinacionais (atualmente, algumas tão poderosas quanto às nações mais desenvolvidas do planeta). Essa sociedade tem marcas profundas de um longo período de escravidão e de muitos anos de governos ditatoriais. Muitos direitos concedidos ao povo brasileiro não foram conquistados, exclusivamente, através de lutas ou reivindicações, mas sim utilizados como estratégia de governo para manipulação das massas. Os direitos foram e são representados até hoje como se fossem um favor da elite 42 concedido às classes populares, sempre com o objetivo de domesticar esses indivíduos e mantê-los subjugados e conformados diante do quadro de exploração e extrema desigualdade de direitos reais. Assim, encontra-se, genericamente, nesse país, uma forma de cidadania muito incompleta ou totalmente adaptada para dar suporte ao modelo econômico capitalista. A maioria dos brasileiros não tem liberdade de escolha para decidirem onde morar, qual profissão seguir ou sobre a maneira de circular pela cidade. A participação política se resume, praticamente, ao voto no período de eleições – lembrando-se que, segundo as normas do país, é obrigatório. Por último, de acordo com dados da ONU, o Brasil figura numa lista entre os oito países que apresentam os piores índices de distribuição de renda do planeta25. Dentro desse quadro, ainda, tem-se a ideologia capitalista, que tenta reduzir o conceito de cidadania apenas ao direito de consumo. Não basta ter uma “Constituição Cidadã”, é preciso conseguir por em prática o que nela está escrito. Para isso, é necessário que os brasileiros sejam educados para reivindicar o direito de cobrar pelos seus próprios direitos assim como exigir que as normas sejam cumpridas pelos demais. Em relação ao espaço, o trabalho de Coradini (1995), Praça XV: espaço e sociabilidade, realizado em uma praça central na cidade de Florianópolis, além de trazer uma rica contribuição ao conceito de apropriação social do espaço, possui também um conjunto de imagens que nos transportam para uma Florianópolis vista através de alguns fragmentos visuais antigos e de outros mais recentes. Recortes de certo espaço, flagrantes de seus usos, que podem ser lembrados ou imaginados, pois as fotografias retratam particularidades e especificidades, comuns ao cotidiano de muitos outros lugares. Ainda, nesse trabalho, Coradini (1995) escreve sobre a diversidade da concepção do termo espaço nas ciências sociais. A pesquisadora reúne conceitos dados ao termo desde o ano de 1890 em Durkheim (1983), até os teóricos mais 25 O conceito de desigualdade social é um guarda-chuva que compreende diversos tipos de desigualdades, desde desigualdade de oportunidade, resultado, etc., até desigualdade de escolaridade, de renda, de gênero, etc. De modo geral, a desigualdade econômica – a mais conhecida – é chamada imprecisamente de desigualdade social, dada pela distribuição desigual de renda. No Brasil, a desigualdade social tem sido um cartão de visita para o mundo, pois é um dos países mais desiguais. Segundo dados da ONU, em 2005 o Brasil era a 8º nação mais desigual do mundo. O índice Gini, que mede a desigualdade de renda, divulgou em 2009 que a do Brasil caiu de 0,58 para 0,52 (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade), porém esta ainda é gritante. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/classes-sociais.htm>. Acesso em: 15 set. 2010. 43 atuais com características interdisciplinares como Bourdieu (1989), Maffesoli (1984) e Foucault (1987), detalhando o enfoque desses e outros autores citados por ela. A autora escreve: O espaço pode ser considerado o mais interdisciplinar objeto de análise. Ele é hoje tema de reflexão de arquitetos, geógrafos, historiadores, antropólogos e até mesmo de físicos e matemáticos. Isto força necessariamente a quem deseja trabalhar com ele buscar referências dispersas muitas vezes em outras áreas (CORADINI, 1995, p.13). Como pode se observar diversas são as definições do termo espaço. Para a pesquisa que se trata aqui, ou seja, a tentativa de associar, principalmente, as características físicas das calçadas ao tipo de cidadão que ocupa esse espaço, optou-se por adotar a conceituação de espaço proposta pelo geógrafo Milton Santos. Para ele “o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá” (SANTOS, 2008, p.63), e ainda, “constitui um dado ativo, devendo ser considerado com um fator e não exclusivamente como reflexo da sociedade. É no território tal como ele atualmente é, que a cidadania se dá tal como ela é hoje, isto é, incompleta” (SANTOS, 2000, p. 06). No capítulo seguinte será apresentado um histórico da fundação e formação da cidade, bem como sua urbanização e expansão, além da formação do bairro Lagoa Nova, uma explanação de sua constituição e imagens que retratam o objeto de estudo desse trabalho – as calçadas. 44 CAPÍTULO II CALÇADAS DAS DUNAS * * Fotografias antigas retiradas do Anuário Natal 2009 – Secretaria Municipal de Meio ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009. 45 2 CALÇADAS DAS DUNAS 2.1 A URBANIZAÇÃO DE NATAL De acordo com Souza (2008), segundo os historiadores Câmara Cascudo e Hélio Galvão, Natal tem hoje pouco mais de 400 anos. Seu primeiro aglomerado de casas começou a se desenvolver na região que conhecemos hoje como Cidade Alta e Ribeira. A cidade de Natal foi fundada no pequeno planalto que se estende da atual Praça das Mães, na Avenida Junqueira Aires (hoje, Câmara Cascudo), até a descida do Baldo. O “chão firme e elevado”, a que se refere Varnhagen é o espaço ocupado, hoje, pela Praça André de Albuquerque, Palácio Potengi, Catedral Velha e a Igreja de Santo Antonio. No espaço atualmente ocupado pela Praça André de Albuquerque, realizou-se o ato de fundação da cidade (SOUZA, 2008, p. 58). Fotografia 18: Praça André de Albuquerque começo do séc. XX. Fonte: Arquivo Bruno Bougard (Acervo IHG/RN). Fotografia 19: Praça André de Albuquerque, visão atual. Fonte: Acervo SEMURB. Apesar de receber o título de “Cidade”, permaneceu, durante muito tempo, apenas como um pequeno conjunto de edificações simples, só começando a merecer crédito a esse título a partir do século XVIII26. Segundo o historiador Olavo de Medeiros Filho, citado por Souza (2008, p. 61), “até o ano de 1700, parece ter havido duas ruas em Natal: a primeira corresponde à que fica em frente à Matriz, na 26 Somente no século XVIII, foi que Natal começou a adquirir uma fisionomia urbana tradicional, os dois bairros primitivos – Cidade Alta e Ribeira – se consolidaram no seu espaço geográfico, surgindo, assim, as primeiras ruas (SOUZA, 2008, p. 61). 46 atual Praça André de Albuquerque; a segunda, o caminho do rio de beber água, as atuais ruas Santo Antônio e da Conceição” (MEDEIROS FILHO, 1991, p. 70). Ao longo do século XVIII, foram construídas as primeiras igrejas, praças e prédios da administração pública. Para se ter uma ideia, de acordo com Cascudo (apud SOUZA, 2008, p. 62), até a metade do século na cidade havia aproximadamente 118 casas. O seu crescimento permaneceu muito lento até o final do século XIX. Em uma citação de Henry Koster, datada de 1810, em que descreve a cidade encontra-se um dos primeiros relatos sobre a construção de calçadas na cidade. “A cidade não é calçada em parte alguma e andasse sobre uma areia solta, o que obrigou alguns habitantes a fazerem calçadas de tijolos ante suas moradas. Esse lugar contará com seiscentos ou setecentos habitantes” (KOSTER, 1978, p.89, apud SOUZA, p. 62). Natal começou a desenvolver-se mais rapidamente a partir do século XX. Itamar de Souza destaca quatro momentos decisivos para esse crescimento, conforme citação: Primeiro, a Proclamação da República. A implantação do regime republicano despertou nas Províncias o interesse de suas respectivas elites dirigentes para a construção de sua identidade e o desenvolvimento de suas potencialidades. Segundo, após a revolução de 30, cessadas as turbulências do poder político, Natal teve uma década de muito progresso nos governos do Interventor Mário câmara e de Rafael Fernandes Gurjão, impulsionado também pela vinda dos americanos na II Guerra Mundial. Terceiro, o surto de desenvolvimento regional, iniciado nos anos 60 pela Sudene, ocasionou mudanças fundamentais em Natal, sobretudo no que se refere à energia elétrica para a indústria e o consumo doméstico. Quarto, na década de 70, Natal foi profundamente beneficiada pelo governo federal que, através do II PNAD, investiu muitos recursos nas capitais dos Estados do Nordeste, visando elevar o padrão de vida da população urbana e, assim, diminuir as tensões sociais (SOUZA, 2008, p. 67). Conforme esses dados pode-se concluir que a capital potiguar é uma cidade com um histórico de planejamento urbano e de urbanização 27 recentes, iniciados 27 “A urbanização não é simplesmente o aumento do número e tamanho das cidades. Ela se manifesta em duas dimensões: (a) a do espaço social, referente a um modo de integração econômica, capaz de mobilizar, extrair e concentrar quantidades significantes de produto excedente e, também, de uma integração ideológica e cultural, capaz de difundir os valores e comportamentos da vida moderna; (b) a do espaço territorial, correspondente ao crescimento, multiplicação e arranjo dos núcleos urbanos, cuja feição particular está vinculada ao seu papel no padrão geral de circulação do excedente, no planejamento estatal e na articulação deste com a sociedade local” (BECKER, 1991, p.52-53). “O termo urbanização refere-se ao mesmo tempo à constituição de formas espaciais específicas das sociedades humanas, caracterizadas pela concentração significativa das atividades das populações num espaço restrito, bem como à existência e à difusão de um sistema cultural específico, a cultura urbana” (CASTELLS, 1983, p. 46). 47 aproximadamente no final do século XIX. Ao se percorrer a cidade, percebe-se logo essa contradição, apesar de seus quatrocentos anos de fundação, por ter crescido e se desenvolvido mais significativamente apenas nas últimas décadas, quase não se encontram vestígios de um passado arquitetônico tão antigo. De acordo com Scherer (1991), pode-se conceituar o planejamento urbano com um projeto de intervenção física e social instalado para a ação sobre a cidade no Estado de Bem-estar que tem como pressupostos a universalização dos direitos sociais. Natal, assim como muitas outras cidades brasileiras, não parece ter seguido esses pressupostos. A tese de doutorado de Pedro Antônio de Lima Santos (1998) traz uma análise sobre a história do planejamento urbano em Natal ao longo do século XX. Segundo o autor, muitos planos foram concebidos, mas poucos implementados ou executados em sua totalidade. Parte das propostas de intervenções que distribuiriam direitos iguais a todos os moradores da cidade geralmente não se concretizaram. Os governos municipais sempre seguiram um modelo que priorizava o investimento e o melhoramento das áreas, já, historicamente, contempladas por um maior número de equipamentos urbanos e, “naturalmente”, mais valorizadas do município, locais em que, coincidentemente, a população possui um poder aquisitivo maior. Pode-se comprovar, ainda, que esse modelo persiste até hoje, quando se analisam os bairros e regiões da cidade em que estão sendo concentrados os investimentos para a Copa do Mundo de 2014, entre eles o bairro Lagoa Nova. Santos (1991) acrescenta que “as intervenções urbanas propostas ou realizadas em Natal, durante o século XX, não mudaram a forma de apropriação do espaço urbano, preservando, portanto, a segregação sócio-espacial”. Essa forma de desenvolvimento pode fornecer pistas sobre a razão pela qual essas administrações nunca priorizaram o planejamento e execução de projetos urbanísticos, inclusive os destinados a facilitar as vias de acesso aos pedestres e/ou usuários de transportes coletivos – que, de certa forma, percorrem boa parte do seu trajeto completo, de casa para o trabalho, escola ou lazer, a pé. Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, ficou conhecido por revolucionar, em termos de mobilidade urbana, a capital colombina entre 1998 e 2001. De acordo “[...] a noção ideológica de urbanização refere-se ao processo pelo qual uma proporção significativamente importante da população de uma sociedade concentra-se sobre um certo espaço, onde se constituem aglomerados funcional e socialmente interdependentes do ponto de vista interno, e numa relação de articulação hierarquizada (rede urbana)” (CASTELLS, 1983, p. 47). 48 com a entrevista, concedida ao Jornal Zero em junho de 2012, disse que, em sua administração, a prioridade dos investimentos na área de mobilidade urbana foi direcionada aos pedestres, aos ciclistas e ao transporte público, conforme Peñalosa, este tipo de iniciativa significa que há, realmente, uma forma democrática de governo. Questionado sobre quais seriam os exemplos fundamentais para o desenvolvimento de uma cidade, Peñalosa responde: “O que diferencia uma cidade atrasada de uma avançada não são os metrôs, nem as autopistas. É a qualidade das calçadas28”. 28 Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2012/06/somente-a-restricaode-automoveis-solucionara-os-engarrafamentos-diz-palestrante-do-fronteiras-do-pensamento-3792 678.html> Acesso em: Set/2012. 49 2.2 O BAIRRO LAGOA NOVA Fotografia 20: Mapa de localização do Bairro I – Lagoa Nova – Natal. Fonte: SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (2009). 50 Fotografia 21: Mapa de localização do Bairro II – Visão ampliada – Lagoa Nova e seus limites. Fonte: SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (2009). 51 De acordo com Souza (2008), a expansão urbana de Natal em direção à zona Sul começou com a construção desse bairro nos anos 60. Mas, antes disso, na década de 40, período da II Guerra Mundial, a ligação do centro de Natal, por uma rodovia asfaltada, até o município de Parnamirim, ao sul da Cidade, já deu o primeiro impulso a esse crescimento, devido à base aérea de apoio aos americanos ter sido construída nesse município vizinho. “Com a construção da base americana em Parnamirim, em 1942, cresceu a necessidade de um intercâmbio entre aquela unidade militar e Natal” (SOUZA, 2008, p. 446). Atualmente, essa rodovia asfaltada faz parte do complexo rodoviário da BR 101, é a principal avenida que corta o bairro no sentido Norte-Sul, nesse trecho recebe o nome de Avenida Senador Salgado Filho. A expansão urbana do bairro Lagoa Nova, ocorrida nas décadas de 70 e 80 do século XX, foi impulsionada, em grande parte, pela construção de vários conjuntos habitacionais para a população de classe média, quando o Sistema Financeiro de Habitação, através do Banco Nacional de Habitação (BNH) e seus agentes, deu prioridade para os investidores voltados para a classe média brasileira (SOUZA, 2008, p. 611). A fundação oficial do Bairro, em 1947, não coincide com o início de sua urbanização29. Nesse período, a região era caracterizada, ainda, com uma zona rural da cidade, formada por sítios e granjas. O processo de urbanização começa, efetivamente, a partir da construção dos conjuntos habitacionais na década de 60. As primeiras 100 residências, nessa área, foram entregues em 1967. Além dos conjuntos D. Jaime Câmara e do SESC na área, atualmente, conhecida como Potilândia, foram edificados vários outros conjuntos como: Lagoa nova I e II, Roselândia, Nova Dimensão, Ouro Branco, Bandeirantes, Interlagos, São José, São Marcos, Monza, Jardim Rivera, Castelo Branco, Santo André, Rebelo Flor, Potiguar II, Parque das Serras e outros, todos eles compostos por um número, máximo, em torno de 100 unidades residenciais. Destaca-se que esse foi um dos bairros que mais recebeu investimentos e equipamentos urbanos da Capital ao longo desses anos. Entre eles, podemos citar oito das maiores escolas públicas estaduais (construídas entre 1960 e 1980); o principal estádio de futebol, inaugurado em 1972, que ficou conhecido como 29 O bairro de Lagoa Nova foi criado oficialmente pelo prefeito Sylvio Pedrosa, através do Decreto – Lei nº. 251, de 30 de setembro de 1947. Somente 46 anos depois, isto é, em 5 de abril de 1993, os seus limites foram redefinidos, através da Lei 4328, editada pelo prefeito Aldo da Fonseca Tinoco Filho (SOUZA, 2008, p. 601). 52 “Machadão” – hoje demolido e em cujo espaço está sendo construída a Arena das Dunas, estádio que sediará a copa em 2014 –, o complexo de edifícios que formam o Centro Administrativo do Estado30; a Central de Abastecimento (CEASA-RN), inaugurada em 1976; a Universidade Federal do Rio Grande do Norte; o Palácio do Tribunal Regional de Justiça do Trabalho; vários grandes empreendimentos da iniciativa privada como o Centro de Atividade Integrada – SESI–SENAI, funcionando desde 1979, grandes hipermercados e centros comerciais de compras (conhecidos como Shoppings). A lista inclui ainda hospitais, clínicas, enfim, praticamente todos os equipamentos urbanos necessários à vida na cidade31. Com o advento da copa do mundo 2014, assiste-se, mais uma vez, a uma concentração de investimentos governamentais em uma das regiões mais ricas e bem servidas de equipamentos urbanos da cidade, o bairro Lagoa Nova e adjacências. Para se ter uma ideia da facilidade com que a administração pública direciona recursos para investir nessa região, em 2007 foram gastos algo em torno de R$ 13 milhões na reforma do antigo estádio “Machadão”, demolido no final de 2011 para dar espaço ao novo complexo em andamento intitulado Arena das Dunas, orçado em aproximadamente 450 milhões de reais.32 Apesar desse volume de recursos, essa construção estimada para ser concluída em dois anos, não priorizou a acessibilidade de pedestres ao seu redor, durante as obras. Esse descaso deve ser evidenciado, já que faz parte de um plano de projeção internacional, além de estar sendo acompanhado e noticiado, quase que diariamente, pela imprensa nacional. Imaginando o antigo estádio “Machadão” como o coração do bairro Lagoa Nova e seguindo essa metáfora, os locais destinados à circulação dos pedestres ao redor do estádio seriam seus principais vasos sanguíneos. O trágico é que esses vasos já nasceram com uma má formação congênita, nunca se constituiu, completamente, num formato em que as pessoas pudessem andar livremente. O novo e caríssimo coração que está sendo transplantado, já está herdando essa falta de cuidado por seus cirurgiões. Em uma linguagem mais direta, a área em volta do 30 Fontes não oficiais sugerem que a existência de uma lagoa, na atual área do Centro Administrativo, antes de sua construção é o que teria dado origem ao nome do bairro. 31 Maiores detalhes sobre cada um desses investimentos, no que se refere à urbanização do bairro Lagoa Nova, encontra-se no livro “Nova História de Natal”, de Itamar de Souza, no capítulo XIX intitulado de “Lagoa Nova, um bairro nobre” (pp. 604-628). 32 Informações fornecidas em artigo, publicado pelo atual prefeito de Natal Carlos Eduardo, publicado no site do jornal Tribuna do Norte em 29 de Junho de 2011. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/a-reforma-do-machadao/187051>. Acesso em: 10 set. 2012. 53 antigo estádio, desde que foi concluído, era formada por areal e alguns barrancos. A nova obra piorou o espaço de circulação para os pedestres. Mesmo se tratando, agora, de uma situação provisória (dois anos ou mais). A mensagem é bem clara, o pedestre nunca foi e nem é prioridade (ver sequência de figuras 25 a 29). Fotografia 22: Estádio de Futebol João Cláudio de Vasconcelos Machado (Machadão), em construção na década de 60, no bairro Lagoa Nova, Natal/RN. 33 Fonte: Jaeci E. Galvão (Internet) . Fotografia 23: Visão do Estádio (Machadão) em 2009, ao fundo, o Bairro Lagoa Nova. 34 Fonte: Júnior Santos (Out./2009) . 33 34 Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=766584>. Acesso em: 10 jun. 2009. Disponível em: <http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/52945.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2009. 54 Fotografia 24: Estádio Machadão em demolição no final de 2011, ao fundo, o Bairro Lagoa Nova. 35 Fonte: Autor desconhecido (Dez./2011). Fotografia 25: Calçada da obra do novo estádio Arena das Dunas na Av. Lima e Silva próximo á Av. Romualdo Galvão. Detalhe: A calçada não poderá ser reconstruída, já que nunca existiu. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). 35 Disponível em: <http://www.cimentoitambe.com.br/massa-cinzenta/wp-content/uploads/2011/12/ Natal.jpg>. Acesso em: 10 set. 2012. 55 Fotografia 26: Calçadas do canteiro de obras da Arena das Dunas. Av. Prudente de Morais, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (jun./2012). Fotografia 27: Calçadas do canteiro de obras da Arena das Dunas. Av. Prudente de Morais, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (jun./2012). Fotografia 28: Calçadas do canteiro de de obras da Arena das Dunas. Av. Lima e Silva. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 29: Ponto de ônibus na calçada da obra da Arena das Dunas. Av. Lima e Silva. Fonte: Ricardo Silva (Jun./2012). 56 Atualmente, o bairro Lagoa Nova, localiza-se na região administrativa Sul, limitando-se com os seguintes bairros: ao Norte com Alecrim, Lagoa Seca e Tirol; ao Sul com Capim Macio e Candelária; ao Leste com Nova Descoberta e com o Parque das Dunas (reserva de mata nativa); finalmente, a Oeste, com Candelária, Cidade da Esperança, Nossa Senhora de Nazaré e Dix-Sept Rosado (Ver mapa, p. 49 e 50). De acordo com dados da SEMURB, com base nos dados do IBGE36, a região possui 10.660 domicílios particulares permanentes e 35.569 habitantes. Quase 27% dessa população ultrapassam a faixa dos 50 anos de idade (esse é um dado importante quando se trata de mobilidade urbana, muitas pessoas, a partir dessa idade, têm o seu poder de locomoção reduzido por fatores biológicos naturais). Praticamente 100% das residências recebem água tratada, mas apenas 18,81% estão ligadas à rede pública de coleta de esgotos37. De acordo com os dados da Secretaria de Municipal de Obras e Viação (SEMOV), em 2009, 90% do bairro possuía obras de drenagem e pavimentação. Quanto aos equipamentos urbanos, os dados emitidos pela SEMURB, parecem não estar completos, mesmo assim, apresenta-se sua síntese. Nesse aspecto, o bairro conta com 36 estabelecimentos de Educação, 10 unidades de saúde, 10 espaços destinados à prática de esportes, seis unidades de serviço de segurança pública, 25 praças e nove organizações comunitárias. De acordo com a pesquisa sobre qualidade de vida38 em Natal, realizada em 2003 por Arimá Viana Barroso, na época, chefe do setor de estatística e informações da Prefeitura de Natal, o bairro Lagoa Nova estava entre os bairros que apresentaram os melhores desempenhos, concentrando a maior taxa de saneamento básico, o melhor nível médio de escolaridade e moradores com os mais altos salários da cidade. Percebe-se que, apesar de todas as características positivas em termos de infraestrutura, renda e grau de escolaridade de sua população, o bairro Lagoa Nova apresenta sérios problemas no quesito acessibilidade de pedestres. Os governos, ao logo do desenvolvimento dessa região, parecem ter priorizado, sempre, obras para circulação dos veículos motorizados (ver fotografia número 30 – o espaço destinado ao trânsito de pedestres é mínimo, mal é possível perceber nessa imagem). Quanto 36 Censo demográfico 2000 e contagem populacional 2007. Fonte: SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, com base nos dados da CAERN – Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte, 2009. 38 Para realização da pesquisa foram levadas em consideração três dimensões: renda, ambiente e educação. 37 57 à população, parece não ter sido educada para reivindicar seus direitos ao livre acesso, nem mesmo para construir, quando lhe compete, espaços públicos apropriados à circulação livre e segura a todos os demais moradores da cidade, o que se pode constatar no conjunto de imagens contidas nesse trabalho. Em uma relação dialética, pode-se dizer que o traçado do passeio público desse bairro, tanto pode refletir o tipo de cidadania presente nesse universo como também impor aos moradores ou trabalhadores dessa região, quem e como esses indivíduos devem circular por suas ruas e avenidas, construindo uma identidade cidadã contrária ao princípio de igualdade. Fotografia 30: Vista parcial da Av. Senador Salgado Filho, à direita, o Centro Administrativo. Bairro Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 2.3 CARACTERÍSTICAS ATUAIS DO PASSEIO PÚBLICO A campanha Mobilize Brasil39 realizada pela associação Abaporu, organização sem fins lucrativos, qualificada como OSCIP, teve como objetivo estimular o debate público sobre Mobilidade Urbana Sustentável, divulgando 39 Mobilize Brasil é uma realização da Associação Abopuru (OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Foi fundada em 2003, atua nas áreas de educação, cultura e cidadania. O site da campanha pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico: <www.mobilize.org.br>. 58 informações, referências internacionais e exemplos de melhores práticas por meio de textos e matérias sobre esse assunto. Essa campanha/pesquisa ocorreu em duas etapas, a primeira entre janeiro e março de 2012 e a segunda em abril e julho de 2012. O objetivo do trabalho foi estimular a melhoria das condições de mobilidade para pedestres, chamar a atenção da opinião pública para o problema da má qualidade, falta de manutenção ou ausência de calçadas no país e estimular as pessoas a denunciar os problemas em suas cidades, além de pressionar as autoridades, buscando conscientizar os cidadãos sobre o assunto. Essa pesquisa foi realizada em 12 capitais brasileiras, entre elas, Natal 40. Foram considerados os seguintes critérios para avaliação: irregularidades no piso, largura mínima de 1,20m (conforme norma ABNT), degraus que dificultam a circulação, outros obstáculos, como postes, telefones públicos, lixeiras, bancas de ambulantes e de jornais, entulhos, etc., existência de rampas de acessibilidade, iluminação adequada da calçada, sinalização para pedestres, paisagismo para proteção e conforto. Conforme o relatório, nesse levantamento, os dados eram de fácil observação por qualquer pessoa que caminha e utiliza o espaço urbano, razão que permite que o formulário de que se utilizaram os pesquisadores fosse utilizado para avaliar as condições do passeio público em quaisquer outras cidades. Além da observação da avaliação realizada nas calçadas, os autores do estudo procuraram informar-se também sobre as repartições públicas e leis municipais específicas que tratam do tema. As condições de mobilidade urbana foram consideradas precárias. A média nacional ficou em 3,40, quando a nota mínima para uma calçada de qualidade seria 8, segundo critérios estabelecidos pelo Mobilize. Dos locais avaliados, apenas 2,19% obtiveram nota acima desse indicador, enquanto 74,13% obtiveram médias abaixo de 5. Cabe destacar que um problema bastante comum observado nas diversas calçadas das capitais brasileiras é a ocupação dessas por mesas, cadeiras e vendedores ambulantes, o que impede a passagem dos pedestres e cadeirantes. Outro detalhe importante é a falta de paisagismo, áreas antes ocupadas por jardins hoje são cercadas por muros e grades de proteção. 40 As demais capitais foram Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE),Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP). 59 No ranking das cidades, Natal ocuparia uma posição média em relação às demais capitais brasileiras, recebeu nota 5,08, no entanto, bem abaixo da mínima aceitável. Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza e Porto Alegre estariam mais próximas da nota 8. Manaus, Recife, Salvador e Rio de Janeiro apresentaram os piores resultados. Sobre os critérios de avaliação das calçadas em Natal, pode-se destacar uma falha na avaliação das calçadas do shopping Midway Mall, que recebeu nota máxima, o que não se justifica, pois parece terem sido consideradas apenas as que dão acesso as entradas para clientes, a calçada dos fundos por onde é feito o abastecimento de mercadorias está, no entanto, totalmente fora dos padrões de acessibilidade como mostram as fotos 61 e 62 na página 105, fato que poderia diminuir a nota atribuída a Natal. Importante destacar que em penúltimo lugar ficou a cidade do Rio de Janeiro, mesmo havendo por parte da prefeitura, dados estatísticos sobre notificações, número de casos resolvidos e cobrança de multas por irregularidades encontradas nesse espaço. Conforme entrevista ao G1.com, Carlos Alberto Osório 41, Secretário Municipal de Transportes do Rio de Janeiro, informou que, em caso de irregularidades encontradas na calçada, é encaminhada uma notificação ao proprietário do imóvel, se não resolver o problema no prazo estipulado, recebe uma multa no valor R$ 200,00, caso persista o problema a multa passa a ser diária, em última instância a prefeitura pode fazer os reparos e cobrar do proprietário. Segundo dados da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos do Rio de Janeiro publicados no site Deficienteciente42, foram emitidas notificações a 573 condomínios e concessionárias só no mês de janeiro de 2012, desses apenas 17% não foram atendidas. Já quanto à vistoria, a secretaria informou que, de junho de 2011 a março de 2012, foram feitas em 19 bairros. “Ao todo, foram identificadas 5.081 não conformidades e 72% dos casos, resolvidos”. Natal, embora na pesquisa Mobilize Brasil, tenha sido melhor classificada que a capital carioca, não há quaisquer levantamento ou controle sobre notificações e irregularidades, conforme entrevista realizada com funcionários da SEMURB, na página 79. 41 42 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/04/rio-e-segunda-cidade-com-piores -calcadas-do-brasil-diz-pesquisa.html.>. Acesso em: 02 mar. 2013. Disponível em; <http://www.deficienteciente.com.br/2012/04/portal-mobilize-brasil-calcadas-do-rjestao-entre-as-piores-do-pais.html>. Acesso em: 02 mar. 2013. 60 A média de melhores notas no ranking se concentrou nas cidades do Sul e Sudeste. O que se reflete, também, na opinião dos moradores dessas regiões quanto à percepção no sentimento de respeito à condição de pedestres e de ciclistas, de acordo com dados de uma pesquisa do IPEA (2011). [...] o Sul se destaca positivamente, com 42,4% dos entrevistados respondendo que sempre há sentimento de respeito na condição de pedestre e ciclista, enquanto 17% acham que isso acontece na maioria das vezes. No extremo oposto, está o Nordeste, em que 47,3% das pessoas acham que nunca há sentimento de respeito na condição de pedestre e ciclista, e 15,9% acham que isso ocorre raramente (SIPS/IPEA, 2011, p.168). A situação de Natal, dentro do quadro geral, parece ser muito semelhante à realidade das calçadas de outras várias cidades brasileiras. Ao se percorrerem os mais variados bairros da Capital potiguar, percebe-se que a falta de padronização e o grande número de obstáculos nesse espaço destinado à circulação de pedestres são generalizados. Além disso, existe um completo estado de abandono, ao longo de muitos trechos. As características históricas, sociais e econômicas de uma determinada região, parecem influenciar na qualidade das calçadas, mas não são determinantes quando consideradas de uma forma isolada. O poder público mostra-se, de maneira geral, ausente, seja pela falta de planejamento, seja pela fiscalização ineficaz e ineficiente, ou ainda pelo mau exemplo do péssimo estado de conservação dos espaços que deveriam ser planejados, mantidos ou recuperados pela própria administração pública municipal ou estadual43. Em alguns bairros mais antigos e compostos, predominantemente, por populações mais pobres como: Rocas, Ribeira, Santos Reis, Mãe Luísa, uma parte de Nova Descoberta, Quintas e Bairro Nordeste, assim como na Zona Norte, fica evidente que apresentam, como pode ser observado nas imagens 32, 33, 40, 41, 42, 44, 45 e 47, piores condições de acessibilidade aos pedestres em comparação às regiões consideradas mais nobres da cidade, como é o caso do próprio bairro Lagoa Nova, em estudo. 43 De acordo com informações obtidas na SEMOB (2012), em entrevista realizada com o Engenheiro Civil Raimundo Moisés Leite e Silva e com o Arquiteto Urbanista Francisco Xavier De Oliveira Neto, alguns espaços destinados à circulação de pedestres que fazem margem ao longo de avenidas estaduais ou federais são de competência e responsabilidade dos órgãos de suas respectivas esferas. 61 Boa parte da ocupação desses aglomerados foi marcada por invasões e/ou construções irregulares que nem sempre deixaram uma porção mínima de área física destinada à elaboração de um espaço para circulação de pedestres. Encontrase nesse aspecto uma contradição, pois é possível perceber que é, justamente, nesses bairros em que um maior número de pessoas circula a pé pelas ruas. Essa contradição é reforçada quando se observam os bairros de tradição mais comercial como é o caso da Cidade Alta e do Alecrim ou, ainda, outras regiões da Capital, que recebem um grande número de visitantes turistas, como é o caso dos calçadões ao longo das praias urbanas. Pode-se dizer, resumidamente, que os bairros e regiões, onde a circulação de pedestres é mais intensa e visível, parecem liderar na diversidade e na quantidade de obstáculos à acessibilidade dos transeuntes. Destaca-se, negativamente, o passeio público do Bairro Alecrim por apresentar extensas áreas ocupadas pelo comércio ambulante. Os comerciantes chegam a invadir, até mesmo, às margens de uma das principais avenidas do bairro. Em alguns trechos, as calçadas, transformam-se em uma espécie de túnel entre as barracas dos camelôs e os prédios comerciais. Outro aspecto negativo é que, apesar de ser um bairro antigo, ainda é comum, muito esgoto correndo a céu aberto. O calçadão de Ponta Negra, em uma das praias mais famosas da cidade, está bem deteriorado, e, de acordo com algumas reportagens, não se pode culpar apenas a última administração municipal. O que aparece hoje é fruto de várias administrações anteriores que sempre realizaram obras de efeito paliativo. Algumas imagens registradas mostram o esgoto sendo jogado na principal rua de acesso à praia, descendo pelo meio da escadaria, destinada aos pedestres e hóspedes de alguns hotéis próximos. Segundo alguns vendedores ambulantes, essa situação não é recente. No próximo capítulo é feita uma análise das entrevistas na tentativa de perceber a consciência dos usuários no que diz respeito à construção, à ocupação e à manutenção desse espaço, assim como uma possível relação entre o conhecimento dos direitos e deveres dos entrevistados no tocante ao exercício da cidadania e ao tratamento prático dado ao espaço público. 62 CAPÍTULO III DIALOGANDO COM O CAMPO DE PESQUISA Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2009). 63 3 DIALOGANDO COM O CAMPO DE PESQUISA 3.1 TRAJETÓRIAS DA PESQUISA Na medida em que fotografava as calçadas com tão variadas formas de ocupação, ora um amontoado de lixo e restos de construção, ora uma garagem ou mesmo extensão de algum barzinho, motivei-me a questionar a percepção que diferentes segmentos da sociedade tinham em relação a esse espaço que, embora público, era tratado por tantos como privado, visto que dele se apropriavam para atender a interesses particulares. Apesar de não estarmos tratando especificamente de uma pesquisa de representação social, segui algumas orientações do trabalho dos professores Fernando Lefevre e Ana Maria Cavalcante Lefevre (2010) sobre pesquisa de representação social e o enfoque qualiquantitativo. Dessas orientações surgiram os seguintes questionamentos. O que eu, pesquisador, percebo como problema corresponde ou significa, realmente, um problema para as pessoas que serão entrevistadas? Como as pessoas que responderão às perguntas poderão representar qualitativamente a opinião sobre a questão da acessibilidade das calçadas ou o sentido atribuído ao termo cidadania? Como esses dados poderão contribuir para uma pesquisa posterior de caráter predominantemente quantitativo? De acordo com esses autores (2010, p.37), o que devemos eleger como problemas de pesquisa “são aqueles cujo conhecimento, solução ou equacionamento passam necessariamente pelos sentidos a ele atribuídos pelos atores sociais envolvidos”. Acrescentam, ainda, que: Atribuir sentido como ato social envolve, entre outras coisas, perguntas do tipo: o que o indivíduo pensa sobre o problema pesquisado, o que acha de, qual a sua opinião sobre, como vê tal problema, como o representa, como o percebe, como o define, como o vive, como o avalia, como o sente, como se posiciona diante dele etc. (LEFEVRE, 2010, p.37). Assim, tomando como base essas orientações, foi elaborado um formulário de perguntas44 para as entrevistas, estruturado com os seguintes objetivos: captar a percepção física e social do espaço pelos entrevistados; saber quem eles, 44 O formulário de perguntas encontra-se no anexo. 64 entrevistados, responsabilizam pelo atual estado do passeio público; sondar como as pessoas classificam esse espaço e como definem o que é público ou privado; confrontar o que pensam sobre esse espaço e o que fazem na prática; verificar o alcance das informações legais em relação à construção e a manutenção desses espaços; perceber as práticas cidadãs e os motivos que estimulam ou desestimulam suas ações; confrontar o que pensam sobre cidadania e o que enxergam como práticas cidadãs no espaço pesquisado; sondar a capacidade dos entrevistados de apontarem os problemas do seu próprio espaço físico e social, assim como a percepção geral da cidade em relação ao tratamento dado aos pedestres. As entrevistas foram do tipo qualitativa, semiestruturada e individual. Com a realização de um pré-teste45 foram alterados alguns detalhes das perguntas iniciais. Foi elaborado, também, uma espécie de cartão de visitas – contendo alguns dados pessoais do entrevistador, número da matrícula na instituição de ensino, endereço eletrônico do programa de pós-graduação com código de confirmação de dados – esse recurso teve como objetivo conquistar a credibilidade das pessoas que seriam entrevistadas e facilitar a marcação das entrevistas. Na escolha das pessoas que participariam das entrevistas, procurei contemplar a maior variedade de tipos de relação de uso desse espaço e o problema principal em questão: as características atuais de acessibilidade do passeio público. Foram selecionados homens e mulheres adultos, proprietários ou não de lotes urbanos, transeuntes do bairro Lagoa Nova, funcionários públicos da área de planejamento e urbanização da prefeitura, além de profissionais da área de arquitetura e urbanismo. Totalizando um número de 22 pessoas selecionadas da seguinte forma: um funcionário responsável pela manutenção desse espaço no maior Shopping Center da cidade; um deficiente cadeirante; um deficiente visual; um morador, síndico de um condomínio de alto padrão (que apresentava a calçada irregular); cinco moradores cujas calçadas poderiam apresentar diversos tipos de situações irregulares ou não; um morador que utilizava a calçada como extensão do seu comércio há alguns anos; outro que utilizava a calçada como extensão do seu comércio há alguns meses; dois funcionários públicos, técnicos – um Engenheiro Civil e outro Arquiteto da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SEMOB); três funcionários técnicos administrativos e 45 O pré-teste serve para avaliar se o tipo de pergunta elaborada consegue fazer com que os entrevistados respondam dentro do objetivo estabelecido para cada pergunta. 65 Arquitetos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB); quatro transeuntes, moradores de outros bairros ou municípios vizinhos – homens e mulheres; dois vendedores ambulantes – homem e mulher. É importante registrar que, apenas, três pessoas das que haviam sido escolhidas para responder as perguntas não as responderam. Duas alegaram falta de tempo e foram adiando as datas das entrevistas até o limite de não poder incluílas no trabalho e outra, que comentou que não gostaria de participar da pesquisa. No primeiro contato, foi explicado para esses entrevistados que não era objetivo da entrevista classificar respostas com certas ou erradas, o mais importante é que respondessem de forma espontânea. Esta espontaneidade foi mais perceptível em alguns entrevistados. Outros, somente após o término da entrevista, relatavam a lembrança de algum acontecimento ou situação relacionada ao tema. O contato direto com esses atores/agentes da pesquisa foi muito importante para a análise desse trabalho. A realidade vivida por alguns desses entrevistados me fez rever algumas opiniões preconcebidas do senso comum, como por exemplo, a ideia do camelô com um dos invasores desse espaço. Ouvi-los, saber sobre suas dificuldades, sobre as pressões que sofrem por estarem ali, sentir de perto o difícil ambiente de trabalho onde vendem os seus produtos, me fez percebê-los mais como vítimas de um desequilibrado sistema de relações econômicas e sociais. Na sequência serão apresentadas ideias e percepções provenientes das entrevistas, bem como a transcrição de alguns fragmentos que reforçam, de maneira bastante objetiva, na visão dos entrevistados, a concepção do espaço em estudo. 3.2 CONVERSANDO COM ALGUNS CIDADÃOS Ao perguntar “como é para o senhor(a) caminhar pelas calçadas do seu bairro e da sua cidade? Por quê?” Obtive, na maioria quase que absoluta das respostas, pontos negativos relacionados à acessibilidade desse espaço. Mesmo as pessoas que não foram tão radicais em afirmar que era péssimo ou muito ruim, sempre acrescentavam, no transcorrer da entrevista, a percepção de que havia vários obstáculos. Respondiam, de início, com palavras para suavizar os problemas como: “são boazinhas, mas tem muito buraco ou o piso escorrega demais”, “são mais ou menos, mas tem muito desnível”, “parece que algumas pessoas não querem que a 66 gente ande em suas calçadas, ela são cheias de elevações”, “é complicado, cheio de altos e baixos”, “é aceitável, mas...”. A sinceridade de uma moradora do bairro, que reside há 18 anos no mesmo local e nunca construiu sua calçada, pareceu-me surpreendente. Ela respondeu: “É péssimo. A começar pela minha. Pra mim, tinha que ser tudo igual, se você estiver de cadeira de rodas não consegue andar” (Vânia, 48 anos, do Lar). Assim como algumas respostas bastante elaboradas como a desse entrevistado, que respondeu da seguinte forma: Difícil, existe muito despreparo dos pedreiros e donos de imóveis... (Citou a ABNT46, fez uma pausa e recomeçou)... Primeiro, devia-se evitar os batentes entre uma casa e outra; segundo, as subidas dos carros (rampas) não deviam interferir no passeio, mas ninguém faz isso, constroem as rampas atrapalhando a passagem; terceiro, as calçadas do bairro são muito estreitas, têm cestos de lixo, postes... imagino que os cadeirantes não conseguem passar (José, 36 anos, Analista de Sistemas, deficiente visual). No geral, as respostas das mulheres foram mais detalhistas, talvez pelo tipo de calçado que costumam usar (com saltos), como o caso de uma corretora de imóveis que trabalha no bairro. Esta se queixou de calçadas revestidas com paralelepípedo (pedras utilizadas comumente para vias de automóveis) e a resposta de uma senhora, que reclamou desse calçamento e de um outro tipo que, em sua avaliação, era ruim para caminhar. Ela responde: “É Muito ruim. Falta calçamento, tem entulho, buraco. Tem tipo de calçamento que fica fácil de tropeçar” (Rosa, 52 anos, aposentada), referindo-se a área ao redor de uma das igrejas do bairro, que é revestida com paralelepípedo, além da praça onde fica o centro comunitário, em que a calçada foi construída e revestida, recentemente, com uma mistura de cimento e brita. Algumas pessoas apontaram uma solução rápida e prática para resolver o problema da falta de calçadas adequadas, como Ana, que respondeu: “É bom caminhar, mas, como as calçadas apresentam muitos desníveis ou em alguns pontos não existe calçada é mais fácil andar pela rua mesmo” (Ana, 37 anos, Bióloga). Na sequência, a opinião de uma transeunte, que se ofereceu, espontaneamente, para participar da pesquisa quando eu estava entrevistando um vendedor ambulante na parada de ônibus, em frente ao Natal Shopping. Dentre as 46 Associação Brasileira de Normas Técnicas. 67 diversas respostas referentes a essa questão, a seguinte considero sintetizar, de uma forma mais completa, as ideias que apareceram na maioria das entrevistas. É um malabarismo. Não existe padronização. Altas, baixas, buracos, vendedores ambulantes – nada contra eles, diretamente, mas o ideal é que tivesse um local melhor para eles... Mau estado de conservação, como outras coisas que estão em poder da administração pública (Vânia, 35 anos, auxiliar administrativo). A segunda pergunta objetivava saber, na opinião dos entrevistados, de quem era a responsabilidade pelo atual estado das calçadas além de alguma justificativa para a resposta. Foram indicados os seguintes responsáveis: a Prefeitura, o prefeito, os governantes, o presidente do centro comunitário, o vereador, os políticos, o pessoal da igreja, ou seja, associados em geral, a um poder público. Como indica a resposta do senhor André, “pertence à prefeitura, porque é público” (André, 69 anos, dentista e síndico). Mesmo nessa resposta a seguir que, de certa forma, responsabiliza individualmente, os proprietários dos imóveis, ainda sim, acaba direcionando a responsabilidade, indiretamente, ao poder público. Era para ser o dono da calçada, mas para isso teria que ter sido catequizado antes. Portanto, acho que é o governo federal, a prefeitura... que deveria fazer campanhas para isso. Os meios de comunicação não divulgam o suficiente... se existissem campanhas desse tipo, você poderia responsabilizar as pessoas... (José, 36 anos, Analista de Sistemas, deficiente visual). Das pessoas entrevistadas, que demonstraram não ter conhecimento técnico sobre o assunto, apenas três disseram considerar que a responsabilidade em “parte era do dono do imóvel e em parte da administração pública”, uma única disse que a responsabilidade seria individual de cada um dos proprietários como mostram as respostas a seguir. Os governantes, a prefeitura. Porque nós pagamos impostos para eles darem conta disso. Eu digo isso, mas 50% ou mais são os moradores que colocam lixo e não cuidam das calçadas. Já perdi a conta de quantas vezes pedi para a prefeitura limpar as calçadas aqui do centro comunitário e nada. Acabo fazendo uma vaquinha com alguns moradores e mando alguém limpar (Maria de Fátima, 54 anos, diretora de um centro comunitário). É um misto. Omissão da administração pública. Nós, nordestinos, que somos mal educados, o que é público é privatizado. O público para mim, de certo modo, deve ser tratado como algo privado, mas em relação aos cuidados que se deveria ter sobre esse espaço... É o imposto que eu pago 68 que mantém esse espaço... Não é porque é público que você pode depredar (Vânia, 35 anos, auxiliar administrativo). Cada pessoa tem que ter consciência... Eu sempre deixo o espaço do pedestre passar... Cada pessoa fazendo sua parte fica mais fácil (Pedro, 37 anos, Comerciante). Para sondar como as pessoas classificam esse espaço e como definem o que é público ou privado foram feitas as seguintes perguntas: Para o senhor(a) a calçada é um espaço público ou privado? Por quê? Todos os entrevistados responderam que as calçadas são espaços públicos, mas as justificativas variaram um pouco, conforme transcrições: “é público porque são os políticos que mandam”; “é público porque se a prefeitura quiser fazer algum serviço na calçada o proprietário não pode impedir; “público, qualquer pessoa deve ter acesso a ele”; “público, porque você só manda até o fim do seu lote, mas muita gente diz que é dele, que é particular”. Muitas pessoas justificaram a sua resposta associando-a a ideia de posse desse espaço. A resposta a seguir mostra que, muitas vezes, a privatização da calçada, na concepção de alguns proprietários, pode ultrapassar os próprios limites desse espaço, chegando até a um recorte da própria rua. Público... de certa maneira é público sim, mas algumas pessoas consideram até o espaço da rua em frente a sua casa como particular, não querem nem que a gente estacione na frente (Sílvia, 27 anos, corretora de imóveis). Alguns entrevistados foram um pouco mais além, dando a idéia de que, era um espaço público, porque era um local de uso coletivo. Como Ana e Vânia, que responderam da seguinte forma: “A calçada é um espaço público. Todos podem passar sem pedir autorização, porque o dono não pode impedir a passagem das pessoas” (Ana, 37 anos, Bióloga). As calçadas são públicas. Esse espaço está além dos limites do proprietário... É de uso comum. Tudo que for ser feito nela deve ser compartilhado com todos que a usam. Tem gente que coloca carro com som muito alto, isso não deveria acontecer (Vânia, 40 anos, auxiliar administrativo). Quanto à ocupação desse espaço, um jovem transeunte, baseando-se no exemplo da calçada de um centro comercial, que existia em frente ao seu local de trabalho, deu a seguinte resposta: 69 Público, mas às vezes privada. Quando é muito larga pode ser as duas coisas. Depende do tipo de calçada. Olha aquela calçada ali na frente... temos o lugar dos carros e dos pedestres (Henrique, 24 anos, caixa de uma sorveteria). Para confrontar o que se pensa sobre esse espaço e o que se faz na prática, foi perguntado o que fariam, para construir ou reformar a calçada de suas residências e possíveis justificativas para suas ações. Mais da metade dos entrevistados disseram que chamariam um pedreiro e como justificativa predominou a ideia de que construir uma calçada é algo tão simples que não precisaria ter conhecimento especializado sobre isso, todas as respostas foram bastante similares. Como exemplo, essa de um estudante. Chamaria um pedreiro. Não precisa de um engenheiro para fazer ou reformar uma calçada. Porque é algo tão simples. É só botar cimento, cerâmica ou pastilha, qualquer coisa desse tipo (Rafael, 18 anos). Um dos entrevistados que, por coincidência, foi o profissional mais indicado para construir a calçada, relativizou um pouco o problema respondendo: “chego e faço. A pessoa já sabe o que tem que fazer. Agora, se for um serviço grande, tem que ter um projeto (José, 32 anos, Pedreiro). Outro entrevistado considerou também que a questão era relativa, de certa forma. Apresentou uma solução ambígua, pois, de acordo com a sua resposta, a construção e a reforma desse espaço exigiriam procedimentos diferentes. Para construir chamaria um pedreiro, mas se for para reformar consultaria a prefeitura, acho que teria que colocar rampa... Piso especial... Consultar porque agora tem que deixar o espaço para o cadeirante, etc. Como é pública tem que servir melhor para as pessoas. (Henrique, 24 anos, caixa de uma sorveteria). Quatro dos entrevistados disseram que procurariam a prefeitura para saber como deveriam construir ou reformar a calçada, porque essa entidade pública seria responsável por esse espaço ou saberia orientar sobre o procedimento adequado. A ideia mais clara de que teria que ser algo projetado para benefício de uma coletividade surgiu apenas nessa única resposta a seguir. Faria um projeto. Tenho três amigos deficientes que têm muita dificuldade em transitar pela cidade, inclusive um que estuda e anda de ônibus. O projeto da calçada deve beneficiar a todos (Silvia, 27 anos, corretora de imóveis). 70 A quinta questão – em que se perguntava se os entrevistados conheciam alguma norma sobre a construção, reforma ou manutenção desse espaço – apresentou respostas surpreendentes, constata-se um total desconhecimento das leis que regem esse espaço por parte de todos os entrevistados, com exceção apenas dos profissionais técnicos da área de arquitetura e engenharia, funcionários da prefeitura, ligados ao setor que trata dessas questões e um comerciante, que só revelou conhecer as normas depois que havia terminado todo o questionário e falou, espontaneamente, sobre a sua situação específica. A calçada desse entrevistado possui jardineiras entre o limite da calçada e a rua. Durante a noite preenche todo o espaço com mesas e cadeiras para comercializar produtos alimentícios (bebidas, lanches, etc.) Abriu esse negócio há pouco tempo, aproximadamente, dois meses. Localiza-se em uma rua secundária do bairro, pouco movimentada, mas com um detalhe, há uma academia de ginástica e natação em frente ao seu estabelecimento. A entrevista foi realizada na própria calçada. Depois de concluídas as suas respostas, começou a falar espontaneamente, dizendo que consultou a SEMURB e sabia que não era permitido utilizar a calçada da forma que ele estava utilizando (colocando mesas, cadeiras, jardineiras, etc.). Falou também sobre o toldo que cobria a sua calçada... Eles disseram que poderia cobrir com o toldo desde que não usasse pilares na calçada para apoiar... estou providenciando um espaço interno aqui na minha casa para isso... se o negócio der certo mesmo... eu conversei também com esses outros comerciantes aqui do bairro... sabe? Eles disseram que nunca se incomodaram sobre isso” (Joaquim, 47 anos, Gastrônomo e Comerciante). O senhor(a) já reclamou para algum vizinho ou fez alguma denúncia sobre a construção ou reforma irregular de alguma calçada no seu bairro ou na sua cidade? Por quê? Essa foi a sexta pergunta, que tinha o objetivo de perceber as práticas cidadãs e os motivos que estimulam ou não suas ações. O Senhor Fábio, Arquiteto e funcionário da prefeitura, foi o único dos entrevistados que relatou ter feito uma denúncia formal sobre a reforma irregular de uma calçada em sua vizinhança. De acordo com o seu relato, nada foi feito pelo órgão responsável (SEMURB) para que o problema fosse corrigido. Ao reclamar diretamente para o funcionário do setor de fiscalização, ouviu o seguinte questionamento: “como 71 eu iria notificar aquele proprietário pela irregularidade da reforma de sua calçada se, praticamente, todas as calçadas daquela rua estavam irregulares?”. Outro caso de denuncia formal foi relatado pela Sra. Fátima, que contou o seguinte episódio: Eu nunca reclamei ou denunciei, mas teve um caso de um vizinho que fizeram a denúncia, sim. Ele estava aumentando a garagem para conseguir colocar dois carros e estava usando o espaço da calçada para conseguir aumentar o tamanho dela. Nesse caso, quando a fiscalização veio, ele teve que desmanchar a parede que estava construindo em cima da calçada. Eu não denuncio porque acho que uns pagam pelos outros. Tem gente que tem conhecimento lá em cima e não acontece nada se agente denunciar. É só ver aqui no bairro, está cheio de casos de gente que construiu na calçada (Maria de Fátima, 54 anos, diretora de um centro comunitário). Esse relato aponta, também, um dos motivos comuns que apareceram em outras respostas e que parecem desestimular a prática de reivindicar direitos, ou seja, a falta de solução quando se reclama para os órgãos públicos “competentes” ou responsáveis por esse tipo de fiscalização. Frases como “não reclamei porque acho que ninguém dá jeito não”, que apareceu como resposta, entre outros trechos das transcrições a seguir, que reforçam a predominância desse tipo de percepção: a ineficiência da administração pública. Não. Porque eu acho ineficiente o serviço público... Já tenho muitos problemas pessoais. Acho uma perda de tempo procurar órgão público para isso... Já reclamei sobre um posto de saúde e nenhuma das reivindicações foram atendidas (Joaquim, 47anos, Gastrônomo e Comerciante). Já reclamei, até de onde moro hoje, sobre o esgoto de uma vizinha que corre para frente da minha casa. Além do mau cheiro, faz o mato crescer muito rápido... Outro dia tive que pagar cinquenta reais para limparem. Reclamei só para vizinha, mas não resolveu. Não reclamei para a SEMURB porque eles não resolvem também (Vânia, 40 anos, auxiliar administrativo). Quando entrevistei um funcionário responsável pela manutenção do passeio público do maior Shopping da cidade, na sua resposta destaca também a questão da ineficiência da administração pública na resolução desse problema. Quanto a maior dificuldade para manter as calçadas do estabelecimento de acordo com o que foi planejado, ele diz: Quanto à questão física, relacionada ao desgaste natural do material da calçada, a situação é rapidamente resolvida quando solicitamos providências junto à administração do Shopping. A maior dificuldade está na quantidade de vendedores ambulantes. É um caso da prefeitura, ela é 72 responsável. O Shopping não vai entrar em conflito com eles. Nós já comunicamos a SEMURB, pedindo que esse problema seja resolvido, foram feitas várias solicitações, durante sete anos, mas o problema não foi solucionado (Melo, 36 anos, Engenheiro civil, gerente de operação adjunto). Um fato curioso é que do grupo que respondeu nunca ter reclamado, apenas quatro se justificaram por achar que “nunca sentiram necessidade” ou “nunca perceberam como algo que os afetasse”. O restante afirmou não ter reclamado para não se indispor com os seus vizinhos. Como respondeu o Sr. José: “Não reclamamos porque nós somos pacatos, não costumamos chamar a atenção dos vizinhos, mesmo que eles estejam errados” (José, 36 anos, Analista de Sistemas, deficiente visual). Já a Sra. Íris, que disse nunca ter reclamado ou denunciado sobre algo relacionado às calçadas, falou que já foi alvo de denúncia pelo tipo de atividade que exerce. Ela comentou: Já recebi reclamação da SENSUR. Eles sempre vêm dizendo que são ordens da prefeita. Disseram que quando for no tempo da copa vai tirar a gente daqui. Talvez a gente esteja incomodando o Shopping. (Íris, 29 anos, vendedora ambulante de calçados). A sétima pergunta foi “O que é cidadania para o senhor(a)?”. Também foi surpreendente o número de pessoas que afirmaram não saber responder. Pensei ser interessante transcrever as respostas de todos aqueles que tentaram responder, da sua forma, o que pensavam sobre o termo cidadania: Ter direitos coletivos respeitados, respeitar e cumprir os meus deveres (Ana, 37 anos, Bióloga). É uma pergunta um pouco complexa... o direito de ir e vir, trabalhar, comer, beber, ter lazer... acho que é isso... votar, ser votado, pagar impostos – infelizmente temos que pagar para “os caba” fazer festa... – respeitar os direitos do próximo e ter os seus direitos respeitados pelo próximo... (José, 36 anos, Analista de Sistemas, deficiente visual). Seria o respeito a tudo que nos temos direito e é justamente isso que falta. Não é só porque eu sou cadeirante, mas para todas as pessoas (Alexandre, 41 anos, Pedagogo, cadeirante). Cada um fazendo a sua parte, sempre pensar no próximo... É só você pensar que se fechar esse espaço não tem como as pessoas passarem (Joaquim, 47anos, Gastrônomo e Comerciante). Não sei, mas imagino o que as pessoas deficientes passam por causa da falta de sensibilidade das outras pessoas diante desse problema....os 73 idosos também...acho que é respeitar os direitos das pessoas (Silvia, 27 anos, corretora de imóveis). É um conjunto de normas que eu devo cumprir e direitos que eu devo ter... E deve ser igual para todos os homens. Ter ciência dos direitos e fazer valer. Fazer algo pelos outros. Promover a qualidade de vida do coletivo... Dos espaços em que você está inserido... (Vânia, 40 anos, auxiliar administrativo). Respeitar o direito do outro. Também fazer com que respeitem os seus direitos (Henrique, 24 anos, caixa de uma sorveteria). Não sei não. Acho que é o amor pelo outro, um certo cuidado... um certo respeito pelo outro (Rafael, 18 anos, estudante). Com o objetivo de sondar sobre a capacidade dos entrevistados de apontarem os problemas do seu próprio espaço físico e social, assim como a percepção que tinham desse espaço no contexto geral da cidade foram elaboradas as seguintes perguntas: Como o (a) senhor (a) descreveria a sua calçada e a de seus vizinhos mais próximos? Por quê? Em sua opinião, em qual ou em quais pontos da cidade existem mais problemas relacionados à acessibilidade de pedestres? Quanto a essa penúltima questão geral, apesar de, praticamente, todos apontarem problemas sobre a manutenção desse espaço, foi óbvio que, conforme a necessidade individual de utilização de cada pessoa foi dada maior ou menor ênfase a esses problemas, apontados maiores ou menores quantidades de obstáculos relacionados à questão da acessibilidade. Como veremos a seguir, as respostas que apontavam maior percepção do problema e com mais detalhes foram dadas, principalmente, pelos portadores de deficiência. Péssimas. Hoje eu sei que são péssimas. Tem umas que são todas de paralelepípedo (mesma pedra usada para calçar ruas), são desniveladas... Eu tenho uma mãe de 80 anos... já é ruim para ela também... As calçadas são cheias de buracos, em forma de ladeira (Alexandre, 41 anos, Pedagogo, cadeirante). Irregulares. Não obedecem o nivelamento da rua, tem entrada de carro (rampa) atrapalhando o caminho, lixeiras. Tem gente que além da rampa, bota mais um batente no meio, aí fica bem massa (com ironia). Quando eu ando aqui, eu prefiro o meio da rua, acho mais seguro. Você não vai encontrar um poste e outros obstáculos. Eu, particularmente, prefiro andar pela rua (José, 36 anos, Analista de Sistemas, deficiente visual). 74 Já as respostas dos que circulam, sempre em veículos motorizados individuais, foram bastante breves, como as seguintes respostas: “são ruins”, “acho que não são boas para caminhar” ou “não sei dizer, sempre ando de carro”. O mesmo ocorreu com a última questão, relacionada à percepção geral desse problema na cidade. A resposta do Sr. Alexandre foi detalhada, não se referiu apenas aos problemas das calçadas, mas as dificuldades de acesso enfrentadas por um cadeirante em diversas situações. Para ele esse problema é generalizado. Na cidade inteira. No km 6 (avenida que passa pelos bairros das Quintas e Felipe Camarão), lembro da dificuldade quando dava aulas lá... Em hospitais têm problemas, nos elevadores tem problemas, no Hospital do Coração. No PAPI não preciso levar minha cadeira. No teatro Riachuelo, que é novo, é difícil. Tive problemas na loja de material de construção AGAE e processei um funcionário da loja que me destratou, mas tive problemas até em relação ao estacionamento do veículo, no dia da audiência, no prédio da justiça, localizado na Av. Ayrton Senna. Havia um carro do promotor estacionado na vaga para deficientes (e ele não era deficiente) e o segurança não queria que minha irmã estacionasse na outra vaga, reservada para os promotores. Aqui em Natal só teve um lugar que fui tratado como um rei... No Banco do Nordeste, na Av. Prudente de Morais... (Alexandre, 41 anos, Pedagogo, cadeirante). A indicação dos bairros mais problemáticos em relação à acessibilidade das calçadas, de acordo com o que responderam essas pessoas, parece ter seguido uma lógica de maior utilidade de uso. Assim, os bairros, predominantemente comerciais, apareceram em grande parte das respostas. O Bairro do Alecrim foi o mais citado, seguido pelo Bairro Cidade Alta (Centro). O terceiro que mais apareceu foi o próprio Bairro da nossa pesquisa, Lagoa Nova. O conjunto de bairros, comumente chamado de Zona Norte, apareceu em quarto lugar. Os outros bairros e pontos citados foram: Bairro Nordeste, Quintas, Nova Descoberta e Ribeira (partes mais antigas), além das Calçadas do Shopping Via Direta, da Orla de Ponta negra, da UFRN e da Av. Maria Lacerda. Um dos entrevistados respondeu elaborando uma certa ordem, “em uma escala do pior para o melhor... Alecrim, Centro, Tirol, Petrópolis” (Joaquim, 47anos, gastrônomo e comerciante). 75 3.3 VISITANDO A SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE E URBANISMO (SEMURB) Com o objetivo de saber a opinião de especialistas sobre o assunto e perceber o papel da administração pública na construção e manutenção do espaço pesquisado, conversei com engenheiros, arquitetos e funcionários de órgãos da prefeitura ligados ao setor de planejamento e mobilidade urbana da cidade. Antes de visitar a SEMURB, conversei com o Engenheiro Civil Raimundo Silva e o Arquiteto Francisco Oliveira Neto, ambos funcionários da SEMOB 47. Eles me deram os primeiros esclarecimentos técnicos sobre o assunto e indicaram outras pessoas na SEMURB para que eu pudesse dar continuidade ao trabalho. Sobre o planejamento, a execução e a fiscalização dos espaços destinados ao trânsito de pedestres na cidade do Natal, eles disseram que esses projetos, quando de autoria da SEMOB, são elaborados sempre de acordo com a legislação. Quando há necessidade de interferências nas obras, elas não voltam para o mesmo setor de planejamento dessa secretaria. Seguem para o SEMOPI 48. Deram o exemplo do projeto da Av. Do Contorno, afirmando que sofreu muitas alterações na hora da execução. De acordo com eles, questões políticas, econômicas, de relação entre governo e construtoras, além de fatores ligados à fiscalização influenciam muito no resultado final da obra. Esclareceram também que algumas obras de mobilidade dentro do município podem pertencer a esferas administrativas diferentes. A Av. Senador Salgado Filho, que corta o bairro Lagoa Nova, por exemplo, é uma das principais vias de acesso da cidade, mas faz parte de um complexo rodoviário federal, como parte da BR-101. As calçadas, túneis e passarelas de pedestres nessa via, não são de responsabilidade apenas do município, cabe também a órgãos específicos do Governo Federal. Antes de falar sobre as informações obtidas na SEMURB, penso ser relevante descrever a sua localização e área física. Ela está instalada, atualmente, no bairro de Candelária. De acordo com informações de alguns funcionários, o prédio foi alugado pela prefeitura há alguns anos. O edifício de poucos andares, construído para abrigar apartamentos residenciais, está sendo utilizado pela prefeitura de forma improvisada para o 47 48 Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana. Secretaria Municipal de Obras Públicas e Infraestrutura. 76 funcionamento dessa secretaria. Os setores dentro dessa instituição aparentam estar funcionando de forma precária. No dia da entrevista, nenhum dos elevadores estava funcionando. Nos corredores havia um mau cheiro exalado dos banheiros, que estavam sujos e o prédio sem água. Próximo ao local, destinado às refeições dos funcionários, havia muito lixo acumulado em sacos plásticos. Finalmente, boa parte da calçada lateral do prédio, apresentava buracos e estava tomada por ervas daninhas não podendo ser considerada um exemplo de passeio público para os moradores da cidade. Com pude constatar, nem mesmo a secretaria municipal responsável pela fiscalização e planejamento urbanístico da cidade estava em conformidade com as leis. Quanto às informações, procurei saber sobre os seguintes pontos: como era feita a fiscalização dos espaços destinados ao trânsito de pedestres na cidade; se havia alguma política pública ou campanha atual da prefeitura em relação à construção e à manutenção dos espaços destinados ao trânsito de pedestres; se essa política existia, como era feita a divulgação e a avaliação; se havia algum estudo ou avaliação a respeito de campanhas e projetos anteriores sobre acessibilidade aos pedestres em Natal e, se existiam, o que apontavam; se era realizada alguma estatística sobre o número de denúncias feitas por moradores da cidade ou autuações da prefeitura em relação à construção ou à manutenção de calçadas irregulares; e, finalmente, se havia algum estudo ou números estatísticos que relacionassem o número de denúncias recebidas pela prefeitura sobre esse tipo de irregularidade e a quantidade de casos solucionados. O Sr. Carlos Ney, que trabalha no setor de licenciamento, disse não ter conhecimento sobre nenhuma dessas questões. Afirmou apenas que para construir ou reformar esses espaços de forma legal as pessoas ou entidades deveriam se dirigir a SEMURB, “aqui na secretaria monta-se o processo, cada tipo de obra tem uma tramitação específica, passa pela visualização dos técnicos, se estiver de acordo com as normas, é aprovado” (Carlos Ney, Assistente de licenciamento de obras privada). Quanto à fiscalização, políticas públicas ou dados estáticos sobre essa questão, indicou que, talvez, essas informações fossem encontradas em outros setores da secretaria. Indicou que eu poderia me dirigir primeiro ao Setor de Fiscalização Urbanística e Ambiental. 77 Conversou-se então, em seguida, com o Sr. Gley Medeiros, Arquiteto e funcionário do referido setor, que falou um pouco sobre a questão da fiscalização. Segundo ele: Existem três formas, em geral, pelas quais a fiscalização entra em ação: através das denúncias feitas por qualquer pessoa a Ouvidoria; denúncias encaminhadas pelo Ministério Público, que são bastante comuns; e recebemos, também, ofícios de entidades – associações, ONGs, etc. – ligadas a pessoas com deficiências. Uma outra forma é a fiscalização de rotina, mas não muito comum (Gley Medeiros, Arquiteto e funcionário do Setor de Fiscalização Urbanística e Ambiental). Ele comentou também sobre as dificuldades de fiscalização devido ao reduzido número de fiscais em relação à área de cobertura da cidade. A respeito de políticas públicas e campanhas de orientação sobre a importância da construção e manutenção de calçadas com boa acessibilidade, disse que já houve a algum tempo várias iniciativas por parte de determinados governos, mas não tiveram continuidade. De acordo com ele, a própria administração atual preparou um material de campanha, iniciou a construção de um site, mas também não deu continuidade. Quanto ao número de denúncias sobre irregularidades ou dados estatísticos, fui encaminhado para a Ouvidoria. Porém, segundo os funcionários desse setor, não era possível, no momento, encontrar dados estatísticos específicos sobre o tema. O sistema de arquivos estava passando por uma reforma e alguns dados antigos eram muito generalizados. Poderia até ser possível encontrar números sobre denúncias, mas não, especificamente, sobre o caso de calçadas irregulares. Também não era possível saber, estatisticamente, sobre dados relacionados ao número de casos solucionados. 3.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ENTREVISTAS De acordo com essas entrevistas, a percepção sobre a qualidade das calçadas parece ser medida de acordo com o grau de necessidade e/ou dificuldade individual de mobilidade de cada morador. Poucos entrevistados justificaram suas respostas baseando-se em dificuldade de acessibilidade que outras pessoas poderiam ter relacionados à variedade de características físicas da população. 78 A fala de um dos entrevistados, que se tornou cadeirante após um acidente de automóvel há alguns anos, resume bem essa ideia de individualidade que apareceu na maioria das respostas. Quando questionado sobre o que faria para construir ou reformar a sua calçada, caso necessário e por que tomaria “essa ou aquela atitude” deu a seguinte resposta: Hoje, na situação em que me encontro, chamaria alguém que entendesse do assunto... sei que não poderia fazer uma calçada só para mim... pensando no que eu passo, penso no que outras pessoas possam passar. Penso que nós todos, em grande parte, somos egoístas... (faz uma grande pausa) Depois do acidente meus amigos se afastaram, tem gente que faz quatro anos que não liga, nem pra saber se eu faleci (Alexandre, 41anos). Destacou, ainda, no seu depoimento, é que, em sua opinião, muitos dos seus amigos se afastaram pela dificuldade de acessibilidade que existe na cidade e/ou equipamentos que não são projetados para acolher pessoas com necessidades especiais, de acordo com ele, até para ele circular na quadra onde mora é muito difícil, as calçadas são cheias de obstáculos. Em grande parte das respostas, em termos de acessibilidade, o passeio público é considerado ruim, ou seja, é percebido como um problema para a maioria dessas pessoas. Isso também pode ser comprovado, indiretamente, pelo número de respostas objetivas de um formulário aplicado durante as entrevistas, apontando que a maioria dos entrevistados ou já sofreu ou conhece alguém vítima de acidente por causa de alguma característica do passeio público. Todos consideraram esse espaço como público, de responsabilidade do governo ou, com alguma exceção, governo e proprietário do imóvel. A ideia de espaço público é percebida, predominantemente, como algo de responsabilidade apenas de administradores ou entidades públicas. Com exceção dos profissionais técnicos na área de construção e funcionários da prefeitura, nenhum dos outros entrevistados tinha conhecimento ou certeza sobre a existência de leis que regem esse espaço, também nunca fizeram denúncias formais sobre irregularidades relacionadas a esse local. De acordo com as suas colocações, o desestímulo a fazer reclamações ou denúncias está baseado, respectivamente, em dois fatores principais: a possibilidade de conflitos com vizinhos e o descrédito nos órgãos da administração pública responsáveis pela fiscalização de obras. 79 Sobre cidadania, objetivamente, mais da metade não soube responder e, de acordo com as outras respostas, teríamos um perfil de cidadão que – pelo menos em relação à questão da acessibilidade – mesmo admitindo que existem muitos problemas, não reivindica o seu direito de ir e vir com conforto e segurança. Por outro lado na hora de construir esses espaços, mesmo que admitam ser público, não pensa em atender às necessidades de uma coletividade. A administração pública mostrou-se pouco articulada, organizada ou empenhada na resolução desse problema. Pôde-se perceber durante as entrevistas que não existe um trabalho conjunto entre as secretarias e órgãos públicos relacionados à questão do planejamento e urbanização da cidade. Soma-se a isso um trabalho de fiscalização pouco eficiente. Esse levantamento não tem a pretensão de apontar essas características como dados que podem ser generalizados, mas as respostas apresentadas nas entrevistas podem fornecer pistas para a realização de outros trabalhos que relacionem o que pensa a população sobre o que é público, a falta de conhecimento sobre as leis e o que pode estimular ou não às práticas de cidadania. No próximo capítulo, serão apresentadas diversas imagens que retratam a problemática de que se trata nessa pesquisa. Além da indicação do local em que foram feitos os registros fotográficos, bem como algumas considerações sobre o uso de imagens na perspectiva de pesquisadores que tratam do tema. 80 CAPÍTULO IV O PASSEIO PÚBLICO E SUAS IMAGENS Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (jun./2012). 81 4 O PASSEIO PÚBLICO E SUAS IMAGENS 4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS IMAGENS De acordo com José de Souza Martins (2008) – um dos mais importantes Sociólogos brasileiros – no seu livro “Sociologia da Fotografia e da Imagem”, a Sociologia e a Antropologia têm esperado que o registro de imagem, seja por meio de fotografia ou vídeo, [...] possa ser utilizada como fonte e registro factual de informações de trato sociológico (e antropológico) sobre a realidade social. Uma fonte que documentasse o que os instrumentos usuais e já tradicionais de pesquisa não documentam ou documentam insuficientemente, uma novidade mágica na revelação de dimensões novas e inesperadas da realidade social (MARTINS, 2008, p.9). A nossa sociedade vem se tornando cada vez mais visual e sobre essa importância da imagem ele acrescenta: [...] o visual se torna cada vez mais documento e instrumento indispensáveis na leitura sociológica dos fatos e dos fenômenos sociais. Não só como documento em si, mas também como registro que perturba as certezas formais, oriundas do cientificismo que domina a Sociologia desde o seu nascimento (MARTINS, 2008, p.10). É preciso reconhecer que, além de suas vantagens na ampliação de possibilidades para a realização de um determinado tipo de investigação, existem também as suas limitações. Mesmo assim, isso não anula os seus méritos, visto que os variados meios de documentação tradicional também possuem seus limites. Assim como se levantam dúvidas sobre a “verdade” de um registro fotográfico é possível fazer o mesmo em ralação a qualquer outra forma de documentação utilizada pelas ciências sociais. Se uma fotografia pode ser concebida como algo artificial – quando as pessoas sabendo que estão sendo fotografadas fazem pose ou mudam o seu comportamento diante de uma câmera, da mesma maneira, é possível, segundo Martins (2008), também, que um método tradicional de documentação possa ser questionado sobre esse mesmo aspecto. De acordo com ele, há interferência causada pelo contato entre o pesquisador e o seu entrevistado durante uma entrevista, “a informação está necessariamente contaminada” por essa presença. 82 Kubrusly (1998) faz os seguintes questionamentos: Afinal, o que é fotografia? A capacidade de parar o tempo, retendo para sempre uma imagem que jamais se repetirá? Um processo capaz de gravar e reproduzir com perfeição imagens de tudo que nos cerca? Um documento histórico, prova irrefutável de uma verdade qualquer? Ou a possibilidade mágica de preservar a fisionomia, o jeito e até mesmo um pouquinho da alma de alguém de quem gostamos? Ou apenas uma ilusão? Uma ilusão de ótica que engana nossos olhos e nosso cérebro com uma porção de manchas sobre o papel, deixando a sensação tão viva de que estamos diante da própria realidade retratada? (KUBRUSLY, 1998, p. 8). Após esses questionamentos conclui que fotografia pode ser tudo isso e muito mais, que não existe uma resposta definitiva, que não é um assunto esgotado. Diante disso é possível complementar que, assim como os processos de obtenção dessas imagens e a forma de serem interpretadas pela sociedade também não encontraram um formato absoluto e imutável. De acordo com Martins (2008), A fotografia é uma forma de construção social, assim, pode-se dizer que está conectada e se conecta com as tecnologias e a realidade social do seu tempo. Sobre o julgamento da qualidade de uma imagem fotografada Kubrusly (1998) aponta que existe uma visão estreita e deformada que separa de um lado os que dominam a técnica, os chamados fotógrafos profissionais, e, de outro aqueles que apreciam a prática e fotografam livremente por intuição. Penso que não me enquadraria, exclusivamente, dentro de um desses grupos, pois, ao decidir fotografar e selecionar imagens do meu objeto de estudo, utilizei os dois processos. Mesmo não sendo fotógrafo profissional, procurei obter as minhas imagens por meio de técnicas que valorizassem o que me propus mostrar ou evidenciar. Preocupei-me com o ângulo da máquina em relação ao que pretendia fotografar e enquadramentos das imagens (o que era interessante mostrar dentro de um conjunto e o que era necessário captar com mais detalhes de forma individual); confirmei a utilidade de algumas técnicas que já se popularizaram como a escolha de horários para captar imagens sob a luz solar, captar várias imagens de um mesmo ponto, com ângulos variados ou não, para selecionar posteriormente as melhores imagens. E, por fim, mesmo no caso das imagens que não foram obtidas por mim, selecionei as imagens com a intenção de que fossem mais do que uma simples ilustração. 83 Se o conjunto de conhecimentos e intencionalidades de quem está fotografando ou selecionando imagens são sociológicos, pode-se dizer que essas imagens também podem adquirir essa especificidade. Destaco aqui a importância do estímulo ao uso de imagens nesse trabalho pela Professora Lisabete Coradini, bem como agradeço as pessoas que gentilmente permitiram serem fotografadas, e os responsáveis por alguns estabelecimentos comerciais que autorizaram o registro de imagens em “suas” calçadas. A seguir, apresenta-se uma galeria de imagens em que aparece um panorama geral do passeio público em vários pontos da cidade e no bairro pesquisado, seguido de breves comentários. 4.2 CALÇADA DAS DUNAS: PANORAMA GERAL DAS CALÇADAS EM NATAL Fotografia 31: Fim da Av. Praia do Forte na Redinha – ao fundo, a Ponte Newton Navarro. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). 84 Fotografia 32: Av. Pres. Café Filho, Santos Reis – próx. à Ponte Newton Navarro. Praia do Forte. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 33: Terminal de ônibus na Av. Praia do Forte. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). 85 Fotografia 34: Fim da Av. Praia do Forte / Início da Rua da Liberdade, Praia do Meio. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 35: Rua Erivan França. Orla de Ponta Negra – Constantes escoamentos de esgotos. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). 86 Fotografia 36: R. Erivan França. Orla de Ponta negra. Usada como depósito pelos comerciantes. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 37: Rua Erivan França. Orla de Ponta Negra. A visível falta de manutenção. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). 87 Fotografia 38: Av. Pres. Café Filho, Praia do Meio. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 39: Av. Pres. Café Filho, Praia do Meio. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). 88 Fotografia 40: Av. Dr. João Medeiros Filho, Redinha. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). A sequência de imagens acima mostra lugares onde é frequente o grande fluxo de turistas e muito utilizado para o lazer de muitos moradores da cidade. Pela falta de manutenção e limpeza é uma paisagem constante a calçada da imagem 31 estar sempre coberta pela areia da praia. Esgoto e lixo a céu aberto também fazem parte desse quadro, como mostram as imagens números 32, 33 e 34. No calçadão de uma das praias mais famosas da cidade (Fotografia 35), uma área molhada por uma corrente de água servida que, de acordo com os vendedores ambulantes do local, corre há vários meses. Detalhe: esse fluxo de esgoto a céu aberto começa em uma rua acima, desce por uma escadaria – um dos principais acessos de pedestres à praia –, atravessa a avenida e deságua na praia pela rede de esgoto fluvial. Na imagem 33, que mostra o terminal de ônibus em frente à Praia do Forte, além do acúmulo de lixo e do mau cheiro, no momento da obtenção da imagem, havia uma enorme poluição sonora causada pela música em altíssimo volume proveniente de bares em frente ao local, mesmo havendo um posto policial vizinho a esse terminal. Pessoas caminhando pela rua por causa de calçadas inapropriadas também é uma cena bastante comum nas proximidades (ver Fotografia 34). Longos trechos desse passeio público na Praia de ponta Negra, cedo da noite, são utilizados como depósito de mesas, cadeiras e guarda-sóis pelos 89 comerciantes, como mostra a imagem 36. A impressão que se tem é que, realmente tudo é permitido. A fotografia 40 mostra uma piscina exposta à venda em uma calçada, na principal via de acesso à Praia da Redinha. Fotografia 41: Rua Luiz XV, B. Nordeste. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 42: Rua 25 de Março, Quintas. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (jun./2012). Fotografia 43: Av. Cel. Estevam, Bairro do Alecrim Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 44: Rua da Liberdade, Bairro de Santos Reis. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jul./2012). 90 Fotografia 45: Trecho da Rua Jânio Cavalcante em Nova Descoberta. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). Fotografia 46: “Castelinho” do Zé do Monte. Rua 25 de Março, Quintas. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). A sequência acima mostra algo frequente nos bairros mais populares e com população de baixa renda. É muito comum encontrar calçadas cercadas por grades de ferro ou servindo como extensão de uma garagem. As imagem números 42 e 44 são um caso extremo, a parte. 91 A primeira é conhecida no bairro das Quintas como “Castelinho”, mostra a construção de uma espécie de gaiola gigante que ocupa toda a calçada e parte da rua. O autor dessa obra é o Sr. José Antonio Barreto, conhecido como Zé do Monte, ficou famoso na região por construir “Castelos” no interior do Estado, inspirado na orientação de uma Santa que, segundo ele, apareceu-lhe quando era criança49. Detalhes da obra na foto ampliada número 46. O segundo caso, a imagem número 44, mostra uma sequência de calçadas de três lotes no Bairro de Santos Reis. Ao fundo, uma igreja evangélica que fez um muro e colocou grades, depois outra bem abaixo do nível da rua e com uma mureta – provavelmente para não entrar água fluvial ou de esgotos da rua –, e por último, a calçada que está em destaque na fotografia. Essa é uma espécie de pérgula para ventilação e iluminação de um cômodo da casa que existe no subsolo. A próxima sequência mostra com está sendo tratada essa questão em grandes e importantes áreas de responsabilidade direta do setor público. Fotografia 47: Av. Dr. João Medeiros Filho, Bairro Igapó – Zona Norte. Quadra esportiva, á direita, construída pela Prefeitura. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). 49 Mais detalhes sobre a história do Zé do Monte pode ser encontrada no site: <http://tribunadonorte.com.br/especial/redescobrindo/010128/010128.htm>. 92 Fotografia 48: Av. Jerônimo Câmara, Cidade da esperança. Terreno pertencente ao Poder Judiciário Estadual. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). Fotografia 49: Calçada do Tribunal de Contas do Estado – Av. Getúlio Vargas, Petrópolis. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). 93 Fotografia 50: Av. Getúlio Vargas – Petrópolis – ao fundo o Hospital Universitário da UFRN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 51: Rua São João de Deus. Rocas – ao fundo o Hospital dos Pescadores. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). 94 Fotografia 52: Av. Jerônimo Câmara, Lagoa Nova – CEASA. Mau exemplo do poder público. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 53: SEMURB – R. Cel. Joaquim Correia esquina com a R. Francisco Maia Sobrinho. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). 95 Estas últimas fotos do panorama geral da cidade, comprovam que o descuido com esse espaço é generalizado, não se restringindo aos bairros pobres ou periféricos. Ele atinge bairros antigos, novos, centrais, históricos, turísticos, predominantemente residenciais ou comerciais. Em maior ou menor escala, está presente ao longo de todas as ruas e avenidas da cidade. Fica evidente que nos bairros mais pobres existem menos calçadas acessíveis, mas calçadas totalmente inapropriadas ou que servem de depósito de lixo inadequado estão espalhadas por todos os bairros, mesmo os considerados nobres. Como mostraram a sequência de imagens do bairro Lagoa Nova em estudo. É como se essa área da cidade representasse o todo, em termos de uso e qualidade desse espaço público. Fotografia 54: Av. Rio Branco, Bairro Cidade Alta. Calçada em frente a Central do Cidadão. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). 96 Fotografia 55: Av. Cap. Mor Gouveia Bairro, Felipe Camarão. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). Fotografia 56: Rua próxima à SEMURB no Bairro Candelária. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). 97 Fotografia 57: Rua Gen. Glicério, Ribeira. Ao fundo a Igreja Bom Jesus das Dores Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 58: Rua Dr. Solon de Miranda Galvão. Capim Macio – Próximo a UFRN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012) 98 4.3 IMAGENS DE LAGOA NOVA Fotografia 59: Rua São José, esquina com a Rua Rodolfo Garcia, Lagoa Nova. A regra dos terrenos desocupados: o espaço não possuir revestimento e virar depósito de lixo. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2012). Fotografia 60: Av. Bernardo Vieira. Entrada Shopping Midway Mall. Lagoa Nova. A exceção. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012) 99 A imagem anterior mostra um trecho excepcional de uma calçada exemplar em frente a um grande Shopping. Infelizmente, este mesmo estabelecimento não seguiu esta conduta para a extensão de toda área destinada ao passeio público do seu prédio. A sequência a seguir mostra o mesmo estabelecimento em ruas diferentes. Fotografia 61: Rua São Joaquim. Fundos do Shopping Midway Mall. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 62: Av. Bernardo Vieira. Entrada do Shopping Midway Mall. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (jun./2012). As próximas imagens demonstram bem o descaso e a falta de planejamento, uma completa inadequação dos equipamentos destinados a transferir informações de segurança ao pedestre. A placa onde tem escrito “Pedestre atravesse na faixa” está bem na frente da própria faixa, ou o que resta dela. Além disso, existe um poste de energia e uma outra placa indicando o nome das ruas do cruzamento. Segundo a orientação da faixa, o pedestre irá chegar a um trecho de passeio público que nunca foi revestido, está todo desnivelado e se não for muito atencioso, corre o riso de um possível tropeço. 100 Fotografia 63: Travessia de pedestres no cruzamento da Av. Lima e Silva com a Av. Romualdo Galvão – ao fundo as obras do novo estádio Arena das Dunas. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 64: Travessia de pedestres no cruzamento da Av. Lima e Silva com a Av. Romualdo Galvão – em frente às obras do novo estádio Arena das Dunas. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2012). 101 Fotografia 65: Passarela I. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 66: Passarela II. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 67: Passarela III. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 68: Passarela IV. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). O conjunto de imagens mostra as condições de uma das principais passarelas de pedestres do Bairro Lagoa Nova, na Av. Senador Salgado Filho, 102 próximo à obra do novo estádio de futebol Arena das Dunas. Este equipamento urbano já apresentava problemas desde 2003. Segundo alguns moradores do bairro, o elevador que facilitaria o acesso para gestantes, idosos e deficientes, funcionou apenas alguns dias após sua inauguração. A rampa que deveria substituir o elevador nunca foi concluída. Em 2009, o morador Marcelo fez a seguinte denúncia no site “Eu cuido da minha cidade”: A passarela de pedestres que cruza a Avenida Salgado Filho, bem ali na entrada de Natal, está pedindo uma manutenção urgente. O lugar serve de banheiro para moradores de rua e por isso quem utiliza a passarela tem que conviver com o mau cheiro. Além disso, o elevador que deveria servir para que pessoas descapacitadas pudessem usar a passagem, está depredado 50 e cheio de lixo [...] A última sequência mostrará diversas situações e flagrantes do uso desse espaço, em que se podem observar formas de apropriação bastante comuns em outros pontos da cidade, como demonstrado nas imagens ao longo do trabalho. Fotografia 69: R. do Caulim, campo de futebol do centro esportivo de Potilândia, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Ago./2012). 50 Disponível em: <http://www.eucuidodaminhacidade.com.br/nat/observa.html?page=show_ad&adid= 3&catid=33>. Acesso: 10 jan. 2013. 103 Fotografia 70: Rua do Ouro, Conjunto Potilândia, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). Fotografia 71: Rua da Granada, Conjunto Potilândia, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 104 Fotografia 72: Rua Berilo Wanderley, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). Fotografia 73: Avenida Capitão Mor Gouveia, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 105 Fotografia 74: Anel Viário do Campus da UFRN, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). Fotografia 75: Av. Senador Salgado Filho, Lagoa Nova. Próximo ao Midway Mall. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Fotografia 76: Rua Dr. Francisco Maiorana, Lagoa Nova – Condomínio de “alto padrão”. Fonte: Arquivo Ricardo Silva (Jun./2012). Na próxima sequência, percebe-se a aparência de uma via moderna para circulação de veículos que deveria contemplar, também, a acessibilidade aos pedestres, porém foi construído um espaço mínimo, quase que imperceptível como se pode ver nesse conjunto de imagens (77, 78 e 79). As duas últimas sequências de 106 imagens foram nomeadas respectivamente de “Esse caminho foi produzido em preto e branco” e “Para não dizer que não falei das flores”. A primeira, enfatizando o traçado predominantemente encontrado ao longo da pesquisa. A segunda, mostrando que poderia ser diferente, pois apesar de raras, essas últimas calçadas têm um toque especial, além da funcionalidade, embelezam a dureza da paisagem urbana. Fotografias 77, 78 e 79: Av. Sen. Salgado Filho, Lagoa Nova. Ao lado do Centro Administrativo. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2010). 107 4.4 ESSE CAMINHO FOI PRODUZIDO EM PRETO E BRANCO Fotografias 80, 81 e 82: Túnel sob a Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 108 Fotografias 83, 84, 85, 86 e 87: Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova. Vários tipos de obstáculos em um único trecho. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 109 Fotografia 88: Muro gigantesco, Avenida Senador Salgado Filho, Lagoa Nova. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). Fotografia 89: Avenida Airton Senna, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 110 Fotografias 90, 91 e 92: Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2009). 111 Fotografia 93: Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2009). Fotografia 94: Avenida Bernardo Vieira, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2009). 112 Fotografia 95: Avenida Dr. Mário Negócio, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2009). Fotografia 96: Avenida Dr. Mário Negócio, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jul./2009). 113 Fotografia 97: Rua Auris Coelho, Nova Descoberta. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). Fotografia 98: Rua Nelson Matos, Nova Descoberta. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2008). 114 4.5 PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES Fotografias 99, 100, 101 e 102: Calçadas no bairro Cidade Jardim, Natal/RN. Fonte: Arquivo Pessoal – Ricardo Silva (Jun./2010). Esse acervo de fotografias foi gradativamente sendo montado há mais de três anos. Devido ao grande número de imagens houve uma certa dificuldade em selecionar aquelas que corresponderiam aos objetivos do trabalho. Durante o desenvolvimento da pesquisa em apresentações acadêmicas constatei o quanto algumas fotos surpreendiam as pessoas, em especial, a foto do castelinho, imagem 46, na página 90, no bairro das Quintas e a do túnel sob a Av. Salgado Filho, em frente à UFRN, imagens 80, 81 e 82, página 107. 4.6 RECURSOS UTILIZADOS Câmera Digital Kodak, modelo Easy Share CX7439 - 4.0 Mega Pixels. Câmera Digital Sony, modelo Cyber-shot WX-50 – 16.2 Mega Pixels. Editor: Microsoft Office Picture Manager (Microsoft Office Enterprise 2007). 115 CONSIDERAÇÕES FINAIS O pressuposto que orientou a presente pesquisa foi o de tentar perceber o grau de compromisso dos moradores desse local com os demais moradores de um aglomerado urbano e como essas pessoas reagem diante dos possíveis obstáculos que lhes tiram o direito de transitar de forma livre e segura pelas calçadas de sua cidade. Além disso, foi demonstrado que a falta de acessibilidade das calçadas não é um problema que afeta, apenas, as pessoas portadoras de necessidades especiais. Por sua dimensão física, pode influenciar na qualidade de todo o ambiente que se conhece como cidade. Esse compromisso com o outro e as relações que tentam equilibrar direitos e deveres entre as partes pode ser associado à formação de uma cidadania. Por meio do formato do passeio público de uma determinada região, pôde-se perceber, na prática, que esse espaço não é apenas um reflexo de uma cidadania em formação ou a sua ausência, constitui-se um instrumento ativo na sua construção. As pessoas nascem e crescem mergulhadas nesse ambiente, por isso costumam naturalizar o formato dessas calçadas e os limites que esse espaço, criado artificialmente, lhes impõe. Quanto ao passeio público, no município de Natal, encontra-se, na maior parte de suas regiões, fora dos padrões funcionais e satisfatórios de acessibilidade aos transeuntes. Como fatores observados – independente das características históricas, sociais e econômicas das regiões analisadas – pode-se destacar algumas situações constantes. Com raras exceções, quase todos os terrenos desocupados na cidade não estão de acordo com as normas da prefeitura. Geralmente, não estão devidamente limpos, cercados e/ou com suas calçadas construídas. Boa parte da área destinada à construção do passeio público desses lotes é transformada em depósito de lixo; calçadas que estão de acordo com as normas são verdadeiras exceções. Não foi observado, pelo menos, uma linha contínua de calçadas acessíveis que chegassem a ser completas dentro de algum quarteirão. Parece haver certa contradição: quanto maior o número de pessoas que circulam a pé em uma determinada região, coincidentemente, parecem ser esses os lugares em que é maior o número de problemas relacionados à acessibilidade; finalmente, as áreas de responsabilidade da administração pública, em grande parte, não podem servir 116 de exemplo para a população – a própria calçada da SEMURB não estava em boas condições no momento em que foram realizadas algumas entrevistas com os funcionários desse órgão. Observou-se, também, que um conjunto de fatores pode influenciar na formação desse espaço, mas nenhum deles de forma isolada pode ser considerado determinante. Era esperado, por exemplo, que um bairro como Lagoa Nova, criado e desenvolvido tão recentemente, ricamente contemplado por equipamentos urbanos e situado hoje em uma região central da cidade, fosse bem planejado e oferecesse melhores condições de acessibilidade para os pedestres. Mas não é o que comprovou a pesquisa. Todos os tipos de problemas relacionados à acessibilidade de pedestres encontrados em outros pontos da cidade também fazem parte da paisagem desse Bairro. Boa parte das imagens mostrou o descaso do poder público em relação às vias de acessibilidade aos pedestres. O peso dessa responsabilidade do poder público como exemplo é, ainda maior, quando se constata que para grande parte dos entrevistados a responsabilidade pelo atual estado do passeio público recai sobre a própria administração municipal. De qualquer forma, indiretamente, acabase voltando à problematização anterior, pois as mesmas pessoas que responsabilizam o governo são também responsáveis por manter, eleger e reeleger seus administradores. Ainda, de acordo com as entrevistas, é possível constatar que esse espaço previsto para circulação de pedestres não é respeitado, devido à afirmação generalizada de desconhecimento da lei por parte dos proprietários de imóveis urbanos, como também pela dubiedade de sentido que adquire ao ser um espaço público, porém – conforme a lei municipal – de responsabilidade individual privada. A visão sobre o que é público para a maioria consiste naquilo que deve ser uma preocupação apenas do próprio poder público ou figura política que o representa. Pode-se apontar, também, como uma das causas para esse descaso quanto à construção e manutenção desse espaço, tanto pelo poder público quanto por grande parte da população local, a consciência ou a experiência vivida dentro de um tipo de cidadania, voltada apenas para os direitos e deveres individuais, deixando em último plano o entendimento de que o cidadão é aquele que também pratica ações que contribuem para o bem da coletividade. 117 O conceito de cidadania parece estar sendo adaptado de forma com que as pessoas não consigam projetar uma realidade maior do que a de defender seu mundo individual. Talvez o problema não esteja apenas em saber o significado desses conceitos, mas na maneira como são utilizados em beneficio próprio. A impressão que se tem é a de que as calçadas são públicas quando o cidadão não quer se sentir responsável por elas, privadas quando é vantagem se apropriar desse espaço. Tem-se a impressão de que as pessoas se colocam como cidadãos quando lhes é negado à possibilidade de circular livremente pelas calçadas, mas quando questionados sobre os seus deveres, parecem esquecer parcialmente o significado do termo cidadania. O cidadão é aquele indivíduo que possui direitos negados e deveres que devem ser cumpridos apenas pelos outros. Como afirma Damatta (1997, p. 75), “Em situações históricas e sociais diferentes, a mesma noção de cidadania, o mesmo conceito de indivíduo engendram práticas sociais e tratamentos substancialmente diversos [...]”. Espero, dessa maneira, poder contribuir com outros trabalhos dedicados ao planejamento e melhoria dos espaços urbanos em nossas cidades, assim como aos estudos sociológicos ligados à formação da nossa cidadania. Uma calçada bem planejada, além de embelezar e valorizar o imóvel, entre outras coisas, favorece um caminhar mais seguro e facilita as interações entre as pessoas nesse ambiente. Numa cidade como Natal, são centenas de quilômetros lineares de calçadas que se cruzam, formando uma malha gigantesca espalhada por toda a cidade, só esse aspecto físico já mostra a importância de estudar e fazer algo para melhorar seu aspecto. 118 REFERÊNCIAS ALVES, André. Os argonautas do mangue. São Paulo: Editora da Unicamp, 2004. A REFORMA do Machadão. Jornal Tribuna do Norte. Natal, 29 jun. 2011. Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/a-reforma-domachadao/187051>. Acesso em: 10 set. 2012. BAUER, Martin W.; GASKELL, George (Eds.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BECKER, Bertha K.; MIRANDA, Mariana Machado, Lia. Amazônia. São Paulo: Ática, 1991. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa, DIFEL/Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil S/A, 1989. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainardi. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de S. Paulo, 2003. 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Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/ portal/TCU/comunidades/contas/contas_governo/contas_10/index.html>. Acesso em: 25 set. 2011. VELASCO, Giuliana Del Nero. Potencial da arborização viária na redução do consumo de energia elétrica: definição de três áreas na cidade de São Paulo/SP, aplicação de questionários, levantamento de fatores ambientais e estimativa de Graus-Hora de calor. 2007. Tese (Doutorado em Fitotecnia). Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2007. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11136/tde-03032008165228/pt-br.php>. Acesso em: 25 set. 2011. YÁZIGI, E. O mundo das calçadas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. 124 APÊNDICE APÊNDICE A – FORMULÁRIO DE ENTREVISTAS – AGO/2012 CADASTRO DO ENTREVISTADO Nome:______________________________________ Sexo: ( ) M ( ) F Idade:_____anos. Endereço: _________________________________________________________________________ E-mail:_______________________________ Telefone: ___________________________________ Quanto tempo mora em Natal? ___________________________________________ Nasceu em:___________________________ Morou até os 18 anos em:______________________ Morou em: ____________________________ por ______ anos, antes de residir em Natal. É praticante de alguma religião ou irmandade? ______ Qual? ______________________________ Participa de algum tipo de associação de bairro, profissional ou estudantil? _____________________ Qual? ____________________________________________________________________________ Grau de escolaridade: _________________________ Profissão: ____________________________ Renda familiar: entre_____ e _____ salários mínimos. Mais de _____ salários mínimos. Reside em imóvel: ( ) próprio ( ) alugado ( ) de algum parente Proprietário de imóvel: ( ) residencial ( ) comercial ( ) misto ( ) não possui imóveis urbanos Como se locomove, com mais frequência, pelas ruas da cidade: ( ) a pé ( ) de bicicleta ( ) de veículo motorizado individual ( ) de transporte coletivo Apresentou ou apresenta alguma característica física que dificulta ou dificultou a sua locomoção pelas calçadas?________ De que tipo? ( ) visual ( ) auditiva ( ) motora Qual situação?_______________________. Essa característica é: ( ) fixa ( ) temporária Sofreu algum tipo de acidente na calçada ou tem conhecimento de alguém próximo que tenha sofrido, devido às más condições desse espaço?_______ De que tipo? ______________________________ __________________________________________ Quantas vezes? _________________________ Sofreu algum tipo de assalto na calçada ou tem conhecimento de alguém próximo que tenha sido assaltado nesse espaço?______________________ Quantas vezes? _________________________ O senhor (a) utiliza a calçada para: ( ) caminhada esportiva ( ) necessidade de ir e vir ( ) sentar e conversar ( ) estacionar seu veículo ( ) depositar entulho ( ) outra______________________ Questões abertas para os moradores do bairro e transeuntes: 1. Como é para o senhor (a) caminhar pelas calçadas do seu bairro e da sua cidade? Por quê? Objetivo: Captar a percepção física e social do espaço pelos entrevistados. _______________________________________________________________________________ 2. Em sua opinião, quem é responsável pela atual situação das calçadas? Por quê? Objetivo: Saber sobre quem recai a responsabilidade do atual estado do passeio público na opinião dos entrevistados. _______________________________________________________________________________ 3. Para o senhor (a) a calçada é um espaço público ou privado? Por quê? Objetivo: Sondar como as pessoas classificam esse espaço e como definem o que é público ou privado. _______________________________________________________________________________ 4. O que o senhor (a) fez ou faria para construir ou reformar a sua calçada, caso necessário? Por quê? Objetivo: Confrontar o que se pensa sobre esse espaço e o que se faz na prática. _______________________________________________________________________________ 5. O senhor (a) tem conhecimento sobre alguma lei que trata sobre a construção ou manutenção das calçadas em sua cidade? Objetivo: Sondar sobre o alcance das informações legais em relação à construção e a manutenção desses espaços. _______________________________________________________________________________ 6. O senhor (a) já recebeu reclamação ou reclamou para algum vizinho, fez ou recebeu alguma denúncia sobre a construção ou reforma irregular de alguma calçada no seu bairro ou na sua cidade? Por quê? Objetivo: Sondar sobre as práticas cidadãs e os motivos que estimulam ou desestimulam suas ações. _______________________________________________________________________________ 7. O que é cidadania para o senhor (a)? Objetivo: Confrontar o que pensam sobre cidadania e o que enxergam como práticas cidadãs no espaço pesquisado. _______________________________________________________________________________ 8. Como o senhor (a) descreveria a sua calçada e a de seus vizinhos mais próximos? Por quê? _______________________________________________________________________________ 9. Em sua opinião, em qual ou em quais pontos da cidade existem mais problemas relacionados à acessibilidade de pedestres? Objetivo: Sondar sobre a capacidade dos entrevistados de apontarem os problemas do seu próprio espaço físico e social, assim como a percepção geral da cidade. _______________________________________________________________________________ Questões abertas para profissionais de arquitetura e funcionários públicos da área de planejamento e urbanização da prefeitura 1. Como funciona o planejamento, a execução e a fiscalização dos espaços destinados ao trânsito de pedestres na cidade de Natal? 2. Existe alguma política pública ou campanha atual da prefeitura em relação à construção e à manutenção dos espaços destinados ao trânsito de pedestres? Como é feita a divulgação e a avaliação? 3. Existe algum estudo ou avaliação sobre campanhas e projetos anteriores sobre acessibilidade aos pedestres em Natal? O que apontaram? 4. Existe alguma estatística sobre o número de denúncias feitas por moradores da cidade ou autuações da prefeitura em relação à construção ou à manutenção de calçadas irregulares? 5. Existe algum estudo ou números estatísticos que relacionem o número de denúncias recebidas pela prefeitura sobre esse tipo de irregularidade e a quantidade de casos solucionados? 6. Em sua opinião, quem é responsável pela atual situação das calçadas? Por quê? Objetivo: Obter a visão de especialistas sobre o assunto e perceber o papel da administração pública na construção e manutenção do espaço pesquisado. Questões abertas para administração de grandes empresas localizadas nas imediações do bairro: (Shopping Midway Mall, Supermercado Nordestão, UnP, etc.) 1. Como foi planejado o passeio público desse estabelecimento? 2. Quais os objetivos? 3. Qual a maior dificuldade para manter esse passeio público de acordo com o que foi planejado? 4. Em sua opinião, quem é responsável pela atual situação das calçadas? Por quê? Objetivo: Obter algumas noções sobre o comportamento dos grandes empreendimentos, da iniciativa privada, na construção e manutenção do espaço pesquisado. 128 ANEXO ANEXO 01 INSTRUMENTOS DO ORDENAMENTO URBANO DE NATAL (PARCIAL) LEI Nº 4.090, DE 03 DE JULHO DE 1992. Dispõe sobre a eliminação de barreiras arquitetônicas para portadores de deficiência nos locais de fluxo de pedestres e edifícios do uso público e dá outras providencias. LEI COMPLEMENTAR Nº 055, DE 27 DE JANEIRO DE 2004. Institui o Código de Obras e Edificações do Município de Natal e dá outras providências. TÍTULO III NORMAS ESPECÍFICAS DAS EDIFICAÇÕES Capítulo I DO FECHAMENTO DOS TERRENOS Art. 105 - Compete ao proprietário do imóvel conservar cercas, muros e calçadas existentes. Capítulo II DOS ACESSOS ÀS EDIFICAÇÕES, DOS ESTACIONAMENTOS E DAS CALÇADAS Art. 126 -. Toda calçada deve possuir faixa de, no mínimo, um metro e vinte centímetros (1,20m) de largura, para a circulação de pedestres – passeio – com piso contínuo sem ressaltes ou depressões, antiderrapante, tátil, indicando limites e barreiras físicas. Art. 127 - É vedada a implantação ou permanência sobre o passeio de qualquer obstáculo que possa interferir no livre trânsito de pedestres. Art. 128 - Todo mobiliário urbano edificado em calçada e local de uso coletivo deve atender às exigências contidas nas NBR´s específicas, quanto ao seu uso, instalação e sinalização. Art. 129 - Nas áreas em que houver descontinuidade entre a calçada e o limite do lote, principalmente quando se tratar de serviços com tráfego de veículos, é obrigatório que se estabeleça uma faixa com tratamento diferenciado, de modo a permitir a sua fácil identificação às pessoas portadoras de deficiência visual. Art.130 - A execução das calçadas deve obedecer às seguintes exigências: I – largura mínima igual a dois metros e cinqüenta centímetros (2,50 m); II – declividade longitudinal paralela ao grade do logradouro lindeiro ao lote, vedada a mudança brusca de nível ou degrau; III – declividade transversal, com a variação de um por cento (1%) a três por cento (3%),em direção ao meio-fio. Art. 132 - O proprietário da obra em terreno de esquina, ou em terrenos indicados pelo município, fica obrigado a executar a construção de rampas de transição entre o leito carroçável e o passeio em todas as vias que margeiam sua utilização, conforme as NBR´s específicas, sem nenhum ônus para o município. Art. 133 - Fica vedada a construção de degraus nas calçadas cuja declividade seja inferior a quatorze por cento (14%). Parágrafo único. Para execução de calçadas com declividade superior a quatorze por cento (14%) é necessária a análise por parte do órgão municipal de licenciamento e controle com a finalidade de se adotar soluções possíveis para cada caso. Art. 134 - Nas vias coletoras e nas vias locais é permitida, junto ao meio-fio, a execução de faixa gramada nas calçadas, desde que a largura da faixa pavimentada nunca seja inferior a um metro e vinte centímetros (1,20m) e que a faixa gramada não seja utilizada para a construção de jardineira ou canteiro.