Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º.
Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop,
2009. ISBN: 978-85-288-0061-6
A construção da imagem na imprensa do historiador e ex-governador do Amazonas
Arthur Cezar Reis (década de 1960) 1
Magno Ferreira de Assis
Alexandre Pacheco
Resumo: Neste trabalho iremos discutir como a construção na imprensa da imagem do
historiador Arthur Cezar Reis centrou-se na legitimação de seu discurso nacionalista de
defesa da Amazônia, como também a partir de sua postura personalista diante do poder
(Estado do Amazonas, Conselho Federal de Cultura). Neste sentido, pretendemos mostrar
como sua imagem na imprensa relacionou-se, por um lado, com uma linguagem presente em
seu discurso que denotou profundas relações simbólicas com a histórica luta do Estado
brasileiro diante de sua defesa da Amazônia frente aos interesses estrangeiros; de outro lado,
com uma suposta inter-relação de seu discurso formado por essa linguagem com os discursos
de outros intelectuais dos anos de 1960, entre eles, Gilberto Freyre.
Palavras chave: Imagem, Imprensa, Autor, Arthur Cezar Reis.
O presente trabalho analisa como foi construída na imprensa e na esfera intelectual e
política, a imagem do historiador Arthur Cezar Reis e de sua obra A Amazônia e a cobiça
Internacional. Neste sentido, procuraremos demonstrar como foi construída sua imagem a
partir das representações de uma postura nacionalista e personalista na década de 1960.
Vejamos.
O governador e intelectual Arthur César Ferreira Reis foi promovido pela impressa da
época através de uma imagem que o mostra como um homem honrado e dedicado à defesa da
pátria, além de grande intelectual e pessoa de boas idéias, ou seja, alguém que deve ser
ouvido, com projetos concretos, principalmente para a defesa da soberania nacional na região
amazônica.
1
Neste texto pretendemos divulgar parte dos resultados da pesquisa que temos realizado através do subprojeto
de pesquisa intitulado A construção da imagem da obra e do autor Arthur Cezar Reis (1960-1970), ligado ao
projeto de pesquisa Arthur Cezar Reis, Leandro Tocantins e a modernização capitalista da Amazônia: História,
Literatura e Poder (década de 1960). Subprojeto e projeto desenvolvidos no Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica/PIBIC/CNPq/UNIR.
* Discente do curso de graduação em História da Universidade Federal de Rondônia e pesquisador do
PIBIC/UNIR.
* Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia/UNIR.
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º.
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As declarações da Arthur Reis sobre a soberania nacional foram muito bem mostradas
na imprensa, entre elas está a do jornal A NOTÍCIA do Rio de Janeiro, em agosto de 1971,
que inicia com o título: “Ferreira Reis diz que EUA iam enganar CNPq na Amazônia”, na
qual em determinado trecho Reis comenta com bastante fervor e indignação a possível
tentativa americana de ludibriar o órgão do CNPq, assim como o governo nacional então
presidido por Médici.
Meu sangue ferveu, porque aquilo era uma interferência na soberania
nacional, afirmou o ex-Governador, acrescentando que os norteamericanos iriam fazer tudo ao contrário do que haviam exposto ao
Conselho Nacional de Pesquisas e aos planos que estavam em poder do
Ministro da agricultura, que nessa história estava de anjo. (1971)
No mesmo jornal, a matéria termina com a frase de Reis que assim diz: “O interesse
estrangeiro pela região ainda não acabou”, sendo que o que fica evidente com esta
declaração, é que alguma coisa precisa ser feita, que o perigo não morreu, que o risco ainda
existe, que a sua voz deve ser ouvida, que ele na posição intelectual que ocupa e na posição
de poder que ocupou como governador do Amazonas, tem prestígio para alertar toda uma
nação. E é exatamente por isso que suas obras, tais como suas declarações assumem um força
naquele Brasil, de ditadura militar e de nacionalismo cada vez mais acerbado.
Para garantir o prestígio de suas palavras os jornais não cansam de mostrar o quanto
ele é inteligente, o quanto ele realmente entende os problemas da Amazônia, o que fica claro
na análise da matéria do jornal A CRITICA, do Amazonas em março de 1972, que narra
como os livros de Arthur Reis tem tido uma grande aceitação pelo público comum, com
também no meio acadêmico, tanto que segundo o jornal ele tem sido o mais procurado na
biblioteca, assim como outro jornal O LIBERAL, na página de cultura usa as seguintes
palavras para descrever o intelectual Arthur Reis:
(...) Considerado o maior historiador vivo da Amazônia. Primeiro
superintendente da SPVEA, hoje Sudam, ex-governador do Amazonas.
Membro do Conselho Federal de Cultura, lecionando ativamente aos 76
anos de idade nas Universidades Católica e Fluminense e na Fundação
Getúlio Vargas. Reis é, também, um dos mais fecundos escritores
brasileiros. Sua bibliografia alcança quase duas centenas de trabalhos,
alguns traduzidos em várias línguas e transformados em clássicos, como
“A Amazônia e a cobiça internacional”, “Os limites e demarcações na
Amazônia Brasileira”, “A Amazônia e a integridade do Brasil”, a
“Amazônia e o Mundo Atual”, “O impacto amazônico na Civilização
Brasileira.” (1972)
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Esta criação do intelectual nacionalista foi cada vez mais reforçada pela imprensa,
que o colocava no centro das principais discussões sobre a Amazônia, dando às suas palavras
cada vez mais repercussão, capaz até mesmo de vê-lo como em alguns momentos como
“infalível”, como no texto do jornal Luta Democrática, do Rio de Janeiro, em 1965, onde o
coloca no mesmo patamar do antigo presidente Artur Bernardes, que tomou medidas
energéticas enquanto esteve no poder, mas que, segundo este jornal, foi desmoralizado e
visto como déspota. A Luta Democrática, porém, em nenhum momento fez crítica a qualquer
uma das medidas de Reis como governador, dizendo que tudo o que fez foi em defesa da
nação. Medidas que o jornal mesmo reconhecendo serem por vezes intransigentes são
“corretas”.
(...) Mas lá se vai outro Artur, o seu exemplo fica, alertando o patriotismo
dos brasileiros. O Brasil será dos que lutam pelo seu pregresso... Hoje,
temo-lo como um brasileiro digno! Pode ser um violento, mas ama a sua
gente porque defende os brasileiros, defendendo sua Pátria. E o seu
nacionalismo é o nosso: de respeito ao estrangeiro e ao seu capital; de
intransigência na defesa do que é nosso. (1965)
Fica claro na presente declaração o quanto Reis apesar de suas medidas drásticas,
teria tido um papel fundamental de alertar a nação para seus perigos, ou seja, não importa
como ele faça, o que é importante é o seu nacionalismo e sejam quais forem suas decisões, se
for guiado por este, é suficiente, o que dá às suas decisões um ar de corretas.
Mas como tais representações puderam se relacionar com a formação do próprio
discurso de Arthur Reis?
Maria Valencise Gregolin nos fez perceber que a evolução de nosso trabalho deveria
percorrer as análises sobre o discurso em Pecheaux e Foucault. Assim, verificamos que a
problemática da discussão do que esta autora chama de intradiscurso e interdiscurso na
formação das linguagens discursivas, poderia nos revelar considerações importantes com
relação ao nacionalismo e o personalismo expresso nos discursos sobre Arthur Cezar Reis.
Vejamos.
A escrita de Arthur Cezar Ferreira Reis foi orientada, de acordo com nossa leitura do
que Maria do Rosário Valencise Gregolin chama de formação discursiva (GREGOLIN,
2001: 13/14), por um lado, por uma linguagem pautada pela simbologia do escritor-cientista
que procura através da objetividade e comprovação dos fatos históricos relacionados ao
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passado da Amazônia, defender a mesma dos interesses estrangeiros. Aspecto simbólico que
representaria elemento intradiscursivo em relação à mesma:
(...) Na formação espiritual de Arthur Reis o que predomina é o cientista,
com a sua objetividade, com a obsessão da comprovação e da verificação.
Pesa e repesa as palavras, para evitar extravios, que lhe apareceriam como
pecados contra a Ciência (...) Só que ele não consegue, com esse profundo
conhecimento do problema, é considerar um episódio atual como se não
houvesse nada para trás, como se não existissem quatro séculos de
experiências, de lutas, de perigos e de provações. Menos pelo posto, que
ocasionalmente ocupa, do que pela sua profunda identificação com a causa
do vale amazônico, Arthur Reis sente que desempenha, em face da Naçaõ
brasileira, a função de sentinela. (REIS, 1982)
Por outro, por uma linguagem marcada por aquilo que Gregolin denomina elemento
interdiscursivo (GREGOLIN, 2001:13), em que percebemos sofrer uma grande influência
dos textos de autores que também se destacaram por suas posições nacionalistas, como por
exemplo, Gilberto Freyre. Característica que podemos notar em sua linguagem discursiva a
partir de um processo de mão dupla entre os discursos que Gilberto Freyre faz a Arthur Reis
e vice-versa, nos anos de 1960:
Historiador atento ao fato econômico tanto quanto ao político, ao traço
social quanto ao cultural, da formação brasileira da Amazônia que nos
pertence, Mestre Arthur Reis é no Brasil um estudioso já antigo das
populações e paisagens luso-amazônicas. (FREYRE, 1964)
Também vemos Arthur Reis constantemente reconstruir em sua linguagem discursiva
as posições de Freyre, como também sua importância no meio acadêmico, o que entendemos
ter demonstrado uma proximidade ideológica entre estes autores, como nesta passagem em
homenagem aos oitenta anos de Freyre:
Sem servir a esta ou aquela corrente de pensadores, de exegetas. De
ideólogos, Gilberto Freyre, que surgia, ia conduzir-se com equilíbrio e sob
a influência de outra geração de antropólogos, sociólogos e cientistas
políticos na apropriação de nossa formação, de nosso caminho, de nossos
erros e de nossas conquistas como participantes do quadro cultural que
distinguia os povos entre si, sem, todavia, deixar de aceitar a grande
verdade de que todos nos transmitiam um pouco de nossa força criadora.
(REIS)
Vemos, dessa forma, como o aspecto nacionalista enquanto elemento interdiscursivo
presente na linguagem de Reis se colocou como uma espécie de reescrita do discurso de
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Freyre e suas idéias sobre a formação cultural do Brasil, como em esse fragmento de artigo
de Reis nos mostrou:
Compomos, na paisagem física e humana das Américas, uma unidade,
senão exótica, pelo menos muito autônomos aos traços que mais nos
distinguem. Se a natureza física, pela variedade que a conforma, pode, aqui
e ali, ser participante da natureza das outras áreas políticas do continente, a
extensão do território é a explicação. E por conseqüência, valemos, assim,
como um mundo que a diferenciação regional explica. E no tocante a
paisagem sócio-cultural, se encontramos nossas raízes mais distantes no
europeu ibérico, no stock indígena e nos grupos africanos negros, nem por
isso apresentamos as mesmas linhas da ação, de concepção, de atividade
realizadora dos demais povos que integram mais da metade do mundo
americano. (REIS)
Assim, o trato tanto na defesa das questões nacionais, mais precisamente em relação
às questões regionais, coloca-se como um tema recorrente da formação interdiscursiva da
linguagem de Reis e como influência da escrita de Gilberto Freyre, mais uma vez revelada
quando fez elogio à idéia de Freyre sobre a importância da Amazônia para o entendimento da
cultura brasileira, em “A Amazônia brasileira e uma possível Lusotropicologia”, em meados
da década de 1960:
É assim que em 1960 Gilberto Freyre já dizia, com ênfase, no prefácio de
seu livro “Brasil, Brasil, Brasília”: “Nada de desprezarmos a Amazônia:
sem um contato com Manaus, Belém, a selva amazônica, ninguém pode
considerar-se ou dizer-se completo em sua visão do Brasil. 2
Gilberto Freyre em muitas passagens ao fazer uma defesa do personalismo de Arthur
Reis, nos fez também perceber como essa postura do intelectual foi transferida aos modos de
ser tanto das características intradiscursivas, como interdiscursivas na formação da
linguagem do discrurso de Reis, já que Freyre representa Arthur como um grande conciliador
político, homem de fibra, quando, por exemplo, escreve seu artigo “Meu caro Artur Reis”,
comparando-o ao também nacionalista Rio Branco:
Vivesse você na época do grande Barão do Rio Branco e seria convocado
por ele para assessorá-lo no Itamarati. O Itamarati vem se fechando, dentro
da sua diplomacia de diplomatas burocráticos de um modo contrário ao dos
dias de Rio Branco. O superchanceler, até hoje sem igual, criou um
relacionamento magnífico entre seu modo de dirigir a política exterior do
Brasil e intelectuais brasileiros conhecedores de problemas nacionais com
projeção nos internacionais (...)Quando ouço você, no Conselho Federal de
2
FREYRE, Gilberto. A Amazônia brasileira e uma possível lusotropicologia. Rio de Janeiro: SPVEA, 1964.
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Cultura. Clamando pungentemente do Itamarati um amparo, que não tem
havido da parte do ilustre ministério, à língua portuguesa das antigas
colônias de Portugal em Áfricas e na Índia, penso: como essa grande voz,
em vez de desprezada, como vem sendo, devia estar sendo ouvida pelos
dirigentes da política exterior do Brasil. (FREYRE)
Personalismo que estaria presente nas formas de composição de uma escrita
espontânea em Arthur Reis, de acordo com as palavras do crítico Américo Jacobina
Lacombe, em 1982:
Referindo-se a Calógeras disse Batista Pereira, em página admirável, que
aquele estadista, possuía entre tantos outros, um merecimento singular:
pusera uma das mais poderosas e agudas organizações mentais do País a
serviço de um tema dominante – o conhecimento do Brasil. “Nunca tomou
da pena senão para versar um assunto brasileiro. Na sua extensa
bibliografia, nas suas inúmeras monografias, conferências e ensaios, em
vão procurará o leitor uma nota que destoasse dessa orientaão perpétua do
seu espírito. È o último representante da estirpe que deu às nossas letras
Varhagen, Rio Branco, Eduardo Prado e Capistrano. Poderia reivindicar
para o seu roteiro intelectual a mesma divisa do segundo: ubique patriae
memor. (...) Compassando a imponente bibliografia de Arthur Cezar
Ferreira Reis ocorre ao leitor a mesma observação. Nunca tomou da pena
senão com o coração e a mente voltados para a imensa a misteriosa região
em que veio a luz. Desde a História do Amazonas (1931), passando pela
Política de Portugal no vale amazônico (1940), o ciclo pombalino na
Amazônia (1941), O Descobrimento da Amazônia (1942), a Síntese da
história do Pará (1942), A Amazônia que os portugueses revelaram (1957)
e o presente livro, já agora uma obra clássica que no momento se reedita,
tudo está dominado por um esclarecido, sincero, profícuo e desinteressado
amor à região mais discutida, mais atraente e mais futurosa da América.”
( REIS, 1982)
Escrita que seria marcada pelo culto das origens ibéricas que escritores brasileiros
como Reis realizaria e que foi percebida por Gilberto Freyre, em seu artigo “Como e porque
sou escritor”, encontrado na biblioteca virtual Gilberto Freyre, escrito em 1965.
Como é que um escritor assim escritor e talvez assim ibérico se diferencia
dos demais intelectuais que não são escritores nem ibéricos? Creio que por
aquilo que um crítico alemão, Rolf Schroers, chama “espontaneidade”:
qualidade e ás vezes defeito tão dos hispanos. Uma espontaneidade que é
quase o mesmo que criatividade; e esta, por sua própria natureza, rebelde
quase sempre ás normas estritamente acadêmicas e aos estilos rigidamente
institucionais de comportamento intelectual (...) (FREYRE, 1965)
Mas se o nacionalismo na linguagem de Reis se relacionaria com uma tradição
personalista em Reis, bem como as formas de escrita espontânea dos homens personalistas,
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º.
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como se fez representar tais posições e posturas na ação do homem Artur Reis como político
que esteve à frente do poder do estado do Amazonas nos anos de 1960?
Quem nos forneceu tais pistas foi o próprio Arthur Reis em artigo de jornal sem
referência de local em 1964:
Levo comigo o único propósito de administrar pura e simplesmente, sem
interferências políticas, visando à solução dos problemas sociais e
econômicos do Estado. E, nesse particular, desejo proporcionar condições
a iniciativa privada para que ela se realize ali, participando ativamente de
seu desenvolvimento. (...) Sei que há capitalistas do Sul do País esperando
por essa oportunidade, para investimentos industriais de grande porte,
aproveitando os frutos e as possibilidades que as florestas e águas
proporcionam. (1964)
Vemos, então, que o personalismo também pode se manifestar a partir das relações
políticas do homem Arthur Reis através de certo autoritarismo na condução da coisa pública,
como o artigo acima nos demonstrou.
Percebemos dessa forma, que a imagem de Reis ao ser representado na imprensa
como a de um herói nacionalista, acabou por incorporar de forma não crítica a formação da
ideologia constante em seu discurso. Ideologia que se relacionaria não só com sua forma de
encarar os problemas da Amazônia a partir de um nacionalismo propugnado por outros
autores como Gilberto Freyre e que teria como base a continuação do trabalho cultural do
português em nossas terras, mas também como fruto de posturas personalistas peculiares aos
modos de ser muitas vezes autoritários dos homens de letras que estiveram à frente do poder
no Brasil. (MICELLI, 1982: 146).
(...) Mas lá se vai outro Artur, o seu exemplo fica, alertando o patriotismo
dos brasileiros. O Brasil será dos que lutam pelo seu pregresso... Hoje,
temo-lo como um brasileiro digno! Pode ser um violento, mas ama a sua
gente porque defende os brasileiros, defendendo sua Pátria. E o seu
nacionalismo é o nosso: de respeito ao estrangeiro e ao seu capital; de
intransigência na defesa do que é nosso. (1965)
Mas como obras como A Amazônia e a Cobiça Internacional, de Arthur Reis, tiveram
sua imagem construída na imprensa a partir dos valores contidos no discurso da imprensa
sobre o próprio autor Reis como demonstramos acima?
A recepção, porém, na imprensa, da obra A Amazônia e a Cobiça Internacional foi
capaz de legitimar as representações do processo de modernização capitalista que sempre
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defendeu sobre a Amazônia e assim ter consolidado a obra junto ao nacionalismo de seu
autor. Isso tanto no campo intelectual e literário, como no campo do poder.
A imprensa brasileira sempre foi receptiva em relação a Arthur Reis e suas obras, as
críticas, tal como os artigos de jornais, normalmente não colocavam em questão sua
intelectualidade e nem o valor simbólico que as suas palavras podiam tomar em meio a um
mar de acontecimentos daqueles períodos conturbados. Portanto, com a obra A Amazônia e a
cobiça internacional não foi diferente já que foi tratada como sendo uma obra-prima, como
um verdadeiro alerta na escuridão do descaso dos governos em relação a uma região de
importância estratégica.
Arthur Reis sente que desempenha, em face da Nação brasileira, a função
de sentinela. Não faz por isso cálculos de sobrevivência política ou de êxito
pessoal. Limita-se a cumprir a tarefa de sentinela. Que o acampamento
desperte, ou não desperte, reaja ou não reaja, já não é mais com ele. Mas
todos ficaram com a certeza de que no momento preciso, Arthur Reis
embocou o clarim para o toque de alerta. (BARBOSA)
Assim, suas palavras foram de fundamental importância para o entendimento da
necessidade de uma maior ocupação e de políticas que visassem tirar a região do isolamento,
a partir de obras como A Amazônia e a cobiça internacional, sendo que o que deve ser
ressaltado é que a sua luta produziu resultados concretos.
Deve se à persistência de autores como o de O RIO COMANDA A VIDA
e A AMAZÕNIA E A COBIÇA INTERNACIONAL, a atenção que
chamaram para a região. Não existissem publicistas como eles, voltados
inteiramente para os múltiplos e complexos problemas amzônicos, a região
continuaria marginalizada, como um estado de semi-abandono que por
longo tempo esteve. Hoje em dia, se há fluxo de otimismo. Procurando se
integrar a Amazônia no contexto nacional, deve-se a homens como eles,
que de forma abnegada apegaram-se à terra como se ela fosse parte de seus
próprios seres.
Direta ou indiretamente, como queiram ver, Arthur Cezar Ferreira Reis e
Leandro Tocantins, não só nos dois livros em foco, mas como muitos
outros publicados, despertaram a consciência nacional para a Amazônia.
Com a abertura, pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek, da BelémBrasília – a grande clareira civilizadora da região – e com a iniciativa do
presidente Garrastazu Médici, que vem dando ênfase à Transamazônica,
que irá consolidara grandiosa obra de integração, eles devem sentir-se
realizados. (AUGUSTO, 1973)
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O fato de pertencer à elite política que dirigia a nação, tal como ser um grande
intelectual, fez despertar até mesmo em outros autores uma grande admiração, que junto com
a imprensa fez dele cada vez mais popular e importante.
Quando ouço você, no conselho Federal de Cultura, clamando
pungentemente do Itamarati um amparo, que não tem havido da parte do
ilustre Ministério, à língua portuguesa das antigas colônias de Portugal em
Áfricas e na índia, penso: como vem sendo, devia estar sendo ouvida pelos
dirigentes da política exterior do Brasil! (FREYRE)
Concluindo, as imagens do nacionalismo e do personalismo de Arthur Cezar Reis
perpassaram tanto suas posturas incorporadoras de sua formação intelectual, posição de
classe e relações com o poder, como a construção da imagem de obras como a Amazônia e a
Cobiça Internacional. Assim, através das leituras de Gregolin percebemos como o discurso
de Arthur Reis na presente obra se relacionou com as condições históricas do
desenvolvimento da Amazônia a partir dos anos de 1960, bem como com as posturas de
Arthur Reis diante do poder.
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DE ARTUR BERNARDES a Artur Reis. Luta Democrática. Rio de Janeiro, 14
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FERREIRA REIS diz que os EUA iam enganar CNPq na Amazônia. A Notícia, Rio de
Janeiro, 7 ago./1971.
FREYRE, Gilberto. Como e porque sou escritor. João Pessoa: Universidade da Paraíba,
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SPVEA, 1964.
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SERÁFICO, José; SERÁFICO, Marcelo. A Zona Franca de Manaus e o capitalismo no
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SOBRINHO, Barbosa Lima. O publicista, o Governador e a Amazônia.
REIS, A.C.F. A Amazônia e a cobiça internacional. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira 1982.
REIS, A.C.F. Gilberto Freyre aos 80 anos. O Jornal, Rio de Janeiro.
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