A ABORDAGEM DA SAÚDE MENTAL NO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ: A UNIDADE NA DIVERSIDADE Elisane Fank- Colégio Estadual do Paraná 1 Pollyanny dos Reis- Colégio Estadual do Paraná2 Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O Colégio Estadual do Paraná (CEP), o maior do Estado e segundo maior do Brasil, recepciona atualmente uma grande variedade de sujeitos e suas particularidades psicossociais, culturais, políticas e econômicas. Conhecer e se apropriar das consequências da diversidade sócio-cultural com a qual se convive, é um dos processos que deve constituir o pressuposto da prática pedagógica no CEP. O argumento central que dá fundamento à educação inclusiva do Projeto Político Pedagógico (PPP), é o de que a escola se propõe a uma prática que concebe a emancipação humana e o direito à diversidade na perspectiva de extrapolar a visão mecanicista de educação e conceber a formação humana de modo integral. Na perspectiva da Educação Inclusiva, o PPP do CEP traz a abordagem de Saúde Mental. A expressão pretende suplantar a utilização preconceituosa do termo “doença mental” historicamente construído e que inadvertidamente é utilizado com frequência pelos membros da comunidade escolar. O projeto do CEP traz uma nova concepção que não somente encaminha e inclui os adolescentes que apresentam transtornos psíquicos como também apresenta uma abordagem preventiva e emancipadora sobre a concepção da Saúde Mental. É importante destacar que o processo inclusivo é objetivo na medida em que se concebe o aluno como sujeito que participa do processo de produção do saber, mediado pela socialização do conhecimento e pelo reconhecimento de tais diferenças com respeito à singularidade do gênero humano. Portanto, interessa saber qual é a abordagem dada à Saúde Mental no PPP de um colégio que tem em si a prática da inclusão de diferentes adolescentes com todas suas manifestações psicológicas, 1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós Graduada em Organização do Trabalho Pedagógico. Mestre em Organização do Trabalho Pedagógico. Mestre em Políticas Públicas e Gestão da Educação pela UFPR. Atua há 20 anos na educação pública e atualmente ocupa o cargo de Chefe da Divisão Educacional do Colégio Estadual do Paraná. Professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário UNIBRASIL e pedagoga do Centro Didático Pedagógico no Centro Universitário UNIBRASIL. Consultora Pedagógica. E-mail: [email protected]. 2 Graduada em LETRAS - Português/Inglês/Literatura pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE (2002). Possui Especialização em Arte, Educação e Terapia- Faculdade de Educação São Braz (2013) e especialização em Metodologia Do Ensino De Língua Portuguesa e Literatura com Complementação em Magistério Superior- Faculdade Internacional de Curitiba - IBPEX (2006). Trabalha na Equipe Pedagógica do Colégio Estadual do Paraná. E-mail: [email protected]. ISSN 2176-1396 18920 sociais e culturais numa concepção de educação que concebe a produção do conhecimento como a via de emancipação humana. Palavras-Chave: Projeto Político Pedagógico. Ominilateralidade. Inclusão. Saúde Mental. A abordagem do princípio educativo do trabalho no Colégio Estadual do Paraná: o Contexto da Unidade na Diversidade. O Colégio Estadual do Paraná (CEP) tem 169 anos. É o maior e mais antigo colégio do Estado do Paraná e o segundo maior colégio do Brasil. Atualmente atende mais de cinco mil alunos. Uma das maiores características do CEP é, sobretudo, o seu caráter da heterogeneidade e diversidade etárias, culturais, étnicas, religiosas e juvenis. O CEP expressa todas as manifestações da diversidade social e cultural, exatamente por estar situado no centro da cidade de Curitiba e não constituir uma comunidade escolar própria. Jovens de vários países (intercambistas), regiões da cidade, de manifestações culturais e categorias sociais reúnem-se diariamente num lugar 3 que, para eles, é mais que um colégio: expressa a unidade na diversidade4. Exatamente pelo fato de aproximar o uno no diverso que o projeto político pedagógico do CEP expressa a tentativa de uma unidade de concepções que, embora não seja única, em linhas gerais, concebe a função social da escola pública numa perspectiva crítica. Vale ressaltar que o processo de construção do projeto pedagógico do CEP envolveu direta e indiretamente mais de 400 profissionais da educação, dentre eles professores e funcionários e três mil alunos. Nesta perspectiva ele não tem a pretensão de pressupor uma unidade consensuada de concepções e teorias. De certa forma: o processo de discussão para a construção deste documento, bem como, sobre o papel formativo da Educação Básica, oportunizou um movimento dialético de produção e sistematização do próprio conhecimento pedagógico. [...] expressando a síntese possível das falas, das representações e posicionamentos de todos os envolvidos sobre a função social da escola pública (PARANÀ, p. 88 e 89, 2014/2015). Sem rótulos ou etiquetas, buscou-se explicitar os principais fundamentos sobre o caráter formativo da educação pública voltada para produção e sistematização do 3 Fazemos referência aqui à categoria lugar como conceito da Geografia. A ideia de lugar passou a associar-se à corrente filosófica da fenomenologia que, basicamente, trata os fatos como únicos, partindo da compreensão do ser sobre a realidade e não da realidade em si, esta tida como inatingível. Por isso, o lugar ganhou a ideia de significação e, mais do que isso, de afeto e percepção. 4 Conceito de K. Marx pelo qual ele define o que o que é concreto “O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade na diversidade” (MARX, 2001). 18921 conhecimento histórico, cultural, político, econômico, artístico e filosófico de modo a permitir a reflexão, a racionalidade, a emancipação e autonomia intelectual, bem como o desenvolvimento da capacidade de pensar sobre, com e no conhecimento, para então pensar sobre o mundo e a realidade que o cerca. O projeto pedagógico do CEP, dentro de suas possíveis contradições internas, vislumbra, de forma especial, uma educação sobretudo, para as práticas inclusivas, para a emancipação e humanização. Nesta perspectiva e com base nos fundamentos de Antônio Gramsci, o projeto acena para uma escola voltada na “transmissãoassimilação do conhecimento construído contribuindo para elevação cultural das classes trabalhadoras” (Gramsci, 2001), numa abordagem omnilateral. Não cabe de fato aprofundar aqui os condicionantes sobre os quais Gramsci constrói o conceito de ominilateralidade. Todavia, não se descola do mesmo contexto sobre o qual as produções Gramscianas e Marxianas se desenvolveram. Não há como negar que a escola está condicionada ao passo em que condiciona as relações no modo de produção capitalista. Tratam-se de meninos e meninas, professores e professoras, funcionários e funcionárias que, em suas idiossincrasias, estabelecem relações mais ou menos saudáveis dentro das contradições inerentes a um sistema que produz as condições insuficientes para uma possível saúde mental . Outrossim, se de um lado a concepção inclusiva no CEP se expressa na perspectiva na inclusão social situada concretamente na unidade na diversidade, de outro esta abordagem abre para uma necessidade maior de aprofundar o entendimento e a abordagem sobre saúde mental. Foram anos de construção e reconstrução do referido projeto até que em 2014-2015 um grande elemento passa a ser concebido e sistematizado no projeto de escola que queremos: a abordagem da saúde mental na perspectiva da educação inclusiva 5. 5 Segundo o livro: Saúde Mental na Escola: O Que os Educadores Devem Saber (2014, p. 39): Mente é um construto que vem sendo desenvolvido por filósofos há séculos e surgiu da dicotomia entre o corpo e a alma. A mente é difícil de definir e localizar. Vários filósofos contemporâneos estão enfrentando o desafio de definir a mente e, para tanto, vêm trabalhando em conjunto com cientistas. Entre eles, destaca-se Steven Pinker (1998), que a define da seguinte forma: “A mente é o que a mente faz [...]” essa perspectiva se aproxima da definição de saúde mental da Organização Mundial da Saúde : [...] a capacidade de se alcançar e se manter um funcionamento psicossocial e um estado de bem-estar em níveis ótimos. [...] Ela auxilia o jovem a perceber, compreender e interpretar o mundo que está a sua volta, afim de que adaptações ou modificações sejam feitas em caso de necessidades [...] (World Health Organization, 2005) que aborda a mente a partir da sua capacidade para lidar com as situações de estresse do ambiente. Etimologicamente, o termo vem do latim mentèm, que significa pensar, conhecer e entender; significa também medir, no sentido de que alguém que pensa mede e pondera as ideias. “ Mente” também é um conceito bastante utilizado para descrever as funções superiores do cérebro humano, particularmente aquelas funções que tornan os seres humanos conscientes, como a interpretação, os desejos, o temperamento, a imaginação, a linguagem, os sentidos, vinculadas ao pensamento, à razão, à memória, à intuição e à inteligência. Por isso, o termo também descreve a personalidade e costuma designar capacidades humanas. 18922 Estas análises suscitam duas abordagens distintas, mas que encontram convergência: a concepção omnilateral6 de homem formulada a partir da relação educação e trabalho e na perspectiva da educação inclusiva. Não se pretende neste artigo expandir ou aprofundar sobre a relação educação e trabalho que fundamenta a dimensão omnilateral. Destaca-se apenas que o projeto pedagógico do Colégio Estadual caminha por esta abordagem e é nesta perspectiva que dá vida e dimensão ao sentimento de pertença dos sujeitos que estudam no CEP, os quais são concebidos em sua integralidade. O principio educativo do trabalho já traz consigo a concepção de que o homem age de forma intencional, planejada, consciente e propositiva sobre a realidade como sujeito que pertence a si mesmo, bem como à realidade que o condiciona, mas que pode modificá-la. Através do trabalho, o homem cria significados e significantes, cria simbologias, desenvolve a linguagem, socializa-se, desenvolve a memória e a capacidade de abstração, bem como transmite valores, crenças e ideais. Vale ressaltar que, ao passo em que o trabalho criou o trabalho, ele humaniza-se. Portanto, trabalho em suas contradições carrega consigo uma dimensão humanizadora. Nesta perspectiva conforme fundamenta ENGELS, 7 o homem só se fez homem nas suas relações diárias, intencionais,criativa, movidas pela necessidade de suprir sua condições básicas de subsistência, processo este que foi desencadeado pelas relações de trabalho. Tomando o trabalho como principio educativo e como toda atividade intencional humana, é possível inferir que o processo de ensinar e aprender é trabalho pedagógico. Nele, invariavelmente o sujeito põe em movimento as forças naturais do corpo, braços, pernas, cabeça e mãos imprimindo-lhe o caráter de humanidade na ação inclusiva escolar. 6 Gramsci desenvolve o conceito de omnilateralidade em contrapartida do da ideia de unilateralidade. Defende que, no âmbito do enfrentamento das mazelas de uma educação parcial, multifacetada, superficial e descolada do concreto, deve se conceber a escola unitária que promove a integração entre todas as potencialidades humanas. Isto é, a educação deve garantir aos filhos da classe trabalhadora o acesso à cultura historicamente construída e ao conhecimento científico. A escola torna-se, desse modo, autenticamente formativa, tendo como princípio educativo da escola unitária o trabalho: O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio educativo imanente à escola primária, já que a ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem natural do trabalho”. O conceito de equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho, na atividade teórico prática do homem, cria os elementos que o libertam de toda magia ou bruxaria e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, dialética do mundo, para a compreensão do movimento do devir, para a avaliação da soma de esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para concepção da atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro” (GRAMSCI, 2000, p.43). 7Escrito em: 1876.1ª Edição: Neue Zeit, 1896 .Origem da presente transcrição: edição soviética de 1952, de acordo com o manuscrito, em alemão. Traduzido do espanhol. 18923 Todo este movimento de integração entre o que se pensa, se produz, se conhece, sente, promove, propõe e intervém de forma integrada e consciente na escola permite a indissociabilidade entre o sentir, o fazer e o pensar, bem como a indissociação entre corpo e mente, agir e sentir. Concebe-se nesta perspectiva a educação integral e integrada tendo no horizonte a totalidade intelectual, física, emocional, corpórea e sensível. Quando concebemos a inseparabilidade entre o pensar, o fazer, o cuidar, o educar, o sentir o planejar e o executar, a teoria e a prática na formação omnilateral, ou seja, de forma pensada, transformada, recriada e recontada a partir da memória histórica do que vivemos e produzimos no interior das relações de trabalho (tomando o trabalho pedagógico na perspectiva do principio educativo do trabalho) concebemos todas as dimensões humanas: intelectual, emocional, física, cognitiva, social, cultural e histórica numa perspectiva inclusiva. O argumento central que dá fundamento à educação inclusiva é o de que a escola se propõe a uma prática pedagógica que concebe a emancipação humana e o direito à diversidade na perspectiva de extrapolar a visão mecanicista de educação e conceber a formação humana de modo integral. Se os sujeitos devem ser tomados de modo integral em suas necessidades e características; então, logicamente, toda a grande variedade de manifestações identitárias, que concretamente se aproximam na escola, devem ser tratadas igualmente e com a mesma dedicação por parte da comunidade escolar. O desafio passa a ser conceber “alunos reais” e não alunos “ideais”, tomando as diferenças observadas como formas de potencializar o processo de ensino aprendizagem e não como uma forma velada de reiterar desigualdades sociais. Em outras palavras, o que se pretende é levar a comunidade escolar a perceber e considerar os sujeitos de forma sensível, mas considerando as práticas pedagógicas, concebendo os sujeitos no processo de produção do conhecimento, partindo da história das diferentes culturas e etnias e dos distintos vínculos sociais que os indivíduos em aprendizado estabelecem; conceber os alunos e alunas, professores e professoras como sujeitos e não sujeitados. Valorizar os sujeitos e suas particularidades não implica, de forma alguma, confundir a escola com um espaço clínico ou terapêutico, nos quais se prima pela subjetivação dos processos de saúde e doença. Implica, ante à prática pedagógica, em reconhecer a existência de vários pertencimentos sociais e culturais sem que se anule as produções teóricas críticas de 18924 currículo que unicamente possibilitam situar a escola nas contradições do modo de produção que exclui ao propagar a igualdade e a inclusão social. Ocorre que invariavelmente no CEP, assim como nas demais instituições de ensino há uma ilusão de neutralidade nas práticas pedagógicas que deve ser minimamente refletida ao adentrarmos no terreno da educação inclusiva, pois esta pseudoneutralidade nega “os sujeitos da prática pedagógica e elimina muitas das possibilidades de inclusão propriamente dita” (PARANÀ, p. 113, 2014/2015). Em reação a este entendimento, no processo de construção do documento orientador do projeto pedagógico do CEP, tem-se que : Consideramos que os avanços que podem ser alcançados no sentido de galgar melhores condições de aprendizagem a todos os sujeitos são passos no sentido de que cada um possa se incluir e ser incluído na dinâmica desse processo. Quando todos forem compreendidos como agentes que interferem, influenciam e são influenciados, garantindo o respeito e valorização das identidades individuais, considerando as decisões de currículo aberta às diversas esferas do processo de ensino aprendizagem, acreditamos que será possível caminhar em direção a uma igualdade de direitos nas condições de aprendizagem. (recorte de uma das escritas dos docentes acerca do projeto de escola - 2014. Uma das primeiras análises feitas no Projeto Pedagógico do CEP, portanto, é a de que não se pode conceber os sujeitos na escola e da escola descolados do próprio meio que, ao passo em cria as condições de vida, também cria as contradições inerentes do modo de produção capitalista, que por sua vez, cria a doença e o remédio, cria a saúde e a loucura, professa a liberdade, mas proporciona a dependência. Estes são os condicionantes sobre os quais se definem nossos sujeitos: meninos e meninas que diariamente procuram o suporte da equipe pedagógica com laudos que indicam situações de saúde mental comprometidas. Nesta perspectiva cabe indagar: Que sujeitos são concebidos? Como a escola consegue ou não proporcionar esta integralidade? Em que medida eles são sujeitos ou sujeitados? De que forma eles também são ouvidos e constroem a escola onde passam seus dias? Como são percebidos? De que perspectiva inclusiva fala-se e como esta inclusão se dá nas situações de comprometimento da Saúde Mental? Sínteses possíveis quanto à perspectiva da educação Inclusiva no CEP. Um dos momentos que possibilitou uma discussão coletiva sobre os fundamentos da prática escolar, no Colégio Estadual do Paraná (CEP) foi a Semana Pedagógica de 2014. Na 18925 ocasião, provocados pelo debate sobre os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem e sobre o currículo escolar, a comunidade escolar reunida analisou a prática da educação inclusiva no Colégio Estadual, seja no currículo explícito, formal, seja a partir de um currículo oculto8. Neste evento foi diagnosticada a insuficiência na prática do CEP com relação à inclusão dos diversos sujeitos. Verificou-se a não visualização das múltiplas identidades de gênero, étnicas e de classe e das complexas experiências e relações sociais com o universo da saúde/doença presentes na comunidade escolar. As várias situações diárias levaram a equipe pedagógica juntamente com um grupo de professores dispostos a sistematizar o projeto pedagógico do CEP a referenciar o fator sócioantropológico da saúde-doença dentro da comunidade escolar e em especial na Escola. Vale destacar que, neste caso, de forma intencional, o movimento de construção do PPP representou uma proposição inversa da desenvolvida até então. Ocorre que se até este momento (2014-2015) o documento do projeto da escola sistematizou várias discussões, em como o movimento ação-reflexão-ação, quanto a abordagem da saúde mental foi proposto o inverso. Tratou-se primeiramente de estudar, fundamentar e produzir o conceito a partir das situações reais de alunos e alunas que sofriam diariamente situações de comprometimento de saúde mental e sentiam-se excluídos, para então expandir ao corpo docente e discente. O processo de sistematização do PPP expressou o movimento de estudo e aprofundamento sobre o tema. Neste sentido, a partir do PPP concebeu-se que tratamentos intensivos de saúde, voltados para sujeitos em sofrimento psíquico, portadores de diabetes, insuficiência renal, entre tantos outros vivenciam de maneira muito específica a experiência social (e, portanto, política, educacional, cultural) do aprendizado. Esta experiência é mediada por estes seus pertencimentos diferenciados com relação à sociedade e é importante conferir atenção a estes sujeitos, na medida mesma em que sua presença nas instituições educacionais se torna cada dia mais evidente. Em tempo, a expressão “sofrimento psíquico” é aqui utilizada para referenciar os sujeitos que se deparam com a experiência da chamada depressão, transtornos de identidade, transtornos de personalidade, entre outros. A expressão pretende suplantar a utilização preconceituosa do termo “doença mental” historicamente construído e que inadvertidamente é utilizado com frequência pelos membros da comunidade escolar. 8 Currículo oculto: currículo que não está explícito, mas que está na representação e na prática. 18926 O CEP recepciona atualmente uma grande variedade de sujeitos e suas particularidades psicossociais, culturais, políticas e econômicas. O Colégio Estadual do Paraná tem sim uma peculiaridade: é a maior escola do Estado e a que inclui efetivamente inúmeros jovens de todas as manifestações de gênero, orientação sexual, religiosas e culturais. É um colégio que não se propõe a reproduzir padrões, mas minimamente e com esforço coletivo com as representações estudantis (GECEP9) procura identificar as formas de manifestações e produzir o conhecimento neste movimento concreto sobre o real. Nesta perspectiva, o projeto do CEP traz uma nova concepção que não somente encaminha e inclui os adolescentes que apresentam transtornos psíquicos como também apresenta uma abordagem preventiva e emancipadora sobre a concepção da saúde mental, baseada na definição da Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde que: Reafirma enfaticamente que a saúde - estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde (FERREIRA, p. 08, 2015). É importante destacar que, à luz do projeto de escola que se concebe, o processo inclusivo é objetivo na medida em que o aluno é entendido como sujeito que em suas idiossincrasias, participa do processo de produção do saber, mediado pela socialização do conhecimento e pelo reconhecimento de tais diferenças com respeito à singularidade do gênero humano. A educação inclusiva expressa, na perspectiva consequentemente assumida no projeto pedagógico do CEP expressa uma intenção de avanço em relação à Pedagogia HistóricoCrítica, mas dentro de uma mesma concepção critica de currículo, na medida em que destaca o papel da equipe multidisciplinar na socialização dos conhecimentos produzidos historicamente e, ao mesmo tempo, na organização de adaptações curriculares em todas as suas instâncias. Neste sentido, a fim de caracterizar o conceito de educação inclusiva com o qual o projeto define, é importante frisar que a inclusão não se limita ao conceito clássico de 9 GECEP _ Grêmio Estudantil do Colégio Estadual do Paraná – trata-se de um forte e importante segmento de gestão dentro do CEP. São 22 jovens da direção e mais inúmeros outros apoios que contribuem para identificar estas formas de manifestação juvenis para incluir r propor políticas de ações no interior do CEP. 18927 “educação especial”, que se volta para alunos com noção de transtornos globais de aprendizagem num sentido estritamente biomédico: Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/ superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (MEC/SEESP, 2008, p.9). Pretende-se, em contrapartida, assumir um ponto de vista conceitual que conceba este processo de inclusão como uma prática abrangente da complexidade social existente. Ao passo que um aluno portador de uma disfunção cognitiva, por exemplo, demonstrará particularidades no seu processo de aprendizagem, também haverá particularidades para os sujeitos que vivenciam uma situação econômica diversa. Não se concebe uma distinção no nível fenomenológico entre questões neuropsicológicas e assimetrias sociais, que sugira considerar um grupo em detrimento de outro. Neste sentido, faz-se coro à seguinte conceituação: É a preocupação da escola com o atendimento à diversidade social, econômica e cultural existente que lhe garante ser reconhecida como instituição voltada, indistintamente, para a inclusão de todos os indivíduos [...] o grande desafio dos educadores é estabelecer uma proposta de ensino que reconheça e valorize práticas culturais de tais sujeitos sem perder de vista o conhecimento historicamente produzido, que constitui patrimônio de todos (PARANÁ, 2005). A abordagem dada à Saúde Mental no PPP do CEP tem em si a prática da inclusão de diferentes adolescentes com todas suas manifestações psicológicas, sociais e culturais numa concepção de educação que concebe a produção do conhecimento como a via de emancipação humana. Alguns elementos Conclusivos. Este artigo acaba por expressar o próprio movimento de contradições inerentes a uma grande escola, situada no centro de uma grande capital com inúmeras manifestações juvenis. É honesto afirmar que o Projeto Pedagógico do CEP expressa estas contradições quanto a sua abordagem epistemológica. Ele expressa a vida pedagógica diária de percepções, acertos, desacertos, descobertas e aprendizagens que se dá no processo. 18928 Um dos elementos de aprendizagem é o da saúde mental. O que se tem consolidado é que a concepção de currículo do CEP se propõe crítica, fundamentada no trabalho como princípio educativo. Isto se revela na própria prática pedagógica. Toda a realidade, prática social, assim como as contradições inerentes ao modo de produção capitalista que engendra o processo de exclusão, dominação, alienação e dicotomização do pensar, sentir e agir é tomada como conteúdo no currículo escolar. Se de um lado a concepção de um currículo que se pretenda crítico está de certa forma expressa na prática entre os professores das diversas disciplinas no CEP , do outro as várias manifestações consequentes da desumanização do modo de produção saltaram aos olhos de professores, alunos e equipe pedagógica ao longo dos dois últimos anos. Manifestações expressas em jovens e professores com transtornos globais, transtornos bipolares, depressão, ansiedade, entre outras formas de manifestação expressam as mazelas das nossas condições concretas de vida. A concepção de currículo já sistematizada no projeto pedagógico do CEP expressa nos processos de humanização, na dimensão omnilateral de homem, na educação integrada e integral passou a impor ao projeto um movimento inverso da construção até então sistematizadora. A abordagem da saúde mental no projeto Político pedagógico do CEP suscitou um longo e ainda inacabado processo de estudo, discussão, fundamentação sobre uma nova concepção: não mais a de doença ou de transtornos que acometem jovens e adultos no espaço escolar, mas a da saúde mental. Na mesma esteira epistemológica fundamentada no projeto pedagógico do CEP a abordagem da saúde mental traz uma concepção absolutamente preventiva e emancipadora. Pretende-se conceber estes jovens como sujeitos concretos condicionados e condicionantes das contradições de uma sociedade que propaga a inclusão, mas cria os elementos de exclusão. Pretende-se que estes jovens, em ambiente escolar, sejam concebidos em sua integralidade; que sintam-se parte do projeto pedagógico, que em atividade consciente, intencional, possam se desenvolver em todas as suas potencialidades: psíquicas, físicas, cognitivas, emocionais, afetivas, como sujeitos que constroem a história, sua história e a da própria escola. Isto ocorre na medida em que professores, alunos e equipe pedagógica unidos na diversidade se percebem e percebem seus pertencimentos diferenciados com relação à sociedade, na medida mesma em que sua presença nas instituições educacionais se torna cada dia mais evidente. Nesta perspectiva se pretende ainda mais e de forma mais 18929 fundamentada consolidar uma abordagem de saúde mental no CEP - senão a priori, então a posteriori no processo de fundamentação a partir do Projeto Político Pedagógico. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008. COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ. Projeto Político Pedagógico. 2014/2015. Curitiba, 2014. Disponível em: <http://www.cep.pr.gov.br/arquivos/File/2015/PPP20142015.pdf> Acesso em Abr 2015. ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem,1 876. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/marx/1876/mes/macaco.htm>. Acesso em Mar 2015 ESTANISLAU, Gustavo M; BRESSAN, Rodrigo Affonseca (org.) Saúde Mental na Escola: O que os Educadores devem saber. Porto Alegre: Artmed, 2014. FERREIRA, Darlisom Sousa. Arqueologia da Educação em saúde: concepção e desenvolvimento de um campo disciplinar. Campus Virtual de Saúde Pública – Brasil. {S.l., s;n;] 2015. Disponível em: <http://brasil.campusvirtualsp.org/node/198159 >. Acesso em Abr 2015. GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, volume 2. edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-editor, Luiz Sérgio Henrique e Marco Aurélio Nogueira. – 2a Ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001. PARANÁ. Secretaria de Estado de Educação. Superintendência de Educação. Ensino fundamental na rede pública de ensino da educação básica do Estado do Paraná. Curitiba, 2005.