2A – NL e CL - 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS
PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL
PROJETO INTEGRADO “VOZES DE MINAS”, SUB PROJETO: A
FALA DA DANÇA
ENTREVISTADOR: ARNALDO LEITE DE ALVARENGA
ENTREVISTADO: NELSON LESSA VITOR E CLÁUDIA LESSA
LOCAL: RESIDÊNCIA DO ENTREVISTADOR – BELO HORIZONTE
DATA: 03 DE OUTUBRO DE 2001
Fita 1 – 1ª sessão – lado “A”
A.A: Hoje é o dia 03 de outubro de 2001, eu estou na residência dos pais de Cláudia
Oliveira Lessa, à Rua Grão Mogol, número 795, apartamento 01. São agora, 19:28h e eu
estou começando a entrevista com Cláudia. Cláudia é sobrinha em primeiro grau da
professora Natália Lessa. Cláudia, quem foi Natália Lessa pra você?
C.L: Foi é... a inspiração da minha vida. [Nelson Lessa Vitor e sua esposa Lígia
sussurram ao fundo] Porque eu não fiz outra coisa na minha vida inteira a não ser
dançar balé, aprender balé, fazer cursos e eu sinto, já faz mais ou menos uns 15, 20 anos
que ela faleceu ou mais, e eu sinto falta dela até hoje.
A.A: Você começou dançando com qual idade? Você foi levada pela professora
Natália?
C.L: Ela, desde o começo, com três anos de idade, que não é a idade própria, ela me
buscava no jardim, no Instituto de Educação, onde eu estudei a minha vida toda, e me
levava para o balé. Isso que eu lembre, até eu me formar, ela passava na escola e... até
quando já estava no magistério, eu ainda me encontrava com ela e... íamos para o balé.
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A.A: Quando você começou as aulas com a professora Natália, onde se localizava esse
espaço que ela lecionava?
C.L: Foram vários. O primeiro eu não, não me lembro, mas... salões de igreja... Cruz
Vermelha, salão da Cruz Vermelha, salão da igreja de Lourdes, é... da, muitos salões, eu
não me lembro, mas... vários salões de igreja, sempre onde ela alugava para a gente
fazer as aulas.
A.A: Quanto tempo você estudou com a professora Natália?
C.L: Estudei dos três aos dezenove anos de idade.
A.A: Nesse período, o que que você mais se lembra, o que que mais ficou da professora
Natália enquanto professora? Porque ela era sua tia, então existia a tia Natália e existia
a professora Natália. Como que era a professora Natália?
C.L: Rígida. Era uma professora brava e tinha um estilo que eu nunca vi igual na aula.
Não tinha técnica. Tinha... eu aprendi ritmo, musicalidade, criatividade, isso tudo eu
devo ter levado comigo porque aos dezenove anos quando eu entrei para aprender um
balé com... clássico, com técnica, eu não sabia um nome de balé. E depois de dois anos
eu já estava dando aula na Escola de Danças Clássicas da Ana Lúcia. Então, eu tenho
certeza que alguma coisa de muito bom eu carreguei comigo. Porque.... experiência.
Porque eu fiz... eu já comecei a fazer coreografias, eu tenho um ritmo bom, eu tenho
musicalidade, eu tenho facilidade para a dança. E isso eu herdei dela e isso eu me sinto
honrada.
A.A: Quando você diz que, nas aulas da professora Natália, ela não tinha uma técnica, o
que você quer dizer especificamente com isso?
C.L: É uma aula diferente. Porque já no balé você... eu cheguei e senti, é... a gente
começa com aquecimento, a barra, o centro e ela mesclava tudo numa aula só. Fazíamos
ginástica rítmica, dança folclórica, que ela falava “dança da nossa terra”, sapateado. Não
sei onde ela aprendeu. Eu sei que ela foi ao Rio [de Janeiro] uma vez aprender danças,
mas ela dava sapateado. E quando eu fiz sapateado de verdade, eu senti que os passos
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eram os mesmos, nós não sabíamos os nomes, a técnica, mas os... o que nós fazíamos
era o sapateado de hoje. E o balé clássico, assim, estilizado, ela tinha um jeito próprio
de fazer. Danças em geral. Ela fazia muito, aulas, assim, em filas, saía uma fila,
distribuía em duas, para direita e esquerda, vinham duas filas, transformavam em quatro
rodas. Ela fazia muitas figuras. E fazíamos tudo numa aula só. Tinha ginástica, tinha
cambalhotas, tinha estrelas. Era muito interessante.
A.A: Voltando um pouquinho ainda a questão das aulas. Nesse sentido, nessa forma que
você diz especial, essa forma diferente de trabalhar uma aula, de trabalhar o corpo das
pessoas, você poderia dizer, eu poderia dizer que ela puxava, talvez, mais a criatividade,
ela abria mais o espírito da pessoa, não necessariamente para receber uma técnica, mas
para descobrir uma potencialidade, eu poderia pensar assim?
C.L: Ah, com certeza. O que eu tento te passar, eu lembro das aulas direitinho, como se
fossem hoje. Nós que entendemos de balé, por exemplo, quando fazíamos échappe, ela
fazia, não sei, ela mesma não sabia os nomes, mas exatamente o que nós fazíamos no
balé clássico ela exigia: valsinhas, échappes... e quando eu vi que eu, que eu já tinha
feito aquilo, mas que eu não sabia exatamente, en dehors, en dedans, eu fiquei surpresa.
Mas o tipo de aula dela, não sei como eu poderia tentar passar para você... usava todos
tipos de música, também, sempre tinha uma [aluna] que comandava: a primeira da fila
era... eram duas boas [alunas com facilidade de memorização de movimentos] e sempre
puxava todo mundo. Porque ela deu aula até, mais ou menos, oitenta anos de idade tinha
que ter uma pessoa que ajudasse. E usávamos sapatilhas de ponta, sempre assim, sem
técnica nenhuma.
A.A: No caso da sapatilha de ponta, porque parece um paradoxo, porque você está
usando a sapatilha de ponta e sem técnica. Como que, para você, corporalmente, depois
você que veio a fazer o balé clássico, como que você sente isso hoje? Como que você
interpreta isso no seu corpo? O que foi essa qualidade de experiência no seu corpo?
C.L: Olha, podia primei... primeiramente pensar que pode... poderia ter prejudicado:
você fazer uma ponta e não fazer en dehors e... mas não causou dano nenhum. Eu sinto
só que, só vejo o lado positivo... [pausa reflexiva] não prejudicou, fisicamente não
prejudicou acredito que nenhuma aluna. Porque eu sempre pensei isso, como que nós
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fizemos sem... [pausa reflexiva] sem técnica, sem fazer direito como deveria ser feito,
porque tem tanto problema de joelho, a gente tem tanto problema de coluna, se o
bailarino não fizer uma coisa correta, mas a mim não prejudicou e eu nunca ouvi aluna
nenhuma dizer alguma coisa a respeito disso.
A.A: As montagens coreográficas que Natália realizava, ela fundia, ela mesclava essas
linguagens? Ela, por exemplo, chegou a fazer montagens de algum balé de repertório
dentro dessa linguagem coreográfica que ela desenvolveu ou ela trabalhava danças
específicas? Como é que era isso?
C.L: Os festivais dela eram, eram... era misto. Ela fazia coisas diferentes. Eu lembro
que no [Teatro] Francisco Nunes nós entrávamos em duas filas segurando bandeiras:
uma escrito Curso Natália Lessa, a outra, é... trinta anos. Marchando, quase que
marchando e subindo pelas laterais até o palco. Coisas, assim, que a gente não vê em
escolas de dança: marchas pelo meio, fazia serenatas, tinha números com serenatas,
músicas antigas mesmo de serenata. Fazia dança das horas com tutu [traje de balé] e
ponta, não sei como nós dançávamos, mas nós dançávamos. [risos] Dança das horas, os
temp elevé, os pas de chat existiam e nós não sabíamos que estávamos fazendo esses
passos de balé clássico. É impressionante! Fazia demonstração de ginásticas, fazia...
[pausa reflexiva] coisas mistas mesmo, tinha... e não tinha uma peça, uma história.
Tinha talvez, assim, o circo, aí tinham várias coisas sobre o circo, primeira parte... tinha
um tema, mas não era, ela não chegou, não montou peça, peça de repertório não. Mas,
assim, Branca de Neve e ela fazia ao modo dela. // A.A: Ahan. // E... bem diferente.
[silêncio] vou tentar lembrar.
A.A: Um outro detalhe, Cláudia... [interrupção na fita] Cláudia, à medida que você foi,
vamos dizer, você passou, você começou com a professora Natália, posteriormente
você começou a fazer aulas com Ana Lúcia [de Carvalho], você foi trabalhar técnica
clássica, e Ana Lúcia foi a grande bailarina de Natália Lessa. E como que você
contribuiu, posteriormente você foi dar aulas também junto com a professora Natália,
como que foi a sua contribuição para o trabalho da professora Natália?
C.L: A tia Natália ainda dava aulas e já de idade, né, com quase oitenta anos e eu
resolvi aprender com técnica e a tia Natália me disse, á minha melhor aluna até hoje foi
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a Ana Lúcia. Eu tive a Nora, Anália Azevedo, mas Ana Lúcia é fantástica”. Então, Ana
Lúcia tinha uma escola famosa também, que existe até hoje e eu fui para lá, em [19]79.
Depois de dois anos eu já... eu fui convidada pela Ana Lúcia para dar aulas e ela me
disse, “continue dando aula lá na escola da Natália e leva a técnica para lá, para as
alunas dela”. E eu, assim, fiz. Comecei a estudar o balé clássico, a dar aulas na Ana
Lúcia e dava aulas na tia Natália. Então, eu fiquei muito feliz, porque eu... as meninas
passaram a ser minhas alunas e alunas da tia Natália. E eu dava aula de balé clássico, aí
surgiu o balé clássico no Balé da tia Natália.
A.A: Isso era que ano, Cláudia?
C.L: Mais ou menos 1982. A partir daí já deve, já... a partir dessa data eu já introduzi o
balé clássico lá.
A.A: E como que era essa relação com a sua tia dentro da escola? Você passando essa
técnica, ela com a linguagem própria dela, como que foi esse namoro aí?
C.L: No começo, acredito, que ela achou estranho porque a diferença era muita. Na
escola dela não tinha, no salão não tinha barra... [pausa reflexiva] não tinha barra. E...
nós tivemos que providenciar a barra e ela assistia as primeiras aulas: barra, centro... eu
sentia que ela... que ela ficava, a reação dela era... era um pouco estranha. Mas, logo,
logo ela foi acostumando e eu me lembro que no final do ano ela aceitou que...
[inspiração profunda] o festival fosse misto. Tinha as minhas alunas com balé clássico
e quase as mesmas alunas faziam coreografias com ela e faziam comigo também. E...
depois tudo ficou normal. Aos poucos... ela adoeceu e parou de dar aulas e eu assumi. E
quando eu assumi passou a ser só o balé clássico mesmo e o jazz também, que eu fazia,
né, e dei aula na Ana Lúcia também de jazz. Então, foi por causa da doença dela, ela foi
obrigada a parar e... eu resolvi, eu com minha irmã, continuarmos com a técnica só.
A.A: E onde era este espaço?
C.L: Minha irmã abriu uma escola na... ainda com o nome de Natália... Curso de
Danças Natália Lessa, na Rua São Paulo. Era um... uma sala bem grande, onde a tia
Natália ainda ia um pouco, chegou a conhecer esse lugar. E depois, nós viemos para a
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Savassi [bairro de Belo Horizonte], na Rua Antônio de Albuquerque. Aí ela já tinha
falecido.
A.A: Cláudia, depois dessa mudança da sala, a professora Natália parou de lecionar.
Como que foi essa parada, como que foi esse, vamos dizer, esse final da vida da
professora Natália?
C.L: Ela foi obrigada a parar, né. // A.A: Ela foi obrigada a parar! // Ela estava bem,
não queria parar de dar aula, ela nunca quis parar de dar aula. E como eu te disse, ela... a
vida dela era aula e igreja, rezava demais. Passava na igreja todos os dias. Desde criança
ela passava comigo, rezava o terço e íamos para o Balé. Sempre. Quando eu já grande,
eu esperava do mesmo jeito. Então, ela teve um câncer e ela... foi obrigada a parar. Mas
ela piorou muito porque ela... teve um assalto na casa dela, ela foi presa dentro de um
banheiro de empregada e foi amordaçada e ficou um tempo lá, fazendo barulho,
barulho, até o irmão dela chegar e descobrir que ela estava presa. e... ela tinha que ficar
deitada só. Eles tiraram ela da cama e prenderam, né. Então, ela teve uma piora muito
grande. Aí ela ficou mais uns dias, ou... e faleceu. Depois desse assalto. Porque ela
ficou em pé, e ela ficou machucada. Ela não podia ficar sentada. Então isso foi... foi
triste.
A.A: Cláudia, a sua tia, ela foi uma mulher que, quando ela introduziu esse trabalho de
dança em Belo Horizonte, isso não existia. Ela foi a pioneira, essencialmente com esse
trabalho. E ela enfrentou muito preconceito, ela foi uma mulher muito corajosa. E como
que é isso para você hoje, como que você vê a Natália nessa época? Década de 30,
década de 40, Belo Horizonte uma cidade que se pretendia moderna, né, Belo Horizonte
nasce sob o signo do modernismo e para uma mulher tomar as atitudes que a sua tia
tomou, nesse período, foi uma coisa muito forte. Como que você percebe isso? Como
que você lê essas atitudes hoje?
C.L: Acho que, para a época, ela era muito moderna mesmo para assumir o que ela
queria. Ela foi uma mulher moderna na época, com certeza. Eu tenho orgulho de ser
sobrinha dela, de ter herdado essa arte da dança dela e... [silêncio] [interrupção na fita]
Falar que eu tenho orgulho dela... [senhora Lígia chega e acompanha a entrevista] //
Lígia: A família inteira, todo mundo gostava muito dela. Eu era do Grupo [Escolar]
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Barão do Rio Branco e ela já era professora lá. Eu ficava doida para entrar nos balés,
mas minha mãe tinha sete filhos, não dava conta. Mas eu... toda a vida, fui apaixonada
com Natália. // Conta que você, aproveita e conta que você namorou ele [senhor Nelson
Lessa Vitor, irmão de Natália, presente na entrevista] porque achava lindo, ele era
lindo...
Lígia: Depois nós mudamos, depois eu morava na Rua Antônio de Albuquerque, entre
[Rua] Rio Grande do Norte e [Rua] Paraíba, pertinho da Savassi. E ela morava no
quarteirão, no... // C.L: Perto, perto... // No apartamento da Savassi, só que era do lado
da Rua Pernambuco. Ali que nasceu o namoro. Eu gostava muito dela... [risos]
A.A: Você que fez o encontro dos dois, então?
Lígia: Hein?
A.A: Você que fez o encontro?
C.L: Ela, ela casou com ele, namorou ele, porque achava lindo que ele era o irmão da
Natália, entendeu. Ela achava bonito.
Lígia: Ela... ela... o que que eu ia contar, gente? Esqueci. Minha cabeça está ruim. Mas
ela, ela [???]... mamãe, papai era funcionário público, tinha sete filhos. E ela fazia os
balés dela e eu ficava louca, entrava no balé, ela chamava. Eu gostava demais dela. E,
e... era tão amiga de todos que era assim, todo dia ela saía para dar aula... // C.L: Já
falou isso... // vinha aqui, ela era boa demais!
[interrupção na fita]
A.A: A dona Lígia foi quem acabou de fazer essa declaração agora, com 81 anos.
Cláudia, como que foi a receptividade por parte da família das atitudes da professora
Natália? Ela essa mulher combativa, essa mulher corajosa, como que a família recebeu
isso? A tradicional família mineira?
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C.L: Por ela ser essa mulher moderna, e dava aula de dança, pioneira da dança em
Minas Gerais, única filha mulher, eu tenho certeza que todos nós temos orgulho de tê-la
como parente. Pra mim, é a pessoa mais importante da família. Sempre foi.
A.A: Por exemplo, os seus avós, o pai e mãe de Natália, como que eles viam isso? Isso
foi difícil pra eles, aceitar uma filha que tomasse esse tipo de atitude? Como é que foi
isso?
C.L: Eu não conhe... meus avós quando faleceram eu era bem pequenininha, eu tinha 3,
4 anos. Então, eu não me lembro muito bem deles. Talvez, quem possa te falar, lembrar
bem sobre essa época, o que os pais da tia Natália achavam, sentiam por ter uma filha,
né, assim, moderna, poderia ver com meu pai. Eu perdi meus avós muito pequena.
Tanto maternos quanto paternos.
A.A: Cláudia, por exemplo, vocês viajavam com espetáculo, vocês faziam
apresentações fora de Belo Horizonte? Como é que era isso?
C.L: Ela adorava viajar e fazer festivais de dança no interior. Isso sempre, sempre tinha.
E o ponto de encontro, da minha época, era sempre em frente ao hotel Normandi,
próximo à Igreja São José, tinha os especiais e ela sempre levava a turma para dançar
em algum lugar. Muitas vezes. E ficávamos em casa de conhecidos, ela dividia em
grupos, casas que recebiam a escola, ela dividia: 5 em uma, 5 em outra. Não era em
hotel.
A.A: E ela coordenava isso tudo sozinha ou tinha alguém que a ajudava?
C.L: Tinha uma, duas ajudantes. Eu fui ajudante muito tempo. Eram alunas, assim,
parentes, ou aluna antiga, que ajudava no, nas filas que eu te falei, que puxavam a
turma, essas eram as ajudantes. Ela chamava de ajudantes.
A.A: E elas ajudavam a organizar, vamos dizer, essas crianças?
C.L: É... também. Tinha... [silêncio] a... quem comandava mesmo a cabeça da coisa, era
só a tia Natália, sempre só ela e a secretária e duas ou três ajudantes para tomar conta
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das meninas, para tomar conta das roupas. E íamos cantando, cantando. E tinha... ela
adorava cantar no ônibus, eram, eram... muita farra.
A.A: A professora Natália lecionava somente para crianças ou ela trabalhava com
adolescentes e adultos também?
C.L: Adolescentes, crianças, adultos. Tinha senhoras casadas. Ah, e era dividida em
turmas: pequenas, médias e grandes. As turmas dela eram divididas em três.
A.A: E o mesmo tipo de aula eram dadas, por exemplo, pequenas, médias e grandes que
você fala é em termos de idade?
C.L: De idade.
A.A: E elas faziam as mesmas aulas, isso era igual, por exemplo, a aula que era dada
para criança, era dada para adolescente, era dada para o adulto? O pequeno, o médio e o
grande, como você colocou?
C.L: É... tinha um pouco de diferença. Ela sabia bem o que ela, até onde ela podia ir no
estilo dela. Mas ela não puxava muito, as pequenas ela não puxava muito, mas... essa,
essa, isso que eu te disse de criatividade, de flexibilidade, ela trabalhava em todas as
turmas.
FIM DO LADO “A”
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Fita 1 – 1ª sessão – lado “B”
A.A: Hoje é o dia 03 de outubro de 2001, eu estou na residência do senhor Nelson
Lessa Vitor, são agora 20:05h da noite. Eu estou entrevistando-o, pois ele é irmão de
Natália Lessa. Senhor Nelson, que idade o senhor tem?
N.L: 84 [anos].
A.A: Como irmão de Natália Lessa, o que que Natália Lessa representou, ou representa
para o senhor enquanto irmão e enquanto artista: primeira mulher professora de dança
em nossa cidade?
N.L: Na minha opinião, não posso me gabar porque sou irmão, mas eu tinha um
respeito fora de série, é como se fosse a minha mãe, ou mais do que a minha mãe.
Conto, a favor do que ela usava para nos corrigir do errado, entendeu? Então, tanto na
parte externa da minha, do meu lar, como a parte interna, eu sempre procurei respeitar
da melhor maneira possível. Minha mãe, às vezes, tinha até ciúme. Porque eu tratava, eu
saía de casa toda noite, às vezes até nem banho não tinha tomado, nem sapato, nem
roupa tinha vestido direito, para ir buscá-la no lugar que ela estava, porque ela... isso era
outro problema, porque ela saía toda noite para visitar as amigas. Ela era aferrada! Mas
tinha... aferrada digo, corrigindo na parte de amorosidade. Não é morosidade, é
amorosidade, entendeu? [risos] Então, eu saía toda noite porque ela não voltava pra casa
sozinha, apesar de ser dois quarteirões da minha casa da casa dela, mas o lugar era
muito deserto. Os irmãos saíam para a rua, para passear, para jogar sinuca, seja lá o que
fosse, e eu ficava em casa por causa dela. E habituei a ser caseiro mais do que rueiro,
porque eu saía toda a noite. Oito e meia, em ponto, eu saía de casa e sabia em que casa
ela estava, visitando quem. Cada, cada época era uma família que ela tinha amizade
mais do que as outras ou tinha igual, isso eu não sei, mas o fato é que ela ia em todas.
Isso ela fez até pouco antes de, de morrer, porque ela não podia mais andar, senão ela
estaria do mesmo jeito. Amanhã mesmo era dia dela ir. Tudo batidinho, tudo
sincronizado.
A.A: Em que ano, senhor Nelson, nasceu Natália Lessa?
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N.L: Ano? // A.A: Ano. Você lembra a data do nascimento... // A data do nascimento
dela, na minha opinião, eles brigam aqui entre [1]909 e [1]910. Mas pra mim foi [19]10.
// A.A: E que dia? // Dia 25 de dezembro. [silêncio] Ah, não, que ela morreu, não... //
[Dona Lígia fala ao fundo] Que ela nasceu! // Que ela nasceu! 1910. Na minha opinião.
Na opinião dos meus irmãos, uns opinam por [1]910, outros por [1]909.
A.A: E em qual cidade, senhor Nelson?
N.L: Ela nasceu em Diamantina. Aliás, no subúrbio de Diamantina. Chama São João da
Chapada. A minha mãe e o meu pai, na época, moravam lá. // A.A: Quando... // Papai,
mamãe veio... papai veio do Serro, é Sales, Sales Vitor, família Sales Vitor. E a minha
mãe era de Diamantina, família Lessa. Então ficou o sobrenome do meu pai e o meu, e
o sobrenome da minha mãe. Mamãe formou lá, inclusive era professora de francês, que
ela gostava muito e meu pai estudava, dava aula nos colégios, não sei se formado ou se
não era, gozado que, na época, pegava o mais inteligente. Foi professor desse colégio
muitos anos também e caixeiro de um botequim, de um botequim não, de um armazém
que era de um cumprade dele. Então, os dois mexiam na...
A.A: Em que época que vocês vieram para Belo Horizonte?
N.L: Nós viemos para Belo Horizonte... nós não, porque eu nasci aqui. Veio meu pai,
minha mãe e Natália com 1 ano de idade. Mas não viemos, [???] eles não vieram,
assim... // Lígia: Ela nasceu lá? // Nasceu. [ruído na gravação] Foi em Diamantina, viu
lá duas... um convento e uma casa, tinha uma passagem no meio, embaixo daquela
ponte é que era a nossa casa. Nossa não, porque eu não... eu morei lá depois de velho.
mas não menino, não tinha nascido. Mas eles vieram. E vieram por estas estradinhas de
[???] que passava por, por São José de... do Rio... não sei...é, São José, Poço dos
Cristais, passava por... esse que eu vou pescar, como é que chama? Pompéu! Pequi,
Papagaio, Pára de Minas e Maravilha. Maravilha, inclusive, eles ficaram lá mais ou
menos um mês. Papai trabalhando, dando aula na escola, mamãe também e Natália
também, esse primeiro um ano, dois anos eles ficaram por lá, por Maravilha. De lá é
que eles vieram esbarrar aqui. Aí, o meu pai arranjou esse emprego, tava admitindo
funcionário público, ele entrou, o pai dela entrou e aí diversos. E aqui, mamãe tocou a
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vida dentro de casa, porque viver a vida atrás de filho não dava mesmo para, para ter
emprego. Apesar de que ela tinha, um ou outro aluno dentro de casa. Mas isso já é
mamãe. Porque a Natália não, não sei...
A.A: A Natália, como que ela, como que surgiu esse desejo, essa vontade de trabalhar
com a dança, como que surgiu, senhor Nelson?
N.L: Acontece o seguinte: que a vida de princípios de Natália, ela... minha avó, ela já
morava aqui, do lado da Boa Viagem. Uma casa daquelas, hoje, é velha, mas era uma
casa.
A.A: Como se chamava a sua avó?
N.L: Então... a Natália, lá em casa era só homem, nove homens. // A.A: Nove
homens! // E ela de mulher. E só mamãe, porque meu pai foi nomeado... meu, meu tio,
meu tio, tio, tio... [Voz ao fundo de Dona Lígia] foi nomeado presidente, governador do
estado do Amazonas, governador. Então, levou meu pai para lá, para ser Secretário das
Finanças, está entendendo? // A.A: Ahan. // Então, pai teve lá oito anos. E nesses oito
anos mamãe ficou sozinha em casa, com os oito filhos. Todos eles estudavam, andavam,
vestiam, trabalhavam, mas... não podia botar a moça lá, moça não, menina, porque ela
ainda era menina. Daí, ela não foi criada em casa, ela foi criada na casa da minha avó
que era sozinha...
A.A: E como se chamava sua avó?
N.L: Minha avó? Essa, Maria Regina.
A.A: Foi ela quem criou a Natália, então?
N.L: Ela que criou Natália. Quer dizer, já pegou Natália com uns três ou quatro anos,
quando vieram de Maravilha. // Lígia: Ah, tinha uma moça também, né. // E vovó
tinha... essa minha avó, mãe da minha mãe, tinha uma pensão, inclusive, os três
hóspedes eram o Juscelino, o Zé Maria Alckimin e um outro que não me ocorre o nome.
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A.A: Juscelino que o senhor fala é o Juscelino Kubitschek?
N.L: É. Juscelino Kubitschek. Eram da mesma terra. //A.A: Da mesma terra, né. // Era,
era... inclusive, pela vida toda eles foram muito chegados um ao outro, muito... era
madrinha dos meninos dele, das meninas dele. Foram alunas dela, durante o tempo de
moça. Tanto uma como a outra, é... Márcia, não sei o quê [???]. Mas o Juscelino, ainda
coincidiu porque quando Natália já morava conosco, o Juscelino morava na casa da
frente e nós na do outro, de frente também, mas de outra rua. Porque a Rua Santa Rita
[Durão] descia no mesmo sentido da [Rua] Getúlio Vargas. E tinha um barracão, nós
morávamos na [Rua] Santa Rita [Durão] com [Rua] Ceará, uma casa de tijolos
vermelhos e tal e coisa. E Natália já morava conosco ali. Uns anos antes de eu casar.
[???] // Lígia: É. // E Juscelino, na política dele, a casa da [Rua] Getúlio Vargas, do
lado do bar, [???] que chamava, eram parentes dele, parentes dele mais chegados. Ele
ficava lá, a mulher dele, as filhas dele ficavam ali. A turma de “Deixa Disso”, de
seresta, César Prates, aquele pessoal... Murilo Rubião e outros bichos, né. Inclusive
meus irmãos também.
A.A: Senhor Nelson, como que, onde que Natália estudou, no sentido dessa formação
de trabalhar com a dança, com a ginástica, como que isso aconteceu?
N.L: Ela esteve interna aqui, durante o tempo, os anos que ela morou com a minha avó,
ela praticamente não ia em casa. Ela era interna desse colégio... vovó botou lá como
interna do Colégio Sagrado Coração... // Lígia: Sagrado Coração de Jesus. // É. E lá ela
formou. Quer dizer, passou pelo grupo, pelo jardim, mas tudo lá dentro. Só ia em casa à
noite, quer dizer, a noite, bem entendido // Lígia: De vez em quando. // É. De vez em
quando. Uma vez por semana ia em casa. Mas quem ia visitar era mamãe e vovó. Nós
homens podiam quase que nem entrar nesse colégio. Então, esse... esse prazo todo
desse... desse grupo, vamos dizer assim, do curso de ginásio, do curso superior e do
curso para Normalista, era para Normalista, saía professora. Então, ela foi e fez lá. Deve
ter lá os arquivos. Agora, quanto a esse negócio de dança, porque que ela gostava eu
não sei, eu não consegui saber, isso não, a vontade. Mas a vontade era tanta que ela
soube que esse professor... então telefonava, conversava, ele morava no Rio, São
Paulo... dava aula ali, esse russo. Acabou quando ele resolveu, um ano depois, ir embora
para a terra dele, ele ficou de vir aqui para eles... ela já tinha feito todo o processo de
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fazer o balé, né, de fazer a dança. Inclusive o salão que foi liberado para ela, porque ela
foi muito amiga do Juscelino, foi muito amiga do, do... do [Otacílio] Negrão de Lima,
foi muito amiga desse... desse outro também, Benedito Valadares, que tinha uma filha
também que foi aluna dela e diversos [???]. E a mais amiga de todas foi uma que
chegou a prefeita aqui, que o governadora... uma mulher [???]... na prefeitura deve ter
alguém que sabe o nome dela, que liberou dela pagar impostos, pagar... não pagava
nada! Tudo de graça. Porque ela fazia também a coisa para melhorar o aspecto da
cidade e melhorar... Então, ela dava as aulas dela no, no... no salão do grupo, do grupo
escolar. // A.A: [Grupo Escolar] Barão do Rio Branco. // O salão dá umas quatro ou
cinco salas dessa aí.
A.A: Senhor Nelson, você sabe o nome desse professor que teria ensinado Natália no
Rio?
N.L: Eu sei o primeiro nome. E o segundo eu não sei se é certo ou errado, mas é o nome
que eu achei, que eu achei não, que eu sempre tive na cabeça. Ele chamava Sasha,
Sasha Raftz, no meu modo de entender. Sasha eu tenho certeza. Lá pelo Rio, São Paulo
deve ter um registro... Teatro Municipal, São Paulo tem demais... aqui não tinha. Aqui
só tinha esse negócio aí, onde foi o cinema também. Era um teatro antigo, bonito por
dentro, // A.A: Cine Metrópole? // todo cheio de camarote, tudo aveludado. Acabaram
com aquilo, não sei por que, fizeram um cinema, Cine Metrópole. Nem reformaram.
Tiraram tudo, sumiram com tudo. Quando fizeram no mercado, tiraram as grades todas,
fizeram a rodoviária e cadê as grades? Cercaram uma parte. // Lígia: Isso não interessa
não. // Não interessa. Eu estou saindo fora.
A.A: Sem problemas, senhor Nelson.
N.L: Mas esse Sasha Raftz, você vai ter informações sobre esse homem, eu acho, é só
em São Paulo, com alguém que mexa com balé.
A.A: Senhor Nelson, para a família do senhor, como que os seus pais, o seu pai, a sua
mãe, como que eles viam o trabalho de Natália? Porque na época, década de 30, década
de 40, 50, para uma mulher tomar as atitudes que ela tomou, como que a família
percebia, como que era a relação de Natália com a família?
1A – NL e CL - 15
N.L: A relação lá em casa, depois que ela foi, como educação de berço, felizmente
todos da mesma religião, todos concordavam uns com os outros. Era uma família
apegada, isso não resta dúvida. Tinha lá suas bobagens, entendeu, mas... chegando no
ponto da família, a parte do meu pai, nós não lhe... // Lígia: [???] // é. Mamãe, mamãe
prendia um pouco a gente, procurar os parentes. E Natália era o contrário, Natália ia
todas as noites em casa de cada um.
A.A: A Natália, qual que era a ordem? Ela foi a primeira filha, a última, era a do meio?
N.L: Ela era a primeira filha. // A.A: Ah, tá. Era a mais velha, então. // A mais velha de
todas. Era ela, depois Paulo, depois Chico, depois... Zé, depois Rui... eles trabalharam
na Rádio de Inconfidência desde a fundação. O Paulo era advogado, o mais velho,
mais... formou no Amazonas, junto com meu pai lá. Não sei se formou mesmo, mas
aqui, ele era juiz de Direito, era prefeito de uma porção de lugar por aí, inclusive de
Ouro Preto, Curvelo... esse... ele foi prefeito desses lugares todos, promotor, prefeito e
juiz. Quer dizer que ele era advogado mesmo. Já outro era muito fora de série a
inteligência dele, era diretor da Rádio Inconfidência, diretor... desde o princípio. Era ele
e Paulo, porque o Israel Pinheiro, que era assim com Natália, [gesto com as mãos]
também tinha filha lá, tinha filha no balé também. Eles ficaram conhecendo e eles
mexiam com rádio, logicamente, toda a manifestação, qualquer coisa que dessa, eles já
estavam lá radiando, né.
A.A: Mas, voltando, no caso, ao seu pai e a sua mãe, eles aprovavam o trabalho da
Natália? Eles tinham dificuldade, eles apoiavam? Como é que era isso, senhor Nelson?
N.L: Não, isso... essa, essa... tempo que ela esteve nesse colégio...
A.A: Não, com a dança. Na época em que ela, em que ela esteve...
N.L: Na dança ela já começou a ter dinheiro dela. Porque ela já foi logo nomeada,
quando ela saiu daqui, ela foi nomeada professora desse co... desse... // A.A: [Grupo
Escolar] Barão do Rio Branco. // [Grupo Escolar] Barão do Rio Branco. E ela tinha
[???] o salão e ela começou a fazer... mas já tinha formado também em Educação Física
1A – NL e CL - 16
no Instituto que estava abrindo aqui. Tinha uma série de moças e rapazes, então abriram
aqui na gameleira uma escola de Educação Física. Mas, é... escola, é... faculdade. E ela
fez o curso, três anos e pouco. Mas sem deixar o pre... o professorado primário no grupo
porque ela dava aula de ginástica e a tarde tinha o balé dela lá na... era particular, dela.
E tinha, tinha como professora normalmente. Tanto que, depois de um determinado
tempo, porque eu não sei o tempo de, de funcionário público, mas ela para se, para se
aposentar desse negócio de escola, de grupo, ela foi nomeada, ela foi em Patos de Minas
tomar posse, porque o grupo lá estava sem diretora. Então, ela tomou posse como
diretora. Eu até que levei. Foi em um dia e voltou no outro. Tomou posse, então, chegou
aqui e no outro dia aposentou.
A.A: E o senhor se lembra... o senhor se lembra em que época que foi que Natália se
aposentou?
N.L: Ah... ô gente, o negócio era tão simples que... a gente nem guarda as datas. Mas,
em algum lugar aí eu devo ter o... a data, mas... pra mim, nós já estávamos casados
quando ela aposentou. Ah! Já estávamos. Eu saí do grupo ela ainda estava no grupo. Eu
acho que foi nessa época aí, [19]38, [19]39, por aí. Se não foi, está dentro desse
meiozinho. // Lígia: Religiosa. Muito religiosa. // // C.L: Mas os pais dela gostavam ou
não dela dançar? // Está dentro desse, desse... // A.A: Dessa época. // dessa época. E
acontece também que a parte, quando elas começaram a juntar com a parentagem aqui,
eu estava interno no colégio. Eu fui internado. Minha mãe, para evitar que Natália fosse
para a casa no meu de muito homem, três ela mandou direto para o... para o internato. //
A.A: [risos] // Os outros dois já trabalhavam, o mais velho, né. O Paulo e o Chico na
Rádio Inconfidência. // Lígia: Quer que eu segure? // // C.L: Não. // Na Rádio
Inconfidência, o Paulo e o Chico. No jornal Estado de Minas, o Rui e o Zé.
A.A: Os seus pais gostavam que a Natália dançasse?
N.L: Olha, eu nunca perguntei, nunca soube. Mas... mas que ele mandava um dinheiro
para ela, todo mês mandava. Pelo menos nos oito anos em que ele esteve lá. Quer dizer
que gostava, porque ela não precisava. Ela...
A.A: Ela sempre foi uma mulher independente?
1A – NL e CL - 17
N.L: É. Ela sempre foi independente. Completamente independente. Agora, olhava a
casa inteira, não escapava nada. “Você vai lavar, você vai tomar banho”. Isso ela
fazia. // A.A: Ela mandava nos outros... // Mandava. E quando eu era pequeno,
mandava. Agora, depois que a gente cresceu e fez o curso e estudou e... passou de
grupo, passou para, para ginásio... // Lígia: [???] na Rua Pernambuco. // É. Passou para
ginásio... nós chegamos em casa, já éramos grandes, uai. Acho que era...
A.A: Senhor Nelson, a sua irmã, ela foi uma mulher muito, muito forte para a época
dela, porque ela tomou atitudes que normalmente as mulheres não tomavam. // N.L:
Tomavam não. Mas ela tomava... // Como que era isso naquela época, como que o
senhor vê isso?
N.L: Ninguém, ninguém dava opinião. Tá certo... [???] tá certo. Você acha que ela
botou gente para criar dentro de casa? Criou. Por duas vezes ela tentou, né. // Lígia:
Religiosa. Com moral 100% mais do que 100%, de maneira que isso... // Nada de
homem. Não gostava de homem. Nem namoro, nem nada. Ninguém nem via. Às vezes
ela chegava meio esbaforida, de dia, porque fulano olhou para ela no meio da rua, “mas
o que que tem isso?”... “não, mas estavam atrás de mim”, estava nada, o homem estava
passando com outro, [???]. [???] mesmo é quando a gente morava aqui na Savassi
[bairro de Belo Horizonte], já mais velha ainda, o mais velho não tinha casado, estava
namorando já. Tinha um médico que morava na esquina de baixo... [para Dona Lígia]
hum, o cara era até meio parecido com ele, olha... aquele que morava na ponta, não sei,
lá perto da casa de Lúcio. Deu... implicou com a cara do homem, que o homem estava
atrás dela... Ora! O homem estava entrando na casa dele... [risos] Ou estava indo. //
Lígia: Não, se ela implicou é porque devia... // Não, na frente tinha um dentista. Minha
casa era [???]. A dele era da Previdência, era médico da Previdência, já era médico.
[interrupção na fita]
A.A: Senhor Nelson, o senhor fez algum trabalho, o senhor chegou a trabalhar com sua
irmã, o senhor ajudou de alguma maneira? Como é que foi essa relação? Eu sei que o
senhor confeccionava cenários, como é que era essa história? Conta pra gente.
1A – NL e CL - 18
N.L: Não. Ali era o seguinte: eu não fazia bem cenário. Nós tínhamos um senhor, um
chegado... ali. // Lígia: Fizemos muitos. Até eu ajudei. // Não, pois é. Mas eu ali, desse
ali, era pintor de placa, depois passou a ser pintor... pintor de tudo o que aparecesse. E
fazia muito cenário para esse teatro que nós tínhamos lá, esse que eu estou falando, o
Cine Metrópole. Ele trabalhava lá. E eu, a maioria dos, das, dos festivais que ela dava,
uma vez por ano, nós tínhamos só este teatro e... o... fazendo o Francisco Nunes. E a
outro... e o Francisco Nunes, quando era o festival dela eu fazia... // A.A: O cenário? //
É. Eu fazia porque... porque eu fazia tudo de uma vez, ele fazia só o cenário. Já eu fazia
o cenário, fazia os rompimentos, os bastidores, fazia... aquela traseira, a torrona
[Cláudia Lessa fala ao fundo] fazia o material que ela dançava, por exemplo, uma viola,
um pandeiro, essas coisas tudo eu que fazia separado. Uma casinha, para entrar o... uma
que dançava, entrava na casinha, essas coisas assim. As caixas de boneca, tudo. Porque
tinha de fazer direitinho, para as meninas entrarem, fecharem. Mas ninguém... todo
mundo achava bom, bonito. Essa mesma era uma que não perdia um. [referindo-se à
esposa, Dona Lígia] Mesmo sem me conhecer. // Lígia: Ele fazia muito cenário. Lá
na... no... Francisco Nunes. Não era no Francisco Nunes? // Era. Não. Era. Inclusive eu
trabalhei como ator, como ator, não dela. Uma vez me convidaram, disse que eu dava
certo. Tinha um rapaz aqui que tinha uma loja de disco, – estou saindo fora desse
assunto de Natália – uma loja de disco. Então ele pegou, um tal de Floriano de Paula,
que era dono da loja, aí eu, acho que tinha [???] cara que imitava inglês. Inglês que, que
estava aprendendo a falar português. Eu trabalhava de velho, o outro trabalhava de...
fizemos uma comédia lá, de três atos... de um escritor paulista aí, que eu nem lembro
mais. Trabalhou... eu sei que trabalhou eu, Estela Mata Machado, que era inclusive
prima que eu tenho, tinha... Ivete, Ivete...
FIM DO LADO “B”
1A – NL e CL - 19
Fita 2 – 1ª sessão – lado “A”
A.A: Fita número 2.
N.L: ... no canal 12, fez um programa chamado Essa é a sua vida. Era um repórter, um
rapazinho, trabalhava lá no Rio, não era por aqui não. Então, toda a semana tinha essa
história, uma reportagem que ele fazia com gente de, de... de alto, de alto nível lá do Rio
[de Janeiro], São Paulo. Essa é sua vida contava a vida do indivíduo ou da família do
indivíduo. Ele veio aqui em Belo Horizonte e fez um para nós. Fez esse programa para,
para... // A.A: Sobre Natália ou sobre a família do senhor? // Sobre Natália. Mas, a
gente apresenta a família inteira, “esse é irmão, faz isso ali”, “seu fulano, você faz o
que?”. E ia contando a história dela desde o princípio. Engraçado que eu te contei mais
ilustrado.
A.A: O senhor se lembra qual foi a televisão que fez esse programa?
N.L: Canal 12. Na época, aqui era 4, TV Itacolomi, canal 4. E lá no Rio [de Janeiro] é...
é canal 12, né. Não é 12 que vem aí no jornal? Deve ter arquivado esse negócio. Porque
saíram muitos, muitos programas desse Essa é a sua vida, em diversos lugares do
Brasil. Sempre tinha um. E aqui nós fizemos isso no salão do grupo... // A.A: do Barão
do Rio Branco. // Até meu pai veio do Amazonas para, para entrar nesse negócio
também. Meu pai, minha mãe, meus irmãos todos. Isso eu me lembro.
A.A: Cláudia, como que foi para a professora Natália, a sobrevivência com o trabalho
de dança? Como é que era isso?
C.L: O trabalho dela eram todos em, em, em benefício. Ela, ela faleceu sem ter um
imóvel, ela morava em apartamento alugado. Então, ela... todos os festivais dela,
apresentações e viagens era em benefício. A tia Natália não tinha mesmo, é... não tinha
intenção de arrecadar, de... [silêncio] ela tinha intenção de ajudar as pessoas. Ela não
tinha conta em banco, ela não tinha poupanças, nada. Só trabalhou a vida toda só em
benefício. [interrupção na fita]
2A – NL e CL - 20
A.A: Cláudia, como é que era a tia Natália?
C.L: Eu acho que... eu sou parecida com ela. Em tudo: a paixão pela dança... o jeito de
ser, o gênio... um gênio difícil, eu sou bem parecida com ela. // Lígia: Não quer saber
de namoro! // É. Só pensar em balé a vida inteira, não existir outra coisa. Eu acho que
eu sou a única pessoa da família que, realmente, puxou ela, em todos os sentidos.
[silêncio]
A.A: Algum de vocês gostaria de, não sei, fechando o nosso depoimento, de fazer
alguma observação, de fazer alguma narrativa, alguma coisa que eu não perguntei?
N.L: Eu acho o seguinte: no princípio, no princípio ninguém interessava por aqui,
porque lá em casa tudo era homem. [???] não fica atrás dessas coisas não. [???] e tal,
mas... só um irmão que eu tive que, quando ela morreu, ele palpitou em botar ninguém,
não, em botar ninguém, de vender o nome para quem quisesse. Aí, meu... ninguém,
ninguém concordou com ele e ficou por isso mesmo. // Lígia: Aqui no [???] já teve
escola de dança, mas não foi... // Mas, não. Ele queria, ele queria que alguém comprasse
o nome, por exemplo, ... insuflar a alma dela que morreu, botaram o nome na escola de
Professora Natália Lessa, a primeira professora do... um negócio todo assim. [tosse]
Mas ninguém se interessou. porque ela tinha, ela deu o curso dela duas vezes. Ela deu.
Uma vez quando ela foi acidentada e... quase que morre, né, falta de sangue e tal. Em
dois lugares que ela foi, transferiu o curso para uma outra moça. “Ao morrer, eu
morrendo o curso fica para você!”. Mas, ela não morreu. [risos] Então, aquilo até... foi
onde ela nasceu que ela ia morrer. [???]... o carro do trem... o carro, era particular só
das meninas e entrou um pinguço, veio a parada e entrou um pinguço na estrada. Ela
brigou com o pinguço, botou o pinguço para fora. O pinguço bateu a porta, ela estava
com o braço e cortou aqui, cortou, fez um corte aqui. Fundo, assim. Dava para ver o
osso lá dentro. E o sangue saiu. E foi falecendo, né. [???] o trem era uma murrinha
danada. Até chegar em Diamantina...
A.A: Ela estava indo se apresentar em Diamantina?
N.L: É. Nós íamos fazer a peça lá, ué.
2A – NL e CL - 21
A.A: Isso foi quando, senhor Nelson, você se lembra?
N.L: Não lembro mais não. Deixa eu ver onde é que eu morava, aí é capaz de eu
lembrar. Mas depois eu lembro e te falo.
A.A: Quantos anos ela devia ter, o senhor sabe mais ou menos?
N.L: Ah, já estava, já estava virando a serra, a... // Lígia: 94. // Não. Na época? Na
época não. Na época eu era solteiro. Então, ali ela deu o curso dela. Mas só que eu tinha
um amigo, que formou em medicina, que era de lá, inclusive foi prefeito lá, mas depois
viveu a vida dele lá como médico e prefeito. Eu lembro por causa da data, porque ele
era prefeito de lá e outro diamantinense era prefeito aqui. Bom, o fato é que ela sarou,
né. Fizeram a transfusão de sangue e tal e coisa, e mexeram e ela sarou. Bom...
[silêncio] mas esse negócio que o [???] inventou, de vender nome, então. Nós ficamos
de bobagem por causa disso, né. Ele ia... que queria. Mas acabou deixando. Agora, tem
duas sobrinhas. Porque na época só tinha Marta e Cláudia, na época que ela morreu. As
de Fernando, as de Fernando mexia com Rio, morava fora, não sei. // C.L: Ela morreu
sabendo que eu ia ser herdeira da dança. Eu já dava aula com ela, na escola dela. // É.
Mas... então, eu achei bobagem. Agora é deixar. Deixar pra quem? Deixar para as duas,
né. Elas ficaram com isso, ficaram com a escola. A escola, nessa época, ela já estava
fracassando. Quer dizer, fisicamente, né. E financeiramente, porque ninguém também
ajudava. Nós não... não interessávamos, nenhum deles interessou pelo negócio, a não
ser [???], mas não tinha dinheiro para ficar gastando, para por lá não. [risos] Deixa eu
ver... dá para Cláudia e dá para Marta. Então... ficou com elas. Mas elas tiveram que
fazer um salão, tiveram que arrumar, depois tiveram que fazer, mudar para outro, depois
fazer... acabou que Marta foi estudar e tal e coisa, [espirro] e acabou o negócio.
C.L: A Marta, minha irmã, não tinha paixão pela dança. Eu, eu fui a seguidora. Mas,
ela, a minha irmã registrou a escola e passou a se chamar Grupo Livre de Dança. A
minha irmã abriu a escola comigo, mas ela casou, foi abandonando aos poucos. Eu
continuei sozinha, dois anos e não consegui ficar. Porque o aluguel na Savassi era
caríssimo e ainda tinha algumas alunas da minha tia comigo. Eu tinha essa escola e dava
aula na Ana Lúcia. E um dia nós fomos obrigadas a fechar a escola. Infelizmente. E eu
continuei trabalhando na Ana Lúcia.
2A – NL e CL - 22
N.L: Ana Lúcia era aluna de Natália. Virou professora. Essa aí também, acho que virou
professora, foi dar aulas também. E tinha uma terceira, que aquela era agarrada mesmo.
Aquela, se Natália tivesse morrido, assim, sem saber nem que ia morrer, eu acho que
essa moça que ia ser a dona do curso dela. Era aquela escura. Lembra dela? Ela não
perdia uma aula. A aula começava cinco horas da tarde, às quatro e meia a moça já
estava lá, mas não saía mesmo. Ela morava em uma vila aí... // Lígia: Como é que
chamava aquela moça... // É uma escura. E dançava bem, só se vendo. Tinha uns
números que ela fazia sozinha, tal de... uma da escrava. // C.L: Não tinha alunos de
preferência dela, mas... // Mas não tinha... escuro não tinha não, só tinha essa. // C.L:
Mas ela não... ela não pretendia dar o curso para ninguém não. Ela sabia que eu gostava
de balé. Ela tinha as alunas de preferência dela sim. // Ela não era racista, nunca foi,
graças à Deus. Mas... também, convidar, chamar, isso aí não. Não sei se o cara gosta, ou
não gosta. Geralmente não gosta. Mas essa não, essa era apaixonada mesmo. Eu não
lembro o nome dela, mas é uma mulata bem apessoada... dançava tanto, dançava todo
espetáculo com ela aí, ela fazia o número dela e agradava. Esse tal de [???], onde a
gente ia ela tinha que dançar aquele negócio. A Escrava Isaura, né. A Escrava é... do... o
autor é Rachmaninoff. Um russo também. Ele fez essa música, A Escrava. E ela ia toda
acorrentada, toda cheia de correntes, cheia das [???]. [risos] Você lembra dela Lígia.
A.A: Senhor Nelson, o senhor se lembra a data em que a sua irmã faleceu?
N.L: O que?
A.A: O senhor se lembra a data em que Natália faleceu?
N.L: Não. Mas eu posso saber agora. Porque o meu irmão mais novo está em casa, ele
não sai de casa não. Ele tem...ele a... todo diário nosso, desde que papai casou, desde
que papai casou que ele fazia um diário, sabe, todo... quer dizer, por dia não. Ele fazia o
diário da família. Um faz isso, estudou ali, estudou aqui, depois [???] foi para lá. Estas
coisas todas, meu pai fez. E... passou para a Natália, porque ela já, última vez ela
morava sozinha com os dois irmãos que eu tenho solteiros... tinha. Então, ela morreu, os
dois morreram também. Pronto. Acabou a casa. [risos] Adiantou nada. Esse mais novo,
2A – NL e CL - 23
ele foi lá, alugou, vendeu, num sei e carregou tudo o que sobrou lá: retrato, medalha que
eram os escritos,... tudo. Acabou com tudo. Então ele tem. [interrupção na gravação]
A.A: Cláudia, o que que te ficou de mais importante para a Cláudia hoje, para a sua
carreira, para todo o trabalho que você desenvolve, o que que te ficou do seu tempo de
aprendizado, enquanto aluna, com a professora Natália?
C.L: Certo. Depois de, de ficar vários anos trabalhando com balé, sempre na escola da
Ana Lúcia, eu fiz muitas coreografias para criança e para adulto também, de jazz. E...
fiz vários cursos lá, mas eu tenho certeza que esse dom, essa, essa... essa vocação, não
sei, talento ou vocação, foi... veio com a aprendizagem com a minha tia Natália. Porque
eu tenho muita, como eu disse no começo, muita musicalidade, Ana Lúcia sempre dizia
isso, ritmo... criatividade, principalmente, para fazer coreografias e, de tudo, de todos os
anos em que eu estudei com a tia Natália, eu acredito que eu e outras, outras alunas que
continuaram a fazer balé, com técnica, como eu, levaram isso, essa experiência com
elas.
Silêncio.
A.A: Abril de 1985. [data do falecimento da professora Natália Lessa]
FIM DO LADO “A” DA FITA 2
(A fita não foi usada até o fim)
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Dança - Fafich - Universidade Federal de Minas Gerais