44_47 eficiência energética na construção sistemas de pré-aquecimento passivo do ar de ventilação – parte ii Jorge S. Carlos1, Helena Corvacho2, Pedro D. Silva1 e J. P. Castro-Gomes1 1 C-MADE, Centre of Materials and Building Technologies, Universidade da Beira Interior 2 Universidade do Porto, Faculdade de Engenharia (FEUP), Departamento de Engenharia Civil – Secção de Construções Civis, Laboratório de Física das Construções 1. INTRODUÇÃO Pretende-se concluir, neste artigo, a apresentação de um conjunto de sistemas possíveis para o pré-aquecimento passivo do ar de ventilação. Recorda-se que os diversos sistemas destinados ao pré-aquecimento passivo do ar de ventilação, que têm sido estudados e adaptados em projectos ao longo dos últimos anos, podem agrupar-se da seguinte forma: – Estufa; – Tubos enterrados; – Coletores solares a ar: . Transparente; . Opaco perfurado; Proteção solar Sol Envidraçado exterior Envidraçado interior Parede opaca Espaço ventilado >1 > Figura 1: Esquema de uma fachada dupla ventilada. 44_cm – Fachada dupla ventilada: . Transparente; . Semi-transparente; – Janelas ventiladas: . Caixilho duplo; . Duas janelas. Num primeiro artigo, foram apresentados os três primeiros sistemas, concluindo-se, neste artigo, com a apresentação dos restantes dois sistemas. 2. FACHADA DUPLA VENTILADA 2.1. Fachada dupla transparente ventilada Uma fachada dupla transparente ventilada é um sistema geralmente composto pela fachada tradicional de um edifício à qual é adicionado um forro exterior transparente e respectiva estrutura. O forro assim constituído está separado da fachada tradicional criando um canal de ar de largura variada. Não existindo uma definição de limites para a largura da cavidade, esta poderá ter qualquer dimensão (podendo-se até incluir, no limite, por exemplo, os átrios). No entanto, para balizar o objecto presentemente em análise, a fachada dupla transparente ventilada corresponderá àquelas fachadas cujo canal de ar não possui dimensões suficientes para se contabilizar como área útil edificada, cor- respondendo esquematicamente ao que se ilustra na Figura 1. A circulação do ar faz-se do exterior, entrando por uma abertura colocada na base da fachada, sobe no canal de ar por via da acção do vento e/ou pela acção térmica e entra no edifício a uma temperatura mais elevada do que a do ar exterior. Aproveita a radiação solar incidente e as perdas térmicas vindas do interior, melhorando o conforto térmico e reduzindo as necessidades energéticas do edifício. Diferentes conceitos de utilização das fachadas duplas poderão ser encontrados, dependendo dos efeitos pretendidos. Para promover a ventilação natural no sentido de manter uma boa qualidade do ar interior será necessário conceber uma fachada dupla de admissão do ar exterior. Nestes modelos a ventilação (renovação do ar) far-se-á aos compartimentos adjacentes à fachada ou abrangendo uma maior profundidade através de uma ventilação cruzada do edifício [1], conforme esquemas ilustrados na Figura 2. Este tipo de sistema começa a ser utilizado na renovação de edifícios existentes. Além de préaquecer o ar fresco do exterior contribui para a redução das perdas térmicas e promove a melhoria do conforto térmico interior, no inverno, ao aumentar a temperatura superficial interior das paredes, sendo um sistema complexo com muitas variáveis a analisar [2], nomeadamente o clima local. No entanto, há que ter muita aten- Alçapão Saída de ar Entrada de ar Saída de ar Fluxo de ar Fluxo de ar Interior Interior Entrada de ar Entrada de ar >2 ção com o desempenho deste tipo de sistemas no verão, uma vez que o seu funcionamento pode tornar-se crítico e invalidar os benefícios obtidos, durante o inverno, com a protecção da fachada e o pré-aquecimento do ar de ventilação. No verão, há que tomar medidas para evitar o sobreaquecimento, recorrendo a protecções solares adequadas e à ventilação franca do espaço de ar com extracção do ar para o exterior. A fachada dupla ventilada, especialmente concebida em vidro, é um sistema construtivo ainda recente em Portugal. Independentemente da tipologia concebida, o grande pano de fachada envidraçado é comum a estes edifícios. Temos, a título de exemplo os edifícios da Caixa Geral de Depósitos e da Portugal Telecom – Expo 98, em Lisboa com ventilação híbrida e os edifícios Palácio Sotto Mayor e Zen Tower, em Lisboa ambos com ventilação natural. 2.2. Fachada dupla semi-transparente ventilada Quando se integra na envolvente do edifício um ou mais painéis fotovoltaicos é desejável a criação de um canal de ventilação associado à face posterior para arrefecimento dos elementos geradores de energia eléctrica no sentido de aumentar a sua eficácia de produção energética, que seria reduzida com o aumento da temperatura do painel [3, 4]. Uma fachada dupla semi-transparente ventilada composta por painéis fotovoltaicos é então composta por um ou mais painéis fotovoltaicos, uma caixa-de-ar ventilada, a parede do edifício. Um sistema de painéis fotovoltaicos inseridos na fachada, Fluxo de ar Parede Interior Fotovoltaico >3 com uma cavidade ventilada na face posterior poderá desempenhar um papel importante no desempenho térmico do edifício (Figura 3). Numa fachada com um forro semi-transparente composta por painéis fotovoltaicos, como por exemplo o Edifício Solar XXI, em Lisboa, parte da energia solar incidente é absorvida pelo painel que a transforma em energia eléctrica e parte em calor que transfere para o caudal de ar na cavidade. Parte da energia solar incidente atravessa o forro incidindo na parede do edifício, que por sua vez transfere parte da energia solar absorvida para o caudal de ar no canal de ventilação. O processo térmico de transferência de calor para o caudal de ar no canal torna-se assim complexo, devido às interacções entre o espaço interior, o espaço ventilado, os painéis fotovoltaicos e as condições ambientes externas. No verão será necessário encaminhar a ventilação do canal de ar para o exterior evitando o sobreaquecimento do espaço interior. do interior do edifício para o exterior através do pano interior da janela. O comportamento da janela é influenciado pelas condições climáticas (temperatura do ar exterior, radiação solar e características do vento), bem como pela temperatura do ar interior. O nível de isolamento térmico do conjunto envidraçado é variável em função da passagem do ar através da caixa-de-ar, e traduz-se no valor de U-equivalente (Ueq, em W/m2K) do conjunto envidraçado, tendo em conta a recuperação de calor por via da ventilação. No verão, há que cortar com o fornecimento de ar para o interior do edifício através deste sistema e recorrer a protecção solar adequada para evitar o sobreaquecimento. A existência do canal de ar deverá ser desactivada para evitar o efeito de estufa, sendo a sua concretização, nestes casos, mais fácil do que nos sistemas anteriormente descritos. 3.2. Janela com caixilho duplo 3. JANELAS VENTILADAS 3.1. Definição Uma janela ventilada corresponde ao preenchimento de um vão de fachada com um sistema envidraçado, com um canal de ar ventilado. Através de aberturas, exterior, na base e interior, no topo dos envidraçados, permite que o ar fresco entre pela base do canal de ar, entrando no edifício pelo topo. Exposta à radiação solar, a janela ventilada é atravessada pelo ar fresco que entra no edifício e que é previamente aquecido pela energia solar absorvida pelos envidraçados e pelo calor que se transmite Uma das formas de se concretizar a janela ventilada é através da instalação de um caixilho duplo. Trata-se de uma janela composta por dois caixilhos ligados entre si, integrando um pano de vidro cada um e formando um canal de ar entre eles (Figura 4) [5]. O ar é pré-aquecido na caixa-de-ar de duas formas: – Pela energia solar absorvida pelos elementos constituintes do vão (vidro e caixilhos); – Pelo calor que se transmite do interior do edifício através do pano de vidro interior. Em diversos estudos levados a cabo no Building Research Establishment’s Scottish > Figura 2: Ventilação do espaço contíguo à fachada e ventilação cruzada. > Figura 3: Esquema ilustrativo do funcionamento no inverno de um painel fotovoltaico ventilado. cm_45 eficiência energética na construção Laboratory [5], foram comparados os resultados de simulações efectuadas com recurso a programas de cálculo com os resultados das medições efectuadas em laboratório. Nestes estudos, procurou-se optimizar a geometria da janela ventilada de forma a obter um fluxo de ar laminar, o que levou ao ensaio de janelas com caixas-de-ar de 10, 20 e 30 mm de espessura. Neste sistema, poderão ocorrer condensações no pano de vidro exterior, caso o sentido do fluxo de ar se inverta. Este fenómeno foi observado em ensaio num apartamento em Londres, com janelas colocadas em ambos os lados do edifício, virados a barlavento e a sotavento. Quando utilizado na fachada contrária à da incidência do vento, para certas condições de temperatura, o sistema terá tendência para funcionar como extractor de ar. 3.3. Duas janelas 3.3.1. Funcionando sem elemento absorsor intermédio A concretização de um vão envidraçado ventilado pode também ser conseguida através da instalação de duas janelas independentes no mesmo vão. Os envidraçados das habitações Portuguesas, são em geral, compostos por um caixilho e um pano de vidro, simples ou duplo. No exterior da janela, coloca-se uma persiana que permite ocultar os indesejáveis raios solares no Verão e proporcionam segurança extra durante o período nocturno, bem como ocultação de vista e maior resistência térmica. Como os elementos constituintes da caixa de estore são de baixo isolamento acústico e térmico, bem como de forte permeabilidade ao ar, surgiu de uma forma natural e espontânea uma solução generalizada para resolver os problemas de desconforto que se verificavam. Essa solução passou pela colocação de uma segunda janela pelo exterior da persiana, passando a existir uma cavidade não ventilada entre as duas janelas onde funciona a persiana. Com a introdução desta segunda janela, na óptica do utilizador, reduzir-se-ia o nível de ruído no interior da habitação mas principalmente as frias infiltrações indesejáveis e incontroláveis. Constatando uma redução das infiltrações mas também a existência de um deficiente sistema de ventilação das habitações, decorreram na Universidade da Beira Interior com o apoio do Laboratório de Física das Construções, da FEUP, estudos no sentido de adaptar este conhecido sistema construtivo a um sistema passivo de ventilação natural com o pré-aquecimento do ar, com o intuito de reduzir o consumo energético devido às perdas térmicas pela ventilação, evitando ou reduzindo o desconforto pontual com a entra- da de ar fresco directamente do exterior, em tempo frio. Para o efeito é introduzida uma ou mais aberturas para entrada de ar exterior na base da janela exterior, bem como na tampa interior da caixa de estore para insuflação do ar no interior do edifício (Figura 5). O elemento de obstrução solar aqui não terá o papel de colector solar, uma vez que durante o Inverno estará recolhido para permitir a entrada da radiação solar no interior do edifício. A janela interior, poderá ter um pano de vidro simples ou duplo e o afastamento entre elas será o que a espessura da parede permitir, sendo o mínimo o necessário para albergar o estore e respectivos acessórios. Os ensaios levados a cabo, para uma temperatura interior fixa de 20ºC, contemplam dois canais de ar com uma profundidade média de cerca de 7 cm e 19 cm. O acréscimo de temperatura que se conseguiu obter com o ar de ventilação à saída da dupla janela ventilada para ausência de radiação solar oscilou entre cerca de 4 a 7 ºC, para uma diferença de temperatura entre o interior e o exterior em cerca de 17 e 14ºC [8]. O caudal obtido durante o período de ensaios mostrou uma grande variabilidade de resultados, tal como aconteceu com os factores climáticos, com especial incidência na velocidade e direcção do vento. Durante os períodos de ensaio o caudal médio horário oscilou entre os 12 e os 45 m3/h. Para estes valores, Grelha de extração do ar pré-aquecido Exterior Interior Calha da persiana Exterior Entrada de ar Interior Grelha de admissão do ar exterior Perfil >4 >5 > Figura 4: Janela com duplo caixilho. > Figura 5: Janela dupla e respectiva adaptação para pré-aquecimento do ar de ventilação. 46_cm este sistema e nas dimensões apresentadas, em média, poderá satisfazer as necessidades de cerca de 0,75 renovações horárias de um compartimento com uma área aproximada de 14 m2. As perdas térmicas por ventilação foram compensadas pelos ganhos térmicos em cerca de 12% e 28%, sem radiação solar presente. Com radiação solar o valor máximo excedeu, a maioria das vezes, os 100% dando assim um contributo acrescido ao aquecimento do espaço interior. De apoio e como complemento à dupla janela temos o estore (de interesse quando activo). O estore quando fechado, em especial à noite, divide o canal de ar em dois. Sendo o canal interno o que apresenta melhores desempenhos térmicos, o acréscimo de temperatura obtido oscilou entre os 3,8ºC e os 12ºC, com uma compensação térmica entre os 32 % e os 63%. Este conjunto de janelas, é aplicável a edifícios novos e antigos, sendo capaz de fornecer ar pré-aquecido durante o Inverno, recuperando parte das perdas de calor do interior e da radiação solar incidente. Este tipo de sistema proporciona a redução do consumo energético para aquecimento, uma vez que pode levar a uma redução da perda de calor resultante da renovação do ar interior. Salienta-se os baixos custos de aplicação, facilidade de instalação e insignificantes despesas de manutenção deste sistema que oferece uma grande diversidade arquitetónica [9]. 3.3.2. Funcionando com um elemento absorsor intermédio No sistema descrito no parágrafo anterior, duas janelas independentes no mesmo vão, poderá eventualmente existir um elemento entre as duas janelas, tal como uma persiana ou um estore, que, uma vez corrido, funcionará como um elemento absorsor da radiação solar que nele incida (Figura 6). É muito importante, no entanto, frisar aqui que este efeito só será benéfico no inverno. No verão, esse elemento, se não for amovível, deverá funcionar como protecção solar, estando a janela exterior desactivada, ou seja, aberta. Os ganhos solares de todo o sistema variam > Figura 6: Janela dupla com um elemento absorsor. Exterior Interior Entrada de ar >6 em função da quantidade de energia solar incidente no envidraçado interior bem como da quantidade de energia que o elemento intermédio consegue absorver. Caso esse elemento seja composto por estores venezianos, a posição das lâminas determinará a quantidade de energia solar que penetra no interior do sistema a qual depende do ângulo de abertura das lâminas. O efeito de absorção poderá também ser conseguido através de uma cortina ou tela a qual, sendo de cor escura, permitirá uma maior absorção de radiação no inverno, desde que seja possível retirá-la do sistema durante o verão. No entanto, nesta solução, a iluminação natural poderá ficar comprometida. A grande vantagem do estore veneziano reside na possibilidade de se ajustar a inclinação das lâminas, permitindo regular a entrada directa do sol para manter os níveis de iluminação pretendidos. A temperatura do ar no canal de ar virado ao exterior, formado entre o absorsor e a janela exterior, é mais elevada devido à acção directa da radiação solar. Com ausência de radiação solar, é o canal de ar virado para o interior que apresenta uma ligeira subida de temperatura em relação à antecedente devido às perdas térmicas do interior. 4. CONCLUSÕES Com o aumento da resistência térmica da envolvente dos edifícios, as perdas térmicas por via da renovação do ar terão um peso cada vez maior nas perdas térmicas totais, Este facto motivou o interesse de investigadores no pré-aquecimento do ar de ventilação por meios passivos. Existem vários sistemas disponíveis para o pré-aquecimento passivo do ar de ventilação. No entanto, o impacto negativo de alguns destes sistemas durante o período de arrefecimento poderá ser significativo, provocando o sobreaquecimento do edifício e tornando a sua utilização desaconselhável em climas como o português. Há que procurar, então, um sistema suficientemente flexível e adaptável que possa ser útil para o pré-aquecimento do ar de ventilação durante o inverno e que apresente um desempenho satisfatório, durante o verão. Para além de um bom desempenho térmico e económico dos sistemas em análise, estes devem ser adaptáveis aos métodos construtivos locais para a sua aceitação e implementação. Um desafio importante será a conjugação de esforços entre a comunidade científica e a indústria da construção. REFERÊNCIAS [1] S. Robert Hastings e Ove Morck, Solar air systems – A design handbook, International Energy Agency (IEA) (2000). [2] J. Claessens e A. DeHerde, Active solar heating and photovoltaics. Energy Research Group, UCD, School of Architecture, Landscape: http://erg.ucd..ie/ [consultado em Julho de 2007]. [3] Geun Young Yun, Mike McEvoy e Koen Steemers, Design and overall energy performance of a ventilated photovoltaic façade, Solar Energy 81 (2007) 383-394. [4] Li Mei, David Infield, Ursula Eicker, e Volker Fux, Parameter estimation for ventilated photovoltaic facades, Building Service Engineering Research and Technology 23 (2002). [5] P. H. Baker e M. McEvoy, Test cell analysis of the use of a supply air window as a passive solar component, Solar Energy 69 (2000) 113-130. [6] M. McEvoy, R. Southall e P. Baker, Test cell evaluation of supply air windows to characterise their optimum performance and its verification by the use of modelling techniques, Energy and Buildings 35 (2003) 1009-1020. [7] Chris Hadlock, Modelling and optimization of an airflow window with between-the-panes shading device, Master thesis in Mechanical Engineering, of Applied Science, University of Waterloo (2006). [8] Jorge S. Carlos, Helena Corvacho, Pedro D. Silva, J. P. Castro-Gomes, Transforming a double window into a passive heating system, Conference Proceedings, Portugal SB10: Sustainable Building Affordable to All – Low Cost Sustainable Solutions, Vilamoura – Algarve, Março (2010) 201-208. [9] Jorge S Carlos, Sistema passivo de pré-aquecimento do ar de ventilação: A dupla janela ventilada, Universidade da Beira Interior, Covilhã; Tese de Doutoramento, 2009.