Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 Intimidade e sexualidade na escrita íntima: uma analogia dos diários de Altino Arantes e Couto de Magalhães Acadêmica: Patrícia Simone de Araujo PIBIC/CNPq Orientador: Prof. Dr. Robson Mendonça Pereira UEG, CEP: 753110109, Brasil e-mail da acadêmica: [email protected] e-mail do orientador: [email protected] Palavras Chave: Intimidade, sexualidade, diários íntimos, Couto de Magalhães e Altino Arantes. 1-INTRODUÇÃO Esse trabalho tem como objetivo analisar os diários íntimos de: José Vieira Couto de Magalhães e Altino Arantes Marques. Ambos os políticos ocuparam cada qual em sua época cargos proeminentes na administração pública brasileira. Também deixaram registradas suas impressões pessoais e íntimas em diferentes momentos de suas vidas (pública e privada). Neste exercício cotidiano de escrita auto-referente revelam ansiedade, momentos de hesitação, frustração e desejo, dentre outros temas, o que constitui excelente oportunidade para evidenciarmos a legitimidade da sexualidade enquanto objeto de pesquisa do conhecimento histórico. Ao nos lançarmos no estudo da intimidade e sexualidade na escrita de si temos como objetivo nos afastarmos da produção de estudos historiográficos que tendem muitas vezes a analisar as personagens como destituídos de desejos, anseios, sem necessidades corporais, mesmo quando essas personagens são analisadas como participantes de guerras e revoluções. A História torna-se um saber destituído de sedução se não tem corpo, se seus personagens estão mortos. Dificilmente é possível seduzir os vivos com algo que não tem vida, que se faz somente por fórmulas conceituais como afirma Albuquerque Jr.: “Como podemos atrair leitores da História para 1 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 personagens que não tem sexo, não desejam, não brincam, não jogam?” (2007, p.175). A autobiografia ou o diário íntimo surge nesse contexto como documento significativamente profícuo para o estudo que tem como objetivo entender os meandros da intimidade e da sexualidade. Nos documentos autobiográficos seus autores revelam profundamente sua intimidade, confessam seus desejos sexuais, sonhos eróticos, consignam opiniões, idéias, valores que dificilmente seriam colocadas em pauta em um ambiente público ou seriam apreendidos em documentos oficiais. O autor no documento “privado” desfruta de uma suposta liberdade para pensar e emitir opiniões que jamais daria no espaço público. Seria como se o indivíduo estivesse em um estado de suspensão moral ou ética, podendo dar livre impulso as suas opiniões. Foucault (1988) ressalta em seus estudos em relação ao século XVIII que a intimidade e sobretudo a sexualidade não mais se restringe ao espaço privado dos lares espalha-se e toma conta das prateleiras de livrarias, das conversas, mas principalmente das confissões. Sente-se uma necessidade em se falar cada vez mais sobre o sexo, ou seja, “colocar o sexo em discurso”. Esse autor observa a incitação dos desejos em se colocar os corpos em atitudes indecorosas e em carregar os discursos de palavras indecentes como pode ser percebido no caso brasileiro no diário de Couto de Magalhães em que a sexualidade é tratada de forma exacerbada e no diário de Altino Arantes em que o sexo é tratado de forma mais comedida. Nesse sentido, o diário íntimo surge como um dos dispositivos de registros do discurso sobre o sexo, elevado à condição de segredo sobre o qual todos deveriam falar sempre, de forma regulada e com moderação. Deduz-se disso a importância assumida pelos diários íntimos, algo que se torna mais contundente no caso de personalidades públicas, seja por envolver apreciações privadas pouco comuns, ausente mesmo na documentação epistolar do personagem, revelando circunstâncias especiais, momentos de hesitação e incertezas que tingem de veracidade os eventos vividos, semelhante a uma espécie de exame de consciência. Desenvolve-se 2 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 assim uma “imagem da vida interior”, produto da meditação constante com o qual o indivíduo refaz sua própria biografia, para si mesmo e para os outros.1 2-MATERIAL E MÉTODOS A escrita de si ou escrita auto-referente assume uma importância cada vez maior na historiografia atual e especialmente para História Cultural no campo de análise das representações construídas por indivíduos na sua subjetividade, isto é, na forma como se percebe e se atribui sentido à realidade vivida. Neste sentido, os registros privados de políticos (cartas, bilhetes, diários, etc.) constituem um denso manancial para o estudo do imaginário político de uma época para o qual os historiadores e cientistas sociais têm se voltado em larga medida. A pesquisa histórica passou a utilizar muito recentemente as fontes privadas e as considerá-las como objeto de análise. Para Gomes (2004, p.10) isto suscitou todo um investimento téoricometodológico novo, sistematizando um conhecimento acerca da guarda e uso dessas fontes. Artières (1998) analisa os motivos pelos quais os indivíduos são levados, a partir da era moderna, a arquivar as próprias vidas, isto é, os processos de guarda de materiais ligados diretamente à escrita de si propriamente dita (autobiografias, diários, correspondência passiva) ou à constituição de uma memória de si (fotografias, cartões-postais, etc.). Para Artières respondemos a certas “injunções sociais”, isto é, as pressões sociais para mantermos nossas vidas organizadas, pondo o “preto no branco, sem mentir, sem pular, nem deixar lacunas” (1998, p.10-1). Neste processo manipulamos a existência, rasuramos, riscamos, sublinhamos ou damos destaque a certas passagens de nossas vidas. No entanto, esse esforço é comparável a análise de uma arte de fazer, isto é, o sujeito constitui uma “imagem íntima de si próprio” para escapar do elemento de arbítrio contido no 1 CALLIGARIS, Contardo. Op. Cit., p. 46. Este definiu quatro tipos de autobiografia: a) no sentido restrito; b) o diário íntimo (journal), c) o diário (diary); e d) memórias (memoirs). 3 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 exercício da escrita auto-referente podendo se comparar a um “dispositivo de resistência”: Eu quis mostrar, enfim, que a constituição pelo indivíduo de arquivos pessoais, longe de restringir e de circunscrever, é formidavelmente produtiva. Enquanto alguns poderiam crer que essa prática participa de um processo de sujeição, ela provoca na realidade um processo notável de subjetivação (1998, p.32). Para Ângela de Castro Gomes, essa tentativa do indivíduo de construir uma identidade para si através de seus documentos, constitui então uma emergência histórica em contraste com as sociedades tradicionais que tendiam a se sobrepor aos interesses individuais, reprimindo sua manifestação (2004, p.12). Porém, no contexto da sociedade moderna, o indivíduo desempenha uma série de papéis sociais sobrepostos e geralmente desarmônicos, que dificultam enfim a construção de uma identidade coesa. Podemos afirmar assim que a produção de si constitui uma forma de se proteger da fragmentação do eu própria da vida moderna. Na modernidade observa-se a necessidade do indivíduo de produzir discursos em que a temática principal seja sua própria vida. Personalidades como os políticos passaram a escrever diários de governo que muitas vezes eram redigidos no intuito de serem publicados ou pagavam para que seus “grandes feitos” fossem narrados em biografias. Assim, sendo as barreiras impostas pela sociedade para proteger do domínio público o que antes era sagrado, o lar, perderam força no momento em que os próprios indivíduos lançaram o convite ao público de conhecer as esferas de sua intimidade. O privado deixa de simbolizar a zona maldita, proibida e obscura e passa enfim a ser reconhecido, visitado e legitimado. No século XVIII o sexo pertencia ao ambiente do lar, do privado. Todavia, o limiar da temática erótica frequentemente e cada vez mais intensamente transbordava-se para o mundo público exterior ao lar. Até mesmo a produção historiográfica que antes dedicava-se aquela tradicional abordagem das temáticas história do Estado, da economia e sociedade cede lugar – mesmo que mínimo diante da complexidade acerca do tema 4 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 sexualidade – ao estudo da intimidade e conseqüentemente aos assuntos de ordem sexual. Contudo, é no século XIX que se evidencia de fato o tilintar da idade de ouro do privado, a partir deste período há uma crescente e incessante petição da vontade de saber sobre o sexo. Lançam-se livros, revistas, fala- se e ouve-se mais sobre o sexo principalmente nas confissões dos órgãos institucionais da Igreja Católica (FOUCAULT, 1988). Não é por acaso que é justamente em fins do século XIX que são lançados no Brasil romances que abarcam o tema sexualidade, com narrativas homossexuais como O cortiço em que Aluísio de Azevedo (1890) narra uma cena lésbica, e Bom crioulo de Adolfo Caminha (1895), que aborda o amor entre Aleixo, um loiro grumete (aprendiz de marinheiro), e Amaro, um marinheiro negro e ex-escravo. 3-RESULTADOS E DISCUSSÃO Qualquer estudo que tenha como objetivo explorar a intimidade de personagens históricos a partir da análise de seus diários íntimos não poderia deixar de abordar um ponto crucial da vida íntima, a sexualidade. Não são poucos estudos que tratam de personalidades históricas sem desejos e anseios sexuais, ou seja, nossos heróis são abordados como verdadeiros seres assexuados. Como destaca Mott (2003): Gente importante, personalidades históricas, heróis nacionais, geralmente têm suas biografias despojadas de qualquer menção ou fato que pudessem embaçar o brilho de suas virtudes intelectuais ou patrióticas. Nossos luminares parecem-nos com anjos- sem sexo e sem vida sexual. Várias biografias de Santos Dumont, por exemplo, omitem seu suicídio e sua provável homossexualidade (p.174). Esse trabalho analisou os diários íntimos de Couto de Magalhães e Altino Arantes como homens de carne e osso que sentem e que obviamente possuem desejos sexuais. Sendo que encontra-se no diário de Couto de Magalhães escritos que esbanjam sensualidade e erotismo em contraposição a Altino Arantes que tenta esconder ao máximo os seus anseios sexuais, mas 5 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 que nem por isso seu diário deixa de ser interessante no estudo que tem por objetivo entender os meandros da sexualidade. José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898) natural da província de Minas Gerais foi um típico político do século XIX. Pode-se dizer que a vida de Couto de Magalhães foi uma coleção de sucessos: formado em Direito, foi presidente das províncias Goiás, Pará, Mato Grosso e São Paulo. Foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Autor de uma dezena de livros de caráter histórico, destacando-se O Selvagem (1876), encomendado por D. Pedro II para figurar na Biblioteca Americana da Exposição Universal do Centenário da Independência Americana, na Filadélfia, livro traduzido para várias línguas. Publicou várias outras obras entre os quais: Viagem ao rio Araguaia (1863) e Ensaios de antropologia (1894). Considerado herói da Guerra do Paraguai, foi brigadeiro honorário do Exército por seu vitorioso comando na tomada de Corumbá. Já no final de sua vida tornou-se presidente do Clube dos Oficiais Honorários do Exército. Escritor fecundo, político influente, Couto de Magalhães foi igualmente bem sucedido homem de negócios, diretor do Banco do Brasil, fundador de empresas de transporte fluvial e ferroviário. Couto fundou o Colégio de Línguas Princesa Imperial Dona Isabel, voltado para a educação de crianças indígenas. Montou às margens do rio Tietê um observatório astronômico (mais tarde doado à Universidade de São Paulo). Ao se estudar os diários íntimos redigidos por personalidades históricas brasileiras observa-se que pouco desses escritos deixaram revelar tanto da temática sexualidade quanto o de Couto de Magalhães. Através de suas rememorações, fantasias e principalmente na descrição de seus sonhos Couto deixa aflorar ao máximo sua sexualidade revelando uma tendência homossexual. Diante do debate amplo e caloroso em torno do termo homossexual optei por utilizá-lo no intuito de caracterizar uma tendência sexual de Couto de Magalhães em vez de outras como “homoeróticos”, “homoafetivos” e dentre tantas outras, por entender assim como Márcio Couto Henrique (2009) em seu livro Um toque de Voyeurismo: o diário íntimo de Couto de Magalhães (18806 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 1887) que o termo homossexual assim que foi lançado originalmente em 1869, pelo jornalista Karl Maria Kertbeny, tinha como objetivo defender os direitos dos amantes do mesmo sexo como esclarece Halperin: “La palavra „homossexual‟ es asi, en su origen, una invención de militante pro-gay” (2004, p.1). Kertbeny escreveu seu texto no intuito de lutar contra um parágrafo do Código Penal Alemão que condenava os praticantes do “amor pelo mesmo sexo” à prisão com trabalhos forçados. Para Karl o homossexualismo era uma condição inata, não adquirida, sendo, portanto, um absurdo criminalizá-la (HALPERIN, 2004). Sendo assim o termo homossexual foi usado pela primeira vez quando Couto de Magalhães ainda estava vivo e não acarretava sentido pejorativo. A associação do termo homossexualismo a uma doença só foi feita bem mais tarde. Outro ponto importante a se esclarecer é que o uso do termo homossexual para caracterizar os sonhos, rememorações e fantasias relatados pelo personagem Couto de Magalhães em seu diário não é anacrônico. Considerando que o anacronismo diz respeito ao ato de ler determinadas atitudes do passado com os olhos do presente, o uso que faço não é anacrônico, pois homossexual é um termo contemporâneo ao período que pesquisei, já que ele surgiu quando Couto de Magalhães tinha 32 anos e originalmente é utilizado “em defesa” dos amantes do mesmo sexo. Além disso, autores fundamentais para a discussão a respeito da temática homossexualidade como Dover (1994) em seu texto A homossexualidade na Grécia Antiga e Veyne (1985) no seu texto A homossexualidade em Roma utilizam o termo homossexualidade para períodos bem mais recuados no tempo. Logo de início gostaria de deixar claro que não foram encontrados nenhum tipo de documento que pudesse nos fornecer a certeza de que Couto de Magalhães era de fato um homossexual. Mesmo quando o autor Luiz Mott (2003) escreve um artigo que tem como título um tanto sugestivo Um herói gay na Guerra do Paraguai ao se referir ao personagem Couto de Magalhães ele conclui que: 7 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 Se Couto de Magalhães passou da intenção à ação homoerótica, não podemos saber. Seus escritos e sonhos identificam-no quando menos como homossexual latente. Se até Oscar Wilde, apesar de toda a evidência, negou praticar este amor na época tratada como crime, seria demais esperar de um brigadeiro honorário do Exército Imperial assumir uma prática de um amor criminoso. Para bons entendidos, contudo, bastam seus sonhos (MOTT, 2003, p.177). Couto de Magalhães em seu diário esclarece que teria lido o Tratado dos Sonhos de Hipócrates o qual “não pareceu grande coisa” (MAGALHÃES, 1998, p.189). Mesmo ao consignar essa opinião, Couto demonstra estar preocupado em compreender no que consistem os sonhos, dedicando uma parte significativa de seu diário na narrativa de suas experiências oníricas. a se perceber na análise que Couto empreendeu para tentar entender o seu universo onírico, é que esse interesse surge antes das publicações Observa-se que os sonhos de Couto são carregados de cenas eróticas homossexuais: “eu quero muito fazer sexo com ele, meu galho preto endurecido quer estar escondido no ânus” (MAGALHÃES, pp. 203 e 204). Além disso, os sonhos de Couto em diversos momentos do diário apresentam-se povoados por figuras masculinas: Pessoas que aparecem em meus sonhos: o Barbosa caboclo – o Benedito Marcondes Homem de Mello e o irmão me dando almoço; o sargento hoje alferes Espírito Santos de Goiás, o Chiquinho Caiapó do Araguaia, o capitão José Manoel; uma companhia de soldados ingleses; um crioulo quase como o Brás mas que não era o Brás, e finalmente mrs. Clench. (MAGALHÃES, 1998, p.190). Apesar dessas manifestações de tendências homossexuais, Couto expõe a presença concreta, embora notavelmente opaca em termos afetivos, de Lily Grey sua amante constante e com quem ele vivia uma experiência de intimidade sexual. Contudo ele demonstra certa insatisfação com as relações heterossexuais como fica claro no seguinte trecho: Tenho ultimamente discutido comigo mesmo se há ou não vantagem em ter a companhia de uma mulher. Há dois anos que eu conservo tal companhia e realmente não tenho juízo formado. No Araguaia eu tinha essa companhia, e uma vez só me vieram saudades disso. A que tive no Pará igualmente não deixa saudades; a que tive em Londres a mesma coisa. Para o meu gênio independente e pontual é um pesadelo, escravidão disfarçada que me tira grande parte do meu tempo e que me dá compensação pouco satisfatória (MAGALHÃES, 1998, pp.125 e 126). 8 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 Diferentemente da ordem apregoada pela medicina social no século XIX que a normalidade se expressava em uma família higiênica tratada Couto de Magalhães assume uma postura “original” a se declarar orgulhosamente um solteirão. Como destaca Mott (2003) Couto “não quis esconder que foi pouco convencional em questões de moral sexual: solteirão convicto, reconheceu em seu testamento a paternidade de três filhos naturais” (p.174). A construção que Couto de Magalhães fez de seu universo íntimo valeu-se de um vocabulário próprio, o qual mescla passagens em tupinheengatu com a utilização de códigos pessoais. O uso do tupi-nheengatu, surge no diário, conforme Maria Helena P. T. Machado: “como recurso distanciador e mediador dos materiais reprimidos, que dessa maneira afloram de forma elíptica, permitindo o registro daquilo que obviamente estava proibido de ser expresso na linguagem corrente dos princípios religiosos e morais” (MAGALHÃES,1998, p.37). Em diversos momentos do diário de Couto pode-se observar a utilização da língua tupi-nheengatu como um código que serve para escamotear seus desejos homossexuais aflorados principalmente em seus sonhos: “Capitolino: No sonho oiko*** pupé apohu sak. san.ipuxuna sakanga pupé aphu ramé sak. iche ce rori catu. Aramé iche onhahen ixupe: chaput. chan. ndo x.pu --- Ahe osuacharaca? Icatú” antes porém vamos mfumar” (MAGALHÃES, p 203-204). A tradução desse trecho que Couto pretende “esconder” é a seguinte: “ele pegava***dentro o galho preto e endurecido enquanto eu também pegava seu galho dentro e estava muito alegre. Então quero que amarres minha mão. [Ao que] ele respondeu?: Está bem [...]” (MAGALHÃES, p.204). Essa codificação que Couto faz das partes do diário em que trata dos desejos homossexuais não é feita por acaso. Em uma época em que os homossexuais eram tratados como loucos, eram forçados a se internar em hospícios, passando a ser definidos como “doentes do instinto sexual” (FOUCAULT, 1988) tornava-se necessário escamotear partes que poderiam comprometê-lo de alguma forma. Mas ao mesmo tempo em que pretende 9 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 “esconder” seus sonhos homossexuais através de códigos é perceptível que Couto sente a necessidade de confissão sobre sua sexualidade. Apesar do risco de se assumir ter desejos homossexuais, Couto de Magalhães revela sua atração pelo mesmo sexo: “... vi na ponte um jovem melancólico encostado a um poste de lampião que me despertou certas curiosidades...” (MAGALHÃES, 1998, p.105). Além desse relato se torna mais explícito as descrições de uma dezena de sonhos de Couto com forte presença do falo, referido em tupi-nheengatu como sakanga ou rakanga e como destaca Machado (1998) significa galho que possui o mesmo sentido de pênis. Couto diz textualmente: “eu quero fazer sexo com um mestiço, com um preto; eu falo que o membro viril foi tirado de dentro” (MAGALHÃES, p.200)... “eu quero muito fazer sexo com ele, meu galho preto endurecido quer estar escondido no ânus” (MAGALHÃES, pp. 203 e 204)... “dava com meu galho *** em sua barriga; depois [...] para fazer sexo em sua perna. Dei a cabeça de meu galho preto, [ele] chupa bem [...] não acabei” (MAGALHÃES, p.205). Diante das teorias “científicas” que lançaram-se nos estudos sobre a homossexualidade segundo uma concepção biológica em que classificaram os homossexuais como anormais e pervertidos, Couto de Magalhães interpretou seus sonhos sem sentimento de culpa, sem autocondenação, sem referência às tentativas de criminalização de suas práticas oníricas. Assim sendo, Couto “[...] ao responder à incessante petição de saber sobre o século XIX lançou sobre homens e mulheres – e fazê-lo em forma de desafio -, entrou definitivamente para a história como um grande herói, defensor da liberdade de escolher a própria forma de amar” (HENRIQUE, 2009, p. 319). O diário íntimo de Couto é de significativa importância, pois tem muito a dizer a “sociedade heterossexista que discrimina e persegue de forma cruel os amantes do mesmo sexo” (MOTT, 2003, p. 124). A sexualidade aparece de forma menos recorrente no diário de Altino Arantes Marques. Contudo, pois trata deste tema mais comedidamente quando analisado em relação ao diário redigido por Couto de Magalhães. Assim como o general a sexualidade é manifestada principalmente através de sonhos, 10 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 contudo, diferente deste as práticas oníricas de Altino são de caráter heterossexual. Altino parece que ao mesmo tempo em que deseja expor seus momentos e anseios mais íntimos em relação a sua sexualidade também tem a preocupação em não se deixar revelar por completo. A todo o momento, mesmo que seja em pequenos trechos, Altino escreve em um tom de confissão os seus anseios sexuais. Essa vontade contraditória de deixar se revelar e simultaneamente tentar se “esconder” é o que torna o diário de Altino Arantes um objeto intrigante e estimulante para o conhecimento histórico. Altino Arantes Marques (1876-1965) era natural de Batatais, próspero município cafeeiro do nordeste paulista. Filho de importante coronel e negociante na localidade, veio a cursar o secundário no Colégio São Luís, em Itu, estabelecimento confessional dirigido por padres jesuítas, algo que certamente colaborou para reforçar certos ideais católicos em Altino. Matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, vindo a bacharelar-se aos dezenove anos em 1895. Ao retornar à terra natal iniciou uma bem-sucedida carreira jurídica. Mais tarde, com o apoio e a significativa influência de sua tradicional parentela, posteriormente reforçada através dos fortes laços com o grupo dos Junqueiras, elegeu-se deputado federal na legislatura de 1906 a 1908, vindo a se destacar na defesa do famoso Acordo de Taubaté. Em 1911 assumiu interinamente a Secretaria do Interior no final do governo de Albuquerque Lins. Reconduzido a essa mesma pasta pelo Conselheiro Rodrigues Alves acabaria se tornando um dos mais fiéis defensores do político de Guaratinguetá (EGAS, 1927, v.2, p.481). A indicação oficial de seu nome para chapa oficial do PRP à sucessão do conselheiro exemplifica essa fidelidade. A indicação de seu nome por imposição do próprio Rodrigues Alves e contra boa parte dos chefes políticos regionais levaria a uma grave cisão interna no partido em fins de 1915. Apesar desse entrave Altino foi eleito para um mandato no qual enfrentou muitas dificuldades devido a uma série de fatores negativos decorrentes da conflagração mundial em curso desde 1914, que afetaram a cafeicultura, 11 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 atingida por pragas e pelas geadas em 1918, além das quizilas políticas (SEVCENKO, 1992, p.24). Altino começa a escrever seu diário em primeiro de maio de 1916, indo até 28 de abril de 1920, coincidentemente início e término de seu mandato como governador paulista. Nele, o autor relata cronologicamente fatos ou acontecimentos do dia-a-dia, consigna opiniões e impressões, registra confissões e/ou meditações. Como destaca a autora Ângela de Castro Gomes (2004), certas circunstâncias e momentos da história de vida de uma pessoa ou de um grupo – períodos esses que a autora caracteriza como excepcionais – estimulam a prática da produção autobiográfica. Essa constatação pode ser evidenciada no caso de Altino Arantes, já que este escreve um diário de governo de um homem que parecia ter alcançado o auge na vida pública ao tomar posse da presidência do Estado de São Paulo. Diferentemente de Altino, Couto escreve seu diário no final de sua vida, em Londres, em uma narrativa realizada por uma mescla de reminiscências e registro do cotidiano. Altino Arantes revela constantes sonhos eróticos que lhe despertavam, ao mesmo tempo, excitação e prazer, mas também que lhe suscitavam sentimentos mórbidos já que eram sonhos em sua maioria povoados pela figura de sua esposa falecida. A ambiguidade de Altino não se manifestava somente nesses sentimentos, mas também na imagem que construiu de sua esposa, ora ela era vista como uma santa ou devota, ora como um fantasma erótico que atenta sua lembranças: É meia noite, recolho-me. Acorda-me do primeiro sono um pesadelo angustioso: alguém se insinuava devagarinho na cama e se acomodava mansamente a meu lado: era ela, a Maria – a obsessão constante de minha saudade. Por mais que me esforçasse por enxergar-lhe as feições, não o conseguiria, enquanto que ela, a seu termo, lutando debalde por falar-me, expelia apenas do peito, ofegante sobre o meu, uns sopros guturais, insonoros, frios, que me regulavam as faces.... Desperto, então, na ansiedade deste estranho debate de vontades incompreensivas; e fico a cismar, pelo resto da noite, no deserto infindo de minha vida, ouvindo o rumorejo encachoeirado e incessante das vagas, não evocação torturante de horas deliciosas, que elas me viram passar neste mesmo lugar e que 2 – ai de mim! – nunca mais voltarão..... 2 AESP. APAA. Locus: AP91.01.001. vol.1. [26/6/1916]. 12 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 Diferentemente de Couto de Magalhães não são raras as vezes que Altino Arantes deseja adoentar-se para alcançar a morte como uma forma de se reencontrar com sua esposa falecida. A morbidez é uma característica constante no diário de Altino Arantes. Observa-se nitidamente a falta que Altino sentia de sua esposa Maria Teodora Arantes, falecida quase exatamente um ano antes de sua posse (12/3/1915). É justamente por esse sentimento de saudosismo e de amor dedicado a sua esposa morta que Altino Arantes justifica a não destruição desse diário íntimo. Como fica explícito abaixo no trecho introdutório do diário, Altino deixa claro que desde a adolescência já possuía o hábito de escrever diários, contudo, todos os outros teriam sido destruídos: Este caderno de notas íntimas é absolutamente reservado. Destinase, como tantos outros que o precederam – desde os longínquos tempos do colégio de Itú, – à destruição pelo fogo purificador , no periódico auto de fé das caixas velhas e imprestáveis. Um só deles guardo ainda, no meu cofre, junto das modestas jóias da minha querida morta. Não o consumi porque foi escrito expressamente para ela, durante os dias de sua última viagem ao interior. Intitulei-o, por isso, numa dolorosa antevisão do meu destino, “Soledade”. E foi ela própria que – terminada a sua leitura, ainda em casa do [Bié] em Batatais, disse-me, sorridente e quase vaidosa: “É o mais precioso presente, que tenho recebido de tuas mãos; não o rasgarei, como pedis; guardá-lo-ei, sim, entre as minhas jóias”. Estou, pois, 3 cumprindo neste particular um voto da Maria... Contudo, esse argumento explicativo para a preservação de seu diário parece uma tentativa de dissimular a sua verdadeira intenção. Mesmo depois de se casar pela segunda vez com Gabriela da Cunha Diniz Junqueira, ele não cessa a escrita do seu texto autobiográfico. Provavelmente Altino Arantes ao redigir seu diário tinha como objetivo deixar para posterioridade a imagem que ele próprio formulou de si mesmo, um político honesto e cristão. A devoção ao cristianismo já acompanhava Altino desde a infância. Contudo, desde a morte de sua esposa Altino passara a freqüentar a igreja mais constantemente, na tentativa de encontrar consolo e conforto para suas angústias. A igreja de certo modo servia aos mesmos propósitos da escrita autobiográfica para Altino Arantes. Tanto no seu diário quanto em suas 3 AESP. APAA. Locus: AP91.01.001. vol.1. [1º/5/1916]. 13 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 confissões ele revelava seus pensamentos íntimos, desejos, anseios, angústia e sonhos. Através do ato de confessar e refletir sobre estas confissões Altino realizava um exame de autoconsciência e construção de sua própria imagem a partir da relação que tinha consigo mesmo e com os outros. Apesar, de Altino solicitar que o conteúdo de seus escritos não fosse tornado público, por constituir-se em registros de interesse estritamente privado, na verdade isto não condizia com a natureza do “ato autobiográfico”. Caligaris (1998) considera uma ingenuidade esse tipo de afirmação uma vez que a intenção subjacente do autor de textos autobiográficos seria a de ficcionalizar sua própria vida com o objetivo de construir uma imagem mais apropriada de sua personalidade. A Igreja ao incentivar o ato de confessar também incitava a Altino a revelar segredos que provavelmente não teria coragem de expor nem em seu próprio diário. O ato de confissão tem como uma de suas finalidades fazer o indivíduo a revelar seus pecados com a finalidade de redenção destes. É neste momento que o indivíduo se despe por completo e revela seus desejos e anseios mais íntimos principalmente em relação à sexualidade. Segundo Foucault a Igreja incita “a falar do sexo e a falar dele cada vez mais; obstinação das instâncias do poder a ouvir e a fazê-lo falar ele próprio sob a fórmula da articulação explícita e do detalhamento acumulado” (1988, p.22). Um dos momentos que deveriam ser um dos mais felizes na carreira de um político que significa alcançar um dos mais altos cargos políticos do período da Primeira República como o de presidente do Estado de São Paulo e num período relativamente curto para época (já que as carreiras políticas passavam por vários trâmites burocráticos o que levaria um tempo razoável para um político alcançar o cargo de presidente de Estado e Altino assumiu esse posto quando tinha menos de quarenta anos) Altino mostrava-se triste por não ter sua esposa ao seu lado pra compartilhar esse momento como fica claro no seguinte trecho: Mas quanto me dói que à inesquecível companheira dos melhores quinze anos da minha existência, que a minha fiel e doce Maria não 14 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 esteja ao meu lado para compartilhar do meu triunfo! Ela, que só 4 pensava e sentia através do meu sentir e do meu pensar!” . Altino Arantes demonstra certo cuidado ao redigir seu diário, tem a preocupação em limitar temas acerca de sua intimidade e sexualidade que podem de certa forma comprometê-lo. Risca certos trechos do diário o que demonstrava que precisava esconder algo ou que o trecho riscado poderia denunciá-lo de certa forma a um possível leitor. Assim, a escrita de si não tem autores propriamente ditos, e sim editores. “É como se a escrita de si fosse um trabalho de ordenar, rearranjar, e significar o trajeto de uma vida no suporte do texto, criando através dele um autor e uma narrativa” (GOMES, 2004, p.21). Couto de Magalhães, pelo contrário, trata o seu diário como uma “válvula de escape” ao expressar tudo àquilo que ele não poderia deixar transparecer em um espaço público e que estaria fora dos padrões de “normalidade” apregoados no período histórico em que estava inserido, como por exemplo, desejos sexuais por outros homens. Ao evitar escrever explicitamente sobre sua sexualidade Altino estava provavelmente tentando conservar a imagem que ele próprio construiu de si mesmo ao longo do diário como um católico fervoroso e devoto já que talvez estivesse cumprindo o preceito do apóstolo Paulo na Epístola ao Efésios que ao se referir ao sexo ele diz “Que estas coisas não sejam nem sequer mencionadas entre vós!” Apesar de transparecer no seu diário esse nítido amor dedicado a sua amada Maria, em certo momento do seu texto explicita uma dúvida que se deve ou não confessar uma possível amante que teria tido quando já se encontrava casado com sua esposa, e como ele mesmo declara que causou tanto sofrimento a esta. Entre outras visitas, tive a da Judith F..., meu antigo – e porque não confessa-lo? – saudoso conhecimento dos bons tempos do Rio .... Não dói sem alguma comoção que a revi, quase dez anos decorridos após o nosso último encontro. É ainda uma bela mulher: mas a ação dos anos e dos sofrimentos – disse-o ela própria – já se faz tristemente evidente no seu rosto e no seu porte, outrora tão esbelto e tão senhoril! 4 AESP. APAA. Locus: AP91.01.001. vol.1. [1º/5/1916]. 15 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 Veio acompanhada de uma filha, já mocinha, e muito parecida com ela. Expôs-me as peripécias de sua vida, a sua peregrinação pelo Amazonas, as suas dificuldades aqui em S. Paulo, – sempre em companhia do homem, com quem vive desde que deixou o Rio e a quem tributa amor e fidelidade de esposa. Esta agora resolvida a ir para o sertão, para Bauru, “para a “Cafelândia” – afirma: ela, num sorriso desconsolado, – afim de tentar a vida e obter algum conforto material. Ainda sente-se com coragem para lutar e ainda alimenta esperanças de vencer”, E, ao proferir estas palavras textuais, encarava-me fixamente, mostrando-me no brilho inalterado dos lindos olhos negros e fundos, os últimos esplendores de uma formosura, que me fascinara algum tempo e que tantas angústias causou à minha pobre Maria.... Esta já não existe mais – ai de mim! -; viva que fosse, porém, não me dissuadiria, com certeza, de atender agora à modesta suplica da outra: a concessão de um passe na Estrada de Ferro para três pessoas, que emigram para o sertão, em demanda do pão, que lhes escasseia na cidade.... E foi assim, com este pedido banal, pronta e gostosamente atendido, que se encerrou a entrevista, – quiçá, a última entre nos dois.... Ninguém sabe jamais, com efeito, do destino que tomou as estrelas cadentes!... As pungentes impressões deste encontro entristeceram-me o resto do dia e só se dissiparam à noite, no Teatro Municipal, com a representação da linda e espirituosa opereta “La principessa del 5 gramófono.” . A possível infidelidade do “casto” Altino Arantes fica de forma mais concisa e clara quando revela o “saudoso conhecimento dos bons tempos do Rio ....”. O ambiente que Altino se encontrava com a suposta amante, o Rio de Janeiro, era propício a boemia e a casos amoroso, devido a vida cultural agitada da capital do país no período em questão. Um fato intrigante que envolve essa mulher denominada de Judith F. por Altino Arantes- nome este que pode não ser verdadeiro já que Altino mantinha certas precauções pra não deixar revelar sua intimidade e principalmente a respeito de sua sexualidade de forma exacerbada em seu diário- consiste no modo como o autor em análise se refere a esta mulher, de forma afetuosa e carinhosa exaltando sua beleza física, de uma maneira que não é próprio do seu modo de escrever principalmente no que tange a descrição das características dos indivíduos que são citados ao longo de seu texto. Tanto Altino Arantes como Couto de Magalhães redigem seus diários praticamente todos os dias. Em oposição Altino Arantes que consigna suas opiniões sobre política relatando episódios de sua atuação como governante de 5 AESP. APAA. Locus: AP91.01.001. vol.4. [23/07/1917]. 16 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 São Paulo, Couto de Magalhães não faz o registro de seu trabalho ou de sua atividade política como presidente da província, mas sim de situações do cotidiano. Ambos costumam organizar seus diários datando-os. Um fato peculiar no diário de Couto de Magalhães é que ele costuma datar na maior parte dos seus escritos utilizando o idioma inglês. Tal ocorrência pode ser explicada no fato de que Couto de Magalhães encontrava-se em Londres no período em que escreveu o diário (1880-1887). Por se tratar de dois personagens políticos e conseqüentemente públicos os olhares da sociedade voltavam-se não só para sua atuação enquanto políticos, mas também para suas vidas particulares. Esses personagens representavam papéis sociais adequados enquanto homens públicos para melhor se inserirem no meio social em que se encontravam. 4-CONCLUSÃO As leituras dos diários íntimos aqui estudados, tanto de Couto de Magalhães como de Altino Arantes, não tem como objetivo destruir a imagens de homens políticos, fortes, no caso de Couto como herói da Guerra do Paraguai, e colocando em seu lugar homens atemorizados e permeados por atribulações sexuais. Ambos eram homens de seu tempo, e assim devem ser pensadas suas ambigüidades. O importante a se perceber é como ambos procuraram construir suas imagens através da estruturação, ordenação e rearranjo de seus textos com o objetivo de dar um sentido ao trajeto de suas vidas. Fontes: Manuscritas Altino Arantes Arquivo Público do Estado de São Paulo (AESP) Lócus: AP91.01.001 – Diário escrito por Altino Arantes durante seu período na presidência de São Paulo, relatando todos os seus acontecimentos [período: 01/05/1916 a 31/10/1917 - 5 volumes - Atuação de Altino Arantes no Governo de São Paulo - fotocópia] - Título original: Meu diario – Registro intimo de factos e 17 Anais do VIII Seminário de Iniciação Científica e V Jornada de Pesquisa e Pós-Graduação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS 10 a 12 de novembro de 2010 impressões (redigido ao correr da penna, sem preoccupação litteraria de qualquer especie, e destinado a meu uso pessoal e exclusivo). Lócus: AP92.01.001 – Diário escrito por Altino Arantes durante seu período na presidência de São Paulo, relatando todos os seus acontecimentos [período: 1918/1919 - 5 volumes - Atuação de Altino Arantes no Governo de São Paulo fotocópia]. Lócus: AP93.01.001– Diário escrito por Altino Arantes durante sua terceira legislatura como Deputado Federal [período: 1919/1924 – 5 volumes - Atuação de Altino Arantes no Governo de São Paulo - fotocópia]. Impressa EGAS, Eugênio. Galeria dos presidentes do Estado de São Paulo e vice-presidentes. v.2 (Período republicano 1889-1920). São Paulo: Seção de obras d‟ “O Estado de S. Paulo”, 1927. MAGALHÃES, José Vieira Couto de. Diário Íntimo. Organização de Maria Helena P. T. Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Fontes Eletrônicas: HALPERIN, Homosexualidad, una categoría en crisis. Disponível em: <http: www.conversiones.com/nota0489.html>. Acesso em: 20/07/2010. Referência Bibliográfica: ALBURQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru, SP: Edusc, 2007. ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. In: Estudos Históricos. CEPEDOC/FGV, v.11, n.21, Rio de Janeiro, 1998, pp. 9-33. AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 3ed. São Paulo: FTD, 1998. 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