Amanda Cristina de Assis
PROFT em Revista
ISBN 978-85-65097-00-0
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2010
Vol. 1, Nº 1 Outubro de 2011
A INSERÇÃO DE JANELA EM LÍNGUA DE SINAIS
EM FILME NACIONAL E ALGUMAS
CONSEQUÊNCIAS
RESUMO
Amanda Cristina de Assis
Formada no Curso Superior de Formação de
Intérpretes de LIBRAS da Universidade
Metodista de Piracicaba – UNIMEP;
Graduanda no Curso de Letras na Universidade
de São Paulo – USP
Intérprete de LIBRAS em Escola Municipal de
Ensino Fundamental no Estado de São Paulo.
O artigo é de um recorte realizado em um trabalho maior que versa
sobre a inserção de uma janela de interpretação em LIBRAS em filme
nacional sem legenda com a finalidade de proporcionar acesso a
alunos surdos incluídos em sala regular do ensino público. O presente
corte apresenta rapidamente a relação entre surdez, linguagem e
educação, para então contextualizar a pesquisa mostrando o
“problema” enfrentado e a solução encontrada. Em seguida há uma
analise de alguns aspectos da interpretação para a LIBRAS, em que se
fala sobre as perdas e ganhos do processo que não foi só
interpretativo, mas também tradutório. Por fim, as considerações
finais traçam algumas conclusões e percepções que todo o processo de
prática e escrita puderam proporcionar.
Palavras-Chave:
Interpretação
Educacional;
construção
interpretativa; inclusão; formação de intérprete; janela de
interpretação.
ABSTRACT
This article is a part of a larger paper that deals with the insertion of a
LIBRAS interpretation window in a national movie with no subtitles,
in order to offer access to the deaf people, who study in public high
school regular class. This article introduces the relationship between
deafness, language and education to support the analysis about the
“problem faced” and the solution that was found. After that, there is
a review of some aspects to LIBRAS interpretation, which we talk
about the positive and negative aspects of this process that is not only
an interpretative process, but also a translational process. Finally, our
last consideration gives us some conclusions and perceptions that the
whole practical and writing process could offer.
Keywords:
Educational
Interpretation;
Interpretation
construction; Inclusion; the formation process of an interpreter;
interpretation window.
Amanda Cristina de Assis
Contato:
[email protected]
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A Inserção de Janela em Língua de Sinais em Filme Nacional e Algumas Consequências
SURDEZ, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO
Começamos estabelecendo que a linguagem é aqui entendida como constitutiva do sujeito, na
medida em que permite as interações sociais com as quais os conhecimentos são construídos. Assim, a
aquisição da linguagem pelas crianças pequenas se dá pela interação com sujeitos que vivem inseridos em
um meio social e histórico e é de suma importância para o seu desenvolvimento cognitivo e social. Sem
que haja uma língua a ser compartilhada não há interação entre os sujeitos e, sem interação, não há
desenvolvimento. Também é pressuposto que o ser humano é um ser de linguagem, um animal
simbólico1 que representa o mundo onde vive, e o principal instrumento para que a função simbólica do
ser humano seja exercida é a linguagem.
A linguagem é adquirida pelo contato com outros sujeitos, na troca entre pares, ou seja, na
interação social. Portanto, o mundo social construído através do tempo e da cultura vai sendo
internalizado pelo sujeito no decorrer de seu desenvolvimento, e isso só ocorre por meio das interações
sociais com outros indivíduos nas diferentes atividades das quais participa. Dessa forma, um ser humano
adquire linguagem quando em contato com a língua, imerso no rio de linguagem:
“... os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram
na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham
nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar... Os sujeitos
não „adquirem‟ sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o
primeiro despertar da consciência.”2
O que, em geral, não é nenhum problema quando se trata de crianças ouvintes, que nascem em
lares onde ouvem o tempo todo seus pais e familiares falando, que estão imersas em uma sociedade que
fala e ouve: a língua falada nessa sociedade será adquirida naturalmente 3 por essa criança ouvinte. No
entanto, o mesmo não acontece com uma criança que nasce surda, pois ela não terá acesso natural à
língua usada por seus pais (supondo que seja filha de pais ouvintes, que é a realidade da maior parte das
crianças surdas nascidas no Brasil e no mundo) e pela sociedade em que nasceu; falta-lhe acesso ao que é
expresso oralmente na interação, visto apresentar uma perda auditiva, por isso não desenvolverá um
meio de comunicação efetivo e não por falta de capacidade. Como afirmamos anteriormente, o ser
humano é um ser de linguagem, e os que nascem surdos, ou se tornam surdos após o nascimento, não são
exceções à essa afirmação. O que acontece na maioria dos casos é que essas crianças não têm acesso a uma
língua que possa ser por elas adquirida naturalmente, pois a maioria faz contato e têm acesso à Língua de
Sinais tardiamente, normalmente quando já estão em idade escolar. Esse fato acarreta uma grande
defasagem em relação a coetâneos ouvintes que tiveram seu desenvolvimento linguístico como esperado.
1 Cassirer
E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes; 1997.
BAKHTIN (2002) P. 108 apud Kober DC. Práticas de letramentos na educação de surdos. In: Moura MC. Educação para surdos:
práticas e perspectivas. São Paulo: Livraria Editora Santos; 2008.
3 Naturalmente aqui faz referência a algo que é adquirido sem intervenção direta para tal, sem que seja ensinado.
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A revisão da literatura a respeito demonstra isso4, ainda mais quando a Língua de Sinais não é
reconhecida como Língua e desvalorizada socialmente. Segundo Lacerda (2003), devido às dificuldades
em relação à aquisição da linguagem, as crianças surdas tem um desempenho escolar aquém do que era
esperado ou desejado. É na busca de soluções para essa situação que nasce a necessidade da criação de
propostas educacionais que atendam às especificidades desses sujeitos surdos. Ainda segundo a autora, a
primeira abordagem a surgir cronologicamente é o Oralismo que “prioriza a necessidade do aprendizado
da língua oral e da leitura labial, tendo como principal argumento a inserção e adaptação do surdo na
sociedade ouvinte.” 5 Essa abordagem na maior parte das vezes proíbe o uso de sinais ou gestos, já que o
uso de tais recursos só faria atrapalhar o desenvolvimento da fala; logo, a aquisição de linguagem não é o
foco, e sim o treino da fala e a leitura labial, para entender o que é dito. Na maior parte das vezes, o que
acontece na escola com a adoção do Oralismo é o abandono da educação formal em detrimento do treino
de fala. O ensino das disciplinas é deixado de lado, pois um sujeito surdo não é entendido como um ser
de linguagem e precisa ser “consertado”, “normalizado”.
Os frutos da aplicação dessa abordagem são um aprendizado defasado em relação a ouvintes de
mesma idade, além das futuras dificuldades de profissionalização, isso sem mencionar o deslocamento do
sujeito em um meio social em que não seja fluente na língua majoritariamente utilizada. Assim, na década
de 1960, um linguista americano, Stokoe, descreve a ASL (American Sign Language) 6 e estabelece pela
primeira vez na história que a Língua de Sinais é uma “língua verdadeira”. É nesse contexto, diante dos
resultados indesejados do Oralismo e da descrição de Stokoe que surge uma proposta, ou filosofia, como
preferem alguns, chamada Comunicação Total.
Nessa abordagem, todo tipo de comunicação é aceito e utilizado para que o objetivo seja
alcançado: proporcionar uma melhor integração do surdo na sociedade. Assim, nessa perspectiva, os
sinais ou gestos são aceitos, mas são entendidos como um meio para alcançar a língua oral. Essa proposta
propiciou a melhora na comunicação, em alguns momentos; no entanto, não trouxe resultados
significativos no que tange à educação e socialização.
Em meio aos insucessos das duas abordagens citadas acima (que perduram até os dias de hoje) e
acompanhando os avanços de pesquisas linguísticas que tinham como objeto de estudo as Línguas de
Sinais, surgem as abordagens educacionais Bilíngues, que têm como base a concepção de que a primeira
língua a ser adquirida pelos sujeitos surdos deve ser a Língua de Sinais, e através dela é que se entrará em
contato com a língua majoritária, aprendida como segunda língua. Ainda segundo Lacerda (2003), é
através da Língua de Sinais que a criança surda terá a possibilidade de se desenvolver linguística e
cognitivamente do mesmo modo que crianças ouvintes aprendem a falar.
Lacerda CBF. A escola inclusiva para surdos: refletindo sobre o intérprete e língua de sinais em sala de aula [Relatório Final
FAPESP de Pós-Doutorado]. Roma; 2003.
5 Lacerda CBF. A escola inclusiva para surdos: refletindo sobre o intérprete e língua de sinais em sala de aula [Relatório Final
FAPESP de Pós-Doutorado]. Roma; 2003.
6 Língua de Sinais Americana
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Portanto, essa é uma perspectiva de atuação que considera o sujeito surdo como ser linguístico
capaz de desenvolvimento como qualquer outro, já que, como mostra a autora ao citar as reflexões sobre
as ideias de Vygotsky feitas por Lacerda e Monteiro (2002) “os efeitos trazidos pela surdez são uma
questão cultural”7 e não características inerentes à surdez. É por isso que as propostas de Educação
Bilíngue pressupõem que os educadores e profissionais envolvidos não só tenham o domínio da Língua
de Sinais e da língua majoritária usada pelos ouvintes como também tenham conhecimento do modo de
funcionamento de cada uma delas e das questões concernentes e relacionadas à surdez.
Apresentadas as três principais abordagens educacionais relacionadas à surdez, e tentando
oferecer uma ideia geral sobre suas consequências na vida dos sujeitos surdos, podemos estabelecer, sem
esgotar de forma nenhuma o assunto, que a linguagem é ponto crucial e fundamental na constituição de
qualquer pessoa e, portanto, qualquer prática educacional não pode deixar de lado essa questão. O que
será discutido em todo esse estudo encontra nesse ponto suas raízes, pois, afinal, o projeto todo só pode
ser desenvolvido devido à concepção de linguagem e de sua centralidade no desenvolvimento dos
sujeitos sociais. Estabelecidas as concepções que pautam esta pesquisa, segue um relato de onde esta se
desenvolveu.
A escola-polo
Começamos então por contextualizar o ambiente de trabalho, que foi onde esse projeto tomou
forma e corpo. A pesquisadora trabalhou por 1 ano em uma escola-polo de educação bilíngue para surdos
em uma cidade no interior do estado de São Paulo, em um projeto de pesquisa que teve início em março
de 2009. Em termos gerais, a proposta é a inclusão de alunos surdos em salas de aulas ditas regulares a
partir de uma perspectiva bilíngue de educação de surdos.
A escola onde parte do Projeto ocorre fica em um bairro da periferia da cidade, bastante afastado
de centro, conta com aproximadamente onze salas de aula no período vespertino, variando de acordo
com o ano, e dispõe de uma grande área e de espaço físico que vem sendo adaptado conforme as
necessidades se mostram. A escola conta com quatro intérpretes de LIBRAS/Português e
Português/LIBRAS, um instrutor surdo e uma professora bilíngue, fora o quadro regular de funcionários.
Para cada ano há uma sala com alunos surdos incluídos, ou seja, há um 6 o, um 7o, um 8o e um 9o ano com
alunos surdos incluídos, cada um deles com um intérprete fixo.
Ao chegarmos, encontramos algumas dificuldades em lidar com os professores da escola, que não
viam razões para adequar a metodologia e as estratégias de ensino aos alunos surdos, favorecendo os
aspectos auditivos em detrimento dos visuais e ignorando que as questões educacionais envolvidas no
7
LACERDA (2003) p. 09
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processo de aprendizagem dos alunos surdos são perpassadas por uma língua que é para eles
“estrangeira”: o português.
O problema foi detectado em uma das conversas com a professora de história. Estavam a
pesquisadora, juntamente com a citada professora e mais uma intérprete, aqui chamada Sofia 8, discutindo
o planejamento do segundo trimestre para as aulas de história, como costuma acontecer com essa
professora especificamente. Abro aqui um parêntesis para esclarecer que essa é uma prática exclusiva
dessa docente na escola onde trabalhamos. Apesar de todos concordarem que esse é o procedimento que
deveria ser adotado, não é o que acorre na prática, e faço questão de registrar o fato pensando na falsa
impressão que a afirmação anterior possa causar, de que era prática corrente de todos os professores
disponibilizarem momentos para trocas de informações.
Assim a aula ministrada em uma sala com alunos surdos incluídos precisa conter aspectos visuais
que sejam significativos; uma aula que faça uso de ilustrações, filmes mudos, esquemas e outras
estratégias visuais será mais acessível e mais eficaz do que uma aula em que há apenas explanação oral
sobre o tema, ou um texto escrito em livro ou em lousa.
Os alunos incluídos
Delineadas as linhas básicas de funcionamento do Projeto da Escola Bilíngue e traçado um esboço
da escola onde esta pesquisa tomou corpo, passamos a detalhar a sala de aula, foco desse estudo.
A pesquisa se desenvolveu em um 6o ano, uma sala com 24 alunos no total, 16 alunos ouvintes,
dos quais 8 eram meninas e 8 meninos, e 8 alunos surdos, desses, 5 eram meninas e 3 meninos. Entre os
alunos ouvintes não há muita variação de idade, pois como cursam o 6 o ano do ensino fundamental, o que
equivale a 5ª série, tem em média, 11 ou 12 anos. Os alunos surdos, devido à história educacional de cada
um antes de participarem do projeto, há uma grande variação de idade, portanto darei mais detalhes de
cada um dos que participaram deste estudo.
Andrea, menina de 15 anos de idade, chegou à escola com um bom conhecimento de língua de
sinais em comparação com seus colegas; no entanto, tem uma história de forte oralização, o que influencia
demasiado o seu discurso. Antes de chegar à nossa escola, frequentava instituições da cidade onde,
geralmente, precisava cursar dois anos para cada série de ensino. A idade avançada não é uma
exclusividade de sua história pessoal, sendo a regra entre os alunos aqui em foco.
Nara, também do sexo feminino, com 14 anos de idade à época da pesquisa, tem trajetória escolar
similar à de Andrea, pois frequentaram as mesmas instituições educacionais.
8
Os nomes utilizados neste trabalho são fictícios, para preservar a identidade dos participantes.
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É o que acontece também com Liliane e Viviane, ambas com 14 anos de idade. Ressalva
importante é que a família de Vanessa, em especial seu pai, demonstra muito interesse e força de vontade
em aprender a língua de sinais, o que se reflete na aluna.
Adriana, com 12 anos, frequentava uma outra instituição da cidade; com bastante dificuldade
escolar, defasagem de aprendizagem bem maior que a dos outros alunos e serias dificuldades com a
língua de sinais.
Entre os meninos, há Gustavo, 15 anos, muito agitado e com pouco domínio de língua de sinais.
Com uma história familiar conturbada, estudou junto com o grupo de meninas citado acima, mas não
demonstra conhecimentos da língua e de conteúdo como elas, além de evidenciar alguma vergonha e
ressentimento por ser surdo.
Há também Maurício, de 17 anos, com pouco interesse nos estudos e na língua de sinais; carece
de vocabulário e estrutura. Além disso, a diferença de idade com os demais alunos lhe causa desconforto
e deslocamento.
José, 17 anos, com sérias dificuldades de aprendizagem, motoras e de visão. Se desenvolve em
ritmo diferente dos outros alunos, e também passou por outras Instituições do município antes de chagar
à escola-polo.
Foi com esse público-alvo em mente que pensamos nossa interpretação. Nem sempre o resultado
foi adequado, como pretendemos demonstrar adiante. No entanto, o ato de interpretação levou em conta
as especificidades dos sujeitos que a receberiam, e afirmamos aqui que, caso fossem outros os sujeitos a
quem nos dirigíamos, a enunciação da interpretação seria outra, porque adequamos nosso discurso
interpretativo de acordo com o público-alvo.
O problema
Como levar o conceito que a professora desejava apresentar aos alunos ouvintes aos surdos? \
A professora de história, Alice, expunha suas ideias e o planejamento de suas aulas para os sextos
e sétimos anos, e discutíamos estratégias para torná-las adequadas a todos os alunos das turmas em
questão. Uma das atividades para a qual pensávamos uma estratégia era um filme que a docente exibiria
com o intuito de demonstrar a importância dos registros históricos e elaborar junto aos alunos o conceito
de fontes históricas. Tratava-se do filme nacional intitulado “Narradores de Javé” – cuja história será
contada resumidamente em momento mais adequado. Foi quando deparamos com o desafio: como dar
acesso aos oito alunos surdos incluídos no sexto ano?
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Sofia, Alice e a pesquisadora pensamos em inúmeras possibilidades: expor o filme com legendas,
uma interpretação simultânea ao vivo, filmar a interpretação e apresentá-la em outra televisão
concomitantemente com o filme. E descartamos uma a uma.
A legenda não seria adequada, tendo em vista o domínio restrito que os alunos demonstravam do
português escrito. Dessa forma, acreditávamos que apenas as imagens da tela e a reprodução escrita das
falas das personagens em português não seriam suficientes para que os alunos atribuíssem sentido. Isto
por que acreditamos que os processos de criação e elaboração de sentidos pelos indivíduos surdos se dão
por meio da língua que lhes é natural, a Língua de Sinais, e essa possibilidade não contemplaria de forma
nenhuma a condição bilíngue dos alunos e nem seria de grande utilidade no processo de aprendizagem
de cada um.
Quanto à interpretação simultânea, que consistiria em nos revezarmos e interpretamos o filme em
tempo real (Sofia e a pesquisadora) enquanto os alunos assistissem ao filme, logo encontramos vários
argumentos que se contrapunham a essa solução: primeiramente havia a dificuldade de estarmos ao
mesmo tempo em uma única sala, tendo em vista que cada um dos intérpretes é fixo em uma série, e seria
necessária uma adequação dos horários. Superado o obstáculo prático, havia outros, como o cansaço que
a interpretação do filme todo acarretaria, o que consequentemente diminuiria a qualidade da
interpretação. Isso sem falar que as soluções de interpretação que daríamos no momento poderiam não
ser as mais adequadas, nem próximas das que usaríamos se nos fosse dada a oportunidade de refletir
detidamente sobre o conteúdo a ser transposto para outra língua. Pensamos também que a divisão da
atenção entre as imagens e a interpretação não seria benéfica ao objetivo da atividade.
A semente do que frutificaria foi lançada quando aventamos a possibilidade de filmar a
interpretação e passá-la concomitantemente ao filme, já que assim resolveríamos alguns dos problemas
que elenquei na possibilidade anterior como, por exemplo, o cansaço físico e a possibilidade de pensar
soluções adequadas. No entanto, a divisão de atenção permanecia sendo um entrave; afinal, eles teriam
de não só olhar para a televisão onde estaria a interpretação como também para o outro monitor, onde
estaria o filme, isso sem citar a dificuldade de se colocar dois aparelhos televisivos em uma mesma sala de
aula. A todas essas inadequações somava-se a dificuldade comum de que uma só intérprete dificilmente
daria conta de forma satisfatória de todas as vozes do filme.
Foi com tudo isso fervilhando em nossas mentes e com disposição para encarar o desafio que, em
um momento de descontração da conversa, cogitamos o que pensávamos ideal para a situação: filmar a
interpretação do filme todo em língua de sinais e colocar as imagens em movimento numa janela de
interpretação no DVD. Assim, os alunos assistiriam ao filme e veriam a interpretação em um mesmo
espaço, além do que essa possibilidade solucionava vários dos problemas descritos anteriormente. No
entanto a realização da ideia nos pareceu inalcançável; afinal, como colocar uma janela de interpretação
em um filme e como fazer a sincronização necessária?
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A solução encontrada e os novos obstáculos
Apesar da aparente impossibilidade, encantadas diante da solução recém descoberta, nos
pusemos a imaginar como faríamos se fosse possível sua realização, e como fazer para que se tornasse
realidade. Nós dispúnhamos do material necessário para filmar a interpretação, pois a escola conta com
uma filmadora digital incorporada aos equipamentos da instituição, em vista exatamente do projeto da
Escola Bilíngue. A filmagem era possível, mas a edição continuava a ser um percalço, assim como a
inexperiência das envolvidas em uma interpretação desse tipo ou a inexistência de materiais semelhantes.
Tudo não passava de mero devaneio sem possibilidade de se concretizar quando a pesquisadora
se lembrou de um amigo que estava para se formar em Audiovisual. Com o apoio da colega intérprete e
da professora, enviou-lhe um e-mail contando sobre nossa ideia, rematando a missiva com uma pergunta
e um pedido: se era possível fazer o que queríamos e, caso fosse, se ele poderia executá-la. Augusto, o
citado amigo, enviou uma simpática resposta dizendo sim à pergunta e ao pedido. Finalmente a nossa
ideia tinha chances de se tornar real.
Discutimos exaustivamente o assunto até que encontramos uma alternativa que atenderia ao que
nós precisávamos. Explicamo-nos: desde o início pensamos que uma pessoa só interpretando o filme todo
não daria conta devido ao número de vozes presente no filme, no entanto, a solução padrão para esse
caso, o revezamento, também não seria boa, pois a interpretação perderia a continuidade e a mudança de
intérprete desviaria a atenção do foco, o estilo seria outro – levando-se em conta que nenhum intérprete é
máquina e toda interpretação é perpassada pela subjetividade 9 do intérprete, o que poderia afetar o
objetivo de uma forma que não desejávamos10. Pensamos então nas duas intérpretes juntas, a câmera
focalizando ambas ao mesmo tempo, durante todo o filme, revezando nos diálogos, procurando, contudo,
manter alguma estabilidade na interpretação das personagens . Faríamos o registro da Interpretação com
o filme rodando em outra televisão, para que pudéssemos ver e ouvir o que interpretávamos, o que, além
de tudo, garantiria a simultaneidade entre interpretação e vídeo.
Os desafios durante a filmagem
Filmamos então na última semana de aula antes das férias de julho; era uma semana de jogos na
escola, portanto uma oportunidade perfeita, já que nosso ofício interpretativo não era necessário. Fomos
para a sala mais distante do local onde ocorriam as competições e organizamos os equipamentos que
seriam necessários. Alice nos ajudou em todos os momentos, e foi quem fez a filmagem da interpretação.
Subjetividade que não é alheia aos interlocutores nem ao contexto, não é autônoma, mas social, histórica e cultural.
Martins VRO. Educação de Surdos no paradoxo da inclusão com intérprete de língua de sinais: relações de poder e (re)criações
do sujeito [dissertação de mestrado]. UNICAMP: Campinas; 2008.
9
10
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Utilizamos a TV onde o vídeo a ser interpretado rodava e a filmadora digital, sem nenhum outro
recurso. Procuramos uma parede que no momento pareceu adequada, ajeitamos o foco da câmera para
que pegasse o campo de sinalização11 das duas intérpretes, o que apesar de parecer simples, foi um dos
problemas que enfrentamos nesse momento: afinal, a diferença de altura entre Sofia e a pesquisadora é
relevante e a nitidez da imagem deixava a desejar, o que dificultava a percepção de alguns enunciados
sinalizados no resultado final. Outro ponto que nos criou dificuldade no momento da gravação foi como
nos posicionar de frente para a câmera e ao mesmo tempo conseguir enxergar o filme que passava na tela.
Ouvir apenas não bastava, precisávamos ver o que acontecia e quem era o “dono” da voz, uma vez que
cada interlocutor fala de um lugar discursivo só seu, com jeito próprio e, portanto, é preciso saber quem
fala, e da mesma forma as intérpretes precisavam representar esses lugares.
Antes de, finalmente, darmos início à filmagem, decidimos que faríamos tomadas de meia hora
para que pudéssemos parar, sentar, tomar água, e então seguir em frente, com mais trinta minutos, pois,
como já foi dito, não haveria revezamento. Com pausas e sem pressa, conseguimos fazer a filmagem em
um dia, mas antes de irmos para casa com a sensação de dever cumprido, decidimos que uma cena
precisava ser regravada, porque uma das falas da personagem havia se perdido na interpretação.
Interpretação filmada, entregamos o arquivo para o amigo-técnico que faria a edição e lhe demos
as instruções de que desejávamos que a janela de interpretação fosse visível sem no entanto prejudicar
demasiado a imagem do filme; era preciso também que a interpretação fosse simultânea à fala das
personagens, assim como estamos habituados a ver em filmes legendados.
INTÉRPRETE E INTERPRETAÇÃO
“Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter em pé...” 12
Clarisse Lispector
Iniciamos citando Clarisse Lispector que diz o que pretendemos também dizer ao longo desse
capítulo: a importância do outro e da relação eu-outro para a tradução/interpretação (e para o ser); além
disso pretendemos diferenciar “tradução” e “interpretação”, mas antes de falarmos dos termos em seus
sentidos mais técnicos e teóricos vamos tratar da interpretação em sentido largo para demonstrar o que há
por trás da prática aqui em pauta.
11
Espaço ocupado pelas intérpretes para os fins de sua enunciação.
C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco; 1998.
12 Lispector,
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Sendo assim, segundo Sobral (2008) nossa vida cotidiana é permeada constantemente e
inevitavelmente pela interpretação, e nossa interação com o outro depende de atos interpretativos
necessários. Fácil entender o que dizemos a partir de um exemplo concreto em que observamos uma
simples conversa entre dois indivíduos, um fala, enuncia a partir de seu lugar – que é social, histórico e
cultural –, a partir de sua experiência particular e única de vida; enquanto o outro procura entender o que
está ouvindo a partir de seu próprio sentido. Assim o dizer é sempre “querer dizer” e o sentido de um
nunca se concretiza plenamente no outro justamente por não serem o mesmo, e sim outros.
Abrimos um parêntesis importante antes de prosseguir para dizer que quando nos referimos ao
“enunciado” o entendemos como: “...um ato singular, irrepetível, concretamente situado e emergido de
uma atitude ativamente responsiva, isto é, uma atitude valorativa em relação a determinado estado de
coisas.”13 Assim sendo o “enunciado” é entendido como um evento único, e dito isso prosseguimos.
Sobral (2008) diz que em decorrência dessa constante interpretação o eu precisa se deslocar de si e
olhar o outro a partir do lugar que esse outro ocupa, isto é, é preciso levar em conta quem fala o que em
qual lugar e situação e para quem, é a partir desses dados que os sujeitos se interpretam mutuamente,
porque quem enuncia também o faz a partir do outro com o qual interage, pensando o que vai dizer
levando os mesmos elementos em consideração. Mesmo quando não há interação face a face, quando um
o sujeito lê um texto, ele responde ativamente ao que está lendo – não é um sujeito passivo em relação ao
discurso em que está em contato, primeiro por que atribui ao discurso alheio seus sentidos (particulares) e
também por que, concomitantemente leva em conta o autor de tal discurso, o observando a partir de suas
condições de produção. Em outras palavras:
“...tudo que é dito por alguém a outra pessoa é entendido por esse outro de uma
maneira coletiva, o „consenso‟ social sobre o que algo significa, e ao mesmo
tempo de uma maneira individual, o que depende de quem diz uma coisa e
daquele a quem é dita essa coisa, a situação em que é dita etc. E quem vai dizer,
por saber intuitivamente que assim é, começa de certo modo traduzindo o que
vai dizer segundo a pessoa a quem vai dizer. Trata-se de um processo de interinfluência e de adaptação de/a expectativas que dependem do contexto.”
Interpretação, assim entendida, é essa constante transposição dos sentidos particulares do eu para
o outro e vice-versa, lembrando que esta é uma visão inicial sobre a interpretação, ampla, mas que não
deixa de apontar as posições teóricas adotadas no ato tradutório ou interpretativo profissional. Dito isso, é
oportuno diferenciar os termos “tradução” e “interpretação”.
13
Faracco CA. Linguagem e Diálogo – As Idéias Lingüísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial; 2009.p. 24
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Até
agora
temos
utilizado,
ora
o
termo
“tradução”
ora
“interpretação”
e
ainda
“tradução/interpretação” e eis que chega o momento apropriado para explicarmos nossa escolha.
Segundo Lacerda (2009):
“Para alguns autores, os termos tradução e interpretação se
complementam e, em certa medida, remetem à mesma tarefa: versar os
conteúdos de uma dada língua para outra, buscando trazer neste processo os
sentidos pretendidos, sem que eles se percam ou que sejam distorcidos no
percurso” 14
Iremos um pouco além, e ainda segundo a autora, há os que defendam que tradução e
interpretação se referem a empreitadas distintas, em que a tradução envolve necessariamente a
modalidade escrita da língua, não importa em qual momento, nem se da língua fonte ou da língua alvo,
tendo como principal elemento definidor a presença, a qualquer tempo, da linguagem escrita; e também,
por consequência o tempo que o profissional dispõe para refletir e formular soluções que julgue
apropriadas, tempo de consultar dicionários e colegas, em suma, na tradução, por estar envolvida
necessariamente em algum momento a modalidade escrita da língua o profissional tradutor dispõe de um
tempo de processamento, de deliberação se julgar necessário, até que produza a versão final na língua
alvo. Já a interpretação, como se pode concluir, não envolve a modalidade escrita da língua e, portanto se
dá nas relações interpessoais, simultânea ou consecutivamente, carecendo de decisões rápidas sobre como
dizer determinado termo ou sentido em outra língua, sem que haja tempo para reflexões ou consultas a
quem ou o que quer se seja.
Antes de prosseguir no raciocínio, queremos diferenciar a interpretação simultânea da
consecutiva nos termos de Pagura (2003)15:
“A modalidade consecutiva é aquela em que o intérprete escuta um longo
trecho de discurso, toma notas e, após a conclusão de um trecho significativo
ou do discurso inteiro, assume a palavra e repete todo o discurso na língua
alvo, normalmente a sua língua materna.” (p.211)
14
Sobral A. Dizer o “mesmo” a outros: ensaios sobre tradução. São Paulo: Special Book Services; 2008.p. 14.
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E a modalidade simultânea, mais presente atualmente nos grandes eventos é aquela em que:
“os intérpretes – sempre em duplas – trabalham isolados numa cabine com
vidro, de forma a permitir a visão do orador e recebem o discurso por meio de
fones de ouvido. Ao processar a mensagem, reexpressam-na na língua de
chegada por meio de um microfone ligado a um sistema de som que leva sua
fala até os ouvintes, por meio de fones de ouvido ou receptores semelhantes a
rádios portáteis” (p. 211)
Aqui, a modalidade simultânea abrange também o ofício do Intérprete de Língua de Sinais, que
devido a própria modalidade dessa, espaço-visual, não permite que seja enunciada ou transmitida por
sistema de som, o que gera a necessidade do intérprete se posicionar a frente do público, em um lugar de
visibilidade, para que o público surdo presente tenha acesso ao que está sendo dito. Salvo essa
particularidade, o processo mental envolvido na interpretação simultânea que envolve apenas línguas de
modalidade oral-auditiva é o mesmo presente na interpretação simultânea que envolve línguas de
modalidade espaço-visual.
Com o que queremos inferir, basicamente e essencialmente, que a distinção entre tradução e
interpretação, seja consecutiva ou simultânea, é o tempo de processamento que existe em uma e não na
outra, e que, de acordo com Pagura, conforme cita Lacerda (2009):
“o propósito principal tanto da tradução quanto da interpretação é fazer com
que uma mensagem expressa em determinado idioma seja transposta para
outro, a fim de ser compreendida por uma comunidade que não fale o idioma
em que essa mensagem foi originalmente concebida”
Queremos deixar claro que julgamos o evento que será aqui analisado como uma tradução e
como uma interpretação, isso por que desejamos chamar a atenção do leitor para o tempo de
processamento de que dispuseram as intérpretes envolvidas para desenvolverem sua versão final. Assim,
mesmo que em nenhum momento haja a presença da linguagem escrita, o que caracterizaria uma
interpretação e não uma tradução está presente o dito tempo de processamento, que caracterizaria uma
tradução e não uma interpretação. Por isso dizemos que o realizado é concomitantemente uma
interpretação e uma tradução. Assim, no decorrer de todo o texto utilizamos os termos aleatoriamente:
tradução, interpretação ou tradução/interpretação, e aproveitamos esse momento para deixar claro que
são aqui utilizados como sinônimos a partir dessa discussão, ou seja, à luz desse raciocínio utilizamos os
termos para designar a mesma ideia.
15
Apud Lacerda (2009), p. 15.
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Assim, traduzir é colocar uma língua em correspondência com outra língua, considerando os
infinitos sentidos de um mesmo termo dentro do todo estruturado que é o discurso. Traduzir é “dizer o
„mesmo‟ a outros”16, é portanto, muito mais do que substituir termos em uma língua por termos em outra
língua; é ser ponte entre pessoas, possibilitar que alguém tenha voz onde ninguém o entende, que seja
ouvido em todos os cantos. O tradutor e o intérprete são agentes centrais da globalização quando
propiciam acesso, ao mesmo tempo que são uma espécie de mantenedores das culturas que cada língua
carrega consigo, já que exercem seu ofício respeitando os limites que cada uma necessita para fazer
sentido. Assim, é viver na fronteira entre línguas, entre culturas, entre mundo, entre pessoas; é transitar
nesse espaço conturbado criando acordos de paz. É propiciar o encontro de vários “outros” através de um
“mesmo” discurso, e para isso precisa (tentar) reproduzir os efeitos de todas as “vozes” constituintes do
discurso; além disso, ao traduzir, o intérprete já incorpora outras vozes ao discurso, num constante e
infinito dialogismo, em que um enunciado já responde ou (pré)supõe outro para ser. Não há enunciado
sozinho, isolado; o ser não existe por si mesmo, mas apenas e tão somente na interação com outros. É a
interação, a inevitável “resposta” que um causa no outro, que vai conferir existência ao ser do enunciado,
porque o ser só existe se houver outro, nunca sozinho,não há enunciado sem outro enunciado que lhe seja
anterior ou posterior. Isso não acontece necessariamente na interação face a face, mas também nessa,
sendo isso uma das manifestações do dialogismo proposto por Bakhtin. Assim tornamos a repetir:
qualquer manifestação semiótica humana envolve a presença do outro.
Retomaremos esse assunto de forma menos abstrata quando estivermos analisando os dados da
pesquisa.
A Interpretação Educacional
A interpretação educacional, por ser uma interpretação leva em conta e se encaixa em tudo que
já dissemos. Mas também, por ser educacional, possui algumas especificidades que, por mais que já
possam ser vislumbradas, não estão ainda, no cenário nacional, bem claras e estabelecidas, tendo em vista
que a presença de um profissional da tradução no cotidiano de uma sala de aula é uma situação recente.
Assim, há inúmeros discursos circulando socialmente, que por vezes se completam e por vezes se
contradizem. É possível encontrar no discurso oficial em publicação do MEC dizeres como:
“O tradutor/intérprete poderá atuar na sala comum, mas sempre
evitando interferir na construção da Língua Portuguesa, como segunda língua
dos alunos com surdez. A sala de aula comum é um dos locais de aprendizado
da Língua Portuguesa para os alunos com surdez.”17
16
17
SOBRAL (2008).
Damázio MFM. Atendimento educacional especializado. São Paulo: MEC/SEESP; 2007.p. 52.
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E ainda sobre o intérprete educacional: “... sua função é unicamente a de mediador da
comunicação”18. Através desses dois trecho podemos perceber como é estreito e específico o papel
profissional atribuído ao Intérprete Educacional (IE) e, além disso, restrito a interpretação de diversas
situações, não entrando em nenhum momento em esferas que dizem respeito à educação dos alunos com
os quais mantém contato diariamente, como podemos perceber a seguir:
“A Atuação do tradutor/intérprete escolar, na ótica da inclusão,
envolve ações que vão além da interpretação de conteúdos em sala de aula. Ele
medeia a comunicação entre professores e alunos, alunos e alunos, pais,
funcionários e demais pessoas da comunidade em todo o âmbito da escola e
também em seminários, palestras, fóruns, debates, reuniões e demais eventos
de caráter educacional.”19
Nada é dito a respeito da participação desse profissional em reuniões pedagógicas, de
planejamento de aulas, ou mesmo na avaliação de desempenho dos alunos surdos da sala onde atua. Para
traçarmos um contraponto e também para delinear a partir de qual concepção o projeto alvo desse estudo
se baliza citamos Lacerda (2009): “... o IE conhece bem os alunos surdos e a surdez e pode colaborar com
o professor (...) trabalhando em parceria, visando a uma inclusão mais harmoniosa dos alunos surdos.”20
E ainda:
“Assim o trabalho do IE vai além de fazer escolhas ativas sobre o que deve
traduzir, envolvendo também modos de tornar conteúdos acessíveis para o
aluno, ainda que implique solicitar ao professor que reformule sua aula, pois
uma tradução correta do ponto de vista linguístico nem sempre é a melhor
opção educacional para propiciar o conhecimento.”21
Fica claro a partir das passagens que o papel do IE vai além da mera transposição de
informações em um língua para outra. O profissional que trabalha dentro de uma sala de aula plural,
repleta de diversidade humana, precisa levar essa diversidade em conta e modular o seu dizer a partir do
alvo dessa interpretação. Além disso, o IE não tem como única preocupação, como único objetivo
profissional, que o discurso pronunciado em dada língua possa ser compreendido em outra determinada
língua, mas, principalmente, tem a preocupação com os fins educacionais dos discursos que traduz
diariamente. Não se trata de interpretar, por exemplo, uma palestra acadêmica e acompanhar a
velocidade, o nível linguístico de quem fala, é preciso, como já dito, pensar em cada um dos alunos que é
DAMÁZIO, p. 52
DAMÁZIO. p. 50.
20
LACERDA. p.35.
21
LACERDA. p.35.
18
19
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público-alvo da interpretação em sala de aula, modular a complexidade do vocabulário a ser utilizado e a
velocidade da enunciação, para que o fim primeiro da aula se concretize, ou ao menos tenha
possibilidades de se concretizar, qual seja o processo de ensino-aprendizagem. E, para além da
interpretação, deve ser parte integrante da equipe educacional da escola, participar das reuniões
organizacionais e pedagógicas constantemente para que possa não só se interar do funcionamento global
da escola como também para opinar e direcionar ações didáticas que contemplem os alunos surdos, já que
possui conhecimentos da área da surdez e conhece bem os alunos.
Muito além de apenas interpretar, além de tudo que o ato interpretativo exige, o IE deve ter um
comprometimento com o processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Com essa afirmação não
queremos, de forma alguma, insinuar que o intérprete é como que um segundo professor em sala, pelo
contrário, professor e IE tem papéis diferentes, a sala é sempre do professor, está sob seu comando. O que
queremos dizer com comprometimento com o processo de ensino-aprendizagem é que, por ser esse o
objetivo (resumida e simplificadamente) da escola, o IE, como parte da equipe escolar e como participante
do cotidiano da escola, não pode ficar à margem desse processo, tendo papel ativo e importante para que
se concretize, ou para que ao menos tenha meios através dos quais possa se concretizar.
Finalmente, foram a partir desses parâmetros que realizamos a interpretação que será analisada
a seguir. Tentamos colocar em prática alguns desses referenciais teóricos, que serão retomados ao longo
da análise.
O que se segue será uma análise mais minuciosa do processo descrito acima. Discorremos sobre a
teoria que nos proporcionou embasamento e sobre os fatos metodológicos, se assim se pode dizer, e agora
analisaremos alguns aspectos relevantes dos dados levantados.
Análise de Dados
Após tecer uma trama simples na qual registramos alguns referencias teóricos básicos, seguem
algumas considerações técnicas sobre a Janela de Interpretação, e serão “algumas” e breves, devido à
carência de pesquisa na área.
A ABNT NBR 15290:2005 que dispõe sobre a Acessibilidade Em Comunicação Na Televisão, tem
como objetivo estabelecer as
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“diretrizes gerais a serem observadas para a acessibilidade em comunicação na
televisão, consideradas as diversas condições de percepção e cognição, com ou
sem a ajuda de sistema assistivo ou outro que complemente necessidades
individuais.” 22
Ela ira tratar não apenas da Janela de Interpretação, mas também de outros dispositivos para
atingir seu objetivo, assim, tendo essa referência oficial utilizaremos a definição que vem em seu corpo da
Janela de Interpretação que seria um “espaço delimitado no vídeo onde as informações veiculadas na
língua portuguesa são interpretadas através da LIBRAS” 23, assim, a norma estabelece parâmetros para o
Estúdio, a Janela, o Recorte (wipe) e o requisitos para a interpretação e visualização da LIBRAS. Institui
que o estúdio onde será feita a filmagem deve dispor de elementos básicos, como espaço suficiente para
que o intérprete fique a uma distância tal suficiente para que não projete sua sombra, atrapalhando a
visualização dos enunciados sinalizados, também deve dispor de iluminação suficiente para que a câmara
possa captar o intérprete com qualidade e nitidez, e esta precisa estar apoiada sobre um tripé fixo, a fim
de que as imagens sejam estáveis, a fora isso, há ainda a necessidade da marcação no solo que delimite o
espaço de movimentação do intérprete para que não saia do foco do vídeo.
Quanto à janela com o intérprete deve ser composta por contrastes nítidos, não importando se em
preto e branco ou se em cores; como também deve haver contraste entre o pano de fundo e os elementos
do intérprete, ou seja, a cor da pele do profissional deve contrastar com suas roupas. A norma também
dispões que o foco deve abranger toda a “movimentação e gesticulação do intérprete” 24, são as palavras
literais do documento, e poderia ser substituído por exemplo, pela expressão “o foco deve abranger toda
a movimentação e enunciação do intérprete”, já que os “gestos” realizados pelo intérprete são todos
elementos com valor linguístico e de significação, não se tratando de gestos ou pantomima. No que diz
respeito ao recorte, também chamado wipe, é posto que a janela de interpretação dever ter a altura de no
mínimo metade da tela e a largura de no mínimo o equivalente à quarta parte da largura da tela, e
finalmente é ressaltado que para que haja uma boa visualização da interpretação “a vestimenta, a pele e o
cabelo do intérprete devem ser contrastantes entre si e o fundo. Devem ser evitados fundo e vestimenta
em tons próximos ao tom da pele do intérprete” 25, e também que quando estiver presente em telejornais e
outros programas, medidas devem ser tomadas para garantir a visualização com qualidade da língua de
sinais – apenas não fica claro quais medidas seriam essas – e por último que não sejam incluídas ou
sobrepostas quaisquer outras imagens no recorte da janela.
ABNT NBR 15290:2005. p. 1
ABNT NBR 15290:2005 p.3
24 ABNT NBR 15290:2005. p . 9
25 ABNT NBR 15290:2005. p. 9.
22
23
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O Filme “Narradores de Javé”
Contextualizando a história do filme: trata-se de um longa metragem dirigido por Eliana Caffé,
vencedor das categorias de melhor filme, direção, montagem, ator (José Dumont), ator coadjuvante (Gero
Camilo), edição de som e atriz coadjuvante (Luci Pereira) do Festival de Audiovisual e no Festival do Rio
2003, José Dumont foi premiado novamente como melhor ator, no Festival Internacional de Friburgo, na
Suíça faturou o prêmio da crítica além de vencer na categoria de melhor filme no VII Festival
Internacional do Filme Independente de Bruxelas (Bélgica) e no 5º Festival de Cinema dês 3 Ameriques
em 2004 (Canadá).
O filme ambientado no interior do Estado da Bahia, em uma cidadezinha chamada Gameleira da
Lapa, rodado no segundo semestre do ano de 2001 conta a história de uma cidade, chamada Javé que será
submersa nas águas devido a construção de uma hidrelétrica, os poucos moradores serão desalojados sem
nenhum tipo de indenização. A partir desse acontecimento inicial os moradores se reúnem e decidem
elaborar a história da cidade e sua “heroica” gente. Acontece que o único morador que sabe ler e escrever
é Antônio Bia, antigo funcionário do posto de correio, que será o “eleito” para elaborar um livro com os
“feitos grandiosos do passado” daquela gente e daquele lugar.
É nesse ponto que prosseguir com a sinopse do filme fica complicado, por que como diz José
Maria Theodoro há a “... impossibilidade de uma sinopse que contemple toda a multiplicidade de temas,
narrativas e vozes em „Narradores de Javé‟”.26 É o que torna o longa tão rico em detalhes e em
possibilidade de olhares, assim é possível tomá-lo como um exemplo de Polifonia e Dialogismo, afirma o
autor, já que “em „Narradores de Javé‟ os discursos são intercalados, fundem-se, sucedem-se não existem
independentemente daqueles aos quais são endereçados”27, daí que ao perguntarmos “quantas narrativas
há no filme”, perceberemos, após análise atenta que o filme “narra narrativas que narra narrativas” 28, o
que nos proporciona pensar sobre o narrar, o seu valor, sua verdade e as diversas vozes e sentidos que
circulam por ele, no entanto, em nosso exemplo, os inúmeros discursos, as diversas narrativas convergem
em função de um objetivo em comum, qual seja, o de impedir que o Vale seja submerso pelas águas da
represa; bem como há um fio condutor na narrativa “principal” do vídeo que seria o resgate da memória
de como se originou o Vale do Javé.
Através das várias narrativas e dos inúmeros narradores, o filme escancara o antagonismo entre a
sociedade “javélica” que preserva sua tradição e história oralmente e a sociedade em geral que ergue seus
alicerces e se impõe através da linguagem escrita, do registro dos acontecimentos, onde o mundo do
“progresso” e da tecnologia acaba por sobrepor a tradição oral daquela comunidade, onde a escrita não
Theodoro JM. Polifonia e Dialogismo em “Narradores de Javé”. Revista Espaço Acadêmico nº 90. 2008 nov. [acesso em 2 set
2010]. Diponível em: http://www.espacoacademico.com.br/090/90theodoro.pdf.p. 1.
27 THEODORO (2008) p. 1
28 THEODORO (2008) p.3
26
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tinha tanto status, onde a palavra valia tanto ou mais do que as letras, como pode ser demonstrado
através do que as personagens chamam de “divisas cantadas”, que consistia na demarcação de terras
através da oralidade, não havia escrituras, documentos, apenas o dizer oral que fazia com que
determinado pedaço de território pertencesse a pessoa que o “cantou”.
Concluindo, com as palavras de Theodoro:
“Não temos um narrador que „do alto‟, „soberano‟ domina personagens,
tramas, tempo e espaço, mas uma profusão de vozes, diálogos entre inúmeros
elementos que compõem instâncias discursivas. O presente, o passado o futuro
de Javé, cenários, espaços, imagens são vozes, e dialogam entre si, tudo, todas
as personagens criam e contam, pulsam a trajetória do Vale”29.
A Prática e a Teoria
Aqui, através de recortes feitos do roteiro do longa, iremos contrastar a prática registrada com a
teoria desenvolvida, buscando apontar concordâncias, dissonâncias e estratégias de interpretação, na
busca constante da transposição dos sentidos de uma cultura para outra, busca essa que existiu mesmo
quando o objetivo não foi apropriadamente atingido.
A análise foi desenvolvida em dois eixos, cada um, por sua vez com duas ramificações.
Apresentaremos um exemplo de cada situação a seguir.
Eixo 1: Prós e Contras da interpretação simultânea com duas intérpretes concomitantemente
Onde buscamos identificar, na edição final da Janela de Interpretação, os ganhos e perdas da
escolha feita de filmar com duas intérpretes atuando concomitantemente. Apresentamos um exemplo de
cada situação, com a reprodução da fala dos personagens retiradas do filme (conforme marcação
temporal em cada uma) e do roteiro do filme publicado pela Imprensa Oficial, conforme bibliografia final.
29
THEODORO (2003) p. 5 e 6
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a. Possibilidades da reprodução de efeitos estilísticos.
“Maria Dino e Firmino: Quando vier a outra noite... os pássaros da noite
vão piar e avoar aos contrário, tomando a noite pelo dia e levar ocês tudo até as
terras que serão suas... pra ocês viverem em graça e enterrarem seus mortos...”
(0:43‟:49‟‟ – 0:44‟:15”)30
Este é um momento do filme em que duas personagens, Maria Dino e Firmino, enunciam
exatamente as mesmas palavras, como reproduzido acima, mas cada uma delas o faz a partir de lugares
diferentes, assim, Maria Dino enuncia de um ponto do passado – em relação à trama do filme - enquanto
Firmino o faz do tempo presente da trama principal, isso sem contar que cada uma das personagens se
encontra em um espaço físico diferente, a primeira fala de onde o fato narrado no presente se deu quando
acontecido (como um flash back) e o segundo o faz como um recontar, inserindo o discurso de Maria Dina
no seu.
O que pudemos notar foi a possibilidade de manutenção do efeito estilístico da linguagem
cinematográfica na interpretação, o que só foi possível devido a presença das duas intérpretes atuando ao
mesmo tempo, já que o efeito não poderia ser transferido para a interpretação se só uma houvesse. Dessa
forma, o exemplo citado é um aspecto positivo da escolha realizada, o que não significa necessariamente
que ela só possa ser vista desse lado, a seguir um exemplo de como a mesma escolha que trouxe
consequências positivas também trouxe alguns problemas.
b. Descontinuidade do discurso no revezamento das intérpretes.
“Firmino: Ihhh! Então danou-se: esse lugar não vale o que o gato enterra.
Vado: O que o gato enterra tem na sua cabeça!”
(0:09‟:07‟‟ – 0: 09:13‟‟)
O trecho transcrito é, à primeira vista, uma passagem que não demandaria grandes esforços
interpretativos, no entanto, ao olharmos de forma mais atenta é possível perceber a introdução de uma
figura de linguagem na fala da primeira personagem, “Firmino”, ele utiliza um eufemismo ao dizer “o
que o gato enterra” ao se referir ao ato de defecar do animal, além disso, a frase toda é dotada de um
sentido figurado, por que, “esse lugar não vale o que o gato enterra” quer dizer que aquele é um lugar
sem valor, um lugar que não é bom, onde não há nada importante ou grandioso. Essas conclusões já são
30
Caffé E (direção). Narradores de Javé [DVD]. Lumiere/Videofilmes; 2003. 102 min.
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em si mesmas uma interpretação inicial da enunciação da personagem (aquela interpretação inicial e
ampla da qual falamos anteriormente), que sofreram a interpretação da profissional que estava ali para
tanto.
No momento da interpretação o que ocorreu foi um desencontro de discursos entre as duas
intérpretes, assim, a primeira, responsável pela fala de “Firmino” diz em língua de sinais o equivalente à:
“Esse lugar não tem nada de bom”, o que, a pesar de não ser fiel aos termos utilizados, é fiel ao “querer
dizer” do discurso, como foi dito acima. O desencontro se dá logo depois, quando a segunda intérprete,
responsável pela fala de “Vado” traduz de forma fiel ao léxico o que foi dito. Assim no dialogo em língua
de sinais “Firmino” diz: “Esse lugar não tem nada de bom” ao que “Vado” responde: “O que o gato
enterra tem na sua cabeça”. Não há sentido, não há conexão entre um enunciado e outro, como adiantado,
um desencontro que trouxe ao todo estruturado do discurso final um ponto de falta de sentido. Não
consideramos que há erro na atuação de nenhuma das intérpretes, só que as escolhas, ao serem
combinadas não surtem efeito.
Eixo 2: Privilégio do sentido sobre o léxico.
a. Interpretação do sentido sem transposição das especificidades da linguagem.
“Antônio Biá: Sou todo errado: entro sem pedir licença e só saiu se for
mandado! Ô, saudade louca: a minha muita, a sua pouca!”
(0:21‟:18‟‟ – 0: 21‟: 30‟‟)
Antônio Biá, personagem central da trama, sobre a qual recai a responsabilidade de registrar na
linguagem escrita a história do Vale do Javé, utiliza frequentemente em seu discurso a função poética da
linguagem, como é possível notar no recorte acima há riqueza no quesito expressividade, não só no que
diz respeito à linguagem utilizada, mas também na forma como é dita e no modo como o ator interpreta
sua personagem, levando todos esses fatores em conta a interpretação desse trecho especificamente, e de
outros que não serão aqui evidenciados, é possível notar a perda dessas nuances e facetas.
Na janela de interpretação foi dito em LIBRAS, para esse enunciado o seguinte: “Eu entro e não
peço licença. Estou com muitas saudades e você parece que não.”
O sentido da mensagem foi preservado, mas não sua riqueza de termos, ritmos e recursos e nem a
escolha da linguagem por parte do ator ou do roteirista. Em contraposição, há momentos em que foi
possível a transposição da figura de linguagem utilizada.
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b. Transposição da metáfora ou trocadilho.
“Antônio Biá: Viado.
Firmino: Ele falô „viado‟ ou „fiado‟?”
(0:48‟:07‟‟ – 0: 48‟:12‟‟)
Essa cena, no contexto da obra tem a finalidade de ser engraçada, de conter elementos
humorísticos devido ao trocadilho realizado pela troca do som da letra “v” pelo da letra “f”, assim, os
termos “viado” e “fiado” não tem importância em si mesmo, mas somente dentro de um contexto maior.
Com essa percepção a interpretação foi feita em língua de sinais buscando reproduzir o efeito
concretizado no português, a troca dos fonemas, que são unidades mínimas de significância nas línguas
faladas, foram substituídas pela troca de um dos elementos mínimos que compõe o signo linguístico nas
línguas de sinais, qual seja a “configuração de mão” 31, assim foi utilizado primeiramente o sinal de
“Viado” e em seguida o sinal de “tchau”, já que a única variação entre os dois é a configuração de mão; os
demais parâmetros formacionais permanecem os mesmos, assim como no português foi realizada
somente a modificação de um fonema.
Com isso pretendemos manter o espírito da cena dentro da historia do filme, que se pretendia
humorístico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever”
Clarisse Lispector
Parafraseando Clarisse: enquanto tivermos perguntas e não conhecermos as respostas
continuaremos a pesquisar, a procurar, a desvendar. Continuaremos a perguntar.
Aqui, nas considerações finais não pretendemos estabelecer pressupostos ou formular uma
possível receita de sucesso. Queremos sim demonstrar através da nossa experiência no mundo da prática
que foi transposta para o mundo da teoria, alguns pontos que julgamos importantes, quiçá, fundamentais,
para que uma escola com alunos surdos incluídos possa ser considerada bilíngue. Queremos demonstrar
Os chamados parâmetros formacionais das língua de sinais são cinco: configuração de mão, movimento, localização, orientação
da palma e direção. Isso desconsiderando as expressões faciais e corporais, que podem entrar nessa classificação também. Os
parâmetros formacionais consistem nas unidades mínimas dotadas de sentido no interior das línguas de sinais.
31
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que a presença de um intérprete de língua de sinais em sala de aula não é nunca condição única e
suficiente para garantir o acesso dos alunos surdos às aulas.
Após analisar todo o processo detalhadamente desejamos mostrar que para uma escola ser de
fato Inclusiva são necessárias adequações curriculares, pedagógicas e até mesmo de materiais utilizados
em sala de aula. E para isso, é preciso antes uma adequação dos professores frente à inclusão, por que a
partir do que foi aqui exposto, pudemos observar que o projeto e a realização do projeto da interpretação
de um filme só foi possível devido a disposição da professora de ensinar a todos os seus alunos, o que,
nesse caso, significa contemplar as especificidades, olhando-os como diferentes entre si e não como
deficientes ou incapazes. Enxergando a deficiência no modelo de ensino, ou nos métodos correntes e
costumeiros e não nos alunos, e por isso, tendo o entendimento de que são aqueles que devem se adaptar
e não os indivíduos.
Pretendemos demonstrar também que Alice, Sofia e a pesquisadora levaram em conta que os
alunos surdos iriam assistir a um filme para eles sem som e sem legendas, que utilizava como meio de
comunicação a língua portuguesa, que é considerada como uma segunda língua para esses alunos e que
foi só a partir dessa concepção que uma interpretação para Língua Brasileira de Sinais foi possível de ser
pensada.
Outro ponto que temos interesse em dar enfoque é a importância da formação das intérpretes
envolvidas no processo, ambas não só conheciam a LIBRAS, mas estavam em infinito processo de
conhecimento dessa e do português, e mais, muito do que permeou as discussões que levaram a essa
pesquisa só foi possível devido à formação dos profissionais envolvidos.
Assim, no que concerne à organização escolar, observamos que é importante a adequação dos
materiais pedagógicos, o planejamento das aulas e que o Intérprete Educacional tenha acesso a ele, bem
como do material didático que será utilizado pelo docente, o que só poderá ocorrer se houver um canal de
comunicação e troca de informações efetivo entre o Intérprete e o Professor. Isso sem falar em como a
formação específica das intérpretes envolvidas exerceu influência nas decisões e na raiz teórica que
forneceu base para a realização da prática.
O que nos leva à ultima percepção de como a prática e a teoria se inter-relacionam e interinfluenciam quando notamos que foi a teoria que forneceu os fundamentos da prática, como dito no
parágrafo anterior, prática essa que, por sua vez, foi utilizada como material de pesquisa para esse artigo,
que busca teorizá-la, teoria que pretende fornecer respaldo à práticas futuras, num movimento continuo e
infinito e ida e volta que pretende trazer contribuições tanto ao mundo das teorização como ao mundo
das realizações.
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