A IDENTIDADE DO IMIGRANTE DE ORIGEM LUSÓFONA RELACIONADA
COM O BRAIN CIRCULATION: O CASO BRASILEIRO NO QUEBEC
Nilce da Silva
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
[email protected]
A Estátua da Liberdade estende a sua mão para todas aquelas “massas exaustas, pobres e
confusas ansiando por respirar liberdade”.
I. Wallerstein (2002)
Introdução
O Brasil, conhecido por ser um país de atração de migrantes, de acordo com os dados do
Ministério das Relações Exteriores (2008), a partir dos anos 80, tem expulsado em torno de
4.000.000 de pessoas- algo em torno de 2% da nossa população. Estamos, nestes últimos
30 anos, diante de um novo fenômeno, chamado de diáspora brasileira.
Os brasileiros da diáspora têm escolhido como destino os Estados Unidos, o Paraguai, o
Japão, alguns países da Europa, e mais recentemente, o Canadá.
De acordo com o Instituto de Estatística do Canadá (1996), desde 1996, 10 mil brasileiros
imigraram para esse país da América do Norte. Entre 1998 e 2006, cerca de 11.000 mil
estudantes e 10.000 imigrantes brasileiros entraram no Canadá e ainda, de acordo com a
mesma fonte (Statistique Canada, 2006), o volume anual de brasileiros entrando no país
dobrou nos últimos anos, saltando de 1.577 em 1998, para 3.089 brasileiros em 2006.
Observa-se assim que é significativo o número de brasileiros que partem para estudar,
atraídos por determinada escolarização da América do Norte, e que, do nosso ponto de
vista, podem ser considerados ‘imigrantes em potencial’ no âmbito do fenômeno aqui
tratado como brain circulation.
As grandes cidades são os principais destinos destes brasileiros. Destacamos: Vancouver e
Toronto, do lado anglofono, e Montreal e Quebec, na parte francesa.
A questão que nos orienta neste texto é a formação da identidade no caso de brasileiros que
imigraram para a região do Quebec adquirindo, como hipótese, imagem do deus Janus,
conforme explicitaremos mais à frente.
Antes disto, vejamos um pouco das regras da recepção de imigrantes do Canadá.
A política de imigração canadense
Na gramática da política da imigração do governo canadense (cf. Citizenship and
Immigration Canada, 2011)- assim como na província do Quebec (cf. Immigration et
Communautés culturelles Québec, 2011)- que faz uma pré-seleção dos seus candidatos
tendo como prioridade a manutenção da língua e culturas francesas em seu territórioexistem quatro tipos de entradas legais no país para futura aquisição da cidadania
canadense:
a- Asilo para refugiados; b- apadrinhamento; c- reagrupamento familiar; d- recebimento de
imigrantes qualificados.
Temos, então, um bom número de imigrantes recebidos por este país da América do Norte
que sofrem risco de vida em seus países de origem tendo em vista as guerras instaladas
nestes locais, tais como: congoleses, iranianos, afegãos, dentre outros (entrada “a”). Há
ainda, enquanto maneira de entrada legal no território, o ingresso de pessoas que são
‘apadrinhas’ por canadenses, tal como no caso de casamentos entre canadenses e
estrangeiros, sendo que o ‘afilhado’ é de total responsabilidade do seu ‘padrinho’ (entrada
“b”). Constata-se também uma política de reagrupamento familiar em que ‘um novo
canadense’- pessoa que não nasceu no Canadá e que recebeu a cidadania- passa a ter o
direito de convidar seus familiares diretos para residirem no país (entrada “c”). E,
finalmente, há a quarta maneira de imigração proposta pelo dito país que é o favorecimento
da entrada de adultos escolarizados (curso técnico ou superior no mínimo) e qualificados
profissionalmente para que venham compor a sociedade canadense atual, com baixa taxa
de natalidade e crescente número de idosos, conforme discurso oficial (entrada “d”, que
chamamos de ‘a porta para a brain circulation).
Neste artigo, faremos algumas considerações acerca desta última, “d”, baseadas em
pesquisa exploratória, de caráter qualitativo (estudos de caso e narrativas autobiográficas),
realizada entre agosto de 2008 e maio de 2009, período em que a autora atuava como
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professora visitante na Université du Québec à Trois-Rivières e como professora associada
da mesma instituição.
Levando-se em consideração o lugar social ocupado pela pesquisadora, o interesse deste
estudo se dirigiu para o grupo de imigrantes brasileiros qualificados recebidos pela
província do Quebec a partir do ano 2000. O foco das investigações realizadas se
concentrou no papel desempenhado pela escolarização em língua portuguesa feita antes da
decisão de partirem para as terras do Hemisfério Norte, pelos sujeitos desta pesquisa em
território brasileiro. Tal escolarização, conforme já assinalamos, foi uma das condições da
admissibilidade para a recepção destes brasileiros como imigrantes e futuros cidadãos no
Quebec, Canadá.
Servimo-nos de algumas importantes contribuições da obra ‘A gramática do tempo: para
uma nova cultura política’ (SANTOS, 2005) para tecermos nossas considerações acerca da
política imigratória canadense, mais especificamente, àquela que incentiva a entrada do
trabalhador qualificado e do papel desempenhado pela escolarização realizada na língua de
Camões no sistema educacional brasileiro quando da inserção dos sujeitos desta pesquisa
no mercado de trabalho em questão e na sociedade canadense. Ou seja, pretendemos
conhecer e analisar o valor atribuído ao conhecimento (escolar e científico) do qual os
brasileiros selecionados são portadores. Para tanto, vejamos o lugar ocupado pelo Canadá e
pelo Brasil à luz de Wallerstein e Santos.
Lugar da lusofonia e do ‘Canadá’ no sistema mundo: semiperiferia pobre versus rica?
De acordo com Wallerstein (2001, 1987), o sistema-mundo capitalista é composto por uma
relação hierárquica e desigual. É dividido em centro, semiperiferia e periferia. A posição
que cada país ocupa determina, em grande medida, as possibilidades e os limites de
desenvolvimento de suas forças econômicas, produtivas, sociais e culturais, ou ainda, em
apenas uma palavra: as possibilidades e os limites da produção do ‘conhecimento’ neste
caso escolar e científico e o quanto estes conhecimentos são valorizados ou não.
Países que ocupam o centro do sistema concentram níveis muito mais elevados de riqueza,
de inovações tecnológica em diferentes setores (agricultura, extração mineral, saúde,
medicamentos, dentre outros) e de salários. A riqueza destes países é controlada pela elite
local. Por outro lado, a periferia do sistema é formada por países que têm produtos
agrícolas e minerais para oferecer ao sistema, além, de farta mão-de-obra barata.
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Consequentemente, a relação entre centro e periferia é desigual conforme aponta
Wallerstein (2001, 1987)1.
A partir deste quadro teórico, Santos (2005) analisa Portugal que é, segundo o pensador,
desde o século XVII, um país semiperiférico no sistema mundial capitalista, ou seja, ele
ocupa tanto o centro como a periferia da economia no mundo já que é
um estado capitalista que, por ser simultaneamente produto e
produtor dessa posição intermédia e intermediária, nunca assumiu
plenamente as características do Estado moderno dos países centrais,
sobretudo os que cristalizaram no Estado liberal a partir de meados
do século XIX (....) (p. 227).
Esta condição semiperiférica fez da colonização portuguesa um processo com
características subalternas,
o que fez com que as colónias fossem colónias incertas de uma
colonização certa. Esta incerteza ocorreu tanto de um défice de
colonização- a incapacidade de Portugal colonizar segundo os
critérios dos países centrais- como um excesso de colonização, facto
de as colónias terem estado submetidas, especialmente a partir do
século XVIII, a uma dupla colonização: por parte de Portugal e,
indirectamente por parte dos países centrais (sobretudo a Inglaterra)
de que Portugal foi dependente (por vezes de modo quasecolonial)”. (p. 228)
Neste sentido, pode-se afirmar que o Brasil e as demais ex-colônias portuguesas se
representam a si próprios como subalternos, posição que a representação colonial lhes
atribuiu.
Esta especificidade do colonialismo português, sempre de acordo com Santos (2005),
assenta-se basicamente na economia e se manifesta também nos planos social, político,
jurídico, cultural, nas práticas cotidianas da sobrevivência, da opressão e da resistência.
Tal situação vivenciada por Portugal e por suas ex-colônias suscita questões sobre a
natureza da língua oficial portuguesa e, acrescentamos nós, sobre a escolarização realizada
em língua portuguesa tal como aquela recebida pelos sujeitos desta pesquisa e o
1
Wallerstein, nas mesmas obras, pontua que entre o centro que explora e a periferia que é explorada, desenvolve-se uma faixa
intermediária responsável por manter certo equilíbrio do sistema.
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conhecimento que presumidamente possuem e produziram, produzem ou venham a
produzir.
Numa espécie de semiperiferia rica- ao contrário da portuguesa e ou brasileira que é pobredo nosso ponto de vista, instala-se o Canadá.
Segundo as informações obtidas em páginas da internet do governo (federal, provincial e
das cidades) do Canadá, que são também ouvidas e vistas na mídia canadense, a mensagem
propagada é de que tal país é uma sociedade multicultural. Entretanto, ao citar Bhabha,
Santos (2005, p. 237) nos adverte que
o multiculturalismo pressupõe a idéia de uma cultura central que
estabelece as normas em relação às quais devem posicionar-se as
culturas menores (....) a afirmação da diversidade multicultural
implica sempre na afirmação da diferença cultural. É por isso que os
projectos multiculturais não têm impedido que o racismo e a
discriminação étnica continuem a propagar-se.
No âmbito deste país, o multiculturalismo tem como cultura central a cultura inglesa
(CORMIER, 2005). É esta a cultura da anglofonia que estabelece as normas para que as
demais gravitem em torno dela, a saber: a cultura francófona (da região do Quebec, por
exemplo), das Primeiras Nações (donos do território americano antes da chegada dos
colonizadores); ainda, as culturas lusófona, árabe, dentre outras.
Sendo assim, tendo em vista a riqueza e a pobreza das semiperiferias ocupadas pelas duas
sociedades se levarmos em consideração que o Império Americano está em crise, mas
ainda é o ‘Império Americano’ (cf. WALLERSTEIN, 2002), podemos supor que cada
brasileiro na região do Quebec está ligado pelo racismo e pela xenofobia aos habitantes que
nasceram nesta cidade, descendentes de ingleses e ou franceses, ou no Canadá como um
todo. É possível que este vínculo faz com que a escolarização recebida em língua
portuguesa seja desprezada pelo mercado de trabalho condenando estes ‘novos canadenses’
às franjas da comunidade, da sociedade e do país, pelo menos nos primeiros anos no país,
conforme indicam os dados coletados neste estudo exploratório por meio do conhecimento
da narrativa de diferentes histórias de vida.
No período da coleta de dados, constatamos que toda a escolarização recebida pelos
brasileiros em língua portuguesa (mais de 15 anos de escola, pelo menos), assim como suas
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pessoas- e sua descendência- é violentada pela coerção que desvaloriza os conhecimentos
dos quais são portadores ou pela segregação ou pela assimilação.
Santos (2005) afirma que o vínculo entre o colonizador e o colonizado é dialeticamente
destrutivo e criativo; e, obedecendo à mesma direção histórica, nós afirmamos ser desta
forma o vínculo estabelecido entre canadenses, de raízes, e brasileiros imigrantes.
Parafraseando Santos (2005), a corrente que une o habitante nascido no país receptor ao
imigrante brasileiro qualificado, neste caso, é a mesma que une colonizador e colonizado:
de racismo e xenofobia. Assim, o brasileiro (ex-colonizado por Portugal e quasi-colonizado
pela Inglaterra) é uma presença incompleta no Quebec, local em que realizamos este
estudo.
Já, no caso do Canadá (ex-colônia da França e da Inglaterra), do nosso ponto de vista, este
país se situa numa espécie de periferia rica, pois é dependente dos EUA e ainda, quanto
falamos da província do Quebec, da França também; países da América do Norte e Europa
que, respectivamente, colocam Portugal na periferia; pobre, acrescentamos nós, do sistema
capitalista-mundo.
Canadenses e brasileiros pertencem a dois ‘países’ com características parecidas e
particulares no que diz respeito ao status que assumiram como colônias; estabelecendo,
portanto, relações especiais entre si. O referido país da América Latina é ‘semi-colônia’ de
Portugal e, depois, indiretamente, da Inglaterra. O Brasil também, tendo em vista seus
fortes contrastes sociais, conta com uma elite que age como nova metrópole, no continente
africano, por exemplo; ao mesmo tempo, em que sofre ações do pós-colonialismo do
Norte. Por outro lado, o Canadá também é ‘semi-colônia’, pois não faz parte da pobreza
mundial ao mesmo tempo em que é influenciado de muito perto pela cultura norteamericana, em diferentes áreas- da pesquisa aos pequenos atos do cotidiano- e, dentro de si
mesmo, abriga o Quebec, francês de base e, portanto, é palco da tensão entre anglofoniaainda colonizadora e, no passado, a vencedora das Plaines d'Abraham , e francofonia.
A única potência industrial importante no mundo a sair intacta do conflito, e sem dúvida
muito fortalecida economicamente, foram os Estados Unidos (cf. WALLERSTEIN, 2002,
p. 16), e, por tabela, o Canadá.
Fato é que, mesmo ao identificar a crise da hegemonia americana dos anos 90
(WALLERSTEIN, 1995), hoje é ainda os Estados Unidos e, mais recentemente, o Canadá
que atrai os brasileiros. E, por isso, o sentimento de pertencer à nação americana ou
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canadense baseia-se num certo nacionalismo exacerbado, tomando este destino dos
imigrantes como uma confirmação da sua crença na virtude superior dos Estados Unidos
como nação (WALLERSTEIN, 2002) na âmbito do conhecimento, especialmente,
tecnológico e bélico, fruto do investimento massivo na área educacional e científica.
Entretanto, o que diferencia Canadá e Brasil são como estes se ligam aos países centrais,
situação que podemos conhecer, ainda que parcialmente, a partir do estudo da relação entre
trabalho e capital.
Em suma, “No caso do racismo, o princípio da exclusão assenta na hierarquia das raças e a
interação desigual ocorre primeiro, através da exploração colonial (escravatura, trabalho
forçado), e depois, através da imigração” (SANTOS, 2005, p. 281). E, assim constatamos
que é o Canadá que se faz conhecer no Brasil como um local em que cada um encontrará o
seu lugar no mundo. E assim, muitos dos nossos conterrâneos têm partido rumo às terras
geladas do Hemisfério Norte.
Segundo Wallerstein (1987), o pleno assalariamento seria mais caro para os capitalistas,
pois deveria assegurar a manutenção integral da família operária. Entretanto, este pleno
assalariamento, quando falamos do valor da mão-de-bra de americano ou de um canadense,
não produz o tanto de mais-valia que poderia produzir, pois trata-se de mão-de-obra cara.
Sendo assim, o capital encontrou “mecanismos de compensação”.
Dentre eles, há a procura de novos mercados. Entretanto esta periferia pobre ou não
consumia o produto oferecido e ou não podia pagar por ele. Sendo assim, esta mesma
periferia se tornou o local ideal para o expansionismo capitalista na medida em que tem
força de trabalho barata.
Este trabalhador barato, segundo Wallerstein (1987), é produzido no seio de suas
sociedades periféricas ou pode se tornar barateado a partir do tipo de contrato que se faz
entre empregador e empregado. É neste contexto que o imigrante entra em ação, pois
terminam por ser mais baratos que o trabalhador de um país central. Forma-se, deste modo,
uma aristocracia operária nos países dominantes do capitalismo, como neste caso, no
Canadá, e um semiproletariado, justamente porque vem da semiperiferia, como no caso dos
brasileiros com os quais tivemos contato nesta pesquisa, que estão muitas vezes, integrados
ao mercado “oficial” de trabalho de forma precária ou sazonal, sendo considerados como
semiproletários. Deste modo, é a relação contratual entre trabalho-capital que se constitui o
cerne da dominação que pode ser da escravidão, servidão e trabalho semi-livre, atendendo
7
à premissa mais fundamental da reprodução do capital: a existência de competição em os
trabalhadores de TODO o mundo.
Tendo em visto este cenário mundial, a seguir, pretendemos tecer algumas possibilidades
acerca da formação da identidade dos sujeitos desta pesquisa.
Identidade e cidadania: ambiguidade de interesses?
O texto de Irazuzta (2010) é muito interessante para refletirmos acerca da indentidade do
imigrante brasileiro no Quebec. Destacamos algumas de suas afirmações que corroboram
com esta faceta do nosso estudo que diz respeito à identidade do brasileiro pertencente à
diáspora brasileira: a comunidade de diáspora pode ser considerada como um exemplo do
momento da transnacionalidade porque desafia os padrões de territorialidade e identidade,
antes exclusivos dos Estados Nacionais; a identidade da diáspora nos faz repensar os
termos de nação e nacionalismo na medida em que se reconfiguram as relações entre os
cidadãos e os seus países de origem; com estas comunidades nascem uma multiplicidade
de espaços sem localização e forças homogêneas de globalização e de circulação de
conhecimento, acrescentamos.
Seguindo o raciocínio de Irazuzta (2010), hoje, somos capazes de ter a presença do ausente
que evidencia o fato de que o espaço social não coincide mais com a presença física das
pessoas em determinado lugar.
Pensada deste modo, a diáspora brasileira, e outras com o mesmo perfil, passa a ter um
valor positivo. Diferentemente, da valoração recebida anteriormente, quando, para se
participar de um território, fazia-se necessário nele estar presente de corpo. Isto mudou.
Hoje, exitem itinerários transculturais que escapam do controle político tradicional que
supervisionava in lócus seus habitantes.
Ainda segundo o Irazuzta (2010), as principais características desta identidade da pessoa
em diáspora são: a pessoa parte de um lugar que não se encontra no centro do sistema
capitalista; a pessoa mantem o mito sobre sua sociedade de origem que circula no seu
grupo de pares de que eles não são plenamente aceitos na sociedade receptora; a pessoa
concebe sua sociedade de origem como um lugar de eventual retorno; a pessoa procura
manter, restaurar os laços com seu território de origem; a pessoa não teve a saída
controlada pelo país de origem, mas teve a entrada controlado no país de recebimento, e
8
ainda, tais pessoas sofreram inúmeras restrições para entrar no novo país e passa por
situação de exclusão social, jurídica e política.
De acordo com (Irazuzta, 2010), frente a estas características, diferentes autores propõem
diferentes definições para definir a identidade da pessoa em diáspora: alguns falam em
integração tanto na sociedade de origem como na sociedade de recepção; outros falam em
uma espécie de cidadania externa, dentre outras perspectivas, dentre as quais a deste artigo
que aborda o crescente interesse e ações dos governos frente às diásporas, ações
governamentais que vão além dos limites do seu território que procuram fazer dos
ausentes, pessoas presentes com potencial para promover o desenvolvimento dos seus
países de origem.
No caso do governo brasileiro temos, dentre outras condições, a admissibilidade de
múltiplas cidadanias; o cada vez maior número de acordos bilaterais assinados com o
Canadá (como por exemplo, a questão da aposentadoria, os apoios de agências de fomento
bilaterais à pesquisa); a instalação abundante de serviços consulares e de embaixadas
atendendo os imigrantes brasileiros no Canadá; a proliferação de agências bancárias
internacionais e a preservação do direito ao voto do brasileiro mesmo que se absteve sem
justificar em múltiplas eleições apenas com a aplicação de uma multa de dois dólares
americanos para que o eleitor volte a estar quite com a justiça eleitoral.
Sendo assim, quer o país de recepção queira ou não, o imigrante é um candidato a deixar o
país de acolhimento, desta forma, além de se submeter às políticas do seu local de origem,
vê-se preso a um emaranhado legal na sociedade receptora.
Aprendemos nos anos iniciais da escolarização que, tradicionalmente, o mundo é dividido
em países, que são definidos por fronteiras e, dentro destas fronteiras, vive um povo e em
nome desta população o governo pode falar e sobre ela pode usar a força como monopólio
legítimo.
De acordo com Irazuzta (2010), a teorização desenvolvida por T. H. Marshall em 1950
defendia que a cidadania encerrava três dimensões fundamentais (cívica, política e social),
diversos autores defenderam a necessidade de incorporar uma dimensão adicional capaz de
captar a crescente heterogeneidade e pluralidade das sociedades contemporâneas. Nesse
sentido, a dimensão cultural constitui um incremento fundamental e de grande utilidade
analítica.
9
Feitas estas considerações, do nosso ponto de vista, conforme assinalamos anteriormente, a
figura que melhore representa a identidade do imigrante brasileiro no Canadá é a do deus
romano Janus.
Janus: a imagem adequada
De acordo com Mascarenhas (2009), Janus era o porteiro celestial, sendo representado com
duas cabeças, representando os términos e os começos, o passado e o futuro. De fato, era o
responsável por abrir as portas para o ano que se iniciava- daí o nome do mês de janeiro; e
como toda e qualquer porta, se volta para dois lados diferentes. Por esta razão é conhecido
como também como o "Deus das Portas".
Segundo o mesmo autor, Janus era também o deus das indecisões, já que, de acordo com a
mitologia, cada cabeça emitia um parecer completamente diferente da outra a respeito do
mesmo assunto.
Retornando nossa análise para o brasileiro imigrado na região do Quebec, podemos
afirmar, de acordo com os dados coletados, que esse, recém recebido na região do Quebec,
justamente porque é escolarizado e tem formação profissional, é segregado e mesmo
humilhado neste mercado de trabalho por ser imediatamente desqualificado.
Questionamos: por que então ser escolarizado- nível universitário (conhecimento escolar +
conhecimento científico) em língua portuguesa é um dos critérios impostos pela política de
imigração canadense?
Ao impor este critério aos brasileiros desejosos em imigrar para o Canadá, este país exclui
da composição da sua sociedade, em torno de, 180 milhões de pessoas. Ou seja, o governo
canadense se interessa por uma parcela da população brasileira que é uma elite: elite
cultural (pessoas que tiveram acesso aos bens culturais produzidos nos mais diversos
domínios da humanidade) e elite econômica (indivíduos saídos da classe média ou classe
média alta), pois conseguiram ultrapassar os diversos gargalos do sistema educacional
brasileiro, piramidal por excelência e que são consumidores (BAUMAN, 2001, 1998).
Ao recrutar esta elite- por meio de palestras sobre o Canadá em território brasileiro,
oferecimento de bolsas de estudos, estágios, dentre outros atrativos- o citado país da
América do Norte atrai o grupo mais preparado em termos de recursos humanos brasileiros
10
e afasta a ‘pobreza’ da porta de entrada do país. Tal política de imigração ergue barreiras e
afasta definitivamente a imagem da pobreza, que incomoda (BAUMAN, 2001, 1998).
Os sujeitos desta pesquisa- por não serem os indesejáveis ‘lixos humanos’ (BAUMAN,
2001, 1998)- não ameaçam a paisagem do Quebec, já que, no caso, possuem hábitos de
vida (espécie de etiqueta social) que não incomoda demais à vizinhança quebequense. Ou
seja, os sujeitos desta pesquisa, mal- estando empregados ou desempregados, têm hábitos
de leitura, boas maneiras à mesa, falam baixo, responsabilizam-se pelos seus filhos, falam
diferentes idiomas. Em suma, sabem dizer: Bonjour, s’il vous plait e merci.
Além disto, tendo em vista a camada sócio-econômica da onde são oriundos, essas pessoas
têm os sonhos de consumo ideais para o aquecimento da economia local, regional e
nacional: computadores, televisão com tela plana e de plasma, carros, casa própria, dentre
outros. Nesta direção, não menos importantes são àquelas referentes para mobiliar o novo
lar e ainda as compras básicas para a sobrevivência de brasileiros em terra tão fria: botas e
casacos para a neve; botas e casacos para a chuva; tocas, luvas e outros produtos
indispensáveis para a vida no inverno de, em torno, menos 20 graus Celsius. O brasileiro se
esquenta e a economia- de produtos novos e usados- também se aquece junto com ele.
Ainda do ponto de vista econômico, não menos importante é o dinheiro gasto durante os
três ou quatro anos em que os sujeitos desta pesquisa estão em processo de imigração para
o Canadá; sem contar, é claro, com o número de empregos – públicos e privados- que todo
este processo solicita.
Algumas considerações finais ou iniciais
Este texto procurou tratar de alguns aspectos importantes da construção da identidade do
brasileiro na região do Quebec relacionada ao brain circulation e à construção da cidadania
a partir da perspectiva macro-sociológica de Wallerstein.
Consideramos que as relações entre Brasil e Canadá estão fundadas em um desequilíbrio
no que diz respeito ao conhecimento, escolar e ou científico: o Canadá e o Quebec ocupam
a posição de centro quando pensados em relação ao Brasil, na periferia do sistema, por sua
vez.
Sendo assim, inúmeras foram as tensões apontadas pelos sujeitos da nossa pesquisa a
respeito da sua inserção na sociedade canadense prolongadas pelo estatuto de ‘residente
11
permanente’, espaço considerado como uma espécie de limbo: muitos deveres e amarras na
esperança de alcançar a totalidade dos direitos que canadenses de raízes têm.
Deste modo, nossas reflexões indicam que o conhecimento- seja escolar ou científico do
qual o brasileiro é portador, especialmente quando adquirido no sistema educacional
brasileiro- é considerado valioso apenas como critério para a seleção dos imigrantes.
Entretanto, não é passaporte de acesso direto aos direitos de cidadania.
Desta forma, do nosso ponto de vista, conforme esboçamos anteriormente, a figura de
Janus é aquela que melhor representa a identidade dos brasileiros com os quais nos
deparamos: uma face voltado sempre para o Brasil e a outro para o Quebec. Um rosto que
pergunto: volto para o Brasil ou continuo aqui neste frio? Melhor morrer de bala perdida
ou incendiado numa dessas casas aquecidas artificialmente? Melhor calar ou falar? Por que
eu estou aqui? Por eu não fiquei? Do ponto de vista psicológico, o brain circulation, nesta
perspectiva é enlouquecedor, pois o sujeito em questão não encontra respostas para suas
perguntas.
Apesar da perda, em todos os níveis, e dos vazios que o brasileiro que sai do seu país
representa, o Brasil, enquanto Estado, acaba por aumentar seu território para além do seu
território na América Latina, pois cada brasileiro carrega consigo ou faz nascer em terras
geladas alguns metros de terra brasileira. Visto desta perspectiva, o brain circulation é
favorável ao Brasil como um todo, pois permite que ele se coloque no cenário mundial de
uma maneira mais central. Ainda nesta perspectiva, do ponto de vista da sociedade
brasileira, caso este brasileiro retorne ao Brasil, ele trará para o seu país um conhecimento
considerado central.
Essas situações, certamente, ainda são fundamentadas nas relações que foram estabelecidas
no momento da colonização dos diferentes países. Tais processos determinam ainda hoje as
relações que os imigrantes escolarizados no sistema educacional brasileiro que estão no
Quebec do ponto de vista das possibilidades de inserção neste ou naquele contexto
institucional; nos pares que estabelecera nos seus ambientes de trabalho e social; nos
interesses econômicos (de consumo, por exemplo) que irão adquirir, fazendo com que a
figura de Janus – que já era a metáfora da identidade dos imigrantes brasileiros entes de
deixarem o Gigante Adormecido, seja feita por uma dinâmica em que a construção da
credibilidade das duas faces passe a ser o objeto de preocupação da construção da
identidade do imigrante brasileiro no Quebec.
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Em suma, estamos de acordo com Santos (2008) de que há que perseguir o conhecimento,
de si e do outro, como princípio de solidariedade em que o conhecer seja um passo para a
emancipação.
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A IDENTIDADE DO IMIGRANTE DE ORIGEM LUSÓFONA