ACIDENTE NA COLHEITA MECANIZADA DE CANA-DE-AÇÚCAR Cristiane Parisoto Masiero CEREST Bauru HISTÓRICO DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM BAURU Início do Programa de Saúde do Trabalhador de Bauru Agosto de 1985. Secretário da Saúde: Médico Sanitarista Dr. David Capistrano Filho. Prefeito: Tuga Angerami. Sindicatos locais: - Delegacia Regional do Trabalho de Bauru, - Secretaria Regional das Relações do Trabalho, - SES - INAMPS - INSS. HISTÓRICO DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM BAURU Trabalhadores urbanos e rurais de Bauru começam a ser atendidos pelo ambulatório do programa. 1986 começam aparecer os casos de saturnismo em Bauru. 1987 600 casos diagnosticados e cerca de 100 operários afastados do trabalho, provenientes de indústrias fabricantes de baterias automotivas. Bauru se torna a cidade com maior registro de Saturnismo no país. HISTÓRICO DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM BAURU Outra importante conquista: Laboratório de Toxicologia. - Dosagem de metais pesados e agrotóxicos em pacientes com suspeita de intoxicação profissional. Novembro de 1987: aprovado o projeto de construção de um prédio próprio do ambulatório (verbas do BNDES). Com o passar dos anos o ambulatório se tornou um Centro de Especialidades descaracterização do atendimento ao trabalhador. HISTÓRICO DE SAÚDE DO TRABALHADOR EM BAURU Todo esse histórico se passa antes mesmo da Lei 8.080/1990 criação do SUS. Também anteriormente à Constituição de 1988. Bauru considerado o município pioneiro nessas ações. CEREST Bauru Ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador no Setor Canavieiro CEREST Bauru • Agosto 2006: equipe do CEREST de Bauru realizou o curso de Vigilância em Saúde do Trabalhador. • 2 profissionais do CEREST realizaram curso específico do setor canavieiro sob coordenação do Centro de Vigilância Sanitária (CVS) de São Paulo Ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador no Setor Canavieiro • CEREST Bauru: 38 municípios • Ação integrada entre CEREST, Vigilância Sanitária do Estado e dos Municípios; • Foram fiscalizadas 17 usinas abrangendo um total de 14 mil trabalhadores (Bariri, Barra Bonita, Bocaina, Brotas, Dois Córregos, Iacanga, Lins, Macatuba, Presidente Alves, Promissão (2), Lençois Paulista (3) e Jaú (3). Ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador no Setor Canavieiro • • • • Foco das ações e irregularidades destacadas: Regularizar vãos dos guarda-corpos e rodapés (NR 18) Escadas tipo marinheiro sem trava-quedas (NR 18) Piso (NR 18) Ausência de Mapa de risco (NR 5) Ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador no Setor Canavieiro Foco das ações e irregularidades destacadas: • • • • • Tubulações sem identificação por cores (NR 26) Ausência de brigadas de incêndio PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (NR 9) PCMSO - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (NR 7) Trabalhadores em ambientes confinados sem a devida proteção (NR 33) Sanchez et al, 2009. Situação Atual do Setor Canavieiro região abrangência CEREST Bauru • 15 usinas em 12 municípios: • Bariri, Barra Bonita, Bocaina, Brotas, Dois Córregos, Iacanga, Lins, Macatuba, Presidente Alves, Promissão, Lençois Paulista e Jaú. Contextualização Econômica do Setor • Crise no cenário mundial aliado à crise hídrica Nível do Cantareira é menor do que era em 2014. Represa, que tinha 19,1% no ano passado, está com 13,7% atualmente • Indústrias e irrigação: 30% abaixo do limite Folha de São Paulo 11/8/2015 Contextualização Econômica do Setor Substituição do corte manual pelo corte mecanizado, em razão de: • Condições de trabalho dos cortadores de cana • Relação custo-benefício do corte mecanizado (maior produtividade) (SCOPINHO et. al., 1995); • Restrições legais ao processo de queima da palha de canade-açúcar (Lei Estadual n. 11.241/02 e Protocolo Agroambiental de 2007) • Indícios de aumento da gravidade dos acidentes (RODRIGUES 2014) Corte Mecanizado Corte simultâneo ao carregamento (do transbordo) Ao encher o transbordo, a cana é despejada em caminhões Caso 1: Acidente Fatal em Colhedora de cana Claas Ventor extrator Elevador de esteira ventiladores topper Divisores de linha Picadores Cortadores de base Método MAPA (ALMEIDA, VILELA, SILVA e BELTRAN, 2014): Descrição do trabalho normal. Ênfase em variabilidades ligadas ao AT: •Análise de mudanças; •Análise de barreiras; •Ampliação conceitual. O Acidente • Sr. J, funcionário de Usina de cana, operador de máquina, inicia seu turno às 22h, começando a efetuar o corte da cana. • Pouco tempo depois, a máquina do Sr. J. quebra; • a unidade mecânica móvel a conserta e limpa, jogando água para retirar o excesso de cana; • O Sr. J. aproveita a pausa para ir ao banheiro e após o conserto retorna à máquina para dar continuidade ao seu trabalho e não foi mais visto O Acidente • Algum tempo depois, Sr. M, colega do Sr. J e operador do transbordo, observa que a sua máquina se encontra ligada há algum tempo e não saía do lugar; • O Sr. M não encontra nada e chama o encarregado, Sr. E. • O Sr. E. subiu até a cabina da máquina, não encontrando ninguém. • Ao olhar para dentro do sulfador-triturador (chopper), viu o Sr. J. caído com partes do corpo pelo equipamento. • Sr. E desligou a máquina e correu para comunicar o fato ao seu encarregado. Informações • Horário do AT: 01:00 (3h após o início do trabalho) • Estava escuro; • A máquina do Sr. J. já havia passado por manutenção naquela noite; • Os operadores de máquina ganham salário fixo e uma parte variável, por produção; • A oficina móvel estava há 20 metros da máquina; • A máquina apresentava “enroscos” constantes. Análise de mudanças • A máquina quebra e passa por manutenção • A máquina é lavada e está molhada • Hipóteses: • Operador tenta confirmar conserto da máquina • Possível presença de um incidente técnico interrupção do funcionamento sem quebra do equipamento (embuchamento por cana) Análise de barreiras • Ausência de sensor de assento, que faz com que o sistema pare quando o operador levanta. • Empresa se utilizava barreiras ativas, baseada em treinamentos, uso de EPI, as quais dependem do operador para funcionarem. Análise da organização do trabalho • Remuneração fixa e por produção Estimula aceleração do trabalho; Potencializa os riscos inerentes da atividade; Aumenta o esforço físico e mental (intensificação da fadiga); Facilita a ocorrência de acidentes de trabalho; (RODRIGUES 2014) Análise da Organização do Trabalho • Supõe-se que pelo histórico de manutenção da colhedora, vários incidentes ocorriam rotineiramente, como o travamento do sistema triturador pela cana.(embuchamento) • O operador utiliza a estratégia de “by pass”, tentando recuperar o sistema sem acionar a oficina móvel, que se encontrava a 20m (economia de energia) • O sistema que funciona melhor é aquele que sobrevive no ambiente competitivo, exigindo o limite dos trabalhadores, o que pode conflitar com regras de segurança, fragilizando esse sistema. (Rasmunssen) Análise do Acidente • Por que fazia sentido para o operador agir como agiu naquela situação e momento? Análise do acidente sob o novo olhar. (Vaughan; Dekker; Woods) • Certamente o operador de máquinas já havia realizado do “desenrosco” no triturador com sucesso diversa vezes. • Acidente: fracasso de estratégias conhecidas e usadas com sucesso no passado. Providências • Ação conjunta entre CEREST de Bauru e Ministério Público do Trabalho (MPT) • Foi realizado um Termo de Ajustamento de Conduta para substituição gradual das colhedoras para modelos mais modernos, que possuem sistemas de proteção, com intertravamento: ex: sensor de assento com parada automática do sistema ao operador se levantar. Caso 2: Acidente Fatal em colhedora John Deere • Sr. M, 39 anos, operador de máquinas, há 4 anos na empresa, realiza a colheita da cana em propriedade de usina de cana; • Operador em treinamento (trainee), Sr. J acompanha o Sr. M. • Sr. M, após realizar a colheita do eito, prossegue para outra região, passando por uma curva de nível; • Sr. J alerta o Sr. M do perigo da colhedora tombar; • Sr. M prossegue e passa por uma curva de nível acentuada, a colhedora tomba. Caso 2: Acidente Fatal em colheitadeira John Deere • O operador do transbordo vê o acidente e aciona o caminhão tanque via rádio (que está a 400m do local) • Os dois trabalhadores tentam sair da máquina; • Com o tombamento da colhedora, o combustível vasa para a parte externa da máquina. • O Sr. J consegue sair da máquina, mas não consegue ajudar o Sr. M., que fica preso pelo cinto de segurança. • A máquina pega fogo. • Os dois trabalhadores tentam conter o fogo com extinto (kit Athenas) sem sucesso; Análise do acidente • Arremessam então o extintor contra o vidro da cabina • O vidro da cabina é resistente e os outros trabalhadores não conseguem socorrer o Sr. M a tempo. • Sr. M. morre queimado. • As chamas somente são contidas após a chegada de mais caminhões tanque e do corpo de bombeiros. Local do acidente com desnível do solo Visão do local do acidente Análise do Acidente • Durante entrevistas, foi apurado um tipo de “iniciação” aos mais jovens, que demonstravam medo ao lidar com uma colhedora. • Dejours (1987) salienta que, para os trabalhadores darem conta do prescrito, corresponderem às expectativas da organização e não adoecerem, eles utilizam estratégias de enfrentamento contra o sofrimento, tais como conformismo, individualismo, negação de perigo, agressividade, passividade, entre outras. Análise de Barreiras • Ausência de barreiras, tais como “inclinômetro”* *Equipamento destinado ao monitoramento de inclinação em caminhões e guindastes, amenizando os riscos de tombamento. Monitora os ângulos de inclinação lateral e longitudinal, disparando alertas de aproximação ao ângulo máximo programado e executando o corte de operação do equipamento, quando o ângulo máximo é ultrapassado. Análise de Gestão • Instrução de Trabalho “Realizar a abertura do eito com a maior capacidade operacional...” Presença de uma pressão temporal também na organização do trabalho. As máquinas trabalham quase que ininterruptamente (20 a 22h,dia). RODRIGUES 2014 Conclusões • A colheita de cana-de-açúcar sempre foi muito estudada, pois os trabalhadores quando não morriam por exaustão, adoeciam após anos cortando cana manualmente; • Atualmente existe a percepção de que o perfil dos acidentes mudou com a mecanização: mais acidentes com máquina e potencialmente a gravidade aumentou. Conclusões • Embora haja vários esforços para se evitar acidentes, os mesmos continuam ocorrendo, necessitando um aprofundamento na análise das causas dos mesmos. • As mudanças impostas pela sociedade são dinâmicas e os modelos de abordagem devem acompanhá-las. Jen Rasmussen Bibliografia • • • • • Almeida, IM, Vilela, RAV, Nunes da Silva, AJ; Beltran SL Modelo de análise e prevenção de acidentes – MAPA: ferramenta para a vigilância em Saúde do trabalhador. Ciência e Saúde Coletiva; 19(12): 46794688, 2014. ALVES, F. J. C. Modernização da agricultura e sindicalismo: lutas dos trabalhadores assalariados rurais da região canavieira de Ribeirão Preto. 1991. 362f. Tese (Doutorado) - Instituto de Economia, UNICAMP, Campinas, 1991. Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000035593>. Acesso em: 11 de ago. 2015 Dejour, C. O Fator Humano. 5ª. Edição - Rio de Janeiro. Editora FGV. 2005. 104p. RODRIGUES , D. A. Acidentes graves e fatais no trabalho de corte mecanizado de cana-de-açúcar: o olhar através do método MAPA. 2014. 2014. 211f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Botucatu, 2014. Disponível em: http://base.repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/113882/000793452.pdf?sequence=1&isAllowe d=y. Acesso em 11 ago. 2015. SANCHEZ M. O. et al. Atuação do CEREST nas Ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador no Setor Canavieiro. Saúde e Sociedade. Vol. 18, Supl 1. P. 37-43. 2009. Obrigada!