A paisagem rural como elemento para compreender as relações entre Ciência
Tecnologia Sociedade e Ambiente
Denise de Freitas1
DME-UFSCar/Brasil
Resumo
Neste trabalho propomos refletir sobre o conhecimento e a percepção da paisagem
rural como meio para compreender a fisionomia e as modificações do ambiente em
decorrência dos movimentos dos seres humanos no âmbito de sua atuação na sociedade
e na produção de conhecimentos científicos e tecnológicos (movimento CTS-A na
educação). Utilizamos como contexto para discussão, os resultados que emergiram
durante a implementação de um projeto de ensino e pesquisa que visava a formação
continuada de professores e a melhoria do ensino nas escolas de ensino médio.
Abstract
In this work we consider to reflect on the knowledge and the perception of the
agricultural landscape as half to understand the fisionomia and the modifications of the
environment in result of the movements of the human beings in the scope of its
performance in the society and production of scientific and technological knowledge
(movement CTS-A in education). We use as context for argue the results that had
emerged during the implementation of an education project and research that aimed at
the continued formation of professors and the improvement of education in the schools
of medium education.
INTRODUÇÃO
Atualmente a educação básica propõe formar para a cidadania de modo que cada
pessoa possa atuar no mundo real e global. Para isso à alfabetização científica
incorpora-se a necessidade de dominar a dimensão tecnológica e analisar as implicações
destes conhecimentos e técnicas no movimento da sociedade e na modificação da
natureza.
Conforme cita SANTOS (2001) a National Science Teachers Association
(NSTA) em Julho de 1990 considerou que pode-se avaliar que uma pessoa está
científica e tecnologicamente alfabetizada quando ela:
1.
Usa conceitos de ciência e tecnologia e recorre a uma reflexão informada por valores éticos na
solução de problemas do dia a dia e na tomada de decisões responsáveis na vida quotidiana,
incluindo trabalho e lazer;
2.
Empenha-se de forma pessoal e responsável em ações cívicas, depois de ter pesado as possíveis
consequências de opções alternativas;
1
Professora Adjunta Doutora do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de
São Carlos - Brasil (e-mail: [email protected]) - Com auxílio parcial do CNPq
3.
Defende decisões e ações usando argumentos racionais baseados em evidências;
4.
Empenha-se na ciência e tecnologia pelo incitamento e explicações que proporcionam;
5.
Implica-se com curiosidade na apreciação do mundo natural e do mundo feito pelo homem;
6.
Usa cepticismo, métodos cuidadosos, raciocínio lógico e criatividade na investigação do
universo observável;
7.
Valoriza a investigação científica e a resolução de problemas tecnológicos;
8.
Localiza, colige, analisa e avalia fontes de informação científica e tecnológica e usa-as na
resolução de problemas, na tomada de decisões e nas ações que levam a efeito;
9.
Distingue entre evidência científica e tecnológica e opinião pessoal e entre informação segura e
não segura;
10. Permanece aberta a novas evidências e as tentativas de conhecimento científico e tecnológico;
11. Reconhece que a ciência e a tecnologia são esforços humanos;
12. Pesa os benefícios e malefícios do desenvolvimento científico e tecnológico;
13. Reconhece a força e as limitações da ciência e da tecnologia para o avanço e bem-estar da
humanidade;
14. Analisa interações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade;
15. Liga a ciência e a tecnologia a outros esforços humanos, por exemplo, história, matemáticas,
artes e humanidades;
16. Considera o aspecto político, econômico, moral e ético da ciência e tecnologia e relaciona-os as
questões pessoais e globais,
17. Proporciona explicações do mundo natural que possam ser testadas para sua validação.
(extraído da NSTA, 1990, apud, SANTOS, 2001:37)
O movimento CTS ganha uma expressão na educação escolar abarcando uma
diversidade de concepções sobre o ensino e a aprendizagem das ciências, porém sempre
considerando centrais as múltiplas inter-relações Ciência-Tecnologia-Sociedade, seja na
seleção e abordagem das temáticas, ou na proposição de questões-problemas para
resolvê-los (MARTINS, 2000).
Entretanto, o modelo do nosso sistema escolar, ainda mantém sua arquitetura em
disciplinas estanques e espaços hierarquizados, com características instituidoras de um
tipo de organização de espaço, de controle de tempo e vigilância, expressando uma
visão de cultura como a soma de saberes compartimentalizados em programas oficiais e
centralizadores.
Neste trabalho procuramos interpretar alguns dos resultados obtidos em uma
proposta de ensino interdisciplinar que visou minimizar este impacto na aprendizagem2.
As disciplinas que trabalharam focando a questão do ambiente na relação com a Ciência
– Sociedade - Tecnologia foram: Biologia, História, Geografia e Artes. Primeiramente
2
Trata-se de um Projeto Temático financiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo) intitulado “Programa de Ensino do Projeto Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo”)
faremos uma breve descrição do contexto sócio-ambiental em que a escola se insere e,
portanto, no qual o estudo foi desenvolvido. Destacaremos uma parte da metodologia
deste projeto que tratou do estudo do meio buscando refletir sobre a influência da
percepção e conhecimento da paisagem para a alfabetização científica e tecnológica e a
formação para a cidadania. Finalizaremos com algumas considerações sobre os
resultados encontrados em termos de formação para a cidadania numa perspectiva
CTSA.
DESCRIÇÃO DO CONTEXTO EM QUE O ESTUDO FOI DESENVOLVIDO
O projeto “Programa de Ensino do Projeto Flora Fanerogâmica do Estado de São
Paulo” foi desenvolvido numa escola pública de ensino médio situada em São Carlos,
cidade do interior do Estado de São Paulo, Brasil (Figuras 1 e 2).
1. Localização geográfica
A cidade de São Carlos, chamada inicialmente de São Carlos do Pinhal, em
função da quantidade de pinheiro do Paraná (Araucaria), fica a 230 km a noroeste da
cidade de São Paulo, a capital do estado, e está localizada a 830 metros de altitude em
relação ao nível do mar. Situa-se no Centro do Estado de São Paulo (22º 02’’ latitude S
e 47º 52’’ longitude W). Tem cerca de 200 mil habitantes e possui mais de 600
indústrias, sendo que cerca de 10% delas são especializadas em alta tecnologia nas áreas
de óptica, informática, química fina, mecânica de precisão e novos materiais, entre
outras. Esse setor predomina sobre o setor agrícola, cujos produtos principais são o
leite, a laranja e a cana-de-açúcar. Ocupa uma área de 950 hectares (9,78 milhões de
m2), divididos em uma área de reserva florestal e silvicultura e uma área urbanizada.
Esta última apresenta cerca de 146.000 m2 de área construída (FREITAS & OLIVEIRA,
2002).
Figura 1. Localização Geográfica: América do Sul – Brasil – São Paulo
Figura 2. Localização Geográfica: Estado de São Paulo e Município de São Carlos (extraído do
CD-Rom da Conferência da Cidade, 2002)
Em relação a distribuição populacional do município, segundo os dados obtidos
na Conferência da Cidade realizada em 24 de agosto de 2002,
apenas 5% da população de São Carlos reside na zona rural, que ocupa
94% do território municipal. Por outro lado, 95% da população mora em
zona urbana, ocupando os 6% restante da área de todo o município” (área
cor de rosa da Figura 3). “No setor agropecuário destacam-se redes
agroindustriais tais como sucroalcooleira, citrícola, láctea, de carne bovina
e avicultura de corte”.
Na zona rural predominam pequenas e médias propriedades. As pequenas
propriedades não desenvolvem atividades agrícolas, pois a maior parte trata-se de
chácaras para lazer de recreio e para fins de morada (SÃO CARLOS, 2002)
Figura 3. Zona Rural - Área (Km2)
Legenda: superfície total (100%); área rural (94,1%); área urbana (5,9%) Fonte IBGE e SMHDU (extraído do CD-
Rom da Conferência da Cidade, 2002)
Essa característica de evasão da zona rural e uma concentração desproporcional
na zona urbana é muito frequente no Brasil. Isto pode ser melhor entendido quando
buscamos na literatura a evolução destes conceitos. Atualmente, o conceito de rural é
bastante polissémico, polêmico e extremamente complexo devido às mudanças na
construção social do próprio rural.
Assim, quando se fala em rural pode estar se referindo a um espaço, às
características relacionadas a um tipo de vida, as dinâmicas socio-econômicas ou, ainda,
a valores culturais específicos (FERREIRA, 1999). A tendência atual é considerar, do
ponto de vista do espaço e da organização econômica, o rural como um continuum do
urbano, uma vez que, “as cidades não podem ser identificadas apenas como atividade
industrial e nem os campos com a agricultura e a pecuária”. (SILVA, 1997, apud,
CASTRO, 2003:43)
Entretanto, a diferença entre o rural e o urbano não se manifesta da mesma
forma em diferentes contexto sócio, político, cultural e econômico. Por exemplo, em
países em vias de desenvolvimento a industrialização do setor agropecuário é quase
inexistente ou bastante incipiente e, dessa forma, o rural não pode ser concebido como
sendo a continuidade do urbano. Assim, com frequência temos uma concepção que
enfatiza a oposição entre o rural e o urbano. Estes, então, são definidos como uma
relação de negação, uma em relação a outra. Em geral associam o rural” ao agrícola e
ao “atrasado” e o “urbano” ao industrial e ao “moderno”. (SIQUEIRA, 2001, apud
CASTRO, 2003:41)
2. Breve histórico da cidade 3
São Carlos, a exemplo do que ocorreu com uma boa parte das cidades do fim do
século XVIII, surgiu da doação de sesmarias, mais especificamente, de três grandes
sesmarias: a sesmaria do Pinhal, a do Monjolinho e a do Quilombo. A sesmaria do
Pinhal é a mais antiga. Apesar de sua instalação estar datada de 1781 foi demarcada
somente em 1831. Em virtude do rápido crescimento do distrito, recebe a categoria de
vila em 1865, e em 1880 é elevada à categoria de cidade. Graças ao desenvolvimento
gerado pela produção de café, São Carlos tornou-se um importante centro econômico e
cultural da época. No ápice da produção cafeeira brasileira, São Carlos chegou a ser o 3o
maior produtor de café do país. Com a inauguração da ferrovia em 1884 e a vinda de
imigrantes para o trabalho nos cafezais, houve um impulso no processo de urbanização
possibilitando o progresso agro-industrial e a acumulação de capital na região.
A maioria dos imigrantes que chegaram em São Carlos nesta época era
proveniente da Itália. Dos 553 imigrantes que entraram no município, 458 eram
italianos. Entretanto, tem documentos mostrando que o processo de imigração no
município teve a iniciativa de Antonio Carlos de Arruda Botelho (o Conde do Pinhal)
que em 1876 financiou a vinda de 100 famílias alemãs que se instalaram em sua
fazenda.
Poucas cidades brasileiras preservam a sua marca histórica e cultural como São
Carlos quer seja em sua paisagem urbana ou em sua paisagem rural.
Assim, alguns prédios e fazendas do município são considerados como
importantes referenciais arquitetônicos que revelam a história da região em seus
diversos períodos apresentando-se, atualmente, como belos exemplares de interesse
cultural e paisagístico (SÃO CARLOS, 2002).
A PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICA DO PROGRAMA DE ENSINO
Tendo em vista as características contextuais apontadas acima e os pressupostos
didático-pedagógicos do Programa de Ensino do Projeto Flora Fanerogâmica do Estado
de São Paulo, que pressupunha a melhoria do ensino do conteúdo de Botânica, no
ensino médio, por meio da articulação destes conteúdos com outras áreas de
conhecimento, tais como História, Geografia e Artes, optamos por trabalhar esta
3
Fonte de informações. Site do Centro de Divulgação Científico Cultural – CDCC www.cdcc.sc.usp.sp
perspectiva interdisciplinar utilizando como tema gerador a natureza original versus a
natureza transformada para o estudo do meio.
Nossa suposição era que ao inserir os alunos no estudo do lugar eles pudessem
compreender naturalmente a inter-relações que ocorrem entre os elementos físicos,
biológicos e humanos, ou seja, as dimensões CTS-A dos conhecimentos (ZAMBONI,
1997).
Dessa forma, os elementos que funcionariam como ancoragem para a apreensão
de novos conhecimentos e de uma nova forma de ver os conteúdos escolares, seriam a
percepção e a relação dos alunos, sujeitos de aprendizagem, com a paisagem local.
Entendendo tal como Jean Paul Metzger (2001) que apesar de a paisagem
possuir vários significados dependendo do contexto (arte, literatura, ciência, sensocomum etc.) e da pessoa que a utiliza (pintor, escritor, geógrafo e outros), a noção de
espaço como inter-relação do homem com o ambiente está frequentemente presente.
Este espaço é vivenciado de diferentes formas, através de uma projeção de
sentimentos ou emoções pessoais, da contemplação de uma beleza cénica,
da organização ou planejamento da ocupação territorial, da domesticação
ou modificação da natureza segundo padrões sociais, do entendimento das
relações da biota com o seu ambiente, ou como cenário/palco de eventos
históricos (p.2)
No campo da ecologia de paisagens, uma nova área de conhecimento, tem-se
duas abordagens centrais que apesar de distintas são complementares e parecem
contemplar as perspectivas teórico-metodológicas do Programa de Ensino. A
“abordagem geográfica” ao colocar questões no âmbito da ocupação territorial e no
uso econômico de cada unidade da paisagem, faz um estudo das “paisagens culturais”,
ou seja, de paisagens modificadas pela ação dos seres humanos. A “abordagem
ecológica” enfatiza mais as “paisagens naturais” procurando aplicar os conhecimentos
ecológicos para obter meios de conservação da biodiversidade e manejo “sustentável”
de recursos naturais.
Ao reconhecer uma integração entre essas duas formas de abordagens estar-se-á
considerando que a observação, a percepção, e as várias compreensões/interpretações da
paisagem dependem sempre dos conhecimentos da cultura e da visão de mundo do
observador. E justamente por essa razão que a paisagem deve ser compreendida como
um mosaico heterogêneo formado por unidades interativas, sendo esta
heterogeneidade existente para pelo menos um fator, segundo um
observador e numa determinada escala de observação (idem, p1)
Tomamos os referenciais contextuais e teóricos apontados anteriormente e
passamos a explorar as paisagens culturais e naturais, localizadas tanto na zona urbana
como rural, como objeto de estudo interdisciplinar a partir da integração das disciplinas
de Biologia, História, Geografia e Artes. A própria instituição educacional, a “Escola de
Ensino Médio Dr. Álvaro Guião” é uma paisagem cultural na medida em que o prédio é
um dos marcos importantes para compreender a história sócio-cultural e econômica de
São Carlos. Situado no centro da cidade foi construído em 1913, inaugurado em 1916 e
restaurado no período de 1989 a 1990, quando foi tombado como patrimônio histórico.
Seu acabamento é todo importado, o madeiramento aparente é de pinho de Riga e
madeiras nobres nacionais. Os pisos do salão e das galerias externas são de cerâmica
francesa. Apenas por esses pequenos detalhes foi possível, por exemplo, estudar a
influência europeia na arquitetura mais antiga da cidade.
Foto 1. Fachada da Escola de Ensino Médio Dr. Álvaro Guião (foto cedida pelo CDCC)
OS DEPOIMENTOS4 DOS ALUNOS SOBRE O ESTUDO REALIZADO
Como a escola tem uma localização central em relação as construções mais
antigas e das propriedades da nobreza daquela época, passamos a explorar o entorno
4
Os depoimentos estão descritos e analisados em textos que estão sendo elaborados conjuntamente pelas
professoras e pesquisadoras do Programa de Ensino e que serão publicados na forma de livro.
visitando e estudando dois pontos importantes: o Palacete Conde do Pinhal e a Praça
Coronel Paulino Carlos.
A seguir descreveremos brevemente sobre os edifícios que foram utilizados para
estudo dentro do Programa de Ensino e traremos os depoimentos dos alunos que
revelam a sua mudança de percepção em relação as paisagens culturais e naturais.
1. O Palacete Conde do Pinhal 5
Trata-se de um prédio construído em 1893 para ser a residência, na cidade, da
família Arruda Botelho, o Conde do Pinhal, herdeiro de uma das sesmarias da coroa
portuguesa. O Palacete tem dois pavimentos; possui sete sacadas fronteiriças e duas
sacadas na face leste, voltada para o jardim particular, onde se localizava o "chalé de
hóspedes". O edifício tem uma clarabóia central, que ilumina a escadaria que dá acesso
ao pavimento superior bem como os cômodos interiores. Dessa forma soluciona um
problema de difícil solução na época que era a iluminação interna de uma casa com
grandes dimensões. Com a morte do Conde em 1921 instalou-se no local a Prefeitura
Municipal e, em 1978, foi tombado como patrimônio histórico-cultural.
Foto 2. Interior do Palacete Conde do Pinhal (foto cedida pelo CDCC)
5
Fonte de informações. Site do Centro de Divulgação Científico Cultural – CDCC www.cdcc.sc.usp.sp
2. A Praça Coronel Paulino Carlos
Em frente a este palacete encontra-se a Praça Coronel Paulino Carlos, que além
de ter um grande valor histórico apresenta uma série de características interessantes do
ponto de vista biológico, geográfico e artístico. É o primeiro jardim público da cidade
que, também, sob a influência da europeização das cidades brasileiras, no final do
século XIX, apresenta um padrão inglês do ponto de vista arquitetônico e paisagístico.
A vegetação é exuberante com espécies nativas e exóticas vindas dos cinco continentes.
Foi um centro importante de comemorações cívicas e nela encontramos as marcas de
personagens ilustres e datas significativas da história de São Carlos Como exemplos
podemos citar: a lápide em homenagem a Annita Garibaldi (1910); a placa de mármore
indicando o local em que a rainha Elizabeth da Bélgica colheu uma rosa, quando visitou
o Brasil com o Rei Alberto e o Príncipe Leopoldo (1920); a placa de bronze
comemorativa do centenário da independência do Brasil (1922); a estátua do Conde do
Pinhal, um monumento que homenageia o centenário da fundação da cidade (1957); o
busto do músico João Sepe filho do jardineiro responsável pelo cuidado da praça
(1961); a urna funerária com as cinzas de Clóvis Pacheco, poeta e jornalista sãocarlense (1910-1983) e de sua esposa, a poetisa Cecília de Arruda Campos Pacheco
(1926-1993).
Nos depoimentos apresentados pelos alunos durante o processo podemos
perceber que a medida que eles passaram a conhecer a história de São Carlos em seus
aspectos sociais e políticos começaram a perceber a vegetação e a sua importância.
Dessa forma a relação com a paisagem que fazia parte de sua rotineira mas que era tão
ignorada ganha um outro significado no olhar do aluno.
“O pai do maestro (João Sepe) construiu os jardins e arborizou toda a cidade
que nascia. O jardim público (hoje Praça Coronel Paulino Carlos), o mais
belo do interior do estado, que ainda existe como atestado de beleza, foi
construído pelas suas mãos. Foi o introdutor de vários tipos de plantas ainda
não conhecidas no fim do século XIX, no Brasil, entre elas, podemos destacar
a“casoarina”, gênero de planta lenhosa originária da Austrália, da família
das Casuarináceas, de ramos filiformes, desprovidas de folhas, tendo a
semelhança das penas de aves. As belas “casoarinas” de Ouro Preto e Porto
Alegre, são de origem sancarlense. Alinhadas nas alamedas de São Carlos,
pareciam harpas, e o vento, quando nelas batia, fazia “solos” em uníssono.
Um prefeito que veio no rolo da enxurrada da revolução de 1930, as
derrubou implacavelmente, como também as belíssimas árvores de grande
porte, que ali estavam plantadas”. (Alessandro)
A vegetação passa a ser percebida como fazendo parte da vida das pessoas e do
cenário político daquela época de tal forma que a paisagem natural e cultural se compõe
numa multiplicidade de formas. Ora em harmonia com o meio,
“Ainda resiste a maravilhosa figueira branca, a qual foi plantada no jardim
público, no dia do nascimento de uma das irmãs do maestro, 29 de julho de
1894, e que atualmente é a casa das andorinhas. Essa árvore é um poema
escrito pela natureza, o povo sancarlense a admira e tem orgulho de sua
beleza” (Marina)
ora, em comunhão com os seres humanos.
“...formou-se na região de São Carlos uma densa vegetação, onde
predominavam figueiras brancas, paus d’álho, sucupiras, cedros, ipês,
alecrins e canelas, o que defendeu as terras de invasão colonizadora até por
volta de 1700” (Gustavo)
Dessa forma, não passa desapercebido sequer a origem do nome da praça,
chegando a suscitar interesse por aspectos do cotidiano.
“ Um fato curioso que percebemos na visita à Praça Coronel Paulino Carlos
foi que, mesmo o jardim sendo uma extensão da casa do Conde (Antonio
Carlos), recebeu o nome do irmão Paulino Carlos e não o nome dele”. (Alice)
Percebendo-se, até mesmo, como sujeito da história nas dimensões causa e
consequência.
“Essa pesquisa está sendo uma viagem ao passado, uma viagem que nos
mostra as nossas raízes e como surgiu nossa cidade partindo da construção
do Jardim Público (hoje Praça Coronel Paulino Carlos). Percebemos todas as
mudanças e também as coisas que ficaram, por exemplo, a vegetação da
praça, o Palacete (recentemente restaurado)” (Valéria).
Na medida em que puderam entender que a produção do conhecimento passa
pelo filtro do cientista, social neste caso, e que este é carregado de valores culturais e
políticos, ajudando a reforçar ou modificar as formas de ver e agir no mundo.
“Na Praça Coronel Paulino Carlos há uma homenagem a Anita Garibaldi,
junto com outros personagens do passado, já que esta foi uma heroína
brasileira que lutou e deu sua vida por acreditar em seus princípios. Os
livros pesquisados se preocupavam mais com o seu marido Giuseppi
Garibaldi, o que nos deu a impressão de que ela só foi importante à medida
que participou de sua vida e incentivou suas batalhas”. (Cláudio)
Até ganharem o distanciamento necessário para criticarem o próprio modo de
agir com o seu desenvolvimento no processo de aprendizagem, ou seja, atingirem uma
autonomia de pensamento.
“Consideramos que o nosso trabalho foi intelectual, ficamos surpresos ao
saber que Anita Garibaldi havia sido heroína de conflitos no Sul do Brasil e
também da unificação italiana. Demoramos algum tempo para relacionar
estes dados com a imigração italiana, e não nos preocupamos em incluir
nossas conclusões na pesquisa” (Fabíola)
Além disso, puderam comparar dois momentos distintos da história em que a
ciência a arte e a tecnologia vão compondo um cenário marcado de significados do
passado, do presente e do futuro.
“Sobre a visita ao Palacete do Conde (hoje Paço Municipal) “Quando entrei
lá, e foi a primeira vez, tirando os telefones, computadores e televisões, é uma
volta ao tempo pois quase tudo é original ou igual ao original. Uma das
coisas mais belas, são as pinturas de Benedito Calixto feitas nas paredes.
Vimos um patrimônio histórico que estava abandonado que foi reconstituído
graças à mão do homem”. (André)
3. A Fazenda Conde do Pinhal 6
Depois de explorarmos a paisagem mais próxima e mais presente no cotidiano
dos alunos partimos para o campo, onde a história da cidade de São Carlos tem início.
A história da Fazenda Conde do Pinhal confunde-se com a história de São
Carlos. Carlos Bartholomeu de Arruda Botelho adquiriu a sesmaria do Pinhal em 1785
e em 1831 foi oficialmente demarcada a pedido de Carlos José Botelho, herdeiro
fundamental na ocupação dessas terras. A sede da fazenda tem características
arquitetônicas do final do século XVIII e início do XIX. No ano de 1840, foram
plantados os primeiros cinco mil pés de café e, também, de algodão e cana-de-açúcar.
Foram construídos os terreiros, a tulha e a instalação dos equipamentos necessários a
uma fazenda de café. A sede da Fazenda Pinhal foi construída por volta de 1831 e
reconhecida como patrimônio histórico em 1987, devido ao alto grau de preservação
das suas instalações originais é por ser um exemplo de arquitetura muito importante.
Historicamente representa dois grandes ciclos da economia paulista: o ciclo do açúcar
e o do café. Além da Casa Grande, senzalas, terreiros de café, tulhas, cocheiras,
currais, a fazenda apresenta outros aspectos interessantes para estudo, como os jardins
6
Texto extraído do site do Centro de Divulgação Científico Cultural – CDCC www.cdcc.sc.usp.sp
planejados pela Condessa em 1865, nos moldes dos jardins franceses; a “Alameda das
jaboticabeiras” e a “Mata do Botafogo” um remanescente de mata nativa. Na fazenda
é possível explorar uma série de aspectos históricos associados às origens da cidade de
São Carlos; a economia embasada na cafeicultura e cultivo da cana-de-açúcar, a
arquitetura da época, a vida do Conde do Pinhal e sua família, as relações do Conde
com D. Pedro II, a utilizada da mão-de-obra escrava ao lado de outros aspectos tais
como os biológicos, geográficos etc.
Foto 3. Complexo da Sede - terreiro, senzala e sede (foto cedida pelo CDCC)
A partir deste estudo os alunos puderam resignificar a própria visão da cidade e
quiçá de cidadania
“após a visita a fazenda Conde do Pinhal, a cidade de São Carlos, para nós
passou a ter outra vista. Hoje ela não é apenas uma cidade que cresce a cada
dia, tomando dimensões extraordinárias. A nossa São Carlos é o resultado de
um rico passado, um passado que nos explica muitos aspectos dessa cidade
maravilhosa. Se a São Carlos de hoje é interessante, a de ontem é mais
ainda.” (Edna)
“Conhecemos a Fazenda do Conde do Pinhal, a história dos antigos
moradores de nossa cidade. Enfim, conhecemos um pouco das nossas
próprias raízes.” (Marcos)
Foto 4. Interior da casa da Fazenda Conde do Pinhal. (foto cedida pelo CDCC)
“Eu me senti participante da história quando fomos a Fazenda Conde do
Pinhal. Pudemos observar os costumes, móveis, fotos e objetos da época,
como os chapéus, o telefone... Até então eu não havia me interessado por
esses assuntos, nem sentido essa sensação.” (Daniela)
Foto 5. Pomar da Fazenda Conde do Pinhal (foto cedida pelo CDCC)
“Muito interessante também foi andar no pomar, planejado pela Condessa,
com toda a sua diversidade (frutas preferidas do Conde e da Condessa)”;
“Do riacho subimos até uma grande moita de bambus. Eles são de
impressionar pelas suas dimensões. Tanto que, o primeiro sistema de
encanamento da casa era feito com essa espécie de bambus”. (Márcia)
Foto 6. Escadaria da Condessa (hidroterapia) (foto cedida pelo CDCC)
“A história de nossa cidade foi se tornando mais presente, mais clara, à
medida que conhecemos o palacete, a fazenda, o jardim público (atualmente
Praça Coronel Paulino Carlos), os jornais, plantas, cores e lembranças”.
(Isabela)
“Com este projeto pudemos conhecer a história de nossos antepassados que
fizeram e progrediram para que nós pudéssemos viver nesta realidade.
Conseguimos ver com outros olhos, lugares que até então passavam
desapercebidos e que não dávamos atenção ou não sabíamos o porque deste
lugar existir. Por exemplo: a praça muitas vezes ao vê-la não dava
importância, mas depois percebi que para a história da cidade ela é
importante. A fazenda na qual eu achava estar abandonada me surpreendeu
com sua beleza e papel histórico para a cidade e para a economia do país”.
(Luísa)
Em conclusão, interpretamos que a paisagem cultural e natural, nestes
ambientes, funcionaram como um caleidoscópio no qual cada aluno atendo-se a um
aspecto ou a uma unidade ou mais unidades dessa paisagem pode fazer conexões das
mais variadas formas entre os conhecimentos para desvelar a realidade nas dimensões
da Ciência, da Sociedade, da Tecnologia e do Ambiente.
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5) FREITAS, D. A paisagem rural como elemento para compreender