ISSN 1415-2762 E Revista Mineira de Enfermagem Nursing Journal of Minas Gerais Revista de Enfermería de Minas Gerais v o l u m e 1 5 . n ú m e r o 4 . o u t / d e z d e 2 0 1 1 EDITORA GERAL Adelaide De Mattia Rocha Universidade Federal de Minas Gerais DIRETOR EXECUTIVO Lúcio José Vieira Universidade Federal de Minas Gerais EDITORES ASSOCIADOS Andréa Gazzinelli C. Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Edna Maria Rezende Universidade Federal de Minas Gerais Francisco Carlos Félix Lana Universidade Federal de Minas Gerais Jorge Gustavo Velásquez Meléndez Universidade Federal de Minas Gerais Marília Alves Universidade Federal de Minas Gerais Roseni Rosângela de Sena Universidade Federal de Minas Gerais Tânia Couto Machado Chianca Universidade Federal de Minas Gerais CONSELHO EDITORIAL Adriana Cristina de Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Alacoque Lorenzini Erdmann Universidade Federal de Santa Catarina Alba Lúcia Bottura Leite de Barros Universidade Federal de São Paulo – SP Aline Cristine Souza Lopes Universidade Federal de Minas Gerais André Petitat Université de Lausanne – Suiça Anézia Moreira Faria Madeira Universidade Federal de Minas Gerais Carmen Gracinda Scochi Universidade de São Paulo – RP Cláudia Maria de Mattos Penna Universidade Federal de Minas Gerais Cristina Maria Douat Loyola Universidade Federal do Rio de Janeiro Daclê Vilma Carvalho Universidade Federal de Minas Gerais Deborah Carvalho Malta Universidade Federal de Minas Gerais Elenice Dias Ribeiro Paula Lima Universidade Federal de Minas Gerais Emília Campos de Carvalho Universidade de São Paulo – RP Flávia Márcia Oliveira Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Goolan Houssein Rassool University Of London – Inglaterra Helmut Kloos Universit of Califórnia, San Fransico – USA remE Revista Mineira de Enfermagem Isabel Amélia Costa Mendes Universidade de São Paulo – RP José Vitor da Silva Universidade do Vale do Sapucaí Lídia Aparecida Rossi Universidade de São Paulo – RP Luiza Akiko komura Hoga Universidade de São Paulo – RP Magali Roseira Boemer Universidade de São Paulo – RP Márcia Maria Fontão Zago Universidade de São Paulo – RP Marga Simon Coler University of Connecticut – USA Maria Ambrosina Cardoso Maia Faculdade de Enfermagem de Passos – FAENPA María Consuelo Castrillón Universidade de Antioquia – Colombia Maria Flávia Gazzinelli Universidade Federal de Minas Gerais Maria Gaby Rivero Gutierrez Universidade de São Paulo – SP Maria Helena Larcher Caliri Universidade de São Paulo – SP Maria Helena Palucci Marziale Universidade de São Paulo – RP Maria Imaculada de Fátima Freitas Universidade Federal de Minas Gerais Maria Itayra Coelho de Souza Padilha Universidade Federal de Santa Catarina Maria José Menezes Brito Universidade Federal de Minas Gerais Maria Lúcia Zanetti Universidade de São Paulo – RP Maria Miriam Lima da Nóbrega Universidade Federal de Paraíba Raquel Rapone Gaidzinski Universidade de São Paulo – SP Regina Aparecida Garcia de Lima Universidade de São Paulo – RP Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues Universidade de São Paulo – RP Rosângela Maria Greco Universidade Federal de Juiz de Fora Silvana Martins Mishima Universidade de São Paulo – RP Sônia Maria Soares Universidade Federal de Minas Gerais Vanda Elisa Andrés Felli Universidade Federal de São Paulo – SP REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM Publicação da Escola de Enfermagem da UFMG Em parceria com: Escola de Enfermagem Wenceslau Braz – MG Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Fundação de Ensino Superior de Passos – MG Universidade do Vale do Sapucaí – MG Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – MG Universidade Federal de Juiz de Fora – MG CONSELHO DELIBERATIVO Maria Imaculada de Fátima Freitas – Presidente Universidade Federal de Minas Gerais Girlene Alves da Silva Universidade Federal de Juiz de Fora Lucyla Junqueira Carneiro Escola de Enfermagem Wenceslau Braz Tânia Maria Delfraro Carmo Fundação de Ensino Superior de Passos Rosa Maria Nascimento Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí Sandra Maria Coelho Diniz Margon Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Indexada em: BDENF – Base de Dados em Enfermagem / BIREME-OPAS/OMS CINAHL – Cumulative Index Nursing Allied Health Literature CUIDEN – Base de Datos de Enfermería en Espanhol LATINDEX – Fundación Index LILACS – Centro Latino Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde REV@ENF – Portal de Revistas de Enfermagem – Metodologia SciELO/Bireme - OPAS/OMS LATINDEX - Sistema Regional de Información en Linea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, Espanã y Portugal Formato eletrônico disponível em: www.enfermagem.ufmg.br www.periodicos.capes.ufmg.br Projeto Gráfico, Produção e Editoração Eletrônica Brígida Campbell Iara Veloso CEDECOM – Centro de Comunicação da UFMG Editoração Saitec Editoração (Eduardo Queiroz) Impressão Editora e Gráfica O Lutador Secretaria Geral Mariene Luiza Lopes Pereira – Secretária Escola de Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Revista Mineira de Enfermagem – Av. Alfredo Balena, 190 – Sala 104, Bloco Norte – Belo Horizonte - MG Brasil – CEP: 30130-100 Telefax: (31) 3409-9876 E-mail: [email protected]/[email protected] Assinatura Secretaria Geral – Telefax: (31) 3409 9876 E-mail: [email protected]/[email protected] Normalização Bibliográfica Jordana Rabelo Soares CRB/6-2245 Revisão de texto Maria de Lourdes Costa de Queiroz (Português) Mônica Ybarra (Espanhol) Mariana Ybarra (Inglês) Revista filiada à ABEC – Associação Brasileira de Editores Cientíicos Periodicidade: trimestral – Tiragem: 1.000 exemplares REME – Revista Mineira de Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. - v.1, n.1, jul./dez. 1997. Belo Horizonte: Coopmed, 1997. Semestral, v.1, n.1, jul./dez. 1997/ v.7, n.2, jul./dez. 2003. Trimestral, v.8, n.1, jan./mar. 2004 sob a responsabilidade Editorial da Escola de Enfermagem da UFMG. ISSN 1415-2762 1. Enfermagem – Periódicos. 2. Ciências da Saúde – Periódicos. I. Universidade Federal de Minas Gerias. Escola de Enfermagem. NLM: WY 100 CDU: 616-83 Errata No artigo publicado na REME v. 15 n. 3, de 2011, intitulado "A PESQUISA EM HISTÓRIA DA ENFERMAGEM: REVISÃO DE PUBLICAÇÕES DE 2000-2008", o correto na ordem do nome das autoras é Yanna Mara Mol Cunha como a responsável e Virgínia Mascarenhas Nascimento Teixeira como a segunda autora. Sumário 473 Editorial 475 Pesquisa 475 AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DE TRIAGEM NEONATAL PARA HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP, BRASIL / EVALUATION OF THE NEONATAL SCREENING FOR CONGENITAL HYPOTHYROIDISM IN THE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP, BRAZIL / EVALUACIÓN DEL PROGRAMA DE TAMIZAJE NEONATAL PARA HIPOTIROIDISMO CONGÉNITO EN SÃO JOSE DO RIO PRETO-SP, BRASIL Milene Ribeiro Raphael Del Roio Liberatore Jr. 481 AIDPI: CONHECIMENTO DOS ENFERMEIROS DA ATENÇÃO BÁSICA DO MUNICÍPIO DE ARACAJU-SE / AIDPI: NURSES’ KNOWLEDGE OF PRIMARY CARE IN THE CITY OF ARACAJU-SE / AIDPI: EL CONOCIMIENTO DE LOS ENFERMEROS DE LA ATENCIÓN BASICA DEL MUNICIPIO DE ARACAJU-SE Manuella Silva Leite Aglaé da Silva Araújo Andrade Lígia Maria Dolce de Lima 491 A VIVÊNCIA DOS PAIS DE UMA CRIANÇA COM MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS / THE EXISTENCE OF THE PARENTS OF A CHILD WITH CONGENITAL MALFORMATION / LA VIVENCIA DE LOS PADRES DE UN NIÑO CON MALA FORMACIONES CONGÉNITAS Shirley Ribeiro dos Santos Iêda Maria Ávila Vargas Dias Anna Maria de Oliveira Salimena Vânia Maria Freitas Bara 498 PERCEPÇÃO MATERNA ACERCA DO DISTÚRBIO NUTRICIONAL DO FILHO: UM ESTUDO COMPREENSIVO / MATERNAL PERCEPTIONS ABOUT THE NUTRITIONAL DISORDER OF THE CHILD: A COMPREHENSIVE STUDY / PERCEPCIÓN MATERNA SOBRE EL DISTURBIO NUTRICIONAL DEL HIJO: UN ESTUDIO COMPRENSIVO Débora Arreguy Silva Gisele Nepomuceno de Andrade Fabrícia Marques Ribeiro Ferreira Elffie de Andrade Anézia Moreira Faria Madeira 504 CARACTERÍSTICAS DOS ABORTAMENTOS DE MULHERES ATENDIDAS EM UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR FILANTRÓPICA DE CARATINGA/MG / ABORTION CHARACTERISTICS FORWOMEN ATTENDED IN A PHILANTHROPIC HOSPITAL INSTITUTION IN CARATINGA/MG / CARACTERÍSTICAS DE LOS ABORTAMIENTOS DE MUJERES ATENDIDAS EN UMA INSTITUICIÓN HOSPITALAR FILANTRÓPICA DE CARATINGA/MG Selisvane Ribeiro da Fonseca Domingos Miriam Aparecida Barbosa Merighi Ester Correa Rodrigues de Faria Leidiane Maria Gomes Ferreira 513 ENFERMAGEM: HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA CONSTRUÇÃO DE UMA PROFISSÃO / NURSING: HISTORY AND MEMORIES OFTHE CONSTRUCTION OF A PROFESSION / ENFERMERÍA: HISTORIAY MEMORIAS DE LA CONSTRUCCIÓN DE UNA PROFESIÓN Djailson José Delgado Carlos Raimunda Medeiros Germano 522 EXTRAVASAMENTO DE DROGAS ANTINEOPLÁSICAS: AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO DA EQUIPE DE ENFERMAGEM / EXTRAVASATION OF ANTINEOPLASTIC DRUGS: ASSESSMENT OF THE NURSING TEAM KNOWLEDGE / EXTRAVASACIÓN DE DROGAS ANTINEOPLÁSICAS: EVALUACIÓN DEL CONOCIMIENTO DEL EQUIPO DE ENFERMERÍA Franciane Schneider Edivane Pedrolo 530 SISTEMA DE INFORMAÇÃO DOS CENTROS DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO: DIFICULDADES, DIVERGÊNCIAS E PADRONIZAÇÃO NO PREENCHIMENTO / INFORMATION SYSTEM OFTESTING AND COUNSELING CENTERS: DIFFICULTIES, DIVERGENCES AND STANDARDIZATION / SISTEMA DE INFORMACIÓN DE LOS CENTROS DE TEST Y CONSEJO: DIFICULTADES, DIVERGENCIAS Y ESTANDARIZACIÓN EN EL RELLENO Vânia de Souza Joice Silva Rodrigues Cardoso Juliana Dias Paes Nahass 539 O ENSINO DA ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA E SAÚDE MENTAL NO CURRICULO POR COMPETÊNCIAS / THE TEACHING OF PSYCHIATRIC NURSING AND MENTAL HEALTH INTHE CURRICULUM BY COMPETENCE / LA ENSEÑANZA DE LA ENFERMERIA PSIQUIÁTRICA Y SALUD MENTAL EN EL CURÍCULO PARA LAS COMPETENCIAS Antonio Carlos Siqueira Júnior Márcia Ap. Padovan Otani 546 UM OLHAR DAS ADOLESCENTES SOBRE AS MUDANÇAS NA GRAVIDEZ: PROMOVENDO À SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA / ONE TO LOOK AT OF THE ADOLESCENTS ON THE CHANGES IN THE PREGNANCY: PROMOTING THE MENTAL HEALTH IN THE BASIC ATTENTION / UNO PARA MIRAR DE LOS ADOLESCENTES EN LOS CAMBIOS EN EL EMBARAZO: EL PROMOVER A LA SALUD MENTAL EN LA ATENCIÓN BÁSICA Aline Alves Andreza Teresa Albino Maria de Fátima Mota Zampieri 556 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: CONHECENDO A EXPERIÊNCIA DA FAMÍLIA / TEENAGE PREGNANCY: KNOWING THE FAMILY’S EXPERIENCE / EMBARAZO EN LA ADOLESCENCIA: CONOCER LA EXPERIENCIA DE LA FAMILIA Michele Guerreiro Valila Nádia Alessandra Moraes Natália Nacca Dalbello Sheila de Souza Vieira Maria Isabel Ruiz Beretta Giselle Dupas 567 RELACIONAMENTOS AFETIVOS NO COTIDIANO DO ADOLESCENTE PORTADOR DO HIV: DES-VELANDO SEUS SIGNIFICADOS / AFFECTIVE RELATIONSHIPS IN THE EVERYDAY ADOLESCENT HIV: DES-ENSURING THEIR MEANINGS / RELACIONES AFECTIVAS EN LA VIDA COTIDIANA ADOLESCENTE VIH: DES-ASEGURAR SUS SIGNIFICADOS Zuleyce Maria Lessa Pacheco Elisabete Pimenta Araújo Paz Girlene Alves da Silva 573 OFICINA SOBRE SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA DA EQUIPE SAÚDE DA FAMÍLIA COM ADOLESCENTES DO ENSINO MÉDIO / WORKSHOP ON SEXUALITY IN THE ADOLESCENCE: AN EXPERIENCE OF THE TEAM HEALTH OF THE FAMILY WITH ADOLESCENTS OF AVERAGE EDUCATION / TALLER SOBRE SEXUALIDAD EN LA ADOLESCENCIA: UNA EXPERIENCIA DE LA SALUD DEL EQUIPO DE LA FAMILIA CON LOS ADOLESCENTES DE LA EDUCACIÓN MEDIA Christine Baccarat de Godoy Martins Lilian Ortega Ferreira Paula Renata Miranda dos Santos Mara Wanderbil Lopes Sobrinho Maria Clara Vieira Weiss Solange Pires Salomé Souza 579 Revisão teórica 579 GRAVIDEZ DEPOIS DOS 35 ANOS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA / PREGNANCY AFTER 35: A SYSTEMATIC REVIEW OF THE LITERATURE / EL EMBARAZO DESPUÉS DE LOS 35: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA Laíse Conceição Caetano Luciana Netto Juliana Natália de Lima Manduca 588 FAMILIARES CUIDADORES E A TERMINALIDADE: TENDÊNCIA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DE SAÚDE / FAMILY CAREGIVERS AND END-OF-LIFE: TENDENCIES OF THE SCIENTIFIC PRODUCTION IN THE HEALTH FIELD / FAMILIARES CUIDADORES Y LA TERMINALIDAD: TENDENCIAS DE LA PRODUCCIÓN CIENTÍFICA EN EL ÁREA DE LA SALUD Stefanie Griebeler Oliveira Alberto Manuel Quintana Maria de Lourdes Denardin Budó Manoela Fonseca Lüdtke Paula Argemi Cassel Shana Hastenpflug Wottrich 595 Artigo Reflexivo 595 ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DOS CONTROLES AMBIENTAIS PARA PREVENIR A DISSEMINAÇÃO DA TUBERCULOSE HOSPITALAR / STRATEGIES FOR IMPLEMENTATION OF ENVIRONMENTAL CONTROLS TO PREVENT THE SPREAD OF TUBERCULOSIS IN HEALTH-CARE SETTINGS / ESTRATEGIAS PARA LA IMPLEMENTACIÓN DE CONTROLES AMBIENTALES EN LA PREVENCIÓN DE LA PROPAGACIÓN DE LA TUBERCULOSIS EN LOS ESTABLECIMIENTOS DE SALUD Vania Regina Goveia Silma Maria Cunha Pinheiro Ribeiro Eduardo Alexandrino Sérvolo de Medeiros Antonio Carlos Campos Pignatari 601 Relato de experiência 601 METODOLOGIAS INOVADORAS NA FORMAÇÃO DE NÍVEL MÉDIO EM SAÚDE / INNOVATIVE METHODOLOGIES IN HIGH SCHOOL EDUCATION / METODOLOGÍAS INNOVADORAS EN LA FORMACIÓN DE NIVEL MEDIO Fabíola Carvalho de A. Lima Baroni Paula Cambraia de Mendonça Vianna Suelene Coelho 607 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE JUNTO AOS ADOLESCENTES PARA A PREVENÇÃO DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS / HEALTH EDUCATION AMONG TEENAGENS FOR THE PREVENTION OF SEXUALLY TRANSMITTED DISEASES / LA EDUCACIÓN EN SALUD CON LOS ADOLESCENTS PARA LA PREVENSIÓN DE ENFERMEDADES DE TRANSMISIÓN SEXUAL Kelanne Lima da Silva Carlos Colares Maia Fernanda Lima Aragão Dias Neiva Francenely Cunha Vieira Patrícia Neyva da Costa Pinheiro 612 A PESQUISA DE CAMPO NA ÁREA DA EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS E AGRAVOS NÃO TRANSMISSÍVEIS: UMA EXPERIÊNCIA EM ÁREA RURAL DA REGIÃO DO VALE DO JEQUITINHONHA, MINAS GERAIS / FIELD WORK IN EPIDEMIOLOGY OF NON TRANSMISSIBLE DISEASES RESEARCH: AN EXPERIENCE IN A RURAL AREA OF JEQUITINHONHA VALLEY, MINAS GERAIS / EL ESTUDIO DE CAMPO EN EL ÁMBITO DE LA EPIDEMIOLOGÍA DE ENFERMEDADES NO TRANSMISIBLES: UNA INVESTIGACIÓN EN LA ÁREA RURAL DE LA REGIÓN DEL VALLE DEL JEQUITINHONHA, MINAS GERAIS Paula Gonçalves Bicalho Gustavo Velásquez Meléndez Tatiane Géa Horta Mariana Santos Felisbino Mendes Andréa Gazzinelli 617 Normas de publicação 619 Publication norms 621 Normas de publicación Editorial Em abril de 2011, a revista Nature publicou dois artigos sobre a formação de doutores no mundo. Nos dois artigos – “The PhD Factory”2 (A fábrica de PhDs) e“Rethinking PhDs”1 (Repensando PhDs) –, discute-se o aumento do número de doutores nos últimos dez anos em vários países e o impacto desse fato no mercado de trabalho e na ciência. Nesse contexto, neste editorial, mostram-se alguns pontos importantes mencionados nos dois artigos, incluindo o Brasil nesse panorama. A formação de doutores é fundamental para o crescimento científico e tecnológico de um país, assim como para sua soberania, seu crescimento econômico e social. O desenvolvimento de um país depende de investimento em conhecimento, e não há produção de conhecimento se não há investimento em pesquisa e inovação. Os países mais desenvolvidos já têm mecanismos claros de formação e absorção de doutores para os vários níveis da cadeia produtiva, o que os torna mais competitivos e detentores de tecnologias que outros compram ou copiam. No entanto, no caso de alguns deles, a formação de doutores chegou a um ponto em que o mercado, principalmente o acadêmico, não consegue absorvê-los na mesma velocidade em que são formados. No Brasil, nos últimos vinte anos, ocorreu um crescimento muito rápido do número de doutores, passando de mil para 11 mil por ano.3 Esse aumento deve e precisa ocorrer continuamente, tanto no Brasil como em outros países, que vêm se tornando cada vez mais competitivos em ciência, tecnologia e inovação, como China, Índia e Coreia do Sul. Em vista desse grande investimento na qualificação de profissionais para atingir os mais elevados níveis de competência, esses países vêm absorvendo parte dos mercados em várias áreas, com consequências importantes em todos os níveis, criando uma cadeia de transferência de conhecimento fundamental para o seu crescimento. Por outro lado, é preciso cautela, pois um crescimento ilimitado pode comprometer a qualidade dos programas. O incentivo à formação de PhDs acarretou, em vários países, um crescimento no que se refere ao número de doutores. No período de 1998 a 2006, o crescimento anual do número de doutores nos Estados Unidos foi de 2,5%; no Japão, de 6,2%; na Índia, de 8,5%; no México, de 17,1%; e chegando a 40% na China. Entre 1998 e 2008, o crescimento no Brasil foi de 11,7%, graças às políticas de incentivo do CNPq e da CAPES, que demonstraram uma continuidade surpreendente ao longo das últimas décadas.3 Apesar desse crescimento importante ocorrido no Brasil, o número de doutores ainda é pequeno quando comparado ao de outros países da Europa e dos Estados Unidos. O Brasil possui 1,4 doutor por mil habitantes, enquanto a Suíça, a Alemanha e os Estados Unidos possuem 23, 15,4 e 8,4, respectivamente, por mil habitantes. O número de doutores atualmente no Brasil chega a 132 mil, o que parece um número elevado, mas, na realidade, não ultrapassa 0,7% da população, comparado à média de 4% em muitos países europeus.3 Esse crescimento de doutores ocorrido em vários países, principalmente nos Estados Unidos, Japão e China, dentre outros, não foi acompanhado pelo crescimento de oportunidades no mercado de trabalho. É preciso atentar-se para que o enorme potencial de contribuição desses profissionais altamente qualificados seja inteiramente realizado a fim de minimizar o sentimento frequente de insatisfação entre eles. No Brasil, assim como em outros países, os doutores, em sua maioria, são formados para seguir a carreira acadêmica, reflexo de um sistema ainda tímido no que se refere à formação de recursos humanos direcionados para as necessidades das empresas e indústrias. Além disso, existe, ainda, o fato de não ser comum aos empreendimentos privados desenvolver pesquisa. É importante proporcionar oportunidade de emprego em atividades apropriadas, buscando uma formação que corresponda aos requisitos demandados pelo processo de desenvolvimento da economia e da sociedade em geral e, em particular, do processo de produção de conhecimento e inovação. Esperase que mudanças ocorram rapidamente para acomodar o crescente número de profissionais qualificados. O foco atual da formação de um doutor ainda é aprofundar o conhecimento em uma área específica, mas nos dias de hoje é necessário, também, experiência interdisciplinar e transdisciplinar. A ampliação do escopo da formação de doutores certamente lhes ampliará as possibilidades de utilização de recursos humanos fora da academia, contribuindo para ampliar-lhes os conhecimentos e criar maior senso de independência, crucial para que se tornem investigadores. É necessário, portanto, que, no Brasil, se aprofunde e se consolide o desenvolvimento científico, bem como se adote uma política de desenvolvimento tecnológico e inovação mais efetiva e agressiva em diversas áreas estratégicas para o crescimento nacional acelerado. REFERÊNCIAS 1. Cyranoski, D; Gilbert, N; Ledford, H; Nayar, A; Yahia, M. The PhD factory. Nature, v.472, p. 276-279, 2011. 2. McCook, A. Rethinking PhDs. Nature, v. 472, p. 280-282, 2011. 3. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos-MCT. Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira, Brasília, 2010, 443 p. Andréa Gazzinelli Professora titular da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). remE – Rev. Min. Enferm.;14(3): 19-24, jul./set., 2010 473 Pesquisas AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DE TRIAGEM NEONATAL PARA HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETOSP, BRASIL EVALUATION OF THE NEONATAL SCREENING FOR CONGENITAL HYPOTHYROIDISM IN THE SÃO JOSÉ DO RIO PRETOSP, BRAZIL EVALUACIÓN DEL PROGRAMA DE TAMIZAJE NEONATAL PARA HIPOTIROIDISMO CONGÉNITO EN SÃO JOSE DO RIO PRETOSP, BRASIL Milene Ribeiro1 Raphael Del Roio Liberatore Jr.2 RESUMO O hipotireoidismo congênito (HC), distúrbio metabólico sistêmico caracterizado pela deficiência da produção de hormônios tireoideanos, representa uma das causas mais comuns de retardo mental passíveis de tratamento. O objetivo com esta pesquisa foi avaliar o Programa de Triagem Neonatal em São José do Rio Preto-SP. Os dados de nascimento foram resgatados dos arquivos de todos os hospitais da cidade e todos os resultados de exames de triagem realizados entre 2005 e 2007, dos arquivos da APAE-SP. Do total de 17.494 crianças, 51,5% eram do sexo feminino e 48,4%, do sexo masculino. As coletas foram realizadas acima dos sete dias de vida em 62,5% da amostra. O tempo médio para recebimento dos resultados foi de 28,2 dias. Da amostra estudada, 14 resultados se mostraram alterados, mas somente 5 diagnósticos foram confirmados (incidência de 1:3499). O programa mostra deficiências importantes quanto ao tempo de coleta e processamento dos resultados, incidência comparável a outras regiões do Brasil. Palavras-chave: Hipotireoidismo Congênito; Triagem Neonatal; Recém-Nascido; Planos e Programas de Saúde. ABSTRACT Congenital hypothyroidism (CH) is a systemic metabolic disorder characterized by thyroid hormone deficiency at birth and represents one of the most common causes of mental retardation. This research aimed to evaluate the Neonatal Screening Program in São Jose do Rio Preto-SP. Births data were collected from the city’s hospital records. Newborn screening test results from the APAE-SP (Portuguese acronym for Association of Parents and Friends of Mentally Retarded Children, São Paulo branch) files performed between 2005 and 2007 were also used. 17,494 newborn screening results were analyzed. 51.5% were from a female and 48.4% male. Samples were collected after the baby was 7 days old in 62.5% of the cases. The average time to receive the results was 28.2 days. In the studied sample, 14 results were altered, but only five diagnosis were confirmed (incidence rate of 1:3499). Similarly to many of the country’s areas the program in São José do Rio Preto shows major deficiencies as to blood collection time and results processing. Key words: Congenital Hypothyroidism; Neonatal Screening; Newborn; Health Programs and Plans. RESUMEN El hiportiroidismo congénito (HC), una enfermedad metabolica sistémica que se caracteriza por la deficiencia de producción de hormonas tiroideas, es una de las causas más comunes de retraso mental que puede ser tratada. El objeto del presente estudio ha sido evaluar el Programa de Triaje Neonatal en São José do Rio Preto-SP. Los datos de nacimiento fueram rescatados de los archivos de todos los hospitales de la ciudad y todos los resultados de pruebas de triaje de los archivos de APAE-SP entre 2005 e 2007. Del total de 17.494 niños, 51,5% eran mujeres y 48,4% varones. Las muestras fueron recogidas después de los 7 días de vida en 62,5% de los casos. El tiempo medio para recibir los resultados fue de 28,2 dias. En la muestra estudiada 14 resultados estaban alterados pero sólo cinco fueron diagnósticos confirmados (incidencia de la 1:3499). El programa muestra deficiencias importantes en lo que se refiere al tiempo de recogida de las muestras y al procesamiento de los resultados, incidencia comparable a otras regiones del Brasil. Palabras clave: Hipotiroidismo Congénito; Triaje Neonatal; Recién Nacido, Planes y Programas de Salud. 1 2 Enfermeira com especialização em Administração dos Serviços de Saúde pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Gerente de Enfermagem do Centro Integrado de Atendimento Ltda (UNINFÂNCIA). Enfermeiro do Serviço de Endocrinologia Pediatria do Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Doutor em Pediatria pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado em Endocrinologia Pediátrica pela University of Toronto. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Avenida Miguel Damha 1515 Q3 L4, Cond. Gaivota 1, São José do Rio Preto- SP. CEP: 15061-800. (17)3227-43-65 ou (17) 960966-25. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 475-480, out./dez., 2011 475 Avaliação do Programa de Triagem Neonatal para hipotireoidismo congênito em São José do Rio Preto – SP, brasil INTRODUÇÃO A triagem neonatal representa uma metodologia de rastreamento específica para uma população com idade até 26 dias de vida. Trata-se de ação preventiva que permite fazer o diagnóstico precoce de doenças congênitas ou infecciosas assintomáticas nessa fase, possibilitando a interferência no curso dessas doenças e instituindo tratamento específico para a diminuição ou a eliminação das sequelas associadas à doença.1-5 Os Programas de Triagem Neonatal originaram-se dos esforços de Robert Guthrie, que desenvolveu métodos de inibição bacteriana para fenilalanina (1962-1963).1,6,7 Na América Latina, a Triagem Neonatal iniciou-se por volta de 1970.8 A primeira tentativa ocorreu no México, em 1973, quando Antonio Velásquez, após treinamento com Guthrie, iniciou um projeto de detecção de fenilalanina (PKU) e outras aminoacidopatias. A segunda tentativa ocorreu no Brasil, quase simultaneamente com o México, quando Benjamin Schimidt, Dr. Stanislau Krinsky e Dr. Aron Diament iniciaram um projeto chamado Plano Nacional para Estudo e Detecção de Erros Inatos do Metabolismo (IEMs), abordando desordens que conduziam ao retardo mental. 8 Em 1976, esse projeto direcionou a criação do laboratório, por Schimidt, para a detecção de PKU e outros IEMs, originando, assim, o primeiro programa de triagem neonatal para IEMs na América Latina.8-10 A partir de então, o programa expandiu-se e incluiu a triagem para hipotiroidismo congênito em 1986.11 O Brasil possui o Programa Nacional de Triagem Neonatal desde 2001, organizado de forma centralizada, com legislação própria, tratamento regionalizado e centralizado com cobertura de 80,2% 8 . Visa à detecção de quatro doenças: fenilcetonúria (PKU), hipotireoidismo congênito (HC), doença falciforme e outras hemoglobinopatias e fibrose cística (FC).1 São José do Rio Preto é uma cidade de 415.508 habitantes, situada na região noroeste do Estado de São Paulo, distante 450 km da capital.12 A Secretaria Municipal de Saúde é responsável pela coleta da triagem neonatal; a Secretaria Estadual de Saúde, pelo encaminhamento dos exames; e a APAE da capital, pela realização das dosagens laboratoriais. Essa divisão de responsabilidades nos parece preocupante e motivou a realização deste estudo. Com o objetivo de avaliar o programa de triagem neonatal para HC em São José do Rio Preto, fez-se a análise retrospectiva de todas as amostras triadas entre 2005 e 2007. MATERIAL E MÉTODO Realizou-se estudo retrospectivo baseado no banco de dados da APAE-SP, envolvendo todos os exames coletados nos nascidos vivos no período de janeiro de 2005 a dezembro 2007. Os resultados laboratoriais, a data da coleta, o período do processamento e a data 476 de envio do resultado foram obtidos no Serviço de Referência da APAE-SP. O número de nascidos vivos e a distribuição por sexo foram obtidos revendo os arquivos de todos os hospitais da cidade e comparando-os com os registros da Secretaria Municipal de Saúde. Foram analisados os seguintes dados: caracterização da população; cobertura do programa de triagem neonatal em São José do Rio Preto; idade das crianças na coleta do exame (em dias); análise do fluxo da triagem (tempo de coleta, tempo entre coleta e recebimento; tempo de processamento da amostra e o tempo total); incidência de HC; distribuição por sexo na ocorrência de HC. Os dados coletados foram armazenados em planilha eletrônica(ExcelMicrosoft®).Aanáliseestatísticaenvolveu estatística descritiva, distribuição percentual, gráficos e tabelas entrecruzadas por análise bidimensional. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do RioPreto(FAMERP), que dispensou o uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). RESULTADOS Do total de 17.494 crianças nascidas no período citado, 9.012 (51,55%) eram do sexo feminino e 8.470 (48,45%), do sexo masculino. O sexo não foi informado em 12 casos, que foram descartados da contagem. Desse número, 356 (2,03%) crianças nasceram prematuras. A cobertura do teste do pezinho foi avaliada com base nos dados referentes ao número de nascimentos (nascidos vivos) e número de testes realizados. Os resultados apontam diminuição de nascidos vivos de 2005 para 2006, ou seja, de 4.810 em 2005 para 4.710 em 2006, com taxa de decréscimo de 2,01%. Entre 2006 e 2007, ocorreu aumento equivalente na taxa de crianças nascidas vivas (4.811 nascidas vivas em 2007). A análise do fluxo da triagem neonatal consistiu na análise do tempo compreendido entre o nascimento da criança até o fechamento do laudo do teste do pezinho. No estudo foram analisadas as variáveis: tempo de coleta compreendido entre o nascimento da criança e a coleta, das amostras de sangue para a realização do teste; tempo entre coleta e recebimento, compreendido entre a coleta do material até a chegada ao laboratório responsável pela análise clínica; tempo de processamento da amostra, compreendido entre a chegada da amostra e a emissão do laudo pelo laboratório; e tempo total, compreendido entre o fechamento do laudo e o encaminhamento do resultado da amostra para a Unidade Central responsável. De acordo com a TAB. 1, os tempos médios de coleta variaram de 9,4 dias a 9,8 dias. Com relação ao período compreendido entre a coleta e o recebimento da amostra de sangue para análise, os tempos médios diminuíram aproximadamente 4 dias de 2005 para 2006. Constatou-se que o tempo médio entre a coleta remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 475-480, out./dez., 2011 e o recebimento da amostra foi de 10,8 dias. O menor tempo de recebimento foi de 0 dia, isto é, recebido no dia da coleta, e o maior, 76 dias. Em 2005 o tempo variou de 3 a 25 dias, com média de 11,4 dias e metade das amostras foram processadas em até 11 dias. Já em 2006, as amostras foram processadas entre 2 e 18 dias, com média de 7,1 dias. De 2005 para 2006, houve redução no tempo médio em 4,3 dias. Em 2007, ocorreu redução de ao menos um dia no tempo de processamento com o tempo máximo de 10 dias e média de 5 dias. Verificouse que o tempo médio de processamento da amostra foi estimado em 7,8 dias, com o mínimo de 2 dias e o máximo de 25 dias. Observou-se que o tempo total médio foi de 28,2 dias, com o mínimo de 11 dias, observado em 2006 e 2007 e o máximo de 135 dias, observado em 2005. TABELA 1 – Estatísticas descritivas das variáveis da análise do fluxo de triagem neonatal de acordo com os anos analisados Variável Tempo de coleta Tempo entre coleta e recebimento da amostra Tempo de processamento da amostra Tempo total Ano n x±s Mediana Mínimo Máximo 2005 5.588 9,4±4,9 8,0 0,0 107,0 2006 5.877 9,8±4,4 9,0 2,0 71,0 2007 6.029 9,7±4,3 9,0 2,0 33,0 2005 a 2007 17.494 9,6±4,6 8,0 0,0 107,0 2005 5.588 13,4±8,5 12,0 3,0 65,0 2006 5.877 9,6±5,1 9,0 0,0 51,0 2007 6.029 9,5±2,9 9,0 2,0 76,0 2005 a 2007 17.494 10,8±6,2 9,0 0,0 76,0 2005 5.588 11,4±3,6 13,0 3,0 25,0 2006 5.877 7,1±2,9 6,0 2,0 18,0 2007 6.029 5,0±1,4 5,0 2,0 10,0 2005 a 2007 17.494 7,8±3,8 6,0 2,0 25,0 2005 5.588 34,2±10,0 33,0 15,0 135,0 2006 5.877 26,5±7,5 25,0 11,0 85,0 2007 6.029 24,3±5,4 23,0 11,0 91,0 2005 a 2007 17.494 28,2±8,9 27,0 11,0 135,0 Fonte: Os autores O numero de crianças testadas foi de 5.588 em 2005, 5.877 em 2006 e 6.029 em 2007. Notou-se crescente aumento ao longo dos anos, sendo mais acentuado de 2005 para 2006 (5,2%). De 2006 para 2007, observou-se redução da taxa de crescimento (2,6%). Entretanto, em 2007 houve aumento tanto no número de nascimentos quanto no de testes realizados. Esses dados podem ser observados no GRÁF. 1. O GRÁF. 2 traz diagramas tipo box-plot, representando o número de crianças nascidas vivas e testadas em cada ano, revelando que a quantidade de crianças testadas é superior à quantidade de nascidas vivas, independentemente do ano analisado. A dispersão dos dados ao longo dos anos, tanto para nascidos como para testadas, é muito parecida, refletindo simetria em relação à linha mediana que divide a caixa do box-plot. GRÁFICO 1 – Evolução do número de crianças nascidas vivas e testadas ao longo de 2005 a 2007 Fonte: Os autores. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 475-480, out./dez., 2011 477 Avaliação do Programa de Triagem Neonatal para hipotireoidismo congênito em São José do Rio Preto – SP, brasil GRÁFICO 2 – Box-plot da distribuição das nascidas vivas e testadas em 2005, 2006 e 2007 Fonte: Os autores. A categorização da variável tempo de coleta foi definida, estabelecendo a idade de referência de no máximo 7 dias de vida como tempo para coleta da amostra, conforme recomenda a literatura. Os dados podem ser observados no GRÁF. 3. Em 2005, do total de 5.588 crianças, 5.587 (99,98%) mostraram resultados não alterados e somente 1 (0,02%) alterado. Em 2006, do total de 5.877 crianças avaliadas, 5875 (99,96%) apresentaram normalidade no teste e foram constatados apenas dois casos (0,04%) de exames alterados. Em 2007, do total de 6.029 crianças analisadas, 6.027 (99,96%) apresentaram normalidade e apenas 2 casos (0,04%) com exames alterados (GRÁF. 4). GRÁFICO 3 – Distribuições percentuais em relação à idade de referência para triagem de HC, de acordo com os anos GRÁFICO 4 – Número de resultados normais e resultados alterados para HC em 2005, 2006 e 2007 Fonte: Os autores. Fonte: Os autores. Das 17.494 crianças que tiveram amostra de sangue coletada para exame entre 2005 e 2007, verificou-se que 17.489 (99,97%) apresentaram resultado normal ao teste de triagem neonatal e 5 (0,03%) mostraram resultados alterados. Esses dados indicam incidência de um caso de HC para cada 3.499 nascidos vivos. 478 A distribuição por sexo dos casos normais e alterados pode ser observada na TAB. 2. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 475-480, out./dez., 2011 TABELA 2 – Distribuição por sexo dos resultados normais e alterados de triagem neonatal por ano 2005 n=5588 2006 n=5877 2007 n=6029 M (%) F (%) M (%) F (%) M (%) F (%) Normais 2.771 (49,59%) 2.816 (50,39%) 2.716 (46,21%) 3.159 (53,75%) 2.987 (49,55%) 3.040 (50,42%) HC 1 (0,02%) 0 (0%) 1 (0,02%) 1 (0,02%) 0 (0%) 2 (0,03%) Total HC 1(0,02%) 2(0,03%) 2(0,03%) Fonte: Os autores DISCUSSÃO O HC é um distúrbio metabólico sistêmico caracterizado pela deficiência da produção de hormônios tireoideanos13,14 e representa uma das causas mais comuns de retardo mental passível de prevenção. Os hormônios tireoideanos são fundamentais na organogênese do sistema nervoso central até os 2 anos de vida, contribuindo para a formação do córtex cerebral, auditivo, hipocampo e cerebelo. Dessa forma, o feto fica protegido pelos hormônios maternos até o nascimento. Após os 2 anos, os recém-nascidos não detectados apresentarão deficiência física e mental.13 O HC tem uma incidência ao redor de 1:4000 nascidos vivos. 8,13,15,16 Os sinais clínicos são inespecíficos e aparentemente todos os bebês são normais. A sintomatologia é mais evidente em torno dos 3 meses de vida, quando os danos neurológicos já podem estar estabelecidos.17 Segundo os dados de literatura, a prevalência é maior no sexo feminino do que no sexo masculino (2:1).15,17 Em nosso estudo, encontramos predominância no sexo feminino (1,5:1). Alguns índices apontados por estudos brasileiros demonstram a prevalência de 1:4375 no Estado de Minas Gerais,18 1:3177 em Santa Catarina,19 1:4850 em Sergipe.20 Em nosso estudo, encontramos um caso em 2005 para 5.588 nascidos vivos (incidência de 1:5588), dois casos em 2006 para 5,877 nascidos vivos (incidência de 1:2939) e dois casos em 2007 para 6.029 nascidos vivos, com prevalência de 1:3015 nascidos vivos. Neste manuscrito, foi encontrada a incidência, entre a média descrita por outros estudos, de um exame alterado para -3.499 nascidos vivos. Afastou-se totalmente a possibilidade de coleta ou dosagem repetida. De todos os portadores de dosagem em papel de filtro alterada, foi realizada coleta de amostra em sangue periférico para confirmação. Na Portaria GM/MS nº 822 (2001),1 orienta-se que toda criança nascida em território nacional tem o direito à triagem neonatal (teste do pezinho) e que a coleta não pode ser em tempo inferior a 48 horas de alimentação proteica (amamentação) e nunca superior a 30 dias; o ideal entre o 3° e 7° dia de vida. Estudos, como o desenvolvido no Estado do Pará por Benevides et al.,14 apontam que a coleta foi realizada em 48,1% dos casos em até 30 dias de vida e 37,4% acima de 30 dias. Almeida et al.,21 em estudo na Bahia, demonstraram que somente 14,5% da coleta foi realizada em até 7 dias, 63,9% de 8 a 30 dias e 21,6% com mais de 30 dias. Em nosso estudo, a coleta foi realizada até 7 dias em 37,45% dos recém-nascidos testados e 62,55% com idade superior a 7 dias. Contudo apenas 0,89% destes realizaram o teste após 30 dias de vida. Dessa comparação, pode-se concluir que na maioria dos casos triados em nossa região superou-se a orientação da coleta a ser realizada em até 7 dias, embora a quase totalidade tenha sido realizada em menos de 30 dias. Da mesma forma, nota-se, também, que embora os períodos de coleta, recebimento da amostra e processamento estejam em declínio, 28,2 dias em média para diagnosticar um caso de hipotireoidismo, ainda não é o ideal. O índice de cobertura observada em estudos da literatura foi de 81% em Santa Catarina, 72% em Sergipe, 71,52% na Bahia e 93,2% em Maringá.19-22 Os resultados do nosso estudo apontam uma cobertura de 116,17% em 2005, de 124,78% em 2006 e de 125,32% em 2007, perfazendo a média percentual de 122,09% de cobertura total durante o período estudado. Observa-se que o número de crianças testadas é superior ao número de nascidas vivas, e tal fato pode ser explicado pela forma não padronizada e não integrada de registro das informações. Outro fator que contribui para essa disparidade é que gestantes procedentes de outras localidades realizam seus partos no município, sendo seus recém-nascidos aqui testados e codificados como de São José do Rio Preto. Parece-nos que o processo em nossa região esteja funcionando de forma muito fragmentada. Não existe um único responsável, e desta forma a responsabilidade pela coleta, encaminhamento e gerenciamento dos resultados se apresenta de forma muito deficiente, o que demonstra a necessidade de reorganização e unificação deste processo. Encaminhamos sugestão de fluxograma para a Secretaria Municipal de Saúde, sugerindo que seja criado um centro de gerenciamento na UBS central, com controle dos nascimentos e coleta da triagem em remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 475-480, out./dez., 2011 479 Avaliação do Programa de Triagem Neonatal para hipotireoidismo congênito em São José do Rio Preto – SP, brasil cada um dos hospitais. Encaminhamento bissemanal das amostras e contato da APAE direto com esse centro de gerenciamento, que com arquivos adequados, teria maior chance de localizar e tratar mais rapidamente essas crianças. CONCLUSÃO O estudo retrospectivo de dados do programa de triagem neonatal para HC em São José do Rio Preto-SP apresentou particularidades preocupantes. A coleta foi realizada após os sete dias de vida na maioria dos casos, embora a quase totalidade, antes dos trinta dias de vida. O fato de o número de exames coletados ser maior do que o de nascidos vivos pode indicar que a coleta não está exclusivamente sendo feita para nascidos vivos residentes no município. O tempo total de processamento da amostra se encontra ao redor de trinta dias, com grande variação entre o tempo mínimo e máximo, embora, de forma geral, tenhamos notado melhora nos últimos anos. Diante do contexto, reforça-se a importância de campanha de divulgação do teste do pezinho, informação sobre a doença e os danos que ela causa, bem como a necessidade do diagnóstico neonatal para o tratamento precoce dela. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Coordenação-Geral de Média Complexidade Ambulatorial. Programa Nacional de Triagem Neonatal. Manual de normas técnicas e rotinas operacionais do Programa Nacional de Triagem Neonatal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. 127 p. 2. De Montalembert M. Management of children with sickle cell anemia: a collaborative work. Arch Pediatr. 2002; 9(11): 1195-201. 3. Neto EC, Rubin R, Shulte J, Guigliani R. Newborn screening for congenital inctious diseases. 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Enferm.;15(4): 475-480, out./dez., 2011 AIDPI: CONHECIMENTO DOS ENFERMEIROS DA ATENÇÃO BÁSICA DO MUNICÍPIO DE ARACAJUSE AIDPI: NURSES’ KNOWLEDGE OF PRIMARY CARE IN THE CITY OF ARACAJUSE AIDPI: EL CONOCIMIENTO DE LOS ENFERMEROS DE LA ATENCIÓN BASICA DEL MUNICIPIO DE ARACAJUSE Manuella Silva Leite1 Aglaé da Silva Araújo Andrade2 Lígia Maria Dolce de Lima3 RESUMO O objetivo com este estudo foi identificar o conhecimento dos enfermeiros da atenção básica quanto à estratégia da Atenção Integral às Doenças Prevalentes da Infância, no município de Aracaju-SE. Os dados foram coletados por meio de um questionário, contendo 20 questões fechadas e de múltipla escolha, tabulados e arquivados no Excel 2007 e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0. Foram utilizados critérios investigativos e descritivos, com abordagem quantitativa. Os resultados obtidos apontam não haver diferença significativa (p > 0,05) entre os enfermeiros capacitados (54,5%) e não capacitados (45,5%) pela estratégia, verificando-se um perfil de conhecimento aquém do esperado. Fica evidente a necessidade de realizar capacitações e supervisão do protocolo de doenças prevalentes na infância para os enfermeiros da atenção básica. Palavras-chave: Criança; Conhecimento; Enfermeiros. ABSTRACT This study’s main objective was to identify primary care nurses’ knowledge about the Integrated Management of Childhood Illness and Comprehensive Child Care strategies in the municipality of Aracaju-SE. The data were collected through a questionnaire containing 20 closed-ended and multiple-choice questions. The data was tabulated and filled in Excel 2007 and analyzed using “Statistic Package for the Social Sciences” 13.0 version. Descriptive and analytical criterions were used with a quantitative approach. The obtained results suggested there is no significant difference (p > 0.05) between trained (54.5%) and not trained (45.5%) nurses in the strategy and the knowledge profile was less than expected. In conclusion, training and protocol supervision of childhood prevalent illnesses are necessary to primary care nurses. Key words: Child, Integrated Management of Childhood Illness and Comprehensive Child Care; Knowledge; Nurses. RESUMEN El objeto del presente estudio ha sido identificar el conocimiento de los enfermeros de atención básica sobre la estrategia Atención Integral de las Enfermedades Prevalentes en la Infancia, en la ciudad de Aracaju-SE. Los datos fueron recogidos a través de una encuesta con 20 preguntas cerradas de opción múltiple, tabulados y archivados en Excel 2007 y analizados en el programa Statistical Package for the Social Sciences, versión 13.0. Fueron utilizados criterios investigativos y descriptivos con enfoque cuantitativo. Los resultados obtenidos señalan que no hay diferencia significativa (p > 0,05) entre los enfermeros capacitados (54,5%) y los que no son capacitados (45,5%) por la estrategia, verificándose un perfil de conocimiento por debajo de lo esperado. Queda clara la necesidad de capacitar a los enfermeros de atención básica y de supervisar el protocolo de enfermedades prevalentes en la infancia. Palabras clave: Niño, Atención Integral de las Enfermedades Prevalentes en la Infancia; Conocimiento; Enfermeros. 1 2 3 Discente em Enfermagem. Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe. Rua Benjamim Fontes, nº 595, Ed. Rio doce, Apto 203. Bairro Luzia. CEP 49045-110. Aracaju-SE/Brasil. E-mail: [email protected]. Mestre em Saúde e Ambiente. Universidade Tiradentes. Professora Assistente 1. Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe. Alameda A, n° 225, Cond. Victória Garden, Ed. Canafistula, apto 102, CEP 49027-390. Aracaju, SE. E-mail: [email protected]. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe. Professora Assistente 1. Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe. Endereço para correspondência: Avenida Adélia Franco, n° 2288. Cond. Costa Dourado, Ed. Salinas, apto. 702, Bairro Luzia. Aracaju-SE. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 481 AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE INTRODUÇÃO Enfrentar os fatores determinantes da mortalidade infantiltemsidoumconstantedesafioparaasautoridades brasileiras desde as décadas de 1980 e 1990, levando o Ministério da Saúde (MS) a intensificar o processo de atenção à saúde da criança, com o objetivo de reduzir as taxas de mortalidade provocadas por doenças de prevalência na infância. Assim, foram elaborados protocolos de atendimento para profissionais vinculados às unidades básicas de saúde para que estes possam desenvolver sistematicamente a assistência às crianças. Os protocolos de atendimento constituíram uma experiência positiva, sendo, dessa forma, fator primordial para reduzir índices insatisfatórios na avaliação do crescimento e desenvolvimento infantil1,2. Apesar das diversas inovações na área de saúde pública, a atenção à saúde da criança permaneceu relevante para as equipes de saúde da família, pois persistiu a elevada morbimortalidade em crianças menores de 5 anos nos países em desenvolvimento. Os infantes até 5 anos apresentam um sistema imunológico em processo de desenvolvimento, sofrendo com maior frequência o impacto de qualquer mudança na comunidade. A pneumonia, a diarreia, a malária, o sarampo e a adesnutrição são as principais causas de adoecimento dos infantes nessa faixa etária. Elas acometem mundialmente pelo menos três em cada quatro crianças que buscam atenção médica3,4. Em sua maioria, as doenças de prevalência na infância são passíveis de tratamento e prevenção, porém são responsáveis por mais de 70% dos óbitos infantis em nível global. No Brasil, o MS demonstra, estatisticamente, que ainda permanece elevada a mortalidade infantil, com uma taxa estimada em 28,6 por mil nascidos vivos. Por sua vez, tais patologias estão intimamente relacionadas ao baixo nível socioeconômico, principalmente nos países em desenvolvimento, que têm como características o saneamento básico precário, a alimentação inadequada, a falta de cuidado dos pais para com a criança, a dificuldade na disponibilidade dos serviços de saúde, a falta de capacitação dos profissionais, dentre outros.1,4,5 Diante da necessidade de novas ações direcionadas para a redução da morbidade e mortalidade infantil, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) desenvolveram, em 1995, uma estratégia para combater os principais problemas de saúde das crianças. Essa estratégia, denominada Assistência Integral às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI). veio contribuir significativamente para a melhoria do padrão de vida e a redução do número de mortes dos infantes menores de 5 anos de idade.6 Em 1996, os profissionais médicos e enfermeiros pertencentes à atenção básica foram capacitados para operacionalizar a AIDPI. O processo de implantação dessa estratégia deu-se, primeiramente, nas regiões Norte e Nordeste, por apresentarem os piores indicadores de saúde. Os Estados de Sergipe, Ceará, Pernambuco e Pará 482 foram reconhecidos como fortes áreas na consolidação de programas relacionados à saúde da criança, incluindo os programas de controle de doenças diarreicas e infecções respiratórias agudas. Como consequência e aceitação da estratégia, os treinamentos expandiram-se para as regiões Sul e Sudeste.5 Em Sergipe, a proposta foi aderida pela Secretaria Estadual de Saúde em 1997, sendo padronizada para treinar todas as equipes do Programa Saúde da Família (PSF) e do Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS), atingindo uma cobertura de capacitações de 85% das equipes. Em 1999, foram introduzidos, no curso de Mestrado em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS), os módulos de capacitação, com duração de 40 horas, que se estenderam também para a graduação do curso médico e de enfermagem da UFS, significando a capacitação de mais profissionais a partir daquele ano.7 A equipe de saúde capacitada assegura uma assistência de qualidade às crianças, tanto na prevenção de doenças prevalentes como na avaliação do estado nutricional, no esquema imunológico e no crescimento e desenvolvimento infantil, por meio do protocolo padronizado pela estratégia. Além disso, a estratégia é fundamental por favorecer o estabelecimento de um vínculo com a mãe ou responsável pela criança, para que esta compreenda as recomendações referentes ao cuidado, ao tratamento e ao retorno da criança ao estabelecimento de saúde, trazendo, assim, resultados satisfatórios na qualidade da assistência infantil.1,5,6,8 Diante da relevância da estratégia como meio de atendimento às crianças, buscou-se, neste estudo, identificar o conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju quanto à AIDPI, como também verificar o número de enfermeiros capacitados e não capacitados para tal estratégia. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de caráter investigativo e de natureza quantitativa, realizada nos meses de setembro e outubro de 2009, no município de AracajuSE. A população do estudo abrangeu 100% (132) dos enfermeiros da atenção básica, distribuídos nas 43 unidades básicas de saúde localizadas nos 8 distritos desse município. Desses, somente 101 enfermeiros participaram da pesquisa e 31 restantes foram excluídos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão da pesquisa (rejeição em participar da pesquisa, licença médica ou licença prêmio e período de férias no prazo de tempo estabelecido para coleta de dados). Os participantes da pesquisa foram informados a respeito do caráter do estudo e seus objetivos. Após aceitação, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com garantia do sigilo da identidade, de acordo com a Resolução nº 196, item IV, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde. Vale ressaltar que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe sob o Parecer nº CAAE 3566.0.000.107-09. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 Para a coleta de dados, foi elaborado um instrumento composto por 20 questões, com 8 perguntas fechadas e 12 perguntas de múltipla escolha. No primeiro momento, foram abordados, no questionário, os dados de identificação (sexo, idade, unidade básica de saúde e região de locação profissional), o tempo de graduação e se o profissional era capacitado para a estratégia AIDPI. No segundo momento, as perguntas foram direcionadas às doenças prevalentes na infância e sua metodologia, com base nos autores Brasil4 e Felisberto.9 O instrumento de coleta foi repassado para os enfermeiros, que aceitaram participar do estudo, em envelopes lacrados, para permitir a confidencialidade. Ao término do preenchimento, após revisadas as respostas, os enfermeiros foram divididos em dois grupos: profissionais capacitados e profissionais não capacitados pela estratégia do AIDPI. Os dados obtidos foram tabulados e arquivados nos programas Microsoft Office Excel 2007 e o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 13.0, e analisados de forma descritiva. Para essa análise estatística, foram utilizados os testes Qui-quadrado e Bicaudal, levando em consideração um nível de significância de p menor que 0,05 e um poder de teste (sensibilidade para detectar diferenças) igual a 0,80. Quando necessário, foram calculados a média e o desvio-padrão. Utilizou-se como base para avaliação do nível de conhecimento dos enfermeiros quanto ao protocolo AIDPI a literatura de Wassall,10 que quantifica como bom desempenho na captação de informações nos cursos que envolvam a estratégia o índice de acerto nas questões em torno de 70%. de quinze anos, seguidos de 23,8% (n=24) formados entre seis e dez anos e 15,8% (n=16) que possuíam graduação entre onze e quinze anos. Já 12,9% (n=13) dos profissionais entrevistados afirmaram que estavam graduados havia menos de cinco anos (TAB. 1). Ao questionar sobre o tempo de serviço dos profissionais entrevistados nas unidades básicas de saúde do município, foi possível verificar o predomínio significativo de enfermeiros que trabalhavam nessa área há mais de dez anos (43,6%). Os demais possuíam tempo de serviço entre oito a dez anos (22,8%), entre cinco a sete anos (17,8%) e entre dois a quatro anos (10,9%). Somente 5% dos profissionais afirmaram que trabalhavam na atenção básica há aproximadamente um ano (TAB. 1). TABELA 1 – Distribuição quanto ao sexo, tempo de graduação e tempo de serviço dos enfermeiros da atenção básica no município de Aracaju-SE,, no período de setembro a outubro de 2009 Variáveis avaliadas No que se refere aos dados de identificação, foi possível questionar aos entrevistados as seguintes variáveis: faixa etária, gênero, tempo de graduação, tempo de serviço na atenção básica e capacitação pela estratégia AIDPI. Em relação à análise da faixa etária dos entrevistados, a idade mínima verificada foi de 23 anos e a máxima, de 63 anos, tendo como média de 42 anos para um desviopadrão de 10. Ao tratar do gênero, 8,9% (n=9) dos profissionais eram do sexo masculino e 91,1% (n=92) do sexo feminino. Quanto ao tempo de graduação, observou-se que 47,5% (n=48) dos profissionais estavam graduados havia mais % (100) Masculino 9 8,9 Feminino 92 91,1 Período superior a 15 anos 48 47,5 Período entre 15 e 11 anos 16 15,8 Período entre 10 e 6 anos 24 23,8 Período inferior a 5 anos 13 12,9 Período superior a 10 anos 44 43,6 Período entre 10 e 8 anos 23 22,8 Período entre 7 e 5 anos 18 17,8 Período entre 4 e 2 anos 11 10,9 Período de aproximadamente 1 ano 5 5 Profissional capacitado 55 54,5 Profissional não capacitado 46 45,5 Gênero Tempo de graduação RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com os resultados obtidos por meio da coleta de dados nas regionais do município de Aracaju, verificou-se que dos 132 enfermeiros que poderiam participar do estudo 76,54% (n=101) aceitaram responder ao questionário; 9,10% (n=12) rejeitaram participar da pesquisa; 10,56% (n=14) encontravam-se de licença médica ou licença-prêmio; e 3,80% (n=5) estavam no período de férias no prazo de tempo estabelecido para coleta de dados e, portanto, foram excluídos da pesquisa. n (101) Tempo de serviço na atenção básica Capacitação pela estratégia AIDPI Fonte: Questionário AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE – 2009. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 483 AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE Durante a pesquisa, utilizou-se como variável de desfecho a relação entre o quantitativo de enfermeiros capacitados e não capacitados pela estratégia AIDPI. Diante desse fator, do total de profissionais que responderam aos questionamentos da pesquisa, 55 (54,5%) eram capacitados, enquanto 46 (45,5%) não possuíam a capacitação. Especificamente sobre os enfermeiros capacitados, verificou-se que nenhum profissional realizou capacitação para a estratégia AIDPI a menos de um ano. Do percentual válido (54,5%), 36,4% dos enfermeiros foram capacitados em um período entre cinco e oito anos, seguidos de 23,6%, que foram treinados entre um e quatro anos e 40% que realizaram a capacitação há mais de nove anos, dado este que coincide com o período de implantação da estratégia AIDPI pela Secretaria de Estado da Saúde, há aproximadamente 12 anos. Já dos 45,5% dos enfermeiros que afirmaram não possuir a capacitação da estratégia, 95,7% (n=44) deles acreditam que o conhecimento sobre a AIDPI ajudaria na rotina de atendimento às crianças, dado estatisticamente significativo (p < 0,05). Apenas 4,3% (n=2) divergem da importância da capacitação na sua rotina de trabalho, por afirmarem que a estratégia não mudaria a qualidade da assistência aos infantes, uma vez que a rede de atenção básica de Aracaju possui o profissional pediatra realizando atendimento à população diretamente nas unidades básicas de saúde. Ao comparar esse resultado com os dados do estudo realizado no município de Russas-CE, percebe-se a discordância, pois nesse local 88% dos enfermeiros e 100% dos médicos relataram que a implantação da estratégia AIDPI melhorou os indicadores de saúde da criança, reduzindo o número de internações por causas evitáveis, constatando-se, assim, sua eficiência e melhoria da qualidade da assistência aos menores de 5 anos.1 Em estudo realizado em Pernambuco, ressaltou-se a grande receptividade entre os profissionais de saúde para a estratégia AIDPI por atender às doenças mais prevalentes entre os infantes de forma rápida, além de responder às queixas mais frequentes das mães/ crianças, corroborando com nosso estudo, no qual foram evidenciadas a receptividade e a adesão dos profissionais do nível superior da atenção básica à estratégia, por esta oferecer maior segurança e qualidade durante o atendimento às crianças.11 No que se refere à utilização de instrumentos de assistência à saúde da criança (protocolo, literaturas), verificou-se, neste estudo, que 47,52% dos enfermeiros afirmaram que baseavam em diversas literaturas; 37,62% afirmaram que utilizavam somente o protocolo municipal; e 11,88%, o protocolo federal. Somente 1% afirmou que utiliza o instrumento da estratégia AIDPI durante a consulta à criança, sendo este um profissional capacitado para a estratégia. O restante dos profissionais (1,98%) optou pelo item “Nenhuma das respostas 484 anteriores”, afirmando que utilizava outro instrumento que não constava no questionário. Percebeu-se, durante a coleta e a análise dos dados deste estudo, a existência do predomínio e preferência para a utilização dos protocolos municipal e federal, dada a exigência do cumprimento de algumas ações pertencentes exclusivamente aos protocolos referidos. A reduzida utilização do manual da estratégia AIDPI pode ser atribuída à não adesão do município, estimulando a utilização dos protocolos municipal e federal. Com base nos dados referentes ao tempo de graduação, capacitação e utilização dos instrumentos, verificou-se, neste estudo, o perfil de conhecimento dos profissionais enfermeiros, fundamentado no manual da estratégia de Atenção Integral às Doenças Prevalentes da Infância. Levando em consideração os resultados obtidos, constatou-se que 13 das 14 questões referentes às doenças prevalentes na infância e metodologia da estratégia AIDPI, a maioria dos profissionais enfermeiros direcionou suas opiniões para as respostas incorretas. E ao comparar a média de acertos da amostra desta pesquisa, verificou-se que a maioria não atingiu a média de 70% de acerto proposto pelo estudo de Wassal,10 conforme demonstra a TAB. 2. Contudo, conforme preconizado pelo MS, o acompanhamento e a vigilância da saúde da criança devem ser realizados na atenção primária, por meio das atividades de promoção, de prevenção de doenças e da detecção precoce de problemas ou alterações na saúde infantil. Diante disso, torna-se importante afirmar que os profissionais de saúde devem possuir conhecimentos básicos sobre a saúde da infantil, para que possam fazer o seu acompanhamento de forma sistemática para todas as crianças sob sua responsabilidade, a fim de decidir se há um problema para ser investigado e qual tratamento adequado.12 Na TAB. 3, foi comparada a frequência de acertos e erros das respostas do grupo de enfermeiros capacitados e os não capacitados com posterior análise de cada item. Percebeu-se que não houve diferença significativa entre os grupos, pois o quantitativo de respostas corretas dos profissionais capacitados não foi superior ao quantitativo de respostas corretas ao dos não capacitados, exceto no tocante à questão referente à diarreia com desidratação, na qual o número de acertos foi superior ao número de erros. Esse dado condiz com a data da última capacitação realizada pela SES, há cerca de doze anos. Esse resultado demonstra a urgente necessidade de capacitar os enfermeiros para a estratégia AIDPI, mostrando, assim, um resultado de igualdade do conhecimento entre todos os profissionais, independentemente se foi capacitado ou não para atender a crianças até 5 anos segundo a AIDPI. Em estudo realizado com os agentes comunitários de saúde (ACS), Vidal et al.11 confirmam a importância da utilização da estratégia AIDPI, por possibilitar uma intervenção precoce e consequentemente contribuir remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 TABELA 2 – Total de acertos, erros e ausência de resposta no questionário dos enfermeiros da atenção básica no município de Aracaju-SE, no período de setembro a outubro de 2009 Total de Enfermeiros Acerto % Erro % SR** % Nível de Significância (p) Objetivo da estratégia 23 22,8 61 60,4 17 16,8 0,48 Público-alvo 57 56,5 37 36,6 7 6,9 0,43 Doenças prevalentes na infância 19 18,8 23 22,8 59 58,4 0,02* Sintomas questionados à mãe 44 43,5 53 52,5 4 4,0 0,22 Sinais gerais de perigo 30 29,7 59 58,4 12 11,9 0,11 Respiração rápida 6 5,9 76 75,3 19 18,8 0,41 Apneia neonatal 35 34,7 53 52,5 13 12,8 0,68 Casos para referência hospitalar 40 39,6 35 34,7 26 25,7 0,12 Icterícia patológica 51 50,5 47 46,5 3 3,0 0,37 Diarreia com desidratação 75 74,2 24 23,8 2 2,0 0,47 Falsas contra-indicações à vacinação 45 44,6 27 26,7 29 28,7 0,55 Falhas no crescimento e desenvolvimento 19 18,8 70 69,3 12 11,9 0,40 Extração e conservação do leite materno 36 35.6 60 59,4 5 5,0 0,56 Técnicas de aleitamento materno 43 42,6 56 55,4 2 2,0 0,43 Temas abordados pela AIDPI * Significância de p < 0,05; ** SR: Sem resposta; Fonte: Questionário AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE, 2009. para a redução da mortalidade infantil. Essa afirmação está explícita nos dados apresentados, em que 85% dos ACS utilizavam corretamente as ações recomendadas pela estratégia, sendo esse achado justificado por meio da realização de capacitações prévias, como também da aplicabilidade das ações da AIDPI na rotina de trabalho. Com relação ao questionamento sobre o objetivo da AIDPI, este identifica sinais clínicos que permitem avaliar e classificar a criança adequadamente, fazendo uma triagem rápida do tipo de atenção de que o infante necessita. Não é finalidade da AIDPI estabelecer um diagnóstico específico de determinadas doenças.4 Para 60,4% dos profissionais, esse seria o objetivo da estratégia, evidenciando nesse questionamento um número de acertos significativamente abaixo do esperado, tendo em vista que mais da metade são capacitados. Apenas 22,8% responderam corretamente e, desses, 25,5% eram do grupo de capacitados e 19,6% não possuíam capacitação. O restante dos profissionais optou por não responder à questão, alegando despreparo na estratégia. Não quiseram, dessa forma, interferir no resultado da pesquisa, assinalando, portanto, a opção nenhuma das respostas. Tratando-se das doenças relacionadas à mortalidade infantil, são cinco as causas principais de morte nas crianças até 5 anos: pneumonia, diarreia, desnutrição, sarampo e malária.4 Neste estudo, verificou-se que apenas 18,8% dos profissionais consideravam-nas como doenças prevalentes na infância. Desses, 27,3% eram capacitados e 8,7% não tinham treinamento, representando uma diferença relevante entre esses profissionais. Os 81,2% restantes de enfermeiros assinalaram uma das opções incorretas ou optaram não responder à questão. Observou-se que grande parte dos enfermeiros considerou que a malária não fazia parte da estratégia, pois o município de Aracaju não é uma área endêmica para esse tipo de doença, porém não atentaram que, apesar de o Estado de Sergipe não ser área de risco, tal quadro patológico é abordado no manual da AIDPI, evidenciando a necessidade de atualização do conhecimento em relação à estratégia. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 485 AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE TABELA 3 – Comparação da frequência de acertos e erros do questionário entre o grupo de enfermeiros capacitados e não capacitados para a estratégia AIDPI no município de Aracaju-SE, no período de setembro a outubro de 2009 Temas abordados pela AIDPI Enfermeiros capacitados Enfermeiros não capacitados Nível de Significância (p) Acerto % Erro % SR** % Acerto % Erro % SR** % Objetivo da estratégia 14 25,5 34 61,8 7 12,7 9 19,6 27 58,7 10 21,7 0,48 Público-alvo 33 60,0 20 36,4 2 3,6 24 52,2 17 36,9 5 10,9 0,43 Doenças prevalentes na infância 15 27,3 12 21,8 28 50,9 4 8,7 11 23,9 31 67,4 0,02* Sintomas questionados à mãe 27 49,1 27 49,1 1 1,8 17 36,9 26 56,6 3 6,5 0,22 Sinais gerais de perigo em crianças de 2 meses a 5 anos 20 36,4 28 50,9 7 12,7 10 21,7 31 67,4 5 10,9 0,11 Respiração rápida 2 3,6 48 87,3 9,1 9,1 4 8,7 28 60,9 14 30,4 0,41 Apneia neonatal 22 40,0 30 54,5 5,5 5,5 13 28,3 23 50,0 10 21,7 0,68 Casos para referência hospitalar 25 45,5 18 32,7 21,8 21,8 15 32,6 17 37,0 14 30,4 0,12 Icterícia patológica 25 45,5 28 50,9 2 3,6 26 56,6 19 41,3 1 2,1 0,37 Diarreia com desidratação 44 80,0 11 20,0 0 0,0 31 67,4 13 28,3 2 4,3 0,47 Falsas contraindicações à vacinação 26 47,3 12 21,8 17 30,9 19 41,3 15 32,6 12 26,1 0,55 Falhas no crescimento e desenvolvimento 12 21,8 41 74,6 2 3,6 7 15,2 29 63,1 10 21,7 0,40 Extração e conservação do leite materno 21 38,2 33 60,0 1 1,8 15 32,6 27 58,7 4 8,7 0,56 Técnicas de aleitamento materno 21 38,2 34 61,8 0 0,0 22 47,8 22 47,8 2 4,4 0,43 * Significância de p < 0,05; ** SR: Sem resposta; Fonte: Questionário AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE, 2009. Ao tratar dos principais sintomas questionados à mãe, 43,5% dos enfermeiros optaram pelos preconizados pela estratégia (tosse ou dificuldade para respirar, diarreia, febre e problemas de ouvido). E quando abordados sobre os sinais gerais de perigo em crianças de 2 meses a 5 anos, 29,7% dos profissionais acertaram ao selecionar os sinais padronizados pela AIDPI (convulsão, letargia, não consegue beber ou 486 mamar e vomita tudo o que ingere). Esses dados sugerem que muitos profissionais, independentemente de possuírem capacitação, podem ter confundido os sinais gerais de perigo com os sintomas questionados à mãe. Isso pode ser evidenciado pela porcentagem de erro, como também pela ausência de resposta em cada abordagem (57,5% e 69,3%, respectivamente). Intencionalmente, em ambas as questões houve remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 miscigenação entre os sinais e os sintomas, com o intuito de avaliar a segurança e a convicção do conhecimento prévio dos profissionais. Sabe-se que os sinais gerais de perigo integram a primeira parte da anamnese que o enfermeiro deve investigar na criança durante a consulta. Essa atenção deve-se ao fato de que crianças com um desses sinais deve ser encaminhada ao hospital imediatamente. Por outro lado, os sintomas interrogados à mãe estão intimamente ligados à classificação das doenças prevalentes na infância. Dessa forma, fica evidente a necessidade de investigá-los. É importante ressaltar que a abordagem de tais sinais e sintomas deve seguir o protocolo da metodologia da AIDPI, a fim de captar mais cedo uma criança que possivelmente esteja com uma ou mais dessas doenças.4,9,13 No quesito sobre o conhecimento quanto ao padrão respiratório (movimentos respiratórios por minuto) para classificação de respiração rápida, somente 5,9% dos enfermeiros selecionaram a opção padronizada pela estratégia, número bastante expressivo, levando em consideração ainda que, desses profissionais, 3,6% eram capacitados. Além do elevado percentual de erro (75,3%), constatou-se que 18,8% dos profissionais optaram por nenhuma das respostas. Deve-se considerar a utilização de outras literaturas que abordam sobre a respiração da criança e do recémnascido (RN). Esse dado pode ser verificado ao questionar sobre quais instrumentos os profissionais utilizavam durante a consulta a criança, constatando-se que 47,5% afirmaram que utilizavam diversas literaturas. Contudo, a sistemática dessa estratégia criou somente três categorias para respiração rápida do infante: para RN com menos de 2 meses considera-se rápida 60 ou mais respirações por minuto (rpm); para lactentes de 2 meses a menos de 12 meses, 50 ou mais rpm; e para crianças de 1 a menos de 5 anos, 40 ou mais rpm. Já outros autores estratificaram os valores das respirações para cinco faixas etárias e, em vez de rápida, eles optaram por lançar os valores da frequência respiratória normal para cada uma delas, a saber: em RN considera-se normal de 40 a 50 rpm; lactente de 30 a 40 rpm; 1 ano de 25 a 30 rpm; e pré-escolares, de 20 a 25 rpm.4,14 Entre as infecções respiratórias agudas, a pneumonia representa uma parcela importante na causa de mortes em crianças nos países em desenvolvimento. Estima-se que dos 5 milhões de óbitos que ocorrem em crianças abaixo de 5 anos, 70% destes são causados por pneumonia. As doenças respiratórias também geram gastos para o Sistema Único de Saúde (SUS), haja vista que aumentam a necessidade de internação por doenças respiratórias, sobrecarregando os leitos hospitalares de enfermarias e urgências, uma vez não tratadas e detectadas no estágio inicial da doença. Por se tratar de uma patologia corriqueira em menores de 5 anos, os profissionais enfermeiros devem deter o conhecimento sobre a rotina de atendimento a essa população e a importância de agilizar o atendimento.15 Na abordagem sobre a apneia anormal em prematuros e recém-nascidos, 50,5% afirmaram como anormal quando essa condição ultrapassa 10 segundos em crianças menores de 10 dias de vida ou em prematuros, indo ao encontro das literaturas pediátricas.2,4,14 Percebese, nesse quesito, a percepção errônea sobre o conceito de apneia por parte dos enfermeiros, uma vez que essa doença se manifesta em recém-nascidos menores de 15 dias de vida, principalmente em prematuros, dada a imaturidade e pouco desenvolvimento do sistema nervoso central. Dependendo da duração dessa condição, ela pode ser considerada normal ou anormal. A estratégia AIDPI a caracteriza como anormal quando o RN deixa de respirar por um período de tempo superior a 20 segundos, com diminuição da frequência cardíaca abaixo de 100 batimentos por minuto, acompanhado ou não de cianose.4 O conhecimento dos valores respiratórios na infância pode classificar a criança por meio dessa estratégia em quadros de pneumonia, não pneumonia ou ainda estágio de apneia anormal. Por isso, é de extrema importância que o enfermeiro realize triagens em menores de 5 anos, tendo em vista que essa faixa etária se encontra mais susceptível, em decorrência do sistema imunológico encontrar-se em desenvolvimento.10 O questionamento sobre a necessidade de encaminhar a criança urgentemente ao hospital, somente 39,6% dos profissionais seguem o que é relatado pela metodologia AIDPI. E, dos 101 enfermeiros, 50,5% estiveram de acordo com essa metodologia quando indicaram referenciar com urgência uma criança com icterícia visível até abaixo do umbigo nas primeiras 24 horas de vida ou clinicamente detectável. Esses resultados não apresentaram diferença relevante em relação à capacitação. O restante dos enfermeiros alegou não haver a necessidade de tal urgência, bastando que mãe ou o acompanhante exponha o RN aos raios solares quando o Sol estiver mais ameno, antes das 7 horas e depois das 16 horas. Contudo, há necessidade de referenciar, uma vez que essas condições caracterizam situações graves e somente o nível de maior complexidade oferta tratamentos adequados que não são solucionadas na atenção básica. Por sua vez, nos casos de infantes com quadro de diarreia e desidratação, 74,3% afirmaram que não havia a obrigatoriedade de referenciar essa criança, já que o tratamento para esse quadro pode ser realizado na própria unidade básica de saúde. Desse total, 80% do grupo de capacitados e 64,4% do grupo de profissionais não capacitados acertaram ao questionamento, não conferindo diferença significativa entre os dois grupos. O satisfatório número de acertos supracitados pode dever-se à grande demanda de crianças com problemas diarreicos nas unidades básicas de saúde, levando os profissionais a uma constante rotina de atendimento para esses casos. Em geral, a criança com diarreia e desidratação deve ser tratada na própria unidade com remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 487 AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE a terapia de reidratação oral no período de quatro horas e depois ser reavaliada para confirmar se houve melhora ou não do quadro, seguindo o esquema preconizado pela estratégia.2,4 Sabe-se que profissionais bem capacitados para a estratégia da AIDPI, além da utilização dessa metodologia durante sua rotina de trabalho, aumentando a utilização do soro de reidratação oral e cobertura vacinal, podem contribuir para a melhoria de indicadores de mortalidade infantil e para a redução das taxas de hospitalização.11 Em relação à vacinação, sabe-se que o MS listou situações caracterizadas como verdadeiras e falsas contraindicações. Doençasbenignascomuns,taiscomoasafecçõesrecorrentes das vias respiratórias superiores, com tosse ou coriza, diarreia leve ou moderada, doenças de pele, desnutrição, síndrome convulsiva controlada ou antecedentes de convulsão, tratamento com corticosteroides em doses não elevadas durante um período de tempo inferior a duas semanas, alergias, prematuridade ou baixo peso (exceto se a criança tiver menos que 2.000 gramas) e internação hospitalar são alguns dos fatores que não constituem contraindicações à vacinação.4 Quando questionados sobre a vacinação, constatou-se que 44,6% dos profissionais seguem as orientações contidas no protocolo do MS, não sendo de elevada significância a diferença entre o número de acertos entre os profissionais qualificados e não qualificados pela estratégia, como se observa na TAB. 3. Contudo, 28,7% optaram por nenhuma das respostas presentes na questão por julgar que todos os itens constituem contraindicação para vacinar qualquer criança. Na verificação do padrão de crescimento e desenvolvimento infantil, os enfermeiros foram interrogados em como proceder diante de uma criança com um ou mais atrasos do desenvolvimento. Durante a análise, verificou-se um número abaixo do esperado para tal questionamento. Esse dado contraria a expectativa de acerto, pois o conhecimento prévio que esses profissionais deveriam possuir sobre as ações pertinentes nos casos de déficits no crescimento e desenvolvimento estão listados nos protocolos preconizadas pelo MS e são repassados durante a graduação em enfermagem. Ou seja, independentemente de ser capacitado ou não para a estratégia AIDPI, o profissional enfermeiro deve saber lidar com situações relacionadas ao crescimento e ao desenvolvimento da criança. Com base nos resultados sobre o crescimento e o desenvolvimento, 21,8% do total de enfermeiros capacitados e 15,2% dos não capacitados foram corretos ao responder à questão. No total, apenas 17,8% assinalaram que se deve verificar a situação ambiental da criança e sua relação com a mãe, orientar a genitora sobre a necessidade de estimular seus filho e marcar uma consulta de retorno para 30 dias, o que está de acordo com o manual da AIDPI. Entretanto, 35,6% profissionais atentaram para a necessidade de antecipar a consulta seguinte, conduta não recomendada pela estratégia, tampouco pelo protocolo do MS. 488 Em estudo realizado em uma creche de Ipatinga, Minas Gerais, avaliou-se o desenvolvimento de crianças até 24 meses, matriculadas nessa creche, por meio dos marcos do desenvolvimento infantil propostos pela AIDPI. Os resultados encontrados demonstraram que a ficha de acompanhamento do desenvolvimento proposta pelo Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil constituiu-se um instrumento de triagem de fácil aplicação, de baixo custo operacional e capaz de realizar a detecção precoce dos atrasos.12 Dessa forma, percebe-se que a utilização da estratégia AIDPI para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil é de suma importância, já que esse instrumento fornece resultados eficazes e engloba vários aspectos importantes, como: identificar os fatores de risco para o atraso no desenvolvimento; verificar as medidas do perímetro cefálico; e avaliar o desenvolvimento motor grosso, motor fino, linguagem e interação pessoal. Além disso, ele fornece, prontamente, resultados capazes de determinar se a criança está se desenvolvendo como o esperado para sua idade cronológica.12 Assim, evidencia-se que a avaliação do crescimento e do desenvolvimento preconizado pela estratégia AIDPI deve fazer parte das ações do enfermeiro na consulta de puericultura como um instrumento de triagem eficaz e eficiente para a detecção precoce de atrasos no desenvolvimento infantil.12 Procurou-se enfatizar, ainda, a conservação do leite materno (LM) e os sinais de uma boa pega durante a amamentação (queixo tocando o seio, boca bem aberta, lábio inferior voltado para fora e aréola mais visível acima da boca). As técnicas de acondicionamento e manuseio adequados com o LM devem ser rigorosamente seguidas, para evitar problemas que agravem a saúde do lactente. Os frascos de vidro esterilizados, por exemplo, devem ser a primeira escolha do recipiente para guardá-lo, porque os demais recipientes possuem materiais que interferem na sua composição. Além disso, o tempo de conservação não pode ultrapassar 2 horas em temperatura ambiente ou 12 horas na geladeira.4,16 Baseando-se nas informações supracitadas, verificou-se que 59,4% responderam o oposto do que é orientado para armazenar o LM, como também com relação aos sinais de boa pega, dos quais 57,4% dos enfermeiros assinalaram a resposta incorreta ou não responderam ao questionamento. É importante ressaltar que desses resultados não foram observadas grandes diferenças em relação à proporção de erros e acertos, comparada com a qualificação ou não dos enfermeiros quanto à estratégia AIDPI. Os resultados obtidos nesta pesquisa foram de extrema relevânciaparaafirmaranecessidadedenovascapacitações voltadas para a saúde da criança, uma vez que um atraso na identificaçãodeinfantesgravementedoentespodeafetara probabilidade de sobrevivência.Vale ressaltar que durante a pesquisa foi observada a necessidade de capacitações não somente a estratégia da AIDPI, mas também de atualizar os profissionais sobre as ações preconizadas pelos protocolos federal e municipal. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 Essa realidade pode estar intimamente relacionada com a infraestrutura e com os recursos humanos do município em questão, por trazer em seu corpo clínico na unidade básica de saúde a presença de pediatras, pois, assim, alguns profissionais não exercem rotineiramente ações específicas para essa população, restando a prática dessa atividade preferencialmente ao pediatra. Entretanto, o protocolo federal e a estratégia AIDPI apresentam ações específicas dos enfermeiros para assistir criança até 5 anos, não devendo excluir a necessidade de uma consulta de enfermagem, uma vez que o olhar do enfermeiro, somado ao do pediatra e de outros profissionais que compõem a Estratégia Saúde da Família, garante um atendimento integral e equânime, de forma interdiscipliplinar e multiprofissional, preceitos que fazem parte dos princípios e diretrizes do SUS. Faz parte das ações de assistência de enfermagem atender a crianças, em especial as menores de 5 anos, por contemplar ações sistematizadas específicas por meio do processo de enfermagem, possibilitando identificar os problemas de saúde que atingem essa população, além de determinar quais aspectos exigem intervenção do profissional enfermeiro.17 A incorporação do processo de enfermagem funciona como uma ação holística e inter-relacionada e, ao ser combinado com as metodologias abordadas pela estratégia AIDPI, pode garantir um atendimento integral e direcionado às necessidade da criança, diminuindo a probabilidade de morte. Essa característica é de suma importância quando se trata de casos em que a criança necessita de atendimento rápido e conduta adequada que aparecem na unidade básica, não agendados, e com o acolhimento embasado na metodologia da AIDPI pode-se contribuir para a resolubilidade da assistência à criança.17,18 Essa concepção pode ser confirmada em estudos anteriores,1,5,6,11-13,18,19 nos quais a melhoria na atenção à saúde da criança ocorreu dada a presença de pessoal treinado para a estratégia, especialmente com relação à nutrição, ganho de peso, conhecimento da saúde infantil e o tratamento correto. Para tanto, a prática é necessária. No caso de locais onde a estratégia AIDPI ainda não foi introduzida, estes devem ser incentivados a adotá-la como atividade de rotina nas consultas, por proporcionar agilidade e sistematização do atendimento. Portanto, as políticas de saúde, ao se apoiarem em conhecimentos científicos, por exemplo, baseados na AIDPI, proporcionam a adoção de providências eficientes na assistência à saúde da criança no Brasil.10,19 Nesse contexto, a AIDPI tem como tarefa essencial a implementação de intervenções adequadas que contribuam para a prevenção de doenças, para sua detecção precoce e tratamento eficaz, bem como para a promoção da saúde integral da população infantil. Ao implantá-la no município, os gestores estarão assumindo um compromisso ético em trabalhar pela sobrevivência infantil e a favor da infância saudável.12 CONSIDERAÇÕES FINAIS A implantação da estratégia AIDPI, política de saúde prioritária do MS desde 1997, veio para beneficiar a forma de atendimento à criança no âmbito da atenção primária. Essa estratégia tem como objetivo reduzir a mortalidade infantil por meio da melhoria da qualidade do atendimento prestado às crianças.12 Dessa forma, os profissionais capacitados para essa estratégia estão aptos a assistir à população infantil por meio de uma anamnese holística, evitando a fragmentação da assistência, favorecendo melhor identificação de alterações patológicas e maior controle de um crescimento e desenvolvimento saudáveis. Contrariando as normas do MS, que preconizam a implantação da AIDPI nos municípios brasileiros, os profissionais da atenção básica do município de Aracaju não utilizam as normas da estratégia para atender as crianças menores de 5 anos. Contudo, deveria ser imperativo normatizar a assistência baseada na metodologia da AIDPI nesse município do Nordeste brasileiro, região que apresenta os piores indicadores socioeconômicos e de saúde entre sua população infantil.12 Portanto, os resultados desta investigação sugerem a necessidade de aprimoramento e capacitação dos enfermeiros da atenção básica, evidenciando-se uma redução significativa da frequência de acertos na maioria das questões referentes à metodologia da AIDPI. Quando comparado o total de acertos dos enfermeiros capacitados com os não capacitados pela estratégia, não houve diferença significativa (p > 0,05). Os questionamentos com menor percentual de acertos por parte dos enfermeiros foram os referentes ao objetivo da estratégia AIDPI, as doenças prevalentes na infância, respiração rápida e falhas no crescimento e no desenvolvimento da criança. Ressalte-se, ainda, que grande parte dos enfermeiros foi treinada para essa estratégia há mais de nove anos e o longo período de tempo pode ter sido decisivo no resultado insatisfatório da pesquisa. Esse período coincide com a data da última capacitação promovida pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) desse município, que não oferta mais as capacitações referentes à AIDPI para os profissionais, restando ao enfermeiro adquirir conhecimentos para essa estratégia por meio de instituições privadas. A única instituição pública que oferta gratuitamente o curso para a estratégia AIDPI é a Universidade Federal de Sergipe, porém esse curso somente é realizado para os acadêmicos de enfermagem no final do curso de graduação. Dessa forma, a sensibilidade desses profissionais diante de algumas condições de saúde na criança menor de 5 anos encontra-se deficiente, até mesmo em situações corriqueiras – por exemplo, em relação ao acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento infantil e ao estado vacinal da criança. Essas condições são abordadas tanto no Manual de Normas de Vacinação do Ministério da Saúde como nos protocolos de Atenção à Saúde da Criança em níveis nacional e municipal, não remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 489 AIDPI: Conhecimento dos enfermeiros da atenção básica do município de Aracaju-SE constituindo justificativa para o déficit no conhecimento desses profissionais quanto ao manejo e às condutas para os problemas prevalentes na infância. Esse quadro resulta em um processo de classificação ou estratificação de risco infantil ineficaz nas unidades básicas e, consequentemente, favorece a superlotação nas urgências hospitalares, muitas vezes desnecessárias, pois a maioria dos casos encontrados nos setores de urgência pode ser resolvida na atenção básica. É relevante afirmar, também, que casos que necessitam de referência urgente, algumas vezes, perdem em prioridade para casos mais simples. Ratifica-se, então, que as capacitações profissionais voltadas para a estratégia AIDPI ou associadas a outros protocolos que abordam a saúde infantil são relevantes para a qualidade de atendimento às crianças e melhoria dos indicadores de saúde infantil no município de Aracaju. Por outro lado, os resultados apresentados demonstram que apenas a capacitação não é suficiente para um bom conhecimento em relação à estratégia. É necessária uma prática constante na rotina de atendimento para que melhores resultados sejam obtidos em relação ao perfil de conhecimento desses enfermeiros. REFERÊNCIAS 1. Rocha LMB. Avaliação do processo de implantação da estratégia da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) no Programa de Saúde da Família, no município de Russas-CE – 2000 – 2004. Fortaleza (CE): Universidade Estadual do Ceará; 2007. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Brasília: Ministério da saúde; 2002. 3. Cesar JA, Mendonça-Sassi R, Horta BL, et al. Indicadores básicos de saúde infantil em área urbana no extremo sul do Brasil: estimando prevalências e avaliando diferenciais. J Pediatr. 2006; 82(6): 437-44. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. AIDPI para o ensino: manual para graduação médica. Brasil: Ministério da Saúde; 2003. 5. 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The effect of training in Integrated Management of Childhood Illness (IMCI) on the performance and healthcare quality of pediatric healthcare workers: a systematic review. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2008; 8(2): 151-62. Data de submissão: 16/12/2010 Data de aprovação: 30/7/2011 490 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 481-490, out./dez., 2011 A VIVÊNCIA DOS PAIS DE UMA CRIANÇA COM MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS* THE EXISTENCE OF THE PARENTS OF A CHILD WITH CONGENITAL MALFORMATION LA VIVENCIA DE LOS PADRES DE UN NIÑO CON MALA FORMACIONES CONGÉNITAS Shirley Ribeiro dos Santos1 Iêda Maria Ávila Vargas Dias2 Anna Maria de Oliveira Salimena3 Vânia Maria Freitas Bara4 RESUMO O confronto entre o filho imaginário e o filho real assume várias dimensões diante de um diagnóstico de malformação congênita e tende a repercutir intensamente no âmbito familiar. Por isso, os profissionais de saúde devem interagir de forma adequada, visando à detecção de problemas e à intervenção precoce o que se torna indispensável à reflexão sobre a vivência dos pais de uma criança malformada, objeto de estudo desta investigação, que teve como objetivos conhecer a vivência dos pais referente o nascimento de uma criança portadora de malformação congênita e identificar os processos emocionais desencadeados nos pais após o diagnóstico de malformação congênita. Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada na Unidade deTratamento Intensivo Neonatal de um hospital filantrópico de Juiz de Fora, sendo os sujeitos do estudo oito pais de crianças nascidas com malformação congênita, internados na referida unidade nos meses de setembro a novembro de 2008. Os relatos mostraram que é grande o impacto emocional da notícia de malformação congênita, o que desencadeia reações diversas nos pais, configurando-se como uma vivência marcante para todos os membros da família. Por fim, o estudo mostrou-se elucidativo, apontando a necessidade de os profissionais de saúde estarem capacitados para intervir adequadamente nos casos de malformação congênita, bem como a necessidade de pesquisas de enfermagem sobre este tema, a fim de instrumentalizar o enfermeiro para o cuidado e ampliar o corpo de conhecimento da área de enfermagem. Palavras-chave: Crianças com Deficiências; Enfermagem; Família. ABASTRACT The conflict between the imagined child and the real one assumes several dimensions in the face of a congenital malformation diagnosis and tends to reflect upon the family as a whole. Health professionals must interact appropriately in order to detect problems and provide early intervention. Therefore it is absolutely essential to consider the experience of the parents of a child with congenital malformation. This study aims to acknowledge the parents’ experience regarding the birth of a child with congenital malformation, and to identify their feelings after the congenital malformation diagnosis.This is a qualitative research performed in an Antenatal Intensive Care Unit of a philanthropic hospital in the city of Juiz de Fora.The study subjects were eight parents of children with congenital malformation hospitalized in that unit between September and November 2008.The report describes the huge impact generated by the congenital malformation diagnosis and the emotional reactions on parents and other family members. This study was instructive in pointing to which extend health professionals need to be prepared to act properly in cases of congenital malformation. It highlighted as well the need for further nursing research in order to better prepare nurses for the caring of a malformed child as well as expand the nursing body of knowledge. Key words: Congenital Malformation; Nursing; Family. RESUMEN El conflicto entre el hijo imaginario y el hijo real asume varias dimensiones ante el diagnóstico de malformación congénita y tiende a repercutir intensamente en el ámbito familiar. Los profesionales de salud deben interactuar correctamente buscando la detección de problemas y la intervención precoz. Por ello es indispensable considerar la experiencia de los padres de niños con malformación congénita. El objeto del presente estudio fue conocer la experiencia de dichos padres referente al nacimiento del niño portador de malformación congénita e identificar sus emociones después de tal diagnóstico. Se trata de una investigación cualitativa realizada en la Unidad de Tratamiento Intensivo Neonatal de un hospital filantrópico de la ciudad de Juiz de Fora. Los sujetos del estudio fueron ocho padres de niños nacidos con malformación congénita, internados en la referida unidad entre los meses de setiembre y noviembre de 2008. Los relatos mostraron que, ante la noticia de malformación congénita, hay un fuerte impacto emocional que desencadena distintas reacciones en los padres y en los demás miembros de la familia. El estudio se mostró instructivo y apunta para la necesidad de capacitación de los profesionales de salud con miras a intervenir adecuadamente en los casos de malformación congénita. Señala, además, la necesidad de realizar más estudios de enfermería sobre este tema para que los enfermeros estén aptos a cuidar a estos niños y, asimismo, ampliar su conocimiento. Palabras clave: Malformación Congénita; Enfermería; Familia. * Pesquisa. Recorte do relatório da monografia apresentada final do Curso de Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG (FACENF/UFJF), 2009. 1 Enfermeira. Graduada pela FACENF/UFJF. 2 Doutora em Enfermagem. Orientadora da Pesquisa. Professora do Departamento Enfermagem Materno-Infantil da FACENF/UFJF-MG. 3 Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento Enfermagem Aplicada da FACENF/UFJF. 4 Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento Enfermagem Aplicada da FACENF/UFJF. Endereço para correspondência – Rua Paulino de Sousa Ramos, 74, Alto da Brisa – Bicas/ MG – CEP: 3660-000. E-mail: [email protected] remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 491 A vivência dos pais de uma criança com malformações congênitas INTRODUÇÃO O desenvolvimento embrionário normal compreende uma série de processos que ocorrem de forma ordenada, de modo a permitir que o indivíduo nasça com aspectos idênticos aos dos seus semelhantes. No entanto, durante a embriogênese normal, podem ocorrer modificações de maior ou menor gravidade, que fazem com que o recém-nascido apresente diferenças em relação aos demais indivíduos de sua espécie. As irregularidades no desenvolvimento são muito heterogêneas, abrangendo desde alterações em nível molecular e celular até a formação defeituosa e, mesmo, a não formação de um ou mais órgãos.1 As malformações congênitas constituem alterações de estrutura, função ou metabolismo presente ao nascer que resultam em anomalias físicas ou mentais, podendo ou não ser simples ou múltiplas, de maior ou menor importância clínica.2 Elas podem ser classificadas em: maior, quando estas têm como consequências graves deformidades anatômicas, estéticos ou funcionais, que podem levar à morte; e menores, quando não há relevância cirúrgica e estética, podendo ser única, múltiplas e associadas às malformações maiores.3 O interesse em pesquisar este tema surgiu da disciplina de Saúde da Criança, oferecida no 5º período do Curso de Graduação em Enfermagem. As malformações congênitas constituíram um dos conteúdos programáticos dessa disciplina que possibilitou a confecção de um seminário sobre o tema, cuja apresentação culminou na elaboração de um artigo científico. Nesse ínterim, foi possível perceber que as malformações congênitas são pouco discutidas no meio acadêmico e nos estabelecimentos de saúde, embora atualmente representem um problema de saúde pública, dado o aumento nos índices de nascimentos de crianças malformadas. Ainda que tenha declinado o número de óbitos em razão de fatores diversos no primeiro ano de vida, esse fato não se verifica com aqueles relacionados aos defeitos congênitos, hoje a segunda causa de mortalidade infantil no país. Embora venha ocorrendo a queda na taxa de mortalidade infantil, as malformações congênitas passaram a ganhar maior visibilidade. 4 No Brasil, durante a década de 1980, as causas perinatais eram as principais responsáveis pela mortalidade infantil, correspondendo a 38% dos óbitos de menores de um ano. Nesse mesmo período, as malformações ocupavam a quinta (última) posição entre as principais causas, o que correspondia a 5% do total. As causas perinatais permaneceram em primeiro lugar, porém as malformações congênitas passaram a ocupar o segundo lugar, respondendo, atualmente, por 13% dos óbitos de menores de 1 ano.4 Além da mortalidade, as malformações congênitas são responsáveis por alto índice de morbidade, definida como risco para o desenvolvimento de complicações clínicas, incluindo o número de internações e a gravidade de intercorrência. Assim, as malformações congênitas assumem importante papel no quadro de 492 morbimortalidade no contexto atual,4 além de causarem grande impacto na vida e na saúde do portador e de sua família, dada a cronicidade dessa patologia. Assim, as malformações congênitas desencadeiam, além de problemas médicos, psicológicos e econômicos, desestruturação familiar, em decorrência do trauma psicológico e da dificuldade de adaptação à nova realidade.5 Nesses casos, a família pode passar por um processo de luto, equivalente ao luto por morte. Tal situação requer uma adaptação à nova realidade, sendo esse processo longo e gerador de crises, desgaste emocional e conflitos familiares.6 O nascimento de um filho é um momento único e faz parte do ciclo de vida de uma família e, em muitos casos, representa a realização social, o símbolo da masculinidade do pai e a realização emocional da mãe. Durante o período gestacional, embora haja certo medo e ansiedade, o casal fantasia, faz planos, imagina como será o filho.7 O nascimento de uma criança portadora de malformação congênita é uma situação em que há o confronto entre o filho imaginado e o real. Portanto, o processo de adaptação é individual e significa um desafio para os profissionais da área de saúde, que terão de lidar não somente com a criança, mas também com sua família. Para isso, é indispensável que conheçam os processos emocionais e adaptativos das famílias que vivenciam a chegada de uma criança malformada. Com base nessa problematização, surgiu a seguinte questão norteadora: Como se configura a vivência do familiar de uma criança que nasce com malformação congênita? Para responder a essa questão, foram traçados os seguintes objetivos: • conhecer a vivência dos pais de uma criança portadora de malformação congênita e • identificar os processos emocionais desencadeados nos pais após o diagnóstico de malformação congênita, buscando compreender o processo de adaptação. A relevância do estudo encontra-se na necessidade de a equipe de saúde estar preparada para atuar no cuidado da criança malformada e seus familiares. Isso porque os profissionais, em grande parte, não estão preparados técnica e emocionalmente para lidar com o nascimento de uma criança malformada, uma vez que se sentem ansiosos, desconfortáveis e impotentes diante da incumbência de comunicar aos pais a notícia de malformação. Por isso é fundamental que os profissionais envolvidos nessa nova realidade da família conheçam todo o processo pelos quais os pais passam, a fim de melhor assisti-los.7 Além disso, é necessário que os profissionais promovam um ambiente favorável no qual a mãe possa demonstrar seus medos e anseios e também um ambiente acolhedor que permita o bemestar tanto da mãe quanto do filho.8 Considerando que o cuidado da criança malformada e sua família só serão alcançados mediante o respeito e a responsabilidade conquistados por meio de práticas de avaliações e intervenções familiares confiáveis, de remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 ações terapêuticas e de relações interpessoais afetivas,5 pressupõe-se que, conhecendo a vivência dos pais quanto ao nascimento de uma criança portadora de malformação congênita, objeto de estudo desta investigação, obtenha-se subsídios para a implantação de ações que promovam a atenção ao núcleo familiar da criança malformada. Espera-se, com este estudo, ampliar o conhecimento da equipe de saúde sobre os mecanismos de adaptação das famílias à notícia de um filho malformado, visando à intervenção precoce e à detecção de problemas, para que a equipe possa atuar como orientadora da família e também suscitar a discussão sobre o tema nos meios acadêmico e profissional, pois este é um assunto difícil e pouco debatido, mas que está presente no cotidiano hospitalar e merece atenção e conhecimento. PERCURSO METODOLÓGICO Na busca para alcançar os objetivos propostos, foi realizada uma investigação de natureza descritiva, cuja finalidades foram observar, descrever e documentar os aspectos de uma situação. Considerando a forma interpretativa com que se tratou o objeto de estudo, escolheu-se a abordagem metodológica qualitativa, que se baseia na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como ela é vivida e definida por seus próprios atores.9 Nesse sentido, a pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalizações de variáveis.10 O cenário da pesquisa foi o Centro de Tratamento Intensivo Infantil (CTII) de um hospital filantrópico de Juiz de Fora, que oferece atendimento particular, conveniado e público pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A escolha dessa instituição justifica-se pelo seu apoio e incentivo ao desenvolvimento científico e por ser considerada de referência para o atendimento de gestações de alto risco. Os critérios de elegibilidade dos indivíduos para esta investigação foram: ter mais de 18 anos, ser pai ou mãe de criança com malformação congênita que estivesse em tratamento na referida unidade da instituição e aceitar de forma voluntária participar do estudo. A coleta de dados se deu por meio da entrevista aberta, tendo a seguinte questão norteadora: “O que é para você ter um filho com malformação congênita? As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos pais em sala reservada da própria unidade de tratamento intensivo infantil. O número de participantes foi estipulado pelo ponto de saturação, ou seja, o número de sujeitos foi considerado suficiente quando o pesquisador não assimilou mais nada de novo no que se refere ao objeto de estudo. Dessa forma, obteve-se um total de oito participantes, sendo sete mães e um pai, que, após serem previamente informados sobre a pesquisa e conhecerem os objetivos desta, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e prestaram depoimentos abordando o tema de forma livre, com o mínimo de interferência, pelo tempo que acharam conveniente. Os sujeitos entrevistados foram identificados com a letra “E”, acompanhada pelo índice numérico 1 a 8, exemplo “E1, E2, E3” para padronizar, demonstrando as ordens das entrevistas e preservando a identidade dos sujeitos. Os depoimentos foram gravados em fitas magnéticas com aquiescência dos depoentes e garantia de sigilo e anonimato, respeitando as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, previstas na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.11 Ressalte-se que o estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital campo de estudo, por meio do Protocolo nº 0051/2008. A análise dos dados teve início após o término da coleta de dados. Os dados coletados foram transcritos em sua totalidade, respeitando todas as falas, expressões e pensamentos dos sujeitos, para assim compreenderlhes a vivência. Após as transcrições, foi realizada a análise dos depoimentos. Com o intuito de atingir os significados latentes, foram feitas repetidas e atenciosas leituras de cada depoimento, destacando-se as falas mais significativas. Para isso, foi utilizada a técnica da Análise Temática, que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação. Em seguida, os dados foram revisados quanto ao conteúdo, separados por semelhanças e diferenças em núcleos de sentidos e iniciado o processo de codificação.10 Dessa forma, depois de ressaltados os trechos relacionados aos objetivos da pesquisa, pôde-se agrupá-los em unidade de significado, formando, assim, categorias, pelas suas semelhanças de expressões e pensamentos. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise dos depoimentos permitiu a construção de duas categorias analíticas, a saber: Enfrentamento do diagnóstico da anormalidade, que aborda a percepção dos pais perante as primeiras informações sobre a deficiência do filho; e sentimentos vivenciados pelos pais adiante da malformação, que trata da percepção dos pais diante do nascimento de uma criança portadora de malformação congênita. Enfrentamento do diagnóstico da anormalidade Toda experiência nova interfere na vida de uma pessoa, desperta sentimentos e reações variadas que podem causar mudanças nos hábitos e costumes, enfim, no seu estilo de vida. Diante dessa situação, surge a reflexão de como a notícia da malformação congênita pode afetar remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 493 A vivência dos pais de uma criança com malformações congênitas a família que esperou durante nove meses por um filho perfeito. da doença, não explicou o que era, como se pegava, nada.... (E3) No simples desejo de engravidar, inicia um processo de formação de laços afetivos entre pais e filhos. Ao longo da gestação, essa vinculação se concretiza, o afeto se solidifica e, finalmente, no nascimento, se fortalece. O nascimento de um filho enseja nos pais expectativas, sendo a principal delas o sonho de uma criança“perfeita”. Essa esperança se desvanece diante do nascimento de um filho malformado, principalmente se a malformação for visível.12 Eu fiquei sem saber de nada, hoje eu sei o nome da doença; ele tem problema de coração, mais ainda quero saber o que é síndrome. (E3) Na primeira vez que vi minha filha, fiquei muito assustada; a cabecinha dela era enorme, hoje eu até peço perdão a DEUS, mas eu cheguei a ficar com medo dela... (E8) Eu acho que o físico é muito pior, a gente fica olhando a criança... Dá dó que só..., mas a gente não pode chorar, tem que ser forte porque a gente tem que dá ajuda para os filhos da gente. (E2) Fica evidente que, embora, as informações transmitidas sejam reais, informar de forma destrutiva, ressaltando somente os aspectos negativos do quadro, pode desencadear nos pais expectativa errônea sobre o desenvolvimento da criança. Essa percepção pode dificultar não somente o processo de aceitação, como também o estabelecimento das relações afetivas, exacerbando o sentimento de rejeição. O momento em que a notícia é dada tem sido alvo de discussões na literatura.15 A notícia sobre a malformação do filho, apresentada em momento inadequado, pode desencadear e fortalecer sentimentos de revolta e de raiva como nesses depoimentos: Ressalte-se que durante a gestação, em momento algum, os pais acreditam que seu filho possa nascer com alguma malformação, por mais que manifestem preocupações relativas à constituição do filho.13 As reações dos pais ao serem informados que o filho esperado e idealizado poderá não se desenvolver normalmente, por apresentar algum tipo de deficiência, são variadas e dependem de muitos fatores – por exemplo, o modo como o diagnóstico é dado. Nem me lembro muito bem, porque foi horrível; quando ele falou, fiquei chocada. Telefonei para meu esposo pedindo para ele vir direto para cá; quando eu contei, ele não acreditou em mim. (E1) Os depoentes referiram que os profissionais de saúde não foram claros ao explicar a situação da criança, muitas vezes, incumbindo a terceiros a responsabilidade de comunicar a doenças aos pais. Essa forma de agir pode retardar o início do entendimento e, principalmente, a reestruturação familiar. Os profissionais não estão preparados para atuar diante desse tipo de situação, pois a maioria desconhece os processos emocionais desencadeados nos pais.14 Assim, a falta de habilidade dos profissionais ficou evidenciada: Nesse sentido, os depoimentos reforçaram que a forma como a notícia da malformação é transmitida aos pais é diversificada, podendo desencadear reações diversas e comprometer as ações necessárias para seu bom desencadeamento. Portanto, torna-se importante que os profissionais de saúde, ao informarem o diagnóstico, o transmitam de maneira adequada, com informações claras e objetivas, utilizando linguagem acessível que propicie aos pais condições de discutir suas dúvidas. As médicas não falam nada do que ele tem, só que ele está bem, mas eu vejo que não está, porque eu venho aqui todo o dia e não percebo isto. (E1) Depois do parto, veio uma médica e falou que minha filhatinhahidrocefalia...Nahoraeuespanteiporquenem sabia o que era isso, mas depois me explicaram. (E8) O uso da linguagem inadequada, com palavras que não são do uso habitual do vocabulário dos pais, e o uso de terminologias científicas são fatores que dificultam a compreensão exata das informações. Na maioria das vezes, o entendimento errôneo das informações faz com que os pais criem expectativas que não vão se confirmar, gerando, assim, ansiedade e angústia, dificultando ainda mais a compreensão das informações, como se percebe neste depoimento: Ele falou de qualquer jeito, sem se importar muito; só falou que a criança tinha síndrome, não disse o nome 494 Chorei o tempo todo... Não esperava por isso; minha mãe tentou me acalmar, mais na época eu não queria aceitar que meu neném tinha problemas; ninguém espera isso. (E6) O profissional enfermeiro é o membro da equipe de saúde mais presente no cenário do cuidar, por isso, tornase relevante que esteja preparado para interagir com a família da criança malformada. Deve estar disposto a priorizar a comunicação efetiva, estabelecer o diálogo entre os profissionais e a família, compartilhar com os pais atenção, escuta, empatia e respeito; oferecê-los as devidas orientações; compreender o relacionamento pais-filhos, solidificando os laços entre estes. Caso isso não ocorra, os pais tendem ao isolamento completo, o que compromete de forma impactante todo o processo de cuidar.16 Sentimentos vivenciados pelos pais adiante da malformação Quando a mulher descobre que está grávida, várias mudanças em seu corpo tornam-se perceptíveis. Ela passa a se olhar de maneira diferente, e aí começam a se desenvolver os laços afetivos entre mãe e filho, que se intensificam durante toda a gestação. Por um longo remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 período, o ser que se desenvolve em seu ventre fará parte do seu corpo e, quando os movimentos fetais passam a ser sentidos, o vínculo vai se fortalecendo, pois a mãe sente a presença da vida dentro de si.17 Depois que a gente fica sabendo do problema, no primeiro momento a gente acha que o filho não é nosso, que tem alguma coisa errada... mas depois a gente percebe que é nosso filho. (E7) Cada mulher se relaciona com seu futuro bebê de acordo com sua história de vida. Durante a gestação, tanto a mulher quanto o homem passam por um emaranhado de sentimentos, muitas vezes contraditórios, quase sempre predominando a ansiedade e o medo sobre o resultado final da gestação.18 Nesse período, os temores dos pais são aqueles relacionados às fantasias – por exemplo, o medo de não saber como cuidar do bebê e um temor universal de ter um filho com alguma deficiência física evidente.19 Eu tive muitos problemas depois que o médico falou do problema dele. Meu marido não aceitava que o filho era dele e me culpou por isso, mas o médico falou com ele e agora tá tudo bem. (E1) Nesse sentido, quando algo de inesperado acontece e o bebê tão esperado nasce com alguma malformação congênita, ocorre uma ruptura súbita entre o idealizado e a realidade, conforme fica evidenciado nas falas abaixo: Eu já até tinha ouvido falar que algumas criança nascem doentes, mas nunca imaginei que pudesse acontecer comigo; a gente nunca espera. (E8) Eu nunca ia imaginar isso; eu fiz todos os exames e não deu nada naquele exame, ultrassom. Pra mim, estava tudo bem, tudo certo, depois, quando o médico falou da doença dele, foi um susto. (E3) O sentimento de perda do filho imaginado e idealizado é inevitável. O bebê sonhado não existe, a criança perfeita que esperavam não veio, e em seu lugar terão de aceitar algo fora de suas expectativas e sonhos.20 Então, os pais reagem à ideia da deficiência de maneira individual e passam por etapas diferenciadas diante do diagnóstico de uma doença grave até chegarem à fase de adaptação, como: choque, negação, tristeza e raiva, equilíbrio e reorganização. A reação inicial mais comum é o choque, principalmente quando o diagnóstico é comunicado de forma abrupta ou prematuramente,21 como evidenciado nos seguintes depoimentos: Foi muito ruim. Às vezes nem gosto de lembrar, foi minha mãe que me disse que ela tinha problema... Meu marido me deu força, mais é um choque, a gente nunca imagina isso. (E4) Foi um susto tão grande, só Deus mesmo para dá força... Chorei muito quando soube; é nosso primeiro filho, tenho até medo de tentar outro filho e ter que passar por tudo isso de novo. (E5) O choque é definido como uma interrupção abrupta, uma quebra de equilíbrio. Esse período é, muitas vezes, acompanhado de choro, de condutas irracionais, sentimentos de desamparo. Os pais se sentem sozinhos, desapontados, como se ruísse o mundo que construíram. Passada a reação inicial, marcada predominantemente pela reação de choque, os pais vivenciam os mais variados sentimentos, sendo a negação a segunda fase do processo de adaptação, como evidenciado a seguir: A negação é um processo de atordoamento, entorpecimento, descrença, no qual os pais não se permitem admitir a realidade. Essa negação inicial funciona como um para-choque, uma defesa após notícias chocantes e inesperadas. A intensidade dessa reação é muito variável, entretanto ela não costuma ser muito longa. É considerada um período de transição, uma defesa temporária, que será substituída por sentimentos menos radicais.22 Quando não é mais possível manter firme o estágio de negação, ele é substituído por sentimentos de tristeza e raiva, a terceira fase do processo. Surge, então, a pergunta: Por que eu? A hora que ele nasceu mesmo, eu só me perguntei por que comigo, mas eu acho que estas pessoas que recebem isto são mães especiais. (E1) Senti muita raiva da médica que fazia o controle dele. Ela também não via nada, porque ela é médica da família e também não percebeu... Isso só foi percebido depois, porque ele ficava com pneumonia, ficava internado no hospital. A terceira vez que ele internou com pneumonia ele deu uma insuficiência e foi para o CTI. Lá que o médico desconfiou, porque ele estava com 11 meses e não firmava a cabeça. (E7) O sentimento de raiva aparece à medida que os pais sentem que seus sonhos e projetos não serão realizados. A raiva pode ser direcionada a vários alvos: profissionais, família, cônjuges e até mesmo vizinhos. É um período dos mais difíceis de lidar, principalmente para os profissionais, que não estão preparados para ser o alvo da agressividade, por isso a importância de conhecer os processos emocionais pelo quais os pais passam. O quarto estágio é o de culpa e acontece quando o paciente não pode mais negar a realidade apresentada: sua revolta e raiva, então, darão lugar a um grande sentimento de perda. Lá na minha cidade todo mundo comenta que minha filha tem cabeça grande; eles não falam diretamente, mas eu sei que eles falam que a culpa é minha, que eu não devia ter fumado e bebido. (E8) Às vezes eu não tomava aquele remédio, o sulfato ferroso, me enjoava muito... Talvez se eu tivesse tomado os remédios direitinho ele não estaria assim. Nunca que ia imaginar que isso pudesse acontecer. (E4) Pode-se perceber nesses depoimentos que as mães se culpam pelo que aconteceu. Elas tentam encontrar um motivo que justifique a malformação. A culpa expressa remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 495 A vivência dos pais de uma criança com malformações congênitas a necessidade de saber por que aconteceu com eles e se eles mesmos foram os causadores do problema. O quinto estágio, a adaptação/reorganização, será alcançado somente pelos pais que conseguirem superar suas angústias e ansiedades e pelos que tiverem tido tempo e ajuda: Vou te falar a verdade, não sei se é porque a gente tem religião e tem fé em alguma coisa. E isso me ajudou bastante. Porque eu acho que se eu não tivesse fé em alguma coisa eu não tinha aceitado, não. Mas graças a Deus eu tô aceitando numa boa. E espero que a Providência Divina faça alguma coisa... Para Deus nada é impossível. (E5) Até agradeço a Deus, porque a gente aprende a viver com essa experiência. A gente tem aprendido bastante; às vezes a gente vai reclamar de alguma coisa, mas tem gente muito pior. Mas pelo menos ele esboça um sorriso... Para gente tem sido uma experiência muito grande. (E7) Como pode ser percebido nesses depoimentos, o período de adaptação/reorganização é o estágio em que, na maioria das vezes, cessam os mecanismos de defesa e inicia-se uma gradativa aceitação da verdadeira realidade. É durante esse período que os pais relatam maior apego e interação com seus filhos. É durante essa fase que os pais procuram colocar em ordem seus sentimentos. Para que esse período tenha sucesso, é imprescindível o apoio mútuo aos pais, para que eles possam enfrentar as futuras adversidades juntos.23 Vale relatar que o tempo é um grande aliado para que as pessoas atinjam esse estágio, tanto que um dos depoimentos apresentados é de um participante que está há mais de seis anos com o filho em cuidado intensivo. Assim, foi possível constatar que o nascimento de um filho malformado desencadeia nos pais sentimentos de choque, negação, raiva, dor, luto pelo filho imaginário e resistência em aceitar o filho real. Apesar dos sentimentos negativos, pode-se perceber, também, a esperança permeando os depoimentos dos pais. Nesse sentido, a relação de confiança e segurança estabelecida entre os pais e a equipe de enfermagem pode oferecer subsídios para que eles se sintam seguros e fortalecidos para enfrentar a situação atípica do filho. Cabe ressaltar que a família está inserida no cenário do cuidar, contudo os profissionais devem facilitar a presença deles na unidade, além de mantê-los informados, bem como participantes efetivo dos cuidados, o que contribuirá para o processo de adaptação/reorganização da realidade de ter um filho mal formado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento deste estudo possibilitou conhecer a percepção dos pais quanto ao nascimento do filho malformado, bem como os processos emocionais e de adaptação enfrentados nessa ocasião. Evidenciou-se que os pais, ao serem informados da malformação do filho, sentem o impacto da notícia desencadeando sofrimento, principalmente pela perda dos sonhos depositados na figura do filho perfeito. Ao longo do trabalho, tanto na revisão de literatura quanto no contato com os pais durante as entrevistas, percebeu-se que o tema da malformação é negligenciado na formação acadêmica dos profissionais e que, por isso, estes se encontram despreparados diante de situações dessa natureza. A linguagem utilizada pelos profissionais e a forma como as informações foram transmitidas dificultaram o entendimento da doença e, em alguns casos, retardaram o processo de aceitação do diagnóstico. Nas visitas feitas ao Centro de Tratamento Intensivo Infantil, percebeu-se que a unidade não dispõe de espaço adequado para a intervenção com a família – por exemplo, um espaço de escuta que permita a expressão de sentimentos e necessidades. O serviço oferece aos pais visitas esporádicas do profissional de psicologia. Acredita-se que um espaço terapêutico com atuação multidisciplinar ajudaria os pais no enfrentamento dessa delicada situação. Cabe ao enfermeiro, como membro da equipe multidisciplinar, possibilitar às famílias a compreensão do quadro da malformação, evitando, assim, interpretações, desencontros e paralisações nas relações tanto da equipe quanto da família. Uma estratégia importante é a criação degruposterapêuticos,queajudamospaisadesbloquear frustrações e partilhar emoções e experiências com outros pais que já passaram por situações semelhantes, permitindo que, juntamente com a equipe, busquem respostas para seus questionamentos. O estudo mostrou-se bastante elucidativo e apontou a necessidade de os profissionais de saúde estarem capacitados para intervir adequadamente nos casos de malformação congênita. Evidenciou, também, a necessidade de realização de pesquisas de enfermagem sobre este tema a fim de instrumentalizar o enfermeiro para o cuidado e ampliar o corpo de conhecimento teórico da área de enfermagem. REFERÊNCIAS 1. Carakushansky G. Doenças genéticas na infância. Rio de Janeiro: Guanabara; 1979. 2. Castro MLS, Cunha CJ, Moreira BP, et al. Freqüência das malformações múltiplas em recém-nascidos na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, e fatores sócio-demográficos associados. Cad Saúde Pública. 2006; 22(5): 1009-15. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: método canguru. Brasília, DF: MS; 2001. 4. Horovitz DDG, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: panorama atual. Cad saúde Pública. 2005; 21(4): 1055-64. 496 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 5. Guiller CA, Dupas G, Pettengill MAM. Criança com anomalia congênita: estudo bibliográfico de publicações na área de enfermagem pediátrica. Acta Paul Enferm. 2007; 20(1): 18-23. 6. Piccinini C, Ferrari AG, Levandowsk DC, et al. O bebê imaginário e as expectativas quanto ao futuro do filho em gestantes adolescentes e adultas. Interações. 2003; 8(16): 81-108. 7. Petean EBL, Pina JM. Investigações em Aconselhamento Genético: impacto da primeira notícia, a reação dos pais à deficiência. Medicina (Ribeirão Preto). 1998; 31: 288-95. 8. Ribeiro C, Moreira AMF. O significado de ser mãe de um filho portador de cardiopatia: um estudo fenomenológico. Rev Esc Enferm USP. 2006; 40(1): 42-9. 9. Polit DF, Hungler BP. Fundamentos de Pesquisa em Enfermagem. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995. 10. Minayo MCS, organizador. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 3ª ed. Petrópolis (RJ): Editora Vozes; 2001. 11. Brasil. Ministério da Saúde. 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Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar aos médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 1991. 23. Portela MI. Grupo de Suporte de Pais. [Citado 2008 abr. 02]. Disponível em: http://www.apecdad.org/dowload/communicare.pdf. Data de submissão: 4/9/2009 Data de aprovação 30/8/2011 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 491-497, out./dez., 2011 497 PERCEPÇÃO MATERNA ACERCA DO DISTÚRBIO NUTRICIONAL DO FILHO: UM ESTUDO COMPREENSIVO MATERNAL PERCEPTIONS ABOUT THE NUTRITIONAL DISORDER OF THE CHILD: A COMPREHENSIVE STUDY PERCEPCIÓN MATERNA SOBRE EL DISTURBIO NUTRICIONAL DEL HIJO: UN ESTUDIO COMPRENSIVO Débora Arreguy Silva1 Gisele Nepomuceno de Andrade2 Fabrícia Marques Ribeiro Ferreira3 Elffie de Andrade4 Anézia Moreira Faria Madeira5 RESUMO Trata-se de uma pesquisa qualitativa cujo objetivo foi compreender o significado, para as mães, de ter um filho com distúrbio nutricional. Como trajetória metodológica, utilizamos a fenomenologia, que, como um caminho, nos permitiu apreender a essência do fenômeno com base nos discursos de 16 mães. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista direcionada às mães/responsáveis pelas crianças, guiada pela questão: Conta para nós o que é, para você, ter um filho com problema de peso. Os discursos das mães permitiram construir quatro categorias de análise: Atenção à alimentação do filho; Comparando o filho com outras crianças; Preocupação com o peso do filho; e Apoio do profissional de saúde. Acredita-se que esta pesquisa possa auxiliar a organização do serviço de acompanhamento de crianças com agravos nutricionais, de forma a subsidiar uma proposta educativa e contribuir para o atendimento adequado e humanizado, enfocando sentimentos das mães em ter um filho com distúrbio nutricional. Palavras-chave: Cuidado da Criança; Criança; Transtornos da Nutrição Infantil; Obesidade; Cuidados de Enfermagem; Atenção Primária à Saúde. ABSTRACT This is a qualitative research that aimed to understand the meaning for the mothers of having a child with a nutritional disorder. The use of Phenomenology as methodology allowed us to capture the essence of the phenomenon from the speeches of 16 mothers. Data collection was conducted through interviews directed to the children’s mothers/ caretakers guided by the question: “Tell us what it means to you to have a child with a weight problem.” The mothers’ discourse allowed the definition of four categories of meaning: attention to child’s feeding; comparison with other children; concern for child’s weight and healthcare professional’s support. This research will assist the follow-up care of a child with nutrition problems in order to subsidize an educational proposal and contribute to proper and humane care that focuses on the feelings of mothers of children with a nutritional disorder. Key words: Child Care; Child; Child Malnutrition; Obesity; Nursing Care; Primary Health Care. RESUMEN Investigación cualitativa llevada a cabo con el propósito de comprender lo que significa para las madres tener un niño con disturbio nutricional. Como trayecto metodológico se utilizó la fenomenología que, como camino, nos ha permitido comprender la esencia del fenómeno a partir de los discursos de 16 madres. La recogida de datos fue realizada por medio de entrevista con las madres/responsables de los niños, guiada por la pregunta: “Dígame lo que significa para usted tener un hijo con problemas de peso”. Los discursos de las madres nos permitieran construir cuatro categorías de análisis: Atención a la alimentación del hijo; Comparando el hijo con otros niños; Preocupación con el peso del hijo y Apoyo del profesional de salud. Se cree que esta investigación tal vez pueda ayudar en la organización del servicio de seguimiento de niños con disturbio nutricional de forma que se promueva una propuesta educativa y contribuya a la atención adecuada y humanizada, con enfoque en los sentimientos de las madres que tienen niños con disturbio nutricional. Palabras clave: Cuidado al Niño; Niño; Desnutrición Infantil; Obesidad; Atención de Enfermería; Atención primaria de la salud. 1 2 3 4 5 Acadêmica de Enfermagem do 9ª período da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG). Bolsista de iniciação científica. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação da EEUFMG. E-mail: [email protected]. Acadêmica de Enfermagem do 6ª período da EEUFMG. Bolsista de iniciação científica. E-mail: [email protected]. Acadêmica de Enfermagem do 9ª período da EEUFMG. Bolsista de extensão. E-mail: elffi[email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EEUFMG. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – R. Intendente Câmara, 296, Liberdade – Belo Horizonte-MG. CEP: 31270-210. E-mail: [email protected]. 498 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 498-503, out./dez., 2011 INTRODUÇÃO Os distúrbios nutricionais infantis representam um grande e permanente problema de saúde pública. 1 A qualidade da nutrição de uma população reflete suas condições de vida, sendo fundamental para o desenvolvimento do organismo. Na criança, a má alimentação afeta não somente seu crescimento, como pode torná-la vulnerável às doenças, prejudicar o desenvolvimento, além de contribuir para exposição às doenças crônicas. No Brasil, observa-se a presença de duas situações antagônicas em seu território: a carência nutricional, que pode resultar em anemia e desnutrição, principalmente nas regiões Nordeste e Norte do país, e a condição típica de excessos alimentares, o sobrepeso e a obesidade.2 São escassos os estudos de base populacional produzidos até hoje com a população brasileira cujo enfoque principal sejam problemas nutricionais, já que a investigação da dieta e de seus componentes, seja por deficiência, sejam por excesso, constitui ainda um grande desafio.3 Essa situação em que ocorre a presença da desnutrição e o excesso de peso coexistindo em locais comuns caracteriza a transição nutricional. A transição nutricional expressa modificações mais gerais nos ecossistemas de vida coletiva – habitação e saneamento, hábitos alimentares, níveis de ocupação e renda, dinâmica demográfica, acesso e uso social das informações, escolaridade, utilização dos serviços de saúde, aquisição de novos estilos de vida e outros desdobramentos. Esse fenômeno é um dos maiores desafios para as políticas públicas atuais e exige um modelo de atenção à saúde centrado na promoção da saúde e prevenção de agravos.4 Segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2001,5 12,81% das crianças do mundo se apresentam abaixo do peso ideal para a idade e 5,73% possuem sobrepeso ou obesidade. No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2003,6 a desnutrição infantil atingiu seus menores valores nos últimos 30 anos. Enquanto isso, uma a cada cinco crianças residentes nas regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, com idade inferior a 10 anos, apresenta sobrepeso ou obesidade. Assim, neste país, ao mesmo tempo que declina a ocorrência da desnutrição em crianças num ritmo apressado, aumenta a prevalência de sobrepeso e obesidade nessa população. Concomitantemente, a incidência de anemia carencial permanece com alta prevalência, com taxas variando entre 40% a 50% em menores de 5 anos configurando assim, em termos de magnitude, o principal agravo nutricional do país.4 Dentre os fatores que permeiam a questão da nutrição infantil, destaca-se a influência do ambiente familiar. Os pais criam condições para desenvolver nos filhos hábitos alimentares saudáveis ou não, que influenciam no ganho ponderal da criança. Os pais, especialmente as mães, são constantemente referenciados em estudos sobre agravos nutricionais. As mães ajudam a construir atitudes e comportamentos que as crianças desenvolvem em relação aos alimentos, porque são responsáveis pelas refeições e têm o controle sobre a quantidade e o tipo de alimento disponível.1 A mãe é a principal provedora de alimentação durante os períodos cruciais do desenvolvimento da criança. Assim, nos primeiros anos de vida, a relação com o meio externo é mediada pela mãe, o que reforça a influência dela no estado nutricional do filho.7 Apesar disso, pouco se conhece sobre as experiências dessas mulheres que possuem um filho portador de distúrbios nutricionais. A perspectiva de conviver com essas crianças deve ser considerada no contexto materno, analisando sua visão de mundo, sua compreensão do binômio saúde-doença, sua afetividade, além da relação com seu cotidiano e com aspectos culturais.8 Nesse contexto, mães de filhos desnutridos, geralmente, não aceitam a doença do filho, passando a vê-lo como um estigma e, muitas vezes, em virtude da relação fome e pobreza, passam a omitir o problema. As mães demonstram um sentimento de culpa pelo que está acontecendo com o filho, associando a desnutrição à falta de alimento ou à amamentação prolongada, as quais, na sua concepção, comprometem o ato de cuidar.9 Por sua vez, mães que possuem filhos com sobrepeso ou obesos tendem a subestimar o excesso de peso das crianças, o que aumenta a probabilidade de agravarlhes o estado nutricional. Esse seria um fator muito importante sobre o aumento da incidência e prevalência da obesidade e sobrepeso na população infantil.10 A percepção inadequada sobre a situação nutricional do filho seria um risco para o fracasso das intervenções relacionadas a esse distúrbio. As respostas das mães com filhos obesos ou com sobrepeso podem variar: alívio, desinteresse, negação ou raiva. A vivência no Programa de Acompanhamento de Crianças com Distúrbios Nutricionais em um centro de saúde de Belo Horizonte-MG, desde 2006, despertou-nos para a realização desta pesquisa. Observamos que o fato de as crianças não ganharem peso ou estarem acima do esperado, em pesagens consecutivas, causa angústia e preocupação às mães. Pelo exposto, questionamos: Como a mãe vivencia os distúrbios nutricionais do filho? O que significa para ela pesar o filho e ver que ele não ganhou peso ou que ainda está acima do peso? Assim, com este estudo, o objetivo é compreender o significado, para as mães, de ter um filho com distúrbio nutricional. Acreditamos que a realização desta pesquisa poderá auxiliar a organização do serviço de acompanhamento de crianças com agravos nutricionais, subsidiar uma proposta educativa e contribuir para o atendimento adequado e humanizado, enfocando sentimentos das mães em ter um filho com distúrbio nutricional. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 498-503, out./dez., 2011 499 Percepção materna acerca do distúrbio nutricional do filho: um estudo compreensivo PERCURSO METODOLÓGICO RESULTADOS E DISCUSSÃO Trata-se de um estudo qualitativo cuja trajetória de pesquisa foi a fenomenologia. A pesquisa qualitativa proporciona uma compreensão aprofundada dos fenômenos, já o enfoque fenomenológico busca descrever e compreender a essência do vivido pelos sujeitos.11 Nesse sentido, não pretendíamos identificar aspectos formais nem clínicos dos agravos nutricionais, tampouco explicar suas causas e consequências, mas compreender a experiência vivida pela mãe em ter um filho com agravo nutricional. Atenção à alimentação do filho Os sujeitos do estudo foram mães que frequentam os grupos operativos de crianças de baixo peso e sobrepeso, do Programa de Acompanhamento de Crianças com Agravos Nutricionais do Centro de Saúde São Paulo, Belo Horizonte-MG. Para a obtenção dos dados, utilizamos entrevista aberta, guiada pela pergunta: Conta para nós o que é, para você, ter um filho com problema de peso. As participantes, antes de serem entrevistadas, foram informadas sobre o trabalho, seus objetivos e a forma de participação. Após esclarecimentos, foram convidadas a participar da pesquisa. Caso aceitassem, forneciam o seu consentimento por escrito, atendendo, assim, às formalidades estabelecidas pela Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas com seres humanos.12 Como recurso metodológico, utilizamos o gravador, que nos permitiu registrar os depoimentos na íntegra. As entrevistas foram transcritas na sua totalidade e interrompidas quando os conteúdos se tornaram repetitivos, totalizando, assim, 16 entrevistas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, sob o Parecer ETIC nº 0425.0.203.000-09. Para chegarmos à essência do fenômeno, utilizamos os momentos da análise compreensiva sugeridos por Martins e Bicudo,11 fenomenólogos existencialistas. Ou seja, inicialmente tomamos os discursos dos sujeitos de forma atenta, e por meio da leitura vertical, apreendemos o sentido do todo. Feito isso, procedemos à leitura horizontal com o intuito de identificar as unidades de significado presentes nas falas dos sujeitos, momento chamado de “redução fenomenológica”. De posse das unidades de significado, elas foram transformadas em uma linguagem articulada, mais elaborada, porém fiel às ideias subjacentes das mães. Pela convergência das unidades de significado, chegamos aos temas de análise, que, novamente pela redução fenomenológica, desvelaram as categorias analíticas (essência do fenômeno), as quais foram interpretadas. São elas: Atenção à alimentação do filho; Comparando o filho com outras crianças; Preocupação com o peso do filho; e Apoio do profissional de saúde. 500 No que se refere a essa categoria analítica, foi-nos possível perceber que as mães sentem-se perdidas, angustiadas, sem saber o que fazer para o filho alimentar melhor e, com isso, controlar o peso. Para elas, ter um filho com problema de peso é estarem atentas à sua alimentação; é uma vigília constante, procurando sempre oferecer à criança uma dieta equilibrada em quantidade e qualidade. Apreendemos nos depoimentos que as mães são criativas, pacientes e mostram-se empenhadas ao lidar com a alimentação do filho: elas fazem de tudo para a criança alimentar-se melhor. Assim, ele sempre teve alimentação boa. [...] Ele come uma fruta, come uma banana ou um mamão, uma coisa assim. [...] Ele come normal. [...] Aí eu fico mais atenta, fico mais alerta nesse sentido. (E1) É ruim porque ele não come direito, às vezes eu ofereço algo para comer e ele não gosta [...] É ruim porque você olha para criança e ela está magra demais. [...] Algumas vezes eu procuro oferecer uma boa alimentação, e ela não gosta daquele tipo de comida [...] Ele não é muito fã de comida. (E7) Ele não alimenta muito bem [...] ele não come, que antes ele comia muito bem e tudo, mas agora que ele num tá alimentando direito. [...] Eu faço de tudo [...] Tento dar ele de tudo. (E8) Eu tô fazendo de tudo pra tentar manter ele aí, com peso bom, fazer essa dieta. (E14) Nas diversas ações direcionadas à criança na atenção primária à saúde, são enfatizados cuidados sobre a alimentação, que incluem tipo de alimento, quantidade, preparo e formas de oferecê-lo à criança. Nas reuniões dos grupos operativos sobre agravos nutricionais em crianças (sobrepeso e baixo peso) trabalha-se enfaticamente sobre a importância de se manter uma alimentação saudável. Por ocasião da consulta de enfermagem direcionada ao acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento da criança menor de 5 anos, percebemos como é angustiante para a mãe o fato de o filho não se alimentar direito. Nesse sentido, o profissional de saúde, juntamente com a mãe, respeitando sua cultura e condições socioeconômicas, deve buscar alternativas para garantir a alimentação adequada da criança. Hein13 demonstrou, em seu estudo, que a forma como as mães lidam com a questão do distúrbio nutricional do filho, em especial de baixo peso, é modificada conforme elas adquirem informações na sua comunidade. O autor ainda afirma que a partir do momento que ela percebe a gravidade do problema de saúde do filho, torna-se ciente da importância do cuidado materno. Já Frota e Martins14 relatam que as mães de crianças com agravos nutricionais, geralmente, desconhecem o real problema e, dessa forma, a recuperação da criança é prejudicada por falta de conhecimentos, como a preferência nutricional em sua realidade socioeconômica. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 498-503, out./dez., 2011 O ambiente familiar, muitas vezes, segundo as mães, prejudica a aceitação da alimentação pela criança. O fato de ter consciência de que o filho ao se alimentar melhor poderá melhorar o peso pode gerar ansiedade e angustiar ainda mais a mãe, comprometendo a aceitação do alimento pela criança. Nesse sentido, ao ficar longe da mãe a criança poderá alimentar-se melhor, conforme mostram os discursos. Na escolinha eles falam pra mim que ela tá comendo bem. (E6) Na escola eles falam que ele alimenta muito bem. (E8) Quando ela está na minha casa, eu tento dar as coisas que ela precisa comer [...]. Ela não come de jeito nenhum. (E9) Um dos princípios básicos da alimentação é que esta seja ministrada à criança em condições adequadas à sua aceitação e à preservação do apetite. Significa que a alimentação da criança deve ser oferecida em ambiente tranquilo, acolhedor, evitando subterfúgios como forma de fazer com que a criança coma. O ato de alimentar deve constituir em momento prazeroso para mãe e para o filho,15 haja vista que a ansiedade materna, agravada pela condição nutricional do filho, muitas vezes pode provocar repulsa na criança pelo alimento. Assim, fora do ambiente familiar, no convívio com outras pessoas, a criança será estimulada a comer melhor. A ansiedade materna pode contribuir de maneira negativa para a recuperação da criança com agravo nutricional. Dessa forma, o fato de estar fora da vigilância da mãe e, por conseguinte, da angústia materna diante do distúrbio nutricional do filho, a criança pode sentir-se menos pressionada e mais à vontade para comer. Por outro lado, o fato de a criança conviver com outras pessoas, principalmente avós, faz com que substitua a alimentação saudável por guloseimas, como mostra o depoimento de uma mãe de criança com sobrepeso: Ah, ela é muito difícil, sabe por quê? Ela só come besteira. Eu trabalho e ela fica na casa da minha mãe, então ela come o que quer. É só besteira. (E11) Comparando o filho com outras crianças A sociedade e a medicina estabelecem parâmetros antropométricos que servem de base comparativa para todos, consciente ou inconscientemente. As crianças tornam-se foco de atenção da sociedade quando saem do dito “peso normal” e/ou “tamanho normal”. Em virtude disso, familiares, vizinhos, pessoas que convivem com a criança e até mesmo a própria mãe e/ou responsável a comparam naturalmente com outras crianças que consideram com peso e tamanho esperados para aquela determinada idade. Essa comparação causa angústia, chateação e tristeza às mães. É ruim para elas o filho ser parâmetro de comparação ou até mesmo de chacota ao olhar alheio, sentimentos expressos nos discursos: Ruim em todos os sentidos [...]. A criança não desenvolve, todo mundo olha para ele como se fosse uma criança raquítica [...]. Não faz bem pra gente [...]. Eu só não gosto que falem mal dele. (E4) Eu não acho bom não [...]. Não é bom não porque tem muitas crianças que não tem o baixo peso [...]. Incomoda ficar comparando um com o outro. (E5) Tem muita gente que gosta muito de falar, de ficar comparando [...]. Só que eu não dou muita confiança para o que os outros falam [...]. É ruim os outros ficarem criticando. (E6) E é triste também por causa dos apelidos [...]. Ele chega triste em casa porque chamaram ele de elefante [...]. É muito ruim. (E12) A discriminação ainda é grande. A gente não quer ver, saber que o filho vai sofrer ou qualquer coisa. (E13) Paulo e Madeira16 descrevem o sentimento de tristeza presente nas mães de crianças com agravos nutricionais quando fazem uma comparação entre outras crianças sadias e o filho. As autoras ainda afirmam que ver o filho com problema de peso representa, para a mãe, uma forma de colocar à prova sua função materna. Assim, é importante orientar as mães sobre o estado nutricional do filho e explicar-lhes que essa situação pode ser transitória, desde que condutas corretas sejam tomadas em tempo hábil, evitando, dessa forma, comparações desnecessárias. Faz-se necessário, também, escutar e interpretar os sentimentos maternos como forma de ajudar no processo de recuperação do peso do filho. Preocupação com o peso do filho Um dos aspectos essenciais emergido do fenômeno revelou que as mães se sentem preocupadas em ter um filho com problema de peso. Esse sentimento é provocado pelo ganho insuficiente ou excessivo de peso do filho, por ser uma situação nova para as mães e pelo fato de o filho não se desenvolver conforme o esperado para sua idade, podendo até mesmo desenvolver alguma patologia. Eu fico preocupada porque os médicos falam que ele precisa ganhar peso [...]. Quando ele costuma ficar perdendo peso demais, eu fico mais preocupada. (E1) É difícil porque eu nunca tive menino com baixo peso [...]. Eu tenho quatro filhos e eles nunca foram de baixo peso. Esse é o primeiro filho com baixo peso [...]. Fico preocupada. (E3) Você pensa primeiramente é na questão da saúde mesmo. Fico preocupada. Penso que pode vir a ter, se continuar engordando, diabete, essas coisas [...]. (E12) Eu fico muito preocupada mesmo. Eu tô fazendo de tudo pra tentar manter ele aí, fazer essa dieta. Mas é difícil, não é fácil, não. Que pra gente adulta já é difícil, imagina pra uma criança. (E14) remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 498-503, out./dez., 2011 501 Percepção materna acerca do distúrbio nutricional do filho: um estudo compreensivo A preocupação das mães no tocante a ter um filho com problema de peso caracteriza-se como uma das maneiras pelas quais elas estabelecem sua relação com o mundo. Isso porque, sendo responsáveis pela criança, sofrendo com a aparência dela, aprendendo a cuidar dela e amadurecendo com a maternidade, é que elas, sujeitos situados, vão se (re)fazendo em sua existência concreta, construindo sua história existencial16. Assim, uma das maneiras de tranquilizar as mães sobre as condições nutricionais do filho seria estabelecer, nas condutas direcionadas à criança de baixo peso e sobrepeso na atenção primária à saúde, uma abordagem otimista pelos profissionais de saúde, na qual o diálogo e a escuta respeitosa sustentem essa relação. A mãe sente-se culpada, também, pelo agravo nutricional do filho, já que, muitas vezes, seu aspecto é decorrente da falta de cuidado materno, explicitado pelas pessoas de seu convívio ou como sentimento velado da própria mãe. Nas diversas funções da maternidade, a mãe procura identificar onde foi que errou. Todo mundo olha para ele como se fosse uma criança raquítica [...]. O pai dele acha que meu filho é desnutrido, é mal cuidado [...]. Ele é o mais miudinho que tenho. Eu olho assim, eu sinto: ‘Você não está cuidando desse menino direito’. Por ele ser baixo peso acham que ele é mal cuidado. (E4) Eu acho difícil, porque as pessoas percebem e ficam assim [...]. O pessoal lá perto de casa [...] me critica, às vezes. (E6) Não é falta de cuidar dela, não [...]. Que eu cuido dela com muito carinho [...]. Eu acho que eu sou muito cuidadosa. (E8) A princípio eu fiquei superfrustrada, porque você acha que errou, que falhou, que você faltou [...]. Que não cuida dele direito. (E13) Essa culpa materna reflete uma busca por respostas com relação ao peso anormal da criança. Dessa forma, as mães tentam encontrar justificativas para o distúrbio de peso do filho nas suas próprias atitudes. Refletem sobre o cuidado e sobre a dificuldade em lidar com essa situação-problema. Em muitos discursos, a questão do cuidado materno é referenciada. Elas tentam elucidar essa situação por meio de alguma possível falha no cuidado prestado por elas aos filhos. Além disso, demonstram, também, frustração por não saberem a proveniência do problema. Apoio do profissional de saúde Esta categoria explicita as bases de um relacionamento significativo das mães com os profissionais. Elas reconhecem os profissionais de saúde como elementos fundamentais no direcionamento de suas condutas com o filho com agravo nutricional. Percebem que a criança melhorou após ter começado a frequentar os grupos operativos. 502 A ajuda de vocês é muito boa na vida da gente. [...] Vocês ensinam muitas coisas [...] Ensinam pra gente como deve fazer [...] Ajudam demais da conta. (E3) Eu vi no grupo que dá para eu fazer muita coisa, dá para eu aprender bastante. (E5) Então, depois que elas começaram a frequentar o grupo, a fazerem o acompanhamento, eu percebi que elas têm que fazer aquilo [...]. Você não tem que dar aquilo que a criança não gosta, mas aquilo que ela pede [...]. Aprendi muito no grupo. (E7) A gente tá vindo agora esse mês (no grupo operativo), procurando fazer com que ele perca peso. (E14) Osesforçosdosetorsaúdenoqueserefereaoatendimento da criança de forma integral e individualizada têm fomentado dados estatísticos cada vez mais positivos quanto ao perfil nutricional infantil brasileiro.17 Pesquisas mostram que os índices de desnutrição infantil caíram notadamente, no entanto os de sobrepeso e obesidade aumentaram, principalmente em escolares e adolescentes,18 fato que merece maior atenção na avaliaçãodoestadonutricionaldascriançasenascondutas dos profissionais de saúde na atenção primária. Nessa perspectiva, vale ressaltar que as mães de crianças com problema de peso reconhecem os esforços e os resultados positivos alcançados pelos profissionais de saúde no que tange ao atendimento infantil, além de valorizarem as orientações e a participação do profissional no processo de cuidado dos filhos. Também é possível perceber, pelas falas das mães, que, além da atuação do profissional de saúde em si, a dinâmica de trabalho em grupos operativos é bastante referenciada. Isso denota a importância dessa ação no auxílio ao problema enfrentado por elas, além de permitir a troca de saberes sobre o problema nutricional do filho, o que provoca a extensão de conceitos sobre os distúrbios nutricionais e suas respectivas repercussões clínicas. Isso possibilita a ampliação do entendimento das mães sobre a situação do filho e instrumenta-as com orientações, conhecimentos e reflexões sobre uma alimentação adequada e a adoção de práticas de vida mais saudáveis para o filho e para toda a família. Portanto, essa categoria aponta para o estímulo à atuação do profissional na tentativa de reverter o quadro nutricional da criança, tanto na consulta clínica como na dinâmica de grupos operativos, além de reafirmar que as orientações são escutadas com atenção e muito bem-vindas por parte das mães. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo permitiu-nos compreender melhor os significados e sentimentos das mães em relação ao distúrbio nutricional do filho. Os fragmentos de seus discursos nos fazem refletir sobre nossa atuação nos grupos operativos voltados para os distúrbios nutricionais e para as demais ações direcionadas para crianças na atenção primária à saúde. Vimos que nosso papel transcende a avaliação antropométrica das remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 498-503, out./dez., 2011 crianças para uma atenção mais humanizada, na qual o diálogo, a escuta, a atenção e o respeito sedimentam nossa relação com as mães. na manutenção da saúde do filho, bem como elogiá-las em suas condutas corretas e corrigirmos os possíveis desvios de forma sensível e acolhedora. Aprendemosqueénecessárioreforçarnossasorientações sobre uma alimentação saudável, respeitando a cultura da mãe e sua realidade socioeconômica, a fim de proporcionar alternativas que garantam a alimentação adequada da criança. Em seus discursos, observamos, também, que as mães consideram essencial a convivência com o profissional no cuidado com a criança com agravo nutricional e levam isso em consideração nas suas condutas com o filho. Nessa perspectiva, é necessário abordar a escolha correta dos alimentos no que se refere ao valor de seus nutrientes, sabor e apresentação estética, frequência entre as refeições, ambiente onde a refeição será realizada e a implementação de atividades físicas no caso das crianças com o peso elevado para a idade. Isso, no propósito de ser com a mãe na atenção à alimentação do filho e, assim, aliviar seus medos e angústias, bem como proporcionar momentos de tranquilidade à mãe e ao filho. Percebemosnasfalasdasmãesque,emalgunsmomentos, sentem-se tristes ao ver o filho comparado com crianças consideradas sadias. Além disso, sentem-se sozinhas e culpadas diante do problema nutricional do filho, o que as leva a refletir sobre seus cuidados para com a criança. Diante disso, faz-se necessário trabalhar a autoestima da mãe, a fim de reforçar sua importância na recuperação e Aprendemos que, como profissional de saúde, é necessário interagir com a mãe com mais respeito e dignidade, entendendo que essa é uma experiência adversa, com visões de mundo diferentes, e como tal exige uma postura mais humana e um relacionamento mais significativo. É preciso,então,estabelecercomelaumarelaçãodeempatia, quepodeamenizarasituaçãovivenciadaporelaemelhorar o processo de cuidado com o filho. Ao percorrermos essa trajetória, amparadas pela fenomenologia, foi possível descrever, explicitar e compreender a essência do vivido pelas mães que possuem filho com agravo nutricional. Nesse sentido, a essência significa a possibilidade de leitura da realidade, voltando-se para a realidade vivida e, com isso, nos tornarmos mais atentas e mais sensíveis para enxergar além do cumprimento das técnicas de atenção à saúde da criança. REFERÊNCIAS 1. Jackson D, Wilkes L, McDonald G. If I was in my daughter’s body I’d be feeling devastated: Women’s experiences of mothering an overweight or obese child. J Child Health Care. 2007; 11(1): 29-39. 2. Batista Filho M, Miglioli TC, Santos MC. Normalidade antropométrica de adultos: o paradoxo geográfico e socioeconômico da transição nutricional no Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2007; 7(4): 487-93. 3. Kac G, Melendéz AC. A transição nutricional e a epidemiologia da obesidade na América Latina. Cad Saúde Pública. 2003; 19 (Sup.1): 4-5. 4. Batista Filho M, Rissin A. A transição nutricional no Brasil tendências regionais e temporais. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Sup.1): 181-91. 5. Organização Pan-americana da Saúde. Relatório sobre a saúde no mundo: 2001. Genebra: OPAS/OMS; 2001. 6. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de orçamentos familiares 2002-2003. Rio de Janeiro: IBGE; 2004. 276p. 7. Marinho PS, Martins SI, Oliveira DC, Araújo EAC. Obesidade e baixa estatura: estado nutricional de indivíduos da mesma família. Rev Bras Cresimentoc Desenvolv Hum. 2007; 17(1): 156-64. 8. Frota MA, Barroso MGT. Desnutrição infantil no contexto familiar de mães adolescentes: visão cultural do cuidado. Health Sciences Maringá. 2004; 26(1): 167-73. 9. Alves CRL, Viana MRA. Saúde da família: cuidando de crianças e adolescentes. Belo Horizonte: Coopmed; 2007. 282p. 10. Amaral O, Pereira C, Escoval A. Prevalência de obesidade em adolescentes do distrito de Viseu. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2007; 25(1): 47-58. 11. Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5ª ed. São Paulo: Centauro; 2005. 110p. 12. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Comitê de Nacional de ética em pesquisa em seres humanos. Resolução 196, de 20 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, DF; 1996. 13. 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Enferm.;15(4): 498-503, out./dez., 2011 503 CARACTERÍSTICAS DOS ABORTAMENTOS DE MULHERES ATENDIDAS EM UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR FILANTRÓPICA DE CARATINGAMG* ABORTION CHARACTERISTICS FOR WOMEN ATTENDED IN A PHILANTHROPIC HOSPITAL INSTITUTION IN CARATINGAMG CARACTERÍSTICAS DE LOS ABORTAMIENTOS DE MUJERES ATENDIDAS EN UMA INSTITUICIÓN HOSPITALAR FILANTRÓPICA DE CARATINGAMG Selisvane Ribeiro da Fonseca Domingos1 Miriam Aparecida Barbosa Merighi2 Ester Correa Rodrigues de Faria3 Leidiane Maria Gomes Ferreira4 RESUMO Estudo transversal realizado com 44 mulheres, no período de agosto a novembro de 2008, com o objetivo de descrever e comparar as características de abortamentos de mulheres atendidas em uma instituição hospitalar filantrópica de CaratingaMG. Os dados foram coletados por meio de um formulário e, para a análise, utilizou-se o teste “t” de Student e o teste χ2 no nível de 5% de significância. Os resultados mostraram que as mulheres, na sua maioria, eram brancas, católicas, com companheiro e do lar. Metade delas não usava nenhum método contraceptivo, 19 (43,18%) haviam engravidado apenas uma vez e 33 (75%) não haviam apresentado nenhum aborto anterior. Do total, 38 (86,36%) informaram que desejaram a gravidez, porém apenas 17 (38,64%) a planejaram. O sintoma mais frequente que as levou a procurar atendimento foi o sangramento vaginal. A média da idade gestacional foi de 9,27 semanas e a curetagem foi o tratamento realizado em 95,45%. Não houve relação entre o tempo de internação e o procedimento realizado, entre o uso de antibiótico e sinais de infecção, bem como entre a idade gestacional e o procedimento realizado. Houve relação entre o início dos sintomas e a procura pelo primeiro atendimento, entre a complicação e o procedimento realizado e entre o uso de antibiótico e complicações. Conclui-se que existe necessidade de investigar e conhecer mais sobre as mulheres que procuram os serviços de saúde para tratamento do abortamento e adequar os tipos de tratamento disponíveis, com o objetivo de atender com qualidade a mulher, diminuir risco de complicações e o custo assistencial. Palavras-chave: Saúde da Mulher; Aborto; Enfermagem. ABSTRACT This is a transversal study performed with 44 women from August to November 2008. Its objective was to describe and compare the characteristics of miscarriage in women attended at a philanthropic hospital in Caratinga - MG. The data was collected through a form and the analysis was performed via the Student“t”test and χ2 test with a statistical significance of 5%. The results showed that the majority of women were young housewives, non-Caucasian, and Catholic, living with a partner. 22 (50%) of these women did not use any contraceptive methods, 19 (43.18%) were pregnant once, and 33 (75%) had had no miscarriage before. In total, 38 (86.36%) stated that they had wanted to get pregnant, however only 17 (38.64%) of those pregnancies were planned.The most frequent reason for seeking medical care was vaginal bleeding.The average gestational age was 9.27 weeks and curettage was the treatment performed in 95.45% of the cases. No special relation was detected between the hospitalization period and the procedure performed, the use of antibiotics and signs of infection, or between the gestational age and the procedure performed. However, there was a link between the time elapsed from the onset of symptoms and the seeking of medical attention, the medical complications and the procedure performed and between the use of antibiotics and complications. In conclusion it is necessary to study the cases of women who seek the health services for a miscarriage treatment and to adapt the types of treatment available so as to improve the quality of medical care, to reduce the risk of complications, and to provide some financial support. Key Words: Women’s Health; Miscarriage; Nursing. RESUMEN Estudio transversal realizado entre agosto y noviembre de 2008 con 44 mujeres atendidas en un hospital filantrópico de Caratinga/MG. Su objetivo fue describir y comparar las características de los abortos de dichas mujeres. Los datos fueron recogidos en un formulario y, para su análisis, se utilizó la prueba“t”Student y la prueba χ2 con 5% de significancia. Los resultados mostraron que la mayoría de las mujeres eran amas de casa jóvenes, católicas, en pareja y de tez no blanca. La mitad no seguía ningún método anticonceptivo, 19 (43,18%) se habían quedado embarazadas sólo una vez y 33 (75%) no habían tenido ningún otro aborto. Del total, 38 (86,36%) informaron haber deseado el embarazo pero tan sólo 17 (38,64%) lo habían planeado. El síntoma más frecuente que las llevó a buscar atención hospitalaria fue hemorragia vaginal. El promedio de edad gestacional fue de 9,27 semanas y el curetaje fue el tratamiento realizado en el 95,45% de los casos. No se observó relación entre el tiempo de internación y el procedimiento realizado, entre el uso de antibiótico y las señales de infección ni entre la edad gestacional y el procedimiento realizado. Hubo relación entre el inicio de los síntomas y la búsqueda de la primera atención hospitalaria, entre las complicaciones y el procedimiento realizado y entre el uso de antibiótico y las complicaciones. Se concluye que habría que investigar y conocer más a las mujeres que se dirigen a los servicios de salud para tratarse de abortos y adecuar los tipos de tratamientos disponibles con miras a atenderlas mejor, disminuir los riegos de complicaciones y, asimismo, los costos asistenciales. Palabras clave: Salud de la mujer; Aborto; Enfermería. * 1 2 3 4 Trabalho realizado no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), do Centro Universitário de Caratinga (UNEC), financiado pela FAPEMIG em 2008. Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Aluna do Curso de Doutorado da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP). Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário de Caratinga-MG. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP. E-mail: [email protected]. Aluna do 3° período do Curso de Enfermagem do UNEC. Bolsista do PIBIC/FAPEMIG 2008. Aluna do 7° período do Curso de Enfermagem do UNNEC. Bolsista voluntária do PIBIC/FAPEMIG 2008. Endereço para correspondência – Rua Alberto Vieira Campos, 106/301, bairro Dário Grossi, Caratinga-MG. CEP: 35300-009. Tel: (33)3322-1687. E-mail: [email protected]. 504 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 INTRODUÇÃO O abortamento é uma das intercorrências mais frequentes da gestação, por isso é considerado um importante problema de saúde pública no mundo e, principalmente, no Brasil. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), dos 210 milhões de gestações que ocorrem a cada ano no mundo, 46 milhões terminam em abortos induzidos. No entanto, destaque-se que, pelo fato de ser em alguns países ilegal e, por isso, subnotificado, a real situação do aborto no mundo é desconhecida. A falta de registros oficiais e sub-registros tornam uma tarefa difícil estimar as reais taxas de abortos inseguros, exigindo que as estimativas sejam calculadas por diferentes métodos de comparação.1 As legislações que se encontram em todos os países têm, umas mais e outras menos, acompanhado as constantes mudanças e evoluções sociais e científicas. Nesse sentido, muitos países vêm modificando suas legislações relativas à prática do abortamento, sendo que, em inúmeros deles, tal prática foi liberada de maneira ampla. Em outros, ela é permitida em apenas alguns casos especiais.2 No Brasil, o Código Penal brasileiro, promulgado em 1940, prevê a prática legal do aborto quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resultar de estupro ou incesto. Há, também, muito raramente, casos de má-formação congênita em que a interrupção da gravidez é autorizada pela justiça.3 No entanto, a ilegalidade do aborto no Brasil não tem impedido sua prática. Por ano, 1,4 milhão de abortos são realizados no país, correspondendo a 23 abortos por 100 gestações e 50 milhões em todo o mundo, impondo severos riscos à saúde da mulher. Do total do número de causas de mortes em mulheres 12,5% são decorrentes das complicações do aborto, ocupando o terceiro lugar nas causas de mortalidade materna.4 Além do mais, os resultados das principais pesquisas realizadas no Brasil comprovam a tese de que a ilegalidade traz consequências negativas para a saúde das mulheres, principalmente para aquelas que são pobres e não têm acesso aos recursos médicos disponíveis para a prática do aborto seguro.5 No que tange à gravidade da situação do abortamento, é importante ressaltar, também, a influência dos dados nos custos assistenciais do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2006, 230.523 internações foram para a realização de curetagem pós-aborto e geraram o custo de R$ 33.697.846,87. As curetagens são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação, superadas, apenas, pelos partos normais.6 De acordo com os dados do Sistema de Informação Hospitalar do SUS-DATASUS referentes a 2007, o Brasil teve 2.450.812 internações por causas obstétricas e o Estado de Minas Gerais, 233.127.7 A discussão sobre o aborto é uma questão complexa, pois envolve aspectos de cunho moral e religioso, sendo objeto de forte sanção social. Essa condição implica dificuldades no seu relato pelas mulheres, particularmente em contextos de ilegalidade, como no Brasil.8 Além do mais, o processo do abortamento põe em risco a vida da mulher, expondo-a a intercorrências em sua saúde. Ao procurar o serviço de saúde para atendimento, além de necessitar de tratamento de urgência para sua condição física, as mulheres estão vulneráveis às reações dos profissionais que as atendem e que são participantes do contexto social, no qual permeiam atitudes negativas sobre o abortamento.9 Apesar de o aborto, na esfera das políticas públicas de saúde, ter sido tema amplamente discutido nas últimas décadas, ainda carecemos de dados que possam caracterizá-lo nas diversas realidades brasileiras, principalmente nos municípios do interior dos Estados. Dessa forma, no intuito de contribuir para o planejamento das ações na área da saúde da mulher que é atendida na situação de abortamento, decidiu-se realizar este estudo, com o objetivo de descrever as características de abortamentos de mulheres atendidas em uma instituição hospitalar filantrópica do município de Caratinga-MG. MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido em uma instituição hospitalar filantrópica do município de Caratinga-MG. Essa instituição hospitalar foi fundada em 1917 e é uma associação civil de direito privado, filantrópica, sem fins lucrativos que atende à população do município de Caratinga e circunvizinhanças, distantes de outros estabelecimentos hospitalares. Trata-se de um hospital geral que presta atendimento aos pacientes internados nas diversas clínicas. Especificamente na área da saúde da mulher, é responsável por prestar assistência à mulher durante o pré-parto, parto, puerpério, abortamento e outros. Foram selecionadas para participar deste estudo todas as mulheres admitidas com diagnóstico de abortamento, no período de agosto a novembro de 2008, que consentiram em participar, manifestando sua aquiescência por meio da assinatura doTermo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.10 É importante destacar que este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o Parecer n. 012/08 e autorizado pelo administrador da instituição, cenário do estudo. Os dados foram coletados por meio de um formulário, elaborado pelos próprios autores deste estudo, contendo 40 questões, fechadas e abertas, com abordagem das características sociodemográficas e reprodutivas das mulheres e as características do abortamento. As questões foram elaboradas com base nas variáveis estudadas em trabalho realizado por Nader, Blandino e Maciel11 sobre características de abortamentos atendidos em uma maternidade pública de Serra-ES. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 505 Características dos abortamentos de mulheres atendidas em uma instituição hospitalar filantrópica de Caratinga/mg A coleta de dados e o registro das informações foram realizados pelas próprias pesquisadoras. As mulheres foram entrevistadas no hospital, após terem sido submetidas à avaliação e à intervenção médica e os dados dos prontuários foram correlacionados com as informações fornecidas. Durante o período do estudo, foram internadas 46 mulheres com diagnóstico de abortamento. Os dados foram colhidos todos os dias da semana, em regime de escala entre as pesquisadoras. Duas mulheres não foram entrevistadas porque permaneceram pouco tempo no hospital (menos que 24 horas) e, apesar de localizarmos o endereço delas, para convidá-las a participar do trabalho, o endereço registrado no prontuário não coincidiu com o real local onde moravam. Dessa forma, a amostra deste estudo foi constituída de 44 mulheres. Para a análise das variáveis qualitativas, foi empregada a distribuição de frequência absoluta e relativa, e para as variáveis quantitativas utilizou-se o teste “t” de Student e a correlação de Pearson. Quando se compararam as variáveis qualitativas, foi utilizado o teste de χ2 (Quiquadrado) no nível de 5% de probabilidade e para testar heterogeneidade, e para aquelas heterogêneas foi calculado o coeficiente de Yule. TABELA 1 – Distribuição das mulheres internadas, com diagnóstico de abortamento, em uma instituição hospitalar filantrópica do município de CaratingaMG, segundo características sociodemográficas – Caratinga, 2008 Características N % Cor da pele Branca Não branca Total 13 31 44 29,55 70,45 100 Estado marital Mora com companheiro Não mora com companheiro Total 33 11 44 75,00 25,00 100 Religião Nenhuma Católica Evangélica/Protestante Espírita Outras Total 4 29 9 1 1 44 9,09 65,91 20,45 2,27 2,27 100 1 2,27 19 43,18 3 7 12 1 1 44 6,82 15,91 27,27 2,27 2,27 100 Procedência Zona urbana Zona rural Outro município Total 21 3 20 44 47,73 6,82 45,45 100 Ocupação Lar Trabalho físico pesado Trabalho físico suave Estudante Total 25 4 14 1 44 56,82 9,09 31,82 2,27 100 Renda (salário mínimo) <1 1a 2 2a3 >3 Total 11 20 6 7 44 25,00 45,45 13,64 15,91 100 Própria 25 56,82 Aluguel 12 27,27 Outra 7 15,91 Total 44 100 Escolaridade Analfabeta Ensino fundamental RESULTADOS incompleto Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto Ensino médio completo Curso superior incompleto Curso superior completo Total A maioria das mulheres era jovem (média de idade de 26,8 anos, mediana de 27 e desvio-padrão de ± 7,07). A mulher mais jovem tinha 16 anos e a mais velha, 43 anos. Do total, 10 delas eram adolescentes. De acordo como os dados especificados na TAB. 1, a maioria delas afirmou que não era branca (70,45%) e vivia com um companheiro (75%), independentemente de ser casada ou amasiada. Mais da metade disse que era católica (65,91%), seguida das que afirmaram que não tinham nenhuma religião (9,09%) e evangélicas ou protestantes (20,45%). Em menor proporção, apenas uma mulher disse que era espírita e outra, que não tinha nenhum tipo de religião. Com relação à escolaridade, observou-se que não houve diferença estatística significativa entre ensino fundamental incompleto (n= 19) e ensino médio completo (n= 12). Apenas uma mulher mencionou que tinha curso superior completo de geografia e outra, que era analfabeta. Quase 95% das mulheres eram procedentes da zona urbana de Caratinga e de outros municípios da circunvizinhança. Quanto à ocupação, a maioria mencionou que era do lar (n= 25) ou exercia alguma atividade remunerada que exige trabalho físico leve (n= 14). Apenas uma mulher era estudante e quatro disseram que trabalhavam com alguma atividade física pesada, ou seja, auxiliar de serviços gerais (n= 3), e uma, que era lavradora (n= 1). Quase metade das mulheres mencionou que tinha uma renda familiar de um a dois salários mínimos e mais da metade disse que residia em casa própria. 506 Tipo de residência Fonte: As autoras remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 Com relação às características reprodutivas, os resultados mostraram que a média da menarca foi de 13,16 anos (desvio-padrão de ± 1,64) e do início da vida sexual foi de 18,83 anos (desvio-padrão de ± 4,51). Ao correlacionarmos a idade da primeira menstruação com o início da vida sexual, foi possível verificar que o resultado não foi estatisticamente significativo (Coeficiente de Pearson= 0,3). Conforme mostra-se na TAB. 2, metade das mulheres não usava nenhum método contraceptivo e 38,64% mencionou que usava a pílula. Apenas cinco delas usavam a camisinha (preservativo masculino) durante as relações sexuais. TABELA 2 – Distribuição das mulheres internadas, com diagnóstico de abortamento, em uma instituição hospitalar filantrópica do município de Caratinga-MG, segundo características reprodutivas – Caratinga, 2008 Características Uso de contraceptivo Nenhum Hormonal (pílula) Barreira (preservativo) Total Gestações 1 2 3 >3 Total Partos Nenhum 1 2 3 >3 Total N % 22 17 5 44 50,00 38,64 11,36 100,00 Com relação ao número de partos, mais da metade (52,27%) das mulheres não tiveram nenhum parto e 34,09% (n= 15) tiveram um parto anterior. Onze partos foram normais, seis foram cesáreas e quatro não foram especificados. A maioria (n= 33) não teve nenhum aborto anterior, sete tiveram um aborto anterior e quatro tiveram dois abortos anteriores. Quando interrogadas sobre o desejo da gestação atual que evoluiu para o abortamento, 86,36% (n= 38) informaram que desejaram a gravidez, porém apenas 38,64% (n= 17) a planejaram. Muitas delas nem sabiam que estavam grávidas (TAB. 3). TABELA 3 – Distribuição das mulheres internadas, com diagnóstico de abortamento, em uma instituição hospitalar filantrópica do município de CaratingaMG, conforme planejamento e desejo da gestação – Caratinga, 2008 Características N % Sim 17 38,64 Não 27 61,36 Total 44 100 Sim 38 86,36 Não 6 13,64 Total 44 100 Gravidez planejada 19 17 1 7 44 43,18 38,64 2,27 15,91 100 Gravidez desejada 23 15 2 0 4 52,27 34,09 4,55 0,00 9,09 25 13 2 0 4 44 56,82 29,55 4,55 0,00 9,09 100 Nenhum 33 75,00 1 7 15,91 2 4 9,09 3 ou mais 0 0,00 Total 44 100 Filhos nascidos vivos Nenhum 1 2 3 >3 Total A história obstétrica das participantes mostra que, do total, 19 mulheres haviam engravidado apenas uma vez, cuja gravidez era o abortamento atual, e 17 estavam na segunda gravidez. Ressalte-se que sete mulheres haviam engravidado mais que três vezes. Abortos anteriores Fonte: As autoras A idade gestacional (IG) média foi de 9,27 semanas (desvio-padrão de ± 3,80). Do total, 33 mulheres informaram IG menor que 12 semanas e 11 mulheres informaram IG maior que 12 semanas. A distribuição das mulheres segundo características dos abortamentos é mostrada na TAB. 4. Observa-se que mais da metade das mulheres (52,27%) informaram ter procurado o pai do concepto para falar dos sinais e sintomas iniciais do abortamento e por atendimento médico até um dia do início dos sintomas. Fonte: as autoras remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 507 Características dos abortamentos de mulheres atendidas em uma instituição hospitalar filantrópica de Caratinga/mg TABELA 4 – Distribuição das mulheres internadas em uma instituição hospitalar filantrópica do município de Caratinga-MG, segundo características dos abortamentos – Caratinga, 2008 Características N % O primeiro serviço de saúde procurado pela maioria das mulheres foi o hospital, cenário deste estudo, por ser um serviço de referência para esse tipo de atendimento no município de Caratinga e ser conveniado ao SUS. Além do hospital, 13 mulheres mencionaram que tinham procurado a Estratégia Saúde da Família (ESF). Os sintomas predominantes apresentados na admissão hospitalar foi o sangramento genital (84,09%), seguido de dor abdominal (59,09%). Além desses sintomas, oito mulheres referiram cefaleia; cinco, náuseas e vômitos, e quatro, dor lombar. Primeira pessoa que procurou para conversar sobre os sintomas que estava apresentando Pai do concepto Mãe Amiga Outra Total 23 08 02 11 44 52,27 18,18 4,55 25,00 100 Tempo entre o início dos sintomas e procura pelo primeiro atendimento Até um dia Mais de um dia Total 23 21 44 52,27 47,73 100 Primeiro serviço de saúde procurado para atendimento PSF PAM Consultório particular Outro Total Quase 80% das mulheres não apresentaram nenhum sinal de infecção na admissão hospitalar. Porém, mais de 20% delas internaram-se com quadro de sangramento com odor fétido e febre. Mais da metade delas fezeram uso de antibiótico durante a internação. 13 6 6 19 44 29,55 13,64 13,64 43,18 100 Sinais e sintomas na admissão hospitalar* Sangramento vaginal Dor abdominal Outro Com relação à complicação decorrente do abortamento, 21 (47,73%) não tiveram nenhuma complicação e 21 (47,73%) apresentaram hemorragia uterina. Apenas uma mulher teve infecção e outra foi encaminhada a um serviço especializado, fora de Caratinga, não sendo possível descrever o que realmente aconteceu, dada a ausência de contrarreferência. 37 26 0 84,09 59,09 0 Quase 96% das mulheres (n= 42) foram submetidas a curetagem uterina. Apenas uma mulher fez salpingectomia, pois teve um abortamento decorrente de gravidez ectópica. Sinais de infecção na admissão hospitalar* Nenhum Sangramento com odor fétido Febre Leucocitose 34 8 2 2 77,27 18,18 4,55 4,55 Uso de antibiótico Sim Não Total 23 21 44 52,27 47,73 100 Complicação Nenhuma Hemorragia uterina Infecção Outra Total 21 21 1 1 44 47,73 47,73 2,27 2,27 100 Tratamento do aborto Aspiração manual intra uterina (AMIU) Curetagem Salpingectomia Outro Total 0 42 1 1 44 0 95,45 2,27 2,27 100 Fonte: as autoras 508 O tempo transcorrido entre o início dos sintomas e a procura pelo primeiro atendimento variou de 30 minutos a mais de um mês; 23 mulheres, ou seja, mais da metade, procuraram por atendimento até um dia e 21 delas com mais de um dia. Dos 44 casos de abortamento atendidos nessa instituição, 43 foram referidos pelas mulheres como abortamento espontâneo e apenas um como abortamento provocado. Os abortos foram classificados, em sua maioria, como espontâneos, incompletos ou completos. Essa mulher que disse ter pensado em abortar, mencionou ter conversado com o pai do concepto sobre tal decisão e ele a incentivou. Nem a família e nem os amigos ficaram sabendo da gestação e do aborto. Não houve relação entre o tempo de internação e o procedimento realizado, entre o uso de antibiótico e sinais de infecção e entre a idade gestacional e o procedimento realizado. Houve relação entre o início dos sintomas e a procura pelo primeiro atendimento, entre complicação e o procedimento realizado (Y= 0,97) e entre o uso de antibiótico e complicações (Y= 0,58). DISCUSSÃO Os resultados desta pesquisa revelam, com relação ao perfil sociodemográfico das mulheres, semelhanças com outros estudos desenvolvidos no Brasil, nos quais as mulheres que vivenciaram um abortamento, na sua maioria, eram jovens, não brancas, católicas, do lar, com baixa escolaridade e tinham um companheiro.12,13 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 Vale a pena destacar que dez mulheres estavam ainda na adolescência, o que sinaliza atenção especial a esse grupo de mulheres, considerado de maior vulnerabilidade. O abortamento na adolescência é um fenômeno que demonstra necessidade do aumento da atenção interdisciplinar, promovendo saúde sexual, sendo que a prevenção da gravidez evitaria o aborto, proporcionando aumento da qualidade de vida e valorização da vida.14 Quanto à escolaridade, destaque-se a importância de ampliar a rede de informações para a população em geral, com o objetivo de melhorar o cuidado e, consequentemente, os indicadores de saúde. Acreditase que mulheres com maior escolaridade estariam mais informadas e poderiam ter maior acesso às formas de prevenção de uma gestação não planejada, mediante a utilização de métodos contraceptivos, haja vista que a maioria das mulheres deste estudo não estava usando nenhuma forma de prevenção de gravidez. Além do mais, destaque-se o baixo número do uso do preservativo nas relações sexuais e maior risco para DST e aids. Estudo revela que mais da metade das mulheres pesquisadas referiram que não faziam uso de qualquer contraceptivo e um reduzido percentual citou o uso de preservativo, o que se assemelha aos nossos resultados15. No entanto, resultado diferente foi encontrado em estudo desenvolvido por Ramos et al.16, no qual 100% das mulheres participantes disseram que conheciam a pílula e o preservativo masculino. Tratando-se do uso de métodos contraceptivos, o início prematuro da atividade sexual faz com uma parcela pequena de mulheres os empregue. Esse cenário torna-se propício à possibilidade de ocorrência de uma gravidez indesejada ou não planejada, além do risco de a mulher se submeter a uma DST/aids e às complicações advindas de uma situação de abortamento.14 Um ponto importante a ser destacado foi que a maioria das mulheres vivia com companheiro e tinha uma relação conjugal estável, fato que contribuiu para a procura rápida por atendimento, bem como o suporte do companheiro durante esse momento de perda, considerado por elas de grande fragilidade e exposição. Em estudo descrito por Bazotti, Stumm e Kirchner,12 a gravidez também revelou que era resultante de um relacionamento estável. Olindo e Moreira-Filho17 encontraram, em pesquisa que realizaram, mulheres vivendo em união consensual com um risco de induzir um aborto duas vezes maior comparado ao das mulheres casadas. Esse fato foi confirmado pela variável“mora com companheiro”, que apresentou um risco três vezes maior. Ainda no mesmo estudo, os autores mencionaram que “não tinham religião” aumentou o risco de aborto em 100% em comparação às mulheres de religião católica. O estudo mostrou que quase metade das mulheres estavam na primeira gestação, e aproximadamente 75% não haviam vivenciado nenhum aborto anterior. Essa experiência, portanto, foi um momento singular na vida dessas mulheres e, como tal, permeado pelo sofrimento da perda, pois, apesar da maioria delas não ter planejado a gestação, a desejaram. Estudo realizado em Recife com mulheres hospitalizadas para tratamento do abortamento também encontrou que a maior parte delas era nulípara.16 No entanto, resultados diferentes foram encontrados por Cecatti et al.13 e Mariutti e Furegato,15 em que a maioria das mulheres já tinha, pelo menos, um filho. Quanto ao planejamento da gravidez, das 44 mulheres entrevistadas, apenas 17 referiram ter planejado, mas uma percentagem considerável declarou que, mesmo não tendo planejado, desejavam a continuidade da gestação. Tal fato corrobora para a associação de outros fatores relacionados à ocorrência do aborto e não propriamente para a indução deste. O estudo de Nader, Blandino e Maciel11 demonstrou que as mulheres que não planejaram a gestação induziram o abortamento. No que concerne ao tipo de abortamento, o estudo traz duas limitações importantes, que devem ser levadas em conta. A primeira refere-se ao fato de que alguns aspectos podem ter influenciado nos resultados encontrados na pesquisa, como o fato de ser possível que, na população de mulheres estudadas, alguns abortos classificados como espontâneos tenham sido provocados, uma vez que algumas mulheres podem ter omitido a real ocorrência do modo como o aborto aconteceu. Caratinga é um município do interior mineiro, e a maioria das pessoas se conhece. Isso pode inibir o relato das mulheres sobre os motivos reais que conduziram ao abortamento como medida de segurança. A segunda limitação refere-se à classificação do tipo de abortamento, que muitas das vezes não estava especificado no prontuário e elas não sabiam fornecer esta informação. No que diz respeito à análise das características do abortamento,amaioriadasmulheresrelatouterprocurado o pai do concepto tão logo iniciaram a apresentação dos sinais e sintomas do abortamento. Isso se justifica pela existência de uma situação conjugal estável, a confiança e apoio do companheiro. Esse dado também reforça o fato de muitas delas estarem acompanhadas pelo companheiro na admissão hospitalar. Apesar do tempo transcorrido entre o início dos sintomas e a procura pelo primeiro atendimento ter variado de minutos a mais de um mês, a maioria das mulheres procurou por atendimento até um dia, mostrando que houve relação entre o início dos sintomas e a procura pelo primeiro atendimento. Isso corrobora com o menor número de infecção na admissão hospitalar e complicações do abortamento. Apenas uma mulher procurou atendimento com mais de um mês e tal situação pode estar associada ao aborto provocado. Com relação ao primeiro serviço de saúde procurado para atendimento, o hospital, cenário deste estudo, foi o local mais procurado, por prestar atendimento em obstetrícia e ginecologia e ser conveniado ao SUS. Destaque-se que a maioria das mulheres deste estudo estava internada pelo SUS. Apenas uma mulher que remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 509 Características dos abortamentos de mulheres atendidas em uma instituição hospitalar filantrópica de Caratinga/mg teve o abortamento era cliente de convênio. Tal fato se justifica porque não há em Caratinga ambulatório de ginecologia e obstetrícia. Dessa forma, ao precisar de atendimento nessa área, as mulheres são direcionadas para o hospital e, se necessário, permanecem internadas. Caso contrário, elas são avaliadas e liberadas para casa. O sintoma mais frequente foi o sangramento vaginal, seguido de dor abdominal. De acordo com o Ministério da Saúde, 18 os sintomas podem variar conforme a classificação do aborto. Na ameaça de abortamento, o sangramento genital, geralmente, é em pequena quantidade, com ou sem cólicas de intensidades variáveis, porém pouco intensas. No abortamento completo, o sangramento e as dores diminuem após a expulsão do material ovular. No abortamento inevitável e incompleto, a perda sanguínea é maior que na ameaça de abortamento, podendo ocorrer a eliminação de coágulos. No abortamento retido, é pouco comum a hemorragia. No abortamento infectado, que ocorre geralmente após a manipulação para induzir a interrupção da gravidez e sob más condições técnicas, o sangramento tem odor fétido e é acompanhado de dor abdominal e febre. É importante destacar que, neste estudo, oito mulheres internaram-se com quadro de sangramento com odor fétido, o que nos faz pensar na possibilidade de um abortamento infectado e possivelmente provocado, apesar de não ter sido mencionada por elas essa possibilidade. Uma mulher apresentou infecção como complicação do abortamento, porém a maioria apresentou hemorragia uterina como complicação, mostrando relação entre a complicação e o procedimento realizado. Mais da metade delas fez uso de antibiótico durante a internação. Nos casos de complicações, porém, o uso de antibiótico foi maior, reforçando a relação encontrada entre uso de antibiótico e complicação. Estudo revela que existe relação quanto à presença de sinais clínicos e o aborto provocado.10 A ausência desses sinais remete à investigação de outras possíveis causas dos abortos espontâneos. Os níveis de internação pós-aborto são elevados e colocam o aborto como um problema de saúde pública no Brasil. Diniz e Medeiros19 mostraram que metade das mulheres que fizeram aborto recorreu ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas ao aborto. Para os referidos autores, boa parte dessa internação poderia ter sido evitada se o aborto não fosse tratado como atividade clandestina e o acesso aos medicamentos seguros para aborto fosse garantido. Mais de 50% das mulheres usaram antibiótico. Resultado também encontrado em menor percentual em outro estudo revelou que 25% das mulheres receberam tratamento com antibiótico e a média do número de dias com essa medicação esteve mais elevada para os casos de aborto provocado.20 Um dado muito importante, identificado nesse estudo, foi com relação ao tipo de tratamento do abortamento. Das 44 mulheres internadas, 42 foram submetidas 510 à curetagem uterina, independentemente da idade gestacional. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, em que todas as mulheres que se internaram por complicações do abortamento foram submetidas a curetagem.11,12 O Ministério da Saúde18 coloca que se deve utilizar tecnologia apropriada para promover o esvaziamento uterino nos casos de abortamento em que essa situação for necessária, podendo ser feita utilizando-se a técnica de aspiração manual intrauterina (AMIU) nos casos de abortamento até 12 semanas. Ressalte-se, porém, que, quando não disponível ou na ausência de pessoal treinado nessa técnica, pode-se promover o esvaziamento por meio da curetagem uterina. Quando a gestação tem mais de 12 semanas, é necessário promover a dilatação cervical e a expulsão do produto conceptual com uso de misoprostol vaginal e ocitocina venosa, no caso de o colo se encontrar fechado e, se necessário, realizar a curetagem uterina. Neste estudo, não houve relação entre a idade gestacional e o procedimento realizado, pois, como mencionado, quase 100% dos casos foram submetidos à curetagem uterina, apesar de 33 mulheres terem idade gestacional menor que 12 semanas. Parece faltar treinamento dos profissionais de saúde para a realização da técnica de AMIU e material disponível no serviço. Apenas uma mulher mencionou ter pensado em realizar o aborto. No estudo desenvolvido por Nader, Blandino e Maciel,11 apenas 17,7% das mulheres entrevistadas do grupo do abortamento espontâneo pensaram em abortar e 38,8% dos companheiros apoiaram essa decisão. A maternidade se mostrou predominantemente de forma idealizada e positiva para a maioria das mulheres que vivenciaram um abortamento espontâneo ou provocado.12 O tempo de internação variou de menos de um dia a quatro dias. Sem sinais de infecção e complicação, a maioria das mulheres foi submetida à curetagem uterina e após estabilização do quadro foram liberadas. Em muitos casos, essa internação foi prolongada porque muitas delas relataram que não sabiam que estavam grávidas e, dessa forma, não estavam fazendo pré-natal, tampouco tinham classificação sanguínea. Dessa forma, não houve relação entre o tempo de internação e o procedimento realizado nem entre o uso de antibiótico e sinais de infecção. Em estudo, com abordagem qualitativa, realizado com mulheres em situação de abortamento, o tempo de hospitalização foi relatado pelas mulheres como muito longo e esperado com muita ansiedade pela maioria delas, apesar do tempo médio ser de dois a três dias.21 Em relação à opinião sobre o aborto provocado, quase a totalidade das mulheres afirmou que era contra o aborto induzido, mencionando suas justificativas por meio das seguintes falas: remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 504-512, out./dez., 2011 Se não quer ter o filho, não engravida. Existem métodos suficientes para evitar a gravidez e deveria haver melhor orientação. Evitar seria melhor que retirar uma vida inocente. Não acho certo, acho que é pecado. Quem faz deve ter consciência do que faz. Sou contra, porque a criança sente. As mulheres devem assumir o que fazem, pois a criança não pediu para vir ao mundo. Depois que engravida não se pode tirar. Provocar um aborto é um crime. Essas falas retratam a necessidade de novas pesquisas sob o olhar da mulher que vivencia o abortamento e reforçam a questão do aborto como um tema polêmico e permeado por tabus e questões sociais. CONCLUSÃO Neste estudo, retratam-se as vantagens e as limitações próprias de estudos descritivos do tipo transversal. A abordagem dessas mulheres na instituição hospitalar permitiu, de maneira simples, encontrar um número de casos de aborto para a investigação de seus determinantes. Esses dados confirmam que há necessidade de estratégias para o planejamento familiar e também assistência hospitalar que auxilie na melhoria do tratamento do aborto e melhor qualidade de vida a essas mulheres. Podemos notar que há outros horizontes de possibilidade para a mulher com trajetória de controle da sua fecundidade e que incluem, necessariamente, a educação, o pronto acesso aos serviços de saúde, a preocupação genuína com a saúde integral da mulher. São caminhos que as respeitam como cidadã livre para fazer escolhas, mas que não implicam, necessariamente, aceitação plena do aborto. Assim, compreender o contexto das mulheres constitui uma possibilidade de acesso ao próprio ser, visto que o respeito e a interação são importantes para entendê-las em sua situação de abortamento. Esse momento encontra-se propício à atuação da enfermagem quanto à orientação e ao cuidado com a saúde. Os resultados deste estudo mostram que existe a necessidade crescente de investigar e conhecer mais sobre as mulheres que procuram os serviços de saúde para tratamento do abortamento e adequar os tipos de tratamento disponíveis nos serviços hospitalares dos municípios do interior do Brasil, com o objetivo de atender com maior qualidade à saúde da mulher, bem como diminuir o risco de complicações e custo assistencial. Além do mais, deste estudo podem emergir novas possibilidades de pesquisas com mulheres em situação de abortamento sob as perspectivas das mulheres e dos profissionais de saúde que atuam nesse cenário de assistência. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. Unsafe abortion: global and regional estimates of incidence of unsafe abortion and associated mortality in 2003. Geneva: Department of Reproductive Health and Research; 2007. 2. Duarte GA, Alvarenga AT, Osis MJMD, et al. Perspectiva masculina acerca do aborto provocado. Rev Saúde Pública. 2002; 36(3): 271-7. 3. Código Penal. Decreto Lei n. 2848 de 7 de dezembro de 1940. In: Delmanto C, Delmato R, Delmanto Júnior R, et al. Código penal comentado. São Paulo: Renovar; 2002. p. 267-71. 4. Mariutti MG, Almeida AM, Panobianco MS. Nursing care according to women in abortion situations. Rev Latinoam Enferm. 2007; 15(1): 20-6. 5. Diniz D. Aborto e saúde pública no Brasil. Cad Saúde Pública. 2007; 23(9): 1992-3. 6. Brasil. 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Pode-se depreender que a enfermagem dessa instituição, nos seus primórdios, guarda estreita identidade com a fase pré-profissional da profissão no mundo e no Brasil. Era formada por atendentes, sem qualquer preparo técnico, com orientação de um grupo de religiosas, Filhas de Sant’Ana, pioneiras na organização e administração do serviço de enfermagem do Hospital. Eram também responsáveis pela assistência ao paciente, caracterizada por uma filosofia meramente caritativa. Palavras-chave: Enfermagem; História; Ensino. ABSTRACT This is a study with a historical and qualitative approach that aims to analyze the nursing practice at the University Hospital Onofre Lopes in its pre-professional stage. This research is justified by the lack of records about nursing in an institution of great tradition in nursing teaching in the State of Rio Grande do Norte. The study was carried out in 2005 and the empirical research was backed by a survey of reports, minutes, letters, bylaws, statutes, acts, laws, decrees, photos and interviews with people who have vivid memories of the hospital history. In its early days, nursing in that institution held a close identity with the pre-professional stage of nursing in the world and in Brazil. At that time its staff was formed by assistants with no technical formation that were supervised by a group of nuns from the congregation of the Daughters of St. Anne. They were pioneers in the organization and administration of nursing care at the hospital and were also responsible for patient care all imbued with a purely charitable philosophy. Key words: Nursing; History; Education. RESUMEN Estudio de enfoque histórico y cualitativo realizado con el objeto de analizar la enfermería del Hospital Universitario Onofre Lopes (HUOL) en su etapa pre-profesional. Esta investigación se justifica por la falta de registros sobre la enfermería de uno de los hospitales más tradicionales de enseñanza de salud en el Estado de Rio Grande do Norte (RN). Se trata de un estudio empírico realizado en 2005 que se basa en el relevamiento de documentos tales como informes, actas, cartas, reglamentos, estatutos, leyes, decretos, fotos y entrevistas a personas que conservan vivos recuerdos de la historia del hospital. Se puede deducir que en sus primeras épocas la enfermería de esta institución estuvo muy vinculada con la etapa pre-profesional de enfermería en Brasil y en el mundo. En esa época el trabajo de enfermería era llevado a cabo por personas sin ninguna preparación técnica, orientadas por religiosas, Hijas de Sant’Ana, pioneras en la organización y administración de las tareas de enfermería del hospital. Eran también responsables de la atención del paciente que se caracterizaba por ser meramente compasiva. Palabras clave: Enfermería; Historia; Enseñanza. * 1 2 Artigo produzido com base na dissertação de Mestrado “Passado e presente: a enfermagem do Hospital Universitário ‘Onofre Lopes’”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), 2005. Enfermeiro do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). Mestre em Enfermagem pela UFRN. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Educação. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem e Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRN. Endereço para correspondência – Djailson José Delgado Carlos. Rua Joaquim Lopes Pereira, 145 apto. 302, Nova Parnamirim-RN. CEP: 59.150-590. E-mail: [email protected] remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 513 Enfermagem: história e memórias da construção de uma profissão INTRODUÇÃO A finalidade com este estudo é registrar a história da enfermagem do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), no Estado do Rio Grande do Norte-RN, tomando como referência a formação profissional. Para sua realização, teve-se a intenção de reunir o máximo dessa história, abrindo-se perspectivas para conhecer melhor a profissão, preservar-lhe a memória e fomentar estudos outros que contribuam para a construção efetiva do saber no campo da saúde e da enfermagem, principalmente. A escolha dessa instituição secular deu-se pelo fato de ela ser para o Estado do Rio Grande do Norte uma referência na formação dos profissionais de saúde. Assim, partiu-se para o levantamento de material sobre o Hospital e a enfermagem, incluindo atas de reuniões, relatórios, fotografias, cartas, livros e trabalhos acadêmicos, bem como a realização de entrevistas com pessoas que viveram essa história ou que dela têm vivas memórias. Isso posto, torna-se significativo registrar que foi a enfermagem que manteve, ao longo dos anos, uma relação mais estreita com o Hospital, considerando-se que a primeira iniciativa de ensino na história dessa instituição ocorreu em 1955, com o funcionamento, em suas dependências, da Escola de Auxiliares de Enfermagem de Natal, atual Escola de Enfermagem de Natal (EEN).1 Portanto, o registro da história da Enfermagem do HUOL, articulado com o ensino de enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), constitui o objeto deste estudo. Assim, o desenvolvimento desta investigação, cujo objetivo foi analisar a evolução da enfermagem do HUOL em seus primórdios, justifica-se pelo fato de resgatar uma história ainda não registrada e de suma importância para a enfermagem do RN, pelo seu pioneirismo. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA Estudo de enfoque histórico com abordagem qualitativa, tendo como propósito a investigação da trajetória da enfermagem do HUOL em sua fase pré-profissional, tomando como referência o ensino de enfermagem da UFRN. A realização deste estudo tornou-se possível com a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN, conforme Parecer nº 81/2004, e contempla as prerrogativas da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde 2 , no que se refere a estudos envolvendo seres humanos. Sobre a pesquisa histórica, sabe-se que contribui para elucidar o contexto vivido, que se relaciona a motivações distintas e é resultante de consultas às diversas fontes, sejam elas primárias ou secundárias.3 Trata-se, então, de uma análise sistematizada por meio da qual são estabelecidas novas conexões, comparações 514 e significados dos fatos estudados, produzindo um novo conhecimento. Assim concebida, esse tipo de pesquisa permite a compreensão do passado de um grupo social que, ao longo dos anos, construiu essa história.4 As fontes da pesquisa histórica devem ser vistas como a via pela qual o pesquisador entra diretamente em contato com o problema, possibilitando-lhe examinar e analisar uma sociedade em seu tempo.5 Igualmente contribuem na recuperação da memória, ajudando a salvar o passado para servir ao presente e ao futuro.6 Quanto às pesquisas de abordagens qualitativas, sabese que permitem buscar as raízes dos significados, das suas causas, extrapolando uma visão superficial que se possa ter destes. A respeito dessa modalidade, deve-se utilizá-la quando se deseja aprofundar a realidade,7 pela oportunidade de trazer para a análise o subjetivo e o objetivo, os atores sociais, os fatos e os significados.8 Trabalhar nessa perspectiva possibilitou ultrapassar a aparência do fenômeno, identificando, analisando e argumentando significados presentes nos registros contidos nos diversos documentos e nos depoimentos dos entrevistados. A respeito da realização das entrevistas, é um momento enriquecedor para a investigação, pois o entrevistado participadaelaboraçãodapesquisa,vistoserestabelecida por meio de comunicação bilateral.9 A amostra constituiu-se de oito profissionais do HUOL (um médico diretor, duas religiosas Filhas de Sant’Ana, dois técnicos de enfermagem) e da EEN/UFRN (uma enfermeira professora, uma enfermeira diretora e uma ex-aluna da primeira turma da EEN), tendo sido adotado como critério de participação neste estudo ter exercido suas atividades a partir da década de 1950. Foram esclarecidos os objetivos e outros aspectos relacionados à pesquisa, assim como foi feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, em caso de concordância, a solicitação da assinatura. Para a manutenção do sigilo, os participantes foram identificados pela letra E, que significa entrevistado, seguido pela numeração crescente em conformidade com a ordem das entrevistas. A coleta de dados obedeceu a dois momentos: primeiro, foi solicitada a autorização do Arquivo Geral do Estado, da Direção de Enfermagem do HUOL e da EEN, por conterem registros que dizem respeito ao Hospital, ao ensino de enfermagem e à própria enfermagem do RN; em seguida ocorreu a realização de entrevistas entre os meses de maio a junho 2005, em data e local previamente agendados com os participantes. Quanto à técnica de entrevista, optou-se pela não diretiva, visto que permite ao entrevistado manter-se interessado no que fala, desenvolvendo suas opiniões conforme sua conveniência.9 Para proceder à análise dos dados, as entrevistas foram gravadas e cuidadosamente transcritas, tendo sido lidas atentamente, selecionadas quanto à pertinência dos remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 depoimentos dos participantes em razão dos objetivos da pesquisa. Portanto, deve-se dizer que a trajetória histórica da enfermagem do HUOL, objeto desta pesquisa, foi sendo lentamente tecida e construída, podendo ser comparada a um verdadeiro artesanato intelectual. Para tal, contou com referências existentes em documentos, estudos acadêmicos e com a memória daqueles que ajudaram a construí-la. ANÁLISE E DISCUSSÃO No Brasil, tomando-se como referência o período colonial (séculos XVI a XIX), os primeiros a se ocuparem dos cuidados aos doentes em suas próprias tribos foram os pajés, mas com a colonização essas responsabilidades foram sendo assumidas por jesuítas, religiosas, voluntários leigos e escravos.10 É dessa época a fundação das Santas Casas de Misericórdia, destinadas ao acolhimento dos pobres, órfãos e enfermos. A primeira delas a ser fundada foi a de Santos-SP, em 1543, seguida pela do Rio de Janeiro-RJ, Vitória-ES, Olinda-PE e Ilhéus-BA.10 Nesse período, essas instituições representam quase o único tipo de hospital do país.11 A respeito da estrutura e funcionamento dessas Santas Casas de Misericórdias, em linhas gerais, há referências da existência de enfermarias masculinas e femininas, compartimentos para a direção, a recepção, dormitório dos empregados, cozinha, botica, capela, penúria de medicamentos, de instrumental, de rouparia e de alimentos. A direção estava entregue a leigos e os serviços de enfermagem eram praticados por escravos ou por indivíduos de baixo nível social.12 Sobre a enfermagem dessa época, sabe-se que era essencialmente prática e que para exercê-la não havia exigências quanto à escolaridade. Em geral, seus exercentes eram analfabetos.10 A dificuldade de divulgação de conhecimentos científicos também simplificava excessivamente as exigências para o desempenho das funções do enfermeiro.13 Sobre essa realidade, uma vez contratada para assistir um doente, qualquer pessoa, homem ou mulher, adquiria prática e daí por diante, por presunção, firmava reputação de entendida em enfermagem, ou seja, a Escola foi a prática.11 Nessa época, dada a falta de literatura específica, eram corriqueiras as consultas a livros trazidos de Portugal sobre medicina popular e enfermagem caseira. O Guia do Enfermeiro, escrito em 1783 por Francisco Morato Roma, de edição portuguesa, era um dos mais consultados por aqueles que prestavam cuidados aos doentes.10 Essa enfermagem praticada por leigos, desprovida de conhecimentos formais, baseada em práticas empíricas, cercada de rituais e que concebe a doença como um castigo dos deuses aos desobedientes, é considerada como pré-profissional. Sabe-se que ela perdurou até o século XIX, quando, na Inglaterra, em 9 de julho de 1860, Florence Nightingale, na intenção de tornar a profissão honrosa, fundou no Hospital São Tomás, em Londres, uma escola para enfermeiros.10,12 Essa Escola destinava-se a serviços hospitalares, domiciliares e de ensino, diferenciando-se quanto à sua orientação e organização, pois, obrigatoriamente, deveria ser dirigida por enfermeiras. O ensino pautava-se pela anatomia, química, filosofia, abreviações latinas e técnicas. Suas alunas eram selecionadas sobre o ponto de vista moral, físico, intelectual e de aptidões. Também era critério serem jovens e educadas. Formavam as nurses, menos favorecidas, tinham seus estudos financiados pela Fundação Nightingale e destinavamse aos serviços práticos; e as ladies-nurses, socialmente privilegiadas, eram preparadas para as atividades de supervisão e ensino, ocupando espaços de liderança. Essa formação em modalidades reflete a divisão social de classes e enfatiza a divisão técnica do trabalho, tendo em vista os dois tipos de aluna.13 A importância maior dessa Escola consiste na substituição da prática empírica, sem fundamentação teórica, por uma prática sistematizada e racional, alicerçada em conhecimento científico. Seguindo esses preceitos, a enfermagem passa a ser denominada como Moderna ou Profissional. No Brasil, a Enfermagem Moderna foi introduzida em 1922, quando, na cidade do Rio de Janeiro, capital do país na época, o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) recebeu, por meio do convênio firmado entre seu diretor, o sanitarista Carlos Chagas, e o Serviço Internacional de Saúde da Fundação Rockfeller, um grupo norte-americano de enfermeiras.10,12 Dentre outros feitos, essas enfermeiras foram responsáveis pela fundação, em 10 de novembro de 1922, e funcionamento, em 19 de fevereiro de 1923, da Escola de Enfermeiras do DNSP, posteriormente denominada Escola de Enfermagem Anna Nery, considerada padrão para todo o país. Atualmente, encontra-se vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).14 A vinda dessas enfermeiras é considerada um marco de extrema importância, pois, anteriormente a esse acontecimento, esse ofício estava sob a responsabilidade de leigos e à mercê do empirismo. Sobre escolas profissionais de enfermeiros no país, é importante registrar que outras iniciativas antecederam a fundação da Escola de Enfermagem Anna Nery, a saber: Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospital Nacional de Alienados (1890), no Rio de Janeiro, posteriormente chamada de Escola de Enfermeiros do Serviço Nacional de Doenças Mentais, atualmente denominada de Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pertencente à Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO); Escola de Enfermagem no Hospital Evangélico (1901), em São Paulo, hoje Hospital Samaritano; e a Escola Prática de Enfermeiras da Cruz Vermelha.10,12 Quanto ao funcionamento dessas escolas de enfermagem, eram os médicos os responsáveis não remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 515 Enfermagem: história e memórias da construção de uma profissão somente pela direção, mas também pela administração do processo educacional, e a seleção dos conteúdos se dava em conformidade com as necessidades da prática médica. Por esses motivos, a Escola de Enfermeiras do DNSP, pioneira no ensino sistematizado de enfermagem no Brasil, seguindo as orientações do sistema nightingaliano, é reconhecida, pela maioria dos documentos, como a primeira do país.15 Saúde (SUS) e vinculada ao Ministério da Saúde (MS), cuja função básica é apoiar o ensino de graduação e pós-graduação do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRN. No que diz respeito ao Rio Grande do Norte, no início do século XX, especificamente em Natal, capital do Estado, a enfermagem do HUOL, Hospital de Caridade Jovino Barreto na época, pautava-se, naturalmente, pelo conhecimento baseado na experiência, como ocorria nas demais instituições de saúde do Brasil. Era desempenhada por qualquer pessoa [...]. Eram umas amadoras as pessoas que exerciam a enfermagem; eram pessoas amadoras, práticas. (E1) Retornando, pois, à enfermagem do HUOL, em seu período pré-profissional, objeto deste estudo, assim se pronunciaram alguns participantes desta investigação: Era muito difícil. Tudo era improvisado porque não tinha recursos. Então a gente fazia o que era possível. As religiosas também trabalhavam com o doente. (E2) Sobre essa instituição de saúde, inaugurada em 12 de setembro de 1909, faz-se necessário destacar que sua fundação decorreu da necessidade de organizar uma assistência condigna à população. Para tal, uma casa de veraneio, localizada no Monte Petrópolis, foi adaptada com 18 leitos para o atendimento de pessoas carentes. Foram contratados para seu funcionamento o médico Januário Cicco como diretor, um grupo de religiosas Filhas de Sant’Ana para assistência ao enfermos e direção doméstica, e José Lucas do Nascimento como “enfermeiro”. O Hospital também dispunha de pessoal para as funções de servente, jornaleiros e criados. Administrativamente encontrava-se subordinado ao Estado por meio da Inspetoria de Higiene e Saúde.16 Eu me lembro que eram muitos doentes que se internavam; às vezes não tinha nem cama para colocálos. (E3) As coisas eram muito precárias. Por exemplo, nós lavávamos e consertávamos luvas já utilizadas para serem novamente usadas em outros procedimentos. Também desobstruíamos agulhas e fazíamos suas pontas. (E4) Vê-se, então, com base nesses depoimentos, quão precária era a condição de trabalho da enfermagem na época, bem como comprova-se a inexistência de formação profissional. No que diz respeito ao trabalho das irmãs Filhas de Sant’Ana, podem ser observadas as seguintes revelações A respeito do “enfermeiro” José Lucas do Nascimento, responsável pelas enfermarias masculinas, conhecido pela sua dedicação e popularíssimo como “‘doutor’ de gente pobre”,17 faz-se necessário relembrar o caráter essencialmente empírico da enfermagem nessa época. As irmãs trabalhavam de dia e de noite. Apesar de não serem formadas, elas tinham prática de enfermagem e adquiriam confiança dos médicos, trabalhando com muito amor, muita dedicação, com muito empenho. (E4) NoHospital,asreligiosasfaziamtodootrabalho[...]. Elas também tinham funções administrativas e cada uma era responsável por um setor hospitalar ou enfermaria [...]. Tinha irmãs que ajudavam a trocar a roupa do paciente, a dar alimentação àqueles que não podiam se alimentar e ajudavam nas medicações. (E5) No que tange ao grupo de religiosas, coordenado pela Superiora Cosma Campani, estudos relatam que eram sete, vindas de Recife-PE. Também há referências de uma irmã licenciada em serviços farmacêuticos.1,15 Acerca desse Hospital, a título de informação, sua existência é marcada por vários processos de reformas e ampliações, ocasionando modificações em sua estrutura física e organizacional. Seu crescimento foi acompanhado de sucessivas mudanças de nomes, a saber: Hospital de Caridade Jovino Barreto (1909), Hospital Miguel Couto (1935), Hospital das Clínicas (1960) e, a partir de 1984, como homenagem ao primeiro Reitor da UFRN, após seu falecimento, passou a denominar-se Hospital Universitário Onofre Lopes.17 Funcionando como Hospital-Escola, desde a criação da UFRN, em 1958, desempenha importante papel como centro de pesquisa científica nas diversas áreas e conhecimento aplicados à saúde, desenvolvendo, para tal, atividades de ensino, pesquisa, extensão e assistência a população.18 Atualmente, é uma instituição de saúde pública terciária de âmbito federal, integrada ao Sistema Único de 516 Essa realidade permaneceu por décadas, tendo as religiosas à frente dos serviços hospitalares. Do grupo inaugural de sete, em 1909, em 1935 havia nove delas, acrescidas ao grupo de não religiosas, já composto por José Lucas do Nascimento, duas “enfermeiras” (Generosa de Souza e Maria de Jesus) e duas auxiliares de enfermaria (Joaninha Sales e Francisca Fernandes). Ainda sobre a composição do serviço de enfermagem do Hospital, dados revelam que em 1945 havia 13 religiosas, 2 “enfermeiras”, 4 “enfermeiros” e 2 parteiras.19 Vale assinalar que não foi encontrado qualquer documento referente à origem, local de nascimento ou mesmo dados pessoais dessas pessoas citadas, diferentemente de outros personagens aludidos neste estudo. Pode-se perceber que em uma sociedade de classes essa ausência de dados vem confirmar o lugar que cada pessoa ocupa na hierarquia social. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 A respeito da participação das Irmãs Filhas de Sant’Ana na administração e assistência hospitalar, registros referentes a 1952 afirmam a existência de 16 religiosas lotadas em serviços diversos, a saber: Albina Vieira (Superiora), Teodolinda Amazonas (secretária), Natália Maia (farmacêutica), Vilma Vila (pavilhão de luxo), Delfina Lorena (pavilhão de 1ª classe), Damelina Amaral (setor de internamento), Inez Mineli (centro cirúrgico), Donata (pavilhõesde2ªe3ªclasses),PierinaAlbuquerque(1ª,2ª,3ª, 4ª e 5ª enfermarias), Alessia Barbosa (6ª e 7ª enfermarias), Izaura Rego (8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ªenfermarias), Geralda Carvalho (14ª, 15ª e 16ª enfermarias), Miquelina Cassioraghi (portaria e gabinetes de odontologia e otorrinolaringologia), Emerentina Montenegro (cozinha), Conceição Busatta (lavanderia) e Emerenciana Costa (sala de costura) É importante informar a inexistência de enfermeiras diplomadas entre elas.19 Diante dessa realidade, torna-se imprescindível relembrar que a institucionalização da Enfermagem Moderna no Brasil ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, em 1923, expandindo-se muito lentamente pelo país, haja vista a realidade do Rio Grande do Norte, cujo ensino, seguindo os preceitos de Florence Nightingale, só foi possível 32 anos depois, com a fundação da EEN. Retornando a organização do serviço de enfermagem do HUOL nessa época, no que diz respeito ao ingresso à assistência, assim informaram dois participantes: A partir de uma experiência como acompanhante de um paciente cirurgiado [...]. A forma atenciosa e delicada como eu o tratava chamou a atenção das irmãs, aí terminei por ser convidada a trabalhar no Hospital, mas tive que fazer um treinamento. (E2) As freiras pesquisavam o trabalho dos funcionários da limpeza junto aos pacientes e então aquelas pessoas que se destacavam, que demonstravam jeito para a Enfermagem eram convidados [...]. Como eu sempre demonstrei interesse pela assistência, nas minhas horas de folga colaborava como voluntário nos cuidados aos pacientes. A irmã que trabalhava na enfermaria, certo dia me perguntou: 'Você gostaria de trabalhar no serviço de Enfermagem?' Respondi que sim. Então fui treinado como atendente. (E5) Esses depoimentos ilustram quão efetiva era à participação das Irmãs Filhas de Sant’Anna na vida da instituição e, em particular, no gerenciamento da assistência de Enfermagem, bem como fica explicita a valorização de princípios cristãos como amor, fraternidade, caridade e serviço ao próximo. Quanto ao treinamento realizado pelas religiosas, veja os seguintes depoimentos: Tinha como requisito saber ler e escrever. Tudo as freiras me explicavam e eu com aquela explicação já estava aprendendo [...]: ‘Bote uma bolsa de água quente assim’, explicava como devia ser feita a injeção. A aprendizagem continuava a ocorrer no próprio trabalho (E2) Acontecia no espaço de três meses, com aulas teóricas e práticas [...]. Constava de ensinamentos básicos, tais como: técnicas de injeção, curativos, verificação dos sinais vitais, banho no leito, mudança de decúbito, troca de roupas do paciente e de cama. (E5) Quando comecei a trabalhar no Hospital eu não tinha experiência com esse negócio de Enfermagem. Eu entrei sem saber de nada. A Irmã Geralda Carvalho foi minha professora, me ensinou tudo: curativo, fazer injeção. Ela tinha a maior confiança em mim e os médicos também. Eu passava o dia na enfermaria cuidando dos pacientes e à noite ia dormir. A gente não tinha folga, trabalhava o dia e a noite, das 6 horas da manhã às 6 horas da noite e a colega das 6 da noite às 6 da manhã. (E6) Nessa condição, a enfermagem do HUOL permaneceu por décadas, embora houvesse o desejo expresso em discursos e documentos de fazer funcionar, em Natal, uma escola de enfermeiras e parteiras anexa ao Hospital. A primeira iniciativa surgiu quando a Sociedade de Assistência Hospitalar (SAH), de caráter beneficente, cuja finalidade era a assistência médica e o amparo aos pobres, responsabilizou-se, a partir de 1927, pelo gerenciamento, planejamento e administração do Hospital.2 Na época, o sonho não se realizou, dada a escassez de recursos humanos e materiais. Sobre essa Escola, sua criação ocorreu em 1934, mas, pelos motivos acima referidos, seu funcionamento não se concretizou. É importante frisar que os egressos do ensino da Enfermagem Moderna no Brasil, formados nos Estados do sudeste brasileiro, foram absorvidos pelo mercado local, não se deslocando para outras regiões do país. Mesmo assim, a ideia de fazer funcionar uma Escola de Enfermagem passa a ser, cada vez mais, defendida pelos dirigentes da SAH e, em 20 de julho de 1950, às 10 horas, no Salão Nobre, do então Hospital Miguel Couto (HMC), a Escola foi fundada. Na ocasião a diretoria ficou assim constituída: Onofre Lopes (médico e Diretor), Elita Silveira (enfermeira diplomada e Vice-diretora) e Irmã Teodolinda Amazonas (secretária) Também foi composto um Conselho Administrativo: Januário Cicco, Ernesto Fonseca, Otávio Varela, João Tinoco, Onofre Lopes (médicos), Nestor dos Santos Lima, Paulo Sobral (advogados), Elita Silveira (enfermeira) e a religiosa, Irmã Belém.1 Sobre essa composição, vê-se uma decisão contrária aos preceitosdaEnfermagemModerna,quedefendeacriação e o gerenciamento das escolas sob a responsabilidade de enfermeiros, orientação que persiste até os dias atuais. Nessa época, a cidade de Natal apresentava uma população de 103.215 habitantes, sendo 53,86 % mulheres e 46,13 %, homens, dentre os quais apenas 47,80% da população era alfabetizada.16 Essas informações demonstram quão precário era o contexto, dificultando, naturalmente, a realização de alguns projetos na área de educação – por exemplo, o funcionamento de uma escola de enfermagem, embora já estivesse oficialmente criada. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 517 Enfermagem: história e memórias da construção de uma profissão A propósito da enfermeira Elita Silveira, sabe-se que desempenhou suas funções na Maternidade de Natal, hoje Maternidade-Escola Januário Cicco (MEJC), enquanto aguardava o início das atividades da Escola de Enfermagem. Embora a intenção de fazer funcionar a Escola correspondesse à necessidade de qualificar os funcionários do Hospital exercentes da enfermagem, as dificuldades encontradas eram enormes, como a inexistência de docentes, de prédio próprio, de laboratório, de recursos didáticos, dentre outras, impossibilitando seu funcionamento. Assim, teve-se de aguardar por anos, até que tais deficiências fossem superadas. Na tentativa de vencer as dificuldades e de fazer funcionar a Escola, algumas iniciativas foram tomadas, como se pode observar no depoimento a seguir: Veio uma supervisora do Rio de Janeiro, do Ministério da Saúde, que elaborou um relatório que impossibilitava o funcionamento da Escola de Enfermagem aqui em Natal [...]. O mesmo, de autoria da enfermeira Izaura Barbosa Lima, explicitava a precariedade de recursos materiais e técnicos para o funcionamento de um curso de enfermagem [...]. Ainda que este relatório tenha causado descontentamento entre os dirigentes da SAH, serviu para estudos e observações posteriores que terminaram por sugerir, junto ao Ministério de Educação e Cultura, autorização para fazer funcionar uma Escola de Auxiliares de Enfermagem. (E7) Como se vê, no Rio Grande do Norte, a criação de uma escola de enfermagem representou um ideal almejado por muitos anos. No entanto, seu funcionamento somente foi possível após convênio firmado em 11 de maio de 1955 entre a Divisão de Organização Hospitalar (DOH), a Campanha Nacional contra a Tuberculose (CNCT) e a SAH. Era renovável a cada dois anos e vigorou logo após sua assinatura. Coube à DOH a contribuição financeira, à CNCT a disponibilização de pessoal e à SAH as instalações físicas, oferecer internato às alunas, além de toda assistência necessária, como também o envio anual de relatório constando das atividades escolares às partes contratantes.19 Para os trabalhos iniciais e funcionamento a partir de 1º de março de 1956, a Escola contou com Maria de Lourdes Lopes (enfermeira e diretora), Nice de Menezes, Geny Carvalho de Oliveira (enfermeiras e professoras), Carmem Reis Maffioletti (secretária), Maria Lourenço de Freitas e Maria de Lourdes Martins (serventes).1 Valesalientar que a dificuldade deenfermeirasdiplomadas para lecionar era minimizada com médicos pertencentes aoquadrofuncionaldoHospital,denominado“Professores não privativos da Escola”. Eram eles: Ernani Cicco (Patologias Médicas), Hiram Diogo (Patologias Cirúrgicas), Cleone Noronha (Microbiologia e DoençasTransmissíveis), Leide Morais (Obstetrícia e Ginecologia), Heriberto Bezerra (Pediatria e Puericultura) e Eudes Moura (Ortopedia) Integravam-se, também, esse grupo, a “nutricionista” Francisca Silva Rocha (Alimentos e Preparos) e a professora Teresinha Soares de Brito (Português, Aritmética, 518 Geografia e História do Brasil), cedida pela Secretaria Estadual de Educação.1 Asseguradas as condições físicas, materiais e de pessoal, a autorização de funcionamento da EEN ocorreu em 7 de dezembro de 1955.1 A respeito desse acontecimento, assim se pronunciou um entrevistado: Sua criação foi importantíssima, importantíssima [...]. Médicos daquele tempo se preocupavam com a qualidade da assistência [...]. Para eles, foi uma coisa muito boa a criação da Escola [...]; para todos nós [...]. Antes da Escola era uma tragédia [...]. Não podia continuar daquele jeito, com pessoas sem a menor qualificação, amadoras, práticas. (E1) Essa Escola, moldada nos princípios da Enfermagem Moderna, marco da Enfermagem profissional no Rio Grande do Norte, seguiu os critérios de seleção das demais instituições congêneres. Funcionava em poucas salas, nas dependências do Hospital, dispondo de secretaria, diretoria, salas de aula e internato. Cumpriase, também, o protocolo de preencher requerimento destinado ao diretor da SAH solicitando autorização para inscrição no curso.1 A respeito do processo seletivo, sabe-se que era rigoroso. Eis o que informam dois participantes desta pesquisa: O cuidado que a Direção da Escola tinha era de começar com boa qualidade [...] havia preocupação com a qualidade do ensino [...] as exigências eram muito grandes para que ela adquirisse credibilidade e as pessoas passassem a acreditar que estava fazendo ali, um bom trabalho. (E1) A Escola era muito restrita [...]. Não era voltada para a comunidade [...]. A seleção era muito rigorosa, mas muito mesmo. Passou muitos anos sem ninguém saber que em Natal existia uma Escola de Auxiliares de Enfermagem [...]. A Escola só começou a se expandir a partir do momento que se transferiu daqui do Hospital. (E5) Esse rigor era justificado pela necessidade moralizar a emergente profissão, que no imaginário social detinha a imagem cheia de preconceitos, com diversos estereótipos e valores negativos. Era necessário moralizar a profissão, modificar representações negativas sobre a enfermagem, sobre sua prática e, sobretudo, sobre a imagem da enfermeira.13 Por ocasião dos festejos do cinqüentenário do Hospital, em 1959, diante de uma plateia, no que tange à Escola, assim se pronunciou Onofre Lopes, médico, diretor do Hospital e presidente da SAH: remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 Está funcionando com regularidade, preparando moças não somente para os nossos serviços hospitalares, mas para organizações diversas, casas de saúde, postos médicos e ambulatórios em todo o Estado. Temos contato com permanentes dificuldades no provimento de cadeiras, dada a falta de enfermeiras diplomadas. Também decorrente dessas circunstâncias, tem havido certo retardamento no reconhecimento da Escola, que, entretanto, já se encontra na última fase no Ministério da Educação e Cultura. Deve ser registrado o trabalho de magnífica colaboração dos professores e alunas nos serviços hospitalares. O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) continua a prestar valiosa ajuda na manutenção da Escola, fornecendo-nos enfermeiras diplomadas, além de prestimosa atuação noutros aspectos relacionados ao seu funcionamento.19 Em 1960, a Escola obteve seu reconhecimento e nesse mesmo ano a Universidade, até então estadual, foi federalizada. Com essa nova situação, o Hospital passou a se chamar Hospital das Clínicas (HC), denominação comum aos hospitais universitários da época, trazendo desdobramentos para a enfermagem. Sobre esses acontecimentos, eis o que revelam dois participantes: Com a chegada das enfermeiras na chefia de enfermagem, quando a Universidade passou a ser federal, as coisas melhoraram muito [...] houve modificações na escala [...]. Nós passamos a trabalhar seis horas diárias. O serviço melhorou bastante. Antes as freiras comandavam a enfermagem e o Hospital, porque não havia enfermeiras. (E6) Com a federalização da Universidade, a administração do Serviço de Enfermagem, até então, sob a responsabilidade das religiosas Filhas de Sant’Ana, passou a ser exercida por uma enfermeira professora da Escola. (E7) Essa nova situação repercutiu significativamente na formação dos auxiliares, pois sendo a diretora da Escola a chefe do Serviço de Enfermagem do Hospital, como assim se denominava, facilitou o desenvolvimento das atividades nas duas Instituições. Quanto à saída das religiosas do Serviço de Enfermagem, deve-se registrar que elas permaneceram no Hospital por décadas, embora em outros serviços, tais como portaria, setor de internamentos, copa-cozinha, lavanderia e rouparia, dentre outros. Acredita-se que essa decisão institucional, provavelmente, tenha contribuído para uma transição menos traumática, considerando-se o longo período em que estiveram à frente da administração da enfermagem. A federalização da Universidade impôs uma nova situação à EEN no que diz respeito aos recursos para sua manutenção, visto que sua incorporação à autarquia ocorreu anos depois. Sobre essa situação, no dizer de uma entrevistada, durante esse período, a Escola ficou sob a responsabilidade do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). (E7) A respeito da junção direção da Escola/Hospital, no que toca à enfermagem, sabe-se que representou um salto de qualidade para ambos, particularmente para o ensino. Sobre isso, a fala a seguir é emblemática A partir do momento no qual a enfermeira diretora da Escola passa a exercer a chefia de enfermagem do Hospital, há uma concentração de poder. Essa nova situação favoreceu o processo de capacitação dos atendentes em auxiliares de enfermagem [...]. Quando as duas funções foram assumidas, tudo fluía bem melhor, digo, a aceitação do aluno no Hospital. A felicidade era essa [...]. Elas, as enfermeiras, eram responsáveis pela teoria e pela prática, ou seja, eram contratadas para a assistência, mas também teriam que ministrar aulas na Escola e acompanhar alunos em campo de estágio. (E8) Assim, a formação foi ocorrendo gradativamente e o funcionamento da EEN foi decisivo para muitas mudanças, visto que a situação favoreceu o processo de capacitação dos atendentes de enfermagem da instituição. Até a década de 1960, o corpo de enfermagem do Hospital era formado, praticamente, por atendentes. Com a promulgação da Lei nº 5.692/71, que fixou as diretrizes e base para o ensino de 1º e 2º graus, houve desdobramentos para a enfermagem. Analisando seu ensino, sabe-se que essa lei ocasionou um processo de renovação e, nesse sentido, acelerou a profissionalização dos funcionários de nível médio, já em curso, em todo o Brasil. Para a enfermagem do Hospital, em particular, a referida lei teve repercussão significativa, pois os atendentes que cursaram o auxiliar poderiam agora realizar a capacitação para o nível técnico. Como requisito para essa qualificação era exigida a conclusão do 2º Grau, correspondente, hoje, ao ensino de nível médio. Diante dessa nova situação, a Escola continuava suas atividades com a formação do auxiliar de enfermagem e abria nova frente de formação técnica, oferecendo, em nível de 2º Grau, a habilitação do técnico de enfermagem, por meio de convênio firmado entre a Universidade e colégios públicos e privados da cidade de Natal. Torna-se importante registrar que a trajetória da Escola não se deu de forma linear, no transcorrer da história. Quando surgiu o ensino de graduação de enfermagem na UFRN, em 1973, ocorreram sérios transtornos de ordem administrativa e pedagógica para a EEN. A criação do Departamento de Enfermagem tornou-se possível com a concessão da infraestrutura, já disponível na Escola, como salas de aula, laboratório, equipamentos, incluindo seu corpo docente. Contudo, a Escola de Auxiliares continuou existindo, mas perdeu suaautonomiaadministrativa,tornando-sedependente da chefia do Departamento [...]. Por toda a década de 1970 e 1980, funcionou de forma precária, contando com a colaboração dos professores do Departamento de Enfermagem e de professores da Secretaria Estadual de Educação. (E7) Do ponto de vista do local ocupado pela Escola, vale lembrar que do Pavilhão Santa Isabel, do antigo Hospital Miguel Couto, onde se instalara inicialmente, ela foi remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 519 Enfermagem: história e memórias da construção de uma profissão transferida para o terceiro andar do agora denominado Hospital das Clínicas. Em 1971, transferiu-se novamente, desta vez indo ocupar uma antiga casa da Avenida Nilo Peçanha, nº 619, comprada pela SAH para fazer funcionar a Faculdade de Medicina. Por último, em 12 de abril de 2004, passou a ocupar um prédio próprio, situado no Campus Universitário.20 A título de informação, além de Maria de Lourdes Lopes, assumiram a direção da EEN, até 1973, as seguintes enfermeiras: Nice Menezes de Oliveira, Úrsula Engel, Maria Carmélia de Albuquerque, Lucimar Gomes de Freitas, Oscarina Saraiva Coelho e Leda de Melo Morais. Todas essas transformações decorridas ao longo de mais de cinquenta anos, no ensino de enfermagem, cujo marco inicial ocorreu nas dependências do Hospital Miguel Couto, repercutiram decisivamente na trajetória de construção e aprimoramento da enfermagem do HUOL. Depreende-se, portanto, que a qualificação do corpo de enfermagem do Hospital ocorreu lenta e gradativamente, conforme os depoimentos aqui apresentadosepara cuja transformação ofuncionamento da EEN foi decisivo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A fase empírica da enfermagem do HUOL ficou bem evidenciada nas falas dos entrevistados contidas ao longo do texto. Foi um longo período em que as religiosas eram responsáveis pela maioria dos serviços hospitalares, dentre os quais a assistência de enfermagem. Vê-se, conforme os relatos, que pessoas leigas eram admitidas para esse fim, sendo às vezes trabalhadores do serviço de limpeza, que, ao demonstrarem gestos de solidariedade e afeto para com os doentes, eram convidados a integrar a equipe de enfermagem. A partir de então, eram submetidas a um treinamento, tendo como exigência, nem sempre cumprida, saber ler e escrever. Torna-se importante destacar que a institucionalização da Enfermagem Moderna no Brasil ocorreu em 1923, no Rio de Janeiro, e que muito lentamente se expandiu pelo país, haja vista a realidade do Rio Grande do Norte, cujo ensino, seguindo os preceitos de Florence Nightingale, só foi possível trinta e dois anos depois. Naquela ocasião, em 1955, foi autorizado o funcionamento da EEN, em virtude da falta de pessoal qualificado para fundar uma escola de nível superior, conforme o desejo da SAH. Destaque-se que, mesmo com a criação da EEN, a enfermagem do HUOL, por muito tempo permaneceu sob a orientação das irmãs. Os egressos do curso nem sempre passavam a integrar a equipe do Hospital, pois muitos partiam para trabalhar em outros Estados do país, principalmente os da Região Sudeste, pelo atrativo financeiro, ou eram contratados por outros serviços. Conclui-se, ao discorrer sobre a história do HUOL, sua atuaçãodiferenciada.Inicialmentedecunhoassistencialista, aospoucosfoimudandoseuperfil,passandoaconstituir-se espaço, por excelência, para o ensino. REFERÊNCIAS 1. Timóteo RPS. O ensino de enfermagem moderna no Rio Grande do Norte [Dissertação]. Natal (RN): Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1997. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. 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Natal (RN); 1958. 520 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 19. Carlos DJD. Passado e presente: a enfermagem do Hospital Universitário Onofre Lopes [Dissertação]. Natal (RN): Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2005. 20. Rio Grande do Norte. Termo do contrato celebrado entre o Governo do Estado e a Sociedade de Assistência Hospitalar. Transferência da direção e administração do Hospital de Caridade Jovino Barreto. Natal (RN); 1927. Data de submissão: 2/7/2010 Data de aprovação: 29/4/2011 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 513-521, out./dez., 2011 521 EXTRAVASAMENTO DE DROGAS ANTINEOPLÁSICAS: AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO DA EQUIPE DE ENFERMAGEM EXTRAVASATION OF ANTINEOPLASTIC DRUGS: ASSESSMENT OF THE NURSING TEAM KNOWLEDGE EXTRAVASACIÓN DE DROGAS ANTINEOPLÁSICAS: EVALUACIÓN DEL CONOCIMIENTO DEL EQUIPO DE ENFERMERÍA Franciane Schneider1 Edivane Pedrolo2 RESUMO A toxicidade dermatológica local decorrente do extravasamento de drogas antineoplásicas consiste em um dos principais efeitos adversos da terapia antineoplásica, sendo considerada uma autêntica emergência oncológica. Dado o exposto, a prevenção dessa complicação é uma importante medida, uma vez que gera estresse na equipe de enfermagem e pode causar danos irreparáveis ao paciente. O objetivo foi avaliar o conhecimento da equipe de enfermagem de um Ambulatório de Quimioterapia Adulto sobre o extravasamento de drogas antineoplásicas. Esta é uma pesquisa exploratório-descritiva, de natureza quantitativa, desenvolvida em um hospital filantrópico, referência em oncologia na cidade de Curitiba-PR. A amostra foi composta por nove funcionários da equipe de enfermagem (33% enfermeiros e 67% técnicos de enfermagem). Os sinais e sintomas do extravasamento mais citados foram edema (89%), hiperemia (78%), dor (67%) e queimação/ardor (33%). Com relação aos fatores de risco para o extravasamento, os mais citados foram“local da punção”(44%),“condições do membro puncionado”(33%) e“veias esclerosadas”(33%). Não houve consenso quanto à correta ordem de punção das veias para a realização de quimioterapia. A prevenção do extravasamento é uma preocupação constante na prática clínica dos enfermeiros. Neste estudo, traz-se a importância de um aperfeiçoamento em serviço e a elaboração de uma diretriz clínica, a fim de que os profissionais identifiquem os pacientes com maior risco de extravasamento, procurando evitá-lo, em vez de apenas tratá-lo após ocorrido. Palavras-chaves: Enfermagem; Antineoplásicos; Conhecimento; Extravasamento de Materiais Terapêuticos e Diagnósticos. ABSTRACT Local dermatologic toxicity due to extravasation of antineoplastic drugs is one of the main adverse effects of antineoplastic therapy and it is considered an oncologic emergency. Its prevention is vital since it is a source of stress to the nursing team and it may cause irreparable harm to the patient.This study aimed to evaluate the knowledge of the nursing staff at an Adult Outpatient Chemotherapy Unit about antineoplastic drugs extravasation. It is an exploratory, descriptive and quantitative research carried out in a philantropic referral hospital for oncology in Curitiba (PR). The sample consisted of nine nursing staff employees (33% nurses and 67% practical nurses). The most cited extravasation signs and symptoms were“oedema”(89%),“hyperaemia”(78%),“pain”(67%), and“burnings/stinging”(33%). Regarding the risk factors for extravasation, the most cited were“puncture site”(44%),“punctured limb condition”(33%), and“sclerosed veins”(33%). There was no consensus on the correct order to veinipuncture previous to the chemotherapy performance. Extravasation prevention is a constant concern in the nurses clinical practice. This study shows the importance of nursing care refresher training and the elaboration of clinical guidelines, so that professionals can identify patients at higher risk of extravasavion aiming at preventing its occurrence instead of treating it afterwards. Key words: Nursing; Antineoplastic; Knowledge; Extravasation of Diagnostic and Therapeutic Materials RESUMEN La toxicidad dermatológica local resultante de la extravasación de drogas antineoplásicas consiste en uno de los principales efectos adversos de la terapia antineoplásica y se la considera una auténtica emergencia oncológica. La prevención de esta complicación es una medida importante puesto que esta grave intercurrencia genera estrés en el equipo de enfermería y puede causar daños irreparables al paciente. Se ha buscado evaluar el conocimiento del equipo de enfermería de un Dispensario de Quimioterapia Adulto sobre la extravasación de drogas antineoplásicas. Se trata de una investigación exploratoria descriptiva de naturaleza cuantitativa, desarrollada en un hospital filantrópico de referencia en oncología en la ciudad de Curitiba (PR). La muestra estuvo compuesta por 9 integrantes del equipo de enfermería (33% enfermeros y 67% técnicos en enfermería). Las señales y los síntomas del extravasación más nombrados fueron: edema (89%), hiperemia (78%), dolor (67%) y ardor (33%). En lo relativo a los factores de riesgo para la extravasación, los más nombrados fueron “sitio de la punción” (44%), “condiciones del miembro puncionado” (33%) y“venas esclerosadas”(33%). No hubo consenso sobre la orden de punción correcta de las venas para la realización de quimioterapia. La prevención de la extravasación es una preocupación constante en la práctica clínica de los enfermeros. El presente estudio expone la importancia de un perfeccionamiento en el servicio y de la elaboración de una directiva clínica, con la finalidad de que los profesionales identifiquen a los pacientes con mayor riesgo de extravasación, para que traten de evitarla, en lugar de apenas tratarla después de que ocurra. Palabras clave: Enfermería; Agentes Antienoplásicos; Conocimiento; Extravasación de Materiales Terapéuticos y Diagnósticos. 1 2 Enfermeira. Especializanda em Enfermagem Oncológica, Hospital Erasto Gaertner, Liga Paranaense de Combate ao Câncer. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Professora do Instituto Federal do Paraná. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Rua Desembargador Westphalen, 824, apto. 408B, bairro Rebouças, Curitiba-PR. CEP: 80.230-100. 522 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 INTRODUÇÃO METODOLOGIA Os acessos venosos são indispensáveis para a prática da saúde, sendo a administração de drogas antinopláscias uma das suas indicações. Para essa finalidade, a via endovenosa é a mais comum e a mais segura no que se refere ao nível sérico da droga e sua absorção, quando comparada com as vias intramuscular, subcutânea e oral.1 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (CAAE) sob o n. 0068.0.088.00009, e respeitou a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, para a realização de pesquisas. Os pacientes oncológicos utilizam, com maior frequência, acessos venosos periféricos para a administração de antineoplásicos. O profissional necessita de habilidades para punção de acessos venosos nesses pacientes, pois estes realizam tratamentos prolongados, possuem fragilidade vascular e cutânea, desgaste progressivo da rede venosa e trombocitopenia.1 As drogas antineoplásicas podem causar toxicidades dermatológicas locais e sistêmicas, as quais estão relacionadas com o aumento da morbidade, o prolongamento do tempo de hospitalização e a interrupção temporária do tratamento. Dentre as toxicidades locais, destacamos o extravasamento, que é o escape de um agente antineoplásico do interior do vaso sanguíneo para o tecido circunvizinho por vazamento ou pela injeção involuntária da droga no tecido.2 O extravasamento caracteriza-se por dor, eritema, edema, ulceração e necrose tecidual.3 A toxicidade dermatológica decorrente do extravasamento de drogas antineoplásicas constitui um dos principais efeitos adversos que demandam maior rigor assistencial por parte dos enfermeiros,4 sendo considerada uma autêntica emergência oncológica pela morbidade que pode suscitar.5 Dado o exposto, a prevenção dessa complicação é uma importante medida, uma vez que o extravasamento de drogas antineoplásicas é uma intercorrência grave que gera estresse na equipe de enfermagem e pode causar danos irreparáveis ao paciente.6 Os antineoplásicos podem ser classificados de acordo com a toxicidade dermatológica local, como vesicantes, responsáveis por reações mais graves quando extravasados, ou irritantes, cujos danos teciduais são menos intensos e não evoluem para necrose.7 A enfermagem possui papel de extrema importância e relevância em relação ao extravasamento, pois é responsável pela punção venosa, pela administração das drogas antineoplásicas e pelo tratamento das intercorrências. Para isso, os profissionais necessitam ter conhecimento sobre: classificação, toxicidade dermatológica local e mecanismo de ação das drogas antineoplásicas;formasdeprevençãodoextravasamento; sinais e sintomas, cuidados, manejo e complicações do extravasamento; e educação e orientação geral dos pacientes. A melhor forma de evitar um extravasamento é por meio da prevenção e de medidas educativas. O objetivo com este trabalho foi avaliar o conhecimento da equipe de enfermagem de um ambulatório de quimioterapia adulto sobre o extravasamento de drogas antineoplásicas. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, de natureza quantitativa, para a identificação do conhecimento dos profissionais de enfermagem a respeito do extravasamento de drogas antineoplásicas. A pesquisa foi desenvolvida no ambulatório de quimioterapia adulto de um hospital filantrópico referência em oncologia, localizado na cidade de Curitiba-PR. Segundo dados do Serviço de Arquivo Médico e Estatística da Instituição, o hospital atende, majoritariamente, pacientes do Sistema Único de Saúde (89%), além de pacientes de convênios de saúde (7%) e particulares (3%). O ambulatório de quimioterapia realiza tratamentos com objetivos curativo, paliativo e mobilização para transplante de células-tronco hematopoéticas. A coleta dos dados realizou-se durante o mês de fevereiro de 2010. A amostra foi composta por todos os profissionais da equipe de enfermagem do setor que aceitaram participar da pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos: idade superior a 18 anos; estar lotado no ambulatório de quimioterapia adulto. Foram excluídos os profissionais que estavam em período de férias e/ou licença no período de coleta de dados. A coleta de dados foi realizada mediante a aplicação de um questionário estruturado autorrespondido (Apêndice), composto por nove questões no total, elaboradas com base em literaturas de referência sobre o tema. A primeira parte do questionário objetivou caracterizar a amostra (sexo, idade, categoria profissional, tempo de experiência), assim como identificar se o tema extravasamento foi abordado na formação profissional e/ou na instituição. A segunda parte do questionário continha seis questões fechadas e três abertas, abordando o conhecimento da equipe de enfermagem em relação ao extravasamento de drogas antineoplásicas, sinais e sintomas, manejo e prevenção dessa intercorrência. As questões fechadas foram compostas por afirmativas referentes ao tema de estudo, devendo o sujeito de pesquisa assinalar as corretas. A coleta de dados ocorreu nos períodos matutino e vespertino, no horário de trabalho dos profissionais, de acordo com disponibilidade deles, de forma individual e na ausência do pesquisador. Os dados coletados foram transcritos em tabelas no programa MS Excel (2007) e posteriormente analisados e interpretados, sendo avaliados e confrontados com as literaturas de referências. Para os dados de identificação foi calculada a média entre os participantes. Para as questões abertas foi utilizado o método de análise temática, com agrupamento de conteúdos iguais remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 523 Extravasamento de drogas antineoplásicas: avaliação do conhecimento da equipe de enfermagem e/ou similares e posterior quantificação. Para as questões fechadas, considerou-se acerto quando assinalada uma alternativa correta ou houve ausência de seleção de uma afirmativa incorreta. Os acertos foram agrupados em quatro categorias: menos de 5, de 5 a 10, de 11 a 15 e de 16 a 20. RESULTADOS A amostra foi composta por nove funcionários da equipe de enfermagem, sendo 33% enfermeiros e 67% técnicos de enfermagem. Desses, 89% eram do sexo feminino, com média de idade de 32,9 anos. O tempo médio de experiência na enfermagem foi de seis anos e cinco meses, sendo que o tempo médio de experiência na área específica de quimioterapia foi de um ano e oito meses. Do total de entrevistados, apenas 33% tiveram o tema extravasamento de drogas antineoplásicas abordado na sua formação profissional, porém 78% do total recebeu treinamento sobre o tema na instituição onde trabalha. Ao avaliar-se o conhecimento dos profissionais da enfermagem sobre a classificação das drogas antineoplásicas em vesicantes, irritantes ou vesicantes e irritantes, de um total de 20 acertivas, 67% dos profissionais acertaram mais de 10 afirmações. Quanto aos sinais e sintomas do extravasamento, os mais citados foram edema (89%), hiperemia (78%), dor (67%) e queimação/ardor (33%). Quanto às condutas diante do extravasamento, todos referiram“interromper a infusão” como uma conduta, sendo citadas, ainda, “aplicação de compressas” (67%), “manter agulha no local/aspirar droga”(56%). Um dado que chamou a atenção foi que os seis técnicos de enfermagem participantes da pesquisa referiram “comunicar o enfermeiro” como a primeira conduta diante do extravasamento, sendo que as demais condutas não foram citadas em sua maioria. A aplicação de compressas quentes ou frias difere para cada tipo de droga. De um total de 13 acertivas com relação ao tema, apenas um (11%) dos entrevistados obteve entre 10 e 13 acertos, considerando que um entrevistado não respondeu a essa questão. Com relação aos fatores de risco para o extravasamento, os mais citados foram“local da punção”(44%),“condições do membro puncionado” (33%) e “veias esclerosadas” (33%). Nessa questão, tivemos dois participantes que não responderam e dois que não obtiveram nenhum acerto em suas respostas, provavelmente em decorrência dos erros de interpretação. Não houve consenso quanto à correta ordem de punção das veias para a realização de quimioterapia, sendo que apenas 22% dos entrevistados referiram as veias do antebraço como primeira opção e 44%, as veias da fossa antecubital como última opção. Porém 56% dos entrevistados referiram que a primeira opção para punção eram as veias do dorso das mãos. Quanto aos fatores que influenciam na gravidade do extravasamento, de 11 acertivas, 100% dos parti524 cipantes obtiveram entre 5 e 11 acertos, sendo que dois participantes assinalaram o “primeiro ciclo de quimioterapia” como fator de risco, não procedendo com a literatura. De 15 afirmações sobre o tema extravasamento de antineoplásicos, relacionadas principalmente sobre a forma correta e os cuidados de administração, 78% dos entrevistados tiveram entre 10 e 15 acertos. Com relação às medidas para prevenção desse evento, de 14 afirmações, 100% dos funcionários obtiveram acima de 10 acertos. DISCUSSÃO O trabalho em unidades de administração de agentes antineoplásicos é restrita a enfermeiros e a técnicos de enfermagem, conforme regulamentado pelo Conselho Federal de Enfermagem,8 fato reforçado neste estudo. Porém, de acordo com a Oncology Nursing Society (ONS), a administração de antineoplásicos deve ser feita exclusivamente por enfermeiros oncologistas, garantindo, assim, elevado padrão de qualidade,1,5 o que está muito além da realidade dos serviços de oncologia das cidades brasileiras. Apesardeosprofissionaisteremumtempodeexperiência considerável na área da enfermagem, o tempo de experiência no setor específico de quimioterapia é breve, fato que pode justificar o déficit de conhecimento sobre o tema extravasamento de drogas antineoplásicas. O tema “extravasamento de drogas antineoplásicas” foi abordado na formação profissional de 33% dos entrevistados, sendo que a maioria (78%) teve contato com a temática apenas quando de seu ingresso na instituição. Estudo em que se avaliou o conhecimento dos profissionais de enfermagem que trabalham com terapia antineoplásica demonstrou que a formação destes não é específica, sendo que a maioria aprende “durante o trabalho”, ou seja, o profissional inicia as atividades com um nível muito baixo de conhecimento e somente durante o desenvolvimento das atividades é que esse conhecimento é encorpado.9,10 Quando questionados sobre os temas mais importantes a serem trabalhados com relação à terapia com antineoplásicos, 64,3% dos entrevistados citaram o tema “extravasamento”.10 A administração de agentes antineoplásicos de maneira segura é uma responsabilidade da enfermagem, fornecendo suporte para que o paciente coopere em seu tratamento nos aspectos físico e psicológico. A enfermagem necessita de conhecimento, competência e habilidade técnica para oferecer um cuidado realmente efetivo, os quais são conquistados por meio da experiência clínica e de ações educativas.10 O conhecimento sobre a classificação das drogas é de extrema importância, pois os antineoplásicos são classificados em vesicantes e irritantes,2,11 de acordo com o potencial agressivo para os vasos sanguíneos e tecidos adjacentes. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 Extravasamento de drogas vesicantes causam dano tecidual progressivo, promovendo reações mais exuberantes, com irritação severa, formação de vesículas e destruição tecidual. As vesículas e a úlcera formam-se de dias a semanas após o extravasamento. Em alguns casos, as lesões podem progredir, sendo que a necrose pode atingir tendões, ligamentos, nervos e ossos, causando dor severa e perda funcional.12,13 Já os antineoplásicos irritantes provocam reação cutânea menos intensa, causando reação inflamatória local, sem levar à necrose tecidual.2,11 Por provocarem reações diversas, a conduta diante dessas reações também difere, pois, com relação às drogas irritantes e não irritantes, os cuidados são menos intensos. Os sinais e sintomas do extravasamento são: diminuição ou parada do gotejamento, de edema, de hiperemia; queimação; resistência durante a infusão; diminuição ou ausência de retorno venoso, ulceração; vesículas e necrose.11,14 Dentre tais sintomas, os principais foram referidos por uma parcela significativa dos participantes, demonstrando que estão familiarizados com os sinais e sintomas do extravasamento, fato apontado como fundamental para o manejo adequado dessa complicação.15 Não basta, porém, identificar o extravasamento; é preciso tomar condutas para que os danos ao paciente sejam reduzidos. Todos os entrevistados citaram “interromper a infusão” como primeiro cuidado, que de fato é o mais importante, bem como outras medidas primordiais para minimização dos danos, tais como: “manter a agulha no local e aspirar a droga antineoplásica” e “aplicação de compressas no local”, estando de acordo com a literatura.15 Medidas importantes, porém, como fotografar o local do extravasamento, registrar o ocorrido e estabelecer um plano de acompanhamento e cuidados não foram citados, apesar de serem recomendados pela literatura.16 Observou-se que as respostas dos enfermeiros nesta questão foram diferenciadas, pois responderam de forma mais completa e na sequência correta de conduta diante dessa situação. Outro fato que chamou a atenção diante do manejo do extravasamento é que todos os técnicos de enfermagem entrevistados citaram “comunicar o enfermeiro” como medida imediata, sendo os demais cuidados pouco citados, fato que pode indicar o desconhecimento desses cuidados diante das condutas adequadas, gerando insegurança no cuidado prestado. O item “aplicação de compressa” foi citado por seis profissionais como uma medida para o manejo do extravasamento, porém percebeu-se que não tinham conhecimento suficiente sobre qual a temperatura da compressa a ser utilizada para cada tipo de droga, pois a maioria não soube identificar quais drogas necessitam de compressas quentes e quais necessitam de compressas frias. Ressalte-se que as compressas quentes são indicadas para os alcaloides da vinca (vincristina, vimblastina e vinorelbina), enquanto as compressas frias são indicadas para as antraciclinas (doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina, idarrubicina).2,11 Os fatores de risco para o extravasamento incluem: alterações das veias como fragilidade e esclerore; local inadequado da punção; escolha de dispositivo para punção inadequado; condições do membro (terapia antineoplásica ou radioterapia prévia, linfadenectomia, edema, neuropatia periférica, etc); dentre outros.6,12,14 Os principais fatores de risco foram citados por 44% dos entrevistados, sendo que a maioria ou não respondeu a essa questão, ou respondeu de maneira inadequada, o que demonstra que os profissionais desconheciam quais os fatores de risco para o extravasamento ou tiveram dificuldades para interpretar a questão. Em razão das alterações anatômicas das veias e do risco de complicações graves em pacientes em uso de antineoplásicos vesicantes, a ordem de punção das veias para a administração de drogas antineoplásicas difere da ordem normalmente utilizada. Deve-se iniciar pelo antebraço, para só então passar para o dorso das mãos, punho e fossa antecubital,6,14 sendo que para cada local escolhido a punção venosa deve ser feita obedecendo ao sentido distal-proximal.17,18 Neste estudo, a maioria dos entrevistados referiu o dorso das mãos como primeira opção de punção, estando em desacordo com os fatores de prevenção do extravasamento. Além disso, saliente-se a necessidade e a importância de uma equipe experiente, técnica de venopunção padronizada, diluição da droga e velocidade de infusão adequadas.17 Quando consideradas questões gerais sobre o extravasamento de antineoplásicos, a maioria demonstrou maiores conhecimentos, trazidos, talvez, pela própria vivência no serviço. Esses conhecimentos englobam questões relacionadas à infusão de agentes antineoplásicos, como sequência de infusão das drogas, dispositivo adequado, infusão de solução salina ou glicosada entre as drogas para “lavar” a veia, condições adequadas do membro para punção. Apesar da sequência de infusão das drogas vesicantes, irritantes e não irritantes ainda ser controverso na literatura, as demais questões estão definidas como fatores importantes para a prevenção do extravasamento.6,14 Já com relação às ações para prevenção, todos os entrevistados obtiveram um índice de acerto elevado, demonstrando que os cuidados preventivos são de conhecimento de todos. Os dados referentes aos fatores que afetam a gravidade da lesão em caso de extravasamento também eram de conhecimento de todos. Em estudo envolvendo 30 sujeitos vítimas de lesões graves decorrentes de infusão endovenosa periférica de antineoplásicos, os autores observaram que alguns aspectos eram comuns entre os sujeitos, tais como idade, estado geral do paciente, doença vascular generalizada e fatores de risco locais (cirurgia prévia, radioterapia ou doença linfática locorregional). No entanto, observouse que aproximadamente 50% dos pacientes sem os fatores de risco descritos apresentaram lesões graves, o que permitiu concluir que havia fatores externos associados ao extravasamento, como: tipo da droga, remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 525 Extravasamento de drogas antineoplásicas: avaliação do conhecimento da equipe de enfermagem volume extravasado, localização anatômica do acidente, técnica de venopunção, diluição e velocidade de infusão e o local escolhido para a realização da punção venosa.17 No estudo, demonstrou-se que, além dos fatores de risco comuns aos pacientes em uso de drogas antineoplásicas, existem fatores externos que influenciam de maneira significativa o grau da lesão. O conhecimento dos fatores de risco e das medidas para prevenção do extravasamento é de extrema importância, uma vez que a detecção precoce e a intervenção imediata no extravasamento são essenciais para reduzir as chances de lesões, principalmente pelo fato dessa complicação causar necrose tecidual e consequente alteração tissular, resultando em perda funcional na região afetada.19-21 Há de considerar-se, ainda, o alto custo do tratamento dessa complicação, o qual ocorre por meio de antídotos específicos ou de intervenções cirúrgicas,22 bem como por meio de sessões de fisioterapia para a reabilitação do membro afetado. Provoca, ainda, alteração na imagem corporal e na autoestima do paciente,23 exercendo influência negativa na sua qualidade de vida. Como uma das principais estratégias de prevenção, ressalte-se que é fundamental dispor de equipe de enfermagemespecializadaecomconhecimentoadequado para a administração de drogas antineoplásicas. 24 Um profissional sem o devido treinamento realiza os procedimentos de maneira insegura e não consegue fornecer o apoio emocional necessário ao paciente.10 Nos estudos recomenda-se, como estratégia preventiva, que cada equipe de enfermagem deve padronizar, em forma de diretriz, as condutas de enfermagem para a prevenção do dano tissular causado por um extravasamento.25 Destaque-se, ainda, a necessidade de capacitação constante dos profissionais envolvidos na administração de drogas vesicantes, dados os graves potenciais de danos relacionados a esses fármacos.26 É fundamental que para a prevenção de extravasamentos os enfermeiros responsáveis pela administração de antineoplásicos possuam adequado conhecimento da origem/classificação das drogas e da prática clínica que envolve o monitoramento de pacientes submetidos a infusão endovenosa periférica e possíveis complicações relacionadas, promovendo, assim, um cuidado de enfermagem seguro e de qualidade ao paciente.12,27 Compete ao enfermeiro assistencial a identificação dos fatores de risco, a prevenção e o gerenciamento do extravasamento, assim como o uso apropriado de dispositivos venosos periféricos. A equipe multidisciplinar (enfermeiro, médico e farmacêutico) deve estar integrada para implementar estratégias para a redução de riscos e danos relacionados à infusão de drogas vesicantes.15 Ainda como forma de prevenção, é importante que os pacientes estejam devidamente orientados quanto aos riscos de complicações relacionadas à administração de drogas vesicantes sob infusão endovenosa periférica, para que reporte qualquer sintoma de dor, desconforto e queimação no local de acesso venoso.4 As orientações 526 verbais ao paciente devem também ser entregues por escrito, com informações sobre como proceder em caso de surgimento de complicações relacionadas ao local onde foi infundida a droga antineoplásica.18,19,26,28 Daí a importância de se desenvolver um programa de treinamento específico sobre o tema, conforme evidenciado em literatura.6,14 A educação em serviço deve abranger todos os profissionais do setor, visando à prevenção, à identificação precoce e ao manejo adequado dessa complicação, minimizando danos aos pacientes. Sugere-se, ainda, o desenvolvimento de uma diretriz clínica para o manejo do extravasamento no setor, para que todos sejam treinados e saibam quais condutas devem ser tomadas diante de cada situação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados da pesquisa demonstram um déficit de conhecimento relativo à temática “extravasamento de drogas antineoplásicas”na formação dos profissionais de enfermagem, cabendo ao serviço fornecer treinamentos específicos a fim de capacitar o profissional para administração desses medicamentos. Destaque-se que o déficit de conhecimento encontrado neste estudo pode dever-se ao curto tempo de experiência dos profissionais no setor de quimioterapia. Conclui-se que os conhecimentos da equipe de enfermagem sobre a classificação das drogas antineoplásicas, dos principais sinais e sintomas e fatores que influenciam na gravidade do extravasamento, bem como dos cuidados durante a administração das drogas e das medidas de prevenção do extravasamento foram adequados, sendo este último de extrema relevância, uma vez que a melhor maneira de evitar o extravasamento é preveni-lo. Esses conhecimentos, entretanto, ficam fragilizados, dadas as dificuldades dos profissionais perante as condutas adequadas diante dessa complicação. Notou-se um déficit de conhecimento da equipe relacionado às condutas imediatas diante do extravasamento, da temperatura da compressa (quente ou fria) a ser utilizada para cada tipo de droga, da ordem de punção das veias para a realização de quimioterapia e fatores de risco relacionados ao extravasamento. Considera-se que a intervenção imediata é fundamental nessa complicação e a falta desse conhecimento pode contribuir para o agravamento da lesão. Levantou-se que os profissionais recorrem ao enfermeiro no caso de extravasamento, evidenciando a insegurança das condutas a serem tomadas caso essa intercorrência ocorra. Prevenir o extravasamento é uma das responsabilidades da equipe de enfermagem que trabalha em quimioterapia. Dessa forma, é necessário adquirir conhecimento suficiente sobre todos os fatores que envolvem o tema, promovendo, assim, segurança ao paciente. Enfatize-se que para prevenir é fundamental dispor de uma equipe especializada, realizar capacitação constante dos profissionais envolvidos, criar protocolos de padronização de condutas e orientar os pacientes remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 quanto aos riscos de complicações relacionadas à administração de antineoplásicos. Oextravasamentodeantineoplásicoséumapreocupação constante na prática clínica dos enfermeiros que trabalham em serviços de terapia oncológica, porém as publicações sobre o tema em língua portuguesa ainda são incipientes. Saliente-se que os resultados desta pesquisa não devem ser generalizados, uma vez que demonstram a realidade de um único serviço, no entanto fornecem subsídios para o planejamento de atividades de educação em serviço para os profissionais que atuam na área. Neste estudo, mostrou-se a importância de um aperfeiçoamento em serviço e da elaboração de uma diretriz clínica, a fim de que os profissionais identifiquem os pacientes com maior risco de extravasamento, promovam ações de prevenção e de minimização de danos. REFERÊNCIAS 1. Bonassa EMA, Santana TR. Enfermagem em terapêutica oncológica. 3ª ed. São Paulo: Atheneu; 2005. 2. Schrijvers DL. Extravasation: a dreaded complication of chemotherapy. Ann Oncol. 2003; 14(3): 26-30. 3. Alley E, Green R, Schuchter L. 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Data de submissão: 2/9/2010 Data de aprovação: 15/9/2011 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 527 Extravasamento de drogas antineoplásicas: avaliação do conhecimento da equipe de enfermagem APÊNDICE QUESTIONÁRIO PESQUISA: Extravasamento de drogas antineoplásicas: avaliação do conhecimento da equipe de enfermagem. DADOS GERAIS Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: _______________________________ Categoria profissional: ( ) Técnico em enfermagem ( ) Enfermeiro Tempo de experiência na enfermagem: ___________ anos _________ meses Tempo de experiência em quimioterapia: ________ anos __________ meses QUESTIONÁRIO Indique com um “X” apenas uma resposta: O tema “extravasamento de drogas antineoplásicas” foi abordado em seu curso de formação profissional? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não me lembro Você recebeu algum treinamento sobre o tema “extravasamento de drogas antineoplásicas” na instituição em que atua? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não me lembro 1. Classifique as drogas em: A – Vesicante B – Irritante C – Irritante e vesicante ( ) Doxorrubicina ( ) Paclitaxel ( ) Dacarbazina ( ) Gencitabina ( ) Dactinomicina ( ) Cisplatina ( ) Vinorelbina ( ) Daunorrubicina ( ) Epirrubicina ( ) Etoposideo ( ) Docetaxel ( ) Mitomicina ( ) Vincristina ( ) Fluorouracil ( ) Mitoxantrona ( ) Vimblastina ( ) Idarrubicina ( ) Oxaliplatina ( ) Irinotecano ( ) Carmustina 2. Cite os sinais e/ou sintomas do extravasamento de droga antineoplásica? ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ 3. Cite os passos a serem realizados diante de um extravasamento de droga antineoplásica: ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ 4. Quanto à aplicação de compressas após o extravasamento de drogas antineoplásicas, marque: Q para compressas quentes, F para compressas frias e N caso não seja indicado nenhum tipo de compressa: ( ) Doxorrubicina ( ) Dacarbazina ( ) Dactinomicina ( ) Vinorelbina ( ) Daunorrubicina ( ) Mecloretamina ( ) Vindesina ( ) Epirrubicina ( ) Mitomicina ( ) Vincristina ( ) Vimblastina ( ) Idarrubicina ( ) Carmustina 5. Cite os cinco principais fatores de risco para o extravasamento de droga antineoplásica, na sua opinião: ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________ 6. Relacione a sequência ideal para a punção venosa periférica (de 1 a 4): ( ) Punho ( ) Antebraço ( ) Fossa antecubital ( ) Dorso das mãos 7. A gravidade do extravasamento de droga antineoplásica depende: ( ) Do tempo entre o preparo e a infusão ( ) Do local atingido ( ) Do tipo de droga ( ) Da quantidade de droga extravasada ( ) Do sexo ( ) Das condições do pacientes ( ) Da concentração da droga ( ) Da coloração da droga ( ) Do uso de anticoagulante ( ) Do intervalo entre o fato e a identificação da reação ( ) Do primeiro ciclo de quimioterapia 528 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 8. Marque com um X nas afirmações corretas: ( ) A sequência correta de infusão é: não irritantes, irritantes e vesicantes, respectivamente. ( ) A administração de quimioterápicos endovenoso é a mais utilizada, traz maior segurança com relação aos níveis sanguíneos da droga e a sua absorção. ( ) É necessário checar o retorno venoso a cada 3 ou 5 mililitros de droga infundida em bolus. ( ) Os antineoplásicos não irritantes provocam inflamação intensa, com formação de vesículas e destruição tecidual (necrose) quando extravasadas fora do vaso sanguíneo. ( ) Devem ser realizadas punções venosas com scalps para administração de drogas vesicantes. ( ) O extravasamento é classificado como o escape de antineoplásicos do vaso sanguíneo para os tecidos circunjacentes, podendo resultar em destruição do tecido local. ( ) A ordem de infusão das drogas não possui relação com o extravasamento. ( ) A lesão e a necrose resultantes dos tecidos podem causar desconfiguração do membro do paciente, prejudicar sua função, sua má cicatrização, infectar e exigir vários desbridamentos ou até mesmo amputação. ( ) Devem ser infundidos de 5 a 10 ml de soro fisiológico ou glicosado entre a aplicação de uma droga e outra. ( ) Os sintomas do extravasamento podem aparecer imediatamente ou tardiamente (dias/semanas após aplicação). ( ) As drogas vesicantes provocam edema quando infiltradas, mas não causam necrose ou irritação tecidual, sendo absorvida pelo organismo, sem causar danos ou seqüelas aos pacientes. ( ) O índice de extravasamento é um importante fator para se medir a qualidade de um serviço de quimioterapia, devendo estar próximo de 0. ( ) Devem ser administrados, no mínimo, 20 ml de soro fisiológico ou glicosado após o término da administração de drogas antineoplásicas. ( ) Deve-se evitar a punção em membros submetidos a irradiação, edemaciados, excessivamente puncionados, com linfedema, veias próximas a nervos e articulações, membros inferiores, com lesões ou metástases; ( ) É importante registrar data e horário, tipo de agulha e calibre, local da punção, drogas e sequência administradas. 9. Assinale as ações que podem prevenir o extravasamento de drogas antineoplásicas: ( ) Não administrar drogas vesicantes por mais de 30 minutos em veia periférica. ( ) Dar “tapinhas” sobre a veia. ( ) Evitar o uso de veias puncionadas em menos 24 horas. ( ) Escolher veias rígidas e endurecidas, com alterações de cor e doloridas. ( ) Caso a primeira punção seja malsucedida, puncioná-la veia abaixo ou próximo à região. ( ) Puncionar o membro com o dispositivo adequado (tipo e calibre), de acordo com a velocidade de infusão desejada. ( ) Fixação do dispositivo: micropore largo, em grande quantidade, firme e seguro. ( ) Orientar paciente que evite a movimentação excessiva. ( ) Orientar paciente sobre sinais e sintomas do extravasamento. ( ) Certificar-se do posicionamento correto do dispositivo antes de aplicar a droga antineoplásica. ( ) No cateter venoso central, não é necessário checar o retorno venoso ou certificar-se da imobilização do dispositivo de punção antes da infusão. ( ) Infundir as drogas antineoplásicas, especialmente os vesicantes, em “Y” juntamente com soro fisiológico ou glicosado. ( ) Manter a área puncionada sob observação constante durante o período de infusão. ( ) Dar importância a queixas do paciente. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 522-529, out./dez., 2011 529 SISTEMA DE INFORMAÇÃO DOS CENTROS DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO: DIFICULDADES, DIVERGÊNCIAS E PADRONIZAÇÃO NO PREENCHIMENTO INFORMATION SYSTEM OF TESTING AND COUNSELING CENTERS: DIFFICULTIES, DIVERGENCES AND STANDARDIZATION SISTEMA DE INFORMACIÓN DE LOS CENTROS DE TEST Y CONSEJO: DIFICULTADES, DIVERGENCIAS Y ESTANDARIZACIÓN EN EL RELLENO Vânia de Souza1 Joice Silva Rodrigues Cardoso2 Juliana Dias Paes Nahass3 RESUMO O sistema de informação implantado nos Centros de Testagem e Aconselhamento (SI-CTA), em 1996, é importante na produção de indicadores do perfil de seus usuários e na definição de estratégias para a redução de vulnerabilidade às DST/HIV/Aids. Falhas no seu preenchimento conferem perdas para o alcance desses resultados. O objetivo com esta pesquisa foi analisar as divergências e as dificuldades no preenchimento do formulário SI-CTA, versão 2005, tendo em vista a padronização dos registros. Trata-se de estudo descritivo e exploratório, realizado de janeiro a dezembro de 2009, com toda a equipe multiprofissional do CTA de Belo Horizonte. Utilizou-se a técnica de grupo focal em 12 encontros mensais. Dados secundários foram empregados para a detecção de falhas no preenchimento. As principais divergências referiram-se aos registros nos campos“Encaminhamento pós-teste”,“Uso de drogas”,“Recorte populacional”e“Legenda de resultados”. A convenção dos itens conflitantes permitiu a elaboração de um formulário complementar às Instruções de Preenchimento já existentes do MS. Também contribuiu para a redução da perda de dados e a reflexão sobre a prática do aconselhamento. Após a realização deste estudo, a permanência de determinadas falhas nos registros sinalizou a necessidade de os profissionais desenvolverem o hábito de consulta aos formulários de Instrução do Preenchimento, de treinamentos periódicos e de esforço contínuo para a assimilação das mudanças. A interlocução com os demais CTAs e com a Coordenação Nacional de DST/aids foi considerada pertinente para aperfeiçoar a utilização do SI-CTA para a divulgação e o planejamento de ações e estratégias calcadas em dados confiáveis, bem como para as adaptações necessárias à realidade de cada serviço. Palavras-chave: Aconselhamento; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Formulários; Serviço de Saúde; Sistema de Informação; Vigilância Epidemiológica. ABSTRACT Launched in 1996 the Testing and Counseling Centre Information System(IS-TCC) represents a key tool to the delineation of users profile indicators and to the definition of strategies for reducing vulnerability to STD/HIV/AIDS. Failure to fill out its form properly hampers the achievement of those goals. This research aimed to analyze discrepancies and difficulties when filling out the IS-TCC 2005 Version, in view of the standardization of records. It is a descriptive and exploratory study conducted with a CTA (Portuguese acronym for Testing and Counseling Centre) multidisciplinary team in Belo Horizonte from January to December 2009. Focus group technique was used in 12 monthly sessions. Secondary data were applied for detecting errors in filling the form. The main discrepancies were detected in the fields “post-test referral”, “Drug Use,” “ Population Profile” and “ Legend of Results”. The conflicting items standardization helped the preparation of a supplementary form for the field “Instructions” already in use for filling out the Department of Health form and contributed in reducing data loss and evaluating the counseling practice. The persistence of certain errors on registers indicates the professionals need to get used to consult the Filling Instructions Form, to receive periodic training, and to adapt themselves to continuous changes. The interaction with other CTA’s and with the National STD/ AIDS Program is vital to optimize the use of the SI-CTA in the planning and promotion of actions and strategies based on reliable data, as well as the customization of services. Key words: Counseling; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Forms; Healthcare Services; Information System; Epidemiologic Surveillance. 1 2 3 Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Docente da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira, da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e da Universidade Salgado de Oliveira. E-mail: [email protected]. Psicóloga. Especialista em Saúde Mental. Técnica Superior de Saúde do Centro de Testagem e Aconselhamento de Belo Horizonte. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Alfredo Balena 190, sala 414, Belo Horizonte, MG. CEP: 30130-100, Brasil. E-mail: [email protected]. 530 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 RESUMEN El sistema de información instalado en 1996 en los Centros de Prueba y Aconsejamiento (SI-CTC) es importante en la producción de indicadores de perfil de los usuarios del servicio y en la definición de estrategias para la reducción de la vulnerabilidad al VIH/SIDA. Fallos en la inserción de datos causan pérdidas en el alcance de estos resultados. Se analizaron las divergencias y dificultades en el registro del SI-CTC, versión 2005, considerando la estandarización de los registros. Se trata de un estudio exploratorio descriptivo realizado con el equipo multiprofesional del CTC de Belo Horizonte, de enero a diciembre de 2009. Fueron utilizadas las técnicas de grupo focal. Se emplearon datos secundarios para la detección de fallos para completar los registros. Las principales divergencias se referían a los campos de los registros “Envíos post-test”, “Uso de drogas”, “Recorte de la población” y “Leyenda de los Resultados”. La convención de los puntos conflictivos permitió la elaboración de un formulario complementario a las actuales Instrucciones para Completar Formularios del Ministerio de Salud (MS). También ayudó a disminuir la pérdida de datos y a repensar la práctica del aconsejamiento. Después de la realización de este estudio la permanencia de determinados fallos en los registros señala la necesidad de que los profesionales se acostumbren a consultar la guía de instrucciones para completar los formularios, de realizar entrenamientos periódicos y de hacer esfuerzos continuos para asimilar los cambios. La interlocución con demás CTC’s y Coordinación Nacional de ETS/SIDA fue considerada pertinente para mejorar la utilización del SI-CTC y planear acciones y estrategias fundamentadas en datos confiables, sin considerar las especificidades de cada servicio ni de su clientela. Palabras clave: Consejo; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Formularios; Servicio de Salud; Sistema de Información; Vigilancia INTRODUÇÃO A Coordenação do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde (CN-DST/Aids/MS) trabalha, desde a sua criação, em 1985, na definição de diretrizes para o enfrentamento da epidemia da aids. Foi responsável pela implantação e ampliação de uma rede de Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), que funcionam como uma modalidade de serviço de saúde que associa a prática do aconselhamento ao oferecimento de sorologia antiHIV.1,2 Em alguns CTAs, é também garantida a oferta dos exames Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) e de Hepatites tipos B e C. Os CTAs foram criados, a partir de 1988, como unidades da rede básica do Sistema Único de Saúde (SUS – atenção primária), com o intuito de: facilitar o acesso da população aos testes sorológicos; absorver a demanda dos bancos de sangue para a realização desses testes; auxiliar os serviços de pré-natal na testagem sorológica de gestantes; encaminhar as pessoas infectadas pelo HIV para os Serviços de Assistência Especializada (SAE), de atenção secundária; auxiliar sua clientela na avaliação de suas condições de vulnerabilidade às DSTs/HIV/aids e na busca de alternativas viáveis de medidas preventivas e de melhoria da qualidade de vida, independentemente de sua condição sorológica; estimular o diagnóstico de parceiro(a)s sexuais; propiciar atividades educativas de promoção da saúde e redução de danos pelo uso de drogas injetáveis.1,3 Diante da necessidade de registrar os atendimentos realizados pela equipe do CTA, de obter indicadores demográficos, comportamentais e biológicos das pessoas atendidas nesse serviço para o planejamento de ações e de estratégias com enfoque no indivíduo e na coletividade e de fornecer informações para subsidiar a gestão dessas ações, em todos os níveis de competência, a CN-DST/Aids/MS disponibilizou, em 2002, o Formulário de Atendimento do Sistema de Informação dos CTA (SI-CTA).4 Suas informações passaram, também, a ser utilizadas no incremento de pesquisas, beneficiando a divulgação desses resultados e novos investimentos nessa área.5-7 Para o registro nesse impresso, o MS divulgou as Instruções de preenchimento do formulário de atendimento – SI-CTA.8 No entanto, a falta de orientação para o apontamento de determinados campos nesse formulário foi responsável pela ocorrência de lançamentos de dados incompletos, contraditórios e inconsistentes. A perda na produção dos indicadores epidemiológicos,6,9 associada à identificação de uma carência investigativa com enfoque na padronização do registro e no lançamento dos dados no sistema, gerou o interesse pelo tema. O objetivo com este estudo foi analisar as divergências e as dificuldades no preenchimento do Formulário SI-CTA versão 2005, tendo em vista a padronização dos registros, a redução da perda de informações, de repetição de trabalho e de atrasos na digitação. Nesse contexto, a padronização no preenchimento surgiu como uma forma de contribuição para o monitoramento refinado, com maior confiabilidade das informações quanto ao perfil dos usuários atendidos neste e em outros serviços. METODOLOGIA Estudo descritivo e exploratório, realizado no período de janeiro a dezembro de 2009, no Centro de Testagem e Aconselhamento de Belo Horizonte (CTA-BH). Tratase de um serviço de referência do Ministério da Saúde, implantado em 1996 e que atende a uma média de trezentos usuários por mês, decorrentes de demanda espontânea e direcionada. Esta última ocorre, sobretudo, mediante encaminhamentos de serviços públicos e privados em saúde, instituições de ensino e de Organizações não Governamentais (ONGs). remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 531 Sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento: dificuldades, divergências e padronização no preenchimento O CTA-BH oferece aconselhamento pré-teste coletivo e pós-teste individual. No aconselhamento coletivo, existe a troca de informações, a realização dos exames laboratoriais e as abordagens sobre a promoção da saúde, das situações de vulnerabilidade e das possibilidades de prevenção das DST/HIV/aids2,3. No pós-teste, além da entrega do resultado, existe um enfoque direcionado às demandas, necessidades e singularidades de cada indivíduo atendido no serviço. Participaram da pesquisa toda a equipe do CTA-BH, formada por oito aconselhadores – enfermeiros e psicólogos – além de três auxiliares de enfermagem. O trabalho foi realizado por meio da técnica de grupo focal, com a finalidade de explorar e clarear a visão dos participantes,10,11 discutir sobre os registros identificados como divergentes ou incompletos e padronizar a forma de preenchimento do SI-CTA. Dados secundários de formulários previamente preenchidos e informações do profissional responsável pelo lançamento dos dados no sistema foram coletados para a detecção de falhas no preenchimento. Os encontros foram mensais, no próprio local de trabalho dos participantes, tendo a duração de duas horas cada um. Constituiram-se 12 grupos focais com os mesmos participantes – em nove deles com o comparecimento integral da equipe – sob a condução de uma moderadora/pesquisadora, que há atua como docente nesse serviço. Contou-se, ainda, com a presença de um observador externo ao serviço. Os grupos focais foram guiados pela própria estrutura do formulário, constituído de 11 itens, que neste estudo foram representados em caixa alta e denominados categorias: 1) Dados de orientação; 2) DaDos Do usuário; 3) autorização para contato; 4) D aDos De resiDência; 5) DaDos Da requisição; 6) notas Da orientação; 7) anteceDentes epiDemiológicos; 8) i nformações De uso De preservativos; 9) r ecorte; 10) encaminhamento pós-teste; e 11) r esultaDo laboratorial. As categorias, subdivididas em 64 campos na folha de registro, foram os eixos norteadores das discussões, constando em itálico nesse manuscrito. As opções apresentadas em cada campo foram apresentadas entre aspas. Após o debate exaustivo sobre o registro de cada campo, buscava-se estabelecer o consenso entre os participantes ou chegava-se à aprovação pelo voto da maioria. No último encontro, as decisões foram repassadas pelo moderador, abrindo-se espaço para reconsiderações, com o intuito de, finalmente, chegar-se à padronização do preenchimento. Os participantes foram convocados pela coordenação para a reunião mensal da equipe, de modo que pudessem opinar sobre o interesse e a disponibilidade para a realização do estudo. Foram informados quanto ao objetivo, a metodologia, o cronograma, a forma de divulgação dos resultados e a liberdade de participação. A pesquisa foi iniciada após o parecer favorável da equipe e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O projeto foi aprovado pelo Comitê 532 de Ética com Seres Humanos da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, sob o Parecer nº 0013.0.410.203-09A. RESULTADOS Na primeira categoria, sobre os DaDos De orientação (FIG. 1), o item polêmico referiu-se ao campo 1º atendimento no CTA [nº 5]. O registro será “Sim” para todos os usuários que realizam a 1ª coleta no serviço, também denominada 1ª amostra. Nesse caso, será emitido um prontuário e um cartão de atendimento com o número de identificação do usuário. A resposta será “Não” somente para aqueles em que a 1ª amostra de sangue já foi positiva, sendo, portanto necessária a realização de um teste confirmatório, designado 2ª amostra, conforme o fluxo estabelecido pelo MS.12 A dificuldade de entendimento da equipe estava relacionada às circunstâncias em que o usuário é egresso – retorna ao CTA por causa de outra situação de vulnerabilidade, demandando a realização de nova coleta. Esse procedimento, muitas vezes, era erroneamente registrado como “Não” para o 1º atendimento. Ressalte-se que quando o cliente é egresso, embora ele tenha seu prontuário localizado no serviço, ele será registrado como 1º atendimento no CTA – referindo-se à sua 1ª amostra coletada. No caso de o usuário retornar ao serviço para nova testagem e não for possível localizar seu prontuário, ele entrará no sistema com um novo número, será emitido outro prontuário e o registro permanecerá “Sim” para o 1º Atendimento. Essa situação do 1º atendimento foi a mesma encontrada no campo 7, no qual existe a opção“Sim”ou“Não”para a 1ª amostra (FIG. 1). Neste caso, fez-se necessário reforçar com a equipe o que já estaria definido como 1ª amostra, no formulário de instruções para o preenchimento, disponibilizado pelo MS.8 A resposta será “Não” tanto para o 1º atendimento [nº 5] e quanto para a 1ª amostra [nº 7] exclusivamente nos casos em que a 1ª amostra deu resultado positivo, sendo necessária uma segunda testagem confirmatória – 2ª amostra. No campo Vai fazer coleta [nº 6] (FIG. 1), o registro será sempre “Sim”, pois no momento de lançar os dados no sistema ele só disponibiliza essa opção. Os erros ai evidenciados relacionavam-se à distração dos aconselhadores por assinalarem “Não” ou deixarem o campo em branco. Nesse caso, para dar continuidade ao lançamento dos dados, o profissional digitador teria de alterar a resposta no formulário para“Sim”, pois o sistema não abre o campo seguinte na falta da informação. Após ter participado do aconselhamento pré-teste se o usuário, por qualquer motivo, desistir da realização do exame naquele momento, não será realizado o preenchimento do SI-CTA. Neste caso, o CTA-BH poderá disponibilizar a emissão de um cartão provisório, para posterior realização dos testes laboratoriais, sem que o usuário tenha de participar novamente dessa etapa do aconselhamento, embora não exista mais no serviço a exigência de participação no aconselhamento coletivo pré-teste. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 Quanto à identificação ou não do nome do usuário no campo Mostra nome na etiqueta [nº 10] (FIG. 1), o registro será sempre“Não”, pois nesse serviço todas as etiquetas são emitidas apenas com número. Quando se tratar do atendimento de egresso, o aconselhador preenche uma etiqueta manualmente com a repetição do número em que o usuário deu entrada no CTA pela primeira vez. Aqui, novamente as falhas no registro estiveram relacionadas mais à distração dos aconselhadores do que à falta de entendimento ou de divergências no registro. como “vendedor ambulante”, “atacadista”, “varejista” ou “representante comercial”. Para professores, é preciso distingui-los entre os níveis “fundamental”, “médio” ou “superior”, bem como pela área de atuação –“humanas”, “exatas” e “biológicas”. No caso de “auxiliar de serviços gerais”, “diarista”ou“faxineiro”, deve-se especificar o local de trabalho, tais como residência, hotel, condomínio e hospital. Na falta dessas informações, a profissão só poderá ser lançada na opção“Outros”, implicando perda de dados para efeito de uma análise mais apurada. Nos serviços em que existe a possibilidade de emissão da etiqueta com código de barra acrescido do nome do usuário, o aconselhador deverá assinalar “Sim” para aqueles que optaram pelo aparecimento do seu nome no resultado do exame. A anotação será “Não” quando se tratar de teste anônimo, constando apenas o número de identificação do usuário. Observou-se, nesses casos, que os aconselhadores não acrescentavam essa informação pela falta de conhecimento dessa necessidade ou por esquecimento. Este último pode ser decorrente do fato de que não há no formulário do SI-CTA um espaço específico para complementar as informações sobre o tipo de ocupação, sendo esse dado requerido apenas no momento de lançar os dados no sistema. Na segunda categoria, sobre os DaDos Do usuário (FIG. 2), a discussão referiu-se às frequentes ausências de preenchimento do campo Data de nascimento [nº 16]. Observou-se que parte da equipe desconhecia que esta essa informação é imprescindível para salvar os dados e gerar o número da requisição, que representa a entrada do usuário no sistema. No campo Ocupação [nº 20], é necessária a realização de um registro mais específico quanto ao trabalho atual do usuário (FIG. 2). Para isso, deve-se tomar como referência a Classificação Brasileira de Ocupações,13 conforme explicitado nas instruções do MS.9 Profissões de vendedor necessitam ser especificadas, por exemplo, Na quarta categoria, DaDos De resiDência, os registros dos campos Município [nº 28] e Bairro [nº 29] são obrigatórios, pois o programa não permite salvar os dados no sistema sem essa informação. Nesse campo, as falhas evidenciadas estavam novamente relacionadas à distração e à falta de conhecimento dos profissionais de que a falta dessa única informação seria suficiente para inviabilizar a entrada dos dados daquele usuário no sistema. Quanto aos DaDos De requisição, concernente à quinta categoria, sempre que o aconselhador assinalar a opção “Outros”nos campos Motivo da procura [nº 35], Origem FIGURA 1 – Campo do formulário SI-CTA/2005 sobre Dados de orientação do usuário Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA. FIGURA 2 – Campo do formulário SI-CTA/2005 sobre Dados do usuário Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 533 Sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento: dificuldades, divergências e padronização no preenchimento da clientela [nº 36] e Encaminhamento pré-teste [nº 37], é necessário informar a razão dessa escolha, pois o sistema abre uma janela solicitando esse dado. Caso isso não seja explicitado, as informações não poderão ser salvas porque o campo não foi totalmente preenchido. A alternativa encontrada para evitar a perda dos dados desse usuário seria o digitador assinalar a opção “Não informado” ao entrar com os dados no sistema. Essa escolha deve, entretanto, ser reavaliada em outros CTAs e com a própria CN-DST/Aids/MS, uma vez que gera um valor elevado de falsas informações. Nessas condições, a opção“não informado”decorre, quase que exclusivamente, da solicitação incompleta dos dados pelo aconselhador do que pelo fato de o usuário do serviço não ter respondido a essa questão. Um exemplo para o preenchimento da opção “Outros” no campo Motivo da procura seria a situação em que o usuário necessita de testagem para a realização de visitas íntimas ao presídio. No campo Origem da clientela, caberiam os encaminhamentos por meio de grupos de apoio, religiosos ou das Forças Armadas. Para a categoria Encaminhamento pré-teste, um exemplo seria a inclusão de outros exames não contemplados nesse campo, como o do Projeto Sentinela de Testagem dos Conscritos do Exército, em que, além do encaminhamento para o exame anti-HIV, também foi incluída a realização do exame de HumanT cell LymphotropicVirus (HTLV) – vírus linfotrópico para células T humanas . Nos “Antecedentes epidemiológicos” (FIG. 3), sétima categoria, o problema identificado relacionava-se ao campo 44, Se fez uso de drogas nos últimos doze meses, especifique quais e suas frequências. Entre as opções quanto à frequência, a dificuldade relacionava-se ao preenchimento das alternativas “Usa vez em quando” e “Usa frequentemente”. Definiu-se que o item “Usa vez em quando”estaria relacionado ao uso esporádico, como em eventos sociais. O item “Usa frequentemente” seria considerado nos casos de regularidade de uso diário, semanal e fins de semana. Na alternativa “Já usou, mas não usa mais”, estabeleceu-se que ela seria assinalada quando o usuário informasse que parou de beber, ainda que o período de abstinência fosse recente. No campo Tipo de exposição [nº 47] (FIG. 3), houve discordância entre os membros da equipe, pois alguns consideravam o tipo de exposição ao longo da vida para a realização desse registro e outros contemplavam apenas os últimos doze meses. Ficou esclarecido para os membros da equipe que esse campo faz referência a todas as exposições ocorridas na vida. Se uma pessoa relata uma vulnerabilidade há mais de um ano, por exemplo, não há como desconsiderar esse fato para uma avaliação mais apurada de suas condições de vulnerabilidade às DST/HIV/aids. Ainda no Tipo de exposição, ressalte-se que, no preenchimento da opção “Outros”, o sistema abre uma janela solicitando que se especifique o que aí foi considerado. Um exemplo de registro que poderia ser inserido na opção “Outros” são as situações em que o tipo de exposição foi decorrente do contato domiciliar com portadores de hepatite B ou C, ou no caso de transplantado. Na falta dessa especificação, não será possível a continuidade do lançamento dos dados porque o sistema não possibilita o preenchimento do campo seguinte. Outra questão importante refere-se à alternativa “Não relata risco biológico”, que ficou de ser preenchida somente na ausência de qualquer tipo de exposição contemplada no formulário (FIG. 3), até mesmo daquelas consideradas na opção “Outros”. Naoitavacategoria,“Informaçõesdeusodepreservativos” (fig. 4), tanto no campo Motivo de não usar preservativo com parceiro fixo [nº 50] quanto no Motivo de não usar preservativos com parceiro(s) eventual(is) nos últimos 12 meses [nº 54], existe a possibilidade de selecionar a opção “Outros”. Nesse caso, mais uma vez, o sistema exige a especificação do que foi considerado nessa alternativa. Um exemplo seriam os casos em que o usuário revela não ter feito uso do preservativo por causa de um “vacilo” ou de “irresponsabilidade”. FIGURA 3 – Campo do formulário SI-CTA/2005 sobre Antecedentes epidemiológicos Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em AidS SI-CTA. 534 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 FIGURA 4 – Campo do formulário SI-CTA/2005 sobre Informações de uso do preservativo Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA. No campo Risco do parceiro fixo [nº 51] – (FIG. 4), a opção “Outros”não exige especificação mais detalhada, pois o sistema não abre uma janela para ser preenchida. Ficou estabelecido que, nos casos em que o usuário informou ter dúvida quanto ao risco do parceiro ou respondeu que não sabia, tais respostas seriam registradas na opção“Outros”. O problema detectado na nona categoria, r ecorte, concernente ao campo Recorte populacional [nº 55] (FIG. 5), foi relativo à indefinição de um período de tempo na vida do usuário que auxiliasse nesse preenchimento. Quando o sujeito relata, por exemplo, uma situação ocorrida na adolescência ou uma atividade profissional, entre as listadas no formulário, que já deixou de fazer, tais circunstâncias acabam por confundir o aconselhador. Para reduzir o risco de classificar erroneamente, a equipe optou por considerar o tempo correspondente aos últimos 12 meses. Sugere-se, no entanto, que essa escolha seja também discutida e reavaliada com profissionais de outros CTAs e com a CN-DST/Aids/MS. Ainda no campo Recorte populacional [55], ficou estabelecido que, nas relações de homens bissexuais, não disponibilizadas entre as alternativas do formulário, devia-se assinalar a alternativa 5: “Homem que faz sexo com homem”. Quanto ao preenchimento da opção 7, “Usuário de outras drogas”, após consulta à CN-DST/Aids/MS, o grupo foi orientado a registrar, aí, os usuários de bebidas alcoólicas de “Uso frequente”, bem como aqueles que faziam uso “vez em quando” e “frequentemente” dos outros tipos de drogas que não as injetáveis. Outro aspecto identificado no Recorte populacional [55] foram as frequentes faltas de sua correlação com os registros das alternativas realizados nos campos 43, 44 e 45, referentes ao uso de drogas nos últimos 12 meses. Na discussão do grupo, foi reforçada a necessidade de registrar o usuário de drogas tanto no campo 44 quanto no Recorte populacional. FIGURA 5 – Campo do formulário SI-CTA/2005 referente ao Recorte populacional Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 535 Sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento: dificuldades, divergências e padronização no preenchimento Do mesmo modo, estudantes e profissionais de saúde, assinalados no campo Ocupação [20], não eram muitas vezes considerados no Recorte populacional. Observou-se, ainda, habitual falta de registro dos usuários portadores de hepatites B e C, referenciados na categoria “Resultado laboratorial” (FIG. 7) e que também deveriam ser assinalados na opção 14, do Recorte populacional [55]. Na décima categoria de “Encaminhamentos pós-teste” (FIG. 6), a opção “Outros” do campo Encaminhamentos [nº 56], é necessária, também, uma especificação mais detalhada do que foi considerado nesse item. Um exemplo refere-se aos casos de encaminhamento do usuário ao SAE em decorrência de recomendação da profilaxia antirretroviral após exposição sexual com potencial transmissão de HIV. Nessas circunstâncias, o usuário é submetido ao Teste Rápido anti HIV e, caso seu resultado seja negativo, ele será encaminhado ao SAE para avaliação da necessidade da iniciação da quimioprofilaxia antirretroviral. Nas situações de encaminhamento para a “Vacina hepatite B”, opção 11, quando se verifica a falta de cobertura vacinal ou a ocorrência do esquema incompleto e que a pessoa não se insere nos critérios de encaminhamento estabelecidos pelo MS14, ficou acordado que o aconselhador deveria registrar, na folha de evolução do usuário, que ele foi orientado quanto à importância de iniciar ou completar todas as doses, ainda que não tivesse o direito ao recebimento gratuito da vacina nas unidades básicas de saúde. Na última categoria, “Resultado laboratorial” (FIG. 7), foi reforçado que o campo Tipo de teste realizado triagem [nº 61] está relacionado somente ao exame Elisa anti-HIV. O Teste Rápido não é considerado triagem, por ser realizado com mais de uma metodologia, não requerendo, portanto, nova coleta para o exame confirmatório. No Teste Rápido, o registro no campo Resultado triagem [61] deverá ser o 6, que corresponde ao item “Não realizado” da Legenda de resultados (FIG. 7). Na opção Resultado final, deverá ser assinalado o nº 1 para o “Não reagente”, e nº 2 para “Reagente”. No campo Sífilis [nº 63], o problema identificado foi decorrente da dificuldade de estabelecer quando se trata de“Doença ativa”ou“Cicatriz sorológica”. Nos casos de titulação de 1:2 e 1:4, por exemplo, é impossível determinar, apenas com esse exame, se a reação é concernente a uma doença ativa, em fase inicial, ou a uma cicatriz sorológica. Para o preenchimento desse campo, ficou estabelecido que todos os resultados com reação acima de 1:2 serão considerados doença ativa e encaminhados para avaliação médica. A permanência dessa informação no formulário deve, no entanto, ser reavaliada com a própria CN-DST/Aids/MS, pois esse dado pode tornar-se irrelevante, uma vez que todos os casos de reação para sífilis deverão ser encaminhados para um avaliação médica. Finalizada a abordagem dos pontos polêmicos, divergentes e dificultadores do preenchimento do formulário SI-CTA, vale a pena ressaltar os acordos concernentes à especificidade desse serviço, bem como os entraves decorrentes, exclusivamente, da distração, do esquecimento e da falta de consulta às Instruções de preenchimento do formulário, elaboradas pelo MS.9 Esse fato levou à ocorrência de registros incompletos, contraditórios ou incorretos, principalmente das questões referentes ao: 1) Estado civil [nº 17] (FIG. 2), quando se devia registrar apenas a situação conjugal atual do usuário; 2) Escolaridade [nº 19], devendo-se lembrar de que se trata de anos de estudo concluídos; 3) Nome da mãe [nº 22], que somente devia ser preenchido quando o usuário tivesse optado pela realização do teste nominal; FIGURA 6 – Campo do formulário SI-CTA/2005 sobre Encaminhamento Pós-Teste Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA. FIGURA 7 – Campo do formulário SI-CTA/2005 sobre Resultado laboratorial Fonte: Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA. 536 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 4) Dados de residência [nº 25 a 34], que deviam ser preenchidos apenas para as pessoas que autorizaram o contato telefônico ou por e-mail, para que fossem lembrados de que o resultado estaria disponível no serviço, se não forem buscá-lo na data prevista. Para aqueles que não autorizaram o contato [nº 23], o preenchimento dos dados de residência deveria ser apenas dos campos Município [nº 28] e Bairro [nº 29]. Encaminhamento pós-teste [nº 56], na definição quanto ao uso frequente ou esporádico de drogas [nº 44], e ao registro do Recorte populacional [nº 55]. Sinalizou, ainda, a necessidade de uma padronização no preenchimento do formulário com os demais CTAs. Isso possibilitaria o planejamento nacional de ações calcadas em dados confiáveis, sem desconsiderar as especificidades de cada serviço e de sua clientela. No campo Tipo de orientação (pré-teste) [nº 3] (FIG. 1) para os casos de Teste Rápido anti-HIV, foi corroborado pela equipe que seria assinalada a opção 4 –“Individual e coletiva” – quando o usuário tivesse participado do aconselhamento pré-teste coletivo. A interlocução entre as equipes dos CTAs e a CN-DST/ Aids/MS seria também pertinente para otimizar a utilização do SI-CTA como ferramenta importante para o estudo do perfil da clientela atendida nesse serviço. Representaria, ainda, uma oportunidade de discussão sobre determinados campos do formulário não considerados no sistema, que propiciam preenchimentos errôneos ou, ainda, que estão além do poder de decisão das equipes. É também importante chamar a atenção para a subjetividade inerente ao processo de aconselhamento, que não pode ser desconsiderada no momento de preenchimento do formulário. Quanto ao campo Número de requisição anterior (obrigatório para a 2ª amostra) [8], (FIG. 1), foi lembrado que esse número seria o mesmo utilizado no 1º atendimento no serviço, sendo repetido no preenchimento do outro SI-CTA, referente à coleta de 2ª amostra, ou seja, do exame confirmatório. Isso permitiria o acesso aos dados iniciais do usuário, vinculando seus resultados de 1ª e 2ª amostras. Saliente-se que em todas as opções “Outros”, com exceção do campo Risco do parceiro fixo [nº 51], deviam ser acrescidas as informações adicionais, pois o sistema abre uma janela para esse detalhamento. É interessante observar que o campo Materiais/preservativo fornecidos [nº 59] não é contemplado no sistema, servindo apenas para o controle de dispensação de preservativos e de materiais de cunho educativo. Do item 48 ao 54 (FIG. 4), sobre o uso de preservativos, ficou estabelecido que não fosse considerado o sexo oral, pois o documento não permite registrar separadamente se a vulnerabilidade ou proteção foi referente ao sexo oral ou à penetração. O registro referente ao sexo oral deveria ser realizado na folha de evolução do usuário. Questões atinentes a rasuras ou ao uso de corretivos no formulário foram também discutidas e convencionadas. Para a correção de um registro, deveria circular a opção errada e remarcar com um X a desejada. Com base em um trabalho minucioso da equipe multiprofissional que atua no CTA-BH, perpassando os campos e opções do SI-CTA, foi possível detectar e analisar as falhas, divergências e dificuldades dos registros. A convenção dos itens conflitantes permitiu a elaboração de um formulário complementar às Instruções de preenchimento do MS e contribuiu para a redução da perda de dados, bem como para a reflexão da equipe sobre a prática do aconselhamento. Após a realização dos sucessivos encontros, a repetição de determinadas falhas nos registros sinaliza a importância de consultar os formulários de preenchimento – um elaborado pelo MS e o outro com base nesta pesquisa. A permanência de discussões periódicas sobre quaisquer problemas identificados nos registros e o esforço dos profissionais para assimilar as mudanças revelam-se imprescindíveis para a confiabilidade dos dados. AGRADECIMENTOS CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo revelou que as principais divergências no preenchimento do SI-CTA referiram-se aos campos Aos profissionais do Centro de Testagem e Aconselhamento de Belo Horizonte pela dedicação na elaboração deste estudo. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS. Diretrizes dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA): manual. Brasília: Ministério da Saúde; 1999a. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS. Aconselhamento em DST, HIV e AIDS: diretrizes e procedimentos básicos. 3ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 1999b. 3. Souza V, Czeresnia D. Considerações sobre os discursos do aconselhamento nos centros de testagem anti-HIV. Interface Comunic Saúde Educ. 2007; 11: 531-48. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA: manual de utilização. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. 5. Bassichetto KC, Mesquita F, Zacaro C, et al. Perfil epidemiológico dos usuários de um Centro de Testagem e Aconselhamento para DST/HIV da Rede Municipal de São Paulo, com sorologia positiva para o HIV. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7(3): 302-10. 6. Cruz MMC, Toledo LM, Santos EM. O sistema de informação de Aids do município do Rio de Janeiro: suas limitações e potencialidades enquanto instrumento da vigilância epidemiológica. Cad Saúde Pública. 2003; 19(1):81-9. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 537 Sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento: dificuldades, divergências e padronização no preenchimento 7. Freitas FP, Pinto IC. Percepção da equipe de saúde da família sobre a utilização do Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB. Rev Latinoam Enferm. 2005; 13(4): 547-54. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Sistema de Informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids SI-CTA: manual de utilização. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 9. Nichiata LYI, Shima H. Sistema de informação em Aids: limites e possibilidades. Rev Esc Enferm USP. 1999; 33(3): 305-12. 10. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa e saúde. São Paulo: Hucitec / Rio de Janeiro: Abrasco;1992. 11. Pope C, Mays M. Pesquisa Qualitativa na Atenção à Saúde. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2005. 12. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para organização e funcionamento dos CTA do Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. 13. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego. [Citado 2009 out. 22]. Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/ cbosite/pages/informacoesGerais.jsf 14. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Hepatites virais: o Brasil está atento. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. Data de submissão: 4/10/2010 Data de aprovação: 8/10/2011 538 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 530-538, out./dez., 2011 O ENSINO DA ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA E SAÚDE MENTAL NO CURRICULO POR COMPETÊNCIAS THE TEACHING OF PSYCHIATRIC NURSING AND MENTAL HEALTH IN THE CURRICULUM BY COMPETENCE LA ENSEÑANZA DE LA ENFERMERIA PSIQUIÁTRICA Y SALUD MENTAL EN EL CURÍCULO PARA LAS COMPETENCIAS Antonio Carlos Siqueira Júnior1 Márcia Ap. Padovan Otani2 RESUMO As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos na Área da Saúde, lançadas em 2001, corroboraram com o currículo já desenvolvido na Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e apontaram um novo desafio: o de trabalhar com um currículo integrado, orientado por competência profissional e baseado nas necessidades de saúde da população. Com a mudança do método, a abordagem de temas relacionados a disciplina de Enfermagem Psiquiátrica passou a ser trabalhada com os estudantes com base na sua vivência nos diversos cenários de ensino aprendizagem. O objetivo com esta pesquisa foi identificar se o profissional enfermeiro formado na FAMEMA tem conhecimento teórico para desenvolver as tarefas de enfermagem relacionadas às atividades assistenciais designadas à equipe multiprofissional dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), nível 1. Trata-se de um estudo transversal. Para coleta de dados foi aplicado um questionário com questões abertas. A análise descritiva dos dados foi realizada por meio da comparação das respostas tendo como parâmetro as referências bibliográficas relacionadas aos temas investigados. Os resultados evidenciaram que o conhecimento construído pelos estudantes ao final do curso mostra-se insuficiente para o desenvolvimento das atividades assistenciais designadas à equipe multiprofissional dos Centros de Atenção Psicossocial. Conclui-se que, na área específica de enfermagem psiquiátrica e em saúde mental é preciso que os cenários de prática sejam reorganizados, buscando oferecer maior oportunidade de aprendizado aos estudantes, e que os professores, cumprindo o papel de facilitadores do processo de ensino aprendizagem, estimulem os estudantes na busca de conhecimentos nesta área. Palavras-chave: Currículo; Competência Profissional; Educação em Enfermagem. ABSTRACT Introduced in 2001, the National Curriculum Guidelines for Courses in the Health Area corroborated the curriculum offered at FAMEMA and pointed up the challenge to work with an integrated curriculum, guided by professional competence and based on the population healthcare needs. The change in the course’s methodology meant that the course“Psychiatric Nursing”began to consider the student’s experience in the various scenarios of the teaching-learning process. This study aimed to identify whether nurses graduated at FAMEMA had the necessary theoretical knowledge to perform the assistance tasks assigned to the multi-professional team at the Psychosocial Attention Centers level 1. It is a transversal study. A questionnaire with open questions was used for the data collection. The data descriptive analysis was carried out by comparing the answers and had as parameter the bibliographical references related to the studied themes. The results showed that the knowledge assimilated at the end of the course proved insufficient. In conclusion, the Psychiatric and Mental Health Nursing area requires the reorganization of the practice settings in order to offer more learning opportunities to the students. Teachers should play the role of facilitators in the teachinglearning process so as to encourage nursing students to build up more knowledge in this area. Key words: Curriculum; Professional Competence; Nursing Education. RESUMEN Las orientaciones del plan de estudios nacionales para los cursos en el campo de la salud, iniciadas em 2001, corroboraron el plan de estudios ofrecidos en FAMEMA y señalaron el desafío de trabajar con un plan integrado orientado por profesionales competentes y basado en las necesidades de salud de la población. Al cambiar de método, los temas vinculados a la materia Enfermeria Psiquiátrica comenzaron a ser enfocados a partir de la experiencia de los alumnos en los distintos escenarios de enseñanza – aprendizaje . El objeto del presente estudio ha sido identificar si el profesional de enfermeria capacitado en FAMEMA tiene el conocimiento teórico suficiente como para llevar a cabo las tareas de enfermeria relacionadas a actividades de asistencia asignadas al equipo multiprofesional de los Centros de Atención Psicosocial, nível 1. Se trata de un estúdio transversal cuyos datos fueron recogidos mediante un cuestionario con preguntas abiertas. El análisis descriptivo de los datos fue realizado comparando las respuestas con las referencias bibliográficas relacionadas a los temas investigados. Los resultados mostraron que el conocimiento construido por los alumnos al final del curso es insuficiente como para llevar a cabo las actividades asistenciales asignadas al equipo multiprofesional de los Centros de Atención Psicosocial. Llegamos a la conclusión de que, en el ámbito especifico de la enfermeria psiquiátrica y salud mental, los escenarios de la práctica deben ser reorganizados, buscando ofrecer mayores oportunidades de aprendizaje y para que los profesores, como facilitadores del proceso de enseñanza-aprendizaje, estimulen a los alumnos a buscar más conocimiento en esta área. Palabras clave: Plan de estudios; Competencia Profesional; Educación en Enfermería. 1 2 Enfermeiro. Doutor em Enfermagem Psiquiátrica. Docente do curso de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). E-mail: [email protected]. Enfermeira. Mestre em Enfermagem Psiquiátrica. Docente do curso de Enfermagem da FAMEMA. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Rua Jorge Bernardone, 404. Marília-SP. CEP 17519580. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 539 O ensino da Enfermagem Psiquiátrica e Saúde mental no curriculo por competências INTRODUÇÃO A crescente insatisfação com o modelo de ensino dos cursos de graduação na área da saúde revelava a necessidade de mudanças. A formação de profissionais afastadosdarealidadeeincapazesdeatenderàsdemandas da população são resultantes desse processo.1 Com base nessa realidade e impulsionados pelo Projeto Uma Nova Iniciativa (UNI), financiado pela Fundação W. K. Kellogg, a Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) iniciou, em1992, o processo de discussão sobre as possíveis mudanças na formação de médicos e enfermeiros, cursos mantidos pela instituição. Assim como a maioria das escolas de ensino superior, o ensino na FAMEMA seguia a metodologia tradicional, sendo o aluno receptor dos conhecimentos transmitidos pelo professor. A organização curricular não proporcionava a integração da teoria com a prática, das disciplinas e do ciclo básico com o clínico. Era enfatizada a assistência especializada, o uso maciço da tecnologia e as avaliações tinham cunho punitivo. Motivados pelo desejo de mudanças no ensino, os docentes de ambos os cursos (medicina e enfermagem) participaram de assessorias pedagógicas, grupos de discussões e reflexões sobre o tema. Como alternativa ao modelo tradicional, os docentes do curso de medicina optaram por trabalhar com o método da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), que foi implantado em 1997. Os docentes do curso de enfermagem optaram pela metodologia da problematização, que teve início em 1998, no primeiro ano da graduação em enfermagem e, a partir daí, nos anos subsequentes. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos na área da saúde, lançadas em 2001, indicam uma concepção mais ampla de saúde e estabelecem como horizonte desejável os currículos integrados, possibilitando a articulação de várias disciplinas em torno de temáticas relevantes e estimulantes. Apontam, também, a necessidade de o estudante desempenhar papel ativo em seu processo de ensino aprendizagem. Propõe-se, então, mudança da ênfase nos conteúdos para o processo de aprendizagem ativa e independente. Além da superação entre a teoria e a prática, valorizase o trabalho articulado com os serviços de saúde e a população. Tal indicação das Diretrizes corroborou o currículo já em desenvolvimento na FAMEMA e lançou um novo desafio: o de trabalhar com um currículo integrado, orientado por competência profissional e baseado em necessidades de saúde da população, buscando a integralidade do cuidado. 2 Currículo integrado é entendido como a organização dos conteúdos de forma interdisciplinar, conectando o currículo escolar e a realidade, devendo ficar explícita para os estudantes a relação entre os conteúdos que as instituições escolares trabalham e sua validade para a compreensão e intervenção na sociedade.3 A competência profissional é compreendida, na FAMEMA, como a capacidade circunstancial de mobilizar 540 articuladamente diferentes recursos (cognitivos, afetivos, psicomotores) que permitam abordar/resolver situações complexas referentes à prática profissional.4 Como nesta pesquisa tem-se o propósito de refletir sobre as contribuições do ensino da enfermagem psiquiátrica para a formação geral do enfermeiro na FAMEMA, descreve-se, a seguir, a organização da disciplina de Enfermagem em Psiquiatria e Saúde Mental ao longo do processo de mudança curricular. Após o início do novo currículo, em 1997, os docentes da disciplina Enfermagem em Psiquiatria e Saúde Mental continuaram com carga horária teórica e prática definida na grade curricular, utilizando o método da problematização, em que o professor tem o papel de facilitar o processo de aprendizagem do estudante nos diferentes cenários de ensino aprendizagem, seja em salas de aula, seja em serviços de saúde. Em 2003, após discussão coletiva entre os docentes do curso de enfermagem, a carga horária destinada aos estágios nas áreas de enfermagem psiquiátrica, prontosocorro, moléstias infecciosas e unidade de terapia intensiva deixou de existir, e a abordagem de temas relacionados a essas áreas passou a ser trabalhado com os estudantes de acordo com a necessidade, com base na vivência deles nos demais campos de estágios da grade curricular. A decisão baseou-se em argumentos de que a proposta pedagógica da instituição estava em consonância com as Diretrizes Curriculares ao buscar a formação do enfermeiro generalista, sendo tais áreas vistas como especialidades da enfermagem. Dessa forma, ao necessitar de embasamento teórico referente à área de enfermagem psiquiátrica por demandas da prática profissional, o estudante passou a buscar na literatura e discutir o conteúdo pesquisado com o professor que o acompanhava no cenário da prática. Os estudantes podiam, também, solicitar consultorias com professores especialistas com a finalidade de esclarecer dúvidas que não foram esclarecidas com a busca de informações na literatura ou na discussão com o professor. Essa organização curricular é coerente com a opção pedagógica do curso de enfermagem, ou seja, a metodologia ativa de ensino, em que o aprendizado do aluno deve ser construído com base na vivência nos cenários da prática, e não de conteúdos previamente selecionados pelo professor. Segundo as Diretrizes Curriculares, a área da saúde requer profissionais com competências gerais, referentes à atenção a saúde, à tomada de decisões, à comunicação, à liderança, à administração e ao gerenciamento e à educação permanente.1 OdocumentodasDiretrizesCurricularesparaagraduação em enfermagem admite leituras variadas. Por exemplo, a expressão“enfermeiro com formação generalista”pode aceitar múltiplas interpretações e, assim, determinar uma indefinição sobre o tipo de profissional que se deseja formar.5 Portanto, vários questionamentos podem remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 ser levantados: a organização curricular deve enfatizar o conhecimento geral de enfermagem ou o currículo deve capacitar o profissional para atuar em todos os cenários da prática? A formação profissional deve atender à demanda do mercado de trabalho? De que profissional o mercado atual necessita? Com as recentes mudanças nas políticas de saúde, incluindo a saúde mental, o mercado de trabalho, compreendendo os diferentes níveis de atenção à saúde, exige, atualmente, que os profissionais saibam atuar na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde da população assistida. Acompanhando as iniciativas da atual política de saúde, o Programa de Saúde da Família (PSF) foi criado como estratégia para a reorientação da atenção básica e do modelo de atenção à saúde no país. No que se refere à política de saúde mental, a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) também tem o propósito de redirecionar a atenção psiquiátrica. Tais iniciativas compõem grande parte do mercado de trabalho que absorve os profissionais de enfermagem. As equipes dos CAPS têm como uma de suas propostas de atuação apoiar e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, incluindo o PSF e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Os CAPS estão divididos em grau de complexidade e, portanto, os requisitos para o trabalho aumentam de acordo com a complexidade do serviço. Segundo a Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre o funcionamento dos CAPS,6 o CAPS I é responsável por prestar atendimento individual e em grupos, em oficinas terapêuticas, realizar visitas domiciliares e prestar atendimento à família, assim como participar de atividades comunitárias, enfocando a integração do paciente na comunidade e sua inserção familiar e social. Em vista disso, faz-se necessário que os profissionais envolvidos nesses atendimentos tenham conhecimento e preparo para implementar tal proposta, ou seja, devem ter a capacidade de mobilizar recursos para resolver as diferentes situações no trabalho. Diante do exposto, os questionamentos que motivaram esta pesquisa foram: assistenciais designadas à equipe multiprofissional dos CAPS, nível 1. JUSTIFICATIVA Baseando-se nas ações educativas desenvolvidas no currículo do curso de enfermagem da FAMEMA, cuja finalidade é preparar os indivíduos para a ação social, articulando os propósitos educacionais às necessidades políticas, sociais, individuais e coletivas da população, esta pesquisa torna-se relevante para identificar possíveis lacunas de conhecimento no que se refere à área de saúde mental e psiquiatria, buscando melhor qualificação do profissional a ser formado nessa Instituição. METODOLOGIA Trata-se de um estudo transversal, cuja populaçãoalvo foi constituída por 40 estudantes da primeira série e 40 da quarta série do curso de enfermagem da FAMEMA, totalizando 80 estudantes. Para a coleta de dados foi aplicado um questionário com questões abertas, sendo este respondido por 24 estudantes da primeira série e 32 estudantes da quarta série que, após serem orientados em relação aos objetivos do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da FAMEMA. O instrumento foi construído, tendo como parâmetro as atividades desenvolvidas pelo enfermeiro no CAPS 1. Os temas contidos no questionário estão relacionados ao conhecimento teórico necessário para a formação geral do enfermeiro e que, em um currículo tradicional, são desenvolvidos na disciplina de enfermagem em psiquiatria e saúde mental. O conhecimento teórico, fundamentado na literatura, constitui um dos recursos a serem mobilizados para resolver diferentes situações no trabalho. – Estão preparados para o trabalho em equipe multiprofissional? O mesmo instrumento foi aplicado aos estudantes das duas séries, sendo composto por sete questões relacionadas aos seguintes temas: 1)abordagem ao paciente depressivo, 2)conceito de empatia, 3) coordenação de grupos, 4)investigação de sintomas psicóticos, 5)dependência de álcool, 6) exame do estado mental e 7)política de saúde mental. A análise descritiva dos dados foi realizada por meio da comparação das respostas das duas séries tendo como parâmetro as referências bibliográficas relacionadas aos temas investigados. OBJETIVO RESULTADOS Identificar se os estudantes do último ano (quarta série) do curso de enfermagem da FAMEMA possuem conhecimento teórico adequado para desenvolver as tarefas de enfermagem relacionadas às atividades Todos os questionários foram avaliados segundo um gabarito construído pelos autores, tendo como referência artigos e livros, conforme quadro a seguir: – Os estudantes do curso de enfermagem da FAMEMA estão sendo preparados adequadamente para atuar nos CAPS de acordo com as atividades desenvolvidas nesse serviço? remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 541 O ensino da Enfermagem Psiquiátrica e Saúde mental no curriculo por competências QUADRO 1 – Temas das questões e referências utilizadas para correção do questionário QUESTÃO Tema Referência 1 Abordagem ao paciente depressivo Enfermagem Psiquiátrica: conceitos de cuidados. 3ª ed ed., Guanabara Koogan, 2002, cap 26: disturbios afetivos. 2 Conceito de empatia Stefanelli, MC; Arantes, E. C.; Fukuda, IMK. Aceitação, empatia e envolvimento emocional no relacionamento enfermeira-paciente. Rer. Esc. Enf. USP. São Paulo. 16(3):245-253, 1982. 3 Coordenação de grupos Atributos desejáveis para um coordenador de grupos, como trabalhamos com grupos, Porto Alegre: Artes Médicas, 1997 4 Investigação de sintomas psicóticos, Enfermagem Psiquiátrica: conceitos de cuidados. 3. ed., Guanabara Koogan, 2002, cap 25: esquizofrenia e outros distúrbios psicóticos. 5 Dependência de álcool Alcoolismo hoje 6 Exame do estado mental Benseñor, I. M.; Atta JA; Martins, MA Semiologia Clínica. São Paulo: Sarvier, 2002. Kaplan, HI; Sadock, BJ; Grebb, JA. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 7ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 7 Política de saúde mental Antunes SMMO, Queiroz MS. A configuração da Reforma Psiquiátrica em Contexto Local no Brasil: uma análise qualitativa. Cad Saúde Pública v 23(1) Rio de Janeiro, 2007. As questões foram corrigidas de acordo com a pontuação definida previamente pelos autores: 0 ponto, 0,5 ponto e 1 ponto. Assim, a maior pontuação é igual a 7 pontos, equivalente ao acerto de todas as questões. Após a correção, as pontuações foram transformadas em notas de 0 a 10, utilizando-se a regra de três, de modo que o estudante que obteve a pontuação 7 tivesse a nota equivalente igual a 10, como mostra a TAB. 1, a seguir: TABELA 1 – Notas das questões respondidas pelos estudantes da 4ª série PONTUAÇÃO DAS QUESTÕES RESPONDIDAS PELO QUARTO ANO Sujeitos 1 2 3 4 5 6 7 NOTA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 0,0 0,0 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,5 0,5 0,0 0,0 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,5 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,5 0,0 0,0 0,5 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 0,0 1.0 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 1.0 0,5 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 0,0 1.0 0,5 0,5 0,5 0,5 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 1.0 0,5 1.0 0,5 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,5 0,5 0,0 0,5 0,0 0,0 0,5 0,5 0,5 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1,43 2,14 3,57 1,43 2,86 0,00 0,71 2,14 0,71 3,57 0,71 2,86 1,43 2,86 1,43 2,14 2,14 1,43 1,43 0,00 0,71 0,00 1,43 0,00 3,57 1,43 0,71 1,43 2,14 0,71 1,43 2,14 542 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 TABELA 2 – Notas das questões respondidas pelos estudantes da 1ª série QUESTÕES RESPONDIDAS PELO PRIMEIRO ANO Sujeitos 1 2 3 4 5 6 7 Nota 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 1.0 1.0 0,0 0,0 0,0 1.0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 0,5 1.0 1.0 0,5 1.0 1.0 1.0 1.0 0,5 1.0 1.0 1.0 0,0 0,0 0,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,5 1.0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 2,1 0,7 1,4 2,1 0,7 1,4 2,8 2,1 1,4 0,7 4,2 3,5 1,4 0,0 0,0 2,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,7 1,4 Na TAB. 2, observa-se que a maior nota foi de 3,57, alcançada por somente três estudantes. Observa-se, também, que a maioria dos estudantes (62%) não possui conhecimento em relação aos temas abordados no questionário, errando seis das sete perguntas. As questões 5 e 6, que tratam dos temas dependência de álcool e exame do estado mental, respectivamente, foram as mais respondidas e obtiveram maior número de acertos. A realização de grupos é uma atividade comum nos serviços de saúde e os estudantes de enfermagem têm a oportunidade de participar ou mesmo coordenar grupos nos cenários de prática profissional. As respostas à questão 3, que trata desse tema, foram caracterizadas como superficiais, uma vez que os estudantes abordaram somente a necessidade de o coordenador conhecer sobre o assunto a ser discutido, não valorizando as características pessoais necessárias para coordenar grupos. A questão 1 refere-se a uma situação real, de ocorrência comum nos serviços de atenção primária em saúde, serviços que são cenários de ensino-aprendizagem para os estudantes de 1ª, 2ª e 4ª séries do curso de enfermagem da FAMEMA. Ao contrário do que se esperava, as respostas dos estudantes focaram, principalmente, a necessidade de administração de medicamentos, encaminhamento a outros profissionais e investigação dos sintomas. De modo geral, as respostas não evidenciaram a valorização da pessoa, por meio de uma abordagem de acolhimento e também não relataram a necessidade sobre a investigação sobre o risco de suicídio apresentado na situação. Desde a primeira série do curso de enfermagem da FAMEMA, os estudantes realizam acompanhamento das famílias nas unidades de saúde da família e têm como uma das tarefas, referentes à área do cuidado individual, a coleta de dados por meio da história de vida e exame clínico. Considerando que as doenças mentais, especialmente aquelas caracterizadas por sintomas psicóticos, como a esquizofrenia, o transtorno de humor e as psicoses decorrentes do uso de substâncias psicoativas, possuem índices epidemiológicos significativos entre a população em geral, esperava-se que os estudantes, ao lidarem com pessoas que apresentam ou apresentaram sintomas psicóticos, buscassem conhecimentos teóricos com base na vivência para melhor assistir tais pessoas. No entanto, as respostas dessa questão limitaram-se à descrição de sintomas alucinatórios, sendo que 93% dos estudantes não responderam. Nas respostas da questão 2, esperava-se a abordagem do tema empatia com base nas experiências em campos de estágios, correlacionando-o com os conceitos teóricos. Contudo, observa-se que, entre os estudantes que arriscaram essa correlação, o enfoque deu-se somente em relação aos conceitos teóricos, relatando-os de forma incompleta e, muitas vezes, distante dos conceitos corretos. Da mesma forma, o alcoolismo, outro problema de saúde com alta incidência (11,7%) no Brasil e nos cenários vivenciados pelos estudantes, foi abordado na questão 5. De acordo com aTAB. 2, observa-se que o desempenho remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 543 O ensino da Enfermagem Psiquiátrica e Saúde mental no curriculo por competências dos estudantes nessa questão foi melhor do que em outras, embora as respostas refiram-se a sintomas que não caracterizam a dependência ao álcool. Na questão 6, buscou-se identificar o conhecimento dos estudantes em relação ao exame do estado mental, considerando que este faz parte da coleta de dados realizada por meio da história de vida e exame clínico. Foi constatado que as respostas referiam-se a algumas das funções psíquicas que devem ser avaliadas nesse exame, porém nenhum estudante descreveu o exame do estado mental completo. Tendo em vista a preocupação da FAMEMA em favorecer o contato dos estudantes com o mundo do trabalho desde a primeira série de enfermagem e diante da necessidade de compreensão, por parte dos estudantes e profissionais de saúde, sobre o sistema de saúde no Brasil, assim como o conhecimento das políticas públicas nacionais que direcionam o cuidado em saúde, na questão 7, a finalidade foi investigar o conhecimento dos estudantes sobre as políticas de saúde mental que, nas últimas décadas, têm redirecionado a assistência psiquiátrica no Brasil. A análise dessa questão evidenciou que nenhum dos estudantes respondeu corretamente e que a maioria (80%) não respondeu. Além disso, vários declararam que nunca tiveram aproximação com o tema. DISCUSSÃO Considerando a definição de competência descrita, por meio da qual o conhecimento teórico e as habilidades e atitudes compõem os recursos a serem mobilizados para o desempenho profissional, e que, por meio da observação, avalia-se a competência profissional, tornam-se claros os limites deste estudo, uma vez que se avalia somente o recurso cognitivo. Os resultados apontam que o conhecimento teórico referente à enfermagem em psiquiatria e saúde mental, necessário ao enfermeiro generalista, está deficitário entre a maioria dos estudantes da quarta série de enfermagem da FAMEMA. Entende-se que tal evidência pode trazer dificuldades no desempenho dos futuros profissionais ao atuarem em serviços de saúde mental ou mesmo em serviços de atenção básica em saúde, atividades que requerem conhecimentos para lidar com as diversas situações que envolvem os temas abordados nas questões do instrumento utilizado. Os processos de transformação, na formação, são complexos e envolvem mudanças conceituais, de postura, de lugares e de relações institucionais, assim como o enfrentamento de conhecimento e valores cristalizados hegemônicos, além da construção de alternativas que não estão dadas.7 Esses processos implicam reflexão contínua, não devendo ser levada em conta somente a visão de especialistas, mas também da sociedade, que começa a exigir melhores serviços de saúde. Isso nos leva a buscar estratégias para a formação de profissionais capazes de prestar atendimento integral e mais humanizado, 544 de trabalhar em equipe e de compreender melhor a realidade em que vive a população. O conceito de competência nos remete à modificação do paradigma na formação profissional em saúde e exige-nos a reflexão sobre as estratégias utilizadas para favorecer a aprendizagem significativa do conhecimento dos estudantes durante o curso de graduação. A formação por competência exige uma pedagogia diferenciada e tem como fundamentos o processo centrado mais na aprendizagem do que no ensino, a valorização do aluno como sujeito da aprendizagem e na construção significativa do seu conhecimento.8 Ao contrário do ensino tradicional, que prioriza a transmissão de conhecimentos, e com base nos fundamentos descritos, o curso de enfermagem da FAMEMA adotou a metodologia ativa, valorizando a interdisciplinaridade e o aprender a aprender. Isso tornou necessária uma série de modificações curriculares e mudanças no papel dos estudantes e dos docentes.9 Tais mudanças requerem reflexões e avaliações contínuas, durante todo o processo de ensino aprendizagem, e não somente no processo de implantação do novo currículo. Tendo em vista que a finalidade principal dessas reflexões é a transformação da prática profissional, da formação dos profissionais de saúde, dos processos de trabalho e da qualidade de vida e de saúde das pessoas e da população, os resultados evidenciados neste estudo podem contribuir para repensar as estratégias utilizadas pelos docentes do curso de enfermagem nos diferentes cenários de ensino-aprendizagem para estimular os estudantes a buscar fundamentos teóricos na literatura, de modo que aproveitem melhor as experiências do mundo do trabalho para a construção dos conhecimentos que lhes embasarão a prática profissional. CONSIDERAÇÕES FINAIS As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos na área da saúde apontam para uma concepção mais ampla de saúde e estabelecem como horizonte desejável o currículo integrado, possibilitando a articulação de várias disciplinas em torno de temáticas relevantes e estimulantes. Destaque-se, também, a necessidade de o estudante desempenhar papel ativo no processo de ensino aprendizagem, propondo mudanças de ênfase que, antes, eram dadas aos conteúdos e passem, agora, para o processo de aprendizagem ativa e independente, além da superação da dicotomia entre a teoria e a prática, valorizando o trabalho articulado com os serviços de saúde e a população. Considerando os limites deste estudo, a complexidade e a relevância do tema, acredita-se que é necessário maior aprofundamento no assunto por meio de outros estudos. Contudo, entende-se que o ensino por competência constitui um desafio para os serviços de saúde e para as escolas que formam os profissionais na área da saúde. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 Outro destaque a ser dado sobre a limitação deste estudo é que nele preocupou-se em avaliar somente a aquisição de conhecimento (cognitivo), e a proposta curricular prevê a formação como um todo, não dissociando as áreas cognitiva, afetiva e psicomotora. para a formação de profissionais de saúde. Entende-se que esses resultados mostram a necessidade de rever à forma pela qual se está desenvolvendo o ensino neste momento e de refletir sobre os aspectos em que se pode melhorar. Vale ressaltar que a proposta curricular desenvolvida na FAMEMA busca formar o profissional capacitado em aprender a aprender, para que ele consiga mobilizar recursos afetivos, cognitivos e psicomotores diante das diversas situações da prática que exijam sua intervenção. Considerando que um currículo exige avaliações contínuas para adequar-se às necessidades da profissão, com os resultados deste estudo, conclui-se que, na área específica de enfermagem psiquiátrica e em saúde mental, é preciso que os cenários de prática sejam reorganizados, buscando oferecer maior oportunidade de aprendizado aos estudantes, e que os professores, cumprindo o papel de facilitadores do processo de ensino aprendizagem, estimulem os estudantes na busca de conhecimentos nessa área. Mostrou-se, neste estudo, que o desempenho cognitivo dos alunos ficou abaixo do que era esperado, mas isso não indica que o ensino por competência seja impróprio REFERÊNCIAS 1. Noronha AB. Graduação: é preciso mudar. Radis. 2002; 5: 9-16. 2. Brasil. Parecer CNE/CES nº 1133 de 7 agosto de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Diário Oficial da União. Brasília; 2001. 3. Torres SJ. A instituição escolar e a compreensão da realidade: o currículo integrado. In: Silva LH, Azevedo JC, Santos ES, organizadores. Novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina; 1996. p. 58-74. 4. Faculdade de Medicina de Marília. Manual de avaliação do estudante: cursos de Medicina e Enfermagem. Marília: Faculdade de Medicina de Marília; 2006. 5. Meyer DE, Kruse MHL. Acerca de diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: um início de reflexão. Rev Bras Enferm. 2003; 56(4): 335-9. 6. Brasil. Lei n° 10216 de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília; 2001. 7. Feuerwerker LCM. Além do discurso de mudança na educação médica: processos e resultados. São Paulo: Hucitec; 2002. 8. Perrenoud P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed; 1999. 9. Tsuji H, Aguilar da Silva RH. Relato de experiência de um novo modelo curricular: aprendizagem baseada em problemas, implantada na unidade educacional do sistema endocrinológico na 2° série do curso médico da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA. Arq Brás Endocrinol Metab. 2004; 48(4): 535-43. Data de submissão: 29/3/2010 Data de aprovação: 5/6/2011 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 539-545, out./dez., 2011 545 UM OLHAR DAS ADOLESCENTES SOBRE AS MUDANÇAS NA GRAVIDEZ: PROMOVENDO À SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA ONE TO LOOK AT OF THE ADOLESCENTS ON THE CHANGES IN THE PREGNANCY: PROMOTING THE MENTAL HEALTH IN THE BASIC ATTENTION UNO PARA MIRAR DE LOS ADOLESCENTES EN LOS CAMBIOS EN EL EMBARAZO: EL PROMOVER A LA SALUD MENTAL EN LA ATENCIÓN BÁSICA Aline Alves1 Andreza Teresa Albino2 Maria de Fátima Mota Zampieri3 RESUMO Pesquisa qualitativa na modalidade convergente assistencial com dez adolescentes grávidas, usuárias de uma Unidade Básica de Saúde. A finalidade foi conhecer a percepção das adolescentes sobre as mudanças sociais, físicas e emocionais na gravidez, condutas para enfrentá-las e o apoio recebido. A coleta de dados deu-se em agosto e setembro de 2009, por meio de entrevista semiestruturada e observação participante até a saturação de dados. Os dados interpretados pela análise de conteúdo deram origem às categorias: confronto com o novo, mudanças sociais, físicas e emocionais diante da gravidez e rede de apoio. Os resultados indicam despreparo e imaturidade das adolescentes para assumir a gestação. A gravidez gerou mudanças tais como: alterações corporais, preocupações com a imagem, o parto e o bebê, maior responsabilidade, tristeza, alegria, estresse, medo, distanciamento da família e amigos, alterações do estilo de vida e abandono escolar. Causou reações pessoais, familiares e do companheiro como: elaboração, aceitação, negação, rejeição, culminando com a tentativa de aborto e suicídio. A rede de apoio mostrou-se fundamental, centrando-se mais na mãe e pouco nos profissionais de saúde. Este estudo dá voz e vez às adolescentes para expressarem suas vivências durante a gravidez. Reforça a necessidade de um atendimento interdisciplinar, integral e personalizado à adolescente grávida, o fortalecimento da sua rede de apoio e de ações de promoção da saúde mental, além de contribuir para a produção de conhecimentos e servir de subsídio para a transformação das práticas de saúde na atenção básica. Palavras-chave: Adolescência; Gravidez na Adolescência; Promoção da Saúde; Saúde Mental. ABSTRACT This is a qualitative research based on a convergent-care methodology with ten pregnant teenagers’ patients at a Primary Healthcare Unit. It seeks to identify the teenagers’ perception on social, physical and emotional changes during pregnancy, how to face them, and the support received. The data was collected from August to September 2009 through semi-structured interview and participant observation until data saturation. The data was interpreted by content analysis that resulted in the following categories: facing the new, social, pregnancy physical and emotional changes, and support network. The results indicated the teenagers appeared unprepared and immature to carry the gestation on. The pregnancy led to alterations such as body changes, concerns about the image, childbirth and the baby, more responsibility, sadness, joy, stress, fear, detachment from family and friends, changes in lifestyle and drop out of school. It trigged personal, family and partner reactions such as elaboration, acceptance, and denial, rejection, culminating in abortion and suicide attempts. The support network proved to be essential for it focused mainly on the mother and less on the health professionals. This study gave adolescents an opportunity to express their experiences during pregnancy. It reinforced the need of an interdisciplinary, integrated and customized health care service to the pregnant teenager as well as the support network and mental health promotion actions. It contributed as well to the production of knowledge on the subject and it can subsidize health care changes on primary care practices. Key words: Adolescence; Adolescent Pregnancy; Health Promotion; Mental Health. RESUMEN Investigación cualitativa en la modalidad convergente asistencial con diez adolescentes embarazadas usuarias de una unidad básica de salud. Tiene el propósito de conocer la opinión de las adolescentes acerca de los cambios sociales, físicos y emocionales durante el embarazo, comportamientos para enfrentarlos y ayuda recibida. La recogida de datos ocurrió en agosto y septiembre de 2009, por medio de entrevista semiestructurada y observación participante hasta la saturación de los datos que fueron interpretados por el análisis de contenido y originaron las siguientes categorías: 1 2 3 Acadêmica do curso de Enfermagem da UFSC. E-mail: [email protected]. Acadêmica do curso de Enfermagem da UFSC. E-mail: [email protected]. Professora. Doutoranda do Departamento de Enfermagem da UFSC. Endereço para correspondência – Rua Duarte Schutell 204 ap. 901 Centro Ed. Fiori de Graziela. CEP.: 88015640. Florianópolis. SC. E-mail: [email protected]. 546 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 confrontación con lo nuevo, cambios sociales, físicos y emocionales ante el embarazo y red de ayuda. Los resultados indican falta de preparación e inmadurez de las adolescentes para asumir el embarazo. El embarazo provoca alteraciones corporales, preocupación con la imagen, parto y el bebé, más responsabilidad, tristeza, alegría, estrés, miedo, alejamiento de la familia y de los amigos, cambios en el estilo de vida y abandono escolar. Causa reacciones personales, familiares y del compañero tales como elaboración, aceptación, negación, rechazo, culminando con la tentativa de aborto y suicidio. La red de ayuda mostró ser fundamental, centrándose básicamente en la madre y poco en los profesionales de salud. Este estudio les ofreció a las adolescentes la oportunidad de expresar sus vivencias durante el embarazo. Refuerza la necesidad de brindar atención interdisciplinaria, integral y personalizada a la adolescente embarazada, fortalecer la red de apoyo y de acciones de promoción de la salud mental además de contribuir a la producción de conocimiento y servir de subsidio para transformar las prácticas de salud en la atención básica. Palabras clave: Adolescencia; Embarazo en la Adolescencia; Promoción de la Salud; Salud Mental. INTRODUÇÃO O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n° 8.069/90, determina a adolescência como o período de vida que vai dos 12 aos 18 anos de idade,1 estendido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para 19 anos.2 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população adolescente no Brasil (10 e 19 anos), corresponde a 21% da população nacional, representando um grupo de grande expressividade populacional. São 35.302.872 adolescentes, dentre os quais 49,5% são mulheres.3 A adolescência é um período da existência complexo e dinâmico de grandes e profundas transformações físicas, psicológicas e sociais que sinaliza a passagem da infância para a fase adulta, sendo parte de um processo de amadurecimento e de intenso aprendizado de vida. Essa fase caracteriza-se, principalmente, por crescimento rápido, adaptação e reorganização corporal, maturação sexual, reestruturação da personalidade, aquisição de novas habilidades cognitivas e estabelecimento de diferentes papéis e interações na sociedade.4 A adolescente passa, nessa fase, a ter de lidar com algo que até então passava despercebido: sua sexualidade, um universo que tanto os jovens quanto os pais possuem dificuldade para compreender e agir. Essa sexualidade emergente, a falta de orientação sexual e o pensamento de que “não vai acontecer comigo” estão intimamente ligados com a gravidez na adolescência. A gestação, quando não desejada, pode induzir casamentos seguidos de separação, culminar com ações mais drásticas, como a interrupção da gestação ou resultar em agravos à saúde, tais como complicações na gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.5 Além disso, o peso da responsabilidade pela reprodução imposto pela sociedade à mulher e, por conseguinte, à adolescente, somado ao sentimento de que infringiu normas da sociedade e que pode ser alvo de julgamentos, culmina com o isolamento, o abandono dos estudos, a perda dos laços familiares e a segregação social da adolescente.6 A gravidez, no entanto, pode ser vista por algumas adolescentes como uma possibilidade para obter maior reconhecimento familiar e status social, forma de provar a fertilidade e motivo de orgulho por materializar o sonho de ser mãe.7 Pode ser, ainda, um meio para solidificar o relacionamento com o parceiro, adquirir independência, demonstrar uma atitude de rebeldia contra a família, forma de libertar-se de um ambiente familiar abusivo ou única chance de ter um projeto de vida. De toda forma, mesmo a gravidez sendo considerada um período de transição que faz parte do processo normal do desenvolvimento humano, é vista como uma situação de crise que pode, em qualquer faixa etária, alterar o psiquismo da mulher e gerar mudanças significativas no seu papel sociofamiliar, o que se evidencia na adolescência.8,9 No que se refere a essas repercussões, as adolescentes sentem-se menos valorizadas pela família, especialmente noscasosemqueafamíliareagiumalànotíciadagestação, apresentam, em sua maioria, baixa autoestima, altos níveis de estresse, sintomas depressivos e sofrimento psíquico.10 Para que possa se sentir compreendida e amparada nessa fase difícil de sua vida, a gestante adolescente precisa de um espaço para expressar e compartilhar sentimentos, dúvidas e temores, mesmo que seja no horário ocioso, quando espera a consulta pré-natal.11 Apesar da importância do pré-natal, em Florianópolis, segundo a Secretaria Municipal de Saúde,12 das 192 gestantes com menos de 20 anos registradas de janeiro a julho de 2007, apenas 17,93% estavam sendo acompanhadas pelo Programa da Saúde da Família (PSF), o que, de acordo com os profissionais de saúde da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Florianópolis, pode ser decorrente da dificuldade de acesso, falhas na abordagem e de aderência dessa clientela ao serviço. O atendimento no pré-natal a essas adolescentes confirma-se como uma excelente oportunidade para conjugar esforços de diferentes profissionais, a fim de melhorar a detecção e a condição psicossocial dessas gestantes e, consequentemente, de seus futuros bebês.13 A Atenção Básica pode ser um dispositivo altamente potente para promover outros modos de relacionamento com o sofrimento psíquico, desconstruindo e construindo nos diversos contextos e populações outras relações com as diferenças e espaço para promover ações direcionadas à saúde mental à gestante grávida.14 Essas questões, aliadas à necessidade de ampliar as publicações nacionais na área da enfermagem sobre esta remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 547 Um olhar das adolescentes sobre as mudanças na gravidez: promovendo à saúde mental na atenção básica temática e de trabalhos que deem voz à adolescente e valorizem sua realidade, sua opinião e seu olhar sobre suas vivências neste importante e complexo momento da vida, justificam esta pesquisa. O objetivo foi conhecer a percepção das adolescentes sobre as mudanças sociais, físicas e emocionais condicionadas pela gravidez, as condutas para enfrentá-las e o apoio recebido. METODOLOGIA Pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva na modalidade convergente-assistencial. Nesse tipo de pesquisa, assiste-se o indivíduo e, concomitantemente, coletam-se dados. Na assistência, utilizou-se como referencial conceitos de Paterson e Zderad.15 Por meio da relação dialógica e presença genuína, procurou-se atender aos chamados das gestantes e dar respostas às suas necessidades, com vista ao seu bem-estar e o vir-a-ser. No estudo, essas adolescentes são vistas como seres humanos singulares, multidimensionais e integrais, capazes de fazer escolhas. Relacionam-se com a família, amigos e pessoas significativas que fazem parte do seu mundo e que podem influenciar e contribuir para a formação de sua identidade e tomada de decisões. A pesquisa foi desenvolvida em uma UBS de Florianópolis, que, segundo o programa de cadastramento de gestantes do mês de agosto de 2009, possuía 32 gestantes adolescentes cadastradas. Este estudo foi realizado com 10 adolescentes de 12 a 19 anos (faixa etária preconizada pela OMS), gestantes de baixo risco, usuárias da UBS, que aceitaram participar da pesquisa e tiveram tempo para colaborar com o estudo. A coleta de dados foi realizada durante as consultas de prénatal, na sala de espera e na residência das participantes da pesquisa, por meio das visitas domiciliares. O local foi definido de acordo com a preferência da gestante, sendo que, em todas as entrevistas, a adolescente ficou a sós com a(s) entrevistadora(s) e o sigilo das informações foi mantido. O número de participantes foi definido pela saturação de dados, ou seja, quando começaram a se repetir. Das entrevistas realizadas, todas foram utilizadas para pesquisa, porém, durante o período de coleta de dados, três adolescentes se negaram a participar do estudo. Nessas ocasiões, utilizou-se para coleta de dados a entrevista semiestruturada com as seguintes perguntas abertas e fechadas: 1. A gestação foi planejada? 2. Como você descobriu que estava grávida? 3. Como você se sentiu com a descoberta da gravidez? 4. Como você se sente agora? 5. Como se sente grávida? 6. Quais os comentários dos outros sobre a gravidez? O que você teve vontade de dizer e fazer? 7. Quais as mudanças emocionais, sociais e físicas que você observou? 8. O que mais tem preocupado você? 9. O que modificou na sua vida e no seu convívio social durante este trimestre? 10. Como você reagiu diante das alterações físicas e sociais que se tornaram mais evidentes neste trimestre? 11. Quais as condutas tomadas? 12. Que mudanças emocionais ocorreram neste trimestre que não estavam presentes no trimestre anterior? 13. Em quem você 548 buscou suporte? 14. Como foi este suporte? 15. Qual a reação de sua família e companheiro? 16. Como se deu o apoio da família, dos amigos e do companheiro? 17. Como se deu o apoio da unidade de saúde? 18. Na unidade de saúde, como você foi recebida e atendida? 19. Quais as ações e condutas da equipe de saúde da unidade? 20. O que significou para você o atendimento recebido pelas acadêmicas de enfermagem? 21. Qual foi a contribuição da atenção recebida em relação aos aspectos emocionais apresentados por você? 22. Tem perdido muito o sono por preocupação? 23. Sente-se nervosa, estressada ou tensa? 24. Sente-se capaz manter a atenção e a concentração nas coisas que faz? 25. Sentese útil e satisfeita no seu dia a dia? 26. Tem sido capaz de enfrentar seus problemas? 27. Tem se sentido capaz de tomar decisões? 28. Tem sentido que está difícil de superar suas dificuldades? 29. Tem se sentido feliz de modo geral? 30. Tem se sentido triste ou deprimida? 31. Perdeu a confiança em você mesma? 32. Tem se achado uma pessoa sem valor? Os dados foram coletados no período de agosto a outubro de 2009; foram classificados e organizados, sendo analisados e interpretados de acordo com análise de conteúdo proposta por Minayo,16 seguindo três etapas: ordenação dos dados, classificação e análise dos dados. Após a leitura cuidadosa e aprofundada dos discursos, os dados oriundos das entrevistas foram ordenados e classificados, recortadas as unidades de registro a serem referenciadas por temas que, agrupadas por convergência e relação de ideias, deram origem às seguintes categorias: confronto com o novo, mudanças sociais, físicas e emocionais diante da gravidez e rede de apoio. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFSC, sob o Parecer nº 195/09. Seguiu os princípios da Resolução nº 196/96. Foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ( TCLE) pelos responsáveis ou pelas adolescentes, quando estas eram emancipadas, sendo assegurados às participantes a confidencialidade das informações, a voluntariedade e o anonimato por meio da adoção de nomes fictícios de flores: azaleia, margarida, rosa, gardênia, hortênsia, gérbera, tulipa, dália, girassol e lírio. RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização das adolescentes A idade das adolescentes variou de 14 a 19 anos, sendo que quatro tinham 17 anos. Quanto ao estado civil, apenas duas adolescentes eram legalmente casadas, quatro estavam em união consensual e quatro eram solteiras. As casadas moravam em casa alugada, paga pelos esposos e longe dos familiares. Aquelas em união consensual e as solteiras moravam com as mães ou sogras e uma delas com o companheiro. Seus companheiros tinham idade superior a 19 anos, sendo que dois não trabalhavam. Sete adolescentes apontaram a questão financeira como um dos problemas mais preocupantes. A remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 média da renda familiar mensal das entrevistadas não ultrapassou três salários mínimos. Todas as gestantes eram financeiramente dependentes do companheiro ou da mãe. Minha mãe descobriu com quase cinco; usava roupa só larga, só que não adianta, né? Aí ela começou a perceber que eu comia demais e enjoava demais até os cinco meses e uma semana mais ou menos. (Tulipa) Em relação à escolaridade, uma das entrevistadas tinha o ensino fundamental, duas o estavam finalizando e sete haviam parado de estudar. Todas ressaltaram a importância dos estudos, desejando continuar quando possível, o que reforça o desejo das adolescentes de buscarem um futuro melhor e mais estável. Tal quadro culminou com a procura de atenção prénatal tardiamente, em alguns casos, após 20 semanas de gestação. Cavalcanti et al.19 aponta resultados similares reforçando que, na adolescência, a gestação é quase sempre uma desagradável surpresa, ocultada em razão da vergonha, tendo por consequência a não realização do pré-natal de forma adequada. Nenhuma das gestantes havia planejado previamente a gravidez, oito delas encararam a gestação como uma casualidade e duas desejavam a gravidez. O fato de as gestantes serem solteiras e dependentes da família e abandonarem os estudos, de certa forma, contribuiu para agravar a situação socioeconômica dessas gestantes e da família, o que é ratificado por um dos diversos estudos envolvendo adolescentes grávidas que apontam tais fatores como determinantes pauperização nas famílias menos favorecidas. 2,17 Confronto com o novo A maioria das gestantes entrevistadas não planejou a gravidez, denotando-se, por meio das falas, despreparo para exercer sua sexualidade de forma segura, assumir uma gestação, os novos papéis sociais, as responsabilidades, bem como as mudanças decorrentes; desconhecimento e falta de amadurecimento para controlar sua reprodução e garantir a autodeterminação e o exercício dos seus direitos sexuais e reprodutivos, reforçando, dessa forma, a necessidade de uma orientação sexual tanto na família como na escola e um esclarecimento sobre a gravidez e suas repercussões: A maioria, ao receber a notícia, procurou aceitar o fato de ter um filho, porém algumas tentaram fugir da realidade negando, rejeitando e buscando meios para impedir a continuidade da gestação. O desespero, a angústia e a ansiedade causados pela notícia de uma gravidez levaram, em alguns casos, a adolescente a tomar atitudes drásticas, como tentar o suicídio ou aborto como na fala a seguir: Queria morrer e queria abortar de qualquer jeito... Não queria de jeito nenhum. Sinceramente eu cheguei a quase a tomar veneno. Eu queria sumir, eu queria morrer. (Tulipa) O impacto diante da confirmação da gravidez gera para algumas gestantes um sentimento inicial de desespero. Na tentativa de resolver o problema, neste caso a gestação, o aborto acaba surgindo como uma opção, principalmente quando a adolescente não possui uma rede de apoio para lhe dar suporte.20 A decisão de abortar emerge no depoimento de Tulipa, que utiliza uma série de alternativas propostas por pessoas do seu meio para solucionar seus problemas: Ah, me senti um pouco mal, bem perdida... Brigando bastante em casa com minha mãe, meu pai. Não estava esperando esta notícia. Não estava com ele [namorado]. (Margarida) Tomei quentão com canela, chá de canela, cachaça com canela forte e ruim (risos), buchinha do Pará, outro que é muito ruim. Mandaram tomar duas pílulas do dia seguinte com vinho quente. (Tulipa) Nessa transição abrupta do seu papel de mulher, ainda em formação, para o de mulher-mãe, a adolescente vive uma situação de crise, em muitos casos penosa. A maioria das adolescentes é despreparada física, psicológica, social e economicamente para exercer o novo papel materno, o que compromete as condições para assumir adequadamente a gravidez, agravando-se a situação quando são abandonadas pelo parceiro, muitas vezes, também adolescente.18 Frustrada a tentativa de aborto e após a elaboração e aceitação da gravidez, Tulipa passou a se preocupar com a condição e formação física e emocional do bebê, exemplificada na fala: Confrontando com o novo e desconhecido, as adolescentes relataram surpresa, alegria, tristeza, indiferença, sofrimento, vergonha, revolta e medo da reação dos outros. Grande parte das entrevistadas, após a confirmação, escondeu a gravidez dos familiares por vergonha, sentimento de culpa, medo de represálias e julgamentos. Duas delas ocultaram a gestação por medo de decepcionar e perder a confiança da mãe: Hoje em dia até tenho medo que o neném nasça com algum problema, por causa de todas as besteiras que eu fiz. (Tulipa) A idealização do aborto gera um sentimento de culpa e de responsabilidade por qualquer dano ao filho, causando grandes conflitos emocionais e morais. Segundo Panjola, Bucher e Queiroz,20 quando a tentativa de realizar o aborto é frustrada, a adolescente passa a carregar um sentimento de culpa por ter tentado tirar a vida do filho. Além do mais, permanece o temor de que a criança apresente má-formação ao nascer. Sentimentos esses que são percebidos na fala da gestante. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 549 Um olhar das adolescentes sobre as mudanças na gravidez: promovendo à saúde mental na atenção básica Apesar da falta de planejamento da gravidez, duas das adolescentes aceitaram prontamente a notícia e sentiram-se felizes, porém não consideraram ser aquele o momento ideal para ter filhos, sendo que uma delas desejava a gravidez por recear que a mãe morresse em razão do “lúpus” e não pudesse compartilhar sua experiência e ver o neto: Na verdade, assim, eu sempre quis engravidar... Desde que conheci o pai da criança sempre falei para ele. A gente não planejou, mas falou que quando viesse ia ser bem-vindo. Não foi planejada, mas foi desejada. (Dália) Com o crescimento do abdome, os movimentos do bebê, a elaboração e a concretização da nova realidade, sete das gestantes passaram a aceitar a situação. Uma delas, em tom de conformação diante do inevitável, revela: Eu tive que aceitar, né? (Hortênsia). Três delas procuraram estabelecer vínculos com o novo ser por meio do diálogo e toque. Segundo Maldonado9 e Frizzo, Kalh e Oliveira,21 um bom vínculo entre mãe e filho é de grande valia para promover a saúde mental tanto da criança quanto da própria mãe. As expectativas são importantes porque podem dar indícios de como será a futura relação mãe-bebê. Contudo, vale destacar que, mesmo após a aceitação da gravidez, sete adolescentes afirmaram: Queria estar sem a barriga (Azaleia); ou seja, não desejavam estar grávidas naquele momento. Uma vez descoberta a gravidez, para algumas delas é um projeto de vida e para grande parte é uma frustração às aspirações futuras e quebra do pensamento mágico que está “imune” à gravidez.9 Mudanças: sociais, físicas e emocionais A gravidez, nessa fase de vida, acarreta mudanças sociais, físicas e emocionais, algumas em decorrência das próprias características da gravidez e outras, da realidade, idade, situação relacional, econômica e psíquica. cerceadas, tendo de se submeter às exigências do companheiro, morar com a sogra, ter de cuidar dos filhos dela e assumir os afazeres domésticos sem a presença e apoio do companheiro, aumentando-lhe a solidão e o desânimo: Porque se eu tomar minhas decisões ele não aceita; tem que ser as decisões dele que eu tenho que tomar. (Girassol) A vida impõe a adolescente nova experiência, vinculada, principalmente, às pressões sociais e às cobranças internas, que estabelecem comportamentos de maturidade e configuram uma passagem direta ao“mundo dos adultos”.20 Algumas famílias aceitam e acolhem a adolescente grávida sem fazer pressão para que ocorra o casamento e outras, nem tanto. Unir-se ao pai da criança não raro significa submeter-se à família dele.22 Significa socializar seu eu na família e no social, o que pode interferir diretamente na formação de sua identidade e na sua autonomia para agir e decidir. A descoberta da gravidez também gerou reações nos ciclos familiar e social onde as adolescentes viviam, gerando algumas vezes, desestruturação desta e rearranjos e mudanças, bem como reações por parte do pai da criança, divergindo em razão dos relacionamentos afetivos estabelecidos com a adolescente. Apenas dois pais desejaram e aceitaram a gravidez. Alguns questionaram sobre a paternidade, outros mostraram indiferença ou responsabilizaram a mulher pela gestação, um deles desapareceu e houve aqueles que rejeitaram a gravidez. Alguns, procurando se eximirem de sua responsabilidade, pressionaram a adolescente para realizar o aborto e um deles usou de violência física e psicológica. Isso se repete no estudo sobre a gravidez na adolescência na perspectiva de jovens pais. Segundo a autora, a cultura de gênero impele/incita o homem ao não controle sobre seus impulsos sexuais e deixa nas mãos das mulheres certa responsabilização sobre as questões contraceptivas e a gravidez23: Ele queria que eu fizesse o aborto. Ele falou: ‘Ah, por que tu não tira?’ Daí ele falou para mim tomar remédio tal... Conversei com ele, que aceitou aquela coisa assim: ‘Vou ser pai. Não se preocupa com nada’. Toda a preocupação ficou para mim. (Rosa) Mudanças sociais As grandes mudanças sociais enfrentadas, expressas pela maioria das adolescentes nessa fase, foram: o distanciamento da família, a mudança de casa, o convívio diário com o companheiro com costumes diferentes dos seus e ter de assumir todas as responsabilidades de um lar, incluindo as financeiras. Limpar a casa me deixa nervosa; qualquer coisa assim. (Hortênsia) Eu não queria tá casada, eu não queria tá grávida, eu não queria ter saído da casa da minha mãe. Eu falo pra ele que eu tô feliz, mas eu não tô. (Gérbera) Ao ir morar com o companheiro, pressionadas ou não pela família, algumas adolescentes entrevistadas revelaram que tiveram sua autonomia e liberdade 550 Ele sumiu. A família dele fala que a errada fui eu por ter engravidado, que eu não me cuidei. Eu não me cuidei porque nenhum dos dois quis se cuidar. Se ele me dissesse que não queria, não tinha condição de cuidar, eu teria me cuidado. (Dália) Os julgamentos, críticas, abandono e preconceitos da família, dos vizinhos e da sociedade em geral estavam fortemente presentes nos depoimentos. Nesses, em vez de os familiares darem apoio, questionaram sobre a falta de prevenção e de responsabilidade, sobre incapacidade para cuidar de si e da criança ou as discriminaram. Um deles apontou a gravidez como falta de vergonha e vulgaridade nas relações, taxando a adolescente de imoral: remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 Ah, eles dizem que agora estraguei minha vida, que falam assim essas coisas, que daí eles falam que agora não adianta fazer mais nada, tem que esperar ele vim e cuidar. (Azaleia) Comentam com minha mãe que sou irresponsável, que não presto, acho que até de vagabunda elas me chamam. (Margarida) A gravidez mobiliza o ciclo familiar, que reage de acordo com suas vivências, seus valores e crenças e padrões morais. Os fatores culturais influenciam na maneira de as pessoas lidarem com a maternidade precoce. Nas famílias em que já ocorreram outros casos, a tendência é serem mais acessíveis para aceitar a situação; já naquelas extremamente religiosas ou com padrões rígidos de moral, há maior dificuldade para lidarem a situação.24 Alémdodistanciamentofamiliar,daadaptaçãodoconvívio conjugal, a maioria das adolescentes relatou que se afastou de seus amigos, o que diminuiu-lhes as atividades sociais e agravou-lhes o quadro de isolamento: Eu era, alegre, andava, só queria ficar na rua, só queria sair... Não, não saio, não faço mais nada, só fico dentro de casa. (Azaleia) Não saio mais de casa, me afastei das amigas, parei de ir para escola... Ah porque minhas amigas não eram verdadeiras. Aos poucos acabam se afastando. (Margarida) Sinto solidão demais. (Rosa) Uma das gestantes destacou a perda das vivências da adolescência, implicitamente reforçado nas falas das demais, em especial a restrição das atividades de lazer e dos encontros grupais, como um dos principais problemas: Não queria que eu estivesse grávida porque pra mim eu ia perder toda a adolescência, não ia fazer nada. (Gérbera) Todas as adolescentes, mesmo aquelas que desejaram e aceitaram a gravidez, mencionaram que tiveram de lidar com a interrupção de seus planos para o futuro, como parar de estudar e de trabalhar: É que eu queria estudar e agora eu não posso mais. Só isso. Queria estudar e agora eu não vou poder. (Hortênsia) Constrangimento e pressões de diretores, professores, colegas e pais de colegas por causa da gravidez estão entre os fatores que determinam que a adolescente abandone os estudos,22 mude os planos e impulsione-a, bem como a família, a refazer os projetos de vida.25 Mudanças físicas Ao serem indagadas sobre as mudanças físicas, as adolescentes centraram-se, principalmente, nas alterações corporais, dentre elas o aumento do abdome, dos seios, a presença de estrias, manchas e varizes e a obesidade. Não mencionaram os desconfortos e outras modificações características da gravidez. Ao perceberem o ganho de peso e tais mudanças na forma do seu corpo oriundas da gravidez, as adolescentes sentiramse feias, gordas e sem valor, rejeitaram o próprio corpo e tiveram a autoestima diminuída. Expressaram uma grande apreensão com relação à autoimagem e estética, sentiram-se frustradas e infelizes, o que dificultou que alcançassem o bem-estar e o estar melhor como indivíduos: Não. Não vou ter coragem de mostrar meu barrigão lá na praia. É muito feio... Me acho feia... Não sinto nada, mas me dá um desânimo de me olhar no espelho. (Azaleia) As mudanças corporais geram sentimentos diversos sobre as gestantes adolescentes, causando ansiedade e desejo em retornar brevemente às condições físicas anteriores.26 A vergonha do corpo e a insatisfação com a aparência física colaboram para que a adolescente fique ainda mais retraída. Em um dos casos, a adolescente referiu que o companheiro também estava insatisfeito com as mudanças físicas apresentadas por ela, o que colaborou para o aumento da vergonha e do isolamento: É que, às vezes, o L. me xinga que estou gorda, que tô feia, estou caruda, daí, eu fico triste que ele fala isso. (Azaleia) O descontentamento com relação às modificações no corpo, nas relações sociais e no emocional influencia o mundo das adolescentes, como também a forma de experimentar esse mundo. A perspectiva de mundo e da comunidade da adolescente é um ponto que deve ser considerado pelos profissionais de saúde da UBS em que está inserida para a promoção de sua saúde mental. Mudanças emocionais A gestação é permeada por sentimentos profundos e complexos e pode ser vivida com plenitude ou ser angustiante, dependendo da história pessoal de cada adolescente.26 As entrevistadas expressaram, nas falas, desespero sentimento de impotência e apatia, tristeza, depressão, desânimo, solidão, angústia, ansiedade, nervosismo, estresse, culpa, medo e vergonha, gerados, na ótica delas, pela inesperada constatação da gravidez, por conflitos pessoais diante do novo e reações sociais, em especial da família e do companheiro. De vez em quando choro por qualquer coisa, me sinto mal, os problemas que acontecem aqui em casa a culpa acaba vindo pra mim. (Margarida) Tô muito chorona, assim eu deito fico pensando nos meus erros, pensando nas coisas diferentes que poderia ter feito. Não me culpo pela gravidez, mas poderia ser remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 551 Um olhar das adolescentes sobre as mudanças na gravidez: promovendo à saúde mental na atenção básica diferente, vou dar ao meu filho a mesma história que eu tive, de ter problemas com o pai. (Dália) Operíodogravídico-puerperaléafasedemaiorincidência de transtornos psíquicos na mulher, necessitando de atenção especial para manter ou recuperar o bem-estar e prevenir dificuldades futuras para o filho. O corte no desenvolvimento da adolescência, a reestruturação de identidade, a interrupção dos estudos, a perda da confiabilidade da família e, em alguns casos, a perda do namorado e das expectativas para o futuro provocam grande estabilidade psíquica. Essas perdas ou renúncias vivenciadas na gravidez, associadas às já inerentes à adolescência, podem repercutir emocionalmente e levar a adolescente a somatizar alguns sinais e sintomas, colocando em risco a gestação saudável.19 Contudo, a intensidade das alterações psicológicas depende de fatores familiares, conjugais, sociais, culturais e da personalidade da adolescente.8 Depende da rede de apoio e de práticas que promovem o bem-estar e a saúde mental dessa clientela. Após o processo de elaboração da gravidez, as adolescentes referiram grande labilidade emocional e ambivalência de sentimentos e dificuldade de lidar com eles, indo da alegria de estar grávida e gerar um novo ser à tristeza e depressão. Surgem ainda, nesse momento, preocupações com as questões financeiras, o parto, os cuidados com o recém-nascido, com a maternidade e com o futuro do bebê: Tô feliz, e tô preocupada como vou criar. Sustentar uma criança também não é fácil, mas tô feliz. (Margarida) A labilidade emocional é característica da gravidez em razão das alterações hormonais e das mudanças físicas e sociais. As inquietações citadas são comuns na gravidez, sobretudo no terceiro trimestre da gestação, surgindo sentimentos contraditórios, a vontade de ter um filho logo e a de prolongá-la para evitar novas mudanças com a chegada do bebê.9 Na adolescência, isso se exacerba em razão da instabilidade emocional própria desse período. Das entrevistadas, algumas referiram que sentiam medo em relação ao parto, relacionado ao sofrimento, à integridade física e às intercorrências a ele relacionadas: O parto. Eu tô morrendo de medo, apesar de ser parto normal eu morro de medo de me rasgar assim... aí a minha irmã tomou agora nove pontos, eu me apavorei, eu to morrendo de medo disso só, só do parto. (Tulipa) As gestantes possuem muitas expectativas em relação ao parto, que é encarado como algo inevitável a ser enfrentado por elas. É um período em que sentimentos como medo e angústia do risco de morrer se intensificam.26 552 Rede de apoio As entrevistadas revelaram que o apoio recebido na gestação ficou centralizado na figura materna, no companheiro ou nas amigas: Minha mãe, é com ela, há tenho coisas que não sei daí eu pergunto ai ela me diz, a não é assim e desse jeito, não faz isso que vai te prejudicar, essas coisas. (Gardênia) Busquei suporte em meu esposo, ele que me dá força, que me ergue a cabeça, seguir em frente. (Lírio) Ao descobrirem que estão grávidas, as adolescentes, normalmente, recorrem primeiramente ao parceiro, depois à mãe e, em seguida, aos amigos, sendo que, habitualmente, a comunicação pode ser mais bem estabelecida com a mãe.27 Nesse período da vida, na ocorrência da gravidez, é fundamental, conforme as adolescentes, a estruturação de um apoio social. Segundo as falas de todas as entrevistadas, o apoio mais desejado é o da mãe. Mesmo aquelas que estavam com o companheiro ou morando com a sogra aspiravam poder estar perto da mãe, em especial após o nascimento do bebê: A minha mãe querida. Apesar das nossas brigas incessantes, é sempre ela, qualquer coisa, tudo que eu passei na minha vida e tudo que eu ainda posso passar é ela que é meu ponto forte. (Tulipa) Durante a gestação, como já foi colocado, as adolescentes buscaram o apoio da mãe em primeiro lugar, e mesmo as que não receberam esse apoio permaneceram ao lado da mãe e tentaram estabelecer vínculos, receber atenção e conquistar-lhe a aceitação. Esse vínculo pode ser justificado pelo fato de a mãe ser mulher, ter uma história parecida com a da adolescente ou pela ausência da figura paterna. As adolescentes sentem-se altamente satisfeitas em relação à rede de apoio quando este é oriundo da figura materna. Para elas, a convivência diária funciona como suporte tanto emocional como financeiro e potencializa os recursos internos e externos para enfrentar as dificuldades desse período e o exercício da maternidade com os cuidados do bebê.28 As adolescentes que contaram com uma rede de apoio, seja ela vinda da família, em especial da mãe, seja do companheiro ou da comunidade, conseguiram vivenciar o processo de elaboração da gravidez com maior tranquilidade. Dessa forma, foi-lhes possível estabelecer planos para o futuro ou refazer seus antigos projetos de vida, formar vínculo com o bebê, aproximar-se mais da mãe e procurar mais precocemente o cuidado pré-natal, sendo motivada pela mãe: Agora me acostumei com a ideia, assim, digamos que mais preparada que estava antes. (Margarida) As jovens, ao receberem apoio, podem sentir-se mais bem preparadas para lidar com as dificuldades oriundas remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 da gestação,28 atingindo, possivelmente, maior nível de saúde e bem-estar. A maiorpartedas entrevistadas,ouseja,seisadolescentes, está convivendo com o pai da criança, que, de forma natural, constituiria um apoio para a gestante nessa fase delicada de sua existência, porém as falas não revelam isso, quando dizem: É que ele sempre fala que tá cansado... É, eu convido ele, mas ele sempre fala que não tem dinheiro, mas eu convido ele pra ir na casa da minha amiga e ele não vai. (Gérbera). Esse tipo de conduta denota falta de atenção, abandono por parte do companheiro e incompreensão do processo que a companheira está vivenciando, deixando transparecer que a gravidez é responsabilidade somente da mulher, como se ele não tivesse nada a ver com a situação. Quando Hortência, ao referir-se ao companheiro, diz que ele tem que ficar mais em casa, ele sai muito, revela o descaso do companheiro, a ausência, a carência de atenção, de apoio, de carinho e, acima de tudo, da presença de alguém que se preocupa, compreende e acolhe. Os dados também revelam a falta de liberdade e de vínculo das adolescentes com os profissionais de saúde. As adolescentes relataram que não se sentem à vontade para colocar suas questões sociais e emocionais. A maioria referiu que a atenção no pré-natal, dada pelos médicos e enfermeiros, centra-se apenas no físico, limitando a possibilidade de expressar sentimentos, preocupações e dúvidas. Dessa forma, a necessidade de maior preparo dos profissionais para cuidarem da saúde das adolescentes grávidas fica evidente. Na maioria das vezes, o que adolescente espera do profissional é que ele se comprometa emocionalmente com ela, escute-a, estimule a expressão de seus sentimentos, oriente-a e fortaleça-a para que possa atuar no seu mundo. Essa médica que eu estou agora ela é meio arrogante. A gente pergunta as coisas e ela acha que eu sou tensa; é meu primeiro filho, eu tenho direito a perguntar não sei... Não perguntam sobre a minha família e sobre o que sinto. (Rosa) Não o médico só olha a gravidez. (Margarida) É preciso ouvir e valorizar os sentimentos e as preocupações das gestantes para conhecer o mundo em que está inserida e poder ajudá-la. Os profissionais, em especial os de enfermagem, precisam estabelecer uma relação dialógica e estarem presentes de forma genuína para que a adolescente alcance seu bem-estar e esteja melhor. Nessa perspectiva, os profissionais de saúde devem procurar estabelecer um relacionamento de confiança e livre de preconceitos, de forma que as adolescentes grávidas se sintam compreendidas e possam expressar seus sentimentos amenizando a situação vivida. A adolescente deve receber apoio psicológico, ser estimulada para participar de ações educativas, receber orientações sobre métodos contraceptivos e ser sensibilizada para realizar o pré-natal, no caso da gravidez.18 A gravidez na adolescência tem suas especificidades, necessitando de um acompanhamento mais detalhado, voltado para a saúde física e mental, tanto da adolescente como dos familiares envolvidos no processo da gravidez. Seria interessante que os serviços de saúde se conscientizassem de tais particularidades a fim de oferecerem o melhor atendimento à adolescente, tanto em relação ao atendimento pré-natal quanto às políticas públicas de planejamento familiar.21 Nesse sentido, os grupos educativos devem ser direcionados a essa população e trabalhar questões e necessidades do seu cotidiano. A família, especialmente a mãe, por ser um suporte essencial para as gestantes, deve ser incluída nos programas de atenção à gestação na adolescência. Os profissionais precisam estar atentos aos chamados da adolescente grávida e de suas famílias, conhecer sua comunidade, valorizar suas crenças, estabelecer uma relação dialógica, uma escuta qualificada e estar presente genuinamente para que possam compreendê-los e, dessa forma, ajudar no fortalecimento do potencial delas. Assim, poderão fazer escolhas conscientes para que alcancem o bem-estar na gestação e sejam e estejam melhores na vida. Fortalecidas e apoiadas, as adolescentes terão condições de buscar formas de superação dos confrontos normais da vida, de exercer atividades produtivas que lhes darão autonomia e de se relacionarem com os outros, ocupando seu espaço na comunidade onde vivem como ser único e social. Os sentimentos, percepções e vivências interferem inconscientemente na manutenção da saúde mental materna. 8 Dessa forma, os profissionais de saúde necessitam acolher as adolescentes grávidas com esse olhar ampliado e interdisciplinar, desenvolvendo um atendimento que atenda aos conceitos de integralidade, universalidade e equidade, sejam acolhedores considerando as mudanças sociais, físicas e emocionais. Assim, um trabalho interdisciplinar com esse olhar para a promoção da saúde mental da adolescente grávida lhe propiciará maior compreensão do processo que está vivendo, favorecendo a criação e o estabelecimento de vínculos com o filho e, consequentemente, a saúde física e mental dele. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apontaram que as adolescentes não se sentiam preparadas, financeira e emocionalmente, para assumir uma gravidez, ao apresentarem sentimentos ambivalentes, medos e preocupações. A gravidez gerou mudanças sociais, físicas e emocionais e repercussões pessoais e sociais (perda da adolescência, interrupção dos estudos, afastamento de amigos e familiares, remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 553 Um olhar das adolescentes sobre as mudanças na gravidez: promovendo à saúde mental na atenção básica adiamento de planos para o futuro e mudanças de estilo de vida) que contribuíram para aumentar a instabilidade emocional já oriunda da gravidez e os conflitos pessoais e familiares. Os envolvidos, principalmente a mãe e o pai da criança, reagiram de forma divergente de acordo com a cultura, educação, ocasião da gravidez e modo de ver e se comportar na vida, sobressaindo a rejeição, a crítica pela sociedade, pela família, pelo companheiro e até mesmo pelos profissionais de saúde, em vez de aceitação e apoio. Para enfrentar essa realidade que lhes foi imposta, as adolescentes seguiram diferentes caminhos, indo do isolamento, aborto e tentativas de suicídio ao estabelecimento de vínculos com o filho e a formulação de planos para seu futuro e o de seu bebê. O apoio recebido, para a maioria das adolescentes, se mostrou frágil por parte dos familiares, companheiro e do serviço de saúde, sendo que para muitas a figura materna constituiu o único ponto de apoio. Assim, neste estudo, alerta-se para a necessidade de uma olhar cuidadoso da equipe de saúde, em especial da enfermagem, para essa parcela da população. Reforça-se que é necessário compreender suas vivências e sentimentos, ajudar no fortalecimento de suas capacidades, para que façam escolhas conscientes, responsabilizem-se pelo seu autocuidado e pela promoção de sua saúde mental e do seu filho e redirecionem suas condutas de forma que sejam protagonistas de sua vida e vivenciem o processo de gravidez com tranquilidade. Os dados destacam que é importante incluir a família nos planos de cuidado, já que estes, em especial a mãe, são importantes membros da rede de apoio da adolescente. Nesse processo, a metodologia convergente assistencial colaborou para que, ao mesmo tempo em que se coletavam dados, se pudesse, nas visitas, na sala de espera e nas consultas, acolher, ouvir, dialogar, apoiar e auxiliar as gestantes na superação de seus medos e de suas dificuldades. Permitiu identificar situações com as adolescentes que resultaram em encaminhamentos ao serviço de psicologia da UBS para receberem uma atenção especializada. O referencial teórico contribuiu para que se olhasse a adolescente como um ser singular, multidimensional e integral que vive sua individualidade, socializa seu eu na família, na comunidade e na sociedade em geral, e nessas relações procura ser mais, ser melhor e viver bem. O profissional faz parte da rede de apoio e pode auxiliar nessa caminhada Nesteestudoemergiramasparticularidadesdaadolescente que vivencia a gravidez, reforçando a importância de que ela seja atendida de forma personalizada, de lhe serem dadas voz e vez para conduzir o pré-natal e sua vida. Compreender esse processo sob a ótica das adolescentes serviu para reforçar a necessidade de atender essas gestantes integralmente, de forma que a atenção não se restrinja ao físico, mas se estenda às questões sociais e, principalmente, psicológicas. Serviu, sobretudo, para considerar a importância da promoção da saúde mental a esse grupo que se apresentou tão fragilizado. Nesse sentido, destaca-se a importância de os profissionais serem capacitados para compreender as particularidades dasadolescentesesuasvivências,sobretudoasemocionais e psíquicas, desenvolver atividades coletivas e individuais específicas para essa clientela, trabalhar a questão da sexualidade e o planejamento familiar, bem como desenvolver ações com vista à promoção da saúde mental. Com este estudo, contribuiu-se para ampliar a produção de novos conhecimentos sobre a gravidez na adolescência que poderão servir de subsídio para o planejamento das ações na atenção básica, podendo gerar mudanças no cotidiano do cuidado. Assim, reforçamos a importância de dar continuidade a este estudo, aprofundando o tema na ótica dos profissionais e dessas adolescentes na condição de puérperas. Recomendamos a realização de novas pesquisas sobre esta temática, ampliando a amostra com a utilização de outros contextos sociais e níveis socioculturais. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. 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Enferm.;15(4): 545-555, out./dez., 2011 555 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: CONHECENDO A EXPERIÊNCIA DA FAMÍLIA TEENAGE PREGNANCY: KNOWING THE FAMILY’S EXPERIENCE EMBARAZO EN LA ADOLESCENCIA: CONOCER LA EXPERIENCIA DE LA FAMILIA Michele Guerreiro Valila1 Nádia Alessandra Moraes2 Natália Nacca Dalbello 2 Sheila de Souza Vieira2 Maria Isabel Ruiz Beretta3 Giselle Dupas 4 RESUMO A adolescência é um período de intensas transformações físicas e fisiológicas, no qual ocorre a formação da identidade, caracterizado por muitas e repentinas alterações de humor. Nessa nova fase, há, também, o início da atividade sexual desses adolescentes, podendo ocorrer a gravidez por falta de informação e o acesso aos métodos contraceptivos ou até mesmo por vontade própria, pois muitas jovens acreditam que essa é uma forma de se afirmar como adultas. Quando essa gravidez surge de relacionamentos não estáveis, a responsabilidade é dividida, também, com a família dessas adolescentes. O objetivo com este estudo foi compreender a experiência da família na vivência com a adolescente puérpera, além de identificar quais as mudanças significativas ocorridas na vida familiar, compreender o que significa ter uma adolescente puérpera na família e levantar quais os mecanismos de enfrentamento que a família utiliza, bem como suas implicações. Os referenciais escolhidos foram o Interacionismo Simbólico (IS) e a Narrativa, teórica e metodológica, respectivamente. Para a obtenção dos dados, utilizamos a entrevista semiestruturada consentida, uma vez que esta nos permitiu compreender mais amplamente as vivências e as necessidades dos entrevistados. As famílias evidenciaram mudanças na rotina e em suas prioridades. A gravidez das adolescentes criou uma nova forma de enfrentar os problemas pelos quais as famílias passavam. Palavras-chave: Período Pós-Parto; Adolescente; Família; Enfermagem. ABSTRACT Adolescence is a period of intense physical and physiological changes, since identity formation is often characterized by mood swings. This new stage sees also the beginning of the adolescent sexual activity. Pregnancy may occur due to the lack of information and no access to contraceptive methods or it can even be sought after as many young women believe it to be their passport to adulthood. When pregnancy happens in non-stable relationships the responsibility is often shared with the teenager’s family. This study aimed to understand the family’s experience in adolescent postpartum, to identify significant changes in family life, to understand what it means to have a teenager in the family who has recently given birth, and to recognize the family coping mechanisms and its implications. The theoretical benchmark was the Symbolic Interactionism (SI) and the methodology the Narrative Method. Data was collected through consented semi-structured interviews, since it allowed us to understand more fully the experiences and needs of the respondents. The families studied changed their routines and reassessed their priorities. In this teenage group the pregnancy supplied new mechanisms to deal with the problems experienced by their families. Key words: Postnatal; Teenager; Family; Experience; Nursing. RESUMEN La adolescencia, período de intensos cambios físicos y fisiológicos donde se forma la identidad, se caracteriza por las variaciones repentinas del humor. En esta nueva etapa los adolescentes también comienzan su vida sexual. El embarazo en esta época puede ocurrir debido a la falta de información y acceso a los métodos anticonceptivos, o incluso porque lo desean ya que muchas jóvenes piensan que así se tornan adultas. Cuando el embarazo proviene de relaciones no-estables, la responsabilidad se comparte también con la familia de las adolescentes. El objeto del presente estudio fue comprender la experiencia de la familia con la adolescente en el posparto, identificar las alteraciones en la vida familiar, entender lo que significa tener una adolescente viviendo esta situación y relevar los mecanismos empleados por la familia para enfrentar el hecho y, asimismo, sus implicaciones. Se optó por utilizar los referentes del Interaccionismo Simbólico (IS) y la Narrativa teórico metodológica, respectivamente. Los datos se recogieron mediante una entrevista semiestructurada consentida que nos permitiu compreender mejor las experiencias y necesidades de los entrevistados. Las familias sintieron cambios en su rutina y en sus prioridades. El embarazo de las adolescentes creo una nueva forma de enfrentar los problemas familiares. Palabras clave: Posparto; Adolescencia; Familia; Experiencia; Enfermería. * 1 2 3 4 Projeto financiado pelo CNPq. Edital 551159/2007-3. Graduandas em Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Enfermagem do Departamento de Enfermagem UFSCar, Membro do Grupo de Pesquisa Saúde e Família/CNPq. Doutora em Enfermagem. Docente Associada do Departamento de Enfermagem da UFSCar. Doutora em Enfermagem. Docente Associada do Departamento de Enfermagem da UFSCar. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Saúde e Família/CNPq. Endereço para correspondência – Av. Dr. Renato de Toledo Porto, 460, Santa Martha, São Carlos, São Paulo. CEP 13.564-190. E-mail: [email protected]. 556 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566 out./dez., 2011 INTRODUÇÃO A adolescência deve ser entendida como um período e um processo de transição entre a infância e a fase adulta, que depende das circunstâncias sociais e históricas para a formação do sujeito.1 A Organização Mundial da Saúde (OMS) delimita a adolescência como a segunda década de vida (10 aos 19 anos) e a juventude como o período que vai dos 15 aos 24 anos,2 por conseguinte, o Ministério da Saúde com base nesta definição, define esse público beneficiário como o contingente da população entre 10 e 24 anos de idade.3 Dentre as várias transformações, as relacionadas à vida sexual do adolescente é uma realidade inegável, o que torna imprescindível sua conscientização e orientação, com a finalidade de ser evitada gravidez não planejada, bem como qualquer outra intercorrência de saúde. 4 Segundo a OMS, em cada cinco pessoas no mundo, uma é adolescente com idade entre 10 e 19 anos. A população mundial de adolescentes já passou de 1 bilhão, e a cada ano cerca de 60 em mil delas se tornam mães, correspondendo ao nascimento de 17 milhões de bebês a cada ano.5 Nessa fase da vida, ao invés de uma situação de equilíbrio, existe uma situação de crise e de mudanças, e o evento de uma gravidez não planejada pode, nesse momento, desencadear vários efeitos sociais negativos e severas consequências na vida da adolescente. Dados do Ministério da Saúde informam que, em 2005, no Brasil, 22,7% dos nascidos vivos eram filhos de mulheres com menos de 20 anos; tal frequência, no mesmo ano, no Estado de São Paulo, foi de 17% e, na cidade de Campinas, em São Paulo, 14,5%.2 Mais especificamente no municipio de São Carlos, onde realizamos esta pesquisa, em 2005, a taxa de nascidos vivos para mães entre 10 e 14 anos foi de 21 e de 411 nascidos vivos de mães entre 15 e 19 anos.6 A gravidez na adolescência tem sido um tema polêmico e controverso nos debates sobre saúde sexual e saúde reprodutiva desse segmento. Em geral, a gravidez na adolescência tem sido considerada uma situação de risco e um elemento desestruturador da vida de adolescentes e, em última instância, elemento determinante na reprodução do ciclo de pobreza das populações, ao colocar impedimentos na continuidade de estudos e no acesso ao mercado de trabalho, sobretudo entre as adolescentes.3 Acomete todas as classes sociais, mas predomina nas classes econômicas inferiores e de menor escolaridade, tanto dos pais quanto dos próprios adolescentes.7,8 Historicamente, não se trata de um evento novo; no entanto, preocupa os responsáveis pela saúde materno-infantil no que diz respeito aos resultados gestacionais e aos cuidados que tais mães seriam capazes de destinar aos seus filhos.9 Parte expressiva do conhecimento que circula na sociedade sobre gravidez adolescente trata tal ocorrência como acontecimento marcante que repercute, inevitável e negativamente, na continuidade da vida da jovem mãe, além de vê-la como associada a um conjunto de implicações negativas (para o bebê, para a gestante/mãe ou para ambos) na esfera biomédica: maior risco de morbimortalidade da mãe e da criança, prematuridade, baixo peso ao nascer, restrição de crescimento intrauterino, sofrimento fetal agudo intraparto, desproporção fetopélvica, diabetes gestacional, anemia, retardo do desenvolvimento uterino, pré-eclampsia.10 No Brasil, a literatura científica é ainda carente em investigações a respeito da vivência da maternidade na adolescência, particularmente no grupo de jovens entre 10 e 14 anos, e o tema permanece polêmico.11 Ao revisar a literatura científica, observamos que esta privilegia a gravidez na adolescência sob uma abordagem compreensiva, com uma crescente preocupação em apreender a perspectiva das adolescentes sobre esse fenômeno; entretanto, constata-se, ao mesmo tempo, que existe uma produção ainda incipiente de pesquisas explorando a visão dos familiares quando vivenciam esse processo em suas famílias.12 Com o propósito de complementar outro projeto de pesquisa já em andamento (Processo n. 551159/2007-3; CNPq, Edital Saúde da Mulher – “Adolescência e maternidade: uma proposta de intervenção”, cujo objetivo geral é desenvolver um programa de apoio à maternidade na adolescência), este trabalho contribui para o desenvolvimento do projeto mencionado, tendo como objetivo geral compreender a experiência da família na vivência com a adolescente puérpera e, mais especificamente, compreender o que significa ter entre um dos membros da família uma adolescente puérpera; identificar quais as mudanças ocorridas na família em função deste fenômeno; levantar quais os mecanismos de enfrentamento que a família utiliza. MATERIAIS E MÉTODOS Referencial teórico e metodológico A intenção de compreender a experiência da família na vivência com a adolescente puérpera fez-nos optar pelo Interacionismo Simbólico (IS), uma teoria das relações humanas difundidas por George Herbet Mead e seu seguidor e maior intérprete Herbert Blummer,13,14 porque possibilita maior compreensão do mundo das experiências vivenciadas pelas famílias e a apreensão dos significados que elas dão às inúmeras situações com as quais têm de interagir e enfrentar no dia a dia. O referencial metodológico eleito foi a Narrativa, um desenho de pesquisa determinado e interpretado de forma ampla que envolve narrativas individuais e a interpretação de seus significados. 15 Por meio das narrativas, a pessoa fala de suas experiências, reconstruindo eventos passados de maneira congruente com sua compreensão atual; o presente é explicado tendo como referência o passado reconstruído, e ambos são usados para gerar expectativas sobre o futuro.16 Por conseguinte, buscam-se estabelecer a estrutura de um episódio, organizar a sequência dos eventos, remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566, out./dez., 2011 557 gravidez na adolescência: conhecendo a experiência da família estabelecer explicações por meio da interpretação dos eventos, identificando os dramas e/ou conflitos sociais, os significados que dão sentido à experiênciavivenciada pela família.17,18 Desenvolvimento da pesquisa era a história que estavam contando, o que estavam procurando dizer ao selecionarem aqueles fatos, situações ou comentários, sendo compreendido como a mensagem central da narrativa. RESULTADOS E DISCUSSÃO O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (CAAE 0107.0.135.000-08, Parecer nº 413/2008). Foram incluídas na pesquisa famílias de adolescentes que aceitaram livremente participar, após o oferecimento de todos os esclarecimentos necessários, bem como a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por todos os membros participantes. Os critérios de inclusão foram: adolescentes que vivessem com os pais, adolescentes primíparas e famílias que estivessem vivenciando a maternidade na adolescência pela primeira vez. O instrumento de coleta de dados usado foi a entrevista. A questão norteadora foi: Como tem sido a vida familiar agora que a (nome da adolescente) teve neném? As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra e, então, analisadas. O estudo envolveu oito famílias (QUADRO 1). As mães foram as integrantes que mais se manifestaram, mas sempre trazendo a perspectiva familiar. A análise das narrativas ocorreu da seguinte maneira: reelaboração das entrevistas de modo a transformálas em discursos (códigos); identificação dos conflitos vividos, procurando reorganizá-los em uma sequência que permitisse encontrar conexões com outros momentos dos relatos e com a história que estava sendo contada; destaque das palavras ou frases que se repetiam e de temas abordados com maior ênfase, verificando onde colocavam peso especial em seus discursos; identificação das conexões temáticas, ou seja, o que era colocado para unir os diferentes temas e que ajudou a encontrar o fio condutor em cada narrativa; identificação do enredo da narrativa, ou seja, qual CATEGORIA 1: Lamentando a gravidez inesperada A partir do momento em que a adolescente recebe o diagnóstico da gravidez, inicia-se um turbilhão de sentimentos. É o princípio de um processo que varia dependendo de cada situação e de cada família. Os planos traçados para o futuro da adolescente tomam direções diferentes do planejado. É difícil aceitar a situação, principalmente porque orientaram suas filhas sobre prevenção de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), de diversas maneiras e por diversos meios, mas ainda assim aconteceu. Descoberta gerando sentimentos distintos O diagnóstico da gravidez acaba sendo uma surpresa para a adolescente e seus familiares, surgindo com essa notícia diversos sentimentos. As famílias e seus membros reagem de maneira diferente. Para uns, os sentimentos gerados são de vergonha, constrangimento, tristeza, pena, preocupação, raiva, revolta, desespero, nervosismo, medo. As adolescentes, em sua maioria, sentem receio ao contar aos pais sobre o fato, pois não sabem qual será a reação deles; sentem medo de apanhar ou até mesmo serem expulsas de casa. Para os pais, avós e outros familiares, a notícia acaba sendo um choque, um susto,“uma notícia horrível”. Vivem um momento de negação e rejeição. Alguns sentem vontade de chorar e ficam chateados; outros até mesmo ficam sem conversar com a adolescente. Assim, diante da preocupação com o futuro de suas filhas, esse primeiro impacto é o que mais gera sentimentos negativos. Há, ainda, familiares que reagem de modo diferente: relatam não terem se QUADRO 1 – Caracterização dos familiares das adolescentes estudadas Idade da adolescente Idade da criança por ocasião da entrevista 18 anos 558 Grau de parentesco dos membros considerados da família Membros participantes da entrevista Duração da entrevista 6 meses Mãe, padrasto, irmãs (2), filha Mãe e adolescente 20 minutos 17 anos 5 meses Mãe, pai, irmão e filho Mãe e adolescente 15 minutos 19 anos 6 meses Mãe, irmão e filho Mãe e adolescente 30 minutos 19 anos 10 meses Mãe, pai, irmão, marido e filha Mãe, pai e adolescente 27 minutos 16 anos 9 meses Mãe, pai, irmãs (2) Mãe, pai e adolescente 28 minutos 19 anos 6 meses Mãe, padrasto, irmãos (6) e filho Mãe e adolescente 10 minutos 19 anos 5 meses Mãe, padrasto, irmãos (3) e filha Adolescente 20 minutos 18 anos 4 meses Mãe, pai, irmã e filha Adolescente 25 minutos remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566 out./dez., 2011 importado nem ficado bravos diante gravidez, mas sentindo “muita alegria”, e não arrependimento. Ih, mudou muito. A gente não esperava, foi um choque [...] Eu fiquei tão nervosa com a I porque ela tinha engravidado [...]. Também não tô brava, não fiquei brava com ela sabe?! (M1) Minha mãe chorou [...]. Ela chorou, mas ficou feliz. Até hoje está feliz, só fica com o neto [...]. Não ela ficou com vergonha, ela não gosta de falar muito porque eu passei por muito sofrimento com o pai do meu filho e ela não gosta de conversar muito. (A4) Alegria, alegria... muita alegria [...]. É...aí foi mais uma surpresa... (M5) A notícia da gravidez na adolescência representa um choque, por ser um acontecimento inesperado, assim como outros problemas que acontecem no contexto familiar. Paulatinamente é que as famílias passam a aceitar e a se conformar com a situação.12 Tendo planejado um futuro diferente As mães das adolescentes tinham outros planos para o futuro de suas filhas. Esperavam que estas construíssem uma família aos poucos: namorassem, se casassem e somente depois tivessem filhos. Além disso, planejavam que primeiro elas estudassem, trabalhassem e se estabilizassem financeiramente porque acreditavam que a chegada de um bebê na adolescência atrapalharia o futuro que tanto haviam planejado, tomaria o tempo delas e lhes estragaria a vida: Eu tinha planos de trabalhar, pra depois engravidar... Mudou muita coisa! (A1) Eu queria que ela casasse, que ela saísse de casa casada, estudada, com um futuro já garantido... (M6) Ah, pela minha idade?! Eles não aceitavam... Porque ia estragar... eu ia perder muito tempo! Ia me atrapalhar os estudos, tudo. Por esse motivo. (A8) Dentre as representações sobre as mudanças do contexto familiar após a gravidez das adolescentes que eram solteiras por ocasião da concepção, pode-se apreender, por meio das narrativas, que se faz presente forte sentimento que diz respeito à frustração de ter um projeto de vida familiar interrompido e/ou modificado para sempre.12 Porém, por um lado, se a gravidez juvenil rompe com alguns projetos familiares, por outro, ela dá continuidade a eles, muitas vezes antes do desejado/ previsto.19 Tendo orientado a filha sobre prevenção de gravidez e DSTs A família manifesta que havia conversas sobre como se prevenir contra gravidez durante o namoro, além das orientações na escola. As orientações eram estendidas, também, às doenças sexualmente transmissíveis e às precauções necessárias para evitá-las. Afirmam que sempre deram explicações, justificando que não foi por falta de aviso ou orientação deles e até das amigas. No entanto, algumas adolescentes colocam a culpa nos pais, justificando que não souberam educá-las, o que acaba gerando tristeza nas mães: Do tanto que eu avisei: ‘C. toma cuidado, se previne’. (M4) A gente fala, explica, mas não adianta; aí eles botam a culpa nos pais, que não soube explicar, mas eu falo a gente explica [...]. Não é por falta de avisar, a gente vai falando, vai explicando, mas eu não sei... a cabeça das crianças... eu falei, [...] elas deviam pensar... (M5) Os familiares acreditam que fizeram tudo o que estava ao alcance deles para advertir as adolescentes sobre os infortúnios de uma gravidez nessa circunstância, demonstrandoaimpotênciadelesparaevitarumagravidez precoce na família. De outra maneira, eles imputam a responsabilidade desse problema às próprias jovens.12 CATEGORIA 2: Nascimento desencadeando maiores mudanças A partir do nascimento do bebê, a vida da adolescente e a de sua família passam por uma grande transformação. A presençadonovomoradorexigegranderesponsabilidade e disponibilidade por parte de todos. Faz-se necessário buscar formas de suprir os gastos adicionais gerados, levando muitos membros da família a intensificar seu período de trabalho. A adolescente vê-se obrigada a adaptar seus horários às necessidades do bebê e a deixar suas vontades pessoais de lado. Isso acarreta, na maioria dos casos, grande tristeza na adolescente, porém elas compreendem que essa é uma atitude imprescindível. Na maioria das vezes, a adolescente sente necessidade de abandonar os estudos.Tal fato pode ocorrer durante a gravidez, por motivos como vergonha ou por apresentar sintomas fisiológicos típicos da gravidez, ou após a gravidez, dada a necessidade de realizar os cuidados diários do filho. Mudando a rotina da família Afamíliapercebeoaumentodepreocupações,problemas, responsabilidades e tarefas domésticas, o que acaba tomando o tempo livre dos familiares. A atenção é direcionada para o bebê. Com a adolescente os familiares revezam as horas de sono e ficam acordados até a madrugada em decorrência dos cuidados com o neném. Algumas adolescentes precisam deixar o trabalho e ajudar mais a mãe nas tarefas de casa e, ao mesmo tempo, outros membros têm necessidade de trabalhar mais para suprir as demandas dos gastos adicionais. As famílias entrevistadas têm ao menos um membro que trabalha para prover-lhes o sustento. Algumas têm seu núcleo muito pequeno com apenas um adulto, o qual sai para trabalhar e quando retorna tem também suas tarefas domésticas para realizar, além de ter de ajudar remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566, out./dez., 2011 559 gravidez na adolescência: conhecendo a experiência da família no cuidado com o bebê, o que acaba trazendo uma sobrecarga de serviços para o membro adulto: Vou, de vez em quando, mais de final de semana, não mais como era antes, que todo dia tinha uma festa, agora é só de final de semana. Vou nesses lugares só, em barzinho essas coisas. Agora parei de sair; não tô saindo mais. (A4) Depois que aconteceu, mudou muito! Mudou, mudou muito assim, porque não tava nos nossos planos! [...] Muda bastante a rotina da gente.[...] Até cinco horas, cinco e meia da manhã fico acordada com ela [...]. Fico assistindo a todas as programação da televisão, aqui sentada com ela. (M1) Nunca mais saímos, não pode... aí eu falei estragou com 15 anos, agora fica aí dentro de casa. (M5) Acaba a liberdade, né? Não tem mais liberdade pra nada, é só o neném e o neném [...]. Todo fim de semana eu saía e não saio mais [...]. A gente acaba deixando mesmo de sair, de ir em muito lugar. Eu, assim, nunca mais saí, viajei, junto com a minha sogra. (A6) Ah, eu tô ajudando bastante minha mãe [...]. Antes, quando eu não ia trabalhar, ficava sozinha em casa. Agora não. Agora tem ele em casa. (A2) Minha mãe trabalha de dia e de noite, o pai dela também, então não tem jeito [...]. No geral, mudou tudo. (A6) Ah... a ela não pode mais fazer nada, não pode sair, ela não pode abandonar a filha. (M6) Saía um pouco, sim. com o namorado... saía. Agora não saio mais não. Em lugar nenhum, fico trancada o dia inteiro [...]. Ah, é ruim né?! Porque eu viro uma dona de casa, eu cuido da casa. Eu só saio pra ir pra escola à noite, que aí já ajuda também a dar uma espairecida. Mas sair assim, com os amigos... Até nesse final de semana eu queria, teve o show, eu pedi pra minha mãe se ela ficava com a neném, mas ela falou que de jeito nenhum, que eu pensasse antes, então eu vou ter que esperar ela crescer mais. Então eu vou esperar. (A8) É um pouquinho complicado sair e ter que deixar com a minha mãe; aí ela chega cansada do serviço, então é ruim pra ela também porque ela chega cansada e quer descansar, aí tem que ficar com a neném. (A8) Os resultados de um estudo demonstraram que, no processo de cuidar do RN, as adolescentes expressaram sentimentos de medo, decorrentes do período de adaptação mãe-filho e dos cuidados a serem prestados, que demandavam períodos noturnos sem dormir e, consequentemente, cansaço físico e emocional.20 Interrompendo as atividades de lazer A adolescente assume a responsabilidade de realizar os cuidados diários necessários, dedicando a maior parte de seu tempo à criança, por isso tem de interromper as atividades de lazer. Os horários das adolescentes para acordar e dormir se modificam a fim de que elas se ajustem aos horários de mamadas, banho e alimentação da criança. Além disso, algumas adolescentes diminuem a frequência dos passeios ou deixam de sair com os amigos e familiares para os lugares que costumavam ir antes da gravidez, pois alguns bebês choram muito quando elas saem e acabam prendendo-as em casa, gerando tristeza para a maioria delas. As adolescentes choram por não poderem mais ir a festas com as amigas; relatam que agora só podem sair de finais de semana para barzinhos, e as baladas deixam de ser frequentadas. Em contrapartida, para outras, deixar de sair não se torna um problema, sendo agradável cuidar da criança em casa. Mas, em geral, acabam deixando de lado seus planos para o futuro e só conseguem se imaginar retomando-o depois que seus filhos estiverem com mais de um ano de idade, e só então seguirem com o que foi interrompido pela gestação: Ela parou a rotina da vida dela bem, ela tinha liberdade para sair com as amigas, para festinhas. Agora não sai mais; outro dia ela chorou (M1) E eu deixei de sair um pouco, sabe? Agora eu não tenho mais como eu sair, por causa dele. (A2) Me prendeu um pouco, mas mesmo assim eu saio [...]. Ah, saía com as minhas amigas para a balada [...]. 560 A gravidez é pensada como muito precoce no sentido de deslocada da idade e do “momento de vida certo. Ela ocorre justamente em um período em que há mais o que fazer por si e menos o que se responsabilizar pelo(s) outro(s). Poder-se-ia pensar que, por ser assim, na concepção de curtir a vida, a gravidez adolescente é vista como uma forma de abreviar a juventude.19,20 É possível identificar que os familiares percebem o crescimento pessoal da adolescente uma vez que ela se tornamaisresponsávelcomoacontecimentodagravidez. As novas responsabilidades e o amadurecimento pessoal são fatores que podem estimular até mesmo o cuidado ao recém-nascido.21 Em muitas famílias, o cuidado das jovens com os bebês é percebido como atencioso, zeloso, dedicado e supridor das necessidades básicas da criança.22 Interrompendo os estudos Durante a gravidez ou após o nascimento da criança, os estudos podem ser interrompidos em virtude de motivos diversos. Quando a interrupção acadêmica ocorre enquanto gestante, a justificativa advém dos sintomas e sentimentos desagradáveis que as adolescentes grávidas passam a apresentar, como mal-estar, vômito, desânimo, aumento de peso (percebendo-se gorda), e a vergonha dos colegas ao serem interrogadas quanto ao pai da criança. Como este, frequentemente, não assume a criança como filho, elas sentem-se constrangidas ao falar sobre ele e optam por não mais ir à escola. Há as que precisam abandonar os estudos após o nascimento do filho, por causa das demandas que ele exige. Assim, algumas percebem após o nascimento que a retomada dos estudos não será imediata, dada a dificuldade em conciliar a escola e os cuidados ao bebê. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566 out./dez., 2011 Faz-se necessário destacar o fato de todas as adolescentes entrevistadas terem interrompido os estudos nesse contexto enquanto grávidas ou logo após o nascimento, não sendo diferente do encontrado na literatura, pois em outras pesquisas esse é um dos fatores mais comuns.12 Em apenas uma entrevista, identificamos uma adolescente que tirou licença maternidade na faculdade e retornou após seu término, pois contava com a ajuda da mãe nos cuidados com o bebê: Parou, porque ela engravidou e ficou, passava muito mal na sala de aula, até vomitava. Então ela, depois ela ficou desanimada, ficou muito gorda. Então ela parou de estudar. (M1) Eu estava estudando, mas eu parei. Quando deu quatro meses de gravidez, fiquei com vergonha de ir para escola, aí eu parei [...]. Ah, porque eu acho que todo mundo ia ficar perguntando do pai da criança, eu não queria ficar entrando em detalhes sabe, e eu não queria ficar falando do pai. (A4) Eu parei, peguei licença de três meses, aí um mês foi de férias, aí então, eu perdi dois meses de aula . (A8) Autores afirmam que os sistemas convencionais de ensino não dispõem de estrutura adequada para acolher uma adolescente grávida e, comumente, as induzem a interromper a escolarização. A interrupção dos estudos durante a gestação ou após o nascimento da criança acarreta perdas de oportunidades e piora da qualidade de vida no futuro.23 CATEGORIA 3: Aceitação gerando um novo modo de enfrentar Após cessar o período conturbado da descoberta da gravidez, a chegada de um novo membro passa a ser aceita pelos familiares. A adolescente começa a assumir uma postura mais responsável pelas novas atribuições que são delegadas, tanto no cuidado com o bebê quanto nas tarefas domésticas que lhe são atribuídas. Nesse período de grandes mudanças na rotina, o apoio da família é essencial. Para os avós, a chegada do bebê também gera alterações em sua rotina de vida, pois auxiliam nos cuidados da criança e percebem a importância de doar carinho, amor, atenção e educação ao neto. Para eles ter a família como suporte no cuidado desde o nascimento tornará aquela criança um adulto responsável e de boa índole. Gravidez gerando mudança de comportamento Afamíliacomparaocomportamentodaadolescenteantese depois da gravidez, percebendo-a passar de irresponsável, despreocupada, imatura e descomprometida com sua vida educacional e profissional para comprometida com o cuidado da criança, compartilhando as tarefas domésticas: Olha, mudou muito viu.. Mudou tudo! No geral, mudou tudo. A K era uma irresponsável, completa. Que só quer saber de ficar pra rua, não quer saber estudar, não quer saber trabalhar, não quer fazer nada da vida, sabe? O negócio dela era as amigas e balada. Não queria saber de nada da vida. Aí, depois que a neném nasceu, ela ficou bem melhor. Num tudo! Ela tem mais responsabilidade, ela sabe os horários das coisas, ela cuida direitinho da neném. Assim, no geral, eu acho que ela amadureceu muito! Amadureceu, hein... E aí depois que ela engravidou e teve a K aí que ela mudou, mudou completamente. Acho que a fichinha dela caiu, aí ela viu o que aconteceu, que a vida era outra coisa, não era nada do que ela tava achando que era, aí ela mudou! Mudou completamente... em tudo! (A6) Agora parece que depois que eu fiquei grávida, eu mesma fui tomando a responsabilidade maior, sabe? Quando eu fique grávida, parecia que era até uma doença; assim, que eu queria ver as coisas limpas, sabe?! (A8) Pesquisa realizada com 53 mães inglesas também revelou sentimentos positivos em relação à criança, mesmo quando a gravidez não havia sido planejada e elas enfrentavam dificuldades. A maioria estava determinada a ser boa mãe, aproveitando dicas de profissionais e de suas mães quanto aos cuidados com o filho. Percebe-se, assim, que muitas jovens referem sentimento de orgulho e felicidade em relação à gravidez e à maternidade, apesar do arrependimento inicial pela gestação. A maternidade foi vista positivamente, preenchendo um vazio afetivo. As jovens assumiram o papel materno, não relataram dificuldades no seu grupo social e a vida delas estava centrada na figura do filho.24 Os dados confirmam que as adolescentes assumiram suas responsabilidades e passaram a sentir-se mais seguras e confiantes na sua capacidade de ser mãe, e que para elas a gravidez e a maternidade significaram um ganho, em razão da conquista da autonomia, a qual está diretamente relacionada com a passagem para a vida adulta.25 Bebê fortalecendo o vínculo da família Após o nascimento cria-se um vínculo intenso entre o bebê e a família. Esse vínculo é mantido pelo carinho, atenção e companhia diários, além de ser visto como essencial para os avós. Eles relataram que haviam se recuperado do primeiro impacto da descoberta e que estavam extremamente contentes com a chegada do bebê. Ele é minha alegria... e do avô dele também! Ele dorme com o avô dele depois das 5 horas... Ele acostumou, toda vez que ele acorda fica um tempão lá na cama com a gente. (M2) É gostoso, porque a criança vai, vai passando os dias e vai se desenvolvendo, vai tendo um acompanhamento e tá sendo legal, sim. (M3) Todo mundo aqui em casa adora a criança, então, a neném tá uma beleza [...]. O avô é um grude com ela, que nossa! Esse avô baba nela... Então ele vai trabalhar, ele remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566, out./dez., 2011 561 gravidez na adolescência: conhecendo a experiência da família chega e ela já gruda nele. Não quer dormir, quer dormir no colo dele. Outro dia não queria dormir com a mãe, vem no colo da avó! (M6) você tá perguntando, pra você tá falando, pra você tá contando, eu acho que é muito melhor (M6) Ela (avó) me ajuda bastante a cuidar da neném, mas só dentro da minha casa [...]. Tenho uma avó minha que é de fora, aí ela ficou os dois primeiros meses aqui me ajudando, me ajudou bastante assim, ela veio na verdade para ajudar com a bebê, mas nem precisou, ela cuidavadacasapramim,dacomida,dasroupinhasdela [...]. ainda bem que eu tenho os meus pais que ajudam mais ainda, que ajudaram a montar o quartinho da neném, que compra até o leite que eu dou pra neném pra quando eu não tô aqui eles que compram, quando falta alguma coisa... roupinha. (M8) Um aspecto que aparece de forma bem clara é a relação estabelecida com o filho, indicando o fortalecimento do vínculo, investimento afetivo, dedicação total ao bebê, que se torna o sentido único da vida da adolescente, neste momento. Parece que a sensibilidade materna e a maneira como mãe e filho se relacionam vão efetivando a convivência, fortalecendo ainda mais o vínculo entre ambos. Estudo sobre a construção da identidade materna26 aponta que, embora tenham recebido apoio durante esse período, aprenderam progressivamente a cuidar dos filhos, delineando uma rotina de tarefas que lhes supria as necessidades e, também, possibilitava a efetivação do vínculo. Tendo a família como suporte após a aceitação da gravidez Após os sentimentos de desgosto, frustração, culpa e impotência pelo fato de uma gravidez indesejada ter acontecido dentro do lar, o impacto da notícia vai sendo deixado para trás e “com o tempo” a família passa a ser o principal suporte para a adolescente enfrentar essa situação, contando sempre com o apoio, principalmente, dos pais nos cuidados à criança. Para eles, o fato de estarem presentes e acompanhando esse processo de perto ameniza essa fase e permite que a adolescente sofra menos. Todos esses obstáculos foram superados à medida que o tempo foi passando e essa nova fase conseguiu ser administrada pelos membros da família. As mães das adolescentes, por já terem passado pelo processo de ser mãe, sempre ajudam nos cuidados do bebê, por saberem que é uma experiência nova para a filha. No entanto, além destes cuidados há outras tarefas para realizar dentro e fora de casa, o que aumenta sua demanda de trabalho e faz com que ela abra mão de seu tempo em favor da adolescente e da criança. Contam também com o suporte financeiro dos familiares, que realocam o orçamento, dado o aumento dos gastos da família, com fraldas, roupas, leite e outras coisas do bebê: Minha mãe ajuda, quando eu saio ela fica com ele, é tudo ela quem faz. (A4) A gente tem tentado ajudar, porque pra ela que é o primeiro filho, que ainda não tem experiência de nada, a cabeça ainda não tá muito preparada [...]. Eu acho que é muito mais difícil quando não tem uma mãe por perto, porque se não tiver uma pessoa ali, uma estrutura, você não aguenta, porque é ali, neném no braço, comida pra fazer, você tem que cuidar do neném, você tem que fazer tudo, você não ter pra quem pedir, é horrível! Então quando você tem mãe por perto pra 562 Em outro estudo, ao perguntar às famílias quais foram as mudanças na rotina, elas indicaram melhoria da convivência entre os membros, assim como mobilização para a formação de uma verdadeira rede de ajuda.12 Relataram, ainda, que na percepção das próprias adolescentes o suporte familiar recebido durante a gravidez pode ser composto por ajuda financeira, explicações, conselhos, carinho, apoio emocional. Quanto à rede de apoio, outro trabalho a menciona, referindo que poderá contribuir para a diminuição do estresse do jovem, o aumento do conhecimento sobre desenvolvimento infantil, a promoção da autoestima e da efetividade percebidas e/ou mediante o fornecimento de uma ajuda prática. O apoio mais importante parece ser o emocional, principalmente quando proveniente da família de origem.27 A busca por auxílio familiar é evidente, bem como a percepçãosobrequãoimportanteesteénoesclarecimento de suas dúvidas, fazendo com que a adolescente se sinta mais segura e tranquila, pois sabe que tem com quem contar e quando necessitar terá alguém junto dela, apoiando, ensinando ou exercendo supervisão, principalmente nesse período de adaptação.27 Os avós maternos foram referidos como dando apoio financeiro, tanto para o cuidado à criança como para a manutenção do casal, além de oferecer cuidados diários com a criança, possibilitando ou facilitando o estudo e/ou o trabalho dos pais e o acompanhamento das atividades de lazer em fins de semana. Os avós também foram mencionados como fonte de orientação para a resolução de problemas corriqueiros com as crianças e, em alguns casos, considerados pelos jovens como aqueles que efetivamente criavam a criança.28 Além disso, levando em consideração as crenças, os valores e o modo como representa e age a família perante a situação, ou seja, considerando as potencialidades e os limites da família, os profissionais de saúde têm a possibilidade de exercer a escuta, o acolhimento e o cuidado, tanto da adolescente grávida quanto dessa família, inseridos em seu contexto familiar e social. Dessa forma, facilita-se a aquisição e o desenvolvimento de recursos próprios, por parte do núcleo familiar, no enfrentamento de momentos conflituosos, reconhecendo a família como sujeito ativo nesse processo.12 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566 out./dez., 2011 Percebendo como positivo priorizar o cuidado à criança Colocar o cuidado do bebê em primeiro lugar, em prol de sua saúde, do bem-estar, do crescimento e do desenvolvimento adequados é o pensamento da família. Para isso, frequentemente a família deixa de suprir suas vontades e rotinas antigas para garantir que a saúde e a educação do bebê não sejam colocadas em risco; restringe-se o orçamento familiar para conseguir pagar uma escola de qualidade ou trabalhar mais para garantir uma vida melhor à criança. É considerado de extrema importância pela família da adolescente o cuidado integral à criança durante sua infância para assegurar-lhe moral e costumes adequados. Para os avós, é necessário que os netos recebam amor e carinho enquanto são novos e é imprescindível alguém cuidar deles enquanto os membros da família se ausentam de casa para trabalhar. Além disso, os avós consideram que crianças que crescem longe de seus pais se desenvolvem sem amor, carinho, ficam muito tempo sozinhas em casa ou na rua, aprendem condutas erradas e se tornam rebeldes: A família precisa trabalhar para dar uma vida melhor para ela, mas, por enquanto, enquanto ela é pequena, eu acho que a gente tem que dar toda atenção e todo amor. Por isso, se eu for voltar a trabalhar amanhã e pôr ela na creche, hoje a criança vai estar maior. Eu acho distante da mãe, do pai, sem amor, sem carinho... sem nenhum vínculo. (M1) Por meio de outro estudo, foi detectado que o cuidado ao RN torna-se o fato mais importante da vida das mães adolescentes, apesar de ser ressaltado que a dedicação exclusiva ao RN e ao reduto doméstico leva à interrupção dos estudos, do trabalho e da diversão.29 CATEGORIA 4: Passando por momentos difíceis A adolescente e sua família passam por momentos difíceis, seja durante a gestação, seja no momento do parto ou após o nascimento da criança. Precisam enfrentar novas mudanças na rotina, problemas de ordem financeira e de relacionamento. Isso gera momentos de estresse e de dúvida. A adolescente tem dificuldade de realizar os cuidados necessários à criança dada a falta de prática, assim como conciliar seu autocuidado. Esses momentos se tornam ainda mais difíceis quando recebem informações antagônicas sobre o cuidado da criança e quando não têm o apoio e a participação do pai da criança nesse processo. sente bastante sobrecarregada com os cuidados diários do bebê: trocar fraldas, dar banho, amamentar, acordar à noite por causa do choro do filho por fome, dor ou por não querer dormir e não permitir que os outros membros da família durmam, ter de lidar com novas situações e, por conseguinte, não conseguir conciliar seu autocuidado com o cuidado ao filho. O ato de cuidar do filho, por si só, já exige muito da mãe que por não estar madura o suficiente para exercer esse papel, sente-se despreparada, estressada desesperada e inexperiente: É bonito dos outros, porque dentro de casa, porque assim no começo eu não tinha muita paciência. Eu não tenho muita paciência, quando ficava chorando a noite inteira, não deixava ninguém dormir, chorava, gritava. Agora não estou como era antes, estou mais calma com ele [...]. Olha, no começo foi difícil, Nossa Senhora. Nossa foi muito difícil, ele deu muito trabalho, era cólica, ele não dormia direito, era dor de ouvido, mas agora, graças a Deus, ele dorme a noite inteira. A noite inteira ele dorme, mama e dorme. (A4) Vai dando uma canseira... Tem dia que eu trabalho o dia inteiro, chego em casa, ela tá desesperada: Mãe, eu não aguento mais, eu preciso dormir, eu preciso comer, eu preciso tomar banho . Aí eu chego morrendo de canseira e pego pra ela tomar banho, pra ela comer, pra descansar também. (M6) Nas entrevistas realizadas, assim como em outros estudos,25,27a percepção da dificuldade de ser mãe é relatada pelas adolescentes a partir do momento em que deixam a instituição hospitalar e assumem os cuidados do bebê em casa. Ao realizar um estudo com o objetivo de verificar como se dava a experiência de cuidar do bebê para as adolescentes puérperas, observou-se que elas deixavam transparecer um misto de preocupação, impaciência e insegurança, verbalizado pelo fato de acreditar que é preciso ter responsabilidade para cuidar do filho. Os sentimentos de impaciência e de irritação podem ser explicados pelo comportamento característico da própria fase da adolescência, quando há constantes flutuações de humor e do estado de ânimo da adolescente, que pode ser turbulento, violentamente contestador, alegre e triste.28 Em um estudo realizado com adolescentes norteamericanas, estas referiram vivenciar maior estresse no desempenho do papel materno do que as adultas, além de apresentarem menor preparação cognitiva para a maternidade e um estilo parental menos adaptativo.25 Sendo difícil ser mãe Recebendo orientações antagônicas de fora do ambiente familiar A gravidez, de maneira geral, é considerada uma experiência muito difícil para a adolescente, pois trazlhe muitas mudanças na rotina, exige paciência para aprender a cuidar do filho, precisa enfrentar uma nova fase, que envolve uma mistura de sentimentos. Ela se Se para as mães o cuidado do recém-nascido é exigente e difícil, acrescido da sensação de inexperiência e despreparo, o fato de receber orientações conflitantes e divergentes sobre como realizar os cuidados do bebê é sentido como provocador de mais insegurança. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566, out./dez., 2011 563 gravidez na adolescência: conhecendo a experiência da família Informações passadas por amigos, outros familiares e, até mesmo, por médicos confundem a família. A incoerência e a falta de padronização das informações transmitidas causam dúvidas sobre qual direção seguir. A família sente-se perdida e confusa em meio às informações, confundindo também as adolescentes, que se encontram em uma nova fase, com diversas adaptações na rotina e novos conhecimentos sendo adquiridos para poder cuidar dos bebês. Eles falam que tem que da água, tem que dá as fruta. (M2) Aí o pediatra disse que era para dar o leite do peito. (M7) Ainda na gravidez, alguns autores recomendam o aconselhamento por um profissional de saúde às adolescentes, de forma confidencial e sem o julgamento, a fim de auxiliar na orientação à maturidade cognitiva, facilitar a tomada de decisão informada e a discussão de temas como o aborto, o pré-natal e na formulação de planos para após o nascimento. Esse profissional deve, utilizando técnicas adequadas, explorar as relações familiares, que serão fundamentais para futuras decisões e comportamentos, melhorando, assim, as perspectivas dessas jovens para o futuro.30 Com a pesquisa pudemos perceber que esses profissionais muitas vezes divergem ao passar as informações para as adolescentes, deixandoas ainda mais confusas nessa nova fase. Desejando retomar os estudos e trabalhar As adolescentes anseiam pelo regresso às atividades acadêmicas, as quais, por motivos diversos, tiveram de ser interrompidas antes ou após a gestação. Vislumbram muitos benefícios com a retomada da vida acadêmica, tais como: alegria de suas mães ao vê-las estudando novamente, a possibilidade de possuir um diploma, de conseguir um bom emprego, de melhorar de vida, bem como o direito a receber pensão do pai falecido. Elas acreditam que tal retomada deverá ocorrer quando seus bebês já estiverem crescendo ou em uma idade em que não necessitarão mais de aleitamento materno exclusivo, quando outras pessoas poderão alimentá-los nos períodos em que elas estiverem na escola; momento que, segundo elas, será quando o bebê atingir seis meses ou um ano. A família também apoia essa decisão e planeja oferecer outra oportunidade à adolescente para voltar a estudar e arranjar um emprego; as avós se reorganizam, saem mais cedo do trabalho para ficar com o bebê, para possibilitar que a adolescente volte a estudar. Os planos têm como finalidade proporcionar melhor qualidade de vida tanto para o bebê quanto para o restante da família. Então ano que vem ela vai retomar os estudos dela, vai terminar, que esse ano já era para ela está no terceiro colegial, mas ela teve que parar, porque engravidou. [...]. Então ela pretende faze cursos, ela falou que pretende fazer curso e arrumar um serviço, é, fazer uma faculdade. Aí fico feliz. [...] Dizendo que voltará a estudar quando ele estiver maiorzinho [...]. Voltando a estudar de novo quando ele tiver uns 6 meses [...]. Podendo retomar os estudos após os 6 meses de idade do neném porque poderá dar mamadeira [...]. Ela não pode parar, porque ela tem a pensão do pai, e a pessoa só tem direito, se a pessoa estuda ou faz faculdade. (M1) Sabemos quão importante é o cuidado individualizado e humanizado desenvolvido com a adolescente gestante, com vista à sua saúde e à do bebê. Esse cuidado deve ter como objetivo compreender a subjetividade do ser adolescente gestante como ser cuidado, percebendo-o em suas dimensões humanas, uma vez que deve tratar da saúde de forma integral, englobando o processo de cuidar para promover, manter e/ou recuperar a dignidade e a totalidade humanas. O profissional enfermeiro, ao cuidar da adolescente gestante, deverá considerar que humanizar é cuidar por meios de parâmetros técnicos, éticos, científicos, políticos, solidários e humanísticos, reconhecendo o usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção de saúde; é também buscar a melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho profissional.31 CATEGORIA 5: Planejando o futuro É o desejo, apresentado pelas adolescentes e familiares, de retornar às atividades acadêmicas e/ou laborais, os quais haviam sido interrompidas, por motivos diversos, durante a gestação. A família deseja vê-las estudando novamente e, com isso, obtendo chances de conseguir um diploma, um bom emprego e melhorar a qualidade de vida. Além disso, há um apego à religiosidade e existe uma preocupação de reorientação, por parte dos avós, de se prevenirem de uma segunda gravidez, para que nenhum desses planos seja interrompido futuramente. 564 Eu quero voltar, para pegar meu diploma; pior é quem tem até a oitava série não consegue arrumar nada bom, nada [...]. Eu tenho que terminar a oitava, eu quero fazer tipo, em meio ano sabe?! De seis em seis meses [...]. A enfermeira vem uma vez por mês. Ela falou: ‘Mocinha, volta a estudar, volta a estudar. Você vai ver como vai mudar sua vida, você vai ver. Você vai arrumar emprego’. Eu vou voltar a estudar [...]. Ano que vem, ele já vai estar com um ano, já vai estar mais espertinho. Ai eu volto a estudar. Eu cuido dele e estudo à noite. (A4) Os principais sonhos de mães adolescentes consistem em melhorar a própria condição de vida, bem como das crianças, procurando um futuro melhor para ambos e para a manutenção da família. A incorporação do papel materno na identidade delas significa a existência de uma criança que necessita de atenção, foi um estímulo para os adolescentes para conquistar seus desejos e persistir na luta por uma qualidade de vida melhor.32 Querendo evitar uma segunda gravidez Asmãesdasadolescentesbuscamevitarnovainsatisfação de outra gravidez não planejada. Algumas repreendem, remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 556-566 out./dez., 2011 outras ameaçam, outras reorientam, tudo com o intuito de que não ocorra uma segunda vez. Conscientes de que é uma situação irreversível, tentam explicitar às filhas a importância de ter responsabilidade para lidar com a situação e evitar que seja um fato recorrente. Brinco com ela: ‘Toma cuidado hein, para você não pegar outra barriga, porque se você pegar outra barriga você vai para debaixo da ponte, você e essa barriga’. (M1) Mas foi isso que eu falei pra ela, entendeu? O que tá feito, tá feito. Já tá feito, agora você vai ter que cuidar. Você fez, você teve cabeça pra fazer, agora espero que você tenha cabeça pra tomar conta da situação; agora é com você. A gente só aprende a ser mãe a partir do momento que a gente é mãe, então a gente entende o que é mãe [...]. Então, agora ela tá tentando, ela não tá ainda muito afiada, eu tenho que ta ali, sabe? ... puxando a orelhinha dela... (M6) Nas falas é possível identificar o desejo da não ocorrência de uma nova gestação, mas autores apontam o fato de que mulheres que iniciam a maternidade na adolescência tendem a ter um número maior de filhos durante sua vida reprodutiva, sendo, na maioria dos casos, a primeira gravidez não planejada e algumas vezes indesejada. Salientam, ainda, a probabilidade de as gestações posteriores adquirirem, também, um caráter não desejado.33 CONSIDERAÇOES FINAIS O trabalho desenvolvido foi importante para a interação entre os artigos científicos estudados e o estudo realizado, proporcionando maior conhecimento da estrutura familiar diante da situação. Uma parte corrobora e outra evidencia as mudanças realizadas na família com o objetivo de formar uma rede de apoio à adolescente, as mudanças que ocorrem na rotina familiar, nas finanças e no fortalecimento do vínculo entre seus membros. Com esta pesquisa, notou-se que a gravidez não planejada gera sentimentos indesejáveis e distintos, como nervosismo, tristeza e medo na adolescente e sua família, pois os familiares sabem que o futuro dessa adolescente, com o nascimento da criança, sofrerá alterações. Com a gestação e o nascimento da criança, a adolescente abandona os estudos, suas atividades de lazer e passa a dedicar a maior parte do seu tempo aos cuidados diários da criança, recebendo apoio familiar significativo, que a auxilia a superar as dificuldades encontradas no ato de ser mãe e a planejar o retorno às atividades interrompidas anteriormente. Dessa forma, considera-se que cabe ao enfermeiro apoiar a adolescente e sua família nas necessidades que eles apresentam, englobando aspectos para além dos biológicos, ou seja, também os psicológicos e sociais, para o enfrentamento de dificuldades e o esclarecimento de dúvidas oriundas dessa nova fase. REFERÊNCIAS 1. Martins PO, Trindade ZA, Almeida AMO. O ter e o ser: representações sociais da adolescência entre adolescentes de inserção urbana e rural. Psicol Reflex Crit. 2003;16 (3): 555-68. 2. Organização Mundial de Saúde. La salud de los jóvenes: un reto y una esperanza. Genebra: OMS; 1995. 120 p. 3. Brasil. Ministério da Saúde. 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Enferm.;15(4): 556-566 out./dez., 2011 RELACIONAMENTOS AFETIVOS NO COTIDIANO DO ADOLESCENTE PORTADOR DO HIV: DESVELANDO SEUS SIGNIFICADOS AFFECTIVE RELATIONSHIPS IN THE EVERYDAY ADOLESCENT HIV: DESENSURING THEIR MEANINGS RELACIONES AFECTIVAS EN LA VIDA COTIDIANA ADOLESCENTE VIH: DESASEGURAR SUS SIGNIFICADOS Zuleyce Maria Lessa Pacheco1 Elisabete Pimenta Araújo Paz2 Girlene Alves da Silva3 RESUMO O objetivo com este estudo foi compreender como o adolescente portador do HIV vivencia, no cotidiano, seus relacionamentos afetivos. Os dados foram coletados por meio da técnica de entrevista fenomenológica, com nove adolescentes de um serviço de referência. A análise foi efetuada com base na fenomenologia de Martin Heidegger. A análise permitiu inferir que eles conhecem algumas formas de transmissão do HIV, mas não as compreendem bem. Muitos desses adolescentes já tiveram relacionamentos afetivos com outras pessoas, preocupam-se em usar o preservativo caso tenham relação sexual, mas a maioria prefere manter em segredo sua condição de portador. Eles desejam, futuramente, ter uma família, preocupam-se em não contaminar seu parceiro sexual e com as consequências que a gravidez pode ter na vida deles. Essa preocupação se traduz em cuidado com-o-outro. Experienciar relacionamentos afetivos é uma possibilidade de ser-aí-no-mundo, que pode ser mais bem vivenciada com a ajuda dos profissionais de saúde na superação dos receios característicos que uma doença como a aids impõe. Palavras-chave: Adolescente; Sexualidade; HIV; Comportamento Sexual; Filosofia. ABSTRACT This study seeks to understand how adolescents with HIV experience his/her emotional relationships in daily life. Data was collected through phenomenological interview with nine adolescents coming from a referral unit service. The data analysis was based on Martin Heidegger’s phenomenology. The analysis allowed us to infer that the adolescents are aware of some the forms of HIV transmission, but do not completely understand them. Many have already had emotional relationships with other people, are conscious of the importance of using protection when having sexual intercourse, but the majority prefers to keep his/her condition a secret. They would like to have a family in the future, are concerned with not contaminating their sexual partner and are aware of the consequences a pregnancy may bring to their lives. This concern is reflected in the way they care about the other. Experiencing emotional relationships is a sign of being emotionally alive and the process could be more appreciated with the support of a healthcare professional that could help the adolescents to overcome the typical uncertainties of a person with HIV. Key words: Adolescent; Sexuality; HIV; Sexual Behavior; Philosophy. RESUMEN Este estudio tiene como objetivo comprender cómo el adolescente portador de VIH vive sus relaciones afectivas en el día a día. Los datos fueron recogidos por medio de la técnica de entrevista fenomenológica con nueve adolescentes de una unidad de referencia. El análisis se realizó en base a la fenomenología de Martin Heidegger. El análisis reveló que los adolescentes conocen algunas formas de la transmisión del VIH pero no las entienden bien. Muchos de ellos ya habían tenido relaciones afectivas con otras personas, se preocupaban por usar preservativos pero la mayoría prefería mantener en secreto su condición de portador del virus. Desean tener una familia, se preocupan por no contaminar a su compañero sexual y con las consecuencias que el embarazo puede traerles. Esta preocupación se traduce en cuidado con el otro. Tener relaciones afectivas significa estar vivo emocionalmente y este proceso podría ser más positivo con el respaldo de profesionales de la salud para ayudar a los adolescentes a superar los temores característicos de las personas con VIH. Palabras clave: Adolescente; Sexualidad; VIH; Conducta Sexual; Filosofía. 1 2 3 Professora assistente IV do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em Enfermagem. Pós-graduanda (Doutorado) do programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Professora associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEAN/UFRJ. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta IV do Departamento de Enfermagem Aplicada da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutora em Enfermagem. Endereço para correspondência – Avenida Getúlio Vargas nº 840/303, Centro, Juiz de Fora (MG), CEP: 36013-011. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 567-572 out./dez., 2011 567 Relacionamentos afetivos no cotidiano do adolescente portador do hIv: des-velando seus significados INTRODUÇÃO A adolescência é um período relativamente curto na vida do homem, sendo caracterizada como uma fase de transição da vida infantil para a adulta. Trata-se de um período cronológico que compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos.1 Esse período sofre variações de acordo com o contexto social em que o sujeito está inserido. Nesse sentido, podem ser encontrados jovens iniciando precocemente a vida sexual,2 o que os coloca vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), dentre as quais destacamos a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids). Apesar de o número de casos notificados de aids entre adolescentes não ser grande, o crescimento deles vem obedecendo às tendências de evolução da doença no país, tais como a interiorização, a feminização e a pauperização.3 A vulnerabilidade à aids vivenciada pelo adolescente pode ser vista como produto da interação entre suas características individuais e suas estruturas sociais de desigualdade, que envolvem o gênero, a classe social e o nível de escolaridade.4,5 Desde o início da epidemia até 2006, o município de Juiz de Fora aparecia como o segundo com maior número de casos notificados de aids no Estado de Minas Gerais.6 O Sistema de Informações de Agravos de Juiz de Fora, no período entre 1987 e 2006, registrou 24 casos em mulheres entre 15 e 19 anos e 39 casos em homens entre 10 e 19 anos. Desde 2009 a cidade lidera a taxa de incidência de casos de aids em Minas Gerais, segundo dados do Boletim Epidemiológico DST/aids.7 O município de Juiz de Fora conta com o Serviço de Atendimento Especializado (SAE), que presta assistência ambulatorial às pessoas portadoras do HIV e também a pacientes com aids. De 2007 até outubro de 2008, o SAE atendeu 83 adolescentes,7 os quais, de acordo com as informações fornecidas por profissionais que gerenciam o atendimento, foram considerados como portadores com base no teste feito com a mãe HIV positiva, ou o não seguimento pelas gestantes das Recomendações de Terapia Antirretroviral (TARV) e demais condutas relacionadas com a profilaxia da transmissão vertical do HIV.8 Como profissionais da saúde, muitas vezes desconhecemos como é a vida desses jovens; as experiências no manejo do quadro clínico; a dinâmica nas escolas com os demais estudantes; o que desejam dos profissionais, quer da área da educação, quando discutem as questões sobre sexualidade ou saúde, quer das escolas, quer dos profissionais de saúde que trabalham nos serviços assistenciais com as mesmas questões. Essas inquietações nos impulsionaram a conhecer que práticas de cuidado eles realizam para se protegerem ou ao (à) companheiro (a) da transmissão do HIV. Esses jovens têm dúvidas em relação ao início da atividade sexual e à própria atividade sexual? O que pensam sobre o risco de uma gravidez, da contaminação de outras pessoas ou da autocontaminação? A condição de ser portador do HIV é um segredo na vida deles? 568 Buscando compreender o significado de ser adolescente com HIV, é que se delimitou como objetivo deste estudo compreender como o adolescente portador do HIV vivencia no cotidiano seus relacionamentos afetivos. MÉTODO Trata-se de um estudo qualitativo em que se elegeu a fenomenologia como método de investigação. O método fenomenológico é uma possibilidade de se ir às coisas mesmas, ou seja, aos fenômenos, aquilo que se revela. Permite mergulhar no mundo da subjetividade, chegar ao EU interior e se enveredar por caminhos ora da razão, ora da emoção, visto que se vive continuamente oscilando entre esses dois momentos.9 O método fenomenológico permite ao pesquisador entrar em contato com o vivido, com as experiências e o falar humano, o que o coloca em uma posição de um "en-volver", um compartilhar, por meio do contato direto com o fenômeno estudado, buscando entendê-lo com base na experiência descrita pelo ser-no-mundo.10 OlocaldoestudofoioServiçodeAssistênciaEspecializada (SAE) do município de Juiz de Fora. Para a coleta dos dados, utilizou-se o método de autorrelato, com a técnica de entrevista fenomenológica, composta por perguntas que permitiram maior interação dos pesquisadores com os adolescentes portadores do HIV. Nesse tipo de entrevista, o pesquisador procura estar com o entrevistado sem intencionalidade preestabelecida; ele apenas estimula a conversação e, com base na fala do entrevistado, conduzi as perguntas.11 Antes, porém, de iniciar as entrevistas, realizou-se um teste piloto com a finalidade de adequar o roteiro de coleta de dados aos objetivos do estudo. Para isso, foram entrevistados nove adolescentes com HIV atendidos pelo SAE que não residem no município de Juiz de Fora. Para participar do estudo, os adolescentes obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: ter a idade entre 13 e 19 anos, apresentar condições cognitivas para participação em uma entrevista, ter conhecimento de seu diagnóstico como portador do HIV, residir em Juiz de Fora e estar em tratamento ambulatorial regular no SAE. Os contatos com os adolescentes foram feitos após a autorização formal da Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora e da chefia do Serviço de Assistência Especializada (SAE). A participação no estudo se deu de forma voluntária, após o consentimento formal do responsável legal e seu assentimento por escrito. Conforme as recomendações da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,12 o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora e aprovado sob o Parecer nº 024/2009. As entrevistas ocorreram nos meses de agosto e setembro de 2009, foram realizadas no SAE e gravadas em MP4. Algumas ocorreram na parte da tarde e outras pela manhã, dependendo do horário que estava agendado o atendimento médico do adolescente portador do remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 567-572 out./dez., 2011 HIV. À tarde, as entrevistas ocorreram no consultório da psicologia; no horário da manhã, utilizou-se a sala anexa à de repouso, no final do ambulatório do SAE. Essas duas salas foram as que estavam disponíveis no ambulatório e apresentavam conforto e privacidade tanto para o entrevistador quanto para os entrevistados. de HIV pelo medo de ser abandonado. Eu ia contar pra ela [sobre ser portador] só que eu desisti na hora. É, me deu nervoso aí eu desisti [...] Aí eu falei: ‘Ah, deixa pra lá depois a gente conversa’. Aí depois eu inventei outra historinha lá, falei que era outra roupa que eu precisava pra dançar. (E2M) Apenas uma entrevista teve de ser realizada na casa do adolescente portador do HIV, uma vez que, após várias tentativas de agendamento de consultas, ele não compareceu a nenhuma. Quando seu responsável dirigiu-se ao serviço e a pesquisadora estava presente, a entrevista foi agendada para o domicílio do adolescente. Eu penso em contar porque parece que fica alguma coisa entalada, eu fico passando mal do estômago... Isso foi mais no início, quando eu fiquei sabendo... Eu sinto medo deles pararem de conversar comigo. (E3F) A análise dos depoimentos dos adolescentes foi realizada com base na fenomenologia de Martin Heidegger e visou à compreensão do sentido que funda a analítica existencial do ser-no-mundo13. A primeira etapa foi identificar a compreensão imediata sobre o que se questionou. Trata-se de uma compreensão vaga que vela o sentido do ser do indivíduo. A compreensão vaga e mediana consiste naquilo que o ente pensa e fala do ser.9 Foram construídas as unidades de significação, que trazem significados comuns e diferentes atribuídos aos questionamentos que foram direcionados ao ser adolescente portador de HIV. Ah, eu não contei pra ninguém não [...]. Só usamos camisinha. (E6M) A seguir, partindo das unidades de significação, buscouse, por meio da hermenêutica heideggeriana, o sentido da experiência que foi vivenciada pelo sujeito, pois só depois de compreender o que está velado é que o pesquisador poderá partir para o exercício da interpretação. RESULTADOS Com a compreensão vaga e mediana, iniciou-se o clareamento do ser-aí-adolescente portador do HIV e a vivência de sua sexualidade, anunciando as possibilidades dos modos próprios de ser no cotidiano e que aparecem organizadas em quatro unidades de significação: Os adolescentes portadores do HIV conhecem algumas formas de transmissão do HIV, mas ainda não as compreendem bem: Eu sei que ele transmite através de relações sexuais, se eu cortar o dedo e uma pessoa cortar também, aí, se eu encostar, transmite. É, não lembro mais de nenhuma não. Eu adquiri na barriga da minha mãe mesmo. Ah, essa é a outra forma que transmite. Ah, eu não sei como que meu pai não pegou. Meu pai não tem, meu irmão não é, meu outro irmão não é, minha outra irmã não é. Só eu mesmo, só eu! (E2M) Ele transmite através de sexo e no negócio de sangue, se um encostar no machucado do outro. Acho que só isso aí. (E6M) Que é uma doença [...], pega quando tem relação sexual sem camisinha. (E8F) Quando o adolescente se envolve em relacionamentos afetivos, mantém em segredo sua condição de portador Ah, eu tenho medo da discriminação; já vi várias pessoas falando que as pessoas, quando sabem, não querem ficar mais perto. Isso me dá angústia, tristeza. (E4M) Em seus relacionamentos afetivos, os adolescentes portadores do HIV vivenciam intimidades, como troca de carícias, beijo na boca, abraço, e alguns, o ato sexual: Já passei a mão, já vi a parte íntima, já pus a boca, mas foi só com uma namorada. Mas não teve sexo, não. A gente ficou só uma vez, a menina tinha a minha idade. (E1M) Antes dessa namorada, eu já namorei umas duas meninas, uma que mora do lado da minha casa e a outra que mora um pouco mais na frente [...]. Só rolou beijo e sem sacanagem, só isso! (E2M) Ah, eu já fiquei com uma menina dois meses, rolou só beijo, abraço, sarrinho, mas não tive relação [...]. Eu transei com uma menina aí, não era namorada, não. (E6M) As adolescentes portadoras do HIV preocupam-se com a gestação e suas consequências: contaminar o bebê e o parceiro. Por isso reconhecem que é necessário usar o preservativo quando o contato sexual acontece: Penso, eu acho que, se eu tiver filho, eu vou contaminar ele também [...]. Eu li numa revista que a mulher tem que ter parto cesariana, para a criança não vir com o vírus, é isso o que eu estudei, mas tem mais de um ano que eu estudei isso [...]. Usando camisinha em todas as relações. (E3F) Ah, [...] usando camisinha pra me proteger, não ficar grávida cedo [...]. Eu tenho medo de engravidar cedo. Depois, eu não vou ter mais liberdade, vou ter que ficar cuidando da criança, ter mais responsabilidade, é isso! [...] Ah, eu posso sair pra onde eu quiser, minha avó deixa eu sair, e aí, se eu engravidar, eu não vou poder sair mais, claro que vou poder, mas tenho que carregar a criança, e tem certos lugares que não vai dar [...]. Os dois se cuidando, usando camisinha em toda a relação. (E4M) Eu tô com medo de ter relação sexual, por causa do HIV de passar pra outra pessoa [...], da camisinha estourar, e eu não saber colocar direito, aí ela pode estourar [...]. Muita responsabilidade, porque tem que cuidar do filho, igual os pais. Cuidar, dar de mamar, essas coisas assim. É complicado, porque a pessoa vai pegar o HIV remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 567-572 out./dez., 2011 569 Relacionamentos afetivos no cotidiano do adolescente portador do hIv: des-velando seus significados e o neném também vai [...]. Com muitos cuidados, na hora que for fazer relação sexual, colocar camisinha, toda vez vai ter que usar. (E5M) Colocar camisinha [...]. Ah, eu fico preocupado com a pessoa [...], de eu passar pra ela [...]. Eu não penso em ter filho [...]. Eu penso se vai ter alguma coisa, se passar pela gravidez, se meu filho vai ter também, penso nisso. (E6M) DISCUSSÃO Após finalizar a compreensão vaga e mediana, com base nos discursos dos adolescentes, o modo de abertura deles para o mundo compartilhado, buscouse o sentido que funda o movimento existencial do ser adolescente portador do HIV. Passou-se, então, para a etapa seguinte do processo de análise interpretativa, ou seja, a compreensão do sentido desse cotidiano velado pelos significados expressos em seus discursos, fundamentada no referencial teórico-filosófico de Martin Heidegger. Ao captar a singularidade do ser adolescente portador do HIV, percebe-se que os adolescentes têm conhecimento sobre a doença, pois são informados no SAE sobre o que acontece com quem traz o vírus no organismo. Sabem que a aids é uma doença séria, que não tem cura e que eles podem transmiti-la. Note-se que eles conhecem algumas formas de transmissão, provavelmente informadas no serviço de saúde. No entanto, em seus discursos demonstraram dúvidas e insegurança quanto ao uso correto do preservativo e pontos de equívocos, como pensar que, ao deixar que seu sangue toque em pessoas que possuem um machucado, estas possam ser contaminadas pelo vírus. Em relação às práticas preventivas, os resultados mostram uma contradição sobre o uso do preservativo entre os adolescentes portadores do HIV entrevistados. Por um lado, sabem da importância de sua utilização em todas as relações sexuais; por outro, sabem que ainda precisam de informações mais claras sobre como utilizálo, para não se colocarem vulneráveis à reinfeçção e não contaminarem os futuros parceiros. O ser adolescente portador do HIV é um ser-aí lançado nessa situação de risco, como qualquer outro que realiza relação sexual sem proteção ou que tem dúvidas e por isso não sabe como usar corretamente o preservativo.14,15 Entre os adolescentes, esta dúvida essa presente, apesar de terem sido orientados pelos profissionais do SAE. Eles repetem a fala técnica dos ambientes de tratamento com suas palavras, o que caracteriza, no modo ôntico de ser, o falatório. Os adolescentes não se apropriaram dos conceitos, perderam-se da linguagem reveladora, o que originou uma compreensão inadequada das coisas.9 Os adolescentes demonstraram querer tomar conhecimento sobre a doença e seu tratamento, e isso, no fenômeno do falatório, é denominado de curiosidade.9 Ela leva o ente à dispersão, a novas possibilidades, e, com isso, os adolescentes acabam não se apropriando originariamente das informações que lhes são passadas; 570 eles apenas as repetem sem questioná-las, sendo, assim, levados por um modo impessoal, impróprio e inautêntico de ser que os dispersa, torna-os confusos quanto ao caminho ou à decisão que deverão tomar. Essa dispersão, fruto da curiosidade, ocorre em razão das novas possibilidades sobre o que se compreende, e isso os leva ao entendimento de que tudo o que lhes foi passado por meio do falatório, investigado pela curiosidade, foi totalmente compreendido. Dessa forma, faz-se presente outro fenômeno da abertura da presença cotidiana denominada ambiguidade.9 O fato de não conhecerem ao certo o mecanismo de ação da doença faz com que esses adolescentes continuem como grupo vulnerável para a transmissão do vírus. O envolvimento em relacionamentos afetivos não se dá sem preocupação, que se traduz em cuidado com-o-outro. Em seus discursos, os jovens têm dúvidas relacionadas ao risco de vir a contaminar o(a) companheiro(a), as consequências que a gravidez pode ter na vida deles e todas as responsabilidades que dela advêm, como ter de prover o sustento familiar, saber cuidar do bebê, perder a liberdade conquistada na adolescência por causa da presença de um filho. O cuidado é um modo de ser do dasein (o aqui, agora, isto é, o lugar em que o ser se manifesta no modo da compreensão), é a forma como o ente se estrutura e se realiza como ser-no-mundo e com-os-outros. No que diz respeito aos seus semelhantes, o dasein, de forma positiva, preocupa-se cotidianamente com suas relações.9 Essa preocupação é intencional e busca não causar dano à saúde de outrem, e, sim, promover a vida do outro. Como ser-aí, vivendo suas possibilidades, vê-se que o adolescente, por não compreender muito bem o peso de ser portador de um vírus que pode ser transmitido a outrem por meio do contato sexual sem proteção, teme ser responsável pelo adoecimento de outra pessoa. Esse temor traz para o presente a responsabilidade de não querer que o outro experiencie a mesma rotina de cuidados que ele já vivencia. Os jovens também fizeram referência ao fato de a vida tornar-se mais difícil para os futuros parceiros, que terão de se adaptar às condições de viver com alguém que é portador de uma doença sexualmente transmissível. Isso demonstra que estão dando ouvidos ao fenômeno que Heidegger chama de “voz da consciência” que motiva o dasein para sua deficiência constitutiva, considerada por meio da noção de culpa. Em contraste com o barulhento falatório, a consciência chama de forma silenciosa o dasein a si.16 Ao ser tomado pela voz da consciência, os adolescentes compreendem em que consiste a condição de sua própria autenticidade, assumindo-se naquilo que propriamente é: um portador do HIV. Ao olhar para dentro de si, eles percebem as possibilidades futuras e projetam-se para elas. O dasein é lançado em um poder ser denominado “projeto”,10 que é o modo em que a compreensão atua. Ele se compreende como um pro-jeto lançado além de remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 567-572 out./dez., 2011 si mesmo, estando destinado às possibilidades com os outros entes no mundo. Desde os primeiros anos da epidemia de aids que seus portadores são vítimas de estigma e preconceito, processos de desvalorização humana que vêm produzindo e reforçando diferenças sociais.17 A condição de diferença em que vive o adolescente portador do HIV (estar com o vírus, ter de tomar medicamentos, ter de ir ao acompanhamento no serviço especializado, ter de fazer exames laboratoriais para dosagem de carga viral) traz-lhe o temor de sofrer preconceito. Na existência cotidiana, ao se relacionarem afetivamente ou sexualmente com-os-outros, vivenciam o temor de ser rejeitados por serem portadores do vírus HIV, o que lhes retira a naturalidade da convivência cotidiana. O temor é um modo da disposição, ou seja, um estado de humor no qual o dasein pode ser encontrado. Como dasein, o adolescente portador do vírus descobre-se lançado no mundo cotidiano sob condições e circunstâncias que vão além do seu controle e das quais não pode fugir – é o que se denomina“facticidade”.9 O que se teme (temível) tem caráter ameaçador, e para esses jovens a ameaça é a de ficar sós, distantes daqueles com quem podem compartilhar carinho, afetos e prazeres. CONSIDERAÇÕES FINAIS À luz do referencial teórico fenomenológico de Martin Heidegger, compreendemos que no percurso da historicidade desses adolescentes há uma apropriação fragmentada sobre o desenvolvimento da doença e as práticas preventivas da disseminação do vírus. A informação recebida nos serviços de saúde, na mídia e na escola não encontrou ancoragem no plano cognitivo deles. Assim, eles têm um comportamento oscilante entre seguir as orientações dos profissionais de saúde todo o tempo e fazer o que consideram adequado, principalmente quando se referem aos programas com os amigos que possam interferir na ingestão da medicação, na participação em atividades recreativas, dentre outras. A prática assistencial, mormente prescritiva e informativa, pouco valoriza o sujeito, não o deixando livre para expressaro seu ser mais próprio, suas dúvidas eincertezas, ainda mais quando as consultas acontecem em tempo reduzido e as esperas por elas, paradoxalmente, ocorrem em tempo prolongado. Em relação às práticas preventivas, no estudo mostrou-se que há contradição sobre o uso do preservativo entre os adolescentes portadores do HIV entrevistados. Por um lado, sabem da importância de sua utilização em todas as relações sexuais; por outro, sabem que ainda precisam de informações mais claras sobre como utilizálo, para não se colocarem vulneráveis à reinfeçção e não contaminarem os futuros parceiros. Ao se projetarem para o futuro, os adolescentes portadores do HIV realizam um movimento reflexivo e passam a ter a consciência de que a relação sexual não é impossível de acontecer, pois experienciar relacionamentos afetivos também é uma de suas possibilidades de ser-aí-no-mundo. Esse porvir faz parte do existir-com-o vírus e não lhes tira a possibilidade de experimentar sua sexualidade e afetividade. Possibilidades para a assistência e para a promoção da saúde desses jovens foram desveladas no estudo. O profissional de saúde deve considerar o adolescente portador do HIV como um ser com as mesmas características de outros jovens de sua idade e que, como os demais, possui necessidades especiais de saúde. Em relação à enfermagem, suas práticas devem aliar o conhecimento técnico-científico à concepção filosófica do cuidar, valorizando e considerando o outro em sua totalidade, como adolescente que está em desenvolvimento de sua potencialidade como ser-aí humano. Mesmo diante da possibilidade de um tratamento multiprofissional, os enfermeiros podem fazer a diferença no cuidado a esse grupo, ao assumirem o diálogo com seus clientes como parte importante deste e, a cada encontro, restaurar o que se mostrar fragilizado, podendo, dessa forma, distanciar-se do cuidado impróprio e tecnicista que ainda domina a prática em saúde. O portador do HIV tem garantido pela Constituição Federal do Brasil, dentre outras ações, o direito às informações sobre sua condição de portador a não sofrer qualquer tipo de discriminação, de não ter restringido seu direito à liberdade e à participação em qualquer tipo de atividade social. Neste estudo, foi possível desvelar que os adolescentes ainda sentem medo de uma rejeição social dada a condição de ser portador do HIV. Os profissionais de saúde podem contribuir para modificar essa situação ampliando a efetividade de suas ações nos espaços públicos e privados, mobilizando estudantes, docentes e a sociedade em geral a participar de debates éticos e políticos sobre viver em situações de vulnerabilidade, pois o que está em jogo é o ser-dooutro com o qual encontram para o cuidar, pois cuidar também é “com-viver”. As escolas podem aprimorar suas ações políticopedagógicas aos jovens portadores do HIV em um trabalho conjunto com a Coordenação do Programa Municipal de DST/aids, utilizando abordagens de prevenção que ultrapassem as palestras meramente informativas ou a distribuição dos preservativos que ocorrem de forma pontual, bem como capacitar seus docentes para abordar o tema aids de forma segura, uma vez que esta é uma questão que faz parte do dia a dia dos jovens. Tais estratégias ajudam a superar diferenças culturais e sociais e o preconceito velado que ainda persiste no grupo de estudantes. Ações voltadas para todos os estudantes favorecem que estes possam ser multiplicadores da boa informação para seus pais e pares, pois no jogo do cotidiano a aids não tem rótulo. Em relação à assistência oferecida no SAE, pode-se sugerir a abertura de um espaço para que os jovens remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 567-572 out./dez., 2011 571 Relacionamentos afetivos no cotidiano do adolescente portador do hIv: des-velando seus significados em tratamento possam discutir de maneira mais sistematizada as questões que lhes permeiam o cotidiano, os temores, as conquistas e, também, os aspectos práticos relacionados com a prevenção da(s) DST/aids. Este estudo permitiu-nos compreender que os adolescentes portadores do HIV, em seu movimento existencial e ontológico, podem compartilhar o cuidado por meio da consideração e na paciência. Além disso, os resultados aqui apresentados, em conjunto com as evidências dos dados epidemiológicos dos últimos boletins do Programa Nacional de DST/aids, apontam para a necessidade de formulação de estratégias de enfrentamento ao(à) HIV/aids para o segmento dos adolescentes portadores do HIV, envolvendo os diversos atores sociais, as instituições governamentais nas três esferas de gestão em saúde, bem como as instituições não governamentais. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente (PROSAD): bases programáticas. 2ª ed. Brasília (DF): MS; 1996a. 2. Costa JF, Pacheco ZML, Silva GA. Compreendendo a sexualidade dos adolescentes. REME Rev Min Enferm. 2007; 11(2). [Citado 2004 abr. 10]. Disponível em: http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/files/files_4c0e3c640d7c9.pdf. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional DST/AIDS. 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Programa Nacional de DST/AIDS. Brasília (DF); 2009. [Citado 2003 jul. 15]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/documents/storedDocuments/%7BB8EF5DAF-23AE-4891-AD36-1903553A3174%7D/%7B12B1EBBC1113-40B5-A4D5-0D614224269E%7D/Boletim2010.pdf. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação Nacional DST/AIDS. Recomendações para profilaxia da transmissão materno-infantil do HIV e terapia antirretroviral. Brasília (DF): MS; 2004. 9. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; 1989. 10. Carvalho AS. Metodologia da entrevista: uma abordagem fenomenológica. Rio de Janeiro: Agir; 1987. 11. Trentini M, Paim L. Pesquisa em enfermagem: uma modalidade convergente-assistencial. Florianópolis: UFSC; 1999. 162 p. 12. Brasil. Ministério da Saúde. Resolução 196/96,dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos.Conselho Nacional de Saúde. Brasília (DF): MS; 1996b. 13. Heidegger M. Sobre o humanismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1995. 14. 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Enferm.;15(4): 567-572 out./dez., 2011 OFICINA SOBRE SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA DA EQUIPE SAÚDE DA FAMÍLIA COM ADOLESCENTES DO ENSINO MÉDIO WORKSHOP ON SEXUALITY IN THE ADOLESCENCE: AN EXPERIENCE OF THE TEAM HEALTH OF THE FAMILY WITH ADOLESCENTS OF AVERAGE EDUCATION TALLER SOBRE SEXUALIDAD EN LA ADOLESCENCIA: UNA EXPERIENCIA DE LA SALUD DEL EQUIPO DE LA FAMILIA CON LOS ADOLESCENTES DE LA EDUCACIÓN MEDIA Christine Baccarat de Godoy Martins1 Lilian Ortega Ferreira2 Paula Renata Miranda dos Santos2 Mara Wanderbil Lopes Sobrinho3 Maria Clara Vieira Weiss4 Solange Pires Salomé Souza5 RESUMO Atualmente, os altos índices de gravidez e DST/aids na adolescência têm implicado o desenvolvimento de políticas de saúde direcionadas para esse grupo etário. Nessa perspectiva, o Programa Saúde da Família (PSF) tem sido apontado como essencial para a formação de vínculo com essa clientela, utilizando a escola como espaço de reflexão e mudança de comportamento. O objetivo com este trabalho foi descrever uma experiência de orientação sexual para adolescentes, desenvolvida em uma escola pública de Cuiabá-MT, na área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde da Família (USBF), incluída no Programa de Educação peloTrabalho para a Saúde (PET-Saúde). A experiência constituiu-se de oficinas com alunos do 1° ano do ensino médio, divididos em grupos pequenos, utilizando-se dinâmicas participativas, abordando os seguintes temas: conhecimento do corpo, transmissão e prevenção de DST/aids/gravidez, uso de drogas, mitos e tabus relativos à sexualidade e projeto de vida. O trabalho na escola mostrou-se como uma oportunidade importante de reflexão e discussão, ampliando o campo de conhecimento dos adolescentes sobre a sexualidade. Observou-se a necessidade da interface entre a Equipe de Saúde da Família e os professores da escola, otimizando-lhes o espaço para a prevenção e a promoção da saúde sexual e reprodutiva do adolescente. Sugere-se a introdução do tema nos cursos técnicos de graduação e pós-graduação, visando à formação de profissionais para essa nova demanda. Palavras-chave: Adolescente; Doenças Sexualmente Transmissíveis; Educação em Saúde; Programa Saúde da Família; Sexualidade. ABSTRACT The high rates of teenage pregnancy and STD/AIDS infection in adolescence is responsible for the development of healthcare policies directed to this age group. In this context, the Family Health Program (in Portuguese, PSF) is considered a vital element in establishing bonds with this specific clientele. The program uses the school as a space for reflection and behavior change. This study aims to describe an experience of sex education for teenagers. It was carried out in a public school in Cuiabá-MT, Brazil in an area under the responsibility of a Family Health Primary Unit and included in the Education thru Work Program (in Portuguese, PET-Saúde). The experience consisted in workshops with 1st grade pupils that were divided in small groups. Using group dynamics strategies the following subjects were approached: familiarity with one’s own body, transmission and prevention of STD/AIDS, pregnancy prevention, drug use, sexuality myths and taboos, and life project. The workshops proved to be a valuable opportunity to reflect about sexuality and to broaden the pupil’s awareness about that topic. We detected the necessity of an interface between the Family Health team and the school’s teachers so as to optimize the school as the space for the STD/AIDS prevention and the adolescent’s sexual and reproductive health promotion. In conclusion this subject should be introduced in vocational and post-graduation courses so as to form new healthcare professionals in this area of expertise. Key-words: Adolescent; Sexually Transmissible Diseases; Health Education; Family Health Program; Sexuality. RESUMEN Actualmente, los altos índices de embarazo y de ETS/SIDA en la adolescencia son responsables del desarrollo de políticas de salud dirigidas a este grupo de edad. Dentro de tal perspectiva, el programa Salud de la Familia (PSF) ha sido considerado esencial para formar el vínculo con esta clientela usando al colegio como espacio de reflexión y cambio de comportamiento. El presente trabajo ha buscado describir la experiencia de orientación sexual para adolescentes 1 2 3 4 5 Docente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMT), Departamento de Enfermagem, Área Saúde da Criança e do Adolescente. Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Acadêmicas do oitavo semestre de Enfermagem da UFMT e bolsistas PIBIC do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET – Saúde). Enfermeira especialista em Saúde da Família e em Administração em Serviços de Saúde. Docente da UFMT, Departamento de Saúde Coletiva. Mestre em Sociologia. Doutora em Saúde Pública e Pós-Doutorado em Administração pela UFMT Docente da UFMT, Departamento de Enfermagem, Área Saúde da Criança e do Adolescente. Doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP. Endereço para correspondência – Rua Fortaleza, 70, Jardim Paulista, Cuiabá-MT. CEP: 78.065-350. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 573-578 out./dez., 2011 573 Oficina sobre sexualidade na adolescência: uma experiência da equipe Saúde da Família com adolescentes do Ensino médio llevada a cabo en un colegio público de Cuiabá – MT - Brasil, dentro del área de alcance de una Unidad Básica de Salud de la Familia, incluida en el Programa de Educación por el Trabajo para la Salud (PET-Salud). La experiencia consistió en talleres con alumnos del 1° año del secundario, divididos en pequeños grupos, usando dinámicas participas, con enfoque en temas tales como conocimiento del cuerpo, transmisión y prevención de ETS/Sida/embarazo, uso de drogas, mitos y tabúes de la sexualidad y proyecto de vida. El trabajo en la escuela demostró ser una excelente oportunidad para reflexionar y discutir tales asuntos y para ampliar el campo de conocimiento de los adolescentes en cuanto a la sexualidad. Se observó la necesidad de interfaz entre el equipo de salud de la familia y los profesores para que el colegio sirva de lugar para enseñar a prevenir las ETS y Sida y para promover la salud sexual y reproductiva de los adolescentes. Sugerimos que este tema comience a tratarse en los cursos de grado y de posgrado con miras a formar profesionales que atiendan esta nueva demanda. Palabras clave: Adolescente; Enfermedades de Transmisión Sexual; Educación en Salud; Programa Salud de la Familia; Sexualidad. INTRODUÇÃO A adolescência, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), compreende a faixa etária entre 10 e 19 anos e 11 meses, sendo que para a legislação brasileira são consideradas a idade entre 12 e 18 anos.1 É um período de grandes transformações não apenas no aspecto biológico, mas também no psicológico e em todo seu contexto social e cultural.2 Nessa fase, há maior interesse em conhecer o próprio corpo, agora em processo de mudança, há um “despertar” para a sexualidade, além de conflitos e curiosidade diante do novo, que os leva à maior exposição a riscos nesse período de intensa vulnerabilidade.3 Nas últimas décadas, vêm ocorrendo a antecipação da idade de início da atividade sexual, o aumento do número de parceiros sexuais e a associação entre o início da vida sexual e o menor nível de escolarização dos adolescentes.4 Esses fatores, somados à falta de informações consistentes sobre sexualidade e de acesso a serviços de planejamento familiar, têm levado ao aumento no número de internações por gravidez, parto e puerpério, além da ocorrência de DSTs ou gestação não planejada na adolescência.2,5,6 Para alguns autores, a ocorrência de uma DST ou uma gestação não planejada pode trazer consequências para o desenvolvimento social da mãe e/ou do pai adolescente, destacando-se o abandono à escola formal, a dificuldade para inserção precoce no mercado de trabalho e a interrupção no processo normal de desenvolvimento psicoafetivo e social, a fim de assumir o papel de mãe ou pai que, consequentemente, interferirão em sua saúde integral.7 A discussão sobre sexualidade nas escolas foi introduzida pelo Ministério da Saúde em 1998, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que preconizam o tema sexualidade nas turmas do ensino médio8, porém há grande dificuldade por parte das escolas em abordar a questão, muitas vezes por falta de preparo dos professores, que já acumulam uma série atividades no seu cotidiano.2 Visando preencher essa lacuna, o Programa Saúde da Família (PSF) tem sido apontado como essencial 574 para atender a essa atual e crescente demanda, por ser a estratégia que mais se aproxima das condições socioculturais do adolescente, cumprindo, assim, os princípios do SUS. Entre os profissionais que compõem a ESF, o enfermeiro e o agente comunitário de saúde desempenham papel estratégico para a reorientação do modelo assistencial por meio de parcerias com outras redes sociais para a criação de laços de compromisso e de corresponsabilidade entre profissionais de saúde, escola e adolescentes.9 A escola tem sido considerada por muitos autores como espaço ideal de reflexão e mudança de comportamento, por meio de práticas educativas que abordam questões do cotidiano dos adolescentes. Segundo Hoffmann e Zampieri,2 as práticas de saúde nas escolas“parecem ser um dos caminhos para o atendimento das necessidades desse grupo, principalmente para abordagem de assuntos relacionados à saúde sexual e reprodutiva”. Além disso, compartilhar informações em um espaço de debate e liberdade de expressão contribui para a adoção de uma postura mais crítica em relação aos temas abordados, o desenvolvimento de uma sexualidade mais saudável e responsável e a redução do número de jovens em situação de vulnerabilidade, por aumentar seu conhecimento e o despertar para novas perspectivas de vida.10 Partindo dessa necessidade, o objetivo com este trabalho foi descrever uma experiência de orientação sexual para adolescentes, desenvolvida em uma escola pública de Cuiabá-MT, situada na área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF), incluída no Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Buscou-se verificar as lacunas do conhecimento dos adolescentes sobre sexualidade, DST/ aids e drogadição, trazendo elementos novos a serem somados, sanando-lhes as dúvidas mais frequentes, promovendo o empoderamento, que permite mudança de atitude e maior responsabilidade em relação a si próprio, ao outro e à sociedade. Trata-se de um relato de experiência de duas bolsistas do Programa PET-Saúde, bem como da preceptora da UBSFamília e da tutora do Programa, vinculadas a um Projeto de Extensão da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Considerando as recomendações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em que o remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 573-578 out./dez., 2011 “adolescente tem direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”11, as autoras deste manuscrito se propuseram a desenvolver e coordenar oficinas com adolescentes, em uma escola pública de Cuiabá, abordando o tema sexualidade. Os adolescentes foram separados em grupos mistos e pequenos de, em média, cinco alunos em cada grupo, coordenados por acadêmicas de enfermagem e pela enfermeira da UBSF. Houve a participação de agentes comunitárias de saúde (ACSs) como observadoras na possibilidade de se tornarem multiplicadoras. Os grupos eram independentes entre si para ditar o ritmo de cada atividade. PERCURSO METODOLÓGICO Anteriormente às oficinas, cada coordenador recebeu um kit com material para as dinâmicas (roteiro com descrição das dinâmicas a serem aplicadas, álbum ilustrativo sobre o parelho reprodutor masculino e feminino, preservativo, jogos para trabalhar as questões de tabus e transmissão de DST/aids, materiais diversos). Os coordenadores foram treinados pela docente da UFMT, que coordena um projeto de extensão de educação sexual para adolescentes. O material utilizado nas oficinas foi cedido pelo referido projeto. O trabalho de orientação sexual para os adolescentes desenvolveu-se por meio de oficinas participativas. Segundo Afonso,12 a modalidade de oficina é definida por apresentar uma proposta de aprendizagem compartilhada, por meio de atividade grupal, cujo objetivo é construir coletivamente o conhecimento. A pessoa que desenvolve o trabalho com o grupo é denominada de coordenador, moderador ou facilitador. Ele deve conduzir o grupo de forma participativa e problematizadora, mediante uma postura ética, além de possibilitar a participação de todos de maneira organizada. As oficinas têm abordagem qualitativa, pois permite que o pesquisador explore os dados relativos à vivência dos indivíduos diante de situações emergentes. Tal abordagem caracteriza-se como dinâmica e holística, pois a preocupação é com o indivíduo em seu ambiente. Essas características de metodologia possibilitam compreender as experiências reveladas pelos indivíduos tão próximos à sua realidade quanto possível.7 Para a realização das oficinas, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG – CEP 613/2009). Assim, foram realizadas oficinas com cinco turmas do 1° ano do ensino médio, do período matutino, em uma escola pública de Cuiabá-MT, totalizando 76 alunos, entre 14 e 17 anos. A escola está localizada na região Sul de Cuiabá-MT, na área de cobertura de uma UBSF que participa do PETSaúde em parceria com a UFMG. Nas oficinas foram utilizadas dinâmicas de caráter participativo, realizadas nos horários das aulas e na sala dos alunos, com o seguinte conteúdo programático: 1. Sexualidade – o corpo que sente prazer (namoro, virgindade, prazer, masturbação, orgas-mo, homossexualidade/bissexualidade/heterosexualidade); 2. O corpo que se reproduz (gestação, parto, aborto, métodos contraceptivos); 3. O corpo que adoece – DST/aids (formas de transmissão e prevenção); 4. Sexo mais seguro – uso do preservativo masculino e feminino; 5. Tabus e mitos em relação à sexualidade; 6. Vulnerabilidade – drogas e violência; 7. Projeto de vida – expectativas para o futuro e condições facilitadoras/dificultadoras. Ao iniciar a oficina, cada coordenador fez um“contrato”com os alunos, onde foi acordado o sigilo das informações ali debatidas e o respeito quanto às colocações dos demais. Com o intuito de trabalhar o conhecimento do próprio corpo, a primeira dinâmica consistiu em separar o pequeno grupo em meninos e meninas. Aos meninos solicitou-se que desenhassem em papel pardo o corpo feminino e às meninas, o corpo masculino. Para que os adolescentes pudessem partir da própria imagem, o coordenador solicitou que um deles deitasse no papel pardo e os demais lhe fizessem o contorno. Partindo desse contorno, os adolescentes desenharam os órgãos reprodutores internos e externos. Com base nos desenhos, foram discutidas as transformações na adolescência (crescimento e desenvolvimento, distribuição de pelos/musculatura/tecido gorduroso, diferenças entre meninos e meninas, namoro, interesse pelo outro) e as questões fisiológicas e anatômicas relacionadas ao corpo masculino (pênis, glande, prepúcio/fimose, uretra, bolsa escrotal, testículos quanto à função/tamanho/forma, espermatozoides, vesícula seminal/sêmen, próstata, vasectomia, ereção, ejaculação/orgasmo, semenarca, polução noturna, ânus) e ao corpo feminino (mamas quanto à função/tamanho/ formato/diferenças, púbis, pequenos e grandes lábios, clitóris, orgasmo, meato uretral, intróito vaginal, diferentes tipos de hímen, canal vaginal, útero e trompas, ovários/óvulo, menarca/menstruação, fecundação, gravidez, gravidezes gemelar uni e bivitelina, parto normal e cesariano, aborto natural/provocado e a legislação brasileira, ânus). Foi utilizado como material de apoio o álbum ilustrativo elaborado previamente pelo projeto de extensão da UFMT. A segunda dinâmica consistiu em listar sobre o desenho quais as doenças que os adolescentes consideravam sexualmente transmissíveis (DSTs). O objetivo com essa dinâmica foi esclarecer quais doenças são realmente sexualmente transmissíveis e discutir sinais e sintomas comuns, com ênfase na forma de prevenção. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 573-578 out./dez., 2011 575 Oficina sobre sexualidade na adolescência: uma experiência da equipe Saúde da Família com adolescentes do Ensino médio Na terceira dinâmica, denominada “Verdadeiro ou falso”, os coordenadores dividiram o papel pardo com um traço, escrevendo de um lado verdadeiro e no outro falso. Em seguida, eram passadas para os adolescentes algumas afirmações (tarjas elaboradas previamente), que eles deveriam ler, um de cada vez, em voz alta para o grupo e colocar no campo do verdadeiro ou do falso, do modo que achassem correto. Essas frases traziam afirmativas relacionadas a alguns tabus e mitos, como:“Não pega aids de pessoas conhecidas”, “A primeira relação sexual não engravida”,“A bebida alcoólica e outras drogas aumentam o desejo sexual”,“Tem idade certa para começar a transar”, dentre outras. Dessa forma, foi possível desmistificar alguns tabus sobre virgindade, conhecimento do próprio corpo, sexualidade e gênero. Na quarta dinâmica, denominada “Semáforo”, foram utilizados três pequenos círculos coloridos (verde, amarelo e vermelho) que imitavam os significados do semáforo convencional. Esses círculos foram dispostos para que os adolescentes lessem algumas sentenças (tarjas elaboradas previamente) e as classificassem em: afirmativa livre de riscos à transmissão de DSTs/ Aids (círculo verde), atentar-se quanto ao risco (círculo amarelo) e risco total para a transmissão (círculo vermelho). Nessa etapa, havia frases como: “Sexo oral sem camisinha”,“Sexo anal com camisinha”,“Compartilhar seringas ao usar drogas”, “Beijar na boca”, “Sentar-se no vaso sanitário”, “Compartilhar toalhas”, dentre outras. A quinta dinâmica foi uma “gincana”, em que os adolescentes teriam de colocar e tirar um preservativo. Eles foram divididos em dois grupos. Um membro do grupo teria de esticar dois dedos (simulando um pênis), outro colocaria e tiraria o preservativo e os demais seriam os avaliadores que teriam de julgar se os seus companheiros colocaram o preservativo de maneira correta ou não. Ao final, quem cometesse menos erros era premiado com um preservativo. Essa dinâmica possibilitou discutir o uso correto do preservativo, desde a verificação da embalagem e data de validade até sua colocação e retirada de forma correta. O objetivo com a sexta dinâmica foi levantar os projetos de vida dos adolescentes (metas profissionais e/ou pessoais). Depois que cada um escreveu seus sonhos no papel pardo, eles eram estimulados a pensar sobre o caminho que deveriam percorrer dos dias de hoje até a chegada dos seus objetivos, pontuando o que poderia facilitar ou dificultar seus projetos. Nesse sentido, foi possível trabalhar as questões de autoestima, importância e necessidade dos estudos, família, relações saudáveis, prevenção de gravidez/dst/aids, o envolvimento com drogas e violência, dentre outras questões relativas aos projetos de vida de cada um. Nas duas últimas dinâmicas, os grupos menores uniramse, formando um grande grupo. Na penúltima dinâmica, foram distribuídos cartões em branco para cada adolescente, supondo que haviam viajado em grupo e que, ao final do passeio, eles deveriam recolher a assinatura de três colegas com os quais eles mais se identificaram. Entre os cartões distribuídos para 576 as assinaturas havia dois com marcações: um era um“X” e o outro, um“círculo”. Após cada um pegar a assinatura dos colegas, era-lhes revelado que, na verdade, as assinaturas recolhidas referiam-se a pessoas com as quais supostamente eles haviam mantido relação sexual sem camisinha e que quem tinha o“X”marcado no canto do papel era aquele que estaria infectado com o vírus HIV. Todos os que haviam assinado o cartão eram chamados ao centro da roda, pois haviam se contaminado, e assim sucessivamente. Ao final da brincadeira, todos estavam no centro da roda. Então, era revelado que apenas quem tinha um “círculo” no canto do papel não estaria infectado pelo vírus, pois havia sido o único a usar o preservativo. O objetivo com dinâmica foi alertar para a fácil e rápida propagação das DSTs/Aids e a importância da prevenção. Na oitava e última dinâmica, ainda dispostos no grande grupo, balas de goma foram-lhes oferecidas, e durante esse processo os adolescentes cantavam uma música da preferência deles. Ao final dessa brincadeira, foi possível refletir sobre o consumo de drogas, os cuidados com as “facilidades” para adquiri-las e a forma sutil com que são oferecidas. RESULTADOS E DISCUSSÕES O objetivo com a participação das agentes comunitárias nas oficinas foi formá-las coordenadoras para darem continuidade ao trabalho no próximo ano, tendo em vista que a assistência à saúde do adolescente vem ganhando importância nos serviços de saúde do país, uma vez que o Ministério da Saúde incentiva os profissionais de enfermagem a implementar e divulgar suas práticas e reflexões sobre a saúde do adolescente.13 Para tanto, foi preciso extrapolar os muros da UBSF e ir até onde o jovem se encontra, tornando o PSF uma referência em prevenção e promoção da saúde para este público. Autores reforçam a ideia de que a Estratégia de Saúde da Família é a que mais se aproxima das condições socioculturais dos adolescentes, podendo trabalhar de forma articulada com outros setores, serviços e redes.9 Ao aproximar-se dessa realidade, a Equipe Saúde da Família pode conhecer suas necessidades e elaborar/ implantar novas estratégias para dar continuidade neste trabalho, acolhendo-os e sendo resolutiva quando é solicitada. Outros autores têm destacado a importância de planejar e implementar ações de saúde que contemplem as necessidades dos adolescentes nas dimensões individual e coletiva, tendo sua realidade como ponto de partida.2,9,14 Vale a pena ressaltar que a participação das agentes comunitárias de saúde nas oficinas foi uma experiência inédita, uma vez que elas ainda não haviam realizado atividades semelhantes. Em seus estudos, Bastiani e Padilha15 afirmam que o trabalho desenvolvido por meio de oficinas, percebe e resgata nas ACSs a experiência vivenciada e as coloca em um patamar de igualdade em relação à comunidade assistida. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 573-578 out./dez., 2011 No decorrer das atividades, pôde-se perceber que a escolha do grupo misto favoreceu a discussão de assuntos de ambos os sexos, de modo que fossem conhecidos por todos, compartilhando, assim, dúvidas e vivências sobre a sexualidade particular de cada gênero. Em sua pesquisa, Hoffmann e Zampieri2 observaram que a separação dos grupos de discussão em meninos e meninas sinaliza a falta de preparo dos profissionais ao abordarem o tema sexualidade. O número reduzido de integrantes em cada grupo favoreceu a informalidade e o estabelecimento de um vínculo de confiança com os adolescentes, sem que estes se sentissem expostos e/ou ridicularizados. A partir de então, eles começaram a ver a Unidade de Saúde da Família como um ponto de referência para suas necessidades, despertando-os para a preocupação com sua saúde e o auto cuidado. Um exemplo disso foi que alguns adolescentes, dentre os que participaram das atividades na escola, procuraram a Unidade de Saúde tanto para realizarem o exame preventivo de câncer de colo de útero pela primeira vez quanto para orientação sobre o uso do preservativo. Para Carvalho et al.,16 o estabelecimento de vínculos de confiança é importante para que os adolescentes se exponham mais espontaneamente, revelando seus medos, seus preconceitos e se abrindo ao diálogo e à opinião dos demais participantes, proporcionando um rico espaço de discussão e reflexão sobre a sexualidade na adolescência. Observou-se, no decorrer das oficinas, que, para a maioria, o significado do termo sexualidade expressava exclusivamente o ato sexual, bem como a utilização de termos do senso comum para denominarem os órgãos genitais. No decorrer das dinâmicas, foi possível contextualizar a sexualidade em suas diferentes expressões e apresentar os nomes científicos correspondentes aos termos do senso comum, sem que houvesse dificuldades ou recusas. Esses mesmos fatos foram observados por Cipriano et al. 17 em um trabalho com adolescentes de uma escola pública de Cajazeiras-PB, onde foram realizadas dinâmicas para conhecer os termos populares utilizados para denominar os órgãos sexuais, apresentar-lhes os termos científicos e verificar qual seu conceito sobre sexualidade. As autoras ressaltaram que a identificação, pelos participantes das oficinas, de que a sexualidade abrange outros fatores além do ato sexual coopera para a promoção do bem-estar físico, psicológico e social dos adolescentes, permitindo o exercício da sexualidade de forma mais segura e preventiva. O fato de as atividades terem sido realizadas na própria escola e no horário das aulas facilitou a integração entre a escola e a UBSF. A parceria escola/família/saúde constitui uma das alternativas para buscar “maneiras” de orientação sexual aos adolescentes, facilitando a tarefa educativa de pais e professores.18,10 Além disso, o tema sexualidade ainda é pouco debatido em casa e nas escolas, seja por falta de preparo dos pais e profissionais da educação, seja por preconceitos e tabus que necessitam ser desmistificados.2,10 CONCLUSÃO O trabalho na escola mostrou-se uma oportunidade importante de reflexão e discussão, ampliando o campo de conhecimento dos adolescentes sobre a sexualidade e a vulnerabilidade dessa fase de vida, em um espaço onde os adolescentes passam grande parte do dia e que lhes é familiar, favorecendo a expressão de suas dúvidas, medos e sentimentos. As oficinas também favoreceram a aproximação entre a Equipe Saúde da Família e os adolescentes, o que permitiu conhecermos o que eles entendem por sexualidade, preenchendo as lacunas existentes sobre o assunto. Conhecer o contexto de vida desses jovens, suas necessidades de saúde e o modo como vivem sua sexualidade é imprescindível para que se possa explorar melhor o ambiente escolar no sentido de prevenir agravos e promover-lhes a saúde sexual e reprodutiva, com consequente melhoria da qualidade de vida. No entanto, o atendimento integral às necessidades desse grupo demanda intervenções não apenas da equipe da UBSF, mas de ações conjuntas dos profissionais de saúde, da escola – em especial professores e coordenadores de ensino – e da família. Nesse sentido, sugere-se a criação de projetos que permitam envolver família/ escola/equipe de saúde a fim de vincular a informação à reflexão, para que cada adolescente possa exercer sua sexualidade de forma saudável, melhorando o perfil epidemiológico desse grupo em nosso país. Uma parceria maior entre a escola e a UBSF é importante para a implantação de trabalhos similares a este, fazendo com que uma aproximação maior entre essas instituições e os adolescentes favoreça o fortalecimento desse vínculo. A participação dos professores juntamente com a Equipe Saúde da Família seria uma das estratégias utilizadas para a formação do vínculo, já que esses profissionais são os mais próximos do público adolescente. É preciso investir na formação de profissionais de saúde e educadores, compreendendo as dificuldades encontradas pelos professores em abordar esses temas com seus alunos, pois sabemos que a participação e o envolvimento da escola vão além da liberação do espaço físico. Destaque-se a necessidade de os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros da família, conhecerem bem as especificidades da adolescência para prestar uma assistência integral aos adolescentes. Para isso, é indispensável que o enfermeiro desenvolva práticas que orientem os pais a lidar com as transformações típicas da fase. As práticas educativas dos enfermeiros da saúde da família, somadas à capacitação dos profissionais da educação, auxiliam na construção de estratégias mais efetivas visando ao desenvolvimento saudável dos adolescentes. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 573-578 out./dez., 2011 577 Oficina sobre sexualidade na adolescência: uma experiência da equipe Saúde da Família com adolescentes do Ensino médio Espera-se que essa experiência possa embasar novos trabalhos de atenção à saúde dos adolescentes e sugere-se a introdução do tema nos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação na área da saúde, visando à formação de profissionais conforme os parâmetros do MEC e recomendações do ECA.11 Neste trabalho, envolvendo os setores de educação e saúde em parceria com a UFMT, procurou-se ampliar o acesso do adolescente às informações e propiciar a reflexão e expressão de ideias sobre sexualidade, na perspectiva de motivar mudanças de atitudes em favor de sua qualidade de vida. REFERÊNCIAS 1. Oliveira TC, Carvalho LP, Silva MA. O enfermeiro na atenção à saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes. Rev Bras Enferm. 2008; 61(3): 306-11. 2. Hoffmann ACOS, Zampieri MFM. A atuação do profissional da enfermagem na socialização de conhecimentos sobre sexualidade na adolescência. Rev Saúde Pública. 2009; 2(1): 56-69. 3. Beserra EP, Pinheiro PNC, Barroso MGT. Ação educativa do enfermeiro na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis: uma investigação a partir das adolescentes. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008; 12(3): 522-8. 4. Amaral MA, Fonseca RMGS. Entre o desejo e o medo: as representações sociais das adolescentes acerca da iniciação sexual. Rev Esc Enferm USP. 2006; 40(4): 469-76. 5. Borges ALV, Latorre MRDO, Schor N. Fatores associados ao início da vida sexual de adolescentes matriculados em uma unidade de saúde da família da zona leste do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007; 23(7): 1583-94. 6. Romero KT, Medeiros SEHGR, Vitalle MSS, et al. O conhecimento das adolescentes sobre questões relacionadas ao sexo. Rev Assoc Med Bras. 2007; 53(1): 14-9. 7. Soares SM, Amaral MA, Silva LB, et al. Oficinas sobre sexualidade na adolescência: revelando vozes, desvelando olhares de estudantes do ensino médio. Esc Anna Nery Rev de Enferm. 2008; 12(3): 485-91. 8. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MS; 1998. p. 436. 9. Ferrari RAP, Thomson Z, Melchior R. Atenção à saúde dos adolescentes: percepção dos médicos e enfermeiros das equipes da saúde da família. Cad Saúde Pública. 2006; 22(11): 2491-5. 10. Camargo EAI, Ferrari RAP. Adolescentes: conhecimentos sobre sexualidade antes e após a participação em oficinas de prevenção. Ciênc Saúde Coletiva. 2009; 14(3): 937-46. 11. Brasil. Ministério da Educação. Assessoria de Comunicação Social. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: MEC; 2005. 12. Afonso L. Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Campo Social; 2000. p. 171. 13. Brasil. Ministério da Saúde. ABEn. Projeto Acolher: um encontro da enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília: MS; 2000. 195p. 14. Girondi JBR, Nothaft SCS, Mallmann FMB. A metodologia problematizadora utilizada pelo enfermeiro na educação sexual de adolescentes. Cogitare Enferm. 2006; 11(2):161-5 . 15. Bastiani JAN, Padilha MICS. Experiência dos agentes comunitários de saúde em doenças sexualmente transmissíveis. Rev Bras Enferm. 2007; 60(2): 233-6. 16. Carvalho AM, Rodrigues CS e Medrado KS. Oficinas em sexualidade humana com adolescentes. Estud Psicol. 2005; 10(3): 377-84. 17. Cipriano MA, Farias MCAD, Abrantes MJG, et al. Sexualidade na escola: proposta educativa para adolescentes. IV Encontro de Extensão da UFCG/IV Mostra Universitária de Ciência, Cultura e Arte. Campo Grande: UFCG; 2007. 18. Cano MAT, Ferriani MGC, Gomes R. Sexualidade na adolescência: um estudo bibliográfico. Rev Latinoam Enferm. 2000; 8(2): 18-24. Data de submissão: 2/3/2010 Data de aprovação: 15/9/2011 578 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 573-578 out./dez., 2011 Revisão teórica GRAVIDEZ DEPOIS DOS 35 ANOS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA PREGNANCY AFTER 35: A SYSTEMATIC REVIEW OF THE LITERATURE EL EMBARAZO DESPUÉS DE LOS 35: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA Laíse Conceição Caetano1 Luciana Netto2 Juliana Natália de Lima Manduca3 RESUMO A gravidez tardia exige dos profissionais de saúde maior atenção, dada a possibilidade de complicações para a mulher, o feto e, posteriormente, para o recém-nascido. Constatam-se a escassez de estudos sobre o assunto e a existência de relatos e dados conflitantes em estudos realizados, justificando a proposta de fazer um levantamento bibliográfico de artigos disponíveis nas bases de dados, de 1990-2008, sobre a gravidez após os 35 anos. Foram selecionados 74 artigos considerando“tipo de estudo”;“enfoque”;“sujeitos da pesquisa”;“tipo de publicação”;“abordagem”;“origem”e“idioma de publicação”. Predominaram artigos da PUBMED (91,9%), publicados em inglês (90,5%), a partir de 2003 (47,3%), na forma de resumos (74,3%), experimentos (82,4%), quantitativos (83,8%), de origem internacional (95,9%), abordando a mulher como sujeito de pesquisa (53,9%). Fica evidente que o evento da gravidez tardia é uma realidade em ascensão no mundo e que há um interesse crescente no tema, porém com enfoque essencialmente biológico (58,9%). Na série considerada, não há consenso quanto ao fator “idade materna” no desenvolvimento da gravidez de risco; a gravidez, em qualquer faixa etária, pode vir acompanhada de condições desfavoráveis, tanto para mulher quanto para o feto, dependendo das condições de saúde e do contexto que envolve a concepção e seu desfecho. Há necessidade de estudos mais abrangentes, envolvendo contextos sociais, familiares e culturais, de modo a subsidiar uma atenção de qualidade à mulher e à família, e, também, os serviços de saúde voltados para esse “novo público”. Palavras-chave: Pesquisa; Idade Materna; Gravidez; Bases de Dados Bibliográficas. ABSTRACT Late pregnancy requires more attention from health professionals, once there may be more risks involving the woman, the fetus and the newborn babies. There is a lack of studies on the subject, as well as reports and conflicting data in some studies, justifying the proposal to draw up a bibliography of articles available in databases on pregnancy after 35, between the years 1990-2008. We selected 74 articles considering type of study, focus, research subjects, type of publication, approach, origin and language of publication. The majority of the articles come from PUBMED (91.9%), published in English (90.5%), from 2003 (47.3%), in the form of abstracts (74.3%), experiments (82.4 %), quantitative (83.8%), of international origin (95.9%), addressing the woman as a subject of research (53.9%). It is evident that the event of late pregnancy is a reality on the rise in the world and there is a growing interest in the subject, but the focus is primarily biological (58.9%). In this specific series, there is no consensus regarding the“maternal age”in the development of a high risk pregnancy; pregnancy at any age can be accompanied by unfavorable conditions for both woman and the fetus, depending on health conditions and any context involving the conception and its outcome. There is need for more comprehensive studies, considering the social, family and cultural environment, to provide quality care to the women and the family, and also prepare the health services to give proper support to this “new public”. Key words: Research; Maternal age; Pregnancy; Bibliographic Databases. RESUMEN El embarazo tardío requiere que los profesionales de la salud presten más atención debido a las posibles complicaciones para la mujer, el feto y el recién nacido. Hay una falta de estudios sobre el tema, pero también hay informes y datos contradictorios en los estudios, lo que justifica la propuesta de celebrar una bibliografía de artículos disponibles en bases de datos, de 1990-2008, sobre el embarazo después de los 35. Se seleccionaron 74 artículos teniendo en cuenta el tipo de estudio, el enfoque, los sujetos de investigación, el tipo de publicación; enfoque, el origen y el idioma de publicación. Predominaron los artículos: de PUBMED (91,9%), en Inglés (90,5%), de 2003 (47,3%), en forma de resúmenes (74,3%), los experimentos (82,4 %), cuantitativas (83,8%), de origen internacional (95,9%), frente a la mujer como sujeto de la investigación (53,9%). Es evidente que hay un creciente interés en el tema, pero se centró principalmente biológicos (58,9%). No hay consenso en cuanto al factor “edad de la madre” en el desarrollo del embarazo de riesgo, el embarazo a cualquier edad puede ir acompañado de condiciones desfavorables, tanto para la mujer y el feto, teniendo en cuenta la salud de la mujer y el contexto que participan en la concepción y sus resultados. Existe la necesidad de estudios más amplios, para subvencionar una atención de calidad a las mujeres y las familias, y también a los servicios de salud diseñados para atender a este “nuevo público”. Palabras clave: Pesquisa; La Edad Materna; Embarazo; Bases de Datos Bibliográficos 1 2 3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora assistente da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). Acadêmica de Enfermagem pela UFMG. Endereço para correspondência – Rua Bolívia nº 137, apto. 201, São Pedro, Belo Horizonte-MG. CEP: 30330-360. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 579 gravidez depois dos 35 anos: uma revisão sistemática da literatura INTRODUÇÃO A vida de uma mulher parece seguir uma ordem lógica de acontecimentos fisiológicos: ela nasce, cresce, reproduz-se e morre. Para que essas etapas sejam cumpridas, seu corpo passa por diversas modificações. Momentos como a gravidez alteram-lhe o corpo, mas também a mente e, por conseguinte, sua interação com o mundo. Foi pensando nessas mudanças que a atenção à saúde da mulher esteve, desde o início, voltada para a maternidade, mas, à medida que o mundo evolui e outros papéis surgem na vida em sociedade, torna-se imperativo ampliar esse cuidado.1 Em relação ao processo de reprodução humana, registra-se uma tendência cada vez maior de gravidez entre mulheres que se encontram na faixa dos 35, 40 e até 45 anos. Uma gravidez, nessa faixa etária, exige dos profissionais de saúde maior atenção, dada a possibilidade de complicações para a mulher, para o feto e, posteriormente, para o recém-nascido.2 Com base na literatura, Schupp2 assinala que a idade ideal para ter filhos está entre 20 e 29 anos, e que os extremos da vida reprodutiva estão sempre ligados a complicações perinatais. A autora afirma, ainda, que há variações quanto à definição de idade materna avançada para a gravidez, sendo que alguns autores consideram o limite de 35 anos, outros a partir dos 40 e há aqueles que vão mais além, considerando as gestantes com idade de 45 anos ou mais. Na faixa de idade mais avançada, pode-se observar, com certa frequência, o aparecimento de doenças crônicas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e outras, associadas diretamente ao processo da gestação, como abortamentos, anomalias cromossômicas, mortalidade materna, gestação múltipla, pré-eclampsia e suas complicações.2 Assim, a idade materna elevada é, hoje, um motivo de preocupação, principalmente se está relacionada à gestação e sua evolução. As estatísticas e os estudos relacionados à saúde são, ainda, incipientes e exigem esforço de profissionais de saúde, cuja tarefa é cuidar dessas mulheres e de suas famílias em um momento especial da vida. No âmbito familiar, a mulher participa plenamente da vida do casal. De modo geral, cabe-lhe cuidar da casa, do relacionamento conjugal, da vida social e, além disso, contribuir no orçamento familiar. Em razão desse acúmulo de atribuições, modernamente, a maternidade e o matrimônio têm sido postergados para fases da vida nas quais nem sempre a capacidade reprodutiva acompanha o desejo de um casal.3 O que se percebe é que o processo de mudança nos padrões familiares influencia diretamente as características da natalidade, dando um direcionamento para a diminuição progressiva de suas taxas globais e adiamento da gravidez planejada.2 Com as modificações ocorridas na relação mulhersexualidade e mulher-realização profissional, atualmente, os relacionamentos conjugais também se alteram. A mulher não se vê mais obrigada a permanecer casada 580 quando chega à conclusão de que o relacionamento se esgotou. Um novo casamento pode acontecer e, logo, o desejo de ter um filho com o novo parceiro, o que explica o fato de muitas mulheres procurarem clínicas de infertilidade, na tentativa de recanalizar uma trompa ligada. Como a fertilidade geral da mulher decai a partir de 35 anos, também é comum ocorrer dificuldades em engravidar, principalmente após os 40 anos.4 A gravidez tardia é considerada um fenômeno mundial. Somente nos Estados Unidos, estima-se que uma em cada cinco mulheres tem o seu primeiro filho após os 35 anos. Mais especificamente, na última década, a gravidez tardia cresceu, no país, 84%, resultado da mudança de comportamento que está redesenhando a família no mundo.3 Estudos apontam, ainda, que a proporção de parturições nas mulheres acima de 40 anos varia de 2%-5%.2 Dados apresentados, em 2005, pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), do Ministério da Saúde, mostram, em nosso país, aumento na proporção de nascimentos em mães com 40 anos ou mais, com incidência de 1,75% em 1996 e 1,95% em 2002.2 Em 2004, a Região Sudeste registrou o índice de nascimentos de 2,17%, por idade materna, na faixa entre 40-44 anos e de 0,11% para mulheres entre 45-49 anos, em relação a todos os nascimentos do mesmo período.5 Os dados e as informações sobre essa realidade na vida da mulher brasileira não são amplos e também não permitem uma análise profunda, mas sinalizam uma mudança na sua vida reprodutiva. A proximidade com o tema e a prática assistencial revela a escassez de estudos sobre o assunto, bem como relatos e dados conflitantes em estudos já realizados. Além disso, é preciso ressaltar que a situação de saúde materna, no Brasil, é preocupante, pois mostra o grave quadro epidemiológico vivido pelas mulheres e seus filhos diante da fragilidade da assistência prestada à população. A atenção à mulher com gravidez tardia é, então, mais uma condição a ser somada ao quadro existente, que pode apresentar e necessitar de especificidades na assistência pré-natal e ao parto. Trazer à baila um tema novo tornou-se um desafio de suma importância para o conhecimento e a atuação dos profissionais de saúde. Mostrou-se pertinente, portanto, a proposta de realizar, inicialmente, um estudo bibliográfico, por meio do levantamento de artigos publicados e disponíveis para a pesquisa, nas bases de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), da Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e das Publicações Médicas (PUBMED). O objetivo com este estudo foi realizar um levantamento bibliográfico de resumos e de artigos completos, publicados e disponíveis para pesquisa, nas bases de dados citadas, sobre o tema "gravidez após os 35 anos". remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 METODOLOGIA Para o estudo bibliográfico, de caráter descritivo, realizou-se uma pesquisa nas bases de dados LILACS, SCIELO e PUBMED, considerando publicações no período de 1990-2008, nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram incluídos, ainda, os artigos, capítulos de livros e teses utilizados para a elaboração do presente artigo. comparativos) dificultaram a análise, de acordo com os nossos objetivos, pois traziam variáveis comuns (grupos de mulheres jovens e grupos de mulheres acima de 35 anos ou mais) e não permitiram extrair especificidades relativas à gravidez tardia. No estudo do material, foram considerados os seguintes aspectos: tipo de estudo (experimental bibliográfico e outros); enfoque (implicações físicas, psicioemocionais para feto/recém-nascido, socioeconômicas e culturais, infertilidade); sujeitos da pesquisa (somente a mulher, a mulher e o bebê, a mulher e a família, e a idade materna); tipo de publicação (resumo, artigo completo, capítulo de livro, anais, outros); abordagem (qualitativa e quantitativa); origem (nacional e internacional); e idioma de publicação (português, inglês e espanhol). Após a leitura exaustiva e criteriosa do material selecionado, os dados obtidos foram analisados e distribuídos de acordo com as seguintes variáveis: “tipo de estudo”, “idioma de publicação”, “origem” (local de publicação), “tipo de publicação”, “enfoque do estudo”, “sujeitos da pesquisa”, “idade materna”, “abordagem” e “ano de publicação”. Na análise, deteve-se na descrição dos temas de cada variante eleita previamente. Com esse procedimento, buscou-se possibilitar a oferta organizada e facilitar a manipulação de ligações entre os artigos que versassem sobre aspectos específicos do tema “gravidez após os 35 anos”, publicados nas bases de dados investigadas. A ordem de apresentação dos resultados foi a seguinte: base de dados, tipo de estudo, idioma de publicação, local de publicação, origem, tipo de publicação, natureza do estudo, ano de publicação, enfoque do estudo, sujeitos, idade materna. Inicialmente, outras variáveis, como a de profissionais que desenvolveram o estudo e os descritores, foram pensadas, entretanto a descontinuidade delas nos materiais pesquisados impossibilitou-lhes a análise neste estudo. Nas consultas feitas às bases de dados citadas, foram utilizados a expressão “idade materna” e os termos “gravidez”,“complicações”,“fisiologia”e“psicologia”, bem como as possíveis combinações entre eles. RESULTADOS No primeiro momento, foram encontrados 536 artigos dentre os quais foram selecionados apenas os que apresentavam resumo que permitisse avaliar, com clareza, a associação com o tema de pesquisa. Na pesquisa no banco de dados LILACS, foram encontrados 108 artigos, dentre os quais 21 foram selecionados pelo título e/ou resumo, e, após uma seleção mais criteriosa, foi possível chegar àqueles que abordavam mais especificamente o assunto. Assim, foram adquiridos cinco artigos. Na base de dados SCIELO, foi selecionado apenas um artigo. Na pesquisa na PUBMED foram encontrados 428 artigos, dentre os quais foram selecionados 151, pela análise do título e/ou resumo, e, posteriormente, seguiu-se para uma seleção mais criteriosa, na tentativa de adquirir aqueles que realmente fossem relevantes ao estudo, chegando ao total de 90 artigos, dentre os quais foram descartados 22, dada a repetição na série encontrada. Na seleção dos artigos encontrados nas bases de dados, foram descartados 61, tendo sido eliminados aqueles que abordavam temas referentes a técnicas de fertilização; infertilidade; tratamento pós-menopausa; rastreamento de malformações (técnicas de diagnóstico); e gravidez na adolescência. Tais temas surgiram quando foram estabelecidas combinações entre os descritores: “gravidez”, “idade materna” e “complicações”. A utilização do descritor“idade materna avançada”nas combinações reduziu significativamente a quantidade de artigos encontrados. As mulheres com idade acima de 35 anos que faziam parte de estudos com sujeitos de outras faixas etárias (estudos Para melhor visualização, os dados foram apresentados em tabelas, utilizando-se as de frequência simples. De acordo com a TAB. 1, abaixo, predomina a base de dados da PUBMED, pela indexação MEDLINE, que permitiu um período maior de busca, ou seja, desde 1990. TABELA 1 – Distribuição dos artigos segundo a“base de dados pesquisada”– Belo Horizonte, 2009 Base de dados N° % Pubmed 68 91,90 Lilacs 05 6,75 Scielo 01 1,35 Total 74 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information Na TAB. 2, os estudos experimentais destacaram-se em relação aos demais tipos de estudo, uma vez que neles se encontram trabalhos nas mais diversas modalidades: retrospectivo (n=17 – 27,9%), descritivo (n=11 – 18%), caso-controle (n=9 – 14,8%), comparativo (n=8 – 13,1%), coorte (n=5 – 8,2%), cross sectional, prospectivo, longitudinal, preditivo, regressão logística, randomização, metanálise e estudo epidemiológico (n=1 – 1,6% para cada modalidade). Três artigos não deixaram claro o tipo de modalidade usada no experimento. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 581 gravidez depois dos 35 anos: uma revisão sistemática da literatura TABELA 2 – Distribuição dos artigos segundo o“tipo de estudo” – Belo Horizonte, 2009 Tipo de estudo N° % Experimental 61 82,4 Bibliográfico 9 12,2 Outros 4 5,4 Total 74 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information Cabe ressaltar que nos “estudos experimentais” há artigos com ensaios e experimentos que validam a gravidez tardia, enquanto os “estudos bibliográficos” contemplam artigos que compilam trabalhos já publicados, principalmente sob a forma de revisão. Na variável“outros”, foram encontradas publicações que não se enquadravam nas modalidades previamente definidas. Foram reunidas, nesse item, reportagens, debates, questionário e editoriais, dentre outros (n=1 para cada modalidade). No Brasil, além da escassez de estudos sobre o tema, percebe-se que, segundo o idioma, a tendência e o direcionamento dados às produções científicas são semelhantes às publicações de maneira geral. A geração de conhecimento dá-se por meio de pesquisas, que estão fortemente vinculadas à produção científica de cursos de pós-graduação. Estes, por sua vez, estão expostos a critérios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) – órgão do Ministério da Saúde que atribui uma pontuação aos periódicos e à quantidade de produção, estabelecendo, em uma escala de 1 a 7, níveis classificatórios para os cursos. No resultado final, dentre outros fatores avaliados pela CAPES, cada curso de pós-graduação, a fim de ser classificado nos melhores níveis e não ser excluído, deve apresentar produção internacional.6 No caso específico do tema em estudo, no que concerne ao idioma de publicação, a tendência encontrada não difere do cenário geral. TABELA 4 – Distribuição dos artigos segundo o“local de publicação” – Belo Horizonte, 2009 TABELA 3 – Distribuição dos artigos segundo o “idioma de publicação” – Belo Horizonte, 2009 Idioma de publicação N° % Inglês 67 90,5 Espanhol 3 4,1 Português 2 2,7 Outros 2 2,7 Total 74 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information Na TAB. 3, destaca-se a distribuição dos artigos segundo o “idioma de publicação”. Nela, comparando-se com as demais, fica clara a tendência atual de publicação de artigos em língua inglesa (n=67 – 90,5%), possivelmente por ser o idioma mais difundido no mundo. Na modalidade “outros”, foram encontradas, também, publicações em polonês (n=2 – 2,7%). Evidencia-se, ainda, a escassez de estudos publicados em língua portuguesa (n=2 – 2,7%). Pela análise dos artigos, nota-se que, mesmo estudos realizados no país foram publicados em outro idioma, como se demonstra na TAB. 4, em que se pode verificar a publicação de três estudos nacionais. Como somente dois foram publicados em português, conclui-se que o terceiro foi publicado em outro idioma. Mais precisamente, dois estudos, realizados no Rio de Janeiro, foram publicados em português e outro, realizado em São Paulo, em inglês. 582 Local de publicação N° % Internacional 71 95,9 Nacional 3 4,1 Total 74 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information De acordo com a TAB. 4, a maior parte dos artigos encontrados se refere a estudos de origem internacional, demonstrando o interesse de outros países em abordar o tema “gravidez após os 35 anos” em seus estudos. Fatores sociais, econômicos e culturais, além da presença frequente de gravidez tardia e seus desdobramentos, em outros países, podem ter direcionado o interesse e a realização de trabalhos sobre o tema. No Brasil, a tendência encontrada nos dados disponíveis sobre fecundidade pode explicar a situação do número de trabalhos sobre gravidez tardia. Por meio dos resultados obtidos pelo Censo Demográfico de 2000, verifica-se que há uma relação inversa entre fecundidade e escolaridade, pois, à medida que se elevam os anos de estudo, o padrão etário da fecundidade se torna mais tardio e a quantidade de filhos por mulher diminui. Entre mulheres sem instrução ou com menos de um ano de estudo, a taxa de fecundidade era de 4,1 filhos por mulher; já entre as que tinham onze anos ou mais de estudo, a taxa ficou abaixo de 1,5 filho por mulher.7 É perceptível, também, que o aumento da escolaridade tem levado à postergação da gravidez; entretanto, no Brasil, embora essa tendência seja igualmente confirmada, o país tem, ainda, um padrão etário de fecundidade predominantemente jovem. Observou-se que, em 2000, o padrão tardio da fecundidade feminina remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 ainda não havia sobressaído sobre a média nacional, provavelmente porque, à época do Censo, quase 70% das mulheres em idade fértil (15-49 anos) tinham menos de onze anos de estudo.7 É importante ressaltar que com a incorporação da mulher ao mercado de trabalho a maior importância dada ao desenvolvimento de sua escolaridade e as novas técnicas de controle da fertilidade e de reprodução assistida possibilitou à mulher com idade acima de 40 anos planejar, então, ter o primeiro filho.3,2 Nesse âmbito, tem-se que a gravidez tardia é um fenômeno mundial. Entre os países que registraram publicações sobre o assunto, pôde-se encontrar: Estados Unidos (n=29 – 40,8%); Reino Unido (englobando a Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales), com n=6 (8,5%); Holanda e Canadá (n=4 – 5,6%); Israel, Austrália e Itália (n=3 – 4,2%); Jordânia, Japão, Polônia e México (n=2 – 2,8%); Bangladesh, Suécia, Grécia, Nigéria, Chile, Malásia, China, Singapura, Espanha, Arábia Saudita e Paquistão (n=1 – 1,4%). TABELA 5 – Distribuição dos artigos segundo o“tipo de publicação” – Belo Horizonte, 2009 como próprios ou específicos da gestação na faixa etária considerada. No que diz respeito ao “ano de publicação”, um número maior de artigos foi publicado a partir de 2003 (n=35 – 47,3%), possivelmente por ser este um tema mais condizente com a nova realidade da assistência à saúde da mulher. Além disso, há, ainda, outros fatores que têm contribuído para a tendência detectada no que se refere à atenção na gravidez tardia: a maior expectativa de vida, a consolidação da inserção da mulher no mercado de trabalho e a jornada múltipla de afazeres têm reforçado a postergação desse momento na vida da mulher. Ao se estender a faixa do período, observa-se que mais da metade dos textos foram publicados neste século, precisamente, a partir de 1999 (n= 44 – 59,5%). Nota-se, também, um concentrado de textos publicados no período compreendido entre 1993 e 1995 (n=16 – 21,6%). De acordo com a TAB. 6, abaixo, os artigos abordam aspectos ligados, principalmente, a questões físicas e à influência de aspectos socioeconômicos e culturais, em se tratando de gravidez após os 35 anos (n=56 – 58,9%, e n=23 – 24,2%, respectivamente). TABELA 6 – Distribuição dos artigos segundo o “enfoque do estudo” – Belo Horizonte, 2009 Tipo de publicação N° % Resumo 55 74,3 Artigo completo 16 21,6 Outros 3 4,1 Total 74 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information Na TAB. 5, indica-se que a maioria dos textos disponibilizados nas bases de dados pesquisadas encontra-se sob a forma de resumos (n=55 – 74,3%) e, em menor escala, sob a forma de artigos completos (n=16 – 21,6%), apesar de a atualidade constituir-se uma era digital, em que as informações circulam com mais facilidade, comparando-se com tempos remotos. Não foram encontrados textos publicados em capítulo de livro, anais de evento ou banco de teses, variáveis previstas neste estudo. Na modalidade “outros”, foram encontrados editoriais (n=2) e debate (n=1). Quanto à“abordagem dos estudos”, tem-se a tendência de desenvolvimento de trabalhos usando o tratamento quantitativo (n=62 – 83,8%), em relação aos de natureza qualitativa (n=12 – 16,2%), possivelmente por ser essa uma abordagem mais dinâmica e precisa e que se ajusta às variáveis eleitas e de interesse dos pesquisadores no tema em estudo. O fenômeno da gravidez tardia é cada vez mais frequente na prática assistencial e os questionamentos sobre as repercussões físicas para a mulher e seu filho ainda necessitam de atenção; a busca por evidências científicas está circunscrita aos eventos clínicos perinatais, pois, muitas vezes, não se apresentam Enfoque do estudo N° % Implicação física 56 58,9 Socioeconômico e cultural 23 24,2 Infertilidade 9 9,5 Implicação psicoemocional 7 7,4 Total 95 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information O enfoque no aspecto físico justifica-se pelo fato de a informação sobre a idade materna ter um impacto sobre o resultado da gestação. Atualmente, cerca de 10% das gestações ocorrem em mulheres com idade superior a 35 anos e que podem apresentar risco aumentado para complicações obstétricas, morbidade e mortalidade perinatal, caso apresentem doença crônica ou estejam em má condição física. Para a mulher de peso normal e fisicamente bem, sem problemas médicos, os riscos não são muito elevados.8 Em estudo realizado na Inglaterra, por Anne-Marie Nybo Andersen,9 assinala-se que 13,5% das gestações, em mulheres entre 20 e 29 anos, terminam com morte fetal e o risco de aborto espontâneo é de 8,9%. Em mulheres com idade de 42 anos ou mais, essa taxa sobe para mais de 50%, para os casos de morte fetal, e para 74,7%, para o risco de aborto espontâneo. Durante a evolução da gestação, a mulher tem maior probabilidade de apresentar doença hipertensiva remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 583 gravidez depois dos 35 anos: uma revisão sistemática da literatura específica da gravidez (DHEG), ao passo que fatores como obesidade contribuem para o aparecimento de diabetes gestacional, considerado um sério risco para a gestante na faixa dos 35 anos. Na gestação tardia, pode ocorrer, ainda, aumento de complicações obstétricas, como trabalho de parto prematuro, hemorragia anteparto, trabalho de parto prolongado, gestação múltipla, apresentações anômalas, placenta prévia e hemorragia puerperal. 2, 19,20,21 Outros estudos também comprovam que mulheres com idade superior a 40 anos, em sua primeira gravidez, correm maior risco de complicações do que aquelas que já tiveram filhos. Ressalte-se, contudo, que a obesidade tem pior prognóstico materno-fetal em relação à gravidez tardia, pois contribui para o aumento da incidência de pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, complicações obstétricas, parto prematuro, parto cesáreo e macrossomia.2, 18,21 Outro fato importante que pode ser visualizado é a abordagem de múltiplos aspectos num mesmo estudo (n=18 – 18,9%). A associação entre implicações físicas e aspectos socioeconômicos e culturais foi a mais comumente encontrada (n=14 – 77,8% dos casos de associações), porém, além desta, houve outras associações, como aspectos psicoemocionais e socioeconômicos e culturais; aspectos socioeconômicos e culturais e infertilidade, bem como a associação de três fatores: implicações físicas, aspectos psicoemocionais e socioeconômicos e culturais; ou, ainda, aspectos psicoemocionais, socioeconômicos e culturais e infertilidade (n=1 – 5,6% para cada tipo de associação). Apesar da ênfase nos aspectos físicos, as considerações sociais, econômicas, culturais e emocionais encontradas também trouxeram informações relevantes, mas sinalizam a necessidade de enfoque mais específico em estudos futuros. A mulher com 40 anos ou mais que nunca teve filhos, seja por postergação da gravidez, seja por problemas de fertilidade, sente-se depreciada socialmente, pois o papel da mulher está relacionado à maternidade. Para Montgomery,10 a incapacidade de gerar descendentes causa frustração, seja pelas cobranças advindas do seu círculo familiar, seja pela inabilidade em dar prosseguimento à própria existência, e, de maneira geral, o papel da mulher como mãe está impregnado de estereótipos e convencionalismos, o que faz com que ela deseje sair do papel de filha para assumir o de mãe. As mudanças nos contextos familiares e sociais têm levado a mulher a passar pelo ciclo da maternidade mais rapidamente do que suas avós, mas elas precisam, ainda, exercer funções concorrentes, ao assumirem a família e outras funções fora dela. Ter um filho muda a perspectiva de vida da mulher e requer que sejam assumidas responsabilidades e tarefas específicas ligadas ao cuidado do filho. As mães de 40 anos ou mais, em virtude do baixo índice de natalidade e, muitas vezes, do desejo de ter um filho, acabam por concentrar grande energia na criação dele, podendo até mudar sua perspectiva profissional.3,11 584 A maturidade materna pode favorecer o enfrentamento das situações de estresse e dificuldades em relação ao filho, em sua evolução após o nascimento. Agindo pelos significados construídos ao longo do processo da gestação e do parto, mães e familiares procedem de forma a garantir a sobrevivência, a evolução e o bem-estar de uma criança que, diante, por exemplo, de um quadro de prematuridade ou de malformações congênitas, encontra, ao nascer, condições diferentes do esperado para o início de uma vida.12 Apesar do aumento das taxas de sobrevivência da mulher nos dias de hoje, os pais precisam ter maior longevidade para cuidar e criar o filho que tiveram após os 40 anos. Mudanças sociais e culturais ocorrem de forma bastante dinâmica e, já mais velhos, os pais nem sempre conseguem acompanhar os ciclos de vida dos filhos (infância, adolescência). Conflitos nas fases tardias do desenvolvimento do ser humano, assim como na puberdade, podem ocorrer na forma de preconceitos mútuos e diferenças marcantes no modo de ver o mundo. Assim, o espaçamento entre as idades pode ser um fator interveniente nas relações entre filhos e pais mais velhos.11,13,14 TABELA 7 – Distribuição dos artigos segundo “sujeitos da pesquisa” – Belo Horizonte, 2009 Sujeitos da pesquisa N° % Mulher 41 53,9 Mulher - bebê 31 40,8 Mulher - família 4 5,3 Total 76 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information De acordo com a TAB. 7, os estudos têm trabalhado basicamente com a mulher (n=41 – 53,9%) e com a mulher / bebê (n=31 – 40,8%) como sujeitos de pesquisa. Em poucos trabalhos a questão da família como sujeito nesse processo de gravidez tardia (n=4 – 5,3%) é abordada. Alguns textos apresentaram aspectos relacionados, especificamente, ao papel da mulher profissional obstetra ou de enfermagem (n=2), e apenas um trabalha a questão do companheiro no processo de gravidez tardia (n=1). Os aspectos mais observados nos estudos com “mulher e bebê” ressaltam a importância do recém-nascido (RN) como sujeito desse processo, e alguns estudos mostram que o RN é, por vezes, o detentor do maior quantitativo de complicações. Houve, também, a associação entre os sujeitos considerados nos estudos, como“mulher-bebê”e“mulher-família”(n=1), e “mulher” e “mulher-bebê” (n=1). O maior enfoque para os sujeitos mãe e bebê tem substrato na condição materna já apresentada, mas também nas condições do neonato e no processo do nascimento. A idade parece ser responsável pela maior remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 incidência de doenças genéticas em neonato cuja mãe tenha mais de 35 anos. O maior exemplo desse risco é o da trissomia do cromossomo 21, síndrome de Down, que aumenta sua incidência global de 1 em cada 600 ou 700 nascimentos, em mulheres de 20-29 anos, para 1 em 100, em maiores de 35 anos. Após a mãe atingir os 40 anos, a taxa é de 1 em 50.2, 19, 20 Há, também, riscos de ocorrência de outras anormalidades cromossômicas, abortamento espontâneo, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal, macrossomia, rotura prematura de membrana (RPM), mecônio intraparto, restrição do crescimento fetal, distocias, placenta prévia, pósdatismo, oligoidrâmnio e polidrâmnio, internação em UTI e óbito neonatal. Acredita-se que isso se deva ao envelhecimento dos óvulos que se desenvolvem durante a vida embrionária e permanecem armazenados no ovário até a liberação, em uma ovulação mensal, como também à condição circulatória da mulher na idade avançada.2,23 Em casos de gravidez tardia, o parto pré-termo apresenta uma incidência de 6,6%, em mulheres de idade entre 25 e 29 anos; de 9,8%, em maiores de 35 anos; e de 7,23%, em maiores de 40 anos. Esse aumento devese, principalmente, a complicações decorridas na gestação que terminam com a retirada do feto antes do termo.2,19 Neonatos que passaram por complicações durante a gestação tendem a apresentar baixo índice de Apgar – nota que se dá ao recém-nascido, no primeiro e quinto minutos de vida, em que são avaliados batimentos cardíacos, respiração, tônus muscular, cor da pele e irritabilidade reflexa. Segundo Schupp,2 as diferenças de valores no índice de Apgar, para recém-nascidos de mães mais jovens e daquelas maiores de 40 anos, referem-se ao primeiro minuto. Dadas as intervenções médicas, o recém-nascido recupera o baixo valor quando é avaliado no quinto minuto de vida. TABELA 8 – Distribuição dos artigos segundo“idade materna” – Belo Horizonte, 2009 Idade materna N° % > 30 anos 2 2,7 ≥ 30 anos 8 10,8 > 35 anos 3 4,0 ≥ 35 anos 23 31,1 > 40 anos 2 2,7 ≥ 40 anos 17 23,0 ≥ 45 anos 3 4,0 ≥ 50 anos 2 2,7 > 60 anos 2 2,7 Outros 12 16,2 Total 74 100 Fonte: National Center for Biotechnology Information Na TAB. 8, nota-se que não há definição de idade a ser considerada de risco para a gravidez. Na faixa de idade encontrada nos estudos, a maioria com apenas um estudo correlato, confirma a ideia dos autores que defendem que a idade, por si só, não pode ser considerada um fator de risco sem que haja associação com outros fatores de risco para a gravidez. Há certo consenso relacionado ao maior risco em idade superior à faixa de 35 a 45 anos, em que se pode verificar o maior aglomerado de trabalhos usando esse mesmo referencial etário. Cumpre salientar que a mulher que opta por engravidar após os 35 anos necessita conhecer plenamente os fatores associados aos maiores riscos, de modo que possa buscar assistência adequada e planejar o nascimento. Há controvérsias quanto aos reais riscos materno-fetais nas gestações tardias, mas grande parcela dos autores concorda que, nesses casos, trata-se de uma gestação de risco e que necessita de cuidados pré-natais específicos.2,22,23 Shupp2 ressalta, ainda, que, na literatura pertinente, apesar de existirem evidências de contraposição, os efeitos adversos da gestação tardia, em relação a gestantes mais jovens, são similares. Em seu estudo, realizado com mais de 240 mulheres com idades acima de 35 anos, mostrou-se que a gestação e o parto resultaram em crianças saudáveis, ressaltando a importância de não se considerar somente a idade como parâmetro para aconselhar uma mulher acima dessa idade que deseja ter um filho. Dados estatísticos do Ministério da Saúde/Sinasc,15,16,17 oriundos de todas as regiões do Brasil, mostram uma realidade semelhante ao que é enfatizado por Schupp.2 Das mulheres com idade entre 40-44 anos, 89% tiveram gestação a termo e 7,3% tiveram gestação com duração menor que 37 semanas. Na faixa entre 45-49 anos, 86% das mulheres tiveram gestação a termo e 9% gestação menor que 37 semanas. Quanto ao tipo de parto das mulheres com 40-44 anos, 48% tiveram partos vaginal e 51,6% cesáreo. Quanto à avaliação do índice de Apgar, no primeiro minuto, 74,7% dos recém-nascidos tiveram escore entre 8-10, com mães na faixa de 40-44 anos. Com idade entre 45-49 anos, 68,5% dos recém-nascidos receberam Apagar 8-10. O Ministério da Saúde revela, com base em dados aferidos em 2004, que a maior parte dos nascimentos, cerca de 70% ou 74%, entre mães de 40-44 anos, alcançou índice de Apgar de primeiro minuto entre 8 e 10, fato que contraria a expectativa de que a maioria das gestações tardias desenvolva complicações.17 O estudo mostra, ainda, que uma mulher com idade entre 60-64 anos teve um filho por parto vaginal, escore de Apgar entre 8-10 e peso ao nascer entre 2.500-2.999g. Nota-se que 57,9% dos recém-nascidos, com mães entre 40-44 anos, tiveram peso ao nascer entre 3.000-3.999g, enquanto 9,9% registraram baixo peso ao nascer (menos de 2.500g). A complicação mais frequente se refere à doença hipertensiva específica da gravidez. Os dados indicam que a gestação, nas faixas etárias consideradas, não necessariamente resulta em complicações que remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 585 gravidez depois dos 35 anos: uma revisão sistemática da literatura podem afetar mãe e filho na gestação e no parto, mantendo, portanto, a ressalva de que a idade materna não deve ser um fator isolado para orientar e assistir à mulher.15,16,17 A variabilidade das faixas etárias encontradas nos textos analisados pode estar situada na imprecisão quanto às relações entre idade materna, evolução das gestações, riscos e fatores relacionados à saúde da mulher. Entre os textos selecionados para estudo que não apresentam exatidão quanto à idade materna, há trabalhos que usam a expressão “idade média” das mulheres. Por fim, na modalidade“outros”, observam-se, também, análises de gestações em idades superiores a 38 anos e 39 anos, bem como um trabalho que apresenta somente a distinção entre “velha” e “nova”. Há, ainda, textos sem explicitação da idade materna do estudo, encontrandose trabalhos que utilizam a expressão“idade média”das mulheres. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme assinalado no início do trabalho, a gravidez tardia é uma realidade em ascensão no mundo, havendo um crescente interesse pelo tema, porém, com enfoque essencialmente biológico. Destaque-se que, na série considerada, não há posição consensual quanto ao fator “idade materna” associado à condição de risco, no desenvolvimento da gravidez; a gravidez, em todas as faixas etárias, pode vir acompanhada de condições desfavoráveis tanto para mulher quanto para o feto, dependendo da condição de saúde e do contexto (físico, psicoemocional, social, econômico e cultural) que envolve a concepção e seu desfecho. Está demonstrada a necessidade de estudos mais aprofundados e abrangentes que envolvam demais contextos, ou seja, sociais, familiares e culturais, não apenas com vista à atenção de qualidade à mulher e à família, mas também para subsidiar os serviços de saúde, que devem se preparar para esse “novo público”, cada vez mais presente na realidade do país. AGRADECIMENTOS Agradecemos à Juliana Moreira A. Sant’Ana, pela participação no trabalho iniciando o estudo sobre o tema, e à Amanda Nathale Soares, pela revisão final do texto. REFERÊNCIAS 1. Alexandre LBSP. Políticas públicas de saúde da mulher. In: Fernandes RA, Narchi NZ, organizadores. Enfermagem e saúde da mulher. São Paulo: Manole; 2007. p.1-29. 2. Schupp TR. Gravidez após os 40 anos de idade: análise dos fatores prognósticos para resultados maternos e perinatais diversos. São Paulo: USP; 2006. 3. Ueno J. Vida moderna faz mulher retardar gravidez. São Paulo; 2009. [Citado 2009 out 23]. Disponível em: http://www.minhavida.uol.com.br. 4. Silva HMS, Junqueira JPC, Pacheco F, et al. Gravidez depois dos 40. Belo Horizonte; 2004. [Citado 2007 maio 20]. Disponível em: http://www. materdei.com.br/qvc/informacoes/gravidez_40.jsp. 5. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de informações sobre nascidos vivos – SINASC. Nascimento por ocorrência por idade da mãe segundo região. 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Data de submissão: 25/1/2010 Data de aprovação: 8/7/2011 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 579-587 out./dez., 2011 587 FAMILIARES CUIDADORES E A TERMINALIDADE: TENDÊNCIA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DE SAÚDE FAMILY CAREGIVERS AND ENDOFLIFE: TENDENCIES OF THE SCIENTIFIC PRODUCTION IN THE HEALTH FIELD FAMILIARES CUIDADORES Y LA TERMINALIDAD: TENDENCIAS DE LA PRODUCCIÓN CIENTÍFICA EN EL ÁREA DE LA SALUD Stefanie Griebeler Oliveira1 Alberto Manuel Quintana2 Maria de Lourdes Denardin Budó3 Manoela Fonseca Lüdtke4 Paula Argemi Cassel5 Shana Hastenpflug Wottrich6 RESUMO Neste estudo objetivou-se investigar as tendências das publicações relacionadas ao familiar cuidador do doente terminal. Esta pesquisa bibliográfica foi realizada na Biblioteca Virtual de Saúde, no mês de maio de 2009. O método de busca dos artigos foi pela forma integrada, utilizando-se os seguintes descritores: assistência domiciliar, oncologia, doente terminal, família e cuidados paliativos. Os cruzamentos entre esses descritores foram feitos sempre em trios, até o esgotamento de sua probabilidade. Faz-se necessário destacar que não se realizou nenhum refinamento na Bireme, após os achados com esses cruzamentos. O refinamento foi efetuado após a leitura exaustiva de todos os resumos disponíveis desses trabalhos publicados. Assim, os resumos encontrados foram colocados em uma tabela organizada com dados para análise quantiqualitativa desta pesquisa bibliográfica. Do total de 193 artigos encontrados na busca, 5 estavam repetidos, restando 188. Apenas 9 artigos foram selecionados para análise, por abordarem significados e representações expressos pelos cuidadores familiares de pacientes terminais, no local onde se realizava o cuidado. Com suporte nos conteúdos dos 9 artigos, sendo apenas uma publicação brasileira, organizaram-se três categorias: Equipe de saúde como suporte na terminalidade, Decisão para o local do processo de morte e morrer e Terminalidade no domicílio. Percebe-se a relevância deste estudo bibliográfico, dadas as poucas publicações brasileiras sobre essa temática, tão importante para consolidação de políticas de saúde que atendam às demandas do processo de terminalidade que envolve não somente o indivíduo, mas também sua família. Palavras chaves: Assistência Domiciliar; Oncologia; Doente Terminal; Cuidados Paliativos. ABSTRACT This study aimed to investigate the trends in publications related to the family care of a terminally ill patient. This bibliographic research was carried out in the Virtual Health Library in May 2009. The articles search methodology was the integrated form using the following descriptors: home care; oncology; terminally ill patient; family and hospice care. Cross-reference was carried out every three descriptors until all the probabilities were exhausted. Refinement was conducted at Bireme after exhaustive reading of all the available abstracts of the published studies and not after the cross-referencing. The abstracts were organized in a table containing data to be analyzed quantitatively and qualitatively. From the 193 articles found, five had been published twice so 188 remained. Only one was published in Brazil. The nine articles selected for analysis addressed the meanings and representations expressed by family caregivers of terminally ill patients where the caring took place. Considering the content of such articles three categories were organized: the health care team as support during terminality; decision regarding the place of death and dying and dying at home. Such bibliographic studies are very important given the small number of Brazilian publications on the subject whose consolidation is vital for the public health policies trying to meet the demands of the terminality process that affect the individual and his/her family. Key words: Home Care; Oncology; Terminally Ill; Hospice Care. 1 2 3 4 5 6 Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora substituta do Departamento de Enfermagem da UFSM. Integrante dos Grupos de Pesquisa Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde e Cuidado Saúde e Enfermagem da UFSM. E-mail: [email protected]. Psicólogo. Doutor em Ciências Sociais (Antropologia Clínica). Professor Associado do Departamento de Psicologia e dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia (Mestrado) e em Enfermagem (Mestrado) da UFSM. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (Mestrado) da UFSM. Vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem. E-mail: [email protected]. Acadêmica do Curso de Psicologia da UFSM. Integrante do NEIS. E-mail: [email protected]. Acadêmica do Curso de Psicologia da UFSM. Integrante do NEIS. E-mail: [email protected]. Psicóloga. Especialista em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia do RS/Fundação Universitária de Cardiologia. Mestranda em Psicologia pela UFSM. Bolsista CAPES/Demanda Social. Integrante do NEIS. E-mail: [email protected] Endereço para correspondência – Avenida João Machado Soares-1250, bloco C4, Ap. 232, Bairro Camobi, Santa Maria-RS. CEP.97110-000. E-mail: [email protected]. 588 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 RESUMEN El presente estudio ha buscado investigar las tendencias de las publicaciones relacionadas al familiar cuidador de enfermos terminales. La investigación bibliográfica fue realizada en la Biblioteca Virtual de la Salud, en mayo de 2009. El método de búsqueda de los artículos fue de forma integrada, utilizándose los siguientes descriptores: atención domiciliaria; oncología; enfermo terminal; familia y cuidados paliativos. Las referencias cruzadas entre los descriptores se realizaron siempre en tríos, hasta agotar la probabilidad de los mismos. Es necesario destacar que no se realizó ningún refinamiento en Bireme, después de los encontrados con las referencias cruzadas. El refinamiento fue efectuado después de la lectura exhaustiva de todos los resúmenes disponibles de los trabajos publicados. Los resúmenes encontrados fueron incluidos en una tabla organizada con datos para el análisis cualitativo y cuantitativo de esta investigación bibliográfica. Del total de 193 artículos encontrados en la búsqueda cinco estaban repetidos, restando 188. Apenas nueve artículos fueron seleccionados para el análisis, por enfoque de significados y representaciones expresadas por cuidadores familiares de pacientes terminales, frente al local donde se realizaba el cuidado. Con respaldo en los contenidos de los nueve artículos - apenas una publicación brasileña - se organizaron tres categorías: Equipos de salud como apoyo en la terminalidad, Decisión para el lugar del proceso de muerte y morir y Terminalidad en el domicilio. Se observa la importancia del presente estudio bibliográfico dadas las pocas publicaciones brasileñas acerca de esa temática, sumamente importante para la consolidación de políticas de salud que atiendan a las demandas del proceso de terminalidad, que involucra no sólo al individuo sino también a su familia. Palabras clave: Atención Domiciliaria; Oncología ; Enfermo Terminal; Cuidados Palitativos. INTRODUÇÃO O processo de terminalidade da vida de um indivíduo, que envolve um cuidador familiar, tema que permeia esta pesquisa bibliográfica, contempla aquele que possui uma doença considerada fora das possibilidades terapêuticas. Em outras palavras, é o paciente que apresenta um prognóstico de morte iminente, pois sofre de doença avançada, progressiva e incurável, sem resposta a tratamentos curativos, o que implica o enfrentamento de numerosos problemas ou sintomas intensos, que representam grande impacto emocional para o paciente, para seus familiares e para a equipe de saúde que o assiste.1 Esses pacientes em processo de terminalidade podem ser encontrados em três cenários: no hospital, em um hospice ou no domicílio. O primeiro consolidou-se diante dos avanços tecnológicos, especificamente na área da saúde, proporcionando que muitos fenômenos pertencentes ao ciclo vital do ser humano fossem transformados em acontecimentos técnicos, tais como o nascimento, o desenvolvimento e a morte. Esses fenômenos que aconteciam naturalmente no domicílio passaram, no século XX, a ocorrer no hospital, sendo determinados pela equipe de saúde em relação à sua previsibilidade.2 Esse ambiente ocupa um lugar de conhecimento e tecnologias, aos quais se pode ter acesso rapidamente. Mas é também um ambiente no qual, muitas vezes, se perde a individualidade, pois os costumes e hábitos dos pacientes não são respeitados e as rotinas lhes são impostas.3 Já o hospice seria um ambiente específico para cuidar de alguém em fase terminal, pois possui profissionais especializados para atuar na busca da qualidade de vida e do conforto do paciente, em vez da perseguição de uma cura impossível.1 O terceiro cenário, ou seja, o domicílio do paciente, recentemente vem sendo abordado e requisitado como o melhor ambiente para o processo de terminalidade. Nessa direção, há movimentos para resgatar os aspectos humanos nas práticas de saúde, sendo um deles a proposta do processo de morte e morrer no domicílio.4 Acredita-se que esse ambiente poderia trazer mais conforto ao paciente terminal, já que ele se encontraria em seu contexto, com sua família, conferindo aspectos humanizados ao cuidado. Tal prática de cuidados, com seus objetos e uma rotina mais individualizada, seria prestada por um cuidador informal, familiar ou não, com apoio de uma equipe de referência. No hospital, ocorre o contrário. A rotina institucional hospitalar, o número limitado de acompanhantes e visitantes, somados ao ambiente estressante, dentre outros fatores, poderiam potencializar diversas manifestações, tanto físicas como psicológicas, não alcançando os objetivos de conforto e qualidade de vida para o paciente. No Brasil, a proposta de morte domiciliar ainda caminha a passos lentos, pois há poucos Programas de Cuidados Paliativos e de Serviços de Internação Domiciliar5 implantados e efetivados. Essa realidade vai ao encontro da ênfase que ainda se dá à tecnologia, impulsionando a ocorrência da morte na instituição. Além disso, o Programa de Cuidados Paliativos do Brasil tem seu principal foco no controle da dor e dos sintomas físicos,6 reforçando a visão biomédica. Outro ponto é o fato de atender somente pacientes oncológicos, o que faz o programa adquirir caráter de exclusão, já que existem outras situações de terminalidade. No que se refere à internação domiciliar, a família do paciente tem papel fundamental no cuidar, visto que ela constitui uma referência para o indivíduo enfermo. Apesar de a doença ser uma vivência individual, aqueles que ficam junto ao ser doente compartilham muitas de suas experiências, tornando-se fonte primária de apoio para o enfrentamento da enfermidade.7 Nessa conjuntura, o cuidado no domicílio modifica completamente a dinâmica familiar, já que os membros da família deparam com a necessidade de se (re) estruturarem, havendo mudanças e inversões de papéis a fim de realizarem os cuidados ao paciente.8 Assim, pretendendo manter o funcionamento familiar, ocorre uma mobilização no seio da família, que cria uma nova organização para adaptar-se à realidade apresentada.7 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 589 Familiares cuidadores e a terminalidade: tendência da produção científica na área de Saúde Diante dessas considerações, com esta pesquisa objetivou-se investigar as tendências das publicações relacionadas aos familiares cuidadores do doente terminal no local de cuidado, sobretudo no que se refere aos enfrentamentos, às representações e aos significados revelados por esses sujeitos. DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA Esta pesquisa bibliográfica foi realizada no mês de maio de 2009, na Biblioteca Virtual de Saúde (Bireme), que agrega várias bases de dados, sobretudo a Medical Line (Medline), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Eletronic Library Online Scielo, e também permite a busca associandose vários descritores. O método de busca dos artigos foi realizado pela forma integrada, utilizando-se os seguintes descritores: assistência domiciliar, oncologia, doente terminal, cuidados paliativos e família. Faz-se necessário destacar que não foi delimitado o período de publicações, visto que o tema buscado responde às demandas mais recentes na área de saúde. A justificativa para a seleção desses descritores foi seu significado e sua relação com esta pesquisa bibliográfica. Assim, “assistência domiciliar” corresponde ao cuidado informal, aquele que não é realizado pelo profissional de saúde, podendo ser executado pelo familiar ou por outra pessoa;“doente terminal”refere-se àquele indivíduo que está fora de possibilidades terapêuticas com o intuito de cura, cabendo apenas os cuidados paliativos; “cuidados paliativos”englobam toda a filosofia de cuidados com o objetivo de proporcionar qualidade de vida e conforto ao doente terminal e à família. O descritor“oncologia”foi selecionado pelo fato de o câncer, em determinada fase, ser mais facilmente aceito pelos familiares como uma doença terminal. E, por fim, o descritor família, o qual foi utilizado para resgatar a perspectiva dos familiares dos doentes terminais nas publicações. Os cruzamentos entre esses descritores foram feitos sempre em trios, até o esgotamento de sua probabilidade. Faz-se necessário destacar que não se realizou nenhum refinamento na Bireme após os achados com esses cruzamentos. O refinamento foi efetuado após a leitura exaustiva de todos os resumos disponíveis desses trabalhos publicados. Assim, os resumos encontrados foram colocados em um quadro organizado com dados para análise desta pesquisa bibliográfica. A tabela foi composta com dados como a referência da publicação, a base de dados em que se encontra o trabalho, a área do estudo, o tipo de artigo, o objeto de pesquisa, o objetivo, o método e os resultados. Também constavam nela os itens sobre a existência de informações completas ou limitadas no resumo, bem como sobre a disponibilidade do artigo. Esses dados foram quantificados em números absolutos e relativos, possibilitando uma visão panorâmica da produção encontrada. Para a análise qualitativa, os critérios de inclusão foram que as publicações fossem pesquisas; possuíssem informações completas; tivessem relação com o objetivo 590 desta investigação, bem como demonstrassem as representações, significados, desafios, implicações para os cuidadores familiares de pacientes terminais no espaço em que o cuidado é realizado. Dessa forma, as publicações que preencheram esses critérios foram analisadas na íntegra. Como critérios de exclusão para a análise qualitativa, foram retirados dessa etapa do trabalho os artigos que não fossem pesquisas, os que se repetiam, os que não possuíam relação com o objetivo desta investigação e os que não possuíam informações completas. Dessa forma, totalizaram nove artigos. Destes, oito foram publicados após o ano de 2000 e somente um foi publicado em 1999. RESULTADOS E DISCUSSÃO Do total de 193 artigos encontrados na busca, 5 eram repetidos, restando 188. Dos artigos localizados, 167 (89%) estavam na MEDLINE, 21 (11%) na LILACS e, destes últimos, 5 encontravam-se, também, na Scielo. A identificação por área de estudo nem sempre era facilmente realizada. Quando ela ficava difícil nos dados disponíveis, a publicação era notificada como da área da saúde. Assim, encontraram-se 64 (34%) publicações realizadas pela medicina, 28 (14%) pela enfermagem, 12 (6%) da psicologia e as outras se enquadraram na área geral de saúde, na qual se encontram a maioria das publicações, sendo 84 (46%) ao todo. Nesta última categoria, entraram as publicações com informações limitadas na Bireme. Quanto à classificação desses artigos encontrados, 90 (47%) eram de pesquisa com seres humanos, 19 (10%) eram de reflexão teórica, 1 (0,5%) de pesquisa bibliográfica, 30 (16, 5%) como relato de experiência ou de caso e 48 (26%), enquadrados na categoria“outros”, por serem editoriais, cartas ou pela falta de informações. Em relação às informações disponíveis sobre a publicação, 80 (42%) possuíam informações completas; 45 (24%) tinham dados parciais, contendo apenas título, objetivo, sem metodologia clara ou definida; e 63 (34%) possuíam dados incompletos, constando apenas os autores, o título da publicação e a revista. Diante desses resultados, ressalte-se que, apesar de a medicina ter o maior número de publicações encontradas nessa busca, esses estudos se referiam mais a terapêuticas utilizadas na atenção aos pacientes terminais, o que não interessava ao objetivo deste estudo bibliográfico. Dessa forma, os estudos selecionados para a análise qualitativa abarcaram mais os desenvolvidos pela enfermagem e também pela psicologia. Dos nove artigos selecionados para análise qualitativa (QUADRO 1), oito foram publicados após o ano de 2000, o que pode estar relacionado à emergente demanda de cuidados paliativos, aos movimentos de humanização das práticas de saúde, dentre outros fatores. Apenas uma dessas publicações pertence ao Brasil, sendo o restante de abrangência internacional. Esses estudos foram selecionados para esta etapa da pesquisa bibliográfica justamente por abordarem significados e representações expressos pelos cuidadores familiares de pacientes terminais no local onde realizam o cuidado. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 QUADRO 1 – Artigos selecionados para análise Abrangência/ Origem Periódico Artigo Autores Ano Método Revista Brasileira de Enfermagem O cuidado paliativo domiciliar sob a ótica de familiares responsáveis pela pessoa portadora de neoplasia Silva CAM, Acker JIBV. 2007 Pesquisa Qualitativa/ Entrevista Nacional/ Brasil JAMA Family Perspectives on End-of-Life Care at the Last Place of Care Joan M. Teno; Brian R. Clarridge; Virginia Casey; et al. 2004 Enquete retrospectiva/ quantitative Internacional/ Estados Unidos da América Palliative Medicine The progress of awareness and acceptance of dying assessed in cancer patients and their caring relatives John Hinton 1999 Estudo coorte/ quali-quantitativa Internacional/ Inglaterra Cancer Mental Health, Treatment Preferences, Advance Care Planning, Location, and Quality of Death in Advanced Cancer Patients With Dependent Children Matthew E. Nilsson, BS et al. 2009 Estudo Coorte Prospectivo, Quantitativo Internacional/ Estados Unidos da América Social Science & Medicine Discrepancy in the preferences of place of death between terminally ill cancer patients and their primary family caregivers in Taiwan Siew Tzuh Tang,_, Tsang-Wu Liu, Mei-Shu Lai, Ruth McCorkle 2005 Estudo quanti/ qualitativo Internacional/ Taiwan Palliative Medicine Variations in and factors influencing family members’ decisions for palliative home care Kelli I Stajduhar and Betty Davies 2005 Estudo Etnográfico/ qualitative Internacional/ Estados Unidos da América Pallitative Medicine Advanced cancer at home: caregiving and bereavement Silvia Rossi Ferrario et al. 2004 Estudo quantitativo Internacional/ Itália European Journal of Cancer Care Caregivers’ perceptions about terminally ill family members’ quality of life Melin-Johansson C., Axelsson B., Danielson E. 2007 Estudo qualitativo Internacional/ Suécia Palliative and Supportive Care Family caregiver’s experiences in caring for a patient with terminal cancer at home in Japan Tomomi Sano et al. 2007 Estudo quantitativo Internacional/ Japão Fonte: Dados da pesquisa. Com relação aos países de origem dos estudos, esta revisão abarcou uma amplitude de cenários. À medida que os artigos trazem realidades culturais de contextos diversos, desde asiático, americano, até europeu, cabe ressaltar que a categorização realizada para os fins deste estudo precisou levar em consideração as diferenças biopsicossociais, ao se buscar generalizações para a temática. Além disso, identificou-se uma ampla gama de desenhos e métodos para a realização de estudos sobre o assunto, tanto de abordagem qualitativa quanto quantitativa. Tal realidade pode retratar a necessidade de uso de variados recursos para o entendimento dos diversos aspectos do cenário da morte domiciliar, por se tratar de um tema bastante complexo e abordado por diversas áreas do conhecimento científico. Com suporte nos conteúdos dos nove artigos, foram categorizadas três temáticas9: Equipe de saúde como suporte na terminalidade; Decisão para o local do processo de morte e morrer; e Terminalidade no domicílio. Equipe de saúde como suporte na terminalidade Nos estudos10,11 realizados com cuidadores familiares, foi desvelada a insatisfação desses sujeitos com a equipe de saúde de referência, pois relataram fraco suporte emocional prestado, tanto para o paciente quanto para a família. Além disso, em um desses estudos10 foram reveladas queixas em relação ao apoio da equipe na estruturação do ambiente para atender às necessidades do paciente e do cuidador. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 591 Familiares cuidadores e a terminalidade: tendência da produção científica na área de Saúde Nessadireção,destaque-sequeosprogramasdeCuidados Paliativos e de Internação Domiciliar preconizam como fundamental a presença de uma equipe de suporte nas dimensões físicas e emocionais de atendimento ao cuidador familiar do doente terminal no domicílio. Além disso, a equipe de saúde tem a incumbência de avaliar as condições do paciente e do domicílio, para que ele seja cuidado nesse cenário.5,6 Somam-se, também, as atribuições da equipe de saúde, em que também se ressalta a avaliação da possibilidade de delegar as ações específicas de cuidado do enfermeiro aos familiares, como a supervisão de alimentação, trocas de decúbito, higiene e trocas de roupas, entre outras atividades. Pesquisas referem que, com um bom treinamento, os familiares tendem a assumir tranquilamente essas tarefas e a adquirir confiança em suas ações.12 Em contrapartida, em outro estudo mostrou-se que, quando os cuidadores familiares possuíam acesso à equipe durante as 24 horas, predominava neles o sentimento de segurança.11 Da mesma forma, se havia o acesso aos hospices, como se demonstrou em um dos estudos,13 a aceitação da morte por parte dos familiares e do próprio paciente era mais precoce. Em outro estudo revelou-se a satisfação com as intervenções da equipe de cuidados paliativos em relação ao cuidado no domicílio.14 Estar fora de possibilidade de cura não significa estar fora de possibilidade de vida. Dessa forma, o acompanhamento da equipe de saúde ao paciente e à família deve ser consolidado com disponibilidade, atenção, carinho, zelo, conforto, para que sejam atingidos os objetivos de proporcionar qualidade de vida na terminalidade.15 Diante disso, percebe-se que é relevante a presença da equipe de saúde como suporte no processo de morte e morrer do doente terminal, já que tal situação abrange tanto as dimensões físicas quanto as psicológicas. Dessa forma, reforça-se que a equipe necessita estar atenta não somente às condições emocionais da família, mas também estruturais, para cuidar do doente terminal no domicílio. Além disso, quando a comunicação entre a equipe e o núcleo paciente-família é efetiva, aceitar a morte como natural parece favorecer o bem-estar e o conforto na terminalidade da vida, sobretudo quando o processo de morte e morrer ocorre no domicílio. Em tal contexto, o paciente encontra-se em um ambiente familiar confortável, com dinâmica diferente do hospital, que limita o número de visitas, possui horários próprios de alimentação, higiene e administração de medicamentos. Tais características dos ambientes institucionais podem representar um cuidado que despersonifica o indivíduo,16 contrapondo-se ao ambiente propício para um cuidado que implique real consideração das necessidades daquele paciente terminal. Decisão para o local do processo de morte e morrer Os determinantes para a escolha do local do processo de morte e morrer permeiam o desejo do paciente.10,11,16 592 As preferências dos locais dependem tanto do doente quanto da família,10, 16 do acesso aos serviços de saúde,11, 16 dentre outros. O poder dessa escolha pressupõe a autonomia do indivíduo, também prevista nos Programas de Cuidados Paliativos.6 A institucionalização da morte, ou seja, a morte que ocorre no hospital, ainda parece prevalecer. Nessa direção, em um estudo17 revelou-se que a maioria dos casos de pacientes terminais investigados teve sua morte no hospital ou numa instituição de cuidados, sendo a casa o local onde aconteciam as mortes com menor frequência. Entre a parcela que teve o processo de morte no domicílio, grande parte dos pacientes teve acesso ao serviço de hospice. Nesse contexto, segundo relatos de familiares de pacientes terminais, em momento póstumo à morte, houve maior preocupação sobre a qualidade do cuidado no final da vida para aqueles pacientes cujo último local de cuidado foi o ambiente hospitalar ou uma instituição de cuidados, em comparação com os que morreram em ambiente domiciliar com cuidados de hospice.1 Em contrapartida, em outro estudo18 realizado com pacientes em estágio avançado de câncer e seus companheiros conjugais, que possuíam acompanhamento de equipes de saúde, revelou-se que grande parte deles morreu no domicílio.18 Nesse sentido, sugere-se nas publicações encontradas que, quando há presença da equipe de saúde para suporte de cuidado ao paciente e à família, a tendência é que esses doentes morram em casa. Em outra pesquisa, grande proporção dos pacientes relatou que sua escolha para o processo de morte e morrer seria pelo ambiente doméstico. Já os familiares cuidadores tendiam a selecionar o hospital como espaço mais adequado para o cuidado, mesmo considerando que o domicílio potencializa a qualidade de vida. Nesse sentido, eles demonstraram que tinham ciência sobre os sistemas de apoio necessários para conseguir sustentar essa escolha. Além disso, os familiares expressaram a extrema exigência física e emocional que envolve o processo de cuidar na terminalidade. Assim, essas distintas tendências entre pacientes e familiares trazem importantes considerações, demonstrando que as decisões diante da terminalidade da vida não são eventos isolados, mas dependem da dinâmica familiar.19 Ainda em relação à escolha do local para o processo de morte e morrer, em outra investigação16 revelouse que as decisões em favor da internação domiciliar frequentemente se mostram dependentes do desejo do doente terminal. No entanto, a possibilidade de os familiares proporcionarem a realização dos cuidados no domicílio nem sempre é discutida, pois depende de recursos para assumi-los, além de não se considerar, por parte dos familiares, que o acesso à equipe de saúde possa minimizar a sobrecarga.16 Outro determinante para a escolha do cenário para o processo de morte e morrer, destacado nesse mesmo estudo, 16 concerne à existência de experiências negativas prévias relacionadas às instituições. Nesse caso, os depoimentos apontaram a frustração mediante o cuidado provido pelo hospital, caracterizado como remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 despersonalizante e paternalista. Houve relatos de situações em que os pedidos do paciente e de seus familiares eram minimizados pela equipe, juntamente com a descrição da necessidade sentida pelo familiar de que tinha de lutar por cuidados adequados, o que ocasionava extremo desgaste e reações abruptas, tais como o pedido de alta hospitalar.16 Assim, entende-se que a escolha do ambiente para ocorrer o processo de morte e morrer não é um evento isolado, pois há inúmeros determinantes para essa decisão. Contudo, a presença de uma equipe que dê suporte nas dimensões físicas e emocionais permeia grande parte dessas decisões. O fator acesso, tanto a leitos quanto às equipes de suporte, demonstra ainda ser precário, sendo uma necessidade a ser atendida, dadas as demandas emergentes de cuidados paliativos. Nesse sentido, acredita-se que o aumento da disponibilidade de serviços, tanto de cuidados paliativos como de internação domiciliar, poderia diminuir consideravelmente a tendência da morte institucionalizada. Terminalidade no domicílio A escolha do cenário domiciliar para o processo de morte e morrer relaciona-se densamente com o fato de o paciente estar com sua família, envolvido em um ambiente confortável, além de ter maior autonomia e aproveitar uma vida “normal”.16,19,20 Nesse sentido, os horários em relação à alimentação, administração de medicamentos, higiene e visitas ficam a critério do paciente e da família, buscando manter uma vida social mais aproximada do cotidiano normal. Os familiares entrevistados em um dos estudos mencionaram a crença de que seria benéfico para os doentes estarem em casa, muito embora relatassem medo a respeito do manejo adequado com os pacientes em concomitância com uma boa relação entre paciente e familiar. Além disso, tal escolha foi apontada como favorável também para os familiares, uma vez que dispensa idas ao hospital. Pela proximidade do familiar, há redução no nível de ansiedade.11 Outra implicação apontada em um dos estudos em relação ao cuidar no domicílio remete-se às adaptações na estrutura física da casa, o que demanda tempo e dinheiro. Muitas vezes, as pessoas só descobriam essas necessidades quando já estavam com o doente no domicílio. 19 Tais dados evidenciam os aspectos socioeconômicos também envolvidos no contexto de desafios e limitações presentes na situação de internação domiciliar, na terminalidade. Em um dos estudos14 confirma-se que 60% dos familiares cuidadores não se sentiram sobrecarregados com tal papel. Muitos deles relataram que o vínculo com o doente e com a família tornou-se mais profundo, em decorrência da situação. Assim, em geral, a avaliação dos familiares cuidadores, em relação ao cuidado paliativo domiciliar prestado, foi considerada boa para os doentes, para o cuidador e para a família, havendo descrições positivas relacionadas à manutenção da integridade (características pessoais) do paciente até o momento de sua morte.14 Dessa forma, pode-se pensar que a decisão sobre o local da morte mostra-se pautada por valores pessoais (autonomia, privacidade, proximidade da família), mas também pela consideração de o doente ser uma sobrecarga para a família. As necessidades específicas de cuidado, além da disponibilidade de recursos para os cuidados necessários no final da vida, envolvem não somente dimensões físicas e psicológicas, mas também sociais, econômicas e culturais. CONSIDERAÇÕES FINAIS De forma geral, os estudos constituintes desta revisão remetem às representações, enfrentamentos e significados do cuidado familiar do paciente terminal nos espaços onde o cuidado é realizado, revelando repercussões positivas quanto a este ser realizado no espaço domiciliar. O ambiente domiciliar parece trazer aspectos que aludem à situação de normalidade na vida do paciente, opondo-se às características paternalistas e despersonalizantes do ambiente institucional. Ainda, nos estudos, mostra-se que tal realidade deve ser investigada considerando a relação entre o doente e seu cuidador, por formarem uma díade inseparável, no que concerne à vivência desse momento. Enfatizese a necessidade de existir um ambiente aberto para o compartilhamento de informações e para a comunicação entre paciente, familiar e equipe de saúde. Dessa maneira, quando está em ambiente doméstico, a díade paciente-cuidador pode ter maior autonomia em suas decisões e incremento da sensação de intimidade, o que parece gerar maior conforto e bem-estar. Em suma, embora seja amplamente preconizado, o cenário de cuidados domiciliares na terminalidade ainda não parece ser o mais presente na realidade do doente terminal. Nessa conjuntura, os estudos apontam a existência de um contexto de despreparo para o cuidado do paciente em ambiente domiciliar. Ao se considerar que o número de estudos existentes nesta revisão pode refletir a realidade contingencial de cuidados domiciliares na terminalidade, pode-se pensar que a escassez de estudos brasileiros sobre a temática esteja refletindo uma realidade de inserção de cuidados domiciliares para pacientes terminais ainda incipiente. Portanto, enfatize-se a relevância de estudos sobre o tema na realidade brasileira, a fim de amparar a instituição de uma política de saúde governamental que considere os dados epidemiológicos e subjetivos oriundos da realidade nacional, para atender às demandas do processo de terminalidade, o qual envolve não somente o indivíduo doente, mas também sua família. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 593 Familiares cuidadores e a terminalidade: tendência da produção científica na área de Saúde REFERÊNCIAS 1. Pessini L, Bertachini L. O que entender por cuidados paliativos? São Paulo: Paulus; 2006. 2. Ariès P. História da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Francisco Alves; 2003. 3. Wingeste ELC, Ferraz AF. Ser assistido pelo serviço de assistência domiciliar: uma rica experiência para o doente de aids e seu cuidador. REME Rev Min Enferm. 2008; 12(1): 34-9. 4. Hennezel M. A morte no centro da vida. In: Hennezel M. Morrer de olhos abertos. 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Enferm.;15(4): 588-594 out./dez., 2011 Artigo reflexivo ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DOS CONTROLES AMBIENTAIS PARA PREVENIR A DISSEMINAÇÃO DA TUBERCULOSE HOSPITALAR STRATEGIES FOR IMPLEMENTATION OF ENVIRONMENTAL CONTROLS TO PREVENT THE SPREAD OF TUBERCULOSIS IN HEALTHCARE SETTINGS ESTRATEGIAS PARA LA IMPLEMENTACIÓN DE CONTROLES AMBIENTALES EN LA PREVENCIÓN DE LA PROPAGACIÓN DE LA TUBERCULOSIS EN LOS ESTABLECIMIENTOS DE SALUD Vania Regina Goveia1 Silma Maria Cunha Pinheiro Ribeiro1 Eduardo Alexandrino Sérvolo de Medeiros2 Antonio Carlos Campos Pignatari3 Relato de experiência RESUMO A transmissão intra-hospitalar da tuberculose consiste em um problema de saúde ocupacional, e as medidas de controle efetivas incluem os controles ambientais que visam prevenir a disseminação dessa doença e reduzir as partículas infecciosas aéreas. Trata-se de um estudo descritivo, realizado com o objetivo de descrever a estrutura necessária para implantar e operacionalizar uma unidade de isolamento para tuberculose com pressão negativa do ar. A unidade foi projetada com um sistema de climatização com controle de temperatura de 22±2 oC, recirculação do ar, filtragem HEPA, 20 trocas de ar por hora e pressão negativa. Após a reforma da unidade e a implantação dos controles ambientais, o funcionamento do isolamento respiratório foi monitorizado por 12 meses. As ocasiões em que a pressão negativa se tornou neutra foram identificadas pelos manômetros nos quartos e nos filtros, indicando a saturação deles e sua substituição. Em seguida, a pressão negativa foi restabelecida. O investimento para a implantação do isolamento foi de 75 mil dólares e o custo mensal de manutenção, 550 dólares. A unidade requer gerenciamento apropriado para assegurar a proteção dos profissionais da saúde e demais pacientes. Descritores: Tuberculose Pulmonar; Isolamento de Pacientes; Risco Ocupacional; Ar Condicionado. ABSTRACT The nosocomial transmission of tuberculosis is a serious occupational health problem. An effective prevention of this disease includes environmental measures to avoid its dissemination and to reduce the amount of droplet nuclei in the air. It is a descriptive study that aimed to describe the necessary structure for the implementation of an isolation room with negative air pressure for patients with tuberculosis. The units were projected with HVAC system with temperature control at 22±2 ºC, air recirculation system, HEPA filters, twenty two air changes per hour and negative air pressure. After repairs and the implementation of the environmental control the functioning of the respiratory isolation was monitored for 12 months. In the event of the negative air pressure becoming neutral the manometers in the room would display the filters saturation level and the need for their replacement. Soon after that the negative air pressure could be restarted. The isolation unit implementation required an investment of US$ 75,000.00 being the monthly repair cost US$ 550.00.The respiratory isolation unit requires specific management strategies so as to ensure the protection of healthcare workers and patients. Keywords: Pulmonary Tuberculosis; Patient Isolation; Occupational Risk; Air Conditioning. RESUMEN La transmisión intrahospitalaria de la tuberculosis es un problema de salud en el trabajo y las medidas efectivas de control incluyen controles ambientales destinados a prevenir la diseminación de la enfermedad y reducir la cantidad de partículas infecciosas en el aire. Este estudio se realizó con el objetivo de describir la estructura necesaria para implementar y operar una unidad de aislamiento para la tuberculosis con presión de aire negativa. La unidad fue diseñada con un sistema de climatización con control de temperatura de 22 ± 2 ° C, recirculación del aire, filtros HEPA, veinte cambios de aire por hora y presión negativa. Después del proceso de reforma e implementación de los controles ambientales, el funcionamiento del aislamiento respiratorio fue monitoreado durante doce meses. Las ocasiones en que la presión negativa se convirtió en neutra fueron identificadas por manómetros en las habitaciones y en los filtros, señalando saturación y necesidad de sustitución. En seguida, la presión negativa fue restablecida. La inversión para instalar el aislamiento fue de U$S 75.000,00 y el costo de mantenimiento mensual es de U$S 550,00. La unidad requiere estrategias de gestión adecuadas para garantizar la protección de los profesionales de la salud y de los pacientes. Palabras clave: Tuberculosis Pulmonar, Aislamiento de Pacientes, Riesgo Ocupacional, Aire Acondicionado. 1 2 3 Professora adjunta do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (ENB-EE-UFMG). Professora adjunta da Disciplina de Infectologia do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (DIPA-EPM-UNIFESP). Professor titular da Disciplina de Infectologia do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (DIPA-EPM-UNIFESP). Endereço para correspondência – Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EE-UFMG). Departamento de Enfermagem Básica. Rua Alfredo Balena, 190. CEP 30130100. Belo Horizonte-MG. Telefones: (031) 3409-9854; (031) 3786-2738; (031) 9691-6122. E-mail: [email protected]; [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 595-599 out./dez., 2011 595 Estratégias de implantação dos controles ambientais para prevenir a disseminação da tuberculose hospitalar INTRODUÇÃO A tuberculose constitui grave problema de saúde no mundo inteiro. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que um terço da população mundial esteja infectada pelo Mycobacterium tuberculosis. Vinte e dois países são responsáveis por 80% dos casos de tuberculose no mundo, e o Brasil ocupa o 15º lugar nesse ranking. A incidência anual de casos no Brasil é de 48 por 100 mil habitantes.1,2 A disseminação do Mycobacterium tuberculosis ocorre pelas partículas aéreas geradas pela tosse ou espirro de pessoas com tuberculose pulmonar ou laríngea. Essas minúsculas partículas infecciosas, que medem de 1 a 5 μm, podem permanecer suspensas no ar por longos períodos de tempo e ser transportadas através de correntes de ar, podendo atingir os alvéolos pulmonares de pessoas suscetíveis e causar infecção ou doença. O risco para uma pessoa tornar-se infectada depende da concentração de partículas no ar e da duração da exposição ao ar contaminado. Após a contaminação pelo Mycobacterium tuberculosis, a pessoa pode permanecer infectada por vários anos ou para o resto da vida, a menos que seja tratada. Apenas 5% a 10% das pessoas infectadas desenvolverão a doença clínica. A maioria permanece assintomática, e a única evidência da infecção é o teste tuberculínico positivo.3 O risco ocupacional de profissionais da saúde se infectarem pelo Mycobacteriumtuberculosis nas unidades assistenciais foi documentado por investigações de surtos ocorridos na década de 1990. A ocorrência da contaminação foi associada ao atraso no início do isolamento dos pacientes com tuberculose pulmonar, bem como a práticas assistenciais inadequadas, a saber, ventilação imprópria do local, falha na manutenção do sistema de ventilação e falta de proteção respiratória para os profissionais envolvidos com a assistência.4-9 Em estudo multicêntrico brasileiro, identificou-se alto risco ocupacional para tuberculose com taxa de prova tuberculínica positiva de 63,1%, que foi associada à ausência de medidas de biossegurança nos hospitais.10 A magnitude do risco de infecção pode variar conforme as características da instituição, a prevalência de tuberculose na comunidade, as características dos pacientes atendidos, o grupo de profissionais da saúde, a unidade assistencial onde os profissionais da saúde trabalham e a efetividade das intervenções para o controle da tuberculose. O risco pode ser maior nas áreas onde os pacientes com tuberculose são assistidos antes do diagnóstico, antes do início do tratamento e onde não estão disponíveis as medidas de prevenção e controle. Em vários estudos sugere-se que o controle da disseminação da tuberculose nas unidades de saúde pode ser associado à adesão às medidas de controle de infecção padronizadas, porém o fato de várias medidas terem sido implantadas simultaneamente impossibilitou avaliar a efetividade de cada intervenção.3,11 Os controles ambientais para áreas de risco de exposição ao Mycobacterium tuberculosis visam prevenir a 596 disseminação e reduzir a concentração de partículas infecciosas e incluem: controle da fonte infecciosa usando exaustão local, diluição e remoção do ar contaminado pela ventilação geral, controle da direção do fluxo de ar para prevenir a contaminação de áreas adjacentes e limpeza do ar por meio de filtragem.3 A Agência Nacional deVigilância Sanitária (ANVISA) avaliou a adequação das unidades de isolamento respiratório dos hospitais brasileiros de referência do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre 47 hospitais, apenas 10 dispunham de infraestrutura apropriada com pressão negativa e filtragem HEPA (high efficiency particulate air) do ar.12 Apesardasrecomendaçõesnacionaiseinternacionais3,13,14 de isolamento respiratório com pressão negativa do ar como medida de controle da disseminação de doenças de transmissão por aerossóis, em nosso meio, não há regulamentação ou legislação que oriente os gestores de instituições de saúde para a criação e a manutenção de isolamento respiratório. Independentemente da regulamentação, considera-se essencial avaliar o risco de transmissão de tuberculose em instituições de saúde para o planejamento e a implantação de isolamento respiratório com pressão negativa do ar. Diante desse contexto, optou-se por realizar este estudo, com o objetivo de descrever a estrutura necessária para a implantação e a operacionalizaçãodeumaunidadedeisolamentorespiratório para tuberculose, fundamentado nas recomendações do Centro de Prevenção e Controle de Doenças do Departamento de Saúde norte-americano – Centers for Disease Control and Prevention, Department of Health and Human Services (CDC-DHHS)3 –, bem como definir e recomendar estratégias para a estruturação e a utilização dos controles ambientais na prevenção da disseminação da tuberculose intra-hospitalar. MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo descritivo do funcionamento de uma unidade nova de isolamento respiratório com pressão negativa do ar e filtragem HEPA, que foi monitorizada durante o período de 12 meses. Esta unidade de isolamento com 8 leitos foi projetada e implantada com um sistema de climatização com a recirculação do ar que incluiu: o condicionamento com controle de temperatura, a filtragem HEPA, o controle de velocidade e a pressão negativa, tendo como referência a American Society of Heating, Refrigerating and AirConditioning Engineers (ASHRAE) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC).3, 15 Descrição do sistema de climatização da unidade O sistema foi projetado nas limitações da área física, que não permitia a exaustão do ar no piso ou no lado oposto ao insuflamento. Portanto, o insuflamento e a exaustão foram instalados na mesma parede e configurados de forma a obter o fluxo adequado do ar dentro dos quartos, prevenindo sua estagnação ou o curto- remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 595-599 out./dez., 2011 circuito. As grelhas foram instaladas a 30 cm do forro para proporcionar o fluxo do insuflamento horizontal, direcionando para a parede oposta e com um padrão de difusão de 360o, de modo a condicionar o ambiente e retornar para a grelha de exaustão. Aproximadamente 20% do ar da exaustão foi projetado para ser descarregado para o lado de fora após a passagem pelo conjunto de filtros e substituído por ar fresco externo, que se mistura com 80% do restante que não foi descarregado. Esse ar passa pelo conjunto de filtros no ducto de insuflamento, permitindo a recirculação do ar sem contaminação. A filtragem HEPA do ar remove 99,97% das partículas com diâmetro ≥ 0,3 µm em suspensão e foi instalada nos ductos de insuflamento e de exaustão. Para prolongar a vida útil do filtro HEPA, denominado filtro absoluto (A) na classificação descrita por Goveia,3,16 foram utilizados dois tipos de pré-filtros – grosso (G) e fino (F) –, sendo o conjunto do insuflamento formado por filtro G2, filtro F2 e filtro A1. O conjunto de filtros da exaustão formado por filtro G2, filtro F2 e filtro A3. Foram instalados, nos sistemas de filtros do insuflamento e da exaustão do ar, manômetros diferenciais tipo U para fornecer dados exatos e objetivos da perda de carga dos filtros que indica a saturação e a necessidade de troca quando esta é igual a 2,5 vezes a perda da carga inicial. A taxa de ventilação expressa em número de trocas de ar por hora foi estabelecida em razão das necessidades do sistema de climatização para mover e resfriar o ar entre 22 e 23 trocas de ar por hora, em cada quarto de isolamento, e a temperatura em 22 ± 2 oC. A pressão negativa foi estabelecida com o balanceamento do fluxo de exaustão maior do que o fluxo do insuflamento do ar, considerando a abertura e o fechamento das portas durante a entrada e a saída de pessoas nos quartos; e, ainda, uma antessala em cada quarto para reduzir o escape de partículas. Foram instalados manômetros na parede interna de cada quarto para monitorizar a pressão negativa. e limpeza externa dos gabinetes e painéis elétricos. As manutenções preventivas mensais e as manutenções corretivas foram registradas. RESULTADOS Controles ambientais Pressão negativa do ar Por meio da leitura diária dos manômetros dos quartos de isolamento, foi detectada, em duas ocasiões, a pressão neutra no 4º e no 11º mês de funcionamento. O serviço de manutenção especializada foi solicitado para a averiguação do sistema. Na primeira ocasião, foi realizada a troca do filtro classe G2 do conjunto de filtros da exaustão do ar, sendo restaurada a pressão negativa. Na segunda ocasião, foi realizada a troca dos filtros G2 e F2 do ducto de exaustão do ar, dada a saturação deles, também indicada pela leitura do manômetro em U, instalado no conjunto de filtros. Novamente a pressão negativa foi restaurada em todos os quartos da unidade de isolamento. Após a primeira manutenção corretiva, no quarto mês de funcionamento, decidiu-se, com a equipe de engenharia, a troca do filtro grosso do conjunto de exaustão a cada três meses, a fim de preservar o funcionamento adequado do sistema. Ao término de 12 meses, observou-se que o conjunto de filtros do insuflamento não apresentou saturação, não indicando substituição. Assim, foi estabelecida a periodicidade de troca dos filtros, juntamente com a equipe de engenharia, para o conjunto da exaustão: filtro grosso a cada 3 meses; filtro fino a cada 12 meses e filtro absoluto a cada 20 meses. Para o conjunto de filtros do insuflamento de ar, foi estabelecido o prazo de 20 meses, além da averiguação dos manômetros em U durante as manutenções preventivas. Temperatura Monitorização do funcionamento do isolamento respiratório A temperatura foi mantida em 22 ± 2 ºC. A monitorização foi realizada pelo registro dos dados em impressos específicos por um período de 12 meses. As medidas de temperatura e pressão no interior de cada quarto foram tomadas diariamente e registradas. Caso o manômetro indicasse pressão neutra ou positiva, o técnico da empresa de engenharia deveria ser solicitado para a manutenção do sistema. Manutenção preventiva, corretiva e troca dos filtros Foi elaborado um cronograma de manutenção preventiva mensal, executado pelo técnico da empresa de engenharia, que consistia em: inspeção do filtro de ar do condicionador; verificação de correias, polias, fios e cabos; leitura das temperaturas e pressões dos quartos no controlador eletrônico, dos manômetros diferenciais dos filtros e da pressão de baixa e alta do circuito frigorífico; medições de correntes e tensões elétricas; O cronograma de manutenção preventiva foi cumprido com visitas técnicas mensais de inspeção, medição e limpeza externa. As corretivas foram realizadas conforme a necessidade identificada na preventiva ou quando solicitada pelo enfermeiro responsável pela unidade de isolamento. A troca de filtros foi determinada por dois indicadores independentes: manômetro dos quartos indicando pressão neutra ou positiva e manômetro diferencial em U mostrando perda da carga dos filtros. Entretanto, a periodicidade para as trocas foi estabelecida como medida de segurança para manter a pressão negativa. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 595-599 out./dez., 2011 597 Estratégias de implantação dos controles ambientais para prevenir a disseminação da tuberculose hospitalar Investimento para a implantação dos controles ambientais O investimento na reforma da enfermaria para instalar a unidade de isolamentos respiratórios com pressão negativa do ar gerou o custo de 75 mil dólares, incluindo todo o sistema de climatização. O contrato de manutenção preventiva mensal com a empresa de engenharia especializada, que incluiu as trocas dos filtros, quando necessárias, teve o custo de 550 dólares. DISCUSSÃO A unidade foi estruturada à luz das recomendações internacionais,masajustadaàrealidadefísicainstitucional em questão. O sistema de ventilação implantado combinou a recirculação do ar com a filtragem HEPA, renovação em torno de 20 trocas por hora, pressão negativa e climatização em 22oC para o conforto de pacientes e profissionais. Dessa forma foi possível utilizar um equipamento comercial unitário de expansão direta e diminuir a carga térmica, minimizando o custo da implantação, bem como o consumo de energia elétrica e o espaço para a instalação de equipamentos. A verificação sistemática da pressão negativa foi uma forma de assegurar um ambiente apropriado para os profissionais da saúde. Vários hospitais que investigaram a ocorrência de surtos de tuberculose ocupacional não monitorizavam rotineiramente a pressão e identificaram falhas na manutenção da pressão negativa do ar.4,5,7,17,18 Esses resultados reforçam a importância da monitorização da pressão negativa, pois existem fatores ambientais que interferem na saturação dos filtros, tais como localização, tráfego de pessoas e quantidade de poeira ambiental. Nesse contexto foi estabelecida a periodicidade de troca dos filtros. Os custos para a implantação de controles ambientais em cinco hospitais americanos foram avaliados pelo CDC e estão muito acima do investimento empregado à unidade do estudo. A renovação da planta física para novas construções foi de 163 mil dólares (variação de 45 mil a 524 mil dólares); a aquisição de novos equipamentos foi de 70 mil dólares (variação de 31 mil a 93 mil dólares). Um desses hospitais reformou uma unidade com dez quartos destinados à tuberculose pelo custo de 484 mil dólares, incluindo as mudanças no sistema de ventilação central. Outro investiu 42 mil dólares para converter o sistema de ventilação existente, para pressão negativa, em dois quartos para tuberculose.19 O custo da unidade do estudo foi menor para a renovação da planta física, provavelmente, em razão do aproveitamento da área física existente, incluindo quartos no final do corredor e uma área externa que foi utilizada para a instalação dos equipamentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS As estratégias adotadas para a implantação dos controles ambientais demonstraram-se eficazes quando planejadas e gerenciadas por profissionais competentes. Faz-se necessário o gerenciamento adequado da unidade com a monitorização do funcionamento do sistema de ventilação e padronização de medidas de manutenção para assegurar a proteção dos profissionais da saúde e minimizar os riscos ocupacionais. Profissionais de enfermagem, engenharia e controle de infecçãodevemsomaresforçosparaoferecerumambiente que assegure a saúde dos trabalhadores. Recomenda-se a implantação de um sistema de climatização com pressão negativa do ar para instituições com risco para a transmissão de tuberculose. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle da tuberculose (PNCT). [Citado 2009 dez. 4]. Disponível em: <http://portal.saude. gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=28055> 2. World Health Organization. WHO Report, 2009 Global tuberculosis control – Brazil. [Citado 2009 dez. 4]. Disponível em: <http://www.who.int/ tb/publications/global_report/2009/pdf/bra.pdf > 3. Centers for Disease Control and Prevention. Guidelines for preventing the transmission of Mycobacterium tuberculosis in health-care settings, 2005. MMWR. 2005; 54(RR17): 1-141. 4. Beck-Sagué C, Dooley SW, Hutton MD, et al. Hospital outbreak of multidrug-resistant Mycobacterium tuberculosis infections. 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Lima Baroni1 Paula Cambraia de Mendonça Vianna2 Suelene Coelho3 RESUMO A Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG) incorporou-se à formação de trabalhadores de nível médio há mais de 25 anos, em consonância com os movimentos na área da saúde e enfermagem. O objetivo com este estudo foi analisar a proposta metodológica utilizada pela EEUFMG em parceria com o Ministério da Saúde, tendo como referência o instrumento de avaliação do curso aplicado nas turmas de alunos (técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde). Na construção dos currículos, foi utilizada a concepção pedagógica crítico-reflexiva, e sua organização possibilitou a articulação entre teoria e prática e a interdisciplinaridade dos conteúdos. Na construção do modelo avaliativo, utilizou-se uma concepção de avaliação que supera a ênfase na mensuração, descrição e julgamento. Como resultado, observou-se que a maior parte dos alunos apontou a metodologia problematizadora e a organização curricular integrada como principais fatores que facilitaram o processo de ensino-aprendizagem. Palavras-chave: Metodologia; Educação em Enfermagem; Recursos Humanos. ABSTRACT The Nursing School at the Federal University of Minas Gerais (EEUFMG) has taken part in the education of technical health workers for 25 years keeping in line with the developments in the health and nursing area. The objective of this study was to analyse the methodological proposal employed by the EEUFMG in partnership with the Ministry of Health, taking as reference the evaluation process used in the courses (nursing technicians and community health workers). The construction of the syllabuses was based in the critical reflective pedagogical concept and its organization enabled the articulation between theory and practice and the topics interdisciplinarity. In constructing the evaluation criteria an evaluation conception that goes beyond the emphasis on measurement, description, and judgment was used. As a result, most students pointed out that the critical methodology and the integrated curriculum model facilitated the teaching-earning process. Key words: Methodologies; Nursing Education; Human Resources. RESUMEN Hace más de veinticinco años que la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal de Minas Gerais (EEUFMG), en armonía con los movimientos en el área de salud y enfermería, se dedica a la formación de trabajadores de nivel medio. El presente estudio tiene como objeto analizar la propuesta metodológica empleada por la EEUFMG, conjuntamente con el Ministerio de Salud, teniendo como referencia la herramienta de evaluación del curso aplicado en las promociones de alumnos (Técnicos en Enfermería y Agentes Comunitarios de Salud). En la construcción de los currículos se utilizó la concepción pedagógica crítico reflexiva y su organización permitió articular teoría/ práctica a la interdisciplinariedad de los contenidos. El modelo de evaluación se construyó con una concepción de evaluación que supera el énfasis en la mensuración, descripción y juicio. El resultado señala que la mayoría de los alumnos considera que la metodología problematizadora y la organización curricular integrada son los factores principales para facilitar el proceso de enseñanza- aprendizaje. Palabras clave: Metodologías; Educacióne en Enfermería; Recursos Humanos. 1 2 3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da EEUFMG. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da EEUFMG. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora aposentada da EEUFMG. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência - Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG) - Av: Professor Alfredo Balena, 190. CEP:30130-100. Santa Efigênia, Belo Horizonte - MG. E-mail: paulacmvgmail.com remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 601-606 out./dez., 2011 601 metodologias inovadoras na formação de nível médio em saúde INTRODUÇÃO A Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG) incorporou-se à luta em prol da formação de trabalhadores de nível médio há mais de 25 anos em consonância com os movimentos na área da saúde e enfermagem. No período de 2000 a 2005 a EEUFMG constituiu parceria com o Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem PROFAE/MS (BRASIL, 2001) para a qualificação do Auxiliar de Enfermagem e, para a Habilitação Profissional de Técnico de Enfermagem e de 2004 a 2010, desenvolveu o processo de Formação Inicial do Agente Comunitário de Saúde no Estado de Minas Gerais (BRASIL, 2004). O currículo de cada curso foi construído com base na concepção pedagógica crítico-reflexiva, considerando as formas de aprender do aluno adulto, seus esquemas de assimilação, os determinantes histórico-sociais e a influência dos padrões culturais nos processos de ensino/ aprendizagem. A organização curricular possibilitou a articulação entre teoria e prática e a interdisciplinaridade dos conteúdos.3 O desenvolvimento de atitudes, tais como responsabilidade, solidariedade, iniciativa, compromisso, respeito e trabalho em equipe, perpassou todo o processo de ensino/aprendizagem, buscando-se garantir o desenvolvimento de valores e atitudes que dão expressão técnica, social e política à profissão. do Curso de Qualificação Profissional Auxiliar de Enfermagem (CQPAE) na modalidade de ensino descentralizado, voltado para a clientela de trabalhadores de enfermagem inseridos na rede de serviços de saúde. O curso foi desenvolvido em parceria com as instituições de serviços de saúde do Estado de Minas Gerais. No final de 2000, a EEUFMG tornou-se parceira do Ministério da Saúde na execução do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE), com o objetivo de promover a melhoria da qualidade da atenção ambulatorial e hospitalar, por meio da redução do déficit de pessoal auxiliar de enfermagem qualificado. O projeto se insere no cerne da implantação de uma política nacional de recursos humanos para a saúde, com ênfase na qualificação dos trabalhadores da área da saúde e na humanização do atendimento em saúde, questões, por sua vez, indissociáveis do ideário de criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e da institucionalização da saúde como direito de cidadania. Em 2002, foi criado o Curso de Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem (CEPTENF), no sentido de se ajustar às demandas do mercado de trabalho em saúde e atender ao Parecer CNE/CEB nº 16/99 à Resolução CEB nº 04/99. 5,6 Na construção do modelo avaliativo, utilizou-se uma concepção de avaliação que supera a ênfase na mensuração, descrição e julgamento.4 Nesse sentido, o objetivo com este estudo foi analisar a proposta metodológica utilizada pelo Curso de Educação Profissional da EEUFMG, tendo como referência o instrumento de avaliação do curso aplicado nas turmas de alunos dos cursos Técnico de Enfermagem e Agente Comunitário de Saúde. O CEPTENF participou da formação de pessoal de nível médio na área da enfermagem, em parceria com o Ministério da Saúde,1 em duas modalidades: qualificação profissional de auxiliar de enfermagem e habilitação profissional de técnico em enfermagem, com vista a contribuir para a melhoria da assistência de enfermagem e de saúde da população. Para tal, foram estabelecidos convênios com as instituições prestadoras de serviços de saúde tais como secretarias municipais de saúde, hospitais e escolas de graduação em enfermagem do Estado de Minas Gerais. Sua execução ocorreu na modalidade descentralizada, oferecendo turmas em 242 municípios. A TRAJETÓRIA DA EEUMG NA FORMAÇÃO DE NÍVEL MÉDIO O PROFAE foi finalizado em julho de 2005, sendo que a EEUFMG formou 2.300 auxiliares e 3.520 técnicos de enfermagem, durante a operacionalização do projeto. Em 1980, a EEUFMG integrou-se ao Projeto Larga Escala, proposto por convênio Interministerial − Ministério da Saúde, Previdência e Assistência Social e Organização Panamericana de Saúde. O propósito com esse projeto era estabelecer uma estratégia nacional para a formação dos trabalhadores que atuavam na rede de serviços de saúde sem possuir qualificação e formação adequada. Dentre eles se destacavam, por sua importância numérica e imprescindibilidade, os atendentes de enfermagem. Engajada nesse processo, a Escola participou da produção e revisão dos Guias Curriculares, implantou o Curso de Especialização em Enfermagem de Saúde Pública (CEESP), objetivando a preparação de enfermeiros para atuar no processo de qualificação do pessoal auxiliar, tendo sido referência para o processo de formação em outros Estados. Em 1996, a Escola ampliou sua ação na formação de recursos humanos de enfermagem com a criação 602 Em decorrência do PROFAE, a Escola vem participando da elaboração e da implementação da metodologia utilizada no processo de avaliação e certificação profissional proposto pelo Sistema de Certificação de Competências (SCC/PROFAE/MS) desde 2001. Nesse mesmo ano, participou da construção do perfil de competências profissionais do auxiliar de enfermagem, bem como da elaboração do banco de questões avaliativas, junto com outras instituições de ensino do País. Em 2006, participou da elaboração da dimensão do saber-ser do processo de avaliação das competências profissional do auxiliar de enfermagem promovida pelo SCC/PROFAE/MS. Em 2007, a EEUFMG participou do processo de Validação da Metodologia de Avaliação de Competências/PROFAE, juntamente com as Escolas Técnicas do SUS do Paraná, Rio Grande do Norte, Acre e Distrito Federal. Foram avaliados 128 auxiliares/técnicos de enfermagem. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 601-606 out./dez., 2011 Desde 2004, a EEUFMG vem participando da formação inicial do agente comunitário de saúde, em parceria com o Ministério da Saúde, cuja formação está pautada pela política de educação profissional em curso. Dessa maneira, considera a atuação do ACS no contexto das transformações das práticas de saúde, integrante das Equipes do Programa de Saúde da Família (ESF) desenvolvendo seu papel social nas comunidades, por meio de ações intersetoriais na assistência social, na família e no meio ambiente. As ações do ACS destacamse na promoção da saúde e prevenção de agravos, o que exige domínio do processo de trabalho, capacidade de analisar criticamente sua prática de forma contextualizada. Até o momento, foi realizada a educação permanente de 4.757 agentes comunitários de saúde, pertencentes a sete Gerências Regionais de Saúde de Minas Gerais (Alfenas, Belo Horizonte, Coronel Fabriciano, GovernadorValadares, Nova Lima e Pouso Alegre). O DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIAS INOVADORAS NA FORMAÇÃO DE NÍVEL MÉDIO O projeto político-pedagógico e os Guias Curriculares do CEPTENF, compostos por módulos de ensinoaprendizagem, constituíram uma proposta pedagógica crítico-reflexiva. A metodologia do curso ancora-se no currículo integrado, no qual se articulam as áreas de conhecimento, a teoria e a prática. Por outro lado, a concepção pedagógica problematizadora possibilitou a real integração entre o mundo do ensino e o mundo do trabalho. Do ponto de vista pedagógico, tanto a formação profissional do auxiliar e técnico de enfermagem como do agente comunitário de saúde estão fundamentados em concepções filosóficas crítico-reflexivas que têm como eixo norteador o aprender a aprender, que engloba aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser. Além disso, buscou-se desenvolver a autonomia e o discernimento, no âmbito de sua competência, para assegurar a integralidade, a equidade, a qualidade e a humanização das ações prestadas ao indivíduo, à família e à comunidade. Para tal, foi necessário desenvolver estratégias para garantir a integração entre teoria e prática, a articulação do processo-ensino aprendizagem e do trabalho em saúde, bem como atitudes e valores éticos orientados para a cidadania e para a solidariedade. Para o acessoaoscursosdeformaçãoprofissional,exigiu-secomo requisito que os alunos fossem trabalhadores dos serviços de saúde existentes nos municípios conveniados. Por se tratar de curso com turmas fora da sede e integrada com os serviços de saúde (hospitais, ambulatórios e Unidades Básicas de Saúde), os equipamentos e instrumentos de rotina foram considerados como recursos didáticos para o desenvolvimento do curso. No caso do curso de Formação do Agente Comunitário de Saúde, destaca-se a parceria estabelecida com as secretarias municipais de saúde, por meio da liberação dos enfermeiros e ACSs, durante o horário de trabalho. Assim, os enfermeiros das secretarias municipais de saúde atuaram como instrutores do processo ensinoaprendizagem. A avaliação dos alunos ocorreu de forma processual e contínua, acompanhando a aprendizagem na identificação do sucesso e das dificuldades apresentadas durante as unidades didáticas do curso.7 Dessa maneira, a avaliação tornou-se um ato exercido habitual e cotidianamente.8 Foi realizada por meio do acompanhamento das atividades, nos períodos de concentração e dispersão, por docentes e profissionais de saúde envolvidos no processo de formação, verificandose o alcance de competências e desempenhos específicos esperados, segundo os critérios estabelecidos em cada Unidade Didática. Os resultados foram registrados em fichas próprias. ANÁLISE DA PROPOSTA METODOLÓGICA UTILIZADA PELO CEPTENF/UFMG Asinformaçõesconstantesparaaanáliseforamcompiladas dos instrumentos de avaliação do desenvolvimento geral dos cursos, preenchidos pelos alunos ao final destes. Esse instrumento permitiu uma visão geral das opiniões expressas em cada uma das turmas, possibilitando uma atuação mais efetiva. No que se refere ao desempenho dos alunos, a metodologia utilizada possibilitou: • a aproximação da teoria com a realidade profissional proporcionando melhor assistência à saúde individual e da comunidade; • o interesse e a responsabilidade para com os colegas, instrutores e para com os pacientes; • o desenvolvimento de habilidades profissionais e a realização de ações de saúde com maior segurança; • a troca de experiências e vivências entre os alunos e o instrutor, gerando melhor desempenho e relacionamento entre todos; • a mudança de comportamento e de postura profissional com valorização e oportunidade do trabalho em equipe; • a oportunidade de conhecer, analisar e refletir sobre a realidade das instituições, pacientes e famílias sob responsabilidade de tais trabalhadores; • o desenvolvimento de habilidades técnicas, principalmente para as visitas domiciliares; • a melhora da autoestima e oportunidades para aluno se desinibir, bem como o despertar de interesse por áreas que até então não conhecia ou dominava; • a valorização da prática profissional, resultando em melhora na condução das ações a serem desempenhadas; • a criação de um espaço livre para o esclarecimento de dúvidas e criatividade diante das atividades propostas; remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 601-606 out./dez., 2011 603 metodologias inovadoras na formação de nível médio em saúde • a aprendizagem por meio da interpretação dos textos, embora alguns tenham sido apontados como complexos; • desempenho de atividades com clareza, precisão e objetividade, com estímulo ao aproveitamento de conhecimentos e experiências prévias; • o crescimento como pessoa e o reconhecimento como cidadão de direitos e deveres. • disponibilidade e paciência para esclarecer dúvidas, criatividade em sala de aula e na prática; Para ensinar, é necessário que exista a convicção de que a mudança é possível,9 e esse fato ficou visível nos relatos dos alunos do Curso de Educação Profissional da EEUFMG. Para o autor, um dos primeiros saberes do educador é de que sua presença vá se tornando convivência com o aluno, partindo de seu contexto de trabalho, buscando estar com ele diante dos problemas que apresenta. Assim, a história pode ser vista como uma possibilidade, algo que“está sendo”. Nesse contexto de ensino, o indivíduo não é somente aquele que constata, mas também o que intervém como sujeito das mudanças. O sujeito tem oportunidade de construir o mundo com sua “subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade”com a qual dialeticamente ele se relaciona.9 Assim, o indivíduo não é apenas objeto da história, mas sujeito, que, ao constatar algo, utiliza seu conhecimento não para ficar estático, mas para mudar. Podemos constatar, também, que a metodologia do curso permitiu um espaço de liberdade necessário para o processo criativo, como pode ser constatado no seguinte comentário dos alunos: Houve a criação de um espaço livre para o esclarecimento de dúvidas e criatividade frente às atividades propostas. O grande problema que se coloca ao educador ou à educadora de opção democrática é como trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade de limite seja assumida eticamente pela liberdade. Quanto mais criticamente a liberdade assuma o limite necessário tanto mais autoridade tem ela, eticamente falando, para continuar lutando em seu nome.9 Em relação ao desempenho docente, tanto nos momentos de concentração (teoria) quanto da dispersão (prática), salientamos que houve: • participação ativa dos instrutores durante as atividades de concentração; • interesse e disposição para aprender e ensinar, promover o diálogo e a troca de experiências; • bom desempenho e domínio do conteúdo dos Guias Curriculares e estímulo ao trabalho em equipe; • responsabilidadecomoprocessoensino-aprendizagem e na relação com o serviço. Pelos relatos, verifica-se que a prática político-pedagógica do curso indica estreita coerência entre teoria e prática. Isso se deve, em parte, à educação permanente dos instrutores, com carga horária de 90 horas, ofertada entre as unidades didáticas do curso. Diante de novos espaços de formação e de inovação educacionais que se abrem hoje, a escola, mais do que lecionadora, deve ser gestora do conhecimento, e o professor, mais que um transmissor do conhecimento deve ser um animador, ‘um amigo do conhecimento’.8 Ainda para o autor, discorrer sobre as perspectivas atuais da educação implica“falar, discutir, identificar o espírito presente no campo das idéias, dos valores e das práticas educacionais”.8 Quanto aos recursos didáticos do curso, a percepção dos alunos foi de que: • os Guias Curriculares possuem uma metodologia interessante, facilitam a abordagem dos temas e direcionam a metodologia; • os conteúdos dos Guias Curriculares são de ótima qualidade, com informações que promovem o raciocínio crítico, analítico e reflexivo; • os Guias Curriculares aumentam a criatividade e o desempenho dos alunos tanto em sala de aula quanto na dispersão (prática dos serviços); • possuem textos atualizados e direcionados para a prática dos cursos desenvolvidos; • há a utilização de instrumentos adequados no processo de avaliação de desempenho dos alunos. O desenho curricular do curso e sua operacionalização têm como princípio o currículo integrado. De acordo com os relatos dos professores e alunos, ele favoreceu a articulação entre teoria e prática ensino e serviço. A finalidade da organização dos conhecimentos em experiências substantivas de aprendizagem num currículo integrado não é favorecer a capacidade de aprender conteúdos de uma maneira fragmentada, e sim interpretar os conhecimentos que se encontram nessas experiências.10 • resolução de problemas com tomadas de decisões coerentes e empenho para o alcance dos objetivos do curso; • interação dos professores com os alunos tanto na concentração quanto na dispersão; • interação dos professores da concentração com os da dispersão e os alunos, propiciando a participação de todos; • interesse pela busca de informações, sobretudo quando estas não constavam no material didático; 604 Os Guias Curriculares foram elaborados com sequências de atividades, cuja metodologia problematizadora possibilitou a construção do conhecimento partindose de uma situação concreta da realidade profissional dos alunos. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 601-606 out./dez., 2011 A interdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado implica criar novos objetos de conhecimento para fazer do conhecimento algo efetivo que permita continuar aprendendo e converta, de novo, a atividade de ensino numa aventura social e intelectual.10 Como pode ser visualizada nos relatos, a construção do Guia curricular parece ter servido como facilitador do processo ensino aprendizagem tanto para professores quanto para os alunos. A avaliação dos alunos foi realizada por meio do acompanhamento de suas atividades, nas aulas teóricas (período de concentração) e práticas (período de dispersão), verificando-se o alcance de competências e desempenhos específicos esperados. A avaliação implica criar hierarquias de excelência, por meio das quais se decidirão a progressão no curso seguido.7 Para o autor, avaliação também pode ser "privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros."7 Com relação ao desenvolvimento do curso, alguns fatores facilitadores e dificultadores sobressaíram no andamento das atividades. Fatores facilitadores: • pedagogia problematizadora, currículo integrado, material didático e capacitação dos docentes; • apoiodosgestores/secretáriosdesaúdedosmunicípios envolvidos, com a aquisição de material necessário ao curso por parte do município; • motivação e envolvimento dos professores e alunos para o desenvolvimento do curso; • apoio dos coordenadores pedagógicos aos locais e dos locais aos instrutores, com educação continuada em serviço: • reuniões da coordenação local com os docentes da concentração e dispersão; • reuniões da coordenação pedagógica de turma com os coordenadores locais; • local apropriado para atividades de concentração, localização do local do curso, flexibilidade do programa. Fatores dificultadores: • distância entre os municípios sedes e os municípios dos ACSs e condições físicas das estradas e condições climáticas desfavoráveis (período das chuvas); • dificuldade de locomoção dos alunos da zona rural de alguns municípios para os municípios sede por ocasião da concentração; • alguns instrutores e alunos tiveram de assumir despesas com material para as atividades propostas e alimentação dos alunos em decorrência de problemas de infraestrutura dos municípios e da falta de compromisso de alguns gestores; • alguns textos do Guia Curricular foram complexos e de difícil compreensão por parte dos alunos, daí a necessidade de buscar outros textos de apoio; • instrumentos de avaliação extensos e redundantes. Acredita-se que a divergência observada nos relatos pode estar ligada a diferentes maneiras de apreensão e assimilação de conteúdos, bem como às diferentes formas de inserção e participação dos diversos atores envolvidos no processo de formação. Entretanto, faz-se necessária melhor compreensão dos fatos, visando à superação de possíveis obstáculos encontrados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da proposta político-pedagógica do curso de Educação Profissional da EEUFMG denota a utilização de metodologias inovadoras no ensino médio – por exemplo, o currículo integrado possibilitou a real integração entre o mundo do ensino e o mundo do trabalho. Embora tenham sido apontados aspectos dificultadores no desenvolvimento do curso, verificouse que os facilitadores os superaram, tanto na visão dos alunos quanto dos professores. O Ministério da Saúde tem investido fortemente na política de educação profissional, articulando estratégias que envolvem o aumento da escolaridade, a profissionalização e a educação permanente dos trabalhadores do setor. Nesse contexto, a EEUFMG vem cumprindo seu compromisso social e histórico com a qualidade da assistência à saúde da população, ao realizar a formação de 2.300 auxiliares e 3.520 técnicos de enfermagem e 4.757 agentes comunitários de saúde, totalizando 10.577 profissionais da saúde. Com base nas orientações da atual política de educação profissional, a Escola vem aprofundando as discussões e reflexões sobre o processo de regulação da formação dos trabalhadores de saúde, cuja perspectiva explicita uma concepção de formação que lhes permita a elevação da escolaridade e do desempenho profissional. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem. Brasília: MS; 2001. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Referencial curricular para o curso técnico de agente comunitário de saúde. Brasília: MS; 2004. 3. Davini MC. Currículo Integrado. In: Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Geral de Desenvolvimento de Recursos Humanos para o SUS. Capacitação pedagógica para instrutor /supervisor– Área da saúde.Brasília: MS; 1994. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 601-606 out./dez., 2011 605 metodologias inovadoras na formação de nível médio em saúde 4. Deffune D, Depresbiteris L. Competências, habilidades e currículos de educação profissional: crônicas e reflexões. São Paulo: Senac; 2000. 102 p. 5. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Parecer CNE/CEB nº 16/99 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Educação profissional e tecnológica: legislação básica. 6ª ed. – Brasília: Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica; 2005. 6. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Resolução CNE/CEB nº 04/99 – Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Educação profissional e tecnológica: legislação básica. 6ª ed. – Brasília: Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica; 2005. 7. Perrenoud P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1999. 8. Gadotti M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 2000. 9. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1996. 10. Hernandez H. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: ArtMed;1998. Data de submissão: 4/11/2010 Data de aprovação: 4/4/2011 606 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 601-606 out./dez., 2011 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE JUNTO AOS ADOLESCENTES PARA A PREVENÇÃO DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS HEALTH EDUCATION AMONG TEENAGENS FOR THE PREVENTION OF SEXUALLY TRANSMITTED DISEASES LA EDUCACIÓN EN SALUD CON LOS ADOLESCENTS PARA LA PREVENSIÓN DE ENFERMEDADES DE TRANSMISIÓN SEXUAL Kelanne Lima da Silva1 Carlos Colares Maia2 Fernanda Lima Aragão Dias3 Neiva Francenely Cunha Vieira4 Patrícia Neyva da Costa Pinheiro5 RESUMO Neste artigo, relata-se uma atividade educativa realizada em uma escola com adolescentes, a qual proporcionou, por meio de recursos tecnológicos, reflexões críticas em relação à prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV). A atividade foi realizada com alunos pertencentes à faixa etária entre 14 e 18 anos, que cursavam o ensino médio numa escola pertencente à Secretaria Executiva Regional III, Fortaleza-CE. Foram realizados seis encontros com técnica de dinâmica grupal, nos quais foram abordados temas como: características secundárias, sexualidade, métodos contraceptivos, DSTs e HIV. Essas oficinas possibilitaram aos adolescentes discutir sobre a prevenção de DSTs e a infecção pelo vírus HIV, com participação ativa e interação com seus pares e educadores. Os adolescentes participantes demonstraram interesse em adquirir mais conhecimentos e ampliar os já existentes. Palavras-chave: Educação em Saúde; Saúde do Adolescente; Doenças Sexualmente Transmissíveis. ABSTRACT This article describes an educational activity carried out in school with adolescents. Via technological resources the activity provided the opportunity to reflect critically about the prevention of Sexually Transmitted Diseases (STDs) and the infection by the Human Immunodeficiency Virus (HIV). It was carried out with high school students between 14 to 18 years old from the 3rd Regional Executive Office in Fortaleza-CE, Brazil. Six group dynamics seminars were performed. They approached themes like secondary sexual characteristics, sexuality, contraceptive methods, STDs and HIV. These workshops made possible the discussion of STD’s prevention and HIV infection with the adolescents’active participation and interaction with their colleagues and educators. The participants demonstrated great interest in obtaining more information about the subject as well as in broadening the knowledge they already had about theme. Key words: Health Education; Adolescent Health; Sexually Transmitted Diseases. RESUMEN En este artículo se describe la actividad educativa llevada a cabo en un colegio con adolescentes. A través de recursos tecnológicos se brindó la oportunidad de reflexionar sobre la prevención de enfermedades de transmisión sexual (ETS) y de infección por el virus de inmunodeficiencia humana (VIH). La actividad se realizó con estudiantes entre 14 y 18 años del secundario de un colegio de la Secretaría Ejecutiva Regional III de Fortaleza-CE, Brasil. Se realizaron seis encuentros con la técnica de dinámica en grupo donde se trataron temas tales como características secundarias, sexualidad, anticoncepción, ETS y VIH. En estos talleres los adolescentes pudieron hablar sobre la prevención de ETS e infección por VIH y, asimismo, participar activamente e interactuar con sus compañeros y educadores. Los adolescentes manifestaron interés en adquirir más conocimiento y ampliar los existentes. Palabras clave: Educación en Salud; Salud del Adolescente; Enfermedades de Transmisión Sexual. 1 2 3 4 5 Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza-CE. Integrante do Projeto de Pesquisa “Aids: educação e prevenção”. Bolsista do Projeto de Pesquisa “Desmistificando crenças e valores de adolescentes do sexo masculino em favor da prevenção de DST/aids, da UFC, financiado pela FUNCAP/CNPq/PPP. Acadêmico de Enfermagem da UFC. Integrante do Projeto de Pesquisa “Aids: educação e prevenção”. Enfermeira. Especialista em Enfermagem Clínica pela Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE. Mestranda do Curso de Mestrado em Enfermagem da UFC. Integrante do Projeto de Pesquisa “Aids: educação e prevenção”. E- mail: [email protected]. Enfermeira, PhD. Universidade de Bristol. Professora adjunta da UFC. Coordenadora do Projeto de Pesquisa “A tecnologia educacional e os modelos de Educação em Saúde nas ações de enfermagem e promoção da saúde”. CNPq. Processo: 409365/2006-8. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da UFC. Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Desmistificando crenças e valores de adolescentes do sexo masculino em favor da prevenção de DST/aids”. FUNCAP/CNPq/PPP. Processo nº 0006-00/2006. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Rua Marquesa dos Santos, 270, Messejana, Fortaleza-CE, Brasil. CEP: 60871645. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 607-611 out./dez., 2011 607 A Educação em Saúde junto aos adolescentes para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis INTRODUÇÃO A adolescência é uma fase da vida caracterizada pelo rápido crescimento corporal, pelo aparecimento e desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e pelo processo de maturação cognitiva, social e emocional. Cronologicamente, é o período da vida situado entre, aproximadamente, 12 e 18 anos de idade.1 Assim, o processo de adolescer é marcado pela manifestação de inúmeros sentimentos, como ansiedade, medo, dúvida, já que eles vivenciam não somente alterações físicas, mas também alterações hormonais, comportamentais e sociais.2 Vivenciar a sexualidade com um parceiro ou parceira é uma das experiências de maior repercussão na vida do adolescente. É a vivência do novo e um processo de experimentação pessoal fortemente influenciado por fatores sociais e culturais do grupo ao qual o jovem pertence, que ocasiona o surgimento de dúvidas sobre as quais, muitas vezes, a família e a escola não discutem, conduzindo muitos a conversar sobre sexo e sexualidade com amigos, outros a buscar informações na mídia e alguns a não esclarecer suas dúvidas.3-5 Diante disso, reforça-se que o ambiente escolar é um espaço de interação social que influencia o comportamento dos jovens, sendo referência para o seu modo de agir, pensar e de conduzir seus problemas. Por isso, a escola deve ser um meio para promover a saúde dos educandos, mediante o compartilhamento de experiências. Isso os leva a constituir ambientes saudáveis ao exercício da cidadania, capacitando-os a cuidar de si e a agir na defesa da promoção da sua saúde física, emocional e sexual.6-8 Um dos temas fundamentais para a realização de atividades educativas críticas e reflexivas é a prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis/Vírus da Imunodeficiência Adquirida (DSTs/HIV), sobretudo porque, aproximadamente, 1 milhão de pessoas no mundo inteiro são acometidas por DSTs e pelo HIV. A estimativa é de que ocorram 12 milhões de novos casos de DSTs curáveis anualmente no Brasil e, dentre esses casos, 25% devem acometer jovens menores de 25 anos. Além desse fator, o acometimento por DSTs representa sério impacto na saúde reprodutiva dos adolescentes e aumenta o risco de infecção pelo HIV em 40%.9-11 Associado a esses dados, há 57,7% de casos de Aids em indivíduos na faixa etária entre 20 e 39 anos.12 Considerando o período de latência da infecção pelo HIV, que dura em média dez anos,13 pode-se especular que a maioria dos casos ocorreu na adolescência, quando, provavelmente, esses indivíduos iniciaram a vida sexual. De fato, um estudo conduzido por Abramovay et al.14 mostrou que 40% dos adolescentes brasileiros começam a vida sexual com, no máximo, 15 anos de idade. Esse cenário justifica a necessidade de implementação de atividades educativas pelos importantes setores sociais, como a escola, uma vez que os adolescentes, 608 cada vez mais, iniciam precocemente a vida sexual, estando vulneráveis às DSTs.15 As atividades de Educação em Saúde podem ser praticadas no espaço escolar, mediante a realização de oficinas, uma vez que facilitam a interação entre educador e educando mediante o desenvolvimento de dinâmicas de grupo e o emprego de comunicação adequada, o que favorece a aprendizagem compartilhada, a formulação coletiva do conhecimento e a aquisição da autonomia pelos adolescentes no cuidado de sua saúde física, mental e emocional 16-18 Já que é significativo o número de adolescentes acometidos por DSTs e que o decurso de adolescer é caracterizado por ser um período de maturação física, psíquica e emocional, é salutar a realização de oficinas, com o intuito de conversar com os adolescentes sobre sexualidade e sexo seguro para a prevenção de DSTs/HIV, além de esclarecer-lhes as dúvidas sobre tais assuntos e conscientizá-los sobre a adoção de comportamentos favoráveis à saúde sexual deles. Por tal razão, foi relevante relatar uma atividade educativa com adolescentes abordando temáticas relacionadas à prevenção das DSTs/HIV, mediante recursos tecnológicos e descoberta de curiosidades, dúvidas e anseios de aprendizagem dos participantes, verificando o conhecimento que eles demonstram sobre a temática apresentada, contribuindo, assim, para a mudança de comportamento dos adolescentes em relação à prevenção das DSTs/HIV. DESCREVENDO A EXPERIÊNCIA Foram realizadas seis atividades educativas com duração de duas horas cada, com estudantes do 1º ano do ensino médio de uma escola pública do Município de FortalezaCE, vinculada ao projeto de extensão do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), cuja temática foi “Aids: educação e prevenção”. Participaram das atividades, efetuadas no decorrer dos meses de abril, maio e junho de 2008, 31 adolescentes, de ambos os sexos, na faixa etária entre 14 e 18 anos de idade. A primeira oficina foi realizada com 22 alunos, sendo 10 do sexo masculino e 12 do sexo feminino. Dois alunos não quiseram participar, ficando apenas como ouvintes. Nesse primeiro encontro foram explicados aos adolescentes os objetivos almejados com a realização das atividades educativas e pactuados dias e horários para a efetuação dos encontros, como também os assuntos que eles queriam que fossem abordados. Dessa forma, os temas de interesse dos adolescentes foram: características secundárias, sexualidade, métodos contraceptivos, DSTs e HIV. Depois desse momento, solicitou-se aos adolescentes que se apresentassem ao grupo e dissessem se já haviam conversado com alguém sobre sexualidade. A maioria disse que os amigos eram as pessoas com as quais remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 607-611 out./dez., 2011 comentavam sobre esse assunto. Uma aluna disse que a mãe já havia conversado com ela sobre “camisinha” e “pílulas anticoncepcionais”. Além disso, um deles comentou que as informações que tinha a respeito do assunto, eram provenientes da televisão, exigindo dos facilitadores que o papel da mídia fosse debatido. Para conhecer um pouco dos adolescentes, eles se dividiram em duplas, e cada um teve de apresentar seu companheiro relatando suas características pessoais e atribuindo-lhe um nome identificador mediante justificativa, enquanto a pessoa que recebia o novo nome tinha de dizer se concordava ou não. Essa técnica foi baseada na dinâmica “Tribo indígena”, divulgada na revista Adolescer, da ABEN,19 e utilizada para conhecer melhor a personalidade de cada um e observar se a turma se conhecia. Para finalizar e descontrair, o grupo foi dividido em duas equipes, e cada uma teve de fazer três mímicas para o outro grupo descobrir. Na segunda oficina, foram utilizadas dinâmicas de grupo, juntamente com o diário de campo, da qual participaram 18 alunos, 9 homens e 9 mulheres, e um aluno não quis participar e permaneceu como ouvinte. O tema era“características secundárias”, cujo objetivo foi esclarecer as dúvidas a respeito das mudanças no corpo e as consequências desse desenvolvimento. Primeiro, questionou-se aos adolescentes quais eram as diferenças entre os homens e as mulheres, pois, em vez de esperar que eles aprendessem tudo o que se achava que precisavam saber, era possível ensiná-los a refletir sobre as informações que já haviam recebido, aprender a manejá-las e tomar decisões seguras para a vida deles.20 Assim, com base nos ensinamentos de Paulo Freire, partiu-se das informações que já sabiam sobre o assunto, com a finalidade de facilitar a aprendizagem.21 Todas as respostas foram coerentes, mas percebeu-se que as informações eram expressas de forma insegura. Cada diferença entre os sexos foi explicada com ênfase nos efeitos dos hormônios sexuais. O momento mais importante desse encontro foi quando se dividiu a turma por sexo, ficando a facilitadora com as meninas e o facilitador com os meninos. Nesse instante, os adolescentes puderam esclarecer as dúvidas e se sentiram mais à vontade para isso. Os assuntos mais questionados no grupo feminino foram a respeito da menstruação, preservativo feminino, primeira relação sexual e por que os homens não gostavam de usar preservativo. Assim, duas adolescentes revelaram que tinham relação sexual com o uso do preservativo masculino. No grupo dos garotos, as principais dúvidas foram sobre os efeitos da masturbação e a questão do ato sexual. Um rapaz de 17 anos se sentiu bastante à vontade, de tal forma que relatou para o grupo alguns aspectos da sua vida sexual, havendo ressaltado que não usava preservativo com frequência. Na terceira oficina, houve 27 participantes, 11 homens e 16 mulheres, e dois alunos optaram por não participar, mas permaneceram como ouvintes. Havia 11 garotos e 16 meninas. O propósito com esse encontro foi esclarecer as dúvidas dos adolescentes a respeito da sexualidade. Utilizou-se a dinâmica “Jogos dos mitos e das realidades”, divulgada na revista Adolescer.19 A turma foi dividida em cinco grupos e cada equipe recebeu dois papéis, num deles escrita a palavra“realidade”e no outro, o vocábulo“mito”. As frases que abordavam temas referentes aos aspectos da sexualidade, que se referiam às informações que eles tinham no cotidiano, foram lidas e, na ocasião, todas as equipes tinham de levantar um dos papéis, classificando as frases. Assim, todos os temas das sentenças foram discutidos e explicados no sentido de esclarecer as dúvidas, que foram:“Só com uma relação sexual a mulher pode engravidar?” “Qual a acessibilidade ao posto de saúde para receber os preservativos feminino e masculino, pílulas anticoncepcionais, câncer de testículos, tamanho do pênis e sua relação com a potência sexual do homem?” A questão mais polêmica foi o fato de as drogas não serem estimulantes sexuais, pois eles informaram que tinham amigos que usavam drogas e diziam que ter relações sexuais sob o efeito das drogas era melhor e mais prazeroso. No final do encontro, os alunos expressaram ter gostado da experiência, pois havia situações que eles julgavam certas e que, após as discussões, perceberam que muitos dos conceitos e atitudes deles eram apenas embasados em mitos ou preconceitos que precisavam ser repensados. Na quarta oficina, o objetivo foi esclarecer as dúvidas a respeito do emprego de métodos contraceptivos, mostrar a importância do uso deles, enfocando a diferença entre prevenir doença e gravidez. Estiveram presentes 28 alunos, mas 2 não quiseram participar e ficaram como ouvintes. Eram 11 do sexo masculino e 17 meninas. Primeiramente, perguntou-se sobre os métodos de contracepção que eles conheciam, e eles citaram: Quando o homem não faz mais filho; Mulher ligada; Quando o homem goza fora; Pílula; Injeção; Pomada que coloca na vagina. Percebeu-se que eles tinham algum conhecimento sobre os métodos, mas não sabiam qual a denominação correta. De acordo com o que eles citaram, os métodos foram explicados e, ainda, acrescidos a “tabelinha”, o DIU, o diafragma e a pílula do dia seguinte. Enfatizou-se a utilização dos métodos relativos à prevenção das DSTs/ HIV e da gravidez, considerando que alguns previnem apenas a gravidez. No final, foi feita a dinâmica “Cores da prevenção”, publicada na revista Adolescer.19 A turma foi dividida em cinco grupos e cada equipe recebeu uma folha em branco para que eles colocassem os métodos de que se lembravam e classificassem em: VERDE (previne tanto gravidez como doença); AMARELO (só previne um dos dois); VERMELHO (não previne nem doença nem gravidez). Todos os grupos classificaram corretamente a“tabelinha”, a pílula anticoncepcional, o espermicida, o DIU e a camisinha. Apenas três grupos citaram o diafragma, a remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 607-611 out./dez., 2011 609 A Educação em Saúde junto aos adolescentes para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis ligadura de trompas e a vasectomia como métodos que previnem apenas a gravidez, e não as DSTs, no entanto, três grupos erraram em relação ao coito interrompido, e esse método foi explicado de novo, detalhadamente. Na quinta oficina, o tema de discussão foi DSTs. Estavam presentes 29 alunos, mas 2 sempre permaneceram como ouvintes. Havia 12 meninos e 17 meninas. Primeiramente, questionou-se quais as doenças que eles conheciam, e eles citaram: crista-de-galo, gonorreia, sífilis, clamídia, aids e herpes. Nota-se que eles conheciam as doenças, mas não se lembravam exatamente do nome científico de algumas. Assim, explicou-se cada uma das DSTs, mas sem as fotos das doenças, e eles ficaram muito dispersos. Então, resolveu-se deixar a discussão para o encontro seguinte, pois os facilitadores tentariam conseguir as fotos das doenças porque os adolescentes pediram para vê-las. Depois, foi entregue um panfleto sobre DSTs a cada participante, que havia sido conseguido na Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, e lido junto com os adolescentes. Observou-se que esse meio não favoreceu a participação. Alguns deles não estavam prestando atenção, outros nem olharam o panfleto, além de se perceber, ao sair da sala, que havia três exemplares no chão, o que mostrou o desinteresse dos adolescentes em relação ao assunto ou na maneira como o tema foi retratado e discutido. Na sexta oficina, o propósito foi caracterizar as doenças sexualmente transmissíveis e a aids e, também, esclarecer-lhes as dúvidas e tabus, tentando, dessa forma, diminuir o preconceito. Estavam presentes 31 adolescentes, dos quais 15 eram do sexo masculino. A oficina começou com a apresentação das fotos e simultâneo comentário sobre cada DST. Dessa forma, eles interagiram, fazendo perguntas, e ficaram entusiasmados ao verem as fotos; alguns riram e outros ficaram chocados. As DSTs comentadas foram: HPV, gonorreia, clamídia, tricomoníase, cancro mole, sífilis, herpes, linfogranuloma venéreo, hepatite B, candidíase e pediculose do púbis. Para encerrar as atividades, foi elaborado um jogo educativo, conhecido como “cruzadinha de palavras”, pelos facilitadores do processo educativo, como forma de revisão das doenças sexualmente transmissíveis, levando em consideração sinais e sintomas e sua forma de prevenção. Assim, observou-se quanto eles haviam assimilado. Alguns não se lembravam exatamente do nome científico, mas sabiam identificar as DSTs. REFLEXÕES Com base na realização das oficinas educativas, percebeu-se que a escola, os pais e os profissionais de saúde não estão discutindo sobre sexualidade, sexo e prevenção de DSTs/HIV com os adolescentes, visto que os amigos são os mais procurados para dialogar sobre essas temáticas.22 Notou-se, também, que outro meio de conseguir informações é a mídia televisiva, mas as imagens e conteúdos televisivos podem estar 610 contribuindo como fator estimulante da prática sexual dos adolescentes de maneira precoce, uma vez que a maioria dos programas apresenta conteúdos ligados à sexualidade, alguns contêm cenas de sexo exibidas de maneira implícita ou explícita, sem o devido esclarecimento sobre as consequências advindas do relacionamento sexual sem proteção.23,24 Com a realização dessas oficinas, percebeu-se, também, o interesse dos adolescentes pelo tema sexo e sexualidade, pois eles, na maioria das vezes, adotam práticas e/ou comportamentos que os deixam sob maior risco de infecção pelo HIV e outras DSTs, sem se considerarem susceptíveis à infecção. Assim, é necessário abordar questões sobre papéis sociossexuais, desejos e pulsões, resposta sexual, mitos, tabus e crendices sexuais, bem como debater crítica e reflexivamente as práticas sexuais e comportamentos de risco, pois deve-se estimular o jovem a repensar valores, atitudes internalizadas e ações que se exteriorizem no contexto sociocultural.14 Também foi demonstrado, com a realização das oficinas educativas, que as medidas de educação em saúde realizadas foram bem-sucedidas, dado o estabelecimento de uma relação de confiança com os adolescentes e a divisão da turma de acordo com o sexo em um momento. Isso permitiu um diálogo mais aberto e franco e facilitou a interação entre os facilitadores e os adolescentes, bem como efetuou o processo de aprendizagem coletiva e a discussão reflexiva de temas como sexualidade, sexo e prevenção de DSTs/HIV. Dessa forma, os adolescentes precisam, e têm o direito, de receber informações abertas e claras sobre as DSTs e a infecção pelo vírus HIV tanto quanto refletir sobre essas questões e integrá-las à própria vida, por meio da realização de atividades educativas que discutam aspectos como modos de infecção e de prevenção, como as oficinas educativas que foram realizadas e relatadas neste estudo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Encontros com abordagens educativas envolvendo adolescentes na escola possibilitam a conscientização desses jovens sobre a prevenção de DSTs/HIV, pois permitem a realização de exercícios de autorreflexão sobre temáticas de interesse do adolescente, favorecem a satisfação das curiosidades e esclarecimento das dúvidas e dos anseios deles sobre os assuntos relacionados às DSTs/HIV e formas de preveni-las. Observou-se que esses encontros, mesmo sendo realizados em curto período, despertaram a atenção dos adolescentes, que se mostraram interessados em ouvir e participar das discussões sobre as temáticas trabalhadas nas oficinas. Com efeito, nos seis encontros realizados, notou-se que o interesse dos adolescentes em participar era maior, e isso pôde ser comprovado pela frequência, que aumentou no decorrer das sessões e também pelo fato de pedirem a continuidade dos encontros. Outro fator que também pôde comprovar a validade do procedimento foi o fato de que dois alunos, que nunca queriam participar e remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 607-611 out./dez., 2011 ficavam apenas como ouvintes, no último encontro, mostraram-se bem receptivos e participaram das atividades desenvolvidas naquele dia e, nos outros dias, mesmo não tomando parte diretamente nas atividades, estavam sempre atentos a tudo o que ocorria durante as técnicas utilizadas. As dinâmicas grupais também ajudaram no incentivo à participação, visto que se fosse uma palestra, com os adolescentes participando apenas como ouvintes, a assimilação do assunto seria mínima. Assim, quanto mais participativa for a dinâmica, principalmente com a utilização de jogos que despertam a competição, mais bem-sucedidas serão as atividades realizadas em educação em saúde. A importância de começar os encontros com as informações que eles já tinham foi fator positivo, pois aumentou o vínculo entre os facilitadores e os adolescentes, uma vez que, quando o sujeito participa diretamente do seu processo educativo, há contribuição efetiva para a valorização da aprendizagem no grupo.20 Averbalizaçãodeexperiênciasporpartedosadolescentes contribuiu para a elaboração dos encontros, uma vez que o propósito era abordar assuntos relacionados ao cotidiano deles e facilitar a interação interpessoal. Outro fator que também contribuiu para o sucesso dos encontros foi o uso de uma linguagem acessível para o grupo de adolescentes. Assim, é necessária a implementação de estratégias educativas que utilizem a metodologia participativa, para que haja um incentivo à participação de todos e a conscientização dos adolescentes sobre a prevenção da infecção por DSTs/HIV, a fim de empoderá-los ao cuidado de sua saúde sexual. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Justiça. Estatuto da Criança e do Adolescente: 12 anos. Brasília (DF): Ministério da Justiça; 2002. 2. Hockenberry MJ, Wilson D, Winkelstein ML. Wong Fundamentos de Enfermagem Pediátrica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2006. 3. Gubert D, Madureira VSF. Iniciação Sexual de Homens Adolescentes. Ciênc Saúde Coletiva. 2008; 13(supl 2): 2247-56. 4. Mello VP, Gandra LRL, Amaral MA, et al. Adolescência, sexualidade e gênero: possibilidades das oficinas de trabalho crítico-emancipatórias. REME - Rev Min Enferm. 2008; 12(3): 390-5. 5. 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Enferm.;15(4): 607-611 out./dez., 2011 611 A PESQUISA DE CAMPO NA ÁREA DA EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS E AGRAVOS NÃO TRANSMISSÍVEIS: UMA EXPERIÊNCIA EM ÁREA RURAL DA REGIÃO DO VALE DO JEQUITINHONHA, MINAS GERAIS FIELD WORK IN EPIDEMIOLOGY OF NON TRANSMISSIBLE DISEASES RESEARCH: AN EXPERIENCE IN A RURAL AREA OF JEQUITINHONHA VALLEY, MINAS GERAIS EL ESTUDIO DE CAMPO EN EL ÁMBITO DE LA EPIDEMIOLOGÍA DE ENFERMEDADES NO TRANSMISIBLES: UNA INVESTIGACIÓN EN LA ÁREA RURAL DE LA REGIÓN DEL VALLE DEL JEQUITINHONHA, MINAS GERAIS Paula Gonçalves Bicalho1 Gustavo Velásquez Meléndez2 Tatiane Géa Horta3 Mariana Santos Felisbino Mendes4 Andréa Gazzinelli5 RESUMO Neste estudo, discorre-se sobre a experiência de trabalhar com pesquisa de campo sobre as doenças e agravos não transmissíveis com os moradores de comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha-MG. Os pesquisadores relatam a riqueza da experiência dos profissionais de saúde durante o trabalho de campo com essa população, as dificuldades enfrentadas no dia a dia deste trabalho e seus desdobramentos perante a equipe de saúde local. Palavras-chave: Epidemiologia; População Rural; Pesquisa Interdisciplinar; Saúde Pública; Ética em Pesquisa; Doença Crônica. ABSTRACT This study reports the experience of a field research in non-communicable diseases in rural communities of Jequitinhonha Valley, Minas Gerais. The research reports the wealth of experience of the healthcare team in the course of the research when dealing with the area’s residents, pointing out the day to day difficulties, and the experiences when working with the local healthcare professionals. Key words: Epidemiology; Rural Population; Interdisciplinary Research; Public Health; Ethics in Research; Chronic Diseases. RESUMEN Este estudio narra la experiencia del trabajo de investigación de campo de enfermedades no transmisibles con habitantes de comunidades rurales del Valle de Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais. Los investigadores narran la riqueza de la experiencia de los profesionales de salud durante estas tareas con las comunidades locales, las dificultades enfrentadas en el día a día y las experiencias de trabajo con el equipo de salud local. Palabras clave: Epidemiología; Población Rural; Investigación Interdisciplinaria; Salud Pública; Ética en Experimentos; Enfermedades no Transmisibles. 1 2 3 4 5 Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora assistente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG). Professor titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EEUFMG. Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela EEUFMG. Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela EEUFMG. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EEUFMG. Endereço para correspondência – Avenida Alfredo Balena, 190, sala 412, Campus Saúde da Escola de Enfermagem da UFMG. E-mail: [email protected] 612 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 612-616 out./dez., 2011 INTRODUÇÃO A PESQUISA DE CAMPO EM ÁREAS RURAIS O trabalho de campo constitui parte de um estudo científico. É uma atividade realizada por pesquisadores na natureza ou no local onde o fenômeno estudado acontece. Esse trabalho é realizado por meio de coleta e/ou registro de dados, caracteres, informações relacionadas ao fenômeno ou objeto de estudo. No trabalho de campo, portanto, os objetivos são registrar e apreender o objeto ou fenômeno de pesquisa com ou sem a interferência ou artificialidade que pode existir nos ambientes laboratoriais.1 Para a realização de pesquisas de campo em áreas rurais, devemos acrescentar outras particularidades relativas a essa população. A distância dos locais de coleta em relação aos grandes centros, onde estão localizadas as universidades e os pesquisadores, é uma das primeiras dificuldades a enfrentar. Dada essa distância, surge a necessidade de organizar uma infraestrutura e logística local para o apoio a pesquisa de campo, além daquela necessária em cada deslocamento. Esta última inclui o transporte, a estada e o local para a realização dos procedimentos do trabalho de campo, além do retorno seguro com os dados coletados para a universidade ou centro de pesquisa. Essa infraestrutura necessária faz com que os estudos nessas comunidades se tornem mais dispendiosos. Várias são as ciências que utilizam o trabalho de campo para suas pesquisas. Neste estudo, abordamos a epidemiologiaeaspesquisasdecampo.Naepidemiologia, estudam-se os padrões de ocorrência de doenças, agravos nas populações, além de seus determinantes. Esses estudos subdividem-se em observacionais e experimentais ou de intervenção. Os estudos observacionais são aqueles em que os pesquisadores não interferem nos fenômenos estudados. Nos estudos experimentais ou de intervenção, os pesquisadores propõem formas de intervenção no fenômeno – por exemplo, a utilização de um novo tratamento de uma doença ou nova forma de intervenção para modificação de um fator de risco.2-4 As pesquisas de campo em epidemiologia, geralmente, são pesquisas em populações, o que as caracteriza como pesquisas que envolvem seres humanos. No Brasil, as pesquisas que envolvem seres humanos são regulamentadas pelos comitês de ética, presentes nas instituições públicas e privadas. Todos esses comitês estão subordinados ao Conselho Nacional de Saúde e se guiam pela Resolução nº 196/96, que prevê que todas as pesquisas envolvendo seres humanos devem respeitar os princípios da beneficência e não maleficência, assegurando, também, o anonimato aos participantes da pesquisa. 5 Essa resolução prevê, ainda, que os participantes sejam esclarecidos antecipadamente sobre os procedimentos e objetivos da pesquisa e que, uma vez concordando com eles, assinem um termo de consentimento para tal. A Resolução nº 196/96 teve como base a Declaração de Helsinque de 1964 e suas posteriores revisões.5 Por todas as especificidades apresentadas, a pesquisa de campo na epidemiologia da saúde é extremamente rigorosa.Ospesquisadoresdevemterclaroocompromisso ético que assumem com a população ao utilizá-la para o estudo de doenças, seus fatores de risco e proteção. Dessa forma, o estudo e seus resultados deverão contribuir para a melhoria de saúde daquela população. Na aplicação de um questionário, em uma entrevista ou no momento de aferição das condições de risco e de dados clínicos, surgem as demandas dos indivíduos relacionadas à sua saúde, tanto individual como em nível coletivo. Portanto, durante o trabalho de campo, devem ser realizados trabalhos adicionais, como a educação para a saúde, o atendimento das intercorrências que possam surgir, o encaminhamento de indivíduos susceptíveis aos serviços de saúde, dentre outros. Resolvida essa questão, surgem, também, outros desafios, como o baixo nível educacional e socioeconômico, bem como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, comuns nas comunidades rurais brasileiras. No entanto, essas mesmas adversidades, somadas às diferenças culturais e do ambiente, podem transformar-se em excelentes experiências e benefícios para a equipe de pesquisadores e para população. Além das situações descritas acima, muitas vezes, desconfianças e/ou expectativas excessivas por parte da comunidade podem ser geradas com a chegada de uma equipe de pesquisa no campo. Consequentemente, é imprescindível a realização de parcerias entre a equipe de pesquisadores, os gestores, a equipe de saúde e líderes comunitários dos municípios que farão parte do trabalho de campo. Descrevemos, aqui, a experiência da pesquisa de campo em doenças e agravos não transmissíveis (DANT) em duas comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha-MG. Para a realização da pesquisa de campo, os pesquisadores viajaram seguindo um cronograma preestabelecido e se hospedaram no município de Itaobim, a 600 quilômetros da cidade de Belo Horizonte. Desse município, por meio de estradas não pavimentadas, deslocaram-se para as comunidades. O estudo foi realizado em duas comunidades rurais:Virgem das Graças, distrito de Ponto dos Volantes, e Caju, distrito de Jequitinhonha, que estão localizadas na região doVale do Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais. Os municípios de Jequitinhonha e Ponto dos Volantes, em 2007, possuíam uma população de aproximadamente 24 mil e 11 mil pessoas, respectivamente.6 Ambos os municípios possuem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,668 para Jequitinhonha e 0,595 para Ponto dosVolantes, considerado entre os menores do Estado.7 Segundo dados do DATASUS, em 2006, as doenças cardiovasculares ocupavam o primeiro lugar (31,7%) entre as causas de mortalidade em Jequitinhonha e o segundo (23,3%), em Ponto dos Volantes. As comunidades de Virgem das Graças e Caju estão em uma região semiárida, cuja população depende fortemente da agricultura de subsistência, baseada, remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 612-616 out./dez., 2011 613 A pesquisa de campo na área da epidemiologia das doenças e agravos não transmissíveis: uma experiência em área rural da região do vale do Jequitinhonha, minas gerais FIGURA 1 – Minas Gerais – Localização geográfica dos municípios de Pontos dos Volantes e Jequitinhonha em relação à Belo Horizonte Fonte: Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Epidemiologia da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (NIEPE/EEUFMG), 2005. principalmente, no plantio de mandioca, feijão, milho e arroz, além da criação de gado. A maioria das pessoas trabalha na agricultura, algumas têm seu próprio negócio, geralmente um pequeno comércio, e outros indivíduos são migrantes em busca de trabalho em outras cidades.8 Essa população participa, desde 2001, de vários estudos, dentre eles epidemiologia da esquistossomose e outras doenças infectoparasitárias,conduzidos por um consórcio de pesquisadores da Escola de Enfermagem e do Instituto de Ciências Biológicas, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais, e também por pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), contando, ainda, com parcerias internacionais (National Institute of Health – NIH). A partir de 2004, o grupo de pesquisa “Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Epidemiologia (NIEPE)”, da Escola de Enfermagem da UFMG, associou-se ao grupo já existente e, então, foram iniciados estudos relacionados às DANTs e seus fatores de risco e proteção nessas populações. Em razão da acessibilidade das populações rurais e dos recursos disponíveis para a pesquisa, trabalhamos sempre nessas comunidades com o total de moradores que aceitam participar do estudo, segundo os critérios de inclusão ou exclusão. A infraestrutura necessária, portanto, já havia sido estabelecida pelo grupo, que atuava no campo desde 2001. Foram realizados apenas alguns ajustes a fim de atender às especificidades dos projetos que abordavam as doenças crônicas a partir de 2004. Como exposto, quando uma equipe de pesquisadores da saúde, no 614 nosso caso, enfermeiros, biólogos, nutricionistas e acadêmicos de enfermagem, chega a uma comunidade relativamente isolada, a expectativa dos moradores, muitas vezes, pode ser de que lhes sejam atendidas todas as demandas de saúde. A fim de estudar as doenças crônicas, seus fatores de risco e proteção, foram realizadas entrevistas com todos os indivíduos maiores de 18 anos, moradores das comunidades. Todos os participantes foram informados sobre o objetivo da pesquisa e seus direitos. Caso concordassem em participar da pesquisa, assinavam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.5 Nessasentrevistas,aspessoasrespondiamarespeitodeseus hábitos de vida – por exemplo, relacionados ao consumo de alimentos, bebida alcoólica, fumo e a atividades físicas. Além dessas perguntas, questionávamos, também, os indivíduos sobre o histórico de saúde deles relacionado às DANTs, como morbidades e uso de medicamentos. Às mulheres perguntávamos, ainda, sobre a história gineco-obstétrica. Após a anamnese, os indivíduos eram encaminhados para a realização de medidas antropométricas, aferição da pressão arterial e coleta de sangue. Com o intuito de evitar possíveis constrangimentos e preservar a privacidade do indivíduo, cada participante era atendido individualmente em uma sala fechada, sendo assistidosomenteporumentrevistadorouantropometrista treinado. Dessa forma, além de garantir a privacidade do indivíduo, pudemos contribuir, também, para maior confiabilidade das informações e dados coletados. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 612-616 out./dez., 2011 A abordagem do grupo de pesquisa, portanto, muito se assemelhava a uma consulta individual, orientada para o problema das DANTs, e dessa forma, como já esperado, surgiam várias demandas, tanto por parte dos indivíduos como por parte dos pesquisadores. Podemos citar indivíduos que apresentavam queixas e necessitavam de encaminhamentos para solucionálas. Outras situações que surgiam eram aquelas comuns às DANTs. Havia indivíduos que, apesar de não terem queixas, apresentavam sinais de alterações que necessitavam de avaliações mais aprofundadas e, algumas vezes, médicas. Entrevistávamos pessoas que nos referiam hábitos deletérios à saúde, como o consumo excessivo de álcool, gorduras, fumo, sedentarismo, dentre outros. Avaliávamos, também, pessoas que apresentavam níveis pressóricos elevados, circunferência da cintura alterada, sobrepeso, obesidade, dentre outros fatores de risco. Com base na entrevista no trabalho de campo na área da saúde, portanto, observou-se a necessidade de ações que chamamos, aqui, de desdobramentos. Essas ações, por sua vez, relacionam-se, também, aos princípios éticos. Dois dos princípios, que constam na Declaração de Helsinque, são os de benevolência e não maleficência. Visando atender a esses princípios, os pesquisadores iniciavam as orientações e encaminhamentos necessários a respeito das demandas que surgiam no momento da entrevista. A equipe de pesquisa estava sempre em contato com a equipe de saúde local, para que os encaminhamentos fossem efetivos. Além da equipe de saúde local, no transcorrer e ao final dos trabalhos foram realizados contatos com os gestores de saúde. Nesses contatos, os pesquisadores apresentavam aos gestores os resultados encontrados na comunidade e, também, os casos específicos que necessitavam de maior atenção. Por meio da pesquisa de campo nessas comunidades, observou-se que 21,7% da população era maior de 60 anos, situação esperada em áreas rurais, uma vez que a migração dos indivíduos mais jovens é comum nessas populações. Observou-se, também, que 36,3% dos indivíduos eram analfabetos.9 Nos estudos que enfocaram a esquitossomose, verificouse que 58,7% dos indivíduos apresentaram infecção pelo Schistosoma mansoni. A idade, o contato com a água contaminada, o número de pessoas por cômodo e a baixa escolaridade do chefe da família foram fatores relacionados à infecção.10 Em relação às doenças crônicas não transmissíveis, os achados forneceram evidências importantes de que a hipertensão é um importante problema de saúde pública nessa população, sendo associada à dislipidemia e à obesidade abdominal.11 Observou-se que o sobrepeso e a obesidade, antes considerados fenômenos prevalentes no contexto urbano, acometeram, também, essas comunidades rurais, afetando 17,4% e 5,5% das pessoas, respectivamente, sendo que a obesidade esteve fortemente relacionada à resistência à insulina9 e a distúrbios no metabolismo de lipídios e de glicose.12 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que a pesquisa de campo, além de contribuir para o conhecimento científico, com evidências relacionadasaoestadodaartedasquestõesestudadasnas comunidades rurais, presta-se, também, como auxiliar no atendimento das necessidades dessas comunidades. No âmbito individual, o trabalho de campo pode auxiliar os indivíduos com as orientações, diagnósticos e encaminhamentos realizados. Já no coletivo, a contribuição pode ser no sentido de auxiliar no diagnóstico de saúde local e apontar as políticas públicas necessárias para promover a saúde e a qualidade de vida das populações estudadas. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) o apoio para a realização deste estudo. REFERÊNCIAS 1. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007. 406p. 2. Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, et al. Epidemiologia. 2ª ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. 685p. 3. Marconi MDA, Lakatos EM. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 3ª ed. São Paulo: Atlas; 1996. 4. Aschengrau A, Seage III GR. Essentials of epidemiology in Public Health. 2ª ed. Sudbury, Mass: Jones and Bartlett Publishers; 2008. 516p. 5. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Informe epidemiológico do SUS. Brasília: MS; 1996. 6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo 200-2008. [Citado 2010 jan 21]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. 7. PNUD. Desenvolvimento Humano e IDH. 2007. [Citado 2008 jun 09]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/tabelas/index.php. 8. Gazzinelli MF, Reis DC, Marques RC, et al. Popular beliefs about the infectivity of water among school children in two hyperendemic schistosomiasis. Acta Trop. 2008; 8(2-3): 202-8. 9. Mendes LL, Velásquez-Meléndez JG, Gazzinelli A. Fatores associados à resistência à insulina em populações rurais. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2009; 53: 332-9. 10. Gazzinelli A, Velásquez-Meléndez G, Crawford SB, et al. Socioeconomic determinants of schistosomiasis in a poor rural area in Brazil. Acta Trop. 2006; 99: 260-71. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 612-616 out./dez., 2011 615 A pesquisa de campo na área da epidemiologia das doenças e agravos não transmissíveis: uma experiência em área rural da região do vale do Jequitinhonha, minas gerais 11. Pimenta AM, Kac G, Gazzinelli A, et al. Association Between Central Obesity, Triglycerides and Hypertension in a Rural Area in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2008; 90: 419-25. 12. Silva DA, Felisbino-Mendes MS, Pimenta AM, et al. Distúrbios metabólicos e adiposidade em uma população rural. Arq Bras Endocrinol Metaból. 2008; 52(3): 489-8. Data de submissão: 19/2/2010 Data de aprovação: 8/4/2011 616 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 612-616 out./dez., 2011 Normas de publicação REME REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM INSTRUÇÕES AOS AUTORES 1 SOBRE A MISSÃO DA REME A REME – Revista Mineira de Enfermagem é uma publicação da Escola de Enfermagem da UFMG em parceria com Faculdades, Escolas e Cursos de Graduação em Enfermagem de Minas Gerais: Escola de Enfermagem Wenceslau Braz; Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí; Fundação de Ensino Superior de Passos; Centro Universitário do Leste de Minas Gerais; Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Possui periodicidade trimestral e tem por finalidade contribuir para a produção, divulgação e utilização do conhecimento produzido na enfermagem e áreas correlatas, abrangendo a educação, a pesquisa e a atenção à saúde. 2 SOBRE AS SEÇÕES DA REME Cada fascículo, editado trimestralmente, terá a seguinte estrutura: Editorial: refere-se a temas de relevância do contexto científico, acadêmico e político-social; Pesquisas: incluem artigos com abordagem metodológicas qualitativas e quantitativas, originais e inéditas que contribuem para a construção do conhecimento em enfermagem e áreas correlatas; Revisão teórica: avaliações críticas e ordenadas da literatura em relação a temas de importância para a enfermagem e áreas correlatas; Relatos de experiência: descrições de intervenções e experiências abrangendo a atenção em saúde e educação; Artigos reflexivos: textos de especial relevância que trazem contribuições ao pensamento em Enfermagem e Saúde; Normas de publicação: instruções aos autores referentes à apresentação física dos manuscritos nos idiomas: português, inglês e espanhol. 3 SOBRE O JULGAMENTO DOS MANUSCRITOS Os manuscritos recebidos serão analisados pelo Conselho Editorial da REME, que se reserva o direito de aceitar ou recusar os trabalhos submetidos. O processo de revisão – peer review – consta das etapas a seguir, nas quais os manuscritos serão: a) protocolados, registrados em base de dados para controle; b) avaliados quanto à apresentação física – revisão inicial quanto aos padrões mínimos de exigências da REME (folha de rosto com identificação dos autores e títulos do trabalho) e a documentação; podendo ser devolvido ao autor para adequação às normas antes do encaminhamento aos consultores; c) encaminhados ao Editor-Geral, que indica o Editor Associado, que ficará responsável por indicar dois consultores em conformidade com as áreas de atuação e qualificação; d) remetidos a dois revisores especialistas na área pertinente, mantidos em anonimato, selecionados de um cadastro de revisores, sem identificação dos autores e o local de origem do manuscrito. Os revisores serão sempre de instituições diferentes da instituição de origem do autor do manuscrito. e) Após receber ambos os pareceres, o Editor Associado avalia e emite parecer final, e este é encaminhado ao Editor-Geral, que decide pela aceitação do artigo sem modificações, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações. Cada versão é sempre analisada pelo Editor-Geral, responsável pela aprovação final. 4 SOBRE A APRESENTAÇÃO DOS MANUSCRITOS 4.1 APRESENTAÇÃO GRÁFICA Os manuscritos devem ser encaminhados gravados em disquete ou CD-ROM, utilizando programa "Word for Windows", versão 6.0 ou superior, fonte "Times New Roman", estilo normal, tamanho 12, digitados em espaço 1,5 entre linhas, em duas vias impressas em papel padrão ISO A4 (212 x 297mm), com margens de 2,5 mm, padrão A4, limitando-se a 20 laudas, incluindo as páginas preliminares, texto, agradecimentos, referências e ilustrações. 4.2 AS PARTES DOS MANUSCRITOS Todo manuscrito deverá ter a seguinte estrutura e ordem, quando pertinente: a) Páginas preliminares: Página 1: Título e subtítulo – nos idiomas: português, inglês, espanhol; Autor(es): nome completo acompanhado da profissão, titulação, cargo, função e instituição, endereço postal e eletrônico do autor responsável para correspondência; Indicação da Categoria do artigo: Pesquisa, Revisão Teórica , Relato de Experiência, Artigo Reflexivo/Ensaio. Página 2: Título do artigo em português; Resumo e palavras-chave; Abstract e Key words; Resumen e Palabras clave. (As Palavraschave (de três a seis), devem ser indicadas de acordo com o DECS – Descritores em Ciências da Saúde/BIREME), disponível em: <http:// decs.bvs.br/>. O resumo deve conter até 250 palavras, com espaçamento simples em fonte com tamanho 10. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 617-622, out./dez., 2011 617 Página 3: a partir desta página, apresenta-se o conteúdo do manuscrito precedido pelo título em português, que inclui: b) Texto: – introdução; – desenvolvimento (material e método ou descrição da metodologia, resultados, discussão e/ou comentários); – conclusões ou considerações finais; c) Agradecimentos (opcional); d) Referências como especificado no item 4.3; e) Anexos, se necessário. 4.3 SOBRE A NORMALIZAÇÃO DOS MANUSCRITOS: Para efeito de normalização, serão adotados os Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de Vancouver). Esta norma poderá ser encontrada na íntegra nos endereços: em português: <http://www.bu.ufsc.br/bsccsm/vancouver.html> em espanhol: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm> em inglês: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html> As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas pela primeira vez no texto. As citações no texto devem ser indicadas mediante número arábico, sobrescrito, correspondendo às referências no final do artigo. Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o “Journals Database” – Medline/Pubmed, disponível em: <http://www.ncbi. nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> ou com o CCN – Catálogo Coletivo Nacional, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), disponível em: <http://www.ibict.br.> As ilustrações devem ser apresentadas em preto & branco imediatamente após a referência a elas, em conformidade com a Norma de apresentação tabular do IBGE, 3ª ed. de 1993 . Em cada categoria deverão ser numeradas seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (TAB. 1, FIG. 1, GRÁF 1). Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre parênteses, indicando a categoria e o número da ilustração. Ex. (TAB. 1). As abreviaturas, grandezas, símbolos e unidades devem observar as Normas Internacionais de Publicação. Ao empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou expressão completos, salvo quando se tratar de uma unidade de medida comum. As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas, em graus Celsius. Os valores de pressão arterial, em milímetros de mercúrio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais. Os agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado antes das referências. 5 SOBRE O ENCAMINHAMENTO DOS MANUSCRITOS Os manuscritos devem vir acompanhados de ofício de encaminhamento contendo nome do(s) autor(es), endereço para correspondência, e-mail, telefone, fax e declaração de colaboração na realização do trabalho e autorização de transferência dos direitos autorais para a REME. (Modelos disponíveis em www.enf.ufmg.br/reme) Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhada uma cópia de aprovação emitido pelo Comitê de Ética reconhecido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo as normas da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/196/96). Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo apoios financeiros, estes deverão estar claramente identificados no manuscrito e o(s) autor(es) deve(m) declarar, juntamente com a autorização de transferência de autoria, não possuir(em) interesse(s) pessoal, comercial, acadêmico, político ou financeiro no manuscrito. Os manuscritos devem ser enviados para: At/REME – Revista Mineira de Enfermagem Escola de Enfermagem da UFMG Av. Alfredo Balena, 190, sala 104 Bloco Norte CEP.: 30130-100 Belo Horizonte-MG – Brasil – Telefax.: 55(31) 3409-9876 E-mail: [email protected] 6 SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO EDITORIAL Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Editorial. A REME não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nos artigos. (Versão de setembro de 2007) 618 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 617-622, out./dez., 2011 Publication norms REME REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM INSTRUCTIONS TO AUTHORS 1. THE MISSION OF THE MINAS GERAIS NURSING MAGAZINE – REME REME is a journal of the School of Nursing of the Federal University of Minas Gerais in partnership with schools and undergraduate courses in Nursing in the State of Minas Gerais, Brazil: Wenceslau Braz School of Nursing, Higher Education Foundation of Vale do Sapucaí, Higher Education Foundation of Passos, University Center of East Minas Gerais, Nursing College of the Federal University of Juiz de Fora. It is a quarterly publication intended to contribute to the production, dissemination and use of knowledge produced in nursing and similar fields covering education, research and healthcare. 2. REME SECTIONS Each quarterly edition is structured as follows: Editorial: raises relevant issues from the scientific, academic, political and social setting. Research: articles with qualitative and quantitative approaches, original and unpublished, contributing to build knowledge in nursing and associated fields. Review of theory: critical reviews of literature on important issues of nursing and associated fields. Reports of experience: descriptions of interventions and experiences on healthcare and education. Critical reflection: texts with special relevance bringing contributions to nursing and health thinking. Publication norms: instructions to authors on the layout of manuscripts in the languages: Portuguese, English and Spanish. 3. EVALUATION OF MANUSCRIPTS The manuscripts received are reviewed by REME’s Editorial Council, which has the right to accept or refuse papers submitted. The peer review has the following stages: a) protocol, recorded in a database for control b) evaluated as to layout – initial review as to minimal standards required by REME – (cover note with the name of authors and titles of the paper) and documentation. They may be sent back to the author for adaptation to the norms before forwarding to consultants. c) Forwarded to the General Editor who name an Associate Editor who will indicate two consultants according to their spheres of work and qualification. d) Forwarded to two specialist reviewers in the relevant field, anonymously, selected from a list of reviewers, without the name of the authors or origin of the manuscript. The reviewers are always from institutions other than those of the authors. e) After receiving both opinions, the General Editor and the Executive Director evaluate and decide to accept the article without alterations, refuse or return to the authors, suggesting alterations. Each copy is always reviewed by the General Editor or the Executive Director who are responsible for final approval. 4. LAYOUT OF MANUSCRIPTS 4.1 GRAPHICAL LAYOUT Manuscripts are to be submitted on diskette or CD-ROM in Word for Windows, version 6.0 or higher, Times New Roman normal, size 12, space 1.5, printed on standard ISO A4 paper (212 x 297 mm), margins 2.5 mm, limited to 20 pages, including preliminary pages, texts, acknowledgement, references and illustrations. 4.2 PARTS OF THE MANUSCRIPTS Each manuscript should have the following structure and order, whenever relevant: REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 – 103 a) Preliminary pages: Page 1: title and subtitle – in Portuguese, English and Spanish. Authors: full name, profession, qualifications, position and institution, postal and electronic address of the author responsible for correspondence. Indication of paper category: Research, Review of Theory, Report of Experience, Critical Reflection/Essay. Page 2: Title of article in Portuguese; Resumo e palavras-chave; Abstract and key-words; Resumen e palavras clave (Key words - 3 to 6 – should agree with the Health Science Descriptors/BIREME, available at http://decs.bvs.br/ . The abstract should have up to 250 words with simple space, font size 10. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 617-622, out./dez., 2011 619 Page 3: the content of the paper begins on this page, starting with the title in Portuguese, which includes: b) Text: • Introduction; • Main body (material and method or description of methodology, results, discussion and/or comments); • Conclusions or final comments. c) Acknowledgements (optional); d) References as specified in item 4.3 e) Appendices, if necessary. 4.3 REQUIREMENTS FOR MANUSCRIPTS: The requirements are those of the International Committee of Medical Journal Editors (Vancouver Norm), which can be found in full at the following sites: Portuguese: <http://www.bu.ufsc.br/bsccsm/vancouver.html> Spanish: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm> English: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html> References are numbered in the same order in which they are mentioned for the first time in the text. Quotations in the text should be numbered, in brackets, corresponding to the references at the end of the article. The titles of journals are abbreviated according to“Journals Database”– Medline/Pubmed, available at: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ entrez/ query. fcgi? db=Journals> or according to the CCN – National Collective Catalogue of the IBICT- Brazilian Information Institute in Science and Technology, available at: <http://www.ibict.br.> Illustrations should be sent in black and white immediately after the reference in the text, according to the tabular presentation norm of IBGE, 3rd ed. of 1993. Under each category they should be numbered sequentially in the text. (Example: TAB 1, FIG. 1, GRÁF 1). Each illustration should have a title and the source. Headings and titles should be clear and understandable, without the need to consult the text. References to illustrations in the text should be in brackets, indicating the category and number of the illustration. Ex. (TAB. 1). Abbreviations, measurement units, symbols and units should agree with international publication norms. The first time an abbreviation is used, it should be preceded by the complete term or expression, except when it is a common measurement. Length, height, weight and volume measures should be quoted in the metric system (meter, kilogram, liter) or their multiples or sub-multiples. Temperature, in degrees Celsius. Blood pressure, in millimeters of mercury. Abbreviations and symbols must follow international standards. Acknowledgements should be in a separate paragraph, placed before the bibliography. 5. SUBMITTAL OF MANUSCRIPTS Manuscripts must be accompanied by a cover letter containing the names of the authors, address for correspon¬dence, e-mail, telephone and fax numbers, a declaration of collaboration in the work and the transfer of copyright to REME. (Samples are available at: www.enfermagem.ufmg.br/reme) For manuscripts resulting from research involving human beings, there should be a copy of approval by the ethics committee recognized by the National Ethics Committee for Research (CONEP), according to the norms of the National Health Council – CNS/196/96. Manuscripts that recived financial support need to have it clearly identified. The author(s) must sign and send the Responsability Agreement and Copyright Transfer Agreement and also a statement informing that there are no persnonal, comercial, academic, political or financial interests on the manuscript. Manuscripts should be sent to: ATT/REME- Revista Mineira de Enfermagem Escola de Enfermagem da UFMG Av. Alfredo Balena, 190, sala 104 Bloco Norte CEP.: 30130-100 Belo Horizonte - MG – Brasil - Telefax.: 55(31) 3409-9876 – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 104 E-mail: [email protected] 6. EDITORS RESPONSIBILITY Further issues will be decided by the Editorial Council. REME is not responsible for the opinions stated in articles. (September version, 2007) 620 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 617-622, out./dez., 2011 Normas de publicación REME REVISTA DE ENFERMERÍA DEL ESTADO DE MINAS GERAIS INSTRUCCIONES A LOS AUTORES 1. SOBRE LA MISIÓN DE LA REVISTA REME REME – Revista de Enfermería de Minas Gerais – es una publicación trimestral de la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal de Minas Gerais – UFMG – conjuntamente con Facultades, Escuelas y Cursos de Graduación en Enfermería del Estado de Minas Gerais: Escuela de Enfermería Wenceslao Braz; Fundación de Enseñanza Superior de Passos; Centro Universitario del Este de Minas Gerais; Facultad de Enfermería de la Universidad Federal de Juiz de Fora – UFJF. Su publicación trimestral tiene la finalidad de contribuir a la producción, divulgación y utilización del conocimiento generado en enfermería y áreas correlacionadas, incluyendo también temas de educación, investigación y atención a la salud. 2. SOBRE LAS SECCIONES DE REME Cada fascículo, editado trimestralmente, tiene la siguiente estructura: Editorial: considera temas de relevancia del contexto científico, académico y político social; Investigación: incluye artículos con enfoque metodológico cualitativo y cuantitativo, originales e inéditos que contribuyan a la construcción del conocimiento en enfermería y áreas correlacionadas; Revisión teórica: evaluaciones críticas y ordenadas de la literatura sobre temas de importancia para enfermería y áreas correlacionadas; Relatos de experiencias: descripciones de intervenciones que incluyen atención en salud y educación; Artículos reflexivos: textos de especial relevancia que aportan al pensamiento en Enfermería y Salud; Normas de publicación: instrucciones a los autores sobre la presentación física de los manuscritos en los idiomas portugués, inglés y español. 3. SOBRE CÓMO SE JUZGAN LOS MANUSCRITOS Los manuscritos recibidos son analizados por el Cuerpo Editorial de la REME, que se reserva el derecho de aceptar o rechazar los trabajos sometidos. El proceso de revisión – paper review – consta de las siguientes etapas en las cuales los manuscritos son: a) protocolados, registrados en base de datos para control; b) evaluados según su presentación física – revisión inicial en cuanto a estándares mínimos de exigencias de la R.E.M.E ( cubierta con identificación de los autores y títulos del trabajo) y documentación ; el manuscrito puede devolverse al autor para que lo adapte a las normas antes de enviarlo a los consultores; c) enviados al Editor General que indica el Editor Asociado que será el responsable por designar dos consul¬tores de conformidad con el área. d) remitidos a dos revisores especilistas en el área pertinente, manteniendo el anonimato, seleccionados de una lista de revisores, sin identificación de los autores y del local de origen del manuscrito. Los revisores siempre serán de instituciones diferentes a las de origen del autor del manuscrito. e) después de recibir los dos pareceres, el Editor General y el Director Ejecutivo los evalúan y optan por la aceptación del artículo sin modificaciones, por su rechazo o por su devolución a los autores con sugerencias de modificaciones. El Editor General y/o el Director Ejecutivo, a cargo de la aprobación final, siempre analizan todas las versiones. 4. SOBRE LA PRESENTACIÓN DE LOS MANUSCRITOS 4.1 PRESENTACIÓN GRÁFICA Los manuscritos deberán enviarse grabados en disquete o CD-ROM, programa “Word for Windows”, versión 6.0 ó superior, letra “Times New Roman”, estilo normal, tamaño 12, digitalizados en espacio 1,5 entre líneas, en dos copias impresas en papel estándar ISO A4 (212x 297mm), con márgenes de 25mm, modelo A4, limitándose a 20 carillas incluyendo páginas preliminares, texto, agradecimientos, referencias, tablas, notas e ilustraciones. – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 106 4.2 LAS PARTES DE LOS MANUSCRITOS Los manuscritos deberán tener la siguiente estructura y orden, cuando fuere pertinente: a) páginas preliminares: Página 1: Título y subtítulo en idiomas portugués, inglés y español; Autor(es): nombre completo, profesión, título, cargo, función e institución; dirección postal y electrónica del autor responsable para correspondencia; Indicación de la categoría del artículo: investigación, revisión teórica, relato de experiencia, artículo reflexivo/ensayo. Página 2: Título del artículo en portugués; Resumen y palabras clave. Las palabras clave (de tres a seis) deberán indicarse en conformidad con el DECS – Descriptores en ciencias de la salud /BIREME), disponible en: http://decs.bvs.br/. El resumen deberá constar de hasta 250 palabras, con espacio simple en letra de tamaño 10. remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 617-622, out./dez., 2011 621 Página 3: a partir de esta página se presentará el contenido del manuscrito precedido del título en portugués que incluye: b) Texto: – introducción; • desarrollo (material y método o descripción de la metodología, resultados, discusión y/o comen¬tarios); • conclusiones o consideraciones finales; c) Agradecimientos (opcional); d) Referencias como se especifica en el punto 4.3; e) Anexos, si fuere necesario. 4.3 SOBRE LA NORMALIZACIÓN DE LOS MANUSCRITOS: Para efectos de normalización se adoptarán los Requisitos del Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma deVancouver). Esta norma se encuentra de forma integral en las siguientes direcciones: En portugués: http://www.bu.ufsc.br/bsccsm/vancouver.html> En español: http://www.enfermeriaencardiologia.com/formación/vancouver.htm En inglés: http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html > Las referencias deberán enumerarse consecutivamente siguiendo el orden en el que se mencionan por primera vez en el texto. Las citaciones en el texto deberán indicarse con numero arábico, entre paréntesis, sobrescrito, correspondiente a las referencias al final del articulo. Los títulos de las revistas deberán abreviarse de acuerdo al “Journals Database” Medline/Pubmed, disponible en: <http://www.ncbi. nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> o al CCN – Catálogo Colectivo Nacional, del IBICT- Ins¬tituto Brasileño de Información en Ciencia y Tocología, disponible en: <http://www.ibict.br.> Las ilustraciones deberán presentarse en blanco y negro luego después de su referencia, en conformidad con la norma de presentación tabular del IBGE , 3ª ed. , 1993. Dentro de cada categoría deberán enumerarse en secuencia durante el texto. Por ej.: (TAB.1, FIG.1, GRAF.1). Cada ilustración deberá tener un titulo e indicar la fuente de donde procede. Encabezamientos y leyendas deberán ser lo suficientemente claros y comprensibles a fin de que no haya necesidad de recurrir al texto. Las referencias e ilustraciones en el texto deberán mencionarse entre paréntesis, con indicación de categoría y número de la ilustración. Por ej. (TAB.1). Las abreviaturas, cantidades, símbolos y unidades deberán seguir las Normas Internacionales de Publicación. Al emplear por primera vez una abreviatura ésta debe estar precedida del término o expresión completos, salvo cuando se trate de una unidad de medida común. Las medidas de longitud, altura, peso y volumen deberán expresarse en unidades del sistema métrico decimal (metro, kilo, litro) o sus múltiplos y submúltiplos; las temperaturas en grados Celsius; los valores de presión arterial en milímetros de mercurio. Las abreviaturas y símbolos deberán seguir los estándares internacionales. Los agradecimientos deberán figurar en un párrafo separado, antes de las referencias bibliográficas. 5. SOBRE EL ENVÍO DE LOS MANUSCRITOS Los manuscritos deberán enviarse juntamente con el oficio de envío, nombre de los autores, dirección postal, dirección electrónica y fax así como de la declaración de colaboración en la realización del trabajo y autorización de transferencia de los derechos de autor para la revista REME. (Modelos disponibles en: www.enfermagem.ufmg.br/reme) Para los manuscritos resultados de trabajos de investigación que involucren seres humanos deberá enviarse una copia de aprobación emitida por el Comité de Ética reconocido por la Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) – Comisión Nacional de Ética en Investigación, en conformidad con las normas de la resolución del Consejo Nacional de Salud – CNS/196/96. – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 – 107 Para los manuscritos resultantes de trabajos de investigación que hubieran recibido algún tipo de apoyo financiero, el mismo deberá constar, claramente identificado, en el propio manuscrito. El autor o los autores también deberán declarar, juntamente con la autorización de transferencia del derecho de autor, no tener interés personal, comercial, académico, político o financiero en dicho manuscrito. Los manuscritos deberán enviarse a: At/REME – Revista Mineira de Enfermagem Escola de Enfermagem da UFMG, sala 104 Bloco Norte CEP 30130- 100 Belo Horizonte MG – Brasil – Telefax **55 (31) 3409-9876 Correo electrónico: [email protected] 6. SOBRE LA RESPONSABILIDAD EDITORIAL Los casos omisos serán resueltos por el Consejo Editorial. REME no se hace responsable de las opiniones emitidas en los artículos. (Versión del 12 de septiembre de 2007) 622 remE – Rev. Min. Enferm.;15(4): 617-622, out./dez., 2011 ! Revista Mineira de Enfermagem Nursing Journal of Minas Gerais remE Revista de Enfermería de Minas Gerais FoRMuláRio PARA ASSiNAtuRA dA REME ASSINATURA ANUAL | ANNUAL SUBSCRIPTION | SUSCRIPCIóN ANUAL Periodicidade Trimestral | Every Quarter | Periodicidad Trimestral Nome / Name / Nombre ou Instituição assinante: _______________________________________________________________ Endereço / Adress / Dirección:________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________ Cidade / City / Ciudad: ____________________________________País / Country / Pais:__________________________________ UF / State / Provincia: ________________________________________ CEP / Zip Code / Código Postal: _____________________ Tel. / Phone / Tel.: _____________________ fax: ______________________ Celular / Cell Phone / Cellular: ___________________ E-mail:____________________________________________________________________________________________________ Categoria Profissional / Occupation / Profesión: _________________________________________________________________ Data / Date / Fecha: _______/_______/_______ Assinatura / Signature / Firma: ______________________________________________________________________________ Encaminhar este Formulário de Assinatura acompanhado do comprovante de depósito bancário, por fax (31 3409-9876) ou e-mail ([email protected]) Send your subscription to: Enviar la inscripción a: Dados para depósito: BANCO DO BRASIL Agência / Branch Number / Sucursal Número: 1615-2 Conta / Bank Account / Cuenta de Banco: 480109-1 Código identificador/ Identification code/ Clave de identificación: 4828011 Valores Anuais: Individual: R$100,00 ( ) US$80,00 ( ) Institucional: R$150,00 ( ) US$100,00 ( ) ESCOLA DE ENFERMAGEM UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS REME Revista Mineira de Enfermagem Av. Alfredo Balena, 190 - sala 104, Bloco Norte Campus Saúde, Bairro Santa Efigênia - CEP: 30130-100 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefax/Fax: +55 (31) 3409-9876 Home page: www.enf.ufmg.br/reme.php