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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA
O PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA EM PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DO POVO FULNI-Ô
RECIFE
2012
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LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA
O PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA EM PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DO POVO FULNI-Ô
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Educação, do Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Luciana Rosa Marques
Co-Orientador: Profº Drº Edson Hely Silva
RECIFE
2012
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Ao Deus da minha vida que confiou e me fez
instrumento para essa obra que é Sua.
Aos meus pais, Zefinha e Chico, Seus fiéis
representantes aqui na Terra.
À Marina e Bruna, minhas filhas, parte
essencial de Deus em minha vida e a Jaime,
meu eterno esposo e companheiro, que me
ensinou como é maravilhoso amar e ser
amada. A essa família que sempre me
incentivou na realização de meus sonhos.
Aos meus antigos amigos indígenas Fulni-ô:
Jeanne, Cleone, Ubiraci, Aderlindo, Mimo,
Robertinho, Rossana, Paulinho, Marcos,
Marcelo e Aureliano com quem aprendi a
conhecer e respeitar as diferenças.
Ao meu irmão Eduardo e ao meu primo Cacá
(in memoriam) que não tiveram fronteiras em
seus corações e construíram tantas amizades
entre os Fulni-ô.
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AGRADECIMENTOS
Esse é um processo que jamais viveremos sozinhos apesar dos momentos
necessários de solidão, portanto essa foi uma construção feita a muitas mãos, sem as
quais eu jamais conseguiria chegar até aqui. São inúmeros os agradecimentos e inicio
pela mão principal e maior que me conduziu em todos os momentos.
A Deus toda a minha gratidão. A Ele cujos olhos permanecem sempre atentos a
me conduzir por Seus caminhos, sempre ouvindo o meu clamor. Certamente lágrimas
vieram, mas na manhã seguinte a sua Luz brilhava e a alegria tomava conta de mim.
Dizem que ‘Deus não escolhe os capazes, mas capacita os escolhidos’. Creio que assim
aconteceu ao longo desse processo de incontáveis aprendizagens e experiências
decorrentes do Mestrado. Em todos os momentos que não sabia para onde ir, o que
decidir, qual a melhor escolha a fazer e como abrir portas aparentemente
intransponíveis, foi a Ele que recorri, crendo que aquilo que me era impossível, na
mesma proporção era totalmente possível para Deus. E assim aconteceu, por isso aqui
estou de volta para agradecer.
À Professora Doutora Luciana Rosa Marques, por ter aceito este trabalho;
pelo exemplo de humildade ao reconhecer que precisávamos de uma co-orientação
referente ao conteúdo específico aqui representado pela temática indígena, por sua
disponibilidade em acompanhar o processo de realização da pesquisa, lendo e
corrigindo materiais, indicando eventos para que eu pudesse participar e fornecendo
orientações.
Ao Professor Doutor Edson Hely Silva, pelo exemplo de pesquisador e
comprometimento com a questão indígena; por aceitar com tanta prontidão e dedicação
o lugar de Co-Orientador; pela amizade construída ao longo desses 2 anos; por acreditar
em minha capacidade, me incentivando a participar e apresentar trabalhos em eventos,
bem como escrever artigos para publicação; pelas leituras e correções feitas em meus
trabalhos; por todas as oportunidades de aprendizagens e pela sensibilidade de escuta
quando lhe telefonava em lágrimas, em estado de confusão ou preocupação com
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questões que envolveram o processo do mestrado, mas também por compartilharmos
alegrias e vitórias ao longo desse percurso.
Aos Professores/as Doutores/as e Funcionárias do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE,
especialmente àqueles com quem mais convivi e aprendi: Professora Márcia Ângela
Aguiar por conseguir me ajudar a confirmar que o meu caminho era pela Área de
Políticas Educacionais; Professora Ana Lúcia Félix por sua fundamental contribuição
para que eu pudesse compreender que é possível fazer pesquisa de forma técnica e
humanizada, pela leitura do projeto seguida de considerações indispensáveis para
melhoria antecedendo ao momento da Qualificação, além de sua aceitação em compor a
banca de defesa dessa dissertação continuando a contribuir; Professor Flávio Brayner,
ao me ensinar que sou capaz de basear-me em teóricos ou pensadores históricos e
construir meus próprios pensamentos/ideias/escolhas; Professora Lícia Maia, que tanto
me ensinou sobre aprendizagem e desenvolvimento da inteligência humana; Professor
Daniel Rodrigues e Professora Luciana Rosa Marques, que me possibilitaram outro
olhar sobre a sociedade e a educação; as funcionárias e estagiárias, Shirley Silva,
Morgana Marques, Karla Silva, Izabela Albuquerque, Rebecka Lima, Cíntia
Ferreira, Camila Oliveira, Lucemar Costa e Élida Santana pela disponibilidade e
carinho em atender as minhas demandas e pelos ensinamentos sobre humildade,
educação e respeito. Ao Professor Edwin Reesink e colegas do Programa de PósGraduação em Antropologia que tantos saberes me acrescentou no estudo sobre
Antropologia Indígena; Ao Professor Edson Hely Silva, pela oportunidade de cursar a
disciplina História Indígena na condição de ouvinte no Programa de Pós-Graduação em
História, bem como por todas as aprendizagens daí decorrentes; À Professora Janete
Azevedo, pelas críticas dirigidas ao projeto nos encontros em sala de aula e no
momento da qualificação; À Professora Vânia Fialho, pela sensibilidade e
competência demonstradas ao analisar o projeto dessa pesquisa, tecendo considerações
indispensáveis a essa construção, no momento da Qualificação; Ao Professor Luís
Fernandes Dourado, pela leitura do resumo do projeto e considerações apresentadas.
Aos funcionários das bibliotecas do Centro de Educação e Centro de Filosofia e
Ciências Humanas, pela gentileza em todos os atendimentos.
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À Professora Doutora Rosa Helena Dias da Silva pela acolhida e carinho
demonstrados em Manaus e por se dispor em contribuir com esse estudo ao aceitar
participar da banca de defesa dessa Dissertação.
Aos meus Professores e Professoras que antecederam ao período do Mestrado,
e, entretanto, tiveram grande contribuição para a minha formação desde a Educação
Fundamental até a Graduação por meio do Curso de Pedagogia, sem os/as quais eu não
chegaria até aqui. Represento-os/as por meio de: Lourdinha, Maria Luiza, Cícera,
Cleonice (Bibita), Cleonice Fulni-ô, Vânia, Dário, Risalva, Claudinho, Zefinha,
Jailton, Luzia, Fernando (in memoriam), Maria Guimarães, Luiza leite (in
memoriam), Irineu, João Batista (Tista), Nidinha Fulni-ô (in memoriam)
Alexandra, Zezinha, todos/as da minha cidade natal, Águas Belas; Milma, Moura,
Álvaro, Nara, Aderbal (Deo), Alba, Lourdinha, Maria José, docentes da FAFIRE e
Cecília, Lícia, Ana Célia, Vicente, Janete, Edla, Jucy, Norma, Iracema (in
memoriam), Tânia, Inalda, Epitácio e Márcia Ângela docentes do Centro de
Educação da UFPE. À minha eterna diretora da Educação Fundamental, Dona Elcy (in
memoriam) que sempre nos conduziu com amor.
Aos meus colegas do mestrado, pelo carinho, amizade e cuidado com que nos
relacionamos, especialmente Ildo, Izabella, Daniel, Cleidilene, Ana Cláudia,
Emmeline, Andreza, Alessandra, Aliny, Tatiane, Edelson e, Nielson que nos
reencontramos após tantos anos de conclusão da graduação e nutrimos a mesma
amizade.
Aos representantes do Governo do Estado de Pernambuco, Sônia Lima, Vera
Arruda, Enéas Pinheiro, Antônio Moreira e Edízia Fernandes, que viabilizaram o
meu acesso a informações e documentos que favoreceram a concretização desse estudo.
A Enéas e Antônio que pude acompanhar mais de perto a dedicação e
comprometimento com a Educação Escolar Indígena.
Aos estudantes, pais/mães, professoras/es, coordenadoras, funcionários/as e
lideranças, a todo o povo Fulni-ô, pela confiança e carinho em permitir que eu pudesse
conviver com seu cotidiano e aprender por meio de suas experiências profissionais e de
vida, especialmente aqui representado pelas pessoas de: João Francisco dos Santos
9
Filho (Cacique), Gildiere Ribeiro Pereira (Pajé) Lideranças; Maristela, Milene,
Marciara e Ivanilde, Coordenadoras geral e de modalidades de ensino; Alba, Técnica
Educacional; Acassiana, Cícero (Dick), Ednaldo, Ênia, Gecilda, Gilvalúzia, Inalda,
Leozira, Zilvânia, Eva, Sara, Antônio (Lima), Paula Francisca, Expedito,
Professores e Professoras; Robério, Ralf, Aderlindo, Romero, Yauka, Marciana,
Michele, Sheyla, Marinilde (Nilde), Nádia, Eudina (Dinha), Gilvânia, Ilce,
Lourdinha, Funcionários/as administrativos e auxiliares de merenda/limpeza;
Ivanilda, Valdênia, Edilânia Glória (Glorinha), Judite, Audilene, Marcelo, Nielson,
Jailda, Wislane, Wesna, Juliana, pais e mães; Yasmim, Táfila, Victor, Cláudia,
Rodrigo, Reluí, José Clemém, Fernanda, Rômulo, Ronaldinho, Kaubi, Yondo,
Tacayoá, Sheylon, Kawly, Guilherme e Abelício, crianças da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon; Célia, Joãozinho, Telma, Seu Moreira, Mimo e
Dárcio Júnior que também apoiaram à pesquisa fornecendo materiais e informações
sobre o seu povo, mesmo não fazendo parte diretamente dos processos da Educação
Escolar Indígena Fulni-ô.
À minha mãe Zefinha, pelo seu exemplo. A ela e aos meus sobrinhos Rafael e
Ramon, pelas orações, conversas, incentivo e suporte para realização desse estudo e por
me receberem em sua casa no período da pesquisa de campo; às minhas primas-irmãs
Flávia e Fabiana, Flávia pelas leituras e correções dos textos e Fabiana pelas
transcrições de algumas entrevistas e pelo apoio na impressão das cópias da
Dissertação; à tia Gal e aos meus primos Fabiano, Fabrício e Flávia que me receberam
em sua casa para morar durante 4 anos em Recife e poder me formar em Pedagogia e tia
Gal por me ouvir sempre que necessito e por digitar algumas entrevistas que transcrevi,
além de presentear-me com o MP4 para realização das gravações das aulas do mestrado
e das entrevistas. A tio Miguel e tia Preta por me acolherem em sua casa quando vim
para fazer cursinho pré-vestibular em Recife e, posteriormente no início da realização
da pesquisa de campo, quando já moravam em Águas Belas-PE. À tia Gaida e Júlio,
por me acolherem em sua casa no primeiro ano de Faculdade. Aos meus familiares, tios,
tias, primos, primas, cunhadas e irmão Ulisses pelo amor, pelas orações, compreensão
de minhas ausências e carinho demonstrado ao longo do caminho, especialmente tia
Márcia, tio Nejo, tia Mércia e tia Divone; e ao meu pai Chico, pela preocupação e
cuidados demonstrados no decorrer da pesquisa de campo e por ter me dado a vida,
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além dos inúmeros exemplos de um coração acolhedor e humano. À Tayana, minha
afilhada pela compreensão de minha ausência em todos os eventos e festividades de sua
formatura.
À minha família, Jaime, Marina e Bruna pela cumplicidade sem a qual jamais
conseguiria concretizar esse sonho e pela compreensão diante das dificuldades
financeiras, de todos os ‘nãos’ que receberam e em todos os momentos que não pude
estar presente.
Aos amigos e amigas, que me apoiaram em todo o percurso: Priscila, Anna,
Iágrici, Magna, Inês, Chica, Jurandis, Iracilda, Zito, Vânia, Penha, Ivamilson,
Marcondes e Nielson pelas orações, pela escuta, torcida, ombro amigo, leituras e
correções dos textos escritos, apoio e incentivo à realização desse sonho. Aos meus
Alunos que desde 1997 me ensinam a ser professora e fizeram com que eu me
apaixonasse pelo Magistério. À Drº Antônio por todo apoio fundamental na minha
adolescência e à Alice pela condução do trabalho psicanalítico, pelas reflexões
desencadeadas e pelo apoio emocional sem o qual tudo ficaria mais difícil. À FOCCA –
Faculdade de Olinda nas pessoas da Diretora Antonieta Chiapetta e de Fátima
Alves, responsável pelo Departamento de Pessoal pelas compreensões ao longo desse
percurso. Ao NUDEP aqui representado por Iracilda Portlella e Natascha Lottis pelo
suporte operacional. À Editora do Brasil na pessoa de Elaine Leick, pela compreensão
e apoio quando da apresentação de trabalhos em congressos e realização da pesquisa de
campo. Às Editoras Áticas e Scipione, representadas pelas pessoas de Patrícia
Montezano e Flávia Aidar, por toda a compreensão referente ao período de escrita da
dissertação. Ao CCLF na pessoa de Patrícia Fortes pelos materiais disponibilizados e
ensinamentos no início do mestrado. À Tereza, minha amiga que desde que cheguei a
Recife me ensinou, com o seu exemplo, a amar a Pedagogia e possibilitou o convívio
com a sua família como se fosse minha. À Catarina e a Pery pelo apoio que antecedeu
à seleção para o mestrado. À Cristian e Audione, por me receberem em sua casa
quando da participação no XX EPENN em Manaus-AM.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,
pelo apoio financeiro durante os dois anos de realização do Curso de Mestrado.
11
Agradeço à colaboração de todos e cada um em especial porque sem eles eu não
chegaria até aqui. Essa vitória é plural porque é nossa.
Peço perdão aqueles a quem eu possa ter esquecido meramente por falha
humana, jamais por falta de gratidão.
12
TABELA DE SIGLAS
Nº DE
ORDEM
SIGLA
SIGNIFICADO
1
FUNAI
Fundação Nacional do Índio
2
ONG
Organização Não Governamental
3
UFPE
Universidade Federal de Pernambuco
4
RCENEI
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
5
SECAD
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade
6
CNE
Conselho Nacional de Educação
7
CEE-PE
Conselho Estadual de Educação de Pernambuco
8
SE-PE
Secretaria de Educação de Pernambuco
9
COPIPE
Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco
10
SPI
Serviço de Proteção ao Índio
11
PI
Posto Indigenista
12
IBGE
Instituto brasileiro de Geografia e Estatística
13
OIT
Organização Internacional do Trabalho
14
CIMI
Conselho Indigenista Missionário
15
COPIAM
Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia
16
LDB / LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
17
PCN’s
Parâmetros Curriculares Nacionais
18
PNE
Plano Nacional da Educação
19
MEC
Ministério da Educação
20
PPP
Projeto Político Pedagógico
21
EEI
Educação Escolar Indígena
22
UNESCO
Organização para a Educação a Ciência e a Cultura das
Nações Unidas
23
GRE
Gerência Regional de Ensino – Garanhuns
13
TABELA DE SIGLAS
PPGE-UFPE
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco
25
CEEIN -PE
Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco
26
MJ
Ministério da Justiça
27
GREEI
Grupo de Estudos sobre Educação Indígena
28
SEDUC-PE
Secretaria de Educação de Pernambuco
29
DEAL
Diretoria de Alfabetização
30
DEF
Diretoria de Ensino Fundamental
31
SEDE
Secretaria de Executiva de Desenvolvimento da Educação
32
SEGE
Secretaria Executiva de Gestão
33
GREI
Grupo de Educação Indígena de Pernambuco
34
NEEI
Núcleo Interinstitucional da Educação Escolar Indígena
35
CONSED
Conselho Nacional de Secretários da Educação
36
UFRR
Universidade Federal de Roraima
37
ANPAE
Associação Nacional de Política e Administração da
Educação
38
FAFIRE
Faculdade de Filosofia do Recife
39
PDDE
Programa Dinheiro Direto na Escola
40
IDEB
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
41
APOINME
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do
Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo
42
UFRPE
Universidade Federal Rural de Pernambuco
43
ALEPE
Assembléia Legislativa de Pernambuco
44
UPE
Universidade de Pernambuco
45
CCLF
Centro de Cultura Luis Freire
46
SINTEPE
Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco
47
EJA
Educação de Jovens e Adultos
24
14
TABELA DE SIGLAS
UEEI/SE-PE
Unidade de Educação Escolar Indígena da Secretaria de
Educação de Pernambuco
49
FNDE
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
50
COMPESA
Companhia Pernambucana de Saneamento
51
CNE/CEB
Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação
Básica
52
FABEJA
Faculdade de Belo Jardim
53
UVA
Universidade Vale do Acaraú
54
MMPE
Ministério Público de Pernambuco
55
TAC
Termo de Adesão de Conduta
56
OTM
Orientações Teóricas Metodológicas
57
BCC
Base Curricular Comum
58
ENEM
Exame Nacional do Ensino Médio
59
E-FISCO
Sistema eletrônico da Secretaria da Fazenda
60
ANPED
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação
61
UFAM
Universidade Federal do Amazonas
62
UFMT
Universidade Federal do Mato Grosso
63
OEI/MEC
Organização da Educação Indígena / Ministério da
Educação
64
UFPB
Universidade Federal da Paraíba
65
UFF
Universidade Federal Fluminense
66
FGV
Fundação Getúlio Vargas
67
UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
68
UNIR
Universidade Federal de Rondônia
69
CCS
Centro de Ciências da Saúde
48
15
RESUMO
Esse estudo baseia-se nas ideias de Azevedo (2001), de que a escola e, principalmente, a
sala de aula são espaços onde se concretizam as definições sobre a política pública, bem
como de Tassinari (2001) ao defender que a escola indígena situa-se em espaço de
fronteira, portanto, não sendo totalmente indígena tão pouco totalmente não-indígena.
Para trilhar o caminho teórico-metodológico buscamos apoio em Certeau (2009) ao
afirmar que é na atenção ao uso de táticas pelo mais fraco que se delineia uma
concepção política das ações e relações desiguais. O objetivo do estudo foi analisar de
que forma se materializam os princípios da educação específica, diferenciada e
intercultural presentes no Decreto Lei 24628/2002 que trata do Processo de
Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco. O nosso campo de
pesquisa foi a Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon que oferece a
Educação Básica completa. Os sujeitos pesquisados foram alunos, professores e
funcionários indígenas, equipe de gestão, lideranças, pais, representantes da Gerência
Regional de Educação – GRE-Garanhuns e da Secretaria de Educação de Pernambuco –
SE-PE. Para a coleta de dados fizemos uso de observação participante, entrevistas semiestruturadas e análise documental, recorrendo ao diário etnográfico como forma de
registro principal, porém não esquecendo a gravação de áudios, filmagens e fotografias.
Os dados indicaram que são múltiplas fronteiras e estas são frequentemente lembradas,
na medida em que famílias; povos indígenas em Pernambuco; Estado – SE-PE (Unidade
de Educação Escolar Indígena) e GRE´s; COPIPE; CEEIN-PE delimitam o âmbito de
atuação do estado. Percebemos, ainda, que a Escola indígena se constrói não apesar
dessas fronteiras, mas provavelmente por meio delas. O espaço de fronteira é
multifacetado e os conflitos são enfrentados quase que diariamente para favorecer a
materialização da determinação legal que regulamenta a Educação Escolar Indígena
específica, diferenciada e intercultural.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Escolar Indígena; Povo Fulni-ô; Processo de
Estadualização; Educação específica, diferenciada e intercultural.
16
ABSTRACT
This study is based on the ideas of Azevedo (2001), that the school and especially the
classroom are spaces where materialize their ideas about public policy, as well as
Tassinari (2001) to argue that the indigenous school is located in the border area, and
thus is not totally indigenous as little completely non-indigenous. For the path we seek
theoretical and methodological support in Certeau (2009) by stating that it is the
attention to the use of tactics by which weaker outlines a political conception of actions
and unequal relationships. The aim of this study was to examine how to materialize the
principles of special education, differentiated and intercultural present in the Decree
Law 24628/2002 which deals with the process descentralization of Indigenous
Education in Pernambuco. Our field research was the State School Indigenous Fulni-ô
Marechal Rondon that offers the complete basic education. Study subjects were
students, teachers and indigenous staff, management team, leaders, parents,
representatives of the Regional Education - GRE-Garanhuns and the Department of
Education of Pernambuco - SE-EP. To collect data we used participant observation,
semi-structured interviews and documentary analysis, using the ethnographic diary as a
primary record, but not forgetting the audio recording, filming and photography. The
data indicated that boundaries are multiple and they are often remembered, to the extent
that families, indigenous people in Pernambuco; State - SE-EP (Indigenous Education
Unit) and GRE's; COPIPE; CEEIN-PE delimit the scope of performance of the state.
We realize also that the Indian school is built not in spite of these boundaries, but
probably through them. The space frontier is multifaceted and conflicts are faced almost
daily to promote the materialization of the legal determination that regulates the
Indigenous Education specific, differentiated and intercultural.
KEYWORDS: Indigenous school education; People Fulni-ô; Process descentralization;
Education specific, differentiated and intercultural.
17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................
19
CAPÍTULO I – POVOS INDÍGENAS: UMA HISTÓRIA DE
MOBILIZAÇÕES PARA RECONHECIMENTO E GARANTIAS DOS
SEUS DIREITO ...................................................................................................
29
1.1 Fulni-ô, povo da beira do rio: contando um pouco de sua história ..................
31
1.1.1 Relações interétnicas ..............................................................................
33
1.1.2 A organização sociopolítica dos Fulni-ô ................................................
36
1.1.3 O Toré: muito mais que uma dança .......................................................
38
1.1.4 O Ouricuri: afirmação de identidade ......................................................
39
1.2 Políticas públicas e educação para todos...........................................................
40
1.3 Educação Escolar Indígena: entre leis e decretos, da assimilação ao direito à
escola específica, diferenciada e intercultural ........................................................
44
1.4 Educação escolar Indígena: assimilacionista, indígena ou em espaço de
fronteira? ................................................................................................................
47
1.4.1 Escola Indígena, educação para e com os povos: possibilidades por
meio da interculturalidade ............................................................................
50
1.4.2 Especificidade, diversidade e interculturalidade: pilares para a
Educação Escolar Indígena ...........................................................................
53
CAPÍTULO II – O CAMINHO METODOLÓGICO: DESAFIOS DA
TEORIA DO COTIDIANO ..............................................................................
60
2.1 Dialogando sobre o percurso ...........................................................................
66
CAPÍTULO III – EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM
PERNAMBUCO: “EDUCAÇÃO É UM DIREITO, MAS TEM QUE SER
DO NOSSO JEITO”? ..........................................................................................
81
3.1 Como se organiza a Educação Escolar Indígena em Pernambuco ...................
81
3.1.1 SE-PE:Gerência de Políticas Educacionais de Direitos Humanos e
Gerência Regional de Ensino ..........................................................................
84
18
3.1.2 COPIPE: diálogos entre os povos indígenas e resolução de problemas
comuns ligados à Educação Escolar Indígena ................................................
3.1.3 Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco: diálogos
possíveis entre os povos indígenas, Estado, indigenistas e Sociedade
Civil ...........................................................................................................
93
101
CAPÍTULO IV – O COTIDIANO DE UMA EDUCAÇÃO ESCOLA
INDÍGENA FULNI-Ô: IMPASSES E POSSIBILIDADES ...........................
106
4.1 Ser Fulni-ô: a Educação começa mesmo é no Ouricuri ..................................
106
4.2 Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon: entre a burocracia
estatal e o cotidiano ...............................................................................................
113
4.3 Projeto Político Pedagógico e sentido conferido à escola: o que desejam os
Fulni-ô ...................................................................................................................
127
4.4 Gestão e tomada de decisão na escola ............................................................
131
4.4.1 Professores/as indígenas Fulni-ô: ousando traçar o seu perfil e a
relação com o estado .......................................................................................
136
4.4.2 Calendário diferenciado: espaço e tempo pedagógico Fulni-ô ..............
141
4.4.3 Merenda e material escolar: atendimento às demandas Fulni-ô pelo
estado ..............................................................................................................
146
4.4.4 Currículo e as aulas de Yaathe: como se pratica o bilinguismo Fulniô? .....................................................................................................................
148
4.4.5 Presença dos pais na escola e o que pensam sobre a Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon ................................................................
152
4.5 Formação de professores e o respeito ao calendário específico, diferenciado
e a interculturalidade .............................................................................................
155
4.6 O que pensam a equipe de gestão escolar, professores indígenas e
lideranças Fulni-ô sobre a escola específica, diferenciada e intercultural ............
160
4.7 Participação do povo Fulni-ô na COPIPE e no Conselho de Educação
Escolar Indígena de Pernambuco enquanto espaços interculturais .......................
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................
171
REFERÊNCIAS ....................................................................................................
177
ANEXOS
19
INTRODUÇÃO
O
tratamento
do
tema
“PROCESSO
DE
ESTADUALIZAÇÃO
DA
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM PERNAMBUCO: A EXPERIÊNCIA DO
POVO FULNI-Ô”, nos levou a um estudo sobre a própria história dos povos indígenas,
especificamente o povo FULNI-Ô, assim como sobre as suas demandas socioculturais
ao longo da história. Nesse panorama surge o nosso objeto de estudo “Os princípios da
educação específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei
24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena
em Pernambuco”. O nosso interesse foi analisar de que forma esses princípios se
materializam no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulniô Marechal Rondon, localizada em Águas Belas-PE.
No Brasil ocorreu crescente participação de movimentos sociais organizados por
indígenas e indigenistas1 que têm suas ações refletidas nas políticas públicas em
diversos setores, dentre eles a educação. Esses movimentos se fortaleceram no período
de redemocratização e se consolidaram mediante as conquistas da Constituição de 1988
(Capítulo III “Da Educação, da Cultura e do Desporto – seção I Da Educação e seção II
Da Cultura” e Capítulo VII “Os Índios – Artigos 231 e 232”), onde ficou estabelecido,
pela primeira vez no sistema legislativo brasileiro, que os indígenas têm direito ao uso
de suas línguas maternas e de seus processos próprios de aprendizagem. Ou seja, os
indígenas passaram a ter direito de serem eles mesmos, com seus costumes, crenças,
língua, rituais, tradições e formas próprias de organização social.
Nesse momento, o Brasil começou a sair de uma visão integracionista dos povos
indígenas à sociedade nacional vigente, dominante e branca, para adentrar numa postura
mais emancipatória e libertadora para e com os povos indígenas. As conquistas políticas
1
A palavra ‘indígenas’ aqui empregada é utilizada para referir-se aos integrantes dos povos indígenas,
pois a palavra índio não tem sido mais aceita para esse fim, uma vez que índio foi uma palavra inventada
quando os colonizadores acreditaram estar chegando ás Índias, além do fato de ser uma palavra
comumente aplicada em situações preconceituosas, a exemplo de “programa de índio” quando se está
falando de algum evento culturalmente empobrecido ou sem muita animação. Já a apalavra ‘indigenistas’
refere-se ao não-indígena que trabalha em prol da causa.
20
alcançadas pelos povos indígenas têm ocorrido por meio de muitas mobilizações
sociais.
Entretanto, como em toda política pública, essa também possui caráter de
regulação, controle e normatização, o que tem dificultado a aplicabilidade do respeito à
grande diversidade cultural e necessidades de cada povo, como é caso do direito de
elaborar as diretrizes de sua própria educação. Podemos exemplificar o caráter
conflituoso da política pública ao observar que em Pernambuco, especificamente entre
os Fulni-ô, sujeitos dessa pesquisa, os professores das escolas indígenas são integrantes
do próprio povo e, mesmo vivenciando a realidade de desenvolver atividades docentes
numa escola da rede estadual de ensino estão submetidos a contratos temporários há 10
ou 15 anos em média. Visto que, a escola indígena é mantida pela rede estadual de
educação, percebemos que a política pública que fomenta a Educação Escolar Indígena
não soluciona a questão de contratação de professores indígenas de forma a efetivar
esses profissionais.
Em Pernambuco, o debate tem se ampliado, políticas públicas têm sido definidas
e o Censo Escolar 2009 registrou um crescimento de 11,7% no número total de
matrículas na Educação Escolar Indígena. Porém, a Educação Escolar Indígena, como
qualquer outra instância que se refere a povos indígenas, está intimamente relacionada
com a principal reivindicação indígena no Brasil que é o direito à terra. Dessa forma, a
reafirmação da visão preconceituosa sobre o indígena, reproduzida por Gilberto Freyre2
(2001), é naturalizada na cidade de Águas Belas-PE, onde foi realizado nosso estudo de
campo.
Podemos apontar diversos questionamentos acerca da problemática que envolve
a Educação Escolar Indígena. Em primeiro lugar, o fato dos professores indígenas
terem se formado nas escolas não indígenas, ocorrendo, dessa maneira, uma
2
Freyre afirmou em Casa Grande & Senzala que o indígena era introvertido, desconfiado, preguiçoso,
não muito afeito ao trabalho, declarando que a enxada nunca havia se firmado na mão do índio nem na do
mameluco, portanto, as mulheres índias não tinham dado tão boas escravas domésticas quanto as
africanas, sendo substituídas por estas da mesma forma que os negros substituíram os índios como
trabalhadores de campo; A mulher indígena é apresentada como alguém devassa, promiscua, que ‘dava-se
por um pente ou caco de espelho e se esfregava nas pernas dos colonizadores.
21
possibilidade de reprodução do modelo de escola da modernidade ocidental. Taukane3
(2001), afirmou que só começou a refletir e repensar sobre a educação escolar de seu
povo em 1994, quando iniciou o levantamento de dados para sua pesquisa de Mestrado.
Ela fez o seguinte comentário sobre a educação escolar que recebeu: “eu não tinha
consciência de que eu mesma era fruto de um projeto de educação escolar de negação,
de não-valorização cultural, enquanto pessoa e como mulher indígena. Fui educada nos
moldes de uma educação para que me tornasse uma pessoa ‘civilizada’”.
Em segundo lugar, os Fulni-ô frequentam as escolas estaduais localizadas nas
Aldeias de seu povo, que atendem da Educação Infantil ao Ensino Médio, mas também
podem escolher frequentar as escolas localizadas na cidade de Águas Belas.
Supondo que as políticas públicas voltadas para a Educação Escolar Indígena,
que apontam para o caminho da interculturalidade, ainda não estejam concretizadas no
cotidiano dessas escolas, qual a situação das crianças e adolescentes Fulni-ô que
necessitam delas enquanto espaço para a continuidade da construção de sua cidadania?
Taukane (2001) afirmou ainda que um dos impasses e desafios para os povos indígenas
é o destino dos alunos depois de terminarem seus estudos das séries iniciais nas aldeias,
quando terão que sair de lá para dar prosseguimento aos seus estudos, em nível de
segundo e terceiro graus.
E em terceiro lugar, a escola pública estadual localizada na Aldeia Grande trata
da educação escolar do povo, com o povo e para o povo Fulni-ô, o que faz toda a
diferença no processo de concretização das políticas públicas em seu cotidiano.
Conforme afirmou Bergamashi (2007), ampliando a nossa compreensão de que não são
apenas duas cosmologias que se encontram, mas tantas quantas forem as etnias,
instituições privadas, ONGs, Estado e grupos envolvidos nos embates:
[...] porém, é importante perscrutar o eco desse movimento que se dá
no encontro de duas cosmologias, e como é traduzido nas leis e nas
ações governamentais que materializam as políticas públicas, assim
como a forma de se concretizar num fazer escolar diferenciado nas
aldeias. (BERGAMASHI, 2007, p. 211).
3
Mestra em Educação (primeira mestra indígena no Brasil) e Coordenadora de Educação da FUNAI e
pertencente ao povo Bakairi, localizado em Cuiabá-MT.
22
Em meio a esse debate, percebemos que as pesquisas vêm paulatinamente se
preocupando com essa temática e com a problemática que envolve a Educação Escolar
Indígena. Em estudos analisados encontramos em 409 dissertações e teses do Centro de
Educação – UFPE, defendidas nos últimos 30 (trinta) anos, e destas apenas três tratam
da temática indígena. Também localizamos pesquisas sobre políticas públicas e
Educação Escolar Indígena, bem como sobre o povo Fulni-ô em diversas instituições e
nas mais variadas linhas4, porém não há nenhum registro de pesquisas na linha de
Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação da UFPE sobre o referido
tema.
O levantamento do estado da arte, sobre a Educação Escolar Indígena, vem
reforçar a importância da pesquisa haja visto o debate acima levantado que coloca em
relevo a necessidade de discussão sobre política pública e educação escolar indígena.
Por outro lado, buscamos originalidade e ineditismo da pesquisa ora proposta, pela
ousadia de possibilitar a palavra às pessoas ordinárias, todo um não dito dos gestos de
mãos, decisões e sentimentos que presidem em silêncio ao cumprimento das tarefas do
cotidiano. (CERTEAU, 2009).
Reforçando os nossos argumentos referentes ao valor da pesquisa sobre
Educação Escolar Indígena em Pernambuco, e, particularmente investigando o objeto
por meio da experiência do povo Fulni-ô, Grünewald (2005, p. 18) lamentou a
existência de poucos estudos sobre o povo Fulni-ô com a seguinte afirmação: “talvez já
aqui possamos lamentar a ausência de trabalhos (...) sobre os Fulni-ô, muito pouco
investigados”. Nesse sentido compreendemos que nossa pesquisa corrobora com a
4
Dantas (2010) em História; Brum (2008) em Direito e Multiculturalismo; Barbalho (2007) em
Formação de Professores e Práticas Pedagógicas; Oliveira (2006) em Administração Pública e Governo;
Veronez (2006) em Identidade, Cultura e Linguagem; Campos (2006) em Antropologia; Quirino (2006)
em Ciências Sociais; Burato (2005) em História, Historiografia e Educação; Venere (2005) em Políticas
Públicas e Desenvolvimento Sustentado; Ângelo (2005) em Movimentos Sociais, Política e Educação
Popular; Sá (2005) em História Política e Bens Culturais; Santos (2004) em Teoria e História da
Educação; Albuquerque (2004) em História da Educação; Almeida (2001) em Formação de Professores e
Práticas Pedagógicas; Secundino (2000) em Ciências Sociais.
23
compreensão de que “O processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em
Pernambuco: a experiência do povo Fulni-ô” é um tema relevante pelo seu ineditismo,
pela atualização em termos de debate local e global, pela possibilidade que temos de
conhecer um pouco mais sobre o único povo bilíngue no Nordeste, excetuando-se o
Maranhão, além do fato de representar o estudo de uma década: 10 anos do processo de
estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco.
Mediante as reflexões apresentadas inicialmente, surge a indagação: Como os
princípios da educação específica, diferenciada e intercultural presentes no
Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco, têm se concretizado no cotidiano do Ensino
Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon?
No que diz respeito à política pública, toda ela é criada para responder a um
problema existente em determinado setor da sociedade, que passa a ser reconhecido
como tal pelo Estado. Dessa maneira os grupos, etnias, sociedade em geral, devem
assumir uma postura participativa e propositiva em relação às políticas públicas. No
caso das políticas educacionais, é no cotidiano escolar que as políticas públicas ganham
vida e se concretizam. Nesse sentido, entendemos que o processo de estadualização da
Educação Escolar Indígena, vem, enquanto política pública, fomentar a discussão e a
reflexão sobre sua importância.
Esse estudo utilizou-se das ideias de alguns estudiosos/autores. Primeiro, usamos
de Azevedo (2001), ao afirmar que a escola e, principalmente, a sala de aula são espaços
onde se concretizam as definições sobre a política e o planejamento que as sociedades
estabelecem para si, como projeto ou modelo educativo que se tenta colocar em ação.
Segundo, fizemos uso do pensamento do professor Alan Bryman (1988), citado por
Bauer et al. (2002), que defende que “um objetivo importante do pesquisador qualitativo
é que ele se torne capaz de ver ‘através dos olhos daqueles que estão sendo
pesquisados’’. Sobre esse aspecto Certeau (2009:19) afirmou que é
Nesta confiança posta na inteligência e na inventividade do mais
fraco, na atenção extrema à sua mobilidade tática, no respeito dado ao
fraco, sem eira nem beira, móvel por ser assim desarmado em face das
estratégias do forte, dono do teatro de operações, que se esboça uma
24
concepção política do agir e das relações não igualitárias entre um
poder qualquer e seus súditos.
E, terceiro, debruçamo-nos sobre a ideia de fronteira proposta por Tassinari (2001,
p. 68) para melhor entendermos o funcionamento das escolas indígenas, que considera
fronteira como
um espaço de contato e intercâmbio entre populações, como espaço
transitável, transponível, e como situação criativa na qual
conhecimentos e tradições são repensados, às vezes reforçados, às
vezes rechaçados, e na qual emergem e constroem as diferenças
étnicas.
É nessa perspectiva que, para entender a escola indígena é preciso concebê-la
enquanto espaço onde circulam ideias e forças indígenas e não-indígenas e, portanto,
segundo Tassinari (2001, p. 68), “espaço de angústias, incertezas, mas também de
oportunidades e de criatividade”.
Procurando compreender a dinâmica que envolve o objeto de estudo,
estabelecemos como objetivo geral de nosso trabalho analisar de que forma os
princípios da educação específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei
24628/2002 que trata do Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em
Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon localizada na Aldeia Grande do povo Fulni-ô, na
cidade de Águas Belas.
Em nossos estudos iniciais, nossos pressupostos apontavam para alguns pontos
divergentes entre a lei e a materialização da mesma no cotidiano escolar. Assim, surgiu
a necessidade de elencar de forma mais definida quais esses pontos e que elementos
poderíamos estar investigando através deles.
Considerando fundamental o entendimento das questões que estão sendo
ocasionadas mediante a implementação do Decreto 24628/2002, referente ao Processo
de Estadualização da Educação Escolar Indígena, elencamos como objetivos específicos
de nosso estudo 1) Analisar o princípio da educação
específica, diferenciada e
intercultural presentes nos marcos referenciais das políticas públicas Federal e Estadual
25
voltadas para a Educação Escolar Indígena; 2) Investigar e compreender de que forma
os princípios da educação específica, diferenciada e intercultural se expressam ou se
materializam no cotidiano do Ensino Fundamental I da Escola Estadual Indígena Fulniô Marechal Rondon; 3) Identificar a compreensão que a equipe de gestão escolar,
professores/as indígenas do Ensino Fundamental I e lideranças que participam das
decisões que envolvem essa modalidade de ensino na Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, possuem sobre educação específica, diferenciada e intercultural.
Diante dos objetivos específicos, o caminho trilhado para desenvolvimento da
pesquisa a fim de responder aos mesmos, valeu-se de uma abordagem qualitativa por
considerar ser um referencial teórico que “envolve a obtenção de dados descritivos,
através do contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatizando os
processos mais que os produtos e se preocupando em retratar as perspectivas dos
participantes” (Ludke e Andre, apud Araújo, 1986, p. 11).
Do ponto de vista teórico-metodológico pautamo-nos na Teoria do Cotidiano de
Certeau (2009), em função do nosso interesse em conviver com o cotidiano da Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon como forma de compreender a
aplicabilidade da política pública voltada para Educação Escolar Indígena em
Pernambuco, bem como as relações sociais estabelecidas entre o estado utilizando suas
estratégias de controle e manipulação e os povos indígenas que astuciosamente
constroem suas táticas, aproveitando ocasiões e encontrando saídas para fazer valer os
seus direitos adquiridos constitucionalmente, dentre eles o direito a uma educação
específica, diferenciada e intercultural que nesse estudo representam as nossas
categorias de análise.
Como técnica de coleta de dados, escolhemos utilizar a observação participante
do cotidiano escolar, a análise documental e a entrevista semi-estruturada. Vale ressaltar
que diante da necessidade de compreender o aporte legal sobre o nosso tema de
pesquisa, nos dispusemos a analisar os seguintes documentos: Constituição Federal
de1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, RCENEI, Caderno
SECAD
3
Educação
Escolar
Indígena:
diversidade
sociocultural
indígena
ressignificando a escola, Parecer 14/99 e Resolução 3/99 do CNE, Resolução 05/2004
do CEE-PE e Decreto Estadual 24628/2002.
26
Os sujeitos participantes da pesquisa foram professores/as indígenas do Ensino
Fundamental I; alunos indígenas; participantes diretos na gestão escolar; pais; lideranças
indígenas todos do povo Fulni-ô e Técnicas Educacionais da SE-PE.
Nosso estudo está organizado em um texto dissertativo da seguinte forma: no
primeiro capítulo apresentamos um breve histórico sobre os povos indígenas no Brasil,
suas mobilizações para reconhecimento e garantias de seus direitos e discorremos de
forma resumida sobre a história do povo Fulni-ô, as relações interétnicas, sua
organização sociopolítica e aspectos socioculturais. Tratamos sobre as principais
legislações que regulamentam a Educação Escolar Indígena, demonstrando o percurso
trilhado desde a ideia preconceituosa de assimilação dos povos indígenas a sociedade
tida como superior até o direito à escola específica, diferenciada e intercultural
perpassando pela ideia de Tassinari (2001) de que a Educação Escolar Indígena não é
100% indígena, tão pouco totalmente não-indígena, uma vez que ela existe em espaço
de fronteira onde são vivenciados diálogos, embates, limites e possibilidades para essa
construção. Também tentamos discutir as três categorias de análise dessa pesquisa na
perspectiva teórica: especificidade, diversidade e interculturalidade: pilares para a
Educação Escolar Indígena dialogando por meio da visão que diversos estudiosos
possuem sobre o tema e de que maneira ele é retratado pelas legislações existentes no
Brasil, tentando pensar o local e global.
O segundo capítulo apresenta o caminho metodológico, desenhando o percurso
trilhado por meio da teoria do cotidiano de Certeau (2009), dialogando sobre os desafios
dessa teoria vivenciados na pesquisa de campo e mapeando o campo, sujeitos,
instrumentos de coleta, formas de registros dos dados, categorias de análise escolhidas
por nós, bem como sobre a análise e tratamento dos dados coletados.
No terceiro capítulo iniciamos a nossa análise sobre a Educação Escolar
Indígena em Pernambuco a partir das reivindicações dos povos indígenas:
“EDUCAÇÃO É UM DIREITO. MAS TEM QUE SER DO NOSSO JEITO”
Procuramos compreender os momentos que antecedem o processo de estadualização e
como a Educação Escolar Indígena passou a ser organizada em Pernambuco até chegar
à Unidade de Educação Escolar Indígena, passando pelos corredores da SE-PE:
27
Gerência de Políticas Educacionais de Direitos Humanos e Gerência Regional de
Ensino, organização social dos povos indígenas por meio da Comissão de Professores
Indígenas em Pernambuco - COPIPE e sua relevância para a proposição de políticas
públicas educacionais indígenas em âmbito local, além de sua articulação com o
contexto global e chegando ao Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco
tentando compreender de que forma os povos indígenas têm ocupado esses espaços e
dialogado com a sociedade brasileira.
O quarto capítulo é composto pela apresentação do cotidiano da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, sua história, impasses e possibilidades. Para tanto,
analisamos aspectos do Projeto Político Pedagógico na tentativa de compreender o
sentido conferido à escola pelos Fulni-ô, tentamos entender sua forma de gestão e
processo de tomada de decisão, traçar o perfil dos/a professores/a, bem como pensar a
relação estabelecida entre estes e o estado, desde seleção, contratação, formação e
condições de trabalho. Também dialogamos sobre o calendário diferenciado buscando
compreendê-lo enquanto espaço e tempo pedagógico Fulni-ô. Para entender de que
forma o estado tem atendido às demandas das escolas indígenas, focamos a merenda e o
material escolar.
Na perspectiva da escola específica, diferenciada e intercultural discorremos
sobre a prática do bilingüismo Fulni-ô na escola, conversamos sobre a compreensão que
os pais possuem referente à Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon e de
que forma eles se apropriam desse lugar como sendo próprio. Buscamos relacionar a
formação de professores e o respeito ao calendário específico, diferenciado e a
interculturalidade, além de analisarmos o que pensam a equipe de gestão escolar,
professores indígenas e lideranças Fulni-ô sobre essa escola específica, diferenciada e
intercultural. E por último dialogamos sobre a participação do povo Fulni-ô na COPIPE
e no Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco por meio das entrevistas e
observações do cotidiano escolar, uma vez que percebemos ambos enquanto espaços
interculturais.
Encerramos nosso estudo, com uma seção dedicada as considerações finais,
onde recuperamos de forma objetiva os resultados da pesquisa frente ao problema
28
estudado, bem como anunciamos algumas perspectivas para o tema em estudo como
forma de contribuir de forma mais abrangente para a discussão sobre O Processo de
Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco e, mais especificamente
para o povo Fulni-ô, sujeito maior de nossa pesquisa.
29
CAPÍTULO I
POVOS INDÍGENAS: UMA HISTÓRIA DE MOBILIZAÇÕES
PARA RECONHECIMENTO E GARANTIAS DOS SEUS DIREITOS
Refletir sobre formação da sociedade brasileira, assim como o papel dos povos
indígenas nessa formação nos remete a compreender aspectos que povoam o imaginário
sobre os indígenas. Lembramos alguns mitos e preconceitos que construíram e se
mantém no imaginário brasileiro até aos dias atuais, a exemplo da generalização da
ideia de que todo indígena é introvertido, desconfiado, preguiçoso, não muito afeito ao
trabalho e que o processo de colonização no Brasil se concretizou por meio da relação
harmônica entre indígenas colonizados e portugueses colonizadores, uma vez que os
indígenas não ofereceram resistência, conforme apontou Freyre:
Não houve por parte dele (o índio) capacidade técnica ou política de
reação que excitasse no branco a política do extermínio seguida pelos
espanhóis no México e no Peru [...] Nem as relações sociais entre as
duas raças, a conquistadora e a indígena, aguçaram-se, nunca na
antipatia ou no ódio... Suavizou-as aqui o óleo lúbrico da profunda
miscigenação, quer a livre e danada, quer a regular e cristã sob a
bênção dos padres e pelo incitamento da igreja e do Estado.
(FREYRE, 2001, p. 162)
A escola, durante anos, reforçou essas ideias ao apresentar o indígena apenas a
partir de 1500 como parte integrante do momento do “Descobrimento”. No início da
colonização e na relação de datas comemorativas, por exemplo, “o ‘Dia do Índio’,
quando crianças comumente são vestidas/caracterizadas de indígenas que habitam os
Estados Unidos” (SILVA, 2007, p. 2). Ainda para o referido autor, os estudos históricos
têm passado por uma reformulação que tem revisado o lugar dos povos indígenas na
História. O “Descobrimento” tem sido discutido enquanto resultado do processo de
expansão européia no século XVI por meio da colonização do que chamaram de “Novo
Mundo”, lugar de violentos confrontos entre diferentes povos e suas culturas e os
invasores de seus territórios, com a imposição da cultura do colonizador.
30
Os índios não eram nem índios, nem brasileiros, em um momento em que sequer
os brasileiros existiam. De donos da terra, os indígenas foram obrigados a aceitar que
eram índios e que faziam parte de uma nova unidade sociopolítica com sua autonomia
retirada, e desconhecendo completamente a sociedade européia e suas ambições que não
tinha nenhum interesse em conhecer as culturas locais (REESINK, 2005, p. 8). O que
ocorreu foi uma colonização violenta do ponto de vista físico e simbólico. Foi “o início
de uma exploração econômica com as terras e braços dos nativos”, de forma que Mem
de Sá “se vangloriou de ter matado tanto negro da terra que encheu 6 quilômetros de
praia de corpos deitados lado a lado”. Para o autor, os indígenas não irão desaparecer
como se isso fosse uma lei da Natureza, pois a Natureza do ser humano é de um ser
sociocultural, sujeito a causas e contingências, mas jamais um agente passivo com seu
destino. Sobre o reconhecimento dos povos indígenas Reesink fez a seguinte afirmação:
Reconhecer o direito dos povos indígenas de serem povos diferenciados
e, simultaneamente, cidadãos brasileiros, com o poder de sua autodeterminação sobre o que é o seu destino é capital para que a sociedade
em sua totalidade se reconheça como compondo um Estado pluriétnico
e multicultural. O destino se faz de vontade política e não obedece
cegamente às trilhas predeterminadas. (2005, p. 16).
Os povos indígenas tiveram suas terras roubadas, foram proibidos de praticarem
seus rituais e de se comunicarem usando suas línguas maternas. Contraditoriamente,
após quatro séculos de dominação para serem reconhecidos enquanto povos indígenas e
terem direito às suas terras, o Estado cobra a apresentação de sinais diacríticos5, sendo
os mais significativos a prática de seus rituais e o uso da língua materna. Vale ressaltar
que, mesmo após o reconhecimento, a posse da terra para povos indígenas é para seu
uso exclusivo (usufruto), segundo a Constituição Federal aprovada em 1988, porém não
há “terra de índio”, pois a posse das terras indígenas brasileiras permanecem sob o
poder da União.
5
No caso específico do reconhecimento dos povos indígenas pelo Estado, sinais diacríticos são sinais de
diferenciação, aquilo que caracteriza e diferencia os povos indígenas dos não indígenas. São
conformadores de uma etnicidade, de acordo com definição de Sheila Brasileiro (2004).
31
Os povos indígenas em Pernambuco construíram uma história de solidariedade
mútua entre si. O Povo Fulni-ô foi o primeiro a ser reconhecido oficialmente, nas
primeiras décadas do século XX. Conforme Arruti (2004, p. 238), na visão do
funcionário do Serviço de Proteção ao Índio – SPI, responsável pelo reconhecimento, o
povo Fulni-ô reunia as condições básicas nos aspectos de estrutura para instalação do
Posto Indigenista – PI, práticas de rituais, uso da língua materna, características
antropofísicas (cabelo, tipo e cor da pele, maçãs acentuadas, olhos oblíquos e estatura
pequena), além da viabilidade econômica para o estado.
O que o funcionário do órgão não sabia era que os Fulni-ô reuniam
também outras qualidades, que os fariam ponto de partida das
emergências seguintes e que condicionariam, e mesmo orientariam, as
ações posteriores do próprio órgão. Os Fulni-ô servem a legitimidade
etnológica de outros grupos de ‘remanescentes’ e chamam a atenção
de uma série de comunidades, com as quais mantinham laços rituais.
(ARRUTI, 2004, p. 239)
O processo de colonização no Brasil foi tão forte e destrutivo que muitos povos
indígenas tiveram dificuldades em reconhecerem-se indígenas, eles mesmos se
reconheciam “caboclo”, conforme Viegas (2007). Apesar de tudo isso, o ritual do Toré6
é fundamental na afirmação da identidade étnica, uma vez que “a comunhão que os
indivíduos do grupo realizam no toré os unifica e, além disso, torna-os diferentes dos
vizinhos, deixando claro para eles próprios que eles são os mesmos, dividindo uma
mesma força mística, repleta de ancestrais.” (GRÜNEWALD, 2005, p. 13).
1.1 Fulni-ô, povo da beira do rio: contando um pouco de sua história
O povo Fulni-ô até início do século XX era conhecido pelo nome de Carnijós e
habita o município de Águas Belas, estado de Pernambuco, numa região conhecida
como Polígono da Seca nordestina. Os Fulni-ô têm séculos de contato com a sociedade
6
Toré – ritual sagrado praticado pelos povos indígenas no Nordeste. Circundado por segredos em torno
de uma alegada ‘ciência do índio’ de exclusividade indígena. (Grünewald, 2005, p. 26).
32
não indígena, o que resultou em impactos significativos para a sua história e a
organização sociocultural.
Toda a extensão do município de Águas Belas, 887 Km² corresponde à terra que
os Fulni-ô afirmam terem recebido da Princesa Isabel, cujo documento foi “assinado
com letra de ouro”, segundo relatam, pela sua participação e pelos seus mortos na
Guerra do Paraguai. Atualmente, a terra indígena Fulni-ô compreende a área de 11.5
Km² hectares, aproximadamente. A Aldeia Grande situa-se em meio a espaço urbano,
tão próxima à cidade que algum visitante desavisado poderá ir da cidade para a Aldeia
sem perceber. A Aldeia Grande do povo Fulni-ô fica localizada a 340 km de distância
da cidade de Recife, capital de Pernambuco.
Apesar da maioria dos Fulni-ô residir na Aldeia Grande (local escolhido para a
instalação do Posto Indígena General Dantas Barreto), há também a Aldeia Xyxyaklá e
o Ouricuri. A esse respeito, Quirino afirmou:
Os Fulni-ô têm como núcleos de moradas a Aldeia Sede (aldeia
grande, aldeia de cima), a Aldeia do Ouricuri (aldeia de baixo - lugar
de expressão religiosa Fulni-ô) e a Aldeia do Xixiakhlá (que significa
em yathê muitas catingueiras). Esta última também é chamada de
Cipriano pelos não-índios. A aldeia sede é comumente chamada pelos
Fulni-ô de “aldeia grande”, como uma forma de diferenciá-la do
Xyxyaklá e do Ouricuri (...) A cidade e a aldeia sede estão integradas
fisicamente. (QUIRINO, 2006, p. 4).
À época do reconhecimento oficial contemporâneo dos povos indígenas em
Pernambuco, há registros dos Fulni-ô como um povo mediador para o reconhecimento
de outros povos no estado (ARRUTI, 2004). O referido autor declarou ainda, que o
relatório do SPI para reconhecimento do povo Fulni-ô contém a seguinte afirmação: “os
Fulni-ô, apesar de alguma miscigenação racial, e despossuídos de suas antigas terras por
políticos locais, conservam a língua e os costumes de seus antepassados, assim como
sua coesão social” (ARRUTI, 2004, p. 237). Dentre as expressões socioculturais que os
Fulni-ô dizem ter herdado dos seus antepassados encontramos também o artesanato
feito com a palha do ouricuri (planta da família das palmeiras), o Toré e o Ouricuri, este
um local onde só participam os indígenas e para onde os Fulni-ô se retiram nos meses
33
de setembro a novembro de cada ano, constituindo-se em um mistério e fonte de muita
curiosidade para a comunidade local não indígena.
1.1 .1 Relações interétnicas
O povo Fulni-ô, que afirma o nome significar “povo da beira do rio” ou “povo
que vive ao lado do rio” contabiliza, atualmente, uma população aproximada de 6000 7
habitantes o que corresponde a 16%, em média, da população do município de Águas
Belas estimada em 40.2358 habitantes.
A história desse povo é marcada por inúmeros conflitos pela posse da terra. A
convivência secular com os não-indígenas é baseada na desconfiança, preconceitos,
violências e perseguições, segundo Romani (2009). O povo Fulni-ô sobreviveu a uma
história de confrontos dividida, segundo os indígenas, em dois momentos: primeiro
pelos portugueses colonizadores e na década de 1920 pelos coronéis e jagunços, sendo
proibido, inclusive da prática de seus rituais e de se comunicar em sua língua materna.
As relações do povo Fulni-ô com a cidade de Águas Belas concretiza-se para
suprir seus provimentos, necessidades de consumo, resolver problemas relacionados a
instituições financeiras, de comunicação, acesso aos órgãos públicos, dentre outros.
Portanto, os Fulni-ô precisam manter o contato quase diário com os não-indígenas.
Entretanto, o aspecto mais forte e marcante dessa relação é o preconceito demonstrado
por meio da visão que a maioria dos moradores na cidade de Águas Belas possui em
relação aos Fulni-ô, que se traduz nas relações conflituosas e de desconfianças
estabelecidas historicamente. Isso dificulta a continuidade dos estudos de indígenas nas
escolas urbanas da cidade, bem como o acesso a postos de trabalho fora do âmbito das
aldeias, restando aos Fulni-ô que desejam alcançar esse patamar, migrarem de sua terra,
de junto de seu povo para outros estados do Brasil, a não ser aqueles que desejem ser
professor/a e prestem concurso público como qualquer outro cidadão brasileiro e alguns
7
Dados obtidos por meio do documento da FUNAI intitulado ‘ Modelo de Gestão Etnia Fulni-ô’ cedido
pelo Centro de Cultura Luis Freire em abril de 2010
8
Dados IBGE: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=260050 acesso em
05.01.20112
34
poucos que já começam a inserir-se enquanto funcionários no comércio em lojas de
alguns poucos comerciantes que simpatizam com os Fulni-ô.
Nas poucas festas da cidade em que os jovens Fulni-ô participam, sempre
aparecem em grupo de 10 a 12 pessoas, talvez para se fortalecerem ante os olhares e
comentários discriminatórios e preconceituosos dos demais habitantes no município.
O povo Fulni-ô, comumente, realiza suas festas religiosas na própria Aldeia
Grande. Apesar de se dizerem católicos romanos e devotos de Nossa Senhora da
Conceição, sua padroeira e padroeira da cidade de Águas Belas, os indígenas têm sua
comemoração própria realizada em período posterior às festas de Nossa Senhora da
Conceição da cidade de Águas Belas e a de São Sebastião. Em momentos de
festividades abertas na Aldeia Grande os Fulni-ô expressam alegria com a presença de
pessoas não-indígenas da cidade que consideram amigas, demonstrando-se verdadeiros
anfitriões.
Quirino (2006, p. 13) ao tratar das relações conflituosas estabelecidas entre o
povo Fulni-ô e os não--indígenas da cidade de Águas Belas, evidenciou a troca de
favores, e, a esse respeito, fez a seguinte afirmação,
Os Fulni-ô buscam todo tempo afirmar sua identidade e defender seus
direitos históricos perante os não-índios de Águas Belas. Existe
notadamente uma separação étnica marcada por uma interação
bastante tensa e complicada. Todavia, mesmo em meio a essa
conturbada relação interétnica, existem as trocas de favores e as
alianças. Por exemplo, os não-índios de Águas Belas sabem o quanto
é importante o apoio político dos Fulni-ô para eleger um candidato
que está disputando um cargo público. Os candidatos e os eleitores
sabem que as lideranças Fulni-ô, ao apoiar um candidato, levam
consigo um bom número de votos da aldeia para a mesma direção. Os
Fulni-ô, por sua vez, se dispõem a amparar a eleição do candidato que
poderá, possivelmente, lhe trazer um bom retorno, ou seja, lhe dar voz
política e defender alguns de seus interesses econômicos dentro da
cidade. Para citar outro exemplo, os Fulni-ô precisam do comércio de
Águas Belas para abastecer-se de suprimentos e também para escoar
suas mercadorias, seus produtos agrícolas e os utensílios fabricados
com a palha do Ouricuri. (QUIRINO, 2006, p. 13).
35
Ainda sobre o assunto, Barbalho (2003, p.195) observou que há entre os Fulni-ô
e a sociedade local próxima, o que ele chamou de “entrechoques culturais”, decorrentes
das ideias sobre a miscigenação e do preconceito local que consome boa parte dos
embates entre indígenas e não-indígenas, “numa sequência intercalada de altos e
baixos”. De um lado está a comunidade indígena, herdeira da história, terras no
município e do outro está o município de Águas Belas, crescendo em população,
desenvolvimento urbano e tentando avançar ainda mais sobre as fronteiras do território
Fulni-ô.
Os casamentos interétnicos ocorrem esporadicamente e sem muito incentivo
dos/as indígenas idoso/as ou das famílias não-indígenas. As crianças advindas dessas
uniões participam da vida da comunidade, porém só serão reconhecidas como Fulni-ô se
forem introduzidas logo cedo, desde o nascimento, no ritual do Ouricuri. Para ser
considerado Fulni-ô pelo próprio povo não basta falar o Yaathe ou viver entre os
indígenas, a identificação só será assegurada mediante o ingresso na vida espiritual
Fulni-ô que é a introdução do indivíduo no Ouricuri e a observação religiosa de suas
normas. Vale salientar que apenas os/as filhos/as oriundos/as dessas relações é que
podem ser considerados indígenas, jamais seus cônjuges.
Campos (2006, p. 18) observou esse fato e fez a seguinte declaração:
Para reconhecer um descendente Fulni-ô hoje, os critérios mais
importantes são: ser filho de pais Fulni-ô – pelo menos um entre o
casal – e participar do ritual do Ouricuri desde criança. Esse
reconhecimento garante ao índio Fulni-ô, dentre outras coisas, o
direito à propriedade da terra indígena.
Esses casamentos também não são bem vistos pelos não-indígenas em função
do preconceito existente. Estes, em sua maioria, não querem ver filhos ou filhas casados
com indígenas Fulni-ô, tão pouco imaginarem-se avós de indígenas.
Aparentemente, para os Fulni-ô o conceito de família seja estendido, não
limitando-se aos pais, portanto, pertencer ao povo está acima de ser família enquanto
pequeno núcleo, pois há autoridades que são superiores aos seus pais, a exemplo de
cacique e Pajé, e, isso acarreta muitos conflitos familiares entre indígenas e não-
36
indígenas. Pais ou mães não-indígenas, cujos filhos são Fulni-ô não conseguem
compreender como ou o porquê de seus filhos/a serem mais fiéis a um povo do que aos
seus próprios pais por não conseguirem saber sobre o segredo do Ouricuri. Não se
conhece que tipo de processo educativo é realizado há séculos pelos Fulni-ô referente
aos seus rituais sagrados e secretos, mas o que se reconhece é que crianças muito
pequenas já compreendem e sabem com quem nunca comentar, mesmo que essa pessoa
seja a sua mãe ou o seu pai.
Apenas para ilustrar, citamos um exemplo que presenciamos, de um menino de 4
anos que sempre que voltava do Ouricuri sua mãe não-indígena questionava
curiosamente sobre o que acontecia por lá. A sua irmã de 7 anos ficava observando e se
aproximava fitando o irmão que imediatamente afirmava: “Não sei, não me lembro,
não fazemos nada lá”. Em uma determinada vez a irmã ao se aproximar percebeu que o
irmão estava começando a contar algo. Imediatamente, denunciou o irmão ao povo e
este menino de 4 anos foi afastado e impedido temporariamente de ir ao Ouricuri, como
forma de disciplinamento. A mãe chama essa filha de caboca braba, e com freqüência
faz a seguinte pergunta em voz alta: “Como é que a irmã entrega o próprio irmão? E não
sabe que sou mãe dela?! Essa é caboca mesmo!”.
Durante a pesquisa de campo, uma das entrevistadas que tinha sido casada com
um não-indígena com quem teve 3 filhas, afirmou: “elas tinham um ótimo
relacionamento com o pai e isso me assustava porque eu sempre pensava, ai meu Deus,
será que elas vão contar alguma coisa que não devem? E elas nunca contaram, mas eu
vivia essa aflição”. Possivelmente, os casamentos interétnicos causam aflições e
conflitos entre indígenas e não-indígenas.
1.1.2 A organização sociopolítica dos Fulni-ô
A organização sociopolítica do povo Fulni-ô é semelhante a organização dos
demais povos indígenas no Nordeste: um cacique, um pajé e um grupo de lideranças.
No caso específico dos Fulni-ô o grupo de lideranças é composto por oito líderes, 50%
indicados pelo Cacique e 50% pelo Pajé. Pouco se sabe sobre os critérios de escolha
37
desses líderes para ocupação dos cargos, mas a ideia comum é de que o critério utilizado
seja o indígena de mais idade. Referente à escolha do Cacique e do Pajé, o povo Fulni-ô
difere de alguns povos no Nordeste, uma vez que não há eleição direta, mas comumente
a escolha é feita mediante o critério de hereditariedade. Ou seja, Cacique e Pajé devem
fazer parte de um mesmo clã, escolhidos dentro de uma mesma família e, portanto, a
mudança de cargo ocorrerá apenas por morte de um dos líderes que terá como sucessor
o seu filho mais velho ou alguém do mesmo clã indicado pelos antepassados.
(BARBALHO, 2003).
Os Fulni-ô possuem discordâncias internas, são 6.000 pessoas, mas as
autoridades Fulni-ô são àquelas legitimamente escolhidas pela tradição, e que sempre
serão respeitadas e ouvidas no Ouricur9i.
O povo Fulni-ô possui um modelo de ser indígena baseado em quatro categorias
de identidade/indianidade consideradas legítimas para esses indígenas, quais sejam:
língua, aldeia, Toré e Ouricuri, de maneira que as pessoas que não correspondam a
algumas dessas categorias dificilmente serão aceitas e reconhecidas como Fulni-ô. Vale
ressaltar que a categoria mais forte é a introdução no Ouricuri.
Além da agricultura, pequenas criações de gado, arrendamento de terras aos nãoindígenas, os Fulni-ô produzem o artesanato produzido com a palha do ouricuri que é
vendido nas suas Aldeias, na feira pública de Águas Belas, realizada no dia de segundafeira ou durante o mês de abril quando se espalham pelas mais diversas cidades do
Brasil, especialmente, Recife, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba. Nos
períodos de chuva, há uma queda na produção e comercialização do artesanato, uma vez
que é necessário que a palha do ouricuri esteja seca para poder produzi-lo.
9
Ouricuri é uma árvore da família das palmeiras que produz um fruto chamado ‘coquinho de ouricuri’.
Essa palmeira existe em abundância na região e, portanto, nas terras indígenas Fulni-ô. Ouricuri foi o
nome dado pelos Fulni-ô à Aldeia para onde se deslocam anualmente e lá permanecem por três meses –
setembro a novembro – para viverem sua religiosidade de forma mais intensa.
38
1.1.3 O Toré: muito mais que uma dança
Para os Fulni-ô o Toré é considerado um presente para Deus. Segundo narrativa
coletada por Quirino (2006, p. 120), um Fulni-ô contou que, quando Deus andava no
mundo, assumiu a forma de gente e aproximando-se de um grupo de indígenas nus,
começou a falar com eles em Yaathe. Ao fim da conversa, disse-lhes que no outro dia
retornaria. Esses indígenas ficaram preocupados, pois se aquela pessoa era realmente
Deus, eles precisariam aprontar-lhe uma boa surpresa. Assim, eles formaram o Toré,
uma dança que é um presente com o qual O receberiam no dia seguinte, como afirmou
João Paulo Ribeiro, indígena Fulni-ô, 18 anos, estudante:
Aí, foi daí que eles formaram a primeira coisa deles. Daí formou a
coisa que até hoje existe e é de fundamental importância pra gente que
é o Toré. Foi através daí. Então, ele tem como prioridade pra gente,
prioridade é o Toré, entendeu? Por esse motivo, com base nisso, ser
Fulni-ô é demais, é muito importante. É um privilégio que nenhuma
outra nação do mundo pode ter. (Apud QUIRINO, 2006, p. 120).
Para Abdon dos Santos, indígena Fulni-ô, compositor de Cafurna e músico da aldeia, o
Toré Fulni-ô, quer seja público ou privado é praticado e observado pelos indígenas com
respeito por ter uma ligação com o sagrado, conforme sua descrição:
É o momento de pedir a Deus, orar a Deus, que nem o branco ora na
igreja, que nem o crente ora na igreja. No momento que a gente tá
pedindo a Deus a chuva, pedindo a Deus a paz, entendeu? E é esse
momento... às vezes quando vem um branco “grande”, das altas
categorias, pode ser até a senhora mesmo que chega a pedir o Toré, a
gente podemos fazer, né? Aí nessa hora, a gente pede a Deus pela
senhora. Que é uma dança religiosa. (Apud QUIRINO, 2006, p. 120).
O Toré público tem um cunho político de demarcação de limite e diferenciação
em relação aos não-indígenas, podendo ser realizado em instituições as mais diversas ou
nas próprias aldeias, em eventos específicos ou apresentações para visitantes. Em
39
conversa com algumas crianças Fulni-ô que dançaram Cafurnas10 na escola, ouvimos
que existem diferenças entre estas e o Toré, de maneira que uma delas é que o Toré é
um ritual sagrado e a Cafurna é composta por várias danças mais frequentemente
apresentadas em público.
1.1.4 O Ouricuri: afirmação de identidade
Ouricuri é a Aldeia localizada a 6 km da cidade de Águas Belas para onde os
Fulni-ô se retiram e ficam reclusos nos meses de setembro a novembro de cada ano. É o
local por excelência do sagrado e do segredo religioso onde vivem durante esse período,
e segundo os indígenas, compartilhando suas expressões socioculturais.
Para Quirino (2004), tanto os Fulni-ô quanto quaisquer outros povos indígenas
no Nordeste, não devem ser pensados como indígenas aculturados, mas enquanto
indígenas que reelaboraram a sua cultura e que salientam elementos diferenciadores,
como o Toré. E para os Fulni-ô, o Toré, a língua yathê e o ritual sagrado do Ouricuri
também ressignificam elementos da cultura não-indígena, como é o caso do samba-decoco e das festas católicas, com o objetivo de enquadrarem-se no padrão de indianidade
da sociedade e de serem reconhecidos como indígenas.
Ao comentar sobre a ideia de etnicidade, baseada em Fredrik Barth, elaborada na
década de 1960, Quirino (2006, p. 9) fez a seguinte afirmação:
(...) os membros de um grupo indígena são índios porque assim se
definem publicamente e porque assim são identificados, não porque
falam uma língua distinta, cultuam outras divindades e praticam
rituais diferentes dos nossos. A partir do momento que um grupo se
identifica como diferente, como indígena, por exemplo, já levantou
uma fronteira étnica (social) em relação a outro grupo, portanto, a
fronteira é estabelecida em defesa da identidade diferenciada. Essa
perspectiva teórica será de suma importância para se quebrar os
10
A palavra cafurna está no plural porque segundo as crianças existem várias cafurnas praticadas de
acordo com a situação ou necessidade. Há cafurnas para pedidos e para agradecimentos, a exemplo de
uma que as crianças dançaram para pedir a Deus que mandasse chuva para as plantações e outra
agradecendo a Ele à nossa presença na Aldeia/escola.
40
preconceitos construídos em relação aos índios do Nordeste indicados
como ‘não-índios’ por não se perceber neles uma descontinuidade
cultural significativa.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT adotada em
Genebra em 27 de junho de 1989 sobre povos indígenas e tribais que entrou em vigor no
Brasil em 25 de julho de 2003, defende a autodeterminação ao afirmar que índios são
aqueles que se identificam. Na parte I Política Geral, parágrafo 2, encontramos a
seguinte afirmação: “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as
disposições da presente Convenção”.
Para o povo Fulni-ô, a consciência da identidade indígena é construída no dia a
dia por meio da convivência com os seus e vivência dos aspectos socioculturais Fulni-ô,
portanto, para os Fulni-ô não é suficiente nascer biologicamente de pais Fulni-ô.
Todas as situações apresentadas nos remetem a tentar compreender a
problemática educacional no Brasil, sob o viés das políticas públicas de Educação para
todos, na tentativa de localizar o debate sobre mobilização social, políticas públicas e
Educação.
1.2 Políticas públicas e educação para todos
No que se refere às políticas públicas e o direito à Educação, remontamos aos
ideais da Revolução Francesa, por meio do enfoque dado por Boto (2005) ao que
Bobbio denominou de primeira geração de direitos, relativos aos direitos políticos:
direito ao voto e à participação na vida civil, destacando o ensino universal para todos.
A partir do Século XIX e das mobilizações sociais de meados daquele, surgiu a segunda
geração de direitos mediante a bandeira da igualdade de oportunidades, cuja
necessidade emergente era estruturar um padrão de qualidade no ensino comum a todos.
Dessa forma,
41
Há que se rever a carga simbólica expressa pelo conjunto dos saberes
formalmente veiculados pela escola. Há que se perscrutar, com
perspicácia, possíveis efeitos do currículo oculto – que transpõe para a
vivência escolar a mesma clivagem de classe que organiza a vida
societária em seu conjunto... Todos na escola; em uma escola de boa
qualidade – capaz de incorporar crianças de diversas tradições
familiares, comunidades e identidades. (BOTO, 2005, p. 789)
Emergiu assim, a terceira geração de direitos públicos em Educação, que
demonstrava a urgência de revisão da cultura escolar à luz do debate sobre diversidade.
A terceira geração de direitos educacionais pauta-se pelo signo da
tolerância, mediante a qual o encontro de culturas se faça e se refaça
constantemente em uma sempre renovada convivência e partilha entre
diferentes nações, diferentes povos, diferentes comunidades,
diferentes grupos sociais, diferentes pessoas [...] tais direitos só serão
sucessivos uns aos outros pela clivagem da história. (BOTO, 2005, p
790)
Conforme Dias et al. (2009), os movimentos sociais historicamente
protagonizaram processos reivindicatórios importantes para o reconhecimento da
condição de sujeitos de direitos e, assim, conseguiram construir legitimidade suficiente
para apontar novas condições de dignidade e justiça social. Como por exemplo, as
reivindicações dos povos indígenas que denunciaram o vilipêndio histórico de suas
culturas, ao mesmo tempo em que afirmaram as suas identidades e alertaram para a
necessidade de serem reconhecidos como cidadãos.
A mobilização social pela conquista de direitos gerou a ideia de igualdade
cidadã. Todavia, no momento em que as funções do Estado se restringiram à regulação
do mercado, a igualdade cidadã passou a significar condições de pagar por esses direitos
e educação é um deles (KRAWEZYK, 2005). A autora faz uma comparação entre o
Chile e o Brasil. Para o Chile ensino público não significava necessariamente
gratuidade, mas a perspectiva de atender toda a demanda como forma de integração
nacional, por conseguinte o Chile pressupôs parceria com as sociedades desde o Século
42
XIX. No Brasil, a relação entre o governo e a sociedade está prevista desde a
Constituição Federal de 1824, que pressupôs o ensino público e gratuito, mas deixou
brechas para que o ensino também pudesse vir a ser oferecido pela iniciativa privada.
Entretanto, isto não tornou a educação formal mais acessível para a maioria da
população.
A Educação tem uma relação complexa com os processos de globalização,
afirmou Ball (2000, p. 121) e destacou duas preocupações, uma com a globalização dos
discursos ideológicos que determinam as políticas educacionais e outra com os efeitos
que resultam da produção de políticas hibridizadas, tendo as reformas da educação
pública sido tomadas de empréstimo do mundo empresarial: a forma da oferta da
educação, seu significado, a experiência de aprendizagem e a natureza da cidadania.
Ao referir-se à pós-modernidade e à economia global, o autor declarou que há
uma redução da capacidade de controle e supervisão de multinacionais e de manter a
integridade de suas fronteiras econômicas, que resulta na perda da capacidade
keinesiana, saindo do Estado de bem-estar para o modelo de mercado.
Há quatro pontos de vista no neoliberalismo usados para justificar as medidas de
sucateamento e privatização da educação pelo Estado que são apresentados por Barroso
(2005): o ponto de vista técnico; a necessidade de modernização para vencer a
burocracia e a ineficiência do Estado; o político, que trata de libertar a sociedade civil
do controle do Estado, defendendo a privatização; o filosófico e cultural, que defende a
participação da comunidade e adaptação à realidade local e o ponto de vista pedagógico,
que prega a importância de centrar o ensino no aluno e em sua necessidade especial.
Falta ao mercado, entre outras coisas, a sensibilidade social para atender aos que
exigem mais tempo, dinheiro e melhores recursos para obterem o sucesso educativo a
que têm direito; e, por outro lado, o Estado social não pode limitar-se a cumprir funções
de “carro-vassoura” 11 dos excluídos que o mercado enjeita (BARROSO, 2005).
Em se tratando da escrita da lei e de sua prática no que diz respeito aos povos
indígenas, Reesink (2004, p. 3) afirmou que há uma distância entre o discurso
11
Nas corridas de ciclismo o carro-vassoura vai na cauda do pelotão para recolher os ciclistas que são
obrigados a desistir por não conseguirem acompanhar o andamento dos outros corredores. (p. 746)
43
codificado na legislação e a sua aplicação. Para o antropólogo, a própria necessidade da
legislação é decorrente da perda de autonomia política que os povos indígenas
originalmente detinham enquanto nações independentes:
A Constituição Federal fala sempre em ‘índios’ e não em povos
indígenas, porque esta última classificação implica o reconhecimento
tácito de entidades étnicas. Os ‘índios’ (...) recobrem (...) um leque de
sociedades e culturas das mais diferentes entre si porque são todos
diferentes do cidadão nacional (na visão deste cidadão). Por mais
avançada que seja a Constituição no respeito aos direitos dos povos
indígenas, o não reconhecimento da condição étnica plena revela uma
ambivalência que se fundamenta no fato de que o Estado se apropriou
da autonomia política destes povos.
De acordo com o referido autor, a expressão “os índios” parece algo
suficientemente genérico e sem identidade. Ao não reconhecer etnicamente os povos
indígenas a Constituição Federal apresenta uma contradição no que diz respeito às suas
próprias determinações quando afirma e defende que os povos indígenas têm direito às
suas especificidades: organização social, política, religiosa, educacional próprias, direito
esse conquistado pelos povos indígenas no Brasil por meio de suas organizações,
mobilizações e reivindicações.
No momento em que Louro (2000, p. 44) debateu sobre a questão dos segredos e
mentiras do currículo, tratou um pouco sobre essas relações de poder referentes a
identidades, saberes, valorização e desvalorização étnica, pois defendeu ele que
É a voz socialmente autorizada que inclui e exclui sujeitos e
conhecimentos, determinando não apenas quais as identidades ou os
saberes que podem integrar o currículo, mas também como essas
identidades e saberes deverão ser aí representados. Em todo esse
processo de exclusão e inclusão, de valorização ou de negação, estão
inscritas, evidentemente, relações de poder. As intensas e sofridas
lutas empreendidas por grupos [...] étnicos são a face visível dessas
relações de poder. Essas lutas que expressam uma política de
identidade referem-se, fundamentalmente, ao direito à representação,
ou melhor, ao direito de representar a si mesmo, dizer de si, afirmar
sua cultura, sua linguagem, sua estética. No interior das instituições
educacionais, acontece uma parte importante dessa disputa.
44
É preciso conhecer e identificar as mudanças ocorridas na legislação sobre
Educação Escolar Indígena na tentativa de entender de que maneira essas questões se
efetivam no cotidiano das escolas.
1.3 Educação Escolar Indígena: entre leis e decretos, da assimilação ao direito à
escola específica, diferenciada e intercultural
A partir de 1549 a escola para índios começou a ser estruturada no Brasil com a
chegada da primeira missão jesuítica enviada de Portugal por D. João III, composta por
missionários da Companhia de Jesus e chefiada pelo padre Manuel da Nóbrega.
Contemplando dentre seus objetivos o de converter os nativos à fé cristã (Brasil, 2007) e
integrá-los a sociedade dominante. Conclui-se que escola “não é coisa de indígena”, é
invenção de dominador. Cabixi12 (2001) citou um modelo de escola desestruturador que
não reconhecia as culturas indígenas. Kuitá13 (2001) apresentou uma citação do
professor Alírio Ticuna ao afirmar que se não tivesse branco no meio dos Ticuna, talvez
até hoje não houvesse escola14.
No seu depoimento apresentado por Silva (2000) Bruno Kaingang afirmou que a
escola entrou e tomou posse da comunidade; não foi a comunidade que se tornou sua
dona. Hoje os índios começam a dar as regras para o jogo da escola, pois existem leis
que dão respaldo, mas é preciso saber usá-las. Todos demonstram que essa escola não
foi construída para eles, mas apesar disso, eles a querem, porém de outra forma, ou com
a forma indígena.
Após uma longa história de violências contra os indígenas em todo o Brasil, o
Estado assume um papel de tutor e protetor do indígena através da criação do SPI, em
1910, e da FUNAI, no ano de 1967, em substituição ao extinto SPI. Vale ressaltar que
houve um vácuo entre a extinção de um órgão e a criação de outro e que a proposta
12
Administrador da FUNAI em Tangará da Serra –MT e pertencente ao povo Pareci.
Presidente da Associação dos Professores Indígenas da região de Guarapuava-PR e professora indígena
e filha de pais Xokleng (Santa Catarina) e Kaingang (Rio Grande do Sul).
13
14
COPIAM – Conselho de Professores Indígenas da Amazônia.
45
central de ambos era semelhante a dos Jesuítas: civilizar o índio e integrá-lo à cultura
colonizadora tida como ‘superior’.
Em 1973, o Governo Federal publicou a Lei nº 6001/73, que trata do Estatuto do
Índio e contém dispositivos sobre a Educação Escolar Indígena, todavia, ainda numa
perspectiva preconceituosa e integracionista dos indígenas à chamada cultura nacional.
No Artigo 3º o Estatuto estabeleceu as definições e no item I definiu índio ou
‘silvícola’. Ora silvícola significa habitante da selva, selvagem, no entanto, em 1973
havia inúmeros povos indígenas no Brasil que não eram selvagens nem habitavam nas
selvas, a exemplo do povo Fulni-ô em Pernambuco. No Título V, Da Educação, Cultura
e Saúde, Artigo 50 encontra-se a seguinte declaração: “a educação do índio será
orientada para a integração na comunhão nacional mediante processo de gradativa
compreensão dos problemas gerais e valores da sociedade nacional, bem como do
aproveitamento das suas aptidões individuais.” Está claramente escrito, oficialmente
declarado que os povos indígenas no Brasil deveriam ser integrados à “comunhão
nacional” com incorporação gradativa aos valores de uma sociedade tida como
‘superior’, uma sociedade hegemônica e dominante.
Entre as décadas de 1960 e 1980 surgiram movimentos indígenas e de entidades
indigenistas em quase todas as regiões brasileiras, como, por exemplo, as Assembléias
Indígenas, o Conselho Indigenista Missionário - CIMI e o Conselho dos Professores
Indígenas da Amazônia – COPIAM no final da década de 1980, todos decorrentes da
necessidade interna de se mobilizarem contra as diversas situações de violências.
Paralelamente a isso, a sociedade brasileira também se organizava contra a Ditadura
Militar, propondo novos modelos políticos e econômicos com bases democráticas.
Só com a redemocratização do Brasil o indígena foi reconhecido como cidadão
de direitos. Dentre as legislações, podemos citar, em âmbito nacional, a Constituição de
1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 9394/96, os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s e o Plano Nacional de Educação PNE/2001
como representação dos avanços, visto que reconhecem aos indígenas o direito à
diferença cultural através da criação de capítulos específicos e elegem a pluralidade
cultural como um dos temas transversais. Isso se expressa no direito que os indígenas
têm a uma escola com características específicas que atendam às realidades e às
46
necessidades de cada povo. Dessa forma, a escola deve integrar-se ao sistema mais
amplo de educação de cada povo, não podendo perder a clareza do compromisso com
uma escolarização que contribua para uma maior autonomia desses povos.
Os significativos avanços no que se refere à Educação Escolar Indígena são
frutos do movimento social organizado, da articulação e mobilização de indígenas e
indigenistas para elaboração de propostas, intervenções e acompanhamento dos
processos legislativos. Ainda, de acordo com a proposta da legislação educacional atual,
deverá haver uma articulação entre a União, que assume o papel de coordenar as ações
escolares de Educação Escolar Indígena sob a responsabilidade do MEC, e os Estados e
Municípios, a quem cabe o papel de executores.
Segundo declaração feita por Athias (2005, p. 03):
[...] a partir da Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação,
os povos indígenas iniciaram um processo de reorganização do
modelo de escolarização que passa pela construção de um projeto
político pedagógico embasado nas realidades em que vivem as
comunidades indígenas. Esse processo está longe ainda de ser
concretizado. Alguns estados avançaram na organização dos processos
de escolarização via a um redimensionamento da rede de Educação
Escolar Indígena, hoje tendo os estados como responsáveis primeiros.
Porém, esse processo de reorganização da Educação Escolar Indígena é anterior
à referida resolução, a exemplo dos encontros de professores indígenas da Amazônia
realizados desde 1988.
Pernambuco é um desses estados onde a Educação Escolar Indígena avançou,
saindo da tutela dos municípios e passando para a responsabilidade executora do
governo estadual. Os avanços simbolizam as conquistas sociais, consequência de
reivindicações dos povos indígenas em Pernambuco apoiados pelas organizações não
governamentais e indigenistas envolvidos com a causa. Porém ainda há muito caminho
para ser trilhado, a exemplo do citado Projeto Político Pedagógico - PPP, elaborados
pelos próprios povos, outros sob a orientação das ONG,s. Todos entregues à Secretaria
de Educação de Pernambuco – SE-PE, mas alguns sem resposta. Existem outros
47
problemas enfrentados pelos povos indígenas em Pernambuco relacionados à estrutura e
funcionamento das escolas indígenas, muito embora devamos reconhecer as melhorias
significativas nas áreas de merenda escolar, formação de professores, estrutura física
das escolas, ampliação da oferta, dentre outros, especialmente se compararmos à época
da muncipalização.
Todas essas reflexões favorecem para que nos indaguemos sobre a condição da
Educação Escolar Indígena ainda se concretizar pelo viés da assimilação dos povos à
sociedade nacional, ser totalmente indígena em função de toda a mobilização social e
por existir dentro dos espaços das aldeias ou conforme defende Tassinari (2001) situarse em espaço de fronteira.
1.4 Educação Escolar Indígena: Assimilacionista, indígena ou em espaço de
fronteira?
Os Estados nacionais, a partir do século XIX, viam na escola, segundo Enguita
(2007, p. 64-69) “um poderoso instrumento para a formação de uma cultura
(homogênea e leal) e de uma identidade nacionais” para a construção do Estado
enquanto nação. O autor, quando tratou sobre a distância que separa as intenções dos
atos, reflete sobre alguns aspectos que impediram que os níveis de integração e
homogeneização fossem tão elevados. E dentre os citados, um deles é que
“determinadas minorias podem ter ficado à margem do processo de construção nacional,
principalmente por estratégias excludentes da maioria, mas também, em certa medida,
por estratégias assimilacionistas próprias, reactivas ou não”.
A antropóloga Tassinari (2001) apresentou três abordagens recentes sobre
contato e respectivamente, três abordagens sobre as escolas indígenas. A primeira
abordagem defende que com a globalização há um único sistema mundial para o qual
convergem todas as populações e tradições e as diferenças culturais tendem à extinção
ou à transfiguração completa. A essa abordagem corresponde uma escola criada para
concretização do projeto assimilacionista que ameaça a sobrevivência indígena, posto
que a ideologia dominante é transmitida e veiculada por meio dessa escola.
48
A segunda abordagem é a de que apesar de populações indígenas participarem
de alguma forma do sistema mundial não formataram suas tradições conforme a lógica
capitalista nem pautaram seus valores à lógica de mercado, portanto, a escola se
configura enquanto espaço ressignificado de acordo com a cultura indígena, uma vez
que os povos indígenas possuem formas próprias de reordenar a experiência escolar e de
reinterpretar os conhecimentos advindos dessa escola, espaço de mediação que permite
o trânsito entre mundos.
A terceira abordagem é a de que populações indígenas sempre estiveram, de
alguma forma, conectadas com outras populações indígenas ou não, com contextos que
extrapolavam o ambiente de suas aldeias, tendo as diferenças culturais e étnicas
surgidas em virtude do contato e não apesar dele. A diferença cultural é fruto de
processos históricos compartilhados que tanto diferencia o mundo como o conecta. De
acordo com essa abordagem as populações em contato constante, inclusive englobando
fluxo de pessoal, estabelecem distinções étnicas entre si, de forma a não se
considerarem parte de um grupo homogêneo, pois as fronteiras são sociais e não
necessariamente geográficas. A pesquisadora declara que a sua opção é por essa terceira
abordagem que concebe a escola enquanto espaço de contato, onde as diferenças
interétnicas emergem e adquirem novos contornos e as técnicas e conhecimentos
provenientes de diferentes tradições podem ser trocados e, assim, reinventados.
A esse respeito também Michael de Certeau (2009, p. 41) nos convida a estar
atentos às maneiras de fazer dos usuários, que no nosso caso é representado pelo povo
Fulni-ô, a quem compete numa instância mais dinâmica e concreta, materializar as leis
voltadas para a EEI em seu cotidiano. As maneiras de fazer dos usuários segundo
Certeau significam,
Mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do espaço
organizado pelas técnicas da produção sociocultural. [...] modos de
proceder e astúcias de consumidores compõem, no limite, a rede de
uma antidisciplina. [...] Essas práticas colocam em jogo uma ratio
‘popular’, uma maneira de pensar investida numa maneira de agir,
uma arte de combinar indissociável de uma arte de utilizar.
(CERTEAU, 2009, p. 41)
49
É nessa perspectiva que compreendemos a afirmação de Tassinari (2001, p. 44)
de que “nenhuma escola voltada para populações indígenas pode ser ‘verdadeiramente’
indígena ou, tampouco, ser totalmente alheia a essas populações”, uma vez que,
segundo a própria autora essa escola existe em espaço de fronteira, numa zona de
conflitos e diálogos entre culturas indígenas e não-indígenas que se enfrentam,
negociam, ganham, perdem, vivenciam embates políticos, étnicos, administrativos,
econômicos, estratégicos, táticos na perspectiva de uma Educação Escolar Indígena
específica, diferenciada e intercultural.
Ao considerar que “nenhuma organização é simplesmente o que as suas
autoridades em exercício pretendem que seja” Enguita (1989, p. 46), reconhece o poder
dos atores locais. O que é possível constatar, por meio do tema em estudo, mediante a
história de mobilizações dos povos indígenas pelo direito a escola específica,
diferenciada e intercultural e de maneira direta por meio da pesquisa de campo
observando e aprendendo com o jeito Fulni-ô de fazer escola.
Afirmou ainda Tassinari (2001) que na escola em espaço de fronteira surge uma
crescente necessidade de combinar questões culturais dos povos indígenas com os
entraves burocráticos das administrações públicas. O que implica numa série de
“problemas concretos e na necessidade de melhor compreendê-los com vistas a
solucioná-los”.
A Educação Escolar Indígena passou por diferentes processos, dentre eles a
municipalização que iniciou a partir de 1991 com o Decreto Interministerial 26/91,
retirando a Educação Escolar Indígena da tutela da FUNAI, transferindo essa
responsabilidade para o MEC em regime de colaboração entre estados e municípios.
Essa situação permaneceu até 2002 quando ocorreu oficialmente o processo de
estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio do Decreto
24.628/2002, atualmente, encontrando-se, vinculada à rede estadual de ensino, que,
segundo a legislação em vigor, deverá responsabilizar-se por construir a Educação
Escolar com e para o povo indígena respeitando as especificidades históricas, sociais,
culturais, políticas e econômicas de cada um.
50
1.4.1 Escola Indígena, educação para e com os povos: possibilidades por meio da
interculturalidade.
Para os povos indígenas a Educação acontece a partir da hora que o sujeito nasce
e segue-o até a sua morte, portanto, não deve ser confundida com educação escolar.
Apesar de todas as dificuldades e experiências vivenciadas, eles desejam e reivindicam
a escola. No entanto, as escolas implantadas até a década de 1980 não lhes atendiam em
suas necessidades políticas e étnicas.
Em se tratando da educação e em particular da escola no mundo ocidental, Fleuri
(2003, p. 18), atestou que:
A escola tem desempenhado o papel de agenciar a relação entre
culturas com poder desigual (colonizadores x colonizados; mundo
ocidental x mundo oriental; saber formal escolar x saber informal
cotidiano; cultura nacional oficial x culturas locais, etc.), contribuindo
para a manutenção e difusão dos saberes mais fortes contra as formas
culturais que eram consideradas como limitadas, infantis, erradas,
supersticiosas.
No que diz respeito ao cotidiano das escolas indígenas em Manaus, Cavalcante
(2003, p. 22), fez a seguinte declaração: “em nossa realidade, freqüentes são as queixas
de estudantes indígenas que moram em Manaus e sofrem pesada carga de preconceito e
discriminação nas escolas públicas em que estudam”. No entanto, esse parece ser o
espelho do Brasil, uma vez que encontramos essa mesma realidade nas escolas regulares
públicas e privadas na cidade de Águas Belas onde habita o povo Fulni-ô.
Luciano Inácio dos Santos, da comunidade Fulni-ô em Carapicuiba, ao falar
sobre quando chegou a São Paulo, disse: “... Como não tínhamos qualificação
profissional, passamos a viver de trabalhos informais na construção civil, como
porteiros, seguranças e costureiras” (FUNAI, 2008, p. 27), ficando evidente a
importância da aquisição do conhecimento formal socialmente produzido para
sobrevivência na sociedade fora das aldeias.
O preconceito e a discriminação contra os indígenas também contribuíram para a
extinção da língua materna de muitos povos, uma vez que os jovens indígenas, por
51
medo de serem ridicularizados, deixaram de falar no seu idioma, consequentemente,
pelo não uso, a língua materna foi sendo esquecida, como afirmou Stella Telles:
“Quando o povo perde uma língua, também perde diversidade humana”. (Apud
ROMANI, 2009, p. 25).
O povo Fulni-ô, na década de 1920, foi muito perseguido pelos coronéis e
jagunços da cidade de Águas Belas-PE, inclusive tendo sido proibido de falar na sua
língua materna, o Yaathe. Hoje, o povo Fulni-ô é o único povo indígena em
Pernambuco que conservou a sua língua materna até aos dias atuais.
Ao mesmo tempo em que os indígenas sempre desejavam e necessitavam da
escola, frequentemente, compunham os índices de evasão, reprovação e repetência,
experimentando, ano após ano, os sentimentos oriundos do fracasso escolar.
Em seu depoimento Wadja Fulni-ô (nome indígena), a profa. Marilena Araújo de
Sá ilustrou bem esse conflito existente entre a necessidade da escola, a discriminação
que ocorre em seu interior e a importância da escola bilíngüe para os povos indígenas:
Quando era pequena, estudei numa escola de Águas Belas, e senti na
pele o preconceito de estar no meio dos brancos. Foi a partir desta
experiência, de me sentir discriminada e da constatação de que as
crianças estavam desaprendendo a língua, e também de que outras
tribos não falavam mais seus idiomas, pois estudavam apenas o
português, que resolvi dedicar minha vida ao projeto de resgatar e
consolidar a cultura e a língua do meu povo para as futuras gerações
(Apud ROMANI, 2009, p. 33).
Quanto à escola situar-se na aldeia, Bergamaschi (2007, p. 201) acredita que:
Apresenta possibilidades para o protagonismo indígena, especialmente
amparada pelo aparato legal que criou a Escola Específica e
Diferenciada. [...] Observando atentamente a vida nas aldeias e as
atividades desenvolvidas na escola, aparece aos poucos, a força
criadora de outros modos do dizer e do fazer escolar.
52
Analisando os Projetos Político-Pedagógicos de alguns povos indígenas em
Pernambuco encontramos as informações que seguem.
Para os Pankará tudo começa pela tradição religiosa e cultural, relação com os anciãos e
antepassados, seguida bem de perto pela relação respeitosa e carinhosa com a Terra,
compreendida enquanto melhor mãe, casa maior, vida. Esse povo afirma em seu Projeto
Político-Pedagógico – PPP que as escolas de suas aldeias são específicas e diferenciadas, tendo
como principal papel formar guerreiros e guerreiras lutadores/as pelos direitos do povo,
participativos, atuantes e preparados para a convivência intercultural (PANKARÁ, PPP 2007)
Hoje, com o passar dos anos, muita coisa melhorou em relação a nossa
educação escolar, sendo específica, diferenciada e intercultural,
mantida pelo governo do estado. Temos escolas em 18 (dezoito)
aldeias, de acordo com as necessidades e reivindicações das
comunidades. (PANKARÁ, PPP 2007, p. 8)
De acordo com o PPP do povo Xukuru do Ororubá, até 1992, a escola na área
indígena era considerada apenas como escola rural e não reconhecia as especificidades
da identidade étnica do povo. Foi a partir da organização social e política, a mobilização
do povo Xukuru com o apoio de indigenistas, que começou a mobilização em prol da
educação diferenciada e intercultural sob a liderança do Cacique Xicão (assassinado em
1998) que colocou a reivindicação em prol da escola específica no mesmo grau de
importância da mobilização pela terra. A escola Xukuru também possui a missão de
formar guerreiros e, conforme a visão dos Xukuru, só guerreiros são capazes de formar
guerreiros, portanto, os professores de suas escolas são oriundos do próprio povo.
(XUKURU, PPP 2007).
A finalidade da escola para o povo Fulni-ô é de “formar alunos para serem
críticos, reflexivos, ativos e atuantes na sociedade índia e não-índia, valorizador de sua
cultura, conhecendo, respeitando e valorizando as demais culturas” (FULNI-Ô, PPP
2009); e para tanto necessita da escola específica, diferenciada e intercultural.
A defesa dos povos indígenas é por uma educação pelo e para o povo,
respeitando as necessidades específicas de cada etnia, de maneira que cada povo
conceba e construa a sua própria escola e que cada indígena seja feliz por ser indígena.
53
1.4.2 Especificidade, diversidade e interculturalidade: pilares para a Educação
Escolar Indígena
Com o advento da globalização, ocorreu uma crescente importância de trocas,
intercâmbios entre atores sociais, cujas maneiras de ver o mundo, produzir
conhecimento e atuar se constituem em diversos contextos e dão lugar a diferentes tipos
de saberes. São muitas as racionalidades que co-existem e convivem, portanto,
considerá-las na produção de conhecimento torna-se mais viável e imprescindível a
cada dia. É essa perspectiva dialógica entre as diversas racionalidades / lógicas que
deveria ser adotada tanto por quem é formado quanto por quem forma nas universidades
interculturais, afirmou Mato (2008). Para confirmar sua idéia de que toda universidade
deve ser intercultural, especialmente, na América Latina, o autor reafirmou as palavras
contidas na proposta de criação da Universidade Intercultural Amawtay Wasi15:
La Amawtay Wasi emerge con la idea de que la interculturalidad
implica partir con el reconocimiento de la coexistência de diversas
racionalidades […]. Cada una de estas racionalidades está fuertemente
articulada a diversas culturas, a experiencias colectivas diversas de la
realidad, a presupuestos o “mitos fundantes” sobre los cuales se
sostienen. Desde esta perspectiva intercultural, las diversas
racionalidades responden a cosmovisiones diferentes, a axiomas
distintos, de acuerdo a los cuales dan respuestas reflexivas y prácticas
a preguntas claves […]. Em términos educativos, pedagógicos y de
aprendizaje, cada una de estas racionalidades enfrenta diferentes
perspectivas, que desde nuestra mirada resultan complementarias […],
lo que implica necesariamente mirarlas en una perspectiva
intercultural, polilógica, en el sentido de un “diálogo” entre diversas
racionalidades,
entre
diversas
lógicas...
(UNIVERSIDAD
INTERCULTURAL AMATAY WASI, 2004, p. 173).
Ainda conforme Mato (2008), esse diálogo intercultural nas universidades deve
partir do princípio do diálogo e das relações interculturais de valorização e colaboração
mútuas. Numa via de mão dupla com formas de atuação honesta, respeitosa de interesse
15
Universidad Intercultural de las nacionalidades Y Pueblos Indígenas Amawtay Wasi, fica localizada em
Quito, capital do Equador e possui como lema: “Aprender en la sabiduría y el buen vivir”. É uma
instituição autofinanciada, de direito privado, sem fins lucrativos voltada para o público indígena e
especialmente mantida com o apoio de ONG´s, entidades nacionais e internacionais y pessoas de todo o
mundo que dão apoio moral, material e econômico, bem como pelos alunos, que apesar de inúmeras
dificuldades pagam 350 dólares por semestre.
54
recíproco, iniciadas através do reconhecimento da diversidade de contextos e de práticas
intelectuais e de saberes. Ao que parece, o autor está baseado na idéia gramsciana de
que todos os seres humanos são intelectuais e todo grupo social que possui função no
mundo da produção elabora seus intelectuais para dar maior homogeneidade e
consciência da importância da função da classe a qual pertence, no âmbito social,
político e econômico. Portanto, todas as sociedades, e não apenas a sociedade ocidental,
produzem conhecimentos válidos.
A Educação Escolar Indígena contém em suas bases uma história de construção
e reconstrução da escola para se alcançar essa escola especifica, diferenciada e
intercultural. Conforme apontou Batista (2002), a exemplo das escolas indígenas Kiriri
e Tupinambá, na Bahia, não há mais escolas que espelham os moldes catequistas,
civilizadores e pertencentes ao mundo das certezas e do saber centralizado no
dominador que nega ancestralidades e vivências culturais, mas uma escola que faz uma
opção pelo acolhimento do diferente e pela ação de abrigar sua própria cultura.
Em se tratando de diversidade, Silva (2009) assegura que o primeiro movimento
rumo à inserção curricular da diversidade em perspectiva diferenciada seja o de
diagnosticar a realidade de uma forma menos quantitativa, perguntando-se dentre outras
questões: como os diferentes grupos sociais estão atualmente representados em
diferentes níveis? Na estrutura organizacional das instituições; nas rubricas
orçamentárias; nos atuais currículos; nas estatísticas e censos; nos projetos pedagógicos;
nos livros didáticos, paradidáticos e literatura; nas definições das políticas; no cotidiano
escolar. Carvalho (2009) declarou que o debate no campo curricular reconhece a escola
como espaço-tempo de luta pela significação da diferença cultural e que a emergência
do discurso intercultural não é de interesse da sociedade como um todo, mas sim de
certos grupos excluídos de diversos processos sociais e culturais.
A LDBEN 9394/96, ao respaldar a Constituição Federal de 1988, assegura no
Capítulo II - Da Educação Básica, Seção I - Disposições Gerais, no Artigo 26, que os
currículos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela. No Parágrafo 4º, garante que o ensino da História do Brasil
55
levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e européia. A LDBEN
defende uma Educação Básica intercultural. Na Seção III - Do Ensino Fundamental,
Artigo 32, Parágrafo 3º, afirma que o Ensino Fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.
No Artigo 78 estão relacionados os objetivos da educação escolar bilíngue e
intercultural aos povos indígenas, quais sejam:
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias
históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e
ciências; II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações,
conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades
indígenas e não-índias.
O professor Daniel Mato16 afirmou que, na América Latina e especialmente em
um país como o Brasil, com a diversidade cultural que possui, não deveria haver criação
de universidade intercultural, porque todas as universidades deveriam ser interculturais.
A partir de 1988 a legislação brasileira contemplou essa proposta para todas as escolas
do Brasil, tornando-a um dos grandes temas do debate.
Para Menchú (2005), o conceito de interculturalidade implica em uma carga
irrefutável de valores, relações e ideologias, referindo-se ao grau de verticalidade ou
horizontalidade do diálogo e das relações entre os povos e suas culturas. Na difícil
estruturação das sociedades enquanto sociedades plurais, reconhecendo o direito de
todos a defender e cultivar suas visões de mundo particulares e suas próprias tradições
sem menosprezo ou preconceito e com total respeito pelas demais culturas. Ainda para a
autora,
As condições nas quais se dão as relações interculturais têm se
traduzido, em geral, na violência contra os povos indígenas em suas
diversas expressões: desde os massacres genocidas, o desapreço, a
marginalização, a limitação de oportunidades, as agressões físicas e
morais, a exploração econômica, o trabalho infantil, a escravidão
16
Seminário realizado na UFPE em 16 de abril de 2010 sobre Movimento Indígena, Educação Superior e
Interculturalidade com Equidade.
56
sexual, até a compaixão e o paternalismo que negam a dignidade
humana e revelam a profunda ignorância sobre o muito que se tem
para aprender das culturas indígenas. De fato, as tradições
comunitárias dos povos indígenas têm demonstrado um vigor e uma
coerência muito superiores não apenas para organizar a convivência
social de maneira mais eqüitativa e solidária, mas também para
garantir a harmonia entre o homem, sua comunidade e a natureza de
uma maneira mais respeitosa e sustentável. (MENCHÚ, 2005, p. 17)
O problema do encontro e do conflito entre culturas é antigo, porém o
amadurecimento da sensibilidade para com o tema das diferenças culturais é uma
conquista recente17. Para Fleuri (2003, p. 31) a intercultura diz respeito “a um campo
complexo em que se entretecem múltiplos sujeitos sociais, diferentes perspectivas
epistemológicas e políticas, diversas práticas e variados contextos sociais” Na
perspectiva intercultural, a educação passa a ser “um processo construído pela relação
tensa e intensa entre diferentes sujeitos, criando contextos interativos”. E “o trabalho
intercultural pretende contribuir para superar tanto a atitude de medo quanto a de
indiferente tolerância ante o ‘outro’, construindo uma disponibilidade” para a
pluralidade social e cultural, constituindo-se em “um novo ponto de vista baseado no
respeito à diferença, que se concretiza no reconhecimento da paridade de direitos”
(Fleuri, 2003, p. 17). A interculturalidade possui o princípio da alteridade, que se
expressa na possibilidade de integrar as diferenças em uma unidade que não as anule.
De acordo com Barbalho (2007, p. 17), os povos indígenas em Pernambuco,
durante Seminário sobre Projeto Político Pedagógico realizado em Jaboatão dos
Guararapes em 2002, definiram alguns eixos norteadores para a Política Pública
Estadual
de
Educação
Escolar
Indígena,
dentre
os
quais
encontra-se
a
interculturalidade: “devemos ensinar nossa cultura e de outros povos do mundo inteiro,
repassando para as nossas crianças que o nosso conhecimento não é restrito, porque nós
devemos ter conhecimento de outras culturas para fortalecer cada vez mais a nossa”.
Esse é o caminho para a promoção da interculturalidade: acesso aos conhecimentos e
saberes de uma diversidade cultural favorecendo o aprofundamento e fortalecimento de
17
Um dos primeiros textos a propor os conceitos fundantes da educação intercultural é o documento da
UNESCO. Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais”aprovada e proclamada pela Conferência
Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em Paris em 27 de
novembro de 1978 (Fleuri, 2003).
57
seus aspectos socioculturais. Aqui trata-se de uma escola que, por ser específica a cada
povo indígena, reconhecendo e valorizando conhecimentos/saberes tradicionais,
respeitando a organização social, política, econômica, religiosa, portanto, tornando-se
diferenciada das demais escolas existentes, mas sem perder de vista a importância dos
intercâmbios e trocas interculturais com outros povos indígenas, bem como com
culturas não-indígenas.
Ao referir-se a “educação diferenciada” D’Angelis (2001, p. 37) defendeu que a
educação faz parte das políticas que cada sociedade ou comunidade adota, buscando a
sua sobrevivência e a continuidade das coisas que ela valoriza e em que acredita. Por
isso entendemos que a Educação Escolar Indígena também possui enquanto finalidade
atender as demandas de ensino-aprendizagem de pessoas e povos que convivem, se
conectam, se interrelacionam local e globalmente.
Nenhuma escola na América Latina deveria ter sido monocultural porque a
diversidade sempre foi uma marca de suas nações e povos. Uma das reflexões que se faz
necessária é sobre a escola intercultural e se apenas as escolas indígenas deveriam ser
interculturais ou se todas as escolas. Especialmente, as escolas públicas deveriam ter
enquanto princípio norteador a prática do acolhimento, respeito e valorização de todas
as culturas quantas fossem as origens dos alunos.
A escola tem possibilidades de ser transformada em um lugar de criação e
recriação da própria cultura e de confrontação com o novo que advém das novas
situações geradas a partir do contato, tanto com a sociedade não indígena e envolvente,
quanto com os demais povos indígenas mediante contatos interétnicos, segundo Silva
(2000).
Os povos indígenas reconhecem a necessidade da escola para aquisição da
leitura-escrita-fala em português. No diário de campo de Bergamaschi (2007), há o
registro da fala de Alexandre Acosta, indígena de 60 anos da Aldeia Cantagalo, sobre a
escola e a sociedade da escrita:
Antes não precisava de escola nem posto de saúde. Hoje temos escola
e posto de saúde [...] Hoje nós precisamos de escola porque muitas
vezes as coisas dos brancos são decididas no papel escrito. Muitos de
nós não sabemos ler nem escrever. Talvez por isso a escola seja um
58
caminho que possa manejar todos esses conhecimentos além da escrita
e, também, para buscar os nossos direitos [...] Hoje eu preciso de
escola porque eu penso para o futuro dos meus filhos. Quando eles
crescerem não quero que eles fiquem que nem eu, sem saber falar e
sem entender. Isso eu não quero para eles. Por isso quero que tenha
uma escola dentro da aldeia, para ensinar a ler e escrever e para
defender os direitos da comunidade e defender os mais velhos
(BERGAMASCHI, 2007, p. 206).
A sociedade ocidental, que é pretensamente geradora e possuidora dos
conhecimentos científicos aceitos de forma dominante como verdades universais,
desvaloriza os outros conhecimentos tidos como locais e inferiores, não científicos,
aparentemente, ao menos enquanto legislação, começou a buscar o reconhecimento de
outros valores.
O debate contemporâneo demonstra a urgência de revisão da cultura escolar à
luz de questões advindas das discussões relativas à diversidade (BOTO, 2005). Ao
defender a escola pública, Barroso (2005, p. 745) destacou os três princípios que ele
denominou de princípios fundadores: universalidade do acesso, igualdade de
oportunidades e a continuidade dos percursos escolares, afirmando que eles obrigam a
que “a escola seja sábia para educar (permitindo a emancipação pelo saber), recta para
integrar as crianças e os jovens na vida social (por meio da partilha de uma cultura
comum) e justa (participando na função social de distribuição de competências)”.·.
Para Young (2009), a melhoria escolar envolverá tanto estabilidade quanto
mudança, ou seja, a inter-relação entre manutenção de fronteiras e cruzamento de
fronteiras. Ao tratar da agenda tríplice para escolas e professores, formuladores de
políticas educacionais e pesquisadores educacionais, Young declarou que, primeiro cada
grupo deve explorar a relação entre a finalidade das escolas e suas estruturas internas e
externas; segundo, escolas que forem ajudar os educandos a adquirir “conhecimento
poderoso”18, grupos locais, nacionais e internacionais de professores especialistas
precisarão envolver-se com especialistas da universidade na contínua seleção,
seqüenciamento e inter-relacionamento de conhecimentos em diferentes domínios; e
terceiro, pesquisadores educacionais terão de considerar a tensão inerente ao papel
18
Para Michael Young o “conhecimento poderoso” refere-se ao que o conhecimento pode fazer, por
exemplo, se fornece explicações confiáveis ou novas formas de se pensar o mundo. É o conhecimento
independente do contexto, conhecimento teórico desenvolvido para fornecer generalizações e que
reivindica universalidade.
59
essencialmente conservador19 das escolas enquanto instituições responsáveis pela
transmissão de conhecimento na sociedade.
De forma contraditória, a expansão do poder da autoridade especializada
também fornece a emergência de novas formas de resistência ao poder, tanto no âmbito
individual quanto no âmbito dos movimentos sociais organizados por grupos que têm
lutado para garantir seus espaços, suas vozes e seus direitos, na sociedade e na escola.
Segundo Moreira (2009), trata-se de desafiar a vinculação do poder às
qualificações, à certificação e ao conhecimento especializado e resistir ao sigilo do
conhecimento no interior do estado e de suas agências.
19
Conservador no sentido de preservar as condições estáveis para aquisição do “conhecimento poderoso”
e resistir às pressões políticas e econômicas por flexibilidade.
60
CAPÍTULO II
O CAMINHO METODOLÓGICO: DESAFIOS DA TEORIA DO
COTIDIANO
A orientação teórica-metodológica trilhou pelos caminhos da “Teoria do
Cotidiano” de Michel de Certeau. Há inúmeras informações, conhecimentos e
realidades que não encontraremos nos discursos formais, documentos, leis, e que
possivelmente, não serão ditas nas entrevistas. Por isso, precisamos conviver com o
cotidiano para conhecer ‘as maneiras de fazer’ dos consumidores que necessitam
construir suas táticas para sobreviver às estratégias do poder. Para Certeau (2009) as
táticas do consumidor são as engenhosidades do fraco para tirar partido do forte e estas
vão desembocar então em uma politização das práticas cotidianas que contemplam
maneiras de pensar e agir.
A Invenção do Cotidiano de Certeau (2009) deslocou a atenção do consumo
supostamente passivo dos produtos recebidos para a criação anônima, nascida da prática
do desvio desses produtos, e, defendeu o autor que, “é preciso interessar-se não pelos
produtos culturais oferecidos no mercado dos bens, mas pelas operações dos seus
usuários” (CERTEAU, 2009, p. 12). Trata-se de esboçar uma teoria das práticas
cotidianas para extrair de seus ruídos as maneiras de fazer.
A nossa decisão se fundamentou na compreensão de que a política pública
voltada para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco é o produto destinado aos
seus consumidores/usuários que são os povos indígenas. Ao estado é delegada a
responsabilidade pela execução dessa política nas escolas situadas em áreas indígenas,
que, para tanto, faz uso de suas estratégias, nesse caso representando o poder. Os povos
indígenas enquanto consumidores/usuários dessa política fazem uso de sua astúcia na
elaboração das táticas nas quais se encontram as suas operações culturais, movimento,
“cujas trajetórias não são indeterminadas, mas insuspeitáveis” (CERTEAU, 2009, p. 3).
Foi nessa perspectiva que a pesquisa tentou situar-se: entre a execução feita pelo estado
de Pernambuco referente à política pública formulada para a Educação Escolar Indígena
e a prática cotidiana da referida política pública pelo povo Fulni-ô no cotidiano da
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
61
Tratar do cotidiano é lidar diretamente com as diversas expressões da vida. A
esse respeito, Alves (2008, p. 16) admitiu que, como a vida, os cotidianos formam um
‘objeto’ complexo, o que exige também métodos complexos para conhecê-lo. A autora
apresentou quatro aspectos sobre os quais julgou necessário que o pesquisador comece a
refletir: o primeiro é rever a visão dominante de ‘realidade’; o segundo é repensar as
próprias representações sociais e pressupostos; o terceiro é incorporar fontes variadas
que possibilitem o diálogo com a diversidade e o quarto trata-se de uma nova forma de
escrever que possa comunicar novas preocupações, novos problemas, novos fatos e
novos achados.
Tentamos balizar nossa convivência de pesquisadores do e no cotidiano da
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, campo de nossa pesquisa, pelo viés
desses quatro aspectos, especialmente no começo do trabalho empírico. Ao nos
depararmos com a mesma, inicialmente, pensamos estar diante de mais uma escola
pública estadual, devido a grande semelhança em sua estrutura física. A todo o
momento éramos surpreendidos por alguma situação, expressão, jeito de ser e maneiras
de fazer escola do povo Fulni-ô e dos sujeitos pesquisados que nos levaram a repensar
de forma mais intensa as nossas representações e pressupostos. Começando por
compreender que a especificidade e diferença entre essa instituição de ensino e as
demais, não se encontrava na sua aparência, nem tão pouco nas cores do governo do
estado pintadas em suas paredes. A convivência com e no seu cotidiano estava nos
revelando um jeito próprio de fazer escola que mesmo se guiando por um modelo nãoindígena, uma vez que escola não é ‘coisa’ de índio e estando em espaço que não lhe é
próprio ‘Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon’20 demonstrou
compreender que esse lugar também é seu. Portanto, a Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, tem sido tomada para si pelos Fulni-ô em detalhes que dão um
sentido de pertencimento e torna essa escola específica e diferenciada, apesar de
compartilhada com o estado de Pernambuco. Tamanha relação nos fez perceber a
presença da terceira categoria de análise: a interculturalidade que surge nesse espaçolugar chamado Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
20
A palavra Estadual está imbuída de um poder.
62
Outra situação na qual tivemos que rever pressupostos foi acharmos que pelo
fato de os professores indígenas terem se formado nas escolas não-indígenas, poderiam
reproduzir automaticamente o modelo de escola da modernidade ocidental, não
conseguindo vivenciar a sua cultura no interior dela. Ora, em uma escola onde todos são
indígenas: professores, alunos, pais, funcionários, equipe de gestão escolar, não
necessita muito esforço para essa cultura adentrar os muros da escola. Os Fulni-ô como
seres sociais, onde estiverem, a cultura Fulni-ô estará com eles. Outro pressuposto
estava relacionado à visão ‘romântica’, e, portanto, preconceituosa que possuíamos
sobre indígena, acreditando existir uma cultura do povo Fulni-ô como algo genuíno,
puro. Os séculos de contato tornaram os Fulni-ô um povo intercultural. Defrontamo-nos
com aspectos socioculturais que, embora sejam reconhecidos e caracterizados enquanto
pertencentes ao povo Fulni-ô, uma vez que foram ressignificados, não nos autoriza
afirmar que são aspectos originários de um povo indígena, pois dessa forma estaríamos
desconsiderando a cultura enquanto ação humana, histórica, dinâmica, e, portanto,
modificável e transformável.
O cotidiano é ‘objeto’ móvel e escorregadio e Sgarbi (2008) fez uma autoreflexão, que tentamos tomá-la enquanto pesquisadores, quando afirmou temer não
conseguir evitar as marcas de sua formação moderna tão presentes em seus
pensamentos, raciocínios, reflexões e por consequência, em sua escritura, em seu ‘textoespelho’ de seu discurso. E sugeriu alguns cuidados que o próprio autor precisou tomar,
indicando alguns medos ou fantasmas que o atormentaram: perceber as recorrências
sem transformá-las em generalizações; não transformar o próprio sistema de crenças em
verdades; não confundir rigor com rigidez; não relaxar o rigor pela busca de uma
linguagem que mais se aproxime das cotidianidades e não revestir as relações
positivistas com o conhecimento de apenas uma linguagem amena que as camufle
(SGARBI, 2008, p. 19).
Por último, pensávamos que, possivelmente, os Fulni-ô não receberiam tão bem
a pesquisadora em função de ser natural da cidade de Águas Belas e da existência de
conflitos locais históricos entre indígenas e não-indígenas. Eis mais um questionamento
antecedendo a convivência com o cotidiano da escola campo de pesquisa: até que ponto
os Fulni-ô ficariam à vontade para permitir a nossa presença por tanto tempo entre eles
e confiarem o acesso aos documentos, pessoas, informações, suas vidas e histórias?
63
Havíamos sido advertidos, por mais de uma pessoa, de que os Fulni-ô, iriam ‘boicotar’ a
pesquisa, que deveríamos pesquisar outro povo indígena em Pernambuco. Que eles não
diriam a verdade, não dariam acesso aos documentos e informações e, ainda, que se
dependesse dos Fulni-ô, a pesquisa não se concretizaria e perderíamos todo o esforço
ensejado. Um pouco aterrorizador, mas foi assim que a pesquisa foi iniciada e de forma
contraditória, no cotidiano fomos encontrando e conhecendo um povo que pareceu ter
acreditado na pesquisa e confiado na pesquisadora21.
Por outro lado também buscamos fontes variadas que nos possibilitassem o
diálogo com a diversidade e fossem além da convivência com o cotidiano da escola
campo de pesquisa, vivendo, observando, degustando, sentindo e ouvindo, falas,
cheiros, sabores, dificuldades, conflitos, angústias, alegrias, sorrisos, vitórias;
realizamos entrevistas com os sujeitos e assistimos às suas aulas; conversamos com as
famílias e as crianças; participamos como ouvintes nas reuniões do Conselho de
Educação Escolar Indígena de Pernambuco que ocorreram em 2011; realizamos
entrevistas com representantes da SE-PE e GRE-Graranhuns; tivemos momentos de
conversas informais com técnicos/as educacionais sempre que nos foi oportuno;
realizamos entrevistas com o atual secretário do CIMI que teve uma convivência
próxima com o povo Fulni-ô, como forma de melhor compreender o campo de pesquisa
e os sujeitos; buscamos inúmeras fontes de pesquisa teórica, inclusive procuramos ter
acesso às pesquisas já desenvolvidas sobre o povo Fulni-ô; participamos e apresentamos
trabalhos em simpósios, seminários e congressos como forma de rediscutir os achados
da pesquisa e poder ouvir diversas instâncias que tratam sobre o tema. Agora, estamos
tentando escrever um texto de maneira “que possa comunicar novas preocupações,
novos problemas, novos fatos e novos achados”.
Sem dúvida alguma pudemos comprovar que a realidade é bem mais do que os
nossos olhos22 podem ver, por isso se tornou necessário “olhar/ver/sentir/ tocar (e muito
mais) as diferentes expressões surgidas nas inumeráveis ações” (Alves, 2008, p. 29)
“dos usuários” (Certeau, 2009, p. 41). Reafirmamos que baseando-nos nas ideias de
Certeau (2009, p. 95) consideramos o povo Fulni-ô enquanto consumidor/usuário da
21
Ousamos fazer tal declaração em função de acessos que tivemos a situações e informações que não
poderiam compor um documento público, a exemplo dessa Dissertação.
22
Alves fez a crítica a essa metáfora da ciência moderna positivista de “ver para crer” e afirmou que o
pesquisador deve se colocar na condição de sentir o mundo e não apenas olhá-lo (2008, p. 18).
64
política pública para Educação Escolar Indígena no estado de Pernambuco, usuário que
deve estar atento, vigilante, ativo, pois “a qualquer tempo necessitará aproveitar as
falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário”.
Oliveira (2008, p. 51), ao comentar sobre estudos do cotidiano, justificou que
Pesquisando os cotidianos, nos cotidianos, aprendemos com os nossos
parceiros de pesquisa, incorporamos às nossas ‘variáveis’ elementos
da vida de todos que, se não servem para a construção de um modelo
explicativo das ações pedagógicas empreendidas por eles, nos ajudam
a ingressar na rede de valores, crenças e conhecimentos que nelas
interferem. [...] cada experiência particular só pode ser entendida junto
ao conjunto de circunstâncias que a torna possível.
No contato com o campo empírico fizemos o possível para nos mantermos
atentos às maneiras de fazer dos Fulni-ô no que se refere à Educação Escolar Indígena,
maneiras de fazer que segundo Certeau (2009, p. 41), significam
Mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do espaço
organizado pelas técnicas da produção sociocultural. [...] modos de
proceder e astúcias de consumidores compõem, no limite, a rede de
uma antidisciplina. [...] Essas práticas colocam em jogo uma ratio
‘popular’, uma maneira de pensar investida numa maneira de agir,
uma arte de combinar indissociável de uma arte de utilizar.
Nesse contexto, o campo das táticas representa uma aparente ausência de poder;
a astúcia, o ocasional; a oportunidade, o fortuito; a teimosia, a arte do fraco “homem
ordinário” que quebra o determinismo e traz em si a dimensão do tempo posto que
ocupa um “não lugar” na sociedade. (CERTEAU, 2009)
Diante desse contexto não pudemos deixar de identificar e compreender as
estratégias, ações intencionais mais localizadas no viés da racionalidade e utilizadas
pelos que representam o poder, o cálculo, a manipulação das relações de forças. De
acordo com Certeau (2009, p. 93), a estratégia postula um lugar suscetível de ser
circunscrito como algo próprio. Nessa perspectiva, a política pública voltada para a
65
Educação Escolar Indígena significa a ordem, o poder e a regulação do Estado brasileiro
que deve ser colocada em prática, especialmente pelas escolas.
As inúmeras situações identificadas e registradas por meio do contato com o
campo de pesquisa demonstraram bem essa relação estabelecida entre as estratégias do
poder e as táticas dos usuários/consumidores. A forma como o estado age para atender
às necessidades do povo Fulni-ô e executar as políticas públicas voltadas para Educação
Escolar Indígena, bem como as maneiras de fazer dos Fulni-ô para validar a Educação
Escolar de seu povo que deve ser específica, diferenciada e intercultural, deixaram a
mostra tal relação.
Tendo por base as ideias de Certeau (2009, p. 39), podemos afirmar que a
existência da política pública para Educação Escolar Indígena não indica de modo
algum o que ela é ou significa para seus usuários, tornando-se necessário “analisar a sua
manipulação pelos praticantes que não a fabricam”, diretamente, mas que também são
seus proponentes. Por conseguinte, tentamos situar essa pesquisa nesse distanciamento
existente entre a produção da imagem e a produção secundária escondida nos processos
de utilização/aplicação prática da lei.
Ao longo da pesquisa tentamos nos dispor em atenção criativa às múltiplas
práticas durante o processo de investigação, de manipulação dos materiais empíricos na
tentativa de que nos fornecessem o caminho para organizar a multiplicidade sem
dissimular a heterogeneidade. Nessa tentativa buscamos conviver com os sujeitos nas
mais variadas situações: crianças nos recreios, nas aulas ou apresentações de cafurnas,
merendeiras na cozinha preparando os alimentos para as crianças, professores nos
recreios enquanto conversavam informalmente e de forma bilíngue fazendo uso de
Português e Yaathe, acendendo e fumando suas xanducas23, assim como em momentos
formais de sala de aula, formação de professores, conversas com a coordenação e nas
situações de resolução de problemas administrativos e/ou pedagógicos. Esforçamo-nos
para não perder de vista, nesse andar, as intensidades, as cintilações, os fluxos, os
perigos, entendendo por múltiplas práticas os tempos, as regras, as formas de
23
Tipo de cachimbo comumente usado pelos Fulni-ô, um pouco semelhante ao cachimbo fumado pelas
pessoas na área rural da região circunvizinha. Segundo uma professora, a decisão sobre quando um
indígena Fulni-ô está pronto para fumar “xanduca” é da família. É tomada pelo jovem e por seus pais sem
interferências de pessoas externas, mesmo que sejam membros do povo.
66
organização, as ordens, as palavras, os relatórios, as classificações dos funcionários e
das chefias.(FISCHER, 2007, p. 66)
E, conforme afirmação de Fischer (2007) para que tal pesquisa se tornasse viva e
se encarnasse do ponto de vista histórico, por meio dessa dissertação, ganhando em
densidade, nos incursionamos, de alguma forma, pelos corredores da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, pelos labirintos de nossa própria experiência
pessoal, profissional, com a temática em foco, trazendo implicitamente o depoimento
dos sujeitos, a vida que pulsa nas práticas que os documentos narram. Foi preciso buscar
nos materiais empíricos a descrição minuciosa das práticas a que eles fazem referência
porque o objeto de pesquisa existe num tempo e lugar, em práticas concretas, em lutas
em torno da hegemonia.
Dessa forma, apoiando-nos nas ideias de Tassinari (2001) e mais uma vez em
Certeau (2009, p. 85), podemos fazer a seguinte reflexão: é preciso ser um pouco
subversivo, ter uma prática desviacionista enquanto pesquisador para desenvolver senso
antropológico, ser generoso, usar de reciprocidade, retornar à ética, gravar sucessos
artísticos e “inserir os graffiti de suas dívidas de honra”..Para tanto, enquanto
pesquisadores, necessitamos ter compromisso com a comunidade pesquisada,
representada pelos consumidores/propositores, os indígenas, e, nesse caso específico, os
Fulni-ô, para quem foi formulada a política pública proposta como objeto de estudo.
Para Certeau, tratar assim as táticas cotidianas significa praticar uma arte ordinária,
achando-se na situação comum e fazendo da escritura uma maneira de fazer sucata.
2.1 Dialogando sobre o percurso
Para construir o objeto foi necessário romper com o senso comum, necessitando
ter uma postura ativa e sistemática perante os fatos, uma vez que se tratou de abordar
um caso empírico, a fim de construir um modelo que, para ter rigor, não necessitaria ser
revestido de maneira matemática ou formalizada, mas tratava-se de construir um
sistema coerente de relações que necessita ser posto à prova como tal (Bourdieu, 2007,
67
p. 32). Significando interrogar sistematicamente “um caso particular do possível” e
retirar dele as propriedades gerais, ou seja, os aspectos generalizáveis da pesquisa.
A nossa pretensão foi realizar esse trabalho de pesquisa no âmbito do Sistema
Estadual de Ensino de Pernambuco por ser o Governo Estadual, atualmente, o primeiro
e principal responsável pela execução da política pública voltada para a Educação
Escolar Indígena.
Em agosto de 2010 fomos, pessoalmente, conversar com o Cacique do povo
Fulni-ô com o objetivo de lhe apresentar a pesquisa e solicitar a sua autorização para
realizá-la. Nesse momento entregamos um ofício do PPGE-UFPE formalizando a
solicitação. Pouco tempo depois recebemos o ofício assinado pela liderança do povo
Fulni-ô nos autorizando a realizar a pesquisa. Logo após a Qualificação do Projeto de
Pesquisa, realizamos os ajustes conforme as indicações da banca e demos entrada em
outro processo de autorização para realização da pesquisa diretamente no Comitê de
Ética da UFPE que fica lotado no Centro de Ciências da Saúde. Foram muitas idas e
vindas ao referido Comitê, pois quando atendíamos a uma solicitação, o Coordenador
percebia algo que não tinha visto anteriormente e fazia uma nova solicitação.
Tivemos que elaborar termos de consentimento livre e esclarecido e
consentimentos de participação na pesquisa por categorias de sujeitos para serem
assinados por cada sujeito envolvido na pesquisa. Depois de meses nessa situação, o
nosso Co-Orientador na pesquisa, professor Edson Silva se prontificou a comparecer no
Comitê de Ética da UFPE com a pesquisadora para explicar o teor da pesquisa. Não foi
necessário conversa alguma, pois a sua presença concretizou a aprovação do processo
que, logo após, seguiu para a próxima etapa: análise e aprovação pelo Comitê Nacional
de Ética sediado em Brasília no Distrito Federal. Ainda não temos uma resposta sobre o
resultado final, embora saibamos que a referida pesquisa atendeu a todas às solicitações
e já está aprovada pelo Comitê de Ética da UFPE.
Os sujeitos investigados se constituíram por 12 professores/a indígenas do
Ensino Fundamental I e seus respectivos alunos indígenas; participantes diretos na
gestão escolar: 3 Coordenadoras; 10 pais; lideranças indígenas: 1 Cacique e 1 Pajé; 2
Técnicas Educacionais que participaram do início do processo de estadualização da
Educação Escolar Indígena em Pernambuco; todos escolhidos em função da
68
compreensão de que esses atores sociais fazem parte do cenário local de execução e
aplicação da política pública para Educação Escolar Indígena no cotidiano da Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, localizada na Aldeia Grande do povo
Fulni-ô em Águas Belas-PE.
Foto 1: Sujeitos da pesquisa - Professores/as, Coordenadora Geral e Coordenadoras de Modalidade
de Ensino. Todos/as Fulni-ô. Julho de 2011 no dia da Formação feita pela SE-PE e GRE-Garanhuns
69
Foto 2: Sujeitos da pesquisa – Crianças no momento do recreio. Se reuniram e pediram para que
tirássemos a foto. Abril de 2011.
Foto 3: Sujeitos da pesquisa – Crianças na aula do sábado quando foi realizada uma sessão de cinema.
Março de 2011.
70
Foto 4 e 5: Sujeitos da pesquisa – Lideranças Fulni-ô: Cacique João Francisco dos Santos Filho,
conhecido por João de Pontes e Pajé Gldiere, conhecido por Edimar. Entrada do Ouricuri em agosto
de 2010.
Foto 6: Sujeitos da pesquisa – Mães Fulni-ô na escola em julho de 2011.
71
O trabalho de campo, segundo Minayo (2009, p. 26), é a fase central para o
conhecimento da realidade que leva a construção teórica para a prática empírica,
combinando instrumentos de observação, entrevistas, levantamento de material
documental, dentre outros. É o momento “[...] de confirmação e refutação de hipóteses e
de construção de teoria”.
De acordo Bauer (et al. 2002), o campo de ação dos expectadores constitui-se no
campo de observação sistemática do pesquisador e este deve envolver-se com o objeto
de estudo, seus problemas atuais e futuros, evitando o envolvimento direto com
quaisquer dos lados (times em campo). Possivelmente essa tenha sido uma das atitudes
ou posições mais difíceis de ocuparmos, pois a acolhida, o carinho e a confiança
demonstrados paulatinamente pelo povo Fulni-ô foi envolvente. Entretanto, essa
situação aumentou ainda mais a nossa responsabilidade com a pesquisa em si, com os
Fulni-ô e com a sociedade para quem o conhecimento estava sendo produzido.
Tentamos compreender que o processo de estadualização da Educação Escolar Indígena
em Pernambuco é um processo histórico de construção humana24 que possui várias
facetas e de alguma forma cada lado possui uma parte dessa busca chamada verdade.
Na coleta de dados para o estudo proposto utilizamos três instrumentos básicos,
quais foram: a observação participante no cotidiano escolar; a análise documental e a
entrevista semi-estruturada, considerada por Roesch (1999) como a técnica fundamental
da pesquisa qualitativa, cujo objetivo foi entender o significado que os entrevistados
atribuem a questões e situações envolvidas no contexto do processo de estadualização
da Educação Escolar Indígena em Pernambuco.
Para a análise documental inicialmente pensamos em utilizar às legislações em
vigor, Projeto Político Pedagógico Fulni-ô, diários de classe, projetos desenvolvidos
pela escola, cartas, memorandos, ofícios, fotografias, filmes relacionados ao tema,
dentre outros.
No percurso fizemos uso dos seguintes documentos: Constituição Federal de
1988; LDB 9394/96; Lei 13.071/ 2006 que criou o Conselho de Educação Escolar
Indígena de Pernambuco – CEEIN; Decreto 31.644/2008 que aprovou o Regulamento
24
Apesar das instituições envolvidas, todas são representadas e conduzidas por pessoas.
72
do Conselho de Educação Escolar Indígena do Estado de Pernambuco – CEEIN;
Convenção 169 da OIT; RCNEI; Caderno SECAD 3 Educação Escolar Indígena:
diversidade sociocultural indígena ressignificando a escola; Parecer 14/99 e Resolução
3/99 do CNE, Resolução 05/2004 do CEE-PE e Decreto Estadual 24628/2002 que
regulamentou o processo de estadualização da Educação Escolar Indígena em
Pernambuco; diários de classe dos/as professores/as sujeitos da pesquisa; atas das
reuniões do CEEIN-PE; Relatório Final da Avaliação Independente do PNE Lei
10.172/01 sobre Educação Escolar Indígena; documentos comprobatórios das entregas e
recebimentos de materiais e mantimentos à escola campo da pesquisa; estudo
desenvolvido por Barbalho (2007) sobre a COPIPE.
Por meio da observação participante, a pesquisadora tornou-se parte integrante
de uma estrutura social e realizou a coleta de dados e informações na relação face a face
com os sujeitos da pesquisa. Tratou-se de alocar a pesquisadora no contexto físico a ser
estudado, cotidiano da escola campo de pesquisa, e de criar condições para a coleta de
dados e informações por meio dos olhos dos pesquisados (MARTINS, 2006, p. 26). De
acordo com Alves, essa ação deve ser feita (2008, p. 18) sentindo o mundo a partir dos
sujeitos da pesquisa, não apenas olhando-o.
Para o primeiro momento do período de observação propomos uma reunião por
turno, manhã e tarde, com professores e funcionários para explicarmos o teor, objetivos
e período da pesquisa, além de justificarmos a nossa presença na escola. Esse foi o
primeiro dia. A convivência cotidiana com o campo de pesquisa e seus sujeitos se
efetivou no período de fevereiro a julho de 2011. Nos meses de fevereiro a junho foi
vivenciada uma semana por mês de observação participante, mas em julho de 2011
foram duas semanas seguidas, compensando a nossa ausência durante o mês de janeiro.
Convivemos com os sujeitos pesquisados nos turnos da manhã e da tarde, exceto nos
dois sábados dos meses de fevereiro e maio que realizamos o trabalho apenas pela
manhã, de acordo com o funcionamento da escola.
A nossa presença despertou a curiosidade de alunos, pais e visitantes que,
inicialmente nos olhavam à distância, alguns se aproximavam, especialmente as
crianças que tentavam entender quem éramos e o que fazíamos. Após a finalização do
processo de coleta na pesquisa de campo, no último dia fomos, pessoalmente, em todas
73
as salas de aula para agradecer às crianças e professores/as e nos despedir. A carga
horária total da pesquisa de campo foi de 288 horas de muitas e novas aprendizagens
para a pesquisa e para a vida da pesquisadora, conforme tabela apresentada abaixo:
Tabela 1 - tempo de convivência com o campo de pesquisa
Mês
Semana(s)
Hora(s)
Janeiro
_________
_______
Fevereiro
14 a 19.02.2011
44
Março
21 a 25.03.2011
40
Abril
25 a 29.04.2011
40
Maio
09 a 14.05.2011
44
Junho
13 a 17.06.2011
40
Julho
04 a 08 e 11 a 15.07.2011
80
Total de horas da pesquisa de campo
288
Por possibilitar realizar alguns tipos de reconstruções, o documento escrito
constitui uma fonte preciosa para o pesquisador social, uma vez que permite acrescentar
a dimensão do tempo à compreensão do social. Cellard (2008) afirmou que o
pesquisador deve ser prudente para avaliar crítica e adequadamente a documentação que
pretende analisar demandando atenção especial às cinco dimensões seguintes: exame do
contexto social global no qual o documento foi produzido e que envolve o autor e os
sujeitos para quem o documento foi destinado; elucidar a identidade social, política e
ideológica do autor ou autores do documento, identificando seus interesses particulares;
assegurar-se da qualidade da informação transmitida, sua autenticidade e confiabilidade;
e, por último, levar em consideração a natureza ou suporte de um texto porque um
relatório, uma lei, uma imagem, uma carta, um mapa, um diário são documentos de
natureza diversa entre si.
Após reunir os documentos para análise, tivemos que focar no nosso objeto de
estudo e trilhamos pela abordagem da desconstrução e reconstrução dos dados.
Percebemos no decorrer da análise que os documentos têm vida e que é possível
74
estabelecer inúmeras relações entre estes, os sujeitos, o contexto pesquisado e as
relações de poder concretamente existentes no processo em análise e que ‘verdade’ por
si só passa a ser palavra plural, mesmo estando gramaticamente no singular. Cellard
(2008, p. 304) fez uma citação de Michel Foucault (1969) para reforçar sua indicação:
A história mudou de posição em relação ao documento: ela se atribui
como tarefa primeira, não mais interpretar, nem determinar se ele diz a
verdade e qual é o seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo
internamente e elaborá-lo; ela o organiza, recorta-o, distribui-o,
ordena-o, reparte-o em níveis, estabelece séries, distingue o que é
pertinente do que não o é, identifica elementos, define unidades,
descreve relações. Portanto, o documento não é mais para a história
essa matéria inerte, por meio da qual ela tenta reconstituir o que os
homens fizeram ou disseram, o que é passado, e do qual somente o
rastro permanece: ela busca definir, no próprio tecido documental,
unidades, totalidades, séries, relações.
Quanto à entrevista, Gil (2007, p. 117) reforçou que ela “é guiada por relação de
pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso”. O
próprio Gil chamou a atenção sobre o uso desse instrumento em pesquisa ser bem mais
complexo do que para fins de aconselhamento ou seleção de pessoal. Especialmente
porque a pessoa escolhida não é a solicitante e “o entrevistador constitui a única fonte
de motivação adequada e constante para o entrevistado”. Roesch (1999) defendeu que a
qualidade dos dados obtidos na entrevista depende da habilidade do entrevistador, da
confiança estabelecida na relação entrevistador-entrevistado e da importância da
pesquisa para os entrevistados. No entanto, Silveira (2007, p. 128) advertiu que,
As lógicas culturais embutidas nas perguntas dos entrevistadores não
têm nada de transcendente, de revelação íntima, de estabelecimento da
‘verdade’: elas estão embebidas nos discursos de seu tempo, da
situação vivida, das verdades instituídas para os grupos sociais dos
membros grupos.
É preciso conceber a fala do entrevistador não como mero instrumento de
extração de verdades, mas como um provocador de outras verdades, outras histórias,
75
outras lógicas, entendendo a entrevista como sendo o resultado de uma atividade
conjunta, de uma negociação, entre entrevistado e entrevistador, fruto de uma
construção cultural e socialmente situada.
Realizamos
entrevistas
semi-estruturadas
com
professores
indígenas,
participantes diretos na gestão escolar que são as coordenadoras, lideranças indígenas
do povo Fulni-ô o Cacique e o Pajé e duas Técnicas Educacionais lotadas na SE-PE e na
GRE-Garanhuns com o objetivo de identificar a visão dos participantes sobre as
categorias pesquisadas, bem como suas contradições. Os sujeitos pesquisados
demonstraram muita abertura para contribuírem com a pesquisa, aparentando dar-lhe
um valor de importância que não conseguimos mensurar. As entrevistas foram gravadas
em MP4. Era apenas o áudio e todos sabiam, porém uma das professoras chegou
bastante arrumada e bonita, então elogiamos e perguntamos a que se devia o fato e ela
nos respondeu que era a primeira vez que daria uma entrevista. Esse gesto singelo,
sincero e ao mesmo tempo profissional da professora se constituiu em um dos vários
momentos em que percebemos que essa pesquisa era importante para o povo Fulni-ô,
talvez quem sabe até para a auto-estima de tantos. Não temos como avaliar ou saber,
mas sem dúvida por mais de uma vez pudemos pensar sobre a nossa responsabilidade
enquanto pesquisadores.
O período de coleta de dados, bem como sua análise teve um relativo prejuízo
qualitativo em função dos motivos que registramos a seguir:
 Ausência de resposta ao Ofício nº 25/11 (anexo) datado de 08 de agosto de 2011
e encaminhado pelo PPGE-UFPE à Secretaria de Educação de Pernambuco, aos
cuidados da Secretaria de Políticas de Direitos Humanos, responsável pela
Unidade de Educação Escolar Indígena. O referido Ofício formalizada a
solicitação feita para permissão e acesso aos seguintes documentos: calendário
letivo das escolas do povo Fulni-ô dos anos 2010 e 2011; calendário ou
cronograma de Formação Continuada de Professores Indígenas dos anos 2010 e
2011; Proposta de Educação Escolar Indígena de Pernambuco e atas das
reuniões do Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco,
documentos estes, todos de posse da SE-PE. Salientamos que fizemos diversas
ligações telefônicas e comparecemos por inúmeras vezes à SE-PE até o mês de
76
janeiro de 2012 e a única resposta que recebemos foi a de que a Gerente de
Direitos Humanos encaminhou o Ofício para ser atendido pela então Chefe da
Unidade de Educação Escolar Indígena que nunca estava presente e nem
deixava alguma resposta concreta ao Ofício, inclusive não nos forneceu sequer
um outro Ofício em resposta ao enviado para que pudéssemos entregá-lo ao
PPGE-UFPE.
 Não conseguimos realizar entrevista com a Chefe da Unidade de Educação
Escolar Indígena, ainda que agendando pessoalmente com a mesma quando nos
encontrávamos nas reuniões do Conselho de Educação Escolar Indígena, de
acordo com sua disponibilidade de data e horário. Comparecíamos à referida
Unidade e esperávamos por aproximadamente duas horas sem qualquer tipo de
informação, pois não havia desmarcado, nem comunicado nada às pessoas com
quem trabalha na Unidade de Educação Escolar Indígena e ninguém conseguia
localizá-la para nos fornecer alguma orientação.
A etapa de coleta de dados foi realizada no 1º semestre letivo de 2011, durante
os meses de fevereiro a julho, período que consideramos mínimo para convivência e
aproximação do contexto pesquisado, de maneira a promover uma relação de confiança
entre pesquisador e sujeitos pesquisados que favorecesse a “sinergia dialógica” (Viegas,
2007, p. 69) entre o mundo da observadora e os mundos dos observados. Nesse período
pudemos transitar pelo espaço escolar, suas rotinas, eventos sem causar tanta estranheza
sobre a nossa presença, o que facilitou o acesso aos documentos e informações que
subsidiaram o momento da coleta de dados, embora essa tenha sido uma conquista que
se efetivou dia a dia por meio dessa convivência com e no cotidiano.
Vale salientar que enquanto pesquisadores, nós nos colocamos na condição de
observadores, porém uma das características dos Fulni-ô é serem observadores,
portanto, cremos que tenhamos sido bem mais observados do que pudemos realmente
observar. Coordenadores, lideranças, idosos que não estavam na escola, sabiam cada
passo que dávamos, o que havíamos feito, dito, por onde tínhamos andado. Uma
situação que demonstra essa realidade é a que relatamos a seguir. Queríamos conhecer a
escola bilíngüe existente na Aldeia Grande e em um determinado dia pela manhã nos
dirigimos a tal escola. À tarde quando chegamos à escola campo de nossa pesquisa a
77
coordenadora veio logo nos perguntando: “tu fosse na escola bilíngüe, num foi? Quem
te recebeu foi fulana, num foi? E como foi lá, me conte?” Em outro momento quisemos
conhecer a escola que ficava localizada na Aldeia Xyxyaklá situada na área rural. Dessa
vez combinamos com a Coordenadora C2 que ficou de nos apanhar e acompanhar até o
Xyxyaklá. Quando entramos no carro, a Coordenadora Geral das escolas Fulni-ô estava
no banco da frente e nos acompanhou na visita. Por diversas vezes algumas pessoas
idosas que conhecem a nossa família (residente em Águas Belas), nos paravam nos
deslocamentos de ida e volta à escola para conversar e faziam comentários sobre o
trabalho que estávamos realizando, bem como sobre os nossos familiares. A
comunicação fluir muito bem entre os Fulni-ô.
Os dados foram registrados por meio de diário etnográfico ou diário de campo,
na tentativa de fazer uma descrição detalhada de experiências e situações corriqueiras
ou incomuns, falas, discursos formais e informais, presentes no cotidiano, nas ações,
gestos, palavras e nos diversos documentos analisados durante a realização da pesquisa.
Jaccoud e Mayer (2008, p. 274), ao citar Laperrière, informaram que “[...], nas
anotações descritivas, registra-se o trabalho de percepção do vivido e relata-se
exaustivamente a situação observada”. Dessa forma, cada relatório descritivo deve
conter data, local, nome das pessoas pesquisadas, atividades, horário e a duração da
observação. A nossa relação com o diário etnográfico passou a ser de tanta proximidade
e dependência que tínhamos o maior cuidado por medo de perdê-lo. Parecia que a
análise e, por conseguinte, a pesquisa não se realizaria sem ele. O que talvez, até
pudesse acontecer, mas os prejuízos seriam imensuráveis, uma vez que o tempo e as
situações não voltam.
Para Bauer (et al. 2002, p. 22), “[...] a realidade social pode ser representada de
maneiras informais ou formais de comunicar” e o meio de comunicação pode ser texto,
imagem ou som, todos considerados importantes para a pesquisa social. Também
fizemos uso de vídeos, fotografias e áudios como forma tanto de coleta quanto de
registro de dados/informações para interpretação e análise posteriores, bem como para
revisões necessárias ao processo de escrita e reescrita da Dissertação. Filmagem e/ou
fotografias da estrutura física da escola, de algumas aulas, situações de recreio, eventos
desenvolvidos pela escola, conversas com os pais, crianças e funcionários, gravação das
entrevistas em áudio para posterior transcrição, sempre pedindo licença, perguntando se
78
podíamos e obtendo a permissão dos sujeitos pesquisados. Por reconhecer que nenhum
recurso é completo para coletar dados e informações implícitas e explícitas no
cotidiano, justificou-se a utilização de tais meios que minimizaram algumas
dificuldades inerentes à dinâmica das relações entre pessoas – pesquisadores e sujeitos num dado contexto histórico e facilitaram grandemente o momento de análise e
posterior escrita dessa dissertação.
A análise e tratamento do material empírico e documental que consiste no
conjunto de procedimentos para valorizar, compreender, interpretar e articular os dados
“com a teoria que fundamenta o projeto e outras leituras teóricas e interpretativas”
(Minayo, 2009, p. 27) pode ser dividido em 3 (três) procedimentos diferentes:
ordenação, classificação e análise dos dados. Minayo (2009) afirmou que a construção
fundamental do pesquisador é a busca da lógica interna do grupo analisado. É muito
mais do que a mera classificação de opinião dos informantes, constituindo-se na
descoberta de seus códigos sociais a partir das falas, símbolos e observações.
A teoria do cotidiano nos desafiava a todo o momento, uma vez que conviver
por tanto tempo com os sujeitos e o campo de pesquisa favoreceu uma ampliação dos
horizontes da pesquisadora, revisão de seus pressupostos, conforme salientado
anteriormente, e uma coleta expressiva de materiais e informações, tanto do ponto de
vista quantitativo quanto qualitativo. O tema é instigante, o campo está vivo, é dinâmico
e deslumbrante e, portanto, poderíamos perder o foco. A nossa orientadora, Professora
Luciana Rosa Marques, sempre chamava a atenção para o cuidado em não se desviar do
problema para o qual a pesquisa se voltava e se propunha responder.
No momento da análise dos dados tivemos que organizar e selecionar o que
utilizaríamos. Àquilo que seria materializado na forma de textos para posterior
interpretação, segundo sugerido por Roesch (1999). A análise dos dados correspondeu a
uma sequência de atividades que envolveram a redução, categorização e interpretação
dos dados, seguidas da redação do relatório da dissertação (Gil, 2007). Tentamos
considerar as condições sociais de produção do discurso, pois para Poupart (2008, p.
244), “[...] a natureza das falas coletadas [...] e a interpretação que se fará dessas falas
correm o risco, inevitavelmente, de trazer a marca da leitura que os pesquisadores fazem
dos enfoques de sua pesquisa”. Poupart (2008, p. 274) afirmou que a maioria dos autores
79
insiste na necessidade de transcrições rápidas das anotações por tratar-se de uma tarefa
longa e ingrata, podendo fazer as correções e ajustes necessários, visto que o diário de
campo, posteriormente, permitirá que se reporte as forças e as fraquezas da pesquisa,
pois as anotações possibilitarão, “tanto uma descrição narrativa quanto uma melhor
compreensão dos fenômenos observados, apelando, principalmente, à subjetividade do
pesquisador”. Podemos garantir que as transcrições foram suficientemente cuidadosas,
mantendo o ‘jeito de falar’ dos sujeitos e tudo o que disseram, fornecendo sustentação à
análise dos dados e escrita do texto da dissertação.
A nossa opção técnica foi pela análise de conteúdo que possibilita a descrição
do conteúdo explícito e implícito das comunicações (FERREIRA, 1998, p. 114).
Martins (2006) reforçou essa ideia ao informar que a sua aplicação acontece após ou em
conjunto com a pesquisa documental e depois da realização de entrevistas,
concretizando-se mediante inferências sobre dados e informações relativos a
determinado contexto, a partir de discursos escritos ou orais dos atores sociais da
pesquisa.
A análise de conteúdo consiste em classificar palavras, frases ou mesmo
parágrafos em categorias de conteúdo, tornando-se necessário para tanto – definir as
unidades de análise e as categorias; tentar codificar uma parte do texto com base nas
categorias criadas; estratificar as respostas elaborando comparações entre grupos;
apresentar os dados de forma criativa (ROESCH, 1999, p. 170).
A nossa escolha foi concretizada por meio de três categorias para melhor
compreendermos o nosso objeto de pesquisa: Educação Escolar Indígena Específica,
Diferenciada e Intercultural. Em função da existência de reduzido número de pesquisas
sobre o povo Fulni-ô, além da especificidade do objeto foi necessário apresentar
informações mais detalhadas que pudessem facilitar a compreensão de possíveis leitores
que não tivessem conhecimento sobre os indígenas no Brasil. Salientamos que nos
esforçamos para dar maior enfoque e tratar as categorias escolhidas em todas as
situações de coleta e análise de dados, bem como escrita do nosso texto-espelho de
nossas reflexões, conjecturas e aprendizagens possibilitadas no decorrer desse processo
de dois anos que compuseram todas as convivências do tempo do Curso de Mestrado
80
realizado pelo Núcleo de Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação da
Universidade Federal de Pernambuco.
81
CAPÍTULO III
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM PERNAMBUCO:
“EDUCAÇÃO É UM DIREITO. MAS TEM QUE SER DO NOSSO
JEITO ”?25
3.1 Como se organiza a Educação Escolar Indígena em Pernambuco
Procurando compreender a problemática que acompanha o processo de
estadualização da Educação Escolar Indígena no estado de Pernambuco, identificamos
que até o ano de 1991 as situações que envolvem indígenas no Brasil eram vinculadas
ao Ministério da Justiça, quer fossem relacionadas à saúde, terra, educação, dentre
outros. A Portaria Interministerial que envolveu os Ministérios da Justiça e da Educação
MJ/MEC nº 559 de 16 de abril de 1991 retirou a Educação Escolar Indígena do
Ministério da Justiça e colocou-a sob a responsabilidade do Ministério da Educação
baseando sua decisão na reivindicação que os povos indígenas fizeram por “uma
escolarização formal com características próprias e diferenciadas, respeitadas e
reforçadas suas especificidades culturais”, o que já era direito adquirido e garantido por
meio do Artigo 210 da Constituição de 1988.
Dessa forma as escolas indígenas deveriam se tornar um novo espaço de ensinoaprendizagem, organizado a partir da construção coletiva de conhecimentos, que
refletissem as expectativas e interesses de cada grupo étnico e garantissem que as ações
educacionais
destinadas
às
populações
indígenas
fossem
fundamentadas
no
reconhecimento de suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças, tradições e
nos seus processos próprios de construção de conhecimentos/saberes.
25
“Educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito!” É o slogan, a marca, a bandeira das
reivindicações dos povos indígenas em Pernambuco. Tomamos a liberdade de colocá-la
provocativamente em forma interrogativa para questionarmos se existe um jeito ou se “jeito” nesse caso
poderia ter um sentido plural.
82
Para tanto, a Portaria Interministerial Nº 559/1991 criou a Coordenação
Nacional de Educação Indígena composta por técnicos do MEC, especialistas de órgãos
governamentais, organizações não governamentais afetas à Educação Escolar Indígena e
universidades, cujo objetivo era o de coordenar, acompanhar e avaliar as ações
pedagógicas da Educação Escolar Indígena no País.
Em seu Artigo 5º encontramos a afirmação de que a Coordenação Nacional de
Educação Indígena deve estimular a criação de Núcleos de Educação Escolar Indígena
nas Secretarias Estaduais de Educação com a finalidade de apoiar e assessorar as
escolas indígenas. No Parágrafo Único desse mesmo Artigo está a defesa de que esses
núcleos devem ser constituídos seguindo a mesma composição da Coordenação
Nacional, incluindo ainda os representantes das comunidades indígenas locais atuantes
na Educação Escolar.
Essa maneira de pensar e organizar a Educação Escolar Indígena possui
enquanto princípio a prática da interculturalidade, uma vez que, tem por base o diálogo
entre instituições sociais diversas entre si, com interesses comuns em alguns momentos
e antagônicos em outros, além de assumir a responsabilidade pela garantia do respeito
às especificidades e diferenças étnicas de cada povo.
Segundo a Técnica Educacional 126 da Secretaria Estadual de Educação de
Pernambuco, o início dos debates sobre Educação Escolar Indígena se efetivou no
âmbito da Diretoria de Alfabetização. Posteriormente foi criado o Grupo de Estudos
sobre Educação Indígena – GREEI que funcionava em uma sala da Gerência de
Alfabetização. Esse Grupo foi constituído de acordo com a determinação da Portaria
Interministerial e era coordenado pela Secretaria Estadual de Educação.
Mediante o processo de descentralização da Educação Básica no Brasil que
delegou aos municípios a responsabilidade pelo Ensino Fundamental I, a Educação
Escolar Indígena em Pernambuco passou por situações de desatenção e desrespeito em
função do preconceito e do antigo interesse da população local por suas terras,
26
A Técnica Educacional 1 foi responsável pela Educação Escolar Indígena na SE-PE no período de 1993
a 2008
83
consoante informações obtidas por meio da entrevista realizada com a Técnica
Educacional 1 da SE-PE. Após um período de inúmeras dificuldades os povos indígenas
no estado de Pernambuco passaram a reivindicar que sua Educação Escolar passasse
para a responsabilidade direta do estado, conquista essa que ocorreu por meio do
Decreto nº 24.628, de 12 de agosto de 2002.
Há uma mudança em pauta que sai da ideia de localização em direção à outra
concepção de escola: de escola localizada em região indígena para escola indígena de
fato e de direito construída por meio de debates, embates, diálogos e enfrentamentos:
“educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito”. Esse slogan criado e defendido
pelos povos indígenas em Pernambuco explicita o desejo por uma educação específica e
diferenciada que respeite e valorize as características socioculturais de cada povo e não
apenas a cultura nacional hegemônica.
O que encontramos em Pernambuco é uma escola indígena situada em espaço de
fronteira, conforme Tassinari (2001), que se assume como nova instituição educacional,
mas ao mesmo tempo é parte integrante de um sistema nacional vigente. Uma escola
híbrida que dialoga com esse sistema, ao mesmo tempo em que busca a valorização da
cultura de cada povo. As escolas nas aldeias apresentam possibilidades para o
protagonismo indígena, especialmente amparadas pelo aparato legal que criou a Escola
Específica e Diferenciada, conforme defendeu Fleuri (2007)
A escola indígena constitui-se como espaço de ambivalência, do
hibridismo, onde ocorre um vaievém de processos simbólicos de
negociação ou tradução dentro de uma temporalidade que torna
possível conceber a articulação de elementos antagônicos ou
contraditórios, processos que abrem lugares e objetivos de luta e
destroem as polaridades de negação entre os saberes e as práticas
sociais (BHABHA apud FLEURI, 2007, p. 27)
Para a Técnica Educacional 1 até 2002 a Educação Escolar Indígena em
Pernambuco passou por momentos críticos e inúmeros conflitos dentro da Secretaria de
Estadual de Educação em decorrência dos seguintes fatos:
84
 Por ser uma área que favorecia pouca visibilidade/projeção por tratar-se de
minoria social (indígenas);
 Ausência de autonomia para tomada de decisão em função de ser uma área que
funcionava dentro de uma sala na Gerência de Alfabetização;
 Falta de conhecimento dos técnicos educacionais sobre as questões indígenas;
 Pouco ou nenhum envolvimento de alguns profissionais/técnicos educacionais
da SEDUC devido ao preconceito institucional; e, por conseguinte,
 Fragilidade presente no processo de respostas/atendimentos às demandas das
escolas indígenas.
A Educação Escolar Indígena na Secretaria Estadual de Educação de
Pernambuco foi responsabilidade de departamento em departamento, além das
mudanças de equipes que fragilizavam ainda mais o processo: Diretoria de
Alfabetização – DEAL, Diretoria de Ensino Fundamental – DEF e, só posteriormente,
foi criada uma unidade específica para as questões educacionais indígenas.
3.1.1 SE-PE: Gerência de Políticas Educacionais de Direitos Humanos e
Gerência Regional de Ensino
A última Reforma Administrativa do Estado de Pernambuco ocorreu por meio
da Lei Complementar nº 049, de 31 de janeiro de 2003. Dentre outras ações voltadas
para a Secretaria de Educação foram criadas duas secretarias executivas: Secretaria
Executiva de Desenvolvimento da Educação – SEDE, responsável pela implantação,
monitoramento e avaliação dos programas educacionais e Secretaria Executiva de
Gestão – SEGE para lidar com as questões administrativas e estruturais das escolas
estaduais.
Segundo a Técnica Educacional 1, nesse período a SEGE foi convidada para
participar do Grupo de Educação Indígena de Pernambuco – GREI que passou a
chamar-se Núcleo Interinstitucional de Educação Escolar Indígena – NEEI. Esse núcleo
85
era formado por diversas instituições27 e contava com a representação de cada povo
indígena de Pernambuco, inclusive o povo Fulni-ô.
SEDE, SEGE e Gerências Regionais de Ensino realizaram um diagnóstico sobre
a Educação Escolar Indígena em Pernambuco contemplando número e formação de
professores, funcionários, recursos e estrutura física das escolas, dentre outros. Segundo
a Técnica Educacional 1 foi diagnosticado o “caos instalado nas escolas indígenas em
Pernambuco”.
Galpões, estribarias, depósitos, salas residenciais eram usados como escolas nas
aldeias e apesar da realização do diagnóstico, o caos instalado foi estadualizado. Não foi
elaborado um plano de atendimento que pensasse uma política de estadualização
paulatina. A estadualização, inicialmente, se efetivou apenas por decreto. A questão
indígena não era prioridade e a Secretaria de Educação de Pernambuco não estava
preparada para lidar com as situações que envolviam a Educação Escolar Indígena no
estado.
Com a nova estrutura administrativa, em meados de 2004, foi criada a Unidade
de Educação Escolar Indígena que passou a funcionar subordinada à Gerência de
Políticas Educacionais de Direitos Humanos. Paralelamente, representantes da SE-PE
no NEEI foram convidados para participar das discussões do Conselho Nacional de
Secretários de Educação – CONSED em âmbito local e nacional, a exemplo de Manaus,
Tocantins, Palmas, o que favoreceu avanços em Pernambuco, uma vez que ampliou o
debate sobre problemas comuns.
Vale ressaltar que apesar da existência desses problemas comuns a educação
escolar entre indígenas no País não se efetiva de forma homogênea, unilinear ou
retilínea, uma vez que
Aspectos comuns (como respeito pela cultura e fortalecimento da
identidade) coexistem, todavia cada povo indígena tem uma maneira
27
Contava com a participação de representantes das comunidades indígenas locais atuantes na educação,
de organizações governamentais e não governamentais afetas à educação indígena e representantes de
universidades.
86
própria de desenvolvê-los. Por isso se tem insistido tão fortemente em
se compreender como a educação diferenciada e sua aplicabilidade
podem delinear-se às várias especificidades étnicas. (BARBALHO,
2007 p 189)
Stoer (apud Fleuri, 2001, p. 9) defendeu que quanto mais as culturas mundiais se
aproximam pelo viés da globalização, mais são sensíveis às diferenças entre elas e
afirma o autor que “com a globalização do saber e das comunicações, está-se, pela
primeira na história, ‘condenado’ a pensar a unidade humana na base da sua diversidade
cultural”. A esse respeito o professor Fleuri (2003, p. 9) nos advertiu que globalizar
também pode significar homogeneizar,
Diluindo identidades e apagando as marcas das culturas ditas
inferiores, das raças, das etnias, gêneros, linguagens, religiões, grupos,
etc. que, segundo a lógica das narrativas homogêneas, foram
identificadas como portadoras de deficiências, inclusive de
racionalidade.
Trata-se agora não apenas de sobrevivência física e material, mas de também
mobilização pela própria existência no campo simbólico, compreendendo-se étnica e
diferenciadamente enquanto sistemas originais de viver, pensar e organizar-se nos
âmbitos político, social, religioso e educacional.
Há uma concordância presente nas respostas dadas pelas Técnicas Educacionais,
representantes do estado: Técnica Educacional 1 da SE-PE e Técnica Educacional 2 da
GRE-Garanhuns, referente a não preparação do estado para o processo de
estadualização
Eu acredito que o Estado ainda não estava preparado pra receber o
povo Fulni-ô, a estadualização em massa dessas escolas indígenas,
então assim, passou um bom tempo ainda naquela questão de estudar,
o que era que ia ser feito, como ia ser, quais os tramites, mas enquanto
isso, eles só tinham um decreto de estadualização, não existia
regularização da vida escolar dos estudantes. Então isso implicava em
muitas situações que poderiam ser desagradáveis caso as coisas
fossem se estendendo. Técnica Educacional 2
O estado de Pernambuco recebeu a Educação Escolar Indígena repleta de
dificuldades e problemas decorrentes da municipalização da Educação Básica no Brasil
87
que delegou à Educação Escolar Indígena aos municípios. No entanto, em termos de
política pública o referido estado avançou, começando a organizar-se a partir de 1991,
muito embora a estadualização tenha sido oficializada em 2002, conforme indicado
abaixo:
Tabela 2 - Normatização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco
Documento
28
Ação
Portaria 1.528/1991
Instituição do grupo de Educação Indígena de Pernambuco –
GREI
Portaria 940/1994
Substituição do GREI pelo Núcleo Interinstitucional de
Educação Escolar Indígena – NEEI
Planos Decenais Estaduais de
Educação: 1993-2003; 1997-2007;
1996 e 1999
Apresentação da necessidade formulação de uma Política
Estadual voltada à Educação Escolar Indígena
Portaria SE 3096/2002
Criação da Comissão Estadual de Educação Escolar Indígena
Decreto 24.628/2002
Estabelecimento do processo de estadualização da Educação
Escolar Indígena no âmbito da Educação Básica
Portaria 0390/2003
Criação da Comissão Interinstitucional de Educação Escolar
Indígena
Resolução 05/2004 do CEE
Definição de Escola Indígena e outras providências
Decreto 27854/2005
Criação das escolas indígenas no estado de Pernambuco e outras
providências
Instrução Normativa 001/2005
Estabelecimento de critérios de credenciamento das escolas
indígenas para oferta de educação básica no âmbito do estado de
Pernambuco e dá outras providências e outras providências
Lei 13.071/2006
Criação d o Conselho de Educação Escolar Indígena de
Pernambuco – CEEIN-PE e outras providências
Decreto 31.644/2008
Aprovação d o regulamento do Conselho de Educação Escolar
Indígena do estado de Pernambuco – CEEIN-PE
Atos 1.426/2008
Composição do Conselho de Educação Escolar Indígena de
Pernambuco – CEEIN-PE
Esses avanços que construíram o processo de estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco foram conseqüência dos movimentos sociais
28
Informações retiradas dos anexos do Relatório Final de Avaliação Independente do PNE Lei 10.172/01
Cumprimento dos Objetivos e Metas do Capítulo Educação Indígena. Essa pesquisa é uma iniciativa da
Coordenação Geral de Educação da FUNAI e foi realizada no Brasil inteiro pela Fundação AJURI da
Universidade Federal de Roraima
88
organizados com a participação dos 829 povos indígenas então existentes e
reconhecidos, bem como de organizações indigenistas não governamentais, conforme
registrado na fala da Técnica Educacional 1 ao comentar sobre as reuniões do NEEI
“Eram reuniões fortes porque sempre vinham com toda a clareza do
que eles queriam né? Porque as próprias organizações não
governamentais elas fortaleciam isso neles né? Que elas tinham esse
papel de, justamente, colaborar para que eles se organizassem
socialmente num é? E a secretaria sempre ficou muito a mercê dessas
questões e as reuniões eram reuniões fortes, de reivindicações muito
fortes né? Associadas justamente a essa força de fora que era das
organizações juntas com os povos.”
Essa relação conflituosa também se encontra registrada na pesquisa solicitada
pela FUNAI e realizada pela Fundação Ajuri da UFRR em 2011. (Campos, 2011, p. 58)
afirma sobre o estado de Pernambuco que:
“É a própria estrutura da máquina administrativa estatal que não
permite uma ação articulada entre sociedade civil e gestor
público. O modelo de Estado não comporta diferença e os esforços
individuais de diálogo e participação são insuficientes para legitimar e
projetar a educação escolar indígena. Com isso, as experiências já em
curso permanecem sem apoio e reconhecimento oficial do governo, ou
demoram a acontecer. A situação de Pernambuco não está pior em
razão do movimento indígena ser bastante articulado e fortalecido, lhe
conferindo importantes conquistas.”
É sobre essa situação que retratamos no nosso referencial teórico quando
abordamos a afirmação de Krawezyk (2005) de que a mobilização social pela conquista
de direitos gerou a ideia de igualdade cidadã, mas não necessariamente promoveu a
igualdade cidadã, uma vez que o Brasil, ao mesmo tempo em que é a sétima economia
mundial também é um pais com enormes disparidades sociais, com desigualdades
sociais muito intensas, nas palavras do professor Dourado (2011)30 um estado desigual e
combinado. Afirmou ainda Dourado (2011) que mudanças no campo da Educação
29
Os 8 povos reconhecidos até esse período e mobilizados nos movimentos sociais em Pernambuco eram:
Fulni-ô, Atikum, Xukuru, Pankararu, Pankará, Truká, Kambiwá e Kapinawá. Hoje são 12 povos.
30
O professor Luis Dourado fez essa afirmação na sua palestra proferida no Simpósio: Gestão da
Educação, Currículo e Inovação Pedagógica de 21 a 23.11.2011 na FAFIRE, promovido pela ANPAE,
UFPE E SE-PE.
89
também implicam em mudanças mais abrangentes na realidade social brasileira. Para
pensar a educação enquanto uma política pública de Estado é preciso avançar em outras
áreas, além de avançar no horizonte da educação para uma educação constitutiva e
constituinte das relações sociais mais amplas.
Apesar de estarmos diante de um governo estadual, que segundo declaração feita
por um dos conselheiros na reunião do CEEIN-PE de 22 de outubro de 2008 e
registrada em ata, é um governo que dialoga com a sociedade, também negligencia ou
demanda pouca atenção para as muitas das reivindicações dos povos indígenas que,
mensalmente, levam suas questões para as reuniões do CEEIN-PE.
Às Gerências Regionais de Ensino (GRE´s) não participam nas reuniões do
CEEIN-PE, apesar de serem as responsáveis pela concretização de grande parte das
ações governamentais para a execução da política pública volta à Educação Escolar
Indígena em Pernambuco.
Com o processo de estadualização, as GRE´s inicialmente ficaram com a
responsabilidade de apresentarem um diagnóstico, que a Técnica Educacional 2 chamou
de ‘radiografia’, da regularização documental das escolas indígenas existentes para
iniciar as ações de normatização. Essa movimentação faz parte do processo de
regulação estatal necessária à continuidade dos estudos e mobilidade dos estudantes
indígenas pelo Brasil, pois conforme declarado pela referida Técnica da GRE
Garanhuns:
“Então se hoje meu estudante é oitava série, um exemplo: e ele vai
para o primeiro ano, ele precisa ter concluído essa ficha dezoito né,
que é justamente o ensino fundamental, e sair com uma legalidade,
mas se ele termina e não tem isso, não existe essa legalidade, então o
que é que acontece, ele pode concluir até todos os cursos, mas não tem
validade para a sociedade, por quê? Porque precisa ter a regularização
oficializada.”
Os indígenas são cidadãos brasileiros de direitos como qualquer outro e
necessitam usufruir das oportunidades de estudo e trabalho existentes no País. Portanto,
em algumas situações precisam submeter-se aos trâmites das regulações legais. A
reivindicação dos povos indígenas em Pernambuco de que “Educação é um direito, mas
90
tem que ser do nosso jeito” é importante para validar o respeito aos aspectos
socioculturais de cada povo, porém são muitos os jeitos. Essa condição é plural porque
existem alguns jeitos que são do estado e que as escolas indígenas necessitam cumprir.
Outro exemplo é a participação nos programas governamentais federais como o
PDDE31, pois caso a escola não compreenda e se adéque à burocracia do processo,
como preenchimento de relatórios, prestação de contas, ela não participará dos referidos
programas mesmo que seu IDEB esteja baixo ou ficará sem receber novas verbas, caso
já esteja cadastrada.
Não podemos pensar em uma Educação Escolar Indígena tão genuinamente
indígena, posto que se observarmos pelo viés da interculturalidade veremos que o
histórico contato com os não-indígenas, bem como, com outros povos indígenas
favoreceu trocas, intercâmbios e aprendizagens que foram ressignificadas por cada
povo, portanto, a Educação Escolar Indígena no estado de Pernambuco existe e resiste
em espaço de fronteira, conforme Tassinari (2009), tão pouco podendo ser uma escola
regular 100% enquadrada no sistema educacional vigente, apesar de fazer parte dele.
As escolas indígenas fazem parte de uma imensa Rede ou Sistema Educacional
Estadual que possui certo grau de padronização de processos para conseguir funcionar,
no entanto, a SE-PE necessita elaborar normas específicas ou critérios para atender às
demandas dos povos indígenas e cumprir o compromisso assumido com uma Educação
Escolar Indígena específica e diferenciada, direito adquirido que precisa ser validado
pelo estado com o devido cuidado para, ao mesmo tempo, não intervir sobre a vontade
dos povos indígenas porque isso não é de sua competência, conforme adverte a
conselheira titular do Conselho Estadual de Educação quando da reunião do CEEIN-PE
no dia 09 de julho de 2010, deixando explícito o limite existente na atuação do estado
para atenção às demandas da Educação Escolar Indígena, limite este, estabelecido por
lei no Brasil e cuidadosamente acompanhado e observado pelos povos indígenas em
Pernambuco.
31
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola: Manutenção, Escolas de Fim de Semana “Escola
Aberta”, PDE-Escola e Educação Integral “Mais Educação”, cujo objetivo principal é contribuir para a
elevação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB por escola.
91
Nesse contexto de estadualização, em 2004 surgiu a Unidade de Educação
Escolar Indígena, criada por reivindicação dos povos indígenas em Pernambuco na IV
Conferência Estadual de Educação Escolar Indígena com a finalidade de desenvolver
atuação política de articulação dentro da SE-PE, segundo declaração do Presidente do
CEEIN-PE na reunião do dia 03 de maio de 2007 em meio ao debate após a
apresentação de inúmeras questões trazidas pelos povos indígenas presentes, a exemplo
de: precárias condições dos transportes escolares; tipo de veículo inadequado para a
realidade das estradas em algumas aldeias; burocracia para manutenção dos veículos;
importância dos motoristas contratados serem indígenas do próprio povo, pois assim
terão maior comprometimento; tempo necessário para realização das licitações do
estado não condiz com o calendário escolar; atrasos com as questões de pagamento de
professores; necessidade de construção de novas escolas para tender à demanda de
alunos; demora na efetivação da contratação/substituição de professores; ausência de
referência dentro da SE-PE para a resolução dos problemas decorrentes das escolas;
necessidade de maior atenção aos encaminhamentos e solicitações das GRE´s que vêm
acompanhadas do respaldo dos povos em questão e modelo de gestão das escolas
indígenas. Esses foram alguns dos problemas elencados em uma reunião, porém ainda
temos formação continuada de professores, matrículas, merenda escolar, fardamento,
material didático, dentre outros.
O processo de estadualização envolveu conflitos internos na própria Secretaria
de Educação. Aparentemente havia compreensões divergentes sobre as prioridades, o
que deve ter gerado conflitos entre a Unidade de Educação Escolar Indígena e as
Gerências Regionais geograficamente mais próximas da realidade das escolas indígenas,
conforme apresentado na afirmação da Técnica Educacional 2 da GRE Garanhuns:
“Aí com a estadualização houve a necessidade desse olhar para
educação indígena Fulni-ô. Justamente, nós fomos incumbidas dessa
missão nesse período. Foi uma trabalhada assim, muito forte, porque,
nós tivemos que fazer várias visitas, nós estivemos lá, nós percebemos
algumas dificuldades. É. Existiu assim, uma, existia certas limitações,
porque na verdade, a unidade lá de Recife da educação indígena se
preocupou muito com essa questão do acompanhamento a eles de
formação, de tentar o currículo intercultural, mas não adianta se
pensar num currículo, se a estrutura de funcionamento das instituições
escolares não estiverem já num processo avançado, porque você pode
92
sair na situação de investir e dar um tiro assim, pela culatra como diz
né?”
Possivelmente uma Unidade de Educação Escolar Indígena sem autonomia e
poder de decisão, subordinada a uma Gerência de atuação tão ampla como a de Políticas
Educacionais de Direitos Humanos não suporte a complexidade e ao mesmo tempo
especificidade que envolve a Educação Escolar Indígena em Pernambuco.
Provavelmente, para serem solucionados, os problemas elencados pelos povos indígenas
na reunião citada necessitem da atenção de uma diversidade de setores da Secretaria de
Educação que não estão necessariamente lotados na Gerência de Políticas Educacionais
de Direitos Humanos.
De acordo com as informações32 postadas no site da Unidade de Educação
Escolar Indígena da SE-PE sua equipe é composta por uma coordenadora, seis técnicos
e um apoio administrativo para responder a diversidade de situações e problemas
atendendo doze povos indígenas habitantes em quatorze municípios: Águas Belas,
Salgueiro, Ibimirim, Pesqueira, Buíque, Tupanatinga, Carnaubeira da Penha,
Petrolândia, Jatobá, Tacaratu, Floresta, Cabrobó, Inajá e Poção.
Diante do panorama apresentado referente à Educação Escolar Indígena em
Pernambuco compreendemos que tanto a COPIPE quanto o CEEIN-PE são ricas
possibilidades de espaço-lugar e de promoção da interculturalidade em função dos
embates e aprendizagens decorrentes, tanto quanto, neles encontramos o sentido das
astúcias dos usuários/consumidores da política pública voltada para Educação Escolar
Indígena, entendendo que se constituem nas táticas para enfrentamento das estratégias
do poder. Conforme defendeu Certeau (2009, p. 40) nos modos de proceder da
criatividade estão os procedimentos populares (também minúsculos e cotidianos) que
jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para
alterá-los.
32
Informações postadas no site http://ueei-ueei.blogspot.com/p/contato.html acesso em 19.01.2012
93
Enfim, maneiras de fazer formam a contrapartida do lado dos consumidores dos
processos que organizam a ordenação sociopolítica. Dessa forma, também
compreendemos a afirmação do referido autor de que “os modos de proceder e as
astúcias de consumidores compõem, no limite, a rede de uma antidisciplina”. De um
lado a COPIPE que se constitui em lugar indígena de encontros, diálogos e
enfrentamentos entre os povos em suas aldeias contando com a presença de convidados
indigenistas ou representantes de ONG´s. De outro, o CEEIN-PE que em sua formação
já pressupõe uma organização de poder no diálogo em função da lógica de constituição
paritária: a cada povo representado no Conselho, deve corresponder um conselheiro
não-indígena civil ou do estado com reuniões públicas e abertas a qualquer cidadão que
poderá assistir e aprender sobre povos indígenas, políticas públicas, movimentos
sociais, relações com o estado e educação escolar.
3.1.2 COPIPE: diálogos entre os povos indígenas e resoluções de problemas
comuns ligados à Educação Escolar Indígena em Pernambuco
A Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco – COPIPE foi fundada
em novembro de 1999 no I Encontro de Professores/a Indígenas do Estado de
Pernambuco, fruto do diálogo interétnico desenvolvido entre os povos indígenas na
busca por condições políticas e materiais, bem como soluções para problemas comuns
e/ou específicos relativos à Educação Escolar Indígena. Esse encontro pioneiro foi
realizado na Aldeia Pé de Serra do povo Xukuru do Ororubá, localizada na cidade de
Pesqueira, interior de Pernambuco.
Os encontros da COPIPE são chamados pelos indígenas de ‘Encontrões’ em
função do número de professores presentes, em média 600 indígenas e da duração de 3
dias de cada encontro. A sua organização é feita baseada no princípio de união e
solidariedade entre os povos, pois tudo começa com a soma dos recursos alimentícios e
materiais necessários a realização das reuniões de forma que cada povo fica responsável
por algum mantimento. Cada encontro é realizado em uma aldeia e povo diferente
94
contemplando todos os povos e nesses momentos eles compartilham problemas, ideias,
soluções o que também favorece um maior conhecimento entre si, suas histórias,
aspectos socioculturais de cada povo, possibilitando a ampliação de seus conhecimentos
e saberes tradicionais.
Ao analisarmos a história dos movimentos de professores indígenas no Brasil,
nos deparamos com semelhante situação vivenciada desde 1988 pelos Professores
Indígenas da Região Amazônica, quando houve o seu primeiro encontro. Esses
encontros se constituíram em momentos decisivos para fortalecer as diferentes
iniciativas, propor alternativas comuns, elaborar políticas públicas condizentes com as
necessidades da Educação Escolar Indígena, além de “possibilitar articulações culturais
e políticas, trocas de experiências e conhecimentos” (SILVA, 2000, p. 37) entre os
povos indígenas, fortalecendo suas identidades étnicas e construindo táticas, na visão
certoriana, necessárias para estabelecer melhor relacionamento com a sociedade nãoindígena e, especialmente, com o estado.
Barbalho (2007, p. 258) ao tratar sobre a COPIPE defendeu que
Desde o início, entre seus membros, havia substancial clareza que o
Estado brasileiro, apesar de incorporar uma legislação importante com
relação à aceitação das formas próprias de organização social, política
e cultural, na prática, ainda profundas incongruências aconteciam
constantemente. Compreendia-se que somente o respaldo legal não
assegurava a efetivação de seus direitos.
Portanto, era fundamental ultrapassar os artifícios da política indigenista para
iniciar e garantir a continuidade do percurso de articulação e pressão política na
execução das políticas públicas existentes que lhes garantem direitos, bem como nas
proposições para a construção de novas políticas baseadas em suas demandas. Era
preciso fazer-se forte para fazer-se ouvir.
Ainda segundo Barbalho (2007) os professores indígenas realizaram o I
Encontro motivados pela necessidade de regulamentar no estado de Pernambuco a
oferta de Educação Escolar Indígena específica, diferenciada e intercultural. Para tanto,
realizam um diagnóstico dos problemas comuns e analisam os empecilhos e
dificuldades decorrentes da ausência de uma política pública estadual voltada para a
95
Educação Escolar Indígena Específica, Diferenciada e Intercultural e do não
cumprimento por parte do Estado de Pernambuco referente aos seus direitos
constitucionalmente conquistados.
Após 12 anos de organização e mobilização, tentamos captar e compreender os
conteúdos dos diálogos interétnicos desenvolvidos pelos povos indígenas em
Pernambuco por meio dos ‘encontrões’. Para tanto, nos baseamos no estudo de
Barbalho (2007) que traz informações sobre os primeiros 17 Encontrões da COPIPE,
nos estudos e convivências concretizadas ao longo do mestrado. Nessa análise,
inicialmente percebemos que o movimento da COPIPE também se constitui de
momentos de estudos e aprofundamentos sobre as políticas públicas voltadas para
Educação Escolar Indígena em âmbito local e global, pois no 1º Encontro os professores
indígenas analisaram o Parecer 14/99 do CNE buscando identificar limites, desafios e
possibilidades e criaram a COPIPE.
A partir do 2º Encontro, esses momentos foram realizados duas vezes ao ano.
Nesse encontro realizado na Aldeia São José do povo Xukuru em de março de 2000, a
COPIPE aprimorou coletivamente sua compreensão sobre o Parecer 14/99 e refletiu
sobre os problemas e dificuldades oriundos da Secretaria de Educação de PernambucoSE-PE.
O 3º Encontro foi realizado na Aldeia Grande do povo Fulni-ô em agosto de
2000 e discutiu sobre as questões que envolviam as propostas de Municipalização,
Estadualização e Federalização da Educação Escolar Indígena, discussão esta que
acontecia em âmbito local (Pernambuco) e global (no Brasil). O 4° Encontro aconteceu
em dezembro de 2000 na Aldeia Sede do povo Truká que estava vivendo o seu processo
de retomada de terras, portanto, além de aprofundarem as discussões sobre o processo
de estadualização da Educação Escolar Indígena perceberam a articulação desta com as
necessidades decorrentes das dificuldades cotidianas de cada povo tentando
compreender como ser professor/a indígena nessa conjuntura.
O 5º Encontro se concretizou na Aldeia Brejo dos Padres do povo Pankararu em
junho de 2001 e o debate girou em torno do Sistema Educacional Brasileiro tentando
96
localizar a Educação Escolar Indígena diferenciada nesse contexto, fortalecer a
autonomia dos povos e visualizar a escola indígena que se quer. Também compuseram a
pauta de debates a discussão sobre distrito, federalização e a própria COPIPE enquanto
movimento e articulação.
Em dezembro de 2001 foi realizado o 6º Encontro na Serra do Umã do povo
Atikum cujo objetivo maior foi avaliação e fortalecimento do movimento, pensando nas
diferentes formas de organização e refletindo sobre avanços e dificuldades decorrentes
do processo de mobilização, além da construção de calendários interétnicos e
organização de um currículo intercultural diferenciado. Nesse sentido, enquanto o
estado brasileiro pensa sobre o que e como fazer Educação Escolar Indígena, os povos
indígenas em Pernambuco pensam e constroem-na coletivamente.
No momento em que aconteceu o 7º Encontro na Aldeia Baixa da Alexandria do
povo Kambiwá em junho de 2002, a COPIPE estava mais fortalecida e os povos
indígenas afirmavam querer “eliminar os muitos patrões (prefeituras)” para assim ter
maior objetividade tendo um foco de pressão que seria o governo do estado. Dessa
forma em agosto de 2002 o Decreto nº 24.628 estadualiza a Educação Escolar Indígena
em Pernambuco e provavelmente esse fato tenha comprovado a força do movimento dos
povos indígenas em Pernambuco por meio da COPIPE, que se articula com as
discussões e debates mais amplos da sociedade.
No momento de realização do 8º Encontro em novembro de 2002 o processo de
estadualização era recente. Esse encontro foi realizado na Aldeia Mina Grande do povo
Kapiawá e os debates levaram à reflexão sobre o lugar da COPIPE nesse novo contexto
e a compreensão de que a estadualização não significava conclusão das mobilizações,
mas ao contrário, estava somente começando. Essa nos parece uma lucidez na
compreensão sobre política pública que não se concretiza apenas pela existência das
legislações. É preciso continuar atento e seguir em frente com o movimento.
Conforme declarado pela Técnica Educacional 1 que o caos havia sido
estadualizado, nesse momento de transição não houve muito engajamento da SE-PE e a
autonomia das escolas era foco de embates e enfrentamentos, bem como o sucateamento
97
feito pelos municípios às escolas indígenas deixaram-nas em um processo de carência
generalizada sobre a atenção do estado. Os/as Professores/as indígenas decidiram
ocupar o seu lugar e fazer dessa escola uma escola que atendesse as suas reivindicações,
uma escola indígena. Era preciso tomar as rédeas do processo de estadualização e dizer
como queriam a sua Educação Escolar.
Antecedendo ao 9º Encontro houve um estudo teórico sobre a educação
enquanto mercadoria e os professores/a indígenas começam a compreender que política
pública não é algo causal que corre à revelia, mas fruto de ação planejada e organizada e
que por mais autonomia que os povos indígenas possam alcançar há uma lógica de
mercado envolvendo a Educação Escolar Indígena que deve ser executada pelo estado
de Pernambuco, portanto está subordinada a um sistema. Diante disso esse 9º Encontro
que se efetivou na Aldeia Travessão do Ouro do povo Pipipã em maio de 2003,
discorreu sobre cinco problemas centrais das escolas indígenas que estão imbricadas no
processo de estadualização: mecanismos de gestão, valorização do educador,
financiamento da educação, proposta pedagógica e rede física.
O 10º Encontro aconteceu na Aldeia Saco dos Barros do povo Pankararu em
outubro de 2003, onde foi realizada uma avaliação sobre as ações desenvolvidas ou não
pela SE-PE no que se refere a definição de escola indígena, procurando aprimorar seu
próprio entendimento sobre esse tema que estava sendo debatido nacionalmente.
NA Aldeia Caatinga Grande do povo Truká em junho de 2004 após dois anos do
processo de estadualização foi realizado o 11º Encontro debatendo sobre terra, saúde e
educação de qualidade para os povos indígenas. Analisando os limites para a
concretização da política de Educação Escolar Indígena pleiteada pelos povos indígenas
em Pernambuco e os avanços alcançados como: os professores indígenas por meio de
seu principal interlocutor, a COPIPE, dando a direção para o processo de
estadualização; Projetos Políticos Pedagógicos e materiais próprios elaborados;
exigência de contratação exclusiva de professores e funcionários indígenas para as
escolas, o que inicialmente foi encarado com certa desconfiança pelo estado, mas
atendida ao final; cada povo e suas lideranças passaram a discutir sobre Educação
Escolar Indígena, dentre outros.
98
Em 2004 o povo Xukuru estava passando por um processo de criminalização de
suas lideranças e esse foi o tema central das discussões tanto do 12º Encontro da
COPIPE realizado na Aldeia Vila de Cimbres do povo Xukuru em novembro daquele
ano, quanto do 1º Encontro de Professores Indígenas Leste/Nordeste que o antecedeu.
O foco do 13º Encontro que aconteceu na Aldeia Brejinho do povo Pankará em
junho de 2005, foi a elaboração de táticas criativas de enfrentamento na relação com o
estado, além de dialogar sobre Educação Física, Arte, Educação Infantil e Educação de
Jovens e Adultos traçando os devidos encaminhamentos. Também houve reflexão sobre
a IV Conferência Estadual e CEEIN-PE que será criado em 2006. Não há coincidência,
e sim mobilizações focadas em torno das reivindicações.
O 14º Encontro realizado em novembro de 2005 na Aldeia Mulungu do povo
Atikum, aprofundou o debate referente ao decreto que tratou sobre a criação da
categoria escola indígena dando uma direção propositiva regional para o tema e avaliou
as táticas utilizadas pela COPIPE para relacionar-se com a SE-PE.
Os problemas dos povos indígenas em Pernambuco referentes à demarcação de
terras, conflitos externos, saúde indígena, merenda escolar e currículo diferenciado
foram os temas debatidos no 15º Encontro que se efetivou na Aldeia Mina Grande do
povo Kapinawá em junho de 2006, somados a socialização das experiências de
Educação Escolar Indígena Intercultural vivenciadas entre os povos indígenas em
Pernambuco. Também foram contempladas discussões referentes as formas de gestão
escolar e a presença da APOINME nas áreas.
Em meio a esse processo Pernambuco vivenciava novas eleições para
governador e o novo dirigente estadual prometia maior de diálogo com os povos
indígenas assume seu primeiro mandato em 1º de janeiro de 2007.
O 16º encontro foi realizado logo em seguida em março de 2007 na Aldeia Brejo
dos Padres do povo Pankararu. As discussões giraram em torno dos escândalos políticos
no Brasil, a estagnação da política de Educação Escolar Indígena em Pernambuco no
governo anterior, Sistema Educacional Brasileiro e abriram espaço para socialização de
experiências relacionadas ao currículo e calendário intercultural existentes entre os
99
povos presentes no encontro. Nesse momento a COPIPE estava com esperanças no atual
governo que vinha demonstrando maior flexibilidade e abertura ao diálogo.
Quando em setembro de 2007 aconteceu o 17º Encontro realizado na Aldeia Vila
de Cimbres do povo Xukuru, os/as professores/as indígenas atuantes por meio da
COPIPE estavam vivenciando o mesmo processo de descrença que aconteceu em
relação ao governo estadual anterior, em função das negociações que vinham
acontecendo há meses sem resultado efetivo. A reflexão foi conduzida para a discussão
sobre o Estatuto dos Povos Indígenas que encontrava-se em tramitação no Congresso
Nacional, a Transposição do Rio São Francisco que afetaria comunidades indígenas e o
curso de Licenciatura Intercultural que estava previsto para iniciar em 2008 na UFPE,
campus Caruaru.
Não tivemos acesso às informações dos encontrões realizados nos anos de 2008,
2009, 2010 e 1º semestre de 2011 (18º ao 24º), no entanto, segundo Leal (2011) o 25º
Encontro realizado na Aldeia Saco dos Barros do povo Pankararu em novembro de
2011 reuniu 600 indígenas de 11 etniais com o objetivo de discutir e fortalecer a
identidade indígena por meio da religião em sala de aula. O tema do encontrão foi
“Educação e Toré: as forças encantadas à frente do movimento” e os debates ocorreram
em torno da importância de ensinar as religiões indígenas na escola, quem deve ensinar
e como deve ser ensinado, os aspectos metodológicos de um conteúdo que não poderá
ser ensinado por qualquer indígena do povo. O tema possibilitou a formação de uma
mesa composta por caciques, pajés e demais lideranças das etniais que trataram sobre a
importância do Toré na luta pelo reconhecimento, pela demarcação das terras e pela
Educação Escolar Indígena específica e diferenciada, além de contar com momentos de
socialização sobre o que fazem nas escolas, referente ao tema religião indígena.
De acordo com professores/as, presentes ao 25º encontrão, eles/a têm enfrentado
dificuldades para debater o tema religião com a SE-PE. Mais uma vez podemos estar
diante de uma situação de ausência de respeito a essa Educação Escolar indígena
específica, diferenciada e intercultural que, na visão do estado ‘precisa se enquadrar no
sistema’, significando ser uma escola laica, uma vez que é do estado porque se fosse
100
específica e, portanto, diferenciada por meio da execução da política pública pelo
estado, poderia trabalhar a religiosidade de seu povo por decisão dele mesmo.
Possivelmente os povos indígenas por meio da COPIPE estejam concretizando o
que consta em nosso referencial teórico e que Boto (2005) defendeu chamando de
terceira geração de direitos educacionais passando pela tolerância que possibilita o
encontro entre culturas que se faz e se refaz constantemente a partir da convivência e
partilha renovada entre diferentes nações, povos, comunidades, grupos sociais, pessoas.
Acreditamos que os encontrões da COPIPE se efetivem enquanto lugar de promoção da
interculturalidade entre os povos indígenas em Pernambuco, pessoas e instituições e
assessorias que participem com eles de situações de diálogos, embates, trocas de
experiências, conhecimentos e saberes.
É preciso sair de um nível de participação de discussão para um nível de
proposição de política pública, saindo do horizonte de políticas governamentais que
continuarão existindo, pois é o que vai marcar cada governo, mas tentando uma
dinâmica de planejamento que seja o mais abrangente possível de modo a estar em
sintonia com as demandas sociais de diferentes pessoas ou grupos, o que implica em
democratizar também a construção de políticas educacionais que sejam políticas de
estado (DOURADO, 2011). Parece-nos que a COPIPE tem avançado nesse nível de
participação de proposição de política pública, porém enfrentando muitos embates nessa
mobilização em prol da construção de uma Educação Escolar Indígena específica,
diferenciada e intercultural no estado de Pernambuco.
Outro lugar que os povos indígenas em Pernambuco tentam se apropriar e
ocupar para estabelecer diálogos com a sociedade não-indígena governamental ou não e
fazer valer os seus direitos constitucionais é o Conselho de Educação Escolar Indígena
de Pernambuco que analisaremos a seguir.
101
3.1.3 Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco: diálogos
possíveis entre os povos indígenas, Estado, indigenistas e Sociedade Civil
O Conselho de Educação Escolar Indígena – CEEIN-PE foi criado pela Lei
13.071, de 18 de julho de 2006 e regulamentado pelo Decreto 31.644 de 08 de abril de
2008 estando vinculado à Secretaria de Educação de Pernambuco. A sua função
primordial é de órgão consultivo e deliberativo e de assessoramento técnico sobre as
matérias relativas às ações e projetos de educação escolar desenvolvidos junto aos
povos indígenas em Pernambuco, sendo assegurado seu caráter público, sua constituição
paritária e democrática e sua autonomia administrativa, segundo registrado pelo referido
Decreto.
Na composição do CEEIN-PE33 prevista pelo Decreto Lei que o regulamenta,
estão presentes os princípios de democracia e interculturalidade, uma vez que suas
reuniões devem ser constituídas pela presença oficial de vinte e quatro conselheiros e
seus respectivos suplentes: 50% (cinqüenta por cento) destes devem ser representantes
dos povos indígenas em Pernambuco, portanto, 1 (uma) representação de cada povo
com seu suplente, outras 2 (duas) cadeiras do Conselho devem ser preenchidas pela
Comissão dos Professores Indígenas do Estado de Pernambuco – COPIPE e pela
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo – APOINME, perfazendo um total de 12 (doze) vagas no Conselho, considerando
que em 2006 haviam 10 (dez) povos indígenas reconhecidos, porém hoje são 12 (doze)
povos.
Dessa forma o CEEIN-PE, atualmente, deve ser formado por 28 (vinte e oito)
conselheiros, dentre os quais 14 (quatorze) são representantes dos povos indígenas,
abrindo mais duas vagas para não-indígenas representantes de outras instituições não
contempladas no início de sua constituição. Em reunião do Pleno no dia 22 de fevereiro
33
Tivemos acesso a todas as atas das reuniões do CEEIN-PE referentes aos anos de 2007 a 2011,
adquiridas de maneira informal com um representante do Conselho que, aceitou contribuir com a nossa
pesquisa.
102
de 2011, foram indicadas e aprovadas como novos membros para o CEEIN-PE, a
Universidade Federal Rural de Pernambuco e Assembléia Legislativa de Pernambuco –
ALEPE para ocuparem assentos enquanto representantes do Conselho.
Ainda de acordo com o Decreto 31.644/2008 os outros 50% (cinqüenta por
cento), ou seja, as 12 (doze) vagas restantes devem ser preenchidas por órgãos públicos,
universidades, sindicato e instituições indigenistas, conforme segue: 02 (dois)
representantes da Secretaria de Educação; 01 (um) representante da Secretaria da
Fazenda; 01 (um) representante da Secretaria de Planejamento e Gestão; 01 (um)
representante da Secretaria de Administração; 01 (um) membro do Conselho Estadual
de Educação; 01 (um) membro da Fundação Nacional do Índio – FUNAI; 01 (um)
membro da Universidade de Pernambuco – UPE; 01 (um) membro da Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE; 01 (um) membro do Centro de Cultura Luís Freire –
CCLF; 01 (um) membro do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco
– SINTEPE; 01 (um) membro do Conselho Indigenista Missionário – CIMI-NE.
Imaginemos a riqueza de conhecimentos, saberes e práticas dialogando e
convivendo em um lugar focado na ideia de parceria e criado para assumir, dentre as
suas competências: a formulação da Política Estadual de Educação Escolar Indígena em
conjunto com a Secretaria de Educação; deliberação, acompanhamento, fiscalização e
avaliação das políticas, programas e ações que visem à promoção da Educação Escolar
Indígena em todos os níveis e modalidades de ensino, inclusive de formação inicial e
continuada de professores, bem como o desempenho pedagógico das unidades
escolares, considerando ainda a sua articulação com as entidades e órgãos responsáveis
pela Política Nacional de Educação Escolar Indígena.
Assim está escrito na legislação, embora a prática registrada por meio das atas
das reuniões do CEEIN-PE demonstre pouco comprometimento de algumas instituições
e órgãos governamentais com esse processo.
Inicialmente foi realizada uma reunião em maio de 2007 e outra em outubro de
2008, quando os conselheiros decidiram estabelecer a realização de reuniões mensais
em função das demandas sobre Educação Escolar Indígena em Pernambuco. O CEEIN-
103
PE iniciou suas atividades sem estrutura alguma para seu devido funcionamento, nem
mesmo um local para realização de suas reuniões, uma vez que a primeira reunião no
dia 03.05.2007 foi realizada no Gabinete do Secretário de Educação que fez a abertura,
tendo que ausentar-se por motivos superiores. Em 5 (cinco) anos de atuação do CEEINPE essa foi uma das poucas vezes que um Secretário de Educação compareceu às suas
reuniões, aliás, a reunião é que ocorreu em seu ambiente de trabalho.
Dois anos após iniciadas as atividades do referido Conselho o Presidente
(indígena do povo Xucuru) compartilhava sua ‘angústia’ em função das indefinições
relativas ao orçamento e estrutura para seu funcionamento: local, telefone, computador,
pessoa para manter a comunicação entre os conselheiros e organizar as questões
administrativas. Angústia tem sido uma palavra proferida pelo Presidente do Conselho
em algumas reuniões, também registrada em função do esvaziamento da presença dos
conselheiros não-indígenas que inviabiliza a tomada de decisão por falta de quórum. A
representação da Secretaria de Educação tem estado em evidência nesse aspecto, apesar
das reuniões serem realizadas em suas instalações. A reunião de 06 de maio de 2009 foi
encerrada em função da saída de seus representantes, ou seja, por falta de quórum foi
inviabilizada.
Além dos problemas apontados encontramos outros: atrasos dos representantes
de algumas instituições não-indígenas acarretando em início das reuniões às 10:00 ou
11:00 da manhã quando a previsão era as 09:00; atas contendo erros quando envolve
questões indígenas diretamente, a exemplo dos nomes de suas escolas e outros termos
que envolvem a causa indígena, como integração de posse quando o correto é
reintegração de posse; conselheiros não-indígenas com total desconhecimento sobre os
povos indígenas, suas demandas e mobilizações; esvaziamento das reuniões pelos nãoindígenas após o almoço tornando o trabalho da tarde um momento apenas para
informes; elaboração de pautas e mudanças nas reuniões sem prévia comunicação ao
Presidente do Conselho; os indígenas não recebem os recursos para seus deslocamentos
com antecedência; problemas de comunicação aos conselheiros.
Houve também problemas de comunicação interna na SE-PE quando da saída do
Vice-Presidente do Conselho que não foi oficialmente comunicada aos conselheiros e
104
na 4ª (quarta) reunião do Pleno às 11:40 entra a Gerente de Políticas Educacionais de
Direitos Humanos que até o momento não havia participado de nenhuma reunião,
afirmando que está assumindo a vaga do Vice-Presidente do CEEIN-PE. Nesse
momento o Presidente informou que o Vice-Presidente tinha lhe informado que a
Coordenadora da Unidade de Educação Escolar Indígena seria sua substituta, porém
declarou que não poderia ser dessa forma, pois o Vice-Presidente tem sua suplente. A
decisão então foi de que a vaga de Vice-Presidente deveria ser publicada e preenchida
por meio de portaria. Nesse momento parece que os povos indígenas conhecem os
trâmites burocráticos do processo mais do que os representantes da SE-PE. A fala do
Presidente do Conselho proferida na 2ª reunião do Pleno é bastante significativa sobre
esse processo “não iremos polemizar a arrumação da casa para a Educação Escolar
Indígena, mas precisamos manter as reuniões para ter nossa autonomia respeitada. A
gente se dispõe a vir aqui, mas a coordenação não pode passar por cima como nos
governos passados”. (PRESIDENTE DO CEEIN-PE, 22.10.2008).
Mesmo diante das adversidades os povos indígenas em Pernambuco têm
conseguido estabelecer diálogos com a sociedade brasileira, por meio das reuniões do
CEEIN-PE, apresentando seus problemas, dificuldades e conflitos e tentando de forma
coletiva encontrar algumas saídas como a sugestão para realização de formação dos
conselheiros cuja finalidade é de que compreendam e aprendam a lidar com as questões
indígenas.
Dialogaram também sobre reintegração de posse de terras indígenas invadidas;
estrutura e funcionamento do Curso de Licenciatura Intercultural; Plano de Trabalho
Anual; Conferências Nacionais e Regionais de Educação Escolar Indígena; formação
continuada de professores; concurso para professores indígenas; seminário sobre a
criação da categoria professor indígena em Pernambuco; Termo de Ajuste de Conduta
celebrado com o Ministério Público referente às contratações de professores; jogos para
indígenas; Educação Infantil Indígena; aprovaram a proposta para regularização da
Categoria Professor Indígena; constituíram comissões e grupos de estudo sobre
concursos realizados em outros estados brasileiros, a exemplo, do Amapá e sobre a
Instrução Normativa para as escolas indígenas; inserção de arte indígena e música no
currículo escolar; Plano de Cargos e Carreira da SE-PE; necessidade de regularização da
105
situação dos professores de Arte Indígena; eleição para Presidente e Vice-Presidente do
CEEIN-PE.
Faz-se necessário que a interculturalidade alcance o nível estrutural, adentrando
e transformando as instituições e estruturas que constituem todo o edifício social,
conforme apresentado por Albó (2005, p. 52): “É preciso que as instituições estejam
estruturadas de tal forma que reflitam e, ao mesmo tempo, facilitem as relações
positivas entre os diversos grupos” sociais. Esse deveria ser o papel do estado na relação
com os povos indígenas em Pernambuco. Papel desempenhado com base no respeito às
diferenças. O Brasil nunca foi singular. Até mesmo antes de ser Brasil já era plural pela
diversidade de etnias existentes e línguas faladas por essas terras que sem perguntarem
o seu nome lhe chamaram de Brasil. São atualmente doze povos indígenas em
Pernambuco, todos iguais em direitos e etnicamente diferentes, desfrutando do direito
constitucionalmente garantido de ser diferente.
106
CAPÍTULO IV
O COTIDIANO DE UMA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
FULNI-Ô: IMPASSES E POSSIBILIDADES
4.1 Ser Fulni-ô: a Educação começa mesmo é no Ouricuri
O Ouricuri, que segundo os Fulni-ô, significa em Yaathe ‘a cabeça do lugar’ é o
centro religioso Fulni-ô onde se configura a afirmação da identidade Fulni-ô. A religião
do povo Fulni-ô exerce forte influência na determinação de suas relações internas e
externas. Dantas (2010) ao tratar sobre a questão do Ouricuri concluiu que era um ritual
de reclusão religiosa e completamente proibido para não-índios e outros índios que não
os Carnijó, e que hoje continua sendo praticado pelos Fulni-ô.
Barbalho (2003, p. 184) defendeu que o Ouricuri é mais que o lugar de
revitalização e socialização da prática e/ou lugar de afirmação do povo Fulni-ô, uma vez
que é também a própria aldeia na maior acepção dessa palavra. “O Ouricuri é o lugar
somente dos Fulni-ô [...] não se permite a presença de estranhos no local nos meses de
reclusão” e constitui-se também em sua religião secreta, bem como no aspecto central
da singularidade desse povo, em seu mundo sociocultural e estranho ao habitante nãoindígena local.
O povo Fulni-ô, anualmente, passa três meses reclusos, no Ouricuri (setembro,
outubro e novembro). Os indígenas que vivem e trabalham em outros estados do Brasil
vêm para vivenciarem esse ritual sagrado. O início da reclusão dos Fulni-ô no Ouricuri
é realizado mediante a celebração de uma missa campal pelo Bispo da Diocese de
Garanhuns ou pelo pároco de Águas Belas, com cânticos traduzidos para o Yaathe e
contando com a participação de uma maioria não-indígena, uma vez que é o único
momento em que podem entrar na área indígena onde se localiza o Ouricuri e
permanecer até as quatorze horas. Ao meio-dia já se percebe um esvaziamento34.
34
O esvaziamento da Aldeia do Ouricuri pelos não-indígenas acontece em função do medo de que os
Fulni-ô irão cozinhar ou assar os não-indígenas que permanecerem por mais tempo após às 14h. É comum
dizerem uns para os outros, baixinho, quase sussurrando: “Vai ficar? Já são 12h. É melhor a gente ir... ou
107
É possível pensar no Ouricuri enquanto “a grande escola’ onde se aprende a SER
FULNI-Ô. Para se auto-identificar e ser reconhecido pelo povo enquanto indígena
Fulni-ô é preciso passar pelo batismo no Ouricuri, frequentando o ritual desde o
nascimento.
Existem
aprendizagens
fundamentais
sobre
os
antepassados,
a
religiosidade, valores, rituais, tradições, aspectos étnicos Fulni-ô que, de acordo com
alguns professores/as do povo Fulni-ô, são vivenciadas no Ouricuri.
Foto 7: Ouricuri desde o nascimento. Agosto de 2010.
A aprendizagem é vida vivida no Ouricuri. As casas são todas iguais. É lá onde
todos os Fulni-ô se afirmam iguais, onde é possível entrar em contato com uma
indianidade Fulni-ô, tomar grandes decisões, resolver conflitos internos e se fortalecer
para viver mais nove meses de contato com os não-indígenas. Dentre as expressões
socioculturais afirmadas no Ouricuri, encontram-se o cultivo e uso de uma diversidade
de plantas medicinais.
vai querer ser comido pelos Fulni-ô?” “Eles já estão te olhando... fica bichinho...eles vão te cozinhar”.
Falam isso sorrindo em tom de brincadeira, mas não ousam permanecer além desse horário.
108
No Ouricuri existe também o juazeiro sagrado, árvore localizada no centro do
espaço dos alpendres onde dormem os homens desde que nascem. Nas casas só dormem
as mulheres, em esteiras, papelões, se não todos os Fulni-ô, mas a maioria parece dormir
no chão, segundo informações obtidas por meio de conversas informais com o pessoal
da merenda e da limpeza escolar. Essa relação entre si, com a terra, com o outro, a
Natureza e com o divino é a prática desses três meses. Findo os três meses de reclusão
no Ouricuri se inicia a preparação para a volta, conforme declarado pelo professor L que
é membro da liderança Fulni-ô. Existem rituais preparatórios para o próximo período de
reclusão/retiro que são vividos pelos Fulni-ô em suas aldeias.
Foto 8: As casas são todas iguais. Agosto de 2010
109
Foto 9: No Ouricuri não tem água encanada nem banheiros. Agosto de 2010
Foto10: No Ouricuri não tem luz elétrica. Agosto de 2010
110
Foto11: Juazeiro Sagrado e alpendres onde os homens dormem. Agosto de 2010.
Foto12: Criança/Menino saindo do alpendre onde os homens dormem. Agosto de 2010.
111
Ouricuri é um espaço de muitas orações durante o ano inteiro. Possivelmente, na
compreensão desse povo não se aprende a SER FULNI-Ô sem contato com os seus
desde que nasce, e talvez por isso mesmo, SER FULNI-Ô esteja acima das relações de
parentesco ou amizade, conforme defesa feita pela professora F: “Tem gente que tem o
valor maior do que a nossa família que são as nossas lideranças Cacique e Pajé. Eles são
acima de tudo, de família, de pai, de mãe, de tudo, passados na nossa religião”. Esse
processo educacional que começa com o nascimento tem continuidade pela vida inteira
e é por isso que os Fulni-ô vêm para o ritual do Ouricuri anualmente, estejam onde
estiverem.
Vimos a necessidade de fazermos referência ao lugar e ao ritual Ouricuri, pelo
fato de percebermos que o processo educacional Fulni-ô, apresenta suas especificidades.
Todavia como as demais sociedades, não se limita apenas ao espaço escolar. A
educação Fulni-ô, antecede a educação escolar e ocorre em todos os espaços de
sociabilidade, situação essa que é respaldada pela LDB 9394/96 na Seção III que se
refere ao Ensino Fundamental, Artigo 32 e parágrafo 3º ao assegurar que: “o ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades
indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.
No entanto, as aprendizagens socioculturais decorrentes dos processos próprios
vivenciados em função de seu ritual de três meses reclusos no Ouricuri não são
consideradas pelo Estado no momento dos cálculos dos 200 dias letivos. As
aprendizagens consideradas para efeito do cálculo desse período são aquelas
formalmente decorrentes dos espaços intramuros escolares.
Na entrevista com o Pajé, realizada na Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, onde o mesmo leciona aulas de Língua Materna, ao perguntar se as
crianças aprendiam a cultura Fulni-ô na escola ou onde elas aprendiam-na, obtivemos a
seguinte resposta: “A cultura Fulni-ô é vivenciada no dia-a-dia, é a nossa realidade”.
Apesar dessa compreensão, os Fulni-ô valoriza e reconhece a importância da escola,
conforme advertiu o Pajé ao final da entrevista sobre o que espera da Educação Escolar
Indígena:
112
“espero assim que, não dizendo que não cumpram, né, mas eu espero
que toda a comunidade escolar cumpra com os seus deveres, se eu sou
funcionário que eu cumpra bem a minha obrigação, o aluno também,
pra se preparar nos conhecimentos que nós índios temos que correr
atrás de adquirir dos conhecimentos na sociedade não índia porque
como Pajé eu espero ver nosso povo, índio ocupando qualquer espaço
na sociedade branca, mas também nunca deixando de lado o que é de
mais importante, toda a nossa cultura, especialmente, a nossa religião,
o Ouricuri.”
Observa-se
nessa fala que, há uma valorização do processo de escolarização,
todavia, destaca-se a prioridade atribuída às expressões socioculturais do referido povo.
Essa prioridade vê-se presente nas escolas Fulni-ô, a exemplo de uma encenação
apresentada pelas crianças, alunos e alunas do 5º ano do turno da manhã, que
generosamente dançaram algumas cafurnas na sala de aula para que assistíssemos. Ao
término da apresentação, tivemos oportunidade de perguntar o que havia acontecido ali,
e elas nos informaram que tinham praticado danças chamadas cafurnas que fazem parte
de seus rituais. Soubemos ainda que existem várias cafurnas, uma para cada situação ou
necessidade. Falaram os nomes das cafurnas em Yaathe e os objetivos daquelas que
haviam dançado. Nesse momento provocativamente, indagamos onde haviam aprendido
tudo aquilo. Esperávamos ouvir como resposta: “na escola”, entretanto, a afirmação
ouvida foi bem simples: “com os mais véi. A gente pergunta, eles ensina e ai a gente
aprende”.
Nesse sentido, compreendemos a estreita relação entre a educação que acontece
na comunidade Fulni-ô com a educação escolar Fulni-ô, as quais ora se confundem e se
fundem, expressando suas especificidades, distintamente se contrapondo à educação
escolar não-indígena. Fazemos tal afirmação baseando-nos no fato de não termos
conhecimento sobre qualquer escola pública não diferenciada, expressar os rituais
típicos das vivências socioculturais do distinto grupo estudantil que a frequenta. É nessa
perspectiva que reside a especificidade e a diferença. Quanto à interculturalidade, ela é
fruto do contato com os não-indígenas, bem como, com outros povos indígenas
baseando-se em uma relação de intercâmbios, trocas e aprendizagens mútuas, pois
apesar de manter os aspectos socioculturais específicos, os Fulni-ô possuem uma mescla
113
de valores e comportamentos que resultam das relações culturais locais, regionais e
alhures..
4.2 Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon: entre a burocracia
estatal e o cotidiano
A Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon iniciou a sua história em
1922 sob o nome de Escola General Rondon e tutela do Serviço de Proteção ao ÍndioSPI. Essa escola foi implantada pelo então Chefe do Posto Indígena Alberto Jacobina
em atenção à solicitação do Pe. Alfredo Dâmaso35, defensor dos povos indígenas em
Pernambuco e amigo do povo Fulni-ô. No entanto, o objetivo inicial e primordial da
escola era o de integrar e assimilar o indígena à sociedade não-indígena.
Segundo informações obtidas por meio do Projeto Político-Pedagógico das
escolas indígenas do povo Fulni-ô, a Escola General Rondon funcionou por
aproximadamente 10 anos, embaixo de uma árvore, atendendo a 120 alunos em dois
turnos: um para os homens e outro para as mulheres seguindo a organização escolar
não-indígena da época que possuía caráter dualista e mantinha escola para meninos,
separada da escola para meninas.
Após a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição na Aldeia Grande
em 1932, foi construído um espaço com duas salas de aula para funcionamento da
escola que passou a ter o nome de Escola Marechal Rondon. O povo Fulni-ô valoriza
muito a educação escolar e logo foi necessário expandir a escola em vários anexos
espalhados pela Aldeia e funcionando em condições precárias.
A Escola Marechal Rondon ofertava o antigo primário, da 1ª à 4ª série e foi
responsável por ensinar inúmeros indígenas Fulni-ô a ler e escrever em Português, pois
35
Pe. Alfredo Dâmaso foi quem reivindicou e conseguiu o reconhecimento do povo Fulni-ô. Dizem os
Fulni-ô que ele lhes deu 4 orientações e ao que parece foram parcialmente seguidas: “Não se misturem
(os casamentos interétnicos são em número reduzido considerando o total de indígenas), falem na sua
língua, pratiquem seus rituais e tenham muitos filhos”. O Pe. Alfredo foi o único não-indígena convidado
a conhecer o ritual do Ouricuri, porém o respeito que tinha pelo povo era tamanho que se recusou a
aceitar ao convite afirmando que isso não era necessário, pois o Ouricuri interessa a quem é Fulni-ô.
114
não se cogitava o bilinguismo, em um momento em que houve proibição de falar em sua
própria língua. Vale destacar que todos os professores/as, coordenadores e funcionários
envolvidos em nossa pesquisa iniciaram sua vida escolar por meio da Escola Marechal
Rondon, entretanto, a partir da 5ª série tinham que se dirigir para as escolas na área
urbana da cidade de Águas Belas, onde enfrentaram o preconceito, de acordo com a
Professora F “Aqueles fortes resistiram e muita gente desistiu”.
Quando o SPI foi extinto, a Educação Escolar Indígena no Brasil passou para a
responsabilidade da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, vinculada ao Ministério da
Justiça que respondia por todas as questões que envolvessem indígenas, desde saúde,
terras, educação, dentre outras. Na gestão da FUNAI, segundo alguns professores e
coordenadores entrevistados, havia muitos recursos, merenda de qualidade e os
professores da Escola Marechal Rondon eram bem remunerados, alguns poucos ainda
hoje estão atuando.
No período pós-Constituinte de 1988 a tese da descentralização da Educação se
tornou lei no Brasil, por meio do Artigo nº 211 da Constituição Federal que afirma que
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus sistemas de
ensino em regime de colaboração. Em 4 de fevereiro de 1991 o Decreto nº 26, passou a
definir em seu artigo 1º que a competência para coordenar as ações referentes à
Educação Escolar Indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, ouvida a
FUNAI, ficava à cargo do Ministério da Educação – MEC e não mais do Ministério da
Justiça - MJ e no Artigo 2º reforçava que essas ações seriam desenvolvidas pelas
Secretarias de Educação dos Estados e Municípios em comum acordo com as
Secretarias Nacionais de Educação do Ministério da Educação. Todas essas mudanças
foram reafirmadas pela Portaria Interministerial MJ / MEC de 16 de abril de 1991.
A Educação Escolar Indígena foi municipalizada. A partir daí a Escola Marechal
Rondon passou para os cuidados (ou a falta destes) da Prefeitura da Cidade de Águas
Belas. Para a Coordenadora C1 das escolas indígenas do povo Fulni-ô esse momento
“Foi um desastre, uma tortura. Foi tentativa de extermínio. De 1988 até o
ano 2002 foi horrível, era um verdadeiro descaso, descaso mesmo. Tudo que
115
a gente ia buscar, reivindicar, porque a gente vai reivindicar o que é de
direito, mas a gente não ia reivindicar o que é de direito, a gente ia mendigar,
implorar e ouvir até de pessoas, de autoridade dizerem: ‘Olhe a gente não
tem nada não pra lá, pras escolas da Aldeia. A gente não recebe nada pras
escolas de lá. A gente não pode dar de jeito nenhum’. Eu disse: mas me diga
uma coisa o pouco que de vez em quando vocês dão, porque é que vocês
mandam, se vocês não têm obrigação? É um gesto de solidariedade humana
é? ‘É. E também por uma questão política porque o prefeito disse que o que
vier para as escolas daqui é pra mandar pras escolas de lá, mas a gente tá
tirando dos nossos alunos pra mandar pra lá” Aqui não estamos no meio dos
‘nossos alunos’. O índio Fulni-ô não era um cidadão aguasbelense, ele só
era, e é ainda cidadão aguasbelense quando é eleição, quando é pra votar, ai
ele é cidadão aguasbelense. Era desse jeito”.
Por meio da fala acima é possível pensarmos que o processo de municipalização
da Educação Escolar Indígena no estado de Pernambuco tenha sido suficientemente
complexo, pouco considerando e respeitando os direitos dos povos indígenas
conquistados via Constituição Federal de 1988. Tal situação demonstra que, em sua
execução, as políticas públicas voltadas para a Educação Escolar Indígena ainda não se
constituem em uma política de Estado.
A estratégia do governo municipal era de utilização dos indígenas para compor o
quadro numérico de possíveis votos no período eleitoral, e de fazê-los passar pelas
situações vexatórias de ‘favores’, conseqüência da política assistencialista eleitoreira.
Entretanto, parece-nos que havia uma certa clareza sobre a situação e uma posição de
denúncia. O que não podemos afirmar é se a forma e os canais ou veículos procurados
enquanto apoio pelos Fulni-ô eram os mais indicados, muito embora a fala da
Coordenadora C1, registrada abaixo, demonstre sua indignação, postura de denúncia e
as táticas próprias dos Fulni-ô para resolução do problema da merenda escolar, por
exemplo:
“Eu ficava horrorizada com tudo aquilo ali; mas eu não desistia, não desistia,
levava uns fora muito categóricos, mas eu não desisti, fui, fui atrás e quando
tinha oportunidade de falar para as autoridades maiores eu falava e falava
pra Brasília, pra FUNAI. Falava pra FUNAI de Recife: ‘vocês precisam
fazer uma intervenção em relação a isso, isso não é uma possibilidade...’
Merenda aqui era um horror, às vezes era que o município mandava alguma
coisa. Nós funcionários, professores era que nos juntávamos para comprar
verdura, comprar um arrozinho, de alguma coisa pra fazer pelo menos uma
sopa, era desse jeito. E você sabe que merenda atrai aluno, né, até adulto,
116
quanto mais criança e ainda mais numa comunidade tão carente como a
nossa.”
Havia interesse político de prefeitos e vereadores pelas terras indígenas, seguida
de uma histórica discriminação e preconceitos contra os povos indígenas em
Pernambuco, que culminou em posturas negligentes referentes à educação escolar dos
mesmos. Essa situação não foi exclusiva em relação aos Fulni-ô. Ela foi vivenciada por
todos os povos indígenas em Pernambuco, que unidos por meio da COPIPE (Comissão
de Professores Indígenas) reivindicaram uma posição do Estado brasileiro, solicitando
que a União voltasse a se responsabilizar diretamente pela Educação Escolar Indígena.
A decisão veio por meio do Decreto nº 24.628 de 12 de agosto de 2002 que estabeleceu
a estadualização da Educação Escolar Indígena, no âmbito da Educação Básica para o
sistema de ensino do Estado de Pernambuco e a Escola Marechal Rondon, então passou
a se chamar Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon. Essa nova fase
representa outra tentativa na perspectiva do reconhecimento dos direitos indígenas
garantidos na legislação brasileira, conforme aponta a Carta do Movimento de Educação
Escolar Indígena dirigida ao Governador do estado de Pernambuco em 06 de junho de
2010:
“As escolas indígenas do estado de Pernambuco foram estadualizadas
em 2002. O motivo que levou lideranças e professores a reivindicarem
que a Secretaria Estadual de Educação ficasse responsável pela oferta
e execução da política de educação escolar indígena no Estado, foram
as perseguições que vinhamos sofrendo dos municípios por questões
ligadas a luta pela terra e pela política partidária.”
117
Foto 13: Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rodon – Sede. Fevereiro de 2011
A Escola Marechal Rondon que até então ofertava a Educação Básica da 1ª à 4ª
série, inicialmente em duas salas de aula na sede da escola, expandindo para 3 salas e
posteriormente para mais 6 salas de aula espalhadas pela Aldeia Grande, chamadas de
anexos. Hoje sob o nome de Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon possui
14 salas de aula, centralizadas na sede e outra unidade construída pelo governo estadual
com 9 salas de aula, ofertando a Educação Básica completa: da Educação Infantil ao
Ensino Médio, Normal Médio, Projovem, EJA, salas de Yaathe e Telessalas. Nas
instalações da referida escola que chamam de Sede, por ser o prédio mais antigo de sua
localização, não há biblioteca, sala de professores, sala de coordenação, videoteca, tão
pouco laboratório de informática, ciências ou matemática. Conforme sinalizado por
Almeida (2011, p. 90) “Os dados da nossa pesquisa identificaram que em regra geral, as
escolas indígenas contam com infraestrutura mínima para seu funcionamento, sendo que
em sua grande maioria ela é precária ou inexistente”.
Baseando-nos nas ideias de Certeau (2009), podemos pensar o cotidiano da Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon enquanto espaço impregnado pelo jogo das
estratégias do poder, aqui representado pelo Estado, bem como pelas táticas dos
118
usuários, nesse caso, configurados pelo povo Fulni-ô, consumidor da política pública de
Educação Escolar Indígena, cujas “astúcias de consumidores compõem, no limite, a
rede de uma antidisciplina” (CERTEAU, 2009, p.16). É essa concepção do agir que em
Certeau se torna inseparável da ideia de arte e estilo. “Essas práticas colocam em jogo
uma ‘ratio popular’, uma maneira de pensar investida numa maneira de agir, uma arte
de combinar indissociável de uma arte de utilizar”. (CERTEAU, 2009, p.41). Para o
referido teórico a estratégia é organizada pelo postulado de um poder, é calculada,
manipuladora das relações de forças e postula um lugar suscetível de ser circunscrito
como algo próprio (p. 93). A tática também é calculada, porém é determinada pela
ausência de um próprio e não tem por lugar senão o do outro, é movimento “dentro do
campo de visão do inimigo” e no espaço por ele controlado (p. 94).
E continua Certeau, afirmando que este não lugar, sem dúvida, permite
mobilidade aos consumidores que têm que utilizar vigilantes as falhas que as
conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. “Aí vai caçar.
Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia” (CERTEAU, 2009,
p. 95). O nome pelo qual a Escola Marechal Rondon passou a ser chamada: Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon demonstra a presença e o lugar que o
Estado tenta ocupar com suas estratégias, mas também vemos as táticas Fulni-ô se
concretizando e defendendo uma escola que atenda aos seus interesses. Trata-se da
lógica certoriana da bricolagem, uma vez que um visitante verá uma escola do estado
como outra qualquer, entretanto, a convivência no cotidiano dessa escola mostrou-nos
que embora ela não tenha perdido seu sentido característico de escola, tem se
organizado de um modo próprio e poderá estar servindo aos propósitos Fulni-ô de uma
maneira específica, diferenciada e intercultural, uma vez que há uma diversidade de
culturas interagindo dentro e fora das escolas indígenas.
Nas salas de aula da referida escola existem dois quadros disponíveis para
professores/as, o antigo quadro de giz (quadro negro) e o “novo” quadro magnético
(quadro branco). Porém nas aulas observadas não foi visto nenhum/a professor/a
utilizando o quadro magnético. Questionados alguns professores/as sobre o porquê de
não utilizarem o referido quadro, a resposta foi que só o faziam quando compravam o
lápis por conta própria porque na escola eles tinham o giz. Nas conversas informais com
119
professores e coordenadores percebemos que alguns recursos tinham sua utilização
redirecionada para a construção de novas salas de aula, a exemplo da verba para
comprar lápis para uso do quadro magnético e, finalmente entendemos que sem lápis
para quadro magnético as crianças estudam, mas sem salas de aula não.
Ainda que a Gerência Regional de Ensino – GRE-Garanhuns indique e autorize a
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon a dizer à clientela que não há vagas,
e, portanto, poder não efetivar matrículas que estejam acima do número de alunos
estabelecidos por sala de aula, o povo Fulni-ô sempre diz SIM para a matrícula de uma
criança que precisa estudar. Seja ela indígena ou não, como é o caso das crianças da
periferia que não encontrando vagas nas escolas da cidade recorrem à Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon onde são acolhidas e têm assegurado o seu direito à
escola. A tática é a construção de novas salas de aula com os recursos de que dispõe,
embora o número de alunos/a por sala de aula seja bastante elevado, dificultando a
organização das carteiras em forma de semicírculo ou em círculo e a aplicação de
algumas ações ou atividades em grupos, as crianças não ficam fora da escola.
A Resolução nº 3/99 que fixou as diretrizes nacionais para o funcionamento das
escolas indígenas, estabeleceu em seu Artigo 2º item II que há exclusividade no
atendimento dessas escolas para as comunidades indígenas, e, por conseguinte, o povo
Fulni-ô estaria legalmente amparado para dizer não às matrículas de não-indígenas em
suas instalações, porém coordenadoras e professoras afirmaram que as crianças
precisam de escola. Utilizando uma expressão carinhosamente nordestina “Os bichinhos
também precisa da escola. Se nós não aceitá os bichinhos vão ficá sem escola”. Além do
fato de que a maioria é Fulni-ô o que significa dizer que é filho, primo, sobrinho,
afilhado, irmão das coordenadoras e professores/as para quem se torna mais complexo
dizer: “Não há vaga”.
Não houve fala alguma obtida informalmente no cotidiano escolar ou
formalmente adquirida por meio das entrevistas, que retratasse a riqueza do diálogo
sociocultural resultante dessa interação entre indígenas Fulni-ô e não-indígenas, que se
encontram matriculados e compartilhando experiências no interior da Escola Estadual
Indígena Fuln-ô Marechal Rondon, o que demonstra que essa ação poderá estar
120
compondo a percepção dos Fulni-ô apenas pelo viés da benevolência. Há uma
interculturalidade que ocorre na informalidade dos muros escolares do Povo Fulni-ô
sem que este a perceba, quando poderiam planejá-la e conduzi-la pedagogicamente. As
brincadeiras na hora do recreio podem exemplificar essa relação intercultural, conforme
imagens abaixo que retratam brincadeiras vivenciadas entre crianças indígenas Fulni-ô e
não indígenas. As brincadeiras de elástico e o futebol que não são atividades originais
indígenas, porém estão sendo vivenciadas por crianças indígenas e não-indígenas no
interior de uma escola estadual indígena.
Foto 14: Crianças indígenas e não-indígenas brincando de futebol (na frente) e de
elástico (ao fundo da foto). Abril de 2011.
121
Foto 15: Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon – Unidade II, Fevereiro de 2011
A Unidade II da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguiu os
parâmetros legais, para ser construída e passou pelo processo licitatório do estado,
começando a funcionar no ano letivo de 2010. Porém, em 2011, aproximadamente, no
mês de abril, ocorreu uma pane elétrica que impossibilitou a continuidade das aulas em
função da insegurança, pois as paredes estavam dando choque quando as luzes eram
acesas. Segundo a Coordenadora C1 das escolas Fulni-ô, a GRE e a SE-PE foram
imediatamente informadas sobre o problema. No entanto, apenas um mês após, a SE-PE
enviou um Historiador (e não um engenheiro), Técnico Educacional da Unidade de
Educação Escolar Indígena para averiguar a situação. O respectivo representante da SEPE fez o registro por meio de fotografias e relatório condenando toda a construção da
escola, não apenas devido a pane elétrica, mas também por situações como, cozinha
próxima aos banheiros e o não respeito ao metro quadrado por aluno em cada sala de
aula.
No relatório elaborado e entregue pelo Técnico da UEEI/SE-PE foi indicada a
impossibilidade de funcionamento da Unidade II e solicitado todos os reparos na obra
que ainda estava na garantia, uma vez que nesses casos o prazo de garantia é de 4 anos.
122
Foram duas as construtoras responsáveis pela obra e atualmente uma delas já está
descredenciada do Governo do Estado.
Segundo consta no Relatório Final da Pesquisa Avaliação Independente do
Plano Nacional de Educação – PNE Lei 10172/01 (2011, p. 87), no item B sobre
definição de critérios e regulamentação específicos para construção de prédios escolares
que o MEC e FNDE desenvolveram grande debate, “No sentido de descentralizar
recursos e de reconhecer as especificidades ambientais e arquitetônicas das escolas
indígenas”.
No Caderno SECAD/MEC (2007, p. 83) consta a seguinte declaração
É responsabilidade do MEC fomentar o diálogo intercultural
propositivo entre as comunidades e as instituições executoras para que
as propostas de infra-estrutura escolar sejam condizentes com as
perspectivas indígenas e suas realidades ecológicas, garantindo com
isso resultados efetivos na aplicação dos recursos públicos.
A esse respeito, Campos (2011, p. 88-89), pesquisadora responsável pelos pólos
Pernambuco e Paraíba na pesquisa referida anteriormente, relatou que identificou no
estado de Pernambuco que o
Padrão esperado não é alcançado, nem sob a lógica do Estado, que na
maioria das vezes trabalha com rubricas apertadas e tampouco sob a
lógica dos povos indígenas, que sequer participam na sua definição
[...] No geral as escolas são ofertadas em modelos pré-definidos,
desconectados das realidades ambientais e função social atribuída pelo
grupo, cabendo aos povos, no máximo, a decisão sobre o local a ser
construído e o tamanho.
No caso referido sobre a Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, o
ano letivo indígena foi concluído em agosto de 2011 e até 16 de setembro nada havia
sido feito para corrigir o problema. A tática aplicada pela equipe de gestão escolar para
tentar minimizar os prejuízos na aprendizagem dos alunos foi continuar com as aulas
durante o dia utilizando a iluminação natural e à noite realocar e/ou juntar turmas na
sede da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon e trabalhar com a proposta
de turmas multisseriadas. Em final de dezembro de 2011 fomos informados que a
123
situação foi resolvida, apenas no início do ano letivo de 2012 que acontece em
dezembro. Isso nos remete a reflexão sobre a importância do diálogo intercultural que
deve existir entre as comunidades indígenas e as instituições executoras como forma de
respeito às necessidades dos povos e efetiva concretização de uma Educação Escolar
Indígena específica e diferenciada, que considere desde a estrutura física das escolas até
a gestão, contratação e formação de professores, propostas pedagógicas, contratação de
funcionários, dentre outros.
A equipe de funcionários operacionais da Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, leia-se merendeiras e auxiliares de limpeza, é contratada via
empresas terceirizadas. Por meio de conversas informais com funcionários e visita a
uma das empresas terceirizadas obtivemos a informação que a licitação foi feita no
período em que a Unidade II não havia sido construída, ou seja, ainda não existia. Dessa
maneira, o quantitativo de funcionários terceirizados contratados foi estabelecido
considerando apenas a sede da respectiva Escola. Há mais de um ano, o mesmo
quantitativo de funcionários precisa zelar e cuidar das duas Unidades escolares, com
maior número de alunos, salas de aula, espaços pedagógicos e administrativos,
banheiros, pátios.
Para tentarem solucionar o problema em seu cotidiano e se ajudarem mutuamente,
esses funcionários acabam gerando problemas de desvios de funções, que podem ter
sérias implicações em caso de acidentes de trabalho e recebimento de seguros e/ou
benefícios da Previdência Social, uma vez que exercem funções para as quais não foram
contratados. Quando participam de capacitações nas funções que exercem, não recebem
diárias e certificados em seus nomes, pois não são as pessoas que constam em registros
nas respectivas funções. Além das condições de trabalho desfavoráveis, a exemplo da
cozinha da sede da escola, encontramos alguns familiares que vêm trabalhar
voluntariamente na escola em função do cansaço e desgaste do funcionário, como foi o
caso de uma pessoa encontrada na cozinha e que ao ser questionada sobre a sua função
na escola, respondeu: “Eu sou voluntária, sou irmã dela (apontou indicando a
merendeira) e venho ajudá-la porque ela está muito cansada”.
124
Os materiais e recursos enviados pelo estado para organização e funcionamento da
escola em questão respondem ao calendário escolar das demais escolas estaduais, não
considerando o calendário específico e diferenciado que o mesmo estado aprova e
afirma respeitar para as escolas do povo Fulni-ô, cujo ano letivo se inicia em dezembro
com a saída do Ouricuri e se encerra em agosto. Alguns recursos da merenda escolar são
entregues na Aldeia Grande em outubro ou novembro quando o povo Fulni-ô está em
seu retiro espiritual secreto e sagrado, de onde a equipe de gestão necessita sair para
recebê-los. A maior parte é armazenada para que não falte merenda no início do ano
letivo, no entanto, em meio aos recursos veem alimentos perecíveis ou com data de
validade próxima do vencimento, não apresentando condições favoráveis ao
armazenamento. Estes recursos são levados para o Ouricuri, as merendeiras produzem a
merenda e as crianças são alimentadas, numa tentativa de não deixar que esses
alimentos se estraguem.
Durante o ano letivo também é negociado com um supermercado da cidade de
Águas Belas, próximo à Aldeia Grande, de forma que a gestão escolar possa receber
alimentos para a merenda, que serão pagos posteriormente quando tiver recursos
financeiros para tal finalidade ou puder devolver em forma de produtos alimentícios
entregues à escola pelo estado.
O fardamento das crianças, bolsas, kits do aluno, diários de classe e materiais
didáticos em 2011 chegaram à escola em meados de abril e maio. A decisão do povo
Fulni-ô foi de distribuir certa quantidade e armazenar outra parte para que não falte
material durante o ano letivo. Assim foi feito o ano inteiro e com variados recursos para
garantir que a escola tenha condições de funcionamento.
Durante o período da pesquisa de campo não constatamos uma turma sequer
voltar para casa por falta de professor/aula. Há uma tática para redução do índice de
absenteísmo que é própria de Fulni-ô: o professor ou funcionário que precisar faltar por
qualquer motivo deve encaminhar um substituto à escola com as orientações sobre a
aula que a ser ministrada ou a atividade a ser realizada, sendo este, pago por aquele.
125
A falta de água faz parte do cotidiano escolar, apesar do povo Fulni-ô “ser dono”
das águas da cidade que ficam em suas terras e o estado ser o responsável pelo
abastecimento d’água na região por meio da Companhia Pernambucana de Saneamento
– COMPESA. As merendeiras e os auxiliares de limpeza circulam pela Aldeia em busca
de água para carregar e abastecer a escola. A “bodega”, a casa da coordenadora C3 que
ficam em frente à escola são os principais fornecedores de recursos diversos para escola,
dentre eles a água.
A rotatividade de pessoal na equipe do estado, especificamente na Unidade de
Educação Escolar Indígena da GRE Garanhuns representa muitas dificuldades à
continuidade dos processos da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, cuja
gestão escolar, em muitos momentos precisa repetir procedimentos e/ou solicitações e
até mesmo ensinar alguns processos, procedimentos e argumentos legais que dizem
respeito à Educação Escolar Indígena para aqueles que chegam, conforme
argumentaram as coordenadoras e funcionários administrativos.
Outro aspecto que vale ressaltar é sobre o calendário específico e diferenciado
contemplando os 200 dias letivos em nove meses. Embora esse instrumento deva ser
elaborado pelo povo Fulni-ô, enviado à GRE Garanhuns e SE-PE para apreciação e
aprovação, o ano letivo Fulni-ô foi encerrado em final de agosto de 2011 sem obtenção
dessa resposta pelos órgãos competentes.
Quanto ao calendário de formação de professores ser planejado com o encontro
entre os povos indígenas em Pernambuco no período em que o povo Fulni-ô encontra-se
em seu retiro secreto e sagrado do Ouricuri, também tem sua justificativa na burocracia
do fechamento do ano fiscal e processos licitatórios de locais para realização dos
eventos que comportem o grande número de participantes. Assim sendo, o povo Fulni-ô
tem ficado à margem de discussões e trocas interculturais com os demais povos
indígenas no Estado.
Entre leis, decretos, pareceres, licitações, planejamentos da SE-PE e GRE
Garanhuns com suas muitas contradições, empresas terceirizadas e ausências de
concursos públicos, encontra-se o cotidiano da Escola Estadual Indígena Fulni-ô
126
Marechal Rondon, uma escola que desde 1922, apesar de todas as dificuldades, tem
contribuído para a Educação Escolar de um povo indígena em Pernambuco.
Poderíamos pensar sobre os princípios de Educação Diferenciada e Intercultural
ao constatar que há um modo próprio de fazer escola, um modo Fulni-ô que se organiza
em função das determinações legais e burocráticas do estado, mas não se limita a isto. A
própria existência da escola dentro da aldeia Fulni-ô nos faz refletir sobre algo que não
é indígena e que se faz diferente quando inserido nesse contexto. São pequenos indícios
de uma escola que segue determinações externas e próprias ao mesmo tempo. No início
da pesquisa de campo, nos primeiros dias, aos nossos olhos, vimos uma escola igual a
qualquer outra do estado de Pernambuco: estrutura física, cores do estado nas paredes,
crianças vestidas em suas fardas, livros, cadernos, bolsas escolares, tudo carregava a
marca ou logomarca do estado na tentativa de padronização e de demonstrar a quem
pertence a escola. Com a convivência, em contato com o cotidiano da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon a realidade se tornou diferenciada e bem mais ampla
do que os nossos olhos poderiam ver inicialmente.
Ao olhar, sentir, observar, realizar entrevistas, conversar, ouvir, perceber e
conviver com as diferentes situações, falas, ações e expressões das pessoas que
circulavam e compunham o dia-a-dia da referida escola pudemos conhecer uma escola
específica e diferenciada apesar da roupagem fornecida pelo estado e, por ser assim, é
também intercultural em função da convivência diária entre culturas que se confrontam,
ensinam e aprendem entre si. Os Fulni-ô aprendem com o estado, com a sociedade em
geral e com outros povos indígenas e vice-versa. O estado aprende com o povo Fulni-ô
que lhe ensina como trabalhar com ele. Essa é a Educação Escolar Indígena dos povos
em Pernambuco, permeada por contradições, construída em meio aos embates, leis,
decretos, relações de respeito em alguns momentos e desrespeito em tantos outros,
descasos e não acasos, negociações, ganhos, avanços, reuniões, conselhos, COPIPE,
lideranças, comunidade e contato, muito contato com a sociedade não-indígena.
É nesse espaço/lugar que é possível perceber a ideia de escola indígena estar
situada em espaço de fronteira, conforme defesa de Tassinari (2001), onde transitam
ideias e forças indígenas e não-indígenas, angústias, incertezas, oportunidades e muita
127
criatividade para participar de um intercâmbio, que de alguma maneira favoreça a
construção e o fortalecimento de diferenças étnicas.
4.3 Projeto Político Pedagógico e sentido conferido à escola: o que desejam
os Fulni-ô?
O Projeto Político Pedagógico Fulni-ô, foi entregue à GRE Garanhuns e SE-PE
em 2008, ainda na gestão anterior que deixou a chefia nesse mesmo ano. Até o
encerramento do ano letivo de 2011 o Povo Fulni-ô não obteve resposta sobre o referido
Projeto.
Segundo encontramos no próprio documento ele é fruto de uma ação coletiva
que envolveu a comunidade como um todo: lideranças, pais, professores, alunos e
relatos de experiências dos mais velhos. O referido documento está baseado na
Resolução 03/98 do CNE/CEB e é denominado de Projeto Político Pedagógico Fulni-ô
na Globalização. Possivelmente a resolução a que se refere o PPP deva ser a de número
03/99 que trata das Diretrizes Nacionais para o Funcionamento das Escolas Indígenas e
não a 03/98 sobre as Diretrizes Nacionais para o Ensino Médio.
O próximo item abordado no PPP Fulni-ô é a história do povo, discorrendo
sobre quem é o povo Fulni-ô, como se organiza, onde e de que forma vive, bem como a
importância de suas lideranças, língua materna e Ouricuri. O passo seguinte é a
justificativa, declarando que para elaborar tal documento a comunidade se baseou nas
Diretrizes Curriculares Nacionais, Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar
Indígena e no Parecer 14/99. Destacando problemas, que segundo os Fulni-ô, interferem
no funcionamento e rendimento das ações educativas: a precária estrutura física da
escola, material didático insuficiente, ausência de formação em nível superior e de
especialização para os docentes, ausência de laboratório de informática e de vivências
de projetos didáticos, evasão, falta de reunião de pais e mestres. Os objetivos do PPP
Fulni-ô estabelecidos no documento são: dinamizar e tornar a educação escolar mais
eficiente; desenvolver competências de cidadãos; respeitar os valores, hábitos, tradições
e participação ativa dos alunos em relação aos direitos e deveres na sociedade.
128
O sentido conferido à escola pelo povo Fulni-ô está registrado em seu PPP,
(2008) bem como nos textos das entrevistas e em suas práticas escolares cotidianas. A
abertura do item que trata sobre Educação Escolar traz a seguinte definição feita pelo
professor Glaucio Txhleka:
“Um índio permanece cada vez mais índio quando ele se educa, ou
seja, educando nas suas religiões, nos seus cotidianos aldeados
(tribal), respeitando todo o povo da sua comunidade, principalmente
os mais velhos que deles vieram as nossas educações... De que forma
a escola contribui? Que o professor Incentive para que os índios sigam
os costumes que os anciões ensinaram, tudo que foi repassado dos
seus primitivos para os jovens de hoje. Que eles não desvinculem dos
seus laços culturais”
No decorrer do texto do PPP há um reconhecimento de que a educação que
acontecida na escola deve estar integrada à educação nacional, o que muitos professores
chamam de “currículo brasileiro” e à comunidade Fulni-ô, valorizando sempre os
conhecimentos dos mais velhos, a experiência de vida, valores, costumes e tradições.
A Coordenadora C1 das Escolas Indígenas Fulni-ô ao ser questionada por meio
da entrevista sobre a função social da escola, para que serve a escola, respondeu:
¨ Para preparar o pessoal para enfrentar, para competir por igual como
qualquer outro cidadão brasileiro do jeito que nós somos também e
pra saber preservar e ter orgulho da nossa identidade, orgulho de ser
índio porque muitas vezes pessoas até negavam sua própria identidade
porque sabia que ia sofrer muito preconceito”
A Coordenadora C2 da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon
declarou em sua entrevista que:
“A educação são os meios que levam uma criança ao crescimento do
conhecimento e a ser cidadã, enquanto que educação escolar é aquilo
que você não tem dentro de casa e a escola vai formalizar no ambiente
escolar o que você tem fora, na comunidade”
129
E continua a referida coordenadora afirmando que a função da escola é
sistematizar conhecimentos que existem fora dela e no caso específico de seu povo
significa sistematizar o que “vê de educação indígena por meio da educação escolar
indígena”.
Em algumas atividades escolares destinadas para serem realizadas em casa,
pudemos presenciar que o foco do trabalho era o estímulo à aprendizagem da cultura
com os mais velhos por meio de pesquisas, entrevistas, perguntas dirigidas as pessoas
da comunidade. Em sala de aula os professores e professoras sempre trazem alguma
informação ou conhecimento que aprenderam com pessoas mais velhas da comunidade,
tornando comum ouvir as expressões: “meu avô me disse”, “minha avó me contou”,
“perguntei para minha mãe”, “falei com meu tio”.
Um exemplo dessa situação ocorreu em uma aula de Geografia da turma do 3º
ano da professora A que, usando o datashow projetou imagens antigas da aldeia,
demonstrando as mudanças que ocorreram, relatando a história que sua avó lhe contou
chorando ao ver as fotografias e lembrar-se de uma época de sofrimento em que os
Fulni-ô passaram fome, foram perseguidos, suas casas de palhas queimadas e muitos
indígenas assassinados. Essa é uma experiência cotidiana de uma escola específica,
diferenciada e intercultural, uma vez que há o uso de uma tecnologia que não foi criada
pelo povo Fulni-ô, portanto, não pertence a sua cultura, e, no entanto, foi apropriada por
ele e faz parte de seu contexto educacional atual. Essa tecnologia foi utilizada para
contar uma história indígena pelo e para o próprio povo com o objetivo de ministrar
uma aula de Geografia sobre diferentes tipos de moradias e paisagens modificadas.
130
Foto 16: Professora e sua turma do 3º ano do Ensino Fundamental I. Julho de 2011
A professora fez observações referentes às mudanças nas paisagens, os tipos de
casas e como elas foram se modificando, as roupas, as danças, os rituais, a urbanização
da aldeia, dentre outras. O ontem e hoje dando as mãos. Os conteúdos das disciplinas de
Geografia e História são ministrados de forma interdisciplinar entre si e com Artes
Visuais, conforme proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, aprendidos por
meio da realidade histórica Fulni-ô contada por uma avó para sua neta Fulni-ô e, por
esta, em sala de aula para crianças Fulni-ô do Ensino Fundamental I da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
Ter acesso aos conhecimentos das expressões socioculturais da cultura brasileira
em geral para se profissionalizar e galgar postos de trabalho como qualquer cidadão
brasileiro de direitos, sem, contudo deixar de se reconhecer indígena, tendo orgulho de
SER FULNI-Ô, esse é o sentido da escola, expressão daquilo que desejam os Fulni-ô.
131
4.4 Gestão e tomada de decisão na escola
A gestão escolar é um movimento de participação na
medida em que todos acompanham e reagem de imediato
às decisões. (BASTOS, 2009)
Conforme apresentado no item 1.1.2 em que tratamos sobre a organização
sociopolítica dos Fulni-ô o processo de tomada de decisão desse povo, bem como dos
demais povos situados na Região Nordeste, possui enquanto princípio a gestão
colegiada, baseada em reunião de conselheiros para discussões, análise de problemas e
tomadas de decisões compartilhadas pela liderança maior do povo que é formada por
Cacique, Pajé e demais membros que compõem esse grupo.
A autonomia escolar é garantida pelo Artigo 15 da LDB 9394/96 para todas as
escolas públicas do Brasil e não apenas as escolas indígenas. Mas também a estas, tanto
nos aspectos de utilização de recursos, quanto em seus Projetos Político Pedagógico:
“Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica
que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.”
Essa autonomia é respaldada e defendida pelo MEC/SECAD (2007, p. 99)
enquanto condição de respeito para que as escolas indígenas possam ofertar uma
educação escolar específica, diferenciada e intercultural:
A proposta de uma Educação Escolar Indígena de qualidade –
intercultural, específica, diferenciada, bilíngüe / multilíngüe –
pressupõe que os próprios índios e suas respectivas comunidades
estejam à frente como professores e gestores da prática escolar.
Em função de decisão dos povos indígenas em Pernambuco a gestão escolar não
possui o cargo ou a figura de diretor, para que não haja cargo ou função dentro da escola
que possibilite a algum membro perceber-se com poder igual ou superior ao Cacique ou
Pajé. Dessa forma, a gestão das escolas do povo Fulni-ô, de acordo com o seu Projeto
Político Pedagógico – PPP é constituída da seguinte maneira:
132
01 coordenador/a geral da Educação Escolar Indígena que atua em todas as escolas do
povo;
05 coordenadoras pedagógicas envolvendo da Educação Infantil ao Ensino Médio e
programas do Governo Federal, a exemplo do Projovem;
03 coordenadores/as de biblioteca;
01 educador de apoio;
03 secretários;
07 assistentes administrativos;
07 auxiliares de serviços gerais;
06 merendeiras;
04 vigilantes.
O processo de tomada de decisões na escola aparenta seguir essa mesma forma
de organização colegiada, conforme resposta da Coordenadora C2 ao ser questionada
sobre como são tomadas as decisões administrativas e pedagógicas na escola:
“Assim a gente, através de reuniões, né? A gente sempre quando tem
um causo a resolver, uma decisão, aí a coordenadora geral sempre
junta. “Ó minha gente veio isso. Tá acontecendo isso. O que é que a
gente pode fazer?” Tomada em conjunto, né? Quando cabe ao
professor, a gente chama todos os professores “Vamos resolver essa
tal situação.” Quanto tá relacionada ao administrativo, a gente junta o
administrativo. Auxiliar de serviços gerais e merendeira, a gente junta
essa parte. Aí tudo é resolvido em conjunto”.
O modelo de gestão apresentado acima pela Coordenadora C2, bem como as
situações cotidianas que relataremos a seguir nos conduz à pesquisa de Bastos (2009, p.
149-150) quando afirmou que “a participação é construída por processos complexos
cotidianos” e que a gestão escolar “é um movimento de participação na medida em que
todos acompanham e reagem de imediato às decisões”.
Durante a convivência por meio da pesquisa de campo também ouvimos com
frequência o nome da Coordenadora C1: “C1 disse... C1 falou... C1 fez... C1 quer
133
assim... fale com C1”, o que nos causou a impressão de uma relativa sobrecarga de
trabalho e decisão centralizada na pessoa da Coordenadora C1.
No cotidiano da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon há
momentos mais formais de tomada de decisões e outros bastante informais. Em
determinado momento a Coordenadora C1 pareceu muito angustiada com a decisão,
segundo ela mesma informou, tomada pelo Cacique e Pajé sobre a realização do baile
da festa da Aldeia em fevereiro de 2011 na escola. Essa situação levou a transferência
das aulas do turno da tarde da quinta-feira e o dia da sexta-feira para outra unidade
escolar, em função da necessidade de armação do palco e organização do ambiente para
o baile. Tal decisão está relacionada com a cultura do povo. A festa da Aldeia é um
momento muito importante para os Fulni-ô.
A gestão escolar necessita lidar com decisões que envolvem o estado, os rituais e
comemorações de seu povo, bem como com o perfil comportamental livre e autônomo
dos sujeitos: alunos, pais, professores e funcionários que não se enquadram facilmente
em normas ou padrões externos, pois sua maior obediência é devida à liderança. Não
conseguimos identificar com precisão quais são as decisões tomadas diretamente pelas
coordenadoras de nível/modalidade, a coordenadora geral, nem o que deve ser levado
para conhecimento, análise e decisão da liderança Cacique e Pajé, como foi o caso
citado sobre o local onde o baile poderia ser realizado ou não.
Em
outras
situações
observamos
professores/as,
pais/mães,
alunos/as,
funcionários/as tomando as decisões. Conhecer/descrever o processo de tomada de
decisões que ocorrem no cotidiano da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon é algo complexo à medida que desconhecemos os critérios e respectivos graus
de importância para o povo sobre algum acontecimento, ação, situação. Todavia
podemos ilustrar com algumas situações observadas.
A primeira foi a de um aluno do 4º ano chamado R. Ele chegou para a
Coordenadora e disse: “C2 me dê a minha outra camisa da farda. Eu só recebi uma e
minha mãe lavou, mas a camisa não enxugou. Nóis tem direito a dua.” A coordenadora
C2 respondeu: “Tá certo, R, mas eu não sei se tem seu número”. O aluno afirmou: “Tem
sim que já vi.” A coordenadora respondeu: “Então pegue a chave e vá lá pegar a sua
134
camisa.” Logo depois a criança voltou vestida na camisa da farda e com um sorriso de
alegria e satisfação estampado no rosto.
A segunda situação foi a de duas crianças do Ensino Fundamental I que
brigaram durante o recreio. Uma professora que não era a professora de nenhuma das
crianças, ao presenciar a briga, levou-as para a sala do Administrativo que fica em
frente à escola, local onde estavam as duas coordenadoras C2 e C3, respectivamente.
Algumas professoras e o diretor de disciplina acompanharam-na e começou uma
aquecida discussão entre eles, inclusive contando com o envolvimento do pessoal
administrativo. A discussão levou um tempo razoável porque cada um tinha sua opinião
a dar. Após todos falarem ficou decidido que a situação não poderia mais continuar
porque uma das crianças era bem violenta (na visão deles), algo tinha que ser feito,
porém suspensão não era a saída para a escola Fulni-ô. Se a criança está na escola, a
escola tem que resolver. Pode até falar com os pais, mas a criança fica na escola. Todos
se acalmaram e voltaram para os seus locais de trabalho e estudo.
Outra situação é a decisão dos pais, quando necessitam pegar seus filhos fora
dos horários regulares. Entram na escola, se dirigem para as salas de aula onde estão os
seus filhos e levam-nos embora por uma decisão exclusivamente pessoal e sem
burocracias ou formalidades.
A gestão escolar também precisa tomar decisões sobre pré-seleção de pessoal,
pois a seleção final é feita pelo Cacique e Pajé. No entanto, essa triagem inicial, às
vezes causa certo mal-estar em algumas pessoas que, porventura, não tenham sido as
escolhidas. São decisões não muito fáceis uma vez que, de forma geral, o grau de
parentesco entre os Fulni-ô é muito próximo. Depois as situações se normalizam, mas
no início é difícil, segundo afirmação das coordenadoras C1, C2 e C3.
Aparentemente o papel da coordenadora geral é de articuladora da Educação
Escolar de seu povo. É quem faz os contatos mais diretos por telefone, e-mail ou
presenciais com o estado por meio da GRE-Garanhuns e SE-PE, bem como com órgãos
e instituições da cidade de Águas Belas. Não permanece em horário fixo em nenhuma
das escolas, mas ao mesmo tempo possui conhecimento sobre todos os acontecimentos.
É curioso o sistema de informação Fulni-ô. A sua comunicação interna parece que
funciona. Todos sabem de tudo, essa foi a maior impressão. Quando a coordenadora
135
geral vinha conversar conosco sobre a pesquisa ela conhecia todos os nossos passos,
com quem havíamos falado, o que tinha sido feito, os acontecimentos mais corriqueiros.
Porém não era só ela quem sabia. No percurso de ida e volta para a escola algumas
pessoas, inclusive idosos/as nos encontravam pelo caminho, paravam para conversar e
comentavam sobre alguns familiares da pesquisadora que conheciam: “Pois nóis sabe o
que tu tem feito aqui”. Não vimos o Cacique circulando pela Aldeia, tão pouco na
escola campo de pesquisa, mas ao fazer a sua entrevista, ele também afirmou que o seu
povo estava muito tranqüilo com a nossa presença e gostando do trabalho. No início
ficamos um pouco assustados com esse sistema de informação tão rápido e
aparentemente eficaz.
Durante os meses da pesquisa de campo, fevereiro a agosto de 2011 não
percebemos a presença/atuação do Conselho Escolar. A participação do Conselho
Escolar pressupõe uma gestão aberta, democrática e participativa. Provavelmente, em
função de seus aspectos socioculturais, e, consequente maneira de agir para tomar suas
decisões, o povo Fulni-ô ainda não necessite de um Conselho Escolar.
Nessa construção de redes e relacionamentos são inúmeras as fronteiras a serem
enfrentadas, ultrapassadas e em alguns momentos respeitadas/aceitas para que a
Educação Escolar Indígena Fulni-ô se efetive em seu cotidiano. As aprendizagens são
diferenciadas e interculturais porque as trocas e vivências entre culturas indígenas e
não-indígenas são concretamente cotidianas e caminham do local para o global e viceversa. Bastos (2009) afirmou que a gestão democrática não é apenas a democratização
da gestão escolar burocratizada, mas é outra gestão escolar tecida por meio de histórias
locais em confronto com representantes de projetos globais. E continuou o autor,
defendendo que mais do que controle e coordenação, os funcionários negociam seus
poderes e seus saberes específicos com poderes e saberes tanto das Secretarias de
Educação quanto da comunidade.
136
4.4.1 Professores indígenas Fulni-ô: ousando traçar o seu perfil e a relação
com o estado
Atualmente, são 121 professores/a que lecionam nas escolas Fulni-ô, dentre
os/as quais apenas cinco não são indígenas em função de especializações necessárias,
ainda não encontradas entre os Fulni-ô. O critério adotado para a escolha desses/a cinco
professores/as foi o de proximidade e empatia com a cultura, os valores, com o próprio
povo Fulni-ô. Alguns compartilham dos casamentos interétnicos e têm filhos que são
indígenas Fulni-ô, o que para a gestão escolar e a liderança maior do povo, Cacique e
Pajé, é percebido enquanto possibilidade de maior conhecimento, respeito e valorização
do SER FULNI-Ô.
A seleção de professores para atuarem nas escolas estaduais indígena Fulni-ô é
concretizada, inicialmente por meio do levantamento de necessidades feito pela equipe
de gestão escolar que posteriormente solicita a autorização do estado para contração de
novos professores. A GRE-Garanhuns envia o número total de vagas autorizadas. Estas
são dividas igualmente entre Cacique e Pajé para indicarem pessoas da comunidade com
perfis adequados para preenchê-las. A gestão escolar encaminha os nomes dos
professores seguidos da documentação pertinente à GRE Garanhuns para posterior
contratação. A GRE Garanhuns analisa a respectiva documentação, atribuindo uma nota
classificatória para cada professor/a.
Desse grupo de 121 professores/as, 12 são sujeitos da pesquisa. Todos Fulni-ô,
contudo dois são frutos de casamentos interétincos e os demais têm os seus ascendentes
Fulni-ô. São nove professoras e um professor polivalentes no Ensino Fundamental I,
bem como dois professores de Língua Materna. Vale ressaltar duas situações diferentes
nesse quadro de professores/as: a primeira é a questão de gênero com homens atuando
no Ensino Fundamental I, o que é mais comum nas escolas não-indígenas a partir do
Ensino Fundamental II e a segunda que é a presença de um professor idoso.
É provável que, para o povo Fulni-ô o mais importante seja a competência e
habilidade para o exercício da profissão docente, de acordo com a área de atuação. A
exemplo disto podemos citar o caso sobre o mesmo professor idoso que estudou até o
137
antigo Madureira, etapa semelhante ao supletivo do 2º Grau e, no entanto, é professor de
Língua Materna em função do domínio que possui sobre o Yaathe.
A formação inicial desses professores e professoras, exceto uma delas, aconteceu
na antiga Escola Marechal Rondon, onde estudaram da 1ª a 4ª série. Posteriormente,
todos foram dar continuidade aos seus estudos nas instituições escolares não-indígena,
públicas e privadas, tais como: Colégio Coronel Nicolau Siqueira, Colégio Padre
Nelson, Colégio Municipal Gerson de Albuquerque Maranhão, Colégio João Rodrigues
Cardoso localizados na cidade de Águas Belas; Colégio Nossa Senhora do Bom
Conselho na cidade de Bom Conselho onde havia internato para moças; Faculdade de
Belo Jardim – FABEJA; Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE –
Campus Garanhuns; Universidade Vale do Acaraú – UVA; Universidade de
Pernambuco – UPE Campus Garanhuns; e Universidade Federal de Pernambuco –
UFPE – Campus Caruaru.
Dentre os 12 professores/as, sujeitos da pesquisa a formação continuada permitiu
a 11 deles cursarem o antigo Magistério ou atual Normal Médio, sete são graduados em
Pedagogia ou estão em fase de conclusão, quatro estão cursando Licenciatura
Intercultural36, um possui formação em Biologia e pós-graduação em Desenvolvimento
Sustentável. No que se refere à Língua Materna, 10 são falantes e apenas dois se
consideram falantes em nível básico, embora estejam aprendendo Yaathe nas aulas
noturnas. Esses/as professores/as fazem parte daquele grupo que a Professora F afirmou
que enfrentaram o preconceito e conseguiram continuar seus estudos em escolas na área
urbana de Àguas Belas.
Quando questionados sobre o tempo em que lecionam na Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, encontramos períodos que variaram entre 5 e 15
anos em média. Dez desses/as professores/as estão submetidos/as à condição de minicontratação e duas são professoras concursadas pelo município, hoje à disposição do
estado de Pernambuco para atuarem nas escolas indígenas de seu povo.
36
O Curso de Licenciatura Intercultural é realizado pela UFPE – Campus Caruaru e voltado
exclusivamente para a formação de professores indígenas.
138
Segundo reportagem do Jornal do Commercio de 10/11/2011, sob o título “MPPE
pressiona Estado a nomear 152 professores” com o subtítulo “Promotoria exige que governo
convoque docentes do concurso de 2008 e contrate outros 5.338 para suprir déficit na rede”,
são 1.086 professores temporários que lecionam em turmas de Educação Escolar Indígena
em Pernambuco. Essa não é uma situação exclusiva das escolas indígenas, uma vez que são
13.167 professores temporários em toda a rede estadual, o que levou as promotorias de
Educação e do Patrimônio Público de Pernambuco a ingressarem com uma ação civil
pública contra o Estado. Outra ação movida pelas mesmas promotorias que diz respeito à
Educação Escolar Indígena se refere ao pedido feito diretamente à Justiça para que cobre do
Estado uma multa no valor de R$ 27,3 milhões devido ao não cumprimento do Termo de
Adesão de Conduta (TAC) assinado em 2008 pelo então Secretário de Educação e pelo
Procurador Geral do Estado. Por meio desse TAC o Estado de Pernambuco assumiu o
compromisso de realização de concurso público para professores indígenas e de educação
especial e essa se constitui na terceira ação movida contra o Estado, a exigência para que
esse Termo de Adesão de Conduta – TAC, seja efetivamente cumprido.
A condição de mini-contrato ou contrato temporário é complexa, além de
aparentemente dúbia, uma vez que para fazer valer os direitos conquistados e garantidos
pela Constituição Federal de 1988 referentes à organização social, política, econômica e
escolar próprias de cada povo, o estado não tem cumprido a exigência legal de
realização de concurso público. Na Convenção 169 da OIT, parte III que trata sobre
contratação e condições de emprego, no parágrafo 1 consta a seguinte declaração:
Os governos deverão adotar, no âmbito da legislação nacional e em
cooperação com os povos interessados, medidas especiais para
garantir aos trabalhadores pertencentes a esses povos uma proteção
eficaz em matéria de contratação e condições de emprego, na medida
em que não estejam protegidas eficazmente pela legislação aplicável
aos trabalhadores em geral.
Submetidos a mini-contratos ou contratos temporários os professores recebem
salários abaixo daqueles que remuneram os professores da rede estadual de ensino, não
têm acesso a bônus e premiações funcionais, a exemplo do computador doado a cada
139
professor/a como parte do projeto de inclusão digital e do bônus para compra de livros
na Bienal do Livro realizada anualmente.
Até 2010 os professores indígenas Fulni-ô percebiam salários no valor de R$
300,00. Em 2011 passaram a perceber o valor de R$ 700,00, o que já representou um
avanço. A defasagem salarial para esses professores com a formação apresentada e os
anos de trabalho dedicados à escola não é pequena. Possivelmente, hoje um professor da
rede estadual nas mesmas condições de formação/tempo de serviço perceba salário entre
R$ 1.300,00 e R$ 1.500,00. A condição de mini-contrato ou contrato temporário
também lhes retira o direito de acesso aos serviços de saúde do SASSEPE órgão
responsável pela prestação de serviços de assistência à saúde aos servidores públicos
estaduais e aos seus dependentes, no âmbito do estado de Pernambuco. Novamente nos
reportamos à Convenção 169 da OIT, ainda na parte III que afirma em seu parágrafo 2
que
Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para evitar
qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes aos povos
interessados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a: a)
acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados e às medidas
de promoção e ascensão; b) remuneração igual por trabalho de igual
valor; c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho,
todos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados
do emprego, bem como a habitação.
Para ter direito ao seu ritual de três meses de retiro no Ouricuri, os/as
professores/as Fulni-ô trabalham de segunda a sábado no período de dezembro a agosto
como forma de cumprir os 200 dias letivos determinados pela LDB 9394/96, embora a
Constituição Federal de 1988, por meio do Artigo 231 tenha reconhecido aos povos
indígenas o direito a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, ou
seja, o direito à vivência e prática de suas expressões socioculturais.
São muitos os conflitos vivenciados no cotidiano da Escola Estadual Indígena
Fulni-ô Marechal Rondon, conforme sinaliza a Coordenadora C2:
“Nossa escola corre contra o tempo pra trabalhar conteúdos, tanto os
que o estado exige quanto os nossos conteúdos específicos. Aí eu
140
acho, na minha concepção como coordenadora e como professora, eu
tô na coordenação apenas há dois anos, aí eu acho que tá longe de
acontecer isso porque exigem que a gente trabalhe os conteúdos
porque no fim do ano tem provinha isso, provinha aquilo, as
avaliações nacionais, e na realidade nossa história, nossa cultura fica a
parte, fica mais distante porque nós como professores vamos trabalhar
o que nos é cobrado naquele momento pelo estado. As cadernetas vêm
de um jeito, é do jeito deles, é cobrado as OTM37, a BCC38, aí a gente
deixa a nossa cultura um pouco mais distante porque o que é
trabalhado
é
através
da
interdisciplinaridade,
mas
a
interdisciplinaridade é difícil, não são todos os professores que têm o
domínio de trabalhar assim porque é difícil, é fácil quando você já tem
a prática, você já aprendeu, mas pra aprender leva tempo.
O Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, no 1º semestre de 2011
estava discutindo a categoria Professor Indígena, muito embora, segundo a Técnica
Educacional 2, membro da equipe fundadora da Unidade de Educação Escolar Indígena
da Secretaria Estadual de Educação, essa categoria já está criada, viva e atuando dentro
das escolas indígenas. O próprio Ministério Público fez intervenções a esse respeito e
vem prorrogando o prazo para resolução do problema a cada dois anos.
Professores/as Fulni-ô demonstram criticidade sobre os aspectos que envolvem a
relação com não-indígenas e com o estado. Embora sejam gratos pelas atenções
dispensadas às suas demandas e necessidades, reconhecem que isto é decorrente das
mobilizações dos povos indígenas em Pernambuco, bem como de suas reivindicações
para concretização de direitos adquiridos. Ao mesmo tempo em que professores/as
Fulni-ô demonstram serem possuidores de liberdade e autonomia, o que poderá estar
relacionado aos aspectos socioculturais e ao respeito incondicional às lideranças
Cacique e Pajé que, segundo eles, estão acima de tudo em suas vidas, também
demonstram dedicação no cumprimento de algumas normas e aprendizagens para
atender aos controles e burocracias do estado.
Em um dos períodos da pesquisa de campo presenciamos diversos/as
professores/as procurarem as coordenadoras para entender a matriz de planejamento de
aula que a GRE-Garanhuns, encaminhou solicitando que fosse preenchida e entregue
semanalmente às coordenadoras para analisarem e enviarem à GRE. A coordenadora C1
37
38
OTMs – Orientações Teóricas Metodológicas
BCC – Base Curricular Comum
141
perguntou-nos: “Você entende de planejamento, muié? Pode ajudar nós nisso?”
Pedimos para dar uma olhada na matriz de planejamento da GRE e afirmamos
positivamente. Agendamos para sexta-feira à noite na Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon e imediatamente foi avisando a equipe de professores. Confessamos
ter pensado: “Não vai ninguém! Discutir planejamento, numa sexta-feira à noite para
conseguir preencher matriz de planejamento da GRE? Não vai ninguém.” Quando
chegamos à escola, tomamos o maior susto ao ver a quantidade de professores/as
presentes no auditório para aprender a preencher a matriz de planejamento da GRE.
O que pudemos observar por meio da convivência com e no cotidiano da Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon foram professores/as estudiosos que
reconhecem a importância e valorizam a educação escolar para si e para a sua
comunidade, além de serem bem-humorados, dedicados ao trabalho e muito
preocupados em buscar e dar o melhor para seus alunos/as.
4.4.2 Calendário diferenciado: espaço e tempo pedagógico Fulni-ô
É válido opinar pela organização livre de uma programação própria no
que tange ao currículo, como duração diária e anual. No caso das
escolas indígenas, o importante não está no cumprimento rígido da
temporalidade da escola, mas na garantia da observância e do respeito
às qualidades sócio-culturais das diversas comunidades indígenas.
Nessas condições, desenvolver um currículo deve ser entendido como
a execução de programas específicos, incluindo sempre e
necessariamente os conteúdos culturais correspondentes às diversas
comunidades indígenas, em atenção ao disposto no artigo 79, da LDB,
garantida a flexibilização e a contextualização adequada às condições
dos respectivos povos indígenas. (Parecer 14/99 Estrutura e
Funcionamento da Escola Indígena.)
A Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, bem como todas as
escolas do referido povo possuem calendário escolar específico e diferenciado das
demais escolas do estado e dos demais povos indígenas em Pernambuco. O povo Fulniô é o único no estado que possui ritual sagrado e secreto com duração de três meses em
reclusão durante o ano. O calendário escolar inicia em dezembro após a saída do
142
Ouricuri e segue até o mês de agosto, como forma de respeitar o direito garantido pela
Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo em que garante os 200 dias letivos
determinados pela LBD 9394/96.
Tal calendário deve ser elaborado pela comunidade escolar Fulni-ô
contemplando todos os 200 dias letivos, incluindo os sábados, as datas comemorativas e
os feriados nacionais, estaduais e locais de acordo com os valores da cultura do povo.
No entanto, deve ser encaminhado à GRE-Garanhuns para ser analisado e validado
pelos técnicos educacionais. Nesse caso, o calendário 2011 das escolas estaduais
indígenas Fulni-ô foi referendado pelo silêncio da Secretaria de Educação de
Pernambuco, pois o ano letivo terminou e as escolas não obtiveram resposta alguma.
Analisando as datas comemorativas registradas no calendário 2011 das escolas
estaduais indígenas Fulni-ô, em comparação com as respectivas datas encontradas no
calendário 2011 das escolas estaduais não-indígenas encontramos as seguintes
situações:
A) Datas comuns aos dois calendários analisados: Natal, Ano Novo, Carnaval,
Paixão de Cristo, Tiradentes, Dia do Trabalho e São João.
B) Feriados apenas para as escolas estaduais indígenas Fulni-ô: Nsª da Conceição,
Dia do Índio e Corpus Christi.
C) Feriados apenas para as escolas estaduais não-indígenas: Independência do
Brasil, Nsª Srª Aparecida, Dia do Professor, Dia do Funcionário Público,
Finados e Proclamação da República.
Estamos diante de um calendário escolar que além de ser específico e
diferenciado, pois começa em dezembro e termina em agosto de cada ano, poderíamos
afirmar que também é intercultural, em função das expressões religiosas do povo Fulniô que considera importante para si algumas datas da Igreja Católica Romana, a exemplo
de Nsª da Conceição e Corpus Christi, bem como o Dia do Índio que é feriado apenas
para as escolas estaduais indígenas Fulni-ô. Fazendo parte dessa cultura Fulni-ô, fruto
da interculturalidade consequência do contato secular do povo Fulni-ô com os nãoindígenas, encontramos também os feriados do Natal, Ano Novo, Carnaval, Tiradentes e
143
Dia do Trabalho. O que continuamos sem compreender é a razão da Festa da Aldeia que
é tão importante para o povo Fulni-ô, não estar contemplada no respectivo calendário
escolar.
Quanto às situações apresentadas do item C, não saberemos se poderiam ser
consideradas enquanto feriado pelos Fulni-ô, caso as escolas funcionassem e se não o
são apenas porque coincidem com o período de reclusão do Ouricuri.
O Artigo 4º do Decreto Nº 24.628 de 12 de agosto de 2002 que trata sobre a
Estadualização da Educação Escolar Indígena define que:
As escolas indígenas, respeitados os preceitos constitucionais e legais
que fundamentam a sua instituição e normas específicas de
funcionamento, desenvolverão suas atividades de acordo com o
proposto no projeto pedagógico e regimentos escolares, com as
seguintes prerrogativas: I - organização das atividades escolares,
independente do ano civil, respeitado o fluxo das atividades
econômicas, sociais, culturais e religiosas; e II - duração diversificada
dos períodos escolares, ajustando-se às condições e especificidades
próprias de cada povo ou comunidade indígena.
O que percebemos é que uma das festas mais importantes para o povo, chamada
“Festa da Aldeia” que é a festa de Yassaklana, Nossa Senhora, não está contemplada
enquanto feriado escolar, como é o caso do dia 8 de dezembro de cada ano que consta
enquanto feriado no calendário das demais escolas não-indígenas do estado. Em 2011, o
período dessa festa coincidiu com a nossa presença em campo e pudemos perceber a
angústia vivenciada por professores/as, alunos/as, pais/mães, equipe de gestão, pois
todos se envolvem nessa festa. As equipes são formadas de acordo com as famílias que
se dividem nas noites da festa e cada grupo de pessoas tem uma função na organização e
concretização de todas as etapas: limpeza da Igreja, decoração, preparação do andor da
imagem, os cânticos, músicos, instrumentos, leituras, falas, discursos.
Além da festa em si que modifica toda a rotina da escola, também existe muito
trabalho para a sua realização. São muitos os eventos que ocorrem durante o dia
também. É uma semana de festa, mas é no dia do ‘baile’ que a dificuldade/conflito é
144
mais acentuado considerando os critérios de animação e organização. Provavelmente o
feriado devesse ser nesse dia. O que dificulta é não haver nenhum espaço no calendário
para reposição de aula e inclusão de feriados tão importantes para o povo Fulni-ô.
Outros aspectos a serem registrados e analisados dizem respeito ao sábado ser
considerado dia letivo. Inicialmente porque não há espaço no calendário para reposição
de aulas. Aparentemente, o/a professor/a Fulni-ô não tem direito sequer a adoecer, pois
no quadro de professores não há alguém que o substitua e ele/a não poderá compensar
essa aula posteriormente. A outra situação refere-se a formação desse/a professor/a,
cujas graduações e especializações são oferecidas por algumas universidades mais
acessíveis aos aguasbelenses nos dias de sábado contemplando o horário integral. E
finalmente, não tem sobrado muito tempo para leituras e dedicação aos estudos fora de
sala de aula, bem como para a vida pessoal, considerando ainda que, os Fulni-ô se
casam muito cedo, salvo alguma exceção, portanto, a maioria dos professores/as é
casada e tem filhos.
O horário de aula do Ensino Fundamental I pela manhã é de 07h30min as 12h e
no turno da tarde é de 13h as 17h30min. Os/as alunos/as Fulni-ô convivem com
ambiente escolar em dois turnos. Porém as escolas Fulni-ô funcionam nos três turnos:
manhã, tarde e noite. Em um dos turnos, alunos/as estão assistindo as aulas do ensino
regular nas escolas Fulni-ô ou nas escolas não-indígenas da cidade de Águas Belas e no
outro turno elas estão assistindo aulas exclusivas de Yaathe. Após essa constatação
ficamos pensando se haveria uma maneira de resolução para compensação do sábado,
inclusive porque alunos/as e professores/as demonstram cansaço físico, provavelmente
em função do contexto apresentado. No período de segunda à sexta-feira, as crianças
Fulni-ô passam o dia inteiro na escola.
Em conversa com a Coordenadora Geral, sugerimos que verificasse junto à SEPE a possibilidade de ocupar os sábados com o Projeto Escola Aberta desenvolvendo
oficinas voltadas para as crianças, os pais, a comunidade em geral, que envolvessem
aspectos da cultura Fulni-ô, de maneira que pudessem se fortalecer etnicamente, além
de desenvolver habilidades e competências que possam gerar renda para as famílias
indígenas.
145
A esse respeito Grupioni (2008, p. 164) afirmou em sua Tese de Doutorado que
apesar da legislação apontar para as possibilidades de arranjos próprios de tempo,
organização curricular, calendário e carga horária específica, é visível o descompasso
entre o que os sistemas de ensino exigem e o que se pratica de fato nas escolas
indígenas. E defendeu ainda o autor que “Propiciar condições para que os professores
indígenas possam refletir a respeito de que conhecimentos a escola indígena deve tratar
vem sendo um calcanhar de Aquiles nas propostas de formação de professores indígenas
praticadas País afora”.
A LDB 9394/96, no Título I – Da Educação, Artigo 1º e parágrafos 1° e 2°
assegura que:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais, (Art 1°). Esta Lei disciplina a
educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do
ensino, em instituições próprias (§ 1°). A educação escolar deverá
vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. (§ 2°).
Portanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Brasil não se
limita a aprendizagens formalmente construídas e fechadas dentro dos muros escolares.
No parágrafo 1º do referido título encontramos a seguinte declaração: “Esta Lei
disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do
ensino, em instituições próprias”. ‘Predominantemente’ não significa o mesmo que
exclusivamente por meio do ensino em instituições próprias. No parágrafo posterior há
uma defesa de vinculação da educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social.
Ora, uma das práticas sociais mais importantes para o povo Fulni-ô está
estritamente relacionada ao ritual do Ouricuri. Portanto, cremos que seja necessário e
urgente que se pense em uma forma de valorização das aprendizagens decorrentes dessa
convivência anual por três meses, enquanto experiências educativas que devem ser
consideradas pelas escolas estaduais indígenas do povo Fulni-ô. Se assim o for o
período letivo das escolas estaduais indígenas Fulni-ô poderão ter mais que 200 dias
letivos. Como fazer isso? Não temos uma fórmula. A saída que vemos é o diálogo. É
146
possível pensar e procurar um caminho para concretização dessa proposta de forma
coletiva, ouvindo o próprio povo, inclusive porque “Ouricuri” também significa
“segredo”, mistério, algo desconhecido pelos não-indígenas, portanto, uma tática
encontrada para ser historicamente respeitado pelos moradores da cidade de Águas
Belas.
As escolas localizadas nas aldeias do povo Fulni-ô são públicas estaduais, mas
ao mesmo tempo são indígenas, devendo levar em consideração as aprendizagens
decorrentes das práticas sociais do próprio povo, pois em contrário, poderá incorrer no
risco das primeiras escolas brasileiras para indígenas à época da colonização que
valorizavam apenas os conhecimentos escolares e estes tratavam de uma cultura única,
homogênea, dominante que não era àquela vivida e praticada pelos alunos, os indígenas.
As legislações brasileiras pós-Constituinte de 1988 trazem em seu texto uma
flexibilidade que permite o respeito à diversidade e a prática de uma escola
genuinamente específica, diferenciada e intercultural.
4.4.3 Merenda e material escolar: atendimento às demandas Fulni-ô pelo
estado
Ao conviver com a comunidade escolar em função do período de coleta de dados
observamos que o estado por meio de suas ações parece afirmar: ‘Respeito a sua
organização própria, o seu calendário diferenciado desde que vocês se adéquem ao
sistema, a padronização, aos procedimentos do estado’. O calendário das escolas Fulniô é específico e diferenciado, embora toda a infra-estrutura para o funcionamento das
mesmas seja disponibilizada de acordo com o calendário letivo das demais escolas nãoindígenas do estado de Pernambuco. Presenciamos a chegada de alguns materiais
importantes para a organização do ano letivo. No entanto, sem qualquer respeito ao
calendário específico e diferenciado, os diários de classe só chegaram às escolas após
meados de fevereiro e materiais como livro didático, fardas, lápis, borracha, canetas, só
foram entregues às escolas em final de março de 2011, o que para uma escola cujo ano
letivo se encerra em agosto, no caso, as escolas Fulni-ô estariam próximas de concluir o
1º semestre.
147
Um dos documentos elaborados pelo Governo Federal, Caderno SECAD (p.21)
traz a seguinte afirmação sobre a escola indígena: “[...] será específica a cada projeto
societário e diferenciada em relação a outras escolas, sejam de outras comunidades
indígenas, sejam das escolas não-indígenas”. E continua o referido documento:
A escola indígena se caracteriza por ser comunitária, ou seja, esperase que esteja articulada aos anseios de comunidade e a seus projetos
de sustentabilidade territorial e cultural. Dessa forma, a escola e seus
profissionais devem ser aliados da comunidade e trabalhar a partir do
diálogo e participação comunitária, definindo desde o modelo de
gestão e calendário escolar – o qual deve estar em conformidade às
atividades rituais e produtivas do grupo - até os temas e conteúdos do
processo de ensino-aprendizagem.
De acordo com a Coordenadora Geral e as Coordenadoras Pedagógicas, o estado
envia merenda escolar em outubro ou novembro, meses em que os Fulni-ô estão no
ritual do Ouricuri e as escolas não estão funcionando, pois é o período de recesso
escolar em respeito ao Ouricuri:
“O atendimento à merenda escolar é realizado de acordo com a
programação das demais escolas da Rede Estadual não-indígena. Em
2009 eu procurei a Secretaria de Educação para falar sobre essa
situação porque a gente inicia o ano letivo no mês de dezembro e só
começa a receber a merenda lá para o mês de março. Antes era no mês
de abril o que correspondia ao nosso 2º semestre letivo. As escolas
indígenas pertencem à Rede Estadual de Educação, porém ela não está
preparada para trabalhar com escolas indígenas...Conversamos com o
setor de Marieta Pinho Barros que é responsável por isso e tem uma
nutricionista chamada Delza e perguntamos se havia possibilidade de
suspender o fornecimento da merenda no período de recesso escolar
que ocorre durante os meses de setembro, outubro e novembro porque
nesse período todo a merenda chega à escola sem a gente ter local
adequado e suficiente para armazenar, mesmo a gente querendo
armazenar para o mês de dezembro, tem alimentos perecíveis que se
não forem armazenados em local adequado irá alterar a sua qualidade.
A gente preocupada com essa situação mais uma vez falamos com a
Secretaria de Educação e Delza pediu que oficializássemos isso e eu
fui pessoalmente levar o documento pedindo para suspenderem esse
fornecimento. Eles ficaram de contactar com os fornecedores, porém
continuou o atendimento do mesmo jeito... Não adianta respeitar um
calendário e não se programar em cima dele. O respeito é apenas
permitir que a gente comece as aulas no mês de dezembro ‘comecem,
não é para começarem, então comecem’ e pronto.” (Coordenadora C1
das Escolas Fulni-ô)
148
Há um reconhecimento de todos da comunidade escolar, e porque não dizer, os
membros do povo Fulni-ô sobre a qualidade da merenda escolar enviada pelo estado.
Entretanto, as dificuldades decorrentes da ausência de respeito a um calendário
elaborado pelo povo e sua liderança e respaldado/aprovado pelo estado são complexas,
especialmente porque estamos tratando sobre alimentos. A equipe de gestão escolar
precisa fazer, segundo afirmou, “malabarismos e meter a cara senão, não consegue”. No
período do Ouricuri, os Fulni-ô precisam sair algumas vezes do ritual para receberem
merenda escolar, sem estrutura ou condições de armazenamento para tanto, a exemplo
dos frangos, carnes e outros alimentos perecíveis. A decisão tomada é de guardar o
máximo de alimentos que conseguirem, levarem os alimentos perecíveis e/ou próximos
a vencerem a validade para o Ouriciri e as merendeiras produzirem a merenda que é
servida aos estudantes, apesar de estarem em recesso. Essa é uma das formas encontrada
para não jogarem alimento no lixo, numa comunidade de poucas condições
socioeconômicas.
4.4.4 Currículo e as aulas de Yaathe: como se pratica o bilinguismo Fulni-ô?
Capítulo II - Da Educação Básica. Seção III - Do ensino Fundamental.
Art. 32 § 3º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
LEI Nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996
A língua falada pelo povo Fulni-ô é o Yaathe, símbolo de sua resistência e força,
cujo significado os indígenas afirmam ser “nossa boca, nossa fala, nossa língua”. Na
década de 1920, o povo Fulni-ô foi bastante perseguido pelos coronéis e jagunços da
cidade de Águas Belas-PE, inclusive tendo sido proibido de falar sua língua materna, o
Yaathe.
149
O preconceito e a discriminação contra os indígenas também contribuíram para a
quase extinção da língua materna do povo Fulni-ô que falava o português
cotidianamente. O Yaathe era comumente falado apenas pelos mais velhos e
frequentemente usado em suas comunicações entre si, quando desejavam não serem
entendidos pelos não-indígenas.
Para Barbalho (2003, p. 209) o Yaathe constitui o maior patrimônio cultural dos
Fulni-ô e “não é por mera insistência que os Fulni-ô atribuem aos falantes do Yaathe um
destaque particular em sua sociedade”, mas porque ela aparece como fator de autoidentificação. O sentimento de identidade indígena Fulni-ô é garantido e assegurado
pela maior consciência da afirmação dos seus valores socioculturais. O Yaathe tem seu
valor histórico e social para o povo Fulni-ô por meio de seu significado imediato e vivo.
Ainda de acordo com o citado autor, se pudéssemos atribuir à língua o mesmo
pré-requisito que os indígenas fazem em relação à participação no Ouricuri, ou seja, à
condição de ser fulni-ô, ela teria um valor coercitivo inflexível. No entanto, ela é mais
flexível, apesar de ser o veículo de transmissão da cultura do povo e conter as normas
que asseguram o funcionamento da sociedade, em geral e o estabelecimento dos papéis
sociais – familiar ou individual – em particular.
A experiência do povo Fulni-ô com o bilinguismo é tão antiga quanto o seu
contato com as sociedades não-indígenas, no entanto, o bilingüismo formal dentro da
escola foi iniciado a partir de meados da década de 1980, por iniciativa do próprio povo,
quando o Cacique, Sr. João Francisco dos Santos Filho, comumente conhecido por João
de Pontes, apoiado pela professora Marilena39 criou a Escola Bilingue Antônio José
Moreira. Ao perceberem que a língua materna de seu povo poderia desaparecer com a
morte dos anciões, uma vez que até nas aldeias a língua utilizada pelos Fulni-ô para se
comunicarem entre si era o Português, eles ressignificaram a escola considerando-a uma
aliada nesse processo, tendo como resultado o fato de ser hoje o único povo indígena no
Nordeste, excetuando o Maranhão, que se mantém falante de sua língua materna.
39
Marilena Araújo de Sá, além de ser professora é falante da língua Yaathe
150
Segundo a professora E, a Escola Bilingue Antônio José Moreira é exclusiva
para o povo Fulni-ô, recebendo crianças a partir de dois anos e meio de idade, pois a
gestão local da respectiva escola compreende que dessa maneira é mais fácil aprender
Yaathe, quando estão iniciando o processo de aquisição da fala, entretanto, recebe
pessoas de todas as idades. A matrícula ocorre após sondagem e conscientização da
própria criança sobre o nível de domínio da língua materna.
O objetivo maior da escola é trabalhar a oralidade e a escrita do Yaathe, na
tentativa de que a primeira fala das crianças ocorra por meio da língua materna. As
aulas são ministradas utilizando palavras e objetos da própria cultura e uma cartilha
própria. Em função da demanda, quando necessário a escola funciona de domingo a
domingo, nos turnos manhã, tarde e noite para atender àqueles que não podem
frequentar as aulas em dias e horários mais regulares.
O que pudemos perceber por meio da pesquisa de campo é que o povo Fulni-ô
possui uma compreensão sobre a importância do Yaathe para o fortalecimento de sua
identidade e a afirmação de sua cultura.
No documento Proposta Pedagógica das escolas Fulni-ô correspondente ao
período 2009-2010 o bilinguismo aparece apenas enquanto eixo temático indígena em
conjunto com os temas História, Terra, Identidade, Interculturalidade e Organização. A
língua materna Yaathe foi inserida no currículo formal das escolas estaduais localizadas
nas Aldeias Grande e Xyxyaklá em 2010 para ser ensinada a partir de 2011. Porém,
ainda possui uma carga-horária reduzida em relação a disciplina de Língua Portuguesa e
igual a disciplina de Inglês. São seis horas/aula por semana destinadas à Língua
Portuguesa e apenas duas horas/aula para a Língua Materna Yaathe.
As crianças demonstraram maior envolvimento e entusiasmo com as aulas de
Yaathe. Vibram com as aulas, solicitam que os professores continuem após o término
das aulas. Em uma determinada sala de aula as crianças fizeram um movimento batendo
nas carteiras escolares e cantando alto o nome do professor: “Queremos L, queremos L,
queremos L”, em uma tentativa de manter a continuidade da aula. Perguntamos para
algumas crianças de ambos os turnos e de turmas diferenciadas sobre qual ou quais
eram as aulas que mais gostavam e a resposta foi “As aulas de Yaathe”. Ao
151
perguntarmos sobre o porquê, nos responderam “Porque nós aprende nossa cultura,
nossas tradições”; “Porque fala de nós, de nosso povo”.
O critério para ser professor de Yaathe é ser falante da língua. Existem os/as
professores/as polivalentes e os professores de Yaathe. Há um sentido de proteção da
etnia por meio da preservação e manutenção de sua língua materna entre o próprio
povo. Portanto, as crianças não-indígenas matriculadas nas escolas estaduais Fulni-ô
aguardam fora de sala de aula e não podem participar porque o domínio da língua
materna é de exclusividade de membros do próprio povo. As crianças e adolescentes
Fulni-ô estudam um horário na escola regular indígena ou não, e outro horário estudam
só a língua materna, mesmo aqueles que têm aula de Yaathe na escola indígena regular.
Podemos pensar por meio da visão de Michel de Certeau, que essas são algumas
táticas utilizadas pelo povo Fulni-ô para favorecer a vida de sua língua materna e de sua
cultura, pois à medida que as crianças e adolescentes estudam e aprendem o Yaathe
também aprendem os valores e a cultura do próprio povo. Conforme afirmação de um
professor de língua materna: “Yaathe é uma língua viva”.
Ao perguntar para as crianças do 2º ano sobre o que elas aprendem na escola
referente a cultura de seu povo, elas responderam “Yaathe”. Para as crianças do 1º ano
perguntamos qual a aula que elas mais gostavam. A resposta obtida foi Ciências e
Yaathe o que nos leva a pensar sobre o quanto as crianças gostam de sua cultura, pois as
aulas de Ciências frequetemente trazem saberes e conhecimentos do povo Fulni-ô para a
sala de aula e a aprendizagem da língua materna na escola está diretamente relacionada
à aprendizagem de valores e aspectos socioculturais do povo Fulni-ô, inclusive de
informações mais específicas e sigilosas dos rituais.
Quando entrevistamos a equipe de gestão escolar, professores/as e conversarmos
com alguns pais e mães perguntamos sobre a diferença entre a Escola Estadual Indígena
Fulni-ô Marechal Rondon e as escolas não-indígenas onde eles estudaram. A diferença
recorrente nas respostas e ao mesmo tempo um dos motivos mais forte para os filhos
estudarem nas escolas do seu povo é a aprendizagem da Língua Materna e, por
conseguinte, de sua cultura.
A Língua Materna Yaathe aparenta ser complexa, uma vez que uma palavra
poderá significar uma expressão ou uma frase, há repetição de letras para fornecer o
152
som/pronúncia, uso frequente das letras k, w e y, além dos acentos circunflexo e til. A
escrita de algumas palavras pode ocorrer de diversas formas, a exemplo do número seis
que pode ser escrito por meio da junção dos nomes de outros números cujo resultado
seja seis. Em função dessa complexidade ainda existem palavras e expressões da Língua
Yaathe que não foram traduzidas para a Língua Portuguesa.
O Parecer 03/99 CNE/CEB reconhece que a escola deve constituir-se enquanto
espaço de diálogo entre saberes e conhecimentos de comunidades indígenas e nãoindígenas, nas respectivas regiões, proporcionando a convivência cidadã e pacífica,
respeitando a pluralidade cultural, portanto assegurando a prática da interculturalidade.
As aulas de Yaathe se expressam e confirmam que a Escola Estadual Indígena
Fulni-ô Marechal Rondon é formal e informalmente específica e diferenciada, pois não
existe outra escola (a não ser nas aldeias do povo Fulni-ô) onde possamos encontrar
uma Língua Yaathe formalmente inserida no currículo ou frequentemente falada em
seus espaços informais. A interculturalidade se efetiva à medida que Língua Yaathe e
Língua Portuguesa interagem facilitando a aprendizagem e conhecimento de ambas,
acompanhadas do diálogo entre seus aspectos socioculturais que permeia a prática do
bilinguismo envolvida no cotidiano e na convivência do povo Fulni-ô dentro e fora da
escola.
4.4.5 Presença dos pais na escola e o que pensam sobre a Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon
A presença dos pais na escola é sempre bem-vinda. A família pode entrar e sair
da escola ou da sala de aula de seu filho/a todas as vezes que achar necessário. Os
pais/mães não precisam pedir licença, perguntar se podem entrar ou pedir para
chamarem seu filho/a. O trânsito é livre, tranquilo e silencioso e sua presença “não
perturba a ordem” porque ela faz parte dessa ordem. A escola Fulni-ô é deles também,
está na comunidade e é parte dela.
Presenciamos uma situação de uma criança que tinha levado a camisa da escola,
mas estava na sala de aula sem utilizá-la. A mãe entrou na sala, sem necessitar pedir
licença, falou com seu filho que colocou a camisa e a aula não foi interrompida. Tudo
153
parece muito sliencioso. Fulni-ô é suave no andar e no falar, seus passos são leves, não
são pesados, não fazem barulho e seu timbre de voz, em geral, é baixo.
Os pais são famílias dos professores/as, funcionários/as e equipe de gestão
escolar. Todos são uma só família. As crianças são filhos/as, sobrinhos/as, afilhados/as,
primos/as, irmãos/ãs daqueles que trabalham na escola. A comunicação entre a família e
professores/as flui com facilidade, acontecendo formalmente na escola e informalmente
na própria comunidade, mesmo assim alguns pais/mães sentem falta de mais reuniões
na escola.
É comum ver algum pai ou mãe de aluno/a sendo voluntário em alguma
atividade na escola, envolvidos na concretização de algum projeto, colaborando,
contribuindo para uma escola que é dele, que lhe pertence. Podemos ilustrar essa
situação exemplificando-a por meio de um dia de sábado na escola. Foi organizado um
cinema no auditório e vimos tantos adultos participando dessa organização (arrumando
as cadeiras para as crianças, cobrindo janelas para deixar o espaço apropriado à
projeção, ajustando ventiladores, datashow, som, dentre outros) transitando com tanta
propriedade pelo espaço da escola que resolvemos perguntar à Coordenadora do Ensino
Fundamental I, C1, se eram todos professores/as da escola e ela respondeu
simplesmente que não, eram pessoas da comunidade, pais/mães de alunos/as da escola
ou parentes de quem trabalha lá.
Quando conversamos com algumas mães e pais que passavam pela escola para
deixar ou pegar seus filhos/as recebemos as seguintes respostas sobre a importância da
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon:
“Aqui tem aula de Yaathe”; “Tem mais liberdade pra nós e pras crianças”; “É perto de
nós”; “É mais seguro porque na cidade ninguém sabe o que acontece e tem carro, moto,
muito movimento”; “Respeita o período do Ouricuri”; “Os professores e as professoras
são qualificados, capacitados, formados em Pedagogia”; “Oferece boa merenda
escolar”; “A estrutura física é boa com salas de aula, banheiros”; “Tem funcionários”;
“As crianças estão no meio que elas se identificam; estão em casa; as pessoas são do
mesmo jeito delas e não se sentem desfocadas”; “A linguagem é compreendida por
todos”; “Conhecemos as professoras”; “Temos liberdade para dizer o que os nossos
154
filhos não estão gostando e a professora sabe como explicar a situação pra nós”; “Aqui
ensina os mesmos conteúdos das outras escolas, os conteúdos brasileiros, mas também
estuda a cultura do nosso povo e sobre os nossos antepassados”; “Não sofremos
discriminação”.
Os pais/mães reconhecem a importância da escola e valorizam-na em sua
comunidade, pois parecem compreender que essa escola possui a sua marca Fulni-ô. Há
um sentido de pertencimento. O estado é o mantenedor por dever, uma vez que a Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rodon é pública e é direito do povo Fulni-ô, mas
essa escola agora lhe pertence e é diferente das demais escolas, especialmente daquelas
situadas na cidade de Águas Belas onde os Fulni-ô estudaram, ou alguns, tentaram
estudar. Sabem que precisam da escola, mas ela não está acima de sua cultura ou melhor
dizendo de seu ritual do Ouricuri, por isso nas terças e quartas-feiras dos meses de
janeiro a maio de cada ano que são dias de Ouricuri também, os pais/mães entram na
escola, aproximadamente a partir das 15h, se dirigem as salas de aula de seus filhos/as e
levam-nos embora com total autoridade e autorização das professoras que nesses dias
encerram as aulas às 16h, pois também necessitam se dirigir ao Ouricuri. No dia
seguinte as aulas iniciam normalmente às 07h30. Para os Fulni-ô essa escola é
diferenciada porque em nenhuma outra haveria esse respeito ao seu ritual que só
professores/as, funcionários/as e equipe de gestão escolar Fulni-ô sabem dar
importância porque são parte dessa cultura também. Segundo alguns pais e mães “a
compreensão é outra”.
Pensamos nas ideias de Certeau sobre lugar e espaço quando afirmou que o lugar
pertence ao poder e o espaço representa o lugar transformado e tomado posse por
aqueles que possuem um não-lugar. Com suas táticas e fazendo uso da bricolagem40 os
consumidores da política pública para Educação Escolar Indígena em Pernambuco,
nesse caso, os Fulni-ô, fazem um uso próprio da escola que representa o lugar do estado,
apropriando-se e transformando esse lugar em espaço próprio, seu, do seu jeito, com a
40
Bricolagem na visão certoriana é fazer uso de algo de uma forma própria; ocorre com esses usuários
indígenas, uma “bricolagem” com e na economia cultural dominante, pela possibilidade de descobrir
inúmeras metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas próprias regras. (DURAN, 2007, p.
120).
155
sua “cara”, a sua cultura, apesar da aparente semelhança com qualquer outra escola
existente no Estado de Pernambuco.
A Educação Escolar Indígena Fulni-ô é diferenciada de muitas formas e a
interculturalidade está presente dentro e fora dos muros da escola por meio da
convivência e do contato entre culturas que se encontram, se enfrentam, aprendem e se
redefinem em função de uma relação que é humana e, portanto, cultural e histórica.
4.5 Formação de professores e o respeito ao calendário específico,
diferenciado e a interculturalidade
Em 08 de agosto de 2011 comparecemos pessoalmente à Secretaria de Educação
do Estado de Pernambuco para entregar o Ofício de nº 251/11 encaminhado pelo PPGEUFPE e endereçado à Gerência de Direitos Humanos onde localiza-se a Unidade de
Educação Escolar Indígena. O referido Ofício solicitava acesso a alguns documentos
fundamentais para o desenvolvimento dessa pesquisa: calendário letivo das escolas do
povo Fulni-ô referentes aos anos 2010 e 2011; calendário ou cronograma de Formação
Continuada de Professores Indígenas anos 2010 e 2011; Proposta de Educação Escolar
Indígena de Pernambuco; Atas de todas as reuniões do Conselho Estadual de Educação
Escolar Indígena de Pernambuco.
Até o momento da redação dessa Dissertação, em novembro de 2011 não
obtivemos resposta alguma, apesar de realizar inúmeras ligações telefônicas e de
comparecer pessoalmente à SE-PE na tentativa de conseguir, se não os documentos
solicitados, ao menos uma resposta formal ao referido Ofício para devolver a UFPE.
Recebemos da coordenadora C2 da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon, um calendário da SE-PE intitulado “Formação de Educação Escolar Indígenas
ano 2010” e realizamos nossas reflexões a partir desse documento, bem como de uma
capacitação realizada pela SE-PE e GRE-Graranhuns em 15 de julho de 2011 quando
estávamos presentes no campo de pesquisa.
156
Nesse calendário constam cinco formações que deveriam ter sido realizadas no
período de 28.09 a 26.11.2010: Professores e Gestores Escolares; Construção do
Currículo de Matemática; Professores Alfabetizadores; Professores Séries Iniciais;
Formação dos Técnicos. Essas informações são apresentadas no calendário no item
FORMAÇÃO, como se fossem os títulos/temas de cada acontecimento previsto,
entretanto, parecem referir-se mais aos públicos para os quais essas formações se
destinam. Portanto, os povos indígenas podem estar sendo convocados para formações
das quais desconhecem os conteúdos, pois os títulos/temas não são informados.
Dentre as formações prevista no calendário, os dois momentos voltados para
Professores e Gestores Escolares não aconteceram e a equipe de gestão da Escola
Estadual Fulni-ô Marechal Rondon desconhece também os motivos do cancelamento. O
Caderno SECAD 3 (2007, p.45) assegura que também serão organizados e realizados
cursos de formação continuada a partir de programas contínuos e específicos e não em
eventos isolados de formação.
No calendário de Formação de Educação Escolar Indígena da SE-PE / Unidade
de Educação Escolar Indígena há uma informação que diz respeito ao calendário do
Curso de Licenciatura Intercultural: três momentos reservados com espaços vazios, ou
seja, sem encontros marcados para formação em função do respectivo curso realizado
pela UFPE Campus Caruaru e voltado para professores e professoras indígenas no
estado de Pernambuco.
Esse respeito é coerente, pois a formação em Licenciatura Intercultural também
está prevista nas legislações e confirmada/reforçada pelo Caderno SECAD 3 (2007) no
item 5.1 que versa sobre a formação de professores indígenas em cursos de licenciaturas
interculturais quando declara em seu objetivo geral:
Promover a afirmação das identidades étnicas, a recuperação da
memória histórica e a valorização das línguas e conhecimentos dos
povos indígenas na educação básica intercultural indígena com a
formação de professores indígenas em cursos de licenciaturas
interculturais.
157
Segundo a Técnica Educacional 341 as formações são organizadas por meio de
realização de encontros locais com cada povo indígena especificamente e, o que
poderíamos chamar de encontrões que contam ou contariam com a participação de todos
os povos. No entanto, ao observarmos atentamente o período previsto pelo calendário,
28.09 a 26.11.2010 percebemos que o povo Fulni-ô não poderia participar de nenhum
dos momentos planejados em função de seu retiro espiritual para o Ouricuri que,
conforme apresentado anteriormente, ocorre entre os meses de setembro a novembro,
exatamente no período previsto e informado no calendário da Secretaria de Educação.
Questionamo-nos, se o próprio estado de Pernambuco, que afirma reconhecer e
respeitar os direitos dos povos indígenas, não estaria sendo contraditório, a partir do
momento em que não permite ou favorece a presença/participação do povo Fulni-ô nos
respectivos encontros de formação.
As formações promovidas pela SE-PE podem se constituir em ricos espaços
interculturais favorecidos pela presença dos povos indígenas no estado com seus
diálogos e trocas formais e informais e os técnicos educacionais, representação da
sociedade não-indígena e do Estado. Porém esse mesmo Estado que se preocupou em
respeitar o calendário do curso de Licenciatura Intercultural da UFPE, desrespeitou o
calendário escolar Fulni-ô, bem como o seu ritual sagrado, direitos garantidos pela
Constituição Federal de 1988 e reafirmado pelos demais documentos posteriores.
Os povos indígenas em Pernambuco habitam em distâncias consideráveis de um
para o outro. Esses momentos de formação podem favorecer conhecimento entre eles e
a aprendizagem sobre seus saberes, organização social, política, econômica, cultural e
educacional própria de cada povo, enriquecendo-se e ressignificando seus aspectos
socioculturais. Existem outras aprendizagens que se expressam por meio do
conhecimento sobre os embates e conflitos enfrentados por cada povo, bem como de
41
A Técnica Educacional 3 atua na SE-PE diretamente com formação de professores e tivemos três
oportunidades de conversar pessoalmente com a mesma: na Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon quando ela foi realizar um momento de formação, na Secretaria de Educação de Pernambuco –
SE-PE em sua mesa de trabalho e no 2º Seminário Nacional Escola Presente? Tempo e espaço de
práticas pedagógicas inovadoras, quando apresentamos o trabalho ‘Compartilhando experiências da
prática pedagógica do povo Fulni-ô’.
158
suas formas diferenciadas de resolução de problemas, seguidas da possibilidade de
união e mobilização social em favor dos povos indígenas em Pernambuco.
Até aqui falamos com base no calendário de formação continuada do ano de
2010. Porém no dia 15.07.2011 quando houve o encontro local entre os técnicos
educacionais e o povo Fulni-ô na Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon,
referente a criação de livro didático específico e diferenciado42, a Técnica Educacional 1
responsável informou que o encontrão entre os povos indígenas em Pernambuco
aconteceria no mês de novembro de 2011, momento em que o povo Fulni-ô estará em
seu retiro do Ouricuri.
Em conversa com a referida Técnica Educacional fomos informados que essa
formação está organizada em três momentos presenciais de 16 horas/aula cada
realizados nos meses de abril, julho e novembro, e 102 horas/aula a distância.
Ao final do momento de formação a que nos referimos, a Coordenadora C1 do
povo Fulni-ô, publicamente, fez a seguinte observação e solicitação às técnicas da SEPE / GRE-Garanhuns presentes ao local:
“Pelo que eu entendi hoje, infelizmente, o último momento será só
com Fulni-ô e a gente sabe o quanto é rico trabalhar fazendo parte
dessa interação com todas as outras etnias, o quanto a gente aprende
também com eles, e, consequentemente, eles conosco. No período de
retiro religioso fica muito difícil a gente sair, mas muitas vezes nossas
lideranças cedem esse espaço, flexibilizam para que a gente não perca
oportunidades que a Secretaria de Educação oferece. Então a gente
queria pedir à vocês encarecidamente para levarem essa proposta de
fazerem o último momento junto com Fulni-ô também e não fazerem
o momento final com Fulni-ô sozinho. A gente quer participar com as
outras etnias”.
O último momento previsto para novembro de 2011 a que se refere a
Coordenadora C1 é o encontrão em que cada povo apresentará as suas produções para o
42
Os povos indígenas no estado de Pernambuco por meio da Secretaria de Educação estão elaborando
subsídios / livros didáticos, tendo que trabalhar em turnos diferenciados para não haver interrupção das
aulas e sem nenhuma forma de remuneração extra para isso.
159
livro didático específico e diferenciado. Devemos concordar com a Coordenadora C1
sobre a riqueza intercultural presente nesse tipo de formação.
A Técnica Educacional 1 declarou não ser possível modificar a data em função
do fechamento do E-Fisco43 acontecer dia 02.12 de cada ano, sendo necessário fazer a
prestação de contas, motivo pelo qual a Secretaria não paga hospedagens nos meses de
dezembro e janeiro. O E-Fisco só retorna/reabre após 15.01 para iniciar a organização
dos recursos financeiros referentes ao corrente ano, o que torna inviável para a
Secretaria de Educação realizar um evento nessa proporção, com a presença de todas as
etnias indígenas no estado de Pernambuco. Para justificar tal situação a técnica
educacional discorreu sobre prestações de contas, Tribunal de Contas, administração de
recursos públicos e uso de sistemas informatizados. Enquanto tentava explicar e
justificar a situação, uma professora fez o seguinte comentário com outra colega: “Eu só
queria saber aonde é que está o respeito à Educação Indígena Diferenciada? Em lugar
nenhum!”.
Vale ressaltar que, segundo a Coordenadora C1, essa não foi a primeira vez em
que o povo Fulni-ô ficou à margem desses processos de diálogos, trocas, aprendizagens,
embates, devido ao seu ritual sagrado e que fez pedido semelhante à Secretaria de
Educação.
Em meio a todas as justificativas fornecidas pela Técnica Educacional 1
encontramos a sua tentativa em explicar algo que depende exclusivamente de interesse
político e planejamento da Unidade de Educação Escolar Indígena para que haja efetivo
respeito ao direito constitucional a uma Educação específica, eiferenciada e
intercultural, pois o que a Coordenadora chamou de “oportunidades que a Secretaria
oferece” diz respeito a direitos reivindicados e conquistados por meio das mobilizações
dos povos indígenas no Brasil, reconhecidos na Constituição Federal de 1988 e na LDB
9394/96.
O Artigo 79 da referida legislação estabelece que caberá à União o apoio técnico e
financeiro dos sistemas de ensino no provimuento da educação intercultural às
43
E-FISCO é o sistema eletrônico da Secretaria da Fazenda por meio do qual a SE-PE realiza suas
prestações de contas à União.
160
comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa e em
seu 2º parágrafo destaca os objetivos desses programas integrados, quais sejam:
 Fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade
indígena;
 Manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação
escolar nas comunidades indígenas;
 Desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos
culturais correspondentes às respectivas comunidades;
 Elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.
4.6 O que pensam a equipe de gestão escolar, professores indígenas e
lideranças Fulni-ô sobre a escola específica, diferenciada e intercultural
Iniciamos a reflexão por meio da ideia de interculturalidade apresentada por
Albó (2005, p. 47 e 48) ao defender que uma relação de interculturalidade é qualquer
relação que ocorra entre pessoas ou grupos sociais de culturas diferentes, por
conseguinte, as atitudes de pessoas ou grupos de uma cultura que se referem a
elementos de outra cultura também podem ser chamadas de interculturais.
O referido autor afirmou ainda que existem relações interculturais positivas e
negativas. Essas relações são positivas quando respeitam o que é culturalmente distinto
e as pessoas ou povos envolvidos aprendem e se enriquecem mutua e reciprocamente.
Portanto, apenas a tolerância ao outro não se constitui em interculturalidade. Por outro
lado, a interculturalidade negativa acontece quando leva à destruição ou diminuição
daquilo que é culturalmente diverso/diferente. Em uma perspectiva intercultural positiva
as pessoas ou grupos precisam uns dos outros e, dessa forma, ampliam seus horizontes
na medida em que vão descobrindo as alternativas desenvolvidas pelo outro. Há um
sentido de reciprocidade e complementaridade na relação que se constrói, pois a
interculturalidade exige “a permanência e fortalecimento da própria identidade cultural
e a abertura às outras culturas, sem que isso signifique a perda de identidade de uns e
outros” (Albó, 2005 p. 51). Percebemos aqui a fundamental importância do povo Fulniô se fazer presente em espaços de convivência e trocas com os demais povos indígenas
161
no Brasil, e especialmente em Pernambuco. Espaços estes permeados por conflitos sim,
porém repleto de muita reciprocidade, ajuda mútua, resolução de problemas comuns e
específicos e, porque não dizer, cumplicidade, a exemplo da COPIPE e do Conselho de
Educação Escolar Indígena.
A compreensão que educadores e educadoras Fulni-ô possuem referente à
relação estabelecida pelo estado para a concretização da legislação brasileira que
resguarda aos povos indígenas o direito a uma educação escolar específica, diferenciada
e intercultural está bem retratada no trecho da fala da Coordenadora C2:
“A nossa escola é específica e diferenciada porque a gente faz com
que ela seja. A gente respeita os nossos costumes, a nossa religião,
tanto para os alunos quanto para os funcionários, mas ai depois eles
vêm cobrar quando é que isso vai ser reposto, como se lá nós não
aprendesse. São regras muito certinhas do estado que não convém a
uma educação específica e diferenciada. A partir do momento que eles
respeitarem isso, respeitarem de verdade e não entre aspas a educação
será diferenciada. O estado nos dá asas, mas prende os nossos pés pra
gente não voar”. Coordenadora C2
De acordo com a concepção da equipe de gestão escolar, uma escola específica,
diferenciada e intercultural é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988. É
a garantia de poder trabalhar por meio de um currículo que também é específico,
diferenciado e intercultural e está em constante discussão. A escola é específica e
diferenciada quando o estado oferece as possibilidades para que o povo se organize à
sua maneira e trabalhe com base nos eixos temáticos: história, identidade, organização,
bilingüismo e interculturalidade, fazendo uso de um calendário diferenciado que
respeite os seus aspectos socioculturais.
No entanto, para os membros da gestão a escola indígena específica,
diferenciada e intercultural conforme se apresenta na legislação está distante de ser
concretizada em função das exigências de padronização e determinações do estado. É
preciso ‘correr contra o tempo’ para trabalhar, tanto os conteúdos determinados pelo
estado, quanto os conteúdos específicos da cultura do povo, tendo que priorizar os
162
primeiros devido às avaliações externas, a exemplo de, Provinha Brasil, Prova Brasil,
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e ENEM.
Para os/as professores/as interculturalidade é o conhecimento de sua cultura sem
limitar-se a ela, pois é também conhecer, respeitar outras culturas não apenas as
indígenas. Significa entrosamento, relacionamento com culturas diversas, seguido do
consequente aprimoramento de sua própria cultura. Entretanto, diante de duas
imposições do Estado para as escolas no Brasil, incluindo as indígenas: período escolar
de 200 dias letivos e desenvolvimento de um currículo comum nacional, não há tempo
formalmente constituído que favoreça o trabalho intercultural que valorize, respeite,
ensine e aprenda por meio dos aspectos socioculturais do próprio povo.
Ainda para esse mesmo grupo, professores/as indígenas Fulni-ô, a escola
específica e diferenciada compreende o indígena dentro da sua cultura, o que significa
desenvolver cumplicidade. Nela o indígena se sente acolhido e não sofre preconceito
por ser indígena. Uma das lideranças em sua entrevista fez o seguinte comentário:
“Quando um índio faz um ato muito bom, dizem: ‘___ não parece nem índio’. E quando
faz alguma coisa meio ruim então dizem: ‘___ enfim, é índio’. Então por onde nós
vamos? Ninguém sabe para onde vai”.
Conforme declarado por Barbalho (2007, p 213):
Assim, como é necessário que os conteúdos das disciplinas estejam
inter-relacionados, ao professor indígena, se exige uma sintonia com a
comunidade educativa na mesma proporção. Embora a formação
escolar agregue em torno de si conhecimentos técnicos, não prescinde
dele como princípio único. Por isso é oferecida tanta ênfase à
compreensão dos elementos relevantes às tradições indígenas,
cabendo à escola um papel importante no processo de organização da
memória da própria comunidade.
Na escola indígena específica e diferenciada há uma valorização dos mais
velhos, de seus saberes e conhecimentos. Essa escola respeita as datas comemorativas
importantes para cada povo, contemplando-as no calendário escolar, bem como quando
ensina de maneira diferente e vive a sua língua materna, rituais, danças, cantos, músicas,
leis, tradições, religiosidade. Segundo o Professor L, “Na escola não indígena se
trabalha o descobrimento do Brasil. Aqui é diferente!”, portanto, os mesmos conteúdos
163
propostos nos referenciais e parâmetros curriculares nacionais passam pelo processo das
táticas defendidas por Certeau (2009) e são trabalhados à maneira de cada povo em sala
de aula.
A afirmação feita pelo Professor L nos remete a definição de currículo enquanto
lugar onde se reescreve o conhecimento escolar usual, tendo em mente as diferenças
étnicas e os diferentes pontos de vistas envolvidos em sua produção (MOREIRA, 2007,
p. 32), conforme afirmou ainda esse autor: “O que estamos desejando [...] é que os
interesses ocultados sejam identificados, evidenciados e subvertidos, para que possamos
então reescrever os conhecimentos”. O professor Moreira44 (2011) baseando-se na
teoria crítica do currículo que tem seu foco na heterogeneidade cultural fez
questionamentos pertinentes referentes às questões que envolvem currículo e
conhecimento: “De quem é esse conhecimento privilegiado no currículo? De onde ele
vem? Quem irá se beneficiar ou será prejudicado por ele?” Ao que parece, o povo Fulniô tem tentado reescrever esse currículo para fazer valer os seus aspectos socioculturais
em meio aos conhecimentos escolares formalmente ‘sugeridos’ pelo estado brasileiro.
Quanto à posição da liderança do povo Fulni-ô no que diz respeito à
interculturalidade, ela acredita que significa ‘desenvolvimento’ porque os Fulni-ô têm
necessidade de aprender cada vez mais com os outros. Defende também que uma escola
específica e diferenciada é aquela que está sempre atendendo a necessidade do seu povo
e, declara que, acatar a necessidade de cumprimento do ritual religioso do Ouricuri,
contemplando-o no calendário escolar é uma grande compreensão do estado: “eu acho
que muita coisa falta, mas às vezes as coisas são devagar. Eu respeito muito também
porque o estado de qualquer maneira está fazendo um desenvolvimento dentro da
comunidade” (Liderança A do povo Fulni-ô). O que essa liderança está chamando de
“grande compreensão do estado” é a aplicação de uma lei que lhe garante esse e outros
direitos, mas que tem sido executada com tanta negligência.
Diante da necessidade de padronização apresentada pelo estado para conseguir
executar globalmente uma política pública que contemple o respeito a necessidades tão
44
Esses questionamentos foram feitos no Simpósio: Gestão da Educação, Currículo e Inovação
Pedagógica promovido pela ANPAE-PE, UFPE e Secretaria de Educação de Pernambuco em novembro
de 2011 em Recife-PE.
164
específicas/diferenciadas, e, portanto, locais, um questionamento se faz necessário:
como padronizar o que deve permanecer específico, diferenciado e, concretamente,
deve tornar-se intercultural?
O estado não estava (quando do processo de estadualização) e continua sem estar
preparado para atender a diversidade. Se fôssemos nos basear de forma restrita no
conceito de interculturalidade de Albó (2005), afirmaríamos que a relação intercultural
estabelecida pelo estado de Pernambuco com os povos indígenas é negativa. No entanto,
defendemos que essa relação é positiva para ambos em função dos movimentos sociais
organizados. Estes pressionam o estado, as políticas públicas são criadas em forma de
leis, decretos, pareceres, emendas, mas sua execução é feita por governos que podem ou
não estar comprometidos com os indígenas, podem não ter interesse ou serem
possuidores de interesses contraditórios aos dos povos indígenas. É nessa relação
intercultural que uns aprendem com os outros. Os movimentos sociais organizados não
param porque as leis foram criadas. Eles precisam continuar pressionando,
reivindicando, negociando, assumindo posturas de diálogo, mas também de
enfrentamento para fazer valer a execução e aplicabilidade de uma lei ou política
pública. Diante desse contexto percebemos a educação escolar indígena em espaço de
fronteira conforme defesa de Tassinari (2001) e, observamos o quanto os usuários
precisam elaborar suas táticas para enfrentar e sobreviver as estratégias do poder,
segundo Certeau (2009). Entretanto, não poderemos deixar de reconhecer que a
dinâmica da vida supera a teoria e os povos indígenas em Pernambuco têm assumido
postura propositiva nas situações que envolvem políticas públicas e a relação com o
estado. Dessa forma, não só têm construído suas táticas, mas acima de tudo elaborado
suas próprias estratégias e assumindo posições e posturas de poder.
Em Pernambuco há dois locus mais amplos de discussão, debates e articulação
dos povos indígenas que são a Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco –
COPIPE e o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena - CEEEI. Ambos
representam lugares de expressão da interculturalidade, de maneira que a COPIPE
possibilita a interculturalidade entre os povos indígenas e CEEEI, favorece esse
processo por meio de diálogos, trocas e embates dos povos indígenas entre si e destes
com a sociedade civil organizada e o estado.
165
4.7 Participação do povo Fulni-ô na COPIPE e no Conselho de Educação
Escolar Indígena de Pernambuco enquanto espaços interculturais
As respostas dadas a esses dois questionamentos nas entrevistas foram
suficientemente confusas ou contraditórias e o tema COPIPE quando abordado,
inicialmente, aparentou gerar certo desconforto e insegurança. Alguns pareciam se
perguntar se e o quê deveriam comentar. O quantitativo de professores/a entrevistados/a
que conhecem a COPIPE é bastante significativo, pois apenas uma professora não
conhecia essa organização social indígena.
Há uma concordância, entre o grupo pesquisado no que se refere a importância
da COPIPE para as mobilizações, reivindicações e conquistas de direitos para todos os
povos indígenas, inclusive o povo Fulni-ô. Ao questionarmos sobre a importância da
participação dos Fulni-ô na COPIPE, foram unânimes nesse reconhecimento, entretanto,
as justificativas e/ou explicações sobre a ausência de representantes do povo Fulni-ô na
COPIPE foram diversas entre si.
Todos os entrevistados declararam saber que os Fulni-ô já participaram da
COPIPE. A maioria afirmou que a não representação de seu povo nos “encontrões” da
COPIPE é decorrente do fato da coincidência de datas com o período de três meses de
reclusão no Ouricuri. Barbalho (2207, p. 261-271) apresentou resumos sobre cada um
dos encontrões da COPIPE no período de 1999 a 2007, do 1º ao 17º Encontro da
Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco e, dentre os 17 encontros apenas
seis foram realizados nos meses de setembro, outubro e novembro, portanto, a
informação fornecida pelos entrevistados não procede integralmente! Não tivemos
acesso a informação sobre a quantidade de encontrões que o povo Fulni-ô participou.
Porquanto, vale a reflexão sobre o respeito aos aspectos socioculturais dos povos
indígenas em Pernambuco por e entre eles mesmos: é possível realizar os encontrões da
COPIPE em períodos que favoreçam a presença do povo Fulni-ô? Os diálogos
estabelecidos por meio da COPIPE têm tentado respeitar e fazer valer as especificidades
de cada povo? Apesar dos problemas comuns, nem sempre o que é benéfico e
166
necessário para um determinado povo o seja, ou talvez não na mesma proporção, para
outro.
Outro argumento, e possivelmente o que faz maior sentido para os Fulni-ô foi o
fato do povo não ter se sentido bem representado pelos primeiros membros que
participaram da COPIPE, em função de conflitos internos dos próprios Fulni-ô,
conforme apontaram as Coordenadoras C1, C2 e C3, bem como alguns/as
professores/as. O terceiro aspecto levantado pelos Fulni-ô para explicar a sua não
participação na COPIPE está relacionado às questões de poder no âmbito do movimento
indígena e do próprio povo, conforme afirmação da Coordenadora C1
“A COPIPE não tava trabalhando vendo a situação dos povos
indígenas. Eles centralizaram aquela situação somente naquelas duas
pessoas, aí eles não permitiram que fizesse mudança: ‘não pode
porque só quem pode mudar somos nós liderança Pajé e Cacique aqui
não mandam em nada’. Aí quando a gente viu que pessoas, índios que
não respeitam Cacique e Pajé seja de outro povo, que são os maiores,
os únicos representantes legais de uma etnia, a gente viu que a gente
tava num canto errado, porque pra gente, pra o FULNI-Ô, Cacique e
Pajé são, eu nem sei dizer o que eles representam, são as maiores
pessoas, as maiores lideranças, as maiores autoridades da gente, que
são respeitadas por qualquer pessoa. Não vou dizer que também não
existem aquelas pessoas que vêem a coisa pelo poder, talvez querendo
tirar proveito que gera conflito e problema com a liderança também,
existe isso, eu não posso negar isso. Existem aquelas pessoas que
criam problemas, criam casos com essa liderança também. Mas como
é que você faz uma comissão para trabalhar sobre a questão da EEI do
estado de Pernambuco, onde ali naquela comissão é composta de dois
representantes de cada povo, se aquelas duas pessoas foram indicadas
por esse povo FULNI-Ô e quando é depois que aquelas pessoas não
estão correspondendo, qual é o papel? A gente não poder trocar? Pajé
e Cacique não mandam? Pelo menos foi o que elas repassaram pra
cá”.
De acordo com a Coordenadora C1 as representantes do povo Fulni-ô
permaneceram na COPIPE e o clima entre os Fulni-ô e a referida comissão foi piorando
cada vez mais a ponto de não ter membro algum dos Fulni-ô que aceitasse fazer parte da
COPIPE:
167
“Elas ficaram e criaram muitos problemas aqui. A COPIPE passou a
ver FULNI-Ô com outros olhos e tinha uma imagem triste, terrível,
péssima da gente do próprio povo. Foi um horror. Ai resultado,
traziam informações de lá que eles disseram que Pajé e Cacique não
mandavam em nada, que eles não queriam nem saber, ficou um clima
horrível e os meninos disseram a gente não quer participar mais não”.
Por meio das entrevistas, bem como das conversas informais com professores/as
indígenas Fulni-ô foi unânime a afirmação sobre a importância da participação do povo
Fulni-ô na COPIPE e obtivemos respostas conforme exemplos registrados abaixo:
 “É um trabalho fantástico. Eu mesmo acho fantástico, porque eles são pessoas
que lutam pelos seus objetivos e conseguem tudo o que querem, e ainda
fornecem, é benefício para as outras tribos.” (Professor D).
 “Muito importante. Porque essa COPIPE, eles estão buscando, correndo atrás de
melhoria de cada um de sua tribo, né? E, eu acho que a gente se juntando, nós,
os indígenas em Pernambuco, eu acho que a gente tem uma força pra conseguir
coisa melhor pra nossa tribo”. (Professora J).
 “É importante porque a COPIPE trata de todas as questões educacionais, né? De
tudo quanto é luta. As conquistas dos povos indígenas veio através da COPIPE.
Então seria muito importante. Por que não, o Povo Fulni-ô participar da
COPIPE? Porque assim taria introduzido nas lutas. Teria como cobrar mais de
uma coisa que vem pra gente praticamente de graça, tá entendendo? Porque a
gente tinha que tá inserido lá pra ter voz ativa de falar, né? (...) Aí não é bom pra
gente por quê? Porque a gente tá fora, tá fora das reuniões. Tudo o que a gente
sabe é depois que acontece. Mas, eu acho que é muito importante a participação
do Fulni-ô dentro da COPIPE. E não só dentro da COPIPE como qualquer...
qualquer assim... no conselho, por exemplo.” (Coordenadora C2)
 “Eu acho que tudo vale a pena porque a COPIPE é um movimento social dos
povos e tudo em prol da nossa causa. Eu acho que vale a pena, né? (...) Eu
sempre gostei das atitudes do povo da COPIPE a maioria porque a intenção da
COPIPE é facilitar a nossa vida (...) eu acho que a COPIPE é uma coisa boa”.
(Professora G).
168
É perceptível a clareza que os professores/a indígenas Fulni-ô possuem a cerca
da contribuição social e política de sua presença na COPIPE, tanto para o seu povo,
quanto para o próprio movimento social. A COPIPE possui papel político fundamental
no monitoramento da execução das políticas públicas voltadas para a Educação Escolar
Indígena em Pernambuco, assim como nas proposições para elaboração de novas
políticas que se façam necessárias. Essa Comissão também se constitui enquanto lugar
de denúncias, onde os povos indígenas possuem vez e voz para apresentarem seus
problemas, dificuldades e caminharem coletivamente em busca de soluções. Todavia,
devemos destacar também sua função articuladora e de promoção não planejada da
interculturalidade que perpassa as relações estabelecidas nos encontrões promovidos por
meio da união de esforços, recursos, mantimentos, trocas de experiências,
conhecimentos e saberes de todos os povos indígenas em Pernambuco, culminando em
aprendizagens e decisões benéficas para todos, segundo declaração da Coordenadora C2
da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon que defende a participação de
seu povo, tanto na COPIPE, quanto no CEEI-PE: “na COPIPE os povos indígenas estão
juntos lutando por um objetivo só. E o que cair pra eles cai pra gente também, né?”.
A COPIPE que completou 12 anos em dezembro de 2011 é um movimento
semelhante ao dos professores indígenas da região amazônica que existe desde 1988.
Tal movimento surgiu para responder à necessidade de reflexão referente a problemas
comuns vivenciados por professores e comunidades indígenas da região amazônica a
fim de encontrar saídas para a Educação Escolar na perspectiva da garantia do respeito e
valorização das culturas e dos conhecimentos próprios. (SILVA, 2000, p. 36).
Poderíamos ousar afirmar que a mobilização nacional por meio dos movimentos de
professores indígenas tem sido por uma Educação Escolar Indígena específica,
diferenciada e intercultural.
No período da pesquisa de campo também tentamos identificar a compreensão
desses mesmos sujeitos pesquisados, sobre a participação do povo Fulni-ô no Conselho
de Educação Escolar Indígena de Pernambuco. Podemos afirmar que há uma maior
valorização por parte dos Fulni-ô em função das instituições que o compõem. O CEEIN
parece que é reconhecido pela Coordenadora C1 enquanto instância de diálogo, trocas
de experiências, informações, aprendizagens e crescimento; lugar para onde se pode
169
levar os problemas, tendo a certeza de que serão solucionados, conforme demonstrado
no momento da entrevista ao responder a pergunta sobre a importância da participação
de seu povo no CEEI:
“Ah! No Conselho e na COPIPE, também logicamente é muito
importante, o Conselho que é uma instituição bem mais, com
autonomia bem maior, né? Então é muito importante porque ali nós
temos representantes de várias instituições. Na realidade a gente pode
dizer que é uma organização com várias instituições que trabalham de
uma forma diferente, mas com um objetivo só, todos voltados para as
questões dos povos indígenas e ali a gente está inteirado de tudo. É de
extrema importância a participação de todos os povos, evidentemente,
e FULNI-Ô logicamente participa. FULNI-Ô está sempre presente nas
reuniões. Quando aconteceram reuniões que não podiam desmarcar, a
gente sempre pede pra marcar os dias que a gente pode e esse respeito
tem sido colocado em prática, mas eu vejo assim, é muito bom, eu
acho muito importante, é interessante demais porque isso só vai fazer
a gente crescer cada vez mais. A gente leva nossas situações, nossos
problemas para buscar regularizar certas situações onde ali estão
presentes várias instituições, diferentes, mas tudo com um foco só”.
Na COPIPE também há interferências externas aos povos indígenas que dela
participam, conforme aparece na resposta da Professora G ao ser questionada sobre
quem são os participantes da Comissão se seriam apenas indígenas ou se havia a
presença de não-indígenas nesse processo:
“Só têm indígenas, mas tem os articulador não-índio. Tem uns que
orientam, das organizações não governamentais, como CIMI que
gosta dos índios, né? Que se sensibiliza pela causa, sempre diz “olha
tal coisa acontecendo, tal coisa vai acontecer em tal canto, vai
acontecer alguma coisa a favor ou contra vocês, se mobilize”, em
tempo”.
Em consonância com as respostas dadas pelos sujeitos, os Fulni-ô
aparentaram conhecer melhor a COPIPE do que o CEEI-PE. Poucos sabem o que é o
Conselho e alguns apenas ouviram falar, apesar de afirmarem que os seus representantes
quando voltam das reuniões em Recife-PE lhes fornecem todas as informações.
170
Para a Professora A, uma das que afirmou conhecer pouco sobre o CEEI-PE, os
Fulni-ô precisam participar de todos os movimentos de decisões relacionadas à
Educação Escolar Indígena para estar inteirado sobre os acontecimentos. Já para a
Coordenadora 2 esse engajamento se faz necessário tanto no Conselho, quanto na
COPIPE, mas não apenas para manter-se informado e sim, em função de estar inserido
naquilo que ela define enquanto “luta”
“É importante porque a COPIPE trata de todas as questões
educacionais, né? De tudo quanto é luta. As conquistas dos povos
indígenas veio através da COPIPE. Então seria muito importante. Por
que não, o Povo Fulni-ô participar da COPIPE? Porque assim taria
introduzido nas lutas. Porque a gente tinha que tá inserido lá pra ter
voz ativa de falar, né?”
Analisando as atas das reuniões do Conselho de Educação Escolar Indígena de
Pernambuco – CEEIN-PE referente ao período de maio/2007 a julho/2011,
confirmamos que o povo Fulni-ô valoriza e se faz presente às mesmas. No período em
questão foram realizadas dezessete reuniões, das quais Fulni-ô teve presença registrada
em mais de 50%, participando de dez reuniões. Em 2011 foram realizadas quatro
reuniões, em que estávamos presentes como ouvinte e o povo Fulni-ô participou de uma
delas, em duas outras houve problema de falecimento na Aldeia Grande, cuja ausência
foi explicada e justificada por e-mail para todos que compõem o CEEIN-PE.
Nos quatro primeiros anos - 2007 a 2010 – havia apenas uma representante do
povo Fulni-ô no Conselho sem a sua suplente, cujo nome começou a aparecer nas atas
em 2011. Poderá ser relevante a presença da suplência para apoiar o/a conselheiro/a do
povo na entidade e poder fazer as devidas substituições quando necessário sem
descontinuidade das ações da gestão escolar.
Diante das afirmações apresentadas e análises concretizadas poderemos pensar
em ambos – COPIPE e CEEI enquanto movimentos organizados com base em relações
sociais interculturais, pois há um intercâmbio dos povos indígenas entre si, bem como
destes com a sociedade civil. No entanto, cada entidade possui sua especificidade com
sentido e funcionalidade diferentes.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do desenvolvimento desse estudo tentamos compreender de que
forma tem ocorrido o Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em
Pernambuco, sobretudo no que diz respeito à concretização dos princípios da Educação
Escolar Indígena específica, diferenciada e intercultural presentes no Decreto Lei
24628/2002 que trata especificamente sobre o tema. Para tanto, nos dispomos a
conviver com o cotidiano da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon. Ao
nos depararmos com o campo de pesquisa, pensamos que os nossos pressupostos
haviam se confirmado, no entanto, a base Certoriana nos levou por caminhos,
conversas, escutas informais pelos alpendres da escola, pátio, cozinha, salas de aula,
documentos e entrevistas, possibilitando-nos a identificação e compreensão de alguns
aspectos, seguida da ampliação dos nossos próprios horizontes e, consequentemente, a
revisão ou reavaliação dessas ideias preconcebidas ou pressupostos.
Por mais que nos baseássemos teoricamente pela proposta da antropóloga
Antonella Tassinari referente à escola indígena situada em espaço de fronteira, de fato
esperávamos encontrar uma escola que fosse não-indígena em função das experiências
de contato do povo Fulni-ô com as culturas não-indígenas. Ao nos debruçarmos sobre o
seu cotidiano fomos surpreendidos com um jeito Fulni-ô muito próprio de fazer escola
indígena em espaço de fronteira. Apenas no campo, concretamente em contato com os
sujeitos da pesquisa é que compreendemos o que significa “escola indígena em espaço
de fronteira”, nem 100% indígena, tão pouco totalmente não-indígena. Essa ideia
expressa o que encontramos em nosso campo de pesquisa: uma escola, cuja política
pública é executada pelo estado, portanto, encontra-se inserida no contexto de uma rede
ou sistema educacional que visa a padronização sob o discurso do respeito a diversidade
e aos direitos socioculturais, porém localizada em uma aldeia de um povo indígena que
consegue praticar o bilingüismo, além de outros aspectos socioculturais expressados
dentro e fora da escola. A fronteira é frequentemente lembrada aos técnicos
educacionais e representantes do estado, pelo povo Fulni-ô, bem como pelos demais
povos indígenas em Pernambuco em todos os momentos de afirmação dos limites
estabelecidos para a atuação desse estado, embora o próprio estado também tenha
172
apresentado as suas próprias fronteiras por meio das regulações e controles, bem como
do preconceito institucional.
O Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco – CEEIN-PE e a
Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco – COPIPE representam espaços de
fronteiras, onde os diálogos e embates são estabelecidos com o estado e a sociedade em
geral.
São múltiplas fronteiras! Por meio dessa convivência com e no campo de
pesquisa pudemos pensar que há uma fronteira delimitada pelas famílias quando entram
na escola a partir das 15:00 e levam seus filhos para participarem do ritual do Ouricuri
que acontece no período de dezembro a maio, nos dias de terça e quarta-feira; quando os
povos indígenas em Pernambuco constroem e praticam o seu jeito de fazer escola,
apesar de tentar seguir as normas estabelecidas e impostas pelo estado; ou no momento
em que a COPIPE e indígenas / indigenistas presentes no CEEIN-PE delimitam o
âmbito de atuação do estado. Cremos que essa escola indígena que se encontra hoje nas
aldeias das 12 etnias no estado de Pernambuco esteja se construindo não apesar dessas
fronteiras, mas provavelmente por meio delas. O espaço de fronteira é multifacetado e
os conflitos são enfrentados quase que diariamente para favorecer a materialização da
determinação legal que regulamenta a Educação Escolar Indígena específica,
diferenciada e intercultural.
Ao pensarmos sobre a categoria “intercultural” em uma escola indígena
localizada na aldeia de um povo, poderíamos pensar em uma escola indígena que tivesse
em seu currículo aspectos das culturas de outros povos indígenas ou não. No entanto,
para alguns sujeitos pesquisados a interculturalidade significava a possibilidade de
introdução de seus aspectos socioculturais nesse contexto escolar. Tal situação se traduz
em um dos embates e enfrentamentos frequetemente vivenciados entre os povos
indígenas em Pernambuco e o estado, situação esta onde encontramos mais uma vez a
escola indígena em espaço de fronteira.
Buscando basearmo-nos na perspectiva de interculturalidade de Daniel Mato ao
defender que esta emerge da coexistência de racionalidades diversas que dialogam entre
si, bem como na ideia proposta por Xavier Albó, consideramos que tanto as relações
estabelecidas entre os povos indígenas quanto às relações destes com o estado são
173
relações de interculturalidade. Porém, aquelas relações construídas pelos povos
indígenas em Pernambuco reunidos por meio da COPIPE, nos parecem relações de
reciprocidade, cuja simetria foi alcançada em função do período de 12 (doze) anos de
convivência, trocas de experiências, estudos, aprendizagens, vivências de conflitos
comuns e específicos, partilhas socioculturais, alimentos e conhecimentos, seguida de
perto pela união em busca de soluções para concretização e materialização da política
pública voltada à Educação Escolar Indígena específica, diferenciada e intercultural,
além do desenvolvimento de postura participativa propositiva percebendo-se enquanto
sujeitos de um processo e não mais considerados vitimizados por ele.
Quando olhamos as relações estabelecidas entre o estado e os povos indígenas e
afirmamos que são relações interculturais não o fazemos pelo viés da reciprocidade que
exige complementaridade, cumplicidade e respeito, mas em função das possibilidades
de aprendizagens mútuas advindas dos embates, conflitos e diálogos daí decorrentes,
dentre elas, a reconfiguração sociohistórica cultural que tinham de si. Por meio desse
confronto com a diferença cultural criou-se uma diferença de sentido que levou a
superação da visão de si como seres dominados para a construção de uma imagem
positiva e digna de sujeitos em condições de estabelecer relações de paridade com o
outro sem esperar aquisição de favores, mas fortalecidos na busca pela concretização de
seus direitos.
Após o contato com o cotidiano da escola campo de pesquisa e seus sujeitos não
poderíamos deixar de registrar também a nossa própria compreensão referente à
categoria ‘interculturalidade’ e como a identificamos nesse contexto. Por que
acreditamos que a Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon é intercultural?
Essa foi uma pergunta recorrente em congressos, simpósios, seminários que
participamos como forma de discutir e rediscutir alguns achados ao longo desse estudo.
Entendemos que a interculturalidade está informalmente presente nas escolas
brasileiras, uma vez que no Brasil cultura é palavra plural desde a sua constituição
enquanto país. Consideramos a coexistência de culturas que convivem, interagem e são
ressignificadas pelos seus grupos. Quanto às escolas indígenas em Pernambuco, estas
convivem e interagem com outras culturas de etnias diversas, culturas africanas e
afrodescendentes, além de culturas não-indígenas urbanas e rurais, por conseguinte são
escolas onde a interculturalidade está cotidianamente presente. Portanto, cremos haver
174
uma interculturalidade que se processa em âmbito local de cada escola, aldeia e povo
que precisa conectar-se a outra que se concretiza em uma instância abrangente e global
por meio de relações sociais mais amplas, a exemplo da COPIPE e do CEEIN-PE.
O afastamento e a ausência do povo Fulni-ô na COPIPE provavelmente tenha
causado perdas significativas de aprendizagens aos Fulni-ô que ficaram à margem de
um processo de construção coletiva sociohistórica e de compartilhamento de
experiências socioculturais entre as etnias, além de não desfrutar de um lugar
politicamente construído com o objetivo de estabelecer diálogos entre as etnias de
Pernambuco, apresentar problemas específicos ou comuns e debatê-los, tentando
encontrar coletivamente as soluções, além de não assumir uma participação mais
propositiva na relação com o estado no que diz respeito às políticas públicas voltadas às
demandas educacionais indígenas. A COPIPE, ressaltando, tratar-se de uma organização
indígena, assume a gestão mais ampla da Educação Escolar Indígena ocupando o lugar
de articulação política das etnias nessa relação com o estado e alcançando vitórias e
conquistas para todas, não apenas para aquelas etnias presentes aos encontrões, a
exemplo do processo de estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco.
Alguns problemas específicos vivenciados concretamente pelo povo Fulni-ô
poderiam ter sido colocado na mesa ou pauta de debates da COPIPE, como os 200 dias
letivos em nove meses, ausência de ‘brecha45’ no calendário escolar para reposição de
aula, interdição das aulas na Unidade 2 da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon em função da pane elétrica, além de participar na solução de problemas
comuns, como é o caso da necessidade de regularização da contratação de professores e
funcionários ou construção de escolas em número e qualidade suficientes às demandas
locais. Na perspectiva intercultural apresentada e discutida ao longo dessa pesquisa
também consideramos as perdas para os demais povos indígenas em Pernambuco que
não puderam ter acesso aos aspectos socioculturais do povo Fulni-ô e não puderam
aprender com as suas maneiras de fazer Educação Escolar Indígena.
45
Nesse estudo optamos por tentar utilizar a palavra ‘espaço’ apenas em dois momentos: ao tratarmos
sobre a escola indígena situada em espaço de fronteira ou referente às estratégias do estado na relação e
interação com os povos indígenas, em função de nossa escolha pela teoria do cotidiano de Michael de
Certeau e de escola em espaço de fronteira de Antonella Tassinari. Cremos, portanto, que a palavra
‘brecha’ é mais indicada, inclusive por ter sido empregada pelos próprios sujeitos durante o período de
realização da pesquisa de campo.
175
No que diz respeito às categorias “específica e diferenciada”, pensamos tratar-se
de uma condição de complementaridade, uma vez que quanto mais respeitados os
aspectos socioculturais de determinado povo em sua Educação Escolar, mas essa
educação será específica e quanto mais específica, mais diferenciada, portanto, uma é
condição para a existência da outra. Isso posto, observamos que a Educação Escolar
Indígena em Pernambuco é um direito sim e deveria ser do ‘jeito’ de cada povo,
conforme reivindicado pelas etnias: “Educação é um direito, mas tem que ser do nosso
jeito”, pois quanto mais assim o fosse, mais seria específica e diferenciada, uma vez que
‘nosso jeito’ significa uma multiplicidade de jeitos ou maneiras de fazer Educação
Escolar Indígena de acordo com os aspectos socioculturais e as demandas educacionais
de cada etnia ou povo indígena. No entanto, em meio às maneiras de fazer educação
escolar dos povos indígenas que constroem suas táticas também se encontram as
estratégias elaboradas e aplicadas pelo estado que são identificadas no jeito estadual de
fazer educação escolar.
Para melhor compreender as categorias de análise “específica e diferenciada”
procuramos estar atentos a afirmação de Janete Azevedo de que a escola e,
principalmente, a sala de aula são espaços onde se concretizam as definições sobre a
política e o planejamento que as sociedades estabelecem para si, como projeto ou
modelo educativo que se tenta colocar em ação. Portanto, foi no cotidiano da Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon que encontramos uma escola tão específica
quanto diferenciada. As maneiras Fulni-ô de ser e fazer Educação Escolar, apesar da
presença do estado não são encontradas em outras escolas da Rede. Acreditamos que as
astúcias construídas pelos Fulni-ô fazem parte de seu escopo sociocultural e, portanto,
são únicas.
A Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon acolhe o não-indígena, os
aspectos socioculturais vividos na comunidade estão presentes na sala de aula, no pátio,
fazem parte de seu cotidiano; professores/as, funcionários/as e gestores/as escolares são
todos indígenas, bem como os pais/mães e alunos/as em sua maioria; a liderança maior
do povo, Cacique e Pajé, não participa de sua rotina, mas está inteirada sobre os
acontecimentos e toma decisões que fazem parte de seu cotidiano; a liberdade dos pais
indígenas na escola e sua autonomia sobre os/as filhos/as não é a mesma praticada pelos
176
não-indígenas, porque essa característica também faz parte das maneiras de fazer dos
Fulni-ô.
A autonomia praticada por professores/as, funcionários/as e alunos/as indígenas
Fulni-ô não é uma construção escolar, mas faz parte deles, pois é um dos componentes
da cultura de um povo cuja liderança maior está acima de tudo e de todos, a qual devese total e irrestrito respeito; a forma acolhedora do povo Fulni-ô, seu desejo e maneiras
de fazer amigos; O uso da xanduca por professores, funcionários e alunos Fulni-ô, bem
como o sotaque diferenciado do sotaque dos não-indígenas da cidade de Águas Belas,
apesar da convivência interétnica secular e da proximidade existente entre a Aldeia
Grande e a cidade, as maneiras de fazer com que essa escola contribua para a
escolarização do povo, sem contudo desrespeitar os seus valores, crenças e tradições,
além da prática bilíngue cotidiana e frequente entre os Fulni-ô e do calendário
específico e diferenciado em função do ritual do Ouricuri, são símbolos de uma
Educação Escolar específica diferenciada e intercultural que tem a ‘cara’ do povo Fulniô, portanto, não encontrada em outro lugar. Baseando-nos numa perspectiva certoriana
ousamos afirmar que o povo Fulni-ô parece saber apropriar-se desse espaço das
estratégias do poder, nesse caso representado pelo estado, e por meio do
desenvolvimento de suas astúcias tem conseguido tomar como próprio esse lugar
chamado ESCOLA.
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SILVA, Josenilda Mª Mauésda. A curricularização da diversidade. In: DIAS, Adelaide Alves,
MACHADO, Charliton José dos Santos e NUNES, Maria Lúcia da Silva. (Orgs.) Educação,
direitos humanos e inclusão: currículo, formação docente e diversidades socioculturais. João
Pessoa: Ed. Universitária da UFPB, 2009, p. 85-98.
SILVA, Rosa Helena Dias da. Movimentos indígenas no Brasil e a questão educativa: relações
de autonomia, escola e construção de cidadanias. Revista Brasileira de Educação – ANPEd, n
13. Rio de Janeiro: Autores Associados, 2000, p. 95-112.
SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. A entrevista na pesquisa em educação – uma arena de
significados. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org). Caminhos investigativos II: outros modos de
pensar e fazer pesquisa em educação. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007, p. 117-138.
TASSINARI, Antonella Mª Imperatriz. Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas
fronteiras de educação. In: SILVA, Aracy Lopes. FERREIRA, Mariana Kawall Leal. (Orgs).
Antropologia, História e Educação. São Paulo: Global, 2001.
TAUKANE, Darlene. Avanços e impasses na Educação Escolar Indígena: a experiência KurâBakairi. In: VEIGA, Juracilda. SALANOVA, Andrés (Org). Questões de Educação Escolar
Indígena: da formação do professor ao projeto da escola. Brasília: FUNAI/DECOC, 2001, p.
13-33.
VIEGAS, Susana de Matos. Terra calada: os Tupinambá na Mata Atlântica do Sul da Bahia.
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007.
VENERE, Mário Roberto. Políticas públicas para populações indígenas com necessidades
especiais em Rondônia: o duplo desafio da diferença. Rondônia, UNIR, 2005 (Dissertação de
Mestrado em Política Pública e Desenvolvimento Sustentado).
VERONEZ, Helânia Thomazine Porto. As escolas indígenas das aldeias Cumuruxatiba-BA e a
reconstrução da identidade cultural Pataxó. São Paulo, Universidade São Marcos (Dissertação
de Mestrado em Identidade, Cultura e Linguagem).
YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? In: PEREIRA, Maria Zuleide da Costa,
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa; PORTO, Rita de Cássia Cavalcanti (Orgs).Globalização,
currículo e interculturalidade na cena escolar. Campinas - SP: Alínea Editora, 2009, p. 37-54.
184
ANEXOS
185
186
187
188
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM A GESTÃO ESCOLAR
1- O que é educação?
2- E o que significa educação escolar para o Povo Fulni-ô?
3- Para que serve a escola?
4- O que é uma escola diferenciada e intercultural?
5- Quem é o/a aluno/a que estuda na escola indígena Fulni-ô?
6- Quem é o/a professor/a da escola indígena Fulni-ô?
7- Qual a formação dos/as professores/as da escola indígena Fulni-ô?
8- Há professores não indígenas nas escolas indígenas Fulni-ô? Se sim, como são
escolhidos/as?
9- De que forma está organizada a escola indígena Fulni-ô? Quais as diferenças das
escolas das não-indígenas?
10- Como são tomadas as decisões administrativas e pedagógicas na escola?
11- O que é feito quando um/a aluno/a apresenta problemas de comportamento ou
aprendizagem?
12- De que forma a escola indígena Fulni-ô trata as questões de evasão e repetência?
13- Qual o papel da família na escola Fulni-ô?
14- A escola Marechal Rondon, criada desde a década de 1920, inicialmente, ficou
sob a responsabilidade do SPI, depois passou para a tutela da FUNAI. Como foi
vivenciado o processo de municipalização no governo FHC?
189
15- Com as novas mudanças, como tem sido o processo de estadualização da
educação escolar indígena?
16- O que isso representa para o povo Fulni-ô?
17- As questões educacionais do Povo Fulni-ô têm sido atendidas pela SEDUC
diretamente e/ou pela da GRE-Garanhuns? De que forma?
18- Como se dá a relação entre os controles / acompanhamentos do Estado e as
necessidades culturais, sociais e étnicas do Povo Fulni-ô?
19- Qual o tratamento dado pelos técnicos educacionais do Estado aos
representantes do Povo Fulni-ô?
20- Qual a importância da participação do povo Fulni-ô na COPIPE?
21- E no Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena?
22- Outro comentário que deseje fazer para encerrarmos a entrevista.
190
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM PROFESSORES INDÍGENAS
1- Você é membro do povo Fulni-ô?
2- Como passou a ser professor Fulni-ô?
3- Qual a sua formação?
4- Em qual ou quais escolas você estudou?
5- Há quanto tempo ensina na(s) escola(s) Fulni-ô?
6- Descreva a passagem do processo de municipalização para o atual processo de
estadualização da Educação Escolar Indígena do povo Fulni-ô?
7- Qual tipo de contrato foi celebrado entre você e o governo do Estado?
8- De que forma está organizada a escola indígena Fulni-ô? Quais as diferenças das
escolas dos não-indígenas?
9- Qual a disciplina que você leciona?
10- Na sala de aula você faz uso do Yathê para comunicar-se com os alunos? Em
que momentos?
11- O que significa educação intercultural e diferenciada?
12- Você contempla a cultura e o saber do povo Fulni-ô em sala de aula? De que
forma?
13- O Estado oferece formação específica para os professores da educação indígena?
Se sim, qual a periodicidade?
14- Você poderia descrever alguns dos conteúdos / temas trabalhados nas
formações?
191
15- Essas formações contribuem para a melhoria de seu dia-a-dia em sala de aula?
De que forma?
16- Você participa ou acompanha o trabalho da COPIPE e do Conselho Estadual de
Educação Escolar Indígena? Se sim, de que forma?
17- Há outro(s) comentário(s) que deseje fazer para encerrarmos a entrevista?
192
ROTEIRO PARA DIÁRIO ETNOGRÁFICO
1- Observação das aulas dos/as professores/as
1.1 Relacionamento aluno-aluno, professor-aluno e família na escola
1.2 Currículo escolar na sala de aula
1.3 Conteúdos da cultura indígena e não-indígena presentes nas aulas
1.4 Prática do bilinguismo
2- Observação no horário do recreio
2.1 Brincadeiras
2.2 Estrutura do recreio
2.3 Comportamento de alunos, professores, pais e gestão escolar no recreio
2.4 Aspectos socioculturais
3- Conversa com os pais
3.1 Visão sobre a escola dentro da aldeia
3.2 Importância dessa escola para o povo Fulni-ô
3.3 Diferença entre a escola indígena Fulni-ô e a escola não-indígena
3.4 Convivência na escola
4- Aspectos do relacionamento do Estado – SEE / GRE com a Escola campo de
pesquisa
4.1 Data(s) de entrega de merenda, fardamentos, materiais escolar
4.2 Calendário de formação continuada de professores
193
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Professor/a ____________________________________________________, você está sendo
convidado(a) para participar, como voluntário(a), em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a)
sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste
documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em
caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.46
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE. Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722
(residencial) e (81) 9978-9686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária.
CEP 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588 E-mail do CEP: [email protected]
A proposta dessa pesquisa surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política pública e
Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo Fulni-ô
que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio de sua
experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de entrevistas com
professores/a indígenas e não-indígenas faz parte dos procedimentos metodológicos registrados
no projeto de pesquisa e apresentado oficial e antecipadamente à equipe escolar da Escola
Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, além da análise de documentos que tratam sobre o
tema e observação participante feita pela pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena
Fulni-ô Marechal Rondon.
46
Esse foi o título quando o projeto foi para a qualificação e antes dos ajustes pós-qualificação.
194
Informamos que o/a senhor/a ao dar essa entrevista poderá correr um único risco que é o de
exposição, entretanto, registramos que resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar
sua integridade física, moral e intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua
identidade. Esclarecemos também que, a qualquer tempo o/a senhor/a poderá retirar o
consentimento, se assim o desejar, sem que haja qualquer tipo de penalidade ou
constrangimento.
A sua participação é fundamental para que, aqueles que fazem a Educação Escolar Indígena do
povo Fulni-ô acontecer na escola campo dessa pesquisa tenham voz e contem a sua história de
êxitos e/ou dificuldades na concretização do princípio de interculturalidade na prática educativa,
e quem sabe, contribui assim para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais
povos indígenas em Pernambuco e quem sabe até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a
Educação Escolar de seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que
poderá implicar em possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado.
Compondo esses benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do
Pernambuco – SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a
equipe escolar e de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da
pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA. - PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
195
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minhas imagens e das informações que
forneci por meio da entrevista. Saliento que fui devidamente informado/a e esclarecido/a pela
pesquisadora Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foime garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
196
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Diretor de Disciplina __________________________________________________________,
você está sendo convidado para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser
esclarecido sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao
final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora
responsável. Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
A proposta dessa pesquisa surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política pública e
Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo Fulni-ô
que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio de sua
experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de
entrevistas com professores indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e
Pajé) faz parte dos procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e
apresentado oficial e antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, além da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação
participante feita pela pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon.
197
Informamos que o senhor, ao permitir a utilização de imagens ou de trechos de conversas
informais poderá correr um único risco que é o de exposição, entretanto, registramos que
resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar sua integridade física, moral e
intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua identidade. Esclarecemos
também que, a qualquer tempo o senhor poderá retirar o consentimento, se assim o desejar, sem
que haja qualquer tipo de penalidade ou constrangimento.
A sua participação é fundamental para que, aqueles que fazem a Educação Escolar Indígena do
povo Fulni-ô acontecer na escola campo dessa pesquisa tenham voz e contem a sua história de
êxitos e/ou dificuldades na concretização do princípio de interculturalidade na prática educativa,
e quem sabe, contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais povos
indígenas em Pernambuco ou até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a Educação Escolar de
seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que poderá implicar em
possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado. Compondo esses
benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do Pernambuco –
SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a equipe escolar e
de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA.- PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
198
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minhas imagens e de trechos de conversas
informais gravadas. Saliento que fui devidamente informado e esclarecido pela pesquisadora
Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
___________________________________________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: ________________________________________________________
199
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Ilustríssimo Senhor Cacique ____________________________________________________, o
senhor está ciente da pesquisa ora realizada com o povo Fulni-ô e por meio deste termo está
sendo convidado para participar, como voluntário. Após ser esclarecido sobre as informações a
seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em
duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa o senhor
não será penalizado de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
Conforme esclarecido anteriormente quando de sua autorização para realização da pesquisa,
reforçamos que a proposta da mesma surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política
pública e Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo
Fulni-ô que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio
de sua experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de entrevistas com professores
indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e Pajé) faz parte dos
procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e apresentado oficial e
antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, além
200
da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação participante feita pela
pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
Informamos que o senhor ao dar essa entrevista poderá correr um único risco que é o de
exposição, entretanto, registramos que resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar
sua integridade física, moral e intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua
identidade. Esclarecemos também que, a qualquer tempo o/a senhor/a poderá retirar o
consentimento, se assim o desejar, sem que haja qualquer tipo de penalidade ou
constrangimento.
Enquanto liderança maior do povo Fulni-ô a sua participação é fundamental, servindo de
exemplo aos demais sujeitos pesquisados, para que o seu povo tenha voz por meio dessa
pesquisa e possa contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais
povos indígenas em Pernambuco e quem sabe até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a
Educação Escolar de seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que
poderá implicar em possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado.
Compondo esses benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do
Pernambuco – SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a
equipe escolar e de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da
pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA.- PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
201
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minha imagem, bem como das informações
que forneci por meio da entrevista. Saliento que fui devidamente informado e esclarecido pela
pesquisadora Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foime garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
202
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Coordenadora Geral das Escolas Estaduais Indígenas Fulni-ô __________________________
_______________________________, a senhora está ciente da pesquisa ora realizada com o
povo Fulni-ô e por meio deste termo está sendo convidada para participar, como voluntária.
Após ser esclarecida sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da
pesquisadora responsável. Em caso de recusa a senhora não será penalizado de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
Conforme esclarecido anteriormente quando de sua autorização para realização da pesquisa,
reforçamos que a proposta da mesma surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política
pública e Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo
Fulni-ô que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio
de sua experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de entrevistas com professores
indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e Pajé) faz parte dos
procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e apresentado oficial e
antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, além
203
da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação participante feita pela
pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
Informamos que a senhora ao dar essa entrevista poderá correr um único risco que é o de
exposição, entretanto, registramos que resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar
sua integridade física, moral e intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua
identidade. Esclarecemos também que, a qualquer tempo a senhora poderá retirar o
consentimento, se assim o desejar, sem que haja qualquer tipo de penalidade ou
constrangimento.
Enquanto membro da equipe da gestão escolar a sua participação é fundamental, servindo de
exemplo aos demais sujeitos pesquisados, para que o seu povo tenha voz por meio dessa
pesquisa e possa contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais
povos indígenas em Pernambuco e quem sabe até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a
Educação Escolar de seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que
poderá implicar em possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado.
Compondo esses benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do
Pernambuco – SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a
equipe escolar e de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da
pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA.- PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
204
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minha imagem, bem como das informações
que forneci por meio das entrevistas. Saliento que fui devidamente informada e esclarecida pela
pesquisadora Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foime garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
205
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Coordenadora Pedagógica da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon,
______________________________________________________, a senhora está ciente da
pesquisa ora realizada com o povo Fulni-ô e por meio deste termo está sendo convidada para
participar, como voluntária. Após ser esclarecida sobre as informações a seguir, no caso de
aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas
é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa a senhora não será penalizado
de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
Conforme esclarecido anteriormente quando de sua autorização para realização da pesquisa,
reforçamos que a proposta da mesma surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política
pública e Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo
Fulni-ô que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio
de sua experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de entrevistas com professores
indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e Pajé) faz parte dos
procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e apresentado oficial e
206
antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, além
da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação participante feita pela
pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
Informamos que a senhora ao dar essa entrevista poderá correr um único risco que é o de
exposição, entretanto, registramos que resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar
sua integridade física, moral e intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua
identidade. Esclarecemos também que, a qualquer tempo a senhora poderá retirar o
consentimento, se assim o desejar, sem que haja qualquer tipo de penalidade ou
constrangimento.
Enquanto membro da equipe da gestão escolar a sua participação é fundamental, servindo de
exemplo aos demais sujeitos pesquisados, para que o seu povo tenha voz por meio dessa
pesquisa e possa contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais
povos indígenas em Pernambuco e quem sabe até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a
Educação Escolar de seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que
poderá implicar em possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado.
Compondo esses benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do
Pernambuco – SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a
equipe escolar e de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da
pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA.- PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
207
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minha imagem, bem como das informações
que forneci por meio da entrevista. Saliento que fui devidamente informada e esclarecida pela
pesquisadora Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foime garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
208
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Ilustríssimo Senhor Pajé _______________________________________________________, o
senhor está ciente da pesquisa ora realizada com o povo Fulni-ô e por meio deste termo está
sendo convidado para participar, como voluntário. Após ser esclarecido sobre as informações a
seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em
duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa o senhor
não será penalizado de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
Conforme esclarecido anteriormente quando de sua autorização para realização da pesquisa,
reforçamos que a proposta da mesma surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política
pública e Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo
Fulni-ô que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio
de sua experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de entrevistas com professores
indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e Pajé) faz parte dos
procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e apresentado oficial e
antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, além
209
da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação participante feita pela
pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon.
Informamos que o senhor ao dar essa entrevista poderá correr um único risco que é o de
exposição, entretanto, registramos que resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar
sua integridade física, moral e intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua
identidade. Esclarecemos também que, a qualquer tempo o/a senhor/a poderá retirar o
consentimento, se assim o desejar, sem que haja qualquer tipo de penalidade ou
constrangimento.
Enquanto liderança maior do povo Fulni-ô a sua participação é fundamental, servindo de
exemplo aos demais sujeitos pesquisados, para que o seu povo tenha voz por meio dessa
pesquisa e possa contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais
povos indígenas em Pernambuco e quem sabe até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a
Educação Escolar de seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que
poderá implicar em possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado.
Compondo esses benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do
Pernambuco – SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a
equipe escolar e de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da
pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA - PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
210
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minha imagem, bem como das informações
que forneci por meio da entrevista. Saliento que fui devidamente informado e esclarecido pela
pesquisadora Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foime garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
211
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Merendeiro/a _____________________________________________________________, o/a
senhor/a está sendo convidado/a para participar, como voluntário/a, em uma pesquisa. Após ser
esclarecido/a sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao
final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora
responsável. Em caso de recusa você não será penalizado/a de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
A proposta dessa pesquisa surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política pública e
Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo Fulni-ô
que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio de sua
experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização de
entrevistas com professores indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e
Pajé) faz parte dos procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e
apresentado oficial e antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, além da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação
participante feita pela pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon.
212
Informamos que o/a senhor/a, ao permitir a utilização de imagens ou de trechos de conversas
informais poderá correr um único risco que é o de exposição, entretanto, registramos que
resguardaremos todos os aspectos éticos para preservar sua integridade física, moral e
intelectual, inclusive comprometendo-nos em não revelar a sua identidade. Esclarecemos
também que, a qualquer tempo o senhor poderá retirar o consentimento, se assim o desejar, sem
que haja qualquer tipo de penalidade ou constrangimento.
A sua participação é fundamental para que, aqueles que fazem a Educação Escolar Indígena do
povo Fulni-ô acontecer na escola campo dessa pesquisa tenham voz e contem a sua história de
êxitos e/ou dificuldades na concretização do princípio de interculturalidade na prática educativa,
e quem sabe, contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais povos
indígenas em Pernambuco ou até mesmo do Brasil, podendo vislumbrar a Educação Escolar de
seu povo sendo conversada e debatida na Academia Científica, o que poderá implicar em
possíveis soluções para problemas ainda não considerados pelo Estado. Compondo esses
benefícios entregaremos uma cópia da dissertação à Secretaria de Educação do Pernambuco –
SE-PE, Gerência Regional de Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon seguida de apresentação e discussão com a equipe escolar e
de liderança sobre os resultados da pesquisa e considerações finais da pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA.- PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
213
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minhas imagens e de trechos de conversas
informais gravadas. Saliento que fui devidamente informado/a e esclarecido/a pela pesquisadora
Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
214
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Senhor(a) pai/mãe ou responsável _______________________________________________,
você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário(a), em uma pesquisa. Após ser
esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao
final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora
responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco:
sob o olhar do povo Fulni-ô.
Pesquisador Responsável: Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira.
Endereço residencial: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Aptº 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (81) 3221-2722 (residencial) e (81) 99789686.
E-mail: [email protected]
Orientadora e Co-Orientador: Profª Drª Luciana Rosa Marques e Profº Drº Edson Silva.
Endereço Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal de Pernambuco – CEP / CCS / UFPE
Avenida da Engenharia, s/n - 1º andar, Cidade Universitária
CEP: 50740-600. Recife - PE, Brasil.
Telefone/Fax do CEP: (81) 2126-8588
E-mail do CEP: [email protected]
A proposta dessa pesquisa surgiu da necessidade de ampliar o debate sobre política pública e
Educação Escolar Indígena e do fato de haver poucos estudos e trabalhos sobre o povo Fulni-ô
que tanto pode contribuir para a Educação Escolar Indígena em Pernambuco por meio de sua
experiência nesse campo.
O principal objetivo da pesquisa é analisar de que forma o princípio da interculturalidade
presente no Decreto Lei 24628/2002 que trata do processo de Estadualização da Educação
Escolar Indígena em Pernambuco se materializa no cotidiano do Ensino Fundamental I da
Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon do Povo Fulni-ô. A realização dessa
entrevista com professores indígenas, coordenadoras da escola e liderança do povo (Cacique e
Pajé) faz parte dos procedimentos metodológicos registrados no projeto de pesquisa e
apresentado oficial e antecipadamente à equipe escolar da Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, além da análise de documentos que tratam sobre o tema e observação
participante feita pela pesquisadora no dia-a-dia da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon.
215
Informamos que o/a senhor/a ao permitir a utilização de imagens ou de trechos de conversas
informais com você ou com as crianças sob sua responsabilidade poderá correr um único risco
que é o de exposição, entretanto, registramos que resguardaremos todos os aspectos éticos para
preservar sua integridade física, moral e intelectual, inclusive comprometendo-nos em não
revelar a sua identidade. Esclarecemos também que, a qualquer tempo o/a senhor/a poderá
retirar o consentimento, se assim o desejar, sem que haja qualquer tipo de penalidade ou
constrangimento.
A sua participação é fundamental para que, aqueles que fazem a Educação Escolar Indígena do
povo Fulni-ô acontecer na escola campo dessa pesquisa tenham voz e contem a sua história de
êxitos e/ou dificuldades na concretização do princípio de interculturalidade na prática educativa,
e quem sabe, contribuir para a Educação Escolar do próprio povo, bem como dos demais povos
indígenas em Pernambuco ou até mesmo do Brasil. Talvez esse seja o seu maior benefício
enquanto pai/mãe ou responsável por crianças, alunos/a da Escola Estadual Indígena Fulni-ô
Marechal Rondon, o benefício de fazer parte dessa história e de poder expressar a
opinião/desejo das crianças e/ou a sua própria. Compondo esses benefícios entregaremos uma
cópia da dissertação à Secretaria de Educação do Pernambuco – SE-PE, Gerência Regional de
Ensino de Garanhuns – GRE e outra cópia para a Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal
Rondon seguida de apresentação e discussão com a equipe escolar e de liderança sobre os
resultados da pesquisa e considerações finais da pesquisadora.
Informamos ainda que todas as informações referentes à pesquisa, inclusive os vídeos e áudios
gravados e fotografias ficaram arquivadas e guardadas no computador pessoal da pesquisadora
no seguinte endereço: Rua Joaquim Nabuco, 418. Edifício Joaquim Nabuco. Apto 401. Derby.
CEP 52011-000. Recife-PE.
_______________________________________________________
LÍDIA MÁRCIA LIMA DE CERQUEIRA SILVEIRA.- PESQUISADORA
________________________________________________________
CIÊNCIA DO/A ENTREVISTADO/A
216
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________, abaixo assinado/a, concordo em participar do estudo
Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo
Fulni-ô, enquanto sujeito e autorizo a utilização de minhas imagens e de trechos de conversas
informais gravadas. Saliento que fui devidamente informado/a e esclarecido/a pela pesquisadora
Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a
qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
217
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA
Eu,
________________________________________________________________,
RG______________________________,
abaixo
assinado/a,
responsável
pela
criança
__________________________________________________, aluno/a da Escola Estadual
Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, concordo com sua participação no estudo Processo de
Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: sob o olhar do povo Fulni-ô, por
meio da publicação de suas imagens ou trechos de suas falas nas conversas informais. Saliento
que fui devidamente informado/a e esclarecido/a pela pesquisadora Lídia Márcia Lima de
Cerqueira Silveira sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis
riscos e benefícios decorrentes dessa participação. Foi-me garantido/a que posso retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.
Local e data _____________________________/________/________
Assinatura do sujeito ou responsável: _____________________________________
Testemunha 1:
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
Testemunha 2
Nome: ______________________________________________________________
Assinatura: __________________________________________________________
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Lídia M. L. de Cerqueira Silveira. O processo de estadualização da