EDNILSON ALBINO DE CARVALHO
A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ
EM MATO GROSSO (1864 – 1906)
Cuiabá – MT
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Programa de Pós-Graduação – Mestrado em História
A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ
EM MATO GROSSO (1864 – 1906)
EDNILSON ALBINO DE CARVALHO
Dissertação
apresentada
à
banca
examinadora do Programa de PósGraduação em História da Universidade
Federal
de
Mato
Grosso,
como
exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em História sob
orientação da Professora Doutora Maria
Adenir Peraro.
Cuiabá – MT
2005
FICHA CATALOGRÁFICA
C331f Carvalho, Ednilson Albino de
A Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso (1864-1906) / Ednilson
Albino de Carvalho. – 2005.
180p. : il.. color.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto
de Ciências Humanas e Sociais, 2005.
“Orientação: Profª Drª Maria Adenir Peraro”.
CDU – 662.3(817.2)(091)
Índice para Catálogo Sistemático
1.
2.
3.
4.
Pólvora – Fábrica – Mato Grosso – História
Mato Grosso – Geopolítica
Escravos da Nação – Fábrica de Pólvora – Mato Grosso
Fábrica de Pólvora – Trabalhadores – Mato Grosso
Termo de Aprovação
A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ
EM MATO GROSSO (1864 – 1906)
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de
mestre no Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e
Sociais – ICHS, da Universidade Federal de Mato Grosso, pela banca examinadora
composta pelos seguintes professores:
Orientadora: Profª Drª Maria Adenir Peraro (UFMT)
Profª Drª Lúcia Helena Gaeta Aleixo (UNIVAG) - Membro externo
Profº Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges (UFMT)
Profº Dr. Osvaldo Machado Filho (UFMT) - Suplente
Cuiabá - MT
2005
Dedico este trabalho aos meus pais, Adelino
e Devair; a todos os meus Irmãos/as
e sobrinhos/as. A minha esposa
Lucienne e a minha filha
Ana Heloísa, amores
de minha vida.
Agradecimentos
Muitas pessoas ao longo desta caminhada se colocaram em nosso caminho
ajudando das mais variadas formas.
Mas é imprescindível agradecer especialmente a UFMT, universidade
pública e gratuita, pelas condições que nos permitiram o ingresso e a permanência neste tão
importante programa de pós-graduação em História.
Importante registrar também o apoio e motivação inicial dispensados pela
professora Nancy Araújo. Obrigado pela confiança. Agradeço também ao Professor
Clementino Nogueira, pela ajuda na localização da documentação, quando, à época, dirigia
o Arquivo Público de Mato Grosso.
Agradeço a todos os colegas de turma, que muito mais que a contribuição e
socialização das idéias nos debates em sala, nos emprestaram a amizade e a atenção.
Agradecimento especial ao amigo Jeferson Lobato, pela relevante
contribuição na formatação deste trabalho e a meu sogro Rosalvo Siqueira pelo apoio e
empréstimo dos equipamentos.
Não poderia deixar de agradecer o apoio da direção e colegas da E.M.R.E.B.
Nossa Senhora da Penha de França. Meus agradecimentos aos moradores do Coxipó do
Ouro e ao cabo Aguiar responsável pelo campo de treinamento do Exército, muito obrigado
a todos/as.
A cada professor/a, pelos ensinamentos de cada disciplina e, em particular, à
coordenação do Programa de Mestrado em História, que bravamente ajuda a mantê-lo em
crescimento a cada ano, muito obrigado.
Aos professores Osvaldo Machado Filho e Lúcia Helena Gaeta Aleixo pelas
valorosas contribuições ao nosso trabalho dadas na Banca de Qualificação, os nossos
sinceros agradecimentos; agradecemos também ao Professor Dr. Otávio Canavarros, pelas
sugestões dedicadas a nossa pesquisa e ao Professor Dr. Fernando Tadeu de Miranda
Borges agradecemos por ter aceitado o convite para compor a banca examinadora.
Quero fraternalmente agradecer ao Deputado Federal Carlos Abicalil, pelo
apoio ao permitir a adequação do horário de trabalho em sua equipe, contribuindo assim
para a conclusão desta pesquisa. Agradecimentos que estendo a todos os colegas de
trabalho de Cuiabá e Brasília.
Sirvo-me também deste texto para devotar minhas homenagens e gratidão a
minha mãe Devair Graciano de Carvalho e ao meu pai Adelino Albino de Carvalho, que
com sacrifícios criaram (8) oito filhos, ensinado-nos a ser gente, nos dando exemplos com
valores nobres da vida de pessoa simples, lutando e torcendo para ver os filhos
conquistando melhores condições de sobrevivência.
Deus me deu nesses últimos anos muitos presentes maravilhosos, entre eles
a minha esposa Lucienne Alves Correa, a quem quero agradecer pelo apoio, carinho,
compreensão e amizade. E a minha filha Ana Heloísa Correa Carvalho, que mesmo ainda
com seus três meses de idade nos fortalece com seu sorriso meigo de criança feliz.
Agradecemos também à Professora Mestra Tereza Ramalho de Azevedo
Cunha do Departamento de Artes do Instituto de Linguagens, UFMT, que não poupou
esforços na confecção das ilustrações, reconstituindo com grande talento, que lhe é próprio,
as edificações da Fábrica de Pólvora do Coxipó.
Generosidade, dedicação, são palavras imprescindíveis para falar o quanto a
orientação da Professora Doutora Maria Adenir Peraro foi importante para que pudéssemos
desenvolver e concluir esta dissertação.
Depois de muitas adversidades, quase terminando o período que já havia
sido prorrogado, foi através de diálogo franco, aberto, com total apoio da Professora Maria
Adenir que conseguimos avançar mesmo que de forma modesta para a conclusão deste
trabalho.
É com prazer que atribuo a ela o êxito desta pesquisa, também por ter nos
acompanhado desde a graduação e depositou a confiança necessária em nossa pessoa,
depreendendo trabalho que em muito ultrapassa as obrigações de orientação, com boas
doses de profissionalismo regadas com muita generosidade. Professora Doutora Maria
Adenir Peraro, os meus profundos agradecimentos.
Estendo esses agradecimentos a todos os meus familiares que neste
momento comemoram conosco mais esta conquista.
RESUMO
ABSTRACT
Este trabalho de pesquisa tem
por objetivo analisar a Fábrica de Pólvora
do Coxipó que funcionou na Província de
Mato Grosso no período de 1864 a 1906,
período este que também elegemos como
nosso recorte temporal, delimitado assim
a nossa pesquisa do início da construção e
funcionamento com produção de carvão
para o Arsenal de Guerra de Mato
Grosso; conserto dos estoques de
pólvoras avariadas dos depósitos da
Província de Mato Grosso, produção de
pólvora, até o encerramento das suas
atividades na primeira década do século
XX.
A Fábrica de Pólvora do Coxipó
foi instalada a dois Km da Vila do Coxipó
do Ouro, e situada aproximadamente 25
Km da Cidade de Cuiabá, à margem
direita do Mirim.
As fontes selecionadas são
essencialmente as correspondências dos
diretores da Fábrica de Pólvora para com
os Presidentes de Províncias e com o
Ministério dos Negócios da Guerra, além
dos relatórios dos Presidentes de
Província e do Estado de Mato Grosso e
relatórios do Ministério dos Negócios da
Guerra do Império.
The aim of this research is to
analyze the Coxipó’s Powder Plant that
operated in the Mato Grosso province in
the period of 1864 to 1906, when they
chose it as their temporal record, thus
delimited their beginning research and
operation with the powder production to
the Cuiabá’s War Armory; the fixing of
powder supplies damaged of deposits of
the Mato Grosso province, powder
production, until the closing of its
activities in the first decade of 20th
century.
The Coxipó’s Powder Plant was
installed 2 km from the Village of Coxipó
do Ouro, and it was situated about 25 km
approximately of the City of Cuiabá, to
the right edge of the river Coxipó Mirim.
The selected sources are
essentially the letters of the directors of
the Powder Plant with the Presidents of
Provinces and the Ministry of Businesses
of War, beyond the Presidents reports’s
and the State of Mato Grosso, and reports
of the Ministry of Businesses of War of
the Empire.
Palavras-chave:
Geopolítica - Fábrica de Pólvora Escravos da Nação.
Keywords:
Geopolitics - Powder Plant - Enslaved
of the Nation.
12
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...............................................................................................................11
INTRODUÇÃO....................................................................................................................15
CAPÍTULO I
A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ NA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO E A
GEOPOLÍTICA IMPERIAL................................................................................................26
1.1. A Fábrica de Pólvora do Coxipó na Província de Mato Grosso....................................27
1.2. A posse e a criação da Capitania de Mato Grosso.........................................................30
1.3. Os marcos geopolíticos..................................................................................................35
1.4. Mato Grosso e a Guerra com o Paraguai.......................................................................41
1.5. As vias de comunicação por terra................................................................................. 43
1.6. Aspectos da economia mato-grossense na segunda metade do século XIX.................47
CAPÍTULO II
A CONSTRUÇÃO DA FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ.....................................62
2.1. Primeiras tentativas de criação......................................................................................63
2.2. Fábricas de Pólvora em outras províncias do Império brasileiro..................................69
2.3. Arsenais de Guerra do Exército e da Marinha: aspectos gerais....................................74
2.4. A Fábrica de Ferro de Ipanema.....................................................................................80
2.5. Os Arsenais da Marinha................................................................................................83
2.6. A Fábrica de Pólvora do Coxipó: instalação, produção e trabalho................................86
2.7. O processo de fabricação da pólvora.............................................................................95
2.8. Índice da Prancha de Ilustrações da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato
Grosso................................................................................................................................113
CAPÍTULO III
FÁBRICA DE PÓLVORA: Escravos da Nação e trabalhadores livres.............................115
3.1. A Fábrica de Pólvora, trabalhadores e vizinhanças.....................................................116
3.2. No interior da Fábrica, encarregados, diretores e trabalhadores..................................118
3.3. Na Fabrica de Polvoras, Flores ...................................................................................137
3.4. As Ruinas , Memórias de um lugar .............................................................................148
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................156
SIGLAS E ABREVIATURAS...........................................................................................160
GLOSSÁRIO......................................................................................................................161
FONTES IMPRESSAS E DIGITALIZADAS...................................................................162
FONTES MANUSCRITAS................................................................................................164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................169
ANEXOS.............................................................................................................................174
13
Índice de Ilustrações
IL. 1. Gravura contendo imagem do Porto Estrela, Rio de Janeiro, século XIX..................71
IL. 2. Foto com imagem da Fábrica de Pólvora da Estrela, Rio de Janeiro, século XIX .....73
IL. 3. Foto contendo imagem de uma estativa (lançador) de foguetes austríacos, final do
século XIX............................................................................................................................78
IL. 4 . Composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década
de 1860..................................................................................................................................88
IL. 5. Foto com imagem das Ruínas da Fábrica de Pólvora do Coxipó................................94
IL. 6. Prancha de ilustrações da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Técnica: desenho à
Nanquím sobre papel; dimensões do original: 47 x 57. Autora: Tereza Ramalho de Azevedo
Cunha, Profª do Departamento de Artes, IL, UFMT. Mestre em comunicação e semiótica,
PUC/SP...............................................................................................................................114
IL. 7. Gravura com imagem de escravos de ganho, século XIX ........................................133
IL. 8. Foto com imagem de parede das ruínas da Fabrica de Pólvora do Coxipó ..............150
IL. 9. Foto com imagem do Rio Coxipó ............................................................................152
IL. 10. Foto com imagem da Vila do Coxipó do Ouro.......................................................155
14
Índice de Quadros
Quadro 1 - População da Província de Mato Grosso nos anos de 1849, 1855 e 1862..........28
Quadro 2 - Demonstrativo da produção açucareira de Mato Grosso em 1796.....................48
Quadro 3 - Estabelecimentos fabris voltados à produção açucareira de Mato Grosso em
1796.......................................................................................................................................59
Quadro 4 - Fábricas de Pólvora nos períodos Colonial e Imperial de 1720 a 1909..............69
Quadro 5 - Custo médio por arroba de pólvora no Rio de Janeiro, 1868 a 1869..................72
Quadro 6 - Equipamentos e Oficinas da Fábrica Pólvora do Coxipó.................................106
Quadro 7 - Relação dos Encarregados e Diretores da Fábrica de Pólvora do Coxipó........119
Quadro 8 - Relação de operários destinados à Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1864.........121
Quadro 9 - Relação dos empregados da Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1875...................122
Quadro 10 - Relação dos Escravos da Nação, da Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1869.....123
Quadro 11 - Demonstrativo das gratificações aos Escravos da Nação a serviço da Fábrica
de Pólvora do Coxipó, 1869. ..............................................................................................126
Quadro 12 - Tabela de salários da mão-de-obra livre empregada em Mato Grosso...........127
Quadro 13 - População Escrava na Província do Amazonas. Distribuição percentual por
profissão declarada, 1872....................................................................................................130
Quadro 14 - Relação dos Escravos da Nação alugados a terceiros.....................................140
Quadro 15 - Relação dos Escravos da Nação na Fábrica de Pólvora do Coxipó e
configuração das famílias, 1871..........................................................................................142
Quadro 16 - Relação de menores Escravos da Nação e responsáveis, 1869.......................146
11
APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa tem por objeto de estudo a Fábrica de Pólvora do Coxipó na
Província de Mato Grosso entre os anos de 1864 a 1906, conformando em recorte temporal
que obedece ao período de início da construção, efetivo funcionamento e encerramento das
atividades.
O presente trabalho de dissertação de mestrado intitulado, A Fábrica de
Pólvora do Coxipó em Mato Grosso (1864 a 1906), que ora apresentamos à Banca
Examinadora, percorreu um longo percurso até chegar a este estado. O interesse por este
objeto de estudo iniciou em 2001, quando das atividades no magistério da Escola
Municipal Rural Nossa Senhora da Penha de França, localizada na Vila do Coxipó do
Ouro1 a, aproximadamente, vinte e cinco quilômetros de Cuiabá. Até então, havia ouvido
falar da Fábrica muito vagamente. Esse interesse tomou forma, no ano de 2002 ao estudar
a disciplina Prática de Pesquisa. Atendendo a exigência da elaboração do projeto de
pesquisa de final de curso de graduação em História pudemos realizar as primeiras
pesquisas sobre a Fábrica de Pólvora do Coxipó, sob a orientação da professora Mestra
Nancy de Almeida Araújo.
Após o término da graduação, continuamos a pesquisa levantando e
localizando documentos, como por exemplo, os quadros que demonstram a formação
familiar entre os Escravos da Nação e a gratificação dos mesmos. Essa pesquisa, propiciou
uma compreensão maior sobre o início do Fábrica de Pólvora do Coxipó.
No segundo semestre de 2002 fizemos a disciplina: História e Presente,
ministrada pelo Professor Pio Penna Filho. Essa disciplina possibilitou a compreensão de
alguns aspectos históricos condicionantes na relação dos Países da região Sul,
particularmente do Prata, quando amadurecemos a idéia de pleitear o ingresso no mestrado
para desenvolver o projeto apresentado ainda na graduação.
Com o ingresso no Programa de Pós-Graduação, na Linha de Pesquisa I:
“Territórios e Fronteiras: Temporalidades e Espacialidades”, passamos a levantar de forma
sistemática, nos arquivos da cidade de Cuiabá, documentos sobre a Fábrica de Pólvora do
Coxipó e informações a respeito de fábricas de pólvora que pudessem ter existido em outras
1
Ver mapa político do Estado de Mato Grosso, em anexo.
12
províncias do Império. Passamos, a partir de então, a nos guiar por questões que a esparsa
documentação encontrada até aquele momento deixava entrever:
a) A edificação da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso por parte do
Império veio desempenhar, e ou atender, um papel geopolítico de defesa nesta Província
fronteiriça diante de um eminente conflito na região platina?
b) Quem era os trabalhadores empregados para desenvolver as atividades
implementadas a partir da instalação da Fábrica de Pólvora e como eram estabelecidas as
relações de trabalho? Havia distinção nas atividades de trabalho entre os trabalhadores
livres e os Escravos da Nação, no interior da Fábrica? Como eram definidos e diferenciados
por parte das autoridades os Escravos da Nação dentre os demais escravos?
c) Por fim, quais foram os principais fatores que levaram ao encerramento das
atividades desta Fábrica de Pólvora?
A partir de então, passamos a definir dois eixos para o desenvolvimento da
pesquisa: a Fábrica de Pólvora e a geopolítica Imperial voltada para a fronteira oeste e
platina; os Escravos da Nação no âmbito do regime escravista brasileiro da segunda metade
do século XIX.
Assim, ao eleger a Fábrica de Pólvora do Coxipó, como objeto da nossa
pesquisa, objetivamos investigar o contexto histórico que propiciou a construção e
instalação da Fábrica de Pólvora do Coxipó a partir de 1864 até o momento em que foram
dadas por encerradas suas atividades no ano de 19062.
2
Elegemos o ano de 1906 como referência cronológica por marcar o encerramento definitivo da produção de
pólvora e também por trazer, coincidentemente, com esse episódio violento nas disputas pela hegemonia no
controle político de Mato Grosso travado por suas oligarquias, que também de certa forma relacionava-se com
a Fábrica de Pólvora do Coxipó.
Neste contexto, dois grupos disputavam a hegemonia política em Mato Grosso no alvorecer da República. De
um lado liderado pelo coronel Generoso Ponce e do outro o Grupo dos Murtinhos que havia rompido com o
coronel Antônio Paes de Barros proprietário da usina Itaicy e que ocupava a Presidência do Estado. A facção
dos Murtinhos organizou a coligação Mato-grossense para fazer oposição ao Presidente Totó Paes de Barros.
A luta se travou sanguinolenta até o dia 30 de julho; o presidente Totó Barros recebeu ultimatum, o
intimando a se render dentro de 24 horas. O presidente Paes de Barros aguardava recursos que lhe enviara o
Governo e a República de uma brigada sob o comando dogeneral Emilio Dantas Barreto, com a finalidade
de restabelecer a ordem e apoiar o Governo Legal. Na noite de 1º de julho, burlando a vigilância da força
inimiga, o coronel. Paes de Barros rompeu o cerco da cidade e se refugia na Fábrica de Pólvora do Coxipó
do Ouro, onde aguardava a chegada do general Dantas Barreto para regressar à capital. In: Rubens de
Mendonça. Historia de Mato Grosso, p. 93.
13
A referida Fábrica foi construída a dois quilômetros da Vila do Coxipó do
Ouro, outrora denominada de Arraial da Forquilha3, ou ainda, terra dos Indígenas Coxiponé
no Distrito do Coxipó do Ouro e situada na margem direita do rio Coxipó. Neste local,
estão localizadas as ruínas da Fábrica de Pólvora do Coxipó, ambiente do nosso estudo4.
Esta região era ocupada pelos Índios Bororo, que particularmente na
depressão cuiabana foram denominados Coxiponé, habitantes das margens do rio Coxipó Mirim, onde viviam da coleta, da caça, pequenas plantações e principalmente da pesca.
Este povoado iniciado em 1719 foi ampliando-se até 1722, ocasião em que
acontece a transferência de quase toda a população para as “lavras do sutil”. No entanto
afirma Estevão de Mendonça5 que “a povoação de Forquilha floresceu com o seu agregado
de ranchos de pau a pique até o ano de 1772”. No período de construção e funcionamento
da Fábrica de Pólvora do Coxipó é então retomado esse processo de ocupação atraindo
muitas pessoas seja para o trabalho direto na fábrica ou mesmo nas chácaras e sítios do
entorno6.
Este trabalho apresenta de forma sucinta as coordenadas gerais da Província
de Mato Grosso na segunda metade do século XIX.
Esta breve apresentação permitirá que busquemos no âmbito dessas
coordenadas, questões importantes e ainda não inteiramente solucionadas à época, pelas
autoridades imperiais e provinciais, defensores do regime Imperial, tais como; os marcos
fronteiriços e dissídios com os países de repúblicas vizinhas, particularmente com o
3
A sesmaria “Paragem Forquilha”, fora concedida em 1788 e é a primeira cessão das terras oficialmente para
particulares, sendo que boa parte do entorno do pequeno aglomerado de casas, vai se firmar como chácaras de
recreio.
4
Contam os moradores mais antigos que uma empresa inglesa trouxe três dragas para Mato Grosso, sendo
que uma delas (com dezesseis funis, movida a vapor e mais tarde a óleo), revirava o leito do Rio Coxipó de
cima a baixo, até 1930. Ainda hoje a estrutura de ferro fundido, com 20 metros de extensão, pode ser visitada,
ancorada a uns dois quilômetros da Vila do Coxipó do Ouro. MOREIRA, Maria Izabel Werner. A dimensão
ambiental no currículo escolar através de temas geradores de ensino escola rural-região do Coxipó do Ouro.
(Dissertação de Mestrado); Cuiabá: UFMT, 1999.
5
MENDONÇA, Estevão de. In. Revista o archivo - Coleção facsimilar completa 1904 - 1906. Fundação Júlio
Campos. Col. Memórias Históricas, Várzea Grande MT. 1993. Vol. 3, p. 96.
6
O processo de ocupação bandeirantista da região do Coxipó do Ouro, foi descrito por BARBOSA DE SÁ,
desde o percurso de chegada da primeira bandeira no Rio Cuiabá e a subida pelo Rio Coxipó Mirim, os
confrontos com os povos indígenas que habitavam a região até a fixação e a conseqüente formação do Arraial,
levantamento da Igreja, como o símbolo da conquista. BARBOSA DE SÁ, José. Relação das povoações do
Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios até os presentes tempos (1775), Cuiabá: SEC/UFMT. 1975, p. 1213.
14
Paraguai, as tensões advindas do desafio latente em apresentar soluções, seja pela
manutenção, seja pela extinção da mão de obra escrava e a formação do mercado de
trabalho, com base em formas de trabalho assalariado.
Somam-se a isso, ainda, os antigos e latentes desafios, já colocados aos
administradores e proprietários de terras da Província de Mato Grosso e comerciantes,
desde a crise da mineração, a partir do final do século XVIII, no sentido de que soluções
pudessem ser encontradas para os fatores que entravavam o desenvolvimento econômico da
Província, tais como: a carência de recursos públicos, a dependência quase que total de
verbas do governo central, a inexistência de uma via de comunicação permanente e segura
com a Corte, situada no Rio de Janeiro, que permitisse o barateamento dos custos dos
transportes de mercadorias e o “isolamento” com o restante do Império7.
Em se atentando para o primeiro aspecto, o de limites das fronteiras e da
geopolítica imperial na segunda metade do século XIX, tal análise permitirá que
observemos, ainda que em contextos diferenciados, um “prolongamento” da política
colonial metropolitana portuguesa dos séculos XVI ao XVIII no resguardo de seus
domínios contra a invasão dos espanhóis. Trata-se aqui de situar a geopolítica do Império
brasileiro frente às repúblicas vizinhas e como se reorganizou internamente na Corte e nas
Províncias, particularmente na Província de Mato Grosso para, juntamente com a República
da Argentina e do Uruguai, travar nos anos de 1864 a 1870, com a República do Paraguai,
um dos maiores conflitos bélicos já ocorridos na América do Sul.
Trata-se ainda de observar se a construção da Fábrica de Pólvora do Coxipó,
como parte dessa reorganização do Império brasileiro nas Províncias e, particularmente, de
Mato Grosso veio constituir-se em um dos mecanismos eficazes ou não, de solução para
gerar uma independência econômica no tocante à fabricação de armas e de materiais para a
guerra, pelo menos no momento de duração do conflito.
7
Sobre o chamado “isolamento” de Mato Grosso, tese defendida por representantes da elite local para
justificar o atraso econômico e cultural em relação às demais regiões brasileiras, foi tenazmente contestada
por historiadores, a exemplo de LENHARO, Alcir em: Crise e mudança na Frente Oeste de Colonização.
Cuiabá: EdUFMT, 1982.
15
INTRODUÇÃO
Para uma melhor compreensão da narrativa que propomos fazer no intuito
de efetuar estudos sobre a Fábrica de Pólvora e o processo de fabricação de pólvora em
Mato Grosso torna-se importante uma breve análise sob a indústria brasileira no período
Imperial. Para tanto, torna-se necessário à compreensão de que a economia brasileira estava
assentada primordialmente no setor agrário-exportador, com lastros cada vez mais
predominantes por parte da lavoura cafeeira, que fazia largo uso do trabalho escravo.
Observamos que a transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808
e as medidas adotadas com o intuito de dinamizar a indústria nacional não foram suficientes
para garantir e fortalecer o nascente setor manufatureiro.
Mesmo após a independência do Brasil, ocorrida em 1822, a situação da
indústria permaneceu inalterada, como decorrência, principalmente, de que novos tratados
acabaram por demonstrar, na prática, a preferência da Corte Luso-brasileira para com os
produtos vindos do exterior e pelo enraizamento de questões estruturais no
desenvolvimento industrial brasileiro.
Entre essas questões estruturais as mais importantes são: a escravidão, o
sistema deficitário e rudimentar dos transportes, o desenvolvimento técnico, o latifúndio, a
inexistência de mercado consumidor e de bancos que propiciassem a movimentação de
empréstimo e de crédito.
Desta forma, o setor secundário encontrava os mais variados entraves para
se desenvolver, conseqüentemente, desempenhava um papel completamente irrelevante na
economia do país. No entanto, havia também algumas iniciativas sendo adotadas, mas que
não alteravam de forma significativa esse quadro. São observados, entretanto três surtos de
desenvolvimentos ocorridos no período imperial.
Um primeiro surto que surge no setor secundário, ocorreu em meados do
século, quando culminou uma combinação de fatores favoráveis. Mesmo com as
conseqüentes dificuldades.
Dos fatores que favoreceram esse primeiro surto de desenvolvimento,
destacamos dois: o primeiro deles foi a reforma tarifária de 1844, que pôs fim ao
16
liberalismo que perdurava até então. Embora o objetivo da nova tarifa fosse eminentemente
de cunho fiscal ela acabou tendo um efeito protecionista, vindo a facilitar o
estabelecimento de algumas manufaturas. O segundo fator favorável para o surgimento do
surto industrial da metade do século XIX, foi a decretação do fim do tráfico negreiro, em
1850.
Lembramos que já no inicio do século XIX, mais precisamente nos anos de
1806 e 1807, a Inglaterra havia extinguido o tráfico de escravos para as colônias e abolido a
escravidão em 1833. É neste período que os britânicos intensificam o combate ao comércio
negreiro fora de suas possessões. O Brasil era, nesta época, o maior importador de escravos
africanos e, neste caso, a atenção britânica concentrou-se sobre este situado nos trópicos.
O Brasil passa a sofrer pressões ainda em 1810, quando o Lorde Strangford,
representante da Inglaterra junto ao governo de D. João, então príncipe regente, se dispôs a
colaborar no combate ao trafico escravista, restringindo a atuação dos negreiros
portugueses nas colônias de Portugal.
Já em 1825, com a Inglaterra reconhecendo a independência do Brasil foi
assinado um tratado em que o Brasil se comprometia em extinguir o trafico de escravos em
três anos, além de ter ratificado os tratados de 1815 e 18178.
Entretanto, apenas em 1831, o governo brasileiro cumpria a sua parte no
acordo, proibindo a importação de escravos negros. Mesmo assim, não cessou o comércio
que tornou ilegal e com isso aumentava também a repressão inglesa contra as atividades
dos traficantes.
Com isso foram surgindo sucessivas questões diplomáticas e crescendo a
tensão entre Brasil e Inglaterra. Em 1845, o parlamento britânico aprova uma Lei Bill
Aberdeen, que levou o nome do Ministro Inglês, Geoge Aberdeen. Esta lei autorizava aos
tribunais ingleses tomar conhecimento e julgar qualquer navio que fizesse tráfico de
8
Em 1815, durante a realização do congresso de Viena, a Inglaterra consegue a aprovação de uma proposta
que abolia o comércio de escravos em todo o hemisfério norte, o que retirava do Brasil o grande manancial de
escravos representado pelas colônias portuguesas no norte da África. O combate aos navios negreiros
aumenta, agora amparado em norma legal. Em 1817 D. João concede à Grã-Bretanha o direito de visita, com
ele os navios da marinha inglesa passa a vistoriar em alto-mar, qualquer navio suspeito de transportar
escravos, num prazo de 15 anos a partir da completa extinção do tráfico negreiro. Sendo que Portugal se
comprometera a extingui-lo o mais breve possível.
17
escravos africanos em contravenção à Lei de 1831. Após muitas pressões internas e
externas, em 1850 foi sancionada a lei “Euzébio de Queiroz”.
Segundo SUELY QUEIROZ9, com a proibição do tráfico negreiro, é
intensificado o comércio interno no Brasil e o norte torna-se o grande centro abastecedor de
escravos. O tráfico interno provincial cria rapidamente uma vasta rede de interesses e,
embora pouco se conheça sobre a sua organização, as raras descrições a respeito sugerem a
continuidade de muitas das brutais características do comércio negreiro com a África.
Paradoxalmente, se a transferência de braços de escravos, trazia grandes
prejuízos ao norte do país, não resolvia os problemas das províncias do café. Com um
número de mulheres menores que o de homens, a reprodução não supria as necessidades e
com as práticas cruéis ensejadas pela escravidão, muitos morriam de fome e outras
adversidades do tempo. Desta forma, a saída para a busca de novos braços era o estímulo à
imigração estrangeira.
Há um entendimento de que o fim do tráfico teve o mérito de liberar os
capitais, antes empregados no comércio de escravos, permitindo que esses se dirigissem
para as atividades urbanas, inclusive, para investimentos produtivos10.
SOARES observa que além da ampliação de mercados propiciada pelo boom
cafeeiro e pelo súbito crescimento populacional de meados do século, algumas iniciativas
estatais constituíram em fatores de estímulo ao crescimento industrial, em particular das
manufaturas11. Entre esses fatores o autor destaca três, por sua relevância, quais sejam:
- O processo de reformulação da política alfandegária realizada, em 1844,
pelo Ministro da Fazenda, Manoel Alves Branco, que estipulou a cobrança de uma tarifa de
30 % ad valorem para a maioria dos produtos industriais importados;
9
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra no Brasil. São Paulo, editora Ática, 1989, p. 44.
10
De acordo com CAIO PRADO JUNIOR, após a decretação do tráfico negreiro, em 1850, já começa a ser
observada de forma nítida a expansão das forças produtivas brasileiras. Acrescentam ainda, que no decênio
posterior, podem ser observados os índices deste crescimento: fundam-se no curso dele 62 empresas
industriais, 14 bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de
colonização, 8 de mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás, e finalmente 8 estradas de ferro. PRADO
JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976, p. 192.
11
SOARES, Luiz Carlos. A Escravidão Industrial no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: (Artigo),
ICHF/UFF. Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de
História de Empresas Caxambu, MG, 2003. ABPHE; www.abphe.org.br/congresso2003/textos.
18
- A extensão a todos os estabelecimentos de grande porte da isenção do
pagamento de direitos alfandegários sobre as matérias-primas importadas, medida também
adotada por Alves Branco em 1847;
- E a concessão pelo Estado Imperial de subvenções a alguns
estabelecimentos de grande porte12.
Desta forma podemos verificar a dimensão do crescimento industrial de
meados do século XIX, através dos seguintes dados:
Em 1852, foram classificados como “fábricas” pela Câmara
Municipal da Corte, 419 estabelecimentos, enquanto que no
ano de 1861 o Almanak Laemmert apresentava uma relação de
1.146 “fábricas”13.
Na segunda metade do século XIX, como já mencionamos, outras atividades
industriais, artesanais e manufatureiras, mesmo que de forma complementar, podem ser
destacadas: a metalurgia com a fundição de ferro, a fabricação de tecidos, a construção
naval, a produção de charque, a produção de fumo, a fabricação de corda, a produção de
anil, a produção de sal e a fabricação de azeite utilizado na iluminação pública.
Ainda havia as oficinas domésticas que fabricavam tecidos em teares que
chegaram a ter certa importância no Maranhão e no Pará14.
Pequenas metalúrgicas surgiam, mesmo em áreas de mineração, propiciando
a fabricação de ferramentas, machados, pás, facas, panelas, ferraduras e outras demandas
que iam aparecendo, possibilitando, inclusive, a ampliação da força de trabalho.
Entre esses estabelecimentos e atividades, apenas um pequeno número
poderia realmente ser considerado como estabelecimentos manufatureiros de grande porte,
constituindo-se a grande maioria em oficinas artesanais.
12
13
14
SOARES, Luiz Carlos, op. cit., p. 4.
SOARES, Luiz Carlos, op. cit., p. 5.
Antes da determinação de D. Maria I para o fechamento dessas manufaturas no Brasil, elas chegaram até a
exportar uma pequena produção para Portugal. Lembramos que outrora a Coroa portuguesa, colocava-se
contra o desenvolvimento da produção manufatureira no Brasil, visto que isto poderia ocasionar uma
diminuição no fluxo comercial em mãos dos mercadores metropolitanos.
19
A construção de estradas de ferro pode ser considerada como parte das
transformações importantes a partir de 1870, pois veio permitir:
Reduzir o custo do transporte e liberar escravos empregados
nas tropas de mula para a lavoura de café. Paralelamente, a
mecanização do beneficiamento do café também liberou
escravos para os trabalhos na plantação15.
Deste modo, a indústria nasce como um desdobramento da economia
exportadora capitalista e ainda como parte da acumulação comandada pelo capital
mercantil nacional16.
Alguns historiadores têm dado atenção ao trabalho de cativos nos ramos
industriais, destacando que em produções mais gerais, os escravos eram empregados em
ramos industriais “desenvolviam tarefas que exigiam certa especialização”.
Dentre eles destacamos aqui Luiz Carlos Soares17, em sua obra escravidão
industrial no Rio de Janeiro do século XIX, em que ainda que pouco apresente análises para
o emprego da escravidão industrial em outras regiões do país, traz à tona importantes
aspectos para a discussão e compreensão do trabalho escravo como integrante da história
dos trabalhadores brasileiros. Aponta, ainda, que os escravos trabalharam em várias
atividades da indústria, incluindo a mais importante, a Fábrica de Pólvora do Império18.
Não obstante esta constatação, ao longo dos tempos, o trabalho do cativo foi,
por parte das elites dominantes, relacionado com o braçal, ou seja, apenas para os serviços
não – especializados reproduzindo alguns dos estereótipos utilizados por aqueles que,
15
GREMAUD, Amaury Patrik, SAES, Flávio Azevedo Marques e TONETO JÚNIOR, Rudinei. Formação
econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997, p. 31.
16
GREMAUD, Amaury Patrik, SAES, Flávio Azevedo Marques e TONETO JÚNIOR, Rudinei, op. cit., p.
31.
17
18
Luiz Carlos Soares (ICHF/UFF) em seu artigo “A Escravidão Industrial no Rio de Janeiro do século XIX”.
Para SOARES, antes dos anos 1840, predominavam no panorama industrial do Rio de Janeiro as pequenas
indústrias, ou mais precisamente as oficinas artesanais, algumas manufaturas de maior porte conseguiram se
estabelecer, empregando algumas dezenas de trabalhadores livres e escravos, como era o caso da Fábrica de
Pólvora da Lagoa, estabelecimento estatal que, já nos anos 1810, empregava por volta de 100 escravos
(transferido em 1833 para o Município de Estrela), e de algumas manufaturas chapeleiras que empregavam,
mais modestamente, entre 30 e 40 operários nos anos 1830. Mesmo que maiores estabelecimentos industriais
vão surgir somente na segunda metade do XIX. SOARES, op. cit., p. 2.
20
dentro dos princípios liberais, defendiam a colonização e o emprego maciço do trabalho
livre na indústria, considerado de melhor qualidade. Se o trabalho livre era associado às
pessoas brancas, por outro lado o trabalho “braçal” era do cativo.
Soares considera que o emprego de escravos em oficinas manuais era
artesanal, pois “cada trabalhador era responsável pela realização de todas as etapas
necessárias à confecção de um determinado produto. Já as manufaturas, pela sua maior
dimensão, requeriam uma certa divisão do trabalho”, implicava realizar tarefas
especializadas: os trabalhadores escravos desenvolviam as mesmas tarefas que os
trabalhadores livres, demonstrando habilidade, perícia e destreza, qualidade estas
indispensáveis ao processo manual de trabalho vigente19.
Uma obra que nos permite discutir a relação entre o trabalho escravo e o
trabalho livre é Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil - séc. XVIII,
de PETER EISENBERG, que traz valiosas considerações acerca da chamada transição
destacando que há uma continuidade entre o regime de trabalho do escravo e o regime de
trabalho de um homem livre - o proletário20.
Neste sentido, no Brasil como em diversas outras sociedades agrícolas que
usaram o trabalho escravo, quando se fala em transição para o trabalho livre, salienta o
autor, que não se deve pensar numa conversão dramática, através da qual o escravo, isto é,
um trabalhador que se supõe às vezes ser mero meio de produção, desaparece subitamente,
para surgir em seu lugar um trabalhador que é dono de si, dono de sua própria capacidade
ou força de trabalho21.
O enraizamento da escravidão no Brasil por mais de 300 anos, favoreceu
para que esta instituição não só predominasse em setores importantes da economia, como,
para atender as exigências das especificidades históricas, diferenciou-se em várias
modalidades, como por exemplo, o negro de ganho, o negro de aluguel, o escravo
19
SOARES, op. cit., p. 2.
20
EISENBERG, Peter L. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil - séc. XVIII.
Campinas: Editora da UNICAMP, 1989, p. 187.
21
EISENBERG, Peter L. op. cit., p. 188.
21
assalariado, o escravo pago por produto, e até, no vocabulário da época, o escravo
“capitalista”, que ganhava um tipo de juros sobre o dinheiro que emprestava22.
EISENBERG distingue para tanto, as semelhanças e diferenças entre
trabalho escravo e trabalho proletário, para evidenciar sua coexistência destacando a
presença de elementos comuns às duas relações. Primeiro, a necessidade que ambos têm de
trabalhar e produzir excedente; segundo, é a existência inicial da coerção; terceiro, no
Brasil os dois eram adquiridos no mercado; em quarto lugar a necessidade de supervisão;
em quinto, a ilusão a que são submetidos quanto ao trabalho necessário à sobrevivência e o
excedente que é aproveitado pelo patrão.
Em relação às diferenças entre o trabalho escravo e o trabalho proletário o
autor faz as seguintes observações: em primeiro lugar as diferenças jurídicas - na lei
política e administrativa da colônia e dos s, o escravo é encarado como simples objeto uma coisa que faz parte do patrimônio de outra pessoa, enquanto o trabalhador livre é
plenamente caracterizado como pessoa perante a lei. Paradoxalmente a sociedade
escravocrata para se defender de escravos criminosos se vê às vezes obrigada a reconhecêlo como pessoa também que responde pessoal e diretamente pelos delitos que comete.
Em segundo lugar, desde as campanhas abolicionistas, as diferenças mais
comentadas entre escravo e livre no Brasil têm sido aquelas que supostamente demonstram
como e quando a escravidão era perniciosa para a vida econômica, social e até política do
país. Irracionalidade e ineficiência do trabalho escravo, quando confrontado com o trabalho
livre.
Desta forma, com a coexistência de similaridades nas formas de trabalho
escravo e trabalho livre, observando que ao tratar como transição, pode até prejudicar a
pesquisa, uma vez que a palavra transição por sugerir um processo mais ou menos linear ou
progressivo, quando é possível imaginar que no Brasil oscilava-se entre uma e outra relação
de trabalho conforme determinantes23.
22
EISENBERG, Peter L. op. cit., p. 188 -189.
23 A respeito da questão da “transição” do trabalho escravo para o trabalho “livre assalariado” é também
amplamente discutido por LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e historia do trabalho no Brasil In:
Projeto História: Revista do Programa de estudos pós-graduados em história e do departamento de história da
Pontifícia Universidade de São Paulo: n. o 1981, São Paulo: educ. 1981.
22
Partindo destes pressupostos o autor afirma que o escravo constitui uma
antecipação do moderno proletário ou o proletário possível24.
Destacamos a seguir as principais obras utilizadas em nosso trabalho de
pesquisa.
Em nossa pesquisa foi de suma importância a obra Soldados e negociantes
na Guerra do Paraguai, de autoria de Divalte Garcia Figueira, que norteou este trabalho,
pois constituiu-se em um dos raros estudos sobre os empreendimentos militares na segunda
metade do século XIX, com destaque para as fábricas de pólvora vinculadas ao governo
imperial. Este trabalho, além de trazer aspectos do abastecimento das tropas brasileiras na
Guerra com o Paraguai, relacionando-os ao quadro geral da economia do Brasil, com
destaque na produção deficiente de produtos industrializados.
Terra, trabalho e poder, de Vera Lúcia Ferlini, ainda que tenha privilegiado
a fábrica colonial onde era efetuada a produção açucareira, foi-nos importante para
pensarmos a organização da produção no interior da Fábrica de Pólvora do Coxipó.
A obra Na Senzala, uma flor de Robert Slennes, contribuiu sobremaneira
para entendermos a questão da formação das famílias escravas no âmbito da Fábrica de
Pólvora do Coxipó, além de nos inspirar com um dos subtítulos do capítulo terceiro.
Para a discussão dos contextos produzidos pela geopolítica fronteiriça no
Brasil, o livro: Navegantes, Bandeirantes e Diplomatas – um ensaio sobre a formação das
fronteiras do Brasil, de Synesio Sampaio Góes Filho, nos serviu de suporte para trabalhar a
temática da fronteira cujo conceito será por nós utilizado ao longo do primeiro capítulo25.
O poder metropolitano em Cuiabá e seus objetivos geopolíticos no extremo
oeste (1727 a 1752) de autoria obra de Otávio Canavarros, permitiu-nos analisar os
mecanismos utilizados na implementação das ações da Coroa Portuguesa em Cuiabá e
Mato Grosso no século XVIII.
Lúcia Helena Gaeta Aleixo em Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho
livre (1850 - 1888). Ao refletir sobre as condições em que ocorria a utilização da mão-de-
24
25
EISENBERG, Peter L. op. cit., p. 205.
Fronteiras, limites, raias, lindes, divisas, são considerados pelo autor como sinônimos e em trabalhos
técnicos, fronteira é faixa de terra - zona pioneira em vários casos - e os outros vocábulos linha divisória.
GOES FILHO, Sinesyo Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das
fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes. 1999, p.7.
23
obra escrava em Mato Grosso e discutindo as relações de produção, percebeu que, “nesse
período o trabalhador escravo também participava do processo produtivo”.
Luiza Rios Ricci Volpato em Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão
em Cuiabá em (1850 – 1888) traça um quadro da situação de Cuiabá no período da guerra
com o Paraguai, além de discutir como foco principal o cotidiano dos escravos em Cuiabá
na segunda metade do século XIX.
A tese de doutorado de Matilde Arake Crudo, Infância, trabalho e
educação. Os Aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso (Cuiabá, 1842 – 1899),
possibilitou-nos conhecer a organização interna de uma instituição temporalmente ligada à
Fábrica de Pólvora do Coxipó, que estabeleceu estreita relação entre sua estrutura
burocrática, os trabalhadores e a própria produção.
Em Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso no século
XIX, Maria Adenir Peraro, possibilitou que refletíssemos a respeito das várias
performances de famílias, como aquelas constituídas pelos homens e mulheres escravos em
Cuiabá do século XIX.
Para analisarmos a questão do desenvolvimento econômico regional no final
do século XIX, examinamos a obra de Fernando Tadeu de Miranda Borges: Do
Extrativismo à Pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso.
Esta obra, permitiu-nos recuperar um conjunto de informações e fontes sobre a economia
de Mato Grosso.
As
fontes
que
utilizamos
neste
trabalho
são
principalmente
as
correspondências, em forma manuscrita, dos diretores da Fábrica de Pólvora do Coxipó
com os presidentes de Províncias e com o Ministério dos Negócios da Guerra, além de
relatórios dos Presidentes de Província e do Estado.
A consulta aos relatórios dos diretores levou-nos a localizar o termo de
inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó, datado de 1877. Outro documento de suma
importância é o texto escrito por um militar datado de 1910, localizado em um jornal da
cidade de Cuiabá da época, pois permitiu-nos a “reconstituição do cenário da referida
Fábrica”.
Localizamos uma boa parte dessas fontes manuscritas em latas sob a guarda
do Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. No entanto a ausência de um catálogo de
24
documentos históricos dificultou a localização dos documentos, muitos dos quais,
encontram-se danificados ou mesmo, sem uma seqüência cronológica.
Por sua vez, encontramos maior facilidade na localização dos relatórios dos
presidentes de província, pois, estão microfilmados no NDIHR - UFMT, onde se encontram
à disposição. Nestes relatórios é possível verificar relatos importantes elaborados pelos
presidentes da Província de Mato Grosso sobre a Fábrica de Pólvora do Coxipó, quanto ao
processo de construção, aos orçamentos, as informações a respeito das autoridades que
estiveram na direção da fábrica, dos trabalhadores livres e dos escravos, homens e mulheres
e crianças no interior da Fábrica.
Dispomos também de consultas a algumas páginas na internet, que nos
auxiliou sobremaneira no desenvolvimento da pesquisa. Entre estas páginas destacamos a
da Universidade de Chicago: wwwcrl.uchicago.Edu/info/brazil, em que localizamos os
relatórios dos presidentes de províncias, relatórios dos Ministérios, especialmente do
Ministério dos Negócios da Guerra e imagens da Fábrica de Pólvora da Corte.
Como fonte iconográfica este trabalho apresenta uma Prancha composta de
um conjunto de ilustrações elaboradas a partir da documentação levantada. Esta prancha
descreve o funcionamento e as experiências da Fábrica de Pólvora, levando-se em conta os
aspectos circunscritos a ela: topológicos, formais e ambientais.
Apresentaremos a seguir os três Capítulos que integram a presente
dissertação.
O primeiro Capítulo, denominado A Fábrica de Pólvora do Coxipó na
Província de Mato Grosso e a geopolítica imperial, analisa as coordenadas da política
metropolitana portuguesa de expansão das fronteiras na América durante o século XVIII,
quando ocorreu a criação da Capitania de Mato Grosso no ano de 1748. Tal análise permite
que observemos o prolongamento dessa política ao longo da segunda metade deste século e
durante o século seguinte, quando o Império brasileiro, juntamente com a República
Argentina e do Uruguai, travaram um conflito bélico com a República do Paraguai,
conhecido como Guerra com Paraguai.
No segundo Capítulo, intitulado A construção da Fábrica de Pólvora do
Coxipó, tratamos do abastecimento de pólvora e sua utilização no âmbito do Império
brasileiro. O processo de montagem da Fábrica de Pólvora e o seu funcionamento; a relação
25
e/ou conexão da Fábrica de pólvora da Província de Mato Grosso com a Fábrica da Corte.
Aqui ainda analisamos as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores livres e escravos no
interior da Fábrica.
No terceiro, A Fábrica de Pólvora do Coxipó: diretores, trabalhadores
livres, e Escravos da Nação, destacamos o perfil dos encarregados e diretores; as
características demográficas dos trabalhadores. Apresentamos as características por sexo,
condição social e econômica assim como outros aspectos demográficos e alguns
apontamentos sobre os Escravos da Nação e sua estrutura familiar e social. Levantamos
também uma discussão sobre a importância da preservação das ruínas da Fábrica de
Pólvora do Coxipó.
26
CAPÍTULO I
A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ NA PROVÍNCIA DE MATO
GROSSO E A GEOPOLÍTICA IMPERIAL
Esses longes lugares nesses últimos distantes
onde o cerrado se encarrapicha o homem
sanguessuando sanguessuga
o sumo da terra
Silva Freire
27
1.1. A Fábrica de Pólvora do Coxipó na Província de Mato Grosso
Para analisarmos os cenários construídos em Mato Grosso e, por
conseguinte em Cuiabá no período da instalação e funcionamento da Fábrica de Pólvora do
Coxipó, no início da segunda metade do século XIX, faz-se necessário observar aspectos
peculiares da demografia, da economia e da fronteira que, somados, nos permitem ter um
molde da feição desta parte do extremo oeste brasileiro.
A Província de Mato Grosso, neste período, não dispunha de concentrações
populacionais significativas quando comparadas a determinadas províncias como São
Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Com exceção desta última, as
demais podiam usufruir dos benefícios de localização em áreas litorâneas. Entre esse as
facilidades de comercialização e recepção de imigrantes europeus, muito caros para os
governantes, que à época estavam preocupados com a escassez de mão de obra, diante da
Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que proibia o tráfico de mão de obra africana para o
Brasil.
Durante as décadas de 1840 e 1850 até meados da década de 1860, a
população da Província de Mato Grosso e da capital como um todo apresentou relativo
crescimento provocado, ao que consta, por fatores favoráveis, relacionados à livre
navegação pelo rio Paraguai. Tratava-se de benefícios advindos de um tratado, o Tratado de
Amizade, Navegação e Comércio, efetuado entre o Império brasileiro e a República do
Paraguai, que possibilitava o livre trânsito das embarcações brasileiras em águas do rio
Paraguai, bem como a presença de navios estrangeiros no circuito fluvial Paraná, Paraguai
e Cuiabá. Esta movimentação portuária se fez sentir, em vários aspectos, a exemplo do que
já citamos relativo ao aumento da população na Província de Mato Grosso e em sua capital.
Possivelmente, decorrente da entrada de imigrantes que passaram a usufruir das viagens
com maior facilidade, conforme podemos observar em dados oferecidos por ALEIXO:
28
Quadro 01
População da Província de Mato Grosso e de Cuiabá nos anos de 1849, 1855 e 1862:
Ano
Mato Grosso
Cuiabá
1849
21.947
47.813
1855
32.128
53.000
1862
37.538
64.000
Fonte: ALEIXO, Lúcia Helena GAETA. Mato Grosso: trabalho escravo e trabalho livre (18501888). Brasília: Ministério da Fazenda. Departamento de Administração. Divisão de
Documentação, 1984, p. 53.
Mais atraentes devido às facilidades oriundas da criação de companhias de
navegação a exemplo da companhia de navegação do Alto Paraguai no ano de 1858,
importante para a integração da Província de Mato Grosso com o Império e com as
repúblicas vizinhas. As cidades como Montevidéu, Corumbá e Cuiabá contaram a partir de
então com linhas regulares mais rápidas, não demorando mais que trinta dias, a ligação
entre elas.
Estas linhas criavam condições para que as embarcações conduzissem com
maior facilidade, nacionais e estrangeiros, bem como mercadorias entre os portos do Prata,
Rio de Janeiro e Corumbá. Em Corumbá, cidade portuária, localizada às margens do Rio
Paraguai, tais reflexos se fizeram sentir principalmente com a instalação da alfândega no
ano de 1861 em cujo porto, pela profundidade de suas águas, passavam embarcações
maiores, a vapor e a vela, nacionais e estrangeiras.
A abertura da navegação do Rio Paraguai pode-se ainda dizer, veio estimular
a produção de algumas atividades econômicas, que até então cumpria apenas a função de
abastecimento das áreas urbanas e mineradoras, ou seja, o mercado interno, como a
produção do açúcar, a criação de gado, a poaia, o couro.
Há que se ressaltar, no entanto, que a exportação desses gêneros, no curto
período que sucedeu entre a abertura da navegação e o início da guerra com o Paraguai, em
1864, ainda que não tenha garantido que ocorresse a dinamização da economia matogrossense. Os produtos exportados, eram basicamente extrativistas e agrícolas e garantiam
rendas para os cofres públicos da Província. Possibilidades animadoras aos proprietários de
terras e comerciantes locais ligados ao comércio de importação e exportação.
29
Acenava ainda para estes, com as possibilidades de implementação de uma
efetiva política colonizadora que viesse solucionar a falta de braços na lavoura matogrossense, visto que os reflexos da Lei de 1850 sobre as atividades econômicas faziam-se
sentir.
A premência em atrair imigração européia para Mato Grosso insere-se, pois,
em um contexto em que as regiões menos prósperas do encontravam maiores dificuldades
em inserir-se no tráfico interprovincial o que tornava praticamente inviável a aquisição de
escravos. Somam-se ainda as contingências materiais existentes que carreavam a maioria
dos homens livres para as atividades extrativistas e pastoris, propícias ao nomadismo e
menos rígidas em relação à fiscalização imposta aos escravos.
Contudo, o início da Guerra com o Paraguai, em novembro de 1864, veio
recolocar para o Império a emergência de dar solução a um conjunto de problemas que
afetavam determinadas províncias e que diziam respeito, diante do contexto, à questão da
defesa das fronteiras, relegando para segundo plano as demais questões, como a
implementação de uma política colonizadora.
A Província de Mato Grosso, acometida em suas áreas limítrofes pela
invasão das forças paraguaias, redimensionou sua posição geopolítica, valendo-se de
variadas estratégias para a defesa do território.
Antes, de adentrarmos na discussão das medidas tomadas pelas autoridades
para o enfrentamento do conflito bélico em terras mato-grossenses, torna-se importante
fazer um breve percurso a respeito das políticas adotadas pela metrópole portuguesa e
brasileiro, ao longo dos séculos XVIII e meados do XIX, nas áreas onde o referido conflito
ocorreu e, de forma mais ampla, situar a expansão das fronteiras na América durante o
século XVIII, quando da criação da Capitania de Mato Grosso.
30
1.2. A posse e a criação da Capitania de Mato Grosso
Foram as descobertas de ouro em Mato Grosso e Goiás, no transcorrer do
século XVIII, que aceleraram a transferência de boa parte da população do litoral em
direção ao interior da colônia, impulsionada desde as descobertas na Capitania de Minas
Gerais no final do século anterior.
A partir das descobertas auríferas na planície ou depressão (Baixada)
Cuiabana e no vale do Guaporé, entre os anos de 1718 e 1734, respectivamente, foram
lançadas as bases para a tomada de posse e ocupação da futura região mato-grossense. A
preocupação efetiva com a fronteira oeste consubstanciou-se na criação das Capitanias de
Mato Grosso e de Goiás em 1748 em uma área, podemos dizer nevrálgica, dos domínios
coloniais ibéricos da América.
Otávio Canavarros, ao analisar o modelo construído pela coroa portuguesa,
sobre as estratégias geopolíticas na região oeste luso-brasileira, comenta que a elevação do
povoado de Cuiabá à categoria de Vila Real, a criação de várias Provedorias e a
transformação da área em Capitania Geral no ano de 1748 são marcos políticos26.
O arraial Senhor Bom Jesus de Cuiabá - fundado em 1719 em decorrência
da descoberta das lavras do Sutil - e a capital passaram a constituir-se nos principais
núcleos de povoamento da capitania. O vale do Guaporé abrigou a antiga capital de Mato
Grosso - Vila Bela da Santíssima Trindade, criada em 1752, às margens do Rio Guaporé
que a partir de então, passou a assumir papel político de interesse crucial para a Metrópole.
A mineração converteu-se na principal atividade econômica no decorrer do século, ainda
que, ao longo da segunda metade do século XVIII, a atividade mineradora já apresentasse
sinais de declínio, como é característico das áreas em que se tem a exploração do ouro de
aluvião27.
Com a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade, os portugueses
acentuam a superação dos aspectos econômicos pelos geopolíticos e o conceito de
26
CANAVARROS, Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá e seus objetivos geopolíticos no
extremo oeste (1727 a 1752). EdUFMT, Cuiabá, 2004, p. 11.
27
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do Extrativismo à Pecuária: algumas considerações sobre a
história econômica de Mato Grosso. 1870 a 1930. São Paulo: Ed. Scortecci, 2001, P.37.
31
“antemural” da colônia como um território de “zona protetora” foi se formando para as
minas de ouro e ao mesmo tempo facilitando a expansão territorial portuguesa.
É neste contexto, portanto, que se insere a criação da Capitania de Mato
Grosso pela Coroa portuguesa que buscava a caracterização da posse da região, tornando
mais efetiva a argumentação utilizada pela diplomacia portuguesa do “uti possidetis”28. Sua
implantação estava vinculada aos trabalhos de demarcação do Tratado de Madri”, aos quais
deveria fornecer o apoio necessário29.
Por ocasião das negociações do Tratado de Madri, os portugueses “estavam
em melhor posição no terreno, graças à ocupação territorial realizada em terras extraTordesilhas, na Amazônia e no Centro-Oeste; mas não no Sul, onde a força estava do lado
dos espanhóis”30. Retomemos aqui a política metropolitana portuguesa da ratificação nos
acordos de limites na trilha da sua ocupação nas áreas fronteiriças.
Desde o começo da colonização os portugueses haviam se apossado das
melhores portas de entrada da planície. Pelo sul, existiam as trilhas dos bandeirantes e, no
século XVIII, a rota das monções, que conduzia ao rio Cuiabá e, depois de um percurso
terrestre, ao Guaporé, isto é, ao sul da bacia amazônica; pelo norte, ocupada a foz do
Amazonas (Belém - foi fundada em 1616)31, estava, então, assegurado o acesso. No Centro
- Oeste houve maior resistência à ocupação portuguesa diante da proximidade com os
espanhóis.
Na região sul, apesar da menor dimensão territorial em questão, despertava o
maior interesse dos dirigentes coloniais daquela época, a Colônia do Santíssimo
Sacramento:
A única possessão espanhola do lado atlântico da América do
Sul, teoricamente subordinada ao Vice-Reinado do Peru, mas
na prática gozando de boa dose de autonomia. Em torno do
Prata foi que se deram os conflitos coloniais mais importantes;
28
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 37.
29
VOLPATO, Luiza Ríos Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza. São Paulo: HUCITEC, 1987,
p. 38-39.
30
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 171.
31
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 172.
32
e, depois, no Império, as únicas guerras que envolveram o
Brasil, as do Uruguai, 1820-1821, 1826-1827 e 1864, da
Argentina, 1850-1852, e a do Paraguai, 1865-187032.
Iniciativas se deram da parte de Portugal para fazer do Rio da Prata a divisa
meridional do Brasil. Uma foi a falsificação geográfica tão convincente, que se difundiu
por outros países europeus. Desde os mapas de Pedro Reinel e Lobo Homem, ambos de
1519, toda a região da foz do Prata foi deslocada para leste, de tal maneira que ficasse
integralmente na parte lusa da divisão de Tordesilhas. Outra foi a política de ocupação do
atual sul do Brasil. Antes da fundação de Colônia, foi muito relevante o estabelecimento do
núcleo irradiador de Laguna (1676); depois a fundação, em 1737, da colônia militar de
Jesus, Maria e José (Rio Grande), no único local possível - o canal de deságüe da lagoa dos
patos - da costa sem portos de 700 km. Mas o fato mais notável foi a grande imigração
organizada pela Coroa, na década de 1740, que previa o transporte de 4.000 casais
açorianos para Santa Catarina e Rio Grande33.
Por ocasião da união ibérica (1580 a 1640) foi criada a Capitania do Cabo
Norte (o atual Estado do Amapá ampliado) para os portugueses em 1637, eram os
portugueses que estavam em Belém, pois assim a defesa contra os holandeses, franceses e
ingleses na área, só poderia ser feita por eles. Felipe IV da Espanha criava explicitamente
direitos lusoS ao setentrião amazônico.
Para a assinatura do Tratado de Madri em 13 de janeiro de 1750, os
portugueses buscavam negociar “um tratado equilibrado, que, a custa de ceder no Prata, se
necessário, conservasse a Amazônia e o Centro-oeste e criasse, no Sul, uma fronteira
estratégica que vedasse qualquer tentativa espanhola nessa região, onde a balança de poder
pendia para Buenos Aires. Alexandre de Gusmão34, ao defender o Tratado mais tarde, em
1751, afirmava que sua finalidade era de: Dar fundo grande e competente... arredondar e
32
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 176.
33
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 177.
34
Alexandre de Gusmão nasceu em Santos, entre 1730 e 1750 foi o secretário particular de D. João V, e nessa
condição teve grande influência nas decisões de Portugal sobre o Brasil. Foi o primeiro a defender o princípio
do uti possidetis e das fronteiras naturais, que norteou o Tratado de Madri.
33
assegurar o País35. Já para a Espanha o objetivo primeiro era parar de vez a expansão
portuguesa, que comia gradativamente pedaços do seu na América do Sul; depois, reservar
a exclusividade do estuário pratense, evitando o contrabando da prata dos Andes, que
passava por Colônia.
Neste particular, Alexandre de Gusmão ao redigir as principais propostas
para o Tratado de Madri, insere a seguinte, que talvez seja a que mais se destacou:
As colunas estruturais do acordo seriam os princípios do uti
possidetis
e
das
fronteiras
naturais,
assim
referidos
respectivamente no preâmbulo: cada parte há de ficar com o
que atualmente possui e os limites dos dois domínios... são a
origem e o curso dos rios, e os montes mais notáveis36.
A Espanha concordou em ceder os estabelecimentos que possuía na margem
direita do Guaporé onde hoje estão as ruínas do Forte Príncipe da Beira e que antes era a
missão jesuítica de Santa Rosa. Em compensação ficou com o ângulo formado pelos rios
Amazonas e Japurá onde havia um forte português, ancestral de Tabatinga.
A deterioração entre as coroas portuguesa e espanhola, provocada na
Espanha, pela ascensão, em 1760, de Carlos III, um opositor ao acordo, e em Portugal, pela
consolidação do poder de outro, o Marquês de Pombal, foi seguramente causa importante
da rápida morte (aparente) do acordo. Pombal era contra o tratado de Madri porque não
concordava com a cessão da Colônia do Sacramento, numa atitude nacionalista e apreciada
então à época.
Em 1761, os dois Estados assinaram o Tratado de El Pardo, pelo qual, como
reza o próprio texto do acordo, o Tratado de Madri e os atos dele decorrentes ficavam
cancelados, cassados e anulados como se nunca houvessem existido, nem houvessem sido
executados37. O Tratado de El Pardo apenas criava uma pausa durante a qual se esperaria
o momento propício para um novo ajuste de limites, voltando às incertezas do Tratado de
35
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 185.
36
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 185 - 186.
37
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p.193.
34
Tordesilhas. O que acontece no decorrer de 1777, ano em que D. Maria I sobe ao trono e
inicia a política de reação ao pombalismo.
Segundo GOES FILHO, a doutrina brasileira desenvolvida no Império se
apegava não ao texto do tratado de Santo Idelfonso, que era provisório, como diz seu título,
e fora anulado pela guerra de 1801, mas sim ao princípio fundamental, que era o mesmo do
Tratado de Madri, o uti possidetis. Por sua vez, o Tratado de Santo Ildefonso assinado em
1777, só serviria como orientação supletiva, nas áreas onde não houvesse ocupação de
nenhuma das partes envolvidas, continuava a doutrina, formulada em sua versão mais
completa pelo visconde do Rio Branco, em memorando apresentado ao Governo argentino,
em 1857, no fundo era a posse, base do Tratado de Madri, que continuava a definir o
território; de certa forma, era a obra de Alexandre de Gusmão que vivia para sempre:
Fora o Acre, o triângulo formado pelos rios Japurá, Solimões
e a linha Tabatinga-foz do Apaporis, e pequenos acertos de
fronteiras - capítulos posteriores à formação do território do
Brasil - foi o Tratado de Madri que legalizou a posse do Rio
Grande do Sul, do Mato Grosso e da Amazônia, regiões
situadas a ocidente da linha de Tordesilhas... ...Além da
permuta da Colônia de Sacramento pela região dos Sete Povos
da Missão38.
Durou, portanto, muito pouco para um tratado de limites e, apesar dessa
curta vigência formal é na História do Brasil o texto fundamental para a fixação dos
contornos do nosso território. Deste modo a implantação da Capitania encontrou, neste
Tratado, as condições que necessitava para não só conter as tentativas de avanço espanhol,
mas tentar ocupar as áreas ainda não ocupadas pelos vizinhos, tornando-se de fato o
antemural do Brasil39.
38
GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 164.
39
VOLPATO, Luiza Ríos Ricci, op. cit. , p. 39.
35
1.3. Os marcos geopolíticos
Para compreender as preocupações da Coroa portuguesa com a posse,
ocupação e defesa da fronteira oeste, é imperativo que observemos os marcos geopolíticos,
que implicam em distinguir como essas determinações Metropolitanas foram sendo
configuradas em cada tempo e espaço. Neste caso, observamos especificamente aos
aspectos referentes à territorialização engendrada com características distintas em cada
região.
Se por um lado, como afirma Carlos Alberto Rosa, a Capitania de Mato
Grosso foi territorializada sobre o termo da Vila do Cuiabá, a noroeste do termo do Cuiabá
“projetou-se um novo termo para vila a ser fundada no distrito do Mato Grosso. Isso
introduziu dupla espacialização, políticas de colonização diferenciadas para o Cuiabá e para
Mato Grosso”. Desse modo, a capitania foi composta por dois termos, ou repartições40: o
Cuiabá e o Mato Grosso. Para ROSA:
A política de colonização adotada para a repartição do Mato
Grosso atrelou essa parte da capitania aos interesses da
Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão. Isso
impôs à repartição uma vida econômica “estatizada”
(despótica, dizia-se à época). Desdobramentos disso foram a
excepcionalidade de despesas com demarcações da fronteira
nos anos 1780-90, o fluxo de ouro de Goiás para a repartição
do Mato Grosso, o florescimento de “monopólio” de
atividades produtivas na repartição nos governos de Luiz e
João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres41.
Como estratégia para a garantia da posse, foram viabilizadas medidas que
visavam criar estabelecimentos de ocupação com caráter inicialmente militar e,
40
Ver anexo 1, Mapa Repartição do Mato Grosso In: ROSA, Carlos Alberto. O urbano colonial na terra da
conquista p. 62- 63. In. A terra da conquista: história de Mato Grosso colonial; (org) Carlos Alberto Rosa.
Nauk Maria de Jesus. - Cuiabá: Adriana. 2003, p. 62.
41
ROSA, Carlos Alberto, op. cit., p. 42.
36
posteriormente, de povoamento. Ao longo da segunda metade do século XVIII, foram
construídos várias fortificações e núcleos de povoamento nas regiões mais sensíveis da
capitania.
A região do vale do Guaporé passou a ser guarnecida, a partir de 1760, por
um corpo de tropa de 200 dragões, alojados na Fortaleza Nossa Senhora da Conceição,
posteriormente denominada Forte de Bragança. Anos depois, o destacamento militar do
Forte Príncipe da Beira, construído em 1776, à margem direita do rio Guaporé, iria se
responsabilizar pela defesa ao norte da capitania42.
Ainda dentro da estratégia luso-brasileira de ocupação desta região, o Forte
Príncipe da Beira deveria servir também como “instrumento aglutinador das populações
branca, negra e indígena”. Por outro lado, devido a sua disposição e localização geográfica
servir de ponto de apoio e viabilizar o abastecimento da região, através da Companhia de
Navegação do Grão-Pará e Maranhão, cujos comboios percorreriam os rios Amazonas,
Madeira e Guaporé.
Por sua vez, o extremo sul da Capitania interessava a Coroa portuguesa tanto
pelas suas riquezas naturais tendo os pantanais banhados pelo rio Paraguai, como por
razões estratégicas. Primeiro pelo receio de que os espanhóis atingissem o vale do Guaporé
pela bacia do Paraguai e segundo por ser essa uma região intensamente habitada por
populações indígenas, resistentes à presença do homem branco.
Por ordem do então governador capitão-general Luis de Albuquerque de
Melo e Cáceres43, foi construído ao sul da capitania, o Forte de Coimbra e fundados os
povoados de Albuquerque (Corumbá) e Vila Maria (Cáceres), entre 1775 e 1778, como
forma de ocupação e povoamento do extremo sul:
Essas povoações, fundadas à margem direita do rio Paraguai,
permitiram fortificar as frentes de penetração portuguesa. O
Forte de Coimbra deveria cumprir não só a missão de velar
42
43
PERARO, Maria Adenir, op. cit., p. 27.
Capitão-general, Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres governou a capitania de Mato Grosso de
13 de dezembro de 1772 a 20 de novembro de 1789. Administrou a capitania de Mato Grosso por 11 anos e
11 meses, período em que foram edificadas grandes fortificações e fundados povoados como Albuquerque
em 1775 ( atual cidade de Corumbá) e Vila Maria de São Luis de Cáceres em 1778 ( atual cidade de
Cáceres). Era nobre de alta estirpe, com títulos como o de Quinto Senhor de Insua e de Espinchel.
37
pela fronteira, mas também de resistência aos ataques
indígenas na década de 1790. No ano de 1797, ainda com a
preocupação de fortalecer a fronteira sul como medida para
prevenir possíveis invasões castelhanas, foi fundado o presídio
militar de Miranda, região habitada pelos índios Terena, às
margens do rio Apa 44.
Essas construções “militares” permitem que observemos as estratégias
geopolíticas impregnadas cada uma de suas peculiaridades: cercas, muros, baluartes feitos
de troncos, de pau-a-pique ou taipa e torres de pedra. Dessas construções, os fortes se
destacam como os mais importantes e esses se caracterizavam com muitas guaritas e
armamento pesado e pequenas baterias.
Tais empreendimentos construídos para dar materialidade a esta ocupação
geopolítica luso-brasileira eram efetivamente um aparato militar, podendo inclusive ser
observados em sua arquitetura, projetados dentro de uma visão positivista dominante na
época.
Vejamos algumas das características do Forte Príncipe da Beira: após a
expulsão dos espanhóis da margem direita do rio Guaporé foi construído entre 1753 e 1754
a Guarda de Santa Rosa. Esta virou fortim em 1761, mas com a cheia de 1771 foi quase
totalmente destruída. Em 1776 foram iniciadas as obras da nova fortaleza cuja inauguração
em 1783, ocorreu com boa parte das obras em andamento:
Cada um dos quatro baluartes era armado com 14 (quatorze)
canhoneiras - num total de 56 peças de artilharia que
viajaram, aproximadamente, durante três anos para chegar ao
seu destino. Hoje, só existem três: uma nas muralhas e duas na
entrada do quartel vizinho45.
44
45
PERARO, Maria Adenir, op cit., p. 27-28.
COUTINHO. Alexandre. Forte Príncipe da Beira - Rondônia (Brasil) Fortaleza na Selva: aqui começa e
acaba o Brasil. www.janelanaweb.com, visita em 30 de julho de 2005.
38
No interior da praça forte, um total de 14 edifícios de alvenaria, argamassa e
“pedra canga” abrigavam os quartéis da guarnição e a capela. No centro do terrapleno,
existe um poço que fornecia água aos seus ocupantes. Para Suelme Evangelista, o Forte
tinha a aparência de um castelo medieval ou de uma catedral de pedra, se observado por
fora, com muralha, torres (guaritas) e portas enormes. Sua muralha de pedra canga de 480
metros de perímetro; quatro baluartes tipo Vauban com 14 canhoneiras cada circundado por
um famoso fosso com 2 metros de fundo e 32 metros de largura variável. Sua construção
teve como parâmetro o Forte de São José de Macapá, construído em 1764, embora o
Príncipe da Beira fosse superior em tamanho - o maior em área construída na América
portuguesa46.
Nas dependências internas do Forte eram armazenados produtos da
Companhia Geral de Comércio do Grão - Pará e Maranhão suas guarnições apoiavam as
monções do norte com gêneros alimentícios, soldados, índios e escravos no percurso; seus
cirurgiões e boticários davam assistência à saúde de viajantes. Cumpriu papel de feitoria,
inclusive arrecadando taxas e tributos.
Nas fronteiras litorâneas, tais construções serviam de defesa contra os
ataques dos índios, posteriormente, dos novos invasores estrangeiros; tiveram pouca
utilidade e já no decorrer do século XVIII foram sendo abandonadas, ruíram ou foram
derrubadas devido ao crescimento urbano das regiões litorâneas, onde estavam instaladas.
Podemos ainda elencar que na ocupação desta região a política populacional
adotada era articulada com a política colonial portuguesa de “garantia de fronteira” e tinha
como base a fundação de aldeias e incorporação de índios fugidos das missões jesuítas
espanholas.
Ao incorporar as populações nativas, tanto as que já estavam nas áreas de
ocupação luso-brasileira, os que fugiam das aldeias controladas pelos espanhóis, atendia-se
aos interesses do Estado português à medida que se resguardava e permitia-se assegurar a
posse das fronteiras e preencher os chamados vazios demográficos territoriais47.
46
FERNANDES, Suelme Evangelista. Forte Príncipe da Beira: militares e paisanos. p. 158 -159. In: (org.)
ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Nauk Maria de. A terra da conquista: história de Mato Grosso Colonial.
Cuiabá: Adriana. 2003.
47
A esse respeito ver obra de SILVA, Jovam Vilela. Mistura de cores: política de povoamento e população na
Capitania de Mato Grosso - século XVIII. Cuiabá: EdUFMT, 1995.
39
A ocupação e defesa dessa região ao longo dos séculos XVIII e XIX,
principalmente a partir da década de 1850, ocorreu com vistas a dar continuidade à política
de resguardo das fronteiras e para tanto povoações e várias obras militares foram sendo
construídas, dentre elas: fortes, estradas, arsenais de guerra e fábricas de ferro e de pólvora.
O que em outras palavras, consistia:
A construção e manutenção de tais obras pelos militares matogrossenses significavam para o governo imperial e provincial
a afirmação do poder da autoridade do estado monárquico
perante as repúblicas vizinhas48.
Wilma Peres Costa, ao observar que mesmo que a área de tensão platina
tenha se conformado, durante o período colonial, a belicosidade crônica do Império no
Prata não pode ser entendida apenas como uma “herança” ou um “resíduo” colonial na vida
do Brasil independente.
Para a autora, a referência explicativa reside no processo peculiar da
emergência do Brasil como nação soberana, que desembocou na conservação da unidade
territorial, na implantação da monarquia e na preservação da escravidão, fenômenos
intimamente ligados e relacionados entre si49.
Desde a Independência, o Brasil iria
enfrentar a dificuldade de convívio continental de uma monarquia escravista entre
republicas de trabalho livre e essa dificuldade seria vivida de forma intensa na região de
fronteira viva e aberta onde os sistemas confinavam. E neste caso, a ação do governo
imperial no Prata, foi facilitada de certa maneira pelas lutas internas em que estavam
constantemente envolvidos os países da área, os quais em muitos momentos identificavamse com a corrente política liberal, aberta ao comercio exterior e a liberdade de comércio
de navegação dos rios 50.
Durante a primeira metade do século XIX, afloraram a partir do quadro
apresentado, conflitos nesta região com a participação direta e indireta do Brasil, dos quais
48
PERARO, Maria Adenir, op. cit., p 50.
49
COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: O Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do . São Paulo:
Ed. HUCITEC / UNICAMP, 1996, p. 84.
50
DORATIOTO, Francisco. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1991, p. 25.
40
destacamos a Guerra da Cisplatina, ocorrida entre 1825 e 1828, que culminou com a
independência do Uruguai.
Logo no inicio da segunda metade do século XIX, mais especificamente em
1851 o brasileiro voltou a intervir no Uruguai, no conflito contra Uribe. A partir desta
ingerência o Império manteve uma posição de neutralidade em relação aos problemas
internos do Uruguai. No entanto, após 12 anos, o governo brasileiro passou a romper a
política de não-intervenção no Uruguai sendo esta intervenção apontada como o estopim
para a eclosão da guerra com o Paraguai, iniciada no final de 1864 até de março de 1870.
41
1.4. Mato Grosso e a Guerra com o Paraguai
Aspecto muito importante diz respeito à Guerra da Tríplice Aliança com o
Paraguai. Os avanços das tropas paraguaias, já no início com a ocupação do sul da
Província sem grandes dificuldades, traziam consigo o pavor e a conseqüente
intranqüilidade para os moradores de Cuiabá que temiam pela invasão.
A fragilidade com que a cidade de Cuiabá era guarnecida foi acentuada
principalmente com os boatos advindos sobre os soldados paraguaios, com a pecha da
“selvageria”, para a realização de seus intentos.
Com a guerra, acompanhada da
conseqüente interdição da navegação no Prata, a economia de Cuiabá e Mato Grosso ficou
ainda mais fragilizada.
Além de dificultar as comunicações da Capital com a Corte no Rio de
Janeiro, a interdição impôs a Cuiabá um profundo desabastecimento, que ao mesmo tempo
elevava os preços de forma alarmante e conseqüentemente, impondo a fome a uma boa
parcela da população cuiabana. Luiza Volpato ilustra bem essa situação: Em 1866, a venda
de produtos para o abastecimento em Cuiabá atingiu níveis efetivamente extorsivos,
penalizando ainda mais uma população extenuada pelos problemas decorrentes da
guerra51.
Para Domingos Sávio, a alta dos preços dos produtos agrícolas estava
relacionada à escassez dos produtos frente à demanda, já que tal reclamação vai estar
presente em vários relatórios:
Em 1860 desenvolveu-se na província um período de altas
fortíssimas dos preços. O governo provincial recebe ajuda do
governo imperial para comprar alimentos e distribui-los a
preço de custo e por miúdo a classes menos abastadas52.
51
VOLPATO, Luiza Rios Ricci, op. cit., p. 68.
52
GARCIA, Domingos Sávio da Cunha, op. cit., p. 33.
42
Essa escassez de alimentos não se dava somente na Província de Mato
Grosso. Ao contrário, era um fenômeno que se desenvolvia em quase todas as s do ,
variando de intensidade de uma para outra.
Para reforçar sua argumentação SÁVIO recorre ao contraponto apresentado
por Sebastião Ferreira Soares que, ao contrapor os argumentos de que a escassez era
conseqüência do fim do tráfico de negros africanos, credita tal escassez, no entanto “ao
desvio de braços da produção de alimentos para a cafeicultura”. Portanto, não seria uma
alta de preços que atingia todas as províncias, de forma generalizada, mas que “variava de
intensidade”, no “Município da Corte, Minas Gerais e Mato Grosso”. No caso de Mato
Grosso a alta seria conseqüência do declínio da produção.
Pelos vários problemas derivados seja do bloqueio, ou mesmo da própria
guerra com destaque para: o bloqueio à utilização fluvial do rio Paraguai, como canal de
exportação do açúcar, couro e poaia para a Corte e mercado platino, resultando em
comprometimento do setor agro-pastoril. Em decorrência desses fatores, a retração da
produção e a escassez passaram a ser constantes na região.
43
1.5. As vias de comunicação por terra
A problemática da distância e a precariedade dos transportes ao longo do
século XVIII e XIX, permaneceram na pauta das discussões sobre o limitador da economia
mato-grossense.
Na época da mineração, o transporte em Mato Grosso foi realizado pelas
monções como já mencionado. A rota monçoeira durou até praticamente a metade do
século XVIII e era responsável pela ligação de Mato Grosso com a Corte e o litoral,
propiciando também o início do povoamento e desenvolvimento de diversas localidades em
Mato Grosso.
Com a retomada desses velhos caminhos acabavam por majorar os custos do
transporte pelos riscos de perda de mercadorias e dos animais que faziam parte desse
“comércio da terra” recaindo sobre os negociantes, que pagavam os fretes, onerando a
população como um todo.
Eram repassados aos preços das mercadorias os prejuízos sofridos pelos
negociantes ao final da transação, que abarcava desde a compra e custos da tropa e despesas
com os camaradas, até os riscos de fogo e inundações em viagens, que acabavam por afetar
os animais, causando emagrecimento e perda dos burros. Nesse aspecto, as viagens
terrestres acabavam por influenciar na considerável alta dos preços dos produtos
importados.
Rubens de Mendonça, afirma que além das adversidades os lucros dos
negociantes não estavam totalmente de tudo garantidos, pois:
Sujeito este lucro depois de ano e meio de maçada e risco,
porque os riscos de fogo e inundação em viagem são sempre
por conta do dono, sujeito ainda aos prejuízos que causam
muitas vezes as vendas a prazo a pessoas, que gostam muito de
comprar e pouco de pagar, bichos estes que existem por toda a
44
parte do mundo, - aí temos um resultado bem mesquinho ao
negociante de Cuiabá53.
A abertura do primeiro caminho terrestre em Mato Grosso deu-se durante a
década de 1730, fazendo a ligação de Cuiabá a Goiás, a fim de satisfazer uma necessidade
sentida de expansão da mineração.
Alcir Lenharo, diz que apesar de nascer em uma época de proibições de
abertura de estradas, o caminho de terra de Cuiabá vinha satisfazer a necessidade de que a
expansão da mineração acarretou54.
Além da importância da abertura de caminhos terrestres para Mato Grosso,
os rios também tiveram significados na intensificação do povoamento, na criação de
cidades e no estabelecimento de relações comerciais, apesar das dificuldades envolvidas na
sua utilização:
Durante o período provincial, os caminhos terrestres que
existiam em Mato Grosso, apresentavam-se em estado bastante
precário, perecendo ter prejudicado inclusive a intensificação
da produção econômica55.
No entanto, a precariedade em que se encontravam os caminhos terrestres de
Mato Grosso, durante o período provincial, foi acentuada diante das dificuldades
econômicas enfrentadas pelo governo, que sobrevivia recebendo recursos enviados pelo
Tesouro Nacional.
Com a eclosão da Guerra com o Paraguai, a Província de Mato Grosso,
enfrentou grandes dificuldades para sustentar-se comercialmente. Mas o próprio
abastecimento das tropas brasileiras em combate no fronte de guerra, tiveram a questão do
transporte como o principal obstáculo. As mercadorias eram levadas em carroças ou em
tropas de mulas, que chegavam a ter seiscentos animais.
53
MENDONÇA, Rubens. Nos bastidores da história mato-grossense; Cuiabá, UFMT, 1983, p. 88.
54
LENHARO, Alcir. Crise e Mudança na Frente Oeste de Colonização; UFMT. 1981, p 17.
55
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 109.
45
Essas viagens eram naturalmente feitas por terra, numa distância de cerca de
quatrocentas léguas (aproximadamente 2,4 mil quilômetros), e em muitos casos os
caminhos não eram bem conhecidos. Atravessavam-se sertões inóspitos, onde nem sempre
havia recursos para alimentação dos animais e das pessoas ocupadas em guiá-los e tratá-los.
Nestas condições o governo recorria aos condutores particulares, apesar de
tudo, ainda havia alguns que aceitavam esse tipo de empreitada. O órgão encarregado de
contratar os condutores de mercadorias era o Arsenal de Guerra da Corte, atividade também
desempenhada pelos presidentes de províncias e até mesmo pelos comandantes militares.
O procedimento adotado pelo referido Arsenal era a promoção de licitação,
que escolhia, entre os poucos interessados, aquele que apresentasse as melhores condições.
E em muitos casos havia problemas na entrega das mercadorias pelas adversidades já
mencionadas.
Por conta dessas dificuldades mencionadas no transporte em Mato Grosso e
com o término da guerra, foi sugerido na Província um estudo que verificasse a viabilidade
da implantação de uma estrada de ferro, que pudesse atender as necessidades da Província.
Os serviços oferecidos pela navegação em Mato Grosso, durante o período
provincial, não dispunham de um atendimento satisfatório, utilizando-se de vapores
pequenos devido à pouca profundidade dos rios, na época das secas, com viagens
consideradas demoradas.
A navegação fluvial em Mato Grosso durou todo o período provincial e
começo do período republicano56. Em 1872, a reabertura da navegação do Rio Paraguai e o
aproveitamento da bacia do Prata para o escoamento da produção mato-grossense, trouxe
um impulso de crescimento às cidades de Cuiabá e Corumbá. Sem duvida, isto coincidiu
com o surto da atividade extrativista da borracha, erva-mate, com a recuperação da pecuária
e com a retomada da produção do açúcar57.
56
A partir de 1914, com a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, começou em Mato Grosso um
novo período de intercâmbio comercial. Sua construção decidida em 1904.
57
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. Cit., p. 131.
46
Nos primeiros anos da Republica58 a navegação da bacia Paraguai - Prata foi
praticamente à única via de comunicação capaz de escoar a produção mato-grossense a um
valor passível de reduzir o custo de fretes para a exportação.
58
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit. p. 132.
47
1.6. Aspectos da economia mato-grossense na segunda metade do século
XIX
As condições locais, que se traduzem na ausência de qualquer
tradição de produção industrial, já que a base de sustentação
esteve
sempre
dada
pelas
atividades
extrativas
ou
agropecuárias, não devem ser esquecidas ou relegadas a
segundo plano. O fato de ser Mato Grosso uma região que se
encontra geograficamente distante do litoral, onde se centrou
desde o período colonial a principal força econômica, assume
este aspecto grande importância e peso59.
A economia mato-grossense durante o século XIX, intrinsecamente voltada
para as atividades extrativa e pecuária, atendendo o mercado interno e parte voltada a
atender o mercado externo, tendo pouca relevância, neste caso, o setor industrial. Para que
possamos visualizar melhor essas especificidades, passaremos a elencar em linhas gerais as
atividades produtivas, voltadas ao extrativismo e a pecuária. Dentre as atividades
extrativistas passaremos a destacar a erva mate, a poaia e a borracha. Além dessas
atividades extrativistas apresentaremos aspectos da pecuária e das iniciativas fabris.
A atividade açucareira
Desde os primeiros momentos da ocupação de Mato Grosso já é possível
encontrar indícios da produção agrícola ligada à cana de açúcar. Entretanto o seu
desenvolvimento será melhor observado quando do declínio da mineração na segunda
metade do século XVIII.
59
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Memória histórica da Indústria de Mato Grosso. Cuiabá,
FIENT / IEL / UFMT, 1987. p. 37.
48
A produção açucareira ao se desenvolver tinha por função abastecer o
mercado interno. O quadro abaixo mostra as localizações geográficas das regiões
produtoras de cana-de-açúcar, aguardente e farinha.
Quadro 02
Demonstrativo da produção açucareira de Mato Grosso em 1796.
Distrito
Engenhos
Monjolos de
Cana de
Alqueire de
farinha
aguardente
farinha
Escravos
Vila Maria
02
-
150
600
59
São
02
02
175
280
42
Cocaes
03
-
240
500
66
Rio Acima
05
-
240
1.100
95
Rio Abaixo
02
-
180
-
70
Serra Acima
20
06
4.030
16.400
728
34
08
5.015
18.880
1.060
Pedro
D’elrei
Total
Fonte: MESQUITA, José de. op. cit.. p. 31.
Por sua vez, a lavoura da cana-de-açúcar passa a sustentar a economia matogrossense ao absorver a mão-de-obra escravizada, proveniente da atividade mineradora.
Desta forma, a terra passa a adquirir certa importância também como capital,
de tal sorte que, em 1827 pagava-se em Cuiabá 42 oitavas de ouro por uma sesmaria de
terras cultiváveis. De acordo com CASTRO e ALEIXO, alguns fatores dificultavam o
desenvolvimento da lavoura da cana-de-açúcar destacando-se entre eles os seguintes:
Em primeiro lugar vêm destacar a precariedade dos meios de
transporte e comunicação. A localização dos engenhos nas
proximidades dos rios favoreceu de modo considerável o
escoamento da produção açucareira. Na região de serra
acima, zona da chapada, onde desenvolveu uma próspera
lavoura de cana-de-açúcar, as tropas de burros e carros de
bois utilizavam caminhos e picadas abertas e mal conservadas
49
para este fim. A preocupação do governo da província em
1875 para solucionar a questão deste acesso, não se
concretizou60.
A abertura da navegação do Rio Paraguai, em 1856, incentivou a produção
açucareira para a exportação, por um breve período até o início da Guerra com o Paraguai
quando em função do recesso da navegação houve uma retração na produção que somente
após 1872, após a reabertura dessa navegação, se processa a modernização e proliferação
dos engenhos no Rio Abaixo.
Outro fator a ser considerado é a questão da mão-de-obra. O trabalho
escravo que sustentava a produção açucareira tendia a diminuir pela abolição do tráfico
negreiro e pela grande demanda da área cafeeira nas regiões produtoras. Este fato
dificultava o aumento da produção açucareira. No entanto, o movimento abolicionista
trouxe consigo a incorporação do trabalhador livre nacional aos engenhos de cana-deaçúcar.
O surgimento das usinas em Mato Grosso no final do século XIX deu-se no
mesmo momento em que, em todo o Brasil, os engenhos passavam por um processo de
modernização. Nas maiores áreas produtoras (Nordeste, Rio de Janeiro e São Paulo) esta
modernização deu-se acompanhada pela gradativa substituição do mercado externo pelo
interno, perdendo o Brasil terreno na disputa pelos mercados internacionais.
A expansão do surto imigratório (1880 – 1890) foi um dos
fatores que possibilitaram a transformação dos engenhos em
usinas, deslocando o centro de interesse dos produtores para o
mercado consumidor interno. Expandiu-se a produção durante
os primeiros anos da Republica em função destes dois fatores
conjugados – modernização técnica e aumento do mercado
interno61.
60
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 66-67.
61
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 70.
50
A Pecuária
Os primeiros rebanhos bovinos chegaram em Mato Grosso no final da
década de 1730. Esses rebanhos não tiveram maiores problemas e se adaptaram
rapidamente às pastagens naturais de Mato Grosso. Entretanto, mesmo com a existência de
grandes áreas próprias para as pastagens, afirma BORGES62, a pecuária só foi assegurada e
pode consolidar-se com a fundação do Forte de Coimbra, em virtude dos freqüentes
ataques dos índios Paiaguás. Sua consolidação, portanto, apenas ocorreu por volta da
década de 1780, a partir daí, com a implantação das fazendas de gado no pantanal matogrossense.
As dificuldades na exploração da criação de gado em Mato Grosso, e
principalmente sua expansão não ficaram restritas às adversidade locais, pois para as
autoridades coloniais também não eram interessante que houvesse o desenvolvimento desta
atividade.
Isto porque, da mesma forma que a cana de açúcar, este tipo de atividade
oferecia o “perigo” de absorver a mão de obra e recursos que deveriam estar alocados nas
regiões mineradoras. Além do mais, colocaria em risco o comércio das minas em outras
regiões, que garantiria a drenagem do ouro obtido.
O gado bovino e o muar foram introduzidos na Capitania mato-grossense
por comerciantes paulistas, que obtinham os rebanhos no Vale de São Francisco e no sul da
colônia, transportados pelo caminho terrestre via Capitania de Goiás63:
Os grandes latifundiários mato-grossenses não compunham de
atividades monoculturais; conjugavam muitas vezes, o cultivo
do açúcar, como a criação de gado e da agricultura de
subsistência. Além disso, seus proprietários exerciam funções
de comerciantes e ocupantes de cargos públicos e militares64.
62
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. Cit., p. 75.
63
VOLPATO, Luiza Rios Ricci. A Formação do Anti-Mural da Colônia - Dissertação de mestrado; FFC /
HLUSP/ UFMT, l982, p.5.
64
VOLPATO, Luiza Rios Ricci, op. cit., p. 10.
51
Ressaltamos, que o crescimento da pecuária foi diferentemente responsável
pelo abastecimento interno da Capitania de Mato Grosso, ainda no transcurso do século
XVIII, propiciado pelas condições naturais, como largas extensões de faixas de terras e
pastos em abundância. No entanto, esse crescimento, a partir de 1850, teve que enfrentar
algumas dificuldades que comprometeram a utilização sistemática dos rebanhos de Mato
Grosso. Entre eles, destacamos os seguintes: a epizootia65 ou (peste das cadeiras),
responsável pela dizimação dos rebanhos de eqüinos; a Guerra com o Paraguai, que atraiu
os vaqueiros existentes para o Exército; a deficiência dos transportes e a má conservação
das estradas que ligavam Mato Grosso aos mercados de Minas Gerais e Goiás:
O problema causado na pecuária mato-grossense, pela
epizootia, só foi amenizado com a descoberta do PROTOSAN,
no final do século XIX. Essa invenção, entretanto, não resolveu
de imediato o problema da peste, pelo fato de a utilização do
PROTOSAN não encontrar-se ao alcance do nível técnico dos
trabalhadores, da época66.
Com o saneamento da peste da epizootia, a reabertura da navegação do Rio
Paraguai e a liberação da força de trabalho advinda, com o término, da Guerra, fatos
ocorridos já no final do século XIX, foi que a pecuária assumiu papel representativo no
contexto econômico de Mato Grosso.
Mas esta configuração toma força ainda na segunda metade do século XIX,
quando a criação de gado passa a ser relevante não se restringindo apenas ao atendimento
do mercado regional, passando a atender inclusive parte do mercado internacional. Mato
Grosso firma-se, então, como uma das regiões produtoras do país, atraindo, investimentos
para o setor. Várias charqueadas iriam proliferar em algumas regiões de Mato Grosso.
65
Peste esta que atacou amplamente os animais, principalmente eqüinos, muito utilizados na Fábrica de
Pólvora do Coxipó.
66
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 77.
52
Essas "fazendas" produziam charque, caldo, extrato de carne, couro e sebo
que eram exportados para a Europa e algumas regiões platinas. Esse é o momento em que
ocorre a expansão do capital dos grandes centros capitalistas para o restante do mundo.
Em Mato Grosso esse capital chega para promover a instalação dessas
empresas. A primeira charqueada instalou-se na região de Cáceres (Descalvado) e seu
proprietário era o argentino Rafael Dei Sar. Mais tarde o saladeiro de Descalvado foi
vendido a uma companhia belga, que o transformou em indústria de extrato de carne.
Posteriormente, essa propriedade foi adquirida pela Brazil Land & Casttle Packing.
Empresa ligada ao sindicato Facquhr (Alemanha).
A produção da pecuária teve seu maior impulso com a construção da
ferrovia Noroeste do Brasil (SP/MT), no período da Primeira República. Na região sul de
Mato Grosso, várias cidades se formaram a partir da ferrovia, dentre elas: Três Lagoas,
Águas Claras e Ribas do Rio Pardo; outras tiveram sua população aumentada, como Campo
Grande, Aquidauana e Miranda67.
O gado, a partir desse momento, passou a ser transportado em pé, do sul de
Mato Grosso para a cidade de Baurú, Estado de São Paulo. Em Mato Grosso, as terras
foram valorizadas, gerando especulação imobiliária.
Erva Mate
Mato Grosso teve sua economia fundada nas possibilidades oferecidas pela
existência de recursos naturais, neste sentido a erva mate68 assumiu, durante longo período,
uma posição de destaque.
67
68
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 79.
Erva mate é uma planta nativa das Américas e do Brasil e, conseqüentemente, familiar aos povos indígenas,
que a denominavam “caa”. Analisada em laboratório na Europa verificaram as seguintes propriedades:
descansava os músculos, atenuava a fome, possuía função diurética, era rica em alcalóide e era ainda
afrodisíaca.
53
Oriunda do Paraguai, onde a indústria ervateira, em fins do século XVIII,
era explorada empregando mão-de-obra mestiça com origem nos índios que viviam nos
aldeamentos jesuítas, fora adotada em Mato Grosso utilizando-se dos mesmos processos de
extração guarani. Exploração implantada por Thomaz Laranjeira, logo após a consolidação
das demarcações de fronteiras do Brasil com o Paraguai.
Thomas Laranjeira integrava esta comissão demarcatória objetivando
atendê-la com fornecimentos de gêneros alimentícios e outros suprimentos. Logo este se
familiarizou com a exploração da erva mate nas terras guaranis. Neste sentido, CORREA
FILHO anotou este relato de Thomas Laranjeira, que diz:
No anno de 77 encetei aqui no Paraguay o trabalho de herva
matte, pensando sempre em passar-me para o meu Paiz, logo
que se me consedessem hervaes69.
A partir do final do século XIX, quando se iniciam as atividades da
Companhia Mate Laranjeira S. A., a erva mate passa a se constituir numa das grandes
fontes de renda do Estado70.
A expansão deste produto em Mato Grosso deve-se ao
monopólio de sua exploração, às dificuldades de comunicação
fluvial com o rio da Prata, às ligações de Tomás Laranjeira
com o mercado argentino, além de dispor de grandes ervais
nativos no Estado71.
Sem dúvidas a exploração da erva mate em Mato Grosso, que se estendeu
das últimas décadas do século XIX até meados do século XX, propiciou uma importante
arrecadação tributária aos cofres públicos, contribuindo, sobretudo na ocupação de
69
CORRÊA FILHO, Virgílio. À sombra dos Hervaes Mattogrossenses; Monographias Cuiabanas. Volume
IV, São Paulo Editora Ltda. São Paulo, 1925, p. 15.
70
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 103.
71
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 103.
54
importantes áreas do sul mato-grossense, fixando desta forma a população em zona de
fronteira, especialmente as de limites litigiosas do Brasil com o Paraguai.
Poaia
Entre as ervas que figuraram na exploração extrativista, mesmo com menor
impacto sobre a economia mato-grossense, está a Poaia, Ipeca ou Ipecacuanha72. Nativa das
regiões úmidas das florestas tropicais da América, com ocorrência no Brasil, Colômbia,
Venezuela, Peru, Equador, Bolívia, Guianas e América Central.
No Brasil a ocorrência da ipeca pode ser verificada nos Estados de Mato
Grosso, Pará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Bahia, sendo que
a maior ocorrência foi em Mato Grosso. Neste caso, com maior incidência entre a região de
Cáceres e Chapada do Parecis, ou seja, nas bacias dos rios Paraguai e Guaporé.
A exploração da poaia conhecida durante o século XVIII, teve sua extração
de forma sistemática e em larga escala somente no século XIX73, quando intensificou a sua
exportação para a Europa, onde ingressava como matéria-prima para a indústria
farmacêutica, com as seguintes características e propriedades:
É um arbusto reto com cerca de 45 cm de altura. As raízes, de
onde são extraídos vários alcalóides, como a emetina são
extremamente aneladas, cujos anéis apresentam-se em alto
relevo e chegam a ter 20 a 40 cm de comprimento. Apresentase ramificadas horizontalmente, o que reduz e facilita o
trabalho do poaieiro na sua extração. As folhas são
geralmente ovadas e verdes escuras74.
72
73
74
Nome científico: Cephaeles Ipecacuanha. (Psychotria ipecacuanha (Brot.) stokes)
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. O processo histórico de Mato Grosso; UFMT, Cuiabá, 1990, p. 54.
MIRANDA, Graci Ourives. A poaia: um estudo em Barra do Bugres; (monografia de especialização)
Departamento de História - UFMT, Cuiabá, 1983, p. 12.
55
Para a exploração da poaia eram feitos arrendamentos através de empresas
de capital estrangeiro ou nacional. Por se tratar de um trabalho de extração de raiz, os
trabalhadores contratados por essas empresas embrenhavam-se nas matas e ali
permaneciam por cerca de seis (6) meses, sempre em temporadas de chuvas, pois a
umidade do solo facilitava o arranque das raízes.
Como a poaia prolifera em terrenos de mata serrada, seus
trabalhadores tinham a feitoria da empresa como sede central,
local onde poderiam se abastecer de mantimentos e
ferramentas,
porém
suas
residências
eram
pequenas
choupanas armadas no meio da mata, onde o sol raramente
penetrava. Esses trabalhadores utilizavam equipamentos
especiais75.
Toda produção era recolhida pelos trabalhadores que a levavam para os
barracões da companhia, instalados normalmente no interior das matas, onde também
construíam as feitorias e ranchos de palha que, ao mesmo tempo, serviam como depósito de
mantimentos e também para a moradia dos trabalhadores poaeiros.
Nestes barracões a poaia era ensacada e pesada. Depois da realização desses
serviços os trabalhadores recebiam o pagamento correspondente à sua produção,
descontados os gastos com alimentos, vestimenta, equipamentos e medicamentos vendidos
pelos próprios barracões da empresa.
Esses trabalhadores eram contratados nas cidades, por empresas, para
fazerem a extração das raízes e os salários pagos a eles correspondiam à quantidade de
poaia extraída.
Assim que o trabalhador era contratado verbalmente, ele recebia como
instrumentos de trabalho o sapicuá76 e o saraquá77. O poaeiro recebia também uma certa
75
76
77
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Revivendo Mato Grosso; Cuiabá: CEDUC, 1997, p. 66.
Recipiente de couro ou lona para transportar as raízes e ferramentas de trabalho.
Instrumento usado para retirar as raízes do solo.
56
quantidade de alimentos. Esses materiais eram descontados em valor monetário no acerto
do pagamento, gerando uma dependência do trabalhador para com a empresa.
Para a comercialização do produto, entre Barra do Bugres e Cáceres, os mais
afortunados utilizavam lanchas, e os pobres, batelões e canoas. Quanto ao fabrico das
embarcações não havia muitas dificuldades porque a mata apresentava abundância de
árvores de seis metros de comprimento a 1,25 m de largura78.
A extração da poaia se dava no mesmo período em que a economia
extrativista mato-grossense era diversificada com a extração de outros produtos, como a
erva mate, a borracha, etc., como a retirada da poaia dependia da terra úmida, por ser
aproveitada apenas a raiz, tal extração era realizada no período de chuvas, que durava
aproximadamente seis meses. Em período de seca os trabalhadores da poaia eram obrigados
a migrar para a extração desses outros produtos ou buscar seu sustento nas cidades
próximas.
O método de extração da poaia arrancando a planta por completo, as
queimadas e os constantes desmatamentos da região para a expansão da agricultura e para a
criação de gado, podem ser considerados fatores causadores da diminuição e até mesmo, da
quase extinção da poaia nativa.
Borracha
O extrativismo relacionado à seringa em Mato Grosso teve seu momento
inicial no período de 1865 a 1870, na região de Água Fria, no rio Pulador e na região de
Diamantino. O sistema utilizado para a coagulação do látex era a fumigação, mas já em
1872 ocorreu a introdução do processo conhecido como “alúmen”, a esse respeito, escreveu
BORGES:
78
MIRANDA, Graci Ourives. A poaia: um estudo em Barra do Bugres; (monografia de especialização)
Departamento de História - UFMT, Cuiabá, 1983, p. 29.
57
A primeira amostra de borracha extraída em Mato Grosso foi
encontrada no Rio Preto, afluente do Arinos, pelo negociante,
José Sabo Alves de Oliveira, tendo o destino de Paris em 15 de
dezembro de 1872. a responsabilidade da introdução na
coagulação do látex, do processo de alume, foi do francês
Martim Guilherme, nesse mesmo período, residente na
Província e que passou a comprar o produto extraído, sem
concorrente79.
No ano de 1874 apareceu, pela primeira vez, referências a grandes volumes
de exportação da borracha, extraída nos seringais do Rio Novo e cabeceiras do Rio Cedro.
Foi nesse período que o governo provincial passou a se interessar pela sua exploração. Em
declarações oficiais manifestava-se a intenção de estimulá-la, criando-se condições para
que pudesse ser realizada de maneira mais efetiva80.
A exploração da borracha consolidou-se em Mato Grosso nas imediações
dos Rios Paraguai, Juruena, Arinos, Paranatiga e Alto Tapajós. Seu escoamento se deu
pelas bacias do Prata e Amazonas. A produção de borracha oriunda do Baixo Guaporé, do
Madeira e da região do Baixo Tapajós saía pela Bacia do Prata, bem como a borracha
extraída das margens do Rio Paraguai, nas cabeceiras do Tapajós e do Alto Guaporé,
portanto, a produção mato-grossense era exportada pela Bacia do Amazonas:
A borracha extraída em Mato Grosso foi enviada para o
Amazonas e daí exportada para o exterior, principalmente
para Londres e Hamburgo, onde a parte, exportada pelo
Prata, teve um percurso mais demorado e um custo menor, que
variava de 300$ a 800$ por tonelada, em comparação com a
exportada pelo Rio Amazonas, que atingia uma despesa de
1.500$000 por tonelada81.
79
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 65.
80
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 87.
81
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 67.
58
Os impostos eram cobrados em estações fiscais, tanto de Mato Grosso
quanto do Amazonas e Pará, dificultando a comercialização e favorecendo de certa forma o
contrabando para a Bolívia, onde a cobrança de taxas era mínima. Essa taxação realizada
em postos fora de Mato Grosso, por sua vez, possibilitou a não consideração de sua origem
e atribuída à exportação ao Pará e Amazonas, acarretando uma diminuição nas exportações
mato-grossenses.
Para enfrentar a questão do transporte que mais uma vez figura como o
maior problema enfrentado para o escoamento da produção de Mato Grosso, o governo
provincial buscou celebrar um contrato com empresas particulares para construir uma
estrada de rodagem entre os rios: Alegre e Iguapeí, e a navegação dos rios Madeira,
Guaporé, Alegre, Aguapeí, Jauru e Paraguai82. Desta maneira solucionaria o problema da
retirada da produção, ligando com isso as bacias Amazônica e Platina.
Na primeira década do século XX, ocorreu a conjugação de dois fatores de
extrema relevância para a economia seringueira. O primeiro fator diz respeito à queda da
cotação da borracha nos grandes centros consumidores da Europa e dos Estados Unidos;
esta queda de preços foi propiciada em conseqüência da depressão econômica que ocorreu
nestes centros importadores. O segundo fator foi a concorrência com a produção asiática,
realizada de forma sistemática, que diretamente afetou a economia mato-grossense. Logo,
os preços alcançados pela borracha no mercado interno e no exterior não atendiam as
expectativas de lucros desejados pelos investidores, já que estes despendiam um volume
muito alto de recursos.
Os estabelecimentos fabris
As atividades fabris durante o período colonial em Mato Grosso tinham
como base econômica principal a fabricação do açúcar, entretanto, outras atividades
existiam, mesmo que de forma complementar, as artesanais e manufatureiras.
82
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 67.
59
Pequenas metalúrgicas surgiam, mesmo em áreas de mineração, propiciando
a fabricação de ferramentas, machados, pás, facas, panelas, ferraduras e outras demandas
que iam aparecendo, possibilitando a ampliação da força de trabalho.
Em 1751, de acordo com CORREA FILHO, já funcionavam em Vila Bela,
treze (13) engenhos de aguardente, três (3) de açúcar e rapadura, já no Distrito de Cuiabá
vinte e quatro (24) engenhos de aguardente, vinte e dois (22) de açúcar e rapadura83.
Já no final do século XVIII, de acordo com as informações descritas por
José de Mesquita84, mesmo a produção dos engenhos não sendo ainda significativa para a
exportação, representou uma produtividade suficiente para abastecer o ainda tímido
mercado interno. Observemos o quadro abaixo:
Quadro 03
Estabelecimentos fabris voltados à produção açucareira de Mato Grosso em 1796.
Distritos
Fábricas grandes
Fábricas pequenas
Escravos
-
02
09
S. Pedro D’ElRei
01
11
49
Cocaes
03
08
68
Porto Geral para cima
03
08
68
Porto Geral para baixo
04
07
96
-
02
10
11
38
300
Vila Maria
Serra Acima
Total
Fonte: MESQUITA, José de, op. cit. p., 31.
Este quadro demonstra, sobretudo, os engenhos de açúcar, rapadura e
melado, em 1796, distribuídos segundo a classificação de “pequeno” ou “grande”85.
83
CORRÊA FILHO, Virgílio, História de Mato Grosso, Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, vol. 4,
1994, p. 694.
84
MESQUITA, José de. Grandeza e Decadência da Serra Acima. Revista do Instituto Histórico de Mato
Grosso. Tomo 25 / 28, 1930, p. 31.
85
Ao tratar da ocupação das terras destinadas ao abastecimento com gêneros alimentícios á Cuiabá,
VOLPATO, faz esta observação: eram também considerados sítios as propriedades que ocupavam de vinte
(20) escravos acima. VOLPATO, Luiza Ríos Ricci, op. cit., p. 36.
60
Os estabelecimentos industriais proliferaram, produzindo charque, caldo de
extrato de carne, exportando para os mercados europeus e platinos. Em 1884, Manoel de
Almeida Gama Lobo D’Eça, o Barão de Batovy, que governou a Província de maio de
1883 a outubro de 1884, relatava à Assembléia Legislativa: o importante estabelecimento
de propriedade de cidadãos argentinos Jayme Cibels e Buchareo, situado no município de
São Luiz de Cáceres, destinado ao fabrico de extrato de carne e caldo concentrado exporta
em grande quantidade para os mercados estrangeiros:
A expansão do capital dos grandes centros capitalistas para o
restante do mundo acarretou modificações fundamentais para
as economias das diferentes regiões do mundo86.
A instalação dessas empresas estrangeiras, em Mato Grosso, data do final do
século XIX, e a maioria desses estabelecimentos se concentravam nas mãos dos
investidores de capital externo. É nesse período que ocorreram grandes mudanças na
economia no plano internacional, com investimentos estrangeiros realizados em Mato
Grosso.
Com a decadência do surto minerador a agricultura açucareira e a pecuária é
que responderam pela movimentação da economia mercantil mato-grossense:
A economia mercantil permitiu aos comerciantes das lavras
uma relativa acumulação de capital-dinheiro, mesmo as
expensas do monopólio exercido por Portugal. Desta forma
este capital se transformou em meios de produção e de
escravos que lançados no mercado produziam o excedente que
aos poucos foi empregado na aquisição e no cultivo de
terras87.
Esses comerciantes agiam como intermediários, colocavam no mercado os
manufaturados importados a preços compensadores, que se transformavam em alto lucro
86
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 41.
87
CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 63.
61
pelo seu pagamento em ouro. A eles eram, portanto, assegurada uma rápida acumulação de
capital-dinheiro. Este capital aplicado em terras e no cultivo favorecia aos comerciantes
prestígio social e a ampliação de sua atividade econômica, trazendo novas perspectivas de
negócios além do comércio e, também, a produção de gêneros tropicais capazes de
abastecer o mercado consumidor.
É, portanto, do próprio comércio regional que surge o capital para a
aplicação na compra e exploração das terras agrícolas.
Imbricada à questão do desenvolvimento econômico de Mato Grosso, em
todos os períodos de sua história de forma geral, está permanentemente a problemática dos
transportes e é justamente este tema que passamos a discutir a diante.
62
CAPÍTULO II
A CONSTRUÇÃO DA FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPO
Organizado de combustão o carvoeiro
se move no rigor da porosidade
que destila a madeira.
Silva Freire
63
2.1. Primeiras tentativas de criação
A decisão do Ministério dos Negócios da Guerra do governo imperial de
mandar construir88 na Província de Mato Grosso uma Fábrica de Pólvora, no ano de 1859,
estava relacionada à defesa e à geopolítica desta Província de fronteira. Em outras palavras,
tratava-se de um movimento dado por parte do governo imperial, no sentido de
instrumentalizar esta região de uma fábrica que produzisse um imprescindível suporte
material, a pólvora, a ser utilizado quando assim se fizesse necessário para a defesa da
fronteira.
A construção e o funcionamento da Fábrica de Pólvora do Coxipó estavam
vinculados ao esforço político continuado do luso-brasileiro, de garantia de ocupação e
defesa do extremo oeste, advindo do alargamento das fronteiras do Império. Imbricada
com essa geopolítica de ocupação implementada pelo luso-brasileiro, em especial das
regiões fronteiriças, estava o governo local na Província, que lidava no cotidiano com as
tensões advindas dos conflitos regionais, como observa Maria Adenir Peraro:
No início da segunda metade do século XIX, o Governo
provincial preocupava-se ainda no sentido de resguardar as
fronteiras de Mato Grosso. Essas preocupações, reveladas por
meio dos ofícios trocados entre a Presidência e os
comandantes militares brasileiros, diziam respeito aos limites
com os países vizinhos: Paraguai e Bolívia89.
Se durante os três séculos anteriores e a primeira metade do XIX, as disputas
pelos limites territoriais ocorreram diretamente com a coroa espanhola, na segunda metade
do século XIX, foram as repúblicas platinas que faziam frente ao Império brasileiro. Nessa
88
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, Diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
89
PERARO, Maria Adenir, op. cit., p. 49.
64
perspectiva e que as reconfigurações da geografia desta região produzida pela invasão e
pelos sucessivos tratados produziam relações diplomáticas, mas também tensões
permanentes.
Com base nas informações de CORREA FILHO, salientamos que fora
propalado, tempos antes, uma tentativa de instalação de uma nesta região90. Tal iniciativa
não tratava de uma ação isolada e sim articulada com as várias medidas políticas de
ocupação, povoamento e defesa da Capitania de Mato Grosso.
Em 1818, D. João VI91 havia ordenado por Carta Régia, ao capitão general,
nomeado governador da Capitania de Mato Grosso, Francisco de Paula Magessi Tavares de
Carvalho92, que em seguida à posse, fundasse uma fábrica de pólvora:
Convindo ao meu Rel Serviço e aos interesses de Minha Real
Fazenda que na sobre dita Capitania de Mato Grosso para
onde vos achais a partir se fabrique a pólvora que ali for não
só necessária para os diferentes usos da tropa, como também a
que mais se possa consumir pelos particulares nas diversas
aplicações quer na caça, quer dos fogos artificiais, e outros a
que destinar93.
A determinação dada por D. João VI, para a implantação da fábrica de pólvora,
era clara, ou seja, que se fabricasse pólvora para o uso de particulares, para a caça de
animais e para os “fogos artificiais”, no entanto, em primeiro plano, a produção fazia-se
90
CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, vol. 4,
1994, p. 498.
91
1818, fora o ano em que o Príncipe Regente D. João foi coroado rei, com o título de D. João VI.
92
Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho, Barão de Vila Bela – capitão general, nomeado para
compor a 3ª Junta Governativa de Mato Grosso, por Carta Régia de 07 de Julho de 1817 tomou posse em 06
de janeiro de 1819 com data de saída em 20 de agosto de 1821. Este período foi marcado pelas disputas entre
as elites dominantes de Vila Bela e Cuiabá, situação herdada do penúltimo capitão-general, João Carlos
Augusto D’ Oeynhausen e Gravenberg, que fixou residência em Cuiabá. A elite cuiabana, sentindo-se
incomodada com o aumento das taxas, planejou sua deposição. As lideranças políticas cuiabanas elegeram
então, por conta própria, uma Junta Governativa, presidida pelo Bispo Luís de Castro Pereira. A elite de Vila
Bela formou, por sua vez, outra Junta Governativa, como presidente o Vigário José Antônio de Assunção
Batista. Jornal Diário de Cuiabá, Edição nº 9916 08 de abril 2001.
93
Carta Régia de Dom João VI ao capitão general de Mato Grosso, Francisco de Paula Magessi Tavares de
Carvalho. Documento Nº 43 pp- 68v-69. Rio de Janeiro. 15 de maio de 1818, APMT.
65
necessária “para os diferentes usos da tropa”. Ao que consta, esta determinação pode
revelar-nos uma preocupação latente do Império para com a defesa da Capitania de Mato
Grosso, e neste sentido, melhor equipar as forças militares existentes na região.
Perseguindo os objetivos que se tinha como necessários para atender a
implantação da fábrica, alegava D. João VI que, até aquela data, as demais Capitanias, no
caso, a de Mato Grosso, continuavam sendo abastecidas pela pólvora manipulada na
Fábrica da Corte do Rio de Janeiro, localizada na Lagoa Rodrigo de Freitas94. E neste
aspecto, alertava para os riscos a que ficavam sujeitas as províncias, pois, não pode este
fornecimento continuar sem um grande risco que tanto mais se aumenta à produção da
distância em que se acha.
As palavras, grande risco e distância, certamente diziam respeito à
dependência a que ficavam sujeitas às províncias do fornecimento e a existência da
distância geográfica, como a de Mato Grosso, cujas viagens entre Cuiabá e o Rio de
Janeiro, como já mencionado anteriormente, levavam aproximadamente 30 dias. E assim,
diante de tais fatores, ou “entre outras” razões, fez por bem que se determinasse a
instalação da Fábrica de Pólvora, e desta forma ordenava ao capitão Magessi que:
Hei por bem, não só pelos sobreditos motivos como pelo mais
ao mesmo respeito me propusestes, ordeno-vos que logo que
chegar à referida Capitania de Mato Grosso, procurai ali
estabelecer a gardes à referida Capitania de Mato Grosso,
procurais ali estabelecer a fazer levantar uma fábrica de
pólvora95.
Para tanto, ordenava que se garantisse os recursos financeiros e as matériasprimas para o início da efetiva produção de pólvora. A princípio, foram asseguradas 150
arrobas de enxofre pela Junta da Fazenda do Arsenal do Exército Imperial até que as
experiências que obtiverdes correspondam a um tão feliz resultado, que possa ser elevada
94
95
D. João VI, referia-se à Fabrica de Pólvora Estrela, criada no ano de 1808.
Carta Régia de Dom João VI ao capitão general de Mato Grosso, Francisco de Paula Magessi Tavares de
Carvalho. Documento N º43, pp.68-69. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1818.
66
a estado de grandeza e perfeição possível96. E prosseguindo, determinava que “as suas
conseqüentes despesas” ficavam autorizadas pela mesma Carta Régia.
Mas teria o
governador Magessi de cumprir o compromisso de enviar ao mesmo imperador, as
informações dos primeiros traços que lançardes sobre este estabelecimento as que mais
convierem para o seu prosseguimento e conclusão, disponibilizando a força de trabalho
necessária para a construção e instalação da referida fábrica:
Informar como tudo mais que for a ela concernente. Para que
sendo me tudo presente eu possa resolver o que for servido e
aprovar o que julgar digno de minha real sanção. O que me
pareceu participar-vos para que assim o tenhais entendido e
façais executar97.
Virgilio Corrêa Filho98, ao tratar da situação precária das instituições
militares em Mato Grosso no período de governo do então presidente da Província José
Antonio Pimenta Bueno99, destaca que este nomeou para comandante das Armas o
brigadeiro Jerônimo J. Nunes que, entre outras atribuições, deveria empenhar-se em fundar
uma fábrica de pólvora. CORREA FILHO salienta ainda que uma Fábrica de Pólvora
começou a ser construída, mas não a fazê-la trabalhar, motivo pelo qual foi desmontada
pouco tempo depois pelo Presidente Saturnino, que encontrou–a em abandono100.
Desta forma, no início da segunda metade do século XIX, foi dado
prosseguimento ao projeto anterior e, desta vez, por ordem do Ministério dos Negócios da
Guerra do Governo Imperial Brasileiro que, através da Lei número 1.042 de 14 de setembro
de 1859, ordenou a construção da Fábrica de Pólvora do Coxipó, em Cuiabá, na capital de
96
Idem, Carta Régia de D.João VI. Documento Nº 43 pp- 68-69. Rio de Janeiro 15 de maio de 1818.
97
Idem, Carta Régia de D.João VI Documento Nº 43 pp - 68v-69. Rio de Janeiro. 15 de maio de 1818.
98
CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Volume 4. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos,
1994, p. 498.
99
José Antonio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente) era advogado. Foi presidente da Província de Mato
Grosso de 23 de agosto de 1836 a 21 de maio de 1837, Nomeado por carta imperial de 05 de novembro de
1835. In: SILVA, Paulo Pitaluga Costa. Governantes de Mato Grosso. Cuiabá: Edição do APMT. 1993, p. 37.
100
CORRÊA FILHO, Virgílio, op. cit. p. 519.
67
Mato Grosso101. Neste sentido, o próprio governo imperial contratou no Rio de Janeiro
especialistas para instalar a Fábrica de Pólvora em Mato Grosso, contratando, neste mesmo
ano de 1859, o engenheiro Rodlpho Wachweldt. Wachweldt que havia sido, antes, diretor
do Laboratório Pirotécnico do Campinho, Rio de Janeiro102.
Tendo sido incumbido pelo governo de montá-la o engenheiro
Rodolpho Waenhelot, contratado por 3 anos, e pelo mesmo
dispensado dessa comissão, antes de completar o tempo do seu
contrato, deixando apenas alguns insignificantes edifícios103.
Ainda que no ano de 1861 com a decadência da Fábrica de Ferro Ipanema104
, tenha sido enviado para Mato Grosso um plantel de escravos e tropas com destino
específico à Fábrica recém criada, efetivamente foi apenas no fragilizado ano de 1864, ano
do início da Guerra com o Paraguai, que também foi iniciada a construção das edificações
para montar a referida Fábrica de Pólvora. A confecção da planta obedeceu às mesmas
normas e modelo da Fábrica de Pólvora Estrela, situada no Rio de Janeiro.
As indicações apontadas na documentação em análise, leva-nos a afirmar
que a referida Fábrica de Pólvora do Coxipó fora projetada para produzir pólvora de guerra,
tendo em vista a possibilidade do desencadeamento do conflito bélico com o Paraguai e as
conseqüências daí advindas como as dificuldades no transporte desse material bélico para a
Província de Mato Grosso, tanto pela distância e acondicionamento, como pelo iminente
fechamento da navegação na Bacia do Prata, conforme revelação feita anos depois por um
de seus diretores Celestino Alves Bastos:
101
Adiantamos, porém que a inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó, somente ocorreu no ano de 1877,
por fatores relacionados à falta de verbas ou por questões de prioridade da vida política nacional.
102
FIGUEIRA, Divalte Garcia. op. cit. p. 97. O Laboratório Pirotécnico do Campinho era uma dependência
do Arsenal de Guerra da Corte e produzia munições e artifícios de guerra. Existia em caráter experimental
desde 1852, mas sua criação oficial data de 1860. A partir de 1872, separou-se do Arsenal de Guerra da Corte.
103
Relatório do coronel Raphael Mello Rego, presidente da Província de Mato Grosso apresentado a
Assembléia Legislativa da Província de Mato Grosso, em 11 de fevereiro de 1888, p. 12,13. NDIHR / UFMT.
104
A Fábrica de Ferro de Ipanema foi instalada em 1810, por ordem do Príncipe D. João; nos anos de 1850
entrou em decadência, sendo então, desativada.
68
O
governo
idealizando
e
procurando
instalar
este
estabelecimento, obedecia a um sensato e providente plano de
defesa da nossa mais longínqua, extensa e talvez mais perigosa
fronteira, o arsenal de guerra, o da marinha, o laboratório e
esta fábrica erão as bases desse plano105.
Concomitante à construção, a Fábrica de Pólvora do Coxipó, passou a
produzir carvão para o Arsenal de Guerra de Mato Grosso106. Dentre outros
empreendimentos, forneceu parte da mão de obra ali empregada para construções de
estradas, pontes e outros serviços nos acampamentos militares, durante a Guerra com o
Paraguai nos anos de 1864 a 1870.
Torna-se importante alertar de antemão que entre a decisão do Ministério dos
Negócios de Guerra que ordenou a construção, em 1859, a inauguração e a instalação da
Fábrica de Pólvora no ano de 1877, transcorreram 18 anos, marcados por graves momentos
para a Província de Mato Grosso e para o Império Brasileiro como um todo, afetados pela
Guerra com o Paraguai e pelas conseqüências dela advindas.
Assim, feita uma sucinta apresentação da criação da Fábrica de Pólvora do
Coxipó, procuramos a partir de então, destacar a relação desta Fábrica com as demais
existentes no país e com os Arsenais de Guerra - o da Corte e o de Cuiabá, criados ao longo
do século XIX.
105
Relatório do diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó, capitão Celestino Alves Bastos. Cuiabá, 17 de
setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
106
O Arsenal de Guerra de Mato Grosso foi criado no ano de 1832 por meio do Decreto lei de 21 de fevereiro
de 1832 e extinto em 1916 ; tinha por objetivo facilitar o abastecimento das tropas militares sediadas na
situada em região de fronteira distantes dos centros urbanos do país. A esse respeito ver: CRUDO, Matilde
Araki. Infância, trabalho e educação. Os Aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso. (Cuiabá, 18421899). Tese de doutorado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual
de Campinas. USP. 2005.
69
2.2. Fábricas de Pólvora em outras províncias do Império brasileiro
Quando do Decreto Lei de construção da Fábrica de Pólvora em Mato
Grosso pelo Ministério dos Negócios da Guerra, em 1859, várias outras fábricas já tinham
sido construídas e outras foram sendo criadas em diversas províncias, vindo algumas até o
século XX. Desta forma, podemos visualizar no quadro a seguir, as principais fábricas de
pólvora que foram construídas no Brasil já no século XVIII, ao longo do século XIX e no
início do XX.
Quadro 04
Fábricas de Pólvora nos períodos Colonial e Imperial. 1720 a 1909
Fábricas de Pólvora
Anos
1
Fábrica de Pólvora da Bahia – Bahia
1720
2
Fábrica de Pólvora de Vila Rica – Minas Gerais
1816
3
Fábrica de Pólvora da Estrela – Rio de Janeiro
1826
4
Fábrica de Pólvora do Coxipó – Mato Grosso
1859
5
Fábrica de Pólvora Cabo – Pernambuco
1861
6
Fábrica de Pólvora Sem Fumaça - São Paulo
1909
Fonte: Busca na internet em vários sítes: www.ipahb.com.br.
De todas as fábricas de pólvora107 construídas no Império brasileiro, a
Fábrica da Estrela foi seguramente a mais importante. Instalada inicialmente na Lagoa
Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, pelo Príncipe D. João, por Decreto de 13 de maio de
1808, foi transferida para as terras das Fazendas Cordoaria, Mandioca e do Velasco,
107
A instalação da Fábrica de Pólvora Sem Fumaça, teve seu início durante o governo Campos Sales, em
1905, foram adquiridas as fazendas Sertão, Estrela do Norte e Limeira, posteriormente Cidade Vieira do
Piquete - SP. Dias depois, tiveram início as obras de construção da fábrica de pólvora. Em 15 de março de
1909, foi inaugurada, pelo Presidente da República, Dr. Afonso Pena. A partir de 1909, foi denominada
Fábrica de Pólvora Sem Fumaça; em 1936, Fábrica de Pólvora e Explosivos de Piquete; em 1939, Fábrica de
Piquete; em 1942, Fábrica Presidente Vargas e em 1977, a fábrica tornou-se empresa mista: IMBEL. Piquete Cidade paisagem por José Palmyro Masiero. In. www.mauxhomepage.com/piquete/piquete.
70
adquiridas em 1826 pela Corte, em 1832 esta fábrica foi transferida para os arredores da
Serra da Estrela.
O imperador D. Pedro I queria que essa Fábrica fosse transferida para um
local com melhores condições, próxima a rios navegáveis e com abundância de água e
madeira, mas mesmo assim, os ministros mostravam-se satisfeitos com a referida fábrica,
pois ela produzia a pólvora de que o país precisava e chegava a vender o excedente para o
mercado interno. No começo da década de 1860, sua produção anual era de 4,5 mil arrobas,
(67,5 mil quilos)108.
Devido à incipiente indústria manufatureira no Brasil, a maioria dos
armamentos, munições, fardamentos, remédios e muitos outros gêneros utilizados para o
abastecimento das tropas nas regiões do conflito, foram importados do exterior, em especial
da Inglaterra ou atendidos pelos estabelecimentos do Estado, mantidos pelo Exército e pela
Marinha109, instalados e, ou reestruturados, para este fim, quais sejam, os Arsenais.
Ao iniciar a Guerra com o Paraguai, a produção de pólvora naturalmente
teve que aumentar e muito. No entanto, apesar dos investimentos feitos, restavam
problemas que impediam a Fábrica da Estrela de atingir seu melhor desempenho, como as
dificuldades na aquisição de peças e aparelhos em falta no exterior. Quanto à premente
necessidade de mão-de-obra para garantir a produção desejada, fez com que, a partir de
janeiro de 1866, o Governo mandasse transferir para a Fábrica de Pólvora da Estrela
todos os Escravos da Nação 110 que ainda restavam no Arsenal111.
Esta Fábrica abasteceu o exército imperial e seus aliados durante a Guerra
com o Paraguai, escoando sua produção pelo porto de Estrela no Rio de Janeiro.
108
FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas /
FAPESP. 2001, p. 9.
109
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. p. 89.
110
Os Escravos da Nação eram africanos que, após a proibição do tráfico em 1850, haviam sido apreendidos
pela entrada ilegal e encontravam-se sob a guarda do governo imperial.
111
Por aviso de 13 de junho de 1865, fora estabelecido aulas “de letras primárias aos escravos menores” no
Arsenal de Guerra da Corte, criando vínculo entre uma gratificação e a possibilidade da aquisição da alforria.
71
Ilustração 1. Gravura contendo imagem do Porto Estrela, Rio de Janeiro, século XIX.
Fonte: DIENER, Pablo e COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. Ed. Capivara. São Paulo:
2003, p. 108.
A Fábrica de Pólvora da Estrela, além do abastecimento da Guerra, também
enviou alguns profissionais capacitados para fábricas de pólvora de outras províncias. Para
desenvolvimento de atividades relacionadas à produção de pólvora, por outro lado,
constituiu-se em um espaço de treinamento de homens, que para lá eram enviados, com
vista à instalação de outras fábricas de pólvoras nas Províncias mais distantes. A exemplo
da Fábrica de Pólvora do Coxipó, em Mato Grosso, como iremos fundamentar com
documentos mais adiante.
Segundo FIGUEIRA, nos anos de 1868 e 1869112 o custo da pólvora
produzida nesta Fábrica havia subido, em função da elevação nos custos de produção, em
particular, pela alta nos custos do salitre e pelo aumento da mão-de-obra, ou seja, o custo
médio da arroba da pólvora neste período era:
112
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 96.
72
Quadro 05
Custo médio por arroba de pólvora no Rio de Janeiro de 1868 a 1869
1º semestre de 1868
11$998
2º semestre de 1868
12$176
3º semestre de 1869
14$365
Fonte: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. p. 96.
Com o fim da guerra, não havendo mais consumo para tanta pólvora foi
preciso reduzir a produção nos anos seguintes, a fábrica iria reduzir mais ainda sua
produção passando de duzentas arrobas mensais para apenas cinqüenta arrobas.
Depois de períodos de muitas crises e tentativas de reativação sem sucesso,
essa fábrica entrou em profunda decadência com o advento da pólvora química113. Vejamos
a seguir, uma imagem de um dos principais prédios da Fábrica de Pólvora da Estrela, Rio
de Janeiro e que passou, certamente por restauração:
113
No ano de 1977, a Fábrica de Pólvora da Estrela, vivia um outro período de crescimento, quando então
passou ao Comando da Indústria de Material Bélico do Brasil.
73
Ilustração 2. Foto de um dos prédios da fábrica de pólvora da estrela século XIX.
Fonte: www.ipahb.com.br, consulta em 13 de maio de 2004.
Além da Fábrica de Pólvora da Estrela, atuaram diretamente no abastecimento
relacionados à Guerra o Arsenal de Guerra da Corte, o Laboratório Pirotécnico do
Campinho, a Fábrica de Armas da Conceição, a Fábrica de Ferro de São João de Ipanema,
instituições estas, ligadas ao Exército e à Marinha e sobre as quais iremos traçar breves
pinceladas com o intuito apenas de esboçar o panorama em que se encontrava inserida a
Fábrica de Pólvora do Coxipó.
74
2.3. Arsenais de Guerra do Exército e da Marinha: aspectos gerais
Segundo Divalte Garcia Figueira114, as mais importantes unidades de
produção mantidas pelo Exército eram os Arsenais, e estes eram regidos por uma Lei de
1832115. Além do Arsenal da Corte, considerado o mais importante de todos, o Exército
mantinha outros Arsenais nas províncias do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Pará e
Mato Grosso116.
O Arsenal da Corte, tem a origem de suas atividades ainda no século XVIII.
Em 1762, Gomes Freire de Andrade, Conde de Borbadela, ordenou a construção, no Rio de
Janeiro, de um prédio que servisse de depósito do “trem de artilharia”, ou seja, do material
bélico usado na defesa da cidade117. É a partir daí que surge a Casa do Trem, ao lado da
qual, pouco depois, foi erguido o prédio para abrigar o Arsenal de Guerra.
Tinha o Arsenal da Corte a função de fornecer para o Exército armamento,
todas as munições de guerra, fardamento e equipamentos ali fabricados ou vindos do
exterior. Era, deste modo, fábrica e depósito.
Articulados ao Arsenal funcionavam, desde o início da década de 1850, os
Conselhos administrativos de compras, cuja função inicial era a de compra das matériasprimas para os fardamentos do Exército, mas de fato procediam às compras de quaisquer
objetos para consumo dos arsenais. Esses conselhos, teriam tido problemas em seu
funcionamento e eram freqüentes as reclamações quanto às perdas, desvios e outros
problemas.
114
FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas /
FAPESP. 2001.
115
O Decreto de 21 de fevereiro de 1823 trazia três regulamentos: o primeiro para a administração geral do
Arsenal de Guerra da Corte do Rio de Janeiro; o segundo para a administração geral da Fábrica de Pólvora
Estrela e o terceiro para a administração geral dos Arsenais de Guerra provinciais, e armazéns de depósito de
artigos bélicos. O terceiro regulamento, em seu artigo primeiro declarava: Além do Arsenal de Guerra da
Corte, haverá mais Arsenais de Guerra nas s do Pará, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.
Coleção das Leis do Império do Brasil de 1873. 3.ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906. In: CRUDO,
Matilde Araki, op. cit., p.25.
116
O Arsenal de Guerra de Mato Grosso foi extinto pelo artigo 59 do orçamento relativo a 1915, sendo a
notícia informada pelo anuário Commercial almanach matto-grossense de Cuiabá, 1916. A esse respeito ver
CRUDO, op. cit., p.25.
117
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 90.
75
O Arsenal da Corte era um estabelecimento industrial considerado de grande
porte para o período. Com as novas e maiores necessidades que foram criadas pela Guerra
com o Paraguai, tornou-se indispensável sua ampliação. Vejamos:
Compunha-se de várias oficinas e empregava, no começo de
1861, 505 operários, inclusive escravos. Em 1865, quase dez
anos depois da autorização, as reformas no Arsenal ainda não
haviam sido feitas118.
O início do conflito como relata FIGUEIRA, provocou um aumento repentino
nas encomendas, e foi necessário aumentar a capacidade de produção do Arsenal. Isso
levou, em 1866, a encomenda de mais máquinas e equipamentos e a reforma de suas
instalações. Velhos edifícios foram demolidos para dar lugar a novas construções. Os
relatórios do Ministério da Guerra de 1867 e de 1868 descrevem detalhadamente as obras
realizadas. Este último lembra que, embora ainda faltasse chegar algumas poucas máquinas
das que haviam sido encomendadas à Europa em 1866, o Arsenal estava capacitado a
fabricar peças de artilharia de qualquer calibre.
De acordo com o perfil do Gabinete que assumia o Ministro dos Negócios da
Guerra, variava a política em relação aos empreendimentos militares, em especial os das
províncias. Relata FIGUEIRA que ainda em 1868, o ministro revelava uma preocupação
com as despesas que os arsenais provinciais representavam. Sugere a supressão dos
arsenais da Bahia e de Pernambuco e propõe que se mantenham limitadas as instalações
dos Arsenais do Pará, Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. No entanto, este último vinha
tendo suas instalações ampliadas e já contava com varias oficinas em funcionamento119.
No ano seguinte 1869, o Ministro da Guerra, Barão de Muritiba, informava
que o Arsenal vinha tirando um grande proveito da oficina de fundição, instalada no
princípio de 1868, sobretudo depois que ela começou a fundir diariamente. Com isso,
tornou-se desnecessário contratar a fundição de projéteis de artilharia em oficinas
particulares, onde sempre se recorria anteriormente. Esta oficina, antes do início da guerra
118
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 91.
119
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 91.
76
com o Paraguai, nunca havia merecido a devida atenção. Mas após a chegada das últimas
máquinas que o governo encomendara à Europa, em 1866, ela já era a primeira oficina do
Arsenal, e com mais alguns investimentos rivalizaria com a do Arsenal da Marinha.
Para o ministro, fazer a fundição no próprio Arsenal apresentava duas
vantagens: mais rapidez, já que era possível aumentar a carga horária de trabalho, e maior
perfeição dos artefatos, em virtude da maior habilidade no uso da tecnologia militar que só
podia ser encontrada nos trabalhadores dos Arsenais do Estado. Como exemplo dessa
capacidade do Arsenal, o Ministro informava que os últimos canhões de bronze remetidos
para o teatro da guerra haviam sido fundidos nesse estabelecimento.
Apesar de todos esses investimentos, entretanto, o Arsenal ainda se ressentia
de alguns problemas, como a falta de espaços, apontados como causa de muitas
dificuldades, inclusive para a boa fiscalização dos contratos. Devido à forma como os
objetos adquiridos entravam no Arsenal, eles não podiam ser logo verificados, durante a
conferência por vezes muitos dias. Por causa disso, é possível darem-se abusos, que a
melhor fiscalização muitas vezes não pode evitar, como escreveu o ministro em seu
relatório de 1870:
Soa irônica a constatação, feita nesta última data, de que o
Arsenal, que sempre precisara de mais espaço para produzir
para a guerra, necessitasse, agora, de um espaço ainda maior
para guardar o material que começava a voltar da guerra!120.
Um regulamento desatualizado em relação às novas necessidades, é
apresentado como o segundo problema. O que estava em vigor datava de 1832,
ligeiramente modificado por decretos posteriores. Esta circunstância se podia atribuir ao
desânimo nos serviços do Estado e também à falta de concorrência de indivíduos
habilitados para tais empregos. O ministro considerava por isso necessário uniformizaremse as tabelas de vencimentos, além de fazer desaparecer a desproporção entre os
vencimentos das diferentes classes de operários 121.
120
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 92.
121
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 92.
77
Uma das dependências do Arsenal de Guerra da Corte consistia no
Laboratório Pirotécnico do Campinho que tinha por função produzir munições e artifícios
de guerra. Existia em caráter experimental desde 1852, mas sua criação oficial datava de
1860122. Quanto aos materiais bélicos, utilizados para os experimentos de pólvora123, de
acordo com Homero Fonseca de Castro Adler124, foram, em sua maioria, desenvolvidos no
Brasil a partir de modelos importados como os foguetes austríacos, alemães ou os de Halle,
cuja tecnologia “de ponta” foi dominada no “Campinho”, dependências do Arsenal de
Guerra da Corte no Rio de Janeiro, sem que o governo tivesse que pagar os elevados preços
solicitados pelo inventor.
A imagem fotográfica a seguir se refere à estativa125 de foguetes austríacos,
fabricada no Brasil na segunda metade do século XIX, exemplar único no País e
extremamente raro em outras partes do mundo:
122
Interessante observar que em Cuiabá, segundo Brandão: um laboratório Pirotécnico foi construído em
1852 em frente à igreja São Gonçalo (Segundo Distrito), no local onde hoje se encontra o quartel da polícia
militar. Ali eram preparados e montados os cartuchos de munição com pólvora proveniente da Fábrica do
Coxipó. In: BRANDÃO, Jesus da Silva. Cuiabá: desenvolvimento urbano e sócio-econômico, 1825-1845.
Cuiabá: Ed. Livro mato-grossense, 1991, p. 54.
123
O morteiro para ensaio das pólvoras é um morteiro de bronze de calibre M 0,191, unido a uma
plataforma do mesmo metal por uma parte Prismática (linguetta) sendo o tubo fundido de uma peça só.
Relatório do Diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó Carlos Theodoro Jose Hugney, ao brigadeiro Hermes
Ernesto da Fonseca, Presidente da Província de Mato Grosso, em 6 de julho de 1875. APMT.
124
ADLER, Homero Fonseca de Castro. O Exército e a pesquisa aeroespacial 150 anos de
aventuras.www.defesanet.com.br.
125
Estativa era como se chamava a plataforma para lançamento de foguetes que era feito com ferro fundido.
78
Ilustração 3. Foto de uma estativa (lançador) de foguetes austríacos, final do século XIX.
Fonte: In: Museu do Arsenal General Câmara - RS www.defesanet.com.br.
O então general Luis Alves de Lima e Silva, Caxias, no começo da década
de 1860, insistia em seus relatórios na conveniência de que o laboratório pirotécnico do
campinho passasse a ser uma dependência da Fábrica de Pólvora, pois era desta que recebia
sua principal matéria-prima, mas isso não aconteceu.
Com o início da Guerra com o Paraguai, produzia cartuchame e cápsulas
fulminantes, inclusive para a Marinha. Suas instalações foram ampliadas com a compra de
novas máquinas:
Em 1868, as obras de ampliação continuaram, e o laboratório
havia recebido, entre outras melhorias, um ramal ferroviário e
uma estação telegráfica. Nele trabalhavam diariamente de
quatrocentos a quinhentos empregados, fazendo munição para
armamento portátil e outros artifícios de guerra. Fabricava
inclusive o cartuchame para as novas armas da marca Spencer
79
e Roberts, recentemente compradas nos Estados Unidos. E o
ministro manifestava esperança de que viesse a fabricar os
artifícios de guerra que ainda tinham de ser comprados no
exterior126.
Como conseqüência do fim da guerra, esse laboratório teve reduzido seu
pessoal técnico e, em 1872, houve uma reforma em sua estrutura física, separando-o do
Arsenal de Guerra da Corte.
Uma outra dependência do Arsenal de Guerra da Corte era a Fábrica de
Armas da Conceição, que, apesar do nome, nada fabricava, pois não estava aparelhada para
isso; apenas se dedicava aos trabalhos de conserto e reparação do material portátil. As
autoridades manifestavam a intenção de aperfeiçoar as instalações desta fábrica para que o
estabelecimento pudesse produzir certas peças de armamentos mais sujeitos a extravios,
cuja falta muitas vezes inutilizava uma arma em bom estado, tais como baionetas ou pistões
de ouvidos.
Segundo FIGUEIRA, esses investimentos chegaram efetivamente a ser
feitos, pois o relatório de 1869 já dizia que a Fábrica estava preparada para efetuar o
conserto de toda e qualquer espécie de armamento portátil, em uso no Exército. Mostra
ainda que o concerto de uma arma custava, em média, de seis a sete mil réis. E no
prosseguimento afirma o autor:
Em 1869, consertavam-se duas mil armas por mês, além de
outros trabalhos, destacando-se a produção de armas brancas.
No ano seguinte, a produção aumentou: consertando-se 16 mil
armas, a um custo médio de sete réis. E também foram
preparadas armas, incluindo 3,5 mil lanças para o Exército.
Mesmo com o final da guerra, continuaram a ocorrer
melhorias em obras e equipamentos127.
126
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 93.
127
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 94.
80
2.4. A Fábrica de Ferro de Ipanema
A Fábrica de Ferro de Ipanema, também vinha do início do século XIX,
tempo em que, o ainda Príncipe, D. João ordenou sua instalação, em 1810. Apenas por um
curto período esteve desvinculada do Ministério da Guerra. Sua existência foi marcada pela
má administração e pelo prejuízo. Nos anos de 1850, entrou em decadência e no final dessa
década acabou sendo desativada. O relatório ministerial explica a decadência de Ipanema
nos seguintes termos:
Os principais consumidores da fábrica eram os fazendeiros da
província de São Paulo, e de parte da de Minas, que a ela
concorriam para o fabrico de peças do maquinismo de ferro de
seus engenhos, (mas) desde que estes foram montados, e
também desde que os fazendeiros reconheceram que lhes era
de maior interesse a cultura do café, abandonando a cana,
deixara de fazer novas encomendas, e, por conseguinte faltou
à fábrica este não pequeno recurso, e daí também proveio o
decrescimento na sua receita128.
Com as mudanças nos planos do governo imperial, em 1863, quando
começou a admitir a possibilidade de reativar a Fábrica de Ipanema, foi enviada para aquele
local uma comissão de estudo, cujo relatório era otimista quanto à viabilidade daquela
fábrica, por causa da existência de quase tudo o que era necessário. Não era por outra
razão que o ministro da Guerra desse ano, general Polidoro Fonseca Quintanilha Jordão, em
seu relatório, mostrava-se indignado com o estado de abandono e deterioração em que se
achavam as instalações e os equipamentos daquela oficina. Restavam poucos dos 162
escravos que a Fábrica tivera em 1859129.
O Ministro José Egidio, Visconde de Camamú, em 1865, fazia duras críticas
ao projeto de construção da Fábrica de Ferro e de Pólvora na Província de Mato Grosso,
128
Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1858, p. 9.
129
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 97.
81
pois, apesar dos gastos já realizados, até aquele momento, nada ainda se fizera130. Decidiu
então, restaurar a Fábrica de Ipanema, nomeando para os trabalhos o coronel Joaquim de
Souza Mursa.
Os desafios iniciais de acordo com FIGUEIRA, foram os de promover a
demarcação do terreno pertencente à Fábrica, o qual em parte havia sido ocupado por
proprietários vizinhos. E para resolver o problema da mão-de-obra, mandaram-se ordens
para a Europa para engajar operários que pudessem servir de mestres em Ipanema.
A questão do combustível, que teria de ser carvão vegetal, configurava-se
outro problema. Para tanto, as autoridades sugeriam o plantio de árvores apropriadas, a
conservação das matas existentes, a compra de madeira dos vizinhos a construção de fornos
de fazer carvão na convicção de que as despesas necessárias para deixar a fábrica em
condições de funcionamento seriam recompensadas pelos benefícios que ela traria ao
governo e à indústria nacional.
Mas esse era um objetivo difícil de alcançar, pois, conforme lemos no
relatório de 1871:
A Fábrica de Ipanema continuava sendo um peso para os
cofres públicos. Apesar de tudo o que já fora gasto, ainda lhe
faltavam, para funcionar, três elementos fundamentais: lenha,
mão-de-obra e equipamentos. As matas eram necessárias para
garantir o fornecimento de carvão vegetal; aquelas que
pertenciam à fabrica eram de pequena extensão. Era preciso,
portanto, comprar mais terras, com o agravante de que os
preços das terras estavam se elevando. Esse problema seria
resolvido no ano seguinte131.
Em 1870 houve uma proposta assinada por autoridades e dentre elas, o
engenheiro André Rebouças, pretendendo arrendar a fábrica por cinqüenta anos. No
entanto, o governo não se interessou pela proposta, preferindo conservar a fábrica sob
130
Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1865. In: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 98.
131
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. p. 98.
82
administração do Ministério da Guerra, animado pela perspectiva da estrada de ferro que,
em breve, ligaria Ipanema a Santos e à Corte.
Os salários oferecidos eram baixos e não atraiam trabalhadores. O problema
da mão-de-obra era extremamente grave. O ministro lamentava, em 1872, que nem os
escravos libertos, oriundos de outros estabelecimentos do Estado, queriam ir para Ipanema.
Operários contratados, por sua vez, deixavam a fábrica tão logo terminavam seus
contratos, e às vezes antes mesmo de os terminar. E assim sendo:
A solução, mais uma vez, seria recorrer aos trabalhadores
europeus. Com esse objetivo, o próprio diretor, Joaquim de
Souza Mursa, pouco depois, viajaria para Europa, tendo
visitado Bélgica, Suécia, Saxônia, Prossia e Áustria. Pretendia
comprar novas máquinas e também engajar operários. De
fato,
ao retornar,
trouxe
13 operários,
que
vieram
acompanhados de suas famílias132.
Quando o conflito começou, o Brasil contava com 45 navios de guerra; ao
terminar, esse numero havia subido para 94, podendo-se avaliar a grande quantidade de
navios que a Marinha teve de comprar, dentro e fora do país, ou de produzir em seus
arsenais.
132
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 99.
83
2.5. Os Arsenais da Marinha
Assim como o Exército, a Marinha também possuía seus arsenais. O mais
importante deles era do Rio de Janeiro, que havia sido fundado em 1763, ano em que o Rio
de Janeiro se tornara Capital do Brasil.
O Arsenal da Marinha da Corte era ainda maior que o Arsenal de Guerra,
sendo o principal estaleiro existente no Brasil. O que é compreensível se considerarmos que
a força naval havia sido sempre mais importante que as forças de terra, em virtude da
natureza dos conflitos militares que o país tivera de enfrentar. Lembramo-nos das guerras
de Independência e da Guerra Cisplatina. Assim, além do Rio de Janeiro, a Marinha
possuía arsenais nas províncias de Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso. Mas estes,
que nunca tiveram grande capacidade, estavam em decadência, e, como iremos ver, assim
iriam continuar ao longo do período que estamos estudando133.
Os parcos investimentos, numa época em que se operavam importantes
inovações na construção naval (a construção de navios de ferro, por exemplo),
condenavam-nos a uma irremediável desatualização tecnológica.
Em virtude da escassez de recursos, o Ministério da Marinha havia decidido,
desde 1864, concentrar os investimentos no Arsenal da Corte. E mesmo assim tropeçava
em muitos problemas. Um deles, que também afetava o Arsenal de Guerra, era o da
localização. Desde o início da década de 1860, nos relatórios ministeriais, encontramos
com freqüência reclamações quanto à má localização do Arsenal, porquanto ficava exposto
a ataques, e quanto à insuficiência de terrenos, já que era preciso construir novos edifícios.
Ainda que os ministros da Marinha, algumas vezes, colocassem em dúvida a
conveniência de manter os arsenais, segundo FIGUEIRA, em relatórios por eles emitidos
como o relatório de 1864, onde manifesta a opinião de que se devia mantê-los, como
fábricas de governo, porque a iniciativa privada não estava em condições de oferecer os
recursos necessários, mas reafirmavam a intenção de reduzir os arsenais das províncias,
concentrando os recursos no Arsenal do Rio134.
133
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 100.
134
Relatório do Ministério da Marinha, 1864, p. 8. In: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 100.
84
Máquinas e equipamentos vieram do exterior para aparelhar o
Arsenal, o que permitia frases como essa fossem pronunciadas
à época: poucas máquinas mais, e uma posição mais
estratégica fariam desde estabelecimento um digno rival dos
melhores da Europa, aos quais excede já na segurança e
perfeição de alguns produtos135.
Era preciso recorrer neste período às indústrias particulares nacionais, pois, as
necessidades criadas pela guerra eram grandes e urgentes, e por isso, apenas o Arsenal da
Marinha não conseguiria sozinho dar conta de todas as tarefas. Por exemplo, a construção
das embarcações Amazonas, Araguary e Marcilio Dias, segundo Ouro Preto, foi realizada
em oficinas particulares, sob a direção e inspeção das oficinas do Arsenal.
O Arsenal de Pernambuco estava em “situação de penúria”, como os da Pará e
Mato Grosso. No caso de Mato Grosso, fora quase que totalmente arruinado pela enchente
de 1865136 e ainda nada havia sido feito para recuperá-lo.
Um último arsenal foi construído no próprio palco da guerra. No curso das
operações militares, muitos navios eram atingidos e precisavam receber reparos. Seria
muito complicado, obviamente, trazê-los até o Arsenal do Rio de Janeiro. Para atender a
essa necessidade, o governo brasileiro determinou a construção de um importante arsenal
na ilha de Cerrito.
Localizada nas imediações da confluência do Rio Paraná e
Paraguai. Mais tarde, acrescentou-se-lhe um laboratório
pirotécnico, para a fabricação de munição. Nesse arsenal,
além de pessoal para os reparos dos navios, havia oficinas de
construção, de fundição, de máquinas etc. foi nele, por
exemplo, que se construiu a locomotiva que operou na ferrovia
do Chaco137.
135
Relatório do Ministério da Marinha, Affonso Celso de Assis Figueiredo. 1868 p. 29. In: FIGUEIRA,
Divalte Garcia, op. cit., p. 104.
136
137
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 105.
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 105.
85
Vale a pena verificar os motivos da existência dessa ferrovia. Quando a
esquadra, a duras penas, conseguira ultrapassar a fortaleza De Curupaiti, ela ficou
estacionada entre essa fortaleza e a de Humaitá. Mas o Exército não conseguiu tomar
Curupaiti, de modo que os navios brasileiros ficaram bloqueados e isolados da base. Para
abastecê-los, o Ministério da Marinha, Antonio Celso, determinou que, por dentro do
Chaco, fosse construída uma via, longe dos canhões de Curupaiti, que fizesse a ligação
entre os navios e a base. Sobre essa ferrovia, assim se expressa Ouro Preto:
A superfície plana do Chaco prestava-se a receber uma linha
férria, cuja maior dificuldade consistiria na consolidação do
terreno, por meio de estivamentos, o que se alcançaria em
maior ou menor prazo, na proporção do material acumulado e
dos
operários
reunidos.
Do
pensamento
passou-se
imediatamente à execução e em pouco tempo começou a
funcionar o tramway e a serem abastecidos os navios
regularmente138.
Por essa ferrovia, eram levados o armamento, a munição, os víveres e tudo o
mais de que precisavam os navios bloqueados e graças a esse recurso, os militares
conseguiram dar início ao bombardeio sobre a fortaleza de Humaitá. No início, essa
ferrovia era operada por meio de tração de animais, posteriormente substituída por uma
locomotiva a vapor construída no Arsenal de Cerrito, aproveitando-se para isso de
maquinismos retirados de navios avariados139.
138
OURO PRETO, Visconde de (Affonso Celso de Assis Figueiredo). A Marinha de outrora: subsídios para
a história. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. P. 105-6.
139
Essa ferrovia passou a ser denominada de Affonso Celso, em homenagem ao seu idealizador e no início
era operada por meio de tração de animais, sendo posteriormente substituída por uma locomotiva a vapor
construída no Arsenal de Cerrito, aproveitando-se para isso de maquinismos retirados de outros navios.
86
2.6. A Fábrica de Pólvora do Coxipó: instalação, produção e trabalho
A Fábrica de Pólvora do Coxipó, foi inaugurada no ano de 1877 e mediante
documento do Termo de Inauguração da Fábrica do Coxipó datado de 1877, podemos
observar a importância dada ao empreendimento por parte dos governos imperial e
provincial, em razão da presença das autoridades provinciais e, em destaque, a presença do
Presidente da Província Hermes Ernesto da Fonseca140:
como achando-se presentes o
Exmo Senhor General Presidente e Comandante das Armas, Hermes Ernesto da Fonseca,
o engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado de montar a dita fábrica, o Drº
Amarilio Olinda de Vasconcelos, engenheiro das obras públicas, e o Estado Maior de sua
exª, foi inaugurada a referida fábrica141.
Segue na íntegra o documento transcrito sobre o Termo de Inauguração da
Fábrica do Coxipó datado de 1877:
Aos doze do mês de novembro do ano de mil oitocentos setenta
e sete no lugar denominado Coxipó do Ouro, na Província de
Mato Grosso, onde se acha estabelecida a Fábrica de Pólvora:
achando-se presentes o Exmo Senhor General Presidente e
Comandante das Armas, Hermes Ernesto da Fonseca, o
engenheiro Carlos Theodoro José Hugueney, encarregado de
montar a dita Fábrica, o Drº Amarilio Plinda de Vasconcelos,
engenheiro das obras públicas e o Estado Maior de sua Exa,
foi inaugurada a referida Fábrica, tendo lugar nesta ocasião a
experiência das pólvoras no provete austríaco a crimalhera,
que deo o resultado de cento e oito gráos a pólvora de fuzil e
cento e vinte a de artifícios; e para constar lavrado o presente
termo por mim, Benedito José da Costa, encarregado da
extração do salitre, servindo de escriturário da Fábrica, que o
140
O general Hermes Ernesto da Fonseca foi presidente da Província de Mato Grosso de 05 de setembro de
1875 a 02 de março de 1878 e foi nomeado por Carta Imperial de 01 de maio de 1875. In: SILVA, Paulo
Pitaluda Costa e. op. cit., p.47.
141
Trecho do Termo de inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Lata - 1877, APMT.
87
escrevi e assinei com todos os supracitados funcionários, Fábrica de Pólvora do Coxipó, na Província de Mato Grosso,
12 de novembro de 1877. – Benedito José da Costa,
escriturário interino -, assinados – Hermes Ernesto da
Fonseca – Carlos Theodoro José Hugueney – Amarílio Olinda
de Vasconcelos – 1º tenente José Pedro de Souza Queirós –
Alferes José da Costa Lara – Alferes Américo D’ Albuquerque
Porto Carreiro142.
Como podemos observar no presente documento de inauguração da Fábrica
de Pólvora do Coxipó, o evento contou com a presença das mais altas autoridades militares
e políticas da Província de Mato Grosso.
A presença dessas autoridades, com base na documentação em análise,
entendemos que a estrutura administrativa da Fábrica de Pólvora obedecia a uma
organização hierárquica com relação as instancias superiores de governo, com variações
distintas em cada período.
Nos primeiros anos de sua criação, a Fábrica de Pólvora do Coxipó
subordinava-se ao Ministério dos Negócios da Guerra que autorizava o arbitramento de
verbas e nomeação de seus diretores. Mantinha, também, uma relação até certo ponto
administrativa com a Presidência da Província de Mato Grosso. E posteriormente, na
década de 1870 passou para a dependência do Arsenal de Guerra de Mato Grosso.
Três períodos distintos marcam a composição de pessoal na Fábrica de
Pólvora do Coxipó: do início da instalação em 1861 até a conquista da “liberdade” pelos
Escravos da Nação em 1872; de 1872 até 1889, período da inauguração até a proclamação
da República; e de 1889 até o encerramento da Fábrica em 1906. Na ilustração com a
composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década de
1860, podemos observar algumas alterações em relação a sua hierarquia interna e a
configuração imprimida por sua mão-de-obra.
A ilustração apresentada a seguir compreende os anos iniciais da sua
instalação, tendo como referência o ano de 1866.
142
Termo de inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó, Lata - 1877, APMT.
88
Ilustração 4. Composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em
Mato Grosso na década de 1860:
Ministério dos Negócios da Guerra
Província de Mato Grosso
Fábrica de Pólvora do Coxipó
Encarregado
Feitor
Trabalhadores
livres
Escrevente
Escravos da
Nação
Fonte: Composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década
de 1860, elaborado com base nos relatórios e ofícios encaminhados pela diretoria da Fábrica de
Pólvora do Coxipó à presidência e vice-presidência da Província de Mato Grosso no transcorrer de
1866. Lata 1866 - D, APMT.
89
As categorias de trabalhadores da Fábrica de Pólvora do Coxipó eram as
seguintes: o diretor era um oficial militar, um feitor, um oleiro, um escrevente, um operário
militar, três oficiais carpinteiros, três oficiais pedreiros e os Escravos da Nação. Foram
transferidos da Fábrica de Ferro de Ipanema de São Paulo, os Escravos da Nação para a
Fábrica de Pólvora do Coxipó, conforme trecho do documento que segue:
Seus equipamentos e pessoal, incluindo a quase totalidade dos
escravos, foram levados para a Província de Mato Grosso,
onde se pretendia construir uma fábrica de ferro e também
uma de pólvora. Para sua construção, o governo contratou, em
1859, o engenheiro Rodlpho Wachweldt, que havia sido, antes,
diretor do Laboratório Pirotécnico do Campinho143.
As atribuições do encarregado de instalar a Fábrica de Pólvora do Coxipó e
ou diretor, geralmente oficial militar, eram diversificadas, tais como: o gerenciamento do
empreendimento nas questões de pessoal desde solicitação para contratação e de dispensa e
até o controle orçamentário para aquisição de ferramentas, peças, vestuários e alimentação.
Ao feitor, o próprio nome já traz subjacente uma idéia de poder; era o
mando direto sobre os trabalhadores livres e sobre os escravos no exercício do controle do
horário de início das atividades do trabalho, por meio de chamada, e podemos supor
,aplicando os castigos aos que fugiam do controle.
Para o escrevente, cabia a devida escrituração dos pontos de entrada e saída
dos trabalhadores livres e escravos, a organização da folha de pagamento, elaboração de
ofícios, relatórios e outras correspondências necessárias ao funcionamento da Fábrica.
Os mestres de oficina e “campo”, eram os encarregados diretos dos
trabalhadores, eram os homens de confiança do diretor.
A partir de 1872, com a Lei do Ventre Livre144 e a conseqüente emancipação
dos Escravos da Nação, a direção da Fábrica de Pólvora do Coxipó passou a empregar os
143
144
FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 97.
BRASIL, RIO DE JANEIRO. Lei nº 2040, 28 de setembro de 1871. declara de condição livre os filhos de
mulher escrava que nasceram desde a data desta Lei, libertos os Escravos da Nação e outros, e sobre a
liberação anual de escravos. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1871. tomo XXXI. Parte 1. Rio de
Janeiro, Typographia Nacional, 1871. Actos do Poder Legislativo de 1871, Parte 1, p. 147-152, APMT.
90
seguintes trabalhadores: soldados da Guarda Nacional, dispensados para tal, os libertos
(Escravos da Nação), e para completar o restante da mão de obra, buscou empregar os
trabalhadores da vizinhança145. Antes mesmo desta referida data, as autoridades provinciais
empenhavam-se em remanejar homens da Guarda Nacional para o desenvolvimento de
atividades na fábrica de pólvora, vejamos:
Fora chamado para o serviço da Guarda Nacional o
escrevente Affonço Chryssostomo Moreira em 4 de janeiro de
1864 pelo Presidente. Pedi dispensa-lo pela urgência na
fabrica146.
Os trabalhadores livres eram contratados na Corte, por valores pelos quais se
dispunham a vir para Mato Grosso. No entanto, vez por outra, ao término do contrato não
podiam deslocar-se sem que “quitassem dívidas”. Recebiam moradia, alimentação e em
casos de doença poderiam receber tratamento médico, sem, no entanto, receber salário:
Comunica o fim dos contratos dos operários: Eusébio, Tito,
mas que vão trabalhar mais um mês para quitar dívida com a
fazenda nacional e recomenda engajar em um arsenal por bom
comportamento, o Tito147.
A condição de cativo impunha obrigações aos Escravos da Nação. As
mulheres cuidavam de pequenas lavouras, prestavam serviços no cotidiano da fábrica e
eram alugadas a terceiros. Os homens, jovens e adultos, eram a principal mão-de-obra nas
fases de construção das edificações, na produção de carvão, nos serviços do Arsenal de
145
Vale ressaltar que a área onde está localizada a Fábrica de Pólvora, ainda é controlada pelo Exército até os
dias atuais, sendo utilizada como campo de instrução para suas tropas, inclusive, com utilização de
armamento pesado.
146
Oficio encaminhado pelo capitão Mathias Pereira Forte, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao
general Barão de Melgaço, Vice-Presidente da Província de Mato Grosso em 09 de janeiro de 1866. Lata
1866 - A, APMT.
147
Oficio do capitão Mathias Pereira Forte, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao coronel Albano de
Souza Osório, Vice - Presidente da Província de Mato Grosso, enviado em 28 de agosto de 1866. Lata 1866 –
A, APMT.
91
Guerra e eram também por solicitação empregados na limpeza pública da Câmara de
Cuiabá.
Neste
primeiro
momento,
os
trabalhadores
livres
e
escravos,
desempenharam diferenciadas atividades, estando sempre ocupados na limpeza e
conservação dos edifícios, máquinas e benfeitorias do estabelecimento e outros serviços
demandados ao longo do tempo, como podemos observar a seguir:
Reconstrução da olaria, reparos constantes do seu trem de
rodagem e tudo o mais que se tornava preciso para manter o
que existia melhorando-lhe as condições ou fazer o que faltava
para pleno desempenho do importante mister a que se destina
essa instituição148.
Uma minuciosa descrição que se segue, feita por um soldado do Exército, que
guarnecia o local, poucos anos após a interrupção da produção e do funcionamento da
Fábrica de Pólvora do Coxipó,149 permite que vislumbremos como era a estrutura física, as
características das construções, das casas em que moravam os agentes administrativos, os
edifícios próprios e destinados à fabricação de pólvora:
A Fábrica de Pólvora do Coxipó é assim formada: da
esquerda para a direita – a casa antes habitada pelo
ajudante, isolada, ocupando a frente uma espaçosa
varanda; logo a diante fica a moradia do diretor, e em
seguimento o compartimento da oficina de ferreiro, separado
por um muro, depósito de máquinas, etc.
Rumo ainda à direita um muro ajardinado ao lado da
secretaria, outro depósito de máquinas que não chegarão a ser
montadas, uma extensa casa que servia de quartel ao
148
Relatório do capitão Carlos de Oliveira Soares diretor da Fabrica Pólvora do Coxipó ao coronel Ernesto
Augusto da Cunha Mattos, presidente da Província de Mato Grosso, em dezembro de 1889. Lata 1889 – B,
APMT.
149
Lembramos que o encerramento das atividades da Fábrica de Pólvora em estudo ocorreu no ano de 1906.
92
destacamento, e formando ângulo uma espécie de praça a
retaguarda.
Espalhados sem muito método deparam-se uma rua com dez
casas, encontrando-se também um depósito de zinco que serve
de abrigo a não poucos tijolos que estavam sendo empregados
na construção de um edifício, do qual além dos alicerces, estão
levantadas 12 poderosas colunas.
Agora vejamos as oficinas que formam uma fila de casas
acompanhando o rio, a montante, todas distanciadas umas de
outras, por quanto à natureza do serviço assim determinava
como medida de providência e de cautela.
Em primeiro lugar num galpão de zinco existe um aparelho de
galgas, que não chegou a ser assentado; próximo assenta-se a
oficina de galgas, e a cem metros a de refinação e
carbonização, que ocupa um dos melhores edifícios da fábrica
e onde existe grande quantidade de salitre e enxofre alias bem
acondicionados em caixas apropriadas e imensas.
Ainda a distância de cem metros – grande galpão coberto de
telha; e mais além as oficinas de mistão binário e ternário,
separadas com os respectivos aparelhos de transmissão
desmontados e recolhidos para evitar estragos pela ação do
tempo; próximo – um barracão de zinco, sobre fortes alicerces
sobre pedra e cal onde deram início a uma possante bomba
hidráulica.
Em segmento, passando-se um profundo córrego, servindo-se
por ponte de madeira está a oficina de granisio, e a seguir a de
embarricamento e por fim o paiol defendido por um formoso
para-raio.
Todas as casas são construídas de adobes sobre alicerces de
pedra e cal, amparados por fortes colunas de alvenaria de
tijolos, e o último diretor do estabelecimento antes de retirarse mandou proceder a uma caiação e pintura nas principais
peças.
93
Nos terrenos da fábrica correm seis córregos; todos cavados
pelos antigos tiradores de ouro. Cerca de cinco a seis
quilômetros assenta-se a olaria150.
Uma leitura mais atenta permite que observemos para a disposição das casas e
edifícios, muitas delas construídas de adobes com alicerces de pedra e cal amparadas por
colunas de tijolos. Observamos ainda que no interior da Fábrica viviam militares,
trabalhadores livres e escravos, exercendo as mais variadas funções e alocados segundo a
condição social a que pertenciam. Tratava-se, em outras palavras, de um impressionante
conjunto arquitetônico construído em região de fronteira com o objetivo de produzir
pólvora necessária à manutenção das forças militares nos momentos de conflitos bélicos e
para o abastecimento da população civil. Este conjunto arquitetônico151 era composto de
edificações interligadas, as oficinas aparelhadas de máquinas, fornos, animais, de
trabalhadores livres e escravos.
150
151
Jornal O Comercio. Cuiabá, 23. 06. 1910, ano I, nº 17. APMT.
A expressão “impressionante conjunto arquitetônico”, é retirada do capítulo II, Trabalho e Engenho de
FERLINI , Vera Lúcia Amaral em seu livro Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no Nordeste
1Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988, onde a autora analisa a produção, as edificações e as atividades
desenvolvidas pelos trabalhadores dos engenhos do Nordeste açucareiro.
94
Ilustração 5. Foto com imagem de uma oficina, em ruínas, da Fábrica de Pólvora do Coxipó.
Fonte: Acervo do autor, foto: Juliano Lobato, 2005.
95
2.7. O processo de fabricação da pólvora
A fabricação de pólvora152 desenvolvida na Fábrica de Pólvora do Coxipó
processava-se com base no modelo tradicional153 ou seja, com a utilização das matériasprimas naturais, como o enxofre, o carvão vegetal e o salitre, e não com a produção da
pólvora química.
Dificuldades à época decorrentes do acesso a estas matérias-primas
contribuíram, decisivamente, para dificultar o andamento da produção de pólvora
propriamente dita. Isto significa dizer que muitas eram as dificuldades para encontrar a
madeira apropriada nas proximidades da Fábrica para a produção do carvão vegetal, e após
a sua localização, exaustivas eram as experimentações realizadas para se chegar a uma
madeira que resultasse em um bom carvão.
Já a extração do salitre, inicialmente prevista pelas autoridades para
acontecer na própria Província de Mato Grosso, teve de ser substituída por outras
alternativas.
Quanto ao enxofre, por sua vez, era a matéria-prima em falta em Mato
Grosso e por isso mesmo quando da fundação da Fábrica de Pólvora, já havia a previsão
que fosse adquirida em sua totalidade pela Corte no Rio de Janeiro, a exemplo da referência
seguinte:
Chegaram da Corte 34 barricas de enxofre assim como os
acessórios das galgas de trituração, que foram feitas no
Arsenal de Guerra da Corte154.
152
A pólvora é composta por corpos explosivos formados por substâncias que isoladamente não explodem,
mas que, reunidas fisicamente de maneira a operar-se um contacto íntimo entre os componentes, explodem.
In. www.fabricadapolvora.com. consulta realizada em 20 de maio de 2004.
153
Pelo modelo tradicional de fabricação de pólvora, eram utilizadas as três principais matérias-primas, com
as seguintes proporções aproximadas: salitre - 66%, carvão vegetal - 24% e enxofre - 10%.
154
Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado de montar a Fábrica de Pólvora do
Coxipó ao general José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província de Mato Grosso em 14 de julho de
1874. Lata 1874 - D, APMT.
96
Este enxofre, no entanto não era produzido no Brasil e como a maioria dos
produtos industrializados eram importados da Europa, o mesmo ocorria com o enxofre:
Importava-se enxofre da Sicília, uma vez que o nosso sairia
muito caro devido aos custos de transporte e exploração155.
O carvão vegetal e a madeira cassão
Para a produção do carvão vegetal na Fábrica de Pólvora do Coxipó, houve
inicialmente uma certa dificuldade em localizar na região a madeira apropriada, que
propiciasse a produção de pólvora de qualidade. Para tanto, uma série de pesquisas foram
realizadas experimentando uma variedade de madeiras para conseguir uma espécie que
adequasse às exigências mínimas como a cassão branco:
A madeira empregada é a denominada: cassão branco; foi
escolhida, depois de experimento pelo falecido Carlos
Theodoro José Hugney por não ter encontrado as madeiras
empregadas na Fábrica de Pólvora da Estrela156.
Cassão branco - assim era conhecida, a madeira selecionada e que se
transformava em um carvão de bonito aspecto depois da escolha. No entanto, tinha,
segundo o diretor Celestino, o inconveniente de ocasionar a perda de 50 % ou mais pela
escolha por cada cilindro, pela abundância de resíduos que produz e suja o carvão:
155
SANTOS, Nadja Paraense, PINTO, C. Ângelo e ALENCASTRO, Ricardo Ricca de. Willhelm Michler,
uma aventura cientifica nos trópicos; Rio de Janeiro, UFRJ. www.scielo.br, 1999.
156
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
97
Poder-se-á objetar que seja feito expurgo da madeira
ainda nova; mas isto não se tem dado por que tem
queimada lenha cortada á 5 anos ou mais157.
Encontrada a madeira158 que atendia a tais exigências, era então iniciado o
processo da retirada das matas, com o transporte até a Fábrica onde era submetida ao
seguinte tratamento:
a)
A madeira era rachada em pequenos pedaços de mais ou menos 0,25
centímetros de comprimento, com a grossura de 0,01 a 0,15 centímetros;
b)
Os pequenos pedaços da madeira eram acondicionados no cilindro até enchê-lo;
c)
Depois o cilindro era encaminhado ao forno para a carbonização.
Este forno já com o cilindro cheio de madeira recebia os cuidados dos
trabalhadores para uma boa carbonização, que utilizava um procedimento manual para a
dosagem da ação do fogo:
Esta é datada pela parte posterior de uma manivela sobre a
qual de 15 em 15 minutos se ateia afim de fazer o cilindro dar
um quarto de volta159.
Existiam na Fábrica de Pólvora do Coxipó dois cilindros, mas o forno só
comportava um de cada vez; enquanto, o primeiro cilindro estava no forno o outro ficava
sendo abastecido com a madeira - “lenha”.
157
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
158
A madeira era retirada de matas localizadas a cerca de duas léguas e meia de distante da Fábrica de
Pólvora do Coxipó, às margens do Rio dos Peixes, afluente do Rio Coxipó.
159
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
98
O processo de carbonização da madeira tinha duração de aproximadamente
três (3) horas, mais ou menos e reconhece-se que está em ponto a carbonização pela
fumaça que escapa do cilindro.
Portanto a definição da carbonização adequada ao carvão vegetal para
produção de pólvora dependia exclusivamente da experiência dos operários diretamente
responsáveis pelo processo.
Este
forno
que
era
utilizado
na
carbonização
da
madeira,
e
conseqüentemente na transformação em carvão vegetal, possuía uma chaminé de tijolos
com altura variando entre 12 e 15 metros. Dispunha também de um galpão com capacidade
para armazenar 432 m³ de madeira.
As Oficinas no interior da Fábrica
Para realizar a manutenção dos equipamentos que eram utilizados na
extração da madeira, a Fábrica dispunha da oficina de ferreiro, como descrito a seguir:
Oficina de ferreiros tem algumas ferramentas; é de muita
utilidade essa oficina, por causa dos consertos que de continuo
se fazem nos machados, foices e enxadas que se estragam no
fabrico do carvão160.
160
Relatório do tenente honorário do Exercito Antonio Leite da Costa, Diretor interino Fábrica de Pólvora do
Coxipó, apresentado ao coronel Francisco José Cardoso Júnior, Presidente e Comandante das Armas de Mato
Grosso, em 22 de dezembro de 1871. Lata 1871 - C, APMT.
99
O salitre
O salitre que fora utilizado na Fábrica de Pólvora do Coxipó era oriundo
principalmente, como já mencionado, do Rio de Janeiro ou extraído de pólvora “avariada”
que não apresentava condições para ser reaproveitada, oriunda dos estoques do Arsenal de
Guerra em Cuiabá e do Arsenal da Marinha localizado em Ladário.
Ainda que tenha sido descoberta uma mina de salitre, chamada “nitreira” ou
salineira, na região de sangradouro, nas proximidades da então São Luiz de Cáceres, o
processo de extração ordenado pelo Ministério dos Negócios da Guerra, acabou não sendo
realizado por falta de verbas para efetuar o pagamento aos trabalhadores:
Benedito José da Costa fora em novembro de 1874
encarregado pelo Ministério dos Negócios da Guerra para a
extração do salitre – nas nitreiras do Sangrador no caminho
para São Luiz de Cáceres – como não fora arbitrado valores,
Dito foi empregado na escrituração161.
Pouco tempo depois fora localizado nos estoques da Fábrica, 18.000 quilos
de salitre sendo que destes, 3.713 quilos eram suprimentos reaproveitados provenientes de
pólvora oriunda do Arsenal de Guerra em Cuiabá e do Arsenal da Marinha, em Ladário. O
restante, no caso, a maior parte, era importado da Corte Imperial. Mesmo assim, esse
estoque não era considerado suficiente, diante de eventual interrupção das comunicações
por uma guerra ou outra eventualidade com os centros produtores:
Em pouco tempo toda ela se transformará em munições de
guerra e a fabrica ficará impossibilitada de suprir as tropas de
seu elemento principal de municiamento162.
161
Oficio do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao Dr.
João José Pedroso, presidente da Província de Mato Grosso, em 08 de janeiro de 1879. Lata 1879 – C, APMT.
162
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
100
MENDES FERRAZ163 leva-nos, a lembrar que o governo português
orientava os seus representantes na colônia para que como parte do reino mineral, também
o salitre deveria ser estudado e que os chamados “viajantes naturalistas” deveriam
relacionar os locais de onde se poderia extrair o material, além de indicar os detalhes do
processo. Segundo Ferraz, a produção do salitre “natural”, seria processada da forma
seguinte:
Acondicionar em tonéis, camadas da terra de que se pretendia
extrair o salitre, alternadas com outras de cinza, e, algumas
vezes, com camadas de palha adicionadas para facilitar a
passagem da água. Uma cova na parte superior deste arranjo,
onde se adicionava potassa164, para em seguida, colocar água.
Passado algum tempo, deixava-se escorrer (através de
torneiras ou de orifícios até então tampados) a água,
carregada de salitre, que era levada a evaporar em caldeiras.
Durante o processo de evaporação, retirava-se, com uma
escumadeira, a massa de sal comum que seria formado, até se
ter apenas o líquido. Continuava-se até evaporação total,
quando se tinha, finalmente o salitre165 bruto ou impuro”, que
seria refinado posteriormente166.
Pelo exposto podemos observar que o salitre era obtido, mediante as etapas
que seguem:
a) Colocar em recipientes camadas de terra (que continha o salitre), alternadas
com camadas de cinza ou palha para facilitar a passagem da água;
b) Em seguida, em um buraco desse recipiente era colocado o carbonato de
potássio e depois se colocava a água;
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
163
164
165
FERRAZ, Márcia Helena Mendes. A produção do salitre no Brasil colonial; (artigo), Pós-Doutorado em História da Ciência, PUC- São Paulo, 2000.
A quantidade de cloreto de sódio presente na amostra deve indicar a qualidade do salitre.
Nitrato de potássio.
166 FERRAZ, Márcia Helena Mendes
, op. cit., p.3.
101
c) Após passar um determinado tempo, deixava-se escorrer a água impregnada
de salitre que era levado para evaporação em caldeira, era durante esse processo que se
retirava com uma escumadeira a massa de sal comum que se formava até ficar apenas o
liquido;
d) Por fim, após a evaporação total teria o salitre pronto para ser refinado.
No Brasil, a produção de salitre teria sido abandonada, segundo FERRAZ,
por falta de conhecimento técnico na extração e das condições de transporte do material,
pois o salitre era transportado em sacos ou bruacas (sacos de couro) em lombos de animais
até as fábricas de pólvora.
Pelas condições do tempo e do transporte eram viagens que duravam vários
dias sob sol e chuva. O problema maior era o de que a água passava pelos recipientes
durante as travessias dos rios. Tais condições acarretavam perdas, o que acabava
influenciando no valor final do produto, ou, em outras palavras, por determinar o preço do
salitre, pois os produtores, claro, queriam compensar o que haviam perdido para as
águas167.
A Província de Mato Grosso, mesmo com as descobertas das salitreiras de
sangradouro nas redondezas de São Luiz de Cáceres, não implementou sua extração, seja
por falta de conhecimentos técnicos como enunciado por FERRAZ, ou mesmo por não
disponibilizar recursos para este objetivo, como já referido pelos diretores da Fábrica.
Em sua totalidade o salitre consumido na Fábrica de Pólvora do Coxipó ou
era extraído de pólvora “avariada” (com problemas) ou vinha do Rio de Janeiro, como
mostra o relatório a seguir:
O salitre aqui em depósito é de duas procedências: do Rio de
Janeiro e extraído por Carlos Theodoro José Hugney de
pólvoras avariadas e não suscetível de conserto168.
167
168
FERRAZ, Márcia Helena Mendes, op. cit. p. 14.
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
102
Para a preparação do salitre nesta Fábrica de Pólvora do Coxipó, dispunhase dos equipamentos necessários, como: forno, caldeira, cristalizador, pás, espremedeira,
baldes de cobre e cinco ímãs grandes.
No entanto, destacava o diretor da Fábrica, Celestino Alves Bastos, que o
salitre refinado na Fábrica era “ensaiado” por um processo ainda muito rudimentar, por que
não existia um dos instrumentos apropriados para atender a esta demanda, que era a secção
da dissolução salitrosa sobre a de nitrato de prata se faz, por assim, dizer, a olho169.
A Oficina de mistura binária e trituração
Vejamos o processo a que o salitre era submetido na oficina de “mistura
binária e trituração” na Fábrica de Pólvora do Coxipó.
Segundo descrição do referido diretor da Fábrica Celestino Alves Bastos, no
interior do edifício onde funcionava a oficina de mistura e trituração, existiam dois
cilindros: um onde se fazia a trituração do salitre de forma isolada das demais matériasprimas. O outro, onde se processava a mistura e completava a trituração do binário
emxopecassão que fora previamente triturado na primeira vez. Este processo tinha duração
de aproximadamente 3 horas.
Os cilindros eram movimentados através de uma correia, que estava ligada a
um eixo e, este por sua vez, recebia movimentação de uma roda170 horizontal engrenada em
uma lanterna. Esta roda era acionada por força animal que era atrelado a uma alavanca
horizontal.
O aparelho receptor responsável pelo envio da força motriz ao interior da
oficina encontrava-se instalado pelo lado de fora da oficina. Com isso os animais eram
obrigados a trabalhar ao relento, acarretando prejuízos não só a eles, mas também aos
169
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
170
Uma dessas engrenagens de duas toneladas e meia, ainda pode ser observada no pátio do campo de
treinamento do Exército, hoje sob a responsabilidade da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, na área que
outrora pertenceu a Fábrica de Pólvora do Coxipó.
103
operários responsáveis em conduzi-los ou “guiarem”, estando ambos, sempre em
permanente “estado de fadiga”.
A Oficina ternária e de alisamento
Por sua vez, a oficina de mistura ternária e alisamento era equipada com os
mesmos aparelhos que a de mistura binária e trituração, distinguindo-se apenas pela forma
das operações que eram diversas.
O alisador reclamava ainda o diretor Celestino, não tem dado bom resultado
até agora, pois em diferentes ocasiões os resultados ficavam aquém do esperado, conforme
podemos observar na narrativa que segue:
O aparelho destinado ao alisamento e desengrosamento da
pólvora não satisfazia de modo algum seu objeto e longe de
polir os grãos e espelir o pó, produzia o esmagamento d’estes
por de mais lento que fosse o momento que se o imprimisse.
Fiz desarmá-lo, mandei arredondar as quinas vivas das
atravessas, forrar de longa massa, abrir outras continha-las de
tela
metálica
e
acredito
haver
conseguido
algum
melhoramento desta machina para os misteres a que se
destina171.
O alisamento da pólvora da Fábrica é feito em um sistema de agitamento em
sacos de bauta ou algodão grosso por muitas horas consecutivas. Custa bem, porém, além
de trabalhoso dá às pólvoras finais a forma espurica172.
171
Relatório do capitão Carlos de Oliveira Soares, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao coronel Ernesto
Augusto da Cunha Mattos, presidente da Província de Mato Grosso, em 27 de dezembro de 1889. Lata 1889 B, APMT.
172
Trata-se de um processo mais lento e onde a pólvora produzida não apresenta uniformidade.
104
Na oficina de granulação e desempocisamento173, as operações são
realizadas pela mesma maneira, ou seja, “agitamento em sacos de bauta ou algodão”, sendo
considerada a forma comum. Mediante análise da documentação, podemos observar que
esta oficina fora inicialmente planejada para ser instalada com equipamentos mais
complexos, como podemos observar pela explicação que segue:
Suprimindo-se os cilindros quebradores da oficina de
granulação e a estufa da dissecação, adaptando-se outros
aparelhos mais simples e que preencham os mesmos fins:
assim aos menos aconselha a diretoria da Fábrica da Estrela
em seu parecer sobre o meu relatório174.
O edifício era construído de madeira, sobre pilares de alvenaria de tijolos e
como todas as oficinas da Fábrica, coberta de zinco:
Mandei também cortar em lua própria, madeira de qualidade,
(aroeiras, peróvas e vatambús) para madeiramento e tabuado
das oficinas... ...Mais de 80 paos se acham cortados175
A oficina de separação, secagem e alisamento
Para a secagem era utilizado exclusivamente o processo natural, ao ar livre;
pois não havia na Fábrica, lembra o diretor Celestino, estufa de ar quente e muito menos
aparelhos para o emprego do vapor.
173
Processo pelo qual é retirado o pó ficando a pólvora em forma granulada.
174
Ofício do capitão Francisco Nunes da Cunha, encarregado da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao general
Alexandre Manuel Albino de Carvalho, presidente da Província de Mato Grosso, em 29 de julho de 1864.
Lata 1864 – A, APMT.
175
Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao
general José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província de Mato Grosso, em 14 de janeiro de 1874.
Lata 1879 – C, APMT.
105
Já a apuração da separação era feita por meio de peneiras acionadas a mão,
por falta de um aparelho mecânico.
Observamos reclamação por parte do referido diretor, sobre a falta de um
aparelho mecânico, e ainda no caso de produção de pólvora fina, havia necessidade de
peneiras adequadas a esse procedimento:
Não embassilha por falta desse caso no comercio e nem a
madeira apropriada á esse objetivo, ou melhor, por não
possuir a fabrica oficial torneiro; encaixota-se176.
A produção de pólvora177 na Fábrica do Coxipó do Ouro dependia de certa
maneira, não só de grande parte da matéria-prima, neste caso, o salitre e o enxofre vindos
da Corte, como também da maioria absoluta dos equipamentos que eram encomendados no
Rio de Janeiro para o funcionamento das oficinas:
Já foi recebido grande parte do material que ficou de vir da
Corte com destino a esta fábrica, necessários para o fabrico
do carvão de pólvora, refinação do salitre, granulação da
pólvora; recebi também os objetos e instrumentos constando
de minha relação de 8 de fevereiro de 1873, objetos destinados
a montar um pequeno laboratório químico e que não se acham
na praça de Cuiabá. Sinto muito dever observar que a balança
que foi entregue, não é balança para químico mas sim para
farmacêutico178.
176
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
177
A que a produção poderia em tempo ordinário ir de 100 a 120 arrobas mensais, e dobrar em tempos
extraordinários sendo “75 á 150 KG diários”. Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney ao
general Hermes Ernesto da Fonseca, presidente da Província de Mato Grosso, em 25 de julho de 1876. Lata
1876 – A, APMT.
178
Relatório do engenheiro Carlos Teodoro José Hugney, encarregado de montar a Fábrica de Pólvora do
Coxipó enviado ao general José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província de Mato Grosso em 14 de
janeiro de 1874. Lata 1873 – A, APMT.
106
Podemos observar que esta solicitação feita pelo diretor da Fábrica Carlos
Teodoro José Hugney, havia sido reiterada no início de 1873 e apenas chegava à Fábrica de
Pólvora do Coxipó, no início de 1874, portanto, um ano depois. Além do pequeno
laboratório químico, foram instalados na Fábrica de Pólvora do Coxipó até 1876 os
seguintes equipamentos e oficinas vinculadas diretamente à produção de pólvora:
Quadro 06
Unidades
Equipamentos e Oficinas
01
Olaria com telhados
01
Oficina para galgas de trituração
01
Oficina para mistura ternária dos componentes da pólvora
01
Oficina para granulação
01
Oficina para desecação
01
Oficina de separação e embarricamento
01
Paiol com parede exterior
01
Chaminé de 12 metros para oficinas de carbonização e refinaria
01
Oficina para refinação do salitre
01
Oficina para o fabrico do carvão para pólvora
01
Armazém para depósito de salitre e enxofre
01
Oficina pequena para trituração do salitre, pulverização e mistura binária do
carvão e enxofre
01
Telheiro para depósito de lenha para carvão de pólvora
Fonte: Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, diretor da Fábrica de Pólvora do
Coxipó ao general Hermes Ernesto da Fonseca, presidente da Província de Mato Grosso, em 25 de
julho de 1876. Lata 1876 – A, APMT.
107
As Oficinas e seu funcionamento
Mediante o quadro acima torna-se possível visualizar as oficinas, mais
diretamente envolvidas com a produção de pólvora: oficina de galgas, oficina de refinação
de salitre e carbonização, oficina de mistura binária e trituração, oficina de mistura ternária
e alisamento, oficina de granulação e secagem, e a oficina de separação e embarrilamento.
A oficina de galgas é a que fica mais próxima da administração179 da
Fábrica: tem a forma hexagonal ocupando um pilar de tijolos da vértice e é coberta de
zinco:
Abriga um par de galgas de granito (chapa) de bronze, com
2.160 kilos de peso cada uma. Em movimento por intermédio
de duas almanjarras que transmitem os esforços de tração de
dois animais á um eixo vertical que, por sua vez, as transmitem
á outro eixo horizontal em cujos extremos estão as galgas180.
Estas galgas eram assentadas sobre um prato de bronze horizontal –
trabalhando cada uma delas, vinte quilos de mistura, por quatro horas consecutivas, dando
uma média de três voltas por minuto: o aparelho é armado em quatro raspadeiras para
revolver a mistura e subir sobre as galgas.
A oficina de refinação do salitre estava instada no mesmo prédio que a
oficina de galgas. Estando, portanto, duas operações que conforme o capitão diretor havia
“toda conveniência em serem separadas”, conforme exposto na documentação em análise;
É a melhor que possui a fábrica; é bem construída e muito
espaçosa. Assenta sobre sólidos pilares de tijolos e com
179
180
Ver desenho da organização da produção na Fábrica de Pólvora do Coxipó.
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da RepÚblica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
108
exatamente madeiramento; promete longa duração. Está em
parte ladeada181.
Após a inauguração da Fábrica recomendações eram feitas, aos responsáveis
diretos da Fábrica de Pólvora do Coxipó, sobre as quantidades de pólvora a serem
produzidas e para que os produtos fossem encaminhados à Comissão de Melhoramentos do
Exército, Comissão esta responsável por atestar a qualidade e classificação da pólvora
produzida:
Empreendi fabricar uma pequena porção de cada marca para
não só enviar á ilustre Comissão de Melhoramentos á qual
faço me comunique os resultados que obtiver nas experiências
que com elas fiz, como também industriar todo o pessoal no
serviço e bem conhecer eu do que podia produzir a fábrica,
como funcionarão os aparelhos, as necessidades a suprir,
etc.182.
Na remessa, acima referida, a pólvora foi enviada em caixotes de cedro com
capacidade para armazenar quinze quilos de pólvora cada um, o Diretor Celestino teve a
preocupação de informar, em relatório, à Comissão de Melhoramentos, que as diferentes
marcas de pólvora saiam da Fábrica sem terem passado por nenhuma das provas
regulamentares por não haver os ditos instrumentos para esse fim.
Mas reconhecia, no entanto, ser argumentos “infutável” por mencionar as
necessidades da Fábrica, já que havia informado-os anteriormente.
181
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
182
Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao
general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do
Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do
Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.
109
A Produção
Com as condições consideradas adequadas para a produção de pólvora a
partir da instalação, a Fábrica manteve uma produção com certa folga numa média mensal
de 100 a 120 arrobas, e de acordo com as necessidades dobrando essa quantidade indo de
200 a 250 arrobas por mês183.
Contudo, essa produção média mensal, não avançaria muito com tempo,
principalmente por não ser mais uma prioridade do governo, que conseqüentemente, passou
a não disponibilizar orçamento adequado à sua manutenção e modernização, bem como de
pessoal:
Em 1878 por ordem do Ministério da Guerra foi reduzido o
pessoal que trabalhava na fábrica; deixam por isso de ter
regular andamento os trabalhos que ainda eram necessários
para a conclusão das oficinas e outros edifícios que se acham
em construção mais com dificuldades financeiras para
terminá-los184.
No relatório do primeiro semestre de 1879 o diretor da Fábrica de Pólvora
requereu junto ao Ministro da Guerra que solicitasse ao Ministro da Marinha o envio de
pólvora “avariada” de Ladário, situado ao sul da Província de Mato Grosso, em decorrência
da dificuldade na extração do salitre requerendo também verbas e a liberação da venda de
pólvora do tipo FF e FFF aos caçadores da vizinhança.
Uma solicitação do Arsenal da Marinha de Ladário, de 16 de agosto de
1879, para o Diretor da Fábrica de Pólvora Carlos Theodoro José Hugney, datado de agosto
de 1879, revela-nos que a encomenda de 150 quilos de pólvora fina para tiros diários da
183
Relatório do engenheiro Carlos Theodoro Jose Hugney, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó
encaminhado ao general Hermes Ernesto da Fonseca, Presidente da Província de Mato Grosso em 25 de julho
de 1876. Lata 1876 - A, APMT.
184
Relatório do tenente coronel Jose Francisco Coelho, Diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao coronel
Francisco Rafael de Melo Rego, presidente da Província de Mato Grosso, em 31 de agosto de 1888. Lata 1888
– C, APMT.
110
Frotilha provincial, deixa de ser atendido porque o paiol da Fábrica de Pólvora do Coxipó
dispunha de apenas cento e vinte (120) quilos e de 5 marcas diferentes: CCC, CC, C,F e
A185 – de experiências com carvão que não deram resultados satisfatórios, não sendo
adequadas para atender tal solicitação.
Com isso podemos aventar para a possibilidade de que a produção de
pólvora na Fábrica do Coxipó estava intimamente ligada às necessidades e ao interesse do
governo que poderia aumentar ou reduzir os recursos destinados a fábrica ou mesmo
disponibilizar mão de obra e até mesmo, matérias-primas e com isso alcançar uma
produção em maior ou menor escala.
No final de 1889, o Diretor da Fábrica, ao avaliar as condições em que se
encontravam as instalações destinadas à produção de pólvora, dizia que apesar da
imperfeição dos outros aparelhos que não permitiam certo grau de regularidade nos
processos sucessórios porque passa a misturar componente da pólvora, de acordo com as
prescrições técnicas dos nossos regulamentos, salienta que fabricou de 40 a 50 quilos de
pólvora e que produzia bom resultado as experiências a que fora submetido. E continuava
em seu relatório afirmando que:
A Fábrica do Coxipó já pode agora exibir o produto de suas
oficinas a quem por sentença duvide da possibilidade de
empregar-se pólvora de Mato Grosso na expedição de
projeteis de artilharia ou fusíl186.
Quando do término de sua construção e inauguração, especialmente no
período que vai de 1881 até junho de 1882, a Fábrica de Pólvora do Coxipó foi utilizada
para consertar e fazer a readaptação dos estoques de pólvora avariada187 da Província de
Mato Grosso, tanto o do Arsenal de Guerra de Cuiabá, como o estoque do Arsenal da
185
Eram essas as marcas de pólvora produzidas pela Fábrica de Pólvora do Coxipó, ou seja, pólvora grossa,
apropriada para armamento bélico de guerra daquele período.
186
Relatório do Carlos de Oliveira Soares, Diretor da Fabrica de Pólvora do Coxipó ao Presidente da
Província de Mato Grosso Ernesto Augusto da Cunha Mattos. 27 de dezembro de 1889, Lata - B, APMT.
187
Palavra utilizada para nomear a pólvora sem condições de uso, principalmente por umidade que corrobora
para alterar sua composição química.
111
Marinha em Ladário, ao sul da Província. A partir de 1882, dá-se a efetiva produção de
Pólvora até o encerramento de suas atividades no ano de 1906.
Rubens de Mendonça, parafraseando Lobo Viana afirmava que em fins de
1893, a Fábrica de Pólvora do Coxipó produziu 5.000 quilogramas de marcas CC e
CCC188.
No final de século XIX, especificamente no ano de 1887, em que a Fábrica
estava com as referidas oficinas instaladas, foram utilizados para o trabalho de fabricação
de pólvora apenas os seguintes trabalhadores:
Dois mestres contratados pelo Governo Geral, um abegão e
seis operários, número esses de momento para empreender-se
qualquer trabalho de fabricação de pólvora189.
A força de trabalho empregada no funcionamento das oficinas da Fábrica de
Pólvora do Coxipó oscilava em cada período, à medida que a produção era estimulada ou
não pelos governos central e local.
Entendemos ser importante ressaltar, que o contexto econômico e social em
que vivia o país, interferia diretamente na composição da mão-de-obra empregada na
Fábrica de Pólvora.
Como fonte iconográfica apresentaremos a seguir a prancha com um
conjunto de ilustrações com base em documentos que descrevem experiências e
funcionamento da Fábrica de Pólvora do Coxipó, levando em conta os aspectos
circunscritos a esta: topológicos, formais e ambientais. Sobre este último, presentificam-se
alguns componentes da biodiversidade, referentes à flora e à fauna do cerrado matogrossense.
Tendo a aparência iconográfica de um mapa – todavia não devendo ser
considerado como tal – a referida prancha e do mesmo modo a prancha I-B, exibem
elementos, ora pressupostos, ora com base nos citados documentos. Nesse horizonte,
188
MENDONÇA, Rubens de. Roteiro Histórico e Sentimental da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá. Cuiabá:
Edições Igrejinha, 1975, p. 78.
189
Relatório de José Joaquim Ramos Ferreira, vice-presidente da Província de Mato Grosso apresentado a
Assembléia Legislativa da Província de Mato Grosso, em 01 de novembro de 1887, p. 130. NDIHR / UFMT.
112
formulam-se as tentativas de mapeamento, a busca de coerências possíveis, segundo as
referências históricas de construções rurais e / ou urbanas, de costumes, de mão-de-obra,
bem como da participação da força animal, na segunda metade do século XIX, notadamente
nas cercanias da depressão cuiabana (baixada).
Considerando ainda os elementos de ordem iconográfica, concebidos nas
referidas pranchas é de se mencionar que estes foram subsidiados, através das seguintes
circunstâncias: a experiência de trabalho junto a uma instituição de ensino no Distrito do
Coxipó do Ouro pelo pesquisador do presente empreendimento, tem propiciado crescente
familiaridade com a citada região, ademais as percepções de visualidade e de especialidade
– quer no espaço natural ou demarcadas pelas ruínas – ampliam-se no diálogo com os
dados que constróem a memória desse investimento oitocentista190.
190
Prancha elaborada pela Professora Tereza Ramalho de Azevedo Cunha, do Departamento de Artes, IL,
UFMT. Mestrado em comunicação e semiótica pela PUC/SP.
113
2.8. Índice da Prancha de Ilustrações da Fábrica de Pólvora do Coxipó
1.
Casa do escrivão / ajudante com ampla varanda
2.
Casa do diretor
3.
Oficina de ferreiro (OF F)
4.
Muro
5.
Depósito de Máquinas – I (DEP. MAQ. I)
6.
Muro ajardinado
7.
Secretaria
8.
Depósito de máquinas – II (DEP. MAQ. II)
9.
Quartel do destacamento (construção que faz ângulo à esquerda com a praça)
10. Praça
11. Depósito para armazenamento de tijolos (construção em tijolos, coberta de
zinco)
12. Casas dos moradores da Fábrica
13. 12.1-Idem
14. Galpão coberto de zinco (dentro deste encontrava-se um aparelho de galga)
15. Oficina de Galga – (OF. GAL)
16. Levada
17. Oficina de refinação e carbonização (OF. RC) cerca de 100 m de distancia
da Of. Gal, dotada de chaminé medindo cerca de 14 m.
18. Galpão (coberto de telhas)
19. Oficina de mistura binária (OF. MIS. B)
20.
ERROR: syntaxerror
OFFENDING COMMAND: --nostringval-STACK:
Download

A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ EM MATO GROSSO (1864