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Neurociência e Saúde Mental
PSICODINÂMICA DA FAMÍLIA
Quais são as implicações quando o modelo médico de tratamento focalizava
exclusivamente o indivíduo portador de sintomas e perturbações psicoemocionais sem
levar em consideração sua família? Será que o desenvolvimento das doenças
comportamentais tem suas raízes exclusivamente no doente? A família não contribui em
absolutamente nada com o desenvolvimento da doença? São perguntas que devem ser
feitas a todos que têm entre seus familiares doentes com problemas mentais e
emocionais, pois a falta do amparo familiar, mais precisamente a carência afetiva,
durante a infância, pode conduzir a uma deterioração integral da personalidade.
Partindo dos questionamentos acima, a psicodinâmica investiga os conflitos
intrapsíquicos que se encontram na raiz do desenvolvimento humano, passando a se
valorizar o aspecto social, cultural, intelectual da estrutura familiar, bem como os
medos, segredos e pactos que se formam no universo secreto de cada família. Universo
secreto que se esconde no íntimo das relações pai/mãe/filho(s); e, que não é conhecido
dos vizinhos, amigos, grupos sociais, instituições, médicos e psicólogos, uma vez que a
VERDADE só é expressa de acordo com os interesses individuais afetando o
desenvolvimento psicodinâmico de todos.
Diante desta constatação, a doença passa a funcionar como válvula de
escape para uma situação familiar mal resolvida. Uma depressão em um filho pode ser
um escape de algum aspecto mal resolvido na relação dos pais. São situações como esta
que levam muitas famílias a colocarem um dos seus membros para fazer terapia; porque
na verdade estão tentando lidar com seus próprios problemas através da doença do filho.
Porém, à medida que a terapia ou o tratamento oferece melhora para o filho, mas sem
que ocorra melhora na relação entre os pais (porque não admitem terem ou serem “o
problema”), retiram o filho do tratamento ou alegam que o tratamento só está fazendo o
filho piorar.
Pois bem, por que isto ocorre? Para responder a isto é necessário saber: qual
é a função da família? Cabe a esta desempenhar funções tais como as afetivas entre seus
membros; oferecer segurança e ensinar aceitação pessoal que possibilite um
desenvolvimento pessoal amadurecido; valorizar o indivíduo como importante no
contexto familiar; assegurar as relações pessoais; proporcionar a estabilidade e
socialização contribuindo para a formação cultural; desenvolver o senso de autoridade e
respeito as normas de convívio social, por meio do ensino das regras e normas, direitos
e obrigações características das sociedades humanas; assegurar proteção a saúde dos
seus membros; desenvolver sistema de valores, crenças e atitudes dos seus membros.
Tudo isso com a finalidade de modelar o comportamento e o sentido de identidade da
criança ou adolescente, pois eles ainda não podem ter autonomia para dirigir suas vidas.
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Ainda precisam submeter-se a uma série de princípios que deve ser transmitido pela
família, e principalmente pelo pai, cuja uma das funções é interpor-se ao imediatismo
dos jovens, porque não há lei sem cultura, nem cultura sem lei. Neste mesmo contexto,
a tarefa da mãe é mais que nutrir é também inserir o elemento simbólico, oferecendo um
modelo ou uma estratégia a ser utilizada na resolução de problemas, no universo da
criança e do adolescente.
Nesta perspectiva, o que se observa é que o núcleo familiar é continente dos
conflitos. Conflitos estes que passam a ser expresso por um dos familiares (notadamente
um filho) na forma de doença do comportamento. Surge a “ovelha negra da família” que
no fundo, nada mais é que o representante da negritude que se esconde por trás das
paredes de intriga, pactos, mentiras, desordens emocionais, desestrutura, imaturidade,
desrespeito, violência física ou emocional, traições, frustrações, autoritarismo que a
família experimenta quando as portas e janelas da casa se fecham para o mundo
exterior.
Os teóricos da psicodinâmica para estudar está situação desagregadora,
buscam fundamento nos pressupostos que servem de base para a investigação dos
conflitos, são eles: a identificação projetiva e introjetiva, os mecanismos de defesa do
ego, os objetos parciais, as posições depressiva e esquizo-paranóide, os supostos básicos
da dependência, luta e fuga, entre outros.
Quando a identificação projetiva é excessiva conduz a uma deterioração do
processo de desenvolvimento e um severo distúrbio do impulso de curiosidade. A
aprendizagem, por sua vez, baseia-se nesta curiosidade sobre o conhecimento e o
pensamento. No entanto, os pais modernos se equivocaram ao ceder tão irrefletidamente
ao chamado psicologismo, transformando sua ansiedade e sua culpa em atitudes
permissivas que visam unicamente à satisfação do filho que geraram.
Nos moldes do casamento atuais, a felicidade pessoal de cada um vem em
primeiro lugar e a criança é sacrificada. Há, em todos os pais uma culpa que eles
procuram compensar através do consumismo, comprando tudo para as crianças com o
fim de minimizar sua ausência. Essa culpa leva à falsa idéia de que felicidade é fazer o
que a criança quer. Esta mesma família não acredita no modo como a escola está
lidando com a disciplina. Basta ver que a mãe que é chamada pela escola, fica
aborrecida e desvaloriza o trabalho da instituição; critica a escola, o professor e a
equipe, muitas vezes diante do filho retirando da escola toda e qualquer autoridade.
Por estes motivos já se pode começar a responder a pergunta anterior: por
que isso ocorre? A resposta continua com o fato de que as crianças, que tinham como
suporte básico de desenvolvimento pessoal a família (pai/mãe/casa), em número cada
vez maior já não contam com esse sustentáculo, seja pelos divórcios familiares ou
porque nascem em uma família de um único membro, o que se constata é a
fragmentação do núcleo que dá origem a uma sociedade, a família.
É na família que se socializam as crianças projetando-as para a comunidade.
A convivência familiar sadia é indispensável para modular o temperamento e
instrumentalizar o caráter. Uma sólida estrutura familiar é o grande segredo da estrutura
social. A família é considerada como o grande representante da cultura, desempenhando
papel fundamental na transmissão das leis, dos conceitos de descendência e de
parentesco. Mas cabe ressaltar que cada integrante da família trás dentro de si seu nível
de evolução, de relações e emoções o que implicará no fato de que os integrantes da
família apresentem direções diferentes.
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Os vínculos familiares são úteis para apoiar, compreender e conter as
necessidades. Entretanto, podem ser invasivas e quando isto ocorre se transformam em
controle, manipulação, negação e retaliação, o que estagna o crescimento e
amadurecimento dos seus membros. O importante para assegurar uma saúde psíquica
familiar é estimular a curiosidade e o conhecimento destas “armadilhas” inconscientes.
O entendimento do padrão familiar de comportamento permitirá o reconhecimento das
fragilidades e em consequência o enfrentamento dos conflitos utilizando dos recursos de
cada família. Pois não adianta tentar resolver os conflitos como se houvesse uma
“receita de bolo”; cada família tem recursos e conflitos únicos. O que dá certo numa
família, raramente poderá ser utilizado noutra.
A modernidade tem vantagens inquestionáveis, porém não existe nada que
não tenha duas faces, assim, a família foi deixando de ser o núcleo poderoso de
formação de caráter e de expansão da vida afetiva. A saída da mulher em busca do
mercado de trabalho, na maioria das vezes como alternativa de sobrevivência do próprio
grupo familiar; a extenuante carga horária do trabalho, a escassez do encontro familiar à
mesa das refeições; as alienantes novelas de televisão e a enxurrada de programas e
informação impedem o diálogo entre pais e filhos; o lazer tecnológico como
videogames dos jovens contrastando com as formas de entretenimento romântico dos
adultos.
O ritmo frenético da vida moderna: “bater cota”, “aumentar produção”,
“acumular funções”, “se especializar cada vez mais” ente outras loucuras modernas (e
ainda fala em hiperatividade como doença do individuo), não dão espaço aos cuidados e
com a responsabilidade da criação. Isto sem mencionar as profundas divergências entre
pais e filhos adolescentes, fruto do distanciamento das gerações, da hiperatividade
social que não recebe uma crítica e nem mesmo é medicada. Conflitos conjugais,
separações e divórcios, em sua maioria, disputado nos tribunais dando um exemplo aos
filhos de como barganhar desafeto e frustrações em troca de uma certa comodidade
financeira e material, hipocritamente alegada em benefício dos filhos.
Nestas condições, a interação entre os membros de uma família só poderá se
estabelecer por meio da interação familiar que é obtida pela empatia e comunicação, o
que enriquece o relacionamento e induz um modelo de tratar a irracionalidade com a
racionalidade. A família irá desenvolver sua parte adulta e compreender o significado
das relações e não focalizar um membro da família como o “indivíduo problema”. A
conduta deve ser a de mudar o foco da atenção do paciente e desviá-lo para a avaliação
familiar de modo que abranja todos os elementos da família, pois é ela que está
organizada com o fim de manter sobre o “indivíduo problema” a responsabilidade da
desestrutura emocional e comportamental familiar.
As formas de oposição entre gerações fazem com que os jovens procurem
novas formas de expressão. Equivocadamente manifestado por meio de um
comportamento agressivo em relação aos adultos, na utilização de roupas e penteados
exóticos, na formação de bandos e gangues violentas que praticam crimes e vandalismo.
A família deve comprometer-se com as novas circunstâncias propondo uma referência,
um modelo para os seus membros, pois o que se constata é que a autoridade parental,
até então exercida pelo pai, parece estar se perdendo. A análise do jovem infrator vem
constatando que a responsabilidade de tais condutas se deve a fragilização, omissão e
ausência no elemento masculino do núcleo familiar, em outras palavras, o homem não
tem sabido exercer seu papel. Não se pode isentar a mãe que tem descuidado do futuro
de seu filho negligenciando, se ausentando, sendo impaciente ou ainda superprotetora e
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permissiva contribui com os desajustes infantis que se manifestam socialmente como
agressão, delinqüência e suicídio. Resumidamente a família é a fonte de todas as
carências materiais e emocionais.
Ainda as drogas, as infrações de trânsito, o desrespeito às leis e costumes e a
violência são transgressões oriundos das classes alta e média, que se propagam aos
demais segmentos da sociedade e se relacionam, conforme estudos recentes, com a
grave crise da estrutura familiar.
A influência inconseqüente da televisão na formação das crianças e
adolescentes tem contribuído para a banalização da agressividade, da corrupção, do
desrespeito e da exploração dos jovens violentando o processo educacional.
Há de se considerar que a auto-estima e auto-ajuda alimentam a ilusão de
que as pessoas não precisam do outro, o que não é verdade. O outro está sempre em nós,
desde as figuras materno-paternas até as imprescindíveis relações sociais. É justamente
a deterioração da personalidade, determinada pelas falhas do grupo familiar em ensinar
o respeito e interesse no outro, que se converte em agente gerador de condutas
desviantes. A solução para o problema da criminalidade infanto-juvenil é a remoção dos
fatores primários que levam à conduta antissocial, tais como a prevenção da
deterioração do ambiente familiar, a orientação dos pais e mães e o fortalecimento da
autoridade materno-paterna dentro do âmbito familiar, isto porque a família constitui o
mais importante grupo social, bem como o seu quadro de referência, estabelecido
através das relações e identificações que a criança desenvolveu durante o aprendizado e
amadurecimento.
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Dr. Maurício Aranha - Sócio-Fundador da ANERJ - Associação dos Neurologistas do Estado do Rio de Janeiro.
Filiado da SBNeC - Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento da USP. Filiado da APERJ Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro (Federada da ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria e da
WPA - Associação Mundial de Psiquiatria). Pesquisador do Núcleo de Ciências Médicas, Psicologia e
Comportamento do Instituto de Ciências Cognitivas. Formação: Medicina pela Universidade Federal de Juiz de
Fora, Brasil. Psiquiatria Forense pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Psiquiatria pela Universidade
Estácio de Sá, Brasil. Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Grupo de Ação Educacional, Brasil. Psicologia
Analítica pela Universidade Hermínio da Silveira e Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação, Brasil.
Neurolingüística pelo Instituto NLP in Rio & NLP Institut Berlin, Brasil/Alemanha. Neurociência e Saúde Mental
pelo Instituto de Neurociências y Salud Mental da Universidade da Catalunya, Espanha. E-mail: [email protected]
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A família como estrutura