AGENDA DA FAMÍLIA Marcelo Garcia é assistente social. Exerceu a Gestão Social Nacional, Estadual e Municipal. Atualmente é professor em cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor executivo da Consultoria Agenda Social e Cidades. Desde 2009 trabalha e estuda de forma continuada estratégias para combater a pobreza. Escreve diariamente para o site <http://www.marcelogarcia.com.br>. Marcelo Garcia 1 – O que é a Agenda da Família? É uma nova forma de atuar com as famílias num processo participativo onde a prefeitura, de uma forma consultiva, identifica as ausências e prioridades dessas famílias e constrói, a partir dessa escuta, as soluções. De uma forma democrática, família e governo constroem a Agenda da Família. As prioridades serão dadas pelo cotidiano de quem as vive. É uma nova forma de atuar com as famílias pobres e vulneráveis. Antes, pensávamos as soluções e as levávamos para as famílias, mesmo que essas não fossem suas prioridades. Agora, conversamos com as famílias e levantamos as prioridades, indo atrás das soluções. 2 – Como é realizada a Agenda Família? Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) têm, entre suas missões, a vigilância socioterritorial; dessa forma, a Agenda da Família deve ser adotada como um trabalho, uma rotina dos CRAS. Ela é realizada com visitas para diagnóstico, para a pactuação da agenda e para o acompanhamento na casa de cada família atendida. Nesse atendimento, que é baseado na escuta, o profissional, por meio do Cadastro Único (CadÚnico), identifica as inseguranças sociais da família. Um detalhe importante é estabelecer um cronograma para que todos os bairros de extrema vulnerabilidade possam ser visitados e, dessa forma, garantir atenção indistinta na sua cidade. 1 3 – Qual a relação entre o Retrato Social da Busca Ativa, o Cadastro Único (CadÚnico) e a Agenda da Família? O Retrato Social realizado na cidade indica as privações e desproteções sociais que vão organizar a atuação da Agenda Família na cidade. Vamos trabalhar, num primeiro momento, com as famílias em situação de extrema pobreza, com renda per capita até R$70,00, e beneficiários do Programa Bolsa Família. A partir daí, as famílias identificadas pela Busca Ativa que se encaixam nos critérios deverão ser incluídas no CadÚnico do Governo Federal. Grande parte das famílias em situação de vulnerabilidade no país já está no CadÚnico. O Retrato Social e a Busca Ativa visam ampliar esse alcance. 4 – Qual é a equipe básica para esse trabalho? Como já dissemos, a Agenda da Família deve ser um trabalho dos CRAS, estabelecendo três ações: – aproximação da realidade; – construção da Agenda da Família; – concretude nas propostas. A Agenda da Família adota a priorização das famílias beneficiárias do Bolsa Família e indica que o início das atividades deve acontecer nos bairros em situação de extrema vulnerabilidade. A equipe deve envolver agentes de saúde, agentes comunitários ou agentes de família, além de um técnico de nível superior. Propomos que cada agente de família acompanhe, no máximo, 250 famílias, e que seja, preferencialmente, o agente que já atuou com essas famílias. 5 – Por que a articulação da Agenda da Família com o Programa Bolsa Família? Por essa família ter, mediante o Bolsa Família, a segurança social de renda garantida, o nosso trabalho não pode acabar por aí. As famílias precisam de outras seguranças, como as de moradia, de saúde, de educação, de convivência comunitária e familiar, de qualificação profissional e de empregabilidade. Assim, construir soluções e garantir seguranças sociais efetivam a inclusão social de forma sustentável. 2 6 – Como assegurar o resultado da Agenda da Família? Partimos da ideia de que a aproximação com a realidade, o conhecimento das necessidades, o diálogo, a transferência do poder de decisão e o movimento de alianças criam um ambiente favorável para construir, de forma simples, estratégias para selecionar a melhor resposta às necessidades e às demandas. Construir canais de diálogo, consensos e um compromisso partilhado entre as famílias e as prefeituras gera responsabilidades mútuas. 7 – Por que realizar a Agenda da Família? Em função da identidade que o projeto gera para a gestão; por criar um mecanismo de aproximação com famílias de sua cidade; por introduzir um novo conceito de ação – planejar sobre as necessidades explicitadas; por potencializar uma gestão participativa e democrática; e pelo compromisso com a mudança socioeconômica das famílias. 8 – Todas as regiões e cidades terão as mesmas prioridades? Esse processo é composto por múltiplos aspectos, mas o principal deles é que as desigualdades sociais e o empobrecimento têm variações de nível de acordo com a região e as peculiaridades da cidade ou do Estado. Porém, a área das ausências são as mesmas: saúde, educação, habitação, assistência social e trabalho. 9 – Quanto tempo dura a Agenda da Família? A Agenda da Família tem um prazo de até três anos para a sua realização. Este é o tempo do compromisso com a garantia dos direitos de todas as famílias. Devemos afirmar que os compromissos assumidos geram resultados. A Agenda da Família começa quando vamos ao encontro das famílias mais vulneráveis, conhecemos e enfrentamos suas ausências, nos comprometendo com o seu acompanhamento e continuando sempre atentos à incorporação de novas prioridades – porque o desafio da construção de uma sociedade justa não acaba nunca. 3 PASSO A PASSO 1 – Como, na prática, se constrói a Agenda da Família? Vamos dar um exemplo: dona Ivete, de 66 anos, está desempregada, mora com seus cinco netos, frutos de um casamento desfeito de sua filha mais velha, que está presa. As crianças têm idades entre 3 e 12 anos. Nenhuma frequenta a escola. Dona Ivete não consegue fazer os trabalhos de casa porque tem dificuldades de locomoção, e, para entrar em seu barraco, na favela, não há escada de cimento, e sim uma escada improvisada com caixotes e pedaços de madeira. As crianças limpam a casa de dois cômodos, sem vaso sanitário, sem esgoto, sem ventilação. Dividem-se buscando baldes de água para fazer comida, tomar banho, lavar roupa etc. Então, neste exemplo, encontramos as seguintes ausências: escola, moradia, trabalho e renda. Ah! Faltou dizer que apenas dois dos cinco netos são registrados. A equipe da agenda da família encontrou também com os netos de dona Ivete e conversou com eles sobre escola, lazer e o dia a dia deles. Todos puderam falar sobre a vontade de estudar. O neto mais velho disse que gostaria de jogar vôlei e o neto de sete anos disse que quer ser ator. Esta conversa foi importante para que a equipe percebesse as vontades, desejos e sonhos de cada criança. A equipe da Agenda da Família tem obrigações imediatas, como garantir que todas as crianças tenham documentos e entrem na escola. Existem demandas sociais que são direitos universais e deveres do Estado brasileiro. Não podemos admitir que crianças não estudem. Devemos criar imediatamente as condições para que os netos de dona Ivete estejam na escola. A filha presa de Dona Ivete tem direito a apoio jurídico. Dona Ivete, por não ter renda e ter mais de 65 anos, também tem direito ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC). A equipe da Agenda da Família, após resolver os direitos imediatos de dona Ivete, deve então discutir com ela e sua família as quatro prioridades da Agenda. As prioridades escolhidas pela família foram: uma escada de três degraus de cimento para entrar em casa e a construção de um banheiro. Dona Ivete também quer atividades desportivas e culturais para seus netos. Por fim, dona Ivete pede água tratada em sua casa. A água para beber pode ser resolvida imediatamente com a compra de um filtro. A equipe da Agenda da família deve conversar com dona Ivete sobre o momento que ela vai viver na agenda da família. A prefeitura vai trabalhar muito para que a agenda seja uma verdade, mas precisará muito do seu apoio para cada desafio da agenda. Este trabalho será coletivo. Um mutirão pela vida. 4 Vale destacar que a visita à casa de dona Ivete permitiu que se vissem in loco problemas que puderam ser resolvidos de forma imediata, como a vaga na escola para seus netos e o acesso à renda do BPC. Gerar resultados imediatos cria credibilidade para o processo de pactuação da Agenda da Família, além de possibilitar que essa família acredite em sua mobilidade social e no compromisso que o Estado brasileiro deve ter com cada família vulnerável. 2 – Como deve ser o perfil da equipe? É importante que quem visita e acompanha a família entenda suas dificuldades e suas ausências. Não podemos ter uma equipe que culpe e discrimine a vida diária de exclusões vivenciadas por aquela família visitada, isto é, precisamos de uma equipe que deixe a família falar, que não fique restrita ao que está descrito no cadastro. Por exemplo, além das informações das características do domicílio, a família pode falar de uma situação de violência na comunidade ou de um histórico de alagamentos em que a questão da moradia passa a ser a prioridade número um de mudança na sua vida. Ela deixa de ter acessos (escola, cursos etc.) em função da questão apresentada sobre sua moradia, que foge à descrição do número de cômodos, se é alugada, se tem água e esgoto. O olhar da família sobre a sua realidade é a matriz da equipe da Agenda da Família. Respeitar o que vem de informação da família é um caminho que, sem dúvida, gera o compromisso e a adesão fundamentais para o sucesso do trabalho. Também é muito importante ouvir os contextos da relação intrafamiliar. É no relato dessas relações (que não é a descrição da composição familiar) que se pode, por exemplo, identificar riscos na convivência familiar e comunitária. 3 – Principais passos para executar a Agenda da Família – Mapear, mediante o Cadastro Único, os territórios mais vulneráveis da cidade. Vale destacar que a cidade também pode construir seu mapa da vigilância social. – Construir e mapear a rede socioassistencial da cidade e a relação com todas as políticas setoriais. – Organizar o cronograma de trabalho. – Selecionar e capacitar a equipe que vai atuar na Agenda da Família. – Apresentar a Agenda da Família à cidade. – Iniciar as visitas às famílias mais vulneráveis. 5 – Assinar o Termo de Compromisso com as famílias. - Acompanhar e monitorar periodicamente as famílias. – Viabilizar os resultados do Termo de Compromisso. 4 – Como podemos apoiar as atividades de geração de renda? As prioridades no campo da capacitação profissional e do acesso ao trabalho devem, necessariamente, resultar de uma composição entre as potencialidades e as dificuldades da família e um conhecimento das oportunidades locais da cidade. A Agenda da Família deve pensar a questão do trabalho em termos específicos de cada região. Podemos levantar perguntas como: – Existem reais oportunidades de uma nova cultura voltada para o empreendedorismo na região em questão? – Existe a possibilidade de associar as pessoas atendidas para desenvolver trabalhos/iniciativas, visando ao fortalecimento da rede social local e, posteriormente, ganhos de escala? – Qual é o perfil profissional do público-alvo? Que tipos de parceria podem ser desenvolvidos a partir desse perfil encontrado? 5 – O que a cidade pode fazer na questão da empregabilidade e da renda? Organizar uma rede de formação e qualificação profissional é um primeiro passo fundamental e urgente. A cidade também pode organizar programas de crédito social e de economia solidária para melhorar a renda dessas famílias. A cidade também pode e deve estar atenta a mecanismos de geração de oportunidades com foco na geração de renda, na cooperação entre as famílias e no investimento em estratégias locais de empregabilidade. EXEMPLO DE TERMO DE COMPROMISSO Abaixo, temos um exemplo de documento, que chamamos Termo de Compromisso, a ser estabelecido entre a família e a prefeitura. Cidade do Brasil, 15 de maio de 2012 Termo de Compromisso – Agenda da Família 6 Em 15 de maio de 2012, a técnica Maria de Nazareth dos Santos esteve reunida com a família da senhora Ivete da Conceição da Silva, responsável legal pelo domicilio sito à rua 2, quadra 3, casa B, fundos, do bairro Central, comunidade Ribeirinha, para a definição, em conjunto, de cinco prioridades para essa família, em cumprimento ao Programa São Paulo Solidário. São elas: 1- Acesso à água tratada para beber (filtro, por exemplo) 2- Construção de banheiro 3- Melhoria da habitação 4- Atividades culturais e esportivas para as crianças e adolescentes As quatro prioridades definidas neste Termo de Compromisso serão acompanhadas pelo CRAS central e pela família. Assinam este documento a técnica Maria de Nazareth dos Santos e a representante legal da família, senhora Ivete da Conceição da Silva, com firme propósito de que todas as prioridades sejam alcançadas. Técnico: ___________________________________________ Família: ___________________________________________ Referência Bibliográfica Este documento foi organizado pela Unidade de Governo da Fundação Liberdade e Cidadania. A coordenação técnica e editorial é de Marcelo Garcia. 7