CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 CINEMA & PSICANÁLISE_CARNE TRÊMULA O período histórico em que se inicia o filme oferece as origens da tragédia que assistimos na tela, mas a origem da nossa tragédia é anterior, vem com a origem primitiva do homem. Ao situar-nos no contexto do filme, encontramos um modelo que se assemelha ao que ocorre na mente humana com nossas emoções. O conflito que ocorre com a população espanhola durante o período de regime totalitário serve para ilustrar o conflito que vivemos com o que sentimos, com o que desejamos, com o que buscamos e ainda o que fazemos com aquilo que verdadeiramente faz sentido para cada um de nós. Como elaborar nossas emoções? Como brigar por nós mesmos, por nossa essência tão primitiva? Como ser fiel a esse sentimento e se manter civilizado? Humanizado? Uma cidade amedrontada pelo totalitarismo, aprisionada, expressa a insatisfação desta condição. Surgem manifestações contra esta opressão que os empobrece a cada dia. A Espanha passou por um período de guerra civil, de 1930 a 1936. Nesta época ocorreu a queda da monarquia, seguindo-se um período de governo republicano _ a República dos Trabalhadores _ que no entanto não consegue unificar a Espanha, dando condições para o General Franco tomar o poder e iniciar um período de regime totalitário em 1936. Conta com o apoio dos alemães, que para exibição de seu poderio bélico, bombardeiam a cidade de Guernica, dizimando metade da população local. O registro deste massacre foi feito por Picasso em uma de suas obras mais famosas. Como características das forças que exercem seu poder e controle através do medo, coerção e opressão, Franco tinha tanto o apoio dos regimes totalitários de Hitler, Salazar e Mussolini quanto de países como a Inglaterra e a França que optam por não se envolver no conflito. Na guerra civil espanhola foram mortos mais de 450mil civis. Franco conseguiu manter-se no poder até 1975, quando veio a falecer. Com sua morte, inicia-se a transição para Monarquia Parlamentarista. 1 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 O filme inicia-se registrando os movimentos pelos direitos de liberdade de expressão, de residência, de reunião e associação dos espanhóis. Estamos no início dos anos 70 e a Espanha ainda encontra-se empobrecida e amedrontada. Almodóvar descreve uma situação que no filme é chamado “Estado de Excepcion” em que o governo deve suspender os artigos que proíbem a liberdade de expressão. Vitor nasce simbolizando a liberdade tão almejada pelos espanhóis, mas também a liberdade de ser fiel à sua essência, à sua verdade, às suas emoções. Diante da contenção, repressão, renúncia ou esvaziamento do que sentimos, nos distanciamos do senso de existência que cada um de nós pode alcançar a cada momento, quando anestesiamos o sofrimento. O sofrimento é um sinal desse conflito, de que sob esta contenção existe vida emocional lutando para se manter viva, apontando a direção de seu senso de existência. Sofrer não só no sentido trágico, mas também na condição de registro das emoções, registro da vida. As ruas vazias aparentam calma, mas é medo e não tranquilidade. Ter uma aparente tranquilidade de que está tudo bem, de que existe amadurecimento edesenvolvimento, pode ser ilusório. Pode ser medo, terror ou ausência de vida psíquica. Enquanto o rádio nos dá os últimos informes sobre a tensão em que se vivia na Espanha, somos chamados pelos gritos de Isabel (Penélope Cruz), uma jovem mãe, linda e sozinha. Em trabalho de parto, é auxiliada pela carismática Dona Centro, a dona da pensão, que na verdade é um bordel. Acolhedora e experiente, como quem já pode fazer as pazes com a dureza da vida, cuida com sabedoria de Isabel. No ônibus, entre os gritos de dor, passamos por monumentos da Espanha, e dentre eles “La Puerta de Alcalá”, junto a Fonte de Cibeles. La Puerta de Alcalá é um dos marcos de Madrid, símbolo da entrada da cidade e neste monumento encontram-se esculturas de quatro anjos que significam as quatro 2 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 virtudes: “fortaleza, justiça, temperança e prudência”. No caminho, Isabel admira um anjo, que parece que vai se jogar: “Parece que vai se matar, o pobre”. Associei com o filme “Asas do desejo”, de Wim Wenders. Neste outro filme, para que os anjos adquiram vida carnal e passem a sofrer de humanidade, tinham que se jogar do mais alto ponto de Berlin. Era a morte do anjo levando ao renascimento na forma humana. É o impacto da imortalidade com a mortalidade, do infinito com o finito, da não emoção com a emoção. Forças que coexistem, porém o predomínio de uma ou outra é uma condição totalitária. O impacto do totalitarismo com a liberdade foi captado pela artista plástica Tatiana Blass, em sua obra “Metade da sala caída no chão_Piano Surdo”. Nesta obra, enquanto o pianista executava obras de Chopin, dois colaboradores jogavam parafina líquida, derretida, na cauda do piano. Essa parafina invadia o piano, suas cordas e transbordava através dos teclados, levando para o chão a melodia tocada no piano. Logo o piano enrijece, ficando surdo/mudo. 3 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 Tatiana Blass 4 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 Na minha opinião, a artista conseguiu captar e transmitir o impacto, o momento em que a liberdade, a musicalidade, fica enrijecida pela parafina que endurece. Não nos damos conta de quantas vozes se calam diante do totalitarismo, ou diante de uma regra, diante de um padrão de como devemos ser e nos portar. De como enrijecemos nossas mentes com uma padronização de como se deve ser. A Espanha, em janeiro de 1970, estava neste estado de enrijecimento. Nasce Vitor, simbolizando a liberdade contra o autoritarismo de Franco, que, porém, ao mesmo tempo é usado pelo próprio governo como propaganda de uma falsa liberdade. Vitor recebe passe livre pelos ônibus da prefeitura de Madrid, por toda a vida, “uma vida sobre rodas”, como se fosse isso a liberdade. A “liberdade” oferecida pelo governo é concreta. É uma não-verdade. Não é bem com liberdade que Isabel tem que se prostituir para se manter viva e poder sustentar Vitor. O “filho adotivo de Madrid” carrega, porém, o germe do respeito pela verdade de seus sentimentos. A verdade do abandono, da exceção, da humanidade. Na Espanha, a liberdade encontrava-se abandonada, é representada por alguém que vive à margem. Um filho de uma prostituta, que nasce num ônibus, em péssimas condições, é o representante daqueles que lutam por ser fiel à emoção que sentem; tem a liberdade de sentir, é o representante da humanização. Com o totalitarismo, a principal característica que define o ser humano e que o discrimina _ a escolha _ é sequestrada. O humano é marginalizado. Vitor nasceu em meio a pichações de “abaixo a ditadura”, “liberdade!”, em uma atmosfera de medo com as ruas esvaziadas, sem fluxo, sem vida. A mente sem desejo, sem emoções, sem conflitos não é sinal de bem estar, de saúde. Como nossas pulsões e desejos, Vitor tem acesso a todas as portas, entra por engano, penetra, é expulso. As pulsões buscam trânsito livre. Desejo, amor, ódio, vingança, temos que lidar com a dor por conter e administrar estes sentimentos. Um dos quatro anjos da porta de Alcalá é a temperança. É o moderador, sem porém perder o sentido. Helena surge desesperada, não sabe quem é, ou com quem se deitou e onde... precisa anestesiar-se por não tolerar o desespero de perceber o vazio que vive. Não tolera ter consciência de sua existência. Assiste ao filme “Ensaio de um crime”. É o que ocorre constantemente com ela. Constantemente está em estado de catástrofe, assassinando sua mente. Vitor surge sobre a moto, tendo livre passagem, carregando dentro de si uma rara habilidade de ser fiel ao que sente e acreditar em suas emoções, de humanizar suas relações. Ele enxerga o outro e leva em consideração a emoção do encontro. Procura Helena, guarda um registro de seu encontro simbolizado naquele guardanapo, não é só um nome e telefone, tem um beijo. Lábios que ele beijou e para ele ainda muito significam. Tem a condição de viver uma experiência e lhe atribuir significados. 5 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 Vitor encontra Helena num estado de desespero, ela quer livrar-se das emoções que está sentindo.Esperava satisfazer outro impulso, anestesiar-se, não queria sentir-se viva, apaixonada. Este encontro de Vitor com Helena é o encontro da emoção com a não-emoção. Da liberdade com o autoritarismo. Este encontro é catastrófico. O que quero dizer com isso? É um encontro que leva Helena a deparar-se com si mesma e a faz rever em que direção sua vida está indo. Surge David, que já vive enganado, sem se incomodar, há algum tempo. Desempenha o papel de ser o bom moço, o policial correto, a ponto de acreditar na maneira que deve ser, afastando-se daquilo que é. Trai seu parceiro Sancho, tendo relações com a mulher dele, Clara. Trai a si mesmo constantemente, cegando-se. Não percebe sua relação com o outro. Só após separar-se de Helena vai reparar que raramente a via rindo, feliz, como diz na carta de “culpabilidade”. Sancho, impotente para ter um relacionamento, tenta aprisionar Clara. Não consegue desenvolver uma relação de parceria. Representa as relações de submissão e coerção, e não de admiração. Mantém Clara refém de sua violência: “Como evitar ser traído por uma mulher? Matando-a e a seu amante.” Clara tenta sobreviver. Fica impactada com as ruínas que vê ao chegar perto da casa de Vitor. Progressivamente afastou-se de si mesma, desapropriando-se. Identifica-se de imediato com o bairro de Vitor e com Sarajevo, que foi desapropriada e destruída. Começa empalidecer. Na última cena, antes do tiro já está pálida, envelhecida, infeliz, sem vida. A trilha sonora arranca sentimentos dos personagens e os transforma em palavras. Comunica o que está sem condições de ser verbalizado e pensado. Estarão sempre vigiados por lobos famintos. Os cães que guardam o rebanho _ “somos os sentinelas desse rebanho doente” _ logo se transformam em lobos. Sancho e David simbolizam os cães do rebanho doente, ao mesmo tempo que guardam, abocanham as presas e também são abocanhados por si mesmos, tornam-se parte do rebanho doente. Assim como os jovens andam a esmo a procura de algo que os alivie, ou de algum prazer, no carro os dois também sofrem do mesmo mal, com ou sem droga. Desesperados por encontrar algo que dê sentido à suas vidas. Lidar com o que faz sentido, lutar por nossas emoções, nem sempre é possível. Trombamos com nossa cultura. Neste impacto surgem arranjos, gambiarras, que simulam estabilidade, simulam vida. Desenvolvemos relações frágeis que mimetizam algum desenvolvimento. É o policial-bom-moço, que acusa o parceiro de ser alcoólatra, mas ao mesmo tempo o trai. David exibe-se diante do parceiro fracassado, precisa ser melhor do que ele. Competem. O ético e o antiético, o racional e o irracional, mas ao mesmo tempo se fundem e se misturam, se traem. O certo e o errado. O policial bonzinho e o corrupto tornam-se o mesmo. 6 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 Diante da dificuldade de entrar em contato com as verdadeiras relações que tem, apoiam-se em arranjos totalitários, que trazem sofrimento e culpa. Os casais unem-se por burocracia e não por uma escolha verdadeira, fiel ao que estão sentindo. Sancho atira em David e o mal corporifica-se em Vitor, que é preso. Alivia a todos. O mal está na cadeia, a ameaça ao não sentir está presa. A praga da infelicidade fica emudecida, velada. Na cadeia, Vitor está em contato consigo mesmo. Diz que para não pensar está estudando e fazendo exercícios. Mas na verdade está sentido e a música traduz o que acredita que não pode pensar. “Quero que tu sofras o que sofri, que tu te sintas tão inútil como um copo de uísque em suas mãos”. Sente ódio, inveja e desejo de vingança. E o que ele faz com isso? Ele registra, guarda, digere, elabora. Quando sai da prisão, herda de sua mãe não só dinheiro, mas ruínas. Penso que essas ruínas guardam sua história. Encontra seu brinquedo, o chinelo de sua mãe. Sugere que consegue reunir elementos que fazem sentido para si. Ele não se sente vazio, pode tolerar sua história, suas experiências. Pode escolher, então, o que fazer. Quer se tornar um bom amante, achando que fosse esta sua falha. Logo aprende com Clara que para se fazer amor são necessárias duas pessoas. Não dependeria só dele. Helena e David formam uma sociedade, o que seria aparentemente um casal. Mas na verdade cada um está centrado em si mesmo. Helena espia sua culpa fazendo caridade, até com David, e David pode realizar sua autocompaixão, sendo exemplo de alguma coisa. Helena encontra alívio cuidando de crianças abandonadas. David tornase o exemplo da resignação, grande jogador, o grande lutador. Na verdade grande oportunista, mas ele não quer nem saber disso. Foge dessa sua verdade.Contudo, estes arranjos não se sustentam. Estas relações desmoronam. Não por que Vitor fica livre, mas por que não tem combustível para manterem-se assim. Iriam ruir de todo jeito, mais cedo ou mais tarde, ou talvez não, correndo o risco de passar a vida representando que são felizes. Mimetizando felicidade. A Tragédia Edípica, aqui, é a tragédia do conhecimento, da verdade de cada um e não apenas uma questão sexual ou de exclusão. Vitor aproxima-se de Helena. Busca ora a vingança, ora a realização de sua paixão. Ora a realização de sua verdade. Qual desejo busca satisfazer? Não era criminoso. Era ingênuo, sem experiência. Escolhe desenvolver uma relação de parceria. Vitor simboliza, durante o filme, a condição necessária para se sofrer uma experiência emocional, quando reúne signos de sua história, tentando recompô-la, podendo contar com as ruínas. Tem história, tem aprendizagem. Helena derrete as marcas do que viveu, tudo perde importância, não gera aprendizado, sente-se vazia. Helena desperta ao ver Vitor. Quando ele lhe revela que não era criminoso, e ao se apresentar como um homem comum, que pode desenvolver um trabalho e apegar-se a outra pessoa, reconhecer o outro, desperta admiração em Helena. Helena permite-se entrar 7 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 em contato com seu desejo, até então proibido por não ter condições de tolerar uma experiência emocional com outra pessoa. A beleza da cena da relaçãosexualexpressa a intensidade de satisfação para ambos, principalmente porque aquela relação fazia sentido para os dois. Ela entrega-se à paixão, impregna-se de Vitor. Cheira sua pele buscando marcas de que o outro existe, de que Vitor existe e guarda este registro dentro dela, a experiência emocional que suportou viver. É a partir da elaboração de experiências emocionais que podemos desenvolver pensamentos e com eles buscar o que nos faz sentido. O mais próximo que se pode alcançar da realidade de vida é a partir de nossas próprias emoções. A busca dessa emoção é que nos aproxima de nosso senso de existência. A impossibilidade, por algum motivo, de elaborar experiências emocionais interferem na formação de pensamentos, no contato e percepção da realidade e por consequência em nossa personalidade e de nosso senso de existência. Os personagens fogem da dor da experiência emocional insuportável que cada um evita. Desenvolvem relações fracassadas, frágeis, que se mantém por culpa e não mais por desejo de estar juntos, por fazer sentido estar juntos. Relações que existem apenas para ofuscar a verdade, a dor de não ter algo que faça sentido. Sancho e Clara tem um casamento cruel. Ficam unidos à força e isto é a morte psíquica anunciada. Como Clara escreve no bilhete para Vitor, para que seja guardado junto às coisas que ele “mais ama, em sua bíblia”: “Antes de te conhecer já estava fadada a desaparecer. Como este bairro, desapropriada e abandonada”. Ao perceber que seu relacionamento está ruindo, David busca a verdade. A sua verdade, a verdade de Vitor, a verdade de Helena. Deseja se aproximar do que realmente sente. Vitor, ao revelar a verdade para David, liberta-se de seu conflito e de seu desejo de vingança. David, ao saber de sua verdade, encontra-se consigo. Perturbado, quer se vingar. De Vitor? De Sancho? Ele havia sido alvejado pelo parceiro que ele traíra. Ao encarar a verdade de Helena pode sair em busca de sentido para si mesmo, não precisa mais ficar com sobras e compaixão. David percebe a infelicidade de quem fica ligado por culpa, e percebe sua responsabilidade em suas relações. Sancho e Clara encontram na morte a realização do que já viviam. O totalitarismo sufocando sua presa. A presa rompendo com o que lhe cerceava. Com condições de viver experiências emocionais, Helena engravida. Entra em trabalho de parto, segue com Vitor para a maternidade. Escolhem o caminho que passa pelo centro. Caminho que Vitor já percorrera outrora, porém em ruas vazias, com pessoas amedrontadas, com medo da falta de liberdade de conhecer o que 8 CINEMA & PSICANÁLISE CARNE TREMULA_AGOSTO- 2011 sentem. Agora, a princípio as ruas estão congestionadas de carros, parece que tudo ficará obstruído, assim como quando nos damos conta que estamos emocionados. À medida porem que elaboramos as experiências emocionais, como no filme o transito começa a fluir, as emoções e pensamentos podem fluir sem medo. FIM Julio Cesar Labate [email protected] Do filme: Madri, janeiro de 1970: “SE DECLARA ESTADO DE EXCEPCION EM TODO EL TERRITORIO NACIONAL.LA DEFES DE LA PAZ EL PROGRESSO DE ESPAÑA Y LES DERECHOS DE LOS ESPAÑOLES OBLIGAN AL GOBIERNO A SUSPENDER LOS ARTICULOS DEL FUERO DE LOS ESPAÑOLES QUE AFECTAN A LIBERTAD DE EXPRESSION, LIBERTAD DE RESIDENCIA E LIBERTAD DE REUNION Y ASSOCIACION, ASI COMO EL ARTICULO 18 SEGUN EM CUAL NINGUM ESPANHOL PODRA SER DETENIDO, SI NO EM LOS CASOS Y EM LA FORMA QUE PRESCRIBEN LAS LEYES” Da XXIX Bienal de Arte de São Paulo: São Paulo, outubro de 2010: “De certa forma, a paúra é a filha de Deus. Redimida na noite de Sexta–feira Santa. Ela não é bela... e é enganada, maldita e desapropriada de todo. Mas não nos enganemos. O medo vela pela agonia de toda humanidade, o medo intercede pelo Homem. Para isso há uma regra e umaexceção. A cultura é a regra e a arte é a exceção. Todos falam da regra: os cigarros, o computador, as camisas, a TV, Turismo, Guerra. Ninguém fala da exceção. Não é falado. Está escrito: Flaubert, Dostoievski. Está composto: Gershwin, Mozart. Está pintado: Cézanne, Vermeer. Está filmado: Antonioni, Vigo. Ou é vivido, e ali está a arte de viver: Srebrenica, Mostar, Sarajevo. A regra deseja a morte da exceção. Assim é a regra da cultura europeia..., está a organizar a morte da arte de viver que se mantém florescendo. Quando chegar a hora de fechar o livro, não sentirei nenhum pesar. Vi tanta gente morrer tão mal e tantos viver tão bem.” JEAN LUC GODARD - JE VOUS SALUE SARAJEVO. 9