1 “Se macumba ganhasse jogo, o Campeonato baiano terminava empatado.” Neném Prancha * 16/06/1906 +16/01/1976 2 Agradecimentos Este projeto tem um pouquinho de várias pessoas que passaram ou ainda fazem parte da minha vida, citar todos faria deste humilde livro uma lista telefônica, portanto citarei alguns que contribuíram com maior intensidade. Em primeiro lugar tenho de fazer justiça a Rafael Chaves Trovão que me motivou a escrever um conto macabro mesmo eu insistindo que meu universo era futebol e não terror. O resultado foi o conto Corpos Caem em homenagem à fantástica seleção brasileira de 1982 e a posterior idéia que os leitores podem acompanhar agora reunidos em contos neste livro. Agradecer também a minha esposa Raquel pela paciência em escutar minhas idéias e principalmente pela compreensão da importância do tempo que tive de dispensar debruçado neste projeto. Aos meus pais Osvaldo e Claudete, meu pai por ter me dado o alicerce para os estudos e minha mãe pelo carinho, educação, dedicação e incentivo em quaisquer atividades as quais eu me presta-se a fazer. Agradeço ao Sr. Juca Kfouri que mesmo sem me conhecer aceitou ler um de meus contos, sendo sua opinião muito importante para me decidir em tocar o projeto até o final. Agradeço a todos amigos de trabalho, de hoje e de ontem, todos de alguma forma me ajudaram a respirar futebol durante estes vinte anos de profissão e fazer deste esporte minha paixão e sustento. Obrigado a você leitor pelo tempo dispensado e meus sinceros votos de bom divertimento, pois a maior intenção deste livro é divertir a todos os amantes do esporte bretão. 3 Bituca Mão de Pá Por: Osvaldo Ruy Junior Estádio lotado, momento decisivo, final de campeonato, no vestiário do Esporte Clube Alto Caparaó, Bituca Mão de Pá, goleiro consagrado e experiente estava pronto para mais uma decisão de Estadual, seria sua décima final e destas havia levantado o caneco em seis, mas a partida seria indigesta, pois enfrentaria seu grande rival o Vermelho Novo Futebol Clube do artilheiro do campeonato Ademir Fonseca, centroavante matador que já havia anotado dezenove gols no campeonato. Na primeira partida da decisão Mão de Pá tinha conseguido anular Ademir com pelo menos oito defesas de cinema, nem Gordon Banks operaria os milagres de Mão de Pá, que saiu do jogo com um belo “motoradio” na mão por ser o melhor jogador da partida, fato que não era novidade no campeonato e todos se perguntavam... Qual seria o segredo de Bituca Mão de Pá? Somente o elenco e a comissão técnica sabiam que o segredo de Mão de Pá era seu amuleto da sorte que sempre carregava em todas as partidas, um pé de sapo que o goleirão beijava e colocava na cueca, seus companheiros achavam nojento, mas o que importava mesmo era que o pé do falecido anfíbio funcionava. Na preleção o técnico Jair Castelão, orienta toda a sua zaga para tomar muito cuidado com a jogada aérea e pede para o beque Antonio Fumaça não desgrudar de Ademir, todos rezam e se preparam para entrar em campo, o som da torcida contagia todos do elenco, adrenalina a mil, o clima está perfeito. Caso se repita o placar de zero a zero da primeira partida o jogo será decidido nos pênaltis e Mão de Pá é uma verdadeira muralha neste quesito, portanto o Vermelho Novo sabe que para levantar o caneco precisa decidir o jogo no tempo normal e Ademir estava sedento por mais gols, não havia em todo campeonato passado dois jogos sem marcar e justamente na final não iria titubear em balançar as redes, sem contar que havia prometido um gol para seu filho recém nascido. Com todos estes ingredientes misturados no caldeirão do Estádio Tancredão o jogo promete um duelo fantástico entre 4 ataque e defesa, com lances mirabolantes de ambos os craques, tudo pronto o locutor se arruma na cadeira, começa o espetáculo. -Atenção torcida, vai começar a partida, hoje sai o campeão, será o Esporte Clube Alto Caparaó, ou o Vermelho Novo Futebol Clube? Rola a bola, começa o espetáculo! E o jogo começa a mil, logo no início o beque Antônio Fumaça faz falta violenta em Ademir, e já de cara sai premiado com um cartão amarelo, o técnico Jair Castelão se irrita na beira do gramado e puxa os poucos cabelos que lhe restam, sem dúvida o jogo tem tudo para ser dramático, o lateral direito do Vermelho Novo Adinã cobra a falta e ela passa raspando o travessão de Mão de Pá que salta para bola, se a mesma fosse em direção ao gol, com certeza praticaria a defesa, o imponente arqueiro cobra o tiro de meta, a bola cai no peito do meia esquerda do Alto Caparaó que domina dribla dois jogadores e carimba a trave de Toninho Mosca, o locutor infla os pulmões . -Na trave!!!!!!!!!!Que perigo Zeca Maçaranduba? -Pois é Almeida, mal começou o jogo e já temos lance de gol de ambos os lados, creio que será um jogo de muitos gols! O jogo continua muito movimentado e mais uma vez Mão de Pá está impossível, Ademir dribla quatro jogadores e fica cara a cara com o elástico goleiro, o artilheiro solta a bomba na gaveta e acreditem lá estava a mão salvadora de Bituca espalmando para escanteio, o artilheiro do Vermelho Novo não acredita no que estava vendo, como ele podia defender uma bola daquelas, enquanto Adinã se preparava para cobrar o escanteio Ademir questiona. -Bituca como você vai buscar essas bolas? -Tenho o corpo fechado Ademir e posso te garantir que aqui não vai passar nada! -Corpo fechado? Pode esperar que hoje eu balanço a rede! -Nunca, enquanto eu usar meu patuá você vai ficar na vontade, meu gol está fechado, e tem mais o caneco vai ser nosso! Ademir olha bem para o goleiro e não consegue ver nenhum amuleto, nada de corrente, nada de brinco, onde estaria tal artefato? Mas o artilheiro do Vermelho Novo é astuto como só, e sabe que para marcar seu tento precisa descobrir o quanto antes o segredo de Bituca, mas ele sabia que Mão de Pá não lhe daria a resposta de mão beijada, então teve a brilhante idéia de usar a 5 pouca inteligência de seu marcador Antonio Fumaça para descobrir o vil segredo que o impedia de fazer tremer o filó. -O Toninho, não consigo marcar mesmo heim? Esse Mão de Pá deve ter um santo forte! -É Ademir meu filho, nem adianta tentar que o feitiço é forte! -Imagino, sabe sou um cara muito religioso e não acredito nessa história de patuá, se ainda fosse um santo protetor.... -Que santo que nada, já viu santo verde? -Verde? Você bebeu Fumaça? Acho que você não faz ideia do segredo do Bituca isso sim! -Lógico que sei... Todo mundo no time sabe que é uma perna de sapo... Ixi fiz merda! -Um sapo?!! -Putz, não te falei nada... Olha lá o juiz vai autorizar a cobrança de escanteio! Balão para alto, bola dividida entre a zaga e Ademir , a bola vai pela linha de fundo novamente, só que agora em tiro de meta, mas na cabeça do artilheiro só se passava uma coisa... Onde Mão de Pá esconderia um sapo, ou somente uma perna do animal? Que patuá esquisito era esse? O matador do Vermelho Novo só tinha uma certeza, tinha que colar em Antonio Fumaça, ali estava o caminho mais curto para o gol. -Ei Fumaça? Que história esdrúxula é essa de sapo? -Já falei demais Ademir, vira o disco! -Você está inventando isso Fumaça, nem deve saber o quê é um patuá! -Agora pegou pesado heim Ademir? Não devia falar, mas já que comecei... É o seguinte “camarada” o bagulho é nojento, o Bituca tem um pé de sapo dentro da cueca! Pronto falei! -Sério?Esse é o patuá dele? -Isso mesmo e o pior é que ele beija o pé seco e esturricado do cururu, não falha um jogo, este é o segredo da nossa invencibilidade, desde que começou esta história de patuá não sabemos o que é levar gols! -Poxa Toninho então não temos chance! -Não quero cantar vitória antes do final, mas com o sapo estamos com a mão no título! -Você quer dizer pé do sapo? -É isso mesmo! 6 Ademir abandona a conversa e corre para sua área, pois enquanto conversava com Antonio Fumaça, o Alto Caparaó conseguira um escanteio e ele era o homem da bola, então tinha que correr para área e ajudar seus companheiros, chegando lá não escapou de uma sonora bronca de seu goleiro Toninho Mosca. -Caralho Ademir, veio aqui para conversar porra!!!! -Fica gelo Toninho que estou trabalhando para o time! -Então trabalha direito e tira essa bola da minha área! Balão para o alto e Ademir de cabeça afasta o perigo, todo mundo deixa a área a bola sobra para Adinã que domina e avança pelo flanco direito, impõe sua característica velocidade de guepardo, dribla um dribla dois, no terceiro é derrubado com violência por Antonio Fumaça, o juiz Cláudio Ferreira, macaco velho não perdoa e enérgico como ele só descarta a retangular carta vermelha bem diante das ventas de Antonio, a torcida do Vermelho Novo se agita nas arquibancadas, agora as coisas se complicavam mais para o Alto Caparaó, tanto que no momento da expulsão o experiente técnico Jair Castelão, já pede ao seu outro zagueiro Alvimar Santana, para que marque Ademir pelo menos até o intervalo. E no meio de todo frenesi Ademir chama seu meia direito Rosicley Catanduva. -Rosicley preciso de sua ajuda! -Como posso lhe ajudar Ademir? Agora você vai ter mais liberdade em campo, posso lançar em diagonal o que acha? -Preciso que você faça outra coisa que vai ser melhor que um lançamento para um gol! -Sério? Então manda, qual é a jogada? -É o seguinte meu velho... Como vou lhe dizer? -Desembucha Ademir! -É o seguinte... Preciso que você abaixe as calças do Mão de Pá! -Como é que é? -Não dá tempo de explicar... -Mas eu vou ser expulso! -É para o bem do time, acredite em mim, vou combinar com o Adinã para ele centrar no segundo pau, quando ele centrar você abaixa as calças do Mão de Pá com toda força, quero calça e cueca na jogada! 7 -Bom se você está falando que é para ganharmos o jogo... Tá bom, combina lá com o Adinã! E lá se foi Ademir ajustar os detalhes de seu plano sórdido, afinal prometera a sua mulher que faria um gol para o pequeno Adamastor, o matador cochicha no ouvido do veloz lateral, os nervos ficam à flor da pele, a torcida está atônita, o momento é de muito perigo, pois todos sabem que em uma final as jogadas de bola parada podem decidir quem leva o “caneco”. A cobrança é autorizada, Adinã olha para o segundo pau sem entender muito como tal jogada poderia ajudar a equipe, Ademir se posiciona á frente de Mão de Pá, Rosicley Catanduva se coloca atrás do elástico arqueiro, o lateral bate na bola, balão para o alto Mão de Pá da dois passos para trás nesse momento Rosicley executa o malévolo plano, abaixando não só o calção mas também a cueca do pobre goleiro, com a rapidez de artilheiro Ademir vê cair o pé do anfíbio da sorte e o pega de imediato, Mão de Pá não percebe nada, só tenta subir novamente suas roupas para esconder suas partes íntimas, enrubescido não percebe que um plano terrível entrava em ação, o juiz da partida não titubeia e mostra a tarja vermelha à Rosicley que antes de sair fala no ouvido do sagaz artilheiro. -Ai Ademir acho bom dar certo, pois o Professor vai comer meu fígado agora! -Diz pra ele que você ganhou o jogo, pois deu tudo certo meu querido!!!!! Ao chegar na lateral do campo não da outra, o técnico do Vermelho novo deixa a orelha de Rosicley do tamanho de orelhas de elefantes. -Rosicley seu retardado!!!!! Você tem noção do quê fez animal!!!!!!! -Reclama com o Ademir Professor, ele que me pediu pra fazer isso e mandou avisar que com isso ganhamos o jogo! -Vocês estão loucos!!!!!! Como cavar uma expulsão pode ganhar uma partida? -Pergunta para ele Professor, ele é doido! -E você entrou na loucura dele retardado, tudo bem vamos aguardar o intervalo, pois lá tanto você quanto o Sr. Ademir vão me explicar direitinho que história é essa! 8 Mão de Pá cobra a falta sofrida e logo procura entre a sunga e o calção, para tentar achar seu precioso amuleto, visto que não estava mais em sua sunga Mão de Pá começa à entrar em desespero, olhando para o chão começa procurar por todos os lados, a imprensa que se situava atrás do gol não entendia nada e no meio campo Ademir não conseguia conter a felicidade, redondos jogados 47 minutos do primeiro tempo, o juiz apita final da primeira etapa, todos seguem para os vestiários menos Mão de Pá, que se agacha e começa a procurar de todas as maneiras seu precioso patuá, o desespero era tal que o arqueiro chega à arrancar grama do chão, seus zagueiros começam a ajuda-lo, um repórter fala para rádio querendo antecipar o furo. -Olha Almeida, Mão de Pá perdeu sua lente de contato e está bem nervoso tentando encontra-la aqui embaixo, os zagueiros ajudam, mas sem a lente o goleirão pode nem voltar para segunda etapa!!!! -Noticia importante torcida brasileira, sem Mão de Pá, o Alto Caparaó pode dizer adeus ao título!!!! Não é Zeca Maçaranduba? -Com certeza Almeida, sem o Bituca o Alto Caparaó perde até numa eventual cobrança de penalidades, complicada a situação!!! Enquanto isso no vestiário, o técnico do Vermelho Novo esparrama um turbilhão de palavrões tanto para Rosicley Catanduva quanto para o artilheiro Ademir, mas interrompendo seu “Professor” o maquiavélico artilheiro tratou de explicar por que fez o quê fez. -Calma Professor, eu explico! -É bom mesmo, porque não acredito que com um homem a mais em campo vocês fizeram a besteira de cavar uma expulsão!!! -É o seguinte Professor, fiquei sabendo que o Bituca tinha um Patuá e com ele podia fazer milagres, ai pesquisei e descobri que o amuleto ficava guardado em sua cueca, como estávamos com um a mais decidi pegar o patuá do Bituca , pedi para o Rosicley baixar o calção do Mão de Pá e olha só o que tenho em minhas mãos? O Patuá dele!!!! -Que merda é essa Ademir? Um pé de sapo? -Isso mesmo Professor e agora estamos com a mão na taça!!! 9 -Eu não sei se meto a mão na sua cara, ou na do Rosicley... Caralho se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano ia acabar empatado porra!!!!!!!!! -Mas Professor... -Mas o caralho, porra!!!!! Joga essa merda fora e vai lá fazer seu trabalho, artilheiro tem que fazer gol não ter idéia!!! Cabisbaixo o artilheiro joga o pé do sapo no lixo, enquanto isso no outro vestiário a balburdia não era menor, chorando em um canto está o arqueiro do Alto Caparaó, o técnico Jair Castelão tenta recompor seu principal atleta. -Mão de Pá garoto, você joga muito não precisa de um caco de bicho! -Você não entende Professor... Sic.... Ele tem poderes!!! -Garoto seu talento não depende de nada, volte lá e ganhe esse campeonato para nós! -Professor se o Sr. confia em mim mesmo sem meu amuleto eu volto, mas a responsabilidade é sua! -Vai lá garoto você tem meu aval! -Têm o quê Professor? -Tem meu aval... Minha confiança! -Ah tá! -Quero todos vocês entrando com muita raça e muita vontade, não quero corpo mole, hoje é o dia que poderá mudar as suas vidas, portanto esqueçam suas crenças, esqueçam seus medos, entrem com raiva, quero 10 homens lá. Garra!!!!!!!!! Imbuídos com as palavras do experiente Jair Castelão o elenco subiu com sangue nos olhos, focados e prontos para dar a vida se preciso para fazer o caneco ir para sala de troféus do Alto Caparaó, até mesmo Mão de Pá mostrava vontade de voltar a arena, mesmo sem total segurança de que faria um bom segundo tempo. Rojões, bandeiras tremulando, os times em campo, agora só restava 45 minutos para saber quem seria o campeão estadual, tudo estava pronto, era nítido no semblante dos atletas de Alto Caparaó que o segundo tempo seria de muita luta e o Vermelho Novo teria de se desdobrar para conquistar o título. Do outro lado Ademir Fonseca não escondia o sorriso, tinha certeza que faria seu gol, pois sem o artefato místico com certeza conquistariam o campeonato. 10