Freguesia de Limões
Tem 1718 ha, 394 habitantes, dista da sede de concelho 22 km e é constituída pelas povoações de
Azeveda, Cadaval, Limões, Maceira e Tojais.
O
linho em Limões
Espigueiros em Macieira
Casa do Cabo
A freguesia de Limões fazia parte do antigo município de Cerva até que, em 31 de
Dezembro de 1853, ao ser extinto aquele concelho e julgado, passou a fazer parte integrante do
concelho de Ribeira de Pena.
Esta freguesia apresenta uma área de 1762 ha, o que a coloca na posição de segunda
freguesia mais pequena do concelho em tamanho. Constituem-na, além da sede com o mesmo
nome, mais quatro povoações: Azeveda (de Cima e de Baixo), Cadaval, Tojais e Macieira. Apesar
deste número reduzido de povoações e de a população não atingir também valores representativos, é
extremamente agradável apresentar a freguesia de Limões tanto no seu todo como remetendo-nos
aos elementos que a compõem.
A serra é a mãe destas povoações, em que as casas parecem ter nascido das próprias pedras
que formam a montanha, e esse fio umbilical e ancestral foi, de alguma forma inexplicável,
transmitido aos seus habitantes. Senão, como explicar o amor, o respeito que se vê relativamente a
estas velhas casas que formam autênticos ninhos espalhados pela serra?
As terras são áridas e mal dão para retirar o pão nosso de cada dia. As vias de comunicação
foram sempre uma força a empurrar para fora e nunca a trazer para dentro o progresso (tal como o
vemos, representado pela indústria e serviços), e os homens tiveram que sair, procurar o pão em
outros locais.
No princípio, o Brasil, depois Lisboa, foram destino de muitos, assim como o Porto, mas as
gerações mais novas abalançaram-se a outros horizontes: França, Alemanha, Luxemburgo, Suíça.
"Tudo nos empurrava daqui para fora, há 30, 40 anos - a terra, a serra, os outros homens, os que
mandavam", diz um habitante de Tojais, que religiosamente, há já mais de 30 anos, sempre que teve
férias, veio de Lisboa passá-las à sua terra, à "casa em que fui criado com oito irmãos. Estes
telhados de colmo que eu herdei e comprei, há lá alguma coisa que se lhes compare em fresquidão
de Verão? Olhe que eu podia pôr um destes telhados de telha, mas ainda não tive coragem''. Mas a
serra tem magia, sente-se no ar. É uma atmosfera quase religiosa que mistura a beleza singela das
numerosas alminhas que, de todo o lado, surgem aos olhos dos visitantes, as capelas e igrejinhas tão
cuidadosamente mantidas com estas construções ciclópicas que nos aparecem quase em cada curva
do caminho. É como se pudéssemos ainda esperar, a qualquer momento, ver surgir dos confins do
tempo um grupo de filhos de gigantes que brincasse com as peças que arrancavam da serra para
preencher os seus tempos de traquinice infantil.
Em Agosto, mês de todos os encontros e em que os filhos pródigos regressam à terra, a serra
veste-se de verde-roxo, saia curta que lhe é dada pela vegetação rasteira em que a urze sobressai. Os
muros de pedra a enquadrar os parcos prados parecem bordados a ponto pé-de-flor quando vistos
dos pontos mais altos, as casas antigas e as novas, estas muitas vezes erguidas um pouco afastadas
para não estragar o conjunto, abrem-se ao sol que vivifica e ilumina tudo de uma luz muito clara,
como que a dizer-nos que a armazenemos nos olhos para a usar no Inverno, rigoroso, frio. Sim,
porque no Inverno é tempo de lar, de hibernar, de preparar o corpo e o solo magro, pelo descanso,
para mais um ano de trabalho. Tudo isto porque o segredo está nas gentes - estas gentes alegres,
destemidas, aventureiras quando partem à procura do que ali não têm, porque "a beleza da terra não
se põe no prato", mas que as faz tão ciosas e orgulhosas das suas origens que permitiram que até
ficassem de pé e respeitadas as construções que levaram o Instituto Português do Património
Arquitectónico e Arqueológico a classificar um trecho da povoação de Limões, sede da freguesia,
como "Conjunto arquitectónico de interesse público". E que ainda as leva a acatar as determinações
no que respeita a novas construções ou a restauro das antigas, de maneira a ofender o conjunto o
menos possível. A povoação de Cadaval, por exemplo, surge-nos na curva do caminho como um
autêntico ninho de casas rurais antigas, abrigadas debaixo de uma asa da capelinha de S. Bentinho,
que deve dar felicidade porque os noivos gostam de se casar lá.
Mesmo ao lado, ainda habitada, está a Casa do Capitão, capitão esse que foi quem mandou
construir a dita capelinha e já não se sabe qual tenha sido. A sua cozinha antiga tem o forno onde se
coze o pão duas vezes por semana, como em muitas outras casas, a caldeira de cobre que se
suspende do tecto, prendendo a alça à corrente que cai mesmo sobre o lume, que quase não se apaga
desde que os primeiros frios o apetecem até que a Primavera põe o nosso sangue a girar com mais
força. E o escano, e o aparador suspenso para guardar os pratos de uso diário, e o outro aparador de
alçado, bem colado à parede, com suas ferragens antigas a prenderem bem forte a madeira
verdadeira, legítima, tal como saiu do castanheiro centenário que o homem afeiçoou com a sua arte
e o seu trabalho.
Não tem escola, claro, porque as crianças são poucas - e, quando não é Verão, os dedos das
suas mãos são quase bastantes para contar os habitantes. As crianças têm, contudo, escolas perto - a
primária logo ali em Azeveda e o 2º Ciclo em Cerva. "E a camioneta da Câmara vem buscá-las",
como confirmam os familiares mais velhos.
Em Azeveda (de Cima e de Baixo, convém não esquecer), o fenómeno migratório é o
mesmo. Afora o Verão, quase só pessoas idosas e crianças, enquanto os pais andam a mourejar por
outros lados. Muitas casas novas, sim, mas muitas reconstruídas de acordo com as regras
autárquicas estabelecidas. A escola é um edifício novo, logo à entrada da povoação, um tanto
alcandorado sobre a encosta.
Azeveda de Baixo está situada num vale pouco profundo, onde corre o rio que, em Agosto,
mais parece uma corrente de calhaus rolados e lisos, por entre os quais a água corre miudinha mas
muito límpida e fresca. Saindo do Cadaval, a estrada nova, sonho muito antigo, leva-nos ao longo
da freguesia, sempre a serpentear e aproveitando a curva de nível da montanha. Após um trecho em
que a serra impera, surge quase inesperadamente um campo de milho viçoso e a povoação de Tojais.
Raramente será possível partilhar como aqui uma tão íntima relação entre as pedras e os homens e
as pedras entre si. A rocha domina nas construções, nos quinteiros, nos espigueiros, nas casas para
os animais. Em alguns casos, não há qualquer outro elemento a prendê-las entre si senão uma força
atractiva vinda do fundo dos tempos, quando o nosso planeta não era senão um imenso caos.
Noutros casos, as casas foram construídas a aproveitar a rocha, o que lhes deu uma solidez que
desafia o tempo.
À entrada da povoação, o primeiro edifício é a capela, bem mantida, com a inscrição de
1753 e aquelas curiosas cruzes embutidas na parede, como aparece tão comummente nas igrejas e
capelas da região, para marcar as estações da Via Sacra. A sua abóbada desafia o tempo e a
gravidade, pois é feita de pedra. Mas a porta, no ano da graça de 1993, está revestida a zinco isto
numa aldeia em que há numerosas casas cobertas de colmo, cuidadosamente preservadas. Será para
evitar roubos e proteger a madeira da porta, mas é uma pena.
Não se ouvem cantar as fontes na povoação, mas não falta o abastecimento público e
algumas famílias têm água ao domicílio. As crianças frequentam a Escola Primária de Macieira,
povoação logo a seguir, e também aqui, como, aliás, em Cadaval, não encontramos qualquer
estabelecimento comercial.
A última povoação da freguesia, a fazer-lhe fronteira com Bilhó, que já pertence ao concelho
de Mondim de Basto, é precisamente Macieira, outro exemplo extraordinário da variedade dentro
do mesmo tipo. À entrada, a Capela de S. Tiago, com as suas alminhas no muro que ladeia as
traseiras da capela, onde se desenha a estrada que há-de abrir caminho para fora da freguesia e do
concelho. A embocar num dos flancos da igrejinha está uma rua aldeã de aspecto milenar, em que
até o simples fontenário de abastecimento de água, por ser de 1961, parece destoar. Nos meses de
canícula, apetece subir a rua levemente inclinada, muito devagarinho, aproveitar a sombra das casas
e a impregnarmo-nos de uma atmosfera simultaneamente antiga e vivificante que nos é dada pelas
velhas habitações e pelo buliçoso deambular dos seus habitantes. Subamos, pois, devagarzinho, e
logo paramos surpreendidos pela casa com uma pequena escada exterior e alpendre que nos surge à
esquerda, com o seu relógio de sol bem instalado na extremidade à direita, enfrentando os raios
solares com rosto largo e disposto a cumprir a sua tarefa milenar. É a Casa do Rolo, uma das quatro
que possuem este tipo de conta-tempo. Os outros três encontram-se na Casa do Jeiroto, na Casa da
Carvalha e na Casa do Jorge.
A Casa da Carvalha é um largo edifício que foi cuidadosamente reconstruído, embora se
note que nele foram introduzidos os confortos que hoje nos são possíveis. O relógio está limpo e
brilha, na sua brancura sobre aquele simpático compartimento para as galinhas porem os ovos, logo
numa das entradas.
A Casa do Jorge é um pouco mais para cima, à direita, e está menos bem conservada, talvez
por falta de habitantes, mas é bem um exemplo de uma outra relação que, nestas terras, se
estabelece entre os homens e os animais. O abrigo para os bois ergue-se paredes-meias com a casa
dos proprietários e, no entanto, ainda hoje, todo o edifício dá sinal de que aqueles eram (e serão, não
interessa agora) pessoas de teres e haveres. Pois os animais, aqueles amigos que nestas regiões nos
põem a comida no prato tanto enquanto são vivos como depois de mortos, moram mesmo ali ao
lado. Pois se são eles que, lavrando, dão o pão, a que se junta o leite, o queijo, os ovos, isto quando
vivos, mas que, depois de mortos, nos oferecem a carne saborosa, temperada pela dieta da
montanha! Enquanto percorremos a aldeia à procura dos seus relógios de sol, vamos subindo as
suas ruinhas apertadas, cruzando um ribeiro em que só correm pedras e velhos plásticos, no Verão,
mas que o Inverno e a Primavera fazem rumoroso e límpido. Cumprimentando os seus habitantes
amistosos, admiramos os espigueiros quase em ninho, passamos pela escola de granito mandada
construir por um filho de naturais que tinham saído da terra em busca de melhores dias e vamo-nos
deixando envolver pelo sossego e encanto de todo o ambiente.
A povoação é pequena e rapidamente estamos a passar pelos mesmos lugares, notando
pormenores que nos tinham escapado - por exemplo, por cima da porta principal da Casa da Fonte,
a parede apresenta uma pomba e um coração esculpidos na pedra, assim como uma inscrição
centenária. Casa da Fonte? Esta designação é de fácil explicação. Quando o nosso ouvido se habitua
ao tom local, mesmo em pleno Verão se ouve o cantante ruído da água a correr. E também ali
encontramos quatro nascentes, dentro dos quinteiros das habitações. Estão elas na Casa do Jeiroto,
que tem nascente e lavadouro, na Casa da Fonte, (já utilizada pelo público em geral e cuja pia foi
entretanto alargada de modo a manter o seu aspecto natural), na Casa do Cabo e na da Capela.
Esta água das nascentes da Macieira é de frescura espantosa no Verão, que dá ainda mais
sabor à sua limpidez, e garantem-nos que morna no Inverno, óptima para lavar a roupa, visto que a
água que sai dos canos é gélida nessa altura. Por isso, não admira que como o lavadouro da Casa do
Jeiroto é coberto, muitos particulares solicitem dos seus proprietários autorização para o utilizar no
tempo frio e chuvoso. Note-se, contudo, que esta troca de gentilezas faz parte da própria vivência
tradicional da aldeia. O abastecimento de víveres também aqui exige uma boa coordenação
doméstica, pois os estabelecimentos comerciais estão reduzidos a uma pequena loja, misto de
taberna (no sentido de um estabelecimento que vende bebidas alcoólicas, predominantemente
vinho, ao balcão), e a um café que só funciona um mês no Verão, quando o seu proprietário, que se
encontra a trabalhar em França, vem de férias.
Não podemos ainda sair de Macieira sem dar um salto ao rio Covelo, para ver as suas 13
azenhas, embora só uma esteja ainda a trabalhar.
Como dissemos, Macieira é a última povoação da freguesia de Limões e, para já, resta-nos
dar a volta e regressar para apreciar com calma a sede da freguesia, com o mesmo nome.
A estrada traz-nos novamente serpenteando, mostrando-nos ora a encosta da serra do Alvão,
ora os vales ou meias encostas com as povoações que já visitámos à ida, eis-nos chegados a Limões.
Os visitantes que não estejam prevenidos para o facto de o Instituto Português do Património
Arquitectónico e Arqueológico já ter classificado o seu núcleo como "Conjunto arquitectónico de
interesse público" pensarão que é uma pena que não se tomem medidas para o conservar tal como
se encontra e reconstituir, mais do que reconstruir, o que não conseguiu resistir ao tempo e à usança
dos homens.
Lá do alto, domina a igreja de S. João, que guarda e é guardada pelo Cruzeiro do Centenário
da Independência, um dos exemplares do concelho, um daqueles marcos que se encontram pelo país
a lembrar que Portugal é nação independente e muito lutou para isso desde que o germe da
autonomia começou a fermentar com o Conde D. Henrique, levedou com o nosso primeiro rei, D.
Afonso Henriques, e tornou a ganhar forças em 1640, quando os insubmissos procuraram a chefia
de D. João, o 4º de seu nome, para o colocar no trono português. Ainda mais acima, está o cemitério
murado e bem cuidado. Tanto na subida como na descida, ouvimos rumorejar água que se não vê: é
que corre, lado a lado com a berma da estrada - um pequeno ribeiro encanado ou levada que vai
desaguar mais abaixo, para o vale. A rua é ladeada por casas de granito dos séculos XVII e XVIII, e
algumas delas exibem a data da sua construção, enquanto outras apresentam belas varandas
alpendradas. Um larguinho tem um nome prosaico com muita ternura no fundo do seu significado Largo dos Reformados. Apresenta-se airoso, desimpedido, com a sombra das ramadas e das paredes
a dar protecção aos que a procuram à calma para um pouco de convívio. A falta de acessos, a
morfologia do terreno e as características do solo têm sido determinantes para a situação actual da
freguesia, representada por um decréscimo populacional que, de uma maneira geral, ultrapassa a
média concelhia. As receitas são, por isso, muito dependentes do exterior, visto que o factor
emigração tem sido o único capaz de permitir o desafogo económico a que todos têm direito.
A falta de acesso foi, até ao momento, e como na generalidade do território concelhio, talvez
a causa mais forte para a diminuição da população, fenómeno que é de âmbito muito alargado na
Europa. Note-se, no entanto, que aqui muito se tem feito e se continuam a tomar medidas que
venham a permitir uma movimentação mais fácil e rápida tanto para Alvadia, ainda dentro do
concelho, como para Mondim de Basto e Vila Real.
No entanto, em 1993-94, a tendência era ainda para uma regressão, demográfica, que já
aponta, por exemplo, para o encerramento de escolas primárias e a sua adaptação a centros de
convívio para a terceira idade. É uma verdade insofismável e em todo lado que, quando diminuem
as crianças, aumentam os idosos; eles também voltam a precisar de cuidados especiais.
Esta situação não é, contudo, irreversível - além da paisagem natural com condições
extraordinárias para se tomar um autêntica investimento no campo do turismo tanto nacional como
internacional, temos o património construído pelo homem e que é outro elemento a considerar,
como temos estado a observar ao longo desta descrição da freguesia.
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