O SISTEMA PRODUTIVO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO: UMA
EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA NO CENTRO DA
INDÚSTRIA AGROCANAVIEIRA DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
[email protected]
APRESENTACAO ORAL-Políticas Sociais para o Campo
VERA BOTTA FERRANTE; DORIVAL BORELLI FILHO.
UNIARA, ARARAQUARA - SP - BRASIL.
O SISTEMA PRODUTIVO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO:
UMA EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA NO
CENTRO DA INDÚSTRIA AGROCANAVIEIRA DO INTERIOR DO
ESTADO DE SÃO PAULO
LAYING THE PRODUCTIVE SYSTEM MARIO LAKE: AN
EXPERIMENT IN THE CENTER OF AGROECOLOGICAL
AGROCANAVIEIRA INDUSTRY OF THE INTERIOR OF THE
STATE OF SÃO PAULO
Grupo de Pesquisa: Políticas Sociais para o Campo
Resumo
O objetivo central desta pesquisa é realizar uma análise do incipiente projeto agroecológico
de produção do assentamento Mário Lago de Ribeirão Preto (SP), como a gestação de um
possível embrião de desenvolvimento regional sustentável diferenciado e contestador das
estratégias convencionais do modelo de agronegócio local, caracterizado nesta região pela
produção sucroalcooleira. Para a coleta de dados junto às famílias assentadas, foram
empregadas, como ferramentas de pesquisa, técnicas qualitativas, além de dados
quantitativos colhidos junto ao Incra. Como técnicas qualitativas de pesquisa, foram
utilizadas: a observação participativa e entrevistas semi-estruturadas com as lideranças do
assentamento e com 27 famílias assentadas. A partir dos dados coletados mediante a
realização da pesquisa de campo, verificou-se que os grupos familiares encontram-se
temporariamente assentados em lotes provisórios denominados Comuna da Terra, que
comportam a dimensão de 0,9 hectares, desenvolvendo uma incipiente policultura
orgânica, além de produzirem cana-de-açúcar e polvilho.
Palavras-chaves: Assentamento Mário Lago; MST; Sistema Produtivo; Comuna da Terra.
Abstract
1
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
The objective of this research is to conduct an analysis of the incipient project
agroecological production nesting Mário Lago de Ribeirão Preto (SP), as the gestation of
an embryo can regional sustainable development strategies of differentiated and disruptive
of the conventional model of local agribusiness, characterized for sugarcane production in
this region. To collect data from the families settled, were used as tools of research,
qualitative techniques, in addition to quantitative data collected by the Incra. As qualitative
research techniques were used: participant observation and semi-structured interviews with
leaders of the settlement and 27 families settled. From the data collected by conducting
field research, it was found that family groups are temporarily settled in batches called
provisional Commune of Earth, involving the size of 0.9 hectares, developing an incipient
organic polyculture, and to produce sugar cane and cassava.
Key Words: Settlement Mário Lago; MST; Production System; Commune Earth
1. Introdução
O objetivo central desta pesquisa é analisar o sistema produtivo do assentamento
Mário Lago, como a gestação de um possível embrião de desenvolvimento regional
sustentável diferenciado e contestador das estratégias convencionais do modelo de
agronegócio local, caracterizado nesta região do estado de São Paulo pela produção
sucroalcooleira. O projeto de assentamento federal Mário Lago localiza-se na região
nordeste do estado de São Paulo, no município de Ribeirão Preto, mais especificamente, na
antiga Fazenda da Barra, ou seja, em uma região caracterizada como o centro da indústria
agrocanavieira do interior do estado de São Paulo. O assentamento foi criado pelo Incra,
em junho de 2007, no modelo PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), objetivando
a produção agroecológica, isto é, sem a utilização de agrotóxicos e, conseqüentemente,
sem ocasionar prejuízos ao meio ambiente, pois se encontra localizado sobre uma área de
recarga de um dos maiores manancial de água subterrânea do mundo, o Sistema Aqüífero
Guarani.
As áreas de recarga direta ou de afloramento do Sistema Aqüífero Guarani
têm se mostrado bastante expostas ao risco de degradação, seja por
agrotóxicos, seja por processos erosivos, principalmente pelo avanço das
atividades agrícolas sobre elas, sem muito critério em relação à capacidade
de uso das mesmas. Esse cenário, comum no Brasil, aliado à alta
vulnerabilidade natural das áreas de recarga do aqüífero em questão,
colocam-nas em situação de alta exposição ao risco de contaminação do
lençol freático como também favorece a formação de ravinas e voçorocas,
principalmente como conseqüência de práticas agrícolas inadequadas.
Trabalhos realizados pela Embrapa Meio Ambiente nessas áreas (...),
particularmente na região de Ribeirão Preto/SP, no período compreendido
entre 1994 e 2001 evidenciaram que as atividades agrícolas utilizam uma
carga considerável de produtos químicos potencialmente contaminantes,
destacando-se alguns herbicidas usados intensivamente na cultura de canade-açúcar (GOMES et al, 2006, p. 67).
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O assentamento Mário Lago é resultado de um longo processo de luta política,
promovida por um movimento social fortemente organizado, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O processo de ocupação da Fazenda da Barra
iniciou-se em abril de 2003, o conhecido Abril Vermelho, momento em que, cerca 500
famílias, sob a liderança do MST, ocuparam a entrada do Sítio Bragheto (anexo à Fazenda
da Barra), reivindicando a desapropriação da propriedade para fins de assentamento de
reforma agrária, pois, segundo o movimento sem-terra, os proprietários da área estariam
deixando de cumprir sua função social, a produção1, além de ocasionarem uma série de
prejuízos ao meio ambiente.
A imediata ocupação da Fazenda da Barra não poderia ocorrer em razão de duas
Medidas Provisórias herdadas do governo Fernando Henrique Cardoso, que desautorizam
o Incra a realizar vistoria em áreas ocupadas por movimentos sociais durante um período
de dois anos. As famílias permaneceram acampadas no sítio Bragheto durante quatro
meses, sendo despejadas por força de uma ação judicial. Em agosto 2003, o movimento
sem-terra ocupa Fazenda da Barra, obtendo êxito nesta segunda intervenção e,
conseqüentemente, permanecendo na área até os dias atuais.
Atualmente, o assentamento Mario Lago é constituído por um número de 264
famílias, que se encontram internamente organizadas pelo movimento sem-terra em 20
núcleos de moradia, que, por sua vez, agregam, em média, de 10 a 20 grupos familiares.
Todos esses núcleos foram intitulados com nomes de personagens que abraçaram causas
sociais e políticas, tais como: Dom Hélder Câmara, Antonio Gramsci, Rosa Luxemburgo,
Zumbi dos Palmares, Che Guevara, Dandara, Paulo Freire, Chico Mendes, entre outros.
Para cada núcleo de moradia, existem coordenadores gerais de ambos os gêneros.
Simultaneamente a esta organização, existem ainda os coordenadores dos seguintes
setores: saúde, formação e gênero, coordenação, educação, ciranda, segurança, esporte,
cultura e lazer eleitos pelos núcleos familiares.
O movimento sem-terra entende que a organização é imprescindível para a vida
das famílias assentadas. Por essa razão, existe uma estrutura organizacional para a sua
manutenção, que se altera de acordo com as especificidades e necessidades de cada
assentamento. Ainda acerca da organização interna do assentamento Mário Lago, verificou
mediante a pesquisa de campo a existência de um rigoroso regimento constituído por doze
regras, cujo propósito principal é disciplinar o comportamento das 264 famílias assentadas
que se encontram sob a liderança do MST.
As famílias encontram-se temporariamente assentadas em lotes provisórios
denominados pelo movimento sem-terra como Comuna da Terra que comportam, em
média, a dimensão de 0,9 hectares, desenvolvendo uma pretensa policultura orgânica, além
de produzirem cana-de-açúcar e polvilho. Segundo as principais lideranças do
1
Segundo o Artigo 186 da Constituição Federal, a função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos: I) aproveitamento racional e adequado; II) utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III) observância das disposições que regulam
as relações de trabalho; IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores (BRASIL, 1988).
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assentamento Mário Lago, este modelo de produção agrícola visa organizar núcleos de
economia camponesa próximos aos grandes centros urbanos, possibilitando o acesso à terra
a uma população que em seu passado viveu no campo e, em razão da modernização
agrícola, foi obrigada a deslocar-se para outras regiões ou centros urbanos em busca de
melhores condições de vida.
O principal objetivo da coordenadoria regional do movimento sem-terra é
recuperar esta área que foi degradada pela ação predatória do agronegócio local (produção
de cana-de-açúcar), utilizando-a para a agricultura orgânica, pretendendo ainda construir
um cinturão verde, que garanta o fornecimento de produtos orgânicos para a cidade e
região de Ribeirão Preto. Segundo Morissawa (2001), em seus projetos de assentamentos
rurais, o MST tem estimulado as famílias assentadas que se encontram sob sua tutela à
prática da agroecologia, desenvolvendo um novo paradigma de produção cujo objetivo
central é que não ocasionar prejuízos aos seres humanos e ao meio ambiente, reduzindo
ainda os custos de produção. O movimento tem realizado um grande esforço a fim de
produzir sementes dos alimentos básicos da agricultura, rústicas e mais adaptadas a cada
região, que foram descartadas pelas produtoras de sementes híbridas.
A articulação da dimensão técnica com compromissos sócio-ambientais
computa à agroecologia aportes de diferentes disciplinas na área da
produção agrícola. De fato, a agroecologia conta com a aplicação interativa
de conceitos e princípios da ecologia, agronomia, sociologia, economia,
antropologia e outras áreas do conhecimento para um manejo e redesenho
de agroecossistemas em direção à sustentabilidade do rural ao longo do
tempo (ALTIERI, 2002 apud CARMO, 2005, p. 224). Embora o termo,
entendido como um corpo teórico tenha surgido nos anos 1970, “... a
ciência e a prática da agroecologia têm a idade da própria agricultura”
(HECHT, 1989, p. 25 apud CARMO, 2005, p. 224).
No campo do combate a pragas, insetos e nutrição dos vegetais, as famílias
assentadas têm buscado utilizar novas e velhas fórmulas de agroecologia. No lugar dos
agrotóxicos, estão utilizando as caldas (um fungicida diluído em água que pode ser
orgânico ou químico), o controle biológico, os inseticidas naturais, substituindo os adubos
químicos pelos biofertilizantes, praticando a cobertura solo, adotando ainda plantas que
recuperam a matéria orgânica do solo (adubos verdes). A fim de evitarem a erosão do solo,
os assentados estão implantado nos assentamentos rurais as chamadas curvas de nível. O
reflorestamento também vem se transformou em uma prática usual entre os assentados,
com a criação de viveiros para a produção de mudas de árvores nativas, frutíferas e até
mesmo exóticas (MORISSAWA, 2001).
Ainda acerca da produção agroecológica implementada nos projetos de
assentamentos rurais, observa Gonçalves e Scopinho (2008), desde a década de 1990,
pesquisadores, governos e movimentos sociais que lutam pela implantação da reforma
agrária no país têm se debruçado sobre as novas dimensões do universo rural brasileiro,
especialmente, sobre as questões provenientes da implantação de projetos baseados na
sustentabilidade agroecológica. Recentes pesquisas apontam que esse processo resulta de
uma nova visão sobre o rural, isto é, uma nova concepção sobre as possibilidades de
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desenvolvimento agropecuário nos distintos agroecossistemas do país. No contexto deste
debate, os assentamentos da reforma agrária vêm sendo considerados espaços importantes
para a implantação de projetos de desenvolvimento agropecuários alicerçados nos
princípios da agroecologia.
2. A Organização da Produção do Assentamento Mário Lago
O assentamento Mário Lago constitui um importante foco de resistência pela
posse da terra no interior do estado de São Paulo, sendo de importância, sumamente,
estratégica e simbólica para o movimento sem-terra, pois se encontra instalado muito
próximo a um município que é considerado centro de uma região, onde a predominância da
agroindústria canavieira, com alto padrão tecnológico é praticamente absoluta. Dessa
maneira, o MST pretende apresentá-lo à sociedade como um modelo alternativo de
produção ao implementado pelo agronegócio local, isto é, como uma alternativa de
desenvolvimento local sustentável.
Embora não exista ainda um consenso ou uma definição muito clara em torno do
conceito de desenvolvimento sustentável, pois este ainda apresenta-se como uma
concepção em constante transformação e evolução, adotou-se para efeito de conceituação
desta pesquisa a seguinte formulação apresentada pelo filósofo, teólogo e ambientalista
Leonardo Boff em sua obra “Saber Cuidar: a ética do humano”:
Sustentável é a sociedade (...) que produz o suficiente para si e para os
seres dos ecossistemas onde ela se situa; que toma da natureza somente o
que ela pode repor; que mostra um sentido de solidariedade generacional,
ao preservar para as sociedades futuras os recursos naturais de que elas
precisarão. Na prática a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos
hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado
com os equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela
natureza. Não significa voltar ao passado, mas oferecer um novo enfoque
para o futuro comum. Não se trata simplesmente de não consumir, mas de
consumir responsavelmente (BOFF, 2000, p. 14-15).
Ou ainda como:
O desenvolvimento regional sustentável é o processo de mudança social e
elevação das oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no
espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a conservação ambiental,
a qualidade de vida e a equidade social, partindo de um claro compromisso
com o futuro e a solidariedade entre gerações (BUARQUE, 2008, p. 67).
O principal objetivo da coordenadoria regional do MST é recuperar esta área
devastada pela ação predatória do agronegócio, utilizando-a para a agricultura orgânica ou
agroecológica, ou seja, sem a utilização de agrotóxicos, pretendendo construir um cinturão
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verde, que garanta o fornecimento de produtos orgânicos para Ribeirão Preto. Apesar da
degradação por que passou, a Fazenda da Barra possui ainda oito maciços florestais que
totalizam 308 hectares e uma Área de Preservação Permanente (APP) margeando o Rio
Pardo que totaliza 130 hectares. O assentamento possui um “banco de sementes”, cujo
principal objetivo é assegurar a qualidade da produção no assentamento, além de auxiliar
os demais acampamentos e assentamentos da região de Ribeirão Preto.
Com o investimento empregado pelo governo federal mediante recursos advindos
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) da ordem de 23 milhões de reais para o
processo de desapropriação da Fazenda da Barra, quantificando quatro pessoas por família
assentada, foram gerados somente no assentamento Mário Lago cerca de 1.000 empregos
diretos. Dados governamentais apontam que, para cada família assentada, geram-se pelo
menos três empregos indiretos.
O objeto empírico pesquisado, estruturalmente, apresenta-se como um universo
social que mantém suas propostas de organização política centradas nos princípios do
movimento social do qual se originou, o MST. A organização da produção apresenta-se
comprometida com o atendimento ao que foi postulado em seu Projeto de
Desenvolvimento Sustentável2, o que significa usufruir dos recursos naturais sem agredir o
meio ambiente, uma proposta de assentamento postulada pelo próprio MST e assimilada
pelo Incra. Decorre deste modelo de produção agroecológica a sigla utilizada para a
nomenclatura oficial do assentamento: PDS – Mário Lago. Em princípio, este modelo de
produção sustentável, foi criado para os seringueiros do Acre.
A titulação da terra foi estabelecida pelo movimento sem-terra. A posse da
propriedade não é individual, mas coletiva, de modo que o seu titular permanece limitado
pelo compromisso que assumiu perante toda a comunidade. Este fator impede a
possibilidade de venda ou arrendamento do lote familiar, objetivando fortalecer a visão
coletiva da produção e permanência na terra conquistada.
“(...) Foi colocado que a posse da fazenda seria uma posse coletiva, não
seria uma posse individual, seria uma posse de usos e frutos, por exemplo,
eu hoje tô assentada, se amanhã eu morrer, vai passar isso para os meus
filhos, então vai ser de usos e frutos, não tem mais aquela posse é (pausa)
individual, aonde eu mesma possa pegar e vender isso, como diz o ditado,
eu tenho a posse de usos e frutos, então não tem mais como eu fazer esse
processo hoje” (assentada rural).
Ao que tudo indica o assentamento provisório das famílias não ocorreu de acordo
com as afinidades de produção pretendidas por cada assentado. Aparentemente, para a
distribuição dos lotes individuais, foi utilizado o critério parentesco, as famílias agregaramse próximas aos seus familiares: “(...) e nóis já conseguiu gente da família, porque ela é
mulher de meu tio, minha tia mora de lá, minha mãe mora ali (entrevistada apontando os
lotes) (...)” (assentada rural).
2
De acordo com Girardi (2009), entre os anos de 1988 e 2006 foram criados 84 assentamentos no
modelo Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), sendo assentadas 24.765 famílias de
trabalhadores rurais sem-terra em uma área total de 2.945,086 hectares.
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Os 264 grupos familiares que constituem atualmente o assentamento encontramse, temporariamente, assentados em lotes provisórios, denominados “Comunas da Terra”.
A Comuna da Terra tem a sua centralidade num público diferenciado do campesinato
tradicional. Ela procura entender a dinâmica urbano-rural e incluir a população excluída
das cidades (CONCRAB, 2004, p.17). Por sua vez, a agroecologia apresenta-se como um
dos alicerces da Comuna da Terra, o que, por sua vez significa almejar um novo padrão
produtivo e tecnológico, fundamentado na sustentabilidade ecológica.
Os lotes familiares não possuem a mesma dimensão, comportando, em média, o
tamanho de 0,9 hectares (9.000 m² ou 30 metros de largura por 300 metros de
comprimento), sendo que algumas famílias possuem mais de um lote que, por sua vez,
encontram-se destinados à produção coletivamente do assentamento. Os lotes não são
delimitados por cercas, conseqüentemente, não é possível se identificar onde se iniciam
e/ou onde terminam.
“(...) O lote provisório que nós pegamos (...), que a gente chama Comuna
da Terra (...) é um lote que tem 30 de largura por 300 de fundo, esse é que
a gente tá nele há quatro anos (...) é o lote que você pega pra você si
istruturá ali, enquanto você não tem certeza do lote difinitivo, né, você
pega ele, você produz, né, você não recebe recurso nenhum, porque ainda
não é assentado, né, não tem créditos nenhum, você vai luta pra você te a
sua roça, você criá as suas coisas (...) mas dá pra você i sustentando ali ”
(assentada rural).
“(...) Hoje eu tô nesse lote 60x300, o meu lote provisório (...) o meu vai lá
na rua, sai lá na rua (...) 60 de frente e 300 de fundo, quando nóis entro pra
se provisório é 30x300, como aqui é uma quadra que cabe só quatro
família, nóis que chego aqui nóis pois 60, porque já ia usa como posto,
secretaria, barracão de reunião, porque a secretaria tá dentro do meu lote, tá
na metade do meu lote (...) aqui vai se, vamo resumi 1,7 hectare (...)”
(assentada rural).
As dimensões deste lote familiar tornam somente possíveis a realização de
pequenas plantações e a criação de animais de pequeno porte. Esse tamanho de lote é o
menor dentre os projetos de assentamentos rurais do país, que chegam a comportar vinte
hectares por grupo familiar. As principais lideranças do assentamento chegaram inclusive a
questionar, indagando ao pesquisador que o Incra não dispõe de um módulo ou padrão
mínimo de assentamento a ser utilizado em todo o país e que, conseqüentemente, os lotes
diferem em muito com relação ao seu tamanho.
Contudo, as dimensões do lote familiar não somente estabelecem atualmente
barreiras ao processo produtivo, verificando-se também com uma baixa produção, como
também causa preocupação com relação ao futuro das gerações que se sucederam no
assentamento, ou seja, com um possível aumento do núcleo familiar em razão de futuros
nascimentos e casamentos. Verificou-se ainda que muitas famílias encontram-se
temporariamente assentadas em áreas que futuramente serão destinadas à preservação
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ambiental no assentamento, estando cientes que serão obrigadas a se deslocarem para
outros lotes.
“(...) Quem tivé na área de preservação ou que vai monta ou permanente é
obrigatório muda, tem qui muda, nóis já vêm trabalhando já com isso (...),
quando precisa nos vamos planta (...) então a metade do meu núcleo vai
muda, parte de baixo, porque aqui já tá numa área de preservação (...) o
acampamento inteiro, a comunidade, porque aqui é 20 comunidade, é por
núcleos, né, o pessoal já tá ciente (...) já estão a par (...)” (assentada rural).
Os sujeitos investigados praticam a denominada agricultura tradicional, estando
proibidos pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que assinaram, em acordo com o
Ministério Público local e com o Incra, de não fazem uso de quaisquer tipos agrotóxicos.
Como técnicas de plantio, os assentados utilizam, por exemplo, a semente de mucuna-preta
(mucuna aterrima), uma leguminosa anual muito utilizada pelos assentados nas plantações
de milho, como uma espécie de adubo orgânico, em razão de ser uma grande fixadora de
nitrogênio e muito rica em nutrientes, não sento tão exigente quanto à fertilidade do solo,
entretanto, não tolera os solos de baixa drenagem. Utilizam ainda garrafas plásticas
cortadas a fim de proteger as mudas pequenas da ação de formigas.
“(...) É tudo orgânico, vamo supo, meu milho na hora que tivé no ponto de
eu colhe, ai vem a máquina (...), tem gente que tem essa coisa de colhe,
colhe, nói vai e roça, o mato que tem que fica ali, na hora que ele aprodrece
nói vai e ara, então é tudo orgânico. Tem a semente mucuna, se planta no
meio do milho, ele é adubo orgânico, então, na hora que a gente já colhe o
milho, a gente já planta ele, na hora que ele nasce, a gente roça é adubo
orgânico, então, têm muitas alternativas (...)” (assentada rural).
A produção é realizada individualmente nos lotes familiares, embora em alguns
núcleos de moradia existam áreas de produção coletiva. O movimento sem-terra não obriga
todas as famílias a produzirem coletivamente no assentamento. A produção coletiva é uma
escolha individual. No caso, por exemplo, de uma família evadir-se do o assentamento e
não havendo outro grupo familiar a ser assento em seu lugar, este lote não permanece
improdutivo, é destinado à produção coletiva no assentamento.
(...) é tudo no coletivo, se vai plantá, qui nem, eu tenho o meu lote, plantei,
se no nosso núcleo tem um lote vazio, nós monta um coletivo e vai plantá
aquele lote, nunca deixa nenhum lote sem plantá, se planta o seu, eu planto
o meu, depois nós vamos reuni e plantá os lote que faltam, mas no coletivo,
porque a colheita é no coletivo e a divisão é no coletivo (...) é tudo
conversado, eu acho assim, se senta e conversa, nunca tem problema
(assentada rural).
Neste sistema coletivo de produção, o plantio, a manutenção, a colheita e a
divisão dos bens produtos ocorrem coletivamente. A produção de polvilho, de cana-deaçúcar e a horta também são produzidas coletivamente. No entanto, no decorrer da
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pesquisa de campo, verificaram-se problemas na divisão dos bens produzidos
coletivamente: “(...) têm uns que concorda, têm uns que não concorda, né, da vez têm uns
que trabaia muito e uns não (...)” (assentada rural).
As famílias têm desenvolvido no assentamento Mário Lago uma incipiente
policultura orgânica, produzido uma grande diversidade de gêneros alimentícios, tais
como: milho, feijão de corda, feijão carioca, arroz, abóbora, mandioca, quiabo, banana,
vagem cuja base é a utilização da semente crioula, que, ao contrário da semente híbrida,
não possui alterações genéticas. Em sua primeira safra colhida em 2005, os assentados
produziram cerca de 30 toneladas de milho, 15 toneladas de feijão e 20 toneladas de
mandioca.
Os assentados produzem ainda na horta comunitária legumes, verduras, criam
pequenos animais confinados, tais como: aves, caprinos e suínos. A criação de animais de
grande porte, como, por exemplo, gado torna-se praticamente impossível em razão das
dimensões do lote, assim como nos relata um assentado rural: “(...) olha, dá para
sobreviver muito apertado, mais é pequeno. Eu tenho animal ai, se eu for tirar um
pedacinho para colocar esses animais não tem como (...) não dá para criar não (...)”
(assentado rural).
O assentamento Mário Lago não dispõe de nenhum sistema de irrigação3,
dependendo as famílias assentadas da água que captam da chuva mediante cisternas
improvisadas, pequenos poços cavados manualmente e riachos existentes na propriedade.
Por esta razão, o sistema produtivo do assentamento encontra-se totalmente subordinado às
estações da natureza.
As famílias realizam o plantio dos gêneros alimentícios nos meses que antecedem
o período do verão (entre o final do mês outubro e o início do mês de novembro), em razão
da grande incidência de precipitação pluviométrica neste período do ano. No decorrer do
ano, as famílias não realizam nenhum tipo de plantio. Os gêneros alimentícios também são
plantados pelos grupos familiares de acordo com a sua época.
“(...) A água é só da chuva mesmo e da Daerp agora pra bebe e tem um
corguinho pa toma banho (...) se desce lá e lava ropa (...)” (assentado rural)
“(...) enche os tambor, né, da chuva faiz tudo de momento ali, ta chuvendo
se tá usando, acabo a chuva, acabo a água (...)” (assentada rural). “(...)
plantação só no tempo da época mesmo, só no tempo da chuva mesmo, fim
de otubro, né, ai colheu, esperou o verão de novo, quando a chuva vim,
espera a época da planta, não é uma planta cultivada cabo uma planta
outra, porque não tem água (...)” (assentado rural).
3
Nas experiências de policultura, o acesso aos recursos hídricos ou a implementação de sistemas
de irrigação constituem pré-requisitos para essa experiência de produção. A utilização das poucas
áreas férteis junto aos rios e o assentamento de pessoas com vasta experiência anterior no manejo
da terra são os elementos mais significativos que explicam essa interessante diversidade na
produção destes assentamentos (FERRANTE et al., 2006).
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Desde a fase de acampamento, as famílias têm produziram esses mesmos gêneros
alimentícios, utilizando para tanto as mesmas técnicas de plantio, considerando ainda esse
modelo de produção agroecológica como uma alternativa viável ao sistema produtivo do
agronegócio local (produção de cana-de-açúcar), sistema esse entendido pelos sujeitos
pesquisa como pura degradação do meio ambiente e exploração do trabalho humano. No
entanto, os cuidados com o meio ambiente no assentamento Mário Lago são muito mais
percebidos no plano do discurso do que em ações concretas.
“(...) Eu vejo exploração, exploração, porque é o seguinte: você tem que
picar o cartão mesmo, se não picou o cartão já viu, o dia que você não for,
você perde três, quatro dias, ainda perde o décimo terceiro, ainda perde nas
férias, então, e se atrasa cinco minuto já dá como falta (...)” (assentado
rural).
Embora ainda seja possível observar a presença muita cana-de-açúcar no
assentamento, esta produção coletiva vem declinando. No decorrer do processo de
ocupação da Fazenda da Barra e assentamento provisório das famílias acampadas, nem
todos os pés de cana existentes na propriedade foram arrancados para a construção dos
barracos ou substituídos pela produção de alimentos para o acampamento provisório. Na
sede do assentamento, existe um espaço destinado à produção de caldo de cana e rapadura
A produção de rapadura e de caldo de cana transformou uma alternativa fora da ótica do
Incra para as famílias assentadas que comercializavam esses produtos dentro e fora do
assentamento, além de servir como complemento para a alimentação de animais.
No entanto, verificou-se através dos depoimentos orais que atualmente os sujeitos
pesquisados, em razão da formação política desenvolvida pelo movimento sem-terra,
totalmente contrária à monocultura da cana-de-açúcar, não possuem grandes pretensões
com relação a esta produção. Indagados a respeito desta produção, o questionamento
parece soar como uma ofensa às famílias. “(...) nós estamos acabando com a cana, têm que
acabá pra não te nem raiz dela (...) é fejão, é comida na mesa, o açúcar nóis precisa, mas
nóis compra lá fora (...)” (assentado rural). A principal intenção do movimento sem-terra e
das famílias assentadas era e é eliminar os pés de cana existentes ainda no local, o que
parece ser um equívoco.
A produção de cana-de-açúcar, remanescente da antiga Fazenda da Barra, poderia
ser transformada em uma mini-usina para a produção de álcool combustível, agregando-se,
dessa maneira, valor ao produto e gerando renda para as famílias assentadas. No entanto,
essa idéia mostra ser impensável para o movimento sem-terra, em razão de seu projeto
ideológico de somente produzirem alimentos. O movimento social não consegue perceber
que não é a planta em si que gera a exploração do trabalhado humano, mas as relações de
trabalho que se estabelecer a partir dessa produção. Contudo, recentemente, as famílias
iniciaram a manufatura da produção de mandioca, produção de polvilho.
Embora de propriedade particular e encontrando-se em um avançado estado de
deteriorização, os bens de capital, tais como: tratores, arados, colheitadeiras são utilizados
coletivamente pelos assentados. (...) pra compra um trator é muito caro pra nóis,
entendeu, então o jeito é trabalha no coletivo, seja nenhum coletivo de cinco, seis família,
coletivo do núcleo inteiro, pode dividi em dois, três (..) agora qui nem, o meu tio tem um
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trator, um coletivo com a família e com fora da família, nós conseguimos o trator com o
coletivo da outra parte do núcleo, é tudo no coletivo (...) (assentada rural).
Em razão das famílias estarem assentadas em lotes provisórios e em futuras áreas
de preservação ambiental, ainda não iniciaram o plantio da Reserva Legal e o resgate do
passivo ambiental, estipulado em 7 bilhões de reais. O assentamento Mário Lago também
não tem recebido nenhum apoio de organismos externos governamentais ou nãogovernamentais (ONGs) para a realização de projeto que objetivem a preservação de matas
ou águas superficiais existentes no local.
3. A Assistência Técnica
No que tange à relação das lideranças do assentamento e dos sujeitos pesquisados
com os técnicos do Incra, constatou-se mediante a realização da pesquisa de campo que
possuem uma relação amigável, embora esses mesmos técnicos também sejam vistos com
certa desconfiança pelas famílias assentadas, assim como nos relata dois assentados rurais:
“(...) A relação com o pessoal do Incra é boa, porque, como se diz,
ninguém chuto eles pra fora (...)” (assentada rural). Ou ainda: “(...) O Incra
não é amigo de ninguém, eles não têm bandeira né, você tem que ficar
muito esperto com o Incra, porque o Incra é igual prefeito, só fala na boa,
mas pra garanti mesmo, não pode confia muito no papo deles não (...)”
(assentado rural).
O Incra em conjunto com o movimento sem-terra têm oferecido assistência
técnica aos assentados. A qualificação técnica dos jovens do assentamento é realizada pelo
movimento sem-terra no Centro de Formação Dom Hélder Câmara, que, por sua vez, conta
com um curso técnico agroecológico, ministrado por docentes da Unicamp, até mesmo
porque cerca de 50% das famílias assentadas nesse local não possuía qualquer vínculo
anterior com a agricultura. O curso é realizado em etapas que duram setenta e cinco dias,
com turmas de sessenta alunos, recebendo inclusive trabalhadores rurais de diversos
estados. Esse espaço conta ainda com um curso superior de Pedagogia da Terra em
parceria com a UFSCar, além de oficinas de viola.
A formação política das famílias que se inicia nas reuniões de base em que são
convidadas a ingressar no movimento estende-se também no referido centro de formação.
Além da formação política e qualificação técnica, esta estrutura centraliza a alfabetização e
a promoção da cultura popular, difundindo ainda idéias de cooperativismo e
associativismo. As técnicas transmitidas no curso agroecológico permitem recuperação do
terreno sem prejuízos ao meio ambiente. As famílias queixam-se ao pesquisador de que a
terra encontrava-se exaurida em razão das sucessivas plantações de cana-de-açúcar no
assentamento.
4. O Primeiro Crédito Agrícola
No final de 2008, as famílias receberam o primeiro fomento destinado à
alimentação, produção e compra de utensílios agrícolas básicos (enxadas, rastelos,
martelos, entre outros) na ordem de R$ 2.400,00, o que totalizou R$ 633.600,00 em
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investimentos federais para o assentamento, que, por sua vez, foram muito bem recebidos
pelas famílias4. Esse primeiro fomento foi recebido pelas famílias em três parcelas. No
entanto, como as famílias encontram-se assentadas em lotes provisório, estas investiram
esse primeiro fomento em uma propriedade que futuramente pode não lhes pertencer.
Nesse programa que o Incra vem trazendo, hoje, a conversa deles, primeira
conversa que eles teve dos créditos mesmo pra dentro do assentamento, das
políticas públicas, eles colocaram essas políticas públicas para as pessoas
que ainda não estavam dentro dos seus lotes, então as pessoas gasto,
poderia servi no seu lote como um pé de meia pra amanhã ou depois tá
contribuindo pra tá pagando o Pronaf e tal e tudo, eles coloca pra essas
famílias da forma que tá hoje e essas famílias gastaram esse dinheiro, né,
como diz, aplicaram nos lotes onde estão hoje, mas com consciência e
sabendo também as famílias que iria tá é mudando pra outros lotes amanhã
ou depois, né, então, foi assim, no meu ponto de vista, é, foi o primeiro
crédito, da forma que ele veio, ele foi desperdiçado, né, não, em sentido
assim, que as famílias não soube usa, mas em sentido de ser desperdiçado
por não tá no local é próprio das famílias pra tá usando esses créditos (...)
(liderança assentada)
Com a liberação desse primeiro crédito agrícola pelo Incra, emerge um novo
conflito no assentamento Mário Lago, pois um grupo de famílias desejava utilizar parte dos
recursos financeiros para a aquisição de eletrodomésticos e móveis para suas residências,
no entanto, essas famílias foram impedidas pelos técnicos do Incra. Com o assentamento
provisório das famílias, o Incra deixou de distribuir cestas básicas às famílias préassentadas. No primeiro fomento, os grupos familiares utilizaram a primeira parcela de
setecentos reais para a compra de alimentos. Em 2008, o início das chuvas atrasou,
dificultando dessa maneira o processo produtivo. Em virtude deste fato, as famílias
assinaram um abaixo assinado, solicitando ao Incra que, no recebimento do segundo
fomento, quinhentos reais sejam destinados a compra de alimentos.
Em sua grande maioria, as famílias consideram como razoáveis suas atuais
condições de trabalho. A renda familiar mensal para os núcleos familiares que não
possuem uma complementação de renda fica em torno de trezentos a quatrocentos reais. A
mão-de-obra utilizada no assentamento é a familiar, com a esposa e os filhos, em alguns
casos, menores de idade, participando no processo produtivo: “(...) os meninos trabalha
duas horas aqui no serviço durante a semana, duas horas, das oito as dez i as dez e meia
onze horas vai tomar pra i pra escola, cinco hora da tarde chega e vai joga bola, brinca,
no outro dia, torna trabaiá mais duas hora, então, o serviço não pára, nem judia com eles
e nem para também, sempre tem um serviço feio aqui e lá fora eu também cuido, eu
trabalho um poco lá fora e eles trabalha aqui dentro (...)” (assentado rural).
4
O Crédito Instalação Modalidade Fomento, no montante de R$ 2.400,00 por grupo familiar,
objetiva consolidar a segurança alimentar das famílias e gerar renda, fortalecendo especialmente as
atividades produtivas no entorno das habitações e experiências de microcrédito associativo
(INCRA, 2005).
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5. A Comercialização dos Produtos
O projeto de assentamento Mário Lago encontra-se localizado em uma região
caracterizada pela monocultura de exportação (cana-de-açúcar), circundado por grandes
latifúndios e isolado de outros projetos de assentamentos rurais, o que, por sua vez,
dificulta em muito o estabelecimento de redes de cooperação e a comercialização de seus
produtos. Os produtos produzidos no assentamento são comercializados de distintas
maneiras. Embora, em sua grande maioria, a produção seja realizada individualmente nos
lotes familiares, o repasse dos produtos à Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)
é realizado coletivamente5. A adesão ao programa demonstra a importância da organização
associativa, incentivando os assentados a elevarem sua produção, além de estimular as
famílias associadas a procurarem outros projetos e estratégias de desenvolvimento para o
assentamento.
No entanto, torna-se importante esclarecer que não são todos os assentados que
possuem este convênio com a Conab. Dessa maneira, as famílias têm também
comercializado individualmente seus produtos em Feiras do Produto realizadas aos
sábados em frente a um supermercado localizado no Bairro Ribeirão Verde. Moradores
residentes neste referido bairro também têm se deslocado até o assentamento para
adquirirem os produtos. As lideranças possuem um projeto de construir uma espécie de
galpão na entrada do assentamento, que funcionará como uma feira para a venda dos
produtos produzidos no assentamento.
Objetivando reverter à pejorativa concepção que vigora sobre o movimento semterra em parte da sociedade brasileira6, criada especialmente pela mídia tanto escrita, como
falada, que o intitula como uma organização criminosa, como um movimento de
baderneiros, invasores de terras e desestabilizadores do Estado de Direto Democrático e,
em especial, na região de Ribeirão Preto, acerca da inviabilidade de um processo mais
5
A Conab é um projeto do governo federal que objetiva comprar a preços significativos (acima dos
praticados no mercado) a produção de pequenos agricultores, repassando esses produtos às
entidades assistencialistas5 (Asilos, Creches, Apaes, entre outras).
6
De acordo com a pesquisa Ibope realizada em maio de 2008, sobre a imagem pública do MST,
quando os entrevistados foram questionados sobre o grau de confiança em algumas instituições,
Igreja, Forças Armadas e Meios de Comunicação foram os que apresentaram maior credibilidade
(entre 60% e 80%). MST, Congresso Nacional e políticos apareceram com credibilidade inferior a
30% dos pesquisados. Ministério Público e sindicatos ficaram pouco acima dessas três instituições,
com médias ao redor de 45%. No total de pesquisados, 46% são favoráveis ao MST (com exceção
de Belém e Vitória, cujos índices são muito mais baixos). Quando são inquiridos sobre as palavras
que mais destacariam o movimento dos sem terra. As duas palavras mais destacadas foram:
violência e coragem. Violência é mais destacada em Belém, Imperatriz e interior de Minas Gerais
(acima de 50%). Coragem é mais destacada no interior de Minas Gerais, Dourados e Vale do
Ribeira (SP), ao redor de 30%. Vitória destaca “autoritarismo”, “ilegalidade” e “radicalismo”.
Interior de Minas Gerais destaca “justiça” (com 30%) (RICCI, 2008).
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consistente de reforma agrária frente à supremacia do agronegócio, dentre outras ações, as
famílias têm realizado mensalmente a distribuição dos alimentos orgânicos produzidos no
assentamento no centro da cidade de Ribeirão Preto.
Os dados colhidos mediante a realização da pesquisa de campo sugerem que os
grupos familiares estão conseguindo sobreviver precariamente com o desenvolvimento da
incipiente policultura orgânica no assentamento, permanecendo em uma condição de mera
subsistência. Verificou-se que os sujeitos pesquisados utilizam parte dessa produção
orgânica para o autoconsumo7, sendo que o excedente de produção é utilizado como moeda
de troca com outras famílias ou comercializado individual ou coletivamente.
À exceção da produção de cana-de-açúcar (rapadura e caldo de cana) e do
polvilho, produzidos coletivamente, os demais produtos orgânicos não passam por um
processo de beneficiamento, não se agregando dessa maneira valor em sua cadeia
produtiva. Comercializados individualmente, esses produtos são vendidos a preços
irrisórios. Com os ganhos adquiridos mediante a comercialização individual e coletiva
(repasse à Conab), as famílias adquirem fora do assentamento, pois não é permitido pelo
movimento sem-terra qualquer tipo de comércio individual no assentamento, os demais
produtos utilizados em sua alimentação. Dessa maneira, parte da riqueza produzida não
permanece no próprio assentamento.
6. Complementações de Renda
Do decorrer da pesquisa de campo, foram encontrados casos de famílias que
complementam a sua renda mensal com o recebimento de benefícios de seguridade social
(aposentadoria), alugueis ou mesmo realizando serviços temporários na cidade, os
populares “bicos”, pois não podem possuir um vínculo empregatício (carteira assinada).
Foram verificados muitos casos de faxineiras, pedreiros e auxiliares de pedreiro que
realizam os chamados serviços de empreita na cidade.
Após realizarem o plantio da safra a ser colhida no ano seguinte, os assentados
dispõem de um considerável tempo ocioso para desempenharem tais atividades na cidade,
complementando, dessa maneira, sua renda familiar. Entretanto, no período da colheita, as
famílias permanecem quase que em tempo integral no assentamento.
“(...) Eu era pedrero, trabaiava como pedrero (...) di pedrero, conhecei em
oitenta e dois (...) aqui a gente não têm renda de nada (...) faço algum
biquinho, não é direto não, isso a gente fais o serviço na cidade lá quando
não tem nada, igual, por exemplo, a minha roça tá tudo plantada, qué dize,
não tem serviço nenhum aqui, qué dize, pra não ficar parado, eu vô lá e
7
De acordo com Duval e Ferrante (2006), nos projetos de assentamentos da região de Araraquara,
a produção de autoconsumo, além de possibilitar a subsistência das famílias assentadas, de
comportar valores sociais, tais como solidariedade e preservação ambiental, oferece possibilidades
de integração dos produtores rurais na economia regional mediante feiras e programas municipais,
gerando parte da renda dos núcleos familiares.
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trabalho lá, quando dá na época da colheita, eu volto pra cá di novo (...)”
(assentado rural).
Em 2007, surgiu uma tese na mídia brasileira afirmando que o Programa Bolsa
Família do Governo Federal8, aliado a uma maior identificação dos movimentos sociais
que lutam pela implementação da reforma agrária no país com a pessoa do presidente da
República e um aumento da subvenção destas organizações, estariam servindo como um
fator de desmobilização destes mesmos movimentos sociais, esvaziando-os. As famílias
prefeririam permanecer acomodadas nas periferias urbanas recebendo este benefício social
a ingressarem nos referidos movimentos sociais e que, dessa maneira, o MST estaria
impedindo as famílias que estão sob sua tutela de receberem este benefício social.
“(...) quem saiu com essa matéria, mentiu, no assentamento, não, nem
quando nóis era acampado (...) assim que eu tive meu menino, eu fui atrás
e dentro da coordenação já passaram que aqueles que fossem procurá sabe
o negócio da Bolsa Família tinha que passa até o endereço, pra pessoas i
procurá sabe se tinha direito, então, o movimento não é contra (...)”
(assentada rural).
“(...) A maioria das pessoas que têm aqui, realmente, elas têm Bolsa
Escola, porque é direito do aluno e é direito da família, enfim. Desde que o
governo, como diz o ditado, é, oferece isso, é direito do ser humano. Então,
na realidade, não tem em momento nenhum, não tem essa proibição, pelo
contrário, né, se tem uma coisa que o MST faz, deixa bem claro é correr
através de seus direitos. O que nós achamos estranho é nessa questão da
Bolsa Escola é qui, essa Bolsa Família ou Bolsa Escola, que seja como diz
uma esmola, vamos colocar assim uma esmola do governo, então, caba,
como diz o ditado, tirando o direito das famílias, principalmente, das
famílias que estão na cidade, tirando o direito de luta pelos seus outros
direitos, que seria pra te uma casa, pra te um pedaço de chão pra plantá,
então, né, acaba se acomodando como diz com aquele tiquinho, com aquela
esmola, na realidade, do governo, né, então temos essa dificuldade e ai
caba tirando o direito, quando o Lula bate no peito e diz que Fome Zero
hoje, por exemplo, uma Bolsa Família que seja ela de 150 reais, mais
dentro da cidade você tem que pagar alugar, você tem que pagar água, você
tem que pagar luz, comprar gás e tem que dar remédio para as crianças,
tem qui visti as crianças (...), então, na realidade, pra nós, na nossa visão,
nunca proibimos, em momento nenhum, isso é direito do ser humano, mais
que corra atrás de seus outros direitos que tem pra sobreviver (...)”
(liderança assentada).
8
Segundo Martins (2008), o governo Lula comprometeu-se intensamente com os ruralistas, deu as
costas à corrupção e loteou o Estado, entregando-o aos inimigos das reformas sociais. Implantou
uma política assistencialista, optando pelo mínimo e não pelo essencial, não podendo ainda tomar
decisões políticas que venham a contrariar os interesses de seus aliados, pois do contrário, não
consegue governar.
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No decorrer da pesquisa de campo, não foram encontrados elementos suficientes
para corroborar a afirmação de que o MST estaria proibindo as famílias que estão sob sua
responsabilidade de receberem o Programa Bolsa Família. Aliás, frente às dificuldades
estruturais e até mesmo de subsistência enfrentados pelos sujeitos pesquisados seria uma
verdadeira insanidade por parte de o movimento sem-terra impedir o recebimento deste
benefício social, o que, por sua vez, poderia gerar ainda mais conflitos e divisões na
estrutura social do assentamento Mário Lago, pois, assim como nos relatou uma assentada
rural: “(...) um real aqui é dinheiro (...)”.
7. Considerações Finais
Ao término desta pesquisa, pode-se concluir a partir dos dados coletados
mediante a realização da pesquisa de campo e alicerçados na literatura concernente aos
aspectos estudados no projeto de assentamento federal Mário Lago de Ribeirão que os
grupos familiares assentados que atualmente o constitui encontram-se em um momento
instável, uma fase de transição entre o assentamento provisório, a chamada Comuna da
Terra, e o assentamento definitivo, isto é, encontram-se em uma etapa de consolidação do
assentamento, ou ainda, em um período de passagem entre o assentamento legal e o real.
Embora seja contabilizado pelo Incra como um assentamento, em sua configuração atual, o
Mário Lago caracteriza-se mais como um acampamento provisório ou um préassentamento, pois não dispõe ainda de uma infra-estrutura de assentamento rural oriundo
de um processo de reforma agrária.
Mediante a realização da pesquisa de campo, verificou-se que famílias assentadas
procuram a todo custo transmitir uma imagem positiva do local, apesar de todos os
problemas infra-estruturais por elas vivenciados. Encontrando-se em condição de
entrevistados, as famílias parecem procurar construir um discurso permeado por
concepções ideológicas, objetivando justificar seus propósitos políticos e sociais. As
famílias não abandonam a divulgação de idéias que justifiquem sua inserção e permanência
no movimento sem-terra e no assentamento. Como pano de fundo do discurso, existe uma
intenção latente, peculariedade própria do discurso ideológico, inerente às lutas sociais.
Muito mais do que vítimas de um processo histórico, tornou-se possível perceber que
existe uma umbilical relação de cumplicidade entre as famílias entrevistadas e os dirigentes
locais do movimento sem-terra.
A partir do contato com as famílias, tornou-se possível verificar que estas
possuem uma linguagem muito similar, com a utilização dos mesmos termos, tais como:
“luta de classes, organicidade, amigos do movimento, companheiros, atividades entendida
como manifestações”, entre outros. Pensa-se que tal fato decorre da formação política
desenvolvida pelo MST no Centro de Formação Dom Hélder Câmara e no próprio
assentamento, trabalho esse que se estende mesmo após a fase de arregimentação, o
trabalho de base, de ocupação e acampamento. As lideranças assentadas procuraram deixar
bem claro ao pesquisador que não se tratam de pessoas desconectadas da realidade, mas
pessoas muito bem informadas e politizadas.
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Quanto ao processo de assentamento das famílias, pensa-se que este processo
esteja ocorrendo de uma maneira extremamente complexa do que simplesmente aparenta
ser. Ao que tudo indica o Incra não possui um projeto muito claro sobre a implantação do
PDS no estado de São Paulo e, em especial, neste projeto de assentamento. Importado do
estado do Acre, continuando a ser uma interrogação, seu lançamento foi muito mais
retórico do que efetivo. Além da morosidade habitual no processo de assentamento, que se
arrasta por seis anos, verificou-se que aparentemente as discussões entre o Incra e o
movimento sem-terra têm emperrado ainda mais o processo de assentamento definitivo das
famílias. Para o Incra, a Fazenda da Barra não se constitui propriamente em um projeto de
assentamento rural, mas em um processo de regularização fundiária, concepção esta que
não é aceita pelas lideranças do movimento sem-terra, que entendem que este é um
subterfúgio utilizado pelo órgão estatal a fim de facilitar o processo de alocação das
famílias, reduzindo custos operacionais.
A questão que tem gerado maiores divergências entre o movimento, o Incra e o
Ministério Público relaciona-se a dimensão das áreas de preservação ambiental (Reserva
Legal e APPs), em relação às áreas de produção agrícola. O Ministério Público entende
que o critério ambiental deve se sobrepor sobre o critério econômico, ou seja, as áreas de
preservação ambiental, estabelecidas em 35% na Fazenda da Barra, não devem ser
diminuídas. Para o Incra mesmo lotes de dimensões reduzidas podem tornar-se
economicamente viável para as famílias assentadas. Por sua vez, o movimento sem-terra
possui consciência da importância da preservação ambiental neste local, uma área de
afloramento e recarga do Sistema Aqüífero Guarani, mas por outro lado também defende a
tese de que a questão ambiental não pode inviabilizar o desenvolvimento econômico dos
grupos familiares.
Pensa-se que um dos principais dilemas vivenciado pelas famílias assentadas
relaciona-se às futuras dimensões do lote familiar definitivo, pois, após anos de luta pelo
acesso à terra e sem outras alternativas de reprodução social, passarão a ser detentoras de
diminutas parcelas de terra, minifúndios que comportarão a dimensão de 1,58 hectares para
a produção individual e mais uma área para a produção coletiva, que, por sua vez, podem
ser insuficientes para sua sobrevivência econômica.
Com relação às iniciativas constatadas no processo de produção/reprodução
social do assentamento Mário Lago, verificou-se que a policultura orgânica desenvolvida
pelas famílias assentadas caracteriza-se muito mais como um projeto, como uma intenção
futura, do que propriamente uma realidade presente. Em seu estágio atual, esta produção
apresenta-se muito mais como uma agricultura de subsistência, em razão de sua
sazonalidade.
Ainda com relação à produção do assentamento constatou-se que, em razão da
política de minifúndios (lotes familiares que comportam a dimensão de 0,9 hectares)
desenvolvida neste projeto pelo Incra e também em virtude dos grupos familiares não
agregarem valor na cadeia produtiva, as famílias não estão atingindo ganhos econômicos
significativos, permanecendo em uma condição de mera subsistência e dependentes dos
organismos estatais.
Dessa maneira, as famílias necessitam complementar a sua renda familiar mensal
mediante a realização de serviços temporários no município, através do recebimento de
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benefícios sociais, tais como, aposentadorias e o Programa Bolsa Família do governo
federal, cujo recebimento não vem sendo proibido pelo movimento sem-terra, o que
poderia sinalizar uma desmobilização do mesmo nesta região e que também vem
demonstrando ser essencial para a sobrevivência das famílias assentadas.
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